Graciliano Ramos - A Terra dos Meninos Pelados.pdf
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Voc j reparou como nem sempre estamos satisfeitos com a maneira como somos? Se nossos cabelos so encaracolados, gostaramos que fossem lisos; se so lisos, gostaramos de ter cachos. Se temos olhos escuros, gostaramos que fossem claros; se so claros, invejamos os que os tm escuros. Se somos muito altos, gostaramos de ser mais baixos; se baixos, desejaramos ser altos.Muitas vezes nos identificamos e nos aproximamos daqueles que se parecem mais conosco no gosto, nas afinidades Por isso, procuramos nossos pares: aqueles dos quais gostamos de estar perto, aqueles de quem desejamos receber afeto.Nesta histria fantstica, A terra dos meninos pelados, Graciliano Ramos aborda esse assunto fundamental na nossa vida: o que ser diferente? Precisamos ser iguais aos outros para sermos aceitos? As diferenas podem nos separar, criando conflitos?Voc pode imaginar uma histria com um ano que adora chorar e um menino sardento que quer pintar todo mundo? J sobre a menina Caralmpia nem vamos falar, voc vai descobrir lendo a histria e conhecendo todos os seus personagens. Voc vai gostar do Raimundo e de ir com ele at A terra dos meninos pelados.Da prxima vez que algum disser que voc diferente ou voc conhecer um amigo diferente, poder entender o que faz cada um de ns ser diferente e vai achar muito legal!
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ApresentaoVoc jreparoucomonemsempreestamossatisfeitoscomamaneira
como somos? Se nossos cabelos so encaracolados, gostaramos quefossem lisos; se so lisos, gostaramos de ter cachos. Se temos olhosescuros,gostaramosquefossemclaros;sesoclaros,invejamososqueostm escuros. Se somos muito altos, gostaramos de ser mais baixos; sebaixos,desejaramosseraltos.
Muitas vezes nos identi icamos e nos aproximamos daqueles que separecem mais conosco no gosto, nas a inidades... Por isso, procuramosnossospares:aquelesdosquaisgostamosdeestarperto,aquelesdequemdesejamosreceberafeto.
Nesta histria fantstica, A terra dos meninos pelados, GracilianoRamos aborda esse assunto fundamental na nossa vida: o que serdiferente? Precisamos ser iguais aos outros para sermos aceitos? Asdiferenaspodemnosseparar,criandoconflitos?
Vocpodeimaginarumahistriacomumanoqueadorachorareummenino sardento que quer pintar todo mundo? J sobre a meninaCaralmpia nem vamos falar, voc vai descobrir lendo a histria econhecendotodososseuspersonagens.VocvaigostardoRaimundoedeircomeleatAterradosmeninospelados.
Da prxima vez que algum disser que voc diferente ou vocconhecerumamigodiferente,poderentenderoque fazcadaumdensserdiferenteevaiacharmuitolegal!
OSEDITORES
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ConhecendooescritorGraciliano Ramos de Oliveira nasceu em 27 de outubro de 1892, em
Quebrngulo, Alagoas. Criado na Fazenda Pintadinho, no serto dePernambuco,aosseteanosde idade ingressouno internatoAlagoano,emViosa, e ali publicou sua primeira obra: o conto "Pequeno pedinte", nojornalzinho O Dilculo (que signi ica alvorada) sob assinatura de G.Ramos.
Em 1905, Graciliano foi para Macei, sendo matriculado no ColgioQuinze deMaro. Sob o pseudnimo Almeida Cunhaumdos hbitosdo escritor era a adoo de pseudnimos, publicou o soneto Cptico(cujagrafiaatualcticoesignificadescrente).
Aocompletardezoitoanos,foiparaPalmeiradosndios,emAlagoas,ondepassouaresidir,ajudandoopaiemumapequenalojadetecidos.
Entre 1914 e 1915, ento no Rio de Janeiro, trabalhou como revisornos jornais CorreiodaManh,ATardee OSculo, sobas iniciaisR.O.(Ramos de Oliveira). Voltou a Palmeira dos ndios onde vrios de seusfamiliareshaviammorridonumsurtodepestebubnica.
Em7dejaneirode1928,GracilianoassumiuaprefeituradePalmeiradosndios,experinciaquelheofereceumaterialparaoprimeiroromance,Caets, publicado em 1933. Em 1930, renunciou ao cargo, sendo, emseguida, nomeado diretor da Imprensa O icial do Estado, de onde sedemitiuemdezembrode1931pormotivospolticos.
No ano seguinte, comeou a colocar no papel seu segundo romance,So Bernardo, em boa parte escrito na sacristia da igreja Matriz dePalmeiradosndios.Em1933,foinomeadoDiretordeInstruoPblicadeAlagoas cargo hoje correspondente ao de Secretrio de Estado daEducao, permanecendo at 1936. Suas idias polticas, consideradasna poca "extremistas", izeram com que fosse detido e preso, semprocessoregular,emvriospresdiosdoRiode Janeiro.Seudramaedoscompanheiros de cadeia foram relatados em Memrias do crcere,publicadopostumamenteem1953.
Angstia,lanadoem1936,consideradooromancemaiscomplexodeGracilianoRamos,emqueoautorretrataacidadedeMaceidapoca.
A terra dos meninos pelados, obra escrita exclusivamente paracrianas,foiterminadanosltimosanosdadcadade30,juntamentecomas histrias de Alexandre e outros heris e Pequena Histria daRepblica.AterradosmeninospeladosrecebeuoPrmiodeLiteratura
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Infantil,concedidopeloMinistriodaEducao,em1937.Em1938oautorescreveuolivroquesetornousuaobra-prima:Vidassecas,seuquartoeltimoromance,voltadoparaodramasocialegeogr icodesuaregiooNordeste.
