Gonçalo Capitão Advogado / Mestre em Ciências do Direito ... da nulidade... ·...
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Gonçalo Capitão Advogado / Mestre em Ciências do Direito Público
Algumas considerações sobre os efeitos da declaração de nulidade de um acto de declaração de
utilidade pública de expropriação, com fundamento na preterição de formalidade essencial
1. A questão objecto deste sintético estudo compulsa-nos para o âmbito da execução de
sentenças no contencioso administrativo, implicando a análise da totalidade dos vários aspectos
que esta matéria abrange.
De igual modo, por estar em causa a declaração de nulidade de uma declaração de utilidade
pública da expropriação de determinado ou determinados bens, bem como por se visar a
reconformação de relações jurídicas administrativas de conteúdo expropriatório, cumpre tomar
por ponto de partida a caracterização da declaração de utilidade pública enquanto acto típico de
Direito Administrativo.
Partindo desse enquadramento, debruçar-nos-emos sobre os efeitos do caso julgado nas
relações jurídicas existentes, nomeadamente no que concerne aos direitos e aos deveres,
impendentes sobre as partes, que emergem da declaração de nulidade.
Concluindo-se pela inexorabilidade da necessidade de reposição da legalidade violada,
cuidaremos de determinar, sem preocupação de sermos exaustivos, os termos em que a reposição
da legalidade deve ser realizada, nomeadamente no que concerne à renovação do acto declarado
nulo, à eventual atribuição, a este acto, de efeitos retroactivos e à eventual necessidade de
renovação de actos conexos com o acto declarado nulo.
Relacionada com estas questões surge uma outra, também objecto da nossa análise, que
tem a ver com a eventual necessidade de inclusão, no procedimento de reposição da legalidade
violada e nas relações jurídicas que dele emergirem, de prestações de conteúdo indemnizatório
em favor dos expropriados.
Adoptamos, por isso, a seguinte estrutura de análise:
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1. A declaração de utilidade pública enquanto acto administrativo;
2. Os efeitos do caso julgado;
3. Os actos administrativos renováveis e não renováveis em sede de execução de sentenças;
4. A eventual retroactividade dos actos praticados em sede de execução de sentenças;
5. A eventual necessidade de renovação das actuações administrativas conexas com o acto
declarado nulo;
6. A eventual necessidade de consideração de prestações de natureza indemnizatória em
sede de execução de sentenças;
7. A reconstituição do procedimento e o processo de execução de sentenças de anulação de
actos administrativos.
I. A DECLARAÇÃO DE UTILIDADE PÚBLICA ENQUANTO ACTO ADMINISTRATIVO
2. Como não poderia deixar de ser, a caracterização da declaração de utilidade pública,
enquanto acto administrativo típico e nominado, deve partir do disposto no artigo 1.º do Código
das Expropriações, que estatui que “os bens imóveis e os direitos a eles inerentes podem ser
expropriados por causa de utilidade pública compreendida nas atribuições, fins ou objecto da
entidade expropriante, mediante o pagamento de uma justa indemnização nos termos do presente
Código”.
Antes do mais, deve vincar-se que o nosso estudo incide exclusivamente na expropriação
formal, materializada num acto de declaração de utilidade pública, não sendo necessário apurar a
emergência de situações de expropriação material (1). De facto a totalidade da relação jurídica de
carácter expropriatório é, imediata e integralmente, determinada pelo conteúdo da declaração de
utilidade pública, não havendo, na presente situação, afectações do direito de propriedade que
escapem ao âmbito da declaração de utilidade pública ou que não tenham esta como causa.
1 Para concretização da distinção entre expropriação material e expropriação formal, cfr., por todos, Gonçalo
Capitão, Expropriação e Ambiente, Lisboa, 2004, pp. 73 e ss. e 101 e ss., e as referências bibliográficas aí efectuadas.
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Assim sendo, a concepção liberal do conceito de expropriação serve perfeitamente o
propósito de ilustrar o que nos ocupa: estamos perante um “acto de autoridade que tem como
efeito típico a privação e a transferência da propriedade em proveito de um terceiro beneficiário
ou ainda qualquer constituição de direitos reais ou outros em proveito do Estado ou de terceiro por
motivos de interesse geral” (2), no âmbito de uma “relação jurídica pela qual o Estado,
considerando a conveniência de utilizar determinados bens imóveis em um fim específico de
utilidade pública, extingue os direitos subjectivos constituídos sobre eles e determina a sua
transferência definitiva para o património da pessoa a cujo cargo esteja a prossecução desse fim,
cabendo a esta pagar ao titular dos direitos extintos uma indemnização compensatória” (3).
A declaração de utilidade pública surge, assim, como o acto administrativo fulcral de toda e
qualquer relação jurídica formal de expropriação, podendo caracterizar-se como “o acto pelo qual
se declara a necessidade de um determinado bem para a prossecução de uma utilidade pública
concreta” (4), ou o “acto, legislativo ou administrativo, pelo qual se reconhece que determinados
bens são necessários à realização de um fim de utilidade pública mais importante que o destino a
que estão afectados” (5).
3. Desta forma, e entrando já na caracterização do direito, podemos afirmar que a declaração
de utilidade pública é um acto administrativo primário, impositivo, de conteúdo ablativo, já que,
versando pela primeira vez sobre uma determinada situação da vida, impõe a alguém a sujeição a
efeitos jurídicos de extinção do conteúdo de um direito (6).
Em termos mais precisos, o acto de declaração de utilidade pública produz dois tipos de
efeitos: por um lado, efeitos de natureza real ou objectiva, que incidem sobre o bem
expropriando, como a sua afectação a determinado fim e a criação de um vínculo de
indisponibilidade; por outro, efeitos de natureza obrigacional ou subjectiva, que relacionam as
2 Cfr. Fernando Alves Correia, “As garantias do particular na expropriação por utilidade pública, Separata do
Volume XXIII do Suplemento ao Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Coimbra, 1982, p. 77.
3 Cfr. Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, Volume II, 8.ª Edição, Coimbra, 1986, p. 996.
4 Cfr. Gonçalo Capitão, Expropriações por utilidade pública, in Legislação Fundamental de Direito do
Urbanismo Anotada e Comentada, Lisboa, 1994, p. 309. 5 Cfr. Marcello Caetano, Manual..., p. 1020.
6 Cfr., por todos, Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, Volume II, 2.ª Reimp., Coimbra,
2003, pp. 253 a 255.
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diversas partes da relação jurídica administrativa de expropriação. Já antes nos pronunciámos
neste sentido, o que fizemos nos seguintes termos:
“Ao nível da eficácia do acto de declaração de utilidade pública da expropriação,
podemos distinguir dois efeitos fundamentais.
Em primeiro lugar, um efeito constitutivo da relação expropriatória, isto é, e como
referimos anteriormente, a declaração de utilidade pública é o facto constitutivo desta
relação jurídica.
Assim, a declaração de utilidade pública vem fixar os elementos objectivos e
subjectivos da relação jurídica expropriatória ou, por outras palavras, vem definir as
partes na relação – expropriante, expropriado e entidade beneficiária –, o objecto da
relação – bens a expropriar –, e o fim da expropriação – a utilidade pública específica
cuja satisfação é visada.
Como consequência deste efeito constituem-se, ainda na esfera jurídica das partes na
relação jurídica, um conjunto de poderes e deveres processuais, relativos ao processo
de expropriação que se lhe segue para tornar efectiva a transferência dos bens.
Em segundo lugar, um efeito restritivo do direito de propriedade do expropriado.
É que, se bem que o expropriado não perca por mero efeito da declaração de utilidade
pública o seu direito de propriedade, este não fica, no entanto, incólume a essa
declaração.
Na verdade, e em nossa opinião, a declaração de utilidade pública, se bem que não
afecte os poderes de uso e fruição, retira ao expropriado o seu poder de livre
disposição.
Apesar de alguma polémica existente sobre se a declaração de utilidade pública tinha
como efeito a indisponibilidade do bem, julgamos que este Código veio dar o
elemento que faltava para a inequívoca aceitação desta restrição ao direito de
propriedade.
Com efeito, a sujeição da declaração de utilidade pública a registo (art.º 15.º, n.º 6),
vem reforçar seriamente a ideia da indisponibilidade do bem dela objecto, afastando
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a tese dos que defendiam existir uma mera ineficácia da compra e venda face à
entidade expropriante” (7).
Também Perestrelo de Oliveira partilha da ideia de que são estes os efeitos típicos da
declaração de utilidade pública:
“Ao declarar a utilidade pública da expropriação, o Governo, a Assembleia Municipal
ou o Governo Regional competente exerce o seu poder de autoridade, modificando ou
alterando situações jurídicas pré-existentes de conteúdo patrimonial. Contraposto a
esse poder encontra-se um estado de sujeição do expropriado, que inelutavelmente
irá sofrer na sua esfera patrimonial os efeitos do acto declarativo.
A declaração de utilidade pública, por um lado, faz cessar o direito de propriedade e
reduz o proprietário à situação de mero possuidor até à transferência do bem para o
expropriante (através da adjudicação judicial ou em consequência de expropriação
amigável) ou até à posse administrativa do bem; por outro lado, dela resulta que o
bem fica adstrito à satisfação do fim de utilidade pública que concretamente
identifica.
