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Fundação Getúlio Vargas Escola de Administração de Empresas de São Paulo Beatriz Junqueira Kipnis Orientador: Marcus Vinícius Peinado Gomes Co-orientador: Fernando Burgos Pimentel dos Santos Mulheres em situação de vulnerabilidade social: Contextos, Construção Simbólica e Políticas Públicas SÃO PAULO 2015

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Page 1: Fundação Getúlio Vargas Escola de Administração de ......mulheres de áreas agrícolas e se sentiam pouco à vontade para comentar sobre a violência contra mulheres nessas áreas.

Fundaccedilatildeo Getuacutelio Vargas

Escola de Administraccedilatildeo de Empresas de Satildeo Paulo

Beatriz Junqueira Kipnis

Orientador Marcus Viniacutecius Peinado Gomes

Co-orientador Fernando Burgos Pimentel dos Santos

Mulheres em situaccedilatildeo de vulnerabilidade social

Contextos Construccedilatildeo Simboacutelica e Poliacuteticas Puacuteblicas

SAtildeO PAULO

2015

2

Sumaacuterio

1 Introduccedilatildeo 4

2 Referencial Teoacuterico8

21 Poliacuteticas Puacuteblicas 8

211 O que satildeo Poliacuteticas Puacuteblicas

e quais os seus processos 8

212 O que e quem estaacute incluso no

ldquopuacuteblicordquo tratado pelas Poliacuteticas Puacuteblicas 10

213 A produccedilatildeo de conhecimento e

a importacircncia das praacuteticas cotidianas 12

22 Contextos Onde as Poliacuteticas Puacuteblicas acontecem 17

23 Gecircnero Machismo e Violecircncia de Gecircnero 18

3 Metodologia 23

31 Realismo Criacutetico e a Violecircncia de Gecircnero 23

32 Anaacutelise Criacutetica do Discurso 27

33 A emancipaccedilatildeo como chave entre as esferas 32

34 A pesquisa de campo e a coleta de dados 34

4 A Anaacutelise 38

41 As poliacuteticas puacuteblicas de violecircncia de gecircnero no Brasil 38

42 Contextualizaccedilatildeo da Anaacutelise 41

43 Manifestaccedilotildees Discursivas da Estrutura Social 43

44 Elementos Extra-discursivos 52

5 Consideraccedilotildees Finais 64

51Implicaccedilotildees para a Praacutetica 68

52 Limitaccedilotildees da Pesquisa 69

6 Referecircncias Bibliograacuteficas 70

7 Anexos 74

3

Meus sinceros agradecimentos aos meus orientadores

Professores Marcus Vinicius Gomes e Fernando

Burgos pelo conhecimento e amizade passados durante

a pesquisa e por me desafiaram intelectualmente nesse

trabalho Aos meus pais Ana Paula e Andreacute que desde

pequena me mostraram a beleza da pesquisa E ao

Patrick pela matildeo estendida cotidianamente

4

1 Introduccedilatildeo

A violecircncia contra a mulher eacute um problema que atinge o Brasil com nuacutemeros

desastrosos Segundo estudo do Laboratoacuterio de Anaacutelises Econocircmicas Histoacutericas

Sociais e Estatiacutesticas (LAESER 2014) em 2012 houve 103794 mil notificaccedilotildees de

mulheres que sofreram violecircncia domeacutestica sexual dentre outras Entre 2011 e 2012

30607 mulheres sofreram violecircncia sexual dentre as quais 22884 mulheres foram

viacutetimas de estupro (LAESER 2014) o que significa 62 mulheres estupradas por dia

ou 261 mulheres estupradas por hora

Houve mudanccedilas significativas em termos dos aparatos legais disponiacuteveis

para combater a violecircncia de gecircnero e consequentemente um movimento de expansatildeo

de instituiccedilotildees ligadas a esse trabalho como delegacias especializadas e organizaccedilotildees

especiacuteficas para mulheres No entanto nos pareceu que esse avanccedilo ainda natildeo leva

em consideraccedilatildeo uma possiacutevel diferenccedila entre violecircncia de gecircnero em contextos

agriacutecola e urbano

A premissa da pesquisa era que as mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia nessas

regiotildees agriacutecolas ficam mais escondidas ndash ou invisiacuteveis ndash agraves accedilotildees do poder puacuteblico

Tambeacutem parece que outras loacutegicas permeiam esse lugar fazendo com que a situaccedilatildeo

das mulheres viacutetimas da violecircncia seja diferente daquelas que habitam regiotildees mais

urbanizadas e portanto criando praacuteticas diferentes que influenciam e satildeo

influenciadas pelas poliacuteticas puacuteblicas que pretendem abordar o problema Esse

problema estaacute presente nas aacutereas urbana e agraacuteria do Brasil poreacutem a quase totalidade

dos dados produzidos sobre o tema estatildeo concentrados na aacuterea urbana sobretudo

porque natildeo haacute nenhuma coleta de dados especiacutefica para a aacuterea agraacuteria e na coleta

comum esta aacuterea apresenta muita subnotificaccedilatildeo

Corroborando com esta ausecircncia nas poliacuteticas puacuteblicas haacute tambeacutem uma

lacuna na literatura sobre violecircncia contra a mulher no que tange as diferenccedilas entre

violecircncia de gecircnero nos contextos urbano e agriacutecola Aleacutem disso ausecircncia de dados

puacuteblicos sobre a violecircncia de gecircnero no ambiente agriacutecola reforccedilam a ideia da

invisibilidade desta questatildeo Eacute esta aparente tensatildeo que motivou essa pesquisa sobre a

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existecircncia dessas diferenccedilas e se os aparatos estatais levam ou natildeo em conta as

mesmas na hora de elaborar e implementar poliacuteticas puacuteblicas para combater a

violecircncia de gecircnero Dessa maneira a pergunta que orientou esse trabalho eacute os

contextos agriacutecola e urbano influenciam a construccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para

mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia

Por meio de uma anaacutelise criacutetica do discurso analisamos os sentidos sobre

violecircncia contra a mulher e as poliacuteticas puacuteblicas relacionadas a este tema

Constatamos que este problema puacuteblico estaacute em constante negociaccedilatildeo sendo que os

sentidos do que eacute violecircncia de gecircnero quais satildeo suas causas e quais satildeo os caminhos

para combatecirc-la satildeo sentidos construiacutedos e reconstruiacutedos pelos formuladores

implementadores e stakeholders diversos como ONGs e sociedade civil

Nesse sentido substanciando as poliacuteticas puacuteblicas haacute uma negociaccedilatildeo de

sentido sobre a violecircncia contra a mulher O tema entra na agenda nos anos setenta

pelo alto nuacutemero de assassinatos de mulheres e comeccedila a acontecer uma

renegociaccedilatildeo de sentidos quanto agrave violecircncia contra a mulher que antes era vista como

um problema da esfera privada e passa a ser enfrentada como um problema puacuteblico

(BANDEIRA 2014) Jaacute em 1985 as Delegacias Especiais de Atendimento agraves

Mulheres satildeo criadas pela nova negociaccedilatildeo de que esse problema precisava ser

tratado por mulheres E somente em 2005 depois de diversas negociaccedilotildees e

mudanccedilas legais foi criada a Lei Maria da Penha como resultado dessas

ressignificaccedilotildees do problema As mudanccedilas juriacutedicas como a Lei Maria da Penha

estatildeo trazendo mudanccedilas graduais importantes Poreacutem ainda existe uma distancia

entre a lei e os elementos praacuteticos que acabam reproduzindo a estrutura social

machista todavia presente na sociedade brasileira

Apesar do grande avanccedilo na questatildeo a questatildeo rural permanece como um

grande silecircncio sendo que a ausecircncia de dados sobre o contexto rural dificulta a

melhor compreensatildeo destas relaccedilotildees sociais Esta eacute uma limitaccedilatildeo da pesquisa uma

vez que prejudicou uma anaacutelise mais profunda sobre o contexto agriacutecola Assim uma

recomendaccedilatildeo desta pesquisa para a administraccedilatildeo puacuteblica eacute a produccedilatildeo de pesquisas

e dados sobre o tema de forma a subsidiar o debate puacuteblico e a consequente

elaboraccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas

6

Nesse sentido este trabalho busca contribuir iniciando uma discussatildeo acerca

da invisibilidade das mulheres em contextos agriacutecolas e da especificidade das

manifestaccedilotildees do machismo nesse contexto Fica evidente ao longo do trabalho a

necessidade de gerar dados sobre violecircncia de gecircnero nas aacutereas agriacutecolas afim de que

o problema possa ser melhor compreendido e tambeacutem de se aprofundar poliacuteticas

puacuteblicas que atendam essa populaccedilatildeo para que os profissionais da temaacutetica de gecircnero

comecem a entender melhor o problema da violecircncia de gecircnero em aacutereas agriacutecolas

levando a mais e melhores poliacuteticas puacuteblicas para atender a essa populaccedilatildeo

Os achados da pesquisa mostraram que natildeo haacute grande diferenccedila nos elementos

discursivos em relaccedilatildeo aos contextos urbano e agriacutecola poreacutem existe uma diferenccedila

nas manifestaccedilotildees do discurso em accedilatildeo e seus elementos extra-discursivos Com essa

conclusatildeo temos evidecircncias de que a estrutura social do machismo permeia ambos

contextos agriacutecola e urbano poreacutem pode ser manifestado de maneiras distintas

apesar da uniformidades dos discursos de quem trabalha em organizaccedilotildees voltadas

para o combate agrave violecircncia de gecircnero Tal distinccedilatildeo seria suficiente para a existecircncia

de poliacuteticas puacuteblicas distintas jaacute que o machismo se manifesta de maneiras distintas

Para chegar a essas consideraccedilotildees a pesquisa apresenta inicialmente uma revisatildeo da

literatura para delimitar o conceito de poliacuteticas puacuteblicas de quem estamos falando

enquanto ldquopuacuteblicordquo como esse processo de significaccedilatildeo estaacute em negociaccedilatildeo e o

contexto em que ele se insere A seguir haacute uma discussatildeo metodoloacutegica que busca

delimitar o campo ontoloacutegico do trabalho o Realismo Criacutetico e em seguida expor as

diferentes possibilidades epistemoloacutegicas e explicar a escolha da Anaacutelise Criacutetica do

Discurso como maneira de estudar essa ontologia A partir dessa especificaccedilatildeo

traccedilamos os objetivos da pesquisa para entatildeo comeccedilarmos a pesquisa de campo em

Goiaacutes e em Satildeo Paulo A proacutexima etapa consiste na anaacutelise do campo agrave luz da

bibliografia e metodologia levantadas afim de descrever o contexto dos formuladores

e implementadores de poliacuteticas puacuteblicas para combater a violecircncia de gecircnero Nessa

fase da pesquisa como descrevemos na metodologia (seccedilatildeo 3) e nas anaacutelises do

campo (seccedilatildeo 4) descobrimos como na praacutetica a existecircncia de soluccedilotildees reais que

levam em consideraccedilatildeo as diferenccedilas de violecircncia contra a mulher nas zonas agraacuteria e

rural satildeo muito poucas Logo a anaacutelise do discurso inclui ainda reflexotildees sobre essas

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diferenccedilas no entanto a seccedilatildeo que discorre sobre as soluccedilotildees sendo formuladas ou

implementadas se concentra mais nas aacutereas urbanas uma vez que essa foi a realidade

com a qual nos deparamos no campo Por fim encerramos discorrendo sobre os

achados e contribuiccedilotildees desta pesquisa assim como quais satildeo os horizontes para

novas pesquisas sobre o tema

8

2 Referencial Teoacuterico

21Poliacuteticas Puacuteblicas

211 O que satildeo poliacuteticas puacuteblicas e quais os seus processos

Poliacuteticas puacuteblicas podem ser entendido como a soma de accedilotildees e decisotildees que

ocorrem por parte de atores puacuteblicos ndash estatais ou natildeo ndash e natildeo puacuteblicos para resolver

uma situaccedilatildeo definida como um problema coletivo (SUBIRATS et al 2012) Saravia

(2006 P29) define poliacutetica puacuteblica como

()um sistema de decisotildees puacuteblicas que visa a accedilotildees ou omissotildees

preventivas ou corretivas destinadas a manter ou modificar a realidade de

um ou vaacuterios setores da vida social por meio da definiccedilatildeo de objetivos e

estrateacutegias de atuaccedilatildeo e da alocaccedilatildeo de recursos necessaacuterios para atingir os

objetivos estabelecidos

Isso significa que poliacutetica puacuteblica atraveacutes da accedilatildeo ou inaccedilatildeo age com

determinada finalidade e isso ocorre atraveacutes de um processo de definiccedilatildeo de

prioridades Encontramos evidecircncias ao longo da pesquisa de que esta inaccedilatildeo eacute

tambeacutem uma escolha em relaccedilatildeo ao problema da violecircncia de gecircnero em aacutereas

agriacutecolas Os entrevistados em geral tinham tido pouco ou nenhum contato com

mulheres de aacutereas agriacutecolas e se sentiam pouco agrave vontade para comentar sobre a

violecircncia contra mulheres nessas aacutereas Nesse sentido a falta de accedilatildeo foi uma escolha

poliacutetica tambeacutem por decidir natildeo se produzir dados acerca dessa violecircncia ndash como

seraacute demostrado ateacute haacute dois anos natildeo havia nenhuma iniciativa especificamente

direcionada para esse puacuteblico Enfim o impacto disso eacute um ciclo vicioso de falta de

poliacuteticas puacuteblicas gerando falta de dados sobre o problema que criam um discurso de

justificativa para a inaccedilatildeo

Uma poliacutetica puacuteblica passa por algumas etapas importantes que satildeo

sistematizadas em fases mas natildeo ocorrem necessariamente em ordem cronoloacutegica e

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podem ser simultacircneas De acordo com Saravia (2006) essas fases satildeo agenda

elaboraccedilatildeo formulaccedilatildeo implementaccedilatildeo execuccedilatildeo acompanhamento e avaliaccedilatildeo A

agenda eacute a fase em que determinada situaccedilatildeo se transforma em problema puacuteblico

(SARAVIA 2006) ou seja quando o Estado decide realizar alguma decisatildeo puacuteblica

sobre determinado problema seja ela atraveacutes da accedilatildeo ou da omissatildeo A elaboraccedilatildeo eacute

quando satildeo traccediladas as diferentes alternativas de accedilatildeo do Estado frente a esse

problema (SARAVIA 2006) Depois a formulaccedilatildeo eacute quando uma alternativa eacute

escolhida e aprofundada para lidar com o problema (SARAVIA 2006) Em seguida

acontece a implementaccedilatildeo dessa alternativa isto eacute a preparaccedilatildeo em termos de

recursos materiais e humanos para realizar a poliacutetica puacuteblica (SARAVIA 2006) A

execuccedilatildeo por sua vez eacute a accedilatildeo em si a praacutetica do planejamento realizado (SARAVIA

2006) Depois o acompanhamento eacute o monitoramento da poliacutetica puacuteblica enquanto

ela estaacute em fase de execuccedilatildeo para poder fazer alteraccedilotildees se necessaacuterias e corrigir o

rumo de acordo com os objetivos pretendidos (SARAVIA 2006) Por fim a

avaliaccedilatildeo eacute a verificaccedilatildeo do desempenho da poliacutetica puacuteblica depois que ela foi

executada e pode ser medida em termos de eficiecircncia eficaacutecia e efetividade

Eacute importante ressaltar que todas as etapas das poliacuteticas puacuteblicas satildeo

influenciadas pelo discurso uma vez que poliacutetica puacuteblica natildeo eacute o resultado de uma

anaacutelise meramente racional e cientiacutefica e sim influenciada por julgamentos de valor e

significados atribuiacutedos aos problemas puacuteblicos embora a poliacutetica puacuteblica aconteccedila

atraveacutes dessas etapas a poliacutetica se realiza na negociaccedilatildeo dos significados Saravia

(2006) ressalta nesse sentido a importacircncia das instituiccedilotildees no processo das poliacuteticas

puacuteblicas como podemos perceber no trecho

Os estudos de poliacutetica puacuteblica mostram a importacircncia das insituiccedilotildees

estatais tanto como organizaccedilotildees pelas quais os agentes puacuteblicos (eleitos ou

administrativos) perseguem finalidades que natildeo satildeo exclusivamente respostas

a necessidades sociais como tambeacutem configuraccedilotildees e accedilotildees que estruturam

modelam e influenciam os processos econocircmicos com tanto peso como as

classes e os grupos de interesse (SARAVIA 2006 p 37)

10

Ou seja as poliacuteticas puacuteblicas satildeo produzidas dentro de um contexto

organizacional que influencia o desenho e o resultado que se atinge com uma poliacutetica

puacuteblica

212 O que e quem estaacute incluso no ldquopuacuteblicordquo tratado pelas poliacuteticas puacuteblicas

Como vimos na seccedilatildeo anterior existe uma negociaccedilatildeo sobre a definiccedilatildeo o que

satildeo problemas puacuteblicos e decidir a partir da definiccedilatildeo do problema como seratildeo

combatidos Nesse sentido uma das questotildees que vecircm agrave tona na delimitaccedilatildeo do

problema eacute a negociaccedilatildeo do sentido de lsquopuacuteblicorsquo uma vez que este natildeo eacute um conceito

consensual se tratando de um sentido tambeacutem em disputa (FREDERICKSON 1991)

Algumas perspectivas diferentes satildeo possiacuteveis para ressaltar a multiplicidade de

interpretaccedilotildees diferentes do que eacute entendido como puacuteblico De acordo com

Frederickson (1991) as principais perspectivas satildeo pluralista do public choice

legislativa do cliente e cidadatilde

A perspectiva pluralista eacute aquela que entende como puacuteblico a manifestaccedilatildeo da

interaccedilatildeo entre grupos de interesses que disputam o poder poliacutetico

(FREDERICKSON 1991) Esses grupos seriam meras agregaccedilotildees de pessoas com

interesses individuais sendo o interesse de cada grupo a aglomeraccedilatildeo dos interesses

particulares dos participantes Em decorrecircncia da disputa entre grupos de interesse o

interesse puacuteblico seria o grupo que vencesse tal luta Frederickson (1991) ressalta

como risco dessa perspectiva que o interesse puacuteblico resultante da disputa de grupos

de interesse natildeo seja a representaccedilatildeo efetiva tanto dos indiviacuteduos dentro dos grupos

quanto daqueles que natildeo fazem parte de grupos por natildeo serem interessantes

politicamente ou economicamente para tais aglomeraccedilotildees

Por sua vez a perspectiva do public choice manteacutem a ideia pluralista de que

um grupo eacute soacute uma agregaccedilatildeo de pessoas e que portanto o indiviacuteduo faz um caacutelculo

racional para aumentar sua eficiecircncia no setor puacuteblico (FREDERICKSON 1991)

Isso implica em uma visatildeo dos servidores puacuteblicos como maximizadores de interesses

particulares e que natildeo estariam interessados em maximizar o interesse coletivo

Enfim essa visatildeo entende o puacuteblico e o seu interesse como o do maior nuacutemero de

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pessoas sendo utilitarista e consequentemente gerando a exclusatildeo de quem natildeo tem

recursos para fazer a escolha puacuteblica e a desconfianccedila nas motivaccedilotildees dos

governantes

Jaacute a perspectiva legislativa eacute aquela em que os administradores puacuteblicos

operam o que eacute decidido pelo legislativo (FREDERICKSON 1991) Este por sua vez

seria a arena de representaccedilatildeo legiacutetima do interesse puacuteblico O autor

(FREDERICKSON 1991) ressalta entretanto que na praacutetica as leis satildeo ambiacuteguas e

permitem interpretaccedilotildees diferentes por parte dos administradores puacuteblicos Aleacutem

disso haacute um conflito de forccedila em relaccedilatildeo ao que eacute exigido pelo executivo que os

administradores puacuteblicos executem em detrimento do legislativo No mais haacute outro

dilema nessa concepccedilatildeo porque representaccedilatildeo natildeo eacute algo que se encerra no

legislativo havendo outras arenas representativas como os grupos de interesse

anteriormente citados

Outra visatildeo possiacutevel eacute de puacuteblico como cliente em que os indiviacuteduos satildeo

consumidores dos serviccedilos puacuteblicos Isso implica no contato direto entre clientes e

burocratas de niacutevel de rua o que leva ao impasse de que os burocratas precisam

colocar as necessidades dos clientes como mais importantes e ao mesmo tempo

precisam ser imparciais impessoais (FREDERICKSON 1991) Aleacutem disso falta

verba para que a qualidade e quantidade dos serviccedilos puacuteblicos oferecidos atendam agraves

demandas dos clientes De acordo com Frederickson (1991) essa perspectiva seria

fraca porque clientes natildeo conseguem funcionar como puacuteblico isto eacute cada indiviacuteduo

agindo como cliente natildeo se articula enquanto grupos para defender seus interesse e os

burocratas podem se organizar enquanto grupo de interesse e conseguir suplantar os

clientes

Por fim podemos enxergar o puacuteblico como cidadatildeo o que significa que o

puacuteblico tem interesse proacuteprio e coletivo (FREDERICKSON 1991) Essa visatildeo

implica no papel da Administraccedilatildeo Puacuteblica de colocar em praacutetica os valores definidos

por uma constituiccedilatildeo No entanto essa perspectiva natildeo enxerga o legislativo como

arena de representaccedilatildeo final dos interesses puacuteblicos sendo que todos satildeo cidadatildeos e

devem ser contemplados pela administraccedilatildeo puacuteblica sendo ou natildeo minorias Entatildeo

faria parte do dever da administraccedilatildeo puacuteblica criar um arcabouccedilo institucional

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possibilitador de participaccedilatildeo direta dos cidadatildeos e tambeacutem advogar pelos direitos de

minorias sem poder representativo A Administraccedilatildeo Puacuteblica tambeacutem deve nessa

perspectiva desenvolver e manter sistemas capazes de captar e responder os puacuteblicos

coletivos ou natildeo tendo em vista sempre o interesse do coletivo maior sem ferir os

direitos das minorias (FREDERICKSON 1991)

No mais a perspectiva do puacuteblico como cidadatildeo exige um entendimento da

cidadania de ambos os lados isto eacute a administraccedilatildeo puacuteblica deve enxergar o puacuteblico

como cidadatildeos mas os cidadatildeos precisam agir como tais Isso exigiria segundo

Frederickson (1991) o entendimento pelos cidadatildeos da constituiccedilatildeo e portanto dos

valores defendidos pela mesma e tambeacutem a capacidade de raciocinar moralmente

compatibilizando interesses particulares e coletivos tendo como medida o documento

constitucional Aleacutem disso seria essencial a crenccedila dos cidadatildeos em direitos

ldquonaturaisrdquo e natildeo na ideia de que a maioria teria poder legiacutetimo mas que todos tecircm

que ter esses direitos miacutenimos garantidos sendo ou natildeo parte da maioria

(FREDERICKSON 1991)

A reflexatildeo de Frederickson (1991) vai aleacutem de uma categorizaccedilatildeo sobre os

diferentes significados de puacuteblicos construiacutedos pela interaccedilatildeo do Estado e seus

cidadatildeos ao contraacuterio ressalta que a visatildeo sobre o que eacute lsquopuacuteblicorsquo natildeo eacute definido a

priori no ciclo de poliacuteticas puacuteblicas ao contraacuterio eacute negociada neste processo Neste

sentido a pluralidade normativa da visatildeo de lsquopuacuteblicorsquo faz parte da estrateacutegia

organizacional de determinado oacutergatildeo da Administraccedilatildeo Puacuteblica Isso porque as

praacuteticas cotidianas da organizaccedilatildeo transparecem determinado tratamento de puacuteblico e

acabam resultando em uma estrateacutegia organizacional que produz uma poliacutetica puacuteblica

com determinado vieacutes para o que eacute considerado puacuteblico

213 A produccedilatildeo de conhecimento e a importacircncia das praacuteticas cotidianas

Continuando esse o argumento da disputa de significados o conhecimento

tambeacutem eacute uma construccedilatildeo social e como tal estaacute sujeito a poderes em conflito e

mudanccedilas As poliacuteticas puacuteblicas satildeo influenciadas por essa construccedilatildeo social do

conhecimento uma vez que as situaccedilotildees dependem de uma significaccedilatildeo social para

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serem consideradas como problemas puacuteblicos e portanto entrarem na agenda de

governo Nesse sentido o que eacute considerado como conhecimento vaacutelido faz parte de

uma ideia que a sociedade tem do que eacute legitimamente visto como conhecimento ou

natildeo e isso varia de acordo com tempo e lugar (SPINK 2001) Desde o berccedilo as

universidades satildeo um local onde essa tensatildeo entre conhecimento legitimado ou natildeo

persiste no cotidiano e satildeo espaccedilos em que a luta pelo reconhecimento da

heterogeneidade de conhecimentos muitas vezes fica em um segundo plano vis-agrave-vis

o conhecimento produzido pela proacutepria academia e desvinculado muitas vezes da

realidade cotidiana do objeto estudado (SPINK 2001)

Essa dicotomia entre produccedilatildeo de conhecimento nas universidades e na

praacutetica reduziu apenas recentemente sobretudo pela forccedila dos movimentos sociais

Eles mostraram que a sociedade civil produz conhecimentos relevantes para se

organizar e enfrentar os seus problemas do dia-a-dia sem necessariamente estarem

ligados ao conhecimento hegemocircnico do meio acadecircmico (SPINK 2001) Cresceu a

partir de entatildeo a noccedilatildeo de multiplicidade de conhecimentos e a importacircncia da

universidade reconhecer a importacircncia e estudar esses conhecimentos produzidos na

praacutetica

A construccedilatildeo desse leque de conhecimentos segundo Spink (2001) se daacute

sobretudo pela praacutetica vivida pelos grupos sociais na resoluccedilatildeo de problemas

enfrentados no cotidiano e que natildeo foram solucionados por organizaccedilotildees externas

Assim cada lugar eacute constituiacutedo de um contexto proacuteprio que tanto possibilita quanto

compele a produccedilatildeo de determinados conhecimentos

Dentro desses contextos uacutenicos de produccedilatildeo de conhecimento existem as

praacuteticas do cotidiano que fazem as organizaccedilotildees se construiacuterem enquanto tais e satildeo

tambeacutem por elas influenciadas As poliacuteticas puacuteblicas satildeo produzidas por organizaccedilotildees

e seus arranjos entre si ou seja satildeo influenciadas pelos contextos e praacuteticas do

mesmo Essas praacuteticas satildeo definidas por Schatzki (2007) como o conjunto de accedilotildees

estruturadas por uma organizaccedilatildeo Nessa visatildeo natildeo eacute a estrutura organizacional que

molda completamente as accedilotildees de seus constituintes mas uma relaccedilatildeo dialeacutetica em

que estruturas sociais e atores se influenciam mutuamente para formar as praacuteticas

desenvolvidas rotineiramente em uma organizaccedilatildeo As praacuteticas incluem segundo o

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autor quatro fenocircmenos principais

(1) understandings of (complexes of know-hows regarding) the actions

constituting the practice for example knowing how to email and to recognize

emailing and knowing how to deliver and recognize lectures (2) rules by

which I mean explicit directives admonishments or instructions that

participants in the practice observe or disregard (3) something I call a

teleological-affective structuring which encompasses a range of ends

projects actions maybe emotions and end-project-action combinations

(teleological orderings) that are acceptable for or enjoined of participants to

pursue and realize and (4) general understandings for example general

understandings about the nature of work about proper teacherndashstudent

interactions or about the commonality of fate (SCHATZKI 2007)

As praacuteticas podem portanto ser definidas como participantes ativas da

estrateacutegia organizacional A estrateacutegia enquanto praacutetica eacute um conceito que faz a

conexatildeo entre a caracteriacutestica ativa e dialeacutetica das praacuteticas cotidianas e a proacutepria

formulaccedilatildeo de estrateacutegias dentro de uma organizaccedilatildeo Esse conceito estaacute ligado a uma

visatildeo construtivista das estrateacutegias dentro de uma organizaccedilatildeo isto eacute as estrateacutegias

natildeo satildeo estaacuteveis ao longo do tempo passam por um processo de definiccedilatildeo e

redefiniccedilatildeo conforme ganham ou perdem legitimaccedilatildeo interna e externa ao ambiente

organizacional (SOUZA 2009)

Nesse sentido as estrateacutegias de uma organizaccedilatildeo podem mudar ou

permanecer ao longo do tempo de acordo com a relaccedilatildeo dupla entre agentes e

estrutura esta sendo composta de recursos disponiacuteveis normas e regras presentes e

entendimento compartilhado (SOUZA 2009) Os recursos disponiacuteveis podem ser

materiais como o ambiente fiacutesico de uma organizaccedilatildeo ou imateriais como a

capacitaccedilatildeo para exercer uma atividade dentro da mesma Esses recursos satildeo objeto

de uma luta permanente porque satildeo eles que possibilitam a dominaccedilatildeo de uma

estrateacutegia ou seja quem deteacutem mais recursos acaba tendo mais poder na hora de

defender sua posiccedilatildeo vis-agrave-vis uma estrateacutegia organizacional (SOUZA 2009) As

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normas e as regras podem ser formais como o estatuto de uma associaccedilatildeo que prevecirc

condutas permitidas eou exigidas para a participaccedilatildeo ou informais construiacutedas e

aceitas no cotidiano sem que sejam transcritas como o tipo de comportamento

considerado adequado dentro de determinada organizaccedilatildeo Satildeo as normas e regras

que constituem a legitimaccedilatildeo ou natildeo de estrateacutegias isto eacute elas permitem ou natildeo a

aceitaccedilatildeo de uma estrateacutegia em detrimento do que eacute aceito formal e informalmente no

ambiente organizacional (SOUZA 2009) Aleacutem disso haacute um entendimento

compartilhado em uma organizaccedilatildeo que significa as estrateacutegias isto eacute traduz

subjetivamente a estrateacutegia para uma dimensatildeo simboacutelica que eacute compreensiacutevel para a

realidade de seus agentes

Isso significa que formular e implementar estrateacutegias dentro de uma

organizaccedilatildeo satildeo processos inseridos dentro de um contexto permeado por

significaccedilotildees dominaccedilotildees e legitimaccedilotildees de discursos no cotidiano dos agentes e

portanto haacute uma tensatildeo constante e um diaacutelogo entre processos e contexto em que o

mesmo influencia e eacute influenciado pelos processos de definiccedilatildeoredefiniccedilatildeo de

estrateacutegia (SOUZA 2009) Assim podemos dizer que as organizaccedilotildees natildeo produzem

estrateacutegias no vaacutecuo jaacute que as praacuteticas que as constituem soacute satildeo significadas quando

satildeo ativadas pelos agentes e possibilitadas pelo contexto interno e externo agrave

organizaccedilatildeo tornando o contexto um elemento essencial para estudar as estrateacutegias

em organizaccedilotildees

Dessa forma poliacuteticas puacuteblicas podem ser entendidas como uma estrateacutegia

constantemente definida e redefinida em funccedilatildeo das negociaccedilotildees sobre os sentidos

dos problemas puacuteblicos A estrutura organizacional se torna entatildeo natildeo apenas

relevante para a determinaccedilatildeo da capacidade material de resoluccedilatildeo de um problema

social mas tambeacutem delimita um lugar simboacutelico sobre as possibilidades de accedilatildeo para

enfrentaacute-lo

22 Contextos onde as poliacuteticas puacuteblicas acontecem

No acircmbito dessa pesquisa pretendemos nos focar em principalmente dois

contextos diferentes que permeiam o processo de formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de

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poliacuteticas puacuteblicas enquanto estrateacutegias de organizaccedilotildees da Administraccedilatildeo Puacuteblica

Podemos falar nos lugares e na diferenciaccedilatildeo entre contextos urbano e agriacutecola como

fator que influencia e eacute influenciado pelo ciclo de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em

situaccedilatildeo de violecircncia

Os contextos impactam nas praacuteticas e arranjos materiais disponiacuteveis em

determinado lugar (SPINK 2001) O lugar eacute onde ocorre a troca entre contexto

praacuteticas e arranjos como contextos agriacutecola e urbano estruturas organizacionais e

negociaccedilatildeo de sentidos e estrateacutegias para lidar com problemas puacuteblicos De acordo

com Milton Santos (2001) os lugares satildeo espaccedilos esquizofrecircnicos porque satildeo onde se

verificam os vetores da globalizaccedilatildeo e tambeacutem da contraordem O papel do lugar eacute

natildeo soacute onde se vive mas um lsquoespaccedilo vividorsquo em que satildeo reproduzidas eou

reavaliadas processos do passado e onde se projeta o futuro (SANTOS 2001) Nesses

lugares ocorrem os embates entre soluccedilotildees imediatistas e visotildees finaliacutesticas

conjuntura e estrutura (SANTOS 2001)

A ideia de lugar compreende a importacircncia dos processos construiacutedos e que

constroem um contexto Schatzki (2005) em sua teoria sobre como satildeo construiacutedos

os fenocircmenos sociais afirma que estes estatildeo ligados aos lugares

Sites however are a particularly interesting sort of context What

makes them interesting is that context and contextualized entity constitute one

another what the entity or event is is tied to the context just as the nature and

identity of the context is tied to the entity or event (among others)(p 468)

Essa definiccedilatildeo eacute entatildeo especificada ao social em que o lugar ldquodo social eacute

composto de nexos de praacuteticas e arranjos materiaisrdquo (SCHATZKI 2005 p471) As

praacuteticas seriam as atividades humanas e os arranjos materiais incluem as pessoas os

artefatos outros organismos e coisas

Os fenocircmenos sociais fazem parte das teias formadas dentro dos lugares e da

relaccedilatildeo entre eles sendo ao mesmo tempo produto e alimento desses lugares As

organizaccedilotildees de acordo com o autor (SCHATZKI 2005) seriam um desses

fenocircmenos sociais Fazendo parte dessa teia as organizaccedilotildees satildeo constituiacutedas por

praacuteticas sobreviventes previamente de outras organizaccedilotildees (vindas com as

17

experiecircncias passadas dos indiviacuteduos que a constituem) e uma mistura de praacuteticas do

presente que satildeo alteradas ou natildeo para materializar a razatildeo de existecircncia da

organizaccedilatildeo e arranjos materiais velhos e novos (SCHATZKI 2005 p476) Schatzki

(2005) ressalta que trecircs pontos satildeo essenciais para compreender uma organizaccedilatildeo

identificar as accedilotildees que a compotildeem identificar o conjunto de praacuteticas e arranjos

materiais em que as accedilotildees estatildeo inseridas identificar as outras teias de conjuntos de

praacuteticas e arranjos que se ligam agrave teia que compotildee a organizaccedilatildeo

Podemos clarificar ainda mais a ideia de lugares com a contribuiccedilatildeo de Spink

(2001) que define lugar como ldquoponto de partida para refletir sobre a organizaccedilatildeo

porque permite um olhar a partir de um enraizamento na processualidade do cotidiano

e fora dos muros das organizaccedilotildeesrdquo (SPINK 2001 p18) Esse termo tambeacutem foca

nos processos construiacutedos pelos indiviacuteduos suas relaccedilotildees e o contexto nos quais

participam e as organizaccedilotildees como parte desses processos em que haacute tensotildees e natildeo

como uma entidade que existe sem a accedilatildeo de pessoas Aleacutem disso Spink (2001)

ressalta a importacircncia da construccedilatildeo social dos sentidos que damos agraves accedilotildees e

materialidades que compotildeem o cotidiano o que dialoga com a ideia de Schatzki

(2005) de como compreender as accedilotildees dos indiviacuteduos

Assim pretendemos compreender as regiotildees agriacutecola e urbana como lugar

que satildeo indissociaacuteveis daquilo que os constituem (Spink 2001 SCHATZKI 2005)

enquanto praacuteticas e arranjos constitucionais observaacuteveis materialmente a partir de

organizaccedilotildees puacuteblicas O estudo das organizaccedilotildees que formulam e implementam

essas poliacuteticas puacuteblicas eacute importante para entender quais os conjuntos de praacuteticas e

arranjos materiais que formam o contexto das poliacuteticas puacuteblicas em questatildeo e se

existem ligaccedilotildees e sobreposiccedilotildees entre praacuteticas eou arranjos materiais dessas

organizaccedilotildees

221 Cidades Urbanas e Agriacutecolas

Precisamos entatildeo definir o que satildeo regiotildees agriacutecolas e regiotildees urbanas como

lugar no qual as poliacuteticas puacuteblicas estatildeo inseridas Santos (1996) trouxe essa nova

tipologia de cidades agriacutecolas e urbanas porque as mudanccedilas econocircmicas impactaram

