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GÊNESE DO MAGISTÉRIO PÚBLICO EM SANTA CATARINA
Fábia Liliã Luciano1
RESUMO
Esse artigo é parte integrante da tese de doutoramento, cujo título remete a Gênese e
Expansão do Magistério Público na Província de Santa Catharina nos anos de 1836-1889,
sob a orientação do Prof. Dr. Dermeval Saviani.
O contexto desta investigação apresenta, quando, como, porquê, por quem e sob que
bases se constituíram, consolidou e expandiu a profissão docente catarinense, buscando a
reconstituição histórica a partir de fontes documentais primárias .
A concepção metodológica adotada foi uma análise da leitura e interpretação das
informações que pretende avançar o discurso oficial apresentado pelas fontes. Neste sentido,
foi necessário retomar a história da instrução e da escola pública catarinense a partir do ensino
elementar e secundário com vistas à descrição, análise e interpretações da sua origem. As
informações extraídas dos documentos oficiais tiveram por pretensão a análise á luz da
totalidade do cenário regional. O estabelecimento da gênese do magistério público pressupõe
a compreensão da constituição da rede de ensino catarinense, demandando uma análise
histórica meticulosa das contradições visivelmente esboçadas nas fontes pesquisadas.
Considerando o longo período a ser analisado, este artigo privilegiou os anos de 1836-
1859, como a fase do surgimento oficial do magistério, inaugurada com a criação da Lei n° 35
de 14 de maio de 1836 e das primeiras iniciativas no sentido da implantação de um sistema
educacional, esboçado no 1° Regulamento da Instrução Pública, em 30 de junho de 1859.
Nessa abordagem histórica da gênese do magistério público catarinense no século XIX,
reconstituir, descrever, analisar e explicar a trajetória histórica da profissão docente nos anos
de l836-l859 é tarefa imprescindível para entendê-la e no elenco explicativo dos elementos
que promoveram o seu surgimento foi necessário remontar as suas origens para compreender
a sua regulamentação como carreira profissional.
Palavras-chave: gênese, magistério e instrução pública
1 Professora de História da Educação nos Cursos de Licenciatura da UNESC e Doutoranda em Filosofia e
História da Educação da UNICAMP.
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1 O ITINERÁRIO DA PESQUISA
Ao iniciarmos a investigação desse objeto, partimos do levantamento das fontes, que
remetiam à uma realidade concreta de um período próximo passado, o século XIX. A
realidade concreta, segundo SAVIANI (1980:11), não é o ponto de partida, mas o ponto de
chegada do conhecimento. Portanto, para refletir essa realidade foi necessário definir
categorias para se chegar a uma análise mais próxima do concreto pensado, tais como a
instrução pública elementar e secundária, gênese, expansão e institucionalização do
magistério.
O estudo procurou, retirar dos documentos originais, informações suficientes para a
reconstrução da história do magistério público em nosso Estado, durante o período imperial,
levantando de forma explicativa os seus aspectos legais, as práticas de carreira, bem como,
estabelecendo as relações entre o surgimento e expansão face à constituição da rede pública
de ensino.
Quanto aos procedimentos de pesquisa, partiu-se inicialmente, de um levantamento de
fontes de natureza primária. A coleta dos dados foi realizada por meio de transcrição
paleográfica e com o auxílio da técnica de fichamento dos registros referentes ao objeto de
estudo, categorizado em assuntos, conforme se encontram apresentados .
As fontes documentais foram localizadas no Arquivo Público de Santa Catarina, onde
há disponibilidade de um acervo previamente inventariado e indexado por índice onomástico,
estando disponíveis os Relatórios, Falas e Mensagens dos Presidentes dos dessa Província,
Relatórios dos Diretores da Instrução Pública, Atas das Câmaras de Vereadores e
Correspondências dos Diretores da Instrução Pública. Além das fontes manuscritas, a
pesquisa privilegiou a análise de Leis, Decretos, Resoluções, Regimentos e Regulamentos,
voltados à instrução e ao magistério público, a partir da Coleção de Leis e das Decisões do
Governo do Império do Brasil e dessa Província, disponibilizadas na Biblioteca Pública do
Estado.
Para dar conta desses elementos que estão atravessados e se entrecruzam com o objeto
foi preciso dissecar as fontes, retirando as políticas de regulamentação da profissão docente
que passam pela formação docente, inspeção escolar e pelas práticas de carreira docente,
esboçado a partir dos interesses políticos e ideológicos do Estado.
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2 A ORIGEM DA INSTRUÇÃO E DO MAGISTÉRIO PÚBLICO
No início do século XIX, as iniciativas relacionadas à implantação do ensino público
foram esporádicas, porém com o intuito de consolidar o Estado, que se forjou após a
independência do Brasil, bem como fortalecê-lo político, cultural e socialmente era
fundamental investir com mais intensidade na instrução da população. Essa necessidade
demandou mais escolas e professores, possibilitando assim, o surgimento do magistério
público. Portanto, para compreender a gênese do magistério público, como atividade
regulamentada, pressupõe analisar o processo histórico da profissionalização docente, que
está inserido no processo mais amplo, base para o entendimento do problema de pesquisa. A
gênese do magistério se deu paralelamente, com a ação dos sistemas estatais no início do
século XVIII, onde as concepções históricas da educação passaram por diferentes
percepções. Entretanto, com a transição do século XVIII para o século XIX, a instrução
pública foi um elemento essencial e inevitável para a formação e fortalecimento de muitos
Estados, entre eles, o próprio Império do Brasil. Para corroborar com essa idéia, NÓVOA
(1995:16-17) diz que:
“A intervenção do Estado vai provocar uma homogeneização, bem como uma unificação e uma hierarquização à escola nacional, de todos estes grupos: é o enquadramento estatal que institui os professores como corpo profissional, e não uma concepção corporativa do ofício [...] Os professores aderem a este projeto, que lhes assegura um estatuto de autonomia e de independência em relação aos párocos, aos notáveis locais e às populações: a funcionarização deve ser encarada como uma vontade partilhada do Estado e do corpo docente. E, no entanto, o modelo ideal dos professores situa-se a meio caminho entre o funcionalismo e a profissão liberal: ao longo da história sempre procuraram conjugar os privilégios de ambos os estatutos”.
