Gonçalo Capitão Advogado / Mestre em Ciências do Direito ... da nulidade... ·...

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CAPITÃO, RODRIGUES BASTOS, AREIA e associados - SOCIEDADE DE ADVOGADOS, RL REGISTO O.A. 52/02 | NIPC 506 048 667 | www.crba.pt LISBOA: AVENIDA DUQUE D’ÁVILA, 66, 5º | 1069-075 LISBOA | TELEF: +351 213 564 301 | FAX: +351 213 564 321 PORTO: RUA CALDAS XAVIER, 38, 4º ESQ. | 4150-162 PORTO | TELEF: +351 220 188 759 | FAX: +351 226 067 007 Gonçalo Capitão Advogado / Mestre em Ciências do Direito Público Algumas considerações sobre os efeitos da declaração de nulidade de um acto de declaração de utilidade pública de expropriação, com fundamento na preterição de formalidade essencial 1. A questão objecto deste sintético estudo compulsa-nos para o âmbito da execução de sentenças no contencioso administrativo, implicando a análise da totalidade dos vários aspectos que esta matéria abrange. De igual modo, por estar em causa a declaração de nulidade de uma declaração de utilidade pública da expropriação de determinado ou determinados bens, bem como por se visar a reconformação de relações jurídicas administrativas de conteúdo expropriatório, cumpre tomar por ponto de partida a caracterização da declaração de utilidade pública enquanto acto típico de Direito Administrativo. Partindo desse enquadramento, debruçar-nos-emos sobre os efeitos do caso julgado nas relações jurídicas existentes, nomeadamente no que concerne aos direitos e aos deveres, impendentes sobre as partes, que emergem da declaração de nulidade. Concluindo-se pela inexorabilidade da necessidade de reposição da legalidade violada, cuidaremos de determinar, sem preocupação de sermos exaustivos, os termos em que a reposição da legalidade deve ser realizada, nomeadamente no que concerne à renovação do acto declarado nulo, à eventual atribuição, a este acto, de efeitos retroactivos e à eventual necessidade de renovação de actos conexos com o acto declarado nulo. Relacionada com estas questões surge uma outra, também objecto da nossa análise, que tem a ver com a eventual necessidade de inclusão, no procedimento de reposição da legalidade violada e nas relações jurídicas que dele emergirem, de prestações de conteúdo indemnizatório em favor dos expropriados. Adoptamos, por isso, a seguinte estrutura de análise:

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CAPITÃO, RODRIGUES BASTOS, AREIA e associados - SOCIEDADE DE ADVOGADOS, RL REGISTO O.A. 52/02 | NIPC 506 048 667 | www.crba.pt

LISBOA: AVENIDA DUQUE D’ÁVILA, 66, 5º | 1069-075 LISBOA | TELEF: +351 213 564 301 | FAX: +351 213 564 321

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Gonçalo Capitão Advogado / Mestre em Ciências do Direito Público

Algumas considerações sobre os efeitos da declaração de nulidade de um acto de declaração de

utilidade pública de expropriação, com fundamento na preterição de formalidade essencial

1. A questão objecto deste sintético estudo compulsa-nos para o âmbito da execução de

sentenças no contencioso administrativo, implicando a análise da totalidade dos vários aspectos

que esta matéria abrange.

De igual modo, por estar em causa a declaração de nulidade de uma declaração de utilidade

pública da expropriação de determinado ou determinados bens, bem como por se visar a

reconformação de relações jurídicas administrativas de conteúdo expropriatório, cumpre tomar

por ponto de partida a caracterização da declaração de utilidade pública enquanto acto típico de

Direito Administrativo.

Partindo desse enquadramento, debruçar-nos-emos sobre os efeitos do caso julgado nas

relações jurídicas existentes, nomeadamente no que concerne aos direitos e aos deveres,

impendentes sobre as partes, que emergem da declaração de nulidade.

Concluindo-se pela inexorabilidade da necessidade de reposição da legalidade violada,

cuidaremos de determinar, sem preocupação de sermos exaustivos, os termos em que a reposição

da legalidade deve ser realizada, nomeadamente no que concerne à renovação do acto declarado

nulo, à eventual atribuição, a este acto, de efeitos retroactivos e à eventual necessidade de

renovação de actos conexos com o acto declarado nulo.

Relacionada com estas questões surge uma outra, também objecto da nossa análise, que

tem a ver com a eventual necessidade de inclusão, no procedimento de reposição da legalidade

violada e nas relações jurídicas que dele emergirem, de prestações de conteúdo indemnizatório

em favor dos expropriados.

Adoptamos, por isso, a seguinte estrutura de análise:

pg. 2

1. A declaração de utilidade pública enquanto acto administrativo;

2. Os efeitos do caso julgado;

3. Os actos administrativos renováveis e não renováveis em sede de execução de sentenças;

4. A eventual retroactividade dos actos praticados em sede de execução de sentenças;

5. A eventual necessidade de renovação das actuações administrativas conexas com o acto

declarado nulo;

6. A eventual necessidade de consideração de prestações de natureza indemnizatória em

sede de execução de sentenças;

7. A reconstituição do procedimento e o processo de execução de sentenças de anulação de

actos administrativos.

I. A DECLARAÇÃO DE UTILIDADE PÚBLICA ENQUANTO ACTO ADMINISTRATIVO

2. Como não poderia deixar de ser, a caracterização da declaração de utilidade pública,

enquanto acto administrativo típico e nominado, deve partir do disposto no artigo 1.º do Código

das Expropriações, que estatui que “os bens imóveis e os direitos a eles inerentes podem ser

expropriados por causa de utilidade pública compreendida nas atribuições, fins ou objecto da

entidade expropriante, mediante o pagamento de uma justa indemnização nos termos do presente

Código”.

Antes do mais, deve vincar-se que o nosso estudo incide exclusivamente na expropriação

formal, materializada num acto de declaração de utilidade pública, não sendo necessário apurar a

emergência de situações de expropriação material (1). De facto a totalidade da relação jurídica de

carácter expropriatório é, imediata e integralmente, determinada pelo conteúdo da declaração de

utilidade pública, não havendo, na presente situação, afectações do direito de propriedade que

escapem ao âmbito da declaração de utilidade pública ou que não tenham esta como causa.

1 Para concretização da distinção entre expropriação material e expropriação formal, cfr., por todos, Gonçalo

Capitão, Expropriação e Ambiente, Lisboa, 2004, pp. 73 e ss. e 101 e ss., e as referências bibliográficas aí efectuadas.

pg. 3

Assim sendo, a concepção liberal do conceito de expropriação serve perfeitamente o

propósito de ilustrar o que nos ocupa: estamos perante um “acto de autoridade que tem como

efeito típico a privação e a transferência da propriedade em proveito de um terceiro beneficiário

ou ainda qualquer constituição de direitos reais ou outros em proveito do Estado ou de terceiro por

motivos de interesse geral” (2), no âmbito de uma “relação jurídica pela qual o Estado,

considerando a conveniência de utilizar determinados bens imóveis em um fim específico de

utilidade pública, extingue os direitos subjectivos constituídos sobre eles e determina a sua

transferência definitiva para o património da pessoa a cujo cargo esteja a prossecução desse fim,

cabendo a esta pagar ao titular dos direitos extintos uma indemnização compensatória” (3).

A declaração de utilidade pública surge, assim, como o acto administrativo fulcral de toda e

qualquer relação jurídica formal de expropriação, podendo caracterizar-se como “o acto pelo qual

se declara a necessidade de um determinado bem para a prossecução de uma utilidade pública

concreta” (4), ou o “acto, legislativo ou administrativo, pelo qual se reconhece que determinados

bens são necessários à realização de um fim de utilidade pública mais importante que o destino a

que estão afectados” (5).

3. Desta forma, e entrando já na caracterização do direito, podemos afirmar que a declaração

de utilidade pública é um acto administrativo primário, impositivo, de conteúdo ablativo, já que,

versando pela primeira vez sobre uma determinada situação da vida, impõe a alguém a sujeição a

efeitos jurídicos de extinção do conteúdo de um direito (6).

Em termos mais precisos, o acto de declaração de utilidade pública produz dois tipos de

efeitos: por um lado, efeitos de natureza real ou objectiva, que incidem sobre o bem

expropriando, como a sua afectação a determinado fim e a criação de um vínculo de

indisponibilidade; por outro, efeitos de natureza obrigacional ou subjectiva, que relacionam as

2 Cfr. Fernando Alves Correia, “As garantias do particular na expropriação por utilidade pública, Separata do

Volume XXIII do Suplemento ao Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Coimbra, 1982, p. 77.

3 Cfr. Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, Volume II, 8.ª Edição, Coimbra, 1986, p. 996.

4 Cfr. Gonçalo Capitão, Expropriações por utilidade pública, in Legislação Fundamental de Direito do

Urbanismo Anotada e Comentada, Lisboa, 1994, p. 309. 5 Cfr. Marcello Caetano, Manual..., p. 1020.

6 Cfr., por todos, Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, Volume II, 2.ª Reimp., Coimbra,

2003, pp. 253 a 255.

pg. 4

diversas partes da relação jurídica administrativa de expropriação. Já antes nos pronunciámos

neste sentido, o que fizemos nos seguintes termos:

“Ao nível da eficácia do acto de declaração de utilidade pública da expropriação,

podemos distinguir dois efeitos fundamentais.

