GARFINKEL Propriedades Racional Atividades Cientificas Senso Comum

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8/19/2019 GARFINKEL Propriedades Racional Atividades Cientificas Senso Comum http://slidepdf.com/reader/full/garfinkel-propriedades-racional-atividades-cientificas-senso-comum 1/7  O  C  U  U 125     T     E     O     R     I     A     E     C     U     L     T     U     R     A 124 Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais - UFJF v. 8, n. 2 jul./dez. 2013 ISSN 2318-101x (on-line) ISSN 1809-5968 (print) Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais - UFJF v. 8, n. 2 jul./dez. 2013 ISSN 2318-101x (on-line) ISSN 1809-5968 (print) TRADUÇÃO GARFINKEL, H. “As propriedades racionais das atividades cientificas e de senso comum” - .In: Studies in Ethnomethodology. Cambridge: Polity Press, 1996 [1967]. Cap. 8. A tradução foi feita por Adauto Villela e a revisão técnica e o estabelecimento do texto final foram re- alizados pelos professores Dr. Paulo Cortes Gago (Departamento de Letras) e Dr. Raul Francisco Magalhães (Departamento de Ciências Sociais), da Universidade Federal de Juiz de Fora. CRÉDITOS DA TRADUÇÃO Agradecemos à profª Dra. Anne W. Rawls da Bentley University que gentilmente permitiu a publicação sem custos do presente capítulo e ao prof. Dr. Frédéric Vandenberghe do IESP/UERJ, que mediou essa s olici- tação. Agradecemos especialmente à coordenação do Programa de Pós-Graduação em Linguística da UFJF, representada à época pela profª. Dra. Maria Cristina Lobo Name, por ter-nos disponibilizado os recursos públicos necessários para viabilizar a tradução. Pela mesma razão, cabe-nos agradecer ao prof. Jessé Souza, que fomentou parte desse projeto com recursos do Pronex-FAPEMIG. Agradecemos à profª. Maria Clara Castellões de Oliveira por ter acolhido o nosso projeto de tradução no âmbito de seu curso de bacharelado de tradução da UFJF etê-lo levado a cabo com tanto profissionalismo e cuidado. Agradecemos também ao prof. Dr. Berthold Öelze, da Universidade de Passau (Alemanha), como um dos incentivadores iniciais do projeto de traduzir para o Português textos essenciais em Etnometodologia por ocasião de sua vinda à UFJF, como professor visitante do Departamento de Ciências Sociais, em 2008. Dando continuidade à publicação dos capítulos dos Estudos de Etnometodologia de Harold Garfinkel, que se encontram nos números da revista eoria e Cultura do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal de Juiz de Fora (caps. 1,2,3,5, 6 e 7)e da Revista Confluências  do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (cap. 4), apresentamos o capítulo 8, no qual Garfinkel discute as diferenças entre o que a ciência considera procedimentos racionais e o que o senso comum sanciona como racionalidade. Basicamente, Garfinkel demonstra a impossibilidade de aplicação das regras da boa ciência ao mundo exterior à prática científica. razidas para a realidade do dia-a- dia, as racionalidades científicas gerariam ambientes desprovidos de s entido. Mais uma vez, Garfinkel apontou um caminho importante para o estudo da pesquisa científica, tratando-a como um universo de significados internos, e não como um campo gerador de verdades e racionalidades válidas em si mesmas e livremente ap- ropriáveis pela vida social. Boa leitura.  Paulo Cortes Gago e Raul Francisco Magalhães AGRADECIMENTOS APRESENTAÇÃO DA TRADUÇÃO

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TRADUÇÃO

GARFINKEL, H. “As propriedades racionais das atividades cientificas e de senso comum” - .In: Studies

in Ethnomethodology. Cambridge: Polity Press, 1996 [1967]. Cap. 8.

A tradução foi feita por Adauto Villela e a revisão técnica e o estabelecimento do texto final foram re-alizados pelos professores Dr. Paulo Cortes Gago (Departamento de Letras) e Dr. Raul Francisco Magalhães(Departamento de Ciências Sociais), da Universidade Federal de Juiz de Fora.

CRÉDITOS DA TRADUÇÃO

Agradecemos à profª Dra. Anne W. Rawls da Bentley University que gentilmente permitiu a publicaçãosem custos do presente capítulo e ao prof. Dr. Frédéric Vandenberghe do IESP/UERJ, que mediou essa s olici-tação. Agradecemos especialmente à coordenação do Programa de Pós-Graduação em Linguística da UFJF,representada à época pela profª. Dra. Maria Cristina Lobo Name, por ter-nos disponibilizado os recursospúblicos necessários para viabilizar a tradução. Pela mesma razão, cabe-nos agradecer ao prof. Jessé Souza,

que fomentou parte desse projeto com recursos do Pronex-FAPEMIG. Agradecemos à profª. Maria ClaraCastellões de Oliveira por ter acolhido o nosso projeto de tradução no âmbito de seu curso de bacharelado detradução da UFJF etê-lo levado a cabo com tanto profissionalismo e cuidado. Agradecemos também ao prof.Dr. Berthold Öelze, da Universidade de Passau (Alemanha), como um dos incentivadores iniciais do projetode traduzir para o Português textos essenciais em Etnometodologia por ocasião de sua vinda à UFJF, comoprofessor visitante do Departamento de Ciências Sociais, em 2008.

Dando continuidade à publicação dos capítulos dos Estudos de Etnometodologia de Harold Garfinkel,que se encontram nos números da revista eoria e Cultura do Programa de Pós-Graduação em CiênciasSociais da Universidade Federal de Juiz de Fora (caps. 1,2,3,5, 6 e 7)e da Revista Confluências do Programade Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (cap. 4), apresentamos ocapítulo 8, no qual Garfinkel discute as diferenças entre o que a ciência considera procedimentos racionais eo que o senso comum sanciona como racionalidade. Basicamente, Garfinkel demonstra a impossibilidade deaplicação das regras da boa ciência ao mundo exterior à prática científica. razidas para a realidade do dia-a-dia, as racionalidades científicas gerariam ambientes desprovidos de s entido. Mais uma vez, Garfinkel apontouum caminho importante para o estudo da pesquisa científica, tratando-a como um universo de significadosinternos, e não como um campo gerador de verdades e racionalidades válidas em si mesmas e livremente ap-

ropriáveis pela vida social. Boa leitura.

  Paulo Cortes Gago e Raul Francisco Magalhães

AGRADECIMENTOS

APRESENTAÇÃO DA TRADUÇÃO

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O programa da disciplina de um sociólogo req-uer que ele descreva cientificamente um mundo, queinclui, como fenômenos problemáticos, não só asações da outra pessoa, mas também o conhecimentoque a outra pessoa tem do mundo. Como resultado,

o sociólogo não pode evitar ter que tomar algumtipo de decisão de trabalho sobre os vários fenô-menos que se entende pelo termo “racionalidade”.

Geralmente, os pesquisadores em sociologia de-cidem uma definição de racionalidade selecionandouma ou mais características dentre as propriedades daatividade científica da forma como ela é idealmentedescrita e entendida1. A definição é, então, usada me-todologicamente para ajudar o pesquisador a decidir ascaracterísticas realistas, patológicas, preconceituosas,ilusórias, míticas, mágicas, ritualísticas, e similares, daconduta, do pensamento, e das crenças cotidianas.