Da declaração de utilidade pública resulta, ainda, a sub-rogação do bem expropriado
pelo crédito indemnizatório” (8).
Atendendo ao exposto, deve considerar-se que “a declaração de utilidade pública é, pois,
mais do que simples condição da expropriação: produzindo a extinção do direito de livre disposição
do proprietário e criando a coacção psicológica específica do carácter forçado da transferência dos
bens pretendidos, é o próprio facto constitutivo da relação jurídica da expropriação” (9-10). De
facto, a declaração de utilidade pública contém dois imperativos: “um que extingue o vínculo que
liga a coisa ao seu proprietário e outro que manda que a pessoa a cujo cargo está o interesse
7 Cfr. Gonçalo Capitão, Expropriações..., p. 313.
8 Cfr. Luís Perestrelo de Oliveira, Código das Expropriações Anotado, 2.ª Edição, Coimbra, 2000, p. 65.
9 Cfr. Marcello Caetano, Manual..., p. 1003.
10 Cfr., sobre a relação jurídica de expropriação, Marcello Caetano, Em torno do conceito de expropriação
por utilidade pública, in Estudos de Direito Administrativo, Lisboa, 1974, pp. 180 e ss..
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público protegido entre de posse da coisa expropriada e pague a respectiva indemnização,
praticando para esse efeito as diligências processuais previstas na lei” (11).
Podemos então concluir que os efeitos jurídicos decorrentes do acto de declaração da
utilidade pública da expropriação de um ou vários bens necessários a um concreto fim de
utilidade pública, são a afectação do objecto da expropriação a determinados fins de utilidade
pública e a constituição de uma relação jurídica de natureza expropriatória que liga os
expropriados, os demais interessados, a entidade beneficiária da expropriação e a entidade
expropriante, a qual tem por termos essenciais a subtracção da disponibilidade do bem e a criação
de um crédito na esfera dos expropriados e demais interessados, bem como a subsunção desta
relação jurídica ao disposto no Código das Expropriações.
II - OS EFEITOS DO CASO JULGADO
4. O que se passa, porém, se o acto que declarou a utilidade pública de uma expropriação,
estiver ferido de vício gerador da sua nulidade?
Nesse caso, estamos perante um acto administrativo que introduziu (rectius, que pretendeu
introduzir) determinadas alterações na ordem jurídica respeitantes a determinados bens. E
referimos que este acto pretendeu introduzir determinadas alterações na ordem jurídica, e não
que as introduziu, por força da sua nulidade.
A matéria das formas de invalidade do acto administrativo encontra-se actualmente prevista
nos artigos 133.º a 136.º do CPA, podendo a invalidade de um acto administrativo assumir a forma
de nulidade ou de anulabilidade (12).
De uma forma esquemática, os traços característicos do regime da nulidade dos actos
administrativos que relevam para o presente estudo são os factos de o acto nulo ser totalmente
11
Cfr. Alcindo Costa, Declaração de Utilidade Pública, in Dicionário Jurídico da Administração Pública, 3.º Volume, Lisboa, p. 307.
12 Sobre a invalidade do acto administrativo, cfr. Diogo Freitas do Amaral, Curso..., pp. 403 e ss.; Mário
Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e João Pacheco de Amorim, Código do Procedimento Administrativo Comentado, 2.º Edição, Coimbra, 2005, pp. 637 e ss.; Vieira de Andrade, Validade (do acto administrativo), in Dicionário Jurídico da Administração Pública, 7.º Volume, Lisboa, pp. 581 e ss..
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ineficaz desde a data da sua prática (13), de a invalidade do acto administrativo nulo ser insanável,
quer pelo decurso do tempo, quer por ratificação, reforma ou conversão (14), de o acto nulo poder
ser impugnado a todo o tempo, não estando a sua impugnação sujeita a qualquer prazo (15), de a
nulidade poder ser conhecida a todo o tempo por qualquer órgão administrativo (16), e, por fim,
de o reconhecimento judicial da sua existência tomar a forma de declaração de nulidade e ter
natureza meramente declarativa.
Desta forma, o acto declarativo da utilidade pública de expropriação que seja nulo está
integralmente sujeito ao regime exposto no parágrafo anterior, pelo que se conclui que o mesmo
não produziu quaisquer efeitos e que a invalidade de que padece é insanável.
5. Depois das considerações já expendidas, de natureza mais ou menos introdutória, entramos
agora no cerne do presente estudo, cuidando de saber quais os efeitos que decorrem da
declaração jurisdicional da nulidade do acto declarativo da utilidade pública de expropriação (17).
A doutrina costuma identificar três tipos de efeitos que emergem das sentenças
pronunciadas no contencioso administrativo e que vinculam as partes.
Assim, em primeiro lugar, é usualmente referido um efeito anulatório, associado à anulação
de actos administrativos, e que, nos casos em que o tribunal se pronuncia pela nulidade do acto
impugnado, não constitui propriamente um efeito do caso julgado: neste caso, estaremos perante
uma sentença que se limita a declarar a nulidade do acto administrativo impugnado (que é nulo
13
De acordo com o disposto no artigo 134.º, n.º 1, do CPA. 14
Por força do disposto no artigo 137.º, n.º 1, do CPA. 15
Nos termos do disposto no artigo 134.º, n.º 2, do CPA. 16
De acordo com o disposto no artigo 134.º, n.º 2, do CPA. 17
Deve ser sublinhado que, “como as sentenças de declaração de nulidade ou inexistência de actos administrativos foram historicamente assimiladas às de anulação para os mais diversos efeitos e que a essa tradição se continua a reconduzir ao artigo 50.º, n.º 1, ao delimitar o objecto dos processos de impugnação de actos administrativos, não repugna, entretanto, admitir que o processo de execução de
sentenças de anulação de actos administrativos também possa ser utilizado para extrair
consequências das pronúncias que tenham declarado a nulidade ou a inexistência desses actos” (cfr. Mário Aroso de Almeida, O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, 4.ª Edição, Coimbra, 2005, p. 391, negrito nosso; cfr., no mesmo sentido, Rui Chancerelle de Machete, Execução de Sentenças Administrativas, in Estudos de Direito Público, Coimbra, 2004, p. 277, com o argumento de que “de jure não há situação hipotética a reconstituir, mas de facto pode muito bem haver”; Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa (Lições), 4.ª Edição, Coimbra, 2003, p. 363).
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ab initio), e que, por essa razão, não introduz qualquer modificação na ordem jurídica vigente,
pelo que é uma sentença declarativa ou de simples apreciação (e não constitutiva) (18-19).
Este efeito, que neste caso adopta a forma de efeito meramente declarativo, encarna a
satisfação das pretensões imediatas do impugnante, no sentido de que foi o reconhecimento da
ilegalidade do acto em tribunal que o motivou a impugná-lo. Neste sentido, as relações jurídicas
existentes entre as partes do processo (que acontece serem as mesmas do procedimento
expropriatório) pautam-se agora, numa perspectiva meramente estática, pela inexistência de
qualquer acto declarativo da utilidade pública da expropriação dos bens imóveis em causa, ou,
dito de outra forma, a declaração de nulidade “faz com que tudo se passe como se o acto (...)
nunca tivesse sido praticado” (20).
Desta forma, a relação jurídica aqui em causa deve ser enquadrada partindo do facto,
efectivo, de que os efeitos da declaração de utilidade pública, enquanto acto administrativo típico
previsto na lei, nunca se produziram, devendo partir-se do princípio de que a actuação concreta
que foi promovida pela entidade beneficiária da expropriação sobre os imóveis pretensamente
expropriados careceu de causa jurídica habilitante para o efeito.
6. Em segundo lugar, é imputado às sentenças do contencioso administrativo um efeito
repristinatório, sobre o qual discorreu Mário Aroso de Almeida, ainda que por referência a
decisões de anulação (e não de declaração de nulidade), mas com um conteúdo perfeitamente
transponível para o caso, nos seguintes termos:
“A sentença anulatória tem o alcance de eliminar da ordem jurídica a definição que o
acto anulado tinha introduzido. E, por conseguinte, tem também o alcance de
redefinir, ela própria, a situação jurídica sobre a qual incidia aquele acto, na medida
em que compreende um decisivo efeito repristinatório [em relação ao qual] se pode 18
Cfr. Diogo Freitas do Amaral, Curso..., p. 408, em que refere, de uma forma muito clara, a diferença entre a procedência da impugnação de um acto administrativo com base na sua nulidade ou na sua anulabilidade: “O reconhecimento de que o acto é anulável por parte do tribunal determina a sua anulação. A sentença proferida sobre um acto anulável é uma sentença de anulação (assumindo natureza constitutiva), enquanto a sentença proferida sobre o acto nulo é uma declaração de nulidade. Por outras palavras: o acto nulo é declarado nulo; o acto anulável é anulado”.