Em primeiro lugar, um efeito constitutivo da relação expropriatória, isto é, e como

referimos anteriormente, a declaração de utilidade pública é o facto constitutivo desta

relação jurídica.

Assim, a declaração de utilidade pública vem fixar os elementos objectivos e

subjectivos da relação jurídica expropriatória ou, por outras palavras, vem definir as

partes na relação – expropriante, expropriado e entidade beneficiária –, o objecto da

relação – bens a expropriar –, e o fim da expropriação – a utilidade pública específica

cuja satisfação é visada.

Como consequência deste efeito constituem-se, ainda na esfera jurídica das partes na

relação jurídica, um conjunto de poderes e deveres processuais, relativos ao processo

de expropriação que se lhe segue para tornar efectiva a transferência dos bens.

Em segundo lugar, um efeito restritivo do direito de propriedade do expropriado.

É que, se bem que o expropriado não perca por mero efeito da declaração de utilidade

pública o seu direito de propriedade, este não fica, no entanto, incólume a essa

declaração.

Na verdade, e em nossa opinião, a declaração de utilidade pública, se bem que não

afecte os poderes de uso e fruição, retira ao expropriado o seu poder de livre

disposição.

Apesar de alguma polémica existente sobre se a declaração de utilidade pública tinha

como efeito a indisponibilidade do bem, julgamos que este Código veio dar o

elemento que faltava para a inequívoca aceitação desta restrição ao direito de

propriedade.

Com efeito, a sujeição da declaração de utilidade pública a registo (art.º 15.º, n.º 6),

vem reforçar seriamente a ideia da indisponibilidade do bem dela objecto, afastando

pg. 5

a tese dos que defendiam existir uma mera ineficácia da compra e venda face à

entidade expropriante” (7).

Também Perestrelo de Oliveira partilha da ideia de que são estes os efeitos típicos da

declaração de utilidade pública:

“Ao declarar a utilidade pública da expropriação, o Governo, a Assembleia Municipal

ou o Governo Regional competente exerce o seu poder de autoridade, modificando ou

alterando situações jurídicas pré-existentes de conteúdo patrimonial. Contraposto a

esse poder encontra-se um estado de sujeição do expropriado, que inelutavelmente

irá sofrer na sua esfera patrimonial os efeitos do acto declarativo.

A declaração de utilidade pública, por um lado, faz cessar o direito de propriedade e

reduz o proprietário à situação de mero possuidor até à transferência do bem para o

expropriante (através da adjudicação judicial ou em consequência de expropriação

amigável) ou até à posse administrativa do bem; por outro lado, dela resulta que o

bem fica adstrito à satisfação do fim de utilidade pública que concretamente

identifica.

Da declaração de utilidade pública resulta, ainda, a sub-rogação do bem expropriado

pelo crédito indemnizatório” (8).

Atendendo ao exposto, deve considerar-se que “a declaração de utilidade pública é, pois,

mais do que simples condição da expropriação: produzindo a extinção do direito de livre disposição

do proprietário e criando a coacção psicológica específica do carácter forçado da transferência dos

bens pretendidos, é o próprio facto constitutivo da relação jurídica da expropriação” (9-10). De

facto, a declaração de utilidade pública contém dois imperativos: “um que extingue o vínculo que

liga a coisa ao seu proprietário e outro que manda que a pessoa a cujo cargo está o interesse

7 Cfr. Gonçalo Capitão, Expropriações..., p. 313.

8 Cfr. Luís Perestrelo de Oliveira, Código das Expropriações Anotado, 2.ª Edição, Coimbra, 2000, p. 65.

9 Cfr. Marcello Caetano, Manual..., p. 1003.

10 Cfr., sobre a relação jurídica de expropriação, Marcello Caetano, Em torno do conceito de expropriação

por utilidade pública, in Estudos de Direito Administrativo, Lisboa, 1974, pp. 180 e ss..

pg. 6

público protegido entre de posse da coisa expropriada e pague a respectiva indemnização,

praticando para esse efeito as diligências processuais previstas na lei” (11).

Podemos então concluir que os efeitos jurídicos decorrentes do acto de declaração da

utilidade pública da expropriação de um ou vários bens necessários a um concreto fim de

utilidade pública, são a afectação do objecto da expropriação a determinados fins de utilidade

pública e a constituição de uma relação jurídica de natureza expropriatória que liga os

expropriados, os demais interessados, a entidade beneficiária da expropriação e a entidade

expropriante, a qual tem por termos essenciais a subtracção da disponibilidade do bem e a criação

de um crédito na esfera dos expropriados e demais interessados, bem como a subsunção desta

relação jurídica ao disposto no Código das Expropriações.

II - OS EFEITOS DO CASO JULGADO

4. O que se passa, porém, se o acto que declarou a utilidade pública de uma expropriação,

estiver ferido de vício gerador da sua nulidade?

Nesse caso, estamos perante um acto administrativo que introduziu (rectius, que pretendeu

introduzir) determinadas alterações na ordem jurídica respeitantes a determinados bens. E

referimos que este acto pretendeu introduzir determinadas alterações na ordem jurídica, e não

que as introduziu, por força da sua nulidade.

A matéria das formas de invalidade do acto administrativo encontra-se actualmente prevista

nos artigos 133.º a 136.º do CPA, podendo a invalidade de um acto administrativo assumir a forma

de nulidade ou de anulabilidade (12).

De uma forma esquemática, os traços característicos do regime da nulidade dos actos

administrativos que relevam para o presente estudo são os factos de o acto nulo ser totalmente

11

Cfr. Alcindo Costa, Declaração de Utilidade Pública, in Dicionário Jurídico da Administração Pública, 3.º Volume, Lisboa, p. 307.

12 Sobre a invalidade do acto administrativo, cfr. Diogo Freitas do Amaral, Curso..., pp. 403 e ss.; Mário

Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e João Pacheco de Amorim, Código do Procedimento Administrativo Comentado, 2.º Edição, Coimbra, 2005, pp. 637 e ss.; Vieira de Andrade, Validade (do acto administrativo), in Dicionário Jurídico da Administração Pública, 7.º Volume, Lisboa, pp. 581 e ss..

pg. 7

ineficaz desde a data da sua prática (13), de a invalidade do acto administrativo nulo ser insanável,

quer pelo decurso do tempo, quer por ratificação, reforma ou conversão (14), de o acto nulo poder

ser impugnado a todo o tempo, não estando a sua impugnação sujeita a qualquer prazo (15), de a

nulidade poder ser conhecida a todo o tempo por qualquer órgão administrativo (16), e, por fim,

de o reconhecimento judicial da sua existência tomar a forma de declaração de nulidade e ter

natureza meramente declarativa.

Desta forma, o acto declarativo da utilidade pública de expropriação que seja nulo está

integralmente sujeito ao regime exposto no parágrafo anterior, pelo que se conclui que o mesmo

não produziu quaisquer efeitos e que a invalidade de que padece é insanável.

5. Depois das considerações já expendidas, de natureza mais ou menos introdutória, entramos

agora no cerne do presente estudo, cuidando de saber quais os efeitos que decorrem da

declaração jurisdicional da nulidade do acto declarativo da utilidade pública de expropriação (17).

A doutrina costuma identificar três tipos de efeitos que emergem das sentenças

pronunciadas no contencioso administrativo e que vinculam as partes.

Assim, em primeiro lugar, é usualmente referido um efeito anulatório, associado à anulação

de actos administrativos, e que, nos casos em que o tribunal se pronuncia pela nulidade do acto

impugnado, não constitui propriamente um efeito do caso julgado: neste caso, estaremos perante

uma sentença que se limita a declarar a nulidade do acto administrativo impugnado (que é nulo

13

De acordo com o disposto no artigo 134.º, n.º 1, do CPA. 14

Por força do disposto no artigo 137.º, n.º 1, do CPA. 15

Nos termos do disposto no artigo 134.º, n.º 2, do CPA. 16

De acordo com o disposto no artigo 134.º, n.º 2, do CPA. 17

Deve ser sublinhado que, “como as sentenças de declaração de nulidade ou inexistência de actos administrativos foram historicamente assimiladas às de anulação para os mais diversos efeitos e que a essa tradição se continua a reconduzir ao artigo 50.º, n.º 1, ao delimitar o objecto dos processos de impugnação de actos administrativos, não repugna, entretanto, admitir que o processo de execução de

sentenças de anulação de actos administrativos também possa ser utilizado para extrair

consequências das pronúncias que tenham declarado a nulidade ou a inexistência desses actos” (cfr. Mário Aroso de Almeida, O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, 4.ª Edição, Coimbra, 2005, p. 391, negrito nosso; cfr., no mesmo sentido, Rui Chancerelle de Machete, Execução de Sentenças Administrativas, in Estudos de Direito Público, Coimbra, 2004, p. 277, com o argumento de que “de jure não há situação hipotética a reconstituir, mas de facto pode muito bem haver”; Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa (Lições), 4.ª Edição, Coimbra, 2003, p. 363).

pg. 8

ab initio), e que, por essa razão, não introduz qualquer modificação na ordem jurídica vigente,

pelo que é uma sentença declarativa ou de simples apreciação (e não constitutiva) (18-19).

Este efeito, que neste caso adopta a forma de efeito meramente declarativo, encarna a

satisfação das pretensões imediatas do impugnante, no sentido de que foi o reconhecimento da

ilegalidade do acto em tribunal que o motivou a impugná-lo. Neste sentido, as relações jurídicas

existentes entre as partes do processo (que acontece serem as mesmas do procedimento

expropriatório) pautam-se agora, numa perspectiva meramente estática, pela inexistência de

qualquer acto declarativo da utilidade pública da expropriação dos bens imóveis em causa, ou,

dito de outra forma, a declaração de nulidade “faz com que tudo se passe como se o acto (...)

nunca tivesse sido praticado” (20).