Mas porque os sociólogos descobrem, comfreqüência impressionante, que ações estáveis, efi-

cientes e persistentes e as estruturas sociais ocorrem,apesar de discrepâncias óbvias entre o conhecimen-to e os procedimentos do leigo e o conhecimento eos procedimentos ideais do cientista, os sociólogostêm achado as propriedades racionais que as suasdefinições discriminaram empiricamente desinteres-santes. Eles têm preferido, em vez disso, estudar ascaracterísticas e as condições da não-racionalidade naconduta humana. O resultado é que, na maioria dasteorias disponíveis da ação social e da estrutura social,atribui-se um status residual às ações racionais.

Na esperança de corrigir uma tendência, é o propósi-to deste artigo remediar esse status residual, ao reintro-duzir como um problema para a investigação empíri-ca (a) as várias propriedades racionais da conduta, e

também (b) as condições de um sistema social, sob asquais vários comportamentos racionais ocorrem.

O termo “racionalidade” tem sido usado paradesignar várias maneiras diferentes de compor-tamento. Uma lista desses comportamentos podeser feita sem o teórico necessariamente exercera escolha de tratar um ou mais comportamentoscomo definidor do termo “racionalidade” O ar-tigo clássico de Alfred Schutz sobre o problema daracionalidade2  faz um inventário desses signifi-

cados e é, por isso, o nosso ponto de partida.

Quando os vários significados do termo que Schutzinventariou são expressos como descrições de condu-ta, o resultado é a lista de comportamentos menciona-dos a seguir. No restante deste artigo, esses comporta-mentos serão referidos como “as racionalidades”.

(1) Categorizando e comparando. É lugar-comumuma pessoa procurar em sua experiência uma situ-ação, com a qual possa comparar a situação que está

 vivendo. Às vezes, a racionalidade refere-se ao fato deque a pessoa busca as duas situações, considerandosua comparabilidade e, às vezes, refere-se à sua preocu-

 pação em fazer com que as coisas s ejam comparáveis.Dizer que uma pessoa lida com tarefas de comparaçãoequivale a dizer que ela trata uma situação, ou umapessoa, ou um problema, como sendo um exemplode um tipo. Portanto, a noção de um “grau de racion-alidade” é encontrada, pois a extensão da preocu-pação de uma pessoa com a classificação, a frequên-cia dessa atividade, o sucesso com o qual uma pessoase engaja nela são f requentemente os comportamen-tos entendidos, quando se afirma que as atividadesde uma pessoa são mais racionais que as de outra.

(2) Erro tolerável.  É possível uma pessoa “req-

uerer” graus diferentes de “facilidade de ajuste” en-tre uma observação e uma teoria, em termos da qualela nomeia, mensura, descreve ou, então, pretendeque o sentido de sua observação seja um dado. Elapode prestar pouca ou muita atenção ao grau deajuste. Em uma dada ocasião, poderá permitir queuma alusão literária descreva aquilo que ocorreu.Em outra ocasião, e lidando com as mesmas ocor-rências, ela pode procurar um modelo matemáti-co para ordená-las. Portanto, às vezes diz-se queuma pessoa é racional, enquanto outra não é, ou émenos racional, e com isso quer-se dizer que umapessoa presta mais atenção do que o seu vizinho aograu de ajuste entre aquilo que ela observou e aq-uilo que ela pretende que seja a sua descoberta.

(3)  A procura por “meios.”  Às vezes usa-se o ter-mo racionalidade para dizer que uma pessoa revisaas regras de procedimento, que, no passado, produz-iram os efeitos práticos agora desejados. Às vezes,refere-se ao fato de uma pessoa procurar transferirregras da prática, que deram bom resultado em situ-ações semelhantes; às vezes, é a freqüência com queesse esforço ocorre; em outras vezes, o caráter racion-al das ações refere-se à habilidade ou à inclinaçãoque a pessoa tem de usar, numa situação presente,técnicas que funcionaram em outras situações.

(4)  A análise de alternativas e conseqüências. O

PROPRIEDADES RACIONAISDAS ATIVIDADESCIENTIFICAS E DE SENSOCOMUM

Comportamentos racionais

termo racionalidade é freqüentemente usado parachamar atenção ao fato de uma pessoa, ao avaliaruma situação, antecipar as alterações que suas açõesprovocarão. São referências freqüentes não só o fatode que ela “ensaia na imaginação” os vários cursosde ação que terão ocorrido, mas também o cuidado,a atenção, o tempo e o detalhamento da análise dis-pensados aos cursos alternativos de ação. No quediz respeito à atividade de “ensaiar na imaginação”,as linhas concorrentes de ações-que-terão-sido-completadas, a clareza, a extensão dos detalhes, onúmero de alternativas, a vivacidade e a quantidade

de informação que completa cada um dos esque-mas das linhas concorrentes de ação são freqüente-mente as características pretendidas, quando chama-mos as ações de uma pessoa de “racionais”.

(5) Estratégia. Antes da ocasião real de escolha,uma pessoa pode atribuir a um conjunto de cursos al-ternativos de ação as condições, sob as quais qualquercurso de ação po de ser seguido. Von Neumann e Mor-genstern chamaram o conjunto desse tipo de decisõesde a estratégia de um jogador3. O conjunto de taisdecisões pode ser chamado de o caráter estratégicodas antecipações do ator. Uma pessoa que lida com assuas antecipações confiando que as circunstâncias deamanhã serão iguais às que conheceu no passado é de-scrita como agindo com menos racionalidade do queuma pessoa que, ao invés diss o, leva em conta estadosfuturos possíveis de sua situação presente por meiodo uso de um manual de “o-que-fazer-no-caso-de”.

(6) Preocupação com o tempo.  Quando dizemosque uma pessoa pretende, através de seu comporta-mento, realizar um estado de coisas, f reqüentementequeremos dizer que, ao ter tal intenção, a pessoa pos-sui uma expectativa de uma determinada seqüênciaprogramada de eventos. A preocupação com o tempoenvolve a intensidade, com que uma pessoa toma umaposição sobre as formas possíveis, em que eventospodem ocorrer temporalmente. Um quadro defini-tivo e restrito de possibilidades programadas é com-parado com uma “racionalidade menor”, que consiste

em a pessoa orientar a seqüência futura de eventossob o aspecto de “qualquer coisa pode acontecer”.

(7) Previsibilidade.  Expectativas altamente es-pecificas quanto à programação do tempo podemser acompanhadas, ao se prestar atenção às carac-terísticas previsíveis de uma situação. Pode ser quea pessoa procure informações preliminares sobre asituação de forma a estabelecer algumas constantesempíricas, ou pode ser que ela tente tornar a situ-ação previsível, ao examinar as propriedades lógicasdos construtos que ela usa para “definir” a situação,ou ao revisar as regras que governam o uso de seusconstrutos. Dessa forma, fazer com que a situação

seja previsível significa tomar quaisquer medidaspossíveis para reduzir “surpresas”. anto o desejo dese ter “surpresa em pequenas quantidades”, assimcomo o uso de quaisquer medidas que produzamisso são, frequentemente, os comportamentos pre-tendidos pelo termo ‘racionalidade’ na conduta.

(8) Regras de procedimento. Às vezes, racionali-dade refere-se às regras de procedimento e interfer-ência, nos termos das quais uma pessoa decide sobrea correção de seus julgamentos, inferências, percep-ções e caracterizações. ais regras definem as formas

distintas, pelas quais se pode decidir que uma coisaé conhecida – distinções, por exemplo, entre fato, su-posição, evidência, ilustração e conjectura. Para osnossos propósitos, há duas classes importantes dessasregras de decisões corretas que podem ser distingui-das: regras “cartesianas” e regras “tribais”. As regrascartesianas propõem que uma decisão é correta porquea pessoa seguiu as regras sem considerar as pessoas, i.e., a pessoa decidiu como “qualquer homem” decidi-ria, se todas as questões relacionadas à afiliação socialfossem tratadas como especia lmente irrelevantes. Aocontrário, as regras “tribais” dizem que uma decisãoé correta ou não, dependendo de certas solidarie-dades interpessoais serem ou não respeitadas comocondições da decisão. A pessoa julga sua decisãocomo sendo certa ou errada de acordo com quemé referencialmente importante que ela concorde.