19 Cfr. Vasco Pereira da Silva, Para um contencioso administrativo dos particulares (esboço de uma teoria
subjectivista do recurso directo de anulação), Coimbra, 1997, p. 234. 20
Cfr. Mário Aroso de Almeida, Anulação de Actos Administrativos e Relações Jurídicas Emergentes, Coimbra, 2002, p. 215.
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dizer que conduz ao ressurgimento, durante todo o período de vigência do acto
anulado, do regime jurídico que teria vigorado se o acto não tivesse sido praticado.
Neste sentido, pode dizer-se que “a anulação assume dois aspectos, um destrutivo,
outro repristinatório”, sendo que “o efeito repristinatório é aquele pelo qual as
qualificações jurídicas que precedem aquela no acto invalidado readquirem eficácia”.
O efeito repristinatório é fundamental, porque inerente à própria natureza dos actos
anulatórios, enquanto factores de transformação da ordem jurídica.
Assim, uma vez anulado o acto administrativo que tinha determinado o confisco (ou a
expropriação) de um bem, reconstitui-se o direito de propriedade, nos termos em que
ele se apresentava no momento em que o acto anulado surtiu efeitos” (21).
A importância do efeito repristinatório radica assim no facto de satisfazer a necessidade de
reintegração da ordem jurídica relativamente ao lapso de tempo que decorreu desde a prática do
acto inválido até à data do reconhecimento jurisdicional dessa invalidade. Se no caso da anulação
jurisdicional de actos administrativos esse efeito decorre da retroactividade da decisão, através da
qual se elimina o acto administrativo e os seus efeitos da ordem jurídica, no caso da declaração de
nulidade não estamos propriamente perante um efeito da sentença, já que a sentença apenas
reconhece ou declara que aquele acto administrativo em concreto, por ser nulo, nunca produziu
efeitos nem introduziu qualquer alteração na ordem jurídica. Assim sendo, e consistindo o efeito
repristinatório também na introdução de alteração na ordem jurídica, a sua manifestação nas
sentenças de declaração de nulidade de actos administrativos é feita através de uma mera
apreciação ou declaração, não havendo qualquer conteúdo de natureza constitutiva neste tipo de
decisões (22).
Desta forma, se ao pretenso efeito constitutivo das sentenças administrativas que declaram
a nulidade de determinado acto administrativo se associa apenas a declaração de nulidade do
21
Cfr. Mário Aroso de Almeida, Anulação..., pp. 226 e 227. 22
Diogo Freitas do Amaral não aceita que o efeito repristinatório seja automático e decorra imediatamente da sentença anulatória, afirmando que o efeito apenas se verifica se a Administração não exercer o seu poder de renovar o acto anulado (cfr. Apreciação da Dissertação de Doutoramento do Mestre Mário Aroso de Almeida «Anulação Contenciosa de Actos Administrativos e Relações Jurídicas daí Emergentes», in Estudos de Direito Público e Matérias Afins, Volume II, Coimbra, 2004, pp. 418 e ss.).
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acto, ao seu pretenso efeito repristinatório deve ligar-se a declaração de não produção de efeitos
por parte do acto declarado nulo.
7. Por fim, o terceiro dos efeitos comummente apontados ao caso julgado de decisões
anulatórias é o efeito conformativo ou preclusivo, que “consiste na proibição à Administração de
refazer aquele acto administrativo ilegal” (23). Ou, dito de outra forma, “a Administração, para
acatar uma sentença de anulação de um acto ilegal seu, tem de abster-se de praticar um novo
acto administrativo idêntico ao anulado, que esteja inquinado pelo mesmo vício que determinou a
anulação: não há-de, por conseguinte, a Administração renovar o acto anulado repetindo os
mesmos vícios do anterior” (24).
Neste mesmo sentido, afirma Mário Aroso de Almeida:
“Do enunciado proposto decorre o alcance negativo com que, neste plano, o caso
julgado formado pela sentença se projecta sobre a ulterior actividade da
Administração, impondo limites ao reexercício do poder ou condicionamentos ao
modo pelo qual ele se processou – um efeito que decorre da sentença, mas que não
define pela positiva o conteúdo da ulterior actuação administrativa, apenas
contribuindo para a delimitar em função do modo como se projecta sobre as posições
substantivas e sobre o poder manifestado, em termos de imposição de vinculações de
conteúdo negativo.
Projectando um alcance negativo sobre o ulterior exercício do poder, pode dizer-se
que a autoridade do caso julgado formado pela sentença anulatória se configura
como uma regra de compatibilidade ou não contraditoriedade, visto que “não impõe
à Administração o conteúdo de determinados actos, e só delimita esse conteúdo
negativamente, estabelecendo os fins que não podem ser prosseguidos, ou os meios
que não podem ser utilizados” (25).
23
Cfr. Vasco Pereira da Silva, Para..., p. 222. 24
Cfr. Diogo Freitas do Amaral, A Execução das Sentenças dos Tribunais Administrativos, 2.ª Edição, Coimbra, 1997, p. 36.
25 Cfr. Mário Aroso de Almeida, Sobre a Autoridade do Caso Julgado das Sentenças de Anulação de Actos
Administrativos, Coimbra, 1994, pp. 138 e 139; cfr. ainda, sobre a matéria, Mário Aroso de Almeida, Reinstrução do Procedimento e plenitude do processo de execução das sentenças, in Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 3, Maio/Junho de 1997, pp. 12 e ss.
pg. 11
Destarte, o efeito conformativo ou preclusivo consubstancia-se na impossibilidade de a
Administração, mais precisamente a entidade expropriante e a entidade beneficiária da
expropriação, adoptar as diligências necessárias à emissão da declaração de utilidade pública da
expropriação dos mesmos bens, bem como de declarar essa mesma utilidade pública, sem que
antes seja afastado o vício gerador de nulidade. Dito de outra forma, a impossibilidade de reincidir
na conduta é, em si mesma, o efeito conformativo ou preclusivo do caso julgado.
8. Atenta a descrição de cada um dos tipos de efeitos imputados ao caso julgado de sentenças
de anulação, facilmente se conclui que os efeitos anulatório e conformativo ou preclusivo actuam
directa e automaticamente na esfera da Administração, sem necessidade de adopção de qualquer
conduta.
Por seu lado, o efeito repristinatório reclama, as mais das vezes, a adopção de condutas por
parte da Administração (26) no sentido de restabelecer a legalidade violada pelo acto anulado ou
declarado nulo, uma vez que “uma decisão meramente anulatória nem sempre consegue
restabelecer integralmente a situação anterior à prática do acto ilegal”: de umas vezes, “o
restabelecimento da situação anterior ao acto ilegal exige uma alteração do mundo dos factos que
a sentença não pode produzir”; de outras vezes, “o restabelecimento da situação anterior ao acto
ilegal exige decisões não totalmente vinculadas, que só a Administração activa pode tomar” (27).
No entanto, nem sempre a protecção dos interesses em causa se basta com a mera
reconstituição da situação anterior à prática do acto ilegal, devendo aplicar-se o critério da
reconstituição da situação actual hipotética: “importa, na verdade, considerar o período de tempo
que medeou entre a prática do acto ilegal e o momento em que se reintegra a ordem jurídica, e
reconstituir, na medida do possível, a situação que neste último momento existiria se o acto ilegal
não tivesse sido praticado e se, portanto, o curso dos acontecimentos nesse período se tivesse
apoiado sobre uma base legal” (28). Daí que esta actividade de reintegração da ordem jurídica
violada deve ser qualificada como execução de sentenças, sendo esta entendida como a “prática,
pela Administração activa, dos actos jurídicos e operações materiais necessários à reintegração
26
Cfr. Mário Aroso de Almeida, O Novo..., p. 387, onde se elencam os deveres em que a Administração fica investida em virtude da sentença de anulação.
27 Cfr. Diogo Freitas do Amaral, A Execução..., p. 40.
28 Cfr. Diogo Freitas do Amaral, A Execução..., p. 41.
pg. 12
efectiva da ordem jurídica violada, mediante a reconstituição da situação que existiria, se o acto
ilegal não tivesse sido praticado” (29).
Ainda de acordo com a melhor doutrina, esta reintegração da legalidade violada far-se-á
aplicando dois princípios: “o primeiro princípio a aplicar é o da retroactividade da anulação
contenciosa, ou seja, o princípio de que o acto anulado há-de reputar-se como nunca tendo
existido na ordem jurídica”; “o segundo princípio a aplicar é o da limitação da eficácia do caso
julgado aos vícios determinantes da anulação, ou seja, o princípio de que o respeito pelo caso
julgado não impede a substituição do acto anulado por um acto idêntico, se a substituição se fizer
sem repetição dos vícios determinantes da anulação” (30).
Em face do exposto, cumpre determinar qual a liberdade da Administração em sede de
execução de sentença, nomeadamente se se admite a referida “substituição do acto anulado por
um acto idêntico”.