18

a organizaccedilatildeo do espaccedilo geograacutefico de tal forma que as atividades urbanas e rurais

existem em todas as regiotildees Assim natildeo haacute mais uma separaccedilatildeo em aacutereas rurais e

urbanas de acordo com distinccedilatildeo econocircmica sendo que o novo ldquocriteacuterio de distinccedilatildeo

seria devido muito mais ao tipo de relaccedilotildees realizadas sobre os respectivos

subespaccedilosrdquo (SANTOS 1996 p 67)

Segundo ele ldquonas regiotildees agriacutecolas eacute o campo que sobretudo comanda a

vida econocircmica e social do sistema urbano enquanto nas regiotildees urbanas satildeo as

atividades secundaacuterias e terciaacuterias que tecircm esse papelrdquo (SANTOS 1996 p 68)

Apesar dessa predominacircncia que permite a distinccedilatildeo existem nos dois tipos de

regiotildees cidades e zonas de atividade rural mas nas regiotildees agriacutecolas a cidade existe

para suprir as necessidades do campo e das pessoas que o habitam enquanto nas

regiotildees urbanas as zonas de atividade rural existem para suprir as necessidades das

cidades e as pessoas que a habitam (SANTOS 1996) Assim essa tipologia eacute

importante para definir os contextos das poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo

de violecircncia jaacute que loacutegicas diferentes as constituem apontando praacuteticas e arranjos

materiais tambeacutem diversos

23 Gecircnero Machismo e Violecircncia de Gecircnero

As discussotildees sobre gecircnero na academia tecircm sido concentradas em uma

perspectiva discursiva que distingue completamente sexo de gecircnero colocando o

primeiro como parte de uma esfera bioloacutegica e o segundo como uma construccedilatildeo

social desvinculada da primeira (CAROLAN 2005) Nesse sentido Carolan (2005)

aponta um risco de gerar um reducionismo ao julgar gecircnero apenas como uma

construccedilatildeo social sem levar em consideraccedilatildeo os elementos extra-discursivos que

dialeticamente significam e ressignificam os papeis de gecircnero Segundo Carolan

(2005 p5)

Sociology has been correct to take care so as to not legitimate

ideologically-driven biological determinism and the socio-political

ramifications that accompany such proclamations My concern however is

19

that this apprehension toward determinism has become too one-sided With

all of our handringing about the dangers of ldquobringing nature back inrdquo to

sociological analyses due to its deterministic undertones we remain

incorrigibly blind to the other side of the coin to the appalling prospects of

an equally dangerous cagemdashcultural determinism In our rush to condemn the

fixed-biological we often (mistakenly) overly prescribe mutability and fluidity

to the socio-cultural We must thus stay vigilant to all prescriptions of

determinismmdashbiological and otherwisemdashwhile concomitantly remaining open

to the multidirectional causal potentials that constitute a stratified rooted

and emergent reality

Dessa forma eacute importante levar em conta tanto os niacuteveis discursivos quanto

extra-discursivos da construccedilatildeo de gecircnero dentro de uma estrutura social que dialoga

com esses elementos Assim os elementos extra-discursivos podem ser tanto

bioloacutegicos como apontados no trecho acima mas podem ser tambeacutem outras

materialidades que podem ser causa e efeito ao mesmo tempo da construccedilatildeo social

dos papeis de gecircnero como a desigual inserccedilatildeo no mercado de trabalho e os salaacuterios

desiguais para as mesmas posiccedilotildees Por exemplo se as mulheres tecircm menor inserccedilatildeo

no mercado de trabalho isso eacute fruto de uma construccedilatildeo social dos papeis de gecircnero

mas tambeacutem reforccedila os mesmos papeis em um jogo dialeacutetico porque as mulheres

ficam em uma posiccedilatildeo pouco empoderada acerca de como decidir a alocaccedilatildeo dos

recursos em casa e mais vulneraacuteveis para conseguir materialmente sair de casos de

violecircncia

Nesse contexto o machismo pode ser entendido como uma estrutura social

subjetiva construiacuteda a partir da existecircncia de gecircnero como uma classificaccedilatildeo criada

socialmente mas que alimenta e eacute alimentada por materialidades extra-discursivas O

machismo se configura entatildeo como algo abstrato que natildeo pode ser visto

materialmente Como coloca Sayer (1998 p 159-160)

()unobservable natural forces as well as structures of a language or

tules of a game can be and frequently are described and known Thus while

20

the unobservable wind can be known to be responsible for the flying hat or the

swirling leaves the rules of grammar facilitating the speech acts of some

group or the secret code used by children to send messages to each other

may each be quite unproblematically retroducible andor describable By

demonstrating the empirical adequacy of theories of gravitational and

magnetic fields social rules and relations structures of languages and so

forth these items can be known whether or not they can be directly observed

O machismo pode ser considerado como um item abstrato conforme

apresentado por Sayer (1998) que podem ser conhecidos mesmo que natildeo possam ser

observados diretamente Para fazer isso devemos tentar acessar a estrutura social

pelas suas manifestaccedilotildees tanto discursivas quanto extra-discursivas Especificamente

sobre as relaccedilotildees de gecircnero Sayer discorre sobre como podemos observaacute-la na

praacutetica (SAYER 1998 p160)

Even a single maintained hypothesis can be continually assessed by

examining the range of phenomena it bears upon In other words the

empirical adequacy of any hypothesis can be progressively checked-out by

deducing such implications as follow with regard to any domain for which

such implications hold and can in practice be observed Where it is argued

for example that gender relations in many societies are such that mechanisms

are reproduced which serve to discriminate against women in favout of men

this assessment can be checked out against detectable patterns occurring in

for example factories homes schools and universities and any other place

where the mechanism will conceivably reveal its effects

Podemos entatildeo acessar a estrutura social machista sobretudo atraveacutes de pelo

menos dois tipos de manifestaccedilotildees materiais ou seja as diferenccedilas objetivas como a

distribuiccedilatildeo de recursos e bens e subjetivas como se daacute a percepccedilatildeo da sociedade

sobre os papeis de gecircnero (GOMES 2014a) Corroborando Lorente (2015) tambeacutem

apresenta o machismo como uma estrutura social

21

Inequality is a construction based on the male design of society and

developed to determine the relationships within it It is neither an error nor an

uncontrolled drift It is a decision to establish a structure of power that

provides benefits and privileges to those in a superior position men and

denies rights and opportunities to those in an inferior position women

Violence against Women (VAW) is an instrument to maintain this structure

part of the tools to guarantee that it works () Violence against women is

different from other forms of violence due to its motivations goals

circumstances and meaning It is the only violence supported by social and

cultural ideas and the only one that is accepted and justified by part of

society (LORENTE 2015)

A violecircncia de gecircnero surge entatildeo como uma manifestaccedilatildeo dessa estrutura

social machista com implicaccedilotildees objetivas e subjetivas A violecircncia fiacutesica e

patrimonial podem ser entendidas como uma manifestaccedilatildeo material da estrutura

social enquanto outras violecircncias como a psicoloacutegica satildeo mais subjetivas e ligadas ao

asseacutedio moral (TRERJ 2013) uma forma de apreciaccedilatildeo negativa mais ligada ao

discurso poreacutem com implicaccedilotildees objetivas fortes como a proibiccedilatildeo da mulher de sair

de casa e trabalhar ou o desenvolvimento de doenccedilas psicoemocionais como

depressatildeo Aleacutem disso a violecircncia de gecircnero de todos os tipos estaacute permeada por

manifestaccedilotildees objetivas e subjetivas objetivas na vulnerabilidade em termos de

recursos materiais das mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia e subjetivas na exposiccedilatildeo agrave

apreciaccedilatildeo da famiacutelia da comunidade e das instituiccedilotildees puacuteblicas para atender a essas

mulheres que muitas vezes reproduzem papeis tradicionais de gecircnero ligados agrave

estrutura social machista

Afim de compreendermos a estrutura social machista nos diferentes contextos

agriacutecola e urbano vamos nos apoiar metodologicamente no Realismo Criacutetico sobre a

qual nos debruccedilaremos na seccedilatildeo a seguir Esta metodologia nos permite acessar

aspectos da estrutura social atraveacutes de suas manifestaccedilotildees Assim poderemos

compreender melhor as dialeacuteticas entre estrutura social manifestaccedilotildees discursivas e

22

manifestaccedilotildees extra-discursivas e do discurso em accedilatildeo Dessa maneira pretendemos

informar a accedilatildeo do Estado para combater essa estrutura social machista sobretudo a

sua manifestaccedilatildeo enquanto violecircncia de gecircnero

23

3 Metodologia

A partir da revisatildeo da literatura entendemos que as poliacuteticas puacuteblicas e suas

estrateacutegias satildeo definidas e redefinidas em um processo de embate entre discursos e

significaccedilotildees Este processo estaacute inserido em um lugar que influencia e eacute influenciado

pela negociaccedilatildeo de sentidos Especialmente no que diz respeito agrave violecircncia contra a

mulher estamos examinando para uma estrutura social machista e procurando

entender como os contextos influenciam a formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de poliacuteticas

puacuteblicas para aacutereas agriacutecolas e urbanas de acordo com as diferentes manifestaccedilotildees da

estrutura social nesses contextos Desta forma a pergunta de pesquisa que surge para

este trabalho eacute A estrutura social do machismo se manifesta da mesma maneira

nos contextos agriacutecola e urbano

Dela decorrem os seguintes objetivos secundaacuterios

a) Haacute ou natildeo diferenccedilas na manifestaccedilatildeo do machismo especificamente em

termos de violecircncia de gecircnero nas zonas urbana e agraacuteria

b) Como essas manifestaccedilotildees do machismo satildeo impactadas e impactam a

formulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia

Conforme discutiremos mais adiante nesse capiacutetulo e na seccedilatildeo 4 de anaacutelise

dos dados encontramos poucas evidecircncias de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em

situaccedilatildeo de violecircncia nas aacutereas agraacuterias de Goiaacutes e Satildeo Paulo Entretanto este

silecircncio eacute um interessante achado de pesquisa pois foi possiacutevel compreender como a

ausecircncia dessas poliacuteticas impacta a vida das mulheres desse contexto Esta anaacutelise

fica mais evidente quando debruccedilamos sobre as poliacuteticas puacuteblicas disponiacuteveis para as

mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia em aacutereas urbanas e que ainda assim natildeo tecircm seus

direitos garantidos como iremos perceber na anaacutelise das entrevistas

31 Realismo Criacutetico e a violecircncia de gecircnero

Escolhemos e o Realismo Criacutetico como ontologia ou seja como teoria do

conhecimento cientiacutefico porque acreditamos que ele nos ajudaraacute a compreender

24

melhor como os contextos agraacuterio e urbano influenciam e satildeo influenciados na

formulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas mas tambeacutem por uma questatildeo normativa

Acreditamos na perspectiva ontoloacutegica do realismo criacutetico de que os seres humanos

satildeo agentes com capacidade accedilatildeo sobre a realidade e que tambeacutem satildeo produtores de

significados e tambeacutem na necessidade natildeo soacute de explicar o mundo mas de modificaacute-

lo

No entanto acrescenta-se agrave nossa existecircncia dialeacutetica enquanto seres humanos

com o mundo a noccedilatildeo de que este existe independentemente da nossa apreensatildeo

semioacutetica ou natildeo dele sendo este o principal ponto de divergecircncia do criacutetico realismo

em relaccedilatildeo ao construtivismo (BHASKAR 2012 FAIRCLOUGH 2010 GOMES

2014b) Isto significa que a estrutura social eacute composta de loacutegicas agraves quais damos

sentidos e tambeacutem loacutegicas que natildeo apreendemos e interpretamos estando latentes

para essa interpretaccedilatildeo mas ainda assim influenciando e sendo influenciadas por

nossa accedilatildeo no mundo

O realismo criacutetico tambeacutem se enquadra nas nossas perspectivas de pesquisa

porque ele apresenta uma ontologia estratificada como uma estrateacutegia para evitar o

tradeoff entre agentes e estrutura (BHASKAR 2012) Isso porque o realismo criacutetico

coloca trecircs niacuteveis da vida social o real o atual e o empiacuterico que interagem entre si

dialeticamente (BHASKAR 2012) desde modo natildeo estamos lidando com uma

situaccedilatildeo em que a estrutura social define tudo nem que os agentes definem tudo

ambos satildeo relevantes e se influenciam mutuamente

Para melhor entendermos essas esferas vamos defini-las O real consiste na

esfera abstrata das estruturas sociais ou naturezas (FAIRCLOUGH 2010 GOMES

2014b) Esses integrantes do plano real satildeo objetos latentes ou seja que tecircm um

potencial Isso reforccedila a ideia de que mesmo estruturas semioacuteticas existem antes dos

atores (FAIRCLOUGH 2010 GOMES 2014b BHASKAR 2012) A esfera do atual

eacute permeada pelas praacuteticas sociais ou seja o que acontece quando elementos do

mundo real satildeo ativados e produzem transformaccedilotildees ou reproduccedilotildees

(FAIRCLOUGH 2010 GOMES 2014b) Esse plano atual eacute o que faz a mediaccedilatildeo

entre o plano real e o plano empiacuterico que por sua vez consiste nos eventos sociais e

accedilotildees Ou seja o empiacuterico eacute uma parte dos outros planos que eacute experimentado

25

efetivamente por agentes (FAIRCLOUGH 2010)

Eacute importante ressaltar que o processo causal colocado pelo realismo criacutetico

natildeo eacute o mesmo que o positivismo empiacuterico defende isto eacute a identificaccedilatildeo de

regularidades entre causa e efeito Na verdade o processo causal seria o estudo do

que ativa os poderes latentes do real para produzir mudanccedila (FAIRCLOUGH 2010

BHASKAR 2012) Aleacutem disso quando e se esses poderes satildeo ativados os efeitos

dessa ativaccedilatildeo varia de acordo com o tempo e espaccedilo (FAIRCLOUGH 2010

GOMES 2014b)

Uma ontologia baseada no Realismo Criacutetico ressalta a importacircncia dos

discursos e tambeacutem eacute uma abordagem que busca natildeo soacute entender a realidade mas

modificaacute-la como abordamos anteriormente Mas quais as implicaccedilotildees para a anaacutelise

das poliacuteticas puacuteblicas

O processo das poliacuteticas puacuteblicas sobre o qual discorremos anteriormente eacute

perpassado em todas as etapas pelos discursos dos atores envolvidos tanto interna

quanto externamente ao processo Aleacutem disso as poliacuteticas puacuteblicas satildeo um meio de

mudar a realidade como proposto pelo Realismo Criacutetico

Como vimos a violecircncia de gecircnero eacute um termo que passou por diferentes

significaccedilotildees ao longo do tempo e diferentes atores envolvidos Por exemplo antes

era visto pela sociedade e apreendida pelo Estado como uma situaccedilatildeo da esfera

privada e se restringia agrave violecircncia fiacutesica e hoje em dia passou a ser visto pelo Estado

como um problema puacuteblico considerando diferentes formas de violecircncia contra a

mulher No primeiro periacuteodo o movimento feminista brasileiro natildeo era detentor do

discurso dominante e lutava para conseguir visibilidade ao tema isto eacute para que

fosse considerado como um problema puacuteblico Ou seja as poliacuteticas puacuteblicas satildeo o

resultado do conflito entre discursos de diferentes atores e a significaccedilatildeo dada agraves

situaccedilotildees muda conforme o resultado desse conflito

Aleacutem disso podemos situar nosso referencial teoacuterico em termos da

estratificaccedilatildeo do Realismo Criacutetico A esfera do real no tema em questatildeo eacute permeada

pelas relaccedilotildees desiguais de poder entre gecircneros A esfera real pode ser acessada por

suas manifestaccedilotildees na esferas atual e empiacuterica

Na esfera do atual podemos pensar nas praacuteticas sociais que transformaram

26

uma situaccedilatildeo no caso a violecircncia contra as mulheres em problema puacuteblico passiacutevel

de intervenccedilatildeo via poliacuteticas puacuteblicas voltadas para lidar com a violecircncia de gecircnero

atraveacutes da sua inclusatildeo na agenda puacuteblica Isso pode ser visto pela dificuldade de se

tratar a violecircncia de gecircnero atraveacutes das instacircncias legais e juriacutedicas usuais Isto eacute

essas instacircncias tradicionais estavam permeadas por uma loacutegica machista que

precisava ser formalmente desfeita para poder comeccedilar a se abordar a questatildeo a partir

de outra perspectiva A violecircncia de gecircnero ter sido vista como uma questatildeo da esfera

domeacutestica e portanto privada tambeacutem faz parte desse machismo da esfera real que

precisou do aparato legal para caracterizaacute-la enquanto problema da esfera puacuteblica

Nesse sentido entra a importacircncia dos contextos urbano e agriacutecola dos territoacuterios

como elementos influenciadores e influenciados pelas poliacuteticas puacuteblicas para

mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia fornecendo um contexto sobre o qual os discursos

satildeo construiacutedos Certamente estes natildeo satildeo os uacutenicos lugares que influenciam os

discursos sobre a violecircncia de gecircnero e consequentemente as estrateacutegias para

combatecirc-lo (ie as poliacuteticas puacuteblicas)

Por fim a esfera do empiacuterico consiste no discurso em accedilatildeo por meio das

poliacuteticas puacuteblicas Um exemplo foi o conturbado processo de aprovaccedilatildeo da LMP

(MACIEL 2011) e tambeacutem as tentativas de provar sua inconstitucionalidade que

teve que ir ao STF pela AGU (MACIEL 2011) para conseguir ser aprovado

Tambeacutem a atual dificuldade de conseguir a aceitaccedilatildeo e implementaccedilatildeo da LMP por

parte dos operadores juriacutedicos (MACIEL 2011) demonstra a penetraccedilatildeo do

machismo em nossa sociedade Como podemos ver pelo retrato das questotildees

anteriormente citadas ainda estamos lidando basicamente com violecircncia sexual

apesar da tipificaccedilatildeo abranger outros tipos de violecircncia como as psicoloacutegicas e

morais que ainda ocorrem cotidianamente e satildeo naturalizadas denunciando a forccedila

do machismo na esfera do real Enfim essa uacuteltima esfera assim como as demais e a

relaccedilatildeo entre elas poderatildeo ser melhor retratadas quando partirmos a anaacutelise da

pesquisa de campo em que teremos contato com os agentes

De acordo com o realismo criacutetico podemos pensar em problemas a partir de trecircs

domiacutenios o real o atual e o empiacuterico (FAIRCLOUGH 2010) No tema em questatildeo

a esfera do real pode ser entendida como a estrutura social do machismo isto eacute uma

27

desigualdade de gecircnero que estaacute latente no funcionamento da sociedade e acaba sendo

reforccedilada pelos domiacutenios do atual e do empiacuterico Nesse trabalho o domiacutenio do atual

seriam os discursos sobre a desigualdade de gecircnero e a violecircncia de gecircnero que satildeo

manifestaccedilotildees da estrutura social machista ou para reforccedilar essa estrutura ou para

tentar transformaacute-la Por fim o domiacutenio empiacuterico satildeo nesse caso as poliacuteticas e accedilotildees

puacuteblicas formuladas eou implementadas para combater a violecircncia contra a mulher

32 Anaacutelise Criacutetica de Discurso

Afim de buscarmos nosso objetivo que eacute entender as diferenccedilas entre

poliacuteticas puacuteblicas em contextos agriacutecola e urbano utilizaremos a metodologia da

ACD Segundo a ACD o discurso eacute ativo isto eacute que influencia tanto a percepccedilatildeo da

realidade quanto o comportamento de pessoas dentro de uma organizaccedilatildeo

(PUTNAM et al 2004) Eacute importante destacarmos a diferenccedila entre texto e discurso

Textos satildeo todas as peccedilas linguiacutesticas sejam escritas ou faladas Jaacute discursos satildeo

enunciados de locutores que utilizam textos para tentar exercer influecircncia sobre

terceiros (ALVES 2006) O conceito de discurso organizacional engloba duas

maneiras diferentes de olhar para o discurso conversas e diaacutelogos ou narrativas e

histoacuterias Quando se trata de conversas significa a troca de mensagens entre duas ou

mais pessoas que ao realizarem uma interconexatildeo temporal ou significativa entre

textos moldam outras conversas eou accedilotildees futuras E diaacutelogo seria a possibilidade de

gerar novos significados atraveacutes de momentos de questionamento do contiacutenuo de uma

conversa Jaacute as narrativas percebem a construccedilatildeo social do sentido sendo estas visotildees

de mundo construiacutedas pelo locutor e seus interlocutores As histoacuterias satildeo por sua vez

a reinterpretaccedilatildeo de fatos atraveacutes do olhar de cada locutor interlocutor

A anaacutelise discurso eacute uma ferramenta interessante para analisar poliacuteticas

puacuteblicas uma vez que nos permite entender a poliacutetica atraveacutes das pessoas que

formulam eou implementam a poliacutetica Conhecendo as pessoas que fazem uma

poliacutetica puacuteblica acontecer e analisando suas conversas diaacutelogos e histoacuterias podemos

entender a significaccedilatildeo dada pelas pessoas dos processos que vivenciam Ou seja eacute

possiacutevel sair de um discurso formal para analisar quais satildeo as relaccedilotildees de poder no

28

acircmbito de uma poliacutetica puacuteblica e quais satildeo os sentidos dados para os temas

trabalhados que impedem ou proporcionam mudanccedilas materiais na evoluccedilatildeo de uma

poliacutetica puacuteblica

Algumas perspectivas epistemoloacutegicas satildeo possiacuteveis na anaacutelise de discurso

organizacional sendo as principais abordagens a positivista a construtivista e a poacutes-

modernista (PUTNAM et al 2004) e a criacutetico realista (FAIRCLOUGH 2010) Antes

de definir essas abordagens eacute importante diferenciarmos as perspectivas possiacuteveis

para a linguagem A ldquolinguagem em usordquo eacute aquela visatildeo que aborda o discurso como

tendo uma funccedilatildeo na criaccedilatildeo de uma ordem social no cotidiano da organizaccedilatildeo Seu

foco estaacute portanto na anaacutelise de discurso no momento presente da organizaccedilatildeo

(PUTNAM et al 2004 pg 9) Jaacute a abordagem da ldquolinguagem em contextordquo leva em

conta fatores histoacutericos e sociais que influenciam a produccedilatildeo disseminaccedilatildeo e

consumo de textos (PUTNAM et al 2004 pg 10) Ou seja leva em consideraccedilatildeo o

passado e os possiacuteveis efeitos futuros do discurso organizacional Dentro dessa

diferenciaccedilatildeo podemos esclarecer de onde derivam as diferentes abordagens

metodoloacutegicas A ldquolinguagem em usordquo eacute utilizada pelos positivistas e a ldquolinguagem

em contextordquo eacute a abordagem levada em consideraccedilatildeo pelos construtivistas (PUTNAM

et al 2004)

O pensamento positivista se preocupa em identificar padrotildees nas interaccedilotildees

discursivas Dessa maneira tratam o discurso como principal variaacutevel de anaacutelise e

natildeo acreditam que o discurso tenha caraacuteter poliacutetico Buscam entatildeo identificar uma

narrativa uacutenica ou um conjunto de significados compartilhados entre membros de

uma organizaccedilatildeo (PUTNAM et al 2004)

A abordagem construtivista por sua vez estuda como o discurso constitui e

reconstitui arranjos sociais dentro dos diferentes contextos das organizaccedilotildees Essa

perspectiva defende a natureza poliacutetica do discurso pela sua utilizaccedilatildeo para produzir

manter ou resistir a diferentes formas de poder Desse modo como afirma Gomes

(GOMES 2014b) o domiacutenio do discurso eacute em si um recurso de poder e faz parte da

luta pela hegemonia

Dentro do guarda-chuva da abordagem construtivista existe um ramo

chamado anaacutelise criacutetica do discurso cuja metodologia considera importante ambos os

29

tipos de linguagem sendo a ldquolinguagem em usordquo importante para identificar como

regras e estruturas em interaccedilotildees discursivas constituem identidades e levam agrave sua

institucionalizaccedilatildeo e a lsquolinguagem em contextorsquo importante para compreender os

diferentes significados para o mesmo texto dependendo do contexto em que o

discurso estaacute inserido A Anaacutelise Criacutetica do Discurso (ACD) enxerga as organizaccedilotildees

como sendo os locais onde ocorrem a luta entre os discursos pela dominaccedilatildeo sendo

que cada grupo luta para que seus interesses moldem exerccedilam eou resistam ao

controle social dentro da entidade Assim o foco dessa perspectiva eacute como o discurso

constitui e eacute constituiacutedo pelas praacuteticas sociais

Os poacutes-modernistas criticam a anaacutelise criacutetica do discurso uma vez que se

voltam novamente ao texto ou seja agrave lsquolinguagem em usorsquo e apontam para a

bipolaridade da anaacutelise criacutetica do discurso que exclui todos os discursos fora da

loacutegica de poder e resistecircncia Essa abordagem defende que os textos satildeo repletos de

metaacuteforas para organizar e representar uma gama de significados variados que

estariam marginalizados Para isso a desconstruccedilatildeo dos textos eacute a principal

ferramenta dessa perspectiva

Apesar da resistecircncia dos poacutes-modernistas agrave anaacutelise criacutetica do discurso

entendemos que essa metodologia eacute interessante para essa pesquisa uma vez que ela

nos permite entender os significados e a disputa de poder embutida nessas

significaccedilotildees Mas para aleacutem disso a anaacutelise criacutetica do discurso nos permite

compreender as consequecircncias materiais dessa disputa do poder (GOMES 2014b)

Aleacutem disso outro ponto interessante que diferencia a Anaacutelise Criacutetica do

Discurso eacute a incorporaccedilatildeo de trecircs niacuteveis de discurso micro meso e macro (OSWICK

PHILLIPS 2012) Assim o discurso estaacute dentro de uma situaccedilatildeo dentro de uma

instituiccedilatildeo e dentro da sociedade respectivamente (OSWICK PHILLIPS 2012) Em

outras palavras

Based on these three different levels undertaking CDA involves (i)

the examination of the language in use (the text dimension) (ii) the

identification of processes of textual production and consumption (the

discursive practice dimension) and (iii) the consideration of the institutional

30

factors surrounding the event and how they shape the discourse (the social

practice dimension) (OSWICK PHILLIPS 2012 p 457)

Nesse sentido a Anaacutelise Criacutetica do Discurso relaciona esses trecircs niacuteveis ao

mesmo tempo que incorpora uma visatildeo criacutetica do discurso homogecircneo Busca dessa

forma compreender seus fundamentos para interrogaacute-lo e gerar mudanccedila social

como veremos na proacutexima seccedilatildeo

A escolha da ACD se deve primeiramente porque acreditamos que a realidade

social natildeo pode ser vista com um olhar positivista tentando encontrar padrotildees nas

interaccedilotildees discursivas olhando tambeacutem somente para o discurso como variaacutevel

relevante na produccedilatildeo de significados Nesse trabalho queremos analisar a produccedilatildeo

de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia nos contextos agraacuterio e

urbano natildeo buscando encontrar padrotildees em cada contexto mas para entender

qualitativamente como o contexto e o discurso se relacionam entre si para produzir

significados que influenciam nessa produccedilatildeo de poliacuteticas Portanto optamos por esse

olhar que inclui o contexto como fator essencial em conjunto com as interaccedilotildees

discursivas

A anaacutelise criacutetica do discurso eacute uma perspectiva que considera as relaccedilotildees

dialeacuteticas de poder na criaccedilatildeo e significaccedilatildeo de discursos (GOMES 2014b) e que

pretende enxergar o mundo a partir de um olhar criacutetico do que ele deveriapoderia ser

olhando para os discursos e para as suas manifestaccedilotildees na praacutetica e em elementos

extra-discursivos como forma de refletir sobre uma estrutura social que natildeo

conseguimos materializar Ou seja ela eacute uma opccedilatildeo ontoloacutegica porque queremos

olhar para essa estrutura social criticamente no sentido de entendermos o que eacute e

tambeacutem projetar como poderia ser a partir do entendimento do porquecirc as poliacuteticas

puacuteblicas satildeo desenhadas e implementadas da maneira como satildeo nesses contextos

agraacuterio e urbano Isto eacute natildeo queremos ser relativistas e afirmar que entendendo a

relaccedilatildeo entre interaccedilotildees discursivas e os contextos diferentes as realidades satildeo

justificaacuteveis por si soacute pois olhamos normativamente para as poliacuteticas puacuteblicas em

especial aquelas para mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia nessa pesquisa Isto eacute a

anaacutelise criacutetica do discurso pode ajudar a entender como o capitalismo neoliberal

31

impede em algumas medidas a emancipaccedilatildeo humana para entatildeo tentar informar

estrateacutegias de como mitigar ou acabar com essas limitaccedilotildees (FAIRCLOUGH 2010)

No contexto de poliacuteticas puacuteblicas sobre violecircncia contra a mulher seria o caso de

entender quais satildeo as manifestaccedilotildees da estrutura social machista para tentar informar

decisotildees de poliacuteticas puacuteblicas que possam efetivamente gerar mudanccedilas nessa

estrutura social

Assim a anaacutelise criacutetica do discurso eacute uma abordagem relacional ou seja seu

objeto natildeo eacute o discurso em si mas as relaccedilotildees sociais e as disputas de poder entre

essas relaccedilotildees em que o discurso eacute parte integrante pela produccedilatildeo reproduccedilatildeo e

transformaccedilatildeo de significados (FAIRCLOUGH 2010) Aleacutem disso sua perspectiva eacute

dialeacutetica no sentido que estuda as relaccedilotildees entre objetos que natildeo satildeo inteiramente

separaacuteveis ou seja suas naturezas satildeo parcialmente definidas pela relaccedilatildeo com o

outro Nesse sentido natildeo exclui a importacircncia dos elementos extra-discursivos

ressaltando seu caraacuteter transdisciplinar (FAIRCLOUGH 2010) O termo criacutetica

remete a uma abordagem normativa que aponta para a realidade como algo passiacutevel

de mudanccedila e nesse sentido busca estudar tanto o que existe quanto o que poderia

existir idealmente (FAIRCLOUGH 2010)

Deste modo para a anaacutelise criacutetica do discurso trecircs esferas satildeo importantes o

texto o discurso e o contexto social (PHILIPPS SEWELL JAYNES 2008) Essas

esferas interagem entre si conforme o esquema abaixo

Tabela 1 Diaacutelogo entre Diferentes Esferas na ACD

32

O sujeito locutor se encontra numa posiccedilatildeo social ou seja num lugar no

espaccedilo social em que ele possui um certo grau de agecircncia (PHILIPPS SEWELL

JAYNES 2008) A partir dessa posiccedilatildeo social o locutor fala ou escreve um texto que

se transforma em discurso no momento em que o locutor tenta mudar ou manter a

ordem social atraveacutes desse texto Esse discurso por sua vez produz conceitos que se

expressam na cultura refletindo sobre a maneira como ele e seus interlocutores

enxergam o mundo e se relacionam entre si Por fim esse discurso se transforma em

objeto quando se torna parte de uma ordem praacutetica (PHILIPPS SEWELLJAYNES

2008) sendo usado para fazer sentido das relaccedilotildees sociais e condiccedilotildees materiais do

contexto social voltando ao iniacutecio do ciclo

33A emancipaccedilatildeo como chave entre as esferas

A Anaacutelise Criacutetica do Discurso foi escolhida nesse trabalho pelo potencial de

emancipaccedilatildeo (FAIRCLOUGH 2010) que essa perspectiva epistemoloacutegica nos

permite uma vez que pretende analisar a estrutura social atraveacutes de suas

manifestaccedilotildees discursivas e extra-discursivas afim de informar maneiras de mudar a

estrutura social machista Para melhor entender como as esferas se relacionam no

ciclo do realismo criacutetico com a emancipaccedilatildeo dos cidadatildeos podemos fazer uso da

Texto

Discurso

Cultura

Objeto

Posiccedilatildeo Social

(Contexto)

Elaboraccedilatildeo proacutepria a partir de dados de PHILIPPS SEWELL JAYNES 2008

33

noccedilatildeo de emancipaccedilatildeo de Zygmunt Bauman (BAUMAN 2001) Segundo o autor haacute

uma diferenccedila importante a ser ressaltada entre a liberdade de jure e a liberdade de

facto que ocorrem na modernidade

Bauman (2001) explica que na modernidade os indiviacuteduos natildeo tecircm sua

identidade ligada a instituiccedilotildees sociais ou princiacutepios universais No lugar disso hoje

haacute uma autoconstruccedilatildeo fluiacuteda das identidades isso significa que haacute uma valorizaccedilatildeo

das diferenccedilas e que a identidade eacute continuamente definida e redefinida pelos proacuteprios

indiviacuteduos

Nesse sentido parece que chegamos ao auge da liberdade humana

(BAUMAN 2001) poreacutem na verdade essa liberdade eacute tecircnue Isso porque houve um

esvaziamento das funccedilotildees do Estado em relaccedilatildeo agraves escolhas dos indiviacuteduos ou seja

cada um escolhe sua identidade e seu modo de vida e deve se responsabilizar por

essas escolhas (BAUMAN 2001) A consequecircncia disso eacute uma esfera puacuteblica

constituiacuteda por aglomeraccedilotildees de anseios individualizados mas que natildeo conseguem

afetar a agenda puacuteblica porque natildeo ultrapassam a barreira de demandas individuais

para uma demanda maior e comum (BAUMAN 2001)

Entatildeo as pessoas satildeo chamadas cada vez menos a buscar respostas para suas

demandas na sociedade e no Estado mas em si mesmas (BAUMAN 2001) e seu

fracasso ou sucesso tambeacutem eacute de sua inteira responsabilidade Entatildeo surge a

diferenciaccedilatildeo de Bauman quanto aos tipos diferentes de liberdade amenizando o auge

da liberdade que supostamente vivemos

Os indiviacuteduos tecircm liberdade de escolha e satildeo responsabilizados pelas mesmas

poreacutem natildeo encontram recursos praacuteticos para realizar suas escolhas (BAUMAN

2001) Daiacute a contraposiccedilatildeo entre liberdade de jure e liberdade de facto A primeira

corresponde agrave liberdade formal muitas vezes colocada em lei que os indiviacuteduos

teriam agrave sua disposiccedilatildeo Mas a liberdade de facto ou seja a realizaccedilatildeo dos seus

anseios e decisotildees natildeo ocorre muitas vezes porque faltam condiccedilotildees materiais para

que isso aconteccedila Nessa contradiccedilatildeo que a condiccedilatildeo de emancipaccedilatildeo dos indiviacuteduos

natildeo eacute atingida porque natildeo conseguem efetivar a autodeterminaccedilatildeo de seus destinos

Essa questatildeo da emancipaccedilatildeo se torna relevante quando discutimos o realismo

criacutetico porque no tema estudado existe essa contradiccedilatildeo entre o que eacute de jure que faz

34

parte da esfera atual e o de facto que estaacute na esfera empiacuterica das condiccedilotildees extra-

discursivas dos indiviacuteduos de saiacuterem de um problema no caso a violecircncia de gecircnero

34 A pesquisa de campo e a coleta de dados

Para darmos continuidade agrave pesquisa fizemos algumas visitas de campo A

coleta de dados qualitativos foi com base em um roteiro semiestruturado que se

encontra disponiacutevel nos anexos Antes de cada entrevista foi acordado com cada

entrevistado a o termo de consentimento para uso das mesmas tambeacutem em anexo As

conversas foram gravadas a partir do consentimento dos entrevistados e transcritas agrave

posteriori Depois selecionamos os trechos mais relevantes para a pesquisa e

organizamos segundo os temas mais recorrentes Em seguida organizamos esses

temas recorrentes de acordo com a estratificaccedilatildeo ontoloacutegica do realismo criacutetico

Dessa forma primeira etapa da coleta de dados foi realizada em Janeiro de

2015 em Goiaacutes Ateacute 2014 existia uma Secretaria de Poliacuteticas para as Mulheres e