GracilianoRamosoMestreGraa,comoeracarinhosamentetratadomorreunoRiodeJaneiro,nodia20demarode1953.
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CaptuloUm
Havia ummenino diferente dos outrosmeninos. Tinha o olho direitopreto, o esquerdo azul e a cabea pelada. Os vizinhos mangavam dele egritavam:pelado!
Tantogritaramqueeleseacostumou,achouoapelidocerto,deuparaseassinaracarvo,nasparedes:Dr.RaimundoPelado.Eradebomgnioenosezangava;masosgarotosdosarredoresfugiamaov-lo,escondiam-sepordetrsdasrvoresdarua,mudavamavozeperguntavamque imtinham levado os cabelos dele. Raimundo entristecia e fechava o olhodireito. Quando o aperreavam demais, aborrecia-se, fechava o olhoesquerdo.Eacaraficavatodaescura.
No tendo com quem entender-se, Raimundo Pelado falava s, e osoutrospensavamqueeleestavamalucando.
Estava nada! Conversava sozinho e desenhava na calada coisasmaravilhosasdopasdeTatipirun,ondenoh cabeloseaspessoas tmumolhopretoeoutroazul.
CaptuloDois
Um dia em que ele preparava, com areia molhada, a serra deTaquaritueoriodasSeteCabeas,ouviuosgritosdosmeninosescondidospordetrsdasrvoresesentiuumbaquenocorao.
Quemraspouacabeadele?perguntouomolequedotabuleiro. Como botaram os olhos de duas criaturas numa cara? berrou o
italianinhodaesquina.Eramelhorquemedeixassemquieto,disseRaimundobaixinho.Encolheu-se e fechou o olho direito. Em seguida, foi fechando o olho
esquerdo, no enxergou mais a rua. As vozes dos molequesdesapareceram, s se ouvia a cantiga das cigarras. A inal as cigarras secalaram.
Raimundo levantou-se,entrouemcasa,atravessouoquintaleganhouomorro. A comearam a surgir as coisas estranhas que h na terra deTatipirun, coisas que ele tinha adivinhado, mas nunca tinha visto. Sentiuumagrande surpresa aonotarqueTatipirun icava ali pertode casa. Foi
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andando na ladeira, mas no precisava subir: enquanto caminhava, omonte ia baixando, baixando, aplanava-se como uma folha de papel. E ocaminho, cheio de curvas, estirava-se como uma linha. Depois que elepassava, a ladeira tornava a empinar-se e a estrada se enchia de voltasnovamente.
CaptuloTrs
Querem ver que isto por aqui j a serra de Taquaritu? pensouRaimundo.
Comoquevocsabe?roncouumautomvelpertodele.Opequenovoltou-seassustadoequisdesviar-se,masnotevetempo.
Oautomvelestavaaliemcima,peganopega.Eraumcarroesquisito:emvezdefaris,tinhadoisolhosgrandes,umazul,outropreto.
Estoufrito,suspirouoviajanteesmorecendo.Masoautomvelpiscouoolhopretoeanimou-ocomumrisogrossode
buzina: Deixe de besteira, seu Raimundo. Em Tatipirun ns noatropelamosningum.
Levantou as rodas da frente, armou um salto, passou por cima dacabea domenino, foi cair cinqentametros adiante e continuou a rodarfonfonando.Umalaranjeiraqueestavanomeiodaestradaafastou-separadeixarapassagemlivreedissetodaamvel:Fazfavor.
Noseincomode,agradeceuopequeno.Asenhoramuitoeducada.Tudoaquiassim,respondeualaranjeira. Est se vendo. A propsito, por que que a senhora no tem
espinhos?EmTatipirunningumusa espinhos, bradoua laranjeiraofendida.
Comosefazsemelhanteperguntaaumaplantadecente?quesoudefora,gemeuRaimundoenvergonhado.Nuncaandeiporestasbandas.Asenhoramedesculpe.Naminhaterra
osindivduosdesuafamliatmespinhos.Aqui era assimantigamente, explicou a rvore.Agoraos costumes
so outros. Hoje em dia, o nico sujeito que ainda conserva essesinstrumentosperfurantesoespinheiro-bravo,umtiposelvagem,demausbofes.Conhece-o?
Eunosenhora.Noconheoningumporestazona.bomnoconhecer.Aceitaumalaranja?
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Seasenhoraquiserdar,euaceito.Arvorebaixouumramoeentregouaopirralhoumalaranjamadura
egrande.Muito obrigado, dona Laranjeira. A senhora uma pessoa direita.
Adeus!Temabondadedemeensinarocaminho?essemesmo.Vseguindosempre.Todososcaminhossocertos.Euqueriaverseencontravaosmeninospelados.Encontra.Vseguindo.Andampora.Unsquetmumolhoazuleoutropreto?Semdvida.Todagentetemumolhoazuleoutropreto.Poisatlogo,donaLaranjeira.Passebem.Divirta-se.
CaptuloQuatro
Raimundocontinuouacaminhada,chupandoa laranjaeescutandoascigarras, umas cigarras gradas que passavam sobre enormes discos deeletrola.Osdiscosgiravam,soltosnoar,ascigarrasnodescansavamehavia em toda a parte msicas estranhas, como nunca ningum ouviu.Aranhas vermelhas balanavam-se em teias que se estendiam entre osgalhos,teiasbrancas,azuis,amarelas,verdes,roxas,cordasnuvensdocue cor do fundo do mar. Aranhas em quantidade. Os discos moviam-se,sombras redondas projetavam-se no cho, as teias agitavam-se comoredes.
RaimundodeixouaserradeTaquarituechegoubeiradoriodasSeteCabeas,ondesereuniamosmeninospelados,bemunsquinhentos,alvoseescuros,grandesepequenos,muitodiferentesunsdosoutros.Mastodoseramabsolutamentecalvos,tinhamumolhopretoeoutroazul.