O termo racionalidade é freqüentemente usadopara se referir à aplicação das regras cartesianasde decisão. Já que as convenções podem impor re-strições a esse tipo de tomada de decisão, a intensi-dade com que essas restrições são suprimidas, con-troladas, tornadas sem efeito ou tornadas irrelevantesé outro significado frequente de racionalidade.

(9) Escolha. Às vezes, o fato de uma pessoa es-tar ciente da real possibilidade de se fazer umaescolha, e às vezes o fato de que ela escolhe,são significados populares de racionalidade.

(10) Fundamentos da escolha.  Os fundamentos,nos quais uma pessoa exerce uma escolha entre alter-nativas, assim como os fundamentos que ela usa paralegitimar a escolha, são freqüentemente apontadoscomo sendo as características racionais de uma ação.Vários diferentes significados comportamentais dotermo “fundamento” precisam ser discriminados.

(a) Fundamentos racionais, às vezes, refere-se ex-clusivamente ao corpus4  científico de informação,

 visto como um inventário de proposições, que étratado pela pessoa como sendo os fundamentos cor-retos para inferências posteriores e ações futuras.

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(b) Fundamentos racionais às vezes refere-se atais propriedades do conhecimento de uma pessoacomo sendo a estrutura “fina” ou “grossa” das cara-cterizações que ela usa, ou a se o “inventário” con-siste em um conjunto de estórias, em oposição a leisempíricas universais, ou à extensão na qual os mate-riais são codificados, ou se o corpus em uso está deacordo com o corpus de proposições científicas.

(c) Enquanto os fundamentos de uma es-colha forem as estratégias de ação, como foimencionado anteriormente no item 5, out-

ro sentido de racionalidade está envolvido.

(d) Os fundamentos da escolha de uma pessoapodem ser aqueles que ele literalmente encontrapor meio da interpretação retrospectiva de um re-sultado presente. Por exemplo, uma pessoa podese dar conta de tais fundamentos, no curso de his-toriar um resultado, como uma tentativa para de-terminar o que “realmente” foi decidido em ummomento anterior. Assim, se um dado presente étratado como uma-resposta-a-alguma-pergunta, odado pode motivar a pergunta, à qual a pessoa es-pera que o dado responda. Selecionar, organizar eunificar o contexto histórico de uma ação, depois queela ocorreu, de forma a apresentar um relato publi-camente aceitável ou coerente dessa ação, é um dos

significados familiares do termo “racionalização”.

(11) Compatibilidade de relações meios-fins comos princípios da lógica formal.  Uma pessoa podetratar um curso de ação contemplado como se elefosse uma seqüência de passos para a solução deum problema. Ela pode organizar esses passos comoum conjunto de relações “meios-¬fins”, mas sóconsiderar o problema resolvido, se essas relaçõesforem feitas sem violar o ideal da compatibilidadeplena com os princípios da lógica formal cientí-fica e com as regras do procedimento científico 5.Ofato de a pessoa poder fazer isso, a frequência comque ela o faz, a sua persistência em tratar os prob-lemas dessa forma, ou o sucesso que ela obtém, aoseguir tal procedimento, são formas alternativasde se especificar a racionalidade das suas ações.

12) Clareza semântica e distintividade.  Mencio-na-se com freqüência a tentativa de uma pessoa detratar a clareza semântica de uma construção comosendo uma variável com um valor máximo, ao qualdeve se aproximar como um passo obrigatório nasolução do problema da construção de uma definiçãocrível de uma situação. Diz-se que uma pessoa querefreia sua crença até que a condição do valor máx-imo aproximado tenha sido satisfeita é mais racion-al do que outra que acreditaria num mistério.

Uma pessoa pode atribuir alta prioridade àstarefas de esclarecer os construtos que compõem adefinição de uma situação e de decidir sobre a com-patibilidade que tais construtos têm com os sig-nificados pretendidos na terminologia empregadapelos outros. Por outro lado, a pessoa pode prestarpouca atenção a tarefas desse tipo. Diz-se, às vezes,que aquele modo de agir é mais racional que este.

(13) Clareza e distintividade “em si mesmas”.Schutz realça que uma preocupação com clareza edistintividade pode ser uma preocupação com a dis-

tintividade que é adequada aos propósitos da pes-soa. As diferentes relações possíveis, ideais ou reais,entre (a) uma preocupação com a clareza e (b) ospropósitos a que serve a clareza do construto rev-elam significados comportamentais adicionais deracionalidade. Duas variáveis estão envolvidas: (1)o respeito requerido pelas tarefas de clarificação e(2) o valor que a pessoa atribui à conclusão de umprojeto. Uma relação entre essas variáveis faz comque a tarefa de clarificação, em si, transforme-se nopróprio projeto a ser realizado. É esse o significadode “clarificação em si mesma” Mas a relação entre asduas variáveis pode ser tratada por uma pessoa comosendo constituída por algum grau de variabilidadeindependente. al relação seria usada ao trabalharcomo um ideal “a clarificação que é adequada para

os propósitos atuais”. Racionalidade freqüentementesignifica um alto grau de interdependência entre es-sas variáveis. al interdenpendência, quando tratadacomo uma regra da conduta investigativa ou inter-pretativa, é, às vezes, o que se quer dizer com a distin-ção entre pesquisas e teorias “puras” e “aplicadas”

(14) Compatibilidade da definição de uma situaçãocom o conhecimento científico. Uma pessoa pode per-mitir que aquilo que ela trata como sendo “questõesde fato” seja criticado em termos de sua compatibili-dade com o corpo de descobertas científicas. Comodescrição das ações de uma pessoa, a “legitimidadeconsentida de tais críticas” significa que, no caso dehaver uma discrepância demonstrada, a pessoa irámudar aquilo que ela trata como sendo os funda-mentos corretos para a inferência e a ação (um sig-nificado de “fato”) para poder acomodar aquilo queé cientificamente o caso. Com freqüência, diz-se queas ações de uma pessoa são racionais, na medidaem que ela se adapta, ou está preparada para adap-tar-se, àquilo que está cientificamente correto.

Freqüentemente racionalidade refere-se aos senti-mentos de uma pessoa que acompanham a sua con-duta, e. g.: “neutralidade afetiva”, ser “não emotivo”,“desprendido”, “desinteressado” e “impessoal”. Paraas tarefas teóricas deste artigo, entretanto, o fato de

a ação de uma pessoa em seu ambiente poder estaracompanhado de tais sentimentos é sem interesse.Entretanto, é, sim, interessante o fato de que umapessoa usa seus sentimentos a respeito de seu ambi-ente para indicar o caráter sensato daquilo sobre oque ele está falando, ou para indicar a legitimidade deuma descoberta. Não há nada que proíbe um investi-gador cientifico de ser ardentemente esperançoso deque a sua hipótese seja confirmada. É proibido, entre-tanto, que ele use a sua ardente esperança ou a o seudesprendimento de sentimento para indicar a sen-satez ou a legitimidade de uma proposição. Diz-se,

por vezes, que uma pessoa que trata seus sentimen-tos sobre uma questão como se fossem irrelevantespara o sentido ou a legitimidade desta questão estáagindo de forma racional, enquanto considera-se queuma pessoa que indica o sentido e a legitimidade pormeio da invocação de seus sentimentos age menosracionalmente. Isso, entretanto, é verdadeiro apenaspara as atividades cientificas idealmente descritas.