Promoccedilatildeo da Igualdade Racial (SEMIRA) Nessa secretaria havia e haacute ainda na nova

superintendecircncia haacute uma accedilatildeo da Secretaria Federal de Poliacuteticas para as Mulheres de

unidades moacuteveis para mulheres do campo e da floresta No caso de Goiaacutes consiste

em disponibilizar ocircnibus que iam de Goiacircnia para as cidades do interior com equipes

multidisciplinares para fazer palestras sobre violecircncia de gecircnero informar a

populaccedilatildeo e dar assistecircncia (meacutedica psicoloacutegica juriacutedica) agraves mulheres que

procurassem a equipe Nas eleiccedilotildees de 2014 Marconi foi reeleito governador de

Goiaacutes no entanto mudou a estrutura das suas secretarias dissolvendo a SEMIRA e

colocando a pasta das mulheres numa secretaria muito mais ampla a Secretaria da

Mulher do Desenvolvimento Social da Igualdade Racial dos Direitos Humanos e do

Trabalho

A pesquisa de campo em Goiaacutes aconteceu em trecircs cidades Caldas Novas

Goiacircnia e Professor Jamil Os oacutergatildeos e entidades entrevistados em ordem

cronoloacutegica foram CREAS Secretaria Estadual da Mulher Desenvolvimento Social

Igualdade Racial Direitos Humanos e Trabalho Equipe de Unidades Moacuteveis

35

DEAM Centro Popular da Mulher Observatoacuterio de Seguranccedila Puacuteblica e Secretaria

Municipal da Mulher de Professor Jamil

Comeccedilamos a parte de campo da pesquisa em Caldas Novas cidade a 167

quilocircmetros de Goiacircnia com 70473 habitantes sendo da 2759 zona rural e 67714

da zona urbana (IBGE 2015) Caldas Novas natildeo possui um oacutergatildeo especiacutefico da

prefeitura para lidar com a violecircncia de gecircnero O uacutenico oacutergatildeo responsaacutevel por

receber as viacutetimas desse tipo de violecircncia eacute o CREAS que atende mulheres idosos

crianccedilas e adolescentes em situaccedilatildeo de vulnerabilidade

A seguir realizamos entrevistas na Secretaria da Mulher do Desenvolvimento

Social da Igualdade Racial dos Direitos Humanos e do Trabalho em uma Delegacia

Especializada em Atendimento agrave Mulher e no Observatoacuterio de Seguranccedila Puacuteblica da

Secretaria de Seguranccedila Puacuteblica de Goiaacutes Goiacircnia eacute a capital de Goiaacutes com

aproximadamente 1302001 habitantes em 2010 (IBGEb 2015) Desse nuacutemero

1297155 estavam em aacuterea urbana e 4846 na zona rural (IBGEb 2015)

Finalmente a uacuteltima entrevista de campo em Goiaacutes foi em Professor Jamil Eacute

uma cidade a 70 quilocircmetros de Goiacircnia com 3239 habitantes sendo 978 da zona

rural e 2261 da zona urbana (IBGEc 2015) A cidade foi indicada pela equipe de

unidades moacuteveis da Secretaria da Mulher do Desenvolvimento Social da Igualdade

Racial dos Direitos Humanos e do Trabalho pela lideranccedila forte na cidade

Aleacutem da pesquisa de campo em Goiaacutes a segunda parte do campo consistiu em

conhecer tambeacutem a situaccedilatildeo de Satildeo Paulo Primeiramente buscamos informaccedilotildees

sobre as poliacuteticas puacuteblicas existentes para combater a violecircncia de gecircnero na esfera do

governo estadual de Satildeo Paulo Foi muito dificultosa essa busca uma vez que natildeo haacute

secretaria especiacutefica e mesmo em sites de busca encontramos escassas referecircncias

como o Hospital Peacuterola Byington como accedilatildeo puacuteblica destinada a esse puacuteblico

especiacutefico Depois de muitas pesquisas encontramos no site da Secretaria de Justiccedila e

Defesa da Cidadania uma Coordenaccedilatildeo de Poliacuteticas para a Mulher (SAtildeO PAULO

2015) Achamos simboacutelico essa coordenaccedilatildeo aleacutem de ser pouco visiacutevel estar listada

em uacuteltimo lugar na lista de coordenaccedilotildees da secretaria e contar apenas com duas

pessoas em sua equipe

36

Infelizmente natildeo foi possiacutevel realizarmos entrevista com ningueacutem da equipe

do Peacuterola Byington pois devido a uma reforma do local a equipe natildeo aceitou nos

receber para uma entrevista Apesar disso tentamos em trecircs tentativas explicar que o

nosso foco era uma conversa com algueacutem da equipe e natildeo necessariamente conhecer

a estrutura fiacutesica Mesmo assim ningueacutem se disponibilizou a conceder uma entrevista

para a pesquisa

No mais conseguimos trecircs entrevistas em Satildeo Paulo com a coordenadora de

uma subsecretaria de poliacuteticas para as mulheres com uma delegada de uma Delegacia

Da Mulher (DDM) da Grande Satildeo Paulo e com uma representante do Nuacutecleo

Especializado de Promoccedilatildeo dos Direitos da Mulher (NUDEM) Como surgiu em Satildeo

Paulo a necessidade de manter anonimato de alguns entrevistados optamos por

manter a uniformidade da pesquisa e natildeo identificar nenhum dos entrevistados Tendo

em vista que foram bastante entrevistados decidimos adotar nomes fictiacutecios para os

mesmos a fim de situar melhor o leitor em relaccedilatildeo agraves citaccedilotildees presentes na anaacutelise

dos discursos

Tambeacutem com o intuito de facilitar a leitura codificamos com cores a partir

das caracteriacutesticas da organizaccedilatildeo em que o entrevistado trabalha Sendo assim a cor

azul se refere a profissionais de assistecircncia social mais geral isto eacute sem foco para o

Tabela 2 Quadro de Entrevistados

Fonte Autoria proacutepria

37

atendimento a mulheres Por sua vez a cor roxa eacute para sinalizar os entrevistados que

trabalham no primeiro ou terceiro setor em organizaccedilotildees voltadas especificamente

para mulheres em um sentido amplo O laranja eacute para organizaccedilotildees policiais e por

fim o verde representa as instacircncias do poder judiciaacuterio especiacuteficas para mulheres

38

4 A Anaacutelise

41 As poliacuteticas puacuteblicas de violecircncia de gecircnero no Brasil

Por traacutes desses nuacutemeros preocupantes haacute uma construccedilatildeo de sentidos sobre o

eacute violecircncia contra a mulher suas causas consequecircncias e qual o desenho adequado

das poliacuteticas puacuteblicas O tema definitivamente entrou na agenda puacuteblica brasileira

somente no final dos anos setenta com o aumento do nuacutemero de assassinatos de

mulheres de classe meacutedia e a visibilidade dada agrave questatildeo pela miacutedia e autoridades

(BANDEIRA 2014) o que natildeo implica que os sentidos da violecircncia contra mulher

natildeo estejam em constante negociaccedilatildeo Nessa mesma eacutepoca a violecircncia contra a

mulher se transformou na principal bandeira do movimento feminista brasileiro

(BANDEIRA 2014) Bandeira (2014) relata que a partir disso e com a abertura

democraacutetica a sociedade civil se aliou agrave academia para pressionar politicamente em

prol de uma resposta do Estado a esse problema Podemos perceber que a violecircncia

de gecircnero nesse periacuteodo era entendida como violecircncia sexual sobretudo cometida por

maridos e ex-companheiros

A primeira mudanccedila foi a transformaccedilatildeo dos ldquocrimes de violecircncia sexual

como crimes contra a pessoa natildeo mais contra os costumesrdquo (BANDEIRA 2014 pg

452) Logo em seguida 1985 foram criadas delegacias proacuteprias para esse problema

as Delegacias Especiais de Atendimento agraves Mulheres com a visatildeo de era necessaacuterio

endereccedilar o problema das mortes das mulheres com um olhar feminino com maior

prioridade do que a violecircncia mais ampla sofrida no dia-a-dia pelas mulheres Essa

medida deu visibilidade agrave violecircncia sobretudo pelo criaccedilatildeo de um canal que

possibilitou o aumento de denuacutencias por parte das viacutetimas

Nos anos noventa comeccedilaram as accedilotildees de Casas de Abrigo para receber

mulher em risco de vida hoje contando com 80 espalhadas pelo paiacutes (BANDEIRA

2014) Apesar de o novo contexto poliacutetico de redemocratizaccedilatildeo nesse periacuteodo ter

aberto ldquonovos canais institucionais e estruturas de alianccedilas ineacuteditos para o movimento

feminista brasileirordquo (MACIEL 2011 p97) houve um retrocesso em termos de

poliacuteticas puacuteblicas para combater agrave violecircncia de gecircnero A mesma foi enquadrada na

39

Lei nordm 909995 que discorre sobre o julgamento de crimes de ldquomenor potencial

ofensivordquo (BANDEIRA 2014) e portanto busca a conciliaccedilatildeo das partes e prevecirc

uma pena de no maacuteximo dois anos de reclusatildeo (BANDEIRA 2014) Nesse mesmo

ano foram criados os Juizados Especiais Criminais que ldquose tornaram rapidamente o

escoadouro de denuacutencias de agressotildees contra a mulher nos acircmbitos domeacutestico e

familiarrdquo (MACIEL 2011 p103) mas operando em uma loacutegica de impunidade dos

agressores e desatenccedilatildeo agraves viacutetimas Bandeira (2014) ressalta a opiniatildeo generalizada

dos operadores juriacutedicos de que era desnecessaacuterio criar uma lei especiacutefica para tratar

da violecircncia de gecircnero (BANDEIRA 2014)

Esse cenaacuterio mudou principalmente pela pressatildeo internacional uma vez que o

Brasil assinou compromissos com tratados e convenccedilotildees internacionais de Direitos

Humanos que tratavam da violecircncia de gecircnero de maneira ampla (BANDEIRA

2014) Isto eacute o Brasil foi movido a ressignificar a violecircncia de gecircnero incluindo

tambeacutem a violecircncia psicoloacutegica e moral como parte desse quadro caracterizando a

violecircncia de gecircnero como violaccedilatildeo dos direitos humanos (MACIEL 2011) e servindo

de base para a criaccedilatildeo da Lei Maria da Penha (BANDEIRA 2014) Segundo

Bandeira (2014) essa lei significou uma ldquonova forma de administraccedilatildeo legal dos

conflitos interpessoais embora ainda natildeo seja de pleno acolhimento pelos operadores

juriacutedicosrdquo (BANDEIRA 2014)

Essa lei trouxe pela primeira vez o reconhecimento da mulher como parte

lesada nos casos de violecircncia de gecircnero e a obrigaccedilatildeo de o Estado responder a esse

crime natildeo atraveacutes de mediaccedilatildeo de conflitos no acircmbito privado mas de garantias de

direitos no acircmbito puacuteblico agraves viacutetimas O projeto inicial foi feito pela CFMEA e

entregue agrave Secretaria Especial de Poliacuteticas para Mulheres em 2004 que depois o

encaminhou para o Legislativo (MACIEL 2011) Esse primeiro projeto natildeo tratava

da retirada de competecircncia dos Juizados Especiais Criminais para tratar de violecircncia

de gecircnero e natildeo estabelecia a criaccedilatildeo de outra instacircncia juriacutedica especiacutefica para tratar

da mesma (MACIEL 2011) Nesse meio tempo em 2003 o Executivo Federal

sancionou por meio da Lei n107782003 a obrigatoriedade de notificaccedilatildeo por toda a

rede de sauacutede puacuteblica e privada de todos os casos de violecircncia contra a mulher

(BANDEIRA 2014) No ano seguinte em 2004 lanccedilado o primeiro Plano Nacional

40

de Poliacuteticas Puacuteblicas para as Mulheres (MACIEL 2011) Ainda antes da aprovaccedilatildeo

da Lei Maria da Penha em 2005 foi implementado o Ligue 180 pela SPM que

encaminhava as denuacutencias para a Secretaria de Seguranccedila Puacuteblica ou para o

Ministeacuterio Puacuteblico (BANDEIRA 2014) Somente em 2006 foi aprovada LMP no

contexto relatado por Maciel

O calendaacuterio das eleiccedilotildees presidenciais e legislativas foi decisiva para

ampliar a capacidade de pressatildeo poliacutetica o movimento conseguiu a

aprovaccedilatildeo nas duas casas legislativas do substituto o Projeto de Lei n

372006 que afastava formalmente a competecircncia dos Juizados para o

tratamento dos processos oriundos de violecircncia domeacutestica (MACIEL 2011

p103)

A Lei Maria da Penha trata violecircncia de gecircnero como problema puacuteblico a

garantia dos direitos fundamentais e ldquotodas as oportunidades e facilidades para viver

sem violecircncia preservar a sauacutede fiacutesica e mental e o aperfeiccediloamento moral

intelectual e social assim como as condiccedilotildees para o exerciacutecio efetivo dos direitos agrave

vida agrave seguranccedila e agrave sauacutederdquo (MENEGHEL 2013 p692)

A Lei Maria da Penha foi um marco no histoacuterico do tratamento do Estado agrave

violecircncia de gecircnero pois foi pioneira na tipificaccedilatildeo da violecircncia Como coloca

Meneghel

A Lei Maria da Penha tipificou a violecircncia denominando-a violecircncia

domestica e a definiu como qualquer accedilatildeo ou omissatildeo baseada no gecircnero que

cause morte lesatildeo sofrimento fiacutesico sexual psicoloacutegico e dano moral ou

patrimonial agraves mulheres ocorrida em qualquer relaccedilatildeo iacutentima de afeto na

qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida

independentemente de coabitaccedilatildeo (MENEGHEL 2013 p693)

Depois de aprovada a lei no entanto o movimento feminista brasileiro se

deparou com uma nova agenda a de garantir a efetividade da implementaccedilatildeo da Lei

41

Maria da Penha Nesse sentido foi criado em 2007 pela alianccedila entre organizaccedilotildees

de mulheres e nuacutecleos universitaacuterios o Observatoacuterio Nacional de Implementaccedilatildeo e

Aplicaccedilatildeo da Lei Maria da Penha ldquopara produzir analisar e divulgar informaccedilotildees

sobre a aplicaccedilatildeo da Lei pelas delegacias Ministeacuterio Puacuteblico Defensoria Puacuteblica

poderes Judiciaacuterio e Executivo e redes de atendimento agrave mulherrdquo (MACIEL 2011

p104) No mesmo ano o Programa Nacional ade Seguranccedila Puacuteblica com Cidadania

do governo federal colocou como objetivo a criaccedilatildeo de Juizados de Violecircncia

Domeacutestica e Familiar (MACIEL 2011) Esse plano incluiacutea tambeacutem a necessidade de

capacitaccedilatildeo especiacutefica de agentes puacuteblicos para lidar com essas viacutetimas (MACIEL

2011) Jaacute em 2008 a ldquoCampanha 16 Dias de Ativismo pelo Fim da Violecircncia contra

as Mulheresrdquo foi realizada em parceria com a SPM e teve ampla adesatildeo da esfera

puacuteblica estatal e natildeo estatal nacional e internacional (MACIEL 2011)

Ou seja a accedilatildeo coletiva do movimento feminista brasileiro pressionou

primeiramente o poder Legislativo para incluir na agenda de poliacuteticas puacuteblicas o

problema da violecircncia de gecircnero Depois da vitoacuteria da aprovaccedilatildeo da Lei Maria da

Penha comeccedilou a pressionar os poderes Executivo e Judiciaacuterio para garantir que a

mesma fosse efetiva

42 Contextualizaccedilatildeo da Anaacutelise

O objetivo desse trabalho eacute compreender os diferentes sentidos dados agrave violecircncia

de gecircnero nos contextos urbano e agriacutecola Para entendermos melhor esse objetivo e

como iremos trabalhar para atingi-lo eacute necessaacuterio explicitar como ele estaacute

relacionado aos diferentes domiacutenios do Realismo Criacutetico (vide seccedilatildeo da metodologia

em que delimitamos esses domiacutenios e mostramos como se relacionam entre si) O

nosso foco nas evidecircncias de cada domiacutenio especificamente no tema de violecircncia de

gecircnero vai nos ajudar a analisar em seguida os dados coletados na pesquisa jaacute que

essas evidecircncias satildeo a ponte para a compreensatildeo dos domiacutenios abstratos

42

Domiacutenio Evidecircncias

Real Machismo

Atual Discursos sobre desigualdade de gecircnero e

violecircncia de gecircnero

Empiacuterico Poliacuteticas e accedilotildees puacuteblicas

Elementos extra-discursivos

Entatildeo precisamos entender quais os sentidos atribuiacutedos pelos entrevistados agrave

violecircncia de gecircnero Isso eacute relevante porque os sentidos atribuiacutedos delimitam a

compreensatildeo do problema no caso a violecircncia de gecircnero A maneira como o

problema eacute compreendido afeta quais os tipos de poliacuteticas puacuteblicas construiacutedas ou a

ausecircncia delas Essas poliacuteticas puacuteblicas por sua vez podem alterar a estrutura social

ou reforccedilar a mesma voltando para o domiacutenio do real Aleacutem disso essas poliacuteticas

puacuteblicas satildeo afetadas pelos elementos extra-discursivos como orccedilamento estrutura

fiacutesica e recursos humanos que por sua vez podem ser tanto causados por ou

causadores da estrutura social machista Ou seja podemos pensar que os locus de

formulaccedilatildeo eou implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo de

violecircncia satildeo esvaziadas de recursos como consequecircncia da falta de importacircncia dada

ao problema devido agrave estrutura social machista que permanece mas ao mesmo tempo

como instrumento de manutenccedilatildeo dessa mesma estrutura

Tambeacutem eacute interessante retomarmos as caracteriacutesticas da Anaacutelise Criacutetica do

Discurso para relacionaacute-las agraves entrevistas realizadas Primeiramente realismo criacutetico

eacute relacional (FAIRCLOUGH 2010) o que no caso significa que a estrutura social do

machismo os discursos sobre desigualdade de gecircnero e violecircncia de gecircnero e os

elementos extra-discursivos natildeo podem ser analisados separadamente Isto se deve ao

fato de que cada elemento interage com os demais sendo afetado e afetando-os

mutuamente Entatildeo natildeo podemos falar em machismo sem justificar sua existecircncia

Tabela 3 Os Domiacutenios do Realismo Criacutetico e suas Evidecircncias

Fonte Autoria proacutepria

43

enquanto estrutura social via suas manifestaccedilotildees tanto discursivas quanto extra-

discursivas Mas tambeacutem natildeo podemos pensar nessas manifestaccedilotildees sem entender a

relaccedilatildeo delas com a estrutura social que pode ser geradora eou influenciada pelos

discursos e elementos extra-discursivos

Aleacutem disso a anaacutelise criacutetica do discurso eacute dialeacutetica (FAIRCLOUGH 2010) Isso

significa que o machismo e a violecircncia de gecircnero natildeo podem ser analisados como

uma relaccedilatildeo causal uacutenica por exemplo a estrutura social machismo gera a violecircncia

de gecircnero No caso a estrutura social machista tem como uma das suas

consequecircncias manifestaccedilotildees como a violecircncia de gecircnero mas esta violecircncia atua

reproduzindo a estrutura social machista ou entatildeo transformando a mesma

Para entender melhor as entrevistas realizadas agrave luz da ontologia do realismo

criacutetico dividimos a anaacutelise da pesquisa em duas partes principais as manifestaccedilotildees

discursivas da estrutura social e suas manifestaccedilotildees extra-discursivas Na primeira

seccedilatildeo iremos partir do plano geral das manifestaccedilotildees do machismo e em seguida focar

na manifestaccedilatildeo especiacutefica de violecircncia de gecircnero E na segunda parte iremos

descrever e analisar questotildees de recursos humanos fiacutesicos e orccedilamentaacuterios

43 Manifestaccedilotildees discursivas da estrutura social

Durante a pesquisa encontramos evidecircncias de diferentes sentidos dados

pelos atores sobre desigualdade de gecircnero Mesmo com suas diferenccedilas a principal

referecircncia dos entrevistados eacute a cultura de que o mundo em geral eacute machista e o

Brasil o eacute com mais intensidade

Percebemos que a desigualdade entre os gecircneros envolve discursos que

acabam encontrando entraves durante as falas dos entrevistados Por exemplo

segundo Faacutebio a mulher eacute vista pela sociedade como sexo fraacutegil apesar ser na praacutetica

mais forte porque ldquose um homem pega uma gripe ele cai na cama e natildeo levanta pra

nada a mulher taacute de gripe ela taacute limpando casa taacute lavando vasilha taacute fazendo

almoccedilordquo Ele comeccedila o seu discurso preocupado com a visatildeo da sociedade de que a

mulher eacute um sexo fraacutegil e inferior ao homem demonstrando um discurso contraacuterio agrave

estrutura social machista No entanto ele muda seu discurso no meio da frase

44

justificando sua posiccedilatildeo contraacuteria a essa estrutura com exemplos de atividades

colocadas pela estrutura social machista como atividades de mulher limpar lavar

cozinhar

Luiz reforccedilou sua crenccedila no que seria a igualdade de gecircnero a ser perseguida

diante do discurso de Faacutebio

Natildeo significa vocecirc ser submisso vocecirc saber como deve ser conduzida

uma relaccedilatildeo um casamento Eacute questatildeo de respeito mesmo O significado forte

da famiacutelia o que significa famiacutelia Ou qual eacute a figura do pai qual eacute a figura

da matildee O que eacute a figura do homem dentro da sociedade o que eacute a figura da

mulher dentro da sociedade Entatildeo trabalhar essa questatildeo da igualdade eacute

muito difiacutecil porque a gente natildeo pode confundir com certas libertinagens E

tem mulheres hoje mal instruiacutedas que natildeo tecircm uma instruccedilatildeo pra que isso

aconteccedila

Nesse discurso Luiz reforccedila as figuras do homem e da mulher da estrutura

social machista pois atribui um sentido normativo agrave ideia de relaccedilatildeo casamento e

famiacutelia isto eacute coloca como sendo relaccedilotildees positivas onde existem claramente os

papeis da mulher e do homem e consequentemente coloca como relaccedilotildees negativas

relaccedilotildees que natildeo seguem esse padratildeo estabelecido socialmente Seu discurso

evidecircncia o machismo da esfera real podemos dizer que aqui se manifesta

inconscientemente quando afirma que a igualdade entre os gecircneros eacute ameaccedilada por

ldquolibertinagensrdquo que segundo ele decorrem de uma falha da mulher por falta de

ldquoinstruccedilatildeordquo de cumprir seu papel enquanto ldquofigura de mulherrdquo dentro de uma

relaccedilatildeo Nesse sentido tambeacutem haacute evidecircncias de que o sentido construiacutedo por ele de

um relacionamento eacute heteronormativo em que necessariamente deve haver a ldquofigura

do homemrdquo e a ldquofigura da mulherrdquo o que faz parte tambeacutem da estrutura social

machista

Esse reforccedilo dos papeis sociais desiguais seria explicado segundo Roberta

pela educaccedilatildeo sexista que ainda existe no Brasil em que homens e mulheres satildeo

educados diferentemente pelas famiacutelias e pelas escolas Ela explica que ldquogeralmente

45

os brinquedos que aguccedilam a criatividade da crianccedila satildeo masculinos a menina ainda

brinca com boneca com panelinha enfim com as lides domeacutesticasrdquo

Aleacutem disso outro fator apontado como importante para a desigualdade entre

os gecircneros eacute o arcabouccedilo juriacutedico que historicamente privilegiou os homens porque

segundo a Talita ldquonoacutes temos um paiacutes muito marcado pelo machismo nossa lei que

trata especificamente sobre o assunto eacute ainda muito jovem noacutes nos deparamos com

muitas injusticcedilas antes da existecircncia da Lei Maria da Penha ateacute algumas deacutecadas

atraacutes a mulher sequer votavardquo

Em contraposiccedilatildeo Ana Paula contou uma anedota para justificar que as

causas da desigualdade de gecircnero vatildeo aleacutem de leis

Aiacute eu chamei uma amiga a faxineira uma pessoa muito humilde

terceirizada () e aiacute eu perguntei lsquofulana vocecirc tem relaccedilatildeo com o seu

marido quandorsquo Aiacute ela ficou sem graccedila ela disse aiacute doutora E eu lsquoDiz pra

eles quandorsquo lsquoQuando ele querrsquo E aiacute eu acho que haacute um tempo longo entre a

cultura e a lei

A cultura nessa fala pode ser vista como parte da esfera atual em que os seres

humanos ativam as estruturas do domiacutenio real construindo sentidos a partir delas

Nesse caso o domiacutenio do real eacute a estrutura social machista que eacute ativada por meio da

cultura nesse caso citado por Ana Paula com evidecircncias de elementos de

sexualidade que influenciam e satildeo influenciados pela estrutura social desigual entre

homens e mulheres Jaacute a lei agrave qual Ana Paula se refere a Lei Maria da Penha faz

parte do domiacutenio do empiacuterico ou seja uma legislaccedilatildeo fruto de eventos e accedilotildees da

sociedade Quando a entrevistada diz que ldquohaacute um tempo longo entre a cultura e a

leirdquo ela mostra evidecircncias de que o domiacutenio do empiacuterico pode trazer inovaccedilotildees

como a Lei Maria da Penha Poreacutem isso natildeo significa que a lei necessariamente

revolucione a estrutura social como a cultura que nesse caso que continua

reproduzindo um comportamento sexual machista em que o homem determina

quando quer ter relaccedilotildees sexuais e a mulher natildeo tem voz

Na pesquisa surgiram dois sentidos dados agrave maneira como o machismo se

46

manifesta na sociedade relativos ao grau de instruccedilatildeo e agrave estrutura econocircmica O

primeiro foi reforccedilada pelos funcionaacuterios do CREAS visitado por Talita e por Rafael

Segundo os entrevistados quanto mais educaccedilatildeo e mais informaccedilatildeo chegam ateacute as

pessoas menos machistas elas satildeo Rafael afirmou que a falta de instruccedilatildeo das

mulheres da aacuterea rural decorrente de uma menor escolaridade e maior isolamento

seriam geradoras de uma subnotificaccedilatildeo de casos de violecircncia (vide seccedilatildeo 2) na zona

agraacuteria Ele conta que essa subnotificaccedilatildeo ldquoeacute incentivada primeiro no meu ponto de

vista pela questatildeo cultural da proacutepria mulher natildeo procurar que ela eacute mais

desprovida de informaccedilatildeo e tudo maisrdquo Consequentemente a diferenccedila nas

manifestaccedilotildees do machismo nas aacutereas rural e urbana seria a intensidade porque

segundo estes entrevistados a aacuterea rural teria um vatildeo de instruccedilatildeo e informaccedilatildeo

recebida em relaccedilatildeo agrave aacuterea urbana

Aqui temos dois elementos da esfera real dialogando entre si O grau de instruccedilatildeo

estaacute relacionado agrave estrutura social diferente entre aacutereas agraacuterias e urbanas E a

estrutura social machista tambeacutem se localiza no plano real como mencionamos

anteriormente Assim uma desigualdade estrutural de instruccedilatildeo agravaria uma outra

desigualdade de gecircnero no caso justificando elementos discursivos (atual) e extra-

discursivos (empiacuterico) que reforccedilam uma dupla desigualdade evidenciando uma

minoria dentro das minoria das mulheres as mulheres da zona agraacuteria

Por outro lado Laura e Roberta afirmaram a importacircncia das estruturas

econocircmicas na manifestaccedilatildeo do machismo Roberta colocou a questatildeo da composiccedilatildeo

da renda familiar porque ldquona aacuterea rural o homem continua sendo chefe de famiacutelia

mesmo que a legislaccedilatildeo tenha mudadordquo Aleacutem disso ela afirma que a estrutura do

trabalho do campo que eacute direcionada pelo homem aumenta seu poder na relaccedilatildeo

com a mulher Segundo Laura esse poder seria explicitado na maneira mais aberta de

o machismo se manifestar na aacuterea rural Segundo ela ldquoo cara diz lsquoeu natildeo querorsquo

lsquovocecirc natildeo vairsquo lsquoassim natildeo podersquo lsquoporque eu sou homemrsquo lsquoeu que faccedilo issorsquo lsquoessa eacute

a sua tarefarsquo isso (o machismo) eacute claro no mundo rural existe uma abertura maior

para se dizerrdquo

Outras evidecircncias da manifestaccedilatildeo do machismo na divisatildeo das tarefas

domeacutesticas e na proacutepria convivecircncia com a famiacutelia esteve presente no discurso da

47

Ana Paula Segundo ela a mulher tem na nossa sociedade a responsabilidade com a

casa e com a famiacutelia enquanto o homem fica mais livre dessas obrigaccedilotildees Um

exemplo que ela apresenta eacute ldquoateacute no meu bairro eu me irrito porque os homens vatildeo

beber no bar como que os homens vatildeo beber no bar e as mulheres tatildeo em casa

lavando passando cozinhando cuidando dos filhos no saacutebadordquo

Vitoacuteria mostrou que na aacuterea urbana a manifestaccedilatildeo do machismo estaacute

relacionada agrave sexualidade da mulher porque segundo ela as outras desigualdades de

gecircnero seriam dadas como conquistadas apesar de natildeo o serem efetivamente Por isso

ela afirma que ldquo(o machismo) fica essa coisa escondida escamoteadardquo O sentido

dado por Vitoacuteria ao falar de machismo ldquoescondidordquo nos remete ao domiacutenio do real

Isto eacute na aacuterea urbana avanccedilos foram sido logrados como a entrada da mulher no

mercado de trabalho gerando maior independecircncia financeira aumento gradual da

participaccedilatildeo poliacutetica das mulheres dentre outros Contudo essas mudanccedilas estatildeo no

campo do atual e do empiacuterico mas natildeo foram suficientes para mudar a esfera do real

levando agrave permanecircncia da estrutura social machista Ou seja o machismo permanece

ldquoescondidordquo em partes da vida social como na sexualidade da mulher que acabam

reforccedilando uma relaccedilatildeo desigual com a mulher colocada em situaccedilatildeo inferior ao

homem

Depois de um olhar mais geral para as manifestaccedilotildees do machismo agraves quais os

entrevistados deram sentidos olhamos mais especificamente nas entrevistas uma de

suas manifestaccedilotildees a violecircncia de gecircnero que perpassa pelos vaacuterios tipos de

violecircncia descritos na Lei Maria da Penha Na conversa com a equipe do CREAS

nos foi relatado que quase natildeo chegam queixas da zona agraacuteria mas a conclusatildeo da

equipe eacute de que a violecircncia na zona agraacuteria eacute mais psicoloacutegica do que fiacutesica Essa

conclusatildeo se baseia no seguinte discurso construiacutedo pela equipe

Entatildeo ela vem na cidade ela faz a compra ela vem matricular os

filhos na escola e soacute volta no outro ano E ela estaacute ali a alegria dela Agraves vezes

a gente percebe quando a gente atende uma mulher do campo ela sempre

traz uma manga uma fruta que ela que colhe E isso faz com que ela fique

realmente responsaacutevel pelos filhos pela casa por algumas coisas ali que

48

beneficiam muito o homem Por isso que a violecircncia fiacutesica natildeo acontece

Porque para acontecer a violecircncia fiacutesica precisa de muita ira E ela natildeo estaacute

vendo o que estaacute acontecendo aqui na cidade Quando o marido vem entregar

o leite se ele daacute um litro de leite para uma menininha ali Se ele tem um

casinho ali ou outro ali vocecirc entendeu Ele fica mais solto Ele eacute

responsaacutevel por suprir toda a necessidade ali da zona rural mas ela fica ali

cuidando de tudo

Nessa fala temos evidecircncias de que a construccedilatildeo de sentidos sobre as causas

da violecircncia de gecircnero acabam voltando para a estrutura social machista e colocando

a mulher como culpada pela situaccedilatildeo Isso porque o discurso coloca a ira como causa

da violecircncia fiacutesica e depois a ira como algo gerado pela insatisfaccedilatildeo da mulher com

os comportamentos do homem Assim a fala comeccedila com um tom normativo

positivo de que a mulher eacute feliz no campo e de que na aacuterea rural a violecircncia fiacutesica

natildeo ocorre mas depois acaba culpabilizando as mulheres da aacuterea urbana pela

violecircncia fiacutesica que ocorre na cidade porque se ocorre eacute em decorrecircncia de seus

comportamentos que geram a ira no homem

Segundo a Roberta as mulheres da zona rural sofrem um tipo de violecircncia que

eacute menos comum na aacuterea urbana a violecircncia patrimonial Isso ocorre porque apesar

de a mulher trabalhar no campo com a produccedilatildeo de alimentos e tarefas domeacutesticas

ela natildeo tem remuneraccedilatildeo pelo trabalho realizado e o homem acaba sendo quem tem

posse do patrimocircnio da famiacutelia e quem decide todos os gastos

Vitoacuteria por outro lado tem outro discurso

()violecircncia de gecircnero eacute violecircncia de gecircnero em todos os lugares

Mas assim eacute que eu acho que eacute difiacutecil de falar mas acho que natildeo acho que

assim (pausa) talvez uma outra questatildeo diferente talvez na aacuterea rural vocecirc

tenha mais essa questatildeo da concretude da questatildeo da localidade a violecircncia

ser fiacutesica domeacutestica natildeo eacute uma coisa tatildeo refinada quanto na aacuterea urbana

que hoje vocecirc vecirc violecircncias na internet vocecirc tem tecnologia para usar para

isso

49

Podemos entatildeo depreender que as diferenccedilas em termos da violecircncia de

gecircnero nas zonas rurais e urbanas satildeo ainda muito pouco compreendidas como

podemos perceber pela pluralidade de concepccedilotildees em termos do que acontece e pelas

notificaccedilotildees natildeo chegarem ateacute os locais que trabalham com mulheres em situaccedilatildeo de

violecircncia

Existem divergecircncias tambeacutem quanto ao que eacute poliacutetica de gecircnero e

consequentemente como ela deveria ser executada Para Ana Paula poliacutetica de

gecircnero eacute uma poliacutetica que reconhece a vulnerabilidade do gecircnero feminino frente ao

masculino e a partir disso tem um enfoque na equiparaccedilatildeo das desigualdades em

todas as secretarias e natildeo apenas em uma secretaria de poliacuteticas para as mulheres

especificamente

Em contraste a essa visatildeo Roberta defende a necessidade de um oacutergatildeo

especiacutefico para tratar da poliacutetica de gecircnero uma vez que existem especificidades

dessa poliacutetica puacuteblica que a organizaccedilatildeo seria responsaacutevel por garantir Segundo ela

Se jaacute houvesse a equidade de gecircnero seja no trabalho na casa enfim nas

relaccedilotildees natildeo precisaria mesmo de um organismo Mas como a mulher tem

questotildees especiacuteficas como a sauacutede da mulher o trabalho da mulher a

capacitaccedilatildeo entatildeo noacutes temos que ter poliacuteticas puacuteblicas desenvolvidas em um

espaccedilo puacuteblico e que esse espaccedilo se comunique com os demais porque as

poliacuteticas satildeo transversais Quando noacutes falamos de mulher noacutes estamos

falando de sauacutede de educaccedilatildeo de seguranccedila que satildeo poliacuteticas que estatildeo

sendo desenvolvidas em outras aacutereas institucionais Mas a importacircncia da

concentraccedilatildeo em um organismo eacute porque esse organismo vai fazer a

articulaccedilatildeo com os demais promover essa transversalidade e de fato

implementar essas poliacuteticas especiacuteficas

Eacute interessante notar tambeacutem que haacute uma diferenccedila nos discursos quanto agrave

igualdade de gecircnero que foi apontada pela maioria dos entrevistados como o objetivo

da poliacutetica de gecircnero Segundo Vitoacuteria a igualdade buscada por esse tipo de poliacutetica

50

seria material ou seja efetivar as igualdades da lei entre homens e mulheres Jaacute para