CaptuloCinco
O viajante rondou por ali uns minutos, receoso de puxar conversa,pensando nos garotos que zombavam dele na rua. Foi-se chegando esentou-se numa pedra, que se endireitou para receb-lo. Um rapazinhoaproximou-se, examinou-lhe, admirado, a roupa e os sapatos. Todos aliestavam descalos e cobertos de panos brancos, azuis, amarelos, verdes,
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roxos,cordasnuvensdocuecordofundodomar,inteiramenteiguaissteiasqueasaranhasvermelhasfabricavam.
Eu queria saber se isto aqui o pas de Tatipirun, comeouRaimundo.
Naturalmente,respondeuooutro.Dondevemvoc?Raimundoinventouumnomeparaacidadedelequeficouimportante:VenhodeCambacar.Muitolonge.Jouvimosfalar,declarouorapaz.Ficaalmdaserra,noisto?issomesmo.Umaterradegentefeia,cabeluda,comolhosdeuma
cors.Fizboaviagemetivealgumasaventuras.EncontrouaCaralmpia?umalaranjeira?Quelaranjeira!menina. Como ele bobo! gritaram todos rindo e danando. Pensa que a
Caralmpialaranjeira.
CaptuloSeis
Raimundolevantou-setrombudoesaiuspressas,toencabuladoqueno enxergou o rio. Ia caindo dentro dele, mas as duas margens seaproximaram, a gua desapareceu, e omenino com um passo chegou aooutro lado, onde se escondeupordetrsdum tronco.A terra se abriudenovo,acorrentezatornouaaparecer,fazendoumbarulhogrande.
Porquequevocseesconde?perguntouo troncobaixinho.Estcommedo?
Nosenhor.queelescaoaramdemimporqueeunoconheoaCaralmpia.
Otroncosoltouumarisadaepilheriou: Deixe de tolice, criatura. Voc se afogando em pouca gua! As
crianasestavambrincando.umagenteboa. Sempre ouvi dizer isso. Mas debicaram comigo porque eu no
conheoaCaralmpia.Bobagem.Deixedemelindres. mesmo, concordou Raimundo. Eu pensava nos moleques que
faziamtroademim,emCambacar.Osenhorestdescansando,hein?.Estouaposentado,jvividemais.Raimundolevantou-se:
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Bem,seuTronco.Euvouandando. Espera a. Um instante. Quero apresent-lo aranha vermelha,
amiga velha queme visita sempre. Est aqui, vizinha. Este rapaz nossohspede.
CaptuloSete
Aaranhavermelhabalanou-seno io,espiandoomeninoportodososlados.O ioseestirouatqueobichinhoalcanouocho.Raimundofezumcumprimento:Boatarde,donaAranha.Comovaiasenhora?
Assim,assim,respondeuavisitante.Perdoeacuriosidade.Porquequevocpeessestroosemcimadocorpo?
Que troos?A roupa? Pois eu havia de andar nu, donaAranha?Asenhoranoestvendoqueimpossvel?
Noisso, ilhodeDeus.Essesarreiosquevocusasomedonhos.Tenhoaliumastnicasnogalhoondemoro.Muitobonitas.Escolhauma.
Raimundo chegou-se rvore prxima e examinou descon iado unsvestidos feitos daquele tecido que as aranhas vermelhas preparam.Apalpou a fazenda, tentou rasg-la, chegou-a ao rosto para ver se eratransparente.Noera.
Eunemseisepodereivestiristo,comeouhesitando.Noacredito... Que que voc no acredita? perguntou a proprietria da
alfaiataria. A senhorame desculpa, cochichou Raimundo. No acredito que a
gentepossavestirroupadeteiadearanha.Queteiadearanha!rosnouotronco. Issosedaedaboa.Aceiteo
presentedamoa.Entomuitoobrigado,gaguejouopirralho.Vouexperimentar.
CaptuloOito
Escolheu uma tnica azul, escondeu-se nomato e, passadosminutos,tornouamostrar-sevestidocomooshabitantesdeTatipirun.Descalou-see sentiu nos ps a frescura e amaciez da relva. L em cima os enormesdiscos de eletrola giravam; as cigarras chiavam msicas em cima deles,msicascomoningumouviu;sombrasredondasespalhavam-senocho.
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Estelugartimo,suspirouRaimundo.Masachoqueprecisovoltar.Precisoestudaraminhaliodegeografia.
Nisto ouviu uma algazarra e viu atravs dos ramos a populao deTatipiruncorrendoparaele:CadomeninoqueveiodeCambacar?
Erammilharesdecriaturasmidas,decincoadezanos,todascobertasde teias de aranha, descalas, um olho preto e outro azul, as cabeaspeladasnuas.Nohaviapessoasgrandes,naturalmente.
CadomeninoqueveiodeCambacar?Quenegcio tm comigo? resmungouo pequeno alarmado. Parece
umaprocisso.Pareceummeeting,disseumarquepuloudabeiradorio.Pareceumteatro,cantouumpardal.Raimundops-searir:Quepassarinhobesta!Elepensaqueteatrogente.Teatrocasa.Euestou falandonos sujeitosqueestodentrodo teatro,pipilouo
pardal.Bem,issooutracantiga,concordouRaimundo.
CaptuloNove
CadomeninoqueveiodeCambacar?gritavaopovaru. Essa tropa no sabe geogra ia, disse Raimundo. Cambacar no
existe.Eporquequenoexiste?perguntouar.Noexisteno,sinhaR.Foiumnomequeeuinventei.Poisfazdecontaqueexiste,ensinouabicha.Sempreexistiu.Asenhoratemcerteza?Naturalmente.Entoexiste.A r fechou o olho preto, abriu o azul e foi descansar numa poa
d'gua.CadomeninoqueveiodeCambacar?Estouaqui,pessoal,bradouRaimundo.Quequeh?Orio se fechoude repenteeamultidopassouporelenum instante.