O século XIX, o Império necessitava da instrução pública como um fator de
desenvolvimento e hegemonia das classes dominantes, esse estabelecia a delimitação do
campo profissional e das atribuições para o exercício docente, porém nessa Província, a
profissão docente estava longe de ser regulamentada, embora, fossem os professores
imprescindíveis na tarefa de promover a educação.
A instrução e o magistério público elementar, no Brasil independente, tiveram função
específica frente aos objetivos da política nacional manifestando a concepção liberal impressa
na Constituinte de 1823, que exigiu da instrução, da escola e do magistério, anuência,
cumplicidade e competência na condução desse pensamento político.
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3 GÊNESE DO MAGISTÉRIO PÚBLICO CATARINENSE
Anterior ao ano de 1836, o magistério catarinense esteve pautado pela Lei Imperial de
15 de outubro de 1827 e pelo Decreto Imperial de 10 de setembro de 1830, que aprovou a
criação das cadeiras de primeiras letras, estabelecendo o ordenado dos professores e dando
providências para o provimento docente.
Nos primeiros anos da década de 1830, o número de escolas particulares era superior ao
de escolas públicas. Essa década privilegiou o magistério privado das primeiras letras, pois os
professores mais habilitados concentravam-se na rede particular, ao passo que a exigência e o
rigor da Lei Provincial nº 35 afastava muitos professores da rede pública de ensino. A falta de
professores habilitados para a docência, sensibilizou os representantes do governo a ponto de
adaptar a resolução2 da Assembléia Geral de 10 de setembro de 1830 a realidade daquela
época, dispensando assim, parte dos requisitos mínimos em detrimento da redução dos
vencimentos, arbitrando-lhes o ordenado de 150$ mil réis, apesar do artigo 3º da Lei Imperial
de 15 de outubro de 1827 determinar que os ordenados deveriam ser regulados de 200$000 a
500$000 annuais. Essa medida foi tomada a fim de possibilitar o acesso, à instrução nas vilas.
Com o Ato Adicional de 1834, a instrução e do magistério elementar ficou sob a
responsabilidade dos governos provinciais, sendo de competência do poder legislativo
analisar e compor os dispositivos legais que passariam a reger a Província. Esse período foi
marcado por um Executivo forte, que fazia valer sua vontade política, amparada pela
Legislação Imperial.
Em 1835, o governo3 ressaltou a importância dos empregos provinciais e municipais
dos padres, professores e juizes, fazendo menção à natureza da suas funções e reiterando a
necessidade da sua valorização salarial, dizendo que:
2 Resolução citada no Relatório apresentado ao Conselho Geral da Província de Santa Catharina pelo Miguel de
Souza Mello Alvim, na sessão de 01 de dezembro de 1830, p. 2. 3 Fala do Presidente da Província de Santa Catharina, Feliciano Nunes Pires, em março de 1835, p. 25.
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“Das tabellas juntas ao Orçamento se vê quaes são os empregados que merecem salarios pela Fazenda Publica: a Assembléa verá que não hé demaziado o seu numero nem os seus vencimentos. A natureza porem de alguns empregos torna necessario estabelecer acerca seus ordenados de maneira que enteressem os Empregados á bem desempenhar os seus deveres. Em minha opinião entrão no numero desses empregos o dos Parocos, suposta a necessidade de encarregalos de mais huma Igreja com augmento nas congruas, o dos Professores, e dos Juizes de Direito [...] Enquanto aos Professores, sabido hé também que a única inspecção que sobre elles se pode exercer he para que dem lições nos dias e horas devidas; mas isto podem elles fazer sem se interessarem no maior numero e adiantamento dos discipulos, huã ves que seja fixo o seu ordenado. Ao contrario, se por cada discipulo que apresentarem prompto por exame nas doutrinas, que se abilitão para ensinarem, se lhes der hum premio em relação a essas doutrinas, o seu interesse será ter muitos discipulos, e adiantados, então elles os aliciarão e terão todo o devido no seu ensino”.
Apesar da defesa feita pelo Presidente quanto à necessidade de professores habilitados,
a instrução pública catarinense nos primeiros anos da década de 1830 encontrava-se abaixo de
qualquer expectativa de desenvolvimento.
3.1 Magistério Elementar
No ano de 1836, o número de alunos permaneceu escasso, não havia definição de um
método regular de ensino e o número de professores em condições do exercício docente era
pequeno, comprometendo assim, a qualidade da tarefa pedagógica. Portanto, para enfrentar o
péssimo estado da instrução pública nesse período era urgente estabelecer algum estimulo que
convide os mestres a terem maior numero de alumnos e a interessarem-se no progresso de
seus alunos4.
Estabelecer estímulos5, significava oferecer condições para que os professores
pudessem atender um maior número de alunos, uma vez que, mediante o sistema de
ordenados fixos, os professores de maiores salários eram aqueles que menos alunos possuíam.
As críticas aferidas à instrução pública possibilitaram as primeiras discussões acerca do
preparo profissional docente, apontando para a urgência da criação de uma Escola Normal,
onde os professores pudessem obter habilitação para o magistério.
4 Relatório do Presidente da Província de Santa Catharina, José Mariano de Albuquerque Cavalcanti, em março
de 1836, p. 3. 5 Ibidem, p. 3.