As racionalidades precedentes podem ser usadaspara construir a imagem de uma pessoa como umtipo de comportamento. Podemos imaginar uma pes-soa que pode6 examinar uma situação presente, pro-curando nela pontos de comparabilidade com outras

situações que conheceu no passado e que pode exam-inar toda sua experiência passada, procurando fór-mulas que parecem, na sua perspectiva presente, terproduzido, no passado, o efeito prático que ela procu-ra obter no presente. Ao se incumbir dessa tarefa, elapode prestar bastante atenção a esses pontos de com-parabilidade. Ela pode antecipar as conseqüências desuas ações de acordo com as fórmulas que s e apresen-tam a si. Ela pode “ensaiar na imaginação” várias lin-has concorrentes de ação. Ela pode atribuir a cada al-ternativa, por meio de uma decisão que foi feita antesda ocasião atual da escolha, as condições sob as quaiscada uma das alternativas devem ser seguidas. Junta-mente com esse tipo de estruturação de experiência, apessoa pode pretender, através de seu comportamen-to, que um resultado projetado se realize. Isso podeenvolver prestar atenção específica às característicasprevisíveis da situação que ela procura manipular.Suas ações podem envolver o exercício da escolha en-tre dois ou mais meios para os mesmos fins, ou a es-colha entre vários fins. Ela pode decidir a correção desua escolha ao invocar leis empíricas, e assim vai.

Ao estender as características desse tipo compor-tamental para incorporar todas as racionalidadesprecedentes, uma distinção entre os interesses da

 vida cotidiana e os interesses da teorização científicaincide sobre essa lista. Onde as ações de uma pes-

soa são governadas pela “atitude da vida cotidiana”,todas as racionalidades podem ocorrer, com quatroexceções importantes. Expressas como máximas ideaisde conduta, essas exceções postulam que os passosprojetados para a solução de um problema, ou a re-alização de uma tarefa, i.e., as “relações meios-fins”,sejam construídas de tal forma que (1) permaneçaminteiramente compatíveis com as regras que definemas decisões cientificamente corretas da gramática edos procedimentos; (2) que todos os elementos sejamconcebidos com total clareza e distinção; (3) que aclarificação tanto do corpo de conhecimento quanto

das regras dos procedimentos investigativos e inter-pretativos seja tratada como um projeto de primeiraprioridade; e (4) que os passos projetados conten-ham apenas suposições cientificamente verificáveis,que devem ser inteiramente compatíveis com o con-hecimento científico como um todo. As correlaçõescomportamentais dessas máximas foram descritasanteriormente como sendo as racionalidades (11) a(14). Para facilitar a referência, irei me referir a es-sas quatro como “as racionalidades científicas”.

O ponto crucial deste artigo e do programa de pes-quisa que irá ocorrer, se seus argumentos estiveremcorretos, é que as racionalidades científicas, de fato,ocorrem como propriedades estáveis de ações e comoideais sancionáveis apenas em ações governadas pela

atitude da teorização científica. Em contrastante, asações governadas pela atitude da vida cotidiana sãomarcadas pela ausência específica dessas racionali-dades,  seja como propriedades estáveis, seja comoideais sancionáveis. No que diz respeito às ações eàs estruturas sociais que são governadas pelas pres-suposições da vida cotidiana, quaisquer tentati-

 vas de estabilizar essa s características ou de forçara aderência a elas através da administração socialsistemática de recompensas e punições são as op-erações necessárias para multiplicar as característi-cas anômicas da interação. odas as outras racion-alidades, de (1) a (10), entretanto, podem ocorrerem ações governadas por qualquer uma das duasatitudes, tanto como propriedades estáveis, quan-to como ideais sancionáveis. Esse ponto crítico émencionado mais detalhadamente na abela 1.

As afirmações acima foram feitas como questõesempíricas, não como questões doutrinais. A recon-strução do “problema da racionalidade”7  propostapor esse artigo depende do caráter legítimo dessasafirmações. está-las depende de uma distinção viávelentre a “atitude da vida cotidiana” e a “atitude da teori-zação científica”. orna-se necessário, portanto, que asdiferentes pressuposições que compõem cada atitudesejam comparadas rapidamente. Após ter feito isso,retornaremos para a linha principal do argumento.

Racionalidades científicas

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TABELA 1

UM RESUMO DAS PROPOSIÇÕES, RELACIONANDO AS RACIONALIDADESÀS SUAS CONDIÇÕES DE OCORRÊNCIA

Para todas as ações quesão governadaspelas regras de

relevância da teorização científica,asracionaliddes podem ocorrer

SE

Para todas as ações quesão governadas pelas regras derelevância da vida cotidiana, asracionalidades podem ocorrer

SE

Considerado

um padrãoideal de ação?

Considerado

umapropriedade

de uma

prática real?

Considerado

um padrãooperativo de

ação?

Considerado

um padrãoideal de ação?

Considerado

um padrãooperativo de

ação?

Considerado

umapropriedade

de uma

prática real?

Sim1.Categorizar e

compararSimSimSimSimSim

Sim2.Erro tolerável

SimSimSimSimSim

SimSimSimSimSimSim3. A procura por

“meios”

Sim

4.A análise de

alternativas e

conseqüências SimSimSimSimSim

Sim5.Estratégia

SimSimSimSimSim

SimSimSimSimSimSim6. Preocupação com o

tempo

Sim7. Previsibilidade

SimSimSimSimSim

Sim8.Regras de

procedimentoSimSimSimSimSim

SimSimSimSimSimSim9.Escolha

Sim10. Fundamentos da

escolhaSimSimSimSim

SimSimNãoNãoNão

11.Compatibilidade

de relações meios-fins

com os princípios da

lógica formal

Sim

Sim

SimSimNãoNãoNão12. Clareza semântica e

distintividadeSim

SimSimNãoNãoNão

13.Clareza e

distintividade “em si

mesmas”Sim

SimSimNãoNãoNão

14. Compatibilidade

da definição de

uma situação com o

conhecimento científico

Sim

 CONTINUAÇÃO TABELA 1

“Sim” deve ser lido como “É empiricamente possível, como propriedade estável e/ou idealsancionável ”.

“Não” deve ser lido como “É empiricamente possível apenas como propriedade instável e/ou idealnão sancionável ”. Com isso queremos di zer que quaisquer tentativas de estabilizar a característica oude forçar a aderência a elas através da administração sistemática de recompensas e punições são as

operações necessárias para se multiplicar as características anômicas da interação.

Aquilo que essas proposições afirmam para as racionalidades, quando consideradas is oladamente,elas também afirmam para um conjunto delas, agrupadas em qualquer combinação.

As atitudes da vida cotidiana e da teorizaçãocientífica8  foram descritas por Alfred Schutz9  nos

estudos que fez sobre a fenomenologia constitutivadas situações de senso comum 10. Devido ao fato deos argumentos deste artigo dependerem da suposiçãode que essas atitudes não se superpõem, torna-senecessário compararmos brevemente as pressu-posições que compõem cada uma dessas atitudes.