Talita essa poliacutetica seria responsaacutevel por ldquotentar adequar todas essas diferenccedilas e

natildeo igualar todos porque natildeo somos iguais mas tentar equilibrar para que todos noacutes

possamos viver pacificamente e sem existir essa relaccedilatildeo de subordinaccedilatildeo que haacute

muitas vezes entre homem e mulherrdquo

O sentido dado por Roberta a poliacuteticas transversais eacute de que estamos falando

de uma poliacutetica que envolve diferentes segmentos da atuaccedilatildeo puacuteblica e por isso de

vaacuterios atores envolvidos na formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas de

gecircnero Nesse sentido existe a necessidade de ldquofazer um processo de convencimento

dos gestores sobre a importacircncia dessas poliacuteticasrdquo

Essa ideia foi explicada tambeacutem por Vitoacuteria quando relatou o desafio na

praacutetica de lidar com o caraacuteter transversal da poliacutetica de gecircnero

O desafio eacute a visatildeo de poliacutetica de gecircnero Muita gente fala a gente

estaacute com tanta preocupaccedilatildeo por que a gente vai se preocupar com isso

Como se fosse o acessoacuterio ou o a mais neacute o plus Acho que essa visatildeo ela eacute

de todas as instacircncias no executivo no legislativo e dentro da defensoria haacute

esse visatildeo de que natildeo peraiacute a gente tem pouca gente pouco dinheiro entatildeo a

gente vai investir no que realmente eacute importante E isso nunca eacute a mulher

Entatildeo eu acho que vocecirc vai ver isso em todos os lugares que vocecirc visitar

porque eacute essa a visatildeo a sociedade vecirc assim Entatildeo isso eacute soacute a reproduccedilatildeo de

como a sociedade enxerga as questotildees de mulher as questotildees de mulher satildeo

sempre ah mulher eacute sensiacutevel mulher reclama muito mulher natildeo sei o que

natildeo eacute tatildeo grave assim exagera

As organizaccedilotildees agraves quais foi dado o papel de realizar uma poliacutetica puacuteblica

transversal com o vieacutes de gecircnero satildeo a Subsecretaria de Poliacuteticas para as mulheres de

Goiaacutes a Secretaria da Mulher em Professor Jamil a Coordenadoria de Poliacuteticas para

as Mulheres do estado de Satildeo Paulo e o Nuacutecleo Especializado de Promoccedilatildeo de

Direitos da Mulher Os sentidos dados agrave transversalidade pelos entrevistados mostra

que o papel construiacutedo dessas organizaccedilotildees seria o de articular outras organizaccedilotildees do

51

Estado e conscientizaacute-las para as desigualdades de gecircnero dentro e fora das

organizaccedilotildees A partir dessa construccedilatildeo de sentidos do que eacute transversalidade e

atribuiccedilatildeo desse papel a organizaccedilotildees voltadas para a questatildeo da mulher estaacute

diretamente relacionado aos recursos materiais que satildeo destinados a essas

organizaccedilotildees (sobre os quais aprofundaremos na seccedilatildeo 4) porque satildeo vistas como

organizaccedilotildees paralelas agravequelas consideradas como ldquoprincipaisrdquo como podemos notar

no discurso da Vitoacuteria em que ela afirma que as dificuldades de atuaccedilatildeo do nuacutecleo

passam em geral pelo sentido secundaacuterio e marginal dada agrave questatildeo de gecircnero Ou

seja esses elementos discursivos e extra-discursivos acabam distorcendo a questatildeo da

transversalidade Isso porque a mesma surgiu de jure (BAUMAN 2001) como uma

maneira conseguir resolver problemas complexos tratando-os de maneira transversal

e acabou sendo utilizada de facto (BAUMAN 2001) como uma ferramenta para a

reproduccedilatildeo da estrutura social machista devido agrave impressatildeo que se cria de que o

problema de gecircnero estaacute sendo resolvido pela existecircncia dessas organizaccedilotildees com o

enfoque em gecircnero mas na praacutetica elas natildeo satildeo empoderadas nem na agenda nem no

orccedilamento

Portanto esses diferentes sentidos dados ao que eacute machismo violecircncia de

gecircnero poliacutetica de gecircnero transversalidade e a que servem e como deve ser

realizadoscombatidos satildeo importantes para entender quais os tipos de poliacuteticas

puacuteblicas efetivamente colocadas em praacuteticas (PHILIPPS SEWELL JAYNES 2008)

por essas diferentes organizaccedilotildees (vide seccedilatildeo 3 em que mostramos como os

elementos extra-discursivos dialogam com os discursos) Aleacutem disso nessa seccedilatildeo

encontramos evidecircncias de que a estrutura social machista tem uma forccedila muito

grande pois apesar algumas ressignificaccedilotildees (de a mulher natildeo ser sexo fraacutegil) ela

permanece latente no discurso voltando a reproduzir a estrutura de desigualdade de

gecircnero Nesse sentido os contextos agriacutecola e urbano parecem natildeo mudar a existecircncia

dessa estrutura social mas vamos averiguar a seguir se esses contextos apontam

diferenccedilas em relaccedilatildeo aos elementos extra-discursivos

52

44 Elementos extra-discursivos

Nessa seccedilatildeo iremos analisar os principais elementos extra-discursivos que

surgiram durante as entrevistas e se relacionam com os discursos apresentados

(PHILIPPS SEWELL JAYNES 2008) Satildeo eles a Lei Maria da Penha sobre a qual

discorremos no referencial teoacuterico a estrutura fiacutesica das organizaccedilotildees os recursos

humanos disponiacuteveis e as accedilotildees ou poliacuteticas puacuteblicas resultantes de suas atuaccedilotildees

A Lei Maria da Penha por ser um marco juriacutedico em relaccedilatildeo ao tratamento do

Estado agrave violecircncia de gecircnero em seus diferentes tipos surgiu em todas as entrevistas

como base para o trabalho realizado pelos diferentes organismos Do ponto de vista

das soluccedilotildees segundo Vitoacuteria foi importante para fortalecer os movimentos sociais

que lutavam pela questatildeo da mulher e abrir espaccedilo entatildeo para que esses movimentos

exigissem esse olhar dentro de diferentes instituiccedilotildees como a defensoria puacuteblica

Contudo Ana Paula reforccedila que a Lei Maria da Penha foi precedida por algumas

leis que na verdade ainda natildeo satildeo de conhecimento pela populaccedilatildeo em geral Ela

relata um caso que lhe aconteceu na delegacia da mulher

Eu tinha recebido uma ocorrecircncia que era um homem que tinha

enfiado uma faca na esposa dele casada haacute 30 anos porque ela comprou um

conjunto de panelas e ele discordava do entendimento dela de como se gastava

o dinheiro Entatildeo que ela era uma vagabunda dizendo ele Soacute que essa

vagabunda trabalhava era uma enfermeira padratildeo no hospital de Diadema e

ele estava haacute onze anos E aleacutem de trabalhar e sustentar ele ela lavava

passava cozinhava e ela entendeu que com o salaacuterio dela dava pra comprar

um conjunto de panelas Aiacute ele puxou a faca pra ela veio uma ocorrecircncia

falando da tentativa de homiciacutedio o filho falou lsquonatildeo vou testemunhar conta

meu pai ainda que eu ache que a minha matildee corre risco com elersquo A matildee natildeo

quer vem falar lsquonatildeo foi soacute um desentendimentorsquo ela vem de um ciclo de

violecircncia E eu natildeo ia ter nenhuma testemunha no inqueacuterito natildeo ia dar certo o

flagrante e aiacute eu falei bom ela natildeo vai dormir em casa porque a nossa

preocupaccedilatildeo natildeo pode ser em fazer um papel deve ser o de garantir a

53

seguranccedila da mulher E aiacute o marido vira pra mim e fala lsquoeu natildeo vejo motivo

para conceder o divoacuterciorsquo E aiacute eu tive um surto com ele porque eu falava lsquoo

senhor vive na idade da pedrarsquo Porque quando eu nasci jaacute tinha a lei do

divoacutercio mas para eles natildeo Ele ainda achava que ele tinha o direito de dar ou

natildeo o divoacutercio E isso foi em 73 E aiacute a gente comeccedila a olhar e ver quantos

anos demoram para uma populaccedilatildeo se apropriar daquela legislaccedilatildeo se eacute que a

lei pegue porque no Brasil tem lei que natildeo pega natildeo eacute um paiacutes seacuterio Mas a lei

Maria da Penha veio ele conhece a lei mas ele natildeo conhece a lei do divoacutercio

E isso eacute regra

Ou seja a Lei Maria da Penha que estaacute no domiacutenio do empiacuterico ou seja o

que eacute efetivamente experimentado pelos atores natildeo garante o entendimento de outras

leis que mudaram as relaccedilotildees familiares em termos legais e os direitos igualados de

jure (BAUMAN 2001) entre homem e mulher Entatildeo antes da Lei Maria da Penha

houve uma sucessatildeo de leis que reforccedilavam a estrutura social machista no domiacutenio do

real Mesmo com as novidades da Lei Maria da Penha portanto natildeo foi possiacutevel

revolucionar a esfera do real e isso fica evidente com a permanecircncia de outras leis

anteriores no imaginaacuterio das pessoas Aleacutem disso Ana Paula tambeacutem expocircs a

dificuldade de se implementar a Lei Maria da Penha de facto (BAUMAN 2001)

Entatildeo a gente tem dispositivos como autoridade policial civil deveraacute

garantir a seguranccedila da mulher e aiacute o tema da minha dissertaccedilatildeo aquela vez

foi a seguranccedila da mulher na Lei Maria da Penha Porque ela eacute linda mas

como que uma delegada com trecircs policiais garante a seguranccedila de alguma

mulher Eu queria saber porque o policial geralmente vai no foacuterum busca

laudo leva laudo e etc Um tem que ficar na delegacia porque geralmente os

homens natildeo respeitam as mulheres mesmo as mulheres policiais aiacute tem que ter

toda uma loacutegica dentro da poliacutecia e da questatildeo socioloacutegica da poliacutecia de que eacute

melhor ter uma forma ostensiva em determinados momentos do que ter que usar

a forccedila entatildeo eacute melhor ter policiais homens armados do que ter que ser duro

com o indiviacuteduo que vira e fala lsquoeu natildeo respeito mulherrsquo e eles falam isso E

54

natildeo eacute um desacato agrave autoridade policial civil eacute uma relaccedilatildeo de que eles natildeo

respeitam o gecircnero feminino como igual E isso eacute muito complicado Aiacute sobra

um policial que natildeo pode sair de viatura porque se natildeo eacute viatura

descaracterizada E aiacute eu tenho que garantir a seguranccedila da mulher Aiacute eu

tenho que colocar ela em um abrigo Qual abrigo Ah a prefeitura de Satildeo

Paulo agora parece que melhorou o sistema de abrigamento Eacute melhorou mas

pra isso a gente precisa fazer boletim de ocorrecircncia em uma delegacia que

esteja aberta 24 horas e a gente natildeo tem delegacia da mulher aberta 24 horas

Ou seja faltam recursos humanos e orccedilamentaacuterios para manter a delegacia

funcionado bem e por 24 horas elementos do domiacutenio empiacuterico e a proacutepria lida

diaacuteria da delegada mulher com o machismo a impede de realizar seu trabalho sem ter

o acompanhamento de um homem Satildeo evidecircncias de que a criaccedilatildeo de delegacias

especializadas apesar de terem sido um avanccedilo estaacute longe de apresentarem uma

transformaccedilatildeo agrave estrutura social desigual uma vez que a distribuiccedilatildeo material

insuficiente impacta na reproduccedilatildeo das desigualdades de gecircnero

Mostrando essa dificuldade por um outro vieacutes Talita afirmou que a Lei Maria

da Penha fez com que as pessoas olhassem para as delegacias da Mulher como uma

ldquoceacutelula de expansatildeo de poliacuteticas puacuteblicasrdquo quando segundo ela a delegacia da

mulher e uma ldquodelegacia como qualquer outra a gente estaacute aqui para prender o

agressor investigar concluir processo e encaminhar ao poder judiciaacuteriordquo Esse

discurso de Talita mostra que o sentido dado por ela agrave delegacia especializada eacute de

uma delegacia como qualquer outra Isso implica que mesmo havendo uma tentativa

de jure (BAUMAN 2001) em trazer ferramentas no domiacutenio do empiacuterico para

combater a violecircncia contra a mulher de facto (BAUMAN 2001) a delegacia da

mulher sendo vista pelos atores que dela participam como uma delegacia da mulher

acaba sendo uma forccedila de manutenccedilatildeo da estrutura social machista no domiacutenio do

real

Outro discurso importante sobre a Lei Maria da Penha que surgiu na pesquisa

de campo foi a Joana O sentido atribuiacutedo por ela agrave Lei Maria da Penha eacute de ceticismo

porque de acordo com ela as mulheres voltam com um papel de medida protetiva

55

que natildeo serve para nada assim como a tornozeleira natildeo salva a mulher Segundo

Joana se o homem quer matar a mulher natildeo vai ser isso que vai impedi-lo e nem haacute

recursos suficientes para que o poder puacuteblico impeccedila que isso aconteccedila em sua cidade

e seus arredores

Inclusive na entrevista ouvimos pela uacutenica vez durante a pesquisa viacutetimas de

violecircncia de gecircnero duas mulheres que vieram fugidas para a cidade do Uma veio de

Trindade (Goiaacutes) fugindo agrave noite com os seis filhos e sua matildee do marido que a

agredia psicologicamente e fisicamente A secretaacuteria a ajudou quando chegou

encaminhando-a para atendimento psicoloacutegico no CRAS e conseguindo um emprego

para ela recomeccedilar a vida Ateacute hoje ela estaacute laacute escondida do marido e segundo ela

ela jaacute tinha procurado duas vezes delegacias comuns por serem as disponiacuteveis na sua

regiatildeo e que a Lei Maria da Penha e a medida protetiva natildeo ajudaram em nada a

situaccedilatildeo

Para Joana esse eacute um exemplo de vaacuterios que a levam a construir um sentido

de que as mulheres quando natildeo querem mais ficar com os maridos e conseguem

largam tudo e fogem Isso porque segundo ela as mulheres que fazem denuacutencias as

fazem na esperanccedila de mudar o comportamento dos seus parceiros para continuar

com eles e natildeo para que eles sejam presos Isso coloca em evidecircncia que de facto

(BAUMAN 2001) a lei natildeo consegue mudar a estrutura social

Queremos compreender melhor a distribuiccedilatildeo material que as organizaccedilotildees

entrevistadas possuem hoje para realizarem seu trabalho As pesquisas em Goiaacutes e em

Satildeo Paulo foram conduzidas nos locais de trabalho dos entrevistados o que

possibilitou conhecermos sobre o espaccedilo em que essas poliacuteticas estatildeo sendo

realizadas e a dimensatildeo das equipes por traacutes das mesmas Escolhemos descrever essas

condiccedilotildees de algumas organizaccedilotildees que melhor contribuem para nossa interpretaccedilatildeo e

anaacutelise

O CREAS de uma cidade do interior do estado de Goiaacutes por exemplo fica em

uma casa teacuterrea com uma sala pequena na entrada onde satildeo recebidas as viacutetimas A

maior parte da equipe do CREAS eacute composta por homens e a entrevista foi realizada

com trecircs membros da equipe o coordenador a assistente juriacutedica e o educador social

Percebemos que aleacutem de o centro natildeo ser um espaccedilo voltado especificamente para

56

mulheres a reproduccedilatildeo da estrutura social desigual estaacute claramente manifestada na

composiccedilatildeo da equipe que eacute composta por uma maioria masculina Aleacutem disso a

estrutura fiacutesica natildeo permite diferenciaccedilatildeo entre as populaccedilotildees em situaccedilatildeo de

vulnerabilidade atendidas Isto significa que homens mulheres e crianccedilas satildeo

atendidas em um mesmo local o que evidencia que no domiacutenio empiacuterico as chances

de mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia se sentirem agrave vontades para darem suas queixas

e buscarem ajuda no centro satildeo reduzidas sendo outro fator que contribui para a

manutenccedilatildeo da esfera real machista

Jaacute a Superintendecircncia de Poliacuteticas para Mulheres em Goiaacutes fica no centro de

uma cidade de Goiaacutes em uma estrutura de dois andares na avenida principal da

cidade Do lado de fora a pintura eacute roxa e estaacute bem sinalizada com campanha do

Disque-100 na fachada e a frase ldquoViolecircncia contra mulher natildeo tem desculpa tem

leirdquo O preacutedio tem uma secretaria com vaacuterias cadeiras na frente onde as pessoas se

identificam e satildeo encaminhadas para salas menores de acordo com a solicitaccedilatildeo

Enquanto esperamos pela entrevista nos abordaram quatro vezes por funcionaacuterias

diferentes perguntando se algueacutem jaacute tinha nos sido atendido Cada sala tem uma

funccedilatildeo especiacutefica assistentes sociais psicoacutelogos assistentes juriacutedicos todas de

atendimento localizadas no andar de baixo proacuteximas agrave entrada Tambeacutem no andar de

baixo no interior do preacutedio ficam as salas onde satildeo realizados trabalhos de

capacitaccedilatildeo e no andar de cima ficam as salas administrativas As condiccedilotildees materiais

desse local foram uma exceccedilatildeo em relaccedilatildeo agraves demais organizaccedilotildees visitadas Isso

porque a maioria dos profissionais satildeo mulheres e o atendimento natildeo eacute em um balcatildeo

mas diretamente com psicoacutelogas ou assistentes sociais em salas privativas Essas

condiccedilotildees no entanto natildeo satildeo estaacuteveis Como conta Roberta

Essa secretaria foi criada em 1987 ela chamava Secretaria Estadual

da Condiccedilatildeo Feminina E foram muito importantes esses quatro anos no

governo Henrique Santillo foram inovadores no sentido de implementar uma

poliacutetica que era muito pouco tratada no acircmbito institucional Entatildeo foi

fantaacutestico E nesse periacuteodo governamental houve poliacuteticas de seguranccedila para

a mulher sauacutede para a mulher enfim abriu um espaccedilo importante no Estado

57

de Goiaacutes Soacute que infelizmente os governos subsequentes extinguiram a

secretaria E ela soacute veio a ser retomada no primeiro governo Marconi Perillo

isso foi no final da deacutecada de noventa E ele criou uma superintendecircncia da

mulher e ela se tornou secretaria no governo seguinte e aiacute ela jaacute vem agora

dentro de um acircmbito institucional como secretaria de estado mesmo que

acoplado a ela por razotildees de ordem principalmente econocircmica e financeira

do estado tem a secretaria da mulher junto com outras aacutereas sociais e de

direitos humanos

Ou seja eacute importante relativizar a estrutura fiacutesica e equipe que vimos porque

historicamente a pauta da mulher foi tratada como um assunto secundaacuterio como

vimos no discurso de Roberta O impacto disso eacute que quando a situaccedilatildeo financeira do

estado complica a pauta eacute uma das primeiras que recebe cortes orccedilamentaacuterios ou eacute

acoplada a outras pautas como estaacute acontecendo agora A pauta da mulher que antes

jaacute dividia uma secretaria com a de desigualdade racial hoje foi incorporada por uma

secretaria guarda-chuva chama Secretaria Cidadatilde que abarca os temas da mulher do

desenvolvimento social da igualdade racial dos direitos humanos e do trabalho Isso

mostra que quando natildeo haacute mudanccedilas no domiacutenio real as mudanccedilas no domiacutenio

empiacuterico natildeo satildeo permanentes satildeo instaacuteveis e dependem de elementos extra-

discursivos que estatildeo sujeitos agrave estrutura social do real Ou seja quando a secretaria

tem condiccedilotildees financeiras ela pode ateacute colocar a questatildeo da mulher em pauta mas

assim que acontecerem momentos econocircmicos desfavoraacuteveis a igualdade de gecircnero

natildeo permanece na agenda pois nunca foi prioridade jaacute que estaacute inserida dentro de

uma estrutura social machista

A Delegacia Especializada no Atendimento agrave Mulher de Goiaacutes por sua vez

fica em um casaratildeo de dois andares no setor central de uma cidade de Goiaacutes Tem

uma sinalizaccedilatildeo discreta e eacute guardada por um policial militar na porta Entrando na

delegacia tem uma sala com banquinhos de madeira sem encosto para as viacutetimas e

seus acompanhantes aguardarem A delegacia de uma forma geral pareceu muito

interessada em estatiacutesticas e pouco sensibilizada com as viacutetimas que tratam

exatamente por esse nome e natildeo como cidadatildes O clima de maneira geral eacute tenso haacute

58

vaacuterias mulheres chorando esperando nos banquinhos pela oportunidade de subir as

escadas da delegacia Em frente aos bancos tem um grande balcatildeo que bloqueia a

entrada para o restante do edifiacutecio onde se encontra uma secretaacuteria Tudo tem que

passar antes por ela entatildeo as mulheres viacutetimas falam na frente de todo mundo a sua

queixa Enquanto esperava pela entrevista uma mulher chegou e mostrou hematomas

no braccedilo para a secretaacuteria e recebeu como resposta ldquoVocecirc tomou banho Isso eacute

sujeira ou eacute hematoma mesmordquo Quando satildeo chamadas para subir e serem atendidas

pela escrivatilde ou delegada respondem por um grito ldquoA viacutetima pode subirrdquo o que

acaba contribuindo para a estigmatizaccedilatildeo

Essa visita nos trouxe mais evidecircncias de que fazer organizaccedilotildees

especializadas eacute um avanccedilo sim mas que mesmo que elas sejam diferentes em sua

concepccedilatildeo o problema natildeo fica totalmente resolvido Nesse sentido enquanto natildeo

promovermos mudanccedilas na estrutura social do machismo novas legislaccedilotildees ou

organizaccedilotildees iratildeo promover mudanccedilas graduais Sem atacar essas causas a delegacia

especializada eacute uma reacuteplica da delegacia comum poreacutem com delegadas mulheres

mas que reproduzem a estrutura social machista no tratamento que elas datildeo agraves

viacutetimas no ambiente em que as mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia tecircm que frequentar

para ir atraacutes de seus direitos na forma como elas satildeo questionadas por estarem laacute

entre outros

Por fim fomos ateacute a Coordenadoria de Poliacuteticas para as Mulheres O

simbolismo eacute importante desde o momento de procurar essa secretaria na internet foi

muito complicado achar informaccedilotildees em sites de busca Mesmo depois de conseguir

encontrar em qual site maior a coordenadoria se encontra sua posiccedilatildeo no rol de

subsecretarias e coordenadorias da secretaria eacute a uacuteltima Aleacutem disso a entrevista em

si foi na coordenadoria que fica em um preacutedio antigo e central Descobrimos que a

coordenadoria fica no uacuteltimo andar da secretaria em uma sala mais escondida e natildeo

haacute identificaccedilatildeo da coordenadoria nos corredores como as demais do preacutedio que

estatildeo sinalizadas A coordenadoria consiste fisicamente em uma sala de reuniatildeo

acoplada ao escritoacuterio da Flaacutevia que eacute a uacutenica componente da equipe

59

Fomos tambeacutem ateacute uma cidade do interior de Goiaacutes a aproximadamente 70

quilocircmetros de Goiacircnia A Secretaria de Mulheres do municiacutepio soacute existe no nome

natildeo tem estrutura fiacutesica nem recursos financeiros apenas o cargo da secretaacuteria

Entatildeo o atendimento eacute feito na casa da secretaacuteria na sala de entrada onde tem duas

mesas de alumiacutenio juntadas e forradas com um pano um sofaacute e uma cadeira de cada

lado ao fundo tecircm equipamentos de cabelereiro profissatildeo que ela exercia Quando

chegamos laacute a sala estava cheia com pessoas se inscrevendo para o Minha Casa

Minha Vida com a ajuda da secretaacuteria e durante a conversa entraram vaacuterios cidadatildeos

de Professor Jamil e todos vinham com assuntos diversos a serem tratados por ela

Essa entrevista em Professor Jamil nos mostrou que agraves vezes apesar de

elementos extra-discursivos escassos como o caso de Joana existe a possibilidade de

tentar atacar as causas do machismo por exemplo chamando os homens para

conversarem nas rodas e promovendo o diaacutelogo mediado entre casais Mesmo assim

natildeo eacute isoladamente que se consegue combater uma estrutura social tatildeo forte quanto o

machismo

Pensando tanto nos discursos (seccedilatildeo 2) quanto nos espaccedilos e equipes

disponiacuteveis eacute possiacutevel perceber como eles se interligam com as accedilotildees dos oacutergatildeos

entrevistados Primeiramente para noacutes nenhuma das organizaccedilotildees entrevistadas

estatildeo formulando ou implementando poliacuteticas puacuteblicas no sentido que discutimos no

referencial teoacuterico de accedilatildeo organizada do Estado para combater um problema Isso

porque todas essas organizaccedilotildees realizam accedilotildees desconexas e pontuais para tentar

lidar com o problema sem atacar suas causas e reproduzindo as desigualdades de

gecircnero (domiacutenio real)

O CREAS visitado realiza atendimento de crianccedilas adolescentes mulheres e

idosos em situaccedilatildeo de vulnerabilidade social Durante a entrevista percebemos que

existe uma confusatildeo muito grande entre os tipos de atendimento que o CREAS

realiza tanto que quando foi perguntado sobre o que eacute poliacutetica de gecircnero a resposta

foi mais sobre poliacuteticas para adolescentes em situaccedilatildeo de vulnerabilidade

Jaacute a Superintendecircncia de Mulheres visitada seria responsaacutevel por formular

poliacuteticas puacuteblicas para esse puacuteblico-alvo De acordo com Roberta

60

A nossa principal poliacutetica eacute a garantia da seguranccedila tanto que noacutes

temos desde o atendimento primaacuterio da mulher atraveacutes de uma assistecircncia

social psicoloacutegica juriacutedica ateacute o abrigamento dessa mulher viacutetima de

violecircncia Entatildeo a gente direciona as nossas poliacuteticas nesse sentido Mas

tambeacutem noacutes temos que cuidar das outras questotildees que satildeo inerentes agrave mulher

a sauacutede a educaccedilatildeo e aiacute principalmente eu vejo hoje que o nosso papel

enquanto instituiccedilatildeo puacuteblica eacute desenvolver mesmo campanhas de

sensibilizaccedilatildeo

Fora isso a superintendecircncia estaacute capacitando 2500 profissionais servidores nas

aacutereas de educaccedilatildeo sauacutede movimentos sociais que trabalham com mulheres em

situaccedilatildeo de violecircncia Existe tambeacutem uma equipe especiacutefica da superintendecircncia

responsaacutevel pelas duas unidades moacuteveis que a secretaria recebeu em 2013 pelo

governo federal para atender mulheres do campo As unidades comeccedilaram o trabalho

indo ateacute o interior para prover serviccedilos de assistecircncia social juriacutedica e psicoloacutegica

No entanto a equipe se deparou com uma rede muito fragilizada e incapaz de

continuar o encaminhamento das demandas das mulheres

Aleacutem disso quando chegou na zona agraacuteria a equipe percebeu que lidar com

essas mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia da aacuterea rural era um desafio diferente do que

estavam acostumados na capital Isso porque as unidades moacuteveis iam para o campo

mas as mulheres tinham receio de entrar ou natildeo conseguiam chegar porque satildeo

ocircnibus rosas que chamam muita atenccedilatildeo e ficam inviaacuteveis para uma mulher nessa

situaccedilatildeo procurar sem ser vista por outras pessoas da regiatildeo e isso chegar ateacute o

agressor A taacutetica adotada entatildeo pelas unidades eacute

Quando vem uma solicitaccedilatildeo do municiacutepio a gente sempre procura

saber se eacute festividade porque para noacutes eacute melhor Porque aiacute tem a unidade

moacutevel e outros serviccedilos na praccedila em que ela pode transitar Soacute a unidade

moacutevel que eacute muito chamativa natildeo funciona Eacute um ocircnibus rosa e ela fica

mais acanhada A gente sempre procura incentivar o municiacutepio a promover

outras coisas ao mesmo tempo para preservar a mulher promover a diluiccedilatildeo

61

nesse espaccedilo e garantir minimamente que ela suba na unidade

Apesar disso quando visitamos a equipe eles natildeo estavam indo a campo

porque estavam em uma fase de transiccedilatildeo Como encontraram uma realidade

diferente da que imaginavam o seu trabalho agora estaacute sendo capacitar a rede montar

material fazer reuniotildees entre outros para tentar alinhar o trabalho de todos

Manuela esclarece

Nesse sentido o trabalho da equipe vem sendo reformulado porque

incialmente a ideia era ir ao interior e ser a porta de entrada das mulheres

viacutetimas de violecircncia levar informaccedilotildees sobre os seus direitos e onde buscar

ajuda e depois ter esse trabalho continuado pelos oacutergatildeos competentes mais

proacuteximos No entanto ao irem para o campo a equipe percebeu que a rede

estava despreparada para dar continuidade ao trabalho e que portanto seria

inuacutetil fazer o trabalho como anteriormente previsto sem dar a capacitaccedilatildeo

necessaacuteria

A Secretaria de Seguranccedila Puacuteblica por sua vez faz parte da rede de combate agrave

violecircncia contra a mulher e tem um papel importante tanto pelas DEAMs quanto pelo

monitoramento e fornecimento de informaccedilotildees criminais que servem de insumo para

a Secretaria da Mulher No entanto natildeo existe uma parceria soacutelida em que ambas as

secretarias atuam conjuntamente e amplamente em termos do estado e se

responsabilizam pela situaccedilatildeo das mulheres que sofrem violecircncia

Portanto a secretaria natildeo tem poliacuteticas puacuteblicas mais amplas em relaccedilatildeo ao

combate agrave violecircncia contra a mulher porque entende que essa competecircncia eacute da

Secretaria da Mulher O que a secretaria faz eacute atuar em regiotildees especiacuteficas

dependendo do gestor que estaacute em determinada aacuterea integrada de seguranccedila (regiatildeo

onde a poliacutecia militar e a poliacutecia civil tem a mesma circunscriccedilatildeo) Como nos disse

um major da secretaria

Que tipo de accedilatildeo preventiva que vai ser implementada em

62

determinado local depende de quem Do gestor que que estaacute ali naquela

regiatildeo em identificar qual eacute o problema dele em implementar essa questatildeo da

prevenccedilatildeo

No mais percebemos que tanto os centros de referencia CREAS e aqueles de

secretariassubsecretarias de mulheres quando existem quanto as delegacias

especializadas e os dados das secretarias de seguranccedila satildeo em geral voltados para

mecanismos juriacutedicos de proteccedilatildeo agrave mulher Mesmo havendo equipes de assistecircncia

social e psicoacutelogos em algumas instacircncias o foco principal das accedilotildees desses oacutergatildeos eacute

garantir medidas protetivas eou prender agressores

Aleacutem disso nos centros de referecircncia satildeo realizados estudos de caso

multidisciplinares para determinar o encaminhamento dado agrave viacutetima De acordo com

os discursos discutidos na seccedilatildeo anterior percebemos que apesar de parecer o

procedimento ideal a ser feito pode ser uma abertura para um julgamento social da

viacutetima pelos membros da equipe

Fora esses oacutergatildeos tivemos contato com o trabalho de uma entidade do

terceiro setor cuja atuaccedilatildeo era bastante diferente dos demais O Centro Popular da

Mulher trabalha sobretudo apoiando e ajudando as mulheres a se organizarem para

reivindicarem seus direitos Em relaccedilatildeo aos oacutergatildeos entrevistados a entidade parece

ser a mais presente na zona rural tanto em frequecircncia quanto em tempo de luta junto

agraves mulheres do campo

Aleacutem disso em termos de accedilotildees outra entrevista que apontou diferenccedilas foi

com a Joana cuja accedilatildeo era de busca ativa e de construccedilatildeo de espaccedilos de debate com

mulheres e homens Isso porque apesar da falta de apoio institucional da prefeitura

ela natildeo espera as mulheres buscarem ajuda No entanto isso soacute eacute possiacutevel porque ela

conhece todo mundo e fica sabendo do que acontece e entatildeo vai atraacutes do casal em

questatildeo E seu trabalho busca a conscientizaccedilatildeo das famiacutelias ela faz conversas de

roda e tambeacutem de casais em particular para tentar agir na causa do problema Suas

accedilotildees se baseiam na sua convicccedilatildeo de que a causa (seccedilatildeo 2 em que discutimos os

sentidos atribuiacutedos agraves caudas da violecircncia de gecircnero) estaacute na falta de respeito a

educaccedilatildeo machista e que isso soacute pode ser mudado se os homens estiverem

63

envolvidos nas accedilotildees de combate agrave violecircncia de gecircnero para tentar mudar o que a

sociedade pensa a maneira como a mulher eacute tratada

Nessa seccedilatildeo aprendemos que as manifestaccedilotildees extra-discursivas da estrutura

social machista varia de acordo com o contexto sobretudo em termos de recursos

materiais e equipe disponiacuteveis para combater a violecircncia de gecircnero nesse contexto

Aleacutem disso percebemos que as manifestaccedilotildees extra-discursivas estatildeo em constante

relaccedilatildeo com a manutenccedilatildeo da estrutura social como o exemplo de que as mulheres

natildeo conseguem alugar uma casa ou mudar o filho de creche afeta a possibilidade

praacutetica de sair de uma situaccedilatildeo de violecircncia Enfim discorreremos na proacutexima seccedilatildeo

com maior profundidade os resultados e as contribuiccedilotildees da pesquisa

64

5 Consideraccedilotildees Finais

Nossa pesquisa teve como objetivo responder agrave pergunta Como a estrutura

social do machismo se manifesta nos contextos urbano e agraacuterio A partir desse

trabalho notamos que a estrutura social do machismo estaacute presente nos dois

contextos urbano e agraacuterio poreacutem se manifesta de jeitos diferentes No contexto

agraacuterio de acordo com os entrevistados o machismo se manifesta de forma mais

aberta com o reforccedilo dos papeis tradicionais de gecircnero de que o papel da mulher eacute

cuidar da casa e dos filhos e o homem de prover financeiramente a famiacutelia estando

em uma posiccedilatildeo de superioridade Jaacute no contexto urbano a manifestaccedilatildeo da estrutura

social machista adquire outras formas sendo que haacute uma maior inserccedilatildeo da mulher no

mercado de trabalho e no discurso as pessoas natildeo reproduzem os papeis de gecircnero

tradicionais poreacutem na praacutetica acabam acontecendo ainda reproduccedilotildees desses mesmos

papeis de uma forma mais suacutetil pelo modo que a mulher deve se vestir pela

educaccedilatildeo diferente dada aos filhos de diferentes gecircneros etc

Tambeacutem nos perguntamos como essas manifestaccedilotildees do machismo satildeo

impactadas e impactam a formulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo

de violecircncia As manifestaccedilotildees do machismo impactam a formulaccedilatildeo de poliacuteticas

puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia porque levam a poliacuteticas com pouca

infraestrutura equipe e orccedilamento e porque abre uma brecha maior entre formulaccedilatildeo

e implementaccedilatildeo porque mesmo que se os formuladores natildeo tenham discursos

machistas no momento do discurso em accedilatildeo as accedilotildees nas delegacias especializadas

reproduzem papeis de gecircnero tradicionais e culpabilizam as mulheres em situaccedilatildeo de

violecircncia

Enfim queriacuteamos descobrir tambeacutem se existem ou natildeo diferenccedilas na

manifestaccedilatildeo do machismo especificamente em termos de violecircncia de gecircnero nas

zonas urbana e agraacuteria Nosso estudo mostrou via discursos que haacute muita divergecircncia

nesse ponto mas que a maioria dos entrevistados acredita que a diferenccedila eacute que no

contexto agraacuterio os tipos de violecircncia predominantes satildeo patrimonial e psicoloacutegico

enquanto no contexto urbano haacute uma maior incidecircncia de violecircncia fiacutesica

relativamente No entanto essa foi uma limitaccedilatildeo da pesquisa porque a quase-