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Com a aprovação de Lei Provincial n° 35, que regulamentava a carreira funcional dos
professores, disciplinas, metodologia, concurso, ordenado e jubilação, podemos considera-la
como marco institucional para a gênese do magistério público. Embora, essa legislação tenha
evidenciado um forte traço no desenvolvimento do magistério, a instrução pública não se
apresentava minimamente estruturada, pois a falta de condições físicas e pedagógicas era
precária. Havia falta de escolas, alunos e professores habilitados para o preenchimento das
vagas e aqueles que se apresentavam, não atendiam os requisitos básicos para a função.
Em 01 de janeiro de 1837, foram afixados os editais para o 1º concurso público,
devendo o exame acontecer em 01 de março desse ano. Apesar da realização do concurso para
contratação de professores, o número de candidatos foi mínimo, pois a carreira não era
interessante, sem considerar que nessa época, a instrução encontrava-se em péssimas
condições necessitando de medidas que pudessem retira-la do abatimento em que se
encontrava. Para o governo6, somente providencias energicas, e adequadas poderão fazer
valer entre nos a carreira do magisterio, que, a despeito de sua reconhecida utilidade, tem
estado ate agora lançado ao despreso, e indiferentissismo. Ao término desse ano, a situação
do magistério e da instrução pública permanecia em estágio de completa estagnação.
Frente essa situação, João Carlos Pardal7 argumentou que, com os ordenados marcados
pela lei, facil não será achar sugeitos idoneos para regerem as sobreditas cadeiras. Nesse
ano, foi exigido do governo que inquirisse o Presidente do Rio de Janeiro, sobre a
possibilidade de encaminhar quatro jovens pensionistas para a Escola Normal naquela capital,
com objetivo de adquirir a necessaria aptidão profissional.
A resposta positiva do Presidente do Rio de Janeiro veio acompanhada de uma
advertência pautada no princípio de que cada um desses pensionistas não poderia manter-se
naquella capital de Provincia com menos de uma diária de 1$000. Era de responsabilidade da
Assembléia Legislativa8, deliberar sobre esse assunto, considerando conveniente julgar,
cumprindo ponderar-lhe, que será bem empregado o sacrifício, porque em quanto não
houverem habeis professores, nem estes gozarão da consideração em que devem ser tidos,
nem poderá a instituição primaria attingir a perfeição que se deseja.
6 Relatório do Presidente da Província de Santa Catharina, José Machado de Oliveira, em março de 1837, p.7 7 Relatório do Presidente da Província de Santa Catharina, João Carlos Pardal, em março de 1839, p. 2. 8 Ibidem, p. 2.
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No ano de 1839, a rede pública elementar dava mostras da sua expansão, justificada
pela procura de alunos e o presumível crescimento no número de escolas, demandando dessa
forma, a necessidade do ingresso e contratação de mais professores, uma vez que, o número
de escolas primárias chegou a 34, sendo 19 públicas e 15 particulares. Para atender os 501
alunos do ensino público era fundamental investir com mais intensidade, sobretudo na
formação pedagógica, nas condições físicas e na implantação de políticas docentes. Diante
daquela realidade, o Presidente9 alertou a Assembléia para as precárias condições
profissionais e a necessidade de investimentos na formação docente:
“Conheceis, Senhores, que sem Professores habeis, sem estimulos para estes, e para os alumnos, mal se podem esperar progressos na instrução. A vós compete applicar estes meios para que floresça a da Provincia . Para se obter o primeiro dos que aponta, parece-me que muito concorrerá se for levada a effeito a ideia aventada na Assembléa em 1837 de se mandarem á Escola Normal da Provincia do Rio de Janeiro, mancebos que ali se habilitem para o Professorado”.
Ao final da década de 1830, o magistério apresentava-se deficiente do ponto de vista
administrativo e pedagógico. Havia ausência de uma legislação que pudesse regulamentar os
concursos, o preenchimento de vaga, as lotações, as remoções, as aposentadorias, um plano de
salários, enfim apontar diretrizes para questões técnico-administrativas que impediam a sua
profissionalização. Além do aspecto jurídico e formal da profissão era urgente, o investimento
na formação docente.
O problema da falta de professores habilitados e a questão da formação docente
adentraram a década de 1840, levando Francisco José de Andréa10 a indagações da seguinte
ordem:
“Como poderemos ter discípulos instruidos, senão podemos empregar senão Mestres ignorantes, e com muito poucas excepeçoens? De que valle gritar se alto e bom som que os ordenados são mesquinhos, e que por pouco interesse não há quem queira servir no Magisterio, se o dinheiro não dá saber, e se não há Mestres bons nem para algumas das Aulas que tem ordenados já proprios para dar aquelles huma subsistencia toleravel? He preciso como fica dito que principiemos pelo principio. Julgo indispensavel que em cada Provincia haja uma Escola Normal, e na Capital d’ella, para ali aprenderem por um methodo que seja commum a todo o Brasil; os individuos que devem ser Mestres Publicos pelas Villas e Freguezias e
9 Relatório do Presidente da Província de Santa Catharina, João Carlos Pardal, em março de 1838, p. 3-4. 10 Relatório do Presidente da Província de Santa Catharina, Francisco José de Sousa Soares de Andréa, em
março de 1840, p. 10.
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desde então tendo este ensino todo o caracter de uma Academia regular, serão escuzados os concursos e na Secretaria d’essa Escolla se acharão os assentos e informaçoens de todos os discipulos, e se darão os lugares aos que mais os merecerem, sem dependencia de outros exames, que a comparação feita á vista dos Livros entre os diversos pretendentes. Enquanto isto, se não faz, escuzão-se Escolas em que os Mestres so fazem transmitir aos Discipulos os erros de que estão exibidos”.