Desta forma, a relação jurídica aqui em causa deve ser enquadrada partindo do facto,

efectivo, de que os efeitos da declaração de utilidade pública, enquanto acto administrativo típico

previsto na lei, nunca se produziram, devendo partir-se do princípio de que a actuação concreta

que foi promovida pela entidade beneficiária da expropriação sobre os imóveis pretensamente

expropriados careceu de causa jurídica habilitante para o efeito.

6. Em segundo lugar, é imputado às sentenças do contencioso administrativo um efeito

repristinatório, sobre o qual discorreu Mário Aroso de Almeida, ainda que por referência a

decisões de anulação (e não de declaração de nulidade), mas com um conteúdo perfeitamente

transponível para o caso, nos seguintes termos:

“A sentença anulatória tem o alcance de eliminar da ordem jurídica a definição que o

acto anulado tinha introduzido. E, por conseguinte, tem também o alcance de

redefinir, ela própria, a situação jurídica sobre a qual incidia aquele acto, na medida

em que compreende um decisivo efeito repristinatório [em relação ao qual] se pode 18

Cfr. Diogo Freitas do Amaral, Curso..., p. 408, em que refere, de uma forma muito clara, a diferença entre a procedência da impugnação de um acto administrativo com base na sua nulidade ou na sua anulabilidade: “O reconhecimento de que o acto é anulável por parte do tribunal determina a sua anulação. A sentença proferida sobre um acto anulável é uma sentença de anulação (assumindo natureza constitutiva), enquanto a sentença proferida sobre o acto nulo é uma declaração de nulidade. Por outras palavras: o acto nulo é declarado nulo; o acto anulável é anulado”.

19 Cfr. Vasco Pereira da Silva, Para um contencioso administrativo dos particulares (esboço de uma teoria

subjectivista do recurso directo de anulação), Coimbra, 1997, p. 234. 20

Cfr. Mário Aroso de Almeida, Anulação de Actos Administrativos e Relações Jurídicas Emergentes, Coimbra, 2002, p. 215.

pg. 9

dizer que conduz ao ressurgimento, durante todo o período de vigência do acto

anulado, do regime jurídico que teria vigorado se o acto não tivesse sido praticado.

Neste sentido, pode dizer-se que “a anulação assume dois aspectos, um destrutivo,

outro repristinatório”, sendo que “o efeito repristinatório é aquele pelo qual as

qualificações jurídicas que precedem aquela no acto invalidado readquirem eficácia”.

O efeito repristinatório é fundamental, porque inerente à própria natureza dos actos

anulatórios, enquanto factores de transformação da ordem jurídica.

Assim, uma vez anulado o acto administrativo que tinha determinado o confisco (ou a

expropriação) de um bem, reconstitui-se o direito de propriedade, nos termos em que

ele se apresentava no momento em que o acto anulado surtiu efeitos” (21).

A importância do efeito repristinatório radica assim no facto de satisfazer a necessidade de

reintegração da ordem jurídica relativamente ao lapso de tempo que decorreu desde a prática do

acto inválido até à data do reconhecimento jurisdicional dessa invalidade. Se no caso da anulação

jurisdicional de actos administrativos esse efeito decorre da retroactividade da decisão, através da

qual se elimina o acto administrativo e os seus efeitos da ordem jurídica, no caso da declaração de

nulidade não estamos propriamente perante um efeito da sentença, já que a sentença apenas

reconhece ou declara que aquele acto administrativo em concreto, por ser nulo, nunca produziu

efeitos nem introduziu qualquer alteração na ordem jurídica. Assim sendo, e consistindo o efeito

repristinatório também na introdução de alteração na ordem jurídica, a sua manifestação nas

sentenças de declaração de nulidade de actos administrativos é feita através de uma mera

apreciação ou declaração, não havendo qualquer conteúdo de natureza constitutiva neste tipo de

decisões (22).

Desta forma, se ao pretenso efeito constitutivo das sentenças administrativas que declaram

a nulidade de determinado acto administrativo se associa apenas a declaração de nulidade do

21

Cfr. Mário Aroso de Almeida, Anulação..., pp. 226 e 227. 22

Diogo Freitas do Amaral não aceita que o efeito repristinatório seja automático e decorra imediatamente da sentença anulatória, afirmando que o efeito apenas se verifica se a Administração não exercer o seu poder de renovar o acto anulado (cfr. Apreciação da Dissertação de Doutoramento do Mestre Mário Aroso de Almeida «Anulação Contenciosa de Actos Administrativos e Relações Jurídicas daí Emergentes», in Estudos de Direito Público e Matérias Afins, Volume II, Coimbra, 2004, pp. 418 e ss.).

pg. 10

acto, ao seu pretenso efeito repristinatório deve ligar-se a declaração de não produção de efeitos

por parte do acto declarado nulo.

7. Por fim, o terceiro dos efeitos comummente apontados ao caso julgado de decisões

anulatórias é o efeito conformativo ou preclusivo, que “consiste na proibição à Administração de

refazer aquele acto administrativo ilegal” (23). Ou, dito de outra forma, “a Administração, para

acatar uma sentença de anulação de um acto ilegal seu, tem de abster-se de praticar um novo

acto administrativo idêntico ao anulado, que esteja inquinado pelo mesmo vício que determinou a

anulação: não há-de, por conseguinte, a Administração renovar o acto anulado repetindo os

mesmos vícios do anterior” (24).

Neste mesmo sentido, afirma Mário Aroso de Almeida:

“Do enunciado proposto decorre o alcance negativo com que, neste plano, o caso

julgado formado pela sentença se projecta sobre a ulterior actividade da

Administração, impondo limites ao reexercício do poder ou condicionamentos ao

modo pelo qual ele se processou – um efeito que decorre da sentença, mas que não

define pela positiva o conteúdo da ulterior actuação administrativa, apenas

contribuindo para a delimitar em função do modo como se projecta sobre as posições

substantivas e sobre o poder manifestado, em termos de imposição de vinculações de

conteúdo negativo.

Projectando um alcance negativo sobre o ulterior exercício do poder, pode dizer-se

que a autoridade do caso julgado formado pela sentença anulatória se configura

como uma regra de compatibilidade ou não contraditoriedade, visto que “não impõe

à Administração o conteúdo de determinados actos, e só delimita esse conteúdo

negativamente, estabelecendo os fins que não podem ser prosseguidos, ou os meios

que não podem ser utilizados” (25).

23

Cfr. Vasco Pereira da Silva, Para..., p. 222. 24

Cfr. Diogo Freitas do Amaral, A Execução das Sentenças dos Tribunais Administrativos, 2.ª Edição, Coimbra, 1997, p. 36.

25 Cfr. Mário Aroso de Almeida, Sobre a Autoridade do Caso Julgado das Sentenças de Anulação de Actos

Administrativos, Coimbra, 1994, pp. 138 e 139; cfr. ainda, sobre a matéria, Mário Aroso de Almeida, Reinstrução do Procedimento e plenitude do processo de execução das sentenças, in Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 3, Maio/Junho de 1997, pp. 12 e ss.

pg. 11

Destarte, o efeito conformativo ou preclusivo consubstancia-se na impossibilidade de a

Administração, mais precisamente a entidade expropriante e a entidade beneficiária da

expropriação, adoptar as diligências necessárias à emissão da declaração de utilidade pública da

expropriação dos mesmos bens, bem como de declarar essa mesma utilidade pública, sem que

antes seja afastado o vício gerador de nulidade. Dito de outra forma, a impossibilidade de reincidir

na conduta é, em si mesma, o efeito conformativo ou preclusivo do caso julgado.

8. Atenta a descrição de cada um dos tipos de efeitos imputados ao caso julgado de sentenças

de anulação, facilmente se conclui que os efeitos anulatório e conformativo ou preclusivo actuam

directa e automaticamente na esfera da Administração, sem necessidade de adopção de qualquer

conduta.

Por seu lado, o efeito repristinatório reclama, as mais das vezes, a adopção de condutas por

parte da Administração (26) no sentido de restabelecer a legalidade violada pelo acto anulado ou

declarado nulo, uma vez que “uma decisão meramente anulatória nem sempre consegue

restabelecer integralmente a situação anterior à prática do acto ilegal”: de umas vezes, “o

restabelecimento da situação anterior ao acto ilegal exige uma alteração do mundo dos factos que

a sentença não pode produzir”; de outras vezes, “o restabelecimento da situação anterior ao acto

ilegal exige decisões não totalmente vinculadas, que só a Administração activa pode tomar” (27).

No entanto, nem sempre a protecção dos interesses em causa se basta com a mera

reconstituição da situação anterior à prática do acto ilegal, devendo aplicar-se o critério da

reconstituição da situação actual hipotética: “importa, na verdade, considerar o período de tempo

que medeou entre a prática do acto ilegal e o momento em que se reintegra a ordem jurídica, e

reconstituir, na medida do possível, a situação que neste último momento existiria se o acto ilegal

não tivesse sido praticado e se, portanto, o curso dos acontecimentos nesse período se tivesse

apoiado sobre uma base legal” (28). Daí que esta actividade de reintegração da ordem jurídica

violada deve ser qualificada como execução de sentenças, sendo esta entendida como a “prática,

pela Administração activa, dos actos jurídicos e operações materiais necessários à reintegração

26

Cfr. Mário Aroso de Almeida, O Novo..., p. 387, onde se elencam os deveres em que a Administração fica investida em virtude da sentença de anulação.