65

totalidade dos entrevistados relatou estar discorrendo sobre algo de que natildeo conhece

por natildeo terem dados oficiais gerados sobre a violecircncia contra mulheres em zonas

agraacuterias e por natildeo terem contato com essas mulheres nas organizaccedilotildees em que

trabalham

Ao longo desse trabalho estudamos as principais referecircncias teoacutericas que

precisaacutevamos para analisar o problema em questatildeo principalmente para colocar em

evidecircncia que as poliacuteticas puacuteblicas estatildeo inseridas em lugares que influenciam e satildeo

influenciados pela construccedilatildeo de sentidos que ocorre no momento de determinaccedilatildeo de

um problema puacuteblica e de como ele seraacute tratado pelo Estado Nosso referencial

teoacuterico se juntou agrave metodologia o que permitiu natildeo soacute a organizar o conhecimento

cientiacutefico com base nas premissas da teoria mas tambeacutem a olhar para a nossa

pesquisa sempre com um olhar criacutetico de tentar enxergar as possibilidades de

mudanccedila da estrutura social

A partir do referencial teoacuterico e da metodologia demos iniacutecio ao trabalho de

estabelecer um roteiro semi-estruturado para as entrevistas depois conseguir agendar

as entrevistas fazer as mesmas transcrever as entrevistas e enfim analisar tudo

como um conjunto agrave partir da metodologia do realismo criacutetico e das referecircncias

teoacutericas que buscamos Isso nos permitiu enxergar os principais temas que surgiram

ao longo das entrevistas e organizaacute-los de acordo com os domiacutenios do realismo

criacutetico real atual e empiacuterico Depois disso estabelecemos um diaacutelogo entre o

referencial teoacuterico e as entrevistas de atores de organizaccedilotildees que lidam com a questatildeo

da violecircncia de gecircnero Isso foi relevante tambeacutem em termos metodoloacutegicos porque

percebemos que existem construccedilotildees de sentidos na academia que apontamos no

referencial teoacuterico que agraves vezes natildeo chegam agrave esfera dos atores que formulam e

implementam poliacuteticas puacuteblicas ou quando chegam elas impactam a esfera do atual

(discursos) sem necessariamente serem complementadas por mudanccedilas no domiacutenio

real (estrutura social de desigualdade de gecircnero) nem nos elementos extra-

discursivos que permitem mudanccedilas efetivas no domiacutenio empiacuterico (de poliacuteticas

puacuteblicas lidar com a questatildeo da violecircncia de gecircnero)

66

Nesse sentido um dos pontos que surgiu ao longo de todas as entrevistas foi o

foco das accedilotildees levadas a cabo pelas organizaccedilotildees Tanto no domiacutenio atual dos

discursos quanto no domiacutenio empiacuterico das poliacuteticas puacuteblicas o principal sentido

dado agrave violecircncia de gecircnero eacute de que a conscientizaccedilatildeo das mulheres se faz necessaacuteria

Os discursos vatildeo desde a falta de informaccedilatildeo da mulher a ira gerada tambeacutem pela

mulher a ausecircncia da mulher enquanto cumpridora de seu papel social na famiacutelia

dentre outros foram apontados como causas para a violecircncia de gecircnero Aleacutem disso

mesmo quando os discursos natildeo eram culpabilizadores da mulher eles giravam em

torno da cultura de modo bem geneacuterico como a sociedade patriarcal e machista

como causas para a violecircncia de gecircnero

Isso implica na transformaccedilatildeo desses discursos em accedilotildees de conscientizaccedilatildeo

como campanhas produccedilatildeo de informativos palestras entre outras Eacute interessante

perceber que natildeo haacute nesses casos poliacuteticas puacuteblicas que deem conta de efetivamente

resolver o problema de uma mulher em situaccedilatildeo de violecircncia isto eacute empoderaacute-la para

sair da situaccedilatildeo com meios materiais para fazecirc-lo e com uma proteccedilatildeo efetiva do

Estado em que ela eacute tratada como cidadatilde de direitos e natildeo como viacutetima Isso

demonstra que estatildeo sendo produzidos e reproduzidos discursos na esfera atual sem

necessariamente mudar a esfera real porque falta empoderamento das mulheres em

termos de recursos extra-discursos da esfera empiacuterica Aleacutem disso o tipo de accedilotildees

adotadas por essas organizaccedilotildees acabam sendo rasas porque ao mesmo tempo em

que natildeo atacam o problema diretamente na correccedilatildeo a posteriori tambeacutem natildeo lidam

com a causa no domiacutenio real isto eacute a estrutura social

Ou seja ao lidar somente com as mulheres em termos de conscientizaccedilatildeo a

maioria das organizaccedilotildees natildeo estaacute atacando a estrutura social porque os homens

fazem parte desta e natildeo satildeo chamados para a discussatildeo Aleacutem disso algumas dessas

accedilotildees de conscientizaccedilatildeo satildeo vazias ateacute para o puacuteblico-alvo as mulheres porque

muitas vezes as mulheres que buscam a ajuda do Estado para lidar com a violecircncia de

gecircnero natildeo sabem ler ou entatildeo natildeo podem atender a essas accedilotildees por estarem em

zonas agraacuterias em que estatildeo muito mais vulneraacuteveis em termos de exposiccedilatildeo ao

agressor ou ao resto da comunidade

67

Nesse sentido tambeacutem achamos relevante em todas as entrevistas a maneira

como satildeo recepcionadas as mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia De maneira geral satildeo

montadas equipes multidisciplinares que tratam cada situaccedilatildeo casuisticamente A

primeira vista nossa impressatildeo foi de que essa era uma boa maneira de lidar com o

problema da violecircncia domeacutestica porque cada mulher estaacute inserida em um contexto

diferente Poreacutem ao longo das entrevistas notamos que o domiacutenio do real acaba

influenciando esta casuiacutestica e diminuindo seu potencial empoderador Isso acontece

porque a estrutura social machista acaba levando a anaacutelise de caso para um

julgamento social da mulher em que muitas vezes o discurso anterior ao seu

atendimento (domiacutenio atual) influencia diretamente a ajuda que ela vai receber do

oacutergatildeo (domiacutenio empiacuterico)

Explorando mais a questatildeo das zonas urbana e agraacuteria haacute evidecircncias de que a

zona agraacuteria eacute muito pouco conhecida pelas organizaccedilotildees que lidam com a violecircncia

de gecircnero Em relaccedilatildeo ao contexto urbano as organizaccedilotildees parecem convergir mais

em termos de discursos sobre as manifestaccedilotildees do machismo nas cidades e as causas

da violecircncia de gecircnero nas mesmas Poreacutem o mesmo natildeo acontece em relaccedilatildeo agraves

zonas agraacuterias

Eacute importante ressaltar que na maioria das entrevistas quando explicamos os

objetivos da pesquisa os entrevistados comeccedilavam a conversa afirmando seu

desconhecimento do que acontece na aacuterea agraacuteria mesmo quando se tratavam de

organizaccedilotildees cuja amplitude de atuaccedilatildeo de jure (BAUMAN 2001) incluiacutea essas

localidades Agravam essa questatildeo tanto elementos extra-discursivos como a falta de

profissionais e dados pouco confiaacuteveis sobre o que acontece devido agrave subnotificaccedilatildeo

como tambeacutem os discursos formados pelos atores sobre a zona agraacuteria Apesar de se

colocarem quase sempre como incapazes de comentar sobre a zona agraacuteria ao longo

das entrevistas surgiram vaacuterios discursos sobre como o machismo de manifesta no

contexto rural as suas causas e como isso se tornava violecircncia contra a mulher

Notamos entatildeo que os sentidos construiacutedos eram muito heterogecircneos em relaccedilatildeo aos

entrevistados e formados com base em um caso especiacutefico com o qual tiveram

contato ou agraves vezes sem contato nenhum com mulheres da zona agraacuteria Isso mostra

como o domiacutenio do real eacute forte na determinaccedilatildeo dos discursos e a falta da

68

experimentaccedilatildeo empiacuterica dos atores com a realidade das mulheres em situaccedilatildeo de

violecircncia em contextos agraacuterios intensifica a estrutura social machista pela

reproduccedilatildeo de discursos machistas para suprir o vaacutecuo do conhecimento sobre essa

situaccedilatildeo

Por fim todos esses pontos colocados satildeo evidecircncias que mostram como os

trecircs domiacutenios da vida social impactam na existecircncia ou natildeo de poliacuteticas puacuteblicas para

mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia nas zonas urbana e agraacuteria Ou seja quando se

muda os discursos sem mudar os elementos extra-discursivos nem a estrutura social

as mudanccedilas natildeo satildeo profundas o suficiente para atacar um problema complexo como

este e acabam por vezes tendo um efeito perverso de reproduzir as causas deste

mesmo problema transmitindo a impressatildeo de que ele estaacute sendo de fato resolvido

51 Implicaccedilotildees para a Praacutetica

As reflexotildees geradas nesse trabalho pretendem ser uacuteteis para mudar o

problema na praacutetica dado os objetivos criacuteticos da ACD Nesse sentido acreditamos

que um dos achados que move accedilotildees praacuteticas eacute a invisibilidade da violecircncia contra a

mulher em contextos agraacuterios Natildeo haacute dados sendo gerados sobre essas mulheres em

situaccedilatildeo de violecircncia ateacute porque elas natildeo costumam chegar agraves instituiccedilotildees formais

que lidam com o problema Nesse sentido apontamos para a urgecircncia dessas

instituiccedilotildees buscarem ativamente essas mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia na zona

agraacuteria para conhecerem melhor as demandas especiacuteficas desse puacuteblico e poderem

entatildeo compreender melhor o problema

Tambeacutem no que diz respeito agrave invisibilidade haacute pouca produccedilatildeo acadecircmica

utilizando a ontologia do Realismo Criacutetico para se pensar em violecircncia de gecircnero e

natildeo encontramos nenhuma bibliografia que discuta o contexto especiacutefico de mulheres

em situaccedilatildeo de violecircncia em zonas agriacutecolas A academia poderia entatildeo ajudar a

colocar esse tema na agenda e a delimitar mais detidamente as manifestaccedilotildees da

estrutura social machista nesse contexto

Enfim acreditamos que uma contribuiccedilatildeo praacutetica estaacute relacionada agraves

evidecircncias encontradas de que a maior parte dos esforccedilos do poder puacuteblico para

69

atacar a violecircncia contra a mulher estaacute focada em campanhas de conscientizaccedilatildeo

Queriacuteamos apontar que uma contribuiccedilatildeo desse trabalho eacute apontar que as campanhas

de conscientizaccedilatildeo natildeo mudam nem a estrutura social nem os elementos extra-

discursivos das mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia como a necessidade de recursos

financeiros para poder sair de casa e caminhos institucionais para poder por exemplo

mudar os filhos de creche quando estatildeo nessa situaccedilatildeo

52 Limitaccedilotildees da Pesquisa

Apesar das contribuiccedilotildees teoacutericas e praacuteticas da pesquisa houve uma mudanccedila

no que se pretendia inicialmente estudar pela falta de dados acerca do contexto

agriacutecola e pouco contato das organizaccedilotildees com mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia

nesse contexto Dessa forma essa pesquisa eacute limitada porque apesar de querer

entender os diferentes contextos a compreensatildeo no contexto urbano foi muito maior

Nesse sentido os discursos coletados acerca do contexto agriacutecola eram

apontados pelos proacuteprios entrevistados como impressotildees infundadas por natildeo se

basearem na sua experiecircncia profissional nem em conhecimento teoacuterico pela

inexistecircncia de estudos Assim os discursos eram muito mais heterogecircneos do que os

que dizem respeito ao contexto urbano e demonstrou que natildeo haacute diagnoacutestico desse

problema e que os sentidos acerca do mesmo ainda estatildeo sendo construiacutedos pelos

profissionais que trabalham na aacuterea e por enquanto estaacute negociada mais a inaccedilatildeo do

que o como agir

Por fim como apontamos ao longo do trabalho natildeo encontramos experiecircncias

concretas de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia nas aacutereas

agraacuterias no estados de Goiaacutes e Satildeo Paulo Desta forma achamos relevante continuar

essa busca por experiecircncias que lidam com esse problema em uma pesquisa posterior

70

6 Referecircncias Bibliograacuteficas

ALVES Mario Aquino Anaacutelise Criacutetica do Discurso Exploraccedilatildeo da

Temaacutetica GVPesquisa Satildeo Paulo 2006

BANDEIRA Lourdes Maria Violecircncia de Gecircnero a Construccedilatildeo de um

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2001

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Administraccedilatildeo de Empresas de Satildeo Paulo Fundaccedilatildeo Getulio Vargas Satildeo Paulo

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74

7 Anexos

71 Roteiro SEMIRA

1) Na sua opiniatildeo o que eacute poliacutetica de gecircnero Existe alguma

especificidade na hora de elaborar esse tipo de poliacutetica O que a diferencia eou

aproxima de poliacuteticas de outras aacutereas

2) O que vocecirc acredita que satildeo as causas das desigualdades de gecircnero A

SEMIRA combate as causas diretamente como

3) Como foi a evoluccedilatildeo do tratamento da questatildeo de gecircnero no Estado

Qual a estrutura organizacional da secretaria para lidar com a violecircncia de gecircnero

4) O que significa para vocecirc o fato de poliacuteticas de gecircnero serem

transversais Como isso se materializa na accedilatildeo da SEMIRA

5) Quais satildeo os desafios na hora de formular eou implementar poliacuteticas

transversais O machismo se manifesta nesses momentos na hora de lidar com outras

secretarias que natildeo atuam diretamente com a questatildeo de gecircnero

6) A mudanccedila para uma secretaria mais ampla em termos de temas

abarcados muda a maneira como a transversalidade eacute abordada Como

7) A transversalidade tambeacutem muda de acordo com os contextos urbanos

e rural Como ela se relaciona a esses contextos

8) Como o machismo se manifesta na sociedade E na aacuterea rural E na

aacuterea urbana Compare as duas Existem outros fatores culturais que diferenciam a

aacuterea rural e urbana e que influenciam a maneira como a violecircncia de gecircnero se

manifesta

9) Existe diferenccedila entre violecircncia de gecircnero nos acircmbitos rural e urbano

10) Se sim quais as implicaccedilotildees dessa diferenccedila E a secretaria incorpora

essa diferenccedila na formulaccedilatildeo das suas poliacuteticas puacuteblicas

11) O Estado consegue chegar a uma mulher viacutetima de violecircncia da

mesma maneira na aacuterea urbana e rural

12) Vocecirc sente diferenccedila na maneira como os funcionaacuterios policiais

delegados etc lidam com a violecircncia de gecircnero em zonas mais rurais ou urbanas

75

Como essa diferenccedila se manifesta e como a SEMIRA lida com a diferenccedila entre

atores parceiros

13) Como surgiu a SEMIRA Quais foram os atores importantes Qual

era e eacute a sua relaccedilatildeo da SEMIRA com outros oacutergatildeos do governo do Estado

14) Quais satildeo as poliacuteticas puacuteblicas da secretaria direcionadas para o

enfrentamento da violecircncia de gecircnero Como elas comeccedilaram Como elas

funcionam

15) Qual eacute o histoacuterico da poliacutetica dos ocircnibus multidisciplinares que vatildeo ao

campo Como foi a aceitaccedilatildeo pela populaccedilatildeo Continuidade

72 Formulaacuterio de Consentimento Entrevista

Mulheres em situaccedilatildeo de vulnerabilidade social Contextos Construccedilatildeo Simboacutelica

e Poliacuteticas Puacuteblicas

Beatriz Junqueira Kipnis

FGV-EAESP

Sou Beatriz Junqueira Kipnis aluna de graduaccedilatildeo em Administraccedilatildeo Puacuteblica

na Fundaccedilatildeo Getulio Vargas de Satildeo Paulo Estou fazendo uma pesquisa de iniciaccedilatildeo

cientiacutefica sob orientaccedilatildeo dos Prof Dr Marcus Vinicius Peinado Gomes e Prof Dr

Fernando Burgos O objetivo desta pesquisa eacute descobrir se e como os contextos

agriacutecola e urbano impactam na formulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em

situaccedilatildeo de violecircncia e quais as implicaccedilotildees de semelhanccedilas e diferenccedilas dos mesmos

para o cotidiano do puacuteblico beneficiaacuterio Gostariacuteamos de contar com a sua

participaccedilatildeo voluntaacuteria para a parte de campo da pesquisa pois acreditamos que

conhecer a experiecircncia praacutetica possibilitaraacute e enriqueceraacute as anaacutelises dessa pesquisa

Para isso deixamos explicitada nossa eacutetica de pesquisa e pedimos que assine esse

formulaacuterio em caso de consentimento

1 Confidencialidade

Esta entrevista tem como objetivo coletar informaccedilotildees para esta pesquisa e

portanto possui objetivo estritamente acadecircmico Qualquer comentaacuterio opiniatildeo ou

76

avaliaccedilotildees que vocecirc fizer seratildeo tratados com confidencialidade e analisados apenas

para os interesses desta pesquisa

2 Permissatildeo para citaccedilatildeo

Eu gostaria de poder citar diretamente trechos de nossa conversa nos relatoacuterios

e publicaccedilotildees oriundas desta pesquisa Caso deseje manter seu anonimato por favor

manifeste sua preferecircncia antes do iniacutecio da entrevista

3 Participaccedilatildeo

Sua participaccedilatildeo nesta pesquisa eacute voluntaacuteria e vocecirc natildeo receberaacute nenhum

pagamento para tal

Vocecirc pode decidir a qualquer momento por qualquer razatildeo em natildeo mais

fazer parte desta pesquisa Em caso de duacutevidas ou esclarecimentos vocecirc pode fazer

perguntas a mim em qualquer momento

3 Gravaccedilatildeo

Gostaria de pedir sua permissatildeo para gravar nossa entrevista com o uacutenico

proposito de facilitar o processo de pesquisa Se vocecirc natildeo concorda com a gravaccedilatildeo

por favor manifeste sua preferecircncia antes do iniacutecio da entrevista

Assinatura do Entrevistado ___________________________________________

Data _____________________________________________

Assinatura do Pesquisador _____________________________

Data _____________________________________________

Caso tenha alguma duacutevida sobre o estudo por favor entrar em contato com

Beatriz Kipnis bjkipnishotmailcom ou Dr Marcus Gomes marcusgomesfgvbr

Page 2: Fundação Getúlio Vargas Escola de Administração de ......mulheres de áreas agrícolas e se sentiam pouco à vontade para comentar sobre a violência contra mulheres nessas áreas.

2

Sumaacuterio

1 Introduccedilatildeo 4

2 Referencial Teoacuterico8

21 Poliacuteticas Puacuteblicas 8

211 O que satildeo Poliacuteticas Puacuteblicas

e quais os seus processos 8

212 O que e quem estaacute incluso no

ldquopuacuteblicordquo tratado pelas Poliacuteticas Puacuteblicas 10

213 A produccedilatildeo de conhecimento e

a importacircncia das praacuteticas cotidianas 12

22 Contextos Onde as Poliacuteticas Puacuteblicas acontecem 17

23 Gecircnero Machismo e Violecircncia de Gecircnero 18

3 Metodologia 23

31 Realismo Criacutetico e a Violecircncia de Gecircnero 23

32 Anaacutelise Criacutetica do Discurso 27

33 A emancipaccedilatildeo como chave entre as esferas 32

34 A pesquisa de campo e a coleta de dados 34

4 A Anaacutelise 38

41 As poliacuteticas puacuteblicas de violecircncia de gecircnero no Brasil 38

42 Contextualizaccedilatildeo da Anaacutelise 41

43 Manifestaccedilotildees Discursivas da Estrutura Social 43

44 Elementos Extra-discursivos 52

5 Consideraccedilotildees Finais 64

51Implicaccedilotildees para a Praacutetica 68

52 Limitaccedilotildees da Pesquisa 69

6 Referecircncias Bibliograacuteficas 70

7 Anexos 74

3

Meus sinceros agradecimentos aos meus orientadores

Professores Marcus Vinicius Gomes e Fernando

Burgos pelo conhecimento e amizade passados durante

a pesquisa e por me desafiaram intelectualmente nesse

trabalho Aos meus pais Ana Paula e Andreacute que desde

pequena me mostraram a beleza da pesquisa E ao

Patrick pela matildeo estendida cotidianamente

4

1 Introduccedilatildeo

A violecircncia contra a mulher eacute um problema que atinge o Brasil com nuacutemeros

desastrosos Segundo estudo do Laboratoacuterio de Anaacutelises Econocircmicas Histoacutericas

Sociais e Estatiacutesticas (LAESER 2014) em 2012 houve 103794 mil notificaccedilotildees de

mulheres que sofreram violecircncia domeacutestica sexual dentre outras Entre 2011 e 2012

30607 mulheres sofreram violecircncia sexual dentre as quais 22884 mulheres foram

viacutetimas de estupro (LAESER 2014) o que significa 62 mulheres estupradas por dia

ou 261 mulheres estupradas por hora

Houve mudanccedilas significativas em termos dos aparatos legais disponiacuteveis

para combater a violecircncia de gecircnero e consequentemente um movimento de expansatildeo

de instituiccedilotildees ligadas a esse trabalho como delegacias especializadas e organizaccedilotildees

especiacuteficas para mulheres No entanto nos pareceu que esse avanccedilo ainda natildeo leva

em consideraccedilatildeo uma possiacutevel diferenccedila entre violecircncia de gecircnero em contextos

agriacutecola e urbano

A premissa da pesquisa era que as mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia nessas

regiotildees agriacutecolas ficam mais escondidas ndash ou invisiacuteveis ndash agraves accedilotildees do poder puacuteblico

Tambeacutem parece que outras loacutegicas permeiam esse lugar fazendo com que a situaccedilatildeo

das mulheres viacutetimas da violecircncia seja diferente daquelas que habitam regiotildees mais

urbanizadas e portanto criando praacuteticas diferentes que influenciam e satildeo

influenciadas pelas poliacuteticas puacuteblicas que pretendem abordar o problema Esse

problema estaacute presente nas aacutereas urbana e agraacuteria do Brasil poreacutem a quase totalidade

dos dados produzidos sobre o tema estatildeo concentrados na aacuterea urbana sobretudo

porque natildeo haacute nenhuma coleta de dados especiacutefica para a aacuterea agraacuteria e na coleta

comum esta aacuterea apresenta muita subnotificaccedilatildeo

Corroborando com esta ausecircncia nas poliacuteticas puacuteblicas haacute tambeacutem uma

lacuna na literatura sobre violecircncia contra a mulher no que tange as diferenccedilas entre

violecircncia de gecircnero nos contextos urbano e agriacutecola Aleacutem disso ausecircncia de dados

puacuteblicos sobre a violecircncia de gecircnero no ambiente agriacutecola reforccedilam a ideia da

invisibilidade desta questatildeo Eacute esta aparente tensatildeo que motivou essa pesquisa sobre a

5

existecircncia dessas diferenccedilas e se os aparatos estatais levam ou natildeo em conta as

mesmas na hora de elaborar e implementar poliacuteticas puacuteblicas para combater a

violecircncia de gecircnero Dessa maneira a pergunta que orientou esse trabalho eacute os

contextos agriacutecola e urbano influenciam a construccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para

mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia

Por meio de uma anaacutelise criacutetica do discurso analisamos os sentidos sobre

violecircncia contra a mulher e as poliacuteticas puacuteblicas relacionadas a este tema

Constatamos que este problema puacuteblico estaacute em constante negociaccedilatildeo sendo que os

sentidos do que eacute violecircncia de gecircnero quais satildeo suas causas e quais satildeo os caminhos

para combatecirc-la satildeo sentidos construiacutedos e reconstruiacutedos pelos formuladores

implementadores e stakeholders diversos como ONGs e sociedade civil

Nesse sentido substanciando as poliacuteticas puacuteblicas haacute uma negociaccedilatildeo de

sentido sobre a violecircncia contra a mulher O tema entra na agenda nos anos setenta

pelo alto nuacutemero de assassinatos de mulheres e comeccedila a acontecer uma

renegociaccedilatildeo de sentidos quanto agrave violecircncia contra a mulher que antes era vista como

um problema da esfera privada e passa a ser enfrentada como um problema puacuteblico

(BANDEIRA 2014) Jaacute em 1985 as Delegacias Especiais de Atendimento agraves

Mulheres satildeo criadas pela nova negociaccedilatildeo de que esse problema precisava ser

tratado por mulheres E somente em 2005 depois de diversas negociaccedilotildees e

mudanccedilas legais foi criada a Lei Maria da Penha como resultado dessas

ressignificaccedilotildees do problema As mudanccedilas juriacutedicas como a Lei Maria da Penha

estatildeo trazendo mudanccedilas graduais importantes Poreacutem ainda existe uma distancia

entre a lei e os elementos praacuteticos que acabam reproduzindo a estrutura social

machista todavia presente na sociedade brasileira

Apesar do grande avanccedilo na questatildeo a questatildeo rural permanece como um

grande silecircncio sendo que a ausecircncia de dados sobre o contexto rural dificulta a

melhor compreensatildeo destas relaccedilotildees sociais Esta eacute uma limitaccedilatildeo da pesquisa uma

vez que prejudicou uma anaacutelise mais profunda sobre o contexto agriacutecola Assim uma

recomendaccedilatildeo desta pesquisa para a administraccedilatildeo puacuteblica eacute a produccedilatildeo de pesquisas

e dados sobre o tema de forma a subsidiar o debate puacuteblico e a consequente

elaboraccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas

6

Nesse sentido este trabalho busca contribuir iniciando uma discussatildeo acerca

da invisibilidade das mulheres em contextos agriacutecolas e da especificidade das

manifestaccedilotildees do machismo nesse contexto Fica evidente ao longo do trabalho a

necessidade de gerar dados sobre violecircncia de gecircnero nas aacutereas agriacutecolas afim de que

o problema possa ser melhor compreendido e tambeacutem de se aprofundar poliacuteticas

puacuteblicas que atendam essa populaccedilatildeo para que os profissionais da temaacutetica de gecircnero

comecem a entender melhor o problema da violecircncia de gecircnero em aacutereas agriacutecolas

levando a mais e melhores poliacuteticas puacuteblicas para atender a essa populaccedilatildeo

Os achados da pesquisa mostraram que natildeo haacute grande diferenccedila nos elementos

discursivos em relaccedilatildeo aos contextos urbano e agriacutecola poreacutem existe uma diferenccedila

nas manifestaccedilotildees do discurso em accedilatildeo e seus elementos extra-discursivos Com essa

conclusatildeo temos evidecircncias de que a estrutura social do machismo permeia ambos

contextos agriacutecola e urbano poreacutem pode ser manifestado de maneiras distintas

apesar da uniformidades dos discursos de quem trabalha em organizaccedilotildees voltadas

para o combate agrave violecircncia de gecircnero Tal distinccedilatildeo seria suficiente para a existecircncia

de poliacuteticas puacuteblicas distintas jaacute que o machismo se manifesta de maneiras distintas

Para chegar a essas consideraccedilotildees a pesquisa apresenta inicialmente uma revisatildeo da

literatura para delimitar o conceito de poliacuteticas puacuteblicas de quem estamos falando

enquanto ldquopuacuteblicordquo como esse processo de significaccedilatildeo estaacute em negociaccedilatildeo e o

contexto em que ele se insere A seguir haacute uma discussatildeo metodoloacutegica que busca

delimitar o campo ontoloacutegico do trabalho o Realismo Criacutetico e em seguida expor as

diferentes possibilidades epistemoloacutegicas e explicar a escolha da Anaacutelise Criacutetica do

Discurso como maneira de estudar essa ontologia A partir dessa especificaccedilatildeo

traccedilamos os objetivos da pesquisa para entatildeo comeccedilarmos a pesquisa de campo em

Goiaacutes e em Satildeo Paulo A proacutexima etapa consiste na anaacutelise do campo agrave luz da

bibliografia e metodologia levantadas afim de descrever o contexto dos formuladores

e implementadores de poliacuteticas puacuteblicas para combater a violecircncia de gecircnero Nessa

fase da pesquisa como descrevemos na metodologia (seccedilatildeo 3) e nas anaacutelises do

campo (seccedilatildeo 4) descobrimos como na praacutetica a existecircncia de soluccedilotildees reais que

levam em consideraccedilatildeo as diferenccedilas de violecircncia contra a mulher nas zonas agraacuteria e

rural satildeo muito poucas Logo a anaacutelise do discurso inclui ainda reflexotildees sobre essas

7

diferenccedilas no entanto a seccedilatildeo que discorre sobre as soluccedilotildees sendo formuladas ou

implementadas se concentra mais nas aacutereas urbanas uma vez que essa foi a realidade

com a qual nos deparamos no campo Por fim encerramos discorrendo sobre os

achados e contribuiccedilotildees desta pesquisa assim como quais satildeo os horizontes para

novas pesquisas sobre o tema

8

2 Referencial Teoacuterico

21Poliacuteticas Puacuteblicas

211 O que satildeo poliacuteticas puacuteblicas e quais os seus processos

Poliacuteticas puacuteblicas podem ser entendido como a soma de accedilotildees e decisotildees que

ocorrem por parte de atores puacuteblicos ndash estatais ou natildeo ndash e natildeo puacuteblicos para resolver

uma situaccedilatildeo definida como um problema coletivo (SUBIRATS et al 2012) Saravia

(2006 P29) define poliacutetica puacuteblica como

()um sistema de decisotildees puacuteblicas que visa a accedilotildees ou omissotildees

preventivas ou corretivas destinadas a manter ou modificar a realidade de

um ou vaacuterios setores da vida social por meio da definiccedilatildeo de objetivos e

estrateacutegias de atuaccedilatildeo e da alocaccedilatildeo de recursos necessaacuterios para atingir os

objetivos estabelecidos

Isso significa que poliacutetica puacuteblica atraveacutes da accedilatildeo ou inaccedilatildeo age com

determinada finalidade e isso ocorre atraveacutes de um processo de definiccedilatildeo de

prioridades Encontramos evidecircncias ao longo da pesquisa de que esta inaccedilatildeo eacute

tambeacutem uma escolha em relaccedilatildeo ao problema da violecircncia de gecircnero em aacutereas

agriacutecolas Os entrevistados em geral tinham tido pouco ou nenhum contato com

mulheres de aacutereas agriacutecolas e se sentiam pouco agrave vontade para comentar sobre a

violecircncia contra mulheres nessas aacutereas Nesse sentido a falta de accedilatildeo foi uma escolha

poliacutetica tambeacutem por decidir natildeo se produzir dados acerca dessa violecircncia ndash como

seraacute demostrado ateacute haacute dois anos natildeo havia nenhuma iniciativa especificamente

direcionada para esse puacuteblico Enfim o impacto disso eacute um ciclo vicioso de falta de

poliacuteticas puacuteblicas gerando falta de dados sobre o problema que criam um discurso de

justificativa para a inaccedilatildeo

Uma poliacutetica puacuteblica passa por algumas etapas importantes que satildeo

sistematizadas em fases mas natildeo ocorrem necessariamente em ordem cronoloacutegica e

9

podem ser simultacircneas De acordo com Saravia (2006) essas fases satildeo agenda

elaboraccedilatildeo formulaccedilatildeo implementaccedilatildeo execuccedilatildeo acompanhamento e avaliaccedilatildeo A

agenda eacute a fase em que determinada situaccedilatildeo se transforma em problema puacuteblico

(SARAVIA 2006) ou seja quando o Estado decide realizar alguma decisatildeo puacuteblica

sobre determinado problema seja ela atraveacutes da accedilatildeo ou da omissatildeo A elaboraccedilatildeo eacute

quando satildeo traccediladas as diferentes alternativas de accedilatildeo do Estado frente a esse

problema (SARAVIA 2006) Depois a formulaccedilatildeo eacute quando uma alternativa eacute

escolhida e aprofundada para lidar com o problema (SARAVIA 2006) Em seguida

acontece a implementaccedilatildeo dessa alternativa isto eacute a preparaccedilatildeo em termos de

recursos materiais e humanos para realizar a poliacutetica puacuteblica (SARAVIA 2006) A

execuccedilatildeo por sua vez eacute a accedilatildeo em si a praacutetica do planejamento realizado (SARAVIA

2006) Depois o acompanhamento eacute o monitoramento da poliacutetica puacuteblica enquanto

ela estaacute em fase de execuccedilatildeo para poder fazer alteraccedilotildees se necessaacuterias e corrigir o

rumo de acordo com os objetivos pretendidos (SARAVIA 2006) Por fim a

avaliaccedilatildeo eacute a verificaccedilatildeo do desempenho da poliacutetica puacuteblica depois que ela foi

executada e pode ser medida em termos de eficiecircncia eficaacutecia e efetividade

Eacute importante ressaltar que todas as etapas das poliacuteticas puacuteblicas satildeo

influenciadas pelo discurso uma vez que poliacutetica puacuteblica natildeo eacute o resultado de uma

anaacutelise meramente racional e cientiacutefica e sim influenciada por julgamentos de valor e

significados atribuiacutedos aos problemas puacuteblicos embora a poliacutetica puacuteblica aconteccedila

atraveacutes dessas etapas a poliacutetica se realiza na negociaccedilatildeo dos significados Saravia

(2006) ressalta nesse sentido a importacircncia das instituiccedilotildees no processo das poliacuteticas

puacuteblicas como podemos perceber no trecho

Os estudos de poliacutetica puacuteblica mostram a importacircncia das insituiccedilotildees

estatais tanto como organizaccedilotildees pelas quais os agentes puacuteblicos (eleitos ou

administrativos) perseguem finalidades que natildeo satildeo exclusivamente respostas

a necessidades sociais como tambeacutem configuraccedilotildees e accedilotildees que estruturam

modelam e influenciam os processos econocircmicos com tanto peso como as

classes e os grupos de interesse (SARAVIA 2006 p 37)

10

Ou seja as poliacuteticas puacuteblicas satildeo produzidas dentro de um contexto

organizacional que influencia o desenho e o resultado que se atinge com uma poliacutetica

puacuteblica

212 O que e quem estaacute incluso no ldquopuacuteblicordquo tratado pelas poliacuteticas puacuteblicas

Como vimos na seccedilatildeo anterior existe uma negociaccedilatildeo sobre a definiccedilatildeo o que

satildeo problemas puacuteblicos e decidir a partir da definiccedilatildeo do problema como seratildeo

combatidos Nesse sentido uma das questotildees que vecircm agrave tona na delimitaccedilatildeo do

problema eacute a negociaccedilatildeo do sentido de lsquopuacuteblicorsquo uma vez que este natildeo eacute um conceito

consensual se tratando de um sentido tambeacutem em disputa (FREDERICKSON 1991)

Algumas perspectivas diferentes satildeo possiacuteveis para ressaltar a multiplicidade de

interpretaccedilotildees diferentes do que eacute entendido como puacuteblico De acordo com

Frederickson (1991) as principais perspectivas satildeo pluralista do public choice

legislativa do cliente e cidadatilde

A perspectiva pluralista eacute aquela que entende como puacuteblico a manifestaccedilatildeo da

interaccedilatildeo entre grupos de interesses que disputam o poder poliacutetico

(FREDERICKSON 1991) Esses grupos seriam meras agregaccedilotildees de pessoas com

interesses individuais sendo o interesse de cada grupo a aglomeraccedilatildeo dos interesses

particulares dos participantes Em decorrecircncia da disputa entre grupos de interesse o

interesse puacuteblico seria o grupo que vencesse tal luta Frederickson (1991) ressalta

como risco dessa perspectiva que o interesse puacuteblico resultante da disputa de grupos

de interesse natildeo seja a representaccedilatildeo efetiva tanto dos indiviacuteduos dentro dos grupos

quanto daqueles que natildeo fazem parte de grupos por natildeo serem interessantes

politicamente ou economicamente para tais aglomeraccedilotildees

Por sua vez a perspectiva do public choice manteacutem a ideia pluralista de que

um grupo eacute soacute uma agregaccedilatildeo de pessoas e que portanto o indiviacuteduo faz um caacutelculo

racional para aumentar sua eficiecircncia no setor puacuteblico (FREDERICKSON 1991)

Isso implica em uma visatildeo dos servidores puacuteblicos como maximizadores de interesses

particulares e que natildeo estariam interessados em maximizar o interesse coletivo

Enfim essa visatildeo entende o puacuteblico e o seu interesse como o do maior nuacutemero de

11

pessoas sendo utilitarista e consequentemente gerando a exclusatildeo de quem natildeo tem

recursos para fazer a escolha puacuteblica e a desconfianccedila nas motivaccedilotildees dos

governantes

Jaacute a perspectiva legislativa eacute aquela em que os administradores puacuteblicos

operam o que eacute decidido pelo legislativo (FREDERICKSON 1991) Este por sua vez

seria a arena de representaccedilatildeo legiacutetima do interesse puacuteblico O autor