Face a esse problema institucional foi criada em 1840, a Lei Provincial nº 136, que
respaldava a formação docente, aprovando o encaminhamento de 01 pensionista a Escola
Normal do Rio de Janeiro e prevendo a criação de 01 Escola Normal de Primeiras Letras em
Desterro, demandando a presença de pelo menos, um professor em plenas condições do
exercício docente. O rigor dessa legislação11 determinava que todos os professores menores
de trinta e cinco annos, serão chamados pelo Presidente da Provincia a frequenta-la, e
aquelles, que não o fizerem, serão demitidos.
A falta de professores habilitados castigava a instrução pública e estendia aos alunos,
pais e a própria sociedade, os seus efeitos, portanto era necessária e urgente uma Escola de
formação para o magistério. Mas infelizmente, no ano de 1841, o Presidente12 não pode dar
execução a essa legislação, pois mediante solicitação à Corte para indicação de um professor
apto para assumir a Escola de Primeiras Letras da capital recebeu a resposta de que, dentre os
discipulos ahi matriculados, não considera algum com conhecimentos sufficientes para o fim
que com a Lei se teve em mira.
No ano de 1843, a Assembléia Legislativa aprovou a Lei Provincial nº 183, que
inaugurou as diretrizes para a Instrução Primária, que pretendia dar uma direção para o ensino
público elementar, sobretudo no que se referia a habilitação para o magistério e as matérias a
serem ensinadas (leitura e escrita; quatro operações de Aritmética; Gramática da Língua
Nacional e Princípios da Moral Cristã e da Religião do Estado), bem como o método a ser
empregado. Privilegiava ainda, a criação de uma Escola de Primeiras Letras na capital com o
intuito de servir de escola normal para os professores que não apresentavam habilitação para a
docência. Essa, comparada às demais legislações aplicadas à instrução pública primária,
tratava de modo mais completo, as questões ligadas a carreira do magistério (salário,
11 Relatório do Presidente da Província de Santa Catharina, Antero José de Brito, em março de 1841, p. 5. 12 Relatório do Presidente da Província de Santa Catharina, Antero José de Brito, em março de 1842, p. 4.
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jubilações, deveres e obrigações dos professores) estabelecendo as diretrizes para abertura de
escolas particulares. Nesse ano, Francisco José das Neves retornou da Escola Normal,
apresentando certidão de habilitação para reger a Escola de Primeiras Letras da capital. Esse
ano foi muito importante para o magistério público, uma vez que dois aspectos foram tratados
e posteriormente regulamentados por medidas legislativas.
a) criação da Escola de Primeiras Letras da capital, regulamentando que o ensino da instrução primária elementar e da instrução primária superior deveria ser ministrado pelo mesmo professor devidamente habilitado, cuja preocupação dos 02 primeiros anos de formação estava voltado para instrução do professor que desejasse habilitar-se para o professorato;
b) restrição por parte do Presidente quanto à abertura de escolas apontada pela realidade de não ter professor para 03 escolas primárias, justificando13 o desgraçado estado de nossa instrucção ellementar; e mais para lamentar ainda que não tenhão sido baldadas quantos exforços se tem feito para evitar este mal; mas eu estou persuadido, que sendo diversas as cauzas deste atrasamento, a primeira, e principal de todas he nunca se ter principiado pelo princípio.
Em 1844, o número de professores públicos era insuficiente e os professores
particulares dedicavam-se a abertura de escolas para o sexo feminino. Nesse ano, encontrava-
se aberta a escola modelo de instrução primária na capital (criada em 1840) e para
freqüentá-la foram inscritos os professores efetivos e interinos de
Laguna, São José, Porto Belo, Ribeirão, Enseada de Brito, Canasvieiras, Rio Vermelho,
Imaruí, Itapocoroy, Itajaí e Tubarão. Os professores de São Francisco, Lagoa e Nossa Senhora
das Necessidades não puderam participar por não ter a idade inferior a 35 anos, exigência da
legislação. As escolas de Lages, São Miguel, Vila Nova e São João Batista não possuíam
professores, permanecendo fechadas durante esse ano.
O número de inscritos para participar do curso chegou a 11 pessoas, sendo 08
professores efetivos, 03 interinos e mais 03 pessoas que não estavam ligadas ao serviço
público. Dos 08 professores efetivos, todos foram aprovados ao final dos 06 meses de lições
13 Relatório do Presidente da Província de Santa Catharina, Antero José Ferreira de Brito, em março de 1843,
p. 4.
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na Escola da cidade. Os 03 professores interinos foram também, examinados e aprovados pelo
Professor da Escola da Cidade, manifestando pleno domínio na leitura e escrita, nas quatro
operações de Aritmética, em Gramática da Língua Nacional e nos princípios da moral cristã,
da religião do Estado, retornando às suas escolas de origem, na categoria de professores
efetivos.
A ação de formação profissional dotou de professores habilitados para o exercício do
magistério primário, 14 escolas públicas, aproveitando os 03 professores que não estavam ligados
ao magistério. A instrução elementar se institucionalizava e o magistério público se
profissionalizava com a ação efetiva da legislação que incentivava a formação docente na
Escola Normal da capital, oferecendo vencimentos integrais àqueles que se dispusessem a
freqüentá-la, com possibilidades de ascensão da categoria de professor interino para efetivo,
promovendo assim, um progresso nos seus vencimentos. A Lei Provincial n° 183 previa
inclusive demissão e substituição para aqueles professores que resistissem a capacitação
docente.
Os professores eram incentivados à preparação para o magistério, recebendo auxílio
financeiro do governo, durante o seu processo de formação, porém havia deveres e obrigações
previstas na legislação14.