27 Cfr. Diogo Freitas do Amaral, A Execução..., p. 40.

28 Cfr. Diogo Freitas do Amaral, A Execução..., p. 41.

pg. 12

efectiva da ordem jurídica violada, mediante a reconstituição da situação que existiria, se o acto

ilegal não tivesse sido praticado” (29).

Ainda de acordo com a melhor doutrina, esta reintegração da legalidade violada far-se-á

aplicando dois princípios: “o primeiro princípio a aplicar é o da retroactividade da anulação

contenciosa, ou seja, o princípio de que o acto anulado há-de reputar-se como nunca tendo

existido na ordem jurídica”; “o segundo princípio a aplicar é o da limitação da eficácia do caso

julgado aos vícios determinantes da anulação, ou seja, o princípio de que o respeito pelo caso

julgado não impede a substituição do acto anulado por um acto idêntico, se a substituição se fizer

sem repetição dos vícios determinantes da anulação” (30).

Em face do exposto, cumpre determinar qual a liberdade da Administração em sede de

execução de sentença, nomeadamente se se admite a referida “substituição do acto anulado por

um acto idêntico”.

III - OS ACTOS ADMINISTRATIVOS RENOVÁVEIS E NÃO RENOVÁVEIS EM SEDE DE EXECUÇÃO DE SENTENÇAS

9. Em função do critério apontado, que chama à colação, no essencial, o efeito preclusivo ou

conformativo do caso julgado, “dizer que a Administração não pode praticar um novo acto

administrativo idêntico ao anulado que esteja inquinado pelo mesmo vício que determinou a

anulação é o mesmo que dizer, vistas as coisas por outra perspectiva, que a Administração pode

repetir em novo acto administrativo todos os elementos do acto anulado que não tenham sido

considerados ilegais, nem, por isso, determinantes da anulação” (31).

Tentando explicitar esta matéria da perspectiva subjectiva do impugnante, sempre se

poderá dizer que “o recorrente que obteve ganho de causa num processo de anulação dirigido

contra um acto administrativo de conteúdo positivo não pretende a substituição do acto anulado,

mas antes lhe assiste um direito à execução do efeito repristinatório da anulação, sem prejuízo

29

Cfr. Diogo Freitas do Amaral, A Execução..., p. 45. 30

Cfr. Diogo Freitas do Amaral, A Execução..., p. 54. 31

Cfr. Diogo Freitas do Amaral, A Execução..., p. 36.

pg. 13

da eventualidade de o acto anulado poder vir a ser renovado, isto é, substituído por outro com

igual conteúdo” (32).

Chegados a este ponto, revela-se essencial apurar se o efeito preclusivo ou conformativo do

caso julgado impede ou não a renovação de declaração de utilidade pública da expropriação que

foi objecto de declaração de nulidade.

10. A resposta a tal questão depende necessariamente do tipo de vício gerador da nulidade do

acto.

Com efeito, se estivermos perante um vício de incompetência ou um vício de forma, seja por

carência absoluta de forma legal, seja por preterição de formalidade essencial33, o acto

administrativo nulo será, em princípio, renovável, uma vez que será possível praticar novo acto

com o mesmo conteúdo, mas que não padeça do mesmo vício.

O mesmo não sucederá se o vício gerador da nulidade for um vício material de violação de

lei ou , sendo de desvio de poder, implicar a prática de um crime.

Ora, concretizando a dimensão do efeito preclusivo do caso julgado no caso dos actos que

enfermem de vício de forma por preterição de formalidade essencial, podemos afirmar que existe

uma obrigação, impendente sobre a entidade expropriante e que também vincula a beneficiária

da expropriação, de não mais declarar a utilidade pública da expropriação dos bens propriedade

dos expropriados sem que se mostre cumprida a formalidade omitida. Aliás, caso a utilidade

pública das expropriações em causa fosse novamente declarada nas condições que conduziram à

declaração de nulidade esse novo acto seria nulo não só por violação do disposto na norma ou

normas legais que impõem tal formalidade, mas também por força do disposto no artigo 133.º,

n.º 2, alínea h), na medida em que violaria caso julgado.

Extraindo as devidas consequências do que afirmamos no parágrafo anterior, parece-nos ser

de concluir que o acto administrativo declarado nulo é, nestes casos, um acto renovável: a

beneficiária da expropriação pode requerer novamente a emissão de declaração de utilidade

pública, e a entidade expropriante pode emiti-la, das expropriações necessárias à prossecução do

32

Cfr. Mário Aroso de Almeida, Anulação..., p. 567, negrito nosso. 33

Afastamos o vício de forma por falta de fundamentação, por entendermos que o mesmo nunca é gerador de nulidade.

pg. 14

fim de utilidade pública que justificou a prática do acto nulo, desde que cumprida a formalidade

prévia, nos termos e no sentido legalmente exigido.

Em conclusão, estamos então perante um acto que resulta do exercício de um poder

discricionário quanto à oportunidade e quanto ao conteúdo (a declaração ou não da utilidade

pública da expropriação de determinados bens), que foi declarado nulo por motivos formais (a

omissão de uma formalidade), pelo que “pode a Administração praticar um acto de igual

conteúdo, mas não pode, por força da sentença, repetir a ilegalidade formal de que enfermava o

primeiro acto” (34).

11. Assim, se, por um lado, o “efeito repristinatório” do caso julgado formado pela declaração

de nulidade reclama a reconstituição da situação actual hipotética que existiria caso o acto nulo

não tivesse sido praticado (o que incluiria, à partida, a adopção das condutas necessárias à

afectação do bem expropriado aos interesses de natureza privada do proprietário uma vez

reinvestido nessa qualidade)35, a possibilidade de, por outro lado, renovar o acto declarado nulo

impõe-se sobre essa recomposição das relações jurídicas materiais decorrentes da declaração de

nulidade da declaração de utilidade pública.

A este respeito, julgamos as palavras de Mário Aroso de Almeida mais do que elucidativas:

“Com efeito, pode dizer-se que a reconstituição da situação que existia no momento

em que o acto anulado foi emitido exige a realização, no plano dos factos, de

operações de execução por parte da Administração, sem prejuízo de novas

redefinições que, no plano jurídico, ela possa vir a introduzir, no respeito pelos limites

impostos pelo caso julgado, e que possam vir a sobrepor à definição resultante do

efeito repristinatório da sentença. A conformação, por parte da Administração, com a

anulação decretada pelo tribunal concretiza-se, assim, no cumprimento dos deveres

decorrentes da repristinação operada pela sentença, salvo o reexercício do poder, no

respeito pelos limites ditados pela autoridade do caso julgado.

34

Cfr. Vasco Pereira da Silva, Para..., p. 223. 35

Sendo certo que tendemos a defender que a situação que actualmente existiria caso o acto declarado nulo não tivesse sido declarado nulo seria exactamente a mesma que existia à data da prática do acto declarado nulo, isto é, uma situação que assentasse na propriedade, incluindo todas as faculdades inerentes a este direito, e na posse do terreno titulada pelos expropriados impugnantes.

pg. 15

Também nesta sede se deve, pois, reconhecer que as duas alternativas não se

encontram colocadas num mesmo plano, na medida em que a efectiva renovação do

acto inválido constitui um limite subjacente aos deveres de conteúdo repristinatório

que, na esfera jurídica da Administração, à partida, emergem da anulação.

Pode, assim, dizer-se que, na esfera jurídica da Administração, se dá, por efeito da

anulação, um fenómeno de coexistência entre o dever de proceder à repristinação

material da situação e o poder de retomar o procedimento, em ordem à eventual

substituição – e, porventura, renovação – do acto anulado. Ao que corresponde, na

esfera do recorrente que obteve a anulação, uma pretensão dirigida à repristinação

da situação anterior, sem prejuízo da eventual reinstrução do procedimento, tendente

à substituição e eventual renovação do acto anulado, na qual tanto poderá estar

interessada a Administração como os eventuais contra-interessados.

(...) [Neste cenário,] a consistência do direito do particular não é prejudicada pela

existência do poder, uma vez que o exercício do poder administrativo não corresponde

a um livre arbítrio, mas assenta em factos e valorações heteronomamente

delimitados. As posições do particular e da Administração aproximam-se, assim, neste

domínio, daquelas em que se encontram colocadas as partes num contrato inválido

quando uma delas é simultaneamente titular do dever de prestar e do poder de

provocar a anulação do contrato. De onde, a renovação do acto anulado constitui

uma causa de extinção do dever de repristinar para além do cumprimento, com o

alcance de desonerar a Administração do dever em que ela tinha ficado constituída

por efeito da anulação.

Se, quando a Administração pratica um acto desconforme com a sentença, se dá uma

situação de inexecução ilegítima da repristinação emergente da anulação – à qual o

juiz põe termo declarando a nulidade do acto desconforme –, a renovação do acto

positivo anulado, no respeito pelos limites decorrentes do caso julgado – acto

conforme com a (anulação decretada pela) sentença –, constitui causa (legítima) de

extinção dos deveres de conteúdo repristinatório que, à partida, decorriam da

anulação. Se devia proceder à execução do efeito repristinatório da sentença, a

pg. 16

Administração, praticando um outro acto, determina, legitimamente, que a situação

se mantenha, para o futuro, nos moldes em que ela tinha sido definida pelo acto

anulado. O dever inicial de remover as consequências do acto anulado é, assim,

compensado pelo exercício do poder de voltar a produzir as mesmas circunstâncias ao

abrigo de novo acto de idêntico conteúdo, podendo falar-se, a este propósito, e ainda

que em sentido impróprio, na verificação de um fenómeno de compensação” (36).