(1) Schutz considera que, em situações cotidi-anas, o “teórico prático” alcança um ordenamentodos eventos, enquanto procura reter e sancionar apressuposição de que os objetos do mundo são comoaparentam ser. A pessoa que lida com afazeres cotidi-anos procura por uma interpretação desses afazeres,ao mesmo tempo em que mantém uma conduta de“neutralidade oficial” em relação à regra interpreta-tiva, segundo a qual uma pessoa po de duvidar de que

os objetos do mundo sejam como aparentam ser. Apressuposição do ator consiste na expectativa de queuma relação de correspondência indubitável existaentre as aparências específicas de um objeto e o obje-to-pretendido-que-aparece-desta-forma-em-partic-ular. A partir do conjunto de relações possíveis entreas aparências reais do objeto e o objeto pretendido,como por exemplo, uma relação de correspondênciaduvidosa  entre os dois, a pessoa espera que a cor-respondência indubitável pressuposta seja a corre-spondência sancionável. Ela espera que a outra pes-soa empregue a mesma expectativa de forma mais oumenos igual, e espera que, assim como ela espera quea relação se mantenha para a outra pessoa, a outra

pessoa espere que a relação se mantenha para ela.

Nas atividades de teorização científica, é usadauma regra de procedimento interpretativo bastante

diferente. Essa regra determina que a interpretaçãoseja conduzida mantendo-se uma posição de “neu-tralidade oficial” em relação à crença de que os obje-tos do mundo são como aparentam ser. As atividadesda vida cotidiana, é claro, permitem que o ator du-

 vide que os objetos sejam como aparentam ser; masessa dúvida é, em princípio, uma dúvida que é limi-tada pelas “considerações práticas” do teórico. A dúv-ida, para o teórico prático, é limitada pelo respeitodeste por certas características valorizadas, mais oumenos rotineiras da ordem social “vistas por dentro”,as quais ele especificamente não questiona e as quaisele não porá em questão. Ao contrário, as atividadesde teorização científica são governadas pelo estranhoideal da dúvida, que é, em princípio, ilimitado e queespecialmente não reconhece as estruturas sociais

normativas como sendo condições restritivas.

(2) Schutz menciona uma segunda suposiçãoque é o interesse prático de uma pessoa pelos eventosdo mundo. As características relevantes dos eventosque o seu interesse neles seleciona acarretam, comocaracterística invariável, para a pessoa, que elas po-dem afetar real e potencialmente as ações do ator epodem ser afetadas por suas ações. Sob essa carac-terística pressuposta dos eventos, a pessoa presumeque a precisão dos ordenamentos de eventos que elafez pode ser testada e é testável, sem ter que suspendera relevância daquilo que ela conhece como sendo fato,suposição, conjectura, fantasia e similares, por

As pressuposições das duas atitudes

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meio das suas posições físicas e sociais no mundoreal. Os eventos, suas relações, sua textura causal,não são questões que têm para ela interesse teórico. Apessoa não sanciona a noção de que, ao lidar com es-sas questões, é correto tratá-las de acordo com a regrainterpretativa que diz que ela nada sabe, ou que elapode presumir que ela nada sab e, “só para ver aondeisso leva”. Nas situações cotidianas, aquilo que umapessoa sabe é uma característica integral da sua com-petência social. A pessoa presume que aquilo que elasabe, da forma que ela sabe, a personifica como umobjeto social, perante si mesma e perante os outros,

como um membro de boa fé do grupo. Ela sancio-na a sua competência em ser um membro de boa fédo grupo como sendo uma condição para ela poderter certeza de que sua apreensão dos significados deseus afazeres cotidianos é uma apreensão realista.

Ao contrário, as regras interpretativas da atitude dateorização científica estabelecem que o sentido e a ex-atidão de um modelo devem ser testados e decididos, aomesmo tempo em que se s uspende qualquer julgamen-to sobre a relevância daquilo que o teórico sabe emfunção da sua posição s ocial e física no mundo real.

(3) Schutz descreve a perspectiva temporal da vida cotidiana. Durante suas atividades cotidianas, apessoa reifica o fluxo da experiência em “fatias tem-

porais”. Ela faz isso usando um esquema de relaçõestemporais, que ela presume ser empregado, tanto porela quanto pelas outras pessoas, de forma equivalentee padronizada. A conversa que ela está mantendoconsiste, para ela, não só nos eventos do seu fluxode experiência, mas também naquilo que foi dito, ouque pode ser dito, em um tempo, que é designadopelas posições sucessivas dos ponteiros do relógio.O “sentido da conversa” não é somente realizadoprogressivamente através da sucessão dos significa-dos realizados do seu curso já executado, mas cada“até aqui” é informado pelas suas antecipações. Alémdisso, em cada Aqui-e-Agora e também durante asucessão de Aquis-e-Agoras, a conversa tem, para apessoa, tanto significados retrospectivos quanto pro-spectivos. Esses incluem as referências Aqui-e-Agoraao começo, à duração, ao ritmo, às fas es e ao término.Essas determinações do “tempo interior” do fluxo deexperiências são coordenadas com um esquema so-cialmente empregado de determinações temporais. Apessoa usa o esquema do tempo padrão como umaforma de programar e coordenar suas ações com asações dos outros, como uma forma de direcionaros seus interesses aos interesses dos outros e de ac-ertar o ritmo de suas ações com o ritmo das açõesdos outros. Seu interesse no tempo padrão está dire-cionado aos problemas que tais especificações solu-cionam ao programar e coordenar a interação. A

pessoa presume, também, que o esquema do tempopadrão é um empreendimento totalmente público,um tipo de “grande relógio idêntico para todos”.

Existem outras formas, que são formas con-trastantes, de se pontuar temporalmente o fluxo daexperiência, de forma a produzir um arranjo sensatode eventos no “mundo exterior”. Quando o ator estáenvolvido nas atividades de teorização científica, otempo padrão é usado como uma ferramenta paraconstruir um entre outros mundos empiricamentepossíveis (presumindo, é claro, que o teórico esteja

interessado em questões de fato). Assim, dado seuinteresse no domínio dos afazeres cotidianos, aquiloque envolve o uso que o ator faz do tempo para ajustarseus interesses de acordo com a conduta dos outros é,no que diz respeito a seus interesses enquanto teóricosociológico científico, uma “mera” ferramenta parasolucionar seu problema científico, que consiste emformular claramente tais programas de ações co-ordenadas em termos de relações de causa e efeito.Outro uso contrastante do tempo ocorre, quando seapreciam os eventos retratados “no interior de umapeça de teatro”. Os interesses no tempo padrão sãodeixados de lado como sendo irrelevantes. Quandouma pessoa acompanha as estruturas sociais retrat-adas num romance, tal como  Ethan Frome, por ex-emplo, ela permite que o destino dos amantes venha

antes e que seja uma condição para a apreciação daseqüência de passos que levaram a esse destino.

(4) A pessoa, ao gerenciar seus afazeres cotidianos,assume um esquema de comunicação que é comu-mente compartilhado de uma forma diferente que oteorizador científico o faz. O homem, na vida cotidi-ana, está informado do sentido dos eventos ao usarum contexto pressuposto dos “fatos naturais da vida”,que, de seu ponto de vista, “Qualquer um de Nós”tem a obrigação de saber, e no qual temos obrigaçãode acreditar. Usar tais fatos naturais da vida é umacondição para continuar sendo um membro de boafé do grupo. Ele assume que tal contexto é usado porele e por outros como sendo “regras codificadoras”moralmente obrigatórias. É sob os termos destas re-gras que ele decide a correspondência correta entrea aparência atual de um objeto e o objeto-pretend-ido-que-parece-de-uma-forma-em-particular.