III - OS ACTOS ADMINISTRATIVOS RENOVÁVEIS E NÃO RENOVÁVEIS EM SEDE DE EXECUÇÃO DE SENTENÇAS
9. Em função do critério apontado, que chama à colação, no essencial, o efeito preclusivo ou
conformativo do caso julgado, “dizer que a Administração não pode praticar um novo acto
administrativo idêntico ao anulado que esteja inquinado pelo mesmo vício que determinou a
anulação é o mesmo que dizer, vistas as coisas por outra perspectiva, que a Administração pode
repetir em novo acto administrativo todos os elementos do acto anulado que não tenham sido
considerados ilegais, nem, por isso, determinantes da anulação” (31).
Tentando explicitar esta matéria da perspectiva subjectiva do impugnante, sempre se
poderá dizer que “o recorrente que obteve ganho de causa num processo de anulação dirigido
contra um acto administrativo de conteúdo positivo não pretende a substituição do acto anulado,
mas antes lhe assiste um direito à execução do efeito repristinatório da anulação, sem prejuízo
29
Cfr. Diogo Freitas do Amaral, A Execução..., p. 45. 30
Cfr. Diogo Freitas do Amaral, A Execução..., p. 54. 31
Cfr. Diogo Freitas do Amaral, A Execução..., p. 36.
pg. 13
da eventualidade de o acto anulado poder vir a ser renovado, isto é, substituído por outro com
igual conteúdo” (32).
Chegados a este ponto, revela-se essencial apurar se o efeito preclusivo ou conformativo do
caso julgado impede ou não a renovação de declaração de utilidade pública da expropriação que
foi objecto de declaração de nulidade.
10. A resposta a tal questão depende necessariamente do tipo de vício gerador da nulidade do
acto.
Com efeito, se estivermos perante um vício de incompetência ou um vício de forma, seja por
carência absoluta de forma legal, seja por preterição de formalidade essencial33, o acto
administrativo nulo será, em princípio, renovável, uma vez que será possível praticar novo acto
com o mesmo conteúdo, mas que não padeça do mesmo vício.
O mesmo não sucederá se o vício gerador da nulidade for um vício material de violação de
lei ou , sendo de desvio de poder, implicar a prática de um crime.
Ora, concretizando a dimensão do efeito preclusivo do caso julgado no caso dos actos que
enfermem de vício de forma por preterição de formalidade essencial, podemos afirmar que existe
uma obrigação, impendente sobre a entidade expropriante e que também vincula a beneficiária
da expropriação, de não mais declarar a utilidade pública da expropriação dos bens propriedade
dos expropriados sem que se mostre cumprida a formalidade omitida. Aliás, caso a utilidade
pública das expropriações em causa fosse novamente declarada nas condições que conduziram à
declaração de nulidade esse novo acto seria nulo não só por violação do disposto na norma ou
normas legais que impõem tal formalidade, mas também por força do disposto no artigo 133.º,
n.º 2, alínea h), na medida em que violaria caso julgado.
Extraindo as devidas consequências do que afirmamos no parágrafo anterior, parece-nos ser
de concluir que o acto administrativo declarado nulo é, nestes casos, um acto renovável: a
beneficiária da expropriação pode requerer novamente a emissão de declaração de utilidade
pública, e a entidade expropriante pode emiti-la, das expropriações necessárias à prossecução do
32
Cfr. Mário Aroso de Almeida, Anulação..., p. 567, negrito nosso. 33
Afastamos o vício de forma por falta de fundamentação, por entendermos que o mesmo nunca é gerador de nulidade.
pg. 14
fim de utilidade pública que justificou a prática do acto nulo, desde que cumprida a formalidade
prévia, nos termos e no sentido legalmente exigido.
Em conclusão, estamos então perante um acto que resulta do exercício de um poder
discricionário quanto à oportunidade e quanto ao conteúdo (a declaração ou não da utilidade
pública da expropriação de determinados bens), que foi declarado nulo por motivos formais (a
omissão de uma formalidade), pelo que “pode a Administração praticar um acto de igual
conteúdo, mas não pode, por força da sentença, repetir a ilegalidade formal de que enfermava o
primeiro acto” (34).
11. Assim, se, por um lado, o “efeito repristinatório” do caso julgado formado pela declaração
de nulidade reclama a reconstituição da situação actual hipotética que existiria caso o acto nulo
não tivesse sido praticado (o que incluiria, à partida, a adopção das condutas necessárias à
afectação do bem expropriado aos interesses de natureza privada do proprietário uma vez
reinvestido nessa qualidade)35, a possibilidade de, por outro lado, renovar o acto declarado nulo
impõe-se sobre essa recomposição das relações jurídicas materiais decorrentes da declaração de
nulidade da declaração de utilidade pública.
A este respeito, julgamos as palavras de Mário Aroso de Almeida mais do que elucidativas:
“Com efeito, pode dizer-se que a reconstituição da situação que existia no momento
em que o acto anulado foi emitido exige a realização, no plano dos factos, de
operações de execução por parte da Administração, sem prejuízo de novas
redefinições que, no plano jurídico, ela possa vir a introduzir, no respeito pelos limites
impostos pelo caso julgado, e que possam vir a sobrepor à definição resultante do
efeito repristinatório da sentença. A conformação, por parte da Administração, com a
anulação decretada pelo tribunal concretiza-se, assim, no cumprimento dos deveres
decorrentes da repristinação operada pela sentença, salvo o reexercício do poder, no
respeito pelos limites ditados pela autoridade do caso julgado.
34
Cfr. Vasco Pereira da Silva, Para..., p. 223. 35
Sendo certo que tendemos a defender que a situação que actualmente existiria caso o acto declarado nulo não tivesse sido declarado nulo seria exactamente a mesma que existia à data da prática do acto declarado nulo, isto é, uma situação que assentasse na propriedade, incluindo todas as faculdades inerentes a este direito, e na posse do terreno titulada pelos expropriados impugnantes.
pg. 15
Também nesta sede se deve, pois, reconhecer que as duas alternativas não se
encontram colocadas num mesmo plano, na medida em que a efectiva renovação do
acto inválido constitui um limite subjacente aos deveres de conteúdo repristinatório
que, na esfera jurídica da Administração, à partida, emergem da anulação.
Pode, assim, dizer-se que, na esfera jurídica da Administração, se dá, por efeito da
anulação, um fenómeno de coexistência entre o dever de proceder à repristinação
material da situação e o poder de retomar o procedimento, em ordem à eventual
substituição – e, porventura, renovação – do acto anulado. Ao que corresponde, na
esfera do recorrente que obteve a anulação, uma pretensão dirigida à repristinação
da situação anterior, sem prejuízo da eventual reinstrução do procedimento, tendente
à substituição e eventual renovação do acto anulado, na qual tanto poderá estar
interessada a Administração como os eventuais contra-interessados.
(...) [Neste cenário,] a consistência do direito do particular não é prejudicada pela
existência do poder, uma vez que o exercício do poder administrativo não corresponde
a um livre arbítrio, mas assenta em factos e valorações heteronomamente
delimitados. As posições do particular e da Administração aproximam-se, assim, neste
domínio, daquelas em que se encontram colocadas as partes num contrato inválido
quando uma delas é simultaneamente titular do dever de prestar e do poder de
provocar a anulação do contrato. De onde, a renovação do acto anulado constitui
uma causa de extinção do dever de repristinar para além do cumprimento, com o
alcance de desonerar a Administração do dever em que ela tinha ficado constituída
por efeito da anulação.
Se, quando a Administração pratica um acto desconforme com a sentença, se dá uma
situação de inexecução ilegítima da repristinação emergente da anulação – à qual o
juiz põe termo declarando a nulidade do acto desconforme –, a renovação do acto
positivo anulado, no respeito pelos limites decorrentes do caso julgado – acto
conforme com a (anulação decretada pela) sentença –, constitui causa (legítima) de
extinção dos deveres de conteúdo repristinatório que, à partida, decorriam da
anulação. Se devia proceder à execução do efeito repristinatório da sentença, a
pg. 16
Administração, praticando um outro acto, determina, legitimamente, que a situação
se mantenha, para o futuro, nos moldes em que ela tinha sido definida pelo acto
anulado. O dever inicial de remover as consequências do acto anulado é, assim,
compensado pelo exercício do poder de voltar a produzir as mesmas circunstâncias ao
abrigo de novo acto de idêntico conteúdo, podendo falar-se, a este propósito, e ainda
que em sentido impróprio, na verificação de um fenómeno de compensação” (36).
Podemos assim ter por assente que, para efeitos de aferição do cumprimento, por parte da
Administração, dos deveres de natureza repristinatória que sobre ela impendem por força da
declaração de nulidade do acto de declaração de utilidade pública, a opção pela renovação do
acto declarado nulo extingue os deveres de conteúdo repristinatório (37). É esta, a nosso ver, a
solução que deverá ser dada às relações jurídicas de natureza material que emergem da
declaração de nulidade de acto que declarou a utilidade pública de uma expropriação, podendo e
devendo o acto de declaração de utilidade pública ser renovado uma vez garantido o
cumprimento da formalidade omitida.