Podemos assim ter por assente que, para efeitos de aferição do cumprimento, por parte da

Administração, dos deveres de natureza repristinatória que sobre ela impendem por força da

declaração de nulidade do acto de declaração de utilidade pública, a opção pela renovação do

acto declarado nulo extingue os deveres de conteúdo repristinatório (37). É esta, a nosso ver, a

solução que deverá ser dada às relações jurídicas de natureza material que emergem da

declaração de nulidade de acto que declarou a utilidade pública de uma expropriação, podendo e

devendo o acto de declaração de utilidade pública ser renovado uma vez garantido o

cumprimento da formalidade omitida.

Aliás, tal actuação encontrará pleno acolhimento no disposto no artigo 173.º, n.º 1, do

Código de Processo nos Tribunais Administrativos, o qual efectua de uma forma bastante explícita

a contraposição entre o poder de renovação e o dever de satisfação do efeito repristinatório do

caso julgado e, bem assim, a possibilidade de o exercício daquele eximir a Administração do

cumprimento deste: reza a lei que, “sem prejuízo do eventual poder de praticar novo acto

administrativo, no respeito pelos limites ditados pela autoridade do caso julgado, a anulação de

um acto administrativo constitui a Administração no dever de reconstituir a situação que existiria

se o acto anulado não tivesse sido praticado, bem como de dar cumprimento aos deveres que não

tenha cumprido com fundamento no acto entretanto anulado, por referência à situação jurídica e

de facto existente no momento em que deveria ter actuado” (negrito nosso) (38).

36

Cfr. Mário Aroso de Almeida, Anulação..., pp. 584 a 587, negrito nosso. 37

Para referências jurisprudenciais sobre a aceitação da renovação do acto anulado como forma de execução da sentença anulatória, cfr. José Manuel Santos Botelho, O acto e as novas pretensões condenatórias no processo administrativo na perspectiva da execução do julgado “anulatório”, in Colóquio Luso-Espanhol “O Acto no Contencioso Administrativo” (Tradição e Reforma) Coimbra, 2005, pp. 301 e ss. e 306 e ss..

38 Sobre a obrigatoriedade da execução espontânea das sentenças no contencioso administrativo, cfr. Vieira

de Andrade, A Justiça..., pp. 346 e ss..

pg. 17

12. De modo a proceder-se ao correcto enquadramento dogmático da matéria em apreço, deve

ter-se em consideração que a opção pela renovação do acto administrativo declarado nulo, por

não ser, normalmente, um acto vinculado (consubstanciado num dever), mas sim um acto

discricionário (consubstanciado num poder), não é um elemento adquirido no âmbito da execução

da decisão judicial.

De facto, a esta decisão deve subjazer, como acontece relativamente a todo e qualquer

exercício de um poder discricionário, um juízo de ponderação de interesses, no qual devem ser

introduzidos não só os interesses do expropriado que impugnou, com sucesso, o acto

administrativo declarado nulo ou anulado, mas também os interesses públicos titulados pela

Administração e os interesses privados, contrapostos aos do expropriado, que concorram para a

renovação do acto.

Tal resultará, como não pode deixar de ser da ponderação das circunstâncias concretas de

cada caso.

13. Ao lado das relações jurídicas materiais sobre as quais incidiu (rectius, pretendeu incidir,

uma vez que, sendo nulo, não produziu quaisquer efeitos) o acto declarado nulo e sobre as quais

incidirá o acto renovatório, há que atender também às relações jurídicas de natureza

procedimental que existiam à data da prática do acto declarado nulo.

De facto, a máxima de acordo com a qual o efeito repristinatório acarreta a “reinvestidura”

das partes nas relações jurídicas materiais existentes à data da prática do acto declarado nulo

pode e deve ser estendida às relações jurídicas de natureza procedimental: “bastará, para o efeito,

que a Administração proceda à reinstrução do procedimento” (39).

Em conclusão, podemos dar por adquirido que a Administração poderá proceder à

renovação do acto declarado nulo através da reinstrução do procedimento, nos termos que serão

desenvolvidos infra.40

39

Cfr. Mário Aroso de Almeida, Anulação..., p. 579. 40 Refira-se que se a opção da Administração for pela não renovação da declaração de utilidade pública da

expropriação estaremos perante uma situação comparável com a de desistência da expropriação, competindo à Administração repor os bem na situação de facto que se encontrava à data da prática do acto declarado nulo e indemnizando o expropriado pelo prejuízos causados pela sua actuação ilícita.

pg. 18

IV - A EVENTUAL RETROACTIVIDADE DOS ACTOS PRATICADOS EM SEDE DE EXECUÇÃO DE SENTENÇAS

14. Após concluirmos pela possibilidade de renovar o acto declarado nulo, pode aventar-se a

hipótese de, por estarmos perante a renovação de um acto que, embora ilegalmente, criou uma

determinada situação de facto (não de direito por via da ausência de produção de efeitos), ser

possível atribuir eficácia retroactiva a esse acto e, assim, conceder substrato jurídico à situação de

facto que perdura desde a prática do acto declarado nulo. Esta já foi, de facto, a posição defendida

pelo Supremo Tribunal Administrativo e por Diogo Freitas do Amaral em relação aos actos

anulados, que refere ter sido sua posição que, se se procura através da execução de sentenças

uma reconstituição da situação actual hipotética, e “se a Administração substitui um acto ilegal

por um acto legal idêntico já depurado do vício que determinara a anulação do anterior,

renovando assim a resolução que havia dado à questão que fora objecto do primeiro acto, há

todas as razões para crer que essa teria sido a resolução tomada da primeira vez, se não tivesse

ocorrido qualquer ilegalidade”, pelo que “a situação em que agora se estaria, se não fosse a

ilegalidade então cometida, seria com toda a certeza a mesma em que agora se está” (41-42).

No entanto, há argumentos que devem ser esgrimidos no sentido de que a retroactividade

da renovação do acto declarado nulo não pode constituir a regra: “por um lado, um argumento

que se baseia no propósito de proteger os interesses do recorrente e de acordo com o qual a

atribuição de eficácia retroactiva aos actos de execução de sentenças só faz sentido para tutela e

benefício do recorrente, devendo ser afastada quando os seus interesses o justifiquem”; “por outro

lado, um argumento que assenta no propósito de assegurar a reintegração da legalidade violada e

sustenta que, «se a renovação do acto tivesse efeitos retroactivos, frustrar-se-ia a reintegração da

ordem jurídica violada, pois tudo se passaria como se o acto ilegal, anulado, continuasse a

produzir efeitos desde a data da sua emissão, tornando na prática inútil um recurso contencioso

que mereceu provimento” (43).

41

Cfr. Diogo Freitas do Amaral, A Execução..., p. 96. 42

Cfr., a este respeito, Mário Aroso de Almeida, Anulação..., p. 657. 43

Cfr. Diogo Freitas do Amaral, A Execução..., p. 97; cfr., no mesmo sentido, Afonso Queiró, Anotações, in Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 119, n.º 3751, pp. 302 e ss..

pg. 19

Sendo certo que se reconhece na possibilidade de o acto renovatório recuperar os efeitos

do acto renovado como algo que o caracterizaria como um acto secundário (44), deve também ser

reforçada, no sentido de não conceder aprioristicamente eficácia retroactiva ao acto renovatório,

a sua natureza de acto primário, de acto administrativo que tem por objecto directo outras

realidades que não outros actos administrativos (45). Aliás, considerando que a Administração se

encontra investida, por lei, nos poderes necessários para actuar sobre os actos administrativos

que emite, permitir que tal sucedesse seria permitir que o acto renovatório produzisse, depois de

ou uma vez já anulado o acto, os mesmos efeitos que uma ratificação, que uma reforma ou que

uma conversão do acto (ainda) anulável (quando destes se trate).

Por outro lado, tomando em consideração que a situação subjacente ao presente estudo

envolve a renovação de um acto declarado nulo (e não meramente anulado), e sendo certo que os

actos nulos não são susceptíveis de ser objecto de qualquer tipo de acto secundário (talvez com

excepção da declaração da sua nulidade) (46), mais nos aproximamos aqui da formulação de uma

regra geral de impossibilidade de atribuição de eficácia retroactiva ao acto renovador de actos

declarados nulos e da recondução deste tipo de actos ao regime geral.

15. De acordo com o disposto no artigo 128.º, n.º 1, alínea b), do CPA, “têm eficácia retroactiva

os actos administrativos que dêem execução a decisões dos tribunais, anulatórias de actos

administrativos, salvo tratando-se de actos renováveis” (47).

Estando em análise a renovação de um acto declarado nulo, cumpre proceder à clarificação

da norma vertida neste artigo, incidindo a nossa especial atenção sobre o seu inciso final. De

facto, “o que se quis dizer com a parte final do preceito da alínea b) não é que os actos renováveis

44

Sobre a distinção entre actos primários e actos secundários, cfr., por todos, Diogo Freitas do Amaral, Curso..., Volume II, pp. 254 e 264.