Essa suposição de um mundo intersubjetivo co-mum de comunicação é surpreendentemente modi-ficada nas ações de teorização científica. As “outraspessoas relevantes”, para o teorizador científico, sãouniversalizadas como sendo “Qualquer pessoa”. Elassão, idealmente, manuais descorporificados de pro-cedimentos adequados para decidir a razoabilidade, aobjetividade e a legitimidade. Colegas específicos são,

Metodologia

no máximo, exemplos perdoáveis de tais “investiga-dores competentes” altamente abstratos. O teorizadorcientífico tem a obrigação de saber apenas aquilo emque ele decidiu dar crédito. É uma mera opção suaacreditar ou não nas descobertas feitas por seus co-legas, fundamentando-se no fato de ser um membrode uma sociedade profissional ou de outra sociedadequalquer. Se ele não acreditar, é permitido que ele

 justifique isso, invocando como fundamento para tala sua adesão impessoal à comunidade de “investiga-dores competentes”, que são anônimos, no que diz re-speito a ser membro de uma coletividade, e cujas ações

conformam-se a normas de manual de procedimen-tos. Ao empreender tais ações, ele pode arriscar-se aser criticado por ter rigor excessivo. Mas tomar taisações na vida diária arriscaria uma mudança de sta-tus para criminalidade, doença ou incompetência.

(5) A pessoa assume uma “forma específica de so-ciabilidade”. Entre outras coisas, a forma de sociabi-lidade consiste na pressuposição que a pessoa faz deque existe alguma disparidade característica entre a“imagem” de si mesma que ela atribui a outra pes-soa como sendo o conhecimento que a outra pessoatem dela, e o conhecimento que ela tem de si mesmaatravés dos “olhos” da outra pessoa. Ela também as-sume que as alterações nessa disparidade caracterís-tica permanecem sob seu controle autônomo. Essa

suposição funciona como uma regra, pela qual o te-orizador cotidiano agrupa suas experiências em ter-mos de o que combina corretamente com quem. Há,deste modo, um conhecimento não publicado, quecorresponde ao mundo intersubjetivo comum da co-municação, e que, aos olhos do ator, está distribuídoentre as pessoas como sendo os fundamentos de suasações, i.e., dos seus motivos, ou, no sentido radicaldo termo, dos seus “interesses”, enquanto característi-cas constituintes das relações sociais da interação. Eleassume que há questões que uma pessoa sabe, e queela assume que os outros não saibam. A ignorânciade uma das partes consiste naquilo que o outro sabeque é motivacionalmente relevante para a primeiraparte. Deste modo, o sentido das questões que sãoconhecidas em comum é informado pelas reservaspessoais, pelas questões que são seletivamente ocul-tadas. Assim, os eventos das situações cotidianas sãoinformados por esse contexto integral de “significa-dos mantidos ocultos”, pelas coisas que uma pessoasabe sobre si mesma e sobre os outros, que não inter-essam a ninguém; em resumo, pela vida privada.

Essa pressuposição é fortemente modificada nasregras que governam as ações da teorização científica.Na sociabilidade da teorização científica, não há dis-paridade entre a vida privada e a vida pública, no quediz respeito a sentido e legitimidade. odas as questões

que são relevantes ao retrato que o teorizador faz deum mundo possível são públicos e publicáveis.

Há outras pressuposições, mas, para os propósi-tos deste artigo, é suficiente estabelecer ape-nas o fato da diferença entre essas “atitudes”.

Esses dois conjuntos de pressuposições não se mis-turam um com o outro, e nem há graus de diferençaentre eles. Em lugar disso, alternar entre o uso deum para o uso do outro – alternar entre uma “ati-tude” e outra – produz uma alteração radical na es-

truturação cênica que uma pessoa faz de eventos edas suas relações. No sentido matemático literal, asduas atitudes produzem conjuntos de eventos logica-mente incompatíveis. A natureza da diferença entreos sistemas de eventos que são constituídos pelos doisconjuntos de pressuposições interpretativos pode serilustrada comparando-se os eventos relacionados queum espectador vê na tela de sua televisão, quando eleacompanha os eventos “da estória” com os eventosque ele vê, quando ele considera a cena como sendoum conjunto de efeitos realizados por um conjuntode atores profissionais, que estão agindo conforme asinstruções de um produtor de filmes. Seria do mais

 vulgar didatismo filosófico dizer que o espectador viu “aspectos diferentes da mesma coisa”, ou queos eventos da estória “não passam” de eventos da

produção que são apreciados sem qualquer crítica.

São as racionalidades científicas, a que autoresque escrevem sobre organização social e tomadasde decisões se referem, as características das “es-colhas racionais”. Propomos aqui, entretanto, queas racionalidades científicas não são propriedades,nem de ideais sancionáveis, nem de escolhas feitasdo interior das atividades governadas pelas pressu-posições da vida cotidiana. Se as racionalidadescientíficas não são nem propriedades estáveis, nemideais sancionáveis das escolhas feitas do interiordas atividades, cujo sentido é governado pelas pres-suposições da vida cotidiana, então os problemasque pesquisadores e teóricos encontram com relaçãoaos conceitos dos fins organizacionais, com relaçãoao papel do conhecimento e da ignorância na inter-ação, com relação às dificuldades no manuseio demensagens significativas nas teorias matemáticas dacomunicação, com relação às anomalias encontradasnos estudos sobre o comportamento em apostas, comrelação às dificuldades de racionalizar o conceito deanormalidade, à luz de materiais trans-culturais, po-dem todos ser problemas que eles mesmos criaram.Esses problemas seriam originados, não nas com-plexidades da matéria estudada, mas na insistência

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em conceber ações de acordo com conceitos cientí-ficos, ao invés de olhar para as racionalidades reais queo comportamento das pessoas de fato exibe durante ocurso do gerenciamento de seus afazeres práticos.

Schutz nos diz o que significa dizer queum ator tem uma escolha racional11:

“Uma escolha racional estaria presente,se o ator tivesse conhecimento suficiente so-bre o fim a ser realizado, bem como sobre osdiferentes meios através dos quais pode-se ob-

ter sucesso. Mas esse postulado implica:

“1. O conhecimento do lugar do fim a ser re-alizado nos limites do enquadramento dos planosdo ator (os quais ele também deve conhecer).

“2. O conhecimento das suas inter-relações com outros fins e a sua compati-bilidade ou incompatibilidade com eles.

“3. O conhecimento das conseqüências dese- jáveis e das indesejáveis que podem surgir comosubproduto da realização do fim principal.

“4. O conhecimento das diferentes cadeias demeios que, tecnicamente, ou até mesmo ontologica-mente, são adequadas para a consecução do fim,indiferentemente de se o ator tem controle sobretodos, ou apenas sobre alguns desses elementos.

“5. O conhecimento da interferência detais meios com outros fins de outras cadeias demeios, incluindo todos os efeitos secundáriose todas as conseqüências incidentais delas.

“6. O conhecimento da acessibilidade dessesmeios para o ator, escolhendo os meios que estão aseu alcance e que ele é capaz e pode implementar.