Depoisasmargensseafastaram,aguatornouaaparecer.Queriointeressante!exclamouRaimundo.Deveterummaquinismo
pordentro.
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Porquefoiquevocfugiudens?perguntouorapazinhoquetinhafaladosobreaCaralmpia.
Esperea.Eujdigo.Comooseunome?Pirenco.Quenomeengraado!Pirenco!Nohningumcomessenome.EusouPirenco,replicouooutro. Pois sim. No discutamos. Vamos ao caso do rio. Tem algum
maquinismopordentro?Notemmaquinismonenhum,disseumagarotadetnicaamarela.
Todososriossoassim.Claro!concordouPirenco.EssaaTalima.Prazeremconhec-la,Talima.Vocbonita.Eboa, interrompeuummeninosardento.Meiodesparafusada,mas
umcoraozinhodeacar.AquelaaSira.Otroncomefalouemvocstodos.Comovai,Sira?Porquefoiquevocfugiudagente?Raimundoficouacanhado,asorelhaspegandofogo: Sei l! Burrice. Julguei que estivessem troando de mim. Eu no
tinhaobrigaodeconheceraCaralmpia.QuemaCaralmpia?Ondeandarela?inquiriuosardento.Sumiu-se,explicouTalima.Foiumameninaquevirouprincesa. Caso triste, gemeu uma criatura mida, de dois palmos. Quando
pensoquepodeteracontecidoalgumadesgraa...
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CaptuloDez
Talimabaixou-seeconsolouoano:Calaaboca,nanico.Nohdesgraa.Imaginemqueelaencontrouoespinheiro-bravoeespetouosdedos.Encontrounada!PodetercrescidoeidomoraremCambacar.Nofoino, informouRaimundo.Novi lningumdestasbandas.
Comoafiguradela?umameninaplida,altaemagra.Princesa? . Sempre teve jeito de princesa. Agora virou princesa e levou
sumio.Queinfelicidade!choramingouoano. Vamos procurar a Caralmpia, convidou Talima. Deixe de
choradeira,nanico.Jdeixei,murmurouoanozinhoenxugandoosolhos.Saram todos, gritando, pedindo informaes a paus e bichos. O
sardentoiadevagar,distrado.PuxouRaimundoporumbrao:Eutenhoumprojeto.
Estoureceandoqueanoitea,exclamouRaimundo.Seanoitepegaragenteaquinocampo...EramelhorentraremcasaedeixaraCaralmpiaparaamanh.
Omeu projeto curioso, insistiu o sardento,mas parece que estepovonomecompreende.
sempreassim,disseRaimundo.Faltarmuitoparaosolsepr?
CaptuloOnze
Oanozinhobateunapernadele:Nsnosesquecemosdeperguntarcomoquevocsechama.Raimundo.Soumuitoconhecido.Atos troncos, as laranjeiraseos
automveismeconhecem.Raimundoumnomefeio,atalhouPirenco.Muda-se,opinouoano.
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EmCambacareumechamavaRaimundo.Eraomeunome.Issonotemimportncia,decidiuTalima.FicasendoPirundo.Pirundonoquero.EntoMundu.Tambmnopresta.Munduumageringonadepegarbicho.PoisficaRaimundomesmo.Estdireito.Euqueriasabercomoagentesearranjadenoite.Quenoite?Anoite,aescurido,issoquevemquandoosolsedeita.Besteira!exclamouoano.Umapessoataludaa irmandoqueosol
sedeita!Quemjviusolsedeitar?Essa coisa que chega quando a Terra vira, emendouRaimundo. A
noite,percebem?QuandoaTerraviraparaooutrolado.Elevemcheiodefantasias,asseverouTalima.Escute,Fringo.ElecuidaqueaTerravira.
CaptuloDoze
Fringo,ummeninopreto,estirouobeioebocejou:Iluses. Qual nada! Vira. Em Cambacar ningum ignora isto. V l e
pergunte.Viraparaum lado tudo icano claro, a gente, as rvores, asrs, os pardais, os rios e as aranhas.Virapara o outro ladono se vnada,aquelepretume.Natural.Todososdiassed.
engano,interrompeuFringo.Nohnoite?Hoquevocestvendo.Noescurece,osolnomudadelugar...Nadadisso.Estbom.Precisoconsertaromeuestudodegeografia.Continuaram a marcha, andaram muito, e nenhuma notcia de
Caralmpia. O sol permanecia no mesmo ponto, no meio do cu. Nemmanhnemtarde.Umatemperaturaamena,invarivel.
Deve haver um maquinismo de relgio l por cima, calculouRaimundo.Voverqueeleperdeuacordaeparou.
Querouviromeuprojeto?interrompeuosardento.Vamos l, acedeuRaimundo.Masantesme tireumadvida.Vocs
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nodescansamnunca?Descansamos,explicouooutro.Quandoagenteestfatigada,deita-
seefechaumolho.Oolhopretoouoazul?Issoconforme.Fecha-seumolho.Ooutroficaaberto,vendotudo.
CaptuloTreze
Poiseuachoqueestchegandoahoradevoltaredescansar.Voltarparaonde?Voltarparaabeiradorio,entraremcasa,dormir.Novaleapena.Sequerverorio, tocarparaa frente.Oriodas
Sete Cabeas faz muitas curvas. Adiante aparece uma delas. Aqui nsnuncavoltamos.Voucontaromeuprojeto.
bom. Conte.Mas andando toa, sem destino, como que vocsentramemcasa?