Aliás, tal actuação encontrará pleno acolhimento no disposto no artigo 173.º, n.º 1, do
Código de Processo nos Tribunais Administrativos, o qual efectua de uma forma bastante explícita
a contraposição entre o poder de renovação e o dever de satisfação do efeito repristinatório do
caso julgado e, bem assim, a possibilidade de o exercício daquele eximir a Administração do
cumprimento deste: reza a lei que, “sem prejuízo do eventual poder de praticar novo acto
administrativo, no respeito pelos limites ditados pela autoridade do caso julgado, a anulação de
um acto administrativo constitui a Administração no dever de reconstituir a situação que existiria
se o acto anulado não tivesse sido praticado, bem como de dar cumprimento aos deveres que não
tenha cumprido com fundamento no acto entretanto anulado, por referência à situação jurídica e
de facto existente no momento em que deveria ter actuado” (negrito nosso) (38).
36
Cfr. Mário Aroso de Almeida, Anulação..., pp. 584 a 587, negrito nosso. 37
Para referências jurisprudenciais sobre a aceitação da renovação do acto anulado como forma de execução da sentença anulatória, cfr. José Manuel Santos Botelho, O acto e as novas pretensões condenatórias no processo administrativo na perspectiva da execução do julgado “anulatório”, in Colóquio Luso-Espanhol “O Acto no Contencioso Administrativo” (Tradição e Reforma) Coimbra, 2005, pp. 301 e ss. e 306 e ss..
38 Sobre a obrigatoriedade da execução espontânea das sentenças no contencioso administrativo, cfr. Vieira
de Andrade, A Justiça..., pp. 346 e ss..
pg. 17
12. De modo a proceder-se ao correcto enquadramento dogmático da matéria em apreço, deve
ter-se em consideração que a opção pela renovação do acto administrativo declarado nulo, por
não ser, normalmente, um acto vinculado (consubstanciado num dever), mas sim um acto
discricionário (consubstanciado num poder), não é um elemento adquirido no âmbito da execução
da decisão judicial.
De facto, a esta decisão deve subjazer, como acontece relativamente a todo e qualquer
exercício de um poder discricionário, um juízo de ponderação de interesses, no qual devem ser
introduzidos não só os interesses do expropriado que impugnou, com sucesso, o acto
administrativo declarado nulo ou anulado, mas também os interesses públicos titulados pela
Administração e os interesses privados, contrapostos aos do expropriado, que concorram para a
renovação do acto.
Tal resultará, como não pode deixar de ser da ponderação das circunstâncias concretas de
cada caso.
13. Ao lado das relações jurídicas materiais sobre as quais incidiu (rectius, pretendeu incidir,
uma vez que, sendo nulo, não produziu quaisquer efeitos) o acto declarado nulo e sobre as quais
incidirá o acto renovatório, há que atender também às relações jurídicas de natureza
procedimental que existiam à data da prática do acto declarado nulo.
De facto, a máxima de acordo com a qual o efeito repristinatório acarreta a “reinvestidura”
das partes nas relações jurídicas materiais existentes à data da prática do acto declarado nulo
pode e deve ser estendida às relações jurídicas de natureza procedimental: “bastará, para o efeito,
que a Administração proceda à reinstrução do procedimento” (39).
Em conclusão, podemos dar por adquirido que a Administração poderá proceder à
renovação do acto declarado nulo através da reinstrução do procedimento, nos termos que serão
desenvolvidos infra.40
39
Cfr. Mário Aroso de Almeida, Anulação..., p. 579. 40 Refira-se que se a opção da Administração for pela não renovação da declaração de utilidade pública da
expropriação estaremos perante uma situação comparável com a de desistência da expropriação, competindo à Administração repor os bem na situação de facto que se encontrava à data da prática do acto declarado nulo e indemnizando o expropriado pelo prejuízos causados pela sua actuação ilícita.
pg. 18
IV - A EVENTUAL RETROACTIVIDADE DOS ACTOS PRATICADOS EM SEDE DE EXECUÇÃO DE SENTENÇAS
14. Após concluirmos pela possibilidade de renovar o acto declarado nulo, pode aventar-se a
hipótese de, por estarmos perante a renovação de um acto que, embora ilegalmente, criou uma
determinada situação de facto (não de direito por via da ausência de produção de efeitos), ser
possível atribuir eficácia retroactiva a esse acto e, assim, conceder substrato jurídico à situação de
facto que perdura desde a prática do acto declarado nulo. Esta já foi, de facto, a posição defendida
pelo Supremo Tribunal Administrativo e por Diogo Freitas do Amaral em relação aos actos
anulados, que refere ter sido sua posição que, se se procura através da execução de sentenças
uma reconstituição da situação actual hipotética, e “se a Administração substitui um acto ilegal
por um acto legal idêntico já depurado do vício que determinara a anulação do anterior,
renovando assim a resolução que havia dado à questão que fora objecto do primeiro acto, há
todas as razões para crer que essa teria sido a resolução tomada da primeira vez, se não tivesse
ocorrido qualquer ilegalidade”, pelo que “a situação em que agora se estaria, se não fosse a
ilegalidade então cometida, seria com toda a certeza a mesma em que agora se está” (41-42).
No entanto, há argumentos que devem ser esgrimidos no sentido de que a retroactividade
da renovação do acto declarado nulo não pode constituir a regra: “por um lado, um argumento
que se baseia no propósito de proteger os interesses do recorrente e de acordo com o qual a
atribuição de eficácia retroactiva aos actos de execução de sentenças só faz sentido para tutela e
benefício do recorrente, devendo ser afastada quando os seus interesses o justifiquem”; “por outro
lado, um argumento que assenta no propósito de assegurar a reintegração da legalidade violada e
sustenta que, «se a renovação do acto tivesse efeitos retroactivos, frustrar-se-ia a reintegração da
ordem jurídica violada, pois tudo se passaria como se o acto ilegal, anulado, continuasse a
produzir efeitos desde a data da sua emissão, tornando na prática inútil um recurso contencioso
que mereceu provimento” (43).
41
Cfr. Diogo Freitas do Amaral, A Execução..., p. 96. 42
Cfr., a este respeito, Mário Aroso de Almeida, Anulação..., p. 657. 43
Cfr. Diogo Freitas do Amaral, A Execução..., p. 97; cfr., no mesmo sentido, Afonso Queiró, Anotações, in Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 119, n.º 3751, pp. 302 e ss..
pg. 19
Sendo certo que se reconhece na possibilidade de o acto renovatório recuperar os efeitos
do acto renovado como algo que o caracterizaria como um acto secundário (44), deve também ser
reforçada, no sentido de não conceder aprioristicamente eficácia retroactiva ao acto renovatório,
a sua natureza de acto primário, de acto administrativo que tem por objecto directo outras
realidades que não outros actos administrativos (45). Aliás, considerando que a Administração se
encontra investida, por lei, nos poderes necessários para actuar sobre os actos administrativos
que emite, permitir que tal sucedesse seria permitir que o acto renovatório produzisse, depois de
ou uma vez já anulado o acto, os mesmos efeitos que uma ratificação, que uma reforma ou que
uma conversão do acto (ainda) anulável (quando destes se trate).
Por outro lado, tomando em consideração que a situação subjacente ao presente estudo
envolve a renovação de um acto declarado nulo (e não meramente anulado), e sendo certo que os
actos nulos não são susceptíveis de ser objecto de qualquer tipo de acto secundário (talvez com
excepção da declaração da sua nulidade) (46), mais nos aproximamos aqui da formulação de uma
regra geral de impossibilidade de atribuição de eficácia retroactiva ao acto renovador de actos
declarados nulos e da recondução deste tipo de actos ao regime geral.
15. De acordo com o disposto no artigo 128.º, n.º 1, alínea b), do CPA, “têm eficácia retroactiva
os actos administrativos que dêem execução a decisões dos tribunais, anulatórias de actos
administrativos, salvo tratando-se de actos renováveis” (47).
Estando em análise a renovação de um acto declarado nulo, cumpre proceder à clarificação
da norma vertida neste artigo, incidindo a nossa especial atenção sobre o seu inciso final. De
facto, “o que se quis dizer com a parte final do preceito da alínea b) não é que os actos renováveis
44
Sobre a distinção entre actos primários e actos secundários, cfr., por todos, Diogo Freitas do Amaral, Curso..., Volume II, pp. 254 e 264.