“Os pontos mencionados acima não são, dequalquer forma, exaustivos da análise complicada

que seria necessária para se decompor o conceito daescolha racional na ação. As complicações aumen-tam muito quando a ação em questão é uma açãosocial. Nesse caso, os seguintes elementos tornam-sedeterminantes adicionais para a deliberação do ator.Primeiro, a interpretação ou a má interpretação de seupróprio ato por seu companheiro. Segundo, a reaçãodas outras pessoas e sua motivação. erceiro, todos oselementos do conhecimento mencionados, de (1) a(6), os quais o ator correta ou incorretamente atribuiaos seus parceiros. Quarto, todas as categorias de fa-miliaridade e estranheza, de intimidade e de anoni-mato, de personalidade e de tipos que descobrimos

no nosso inventário da organização do mundo social.”Mas, então, Schutz pergunta: onde pode-se encontraresse sistema de escolhas racionais? “...o conceito deracionalidade tem seu lugar nativo, não no nível dasconcepções cotidianas do mundo social, mas no nívelteórico de sua observação científica, e é aí que ele en-contra o seu campo de aplicação metodológica”.

Schutz conclui que esse sistema é encontrado nostatus  lógico, nos elementos e nos usos do mod-elo que o cientista escolhe e usa como esquemapara a interpretação dos eventos da conduta.

“Isso não significa que a escolha racional não ex-ista dentro da esfera da vida cotidiana. De fato, se-ria suficiente interpretar os termos clareza e distin-tividade com um significado modificado e restrito,a saber, como sendo a clareza e a distintividadeadequadas às necessidades do interesse prático doator. O que quero enfatizar é que o ideal da racion-alidade não é, e não pode ser, uma característica

 peculiar  do pensamento cotidiano e, portanto, nempode ser um princípio metodológico para a interpre-tação dos conjuntos humanos na vida cotidiana.”

Reconstruir o problema da racionalidade, deforma a devolvê-lo aos pesquisadores consiste naproposta de que os sociólogos parem de tratar as

racionalidades científicas como uma regra me-todológica para interpretar as ações humanas.

No que diz respeito aos procedimentos, como uminvestigador agirá, quando ele parar de tratar as racion-alidades científicas como uma regra metodológica?

Quando as propriedades racionais de ação an-teriormente mencionadas são concebidas comonormas de conduta correta, quatro significa-dos de tais normas podem ser distinguidos.

Primeiro, as normas podem consistir nas racion-

alidades, às quais os observadores aderem como nor-mas ideais  das suas atividades enquanto cientistas.Segundo, o termo pode se referir às racionalidadescomo normas operativas do trabalho científico real.Empiricamente, os dois conjuntos de normas nãosão correspondentes ponto a ponto. Por exemplo,há uma rotinização do problema do desenho e dasolução, bem como uma confiança nos outros inves-tigadores, o que é encontrado em operações investi-gativas reais e que é geralmente ignorado por livrosdidáticos de metodologia. erceiro, o termo podese referir a um ideal de racionalidade socialmenteempregado e sancionado. Aqui, referimo-nos a es-

Normas de conduta

sas racionalidades como padrões de pensamento ede conduta que permanecem de acordo com umrespeito pelas ordens rotineiras da ação na vida co-tidiana. ais padrões são chamados, na linguagemcotidiana, de uma forma “razoável” de pensar eagir. Quarto, há as racionalidades como normas op-erativas de atividades reais da vida cotidiana.

Usar as racionalidades como princípio metodológi-co na interpretação das ações humanas na vida co-tidiana significa proceder da seguinte forma:

(1) As características ideais, a que os observadorescientíficos aderem como padrões ideais da sua con-duta investigativa e teórica são usadas para construiro modelo de uma pessoa que age de uma forma queé governada por esses i deais. O jogador de Von Neu-mann é, por exemplo, uma construção desse tipo12.

(2) Depois de descrever comportamentos reais,olha-se para o modelo, procurando, através da com-paração destes, discrepâncias entre a forma que umapessoa construída de tal forma agiria e a forma quea pessoa realmente agiu. Fazem-se, então, pergun-tas como as seguintes: e comparação com o modelo,quanta distorção há? Qual é a eficiência dos meiosque a pessoa real empregou, quando são considera-dos em termos do conhecimento mais amplo do

observador, sendo esse conhecimento mais amplodo observador caracterizado como sendo “O estadoatual da informação científica”? Quais restriçõesincidem sobre o uso de normas de eficiência téc-nica na consecução de fins? Quanta e que tipo deinformação é necessária para decisões que são for-muladas sob a consideração de todos os parâmet-ros cientificamente relevantes para o problema equanta informação desse tipo a pessoa real tinha?

Em uma palavra, o modelo fornece uma forma dedeterminar as formas como uma pessoa po deria agir,se imaginássemos que ela estivesse agindo como umcientista ideal. A seguinte questão, então, se segue:qual é a explicação para o fato de que pessoas reais nãosão iguais, de fato raramente são iguais, mesmo comocientistas? Em suma, o modelo desse homem racionalcomo um padrão é usado para fornecer a base de umacomparação irônica; e dessa comparação conseguem-se as distinções familiares entre a conduta racion-al, a não racional, a irracional e a arracional13.

Mas esse modelo é apenas um entre um númeroilimitado de modelos que podem ser usados. E oque é mais importante, nenhuma necessidade dita oseu uso. Certamente, um modelo de racionalidade énecessário, mas apenas para a tarefa de decidir so-bre uma definição de conhecimento crível e, então, é

tudo, menos inevitável, na teorização científica. Ele nãoé necessário e é evitável nas atividades de teorizaçãoempregadas para lidar com os afazeres cotidianos.

É necessário para a teorização científica, mas isso nãose deve a nenhuma característica ontológica dos even-tos que os cientistas procuram conceber e descrever.

É necessário, porque as regras que governam ouso das suas proposições, consideradas fundamen-tos corretos para se fazer inferências adicionais, i.e.,a própria definição do conhecimento crível, definem

tais procedimentos sancionáveis como sendo, por ex-emplo, procedimentos que não permitem que duasproposições incompatíveis ou contraditórias sejamusadas ao mesmo tempo como fundamento paraa dedução da legitimidade de outra proposição. Jáque a definição do conhecimento crível, científicoou não, consiste nas regras que governam o uso dasproposições como fundamentos para se fazer infer-ências e ações adicionais, a necessidade do modeloé fornecida pela decisão, em primeiro lugar, de agirconforme essas regras14.O modelo de racionalidadena teorização científica literalmente consiste noideal que o teórico tem de que os significados des-sas regras podem ser explicados claramente.

É uma conseqüência do fato de que as ações de

investigação e interpretação são governadas por aq-uilo que, para o senso comum, são regras estranhasde atividades científicas, que a decisão de usar umaproposição como fundamento para inferências adi-cionais varia, independentemente de o usuário poderesperar, ou não, ser apoiado socialmente por usá-la.Mas nas atividades governadas pelas pressuposiçõesda vida diária, o corpo de conhecimento crível nãoestá sujeito a restrições tão rígidas, no que diz res-peito ao uso de proposições como fundamentolegítimo para inferências e ações adicionais. Den-tre as regras de relevância da vida cotidiana, umaproposição usada corretamente é uma para cujouso o usuário espera que seja socialmente apoiadoe, ao usá-la, ele fornece aos outros evidência do seustatus como membro de boa fé da coletividade.

Nenhuma necessidade dita que uma definição deação racional possa ser decidida para se conceber umcampo de eventos de conduta observáveis. Esse resul-tado tem a conseqüência importante e paradoxal depermitir que estudemos mais de perto do que nunca15 as propriedades da ação racional. Ao invés de usar aidéia do cientista ideal como um meio para se con-struir categorias descritivas de comportamento – eracional, não racional, irracional e arracional são

As Racionalidades como dados

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tais categorias – podemos lidar com as característi-cas racionais das atividades, usando a tarefa empíricade descrevê-las assim como são encontradas sepa-radamente na lista acima de racionalidades, ou emgrupos dessas características. O usuário iria, então,olhar as condições da constituição do ator e as suasrelações características com os outros como sendofatores que poderiam explicar a presença dessasracionalidades, mas sem comparações irônicas.