Entraremcoisanenhuma!Agentesedeitanocho.Macio,realmente.Eascasas?Noentendo. Pois vou chamar o Pirenco. Venha c, seu Pirenco. Onde esto as
casas?Talimaencolheuosombros:EleveiodeCambacarcheiodeidiasextravagantes.Perguntasinsuportveis,acrescentouSira.Raimundoobservouosquatrocantos,noviunenhumaconstruo.Estbem,noteimamos.Vocsdormemnomato,comobichos.Descansamossombradessasrodasquegiram,disseFringo.Debaixodosdiscosdeeletrola.Simsenhor,bonitascasas.Equando
chove?Quandochove?Sim.Quandovemagualdecima,vocsnoseensopam?Noaconteceisso.Raimundoabriuabocaedeuumapancadanatesta:Que lugar!Nofazcalornemfrio,nohnoite,nochove,ospaus
conversam.Istoumfimdemundo.
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CaptuloQuatorze
Querouviromeuprojeto?segredouomeninosardento.Ah!sim.Ia-meesquecendo.Acabedepressa. Eu vou principiar. Olhe aminha cara. Est cheia demanchas, no
est?Paradizeraverdade,est.feiademaisassim?Nomuitobonitano.Tambmacho.Nemfeianembonita.Vl.Nemfeianembonita.umacara. . Uma cara assim assim. Tenho visto nas poas d'gua. O meu
projetoeste:podamosobrigartodaagenteatermanchasnorosto.Noficavabom?
Paraqu?Ficavamaiscerto,ficavatudoigual.Raimundo parou sob um disco de eletrola, recordou os garotos que
mangavamdele.
CaptuloQuinze
A cigarra l de cima interrompeu a cantiga, estirou a cabecinha. Eraumacigarragordaetinhaumolhopreto,outroazul.
Qualasuaopinio?perguntouosardento.Raimundohesitouumminuto:Noseino.Elescaoamdevocporcausadasuacarapintada? No. So muito boas pessoas. Mas se tivessemmanchas no rosto,
seriammelhores.A aranha vermelha deu um balano no io e chegou ao disco de
eletrola:Quehistriaaquela?Palavreado-toa,explicouadonadacasa.-toanada!bradouosardento.Cigarraearanhanotmvoto.Cada
macaconoseugalho. Istoumassuntoque interessaexclusivamenteaosmeninos.
Eu aqui represento a indstria dos tecidos, replicou a aranha
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arregalandooolhopretoecerrandooazul.Eeusouartista,acrescentouacigarra.Palavreado-toa.Raimundo esfregou asmos, constrangido, olhou os discos e as teias
coloridasqueseagitavam.Parece que elas tm direito de opinar. So importantes, so umas
sabichonas.Direitodedizerbesteiras!resmungouosardento.Nosenhor.Acigarratemrazo.Palavreado-toa.Entovocachaomeuprojetoruim?Parafalarcomfranqueza,euacho.Noprestano.Comoquevoc
vaipintaressesmeninostodos?Ficavamaiscerto.Ficavanada!Elesnodeixam.Erabomquefossetudoigual.Nosenhor,queagentenorapadura.Elesnogostamdevoc?
Gostam. No gostam do ano, do Fringo? Est a. Em Cambacar no assim,aborrecem-meporcausadaminhacabeapeladaedosmeusolhos.Tinhagraaqueoanoquisessereduzirosoutrosaotamanhodele.Comohaviadeser?
Eu sei l! rosnou o sardento amuado. O caso do ano diferente.Parecequeningummeentende.Vamosprocurarosoutros?
CaptuloDezesseis
Deixaram a artista e a representante da indstria dos tecidos,andaram cinqenta passos e foram encontrar os meninos brincando nagramaverde,fazendoumbarulhodesesperado.
Isto agradvel, murmurou Raimundo. Tudo alegre, cheio desade...Apropsito,ningumadoeceemTatipirun,noverdade?
Adoececomo?Julgoquevocsnovoaodentista,nosentemdordebarriga,no
tmsarampo.Nadadisso.Noenvelhecem.Sosempremeninos.Decerto. Eu j presumia. Pois , meu caro. Boa terra. Mas se todos fossem
comooanozinhoetivessemsardas,avidaseriaenjoada.
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Osardentopigarreou:difcilagenteseentender.As crianas danavam e cantavam, enfeitadas de lores, agitando
palmas.Viva aprincesaCaralmpia! gritavam.Viva aprincesaCaralmpia,
quelevousumioeapareceuderepente.Caralmpiaestavanomeiodobando,vestidanumatnicaazuladacor
das nuvens do cu, coroada de rosas, um broche de vaga-lume no peito,pulseirasdecobras-de-coral.
Credoemcruz!gemeuRaimundo assombrado. Tire essa bicharia de cima do corpo,menina.
Issomorde.Ovaga-lumetremelicou,brilhantedeindignao:comigo? No senhor, conosco, informaram as cobras. Aquilo um
selvagem.Naterradeleascoisasvivasmordem.VivaaCaralmpia!repetiaamultido.VivaaprincesaCaralmpia! Onde j se viu cobra servir de enfeite? suspirava Raimundo. Que
despropsito! Deixe disso, criatura, aconselhou Fringo, o menino preto. Voc se
espantadetudo.VenhafalarcomaCaralmpia.Euseilfalarcomprincesa!exclamouRaimundoencabulado.Elaprincesadementira, explicouTalima.princesaporque tem
jeito de princesa. Veja, Caralmpia. Este o Pirundo, que veio deCambacar.
Pirundo no. Ficou estabelecido que eu me chamo Raimundomesmo.
.FicouestabelecidoqueelesechamaRaimundomesmo.Aproxime-se,convidouCaralmpia.
CaptuloDezessete
Ohspedechegou-seaela,descon iado, espiandoas cobrinhas comorabo do olho. Curvou-se num salamaleque exagerado: Como vai vossaprincesncia?
Princesnciatolice,declarouPirenco.Toliceamarrarcobrasnosbraos,replicouRaimundo.Ondejse
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viusemelhantedisparate?Acabemcom isso,ordenouCaralmpia.Vamosdeixardeencrenca.