“Fica autorisado o Presidente da Provincia, com informações das Camaras Municipaes respectivas a punir correccionalmente os Professores publicos de ambos os sexos, por meio de descontos em seus ordenados, depois de ouvi-los:
1º: quando forem negligentes, ou omissos no cumprimento de seus deveres;
2º: quando sem licença do mesmo Presidente se ausentarem do seu domicilio, fóra das ferias por mais de tres dias;
3º: quando pelo mesmo espaço deixarem de leccionar sem causa justificada”.
Apesar do esforço para dotar as escolas públicas de docente habilitado, em muitas vilas
e freguesias era possível encontrar apenas um candidato que se disponibilizasse para
freqüentar a Escola Normal (sem ter certeza da sua aprovação) e em muitos casos era comum
encontrá-las fechadas devido à falta de professores.
A lentidão do processo de formação docente na Escola da capital aliado a competência
atribuída a Francisco José das Neves Francisco, em aprovar os habilitandos, dificultava a
imediata e urgente absorção dos professores pelas escolas públicas, contribuindo para que o
14 Coleção de Leis do Governo da Província de Santa Catharina – Lei n° 183 de 29 de abril de 1843.
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atraso da instrução fosse mantido. Face a essa questão, o poder concedido ao professor da
Escola da capital foi questionado, que ao aprovar um professor lhe era conferido imediata
nomeação, sem submetê-lo a qualquer modalidade de exame de qualificação, como previa a
legislação.
Com a ação da Escola da capital, as estatísticas anunciavam que as 30 escolas estavam
providas de docentes habilitados ou no mínimo habilitando-se para regê-las, levando o
governo a questionar sobre a manutenção da legislação, no que se referia a admissão de
habilitandos nessa instituição de formação docente. Nessa nova conjuntura da instrução e do
magistério público, a preocupação do governo passou a ser, com a sua participação mais
direta sobre o ingresso desses professores, assim como na realização dos concursos, sob a
justificativa de que a sua presença era necessária, como uma garantia, se o Presidente,
assistindo áos exames, tiver a faculdade de mandar continuar nos estudos áo examinando
quando se não conformar com a approvação dos examinadores15. Com esse discurso o
governo esboçava, as suas intenções de controle sobre as ações afetas a instrução e ao
magistério público primário, podendo se constatar que a exigência do Presidente pautava-se
no argumento da sua direta intervenção no ensino (ameaçada pelo poder do Professor
Francisco José das Neves), sob a alegação de garantir o acesso de mais alunos à escola. As
informações obtidas pelo governo davam conta de que, o magistério público não estava
correspondendo às expectativas, apesar da criação da Escola de Primeiras Letras da capital.
Quanto ao desempenho dos professores de escolas públicas, o governo referia-se com
satisfatório cumprimento, exceto o Professor da Francisco José das Neves que após 02 anos
de advertências, repreensões, descontos salariais e inspeção escolar era acusado pelo governo
de falta de dedicação ao magistério, zelo e responsabilidade, sendo assim, demitido. Sobre a
sua demissão, o Presidente16 comentou que era da opinião de despender-se muito ainda que
poucos aproveitem também assento que nada se deve despender quando nada se aproveita.
15 Relatório do Presidente da Província de Santa Catharina, Antero José Ferreira de Brito, em março de 1844,
p. 10. 16 Relatório do Presidente da Província de Santa Catharina, Antero José Ferreira de Brito, em março de 1846,
p. 4.
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Em 1847, as escolas públicas primárias somavam 33, sendo 20 para o sexo masculino e
13 para o sexo feminino. Das escolas masculinas, 16 regidas por professores efetivos, 02
interinos e 02 encontravam-se desprovidas. Das escolas femininas, 07 regidas por professores
efetivos, 02 interinas e 04 estavam desprovidas. Apesar da existência de um pequeno número
de professores públicos o seu desempenho aparecia nos documentos como elogiável,
sobretudo do professor Marcellino Antonio Dutra, que ocupou a vaga do professor Francisco
José das Neves (demitido em 1846), assumindo 113 alunos na Escola de primeiras letras da
capital. Nesse ano, foi criada a Lei Provincial nº 236 dando providências às jubilações dos
professores públicos e decorridos vinte dias, a Lei Provincial nº 265 aprovou as primeiras
jubilações de professores públicos primários.
No ano de 1848, as escolas públicas e particulares primárias para os sexos masculino e
feminino, encontravam-se providas de professores, sinalizando um relativo, desenvolvimento na
instrução e no magistério.
Ao final da década de 1840, o número de escolas era de 27, sendo 14 para o sexo
masculino e 09 para o sexo feminino, estando providas 14 do sexo masculino e 09 para o sexo
feminino. A instrução dava mostras da sua organização, principalmente no que dizia respeito, a
implantação de uma legislação específica ao ensino primário e a criação de diretores municipais e
paroquiais responsáveis pela inspeção escolar, que embora de forma incipiente buscava tratar da
questão da formação docente e esboçava as primeiras linhas no sentido de uma política de
regulamentação da profissão, sobretudo apontando os vencimentos conforme a localidade,
categoria e autorizando as primeiras jubilações de professores públicos. A implantação da Lei
Provincial n° 268 de 1848 trouxe valorização salarial, preocupação com a formação profissional,
exigência com o compromisso técnico-pedagógico bem como, um traço evidente na organização,
estrutura e no funcionamento do ensino público, principalmente, se comparada a Lei Provincial n°
35 de 1836.
Em 1850, foram criadas 24 escolas do sexo masculino e 12 do sexo feminino, sendo que
30 encontravam-se providas de professores, 11 com professores interinos e a escola de Lages
estava vaga, aguardando concurso.
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No ano de 1852, a excessiva falta dos alunos às aulas dificultava o aproveitamento
escolar, levando o Presidente17 a supressão temporária das escolas, que não estivessem sendo
efetivamente freqüentadas por mais de 12 alunos, mas aos professores dessas era conservado
os respectivos ordenados, sendo esses removidos para outras escolas, na condição de
professores adjuntos.