 Ao invés de as propriedades da racionalidade seremtratadas como princípio metodológico na interpretação

de atividades, elas devem ser tratadas apenas como ma-terial empiricamente problemático. Elas teriam apenaso status de dados e teriam que ser explicadas da mesma

 forma que são as propriedades mais familiares da con-duta. Assim como podemos nos perguntar como aspropriedades de um arranjo de status são relevantespara a incidência do comportamento contencioso,ou para a dissensão organizada, ou para fazer umbode expiatório, ou para as chances de mobilidadeocupacional, ou para o que quer que seja, tambémpodemos perguntar-nos como as propriedades deum arranjo de status são determinantes do quanto asações dos atores mostram as racionalidades. Pergun-tas como as seguintes, então, urgem uma resposta:por que as racionalidades da teorização científica sãoperturbadoras da continuidade da ação governada

pela atitude da vida cotidiana?O que há nos arran- jos sociais que faz ser impossível transformar as duas“atitudes” uma na outra sem perturbações severas daatividade contínua governada por cada uma delas?Como devem ser os arranjos so ciais para que grandesnúmeros de pessoas, como as conhecemos na nossasociedade de hoje, possam, não só adotar a atitudecientífica com impunidade, mas para que possam,de forma a poderem usá-la com sucesso, reivindicarsubstancialmente o direito de agir de acordo comessa atitude em face daqueles para quem a atitudeé estranha e muitas vezes repugnante? Em uma pa-lavra, as propriedades racionais da conduta podemser removidas por sociólogos do domínio do comen-tário filosófico e levadas à pesquisa empírica?

É possível formular uma regra geral, que inclui in-úmeros problemas de pesquisa: Qualquer fator queconsideramos como condicional de qualquer uma das

 propriedades das atividades é um fator que é condicion-al das racionalidades. Essa regra afirma que tais f atorescomo, por exemplo, os arranjos territoriais, o númerode pessoas numa rede, as taxas de retorno, as regrasque governam quem pode se comunicar com quem,os padrões temporais de mensagens, a distribuição dainformação assim como as operações para alterar essadistribuição, o número e o lugar dos pontos de trans-formação da informação, as propriedades de regras

de codificações e de línguas, a estabilidade das roti-nas sociais, as propriedades dos arranjos de prestígioe poder, e por aí vai, devem todos ser consideradoscomo determinantes das propriedades racionais dasações governadas pela atitude da vida cotidiana.

Foi o propósito desse artigo recomendar a hipó-tese de que as racionalidades científicas podemser empregadas apenas como ideais ineficazes nasações governadas pelas pressuposições da vida co-

tidiana. As racionalidades científicas não são, nemcaracterísticas estáveis, nem ideais sancionáveisdas rotinas cotidianas, e qualquer tentativa de es-tabilizar essas propriedades ou de obrigar que se-

 jam seguidas na condução das atividades cotidi-anas magnificará o caráter sem sentido do ambientecomportamental de uma pessoa e multiplicará as cara-cterísticas desorganizadas do sistema de interação.

1 Uma definição preferida atualmente é conhecidacomo a regra dos meios empiricamente adequados.As ações de uma pessoa são concebidas pelo pes-quisador como sendo passos na realização de tarefas,cuja realização possível e atual é passível de ser de-cidida empiricamente. A adequação empírica é defi-nida, então, em termos das regras do procedimentocientífico e das propriedades do conhecimento quetais procedimentos produzem.

2 Alfred Schutz, “Te Problem of Rationality in theSocial World,” Economica,  Vol. 10, May, 1953.

3  Behavior   (Princeton, N.J.: Princeton UniversityPress, 1947), p. 79.

 4 O conceito do corpus de conhecimento foi tomadode Felix Kaufmann, Methodology of the Social Scienc-es  (New York: Oxford University Press, 1944), espe-cialmente as p. 33-66.

5 Quando tratada como uma regra para definir cat-egorias descritivas de ação, essa propriedade é con-hecida como a regra da adequação empírica dosmeios.

 6 “Pode” aqui quer dizer: está disponível como umentre um conjunto de alternativas. Não quer dizerque seja provável.

7 Para o teórico sociológico, o “problema da racion-alidade” pode ser tratado como consistindo em cincotarefas: (1) clarificar os vários referentes do termo

Conclusão

Notas

“racionalidade”, o que inclui definir os correlatoscomportamentais dos vários “significados” de racion-alidade como sendo (a) as ações do indivíduo, assimcomo (b) as características “do sistema”; (2) decidirquais designata comportamentais acompanham,com base no fundamento do exame da experiência,e não na escolha de teorias; (3) decidir uma alo-cação dos designata comportamentais entre o statusde definição e o de problema empírico; (4) decidiros fundamentos que justificam qualquer das muitasalocações possíveis que o teórico po de finalmente es-colher fazer; e (5) mostrar as conseqüências de con-

 juntos alternativos de decisões para a teorização e ainvestigação sociológica.

8 Para evitar mal-entendidos, quero enfatizar que onosso interesse aqui é com a atitude da teorizaçãocientífica. A atitude que informa as atividades da in-

 vestigação científica de fato é outra questão inteira-mente diferente.

9 Alfred Schutz, “Te Stranger,” American Journal ofSociology,  Vol. 49, May, 1944; “Te Problem of Ra-tionality in the Social World,” Economica, Vol. 10,May, 1943; “On Multiple Realities,” Philosophy andPhenomenological Re¬search, Vol. 4, June, 1945;Choosing among Projects of Action,” Philosophy andPhenomenological Research, Vol. 12, December, 1951;

“Common Sense and Scientific Interpretation of Hu-man Action,” Philosophy and Phenomenologi¬cal Re-search, Vol. 14, September, 1953.

10 De acordo com o programa, a atitude e o métododa fenomenologia husserliana, Schutz procurou aspressuposições e as características ambientais cor-respondentes pretendidas por elas, que eram invar-iáveis aos conteúdos específicos das ações e de seusobjetos. A lista não é exaustiva. Mais pesquisa deverárevelar outras. Como com qualquer produto de ob-servação, elas têm o status provisional de “serem detal forma até ser demonstrado o contrário”.

11 Schutz, “Te Problem of Rationality in the SocialWorld,” p. 142-143.

12 Considere suas características. Ele nunca negli-gencia uma mensagem; ele extrai de uma mensagemtoda a informação que há nela; ele nomeia as coisasadequadamente e na hora certa; ele nunca esquece;ele guarda e lembra sem distorções; ele nunca age deacordo com um princípio, mas apenas baseia-se emuma avaliação das conseqüências de uma linha deconduta para o problema de maximizar as chances deconseguir o efeito que ele busca.

13 Vilfredo Pareto, Te Mind and Society , ed. Arthur

Livingston (New York: Harcourt Brace & World, Inc.,1935), especialmente Vol. I. Marion J. Levy, Jr., TeStructure of Society  (Princeton, N.J.: Princeton Uni-

 versity Press, 1952).

 14 Kaufmann, op. cit., p. 48-66.

 15 É através da ausência das “racionalidades cientí-ficas” nas ações que constituem as estruturas sociaisrotineiras que a ação racional se torna problemáticanas formas pretendidas pela distinção negligenciadaque Max Weber fez entre a racionalidade formal e a

substantiva.