(FREDERICKSON 1991) ressalta entretanto que na praacutetica as leis satildeo ambiacuteguas e

permitem interpretaccedilotildees diferentes por parte dos administradores puacuteblicos Aleacutem

disso haacute um conflito de forccedila em relaccedilatildeo ao que eacute exigido pelo executivo que os

administradores puacuteblicos executem em detrimento do legislativo No mais haacute outro

dilema nessa concepccedilatildeo porque representaccedilatildeo natildeo eacute algo que se encerra no

legislativo havendo outras arenas representativas como os grupos de interesse

anteriormente citados

Outra visatildeo possiacutevel eacute de puacuteblico como cliente em que os indiviacuteduos satildeo

consumidores dos serviccedilos puacuteblicos Isso implica no contato direto entre clientes e

burocratas de niacutevel de rua o que leva ao impasse de que os burocratas precisam

colocar as necessidades dos clientes como mais importantes e ao mesmo tempo

precisam ser imparciais impessoais (FREDERICKSON 1991) Aleacutem disso falta

verba para que a qualidade e quantidade dos serviccedilos puacuteblicos oferecidos atendam agraves

demandas dos clientes De acordo com Frederickson (1991) essa perspectiva seria

fraca porque clientes natildeo conseguem funcionar como puacuteblico isto eacute cada indiviacuteduo

agindo como cliente natildeo se articula enquanto grupos para defender seus interesse e os

burocratas podem se organizar enquanto grupo de interesse e conseguir suplantar os

clientes

Por fim podemos enxergar o puacuteblico como cidadatildeo o que significa que o

puacuteblico tem interesse proacuteprio e coletivo (FREDERICKSON 1991) Essa visatildeo

implica no papel da Administraccedilatildeo Puacuteblica de colocar em praacutetica os valores definidos

por uma constituiccedilatildeo No entanto essa perspectiva natildeo enxerga o legislativo como

arena de representaccedilatildeo final dos interesses puacuteblicos sendo que todos satildeo cidadatildeos e

devem ser contemplados pela administraccedilatildeo puacuteblica sendo ou natildeo minorias Entatildeo

faria parte do dever da administraccedilatildeo puacuteblica criar um arcabouccedilo institucional

12

possibilitador de participaccedilatildeo direta dos cidadatildeos e tambeacutem advogar pelos direitos de

minorias sem poder representativo A Administraccedilatildeo Puacuteblica tambeacutem deve nessa

perspectiva desenvolver e manter sistemas capazes de captar e responder os puacuteblicos

coletivos ou natildeo tendo em vista sempre o interesse do coletivo maior sem ferir os

direitos das minorias (FREDERICKSON 1991)

No mais a perspectiva do puacuteblico como cidadatildeo exige um entendimento da

cidadania de ambos os lados isto eacute a administraccedilatildeo puacuteblica deve enxergar o puacuteblico

como cidadatildeos mas os cidadatildeos precisam agir como tais Isso exigiria segundo

Frederickson (1991) o entendimento pelos cidadatildeos da constituiccedilatildeo e portanto dos

valores defendidos pela mesma e tambeacutem a capacidade de raciocinar moralmente

compatibilizando interesses particulares e coletivos tendo como medida o documento

constitucional Aleacutem disso seria essencial a crenccedila dos cidadatildeos em direitos

ldquonaturaisrdquo e natildeo na ideia de que a maioria teria poder legiacutetimo mas que todos tecircm

que ter esses direitos miacutenimos garantidos sendo ou natildeo parte da maioria

(FREDERICKSON 1991)

A reflexatildeo de Frederickson (1991) vai aleacutem de uma categorizaccedilatildeo sobre os

diferentes significados de puacuteblicos construiacutedos pela interaccedilatildeo do Estado e seus

cidadatildeos ao contraacuterio ressalta que a visatildeo sobre o que eacute lsquopuacuteblicorsquo natildeo eacute definido a

priori no ciclo de poliacuteticas puacuteblicas ao contraacuterio eacute negociada neste processo Neste

sentido a pluralidade normativa da visatildeo de lsquopuacuteblicorsquo faz parte da estrateacutegia

organizacional de determinado oacutergatildeo da Administraccedilatildeo Puacuteblica Isso porque as

praacuteticas cotidianas da organizaccedilatildeo transparecem determinado tratamento de puacuteblico e

acabam resultando em uma estrateacutegia organizacional que produz uma poliacutetica puacuteblica

com determinado vieacutes para o que eacute considerado puacuteblico

213 A produccedilatildeo de conhecimento e a importacircncia das praacuteticas cotidianas

Continuando esse o argumento da disputa de significados o conhecimento

tambeacutem eacute uma construccedilatildeo social e como tal estaacute sujeito a poderes em conflito e

mudanccedilas As poliacuteticas puacuteblicas satildeo influenciadas por essa construccedilatildeo social do

conhecimento uma vez que as situaccedilotildees dependem de uma significaccedilatildeo social para

13

serem consideradas como problemas puacuteblicos e portanto entrarem na agenda de

governo Nesse sentido o que eacute considerado como conhecimento vaacutelido faz parte de

uma ideia que a sociedade tem do que eacute legitimamente visto como conhecimento ou

natildeo e isso varia de acordo com tempo e lugar (SPINK 2001) Desde o berccedilo as

universidades satildeo um local onde essa tensatildeo entre conhecimento legitimado ou natildeo

persiste no cotidiano e satildeo espaccedilos em que a luta pelo reconhecimento da

heterogeneidade de conhecimentos muitas vezes fica em um segundo plano vis-agrave-vis

o conhecimento produzido pela proacutepria academia e desvinculado muitas vezes da

realidade cotidiana do objeto estudado (SPINK 2001)

Essa dicotomia entre produccedilatildeo de conhecimento nas universidades e na

praacutetica reduziu apenas recentemente sobretudo pela forccedila dos movimentos sociais

Eles mostraram que a sociedade civil produz conhecimentos relevantes para se

organizar e enfrentar os seus problemas do dia-a-dia sem necessariamente estarem

ligados ao conhecimento hegemocircnico do meio acadecircmico (SPINK 2001) Cresceu a

partir de entatildeo a noccedilatildeo de multiplicidade de conhecimentos e a importacircncia da

universidade reconhecer a importacircncia e estudar esses conhecimentos produzidos na

praacutetica

A construccedilatildeo desse leque de conhecimentos segundo Spink (2001) se daacute

sobretudo pela praacutetica vivida pelos grupos sociais na resoluccedilatildeo de problemas

enfrentados no cotidiano e que natildeo foram solucionados por organizaccedilotildees externas

Assim cada lugar eacute constituiacutedo de um contexto proacuteprio que tanto possibilita quanto

compele a produccedilatildeo de determinados conhecimentos

Dentro desses contextos uacutenicos de produccedilatildeo de conhecimento existem as

praacuteticas do cotidiano que fazem as organizaccedilotildees se construiacuterem enquanto tais e satildeo

tambeacutem por elas influenciadas As poliacuteticas puacuteblicas satildeo produzidas por organizaccedilotildees

e seus arranjos entre si ou seja satildeo influenciadas pelos contextos e praacuteticas do

mesmo Essas praacuteticas satildeo definidas por Schatzki (2007) como o conjunto de accedilotildees

estruturadas por uma organizaccedilatildeo Nessa visatildeo natildeo eacute a estrutura organizacional que

molda completamente as accedilotildees de seus constituintes mas uma relaccedilatildeo dialeacutetica em

que estruturas sociais e atores se influenciam mutuamente para formar as praacuteticas

desenvolvidas rotineiramente em uma organizaccedilatildeo As praacuteticas incluem segundo o

14

autor quatro fenocircmenos principais

(1) understandings of (complexes of know-hows regarding) the actions

constituting the practice for example knowing how to email and to recognize

emailing and knowing how to deliver and recognize lectures (2) rules by

which I mean explicit directives admonishments or instructions that

participants in the practice observe or disregard (3) something I call a

teleological-affective structuring which encompasses a range of ends

projects actions maybe emotions and end-project-action combinations

(teleological orderings) that are acceptable for or enjoined of participants to

pursue and realize and (4) general understandings for example general

understandings about the nature of work about proper teacherndashstudent

interactions or about the commonality of fate (SCHATZKI 2007)

As praacuteticas podem portanto ser definidas como participantes ativas da

estrateacutegia organizacional A estrateacutegia enquanto praacutetica eacute um conceito que faz a

conexatildeo entre a caracteriacutestica ativa e dialeacutetica das praacuteticas cotidianas e a proacutepria

formulaccedilatildeo de estrateacutegias dentro de uma organizaccedilatildeo Esse conceito estaacute ligado a uma

visatildeo construtivista das estrateacutegias dentro de uma organizaccedilatildeo isto eacute as estrateacutegias

natildeo satildeo estaacuteveis ao longo do tempo passam por um processo de definiccedilatildeo e

redefiniccedilatildeo conforme ganham ou perdem legitimaccedilatildeo interna e externa ao ambiente

organizacional (SOUZA 2009)

Nesse sentido as estrateacutegias de uma organizaccedilatildeo podem mudar ou

permanecer ao longo do tempo de acordo com a relaccedilatildeo dupla entre agentes e

estrutura esta sendo composta de recursos disponiacuteveis normas e regras presentes e

entendimento compartilhado (SOUZA 2009) Os recursos disponiacuteveis podem ser

materiais como o ambiente fiacutesico de uma organizaccedilatildeo ou imateriais como a

capacitaccedilatildeo para exercer uma atividade dentro da mesma Esses recursos satildeo objeto

de uma luta permanente porque satildeo eles que possibilitam a dominaccedilatildeo de uma

estrateacutegia ou seja quem deteacutem mais recursos acaba tendo mais poder na hora de

defender sua posiccedilatildeo vis-agrave-vis uma estrateacutegia organizacional (SOUZA 2009) As

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normas e as regras podem ser formais como o estatuto de uma associaccedilatildeo que prevecirc

condutas permitidas eou exigidas para a participaccedilatildeo ou informais construiacutedas e

aceitas no cotidiano sem que sejam transcritas como o tipo de comportamento

considerado adequado dentro de determinada organizaccedilatildeo Satildeo as normas e regras

que constituem a legitimaccedilatildeo ou natildeo de estrateacutegias isto eacute elas permitem ou natildeo a

aceitaccedilatildeo de uma estrateacutegia em detrimento do que eacute aceito formal e informalmente no

ambiente organizacional (SOUZA 2009) Aleacutem disso haacute um entendimento

compartilhado em uma organizaccedilatildeo que significa as estrateacutegias isto eacute traduz

subjetivamente a estrateacutegia para uma dimensatildeo simboacutelica que eacute compreensiacutevel para a

realidade de seus agentes

Isso significa que formular e implementar estrateacutegias dentro de uma

organizaccedilatildeo satildeo processos inseridos dentro de um contexto permeado por

significaccedilotildees dominaccedilotildees e legitimaccedilotildees de discursos no cotidiano dos agentes e

portanto haacute uma tensatildeo constante e um diaacutelogo entre processos e contexto em que o

mesmo influencia e eacute influenciado pelos processos de definiccedilatildeoredefiniccedilatildeo de

estrateacutegia (SOUZA 2009) Assim podemos dizer que as organizaccedilotildees natildeo produzem

estrateacutegias no vaacutecuo jaacute que as praacuteticas que as constituem soacute satildeo significadas quando

satildeo ativadas pelos agentes e possibilitadas pelo contexto interno e externo agrave

organizaccedilatildeo tornando o contexto um elemento essencial para estudar as estrateacutegias

em organizaccedilotildees

Dessa forma poliacuteticas puacuteblicas podem ser entendidas como uma estrateacutegia

constantemente definida e redefinida em funccedilatildeo das negociaccedilotildees sobre os sentidos

dos problemas puacuteblicos A estrutura organizacional se torna entatildeo natildeo apenas

relevante para a determinaccedilatildeo da capacidade material de resoluccedilatildeo de um problema

social mas tambeacutem delimita um lugar simboacutelico sobre as possibilidades de accedilatildeo para

enfrentaacute-lo

22 Contextos onde as poliacuteticas puacuteblicas acontecem

No acircmbito dessa pesquisa pretendemos nos focar em principalmente dois

contextos diferentes que permeiam o processo de formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de

16

poliacuteticas puacuteblicas enquanto estrateacutegias de organizaccedilotildees da Administraccedilatildeo Puacuteblica

Podemos falar nos lugares e na diferenciaccedilatildeo entre contextos urbano e agriacutecola como

fator que influencia e eacute influenciado pelo ciclo de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em

situaccedilatildeo de violecircncia

Os contextos impactam nas praacuteticas e arranjos materiais disponiacuteveis em

determinado lugar (SPINK 2001) O lugar eacute onde ocorre a troca entre contexto

praacuteticas e arranjos como contextos agriacutecola e urbano estruturas organizacionais e

negociaccedilatildeo de sentidos e estrateacutegias para lidar com problemas puacuteblicos De acordo

com Milton Santos (2001) os lugares satildeo espaccedilos esquizofrecircnicos porque satildeo onde se

verificam os vetores da globalizaccedilatildeo e tambeacutem da contraordem O papel do lugar eacute

natildeo soacute onde se vive mas um lsquoespaccedilo vividorsquo em que satildeo reproduzidas eou

reavaliadas processos do passado e onde se projeta o futuro (SANTOS 2001) Nesses

lugares ocorrem os embates entre soluccedilotildees imediatistas e visotildees finaliacutesticas

conjuntura e estrutura (SANTOS 2001)

A ideia de lugar compreende a importacircncia dos processos construiacutedos e que

constroem um contexto Schatzki (2005) em sua teoria sobre como satildeo construiacutedos

os fenocircmenos sociais afirma que estes estatildeo ligados aos lugares

Sites however are a particularly interesting sort of context What

makes them interesting is that context and contextualized entity constitute one

another what the entity or event is is tied to the context just as the nature and

identity of the context is tied to the entity or event (among others)(p 468)

Essa definiccedilatildeo eacute entatildeo especificada ao social em que o lugar ldquodo social eacute

composto de nexos de praacuteticas e arranjos materiaisrdquo (SCHATZKI 2005 p471) As

praacuteticas seriam as atividades humanas e os arranjos materiais incluem as pessoas os

artefatos outros organismos e coisas

Os fenocircmenos sociais fazem parte das teias formadas dentro dos lugares e da

relaccedilatildeo entre eles sendo ao mesmo tempo produto e alimento desses lugares As

organizaccedilotildees de acordo com o autor (SCHATZKI 2005) seriam um desses

fenocircmenos sociais Fazendo parte dessa teia as organizaccedilotildees satildeo constituiacutedas por

praacuteticas sobreviventes previamente de outras organizaccedilotildees (vindas com as

17

experiecircncias passadas dos indiviacuteduos que a constituem) e uma mistura de praacuteticas do

presente que satildeo alteradas ou natildeo para materializar a razatildeo de existecircncia da

organizaccedilatildeo e arranjos materiais velhos e novos (SCHATZKI 2005 p476) Schatzki

(2005) ressalta que trecircs pontos satildeo essenciais para compreender uma organizaccedilatildeo

identificar as accedilotildees que a compotildeem identificar o conjunto de praacuteticas e arranjos

materiais em que as accedilotildees estatildeo inseridas identificar as outras teias de conjuntos de

praacuteticas e arranjos que se ligam agrave teia que compotildee a organizaccedilatildeo

Podemos clarificar ainda mais a ideia de lugares com a contribuiccedilatildeo de Spink

(2001) que define lugar como ldquoponto de partida para refletir sobre a organizaccedilatildeo

porque permite um olhar a partir de um enraizamento na processualidade do cotidiano

e fora dos muros das organizaccedilotildeesrdquo (SPINK 2001 p18) Esse termo tambeacutem foca

nos processos construiacutedos pelos indiviacuteduos suas relaccedilotildees e o contexto nos quais

participam e as organizaccedilotildees como parte desses processos em que haacute tensotildees e natildeo

como uma entidade que existe sem a accedilatildeo de pessoas Aleacutem disso Spink (2001)

ressalta a importacircncia da construccedilatildeo social dos sentidos que damos agraves accedilotildees e

materialidades que compotildeem o cotidiano o que dialoga com a ideia de Schatzki

(2005) de como compreender as accedilotildees dos indiviacuteduos

Assim pretendemos compreender as regiotildees agriacutecola e urbana como lugar

que satildeo indissociaacuteveis daquilo que os constituem (Spink 2001 SCHATZKI 2005)

enquanto praacuteticas e arranjos constitucionais observaacuteveis materialmente a partir de

organizaccedilotildees puacuteblicas O estudo das organizaccedilotildees que formulam e implementam

essas poliacuteticas puacuteblicas eacute importante para entender quais os conjuntos de praacuteticas e

arranjos materiais que formam o contexto das poliacuteticas puacuteblicas em questatildeo e se

existem ligaccedilotildees e sobreposiccedilotildees entre praacuteticas eou arranjos materiais dessas

organizaccedilotildees

221 Cidades Urbanas e Agriacutecolas

Precisamos entatildeo definir o que satildeo regiotildees agriacutecolas e regiotildees urbanas como

lugar no qual as poliacuteticas puacuteblicas estatildeo inseridas Santos (1996) trouxe essa nova

tipologia de cidades agriacutecolas e urbanas porque as mudanccedilas econocircmicas impactaram

18

a organizaccedilatildeo do espaccedilo geograacutefico de tal forma que as atividades urbanas e rurais

existem em todas as regiotildees Assim natildeo haacute mais uma separaccedilatildeo em aacutereas rurais e

urbanas de acordo com distinccedilatildeo econocircmica sendo que o novo ldquocriteacuterio de distinccedilatildeo

seria devido muito mais ao tipo de relaccedilotildees realizadas sobre os respectivos

subespaccedilosrdquo (SANTOS 1996 p 67)

Segundo ele ldquonas regiotildees agriacutecolas eacute o campo que sobretudo comanda a

vida econocircmica e social do sistema urbano enquanto nas regiotildees urbanas satildeo as

atividades secundaacuterias e terciaacuterias que tecircm esse papelrdquo (SANTOS 1996 p 68)

Apesar dessa predominacircncia que permite a distinccedilatildeo existem nos dois tipos de

regiotildees cidades e zonas de atividade rural mas nas regiotildees agriacutecolas a cidade existe

para suprir as necessidades do campo e das pessoas que o habitam enquanto nas

regiotildees urbanas as zonas de atividade rural existem para suprir as necessidades das

cidades e as pessoas que a habitam (SANTOS 1996) Assim essa tipologia eacute

importante para definir os contextos das poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo

de violecircncia jaacute que loacutegicas diferentes as constituem apontando praacuteticas e arranjos

materiais tambeacutem diversos

23 Gecircnero Machismo e Violecircncia de Gecircnero

As discussotildees sobre gecircnero na academia tecircm sido concentradas em uma

perspectiva discursiva que distingue completamente sexo de gecircnero colocando o

primeiro como parte de uma esfera bioloacutegica e o segundo como uma construccedilatildeo

social desvinculada da primeira (CAROLAN 2005) Nesse sentido Carolan (2005)

aponta um risco de gerar um reducionismo ao julgar gecircnero apenas como uma

construccedilatildeo social sem levar em consideraccedilatildeo os elementos extra-discursivos que

dialeticamente significam e ressignificam os papeis de gecircnero Segundo Carolan

(2005 p5)

Sociology has been correct to take care so as to not legitimate

ideologically-driven biological determinism and the socio-political

ramifications that accompany such proclamations My concern however is

19

that this apprehension toward determinism has become too one-sided With

all of our handringing about the dangers of ldquobringing nature back inrdquo to

sociological analyses due to its deterministic undertones we remain

incorrigibly blind to the other side of the coin to the appalling prospects of

an equally dangerous cagemdashcultural determinism In our rush to condemn the

fixed-biological we often (mistakenly) overly prescribe mutability and fluidity

to the socio-cultural We must thus stay vigilant to all prescriptions of

determinismmdashbiological and otherwisemdashwhile concomitantly remaining open

to the multidirectional causal potentials that constitute a stratified rooted

and emergent reality

Dessa forma eacute importante levar em conta tanto os niacuteveis discursivos quanto

extra-discursivos da construccedilatildeo de gecircnero dentro de uma estrutura social que dialoga

com esses elementos Assim os elementos extra-discursivos podem ser tanto

bioloacutegicos como apontados no trecho acima mas podem ser tambeacutem outras

materialidades que podem ser causa e efeito ao mesmo tempo da construccedilatildeo social

dos papeis de gecircnero como a desigual inserccedilatildeo no mercado de trabalho e os salaacuterios

desiguais para as mesmas posiccedilotildees Por exemplo se as mulheres tecircm menor inserccedilatildeo

no mercado de trabalho isso eacute fruto de uma construccedilatildeo social dos papeis de gecircnero

mas tambeacutem reforccedila os mesmos papeis em um jogo dialeacutetico porque as mulheres

ficam em uma posiccedilatildeo pouco empoderada acerca de como decidir a alocaccedilatildeo dos

recursos em casa e mais vulneraacuteveis para conseguir materialmente sair de casos de

violecircncia

Nesse contexto o machismo pode ser entendido como uma estrutura social

subjetiva construiacuteda a partir da existecircncia de gecircnero como uma classificaccedilatildeo criada

socialmente mas que alimenta e eacute alimentada por materialidades extra-discursivas O

machismo se configura entatildeo como algo abstrato que natildeo pode ser visto

materialmente Como coloca Sayer (1998 p 159-160)

()unobservable natural forces as well as structures of a language or

tules of a game can be and frequently are described and known Thus while

20

the unobservable wind can be known to be responsible for the flying hat or the

swirling leaves the rules of grammar facilitating the speech acts of some

group or the secret code used by children to send messages to each other

may each be quite unproblematically retroducible andor describable By

demonstrating the empirical adequacy of theories of gravitational and

magnetic fields social rules and relations structures of languages and so

forth these items can be known whether or not they can be directly observed

O machismo pode ser considerado como um item abstrato conforme

apresentado por Sayer (1998) que podem ser conhecidos mesmo que natildeo possam ser

observados diretamente Para fazer isso devemos tentar acessar a estrutura social

pelas suas manifestaccedilotildees tanto discursivas quanto extra-discursivas Especificamente

sobre as relaccedilotildees de gecircnero Sayer discorre sobre como podemos observaacute-la na

praacutetica (SAYER 1998 p160)

Even a single maintained hypothesis can be continually assessed by

examining the range of phenomena it bears upon In other words the

empirical adequacy of any hypothesis can be progressively checked-out by

deducing such implications as follow with regard to any domain for which

such implications hold and can in practice be observed Where it is argued

for example that gender relations in many societies are such that mechanisms

are reproduced which serve to discriminate against women in favout of men

this assessment can be checked out against detectable patterns occurring in

for example factories homes schools and universities and any other place

where the mechanism will conceivably reveal its effects

Podemos entatildeo acessar a estrutura social machista sobretudo atraveacutes de pelo

menos dois tipos de manifestaccedilotildees materiais ou seja as diferenccedilas objetivas como a

distribuiccedilatildeo de recursos e bens e subjetivas como se daacute a percepccedilatildeo da sociedade

sobre os papeis de gecircnero (GOMES 2014a) Corroborando Lorente (2015) tambeacutem

apresenta o machismo como uma estrutura social

21

Inequality is a construction based on the male design of society and

developed to determine the relationships within it It is neither an error nor an

uncontrolled drift It is a decision to establish a structure of power that

provides benefits and privileges to those in a superior position men and

denies rights and opportunities to those in an inferior position women

Violence against Women (VAW) is an instrument to maintain this structure

part of the tools to guarantee that it works () Violence against women is

different from other forms of violence due to its motivations goals

circumstances and meaning It is the only violence supported by social and

cultural ideas and the only one that is accepted and justified by part of

society (LORENTE 2015)

A violecircncia de gecircnero surge entatildeo como uma manifestaccedilatildeo dessa estrutura

social machista com implicaccedilotildees objetivas e subjetivas A violecircncia fiacutesica e

patrimonial podem ser entendidas como uma manifestaccedilatildeo material da estrutura

social enquanto outras violecircncias como a psicoloacutegica satildeo mais subjetivas e ligadas ao

asseacutedio moral (TRERJ 2013) uma forma de apreciaccedilatildeo negativa mais ligada ao

discurso poreacutem com implicaccedilotildees objetivas fortes como a proibiccedilatildeo da mulher de sair

de casa e trabalhar ou o desenvolvimento de doenccedilas psicoemocionais como

depressatildeo Aleacutem disso a violecircncia de gecircnero de todos os tipos estaacute permeada por

manifestaccedilotildees objetivas e subjetivas objetivas na vulnerabilidade em termos de

recursos materiais das mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia e subjetivas na exposiccedilatildeo agrave

apreciaccedilatildeo da famiacutelia da comunidade e das instituiccedilotildees puacuteblicas para atender a essas

mulheres que muitas vezes reproduzem papeis tradicionais de gecircnero ligados agrave

estrutura social machista

Afim de compreendermos a estrutura social machista nos diferentes contextos

agriacutecola e urbano vamos nos apoiar metodologicamente no Realismo Criacutetico sobre a

qual nos debruccedilaremos na seccedilatildeo a seguir Esta metodologia nos permite acessar

aspectos da estrutura social atraveacutes de suas manifestaccedilotildees Assim poderemos

compreender melhor as dialeacuteticas entre estrutura social manifestaccedilotildees discursivas e

22

manifestaccedilotildees extra-discursivas e do discurso em accedilatildeo Dessa maneira pretendemos

informar a accedilatildeo do Estado para combater essa estrutura social machista sobretudo a

sua manifestaccedilatildeo enquanto violecircncia de gecircnero

23

3 Metodologia

A partir da revisatildeo da literatura entendemos que as poliacuteticas puacuteblicas e suas

estrateacutegias satildeo definidas e redefinidas em um processo de embate entre discursos e

significaccedilotildees Este processo estaacute inserido em um lugar que influencia e eacute influenciado

pela negociaccedilatildeo de sentidos Especialmente no que diz respeito agrave violecircncia contra a

mulher estamos examinando para uma estrutura social machista e procurando

entender como os contextos influenciam a formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de poliacuteticas

puacuteblicas para aacutereas agriacutecolas e urbanas de acordo com as diferentes manifestaccedilotildees da

estrutura social nesses contextos Desta forma a pergunta de pesquisa que surge para

este trabalho eacute A estrutura social do machismo se manifesta da mesma maneira

nos contextos agriacutecola e urbano

Dela decorrem os seguintes objetivos secundaacuterios

a) Haacute ou natildeo diferenccedilas na manifestaccedilatildeo do machismo especificamente em

termos de violecircncia de gecircnero nas zonas urbana e agraacuteria

b) Como essas manifestaccedilotildees do machismo satildeo impactadas e impactam a

formulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia

Conforme discutiremos mais adiante nesse capiacutetulo e na seccedilatildeo 4 de anaacutelise

dos dados encontramos poucas evidecircncias de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em

situaccedilatildeo de violecircncia nas aacutereas agraacuterias de Goiaacutes e Satildeo Paulo Entretanto este

silecircncio eacute um interessante achado de pesquisa pois foi possiacutevel compreender como a

ausecircncia dessas poliacuteticas impacta a vida das mulheres desse contexto Esta anaacutelise

fica mais evidente quando debruccedilamos sobre as poliacuteticas puacuteblicas disponiacuteveis para as

mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia em aacutereas urbanas e que ainda assim natildeo tecircm seus

direitos garantidos como iremos perceber na anaacutelise das entrevistas

31 Realismo Criacutetico e a violecircncia de gecircnero

Escolhemos e o Realismo Criacutetico como ontologia ou seja como teoria do

conhecimento cientiacutefico porque acreditamos que ele nos ajudaraacute a compreender

24

melhor como os contextos agraacuterio e urbano influenciam e satildeo influenciados na

formulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas mas tambeacutem por uma questatildeo normativa

Acreditamos na perspectiva ontoloacutegica do realismo criacutetico de que os seres humanos

satildeo agentes com capacidade accedilatildeo sobre a realidade e que tambeacutem satildeo produtores de

significados e tambeacutem na necessidade natildeo soacute de explicar o mundo mas de modificaacute-

lo

No entanto acrescenta-se agrave nossa existecircncia dialeacutetica enquanto seres humanos

com o mundo a noccedilatildeo de que este existe independentemente da nossa apreensatildeo

semioacutetica ou natildeo dele sendo este o principal ponto de divergecircncia do criacutetico realismo

em relaccedilatildeo ao construtivismo (BHASKAR 2012 FAIRCLOUGH 2010 GOMES

2014b) Isto significa que a estrutura social eacute composta de loacutegicas agraves quais damos

sentidos e tambeacutem loacutegicas que natildeo apreendemos e interpretamos estando latentes

para essa interpretaccedilatildeo mas ainda assim influenciando e sendo influenciadas por

nossa accedilatildeo no mundo

O realismo criacutetico tambeacutem se enquadra nas nossas perspectivas de pesquisa

porque ele apresenta uma ontologia estratificada como uma estrateacutegia para evitar o

tradeoff entre agentes e estrutura (BHASKAR 2012) Isso porque o realismo criacutetico

coloca trecircs niacuteveis da vida social o real o atual e o empiacuterico que interagem entre si

dialeticamente (BHASKAR 2012) desde modo natildeo estamos lidando com uma

situaccedilatildeo em que a estrutura social define tudo nem que os agentes definem tudo

ambos satildeo relevantes e se influenciam mutuamente

Para melhor entendermos essas esferas vamos defini-las O real consiste na

esfera abstrata das estruturas sociais ou naturezas (FAIRCLOUGH 2010 GOMES

2014b) Esses integrantes do plano real satildeo objetos latentes ou seja que tecircm um

potencial Isso reforccedila a ideia de que mesmo estruturas semioacuteticas existem antes dos

atores (FAIRCLOUGH 2010 GOMES 2014b BHASKAR 2012) A esfera do atual

eacute permeada pelas praacuteticas sociais ou seja o que acontece quando elementos do

mundo real satildeo ativados e produzem transformaccedilotildees ou reproduccedilotildees

(FAIRCLOUGH 2010 GOMES 2014b) Esse plano atual eacute o que faz a mediaccedilatildeo

entre o plano real e o plano empiacuterico que por sua vez consiste nos eventos sociais e

accedilotildees Ou seja o empiacuterico eacute uma parte dos outros planos que eacute experimentado

25

efetivamente por agentes (FAIRCLOUGH 2010)

Eacute importante ressaltar que o processo causal colocado pelo realismo criacutetico

natildeo eacute o mesmo que o positivismo empiacuterico defende isto eacute a identificaccedilatildeo de

regularidades entre causa e efeito Na verdade o processo causal seria o estudo do

que ativa os poderes latentes do real para produzir mudanccedila (FAIRCLOUGH 2010

BHASKAR 2012) Aleacutem disso quando e se esses poderes satildeo ativados os efeitos

dessa ativaccedilatildeo varia de acordo com o tempo e espaccedilo (FAIRCLOUGH 2010

GOMES 2014b)

Uma ontologia baseada no Realismo Criacutetico ressalta a importacircncia dos

discursos e tambeacutem eacute uma abordagem que busca natildeo soacute entender a realidade mas

modificaacute-la como abordamos anteriormente Mas quais as implicaccedilotildees para a anaacutelise

das poliacuteticas puacuteblicas

O processo das poliacuteticas puacuteblicas sobre o qual discorremos anteriormente eacute

perpassado em todas as etapas pelos discursos dos atores envolvidos tanto interna

quanto externamente ao processo Aleacutem disso as poliacuteticas puacuteblicas satildeo um meio de

mudar a realidade como proposto pelo Realismo Criacutetico

Como vimos a violecircncia de gecircnero eacute um termo que passou por diferentes

significaccedilotildees ao longo do tempo e diferentes atores envolvidos Por exemplo antes

era visto pela sociedade e apreendida pelo Estado como uma situaccedilatildeo da esfera

privada e se restringia agrave violecircncia fiacutesica e hoje em dia passou a ser visto pelo Estado

como um problema puacuteblico considerando diferentes formas de violecircncia contra a

mulher No primeiro periacuteodo o movimento feminista brasileiro natildeo era detentor do

discurso dominante e lutava para conseguir visibilidade ao tema isto eacute para que

fosse considerado como um problema puacuteblico Ou seja as poliacuteticas puacuteblicas satildeo o

resultado do conflito entre discursos de diferentes atores e a significaccedilatildeo dada agraves

situaccedilotildees muda conforme o resultado desse conflito

Aleacutem disso podemos situar nosso referencial teoacuterico em termos da

estratificaccedilatildeo do Realismo Criacutetico A esfera do real no tema em questatildeo eacute permeada

pelas relaccedilotildees desiguais de poder entre gecircneros A esfera real pode ser acessada por

suas manifestaccedilotildees na esferas atual e empiacuterica

Na esfera do atual podemos pensar nas praacuteticas sociais que transformaram

26

uma situaccedilatildeo no caso a violecircncia contra as mulheres em problema puacuteblico passiacutevel

de intervenccedilatildeo via poliacuteticas puacuteblicas voltadas para lidar com a violecircncia de gecircnero

atraveacutes da sua inclusatildeo na agenda puacuteblica Isso pode ser visto pela dificuldade de se

tratar a violecircncia de gecircnero atraveacutes das instacircncias legais e juriacutedicas usuais Isto eacute

essas instacircncias tradicionais estavam permeadas por uma loacutegica machista que

precisava ser formalmente desfeita para poder comeccedilar a se abordar a questatildeo a partir

de outra perspectiva A violecircncia de gecircnero ter sido vista como uma questatildeo da esfera

domeacutestica e portanto privada tambeacutem faz parte desse machismo da esfera real que

precisou do aparato legal para caracterizaacute-la enquanto problema da esfera puacuteblica

Nesse sentido entra a importacircncia dos contextos urbano e agriacutecola dos territoacuterios

como elementos influenciadores e influenciados pelas poliacuteticas puacuteblicas para

mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia fornecendo um contexto sobre o qual os discursos

satildeo construiacutedos Certamente estes natildeo satildeo os uacutenicos lugares que influenciam os

discursos sobre a violecircncia de gecircnero e consequentemente as estrateacutegias para

combatecirc-lo (ie as poliacuteticas puacuteblicas)

Por fim a esfera do empiacuterico consiste no discurso em accedilatildeo por meio das

poliacuteticas puacuteblicas Um exemplo foi o conturbado processo de aprovaccedilatildeo da LMP

(MACIEL 2011) e tambeacutem as tentativas de provar sua inconstitucionalidade que

teve que ir ao STF pela AGU (MACIEL 2011) para conseguir ser aprovado

Tambeacutem a atual dificuldade de conseguir a aceitaccedilatildeo e implementaccedilatildeo da LMP por

parte dos operadores juriacutedicos (MACIEL 2011) demonstra a penetraccedilatildeo do

machismo em nossa sociedade Como podemos ver pelo retrato das questotildees

anteriormente citadas ainda estamos lidando basicamente com violecircncia sexual

apesar da tipificaccedilatildeo abranger outros tipos de violecircncia como as psicoloacutegicas e

morais que ainda ocorrem cotidianamente e satildeo naturalizadas denunciando a forccedila

do machismo na esfera do real Enfim essa uacuteltima esfera assim como as demais e a

relaccedilatildeo entre elas poderatildeo ser melhor retratadas quando partirmos a anaacutelise da

pesquisa de campo em que teremos contato com os agentes

De acordo com o realismo criacutetico podemos pensar em problemas a partir de trecircs

domiacutenios o real o atual e o empiacuterico (FAIRCLOUGH 2010) No tema em questatildeo

a esfera do real pode ser entendida como a estrutura social do machismo isto eacute uma

27

desigualdade de gecircnero que estaacute latente no funcionamento da sociedade e acaba sendo

reforccedilada pelos domiacutenios do atual e do empiacuterico Nesse trabalho o domiacutenio do atual

seriam os discursos sobre a desigualdade de gecircnero e a violecircncia de gecircnero que satildeo

manifestaccedilotildees da estrutura social machista ou para reforccedilar essa estrutura ou para

tentar transformaacute-la Por fim o domiacutenio empiacuterico satildeo nesse caso as poliacuteticas e accedilotildees

puacuteblicas formuladas eou implementadas para combater a violecircncia contra a mulher