45 Cfr. Mário Aroso de Almeida, Anulação..., pp. 658 e ss..
46 De facto, os actos nulos não podem ser nem revogados (artigo 139.º, n.º 1, alínea a), do CPA), nem
objecto de ratificação, reforma ou conversão (artigo 137.º, n.º 1, do CPA). 47
A parte final do disposto neste artigo (“..., salvo tratando-se de actos renováveis”) foi acrescentada na revisão do CPA operada pelo Decreto-Lei n.º 6/96, de 31 de Janeiro, justamente com o propósito de corrigir algumas distorções que a aplicação indiscriminada desta norma poderia implicar, nomeadamente por ser interpretada pela jurisprudência como uma norma imperativa dirigida a impor a retroactividade de todos os actos de execução de sentenças, incluindo os actos renovatórios (cfr. Diogo Freitas do Amaral et alli, Código do Procedimento Administrativo Anotado, 4.ª Edição, Coimbra, 2003, pp. 235 e 236; João Caupers, A revisão do Código de Procedimento Administrativo, in Legislação – Cadernos de Ciência e Legislação, n.º 15, INA, Oeiras, 1996, p. 13).
pg. 20
(rectius, renovadores) não têm eficácia retroactiva – como uma sua leitura mais apressada
poderia sugerir – mas, sim, que, no caso de o acto anulado ser renovável, os actos de execução da
sentença anulatória já não têm o efeito retroactivo que a primeira parte dessa alínea lhes assaca,
em geral” (48). Sem cuidar de apreciar se, de uma perspectiva de iure condendo, a redacção ou a
solução preconizada pelo regime vertido neste artigo é a mais acertada (49), o que é facto é que a
norma que, efectivamente, está vertida no artigo 128.º, n.º 1, alínea b), do CPA, vai no sentido de
estabelecer que não são retroactivos por natureza os actos administrativos que dêem execução a
decisões dos tribunais, de anulação de actos administrativos, sempre que se trate de actos
renovatórios daqueles que foram anulados (50). Desta forma, e ao que parece, estes actos
administrativos estarão sujeitos ao regime geral da atribuição de eficácia retroactiva aos actos
administrativos.
16. Com efeito, o disposto no artigo 128.º, n.º 1, alínea b), do CPA, não inviabiliza a renovação
com eficácia retroactiva de actos administrativos judicialmente anulados. Afirma Mário Aroso de
Almeida que “ainda que se admita que o preceito não funda a atribuição de eficácia retroactiva a
actos renovatórios, o máximo que se poderá dizer é que, com a reformulação do preceito, se
pretendeu esclarecer que a pretensa regra da retroactividade dos actos de execução não se
estende aos actos renovatórios, por eles não se dirigirem ao restabelecimento da situação que
teria existido sem o acto anulado”, mas antes ao eximir desse dever através do exercício do poder
de renovação do acto inválido, pelo que conclui que, sendo dito isto, “nada foi dito quanto à
possibilidade de se atribuir eficácia retroactiva a actos renovatórios, nos termos gerais em que é
admitida a retroactividade de qualquer acto administrativo” (51).
No entanto, deve aqui ser especialmente considerado o princípio da irretroactividade de
actos agressivos e impositivos, consagrado no artigo 128.º, n.º 2, alínea a), do CPA, que estabelece
48
Cfr. Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e João Pacheco de Amorim, Código..., p. 621. 49
Para uma perspectiva crítica relativa ao regime da retroactividade dos actos praticados em sede de execução de sentença consagrado no artigo 128.º do CPA, cfr. Mário Aroso de Almeida, Anulação..., pp. 674 e ss..
50 E não “de actos renováveis”, conforme sugere a letra do artigo, uma vez que a renovação do acto surge,
como vimos, na sequência do exercício, por parte da Administração, de um poder, não podendo relevar, para estes efeitos, uma característica intrínseca do acto administrativo. De facto, o espírito da norma seria absolutamente subvertido se, colocada perante um acto anulado renovável, a Administração, decidindo não o renovar, se deparasse com uma proibição absoluta de lhe conceder eficácia retroactiva.
51 Cfr. Mário Aroso de Almeida, Anulação..., p. 679.
pg. 21
que “fora dos casos abrangidos pelo número anterior [52], o autor do acto administrativo só pode
atribuir-lhe eficácia retroactiva quando a retroactividade seja favorável para os interessados e não
lese direitos ou interesses legalmente protegidos de terceiros, desde que à data a que se pretende
fazer remontar a eficácia do acto já existissem os pressupostos justificativos da retroactividade”.
A este respeito afirma Mário Aroso de Almeida:
“Os efeitos de quaisquer actos, praticados na sequência da anulação, que tenham por
objecto a imposição de deveres, a aplicação de sanções, ou a restrição de direitos ou
interesses legalmente protegidos dos respectivos destinatários só devem poder
desencadear-se a partir do momento da respectiva notificação. Isto vale para os actos
lesivos ou interesses de qualquer pessoa, seja ela o recorrente ou não. De onde
decorre que, da afirmação segundo a qual os actos substitutivos do acto anulado que,
sendo renovatórios desse acto, sejam lesivos dos interesses do recorrente não podem
retroagir, não resulta que o fundamento de uma eventual retroactividade de tais
actos tem necessariamente que assentar no recorrente. Na verdade, com aquela
afirmação não se exclui que outras razões possam justificar a atribuição de eficácia
retroactiva a um acto renovatório do acto anulado, apenas se exclui que essa
retroactividade possa envolver a projecção de efeitos agressivos ou impositivos sobre
a esfera do recorrente” (53).
17. Em face do que tem vindo a ser dito, é evidente, na nossa opinião, que ao acto que vier a
renovar uma declaração de utilidade pública da expropriação declarada nula não pode ser
atribuída eficácia retroactiva (54).
De facto, a declaração de utilidade pública é, como vimos, um acto administrativo
impositivo de conteúdo ablativo, pelo que esta sua natureza obvia, em função do disposto no
artigo 128.º, n.º 2, alínea a), do CPA, a que lhe seja atribuída eficácia retroactiva.
52
Como acontece com os actos renovatórios de actos anulados jurisdicionalmente. 53
Cfr. Mário Aroso de Almeida, Anulação..., p. 667. 54
Diferente questão é a relativa à identificação do quadro normativo a aplicar na renovação do acto declarado nulo, que se coloca sempre que tiver havido alterações legislativas incidentes sobre as normas a aplicar no lapso de tempo decorrido entre a prolação do acto inválido e a sua efectiva declaração de nulidade.
pg. 22
Por conseguinte, deve ter-se também por adquirido que a declaração de utilidade pública,
por ser nula, não produziu quaisquer efeitos no passado, bem como que, por força da
impossibilidade de este acto vir a ser renovado com eficácia retroactiva, não mais poderá
considerar-se, de uma perspectiva jurídica, que os produziu. Destarte, a situação fáctica existente
carece de suporte jurídico, (pois tudo foi e está a ser feito na ausência de um título jurídico válido
e eficaz), cumprindo, em sede de execução de sentença, harmonizar as situações fáctica e jurídica
dos imóveis (através da renovação, sem eficácia retroactiva, da declaração de utilidade pública).
V - A EVENTUAL NECESSIDADE DE RENOVAÇÃO DAS ACTUAÇÕES ADMINISTRATIVAS CONEXAS COM O ACTO
DECLARADO NULO
18. Já com a certeza de que a execução da decisão judicial que declarou a nulidade do acto de
declaração de utilidade pública implica, caso seja essa a vontade da Administração, a prática de
um novo acto de declaração de utilidade pública precedido do cumprimento da formalidade
omitida, cumpre agora aferir a forma como a nulidade dessa declaração de utilidade pública se
reflecte noutras actuações da Administração.
De facto, estando a Administração obrigada à reconstituição da situação actual hipotética, e
sendo certo que ao acto de renovação do acto declarado nulo não pode ser atribuída eficácia
retroactiva, o cumprimento deste dever implicará, por certo, o afastamento de actos ou outras
formas de actuação administrativa inválidas, porquanto fundadas num acto declarado nulo e que,
por essa razão, não produziu quaisquer efeitos.
Compreende-se que a anulação de um acto administrativo se projecte no plano da validade
dos actos que possam ter sido praticados em conexão juridicamente relevante com ele, sendo
este o escopo do disposto no artigo 133.º, n.º 2, alínea i), do CPA, que estabelece que “são actos
nulos os actos consequentes de actos administrativos anteriormente anulados ou revogados,
desde que não haja contra-interessados com interesse legítimo na manutenção do acto
consequente”.
pg. 23
O conceito de actos consequentes tem sido enquadrado pela doutrina nacional em termos
mais amplos do que aqueles que o conceito, em si mesmo, poderia sugerir, já que tem sido
entendido como consequente todo o acto que provavelmente não teria sido praticado da mesma
maneira se o acto anulado não tivesse existido (55), ou aqueles actos ou contratos cuja prática ou
sentido foram determinados pelo acto agora anulado ou revogado (56).
Contudo, a mais moderna doutrina tem vindo a realçar a necessidade de, entre o acto
inválido e o acto com ele conexo, dever existir uma conexão não meramente fáctica ou lógica, mas
antes uma efectiva conexão jurídica. Concretizando esta ideia, refere Mário Aroso de Almeida:
“Para o efeito, não basta, entretanto, como se vê, que se possa só por si, afirmar que,
sem o acto que foi anulado, o segundo acto provavelmente não teria sido praticado
ou, pelo menos, não o teria sido nos mesmos termos. Salvo o devido respeito, é
necessário que se possa e deva afirmar que, se o primeiro acto já nessa ocasião
tivesse sido anulado, o segundo acto não seria válido. É por causa do modo como o
primeiro acto se projectava sobre um qualquer dos elementos estruturais do acto
conexo que a validade deste último é afectada, pelo que a determinação da existência
de conexões jurídicas dependerá de uma análise minuciosa das condições legais da
validade de cada um dos actos. Para além deste limite, afigura-se excessivo sustentar
a existência de uma conexão capaz de comprometer a validade do segundo acto” (57).