[corroído] “[...] não julgam melhor conserval-as fechadas. E é talvez esta a principal razão de alguns Pays preferirem entregar seos filhos a Mestres particulares, menos illustrados, porem mais assiduos. É para mim fora de duvida que a inspecção das escolas deve estar á cargo de pessoas de livre nomeação da Presidencia, e não de funccionarios ou corporaçoens para cuja nomeação nem uma parte teve o Executivo. Um bom Professor não é o que sabe as materias que tem de ensinar, mas sim o que alem disso tem gosto, methodo e habito de ensino. Assim, na impossibilidade de darmos um grande desenvolvimento á instrucção primaria, proponho-vos a creação de Professores Adjunctos ás escolas de 1ªs Lettras da Capital. Estes Professores ajudando aos actuaes, adquirirão methodo, e habito e tendo por assim dizer, um tyrocinio de magisterio, ficarão habilitados para regerem depois qualquer escola”.
Dando cumprimento a legislação em vigor, João José Coutinho18 determinou o
fechamento de 05 escolas do sexo masculino (Vila Nova, Enseada do Brito, Ratones, São
João Batista do Tijucas, Camboriú e Lagoa) e 01 do sexo feminino (Ribeirão). Os professores
interinos foram dispensados e os professores vitalícios foram removidos.
“Com quanto me pareça, que a disposição do dito artigo 17 tende a melhorar o ensino tornando os Professores mais assiduos, e zelosos no cumprimento de seus deveres, para não os desamparar os alumnos, não he isoladamente sufficiente para obter-se o fim desejado, e por isso animo-me a recommendar-vos, que tomeis em consideração o Projeto, que a respeito da Instrucção primária vos foi apresentado na sessão passada pelo Snr. Deputado o Snr. Reverendo Joaquim Gomes de Oliveira e Paiva”.
Em 1854, foram restabelecidas 05 escolas de primeiras letras do sexo masculino (Lagoa,
São Miguel, Enseada de Brito, Sant’Anna e Ratones), encontrando-se vagas 02 escolas (Itajaí
e Enseada de Brito). Das 07 escolas reabertas 03 do sexo masculino (Itapacoroy, Ganchos e
Sant’Anna) e 03 do sexo feminino (Lages, Santo Antônio e Itajaí) estavam providas
interinamente. Nesse ano, as aulas de ensino primário da capital, tanto as públicas como as
particulares, foram regularmente freqüentadas podendo-se notar um progresso anual. Esse
17 Relatório do Presidente da Província de Santa Catharina, João José Coutinho, em março de 1952, p. 2. 18 Fala do Presidente da Província de Santa Catharina, João José Coutinho, em março de 1853, p. 3.
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fato pode ser atribuído a maior ilustração de seus habitantes19, bem como, a assiduidade de
professores e principalmente dos alunos, uma vez que, muitos desses moravam próximo às
escolas facilitando assim, não apenas a sua freqüência, mas o auxílio em serviços domésticos
familiares, durante os intervalos. Nas demais localidades, o ensino elementar continuava
estacionário, pois as escolas eram freqüentadas por poucos alunos e com muitas faltas.
De 1836 a 1859, os relatórios suscitaram as mesmas problemáticas atestadas como as
causadoras da desorganização do ensino, sintetizadas por João José Coutinho20:
a) pouca aptidão e zelo de uma grande parte dos Professores;
b) ignorância de muitos pais, que não tinham consciência dos prejuízos e dos problemas
futuros de seus filhos, causados principalmente pela ignorância das primeiras letras;
c) falta de recursos financeiros e a necessidade de que alguns pais tinham dos serviços
dos filhos; a distância em que moravam grande parte dos alunos que freqüentavam
essas escolas.
A relação entre a oferta do ensino e a aceitabilidade por parte da sociedade levou o
governo a muitos questionamentos face aos motivos pelos quais a ação não correspondia à sua
intenção. Algumas das causas levantadas remetiam a falta de pessoal habilitado, inadequação
metodológica, negligência dos pais quanto à instrução sistematizada, falta de instrução regular
e falta de verba. Essas dificuldades atravessaram o ensino e o magistério público ao longo do
período analisado.
Quanto a pouca aptidão dos professores, não estava o Presidente21 referindo-se tanto à
falta de conhecimento no ensino das matérias, mas, a falta de vocação e habito de ensino.
Portanto, era atributo indispensável ao magistério vocação para o ensino, pois sem essa não
poderia o professor infundir em seus alumnos amor ao estudo; contenta-se quando o faz com
a presença phisica nas horas marcadas, e se não exforça para que seos discipulos se
appliquem ás lettras e á moral.
19 Relatório do Presidente da Província de Santa Catharina, João José Coutinho, em abril de 1853, p. 3. 20 Relatório do Presidente da Província de Santa Catharina, João José Coutinho, em abril de 1854, p. 4. 21 Ibidem, p. 4.
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A rede pública se expandia juntamente com o magistério público, motivado pelo
aumento no número de alunos e escolas, sobretudo pelo processo de urbanização promovido
pelo processo de imigração alemã.
A Lei Provincial nº 382 de 01 de julho de 1854, normatizou a instrução pública
primária, as nomeações de professores, seus vencimentos e dava outras providências à
instrução primária, regulamentando inicialmente, a criação dos cargos de diretor e subdiretor,
no caso de substituição do diretor municipal ou paroquial em relação ao desenvolvimento da
inspeção escolar. Essa legislação tratava ainda, das cadeiras e seus provimentos, os direitos e
obrigações dos professores e dos alunos e outras disposições gerais inerentes ao magistério
público, entrando em execução, somente em janeiro de 1855. Foi a partir dessa
regulamentação, que a categoria funcional adjunto passou a circular nas legislações da
Instrução Pública.