32 Anaacutelise Criacutetica de Discurso

Afim de buscarmos nosso objetivo que eacute entender as diferenccedilas entre

poliacuteticas puacuteblicas em contextos agriacutecola e urbano utilizaremos a metodologia da

ACD Segundo a ACD o discurso eacute ativo isto eacute que influencia tanto a percepccedilatildeo da

realidade quanto o comportamento de pessoas dentro de uma organizaccedilatildeo

(PUTNAM et al 2004) Eacute importante destacarmos a diferenccedila entre texto e discurso

Textos satildeo todas as peccedilas linguiacutesticas sejam escritas ou faladas Jaacute discursos satildeo

enunciados de locutores que utilizam textos para tentar exercer influecircncia sobre

terceiros (ALVES 2006) O conceito de discurso organizacional engloba duas

maneiras diferentes de olhar para o discurso conversas e diaacutelogos ou narrativas e

histoacuterias Quando se trata de conversas significa a troca de mensagens entre duas ou

mais pessoas que ao realizarem uma interconexatildeo temporal ou significativa entre

textos moldam outras conversas eou accedilotildees futuras E diaacutelogo seria a possibilidade de

gerar novos significados atraveacutes de momentos de questionamento do contiacutenuo de uma

conversa Jaacute as narrativas percebem a construccedilatildeo social do sentido sendo estas visotildees

de mundo construiacutedas pelo locutor e seus interlocutores As histoacuterias satildeo por sua vez

a reinterpretaccedilatildeo de fatos atraveacutes do olhar de cada locutor interlocutor

A anaacutelise discurso eacute uma ferramenta interessante para analisar poliacuteticas

puacuteblicas uma vez que nos permite entender a poliacutetica atraveacutes das pessoas que

formulam eou implementam a poliacutetica Conhecendo as pessoas que fazem uma

poliacutetica puacuteblica acontecer e analisando suas conversas diaacutelogos e histoacuterias podemos

entender a significaccedilatildeo dada pelas pessoas dos processos que vivenciam Ou seja eacute

possiacutevel sair de um discurso formal para analisar quais satildeo as relaccedilotildees de poder no

28

acircmbito de uma poliacutetica puacuteblica e quais satildeo os sentidos dados para os temas

trabalhados que impedem ou proporcionam mudanccedilas materiais na evoluccedilatildeo de uma

poliacutetica puacuteblica

Algumas perspectivas epistemoloacutegicas satildeo possiacuteveis na anaacutelise de discurso

organizacional sendo as principais abordagens a positivista a construtivista e a poacutes-

modernista (PUTNAM et al 2004) e a criacutetico realista (FAIRCLOUGH 2010) Antes

de definir essas abordagens eacute importante diferenciarmos as perspectivas possiacuteveis

para a linguagem A ldquolinguagem em usordquo eacute aquela visatildeo que aborda o discurso como

tendo uma funccedilatildeo na criaccedilatildeo de uma ordem social no cotidiano da organizaccedilatildeo Seu

foco estaacute portanto na anaacutelise de discurso no momento presente da organizaccedilatildeo

(PUTNAM et al 2004 pg 9) Jaacute a abordagem da ldquolinguagem em contextordquo leva em

conta fatores histoacutericos e sociais que influenciam a produccedilatildeo disseminaccedilatildeo e

consumo de textos (PUTNAM et al 2004 pg 10) Ou seja leva em consideraccedilatildeo o

passado e os possiacuteveis efeitos futuros do discurso organizacional Dentro dessa

diferenciaccedilatildeo podemos esclarecer de onde derivam as diferentes abordagens

metodoloacutegicas A ldquolinguagem em usordquo eacute utilizada pelos positivistas e a ldquolinguagem

em contextordquo eacute a abordagem levada em consideraccedilatildeo pelos construtivistas (PUTNAM

et al 2004)

O pensamento positivista se preocupa em identificar padrotildees nas interaccedilotildees

discursivas Dessa maneira tratam o discurso como principal variaacutevel de anaacutelise e

natildeo acreditam que o discurso tenha caraacuteter poliacutetico Buscam entatildeo identificar uma

narrativa uacutenica ou um conjunto de significados compartilhados entre membros de

uma organizaccedilatildeo (PUTNAM et al 2004)

A abordagem construtivista por sua vez estuda como o discurso constitui e

reconstitui arranjos sociais dentro dos diferentes contextos das organizaccedilotildees Essa

perspectiva defende a natureza poliacutetica do discurso pela sua utilizaccedilatildeo para produzir

manter ou resistir a diferentes formas de poder Desse modo como afirma Gomes

(GOMES 2014b) o domiacutenio do discurso eacute em si um recurso de poder e faz parte da

luta pela hegemonia

Dentro do guarda-chuva da abordagem construtivista existe um ramo

chamado anaacutelise criacutetica do discurso cuja metodologia considera importante ambos os

29

tipos de linguagem sendo a ldquolinguagem em usordquo importante para identificar como

regras e estruturas em interaccedilotildees discursivas constituem identidades e levam agrave sua

institucionalizaccedilatildeo e a lsquolinguagem em contextorsquo importante para compreender os

diferentes significados para o mesmo texto dependendo do contexto em que o

discurso estaacute inserido A Anaacutelise Criacutetica do Discurso (ACD) enxerga as organizaccedilotildees

como sendo os locais onde ocorrem a luta entre os discursos pela dominaccedilatildeo sendo

que cada grupo luta para que seus interesses moldem exerccedilam eou resistam ao

controle social dentro da entidade Assim o foco dessa perspectiva eacute como o discurso

constitui e eacute constituiacutedo pelas praacuteticas sociais

Os poacutes-modernistas criticam a anaacutelise criacutetica do discurso uma vez que se

voltam novamente ao texto ou seja agrave lsquolinguagem em usorsquo e apontam para a

bipolaridade da anaacutelise criacutetica do discurso que exclui todos os discursos fora da

loacutegica de poder e resistecircncia Essa abordagem defende que os textos satildeo repletos de

metaacuteforas para organizar e representar uma gama de significados variados que

estariam marginalizados Para isso a desconstruccedilatildeo dos textos eacute a principal

ferramenta dessa perspectiva

Apesar da resistecircncia dos poacutes-modernistas agrave anaacutelise criacutetica do discurso

entendemos que essa metodologia eacute interessante para essa pesquisa uma vez que ela

nos permite entender os significados e a disputa de poder embutida nessas

significaccedilotildees Mas para aleacutem disso a anaacutelise criacutetica do discurso nos permite

compreender as consequecircncias materiais dessa disputa do poder (GOMES 2014b)

Aleacutem disso outro ponto interessante que diferencia a Anaacutelise Criacutetica do

Discurso eacute a incorporaccedilatildeo de trecircs niacuteveis de discurso micro meso e macro (OSWICK

PHILLIPS 2012) Assim o discurso estaacute dentro de uma situaccedilatildeo dentro de uma

instituiccedilatildeo e dentro da sociedade respectivamente (OSWICK PHILLIPS 2012) Em

outras palavras

Based on these three different levels undertaking CDA involves (i)

the examination of the language in use (the text dimension) (ii) the

identification of processes of textual production and consumption (the

discursive practice dimension) and (iii) the consideration of the institutional

30

factors surrounding the event and how they shape the discourse (the social

practice dimension) (OSWICK PHILLIPS 2012 p 457)

Nesse sentido a Anaacutelise Criacutetica do Discurso relaciona esses trecircs niacuteveis ao

mesmo tempo que incorpora uma visatildeo criacutetica do discurso homogecircneo Busca dessa

forma compreender seus fundamentos para interrogaacute-lo e gerar mudanccedila social

como veremos na proacutexima seccedilatildeo

A escolha da ACD se deve primeiramente porque acreditamos que a realidade

social natildeo pode ser vista com um olhar positivista tentando encontrar padrotildees nas

interaccedilotildees discursivas olhando tambeacutem somente para o discurso como variaacutevel

relevante na produccedilatildeo de significados Nesse trabalho queremos analisar a produccedilatildeo

de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia nos contextos agraacuterio e

urbano natildeo buscando encontrar padrotildees em cada contexto mas para entender

qualitativamente como o contexto e o discurso se relacionam entre si para produzir

significados que influenciam nessa produccedilatildeo de poliacuteticas Portanto optamos por esse

olhar que inclui o contexto como fator essencial em conjunto com as interaccedilotildees

discursivas

A anaacutelise criacutetica do discurso eacute uma perspectiva que considera as relaccedilotildees

dialeacuteticas de poder na criaccedilatildeo e significaccedilatildeo de discursos (GOMES 2014b) e que

pretende enxergar o mundo a partir de um olhar criacutetico do que ele deveriapoderia ser

olhando para os discursos e para as suas manifestaccedilotildees na praacutetica e em elementos

extra-discursivos como forma de refletir sobre uma estrutura social que natildeo

conseguimos materializar Ou seja ela eacute uma opccedilatildeo ontoloacutegica porque queremos

olhar para essa estrutura social criticamente no sentido de entendermos o que eacute e

tambeacutem projetar como poderia ser a partir do entendimento do porquecirc as poliacuteticas

puacuteblicas satildeo desenhadas e implementadas da maneira como satildeo nesses contextos

agraacuterio e urbano Isto eacute natildeo queremos ser relativistas e afirmar que entendendo a

relaccedilatildeo entre interaccedilotildees discursivas e os contextos diferentes as realidades satildeo

justificaacuteveis por si soacute pois olhamos normativamente para as poliacuteticas puacuteblicas em

especial aquelas para mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia nessa pesquisa Isto eacute a

anaacutelise criacutetica do discurso pode ajudar a entender como o capitalismo neoliberal

31

impede em algumas medidas a emancipaccedilatildeo humana para entatildeo tentar informar

estrateacutegias de como mitigar ou acabar com essas limitaccedilotildees (FAIRCLOUGH 2010)

No contexto de poliacuteticas puacuteblicas sobre violecircncia contra a mulher seria o caso de

entender quais satildeo as manifestaccedilotildees da estrutura social machista para tentar informar

decisotildees de poliacuteticas puacuteblicas que possam efetivamente gerar mudanccedilas nessa

estrutura social

Assim a anaacutelise criacutetica do discurso eacute uma abordagem relacional ou seja seu

objeto natildeo eacute o discurso em si mas as relaccedilotildees sociais e as disputas de poder entre

essas relaccedilotildees em que o discurso eacute parte integrante pela produccedilatildeo reproduccedilatildeo e

transformaccedilatildeo de significados (FAIRCLOUGH 2010) Aleacutem disso sua perspectiva eacute

dialeacutetica no sentido que estuda as relaccedilotildees entre objetos que natildeo satildeo inteiramente

separaacuteveis ou seja suas naturezas satildeo parcialmente definidas pela relaccedilatildeo com o

outro Nesse sentido natildeo exclui a importacircncia dos elementos extra-discursivos

ressaltando seu caraacuteter transdisciplinar (FAIRCLOUGH 2010) O termo criacutetica

remete a uma abordagem normativa que aponta para a realidade como algo passiacutevel

de mudanccedila e nesse sentido busca estudar tanto o que existe quanto o que poderia

existir idealmente (FAIRCLOUGH 2010)

Deste modo para a anaacutelise criacutetica do discurso trecircs esferas satildeo importantes o

texto o discurso e o contexto social (PHILIPPS SEWELL JAYNES 2008) Essas

esferas interagem entre si conforme o esquema abaixo

Tabela 1 Diaacutelogo entre Diferentes Esferas na ACD

32

O sujeito locutor se encontra numa posiccedilatildeo social ou seja num lugar no

espaccedilo social em que ele possui um certo grau de agecircncia (PHILIPPS SEWELL

JAYNES 2008) A partir dessa posiccedilatildeo social o locutor fala ou escreve um texto que

se transforma em discurso no momento em que o locutor tenta mudar ou manter a

ordem social atraveacutes desse texto Esse discurso por sua vez produz conceitos que se

expressam na cultura refletindo sobre a maneira como ele e seus interlocutores

enxergam o mundo e se relacionam entre si Por fim esse discurso se transforma em

objeto quando se torna parte de uma ordem praacutetica (PHILIPPS SEWELLJAYNES

2008) sendo usado para fazer sentido das relaccedilotildees sociais e condiccedilotildees materiais do

contexto social voltando ao iniacutecio do ciclo

33A emancipaccedilatildeo como chave entre as esferas

A Anaacutelise Criacutetica do Discurso foi escolhida nesse trabalho pelo potencial de

emancipaccedilatildeo (FAIRCLOUGH 2010) que essa perspectiva epistemoloacutegica nos

permite uma vez que pretende analisar a estrutura social atraveacutes de suas

manifestaccedilotildees discursivas e extra-discursivas afim de informar maneiras de mudar a

estrutura social machista Para melhor entender como as esferas se relacionam no

ciclo do realismo criacutetico com a emancipaccedilatildeo dos cidadatildeos podemos fazer uso da

Texto

Discurso

Cultura

Objeto

Posiccedilatildeo Social

(Contexto)

Elaboraccedilatildeo proacutepria a partir de dados de PHILIPPS SEWELL JAYNES 2008

33

noccedilatildeo de emancipaccedilatildeo de Zygmunt Bauman (BAUMAN 2001) Segundo o autor haacute

uma diferenccedila importante a ser ressaltada entre a liberdade de jure e a liberdade de

facto que ocorrem na modernidade

Bauman (2001) explica que na modernidade os indiviacuteduos natildeo tecircm sua

identidade ligada a instituiccedilotildees sociais ou princiacutepios universais No lugar disso hoje

haacute uma autoconstruccedilatildeo fluiacuteda das identidades isso significa que haacute uma valorizaccedilatildeo

das diferenccedilas e que a identidade eacute continuamente definida e redefinida pelos proacuteprios

indiviacuteduos

Nesse sentido parece que chegamos ao auge da liberdade humana

(BAUMAN 2001) poreacutem na verdade essa liberdade eacute tecircnue Isso porque houve um

esvaziamento das funccedilotildees do Estado em relaccedilatildeo agraves escolhas dos indiviacuteduos ou seja

cada um escolhe sua identidade e seu modo de vida e deve se responsabilizar por

essas escolhas (BAUMAN 2001) A consequecircncia disso eacute uma esfera puacuteblica

constituiacuteda por aglomeraccedilotildees de anseios individualizados mas que natildeo conseguem

afetar a agenda puacuteblica porque natildeo ultrapassam a barreira de demandas individuais

para uma demanda maior e comum (BAUMAN 2001)

Entatildeo as pessoas satildeo chamadas cada vez menos a buscar respostas para suas

demandas na sociedade e no Estado mas em si mesmas (BAUMAN 2001) e seu

fracasso ou sucesso tambeacutem eacute de sua inteira responsabilidade Entatildeo surge a

diferenciaccedilatildeo de Bauman quanto aos tipos diferentes de liberdade amenizando o auge

da liberdade que supostamente vivemos

Os indiviacuteduos tecircm liberdade de escolha e satildeo responsabilizados pelas mesmas

poreacutem natildeo encontram recursos praacuteticos para realizar suas escolhas (BAUMAN

2001) Daiacute a contraposiccedilatildeo entre liberdade de jure e liberdade de facto A primeira

corresponde agrave liberdade formal muitas vezes colocada em lei que os indiviacuteduos

teriam agrave sua disposiccedilatildeo Mas a liberdade de facto ou seja a realizaccedilatildeo dos seus

anseios e decisotildees natildeo ocorre muitas vezes porque faltam condiccedilotildees materiais para

que isso aconteccedila Nessa contradiccedilatildeo que a condiccedilatildeo de emancipaccedilatildeo dos indiviacuteduos

natildeo eacute atingida porque natildeo conseguem efetivar a autodeterminaccedilatildeo de seus destinos

Essa questatildeo da emancipaccedilatildeo se torna relevante quando discutimos o realismo

criacutetico porque no tema estudado existe essa contradiccedilatildeo entre o que eacute de jure que faz

34

parte da esfera atual e o de facto que estaacute na esfera empiacuterica das condiccedilotildees extra-

discursivas dos indiviacuteduos de saiacuterem de um problema no caso a violecircncia de gecircnero

34 A pesquisa de campo e a coleta de dados

Para darmos continuidade agrave pesquisa fizemos algumas visitas de campo A

coleta de dados qualitativos foi com base em um roteiro semiestruturado que se

encontra disponiacutevel nos anexos Antes de cada entrevista foi acordado com cada

entrevistado a o termo de consentimento para uso das mesmas tambeacutem em anexo As

conversas foram gravadas a partir do consentimento dos entrevistados e transcritas agrave

posteriori Depois selecionamos os trechos mais relevantes para a pesquisa e

organizamos segundo os temas mais recorrentes Em seguida organizamos esses

temas recorrentes de acordo com a estratificaccedilatildeo ontoloacutegica do realismo criacutetico

Dessa forma primeira etapa da coleta de dados foi realizada em Janeiro de

2015 em Goiaacutes Ateacute 2014 existia uma Secretaria de Poliacuteticas para as Mulheres e

Promoccedilatildeo da Igualdade Racial (SEMIRA) Nessa secretaria havia e haacute ainda na nova

superintendecircncia haacute uma accedilatildeo da Secretaria Federal de Poliacuteticas para as Mulheres de

unidades moacuteveis para mulheres do campo e da floresta No caso de Goiaacutes consiste

em disponibilizar ocircnibus que iam de Goiacircnia para as cidades do interior com equipes

multidisciplinares para fazer palestras sobre violecircncia de gecircnero informar a

populaccedilatildeo e dar assistecircncia (meacutedica psicoloacutegica juriacutedica) agraves mulheres que

procurassem a equipe Nas eleiccedilotildees de 2014 Marconi foi reeleito governador de

Goiaacutes no entanto mudou a estrutura das suas secretarias dissolvendo a SEMIRA e

colocando a pasta das mulheres numa secretaria muito mais ampla a Secretaria da

Mulher do Desenvolvimento Social da Igualdade Racial dos Direitos Humanos e do

Trabalho

A pesquisa de campo em Goiaacutes aconteceu em trecircs cidades Caldas Novas

Goiacircnia e Professor Jamil Os oacutergatildeos e entidades entrevistados em ordem

cronoloacutegica foram CREAS Secretaria Estadual da Mulher Desenvolvimento Social

Igualdade Racial Direitos Humanos e Trabalho Equipe de Unidades Moacuteveis

35

DEAM Centro Popular da Mulher Observatoacuterio de Seguranccedila Puacuteblica e Secretaria

Municipal da Mulher de Professor Jamil

Comeccedilamos a parte de campo da pesquisa em Caldas Novas cidade a 167

quilocircmetros de Goiacircnia com 70473 habitantes sendo da 2759 zona rural e 67714

da zona urbana (IBGE 2015) Caldas Novas natildeo possui um oacutergatildeo especiacutefico da

prefeitura para lidar com a violecircncia de gecircnero O uacutenico oacutergatildeo responsaacutevel por

receber as viacutetimas desse tipo de violecircncia eacute o CREAS que atende mulheres idosos

crianccedilas e adolescentes em situaccedilatildeo de vulnerabilidade

A seguir realizamos entrevistas na Secretaria da Mulher do Desenvolvimento

Social da Igualdade Racial dos Direitos Humanos e do Trabalho em uma Delegacia

Especializada em Atendimento agrave Mulher e no Observatoacuterio de Seguranccedila Puacuteblica da

Secretaria de Seguranccedila Puacuteblica de Goiaacutes Goiacircnia eacute a capital de Goiaacutes com

aproximadamente 1302001 habitantes em 2010 (IBGEb 2015) Desse nuacutemero

1297155 estavam em aacuterea urbana e 4846 na zona rural (IBGEb 2015)

Finalmente a uacuteltima entrevista de campo em Goiaacutes foi em Professor Jamil Eacute

uma cidade a 70 quilocircmetros de Goiacircnia com 3239 habitantes sendo 978 da zona

rural e 2261 da zona urbana (IBGEc 2015) A cidade foi indicada pela equipe de

unidades moacuteveis da Secretaria da Mulher do Desenvolvimento Social da Igualdade

Racial dos Direitos Humanos e do Trabalho pela lideranccedila forte na cidade

Aleacutem da pesquisa de campo em Goiaacutes a segunda parte do campo consistiu em

conhecer tambeacutem a situaccedilatildeo de Satildeo Paulo Primeiramente buscamos informaccedilotildees

sobre as poliacuteticas puacuteblicas existentes para combater a violecircncia de gecircnero na esfera do

governo estadual de Satildeo Paulo Foi muito dificultosa essa busca uma vez que natildeo haacute

secretaria especiacutefica e mesmo em sites de busca encontramos escassas referecircncias

como o Hospital Peacuterola Byington como accedilatildeo puacuteblica destinada a esse puacuteblico

especiacutefico Depois de muitas pesquisas encontramos no site da Secretaria de Justiccedila e

Defesa da Cidadania uma Coordenaccedilatildeo de Poliacuteticas para a Mulher (SAtildeO PAULO

2015) Achamos simboacutelico essa coordenaccedilatildeo aleacutem de ser pouco visiacutevel estar listada

em uacuteltimo lugar na lista de coordenaccedilotildees da secretaria e contar apenas com duas

pessoas em sua equipe

36

Infelizmente natildeo foi possiacutevel realizarmos entrevista com ningueacutem da equipe

do Peacuterola Byington pois devido a uma reforma do local a equipe natildeo aceitou nos

receber para uma entrevista Apesar disso tentamos em trecircs tentativas explicar que o

nosso foco era uma conversa com algueacutem da equipe e natildeo necessariamente conhecer

a estrutura fiacutesica Mesmo assim ningueacutem se disponibilizou a conceder uma entrevista

para a pesquisa

No mais conseguimos trecircs entrevistas em Satildeo Paulo com a coordenadora de

uma subsecretaria de poliacuteticas para as mulheres com uma delegada de uma Delegacia

Da Mulher (DDM) da Grande Satildeo Paulo e com uma representante do Nuacutecleo

Especializado de Promoccedilatildeo dos Direitos da Mulher (NUDEM) Como surgiu em Satildeo

Paulo a necessidade de manter anonimato de alguns entrevistados optamos por

manter a uniformidade da pesquisa e natildeo identificar nenhum dos entrevistados Tendo

em vista que foram bastante entrevistados decidimos adotar nomes fictiacutecios para os

mesmos a fim de situar melhor o leitor em relaccedilatildeo agraves citaccedilotildees presentes na anaacutelise

dos discursos

Tambeacutem com o intuito de facilitar a leitura codificamos com cores a partir

das caracteriacutesticas da organizaccedilatildeo em que o entrevistado trabalha Sendo assim a cor

azul se refere a profissionais de assistecircncia social mais geral isto eacute sem foco para o

Tabela 2 Quadro de Entrevistados

Fonte Autoria proacutepria

37

atendimento a mulheres Por sua vez a cor roxa eacute para sinalizar os entrevistados que

trabalham no primeiro ou terceiro setor em organizaccedilotildees voltadas especificamente

para mulheres em um sentido amplo O laranja eacute para organizaccedilotildees policiais e por

fim o verde representa as instacircncias do poder judiciaacuterio especiacuteficas para mulheres

38

4 A Anaacutelise

41 As poliacuteticas puacuteblicas de violecircncia de gecircnero no Brasil

Por traacutes desses nuacutemeros preocupantes haacute uma construccedilatildeo de sentidos sobre o

eacute violecircncia contra a mulher suas causas consequecircncias e qual o desenho adequado

das poliacuteticas puacuteblicas O tema definitivamente entrou na agenda puacuteblica brasileira

somente no final dos anos setenta com o aumento do nuacutemero de assassinatos de

mulheres de classe meacutedia e a visibilidade dada agrave questatildeo pela miacutedia e autoridades

(BANDEIRA 2014) o que natildeo implica que os sentidos da violecircncia contra mulher

natildeo estejam em constante negociaccedilatildeo Nessa mesma eacutepoca a violecircncia contra a

mulher se transformou na principal bandeira do movimento feminista brasileiro

(BANDEIRA 2014) Bandeira (2014) relata que a partir disso e com a abertura

democraacutetica a sociedade civil se aliou agrave academia para pressionar politicamente em

prol de uma resposta do Estado a esse problema Podemos perceber que a violecircncia

de gecircnero nesse periacuteodo era entendida como violecircncia sexual sobretudo cometida por

maridos e ex-companheiros

A primeira mudanccedila foi a transformaccedilatildeo dos ldquocrimes de violecircncia sexual

como crimes contra a pessoa natildeo mais contra os costumesrdquo (BANDEIRA 2014 pg

452) Logo em seguida 1985 foram criadas delegacias proacuteprias para esse problema

as Delegacias Especiais de Atendimento agraves Mulheres com a visatildeo de era necessaacuterio

endereccedilar o problema das mortes das mulheres com um olhar feminino com maior

prioridade do que a violecircncia mais ampla sofrida no dia-a-dia pelas mulheres Essa

medida deu visibilidade agrave violecircncia sobretudo pelo criaccedilatildeo de um canal que

possibilitou o aumento de denuacutencias por parte das viacutetimas

Nos anos noventa comeccedilaram as accedilotildees de Casas de Abrigo para receber

mulher em risco de vida hoje contando com 80 espalhadas pelo paiacutes (BANDEIRA

2014) Apesar de o novo contexto poliacutetico de redemocratizaccedilatildeo nesse periacuteodo ter

aberto ldquonovos canais institucionais e estruturas de alianccedilas ineacuteditos para o movimento

feminista brasileirordquo (MACIEL 2011 p97) houve um retrocesso em termos de

poliacuteticas puacuteblicas para combater agrave violecircncia de gecircnero A mesma foi enquadrada na

39

Lei nordm 909995 que discorre sobre o julgamento de crimes de ldquomenor potencial

ofensivordquo (BANDEIRA 2014) e portanto busca a conciliaccedilatildeo das partes e prevecirc

uma pena de no maacuteximo dois anos de reclusatildeo (BANDEIRA 2014) Nesse mesmo

ano foram criados os Juizados Especiais Criminais que ldquose tornaram rapidamente o

escoadouro de denuacutencias de agressotildees contra a mulher nos acircmbitos domeacutestico e

familiarrdquo (MACIEL 2011 p103) mas operando em uma loacutegica de impunidade dos

agressores e desatenccedilatildeo agraves viacutetimas Bandeira (2014) ressalta a opiniatildeo generalizada

dos operadores juriacutedicos de que era desnecessaacuterio criar uma lei especiacutefica para tratar

da violecircncia de gecircnero (BANDEIRA 2014)

Esse cenaacuterio mudou principalmente pela pressatildeo internacional uma vez que o

Brasil assinou compromissos com tratados e convenccedilotildees internacionais de Direitos

Humanos que tratavam da violecircncia de gecircnero de maneira ampla (BANDEIRA

2014) Isto eacute o Brasil foi movido a ressignificar a violecircncia de gecircnero incluindo

tambeacutem a violecircncia psicoloacutegica e moral como parte desse quadro caracterizando a

violecircncia de gecircnero como violaccedilatildeo dos direitos humanos (MACIEL 2011) e servindo

de base para a criaccedilatildeo da Lei Maria da Penha (BANDEIRA 2014) Segundo

Bandeira (2014) essa lei significou uma ldquonova forma de administraccedilatildeo legal dos

conflitos interpessoais embora ainda natildeo seja de pleno acolhimento pelos operadores

juriacutedicosrdquo (BANDEIRA 2014)

Essa lei trouxe pela primeira vez o reconhecimento da mulher como parte

lesada nos casos de violecircncia de gecircnero e a obrigaccedilatildeo de o Estado responder a esse

crime natildeo atraveacutes de mediaccedilatildeo de conflitos no acircmbito privado mas de garantias de

direitos no acircmbito puacuteblico agraves viacutetimas O projeto inicial foi feito pela CFMEA e

entregue agrave Secretaria Especial de Poliacuteticas para Mulheres em 2004 que depois o

encaminhou para o Legislativo (MACIEL 2011) Esse primeiro projeto natildeo tratava

da retirada de competecircncia dos Juizados Especiais Criminais para tratar de violecircncia

de gecircnero e natildeo estabelecia a criaccedilatildeo de outra instacircncia juriacutedica especiacutefica para tratar

da mesma (MACIEL 2011) Nesse meio tempo em 2003 o Executivo Federal

sancionou por meio da Lei n107782003 a obrigatoriedade de notificaccedilatildeo por toda a

rede de sauacutede puacuteblica e privada de todos os casos de violecircncia contra a mulher

(BANDEIRA 2014) No ano seguinte em 2004 lanccedilado o primeiro Plano Nacional

40

de Poliacuteticas Puacuteblicas para as Mulheres (MACIEL 2011) Ainda antes da aprovaccedilatildeo

da Lei Maria da Penha em 2005 foi implementado o Ligue 180 pela SPM que

encaminhava as denuacutencias para a Secretaria de Seguranccedila Puacuteblica ou para o

Ministeacuterio Puacuteblico (BANDEIRA 2014) Somente em 2006 foi aprovada LMP no

contexto relatado por Maciel

O calendaacuterio das eleiccedilotildees presidenciais e legislativas foi decisiva para

ampliar a capacidade de pressatildeo poliacutetica o movimento conseguiu a

aprovaccedilatildeo nas duas casas legislativas do substituto o Projeto de Lei n

372006 que afastava formalmente a competecircncia dos Juizados para o

tratamento dos processos oriundos de violecircncia domeacutestica (MACIEL 2011

p103)

A Lei Maria da Penha trata violecircncia de gecircnero como problema puacuteblico a

garantia dos direitos fundamentais e ldquotodas as oportunidades e facilidades para viver

sem violecircncia preservar a sauacutede fiacutesica e mental e o aperfeiccediloamento moral

intelectual e social assim como as condiccedilotildees para o exerciacutecio efetivo dos direitos agrave

vida agrave seguranccedila e agrave sauacutederdquo (MENEGHEL 2013 p692)

A Lei Maria da Penha foi um marco no histoacuterico do tratamento do Estado agrave

violecircncia de gecircnero pois foi pioneira na tipificaccedilatildeo da violecircncia Como coloca

Meneghel

A Lei Maria da Penha tipificou a violecircncia denominando-a violecircncia

domestica e a definiu como qualquer accedilatildeo ou omissatildeo baseada no gecircnero que

cause morte lesatildeo sofrimento fiacutesico sexual psicoloacutegico e dano moral ou

patrimonial agraves mulheres ocorrida em qualquer relaccedilatildeo iacutentima de afeto na

qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida

independentemente de coabitaccedilatildeo (MENEGHEL 2013 p693)

Depois de aprovada a lei no entanto o movimento feminista brasileiro se

deparou com uma nova agenda a de garantir a efetividade da implementaccedilatildeo da Lei

41

Maria da Penha Nesse sentido foi criado em 2007 pela alianccedila entre organizaccedilotildees

de mulheres e nuacutecleos universitaacuterios o Observatoacuterio Nacional de Implementaccedilatildeo e

Aplicaccedilatildeo da Lei Maria da Penha ldquopara produzir analisar e divulgar informaccedilotildees

sobre a aplicaccedilatildeo da Lei pelas delegacias Ministeacuterio Puacuteblico Defensoria Puacuteblica

poderes Judiciaacuterio e Executivo e redes de atendimento agrave mulherrdquo (MACIEL 2011

p104) No mesmo ano o Programa Nacional ade Seguranccedila Puacuteblica com Cidadania

do governo federal colocou como objetivo a criaccedilatildeo de Juizados de Violecircncia

Domeacutestica e Familiar (MACIEL 2011) Esse plano incluiacutea tambeacutem a necessidade de

capacitaccedilatildeo especiacutefica de agentes puacuteblicos para lidar com essas viacutetimas (MACIEL

2011) Jaacute em 2008 a ldquoCampanha 16 Dias de Ativismo pelo Fim da Violecircncia contra

as Mulheresrdquo foi realizada em parceria com a SPM e teve ampla adesatildeo da esfera

puacuteblica estatal e natildeo estatal nacional e internacional (MACIEL 2011)

Ou seja a accedilatildeo coletiva do movimento feminista brasileiro pressionou

primeiramente o poder Legislativo para incluir na agenda de poliacuteticas puacuteblicas o

problema da violecircncia de gecircnero Depois da vitoacuteria da aprovaccedilatildeo da Lei Maria da

Penha comeccedilou a pressionar os poderes Executivo e Judiciaacuterio para garantir que a

mesma fosse efetiva

42 Contextualizaccedilatildeo da Anaacutelise

O objetivo desse trabalho eacute compreender os diferentes sentidos dados agrave violecircncia

de gecircnero nos contextos urbano e agriacutecola Para entendermos melhor esse objetivo e

como iremos trabalhar para atingi-lo eacute necessaacuterio explicitar como ele estaacute

relacionado aos diferentes domiacutenios do Realismo Criacutetico (vide seccedilatildeo da metodologia

em que delimitamos esses domiacutenios e mostramos como se relacionam entre si) O

nosso foco nas evidecircncias de cada domiacutenio especificamente no tema de violecircncia de

gecircnero vai nos ajudar a analisar em seguida os dados coletados na pesquisa jaacute que

essas evidecircncias satildeo a ponte para a compreensatildeo dos domiacutenios abstratos

42

Domiacutenio Evidecircncias

Real Machismo

Atual Discursos sobre desigualdade de gecircnero e

violecircncia de gecircnero

Empiacuterico Poliacuteticas e accedilotildees puacuteblicas

Elementos extra-discursivos

Entatildeo precisamos entender quais os sentidos atribuiacutedos pelos entrevistados agrave

violecircncia de gecircnero Isso eacute relevante porque os sentidos atribuiacutedos delimitam a

compreensatildeo do problema no caso a violecircncia de gecircnero A maneira como o

problema eacute compreendido afeta quais os tipos de poliacuteticas puacuteblicas construiacutedas ou a

ausecircncia delas Essas poliacuteticas puacuteblicas por sua vez podem alterar a estrutura social

ou reforccedilar a mesma voltando para o domiacutenio do real Aleacutem disso essas poliacuteticas

puacuteblicas satildeo afetadas pelos elementos extra-discursivos como orccedilamento estrutura

fiacutesica e recursos humanos que por sua vez podem ser tanto causados por ou

causadores da estrutura social machista Ou seja podemos pensar que os locus de

formulaccedilatildeo eou implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo de

violecircncia satildeo esvaziadas de recursos como consequecircncia da falta de importacircncia dada

ao problema devido agrave estrutura social machista que permanece mas ao mesmo tempo

como instrumento de manutenccedilatildeo dessa mesma estrutura

Tambeacutem eacute interessante retomarmos as caracteriacutesticas da Anaacutelise Criacutetica do

Discurso para relacionaacute-las agraves entrevistas realizadas Primeiramente realismo criacutetico

eacute relacional (FAIRCLOUGH 2010) o que no caso significa que a estrutura social do

machismo os discursos sobre desigualdade de gecircnero e violecircncia de gecircnero e os

elementos extra-discursivos natildeo podem ser analisados separadamente Isto se deve ao

fato de que cada elemento interage com os demais sendo afetado e afetando-os

mutuamente Entatildeo natildeo podemos falar em machismo sem justificar sua existecircncia

Tabela 3 Os Domiacutenios do Realismo Criacutetico e suas Evidecircncias

Fonte Autoria proacutepria

43

enquanto estrutura social via suas manifestaccedilotildees tanto discursivas quanto extra-

discursivas Mas tambeacutem natildeo podemos pensar nessas manifestaccedilotildees sem entender a

relaccedilatildeo delas com a estrutura social que pode ser geradora eou influenciada pelos

discursos e elementos extra-discursivos

Aleacutem disso a anaacutelise criacutetica do discurso eacute dialeacutetica (FAIRCLOUGH 2010) Isso

significa que o machismo e a violecircncia de gecircnero natildeo podem ser analisados como

uma relaccedilatildeo causal uacutenica por exemplo a estrutura social machismo gera a violecircncia

de gecircnero No caso a estrutura social machista tem como uma das suas

consequecircncias manifestaccedilotildees como a violecircncia de gecircnero mas esta violecircncia atua

reproduzindo a estrutura social machista ou entatildeo transformando a mesma

Para entender melhor as entrevistas realizadas agrave luz da ontologia do realismo

criacutetico dividimos a anaacutelise da pesquisa em duas partes principais as manifestaccedilotildees

discursivas da estrutura social e suas manifestaccedilotildees extra-discursivas Na primeira

seccedilatildeo iremos partir do plano geral das manifestaccedilotildees do machismo e em seguida focar

na manifestaccedilatildeo especiacutefica de violecircncia de gecircnero E na segunda parte iremos

descrever e analisar questotildees de recursos humanos fiacutesicos e orccedilamentaacuterios