45 Cfr. Mário Aroso de Almeida, Anulação..., pp. 658 e ss..

46 De facto, os actos nulos não podem ser nem revogados (artigo 139.º, n.º 1, alínea a), do CPA), nem

objecto de ratificação, reforma ou conversão (artigo 137.º, n.º 1, do CPA). 47

A parte final do disposto neste artigo (“..., salvo tratando-se de actos renováveis”) foi acrescentada na revisão do CPA operada pelo Decreto-Lei n.º 6/96, de 31 de Janeiro, justamente com o propósito de corrigir algumas distorções que a aplicação indiscriminada desta norma poderia implicar, nomeadamente por ser interpretada pela jurisprudência como uma norma imperativa dirigida a impor a retroactividade de todos os actos de execução de sentenças, incluindo os actos renovatórios (cfr. Diogo Freitas do Amaral et alli, Código do Procedimento Administrativo Anotado, 4.ª Edição, Coimbra, 2003, pp. 235 e 236; João Caupers, A revisão do Código de Procedimento Administrativo, in Legislação – Cadernos de Ciência e Legislação, n.º 15, INA, Oeiras, 1996, p. 13).

pg. 20

(rectius, renovadores) não têm eficácia retroactiva – como uma sua leitura mais apressada

poderia sugerir – mas, sim, que, no caso de o acto anulado ser renovável, os actos de execução da

sentença anulatória já não têm o efeito retroactivo que a primeira parte dessa alínea lhes assaca,

em geral” (48). Sem cuidar de apreciar se, de uma perspectiva de iure condendo, a redacção ou a

solução preconizada pelo regime vertido neste artigo é a mais acertada (49), o que é facto é que a

norma que, efectivamente, está vertida no artigo 128.º, n.º 1, alínea b), do CPA, vai no sentido de

estabelecer que não são retroactivos por natureza os actos administrativos que dêem execução a

decisões dos tribunais, de anulação de actos administrativos, sempre que se trate de actos

renovatórios daqueles que foram anulados (50). Desta forma, e ao que parece, estes actos

administrativos estarão sujeitos ao regime geral da atribuição de eficácia retroactiva aos actos

administrativos.

16. Com efeito, o disposto no artigo 128.º, n.º 1, alínea b), do CPA, não inviabiliza a renovação

com eficácia retroactiva de actos administrativos judicialmente anulados. Afirma Mário Aroso de

Almeida que “ainda que se admita que o preceito não funda a atribuição de eficácia retroactiva a

actos renovatórios, o máximo que se poderá dizer é que, com a reformulação do preceito, se

pretendeu esclarecer que a pretensa regra da retroactividade dos actos de execução não se

estende aos actos renovatórios, por eles não se dirigirem ao restabelecimento da situação que

teria existido sem o acto anulado”, mas antes ao eximir desse dever através do exercício do poder

de renovação do acto inválido, pelo que conclui que, sendo dito isto, “nada foi dito quanto à

possibilidade de se atribuir eficácia retroactiva a actos renovatórios, nos termos gerais em que é

admitida a retroactividade de qualquer acto administrativo” (51).

No entanto, deve aqui ser especialmente considerado o princípio da irretroactividade de

actos agressivos e impositivos, consagrado no artigo 128.º, n.º 2, alínea a), do CPA, que estabelece

48

Cfr. Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e João Pacheco de Amorim, Código..., p. 621. 49

Para uma perspectiva crítica relativa ao regime da retroactividade dos actos praticados em sede de execução de sentença consagrado no artigo 128.º do CPA, cfr. Mário Aroso de Almeida, Anulação..., pp. 674 e ss..

50 E não “de actos renováveis”, conforme sugere a letra do artigo, uma vez que a renovação do acto surge,

como vimos, na sequência do exercício, por parte da Administração, de um poder, não podendo relevar, para estes efeitos, uma característica intrínseca do acto administrativo. De facto, o espírito da norma seria absolutamente subvertido se, colocada perante um acto anulado renovável, a Administração, decidindo não o renovar, se deparasse com uma proibição absoluta de lhe conceder eficácia retroactiva.

51 Cfr. Mário Aroso de Almeida, Anulação..., p. 679.

pg. 21

que “fora dos casos abrangidos pelo número anterior [52], o autor do acto administrativo só pode

atribuir-lhe eficácia retroactiva quando a retroactividade seja favorável para os interessados e não

lese direitos ou interesses legalmente protegidos de terceiros, desde que à data a que se pretende

fazer remontar a eficácia do acto já existissem os pressupostos justificativos da retroactividade”.

A este respeito afirma Mário Aroso de Almeida:

“Os efeitos de quaisquer actos, praticados na sequência da anulação, que tenham por

objecto a imposição de deveres, a aplicação de sanções, ou a restrição de direitos ou

interesses legalmente protegidos dos respectivos destinatários só devem poder

desencadear-se a partir do momento da respectiva notificação. Isto vale para os actos

lesivos ou interesses de qualquer pessoa, seja ela o recorrente ou não. De onde

decorre que, da afirmação segundo a qual os actos substitutivos do acto anulado que,

sendo renovatórios desse acto, sejam lesivos dos interesses do recorrente não podem

retroagir, não resulta que o fundamento de uma eventual retroactividade de tais

actos tem necessariamente que assentar no recorrente. Na verdade, com aquela

afirmação não se exclui que outras razões possam justificar a atribuição de eficácia

retroactiva a um acto renovatório do acto anulado, apenas se exclui que essa

retroactividade possa envolver a projecção de efeitos agressivos ou impositivos sobre

a esfera do recorrente” (53).

17. Em face do que tem vindo a ser dito, é evidente, na nossa opinião, que ao acto que vier a

renovar uma declaração de utilidade pública da expropriação declarada nula não pode ser

atribuída eficácia retroactiva (54).

De facto, a declaração de utilidade pública é, como vimos, um acto administrativo

impositivo de conteúdo ablativo, pelo que esta sua natureza obvia, em função do disposto no

artigo 128.º, n.º 2, alínea a), do CPA, a que lhe seja atribuída eficácia retroactiva.

52

Como acontece com os actos renovatórios de actos anulados jurisdicionalmente. 53

Cfr. Mário Aroso de Almeida, Anulação..., p. 667. 54

Diferente questão é a relativa à identificação do quadro normativo a aplicar na renovação do acto declarado nulo, que se coloca sempre que tiver havido alterações legislativas incidentes sobre as normas a aplicar no lapso de tempo decorrido entre a prolação do acto inválido e a sua efectiva declaração de nulidade.

pg. 22

Por conseguinte, deve ter-se também por adquirido que a declaração de utilidade pública,

por ser nula, não produziu quaisquer efeitos no passado, bem como que, por força da

impossibilidade de este acto vir a ser renovado com eficácia retroactiva, não mais poderá

considerar-se, de uma perspectiva jurídica, que os produziu. Destarte, a situação fáctica existente

carece de suporte jurídico, (pois tudo foi e está a ser feito na ausência de um título jurídico válido

e eficaz), cumprindo, em sede de execução de sentença, harmonizar as situações fáctica e jurídica

dos imóveis (através da renovação, sem eficácia retroactiva, da declaração de utilidade pública).

V - A EVENTUAL NECESSIDADE DE RENOVAÇÃO DAS ACTUAÇÕES ADMINISTRATIVAS CONEXAS COM O ACTO

DECLARADO NULO

18. Já com a certeza de que a execução da decisão judicial que declarou a nulidade do acto de

declaração de utilidade pública implica, caso seja essa a vontade da Administração, a prática de

um novo acto de declaração de utilidade pública precedido do cumprimento da formalidade

omitida, cumpre agora aferir a forma como a nulidade dessa declaração de utilidade pública se

reflecte noutras actuações da Administração.

De facto, estando a Administração obrigada à reconstituição da situação actual hipotética, e

sendo certo que ao acto de renovação do acto declarado nulo não pode ser atribuída eficácia

retroactiva, o cumprimento deste dever implicará, por certo, o afastamento de actos ou outras

formas de actuação administrativa inválidas, porquanto fundadas num acto declarado nulo e que,

por essa razão, não produziu quaisquer efeitos.

Compreende-se que a anulação de um acto administrativo se projecte no plano da validade

dos actos que possam ter sido praticados em conexão juridicamente relevante com ele, sendo

este o escopo do disposto no artigo 133.º, n.º 2, alínea i), do CPA, que estabelece que “são actos

nulos os actos consequentes de actos administrativos anteriormente anulados ou revogados,

desde que não haja contra-interessados com interesse legítimo na manutenção do acto

consequente”.

pg. 23

O conceito de actos consequentes tem sido enquadrado pela doutrina nacional em termos

mais amplos do que aqueles que o conceito, em si mesmo, poderia sugerir, já que tem sido

entendido como consequente todo o acto que provavelmente não teria sido praticado da mesma

maneira se o acto anulado não tivesse existido (55), ou aqueles actos ou contratos cuja prática ou

sentido foram determinados pelo acto agora anulado ou revogado (56).