No ano de 1856, o magistério público voltado para o ensino primário era composto na
sua maior parte por professores pouco hábeis e zelosos no cumprimento de suas obrigações.
Quanto à falta de habilidade e competência profissional, de alguns professores, João José
Coutinho22 denunciava que:
“Rarissimos são os que tem vocação para o ensino; considerão os ordenados mais como uma pensão, que se lhes dá, que como justa retribuição de um trabalho. A vitalicidade do provimento, e a difficuldade de em Juizo provar-se-lhes as faltas, dando-lhes bem fundadas esperanças de não perderem o emprego, os torna deleixados. Em geral os discipulos que frequentão as aulas particulares, ou as interinamente providas aproveitão muito mais que os que frequentão as aulas regidas por Professores vitalicios. Estes contão seguro o ordenado; aquelles temem que os discipulos os abandonem, e percão uns a Cadeira, e outros as mensalidades”.
Ao final da década de 1850, foi nomeado o diretor geral da instrução primária, Sérgio
Lopes Falcão, um representante do governo, a exemplo dos demais diretores da instrução
pública catarinense, que com raras exceções teve à frente um professor. Ao tomar posse, o
recente diretor tinha como meta atender as expectativas do Presidente, com relação ao
preenchimento desse cargo, dedicando-se ao cumprimento de seus deveres, despertando o
zelo dos professores e possibilitando informações para que unidas à outras, pudesse usar da
sua autoridade.
22 Fala do Presidente da Província de Santa Catharina, João José Coutinho, em março de 1856, p. 4.
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3.2 Magistério Secundário
Anterior ao ano de 1836, magistério público secundário esteve fundamentalmente
voltado às cadeiras isoladas de Francês, Latim, Retórica, Poética, História, Cronologia,
Geografia, Teologia e Filosofia, na época, sob a responsabilidade de um professor, o padre
João de São Boaventura Cardoso.
A instrução pública secundária teve oficialmente o seu início, em 1837 com a Lei
Provincial nº 69. Dotada de 05 artigos, essa legislação determinava de modo sucinto, o salário
dos lentes a organização do curso no prazo de 02 anos e apontava outras providências, tais
como, escolher os compêndios, dar as instruções precisas sobre o regime, economia, e
disciplina das aulas, podendo inclusive reunir em um mesmo local, ou separá-las como
julgasse mais conveniente. Essa legislação determinava ainda, a criação de 02 cadeiras
isoladas na capital, sendo 01 de Filosofia Racional, Retórica e Geografia, 01 de Aritmética,
Álgebra e Geometria. Com a criação dessas cadeiras nascia a necessidade da presença desses
professores para ministrá-las.
No ano de 1839, as cadeiras de Filosofia Racional, Retórica e Geografia e a de
Aritmética, Álgebra e Geometria (criadas pela Lei Provincial nº 69) foram postas a concurso,
porém não havia professores habilitados para regê-las, permanecendo assim, na sua docência,
o padre João de São Boaventura. O referido padre, embora não sendo brasileiro apresentou-se
para reger a cadeira de Filosofia Racional e Moral, tendo o seu nome aprovado pela
legislação23, determinando que na falta de candidatos brazileiros, as cadeiras poderão ser
leccionadas por estrangeiros engajados a prazo de quatro, e oito annos, e com os ordenados
estabelecidos ás respectivas cadeiras. A sua contratação deu-se mediante apresentação de
documentos que davam provas da sua precisa aptidão profissional, mas até o final desse
mesmo ano, não havia exercido a função, bem como, recebido ordenado, por não haver alunos
em condições de instrucção preparatoria para suas aulas, permanecendo o ensino secundário
limitado a aula de Gramática Latina, freqüentada por 13 alunos.
23 Coleção de Leis do Governo da Província de Santa Catharina – Lei n° 35 de 14 de maio de 1836.
17
Até o final da década de 1830, o magistério público secundário estava limitado a oferta
dessas 02 cadeiras, mas foi na década de 1840 que, a instrução secundária passou a se
desenvolver com mais intensidade, sobretudo com a criação do colégio dos jesuítas (1845-
1853) e do Colégio Belas Letras (1849-1851), ambos subvencionados pela Província. O valor
da subvenção era destinado ao pagamento anual do aluguel da casa dos padres e do seu
colégio.
No ano de 1845, havia apenas a oferta da cadeira isolada de Gramática Latina, enquanto as
ações do governo estavam voltadas para o colégio dos jesuítas e o colégio Belas Letras, ambos
subsidiados pelos cofres públicos, possibilitando o avanço da instrução e do magistério
público secundário.
Ao final da década de 1840, a importância dos dois colégios era notória, porém, esses
não estavam sujeitos à inspeção escolar, como os demais estabelecimentos de instrução
primária, levando o governo a exigir que os estabelecimentos de ensino secundário
recebessem o mesmo tratamento das escolas primárias, mas, para essa ação de controle era
necessário conhecer os estatutos que regulamentavam o colégio. Diante dessa necessidade, o
Presidente24 lembrava que aos brasileiros não era permitido:
“[...] terem estabelecimento de educação, que não esteja sob a immediata inspecção das Authoridades respectivas, e na Provincia hoje está legislado, que nem um individuo de um outro sexo possa abrir escola particular, ou qualquer outro estabelecimento de educação primaria, sem licença do Director Municipal respectivo, que a passará guardados determinados quisitos; e quando o estabelecimento admitta pensionistas, deverá o impetrante declarar mais qual o regime interino d’elle, especialmente na parte religioza. Ora se assim está determinado á cerca da instrucção primaria, em que os discipulos não tem a apprender mais do que primeiras letras e noçoens grammaticaes, e arithmetica quando muito, não vejo razão plauzivel para exceptuar-se de providencia tão salutar, o que respeita a instrucção secundaria, em que os alumnos tem de desenvolver as faculdades intelectuaes, em que os Professores tem de formar-lhes, para assim dizer, a alma, e o espirito, e de transmittr-lhes inspiraçoens, e principios, que, uma vez recebidos, e professados com difficuldade se desprezam”.