Por que que no pode haver princesncia? Isso uma arenga besta,Pirenco.
Raimundobateupalmas:Apoiado.Sehexcelncia,hprincesnciatambm.Estcerto. Claro! concordou Talima. Se h Raimundo e Pirenco, h Pirundo
tambm.Pirundoestcerto.Nosenhora.Pirundoesterrado.Poisest,concedeuTalima.Estmesmo.Paraquedizerquenoest?triunfouRaimundo.Ento
vocprincesa,hein?Comofoiquevocvirouprincesa?Virando,respondeuCaralmpia.Agenteviraedesvira.Logovi,murmurouRaimundo.Pois.Umaterramuitobonitaasua,
princesa Caralmpia. Estou com vontade de me mudar para aqui. Se euvier, tragoomeugato.umgatoengraado,diferentedevocs,comdoisolhosverdes.Emedroso,temmedoderato.
Comoqueelesechama?perguntouaprincesa.Notemnomeno.Maseuvoubotarumnomenele.BotePirundo,sugeriuTalima.Botonada!Vouprocurarumnomebonitonageogra ia.Apropsito,
aquelerioquefechamesmooriodasSeteCabeas?Semdvida,informouSira.PorquequeelesechamariodasSeteCabeas?Porquesechama.Sempresechamouassim.Muitoobrigado.Eupodiabotaressenomenomeugato.Maseles
temumacabea. Bobagem! exclamou Pirenco. Gato das Sete Cabeas! Quem j viu
isso?BoteTatipirun.Tatipirunbonito,murmurouaprincesa. Pois ica sendo Tatipirun. Quando eu vier, trago Tatipirun. Ele vai
estranhar e miar no princpio, depois se acostuma. Vamos brincar debandido?
Aquiningumconheceessebrinquedono,respondeuSira.Vamoscorrer,saltar,danar.
Issocacete.Poisvamosfazeroanovirarprncipe.Nodoupara issono,protestouoanozinho.melhorconversar
comosbichos.Vamosprocurarumbichoquesaibahistriascompridase
-
bonitas.
CaptuloDezoito
Partiram. Caminharam bem meia lgua e encontraram uma guaribacabeluda, que andava comas juntas perras, escoradanum cajado, culosno focinho, a cabea pesada balanando. Raimundo avizinhou-se dela,curioso: Como , sinha Guariba? A senhora, com essa cara, deveconhecerhistriaantiga.Espicheunscasosdasuamocidade.
Eunotiveissono,meufilho.Semprefuiassim.Assimcorocaereumtica?estranhouRaimundo.Assimcomovocsestovendo.Foinada!Asenhoraantigamenteeraaprumadaevistosa.Sapeque
aumasguerrasdoCarlosMagno.Euseil!Estouesquecida.Souumaguaribapaleoltica.Paleoqu?Ltica.AprincesaCaralmpiaarrepiou-se:Quebarbaridade!Elaestmaluca.Noestno,atalhouRaimundo.Meu tiodiz essas atrapalhadas.umhomemqueestudou
muito,andounaarcadeNoetemculos.Direitinhoaguariba.dotempodelaeusapalavresdifceis.
Tragatambmessequandosemudarparaaqui,lembrouTalima.Elenovemno.Enovale apena.umsujeito ranzinzaepaleo
como?Ltico,respondeuaguariba. Isso mesmo. No vem no. Ele se enjoa de meninos, s gosta de
livros.Umtiposabidocomonuncaseviu.Noserve,decidiuTalima.Temapalavra,sinhaGuariba.Conteuma
histria.
CaptuloDezenove
Eu conto, balbuciou o bicho acocorando-se. Foi umdia ummeninoque icou pequeno, pequeno, at virar passarinho. Ficoumais pequeno e
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virou aranha. Depois virou mosquito e saiu voando, voando, voando,voando...
Edepois?perguntouSira.Aguaribavelhabalanavaacabeatremendoerepetia:Voando,voando,voando...Fringoimpacientou-se:Queamolao!Elapegounosono.Tinhapegadomesmo.Efalavadormindo,numagemedeira:Voando,voando,voando...Vamosembora,pessoal,convidouSira.Elanoacabahoje.Obichocomeouachorar.Souumaguaribapaleo... J sabemos, interrompeu Caralmpia. Toca para frente, povo. Que
significaraquelenomeencrencado? Vou perguntar a meu tio, prometeu Raimundo. Quando eu voltar
aqui,explicoavocs.
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CaptuloVinteAguaribapaleolticaficoutiritando,acocorada,agemer.Dorminhoca!rosnouSira.Queteriaacontecidoaomeninoquevirou
mosquito?Parecequetornouavirarmenino,disseFringo.Nodcerto,gritouoanozinho.melhorcontinuarmosquito.Vamosconsultaraguariba? No convm, interveio a princesa Caralmpia. Ela perdeu a bola.
Voando,voando...Nuncavianimaltoidiota. No senhora, protestou Raimundo. um bicho sabido. Meu tio
aquilo mesmo, sabido que faz medo. Mas no fala direito. Resmunga. Eengancha-se nas perguntasmais fceis. A gente quer saber uma coisa, eele se sai com umas compridezas, que do sono. Vai resmungando,resmungando e muda no im, acaba dizendo exatamente o contrrio doquedissenoprincpio.
Isso insuportvel, bradou Pirenco. No tolero conversa iada,panosmornos.
Nemeu,concordouTalima.Popo,queijoqueijo. Preciso voltar e estudar a minha lio de geogra ia, suspirou
Raimundo. Demore um pouco, pediu Talima. Vamos ouvir a Caralmpia. Por
ondeandouvocquandoesteveperdida,Caralmpia?ACaralmpiacomeouumahistriasempnemcabea:Andeinumaterradiferentedasoutras,umaterraondeasrvores
crescemcomasfolhasparabaixoeasrazesparacima.Asaranhassodotamanhodegente,easpessoasdotamanhodearanhas.