Contudo, a mais moderna doutrina tem vindo a realçar a necessidade de, entre o acto

inválido e o acto com ele conexo, dever existir uma conexão não meramente fáctica ou lógica, mas

antes uma efectiva conexão jurídica. Concretizando esta ideia, refere Mário Aroso de Almeida:

“Para o efeito, não basta, entretanto, como se vê, que se possa só por si, afirmar que,

sem o acto que foi anulado, o segundo acto provavelmente não teria sido praticado

ou, pelo menos, não o teria sido nos mesmos termos. Salvo o devido respeito, é

necessário que se possa e deva afirmar que, se o primeiro acto já nessa ocasião

tivesse sido anulado, o segundo acto não seria válido. É por causa do modo como o

primeiro acto se projectava sobre um qualquer dos elementos estruturais do acto

conexo que a validade deste último é afectada, pelo que a determinação da existência

de conexões jurídicas dependerá de uma análise minuciosa das condições legais da

validade de cada um dos actos. Para além deste limite, afigura-se excessivo sustentar

a existência de uma conexão capaz de comprometer a validade do segundo acto” (57).

19. Desta forma, a determinação da existência de conexão entre o acto inválido e o acto que

nele se fundou remete-nos para a aferição da validade desse acto, alegadamente conexo,

apreciada em função da invalidade do acto anulado ou declarado nulo, na medida em que o acto

conexo será nulo se a definição jurídica contida no acto anulado ou declarado nulo tiver

constituído o fundamento da emissão desse acto, “em termos que se possa afirmar que

representou um elemento essencial da sua emissão, no sentido do artigo 133.º do Código do

55

Cfr. Diogo Freitas do Amaral, A Execução..., pp. 98 e 99; Mário Aroso de Almeida, Anulação..., p. 315, em que o Autor, reconhecendo que a dimensão do significante é menor do que a do significado que lhe é imputado, propõe a designação, que aqui acolhemos, de actos conexos.

56 Cfr. Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e João Pacheco de Amorim, Código..., p. 650.

57 Cfr. Mário Aroso de Almeida, Anulação..., p. 319; no mesmo sentido, cfr. Mário Aroso de Almeida,

Regime jurídico dos actos consequentes de actos administrativos anulados, in Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 28, Julho/Agosto de 2001, pp. 16 e 17.

pg. 24

Procedimento Administrativo, ao nível do sujeito, do objecto, dos pressupostos [ou] do conteúdo”

(58).

Assim sendo, a invalidade dos actos conexos de um acto anulado e a invalidade dos actos

conexos de um acto declarado nulo manifestar-se-á sob a mesma forma, ou seja, sob a forma de

nulidade, por força da falta de um elemento essencial e por aplicação do disposto no artigo 133.º,

n.º 1, do CPA. Para além deste facto, sempre se poderá dizer que “a lei refere a nulidade dos actos

consequentes apenas a propósito dos actos anulados, mas, num quadro lógico-dedutivo, pode

concluir-se, por maioria de razão, que hão-de ser nulos os actos consequentes de actos nulos – até

porque estes, ao contrário dos actos posteriormente anulados, nunca produziram quaisquer

efeitos” (59).

Temos assim por adquirida a nulidade dos actos conexos com a declaração de utilidade

pública declarada nula. Cumpre então determinar, em face do critério apontado, que actuações

administrativas podem ser qualificadas como actos consequentes da declaração de utilidade

pública nula.

20. O exemplo mais evidente de actos conexos com a declaração de utilidade pública é

composto pelos actos subsequentes do procedimento tendentes à transferência da propriedade e

da posse dos bens para a entidade beneficiária da expropriação, que se baseiam naquela

declaração (60).

Indiscutivelmente, a declaração de utilidade pública é um elemento essencial de todos os

actos subsequentes do procedimento, sendo certo que estes actos destinam-se apenas a

concretizar os termos concretos da relação jurídica administrativa que liga, em função daquela

declaração, expropriante, expropriado, entidade beneficiária da expropriação e entidade

expropriante. Não tendo a declaração de utilidade pública produzido quaisquer efeitos, porquanto

nula, nulos serão todos os actos que a tenham tido como pressuposto.

58

Cfr. Mário Aroso de Almeida, Anulação..., p. 331. 59

Cfr. Vieira de Andrade, Nulidade e anulabilidade do acto administrativo, in Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 43, Janeiro/Fevereiro de 2004, p. 48.

60 Cfr. Gonçalo Capitão, Expropriações..., pp. 312 e 313; Mário Aroso de Almeida, Anulação..., pp. 332;

Fernando Alves Correia, As Garantias..., p. 199.

pg. 25

E tal acontece, a nosso ver, tanto com os actos tendentes à efectivação da posse

administrativa dos bens em causa como com os actos tendentes à determinação do montante

indemnizatório a atribuir aos expropriados, pelo que, indubitavelmente, estes actos deverão ser

objecto de renovação, uma vez renovada a declaração de utilidade pública.

O mesmo já não se passará com outros actos ou contratos conexos com o acto declarado

nulo, mas que não pressuponham a sua existência, ainda que dela decorram. A validade ou

invalidade de tais actos resultará mais da influência que a formalidade omitida tenha na sua

prática do que da nulidade do acto de declaração de utilidade pública da expropriação,

propriamente dita.

VI - A EVENTUAL NECESSIDADE DE CONSIDERAÇÃO DE PRESTAÇÕES DE NATUREZA INDEMNIZATÓRIA EM SEDE DE

EXECUÇÃO DE SENTENÇAS

21. Uma análise apressada poderia facilmente desembocar num juízo de acordo com o qual a

renovação da declaração de utilidade pública declarada nula, acompanhada da renovação dos

actos subsequentes do procedimento, bastaria para reajustar as realidades jurídica e fáctica e,

consequentemente, negar a inclusão, nas relações jurídicas emergentes desta declaração de

nulidade, de qualquer prestação de conteúdo pecuniário, nomeadamente a título de

indemnização.

E, de facto, essa tem sido a forma de se encarar esta questão no âmbito da execução das

sentenças de anulação dos tribunais administrativos: defender que, “como o novo acto constitui o

legítimo fundamento para que as circunstâncias resultantes do acto anulado não sejam

removidas, não há, entretanto, que indemnizar o interessado pelo facto de não se poder proceder

à respectiva remoção” (61). Recorrendo ao exemplo, “se a Administração não reinstala o

funcionário porque renovou o acto que o tinha demitido [e que foi anulado ou declarado nulo], ela

não tem de o indemnizar pelos danos decorrentes do facto de a relação de emprego público não se

61

Cfr. Mário Aroso de Almeida, Anulação..., p. 587.

pg. 26

prolongar no futuro, uma vez que o direito à reconstituição fáctica da relação repristinada se

extinguiu por si mesmo, em consequência da nova interrupção superveniente da relação” (62).

No entanto, esta forma de encarar a questão em apreço, que se refere apenas a danos pela

não repristinação do statu quo ante, faz radicar a existência de prestações de conteúdo

indemnizatório na eventual necessidade de reconstituição da situação actual hipotética por força

do efeito repristinatório e não na própria invalidade do acto anulado ou declarado nulo. Neste

último caso, será sempre necessário apurar se as relações jurídicas emergentes da anulação

reclamam o ressarcimento de danos causados pelo acto inválido, pelo que estas eventuais

prestações de conteúdo indemnizatório seriam integralmente tendentes à reconstituição da esfera

patrimonial activa do impugnante (na vertente da reconstituição in pecunia do património do

particular lesado na impossibilidade de reconstituição in natura) (63). Concretizando, importa

saber se será devida alguma indemnização pelo facto de o particular se ter visto privado

ilegalmente do bem de que era (e ainda é) proprietário durante o lapso de tempo que medeia a

efectivação da posse administrativa adoptada a coberto da declaração de utilidade pública

declarada nula e a renovação dessa efectivação da posse administrativa.

Ora, cumpre salientar que não é só este aspecto que se impõe apurar nesta fase. Partindo

do pressuposto que o exercício do poder de renovação do acto declarado nulo exime a

Administração do dever de proceder à reconstituição da situação actual hipotética, ou seja, de dar

cumprimento ao efeito repristinatório (aqui mediante a entrega efectiva do bem), estamos

perante uma situação em que também se deve apurar se a renovação da declaração de utilidade

pública, e, bem assim, da relação jurídica de natureza expropriatória, reclama uma nova

composição da indemnização, através de uma nova avaliação do bem (renovação material), ou se,

ao invés, permite o aproveitamento da avaliação realizada ao abrigo do procedimento cuja

declaração de utilidade pública foi declarada nula (renovação formal).

Deve assim ser equacionada a necessidade de inclusão de dois tipos de prestações

indemnizatórias na relação jurídica emergente da declaração de nulidade do acto: por um lado, a

62

Cfr. Mário Aroso de Almeida, Anulação..., p. 587. 63

Cfr., sobre a caracterização das diferentes prestações de conteúdo indemnizatório que podem estar envolvidas no processo de execução de sentenças, Mário Aroso de Almeida, Anulação..., pp. 816 e ss..

pg. 27

relativa à renovação dos actos relativos à avaliação do bem; por outro, a relativa à privação

ilegítima do uso e fruição do bem objecto do procedimento.

22. Já noutro local nos pronunciámos, em abstracto, sobre situações deste tipo:

“Qual, porém, a utilidade prática da impugnação contenciosa do acto de declaração

de utilidade pública da expropriação de um bem?

A resposta a esta questão terá de variar naturalmente consoante a natureza do vício

de que aquele acto enferma; um aspecto, no entanto, é comum, a anulação

contenciosa do acto de declaração de utilidade pública arrasta consigo todos os actos

praticados com base naquela declaração, tornando-os nulos, porque consequentes do

acto anulado.

Em termos substantivos, porém, as consequências não são tão lineares.