Ao mesmo tempo em que o governo reconhecia a relevância do colégio dos padres para
a população e entendia que era necessário, submetê-lo a fiscalização da autoridade, conforme
o que estabelecia a Lei Provincial n° 268 de 01 de maio de 1848. Os jesuítas não faziam
24 Relatório do Presidente da Província de Santa Catharina, Severo Amorim do Valle, em março de 1849,
p.13-14.
18
nenhuma resistência a inspeção. Satisfeito com a anuência do Diretor do colégio ao controle
direto do governo, Severo Amorim do Vale25 solicitou à Assembléia aprovação, para
liberação de recursos para o provimento da cadeira de Gramática Latina na capital, pois essa
cadeira vinha sendo oferecida gratuitamente pelos padres missionários. O seu argumento foi
pautado na idéia de que, a existência de duas cadeiras de Granmatica Latina, promoveria
maior aproveitamento por parte dos alumnos e menos desgaste para o professor.
No final da década de 1840, o magistério secundário contava com o colégio dos jesuítas
e o Belas Letras, que atendia um número aproximado de 50 alunos em toda Província.
Em 1851, o Colégio Belas Letras encerrou suas atividades por falta de alunos,
professores em condições do exercício ao magistério e principalmente, pelos parcos recursos
destinados àquele estabelecimento. Dois anos mais tarde, foi o colégio dos padres jesuítas que
encerrou suas atividades, motivado basicamente pela sua resistência a sistema de inspeção,
autorizado pelo Presidente, que tinha divergências políticas e ideológicas com os padres do
Colégio Jesuítas.
No ano de 1854, a instrução pública secundária estava reduzida a poucas aulas
ministradas por docentes particulares. Pressionado pela sociedade e por intelectuais, o
governo aprovou em 10 de maio de 1855, a Resolução nº 399, que autorizava a Presidência a
pagar uma gratificação anual à pessoa, que se disponibilizasse ao ensino particular, desde que
comprovado o aproveitamento de duas matérias de instrução secundária a mais de 10 alunos
nas cidades e vilas desprovidas de cadeiras isoladas. Essa era uma manifestação de incentivo
ao ensino secundário nessa Província.
Foi somente, no ano de 1857, que a instrução secundária ressurgiu com a criação do
primeiro estabelecimento público de ensino secundário, chamado de Liceu Provincial que
ofereceu as suas atividades pedagógicas até o ano de 1863. Ainda nesse ano, em execução da
Lei Provincial nº 417 foram interinamente providas as cadeiras de Francês, Inglês, Latim e
Matemática, não sendo preenchidas as vagas das cadeiras de Retórica, Filosofia, Geografia e
História, por não ter aparecido candidatos habilitadas para regê-las.
25 Relatório do Presidente da Província de Santa Catharina, Severo Amorim do Valle, em março de 1849,
p.14-15.
19
Em 04 de janeiro de 1858 foram publicados os editais para o primeiro concurso público
de ensino secundário, para o provimento das cadeiras de Latim, Francês, Inglês e Matemática
a serem assumidas em 06 de julho desse mesmo ano.
O magistério público secundário encerra a década de 1850, sem perspectivas, uma vez
que, o exercício docente para essa modalidade tinha como exigência o curso em Escolas
Superiores, estando essas localizadas no Rio de Janeiro, justificando assim, a dificuldade da
presença de professores, permanecendo a atividade pedagógica centrada nas mãos de
religiosos e intelectuais disponíveis na Província.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
De 1836 a 1859, o magistério esteve em fase de implantação. O número de professores
públicos era inferior aos professores particulares, pois não havia interesse político da
Província em modificar esse quadro, justificado pelos rigorosos exames de admissão para o
magistério público, os baixos salários e as facilidades oferecidas pelo governo para abertura
de escolas particulares tornaram o exercício docente distante de uma política de
regulamentação. Mas, com o forte processo de urbanização, intensificado na década de 1850,
a sociedade passou a fazer exigências de mais escolas. Com o aumento no número de escolas
e alunos, o governo sentiu-se intimado a elaborar e publicar em 30 de junho de 1859, o 1°
Regulamento da Instrução Pública, normatizando o ensino e as práticas de carreira. Esse
apresentava as diretrizes para o ensino público elementar e secundário. Na instrução pública
elementar, o Regulamento dividiu o ensino de primeiras letras em 04 anos, bem como, os seus
respectivos conteúdos, calendário escolar (horário das aulas por ano, horário para os
monitores do 3º e 4º anos), data de exames, conduta a ser adotada pelos professores, material
necessário e castigos para os alunos permitidos ao professor. Quanto ao ensino secundário, o
Regulamento apresentava 10 capítulos, tratando das cadeiras a serem ensinadas, do
provimento das cadeiras, das matrículas, da freqüência, da polícia e castigos, dos exames e
prêmios, das responsabilidades do diretor, dos deveres dos professores, funções do porteiro e
outras disposições, entre elas a elaboração e posteriormente a execução dos novos Estatutos
do Liceu Provincial.
20
Embora, o magistério público elementar contasse com um número superior de escolas,
alunos e professores, a atenção do governo estava voltada para o ensino secundário, que
encontrava-se centrado no Liceu Provincial e em algumas aulas particulares de cadeiras
isoladas, atendendo uma clientela selecionada e restrita a capital.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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