19. Desta forma, a determinação da existência de conexão entre o acto inválido e o acto que
nele se fundou remete-nos para a aferição da validade desse acto, alegadamente conexo,
apreciada em função da invalidade do acto anulado ou declarado nulo, na medida em que o acto
conexo será nulo se a definição jurídica contida no acto anulado ou declarado nulo tiver
constituído o fundamento da emissão desse acto, “em termos que se possa afirmar que
representou um elemento essencial da sua emissão, no sentido do artigo 133.º do Código do
55
Cfr. Diogo Freitas do Amaral, A Execução..., pp. 98 e 99; Mário Aroso de Almeida, Anulação..., p. 315, em que o Autor, reconhecendo que a dimensão do significante é menor do que a do significado que lhe é imputado, propõe a designação, que aqui acolhemos, de actos conexos.
56 Cfr. Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e João Pacheco de Amorim, Código..., p. 650.
57 Cfr. Mário Aroso de Almeida, Anulação..., p. 319; no mesmo sentido, cfr. Mário Aroso de Almeida,
Regime jurídico dos actos consequentes de actos administrativos anulados, in Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 28, Julho/Agosto de 2001, pp. 16 e 17.
pg. 24
Procedimento Administrativo, ao nível do sujeito, do objecto, dos pressupostos [ou] do conteúdo”
(58).
Assim sendo, a invalidade dos actos conexos de um acto anulado e a invalidade dos actos
conexos de um acto declarado nulo manifestar-se-á sob a mesma forma, ou seja, sob a forma de
nulidade, por força da falta de um elemento essencial e por aplicação do disposto no artigo 133.º,
n.º 1, do CPA. Para além deste facto, sempre se poderá dizer que “a lei refere a nulidade dos actos
consequentes apenas a propósito dos actos anulados, mas, num quadro lógico-dedutivo, pode
concluir-se, por maioria de razão, que hão-de ser nulos os actos consequentes de actos nulos – até
porque estes, ao contrário dos actos posteriormente anulados, nunca produziram quaisquer
efeitos” (59).
Temos assim por adquirida a nulidade dos actos conexos com a declaração de utilidade
pública declarada nula. Cumpre então determinar, em face do critério apontado, que actuações
administrativas podem ser qualificadas como actos consequentes da declaração de utilidade
pública nula.
20. O exemplo mais evidente de actos conexos com a declaração de utilidade pública é
composto pelos actos subsequentes do procedimento tendentes à transferência da propriedade e
da posse dos bens para a entidade beneficiária da expropriação, que se baseiam naquela
declaração (60).
Indiscutivelmente, a declaração de utilidade pública é um elemento essencial de todos os
actos subsequentes do procedimento, sendo certo que estes actos destinam-se apenas a
concretizar os termos concretos da relação jurídica administrativa que liga, em função daquela
declaração, expropriante, expropriado, entidade beneficiária da expropriação e entidade
expropriante. Não tendo a declaração de utilidade pública produzido quaisquer efeitos, porquanto
nula, nulos serão todos os actos que a tenham tido como pressuposto.
58
Cfr. Mário Aroso de Almeida, Anulação..., p. 331. 59
Cfr. Vieira de Andrade, Nulidade e anulabilidade do acto administrativo, in Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 43, Janeiro/Fevereiro de 2004, p. 48.
60 Cfr. Gonçalo Capitão, Expropriações..., pp. 312 e 313; Mário Aroso de Almeida, Anulação..., pp. 332;
Fernando Alves Correia, As Garantias..., p. 199.
pg. 25
E tal acontece, a nosso ver, tanto com os actos tendentes à efectivação da posse
administrativa dos bens em causa como com os actos tendentes à determinação do montante
indemnizatório a atribuir aos expropriados, pelo que, indubitavelmente, estes actos deverão ser
objecto de renovação, uma vez renovada a declaração de utilidade pública.
O mesmo já não se passará com outros actos ou contratos conexos com o acto declarado
nulo, mas que não pressuponham a sua existência, ainda que dela decorram. A validade ou
invalidade de tais actos resultará mais da influência que a formalidade omitida tenha na sua
prática do que da nulidade do acto de declaração de utilidade pública da expropriação,
propriamente dita.
VI - A EVENTUAL NECESSIDADE DE CONSIDERAÇÃO DE PRESTAÇÕES DE NATUREZA INDEMNIZATÓRIA EM SEDE DE
EXECUÇÃO DE SENTENÇAS
21. Uma análise apressada poderia facilmente desembocar num juízo de acordo com o qual a
renovação da declaração de utilidade pública declarada nula, acompanhada da renovação dos
actos subsequentes do procedimento, bastaria para reajustar as realidades jurídica e fáctica e,
consequentemente, negar a inclusão, nas relações jurídicas emergentes desta declaração de
nulidade, de qualquer prestação de conteúdo pecuniário, nomeadamente a título de
indemnização.
E, de facto, essa tem sido a forma de se encarar esta questão no âmbito da execução das
sentenças de anulação dos tribunais administrativos: defender que, “como o novo acto constitui o
legítimo fundamento para que as circunstâncias resultantes do acto anulado não sejam
removidas, não há, entretanto, que indemnizar o interessado pelo facto de não se poder proceder
à respectiva remoção” (61). Recorrendo ao exemplo, “se a Administração não reinstala o
funcionário porque renovou o acto que o tinha demitido [e que foi anulado ou declarado nulo], ela
não tem de o indemnizar pelos danos decorrentes do facto de a relação de emprego público não se
61
Cfr. Mário Aroso de Almeida, Anulação..., p. 587.
pg. 26
prolongar no futuro, uma vez que o direito à reconstituição fáctica da relação repristinada se
extinguiu por si mesmo, em consequência da nova interrupção superveniente da relação” (62).
No entanto, esta forma de encarar a questão em apreço, que se refere apenas a danos pela
não repristinação do statu quo ante, faz radicar a existência de prestações de conteúdo
indemnizatório na eventual necessidade de reconstituição da situação actual hipotética por força
do efeito repristinatório e não na própria invalidade do acto anulado ou declarado nulo. Neste
último caso, será sempre necessário apurar se as relações jurídicas emergentes da anulação
reclamam o ressarcimento de danos causados pelo acto inválido, pelo que estas eventuais
prestações de conteúdo indemnizatório seriam integralmente tendentes à reconstituição da esfera
patrimonial activa do impugnante (na vertente da reconstituição in pecunia do património do
particular lesado na impossibilidade de reconstituição in natura) (63). Concretizando, importa
saber se será devida alguma indemnização pelo facto de o particular se ter visto privado
ilegalmente do bem de que era (e ainda é) proprietário durante o lapso de tempo que medeia a
efectivação da posse administrativa adoptada a coberto da declaração de utilidade pública
declarada nula e a renovação dessa efectivação da posse administrativa.
Ora, cumpre salientar que não é só este aspecto que se impõe apurar nesta fase. Partindo
do pressuposto que o exercício do poder de renovação do acto declarado nulo exime a
Administração do dever de proceder à reconstituição da situação actual hipotética, ou seja, de dar
cumprimento ao efeito repristinatório (aqui mediante a entrega efectiva do bem), estamos
perante uma situação em que também se deve apurar se a renovação da declaração de utilidade
pública, e, bem assim, da relação jurídica de natureza expropriatória, reclama uma nova
composição da indemnização, através de uma nova avaliação do bem (renovação material), ou se,
ao invés, permite o aproveitamento da avaliação realizada ao abrigo do procedimento cuja
declaração de utilidade pública foi declarada nula (renovação formal).
Deve assim ser equacionada a necessidade de inclusão de dois tipos de prestações
indemnizatórias na relação jurídica emergente da declaração de nulidade do acto: por um lado, a
62
Cfr. Mário Aroso de Almeida, Anulação..., p. 587. 63
Cfr., sobre a caracterização das diferentes prestações de conteúdo indemnizatório que podem estar envolvidas no processo de execução de sentenças, Mário Aroso de Almeida, Anulação..., pp. 816 e ss..
pg. 27
relativa à renovação dos actos relativos à avaliação do bem; por outro, a relativa à privação
ilegítima do uso e fruição do bem objecto do procedimento.
22. Já noutro local nos pronunciámos, em abstracto, sobre situações deste tipo:
“Qual, porém, a utilidade prática da impugnação contenciosa do acto de declaração
de utilidade pública da expropriação de um bem?
A resposta a esta questão terá de variar naturalmente consoante a natureza do vício
de que aquele acto enferma; um aspecto, no entanto, é comum, a anulação
contenciosa do acto de declaração de utilidade pública arrasta consigo todos os actos
praticados com base naquela declaração, tornando-os nulos, porque consequentes do
acto anulado.
Em termos substantivos, porém, as consequências não são tão lineares.
Na verdade, a consequência da anulação jurisdicional do acto de declaração de
utilidade pública será diversa consoante a natureza do vício que constitui o seu
fundamento.
Se o vício for formal ou orgânico, poderá ser praticado novo acto de declaração de
utilidade pública que dele não enferme, sendo que o momento relevante para a
determinação do montante da indemnização será o deste último, isto é, a anulação
da declaração pode conduzir à “actualização” do valor da indemnização” (64).