Na verdade, a consequência da anulação jurisdicional do acto de declaração de

utilidade pública será diversa consoante a natureza do vício que constitui o seu

fundamento.

Se o vício for formal ou orgânico, poderá ser praticado novo acto de declaração de

utilidade pública que dele não enferme, sendo que o momento relevante para a

determinação do montante da indemnização será o deste último, isto é, a anulação

da declaração pode conduzir à “actualização” do valor da indemnização” (64).

Movemo-nos, por ora, em ordem à determinação da forma de “redeterminar” o montante

indemnizatório no âmbito do procedimento de expropriação tendente a executar a sentença que

declarou a nulidade da declaração de utilidade pública.

Desta forma, somos da opinião de que estamos perante uma situação a que pode ser

aplicada, através da analogia, a norma vertida no artigo 13.º, n.º 6, do Código das Expropriações,

relativa à forma de determinação da indemnização nos casos em que, após a sua caducidade, é

renovada a declaração de utilidade pública. Diz esta norma que os particulares impugnantes

podem optar pela fixação de nova indemnização ou pela actualização, nos termos do disposto no

artigo 24.º, da quantia que havia sido apurada no procedimento promovido com base na

64

Cfr. Gonçalo Capitão, Expropriações..., pp. 312 e 313.

pg. 28

declaração de utilidade pública caducada, com a vantagem de poder dar-se por praticados os

demais actos do procedimento (65). De facto, em ambas as situações há a necessidade de declarar

novamente a utilidade pública da expropriação de determinados bens, renovando esse acto

administrativo, e em ambas as situações já existe um acto administrativo em que se determinou o

valor do bem a expropriar, pelo que não repugna aqui o recurso (e na falta de norma específica

aplicável no âmbito da execução de sentenças de anulação no contencioso administrativo) à

analogia legis (66).

23. Se a indemnização objecto dos parágrafos anteriores visa compensar o particular

impugnante pela efectiva expropriação do bem, o facto de a declaração de utilidade pública da

expropriação ser nula implica que, entre a efectivação da posse administrativa dos bens no

procedimento de expropriação cuja declaração de utilidade pública foi declarada nula e a

renovação em sede de execução de sentença dessa efectivação da posse administrativa, a

Concessionária esteve investida ilegitimamente na posse dos bens e os impugnantes viram-se

ilegitimamente coarctados nas liberdades de uso e fruição dos bens objecto do seu direito de

propriedade.

Devemos assim concluir que, durante esse lapso de tempo, os impugnantes foram alvo de

uma expropriação de facto, em que foram os poderes públicos quem, em nome e em proveito

próprios, usou e fruiu das potencialidades do bem.

Ora, sem dúvida que a privação do livre uso e fruição do bem durante esse período constitui

um dano na esfera dos impugnantes que se tornou reconhecível com a prolação da sentença que

declarou a nulidade da declaração de utilidade pública da expropriação. Porém, também não

temos dúvidas de que estamos perante uma situação em que a reconstituição da situação actual

hipotética pode ser reclamada pelos impugnantes mediante a apresentação de petição de

execução, ao abrigo do disposto no artigo 176.º (maxime por força do disposto no seu n.º 3), no

65

De facto, a opção dos expropriados por esta fórmula de cálculo da indemnização não deixa de consubstanciar, ela mesma, um acordo relativamente ao montante da indemnização, que poderá (ou deverá) ser formalizado em sede de expropriação amigável no âmbito do segundo procedimento de expropriação.

66 A respeito da figura da analogia da lei, ou legis, cfr. José de Oliveira Ascensão, O Direito – Introdução e

Teoria Geral, 3.ª edição, Lisboa, 1984, pp. 365 e ss..

pg. 29

âmbito da execução de sentenças, peticionando-se a condenação da Administração no pagamento

de quantias pecuniárias tendentes a reconstituir a sua esfera patrimonial activa (67).

Quanto à fórmula de cálculo dessa indemnização, julgamos que poderá recorrer-se a uma de

duas fórmulas: ou o montante indemnizatório corresponde aos juros contados pelo lapso de

tempo em causa calculados sobre o montante da indemnização (equivalendo ao preço pela

imobilização de capital), ou corresponde ao valor da utilização do bem imóvel, tomado pelo lapso

de tempo em causa.

Por fim, devem ainda ser ressalvadas as situações em que os impugnantes procederam ao

levantamento das quantias arbitradas e depositadas à sua ordem em cumprimento do dever de

pagamento de justa indemnização. Como é bom de ver, não existe aqui qualquer dever de

proceder ao pagamento de qualquer indemnização, uma vez que, durante o mesmo lapso de

tempo, os impugnantes puderam usufruir da quantia monetária arbitrada (nestes casos, a esfera

patrimonial dos impugnantes não sofreu qualquer dano).

VII - A RECONSTITUIÇÃO DO PROCEDIMENTO E O PROCESSO DE EXECUÇÃO DE SENTENÇAS DE ANULAÇÃO DE

ACTOS ADMINISTRATIVOS

24. No sentido do já afirmado, os trâmites que devem ser adoptados a respeito da execução da

sentença que declarou a nulidade da declaração de utilidade pública, no pressuposto da vontade

administrativa ir no sentido de renovar o acto, passarão por, “dentro do prazo de que dispõe para

adequar a situação de facto à situação de direito resultante da anulação, (...) optar por adequar a

situação de direito à situação de facto, substituindo a execução do efeito repristinatório pela

prática de um novo acto que, no respeito pelo caso julgado, redefina a situação jurídica que era

objecto do acto anulado” (68).

Trata-se então de definir a forma como se procederá à reinstrução do procedimento, sendo

certo que, na nossa opinião, em todos os actos se deverá fazer menção ao facto de os actos em

67

Cfr. Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Coimbra, 2005, p. 871.

68 Cfr. Mário Aroso de Almeida, Anulação..., p. 588.

pg. 30

causa terem por fundamento a execução da decisão judicial. Refira-se que, naturalmente, todos os

trâmites previstos no Código das Expropriações deverão ser adoptados, se possível nos mesmos

termos em que o haviam sido aquando do primeiro procedimento.

Assim sendo, julgamos que, por razões de segurança jurídica, o procedimento deverá ser

encetado através do cumprimento, por parte da beneficiária da expropriação, da formalidade

anteriormente omitida. Com base (também) no cumprimento dessa formalidade deverá ser

aprovada nova resolução de expropriar, a qual deverá ser remetida ao órgão competente para

declarar a utilidade pública das expropriações, para efeitos dessa declaração, bem como aos

interessados (69).

Posteriormente, aquando da notificação aos interessados da declaração de utilidade

pública, dever-lhes-á ser concedida a oportunidade de optarem pela actualização do montante da

indemnização que havia sido apurada ou por nova avaliação do bem, nos termos já adiantados.

Por fim, apenas mais duas notas.

A primeira para sustentar a desnecessidade de renovação da vistoria ad perpetuam rei

memoriam, por um lado, por manifesta impossibilidade, e, por outro, pelo facto de estarmos

perante um acto cujo conteúdo é tipicamente declarativo e cuja veracidade foi, de determinada

forma, atestada tanto pelos impugnantes, como pela beneficiária da expropriação, como ainda

pelo perito que elaborou o relatório em causa. Em abono da nossa opinião, sempre se poderá

dizer que, quanto ao aproveitamento da vistoria ad perpetuam rei memoriam nos casos de

renovação da declaração de utilidade pública após a sua caducidade, “mesmo que a opção deste

[o expropriado] seja pela fixação de nova indemnização, existem determinados actos – como é o

caso da vistoria “ad perpetuam rei memoriam” (...) – que deverão, igualmente, ser aproveitados,

já que, muitas vezes, senão sempre, a sua repetição não é possível, pelo facto de a coisa já não

existir com as mesmas características” (70-71).

69

Neste sentido, Mário Aroso de Almeida defende que “quando a Administração se vir reconduzida ao procedimento anteriormente instruído, na parte em que ele não tiver ficado prejudicado pelos vícios cometidos, ela não pode comportar-se como se tal procedimento nunca tivesse existido e deve revê-lo segundo os critérios que decorrem da sentença” (cfr. Reinstrução..., p. 16).

70 Cfr. Pedro Cansado Paes, Ana Isabel Pacheco e Luís Alvarez Barbosa, Código das Expropriações Anotado,

2.ª Edição, Coimbra, 2003, p. 96.

pg. 31

A segunda nota incide sobre a necessidade de, efectivamente, renovar a posse

administrativa dos bens (ainda e sempre em sede de execução de sentença) uma vez reunidos

todos os pressupostos necessários à efectivação dessa posse. Naturalmente, por a (re)efectivação

da posse administrativa marcar a passagem de uma posse ilícita dos bens para uma posse lícita

dos mesmos, será a partir desse momento que será possível proceder ao cálculo da indemnização

devida pela privação ilegítima do uso e fruição do bem imposta aos seus proprietários, pelo que

essa indemnização deverá ser paga assim que a beneficiária da expropriação se vir reinvestida na

posse dos bens.

71

Aliás, a opção legislativa pelo aproveitamento dos actos já praticados, no anterior Código das Expropriações, estendia-se apenas aos actos respeitantes à determinação da indemnização (cfr. o disposto no artigo 10.º, n.º 4, desse Código), pelo que se podia concluir que a renovação da vistoria ad perpetuam rei memoriam nunca estaria dependente da escolha que fosse feita pelo expropriado, nem seria, na nossa opinião, exigida pela lei.