Quemmandal?Soasaranhasouagente?perguntouRaimundo.Nomeinterrompa,respondeuCaralmpia.Osgurisqueeuvitm
duascabeas,cadaumacomquatroolhos,doisnafrenteedoisatrs.Quefeira!exclamouPirenco.Nosenhor,somuitobonitos.Tmumabocanopeito,cincobraos
eumapernas. impossvel, atalhou Fringo. Assim eles no caminham. S se for
commuleta.Que ignorncia! tornou Caralmpia. Caminham perfeitamente sem
muleta,caminhamassim,olhe,assim.Ps-seasaltarnump: Para que duas pernas? A gente podia viver muito bem com uma
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pernas.Tentaram andar com um p, mas cansaram logo e sentaram-se na
grama.
CaptuloVinteeUmPrecisovoltar,murmurouRaimundo.Oanozinhochegou-seaeleesoprou-lheaoouvido:Tudoaquilomentira.EstaCaralmpiamente!...Siraagastou-se:Mentenada!Porquequenoexistempessoasdiferentesdens?
Se h criaturas com duas pernas e uma cabea, pode haver outras comduascabeaseumaperna.Esteanoburro.
Esto mexendo comigo, choramingou o anozinho. Mexem comigoporqueeusoumido.
A princesa Caralmpia puxou-o por um brao, deitou-o no colo eembalou-o:
Nochore,nanico.Naterraqueeuvisiteiningumchora,apesardetodos terem oito olhos, quatro azuis e quatro pretos. As rvores tm asrazesparacima,as folhasparabaixoedo frutasnocho.Os frutos soenormes,aspessoassocomoasaranhas.
Ondeficaessaterra,Caralmpia?perguntouosardento.Nomuito longe, no imdomundo, respondeuaprincesa.A gente
chegalvoando.Comoomosquitodaguariba, interrompeuoano.Descon iodisso.
Gentenovoa.Oranovoa!exclamouRaimundo.EmCambacaroshomensvoam.Voamdeverdadeoudementira?inquiriuTalima.Voamdeverdade.Antigamentenovoavam,mashojeandampelas
nuvens em avies, uns troos de metal que fazem zum... Certamente aCaralmpiaviajounumdeles.
Nofoino,disseCaralmpia.Entreinumautomvel.Osautomveisaquiandampelosares,eusei,confirmouRaimundo.Pois.Entrei,mexinumaalavanca,oautomvelsubiu,subiu,passou
alua,osoleasestrelas.Echegouterradosmeninosdumapernas,grunhiuoanozinho.
Nocreio. Coitado, murmurou Talima. Este ano um infeliz. No faa caso,
Pirundo.
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A senhorame troca sempreonome.Eu j lhedisseummilhodevezesquemechamoRaimundo.
CaptuloVinteeDoisIssomesmo.Fiquecomagente.Aquitobom... No posso, gemeu Raimundo. Eu queria icar com vocs, mas
precisoestudaraminhaliodegeografia.necessrio?Seil!Dizemquenecessrio.Parecequenecessrio.En im...no
sei.ARaimundoentristeceueenxugouosolhos: uma obrigao. Vou-me embora. Vou com muita saudade, mas
vou.Tenhosaudadedevocstodos,aspessoasmelhoresquejencontrei.Vou-meembora.
Volteparaviverconosco,pediuCaralmpia.,podeser.Seacertarocaminho,euvolto.Etragoomeugatopara
vocsverem.Nodeixedeserprincesano,Caralmpia.Voc icabonitavestidadeprincesa.Quandoeuestivernaminhaterra,heidemelembrardaprincesaCaralmpia,que temumbrochedevaga-lumeepulseirasdecobras-de-coral. E direi aos outros meninos que em Tatipirun as cobrasnomordemeservemparaenfeitarosbraosdasprincesas.Vopensarque mentira, zombaro dos meus olhos e da minha cabea pelada. EuentoensinareiatodosocaminhodeTatipirun,direiqueaquias ladeirasseabaixameosriossefechamparaagentepassar.
Raimundo afastou-se lento e procurou orientar-se. Os outros oseguiram de longe, calados. Andaram at o rio. L estavam margem,pertodotronco,ossapatosearoupa.
Ogarotoescondeu-senomato,vestiu-sedenovo,tornouapendurarnoramoatnicaazulqueaaranhalhetinhadado.
Devoluo?perguntouobichinho.,donaAranha.Muitoobrigado,noprecisomaisdela.QuerdizerquevoltaparaCambacar,no?coaxouarnabeira
dapoa.Volto,simsenhora.Voltocompena,masvolto. Faz tolice, exclamou o tronco. Onde vai achar companheiros como
essesquehporaqui? No acho no, seu Tronco. Sei perfeitamente que no acho. Mas
tenho obrigaes, entende? Preciso estudar a minha lio de geogra ia.Adeus.
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CaptuloVinteeTrsAtravessouoriocomumpasso.Ascrianaspeladasforamencontr-lo.