Movemo-nos, por ora, em ordem à determinação da forma de “redeterminar” o montante
indemnizatório no âmbito do procedimento de expropriação tendente a executar a sentença que
declarou a nulidade da declaração de utilidade pública.
Desta forma, somos da opinião de que estamos perante uma situação a que pode ser
aplicada, através da analogia, a norma vertida no artigo 13.º, n.º 6, do Código das Expropriações,
relativa à forma de determinação da indemnização nos casos em que, após a sua caducidade, é
renovada a declaração de utilidade pública. Diz esta norma que os particulares impugnantes
podem optar pela fixação de nova indemnização ou pela actualização, nos termos do disposto no
artigo 24.º, da quantia que havia sido apurada no procedimento promovido com base na
64
Cfr. Gonçalo Capitão, Expropriações..., pp. 312 e 313.
pg. 28
declaração de utilidade pública caducada, com a vantagem de poder dar-se por praticados os
demais actos do procedimento (65). De facto, em ambas as situações há a necessidade de declarar
novamente a utilidade pública da expropriação de determinados bens, renovando esse acto
administrativo, e em ambas as situações já existe um acto administrativo em que se determinou o
valor do bem a expropriar, pelo que não repugna aqui o recurso (e na falta de norma específica
aplicável no âmbito da execução de sentenças de anulação no contencioso administrativo) à
analogia legis (66).
23. Se a indemnização objecto dos parágrafos anteriores visa compensar o particular
impugnante pela efectiva expropriação do bem, o facto de a declaração de utilidade pública da
expropriação ser nula implica que, entre a efectivação da posse administrativa dos bens no
procedimento de expropriação cuja declaração de utilidade pública foi declarada nula e a
renovação em sede de execução de sentença dessa efectivação da posse administrativa, a
Concessionária esteve investida ilegitimamente na posse dos bens e os impugnantes viram-se
ilegitimamente coarctados nas liberdades de uso e fruição dos bens objecto do seu direito de
propriedade.
Devemos assim concluir que, durante esse lapso de tempo, os impugnantes foram alvo de
uma expropriação de facto, em que foram os poderes públicos quem, em nome e em proveito
próprios, usou e fruiu das potencialidades do bem.
Ora, sem dúvida que a privação do livre uso e fruição do bem durante esse período constitui
um dano na esfera dos impugnantes que se tornou reconhecível com a prolação da sentença que
declarou a nulidade da declaração de utilidade pública da expropriação. Porém, também não
temos dúvidas de que estamos perante uma situação em que a reconstituição da situação actual
hipotética pode ser reclamada pelos impugnantes mediante a apresentação de petição de
execução, ao abrigo do disposto no artigo 176.º (maxime por força do disposto no seu n.º 3), no
65
De facto, a opção dos expropriados por esta fórmula de cálculo da indemnização não deixa de consubstanciar, ela mesma, um acordo relativamente ao montante da indemnização, que poderá (ou deverá) ser formalizado em sede de expropriação amigável no âmbito do segundo procedimento de expropriação.
66 A respeito da figura da analogia da lei, ou legis, cfr. José de Oliveira Ascensão, O Direito – Introdução e
Teoria Geral, 3.ª edição, Lisboa, 1984, pp. 365 e ss..
pg. 29
âmbito da execução de sentenças, peticionando-se a condenação da Administração no pagamento
de quantias pecuniárias tendentes a reconstituir a sua esfera patrimonial activa (67).
Quanto à fórmula de cálculo dessa indemnização, julgamos que poderá recorrer-se a uma de
duas fórmulas: ou o montante indemnizatório corresponde aos juros contados pelo lapso de
tempo em causa calculados sobre o montante da indemnização (equivalendo ao preço pela
imobilização de capital), ou corresponde ao valor da utilização do bem imóvel, tomado pelo lapso
de tempo em causa.
Por fim, devem ainda ser ressalvadas as situações em que os impugnantes procederam ao
levantamento das quantias arbitradas e depositadas à sua ordem em cumprimento do dever de
pagamento de justa indemnização. Como é bom de ver, não existe aqui qualquer dever de
proceder ao pagamento de qualquer indemnização, uma vez que, durante o mesmo lapso de
tempo, os impugnantes puderam usufruir da quantia monetária arbitrada (nestes casos, a esfera
patrimonial dos impugnantes não sofreu qualquer dano).
VII - A RECONSTITUIÇÃO DO PROCEDIMENTO E O PROCESSO DE EXECUÇÃO DE SENTENÇAS DE ANULAÇÃO DE
ACTOS ADMINISTRATIVOS
24. No sentido do já afirmado, os trâmites que devem ser adoptados a respeito da execução da
sentença que declarou a nulidade da declaração de utilidade pública, no pressuposto da vontade
administrativa ir no sentido de renovar o acto, passarão por, “dentro do prazo de que dispõe para
adequar a situação de facto à situação de direito resultante da anulação, (...) optar por adequar a
situação de direito à situação de facto, substituindo a execução do efeito repristinatório pela
prática de um novo acto que, no respeito pelo caso julgado, redefina a situação jurídica que era
objecto do acto anulado” (68).
Trata-se então de definir a forma como se procederá à reinstrução do procedimento, sendo
certo que, na nossa opinião, em todos os actos se deverá fazer menção ao facto de os actos em
67
Cfr. Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Coimbra, 2005, p. 871.
68 Cfr. Mário Aroso de Almeida, Anulação..., p. 588.
pg. 30
causa terem por fundamento a execução da decisão judicial. Refira-se que, naturalmente, todos os
trâmites previstos no Código das Expropriações deverão ser adoptados, se possível nos mesmos
termos em que o haviam sido aquando do primeiro procedimento.
Assim sendo, julgamos que, por razões de segurança jurídica, o procedimento deverá ser
encetado através do cumprimento, por parte da beneficiária da expropriação, da formalidade
anteriormente omitida. Com base (também) no cumprimento dessa formalidade deverá ser
aprovada nova resolução de expropriar, a qual deverá ser remetida ao órgão competente para
declarar a utilidade pública das expropriações, para efeitos dessa declaração, bem como aos
interessados (69).
Posteriormente, aquando da notificação aos interessados da declaração de utilidade
pública, dever-lhes-á ser concedida a oportunidade de optarem pela actualização do montante da
indemnização que havia sido apurada ou por nova avaliação do bem, nos termos já adiantados.
Por fim, apenas mais duas notas.
A primeira para sustentar a desnecessidade de renovação da vistoria ad perpetuam rei
memoriam, por um lado, por manifesta impossibilidade, e, por outro, pelo facto de estarmos
perante um acto cujo conteúdo é tipicamente declarativo e cuja veracidade foi, de determinada
forma, atestada tanto pelos impugnantes, como pela beneficiária da expropriação, como ainda
pelo perito que elaborou o relatório em causa. Em abono da nossa opinião, sempre se poderá
dizer que, quanto ao aproveitamento da vistoria ad perpetuam rei memoriam nos casos de
renovação da declaração de utilidade pública após a sua caducidade, “mesmo que a opção deste
[o expropriado] seja pela fixação de nova indemnização, existem determinados actos – como é o
caso da vistoria “ad perpetuam rei memoriam” (...) – que deverão, igualmente, ser aproveitados,
já que, muitas vezes, senão sempre, a sua repetição não é possível, pelo facto de a coisa já não
existir com as mesmas características” (70-71).
69
Neste sentido, Mário Aroso de Almeida defende que “quando a Administração se vir reconduzida ao procedimento anteriormente instruído, na parte em que ele não tiver ficado prejudicado pelos vícios cometidos, ela não pode comportar-se como se tal procedimento nunca tivesse existido e deve revê-lo segundo os critérios que decorrem da sentença” (cfr. Reinstrução..., p. 16).
70 Cfr. Pedro Cansado Paes, Ana Isabel Pacheco e Luís Alvarez Barbosa, Código das Expropriações Anotado,
2.ª Edição, Coimbra, 2003, p. 96.
pg. 31
A segunda nota incide sobre a necessidade de, efectivamente, renovar a posse
administrativa dos bens (ainda e sempre em sede de execução de sentença) uma vez reunidos
todos os pressupostos necessários à efectivação dessa posse. Naturalmente, por a (re)efectivação
da posse administrativa marcar a passagem de uma posse ilícita dos bens para uma posse lícita
dos mesmos, será a partir desse momento que será possível proceder ao cálculo da indemnização
devida pela privação ilegítima do uso e fruição do bem imposta aos seus proprietários, pelo que
essa indemnização deverá ser paga assim que a beneficiária da expropriação se vir reinvestida na
posse dos bens.
71
Aliás, a opção legislativa pelo aproveitamento dos actos já praticados, no anterior Código das Expropriações, estendia-se apenas aos actos respeitantes à determinação da indemnização (cfr. o disposto no artigo 10.º, n.º 4, desse Código), pelo que se podia concluir que a renovação da vistoria ad perpetuam rei memoriam nunca estaria dependente da escolha que fosse feita pelo expropriado, nem seria, na nossa opinião, exigida pela lei.