CaminharamalgumtempoechegaramserradeTaquaritu.ARaimundosedespediu:Adeus,meus amigos. Lembrem-se demim uma ou outravez, quando no tiverem brinquedos, quando ouvirem as conversas dascigarras comas aranhas. Fiquei gostandomuitodelas, iquei gostandodevocstodos.Talvezeunovolte.Vouensinarocaminhoaosoutros,falareiem tudo isto, na serra de Taquaritu, no rio das Sete Cabeas, naslaranjeiras, nos troncos, nas rs, nos pardais e na guariba velha,pobrezinha, queno se lembradas coisas e ica repetindoumpedaodehistria. Quero bem a vocs. Vou ensinar o caminho de Tatipirun aosmeninosdaminhaterra,mastalvezeumesmomepercaenoacertemaisocaminho.Notornareiaveraserraquesebaixa,orioquesefechaparaa gente passar, as rvores que oferecem frutos aosmeninos, as aranhasvermelhasquetecemessastnicasbonitas.Novoltarei.Maspensareiemvocs todos, noPirencoenoFringo,no anozinhoeno sardento, na Sira,na Talima, na Caralmpia. Voc me troca sempre o nome, Talima. E euquero bem a voc, ando at com vontade de virar Pirundo, para noteimarmos se ainda nos virmos. Lembre-se do Pirundo, Talima. Longedaqui,fechareiosolhosevereiacoroaderosasnacabeadaCaralmpia,o broche de vaga-lume, as pulseiras de cobras-de-coral. Adeus, meusamigos. Que im ter levado omenino da guariba? Quando ummosquitozumbir perto de mim, pensarei nele. Pode ser que esteja zumbindo omeninoqueaguaribadeixouvoando.Pobredaguariba.Estbalanandoacabea,falandos,enoacorda.Euvoltoumdia,venhoconversarcomela,ouvirorestodahistriadomeninoqueviroumosquito.EheideencontraraCaralmpiacomasmesmasrosasnacabea,ovaga-lumeacesonopeito,as cobras-de-coral nos braos. Vou prestar ateno ao caminho para nome perder quando voltar. E trarei uns meninos comigo. Os meninosmelhoresqueeuconhecervirocomigo.Seelesnoquiseremvir, tragoomeugato,quemansoehdegostardevocs.Adeus,seuFringo.Adeus,seu Pirenco. Sira, Caralmpia, todos, adeus! No preciso que meacompanhem. Muito obrigado, no se incomodem. Eu acerto o caminho.Adeus!Lembre-sedoPirundo,Talima.
Raimundo comeou a descer a serra de Taquaritu. A ladeira seaplanava. E quando ele passava, tornava a inclinar-se. Caminhou muito,olhouparatrsenoenxergouosmeninosquetinham icadolemcima.
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Ia to distrado, com tanta pena, que no viu a laranjeira no meio daestrada.Alaranjeiraseafastou,deixouapassagemlivreeguardousilncioparanointerromperospensamentosdele.
Agora Raimundo estava no morro conhecido, perto de casa. Foi-sechegando, muito devagar. Atravessou o quintal, atravessou o jardim episounacalada.
As cigarras chiavam entre as folhas das rvores. E as crianas queembirravamcomelebrincavamnarua.
FIM
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FalandodeNovela
Voc acabou de ler o volume da Coleo Literatura emMinha CasaquetrazanovelaTerradosmeninospelados,deGracilianoRamos.Serque esta novela tem alguma relao com as novelas apresentadas pelateleviso?No fundo, so parecidas, pois so narrativas ordenadas, cheiasde fatos humanos ictcios. So como novelos de linha, que vo sedesenrolando, em captulos, ou em partes, e vo contando sobre oenvolvimentodaspersonagens,osconflitoseassolues.
Contudo, voc vai ver com a leitura do glossrio que a novela umamodalidadeliterria,maislongaqueocontoemaiscurtaqueoromance.
Esperamosquevocpossatirarproveitodasinformaessobrealgunselementosdaliteraturaquereservamosparaestapartefinaldaobra.
Aantagonista:apersonagemqueatuacomoadversriaouopositora
dapersonagemprincipal.
Eenredo: conjunto de fatos que compem a ao de uma obra de
fico.escritor:profissionalquesededicaacomposiesdetextosliterrios.
F ico:algoimaginrio,fantasioso,criado.Soconsideradosliteratura
deficooconto,anovelaeoromance.
Nnarrador:aquelequenarrafatosoueventosemumanarrativa.um
dos componentes de uma obra literria, podendo participar ou no doenredo.
novela:expressoliterriaapresentadaemformadenarraocurtaeordenada,quesegueumenredo.
novelista:quemescrevenovela.
Pprosa: o texto livre, que no vem escrito em versos. uma obra
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organizadaempargrafos,comumtextoqueocupaalinhaatofim.prosador:pessoaqueescreveemprosa.protagonista: a personagem principal de uma histria, que o
centrodosconflitos.Podeserumserhumano,animalouobjeto.
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LembranadeGracilianoRamos
Conheci Graciliano Ramos em Macei, quando eu era menino. A suamo de Secretrio da Educao do Estado deAlagoas pousou, num gestodeinusitadocarinhoediscretoestmulo,emminhacabeadeprimeirodaaula,noGrupoEscolarDr.PedroII.Foiomeubatismoliterrio.AovirparaoRio,em1943,eleabriuaportadesuacasaparamim,estabelecendo-se,ento, um convvio que durou at a sua morte. Foi e era um grandeescritor,mestre de sua arte irrepreensvel, que trouxe para o Brasil e alngua portuguesa as histrias agoniadas do serto alagoano, o dramaannimoepungentedasvidassecaseohorrordosquesoencarceradossemculpa.Sualiodevidaperptua.Hojeeleumdosnossosclssicosisto,umescritor indispensvelquedeveser lidonasescolasevidainteira.
LdoIvo(daAcademiaBrasileiradeLetras)
ApresentaoConhecendo o escritorCaptulo UmCaptulo DoisCaptulo TrsCaptulo QuatroCaptulo CincoCaptulo SeisCaptulo SeteCaptulo OitoCaptulo NoveCaptulo DezCaptulo OnzeCaptulo DozeCaptulo TrezeCaptulo QuatorzeCaptulo QuinzeCaptulo DezesseisCaptulo DezesseteCaptulo DezoitoCaptulo DezenoveCaptulo VinteCaptulo Vinte e UmCaptulo Vinte e DoisCaptulo Vinte e TrsFalando de NovelaLembrana de Graciliano Ramos