43 Manifestaccedilotildees discursivas da estrutura social

Durante a pesquisa encontramos evidecircncias de diferentes sentidos dados

pelos atores sobre desigualdade de gecircnero Mesmo com suas diferenccedilas a principal

referecircncia dos entrevistados eacute a cultura de que o mundo em geral eacute machista e o

Brasil o eacute com mais intensidade

Percebemos que a desigualdade entre os gecircneros envolve discursos que

acabam encontrando entraves durante as falas dos entrevistados Por exemplo

segundo Faacutebio a mulher eacute vista pela sociedade como sexo fraacutegil apesar ser na praacutetica

mais forte porque ldquose um homem pega uma gripe ele cai na cama e natildeo levanta pra

nada a mulher taacute de gripe ela taacute limpando casa taacute lavando vasilha taacute fazendo

almoccedilordquo Ele comeccedila o seu discurso preocupado com a visatildeo da sociedade de que a

mulher eacute um sexo fraacutegil e inferior ao homem demonstrando um discurso contraacuterio agrave

estrutura social machista No entanto ele muda seu discurso no meio da frase

44

justificando sua posiccedilatildeo contraacuteria a essa estrutura com exemplos de atividades

colocadas pela estrutura social machista como atividades de mulher limpar lavar

cozinhar

Luiz reforccedilou sua crenccedila no que seria a igualdade de gecircnero a ser perseguida

diante do discurso de Faacutebio

Natildeo significa vocecirc ser submisso vocecirc saber como deve ser conduzida

uma relaccedilatildeo um casamento Eacute questatildeo de respeito mesmo O significado forte

da famiacutelia o que significa famiacutelia Ou qual eacute a figura do pai qual eacute a figura

da matildee O que eacute a figura do homem dentro da sociedade o que eacute a figura da

mulher dentro da sociedade Entatildeo trabalhar essa questatildeo da igualdade eacute

muito difiacutecil porque a gente natildeo pode confundir com certas libertinagens E

tem mulheres hoje mal instruiacutedas que natildeo tecircm uma instruccedilatildeo pra que isso

aconteccedila

Nesse discurso Luiz reforccedila as figuras do homem e da mulher da estrutura

social machista pois atribui um sentido normativo agrave ideia de relaccedilatildeo casamento e

famiacutelia isto eacute coloca como sendo relaccedilotildees positivas onde existem claramente os

papeis da mulher e do homem e consequentemente coloca como relaccedilotildees negativas

relaccedilotildees que natildeo seguem esse padratildeo estabelecido socialmente Seu discurso

evidecircncia o machismo da esfera real podemos dizer que aqui se manifesta

inconscientemente quando afirma que a igualdade entre os gecircneros eacute ameaccedilada por

ldquolibertinagensrdquo que segundo ele decorrem de uma falha da mulher por falta de

ldquoinstruccedilatildeordquo de cumprir seu papel enquanto ldquofigura de mulherrdquo dentro de uma

relaccedilatildeo Nesse sentido tambeacutem haacute evidecircncias de que o sentido construiacutedo por ele de

um relacionamento eacute heteronormativo em que necessariamente deve haver a ldquofigura

do homemrdquo e a ldquofigura da mulherrdquo o que faz parte tambeacutem da estrutura social

machista

Esse reforccedilo dos papeis sociais desiguais seria explicado segundo Roberta

pela educaccedilatildeo sexista que ainda existe no Brasil em que homens e mulheres satildeo

educados diferentemente pelas famiacutelias e pelas escolas Ela explica que ldquogeralmente

45

os brinquedos que aguccedilam a criatividade da crianccedila satildeo masculinos a menina ainda

brinca com boneca com panelinha enfim com as lides domeacutesticasrdquo

Aleacutem disso outro fator apontado como importante para a desigualdade entre

os gecircneros eacute o arcabouccedilo juriacutedico que historicamente privilegiou os homens porque

segundo a Talita ldquonoacutes temos um paiacutes muito marcado pelo machismo nossa lei que

trata especificamente sobre o assunto eacute ainda muito jovem noacutes nos deparamos com

muitas injusticcedilas antes da existecircncia da Lei Maria da Penha ateacute algumas deacutecadas

atraacutes a mulher sequer votavardquo

Em contraposiccedilatildeo Ana Paula contou uma anedota para justificar que as

causas da desigualdade de gecircnero vatildeo aleacutem de leis

Aiacute eu chamei uma amiga a faxineira uma pessoa muito humilde

terceirizada () e aiacute eu perguntei lsquofulana vocecirc tem relaccedilatildeo com o seu

marido quandorsquo Aiacute ela ficou sem graccedila ela disse aiacute doutora E eu lsquoDiz pra

eles quandorsquo lsquoQuando ele querrsquo E aiacute eu acho que haacute um tempo longo entre a

cultura e a lei

A cultura nessa fala pode ser vista como parte da esfera atual em que os seres

humanos ativam as estruturas do domiacutenio real construindo sentidos a partir delas

Nesse caso o domiacutenio do real eacute a estrutura social machista que eacute ativada por meio da

cultura nesse caso citado por Ana Paula com evidecircncias de elementos de

sexualidade que influenciam e satildeo influenciados pela estrutura social desigual entre

homens e mulheres Jaacute a lei agrave qual Ana Paula se refere a Lei Maria da Penha faz

parte do domiacutenio do empiacuterico ou seja uma legislaccedilatildeo fruto de eventos e accedilotildees da

sociedade Quando a entrevistada diz que ldquohaacute um tempo longo entre a cultura e a

leirdquo ela mostra evidecircncias de que o domiacutenio do empiacuterico pode trazer inovaccedilotildees

como a Lei Maria da Penha Poreacutem isso natildeo significa que a lei necessariamente

revolucione a estrutura social como a cultura que nesse caso que continua

reproduzindo um comportamento sexual machista em que o homem determina

quando quer ter relaccedilotildees sexuais e a mulher natildeo tem voz

Na pesquisa surgiram dois sentidos dados agrave maneira como o machismo se

46

manifesta na sociedade relativos ao grau de instruccedilatildeo e agrave estrutura econocircmica O

primeiro foi reforccedilada pelos funcionaacuterios do CREAS visitado por Talita e por Rafael

Segundo os entrevistados quanto mais educaccedilatildeo e mais informaccedilatildeo chegam ateacute as

pessoas menos machistas elas satildeo Rafael afirmou que a falta de instruccedilatildeo das

mulheres da aacuterea rural decorrente de uma menor escolaridade e maior isolamento

seriam geradoras de uma subnotificaccedilatildeo de casos de violecircncia (vide seccedilatildeo 2) na zona

agraacuteria Ele conta que essa subnotificaccedilatildeo ldquoeacute incentivada primeiro no meu ponto de

vista pela questatildeo cultural da proacutepria mulher natildeo procurar que ela eacute mais

desprovida de informaccedilatildeo e tudo maisrdquo Consequentemente a diferenccedila nas

manifestaccedilotildees do machismo nas aacutereas rural e urbana seria a intensidade porque

segundo estes entrevistados a aacuterea rural teria um vatildeo de instruccedilatildeo e informaccedilatildeo

recebida em relaccedilatildeo agrave aacuterea urbana

Aqui temos dois elementos da esfera real dialogando entre si O grau de instruccedilatildeo

estaacute relacionado agrave estrutura social diferente entre aacutereas agraacuterias e urbanas E a

estrutura social machista tambeacutem se localiza no plano real como mencionamos

anteriormente Assim uma desigualdade estrutural de instruccedilatildeo agravaria uma outra

desigualdade de gecircnero no caso justificando elementos discursivos (atual) e extra-

discursivos (empiacuterico) que reforccedilam uma dupla desigualdade evidenciando uma

minoria dentro das minoria das mulheres as mulheres da zona agraacuteria

Por outro lado Laura e Roberta afirmaram a importacircncia das estruturas

econocircmicas na manifestaccedilatildeo do machismo Roberta colocou a questatildeo da composiccedilatildeo

da renda familiar porque ldquona aacuterea rural o homem continua sendo chefe de famiacutelia

mesmo que a legislaccedilatildeo tenha mudadordquo Aleacutem disso ela afirma que a estrutura do

trabalho do campo que eacute direcionada pelo homem aumenta seu poder na relaccedilatildeo

com a mulher Segundo Laura esse poder seria explicitado na maneira mais aberta de

o machismo se manifestar na aacuterea rural Segundo ela ldquoo cara diz lsquoeu natildeo querorsquo

lsquovocecirc natildeo vairsquo lsquoassim natildeo podersquo lsquoporque eu sou homemrsquo lsquoeu que faccedilo issorsquo lsquoessa eacute

a sua tarefarsquo isso (o machismo) eacute claro no mundo rural existe uma abertura maior

para se dizerrdquo

Outras evidecircncias da manifestaccedilatildeo do machismo na divisatildeo das tarefas

domeacutesticas e na proacutepria convivecircncia com a famiacutelia esteve presente no discurso da

47

Ana Paula Segundo ela a mulher tem na nossa sociedade a responsabilidade com a

casa e com a famiacutelia enquanto o homem fica mais livre dessas obrigaccedilotildees Um

exemplo que ela apresenta eacute ldquoateacute no meu bairro eu me irrito porque os homens vatildeo

beber no bar como que os homens vatildeo beber no bar e as mulheres tatildeo em casa

lavando passando cozinhando cuidando dos filhos no saacutebadordquo

Vitoacuteria mostrou que na aacuterea urbana a manifestaccedilatildeo do machismo estaacute

relacionada agrave sexualidade da mulher porque segundo ela as outras desigualdades de

gecircnero seriam dadas como conquistadas apesar de natildeo o serem efetivamente Por isso

ela afirma que ldquo(o machismo) fica essa coisa escondida escamoteadardquo O sentido

dado por Vitoacuteria ao falar de machismo ldquoescondidordquo nos remete ao domiacutenio do real

Isto eacute na aacuterea urbana avanccedilos foram sido logrados como a entrada da mulher no

mercado de trabalho gerando maior independecircncia financeira aumento gradual da

participaccedilatildeo poliacutetica das mulheres dentre outros Contudo essas mudanccedilas estatildeo no

campo do atual e do empiacuterico mas natildeo foram suficientes para mudar a esfera do real

levando agrave permanecircncia da estrutura social machista Ou seja o machismo permanece

ldquoescondidordquo em partes da vida social como na sexualidade da mulher que acabam

reforccedilando uma relaccedilatildeo desigual com a mulher colocada em situaccedilatildeo inferior ao

homem

Depois de um olhar mais geral para as manifestaccedilotildees do machismo agraves quais os

entrevistados deram sentidos olhamos mais especificamente nas entrevistas uma de

suas manifestaccedilotildees a violecircncia de gecircnero que perpassa pelos vaacuterios tipos de

violecircncia descritos na Lei Maria da Penha Na conversa com a equipe do CREAS

nos foi relatado que quase natildeo chegam queixas da zona agraacuteria mas a conclusatildeo da

equipe eacute de que a violecircncia na zona agraacuteria eacute mais psicoloacutegica do que fiacutesica Essa

conclusatildeo se baseia no seguinte discurso construiacutedo pela equipe

Entatildeo ela vem na cidade ela faz a compra ela vem matricular os

filhos na escola e soacute volta no outro ano E ela estaacute ali a alegria dela Agraves vezes

a gente percebe quando a gente atende uma mulher do campo ela sempre

traz uma manga uma fruta que ela que colhe E isso faz com que ela fique

realmente responsaacutevel pelos filhos pela casa por algumas coisas ali que

48

beneficiam muito o homem Por isso que a violecircncia fiacutesica natildeo acontece

Porque para acontecer a violecircncia fiacutesica precisa de muita ira E ela natildeo estaacute

vendo o que estaacute acontecendo aqui na cidade Quando o marido vem entregar

o leite se ele daacute um litro de leite para uma menininha ali Se ele tem um

casinho ali ou outro ali vocecirc entendeu Ele fica mais solto Ele eacute

responsaacutevel por suprir toda a necessidade ali da zona rural mas ela fica ali

cuidando de tudo

Nessa fala temos evidecircncias de que a construccedilatildeo de sentidos sobre as causas

da violecircncia de gecircnero acabam voltando para a estrutura social machista e colocando

a mulher como culpada pela situaccedilatildeo Isso porque o discurso coloca a ira como causa

da violecircncia fiacutesica e depois a ira como algo gerado pela insatisfaccedilatildeo da mulher com

os comportamentos do homem Assim a fala comeccedila com um tom normativo

positivo de que a mulher eacute feliz no campo e de que na aacuterea rural a violecircncia fiacutesica

natildeo ocorre mas depois acaba culpabilizando as mulheres da aacuterea urbana pela

violecircncia fiacutesica que ocorre na cidade porque se ocorre eacute em decorrecircncia de seus

comportamentos que geram a ira no homem

Segundo a Roberta as mulheres da zona rural sofrem um tipo de violecircncia que

eacute menos comum na aacuterea urbana a violecircncia patrimonial Isso ocorre porque apesar

de a mulher trabalhar no campo com a produccedilatildeo de alimentos e tarefas domeacutesticas

ela natildeo tem remuneraccedilatildeo pelo trabalho realizado e o homem acaba sendo quem tem

posse do patrimocircnio da famiacutelia e quem decide todos os gastos

Vitoacuteria por outro lado tem outro discurso

()violecircncia de gecircnero eacute violecircncia de gecircnero em todos os lugares

Mas assim eacute que eu acho que eacute difiacutecil de falar mas acho que natildeo acho que

assim (pausa) talvez uma outra questatildeo diferente talvez na aacuterea rural vocecirc

tenha mais essa questatildeo da concretude da questatildeo da localidade a violecircncia

ser fiacutesica domeacutestica natildeo eacute uma coisa tatildeo refinada quanto na aacuterea urbana

que hoje vocecirc vecirc violecircncias na internet vocecirc tem tecnologia para usar para

isso

49

Podemos entatildeo depreender que as diferenccedilas em termos da violecircncia de

gecircnero nas zonas rurais e urbanas satildeo ainda muito pouco compreendidas como

podemos perceber pela pluralidade de concepccedilotildees em termos do que acontece e pelas

notificaccedilotildees natildeo chegarem ateacute os locais que trabalham com mulheres em situaccedilatildeo de

violecircncia

Existem divergecircncias tambeacutem quanto ao que eacute poliacutetica de gecircnero e

consequentemente como ela deveria ser executada Para Ana Paula poliacutetica de

gecircnero eacute uma poliacutetica que reconhece a vulnerabilidade do gecircnero feminino frente ao

masculino e a partir disso tem um enfoque na equiparaccedilatildeo das desigualdades em

todas as secretarias e natildeo apenas em uma secretaria de poliacuteticas para as mulheres

especificamente

Em contraste a essa visatildeo Roberta defende a necessidade de um oacutergatildeo

especiacutefico para tratar da poliacutetica de gecircnero uma vez que existem especificidades

dessa poliacutetica puacuteblica que a organizaccedilatildeo seria responsaacutevel por garantir Segundo ela

Se jaacute houvesse a equidade de gecircnero seja no trabalho na casa enfim nas

relaccedilotildees natildeo precisaria mesmo de um organismo Mas como a mulher tem

questotildees especiacuteficas como a sauacutede da mulher o trabalho da mulher a

capacitaccedilatildeo entatildeo noacutes temos que ter poliacuteticas puacuteblicas desenvolvidas em um

espaccedilo puacuteblico e que esse espaccedilo se comunique com os demais porque as

poliacuteticas satildeo transversais Quando noacutes falamos de mulher noacutes estamos

falando de sauacutede de educaccedilatildeo de seguranccedila que satildeo poliacuteticas que estatildeo

sendo desenvolvidas em outras aacutereas institucionais Mas a importacircncia da

concentraccedilatildeo em um organismo eacute porque esse organismo vai fazer a

articulaccedilatildeo com os demais promover essa transversalidade e de fato

implementar essas poliacuteticas especiacuteficas

Eacute interessante notar tambeacutem que haacute uma diferenccedila nos discursos quanto agrave

igualdade de gecircnero que foi apontada pela maioria dos entrevistados como o objetivo

da poliacutetica de gecircnero Segundo Vitoacuteria a igualdade buscada por esse tipo de poliacutetica

50

seria material ou seja efetivar as igualdades da lei entre homens e mulheres Jaacute para

Talita essa poliacutetica seria responsaacutevel por ldquotentar adequar todas essas diferenccedilas e

natildeo igualar todos porque natildeo somos iguais mas tentar equilibrar para que todos noacutes

possamos viver pacificamente e sem existir essa relaccedilatildeo de subordinaccedilatildeo que haacute

muitas vezes entre homem e mulherrdquo

O sentido dado por Roberta a poliacuteticas transversais eacute de que estamos falando

de uma poliacutetica que envolve diferentes segmentos da atuaccedilatildeo puacuteblica e por isso de

vaacuterios atores envolvidos na formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas de

gecircnero Nesse sentido existe a necessidade de ldquofazer um processo de convencimento

dos gestores sobre a importacircncia dessas poliacuteticasrdquo

Essa ideia foi explicada tambeacutem por Vitoacuteria quando relatou o desafio na

praacutetica de lidar com o caraacuteter transversal da poliacutetica de gecircnero

O desafio eacute a visatildeo de poliacutetica de gecircnero Muita gente fala a gente

estaacute com tanta preocupaccedilatildeo por que a gente vai se preocupar com isso

Como se fosse o acessoacuterio ou o a mais neacute o plus Acho que essa visatildeo ela eacute

de todas as instacircncias no executivo no legislativo e dentro da defensoria haacute

esse visatildeo de que natildeo peraiacute a gente tem pouca gente pouco dinheiro entatildeo a

gente vai investir no que realmente eacute importante E isso nunca eacute a mulher

Entatildeo eu acho que vocecirc vai ver isso em todos os lugares que vocecirc visitar

porque eacute essa a visatildeo a sociedade vecirc assim Entatildeo isso eacute soacute a reproduccedilatildeo de

como a sociedade enxerga as questotildees de mulher as questotildees de mulher satildeo

sempre ah mulher eacute sensiacutevel mulher reclama muito mulher natildeo sei o que

natildeo eacute tatildeo grave assim exagera

As organizaccedilotildees agraves quais foi dado o papel de realizar uma poliacutetica puacuteblica

transversal com o vieacutes de gecircnero satildeo a Subsecretaria de Poliacuteticas para as mulheres de

Goiaacutes a Secretaria da Mulher em Professor Jamil a Coordenadoria de Poliacuteticas para

as Mulheres do estado de Satildeo Paulo e o Nuacutecleo Especializado de Promoccedilatildeo de

Direitos da Mulher Os sentidos dados agrave transversalidade pelos entrevistados mostra

que o papel construiacutedo dessas organizaccedilotildees seria o de articular outras organizaccedilotildees do

51

Estado e conscientizaacute-las para as desigualdades de gecircnero dentro e fora das

organizaccedilotildees A partir dessa construccedilatildeo de sentidos do que eacute transversalidade e

atribuiccedilatildeo desse papel a organizaccedilotildees voltadas para a questatildeo da mulher estaacute

diretamente relacionado aos recursos materiais que satildeo destinados a essas

organizaccedilotildees (sobre os quais aprofundaremos na seccedilatildeo 4) porque satildeo vistas como

organizaccedilotildees paralelas agravequelas consideradas como ldquoprincipaisrdquo como podemos notar

no discurso da Vitoacuteria em que ela afirma que as dificuldades de atuaccedilatildeo do nuacutecleo

passam em geral pelo sentido secundaacuterio e marginal dada agrave questatildeo de gecircnero Ou

seja esses elementos discursivos e extra-discursivos acabam distorcendo a questatildeo da

transversalidade Isso porque a mesma surgiu de jure (BAUMAN 2001) como uma

maneira conseguir resolver problemas complexos tratando-os de maneira transversal

e acabou sendo utilizada de facto (BAUMAN 2001) como uma ferramenta para a

reproduccedilatildeo da estrutura social machista devido agrave impressatildeo que se cria de que o

problema de gecircnero estaacute sendo resolvido pela existecircncia dessas organizaccedilotildees com o

enfoque em gecircnero mas na praacutetica elas natildeo satildeo empoderadas nem na agenda nem no

orccedilamento

Portanto esses diferentes sentidos dados ao que eacute machismo violecircncia de

gecircnero poliacutetica de gecircnero transversalidade e a que servem e como deve ser

realizadoscombatidos satildeo importantes para entender quais os tipos de poliacuteticas

puacuteblicas efetivamente colocadas em praacuteticas (PHILIPPS SEWELL JAYNES 2008)

por essas diferentes organizaccedilotildees (vide seccedilatildeo 3 em que mostramos como os

elementos extra-discursivos dialogam com os discursos) Aleacutem disso nessa seccedilatildeo

encontramos evidecircncias de que a estrutura social machista tem uma forccedila muito

grande pois apesar algumas ressignificaccedilotildees (de a mulher natildeo ser sexo fraacutegil) ela

permanece latente no discurso voltando a reproduzir a estrutura de desigualdade de

gecircnero Nesse sentido os contextos agriacutecola e urbano parecem natildeo mudar a existecircncia

dessa estrutura social mas vamos averiguar a seguir se esses contextos apontam

diferenccedilas em relaccedilatildeo aos elementos extra-discursivos

52

44 Elementos extra-discursivos

Nessa seccedilatildeo iremos analisar os principais elementos extra-discursivos que

surgiram durante as entrevistas e se relacionam com os discursos apresentados

(PHILIPPS SEWELL JAYNES 2008) Satildeo eles a Lei Maria da Penha sobre a qual

discorremos no referencial teoacuterico a estrutura fiacutesica das organizaccedilotildees os recursos

humanos disponiacuteveis e as accedilotildees ou poliacuteticas puacuteblicas resultantes de suas atuaccedilotildees

A Lei Maria da Penha por ser um marco juriacutedico em relaccedilatildeo ao tratamento do

Estado agrave violecircncia de gecircnero em seus diferentes tipos surgiu em todas as entrevistas

como base para o trabalho realizado pelos diferentes organismos Do ponto de vista

das soluccedilotildees segundo Vitoacuteria foi importante para fortalecer os movimentos sociais

que lutavam pela questatildeo da mulher e abrir espaccedilo entatildeo para que esses movimentos

exigissem esse olhar dentro de diferentes instituiccedilotildees como a defensoria puacuteblica

Contudo Ana Paula reforccedila que a Lei Maria da Penha foi precedida por algumas

leis que na verdade ainda natildeo satildeo de conhecimento pela populaccedilatildeo em geral Ela

relata um caso que lhe aconteceu na delegacia da mulher

Eu tinha recebido uma ocorrecircncia que era um homem que tinha

enfiado uma faca na esposa dele casada haacute 30 anos porque ela comprou um

conjunto de panelas e ele discordava do entendimento dela de como se gastava

o dinheiro Entatildeo que ela era uma vagabunda dizendo ele Soacute que essa

vagabunda trabalhava era uma enfermeira padratildeo no hospital de Diadema e

ele estava haacute onze anos E aleacutem de trabalhar e sustentar ele ela lavava

passava cozinhava e ela entendeu que com o salaacuterio dela dava pra comprar

um conjunto de panelas Aiacute ele puxou a faca pra ela veio uma ocorrecircncia

falando da tentativa de homiciacutedio o filho falou lsquonatildeo vou testemunhar conta

meu pai ainda que eu ache que a minha matildee corre risco com elersquo A matildee natildeo

quer vem falar lsquonatildeo foi soacute um desentendimentorsquo ela vem de um ciclo de

violecircncia E eu natildeo ia ter nenhuma testemunha no inqueacuterito natildeo ia dar certo o

flagrante e aiacute eu falei bom ela natildeo vai dormir em casa porque a nossa

preocupaccedilatildeo natildeo pode ser em fazer um papel deve ser o de garantir a

53

seguranccedila da mulher E aiacute o marido vira pra mim e fala lsquoeu natildeo vejo motivo

para conceder o divoacuterciorsquo E aiacute eu tive um surto com ele porque eu falava lsquoo

senhor vive na idade da pedrarsquo Porque quando eu nasci jaacute tinha a lei do

divoacutercio mas para eles natildeo Ele ainda achava que ele tinha o direito de dar ou

natildeo o divoacutercio E isso foi em 73 E aiacute a gente comeccedila a olhar e ver quantos

anos demoram para uma populaccedilatildeo se apropriar daquela legislaccedilatildeo se eacute que a

lei pegue porque no Brasil tem lei que natildeo pega natildeo eacute um paiacutes seacuterio Mas a lei

Maria da Penha veio ele conhece a lei mas ele natildeo conhece a lei do divoacutercio

E isso eacute regra

Ou seja a Lei Maria da Penha que estaacute no domiacutenio do empiacuterico ou seja o

que eacute efetivamente experimentado pelos atores natildeo garante o entendimento de outras

leis que mudaram as relaccedilotildees familiares em termos legais e os direitos igualados de

jure (BAUMAN 2001) entre homem e mulher Entatildeo antes da Lei Maria da Penha

houve uma sucessatildeo de leis que reforccedilavam a estrutura social machista no domiacutenio do

real Mesmo com as novidades da Lei Maria da Penha portanto natildeo foi possiacutevel

revolucionar a esfera do real e isso fica evidente com a permanecircncia de outras leis

anteriores no imaginaacuterio das pessoas Aleacutem disso Ana Paula tambeacutem expocircs a

dificuldade de se implementar a Lei Maria da Penha de facto (BAUMAN 2001)

Entatildeo a gente tem dispositivos como autoridade policial civil deveraacute

garantir a seguranccedila da mulher e aiacute o tema da minha dissertaccedilatildeo aquela vez

foi a seguranccedila da mulher na Lei Maria da Penha Porque ela eacute linda mas

como que uma delegada com trecircs policiais garante a seguranccedila de alguma

mulher Eu queria saber porque o policial geralmente vai no foacuterum busca

laudo leva laudo e etc Um tem que ficar na delegacia porque geralmente os

homens natildeo respeitam as mulheres mesmo as mulheres policiais aiacute tem que ter

toda uma loacutegica dentro da poliacutecia e da questatildeo socioloacutegica da poliacutecia de que eacute

melhor ter uma forma ostensiva em determinados momentos do que ter que usar

a forccedila entatildeo eacute melhor ter policiais homens armados do que ter que ser duro

com o indiviacuteduo que vira e fala lsquoeu natildeo respeito mulherrsquo e eles falam isso E

54

natildeo eacute um desacato agrave autoridade policial civil eacute uma relaccedilatildeo de que eles natildeo

respeitam o gecircnero feminino como igual E isso eacute muito complicado Aiacute sobra

um policial que natildeo pode sair de viatura porque se natildeo eacute viatura

descaracterizada E aiacute eu tenho que garantir a seguranccedila da mulher Aiacute eu

tenho que colocar ela em um abrigo Qual abrigo Ah a prefeitura de Satildeo

Paulo agora parece que melhorou o sistema de abrigamento Eacute melhorou mas

pra isso a gente precisa fazer boletim de ocorrecircncia em uma delegacia que

esteja aberta 24 horas e a gente natildeo tem delegacia da mulher aberta 24 horas

Ou seja faltam recursos humanos e orccedilamentaacuterios para manter a delegacia

funcionado bem e por 24 horas elementos do domiacutenio empiacuterico e a proacutepria lida

diaacuteria da delegada mulher com o machismo a impede de realizar seu trabalho sem ter

o acompanhamento de um homem Satildeo evidecircncias de que a criaccedilatildeo de delegacias

especializadas apesar de terem sido um avanccedilo estaacute longe de apresentarem uma

transformaccedilatildeo agrave estrutura social desigual uma vez que a distribuiccedilatildeo material

insuficiente impacta na reproduccedilatildeo das desigualdades de gecircnero

Mostrando essa dificuldade por um outro vieacutes Talita afirmou que a Lei Maria

da Penha fez com que as pessoas olhassem para as delegacias da Mulher como uma

ldquoceacutelula de expansatildeo de poliacuteticas puacuteblicasrdquo quando segundo ela a delegacia da

mulher e uma ldquodelegacia como qualquer outra a gente estaacute aqui para prender o

agressor investigar concluir processo e encaminhar ao poder judiciaacuteriordquo Esse

discurso de Talita mostra que o sentido dado por ela agrave delegacia especializada eacute de

uma delegacia como qualquer outra Isso implica que mesmo havendo uma tentativa

de jure (BAUMAN 2001) em trazer ferramentas no domiacutenio do empiacuterico para

combater a violecircncia contra a mulher de facto (BAUMAN 2001) a delegacia da

mulher sendo vista pelos atores que dela participam como uma delegacia da mulher

acaba sendo uma forccedila de manutenccedilatildeo da estrutura social machista no domiacutenio do

real

Outro discurso importante sobre a Lei Maria da Penha que surgiu na pesquisa

de campo foi a Joana O sentido atribuiacutedo por ela agrave Lei Maria da Penha eacute de ceticismo

porque de acordo com ela as mulheres voltam com um papel de medida protetiva

55

que natildeo serve para nada assim como a tornozeleira natildeo salva a mulher Segundo

Joana se o homem quer matar a mulher natildeo vai ser isso que vai impedi-lo e nem haacute

recursos suficientes para que o poder puacuteblico impeccedila que isso aconteccedila em sua cidade

e seus arredores

Inclusive na entrevista ouvimos pela uacutenica vez durante a pesquisa viacutetimas de

violecircncia de gecircnero duas mulheres que vieram fugidas para a cidade do Uma veio de

Trindade (Goiaacutes) fugindo agrave noite com os seis filhos e sua matildee do marido que a

agredia psicologicamente e fisicamente A secretaacuteria a ajudou quando chegou

encaminhando-a para atendimento psicoloacutegico no CRAS e conseguindo um emprego

para ela recomeccedilar a vida Ateacute hoje ela estaacute laacute escondida do marido e segundo ela

ela jaacute tinha procurado duas vezes delegacias comuns por serem as disponiacuteveis na sua

regiatildeo e que a Lei Maria da Penha e a medida protetiva natildeo ajudaram em nada a

situaccedilatildeo

Para Joana esse eacute um exemplo de vaacuterios que a levam a construir um sentido

de que as mulheres quando natildeo querem mais ficar com os maridos e conseguem

largam tudo e fogem Isso porque segundo ela as mulheres que fazem denuacutencias as

fazem na esperanccedila de mudar o comportamento dos seus parceiros para continuar

com eles e natildeo para que eles sejam presos Isso coloca em evidecircncia que de facto

(BAUMAN 2001) a lei natildeo consegue mudar a estrutura social

Queremos compreender melhor a distribuiccedilatildeo material que as organizaccedilotildees

entrevistadas possuem hoje para realizarem seu trabalho As pesquisas em Goiaacutes e em

Satildeo Paulo foram conduzidas nos locais de trabalho dos entrevistados o que

possibilitou conhecermos sobre o espaccedilo em que essas poliacuteticas estatildeo sendo

realizadas e a dimensatildeo das equipes por traacutes das mesmas Escolhemos descrever essas

condiccedilotildees de algumas organizaccedilotildees que melhor contribuem para nossa interpretaccedilatildeo e

anaacutelise

O CREAS de uma cidade do interior do estado de Goiaacutes por exemplo fica em

uma casa teacuterrea com uma sala pequena na entrada onde satildeo recebidas as viacutetimas A

maior parte da equipe do CREAS eacute composta por homens e a entrevista foi realizada

com trecircs membros da equipe o coordenador a assistente juriacutedica e o educador social

Percebemos que aleacutem de o centro natildeo ser um espaccedilo voltado especificamente para

56

mulheres a reproduccedilatildeo da estrutura social desigual estaacute claramente manifestada na

composiccedilatildeo da equipe que eacute composta por uma maioria masculina Aleacutem disso a

estrutura fiacutesica natildeo permite diferenciaccedilatildeo entre as populaccedilotildees em situaccedilatildeo de

vulnerabilidade atendidas Isto significa que homens mulheres e crianccedilas satildeo

atendidas em um mesmo local o que evidencia que no domiacutenio empiacuterico as chances

de mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia se sentirem agrave vontades para darem suas queixas

e buscarem ajuda no centro satildeo reduzidas sendo outro fator que contribui para a

manutenccedilatildeo da esfera real machista

Jaacute a Superintendecircncia de Poliacuteticas para Mulheres em Goiaacutes fica no centro de

uma cidade de Goiaacutes em uma estrutura de dois andares na avenida principal da

cidade Do lado de fora a pintura eacute roxa e estaacute bem sinalizada com campanha do

Disque-100 na fachada e a frase ldquoViolecircncia contra mulher natildeo tem desculpa tem

leirdquo O preacutedio tem uma secretaria com vaacuterias cadeiras na frente onde as pessoas se

identificam e satildeo encaminhadas para salas menores de acordo com a solicitaccedilatildeo

Enquanto esperamos pela entrevista nos abordaram quatro vezes por funcionaacuterias

diferentes perguntando se algueacutem jaacute tinha nos sido atendido Cada sala tem uma

funccedilatildeo especiacutefica assistentes sociais psicoacutelogos assistentes juriacutedicos todas de

atendimento localizadas no andar de baixo proacuteximas agrave entrada Tambeacutem no andar de

baixo no interior do preacutedio ficam as salas onde satildeo realizados trabalhos de

capacitaccedilatildeo e no andar de cima ficam as salas administrativas As condiccedilotildees materiais

desse local foram uma exceccedilatildeo em relaccedilatildeo agraves demais organizaccedilotildees visitadas Isso

porque a maioria dos profissionais satildeo mulheres e o atendimento natildeo eacute em um balcatildeo

mas diretamente com psicoacutelogas ou assistentes sociais em salas privativas Essas

condiccedilotildees no entanto natildeo satildeo estaacuteveis Como conta Roberta

Essa secretaria foi criada em 1987 ela chamava Secretaria Estadual

da Condiccedilatildeo Feminina E foram muito importantes esses quatro anos no

governo Henrique Santillo foram inovadores no sentido de implementar uma

poliacutetica que era muito pouco tratada no acircmbito institucional Entatildeo foi

fantaacutestico E nesse periacuteodo governamental houve poliacuteticas de seguranccedila para

a mulher sauacutede para a mulher enfim abriu um espaccedilo importante no Estado

57

de Goiaacutes Soacute que infelizmente os governos subsequentes extinguiram a

secretaria E ela soacute veio a ser retomada no primeiro governo Marconi Perillo

isso foi no final da deacutecada de noventa E ele criou uma superintendecircncia da

mulher e ela se tornou secretaria no governo seguinte e aiacute ela jaacute vem agora

dentro de um acircmbito institucional como secretaria de estado mesmo que

acoplado a ela por razotildees de ordem principalmente econocircmica e financeira

do estado tem a secretaria da mulher junto com outras aacutereas sociais e de

direitos humanos

Ou seja eacute importante relativizar a estrutura fiacutesica e equipe que vimos porque

historicamente a pauta da mulher foi tratada como um assunto secundaacuterio como

vimos no discurso de Roberta O impacto disso eacute que quando a situaccedilatildeo financeira do

estado complica a pauta eacute uma das primeiras que recebe cortes orccedilamentaacuterios ou eacute

acoplada a outras pautas como estaacute acontecendo agora A pauta da mulher que antes

jaacute dividia uma secretaria com a de desigualdade racial hoje foi incorporada por uma

secretaria guarda-chuva chama Secretaria Cidadatilde que abarca os temas da mulher do

desenvolvimento social da igualdade racial dos direitos humanos e do trabalho Isso

mostra que quando natildeo haacute mudanccedilas no domiacutenio real as mudanccedilas no domiacutenio

empiacuterico natildeo satildeo permanentes satildeo instaacuteveis e dependem de elementos extra-

discursivos que estatildeo sujeitos agrave estrutura social do real Ou seja quando a secretaria

tem condiccedilotildees financeiras ela pode ateacute colocar a questatildeo da mulher em pauta mas

assim que acontecerem momentos econocircmicos desfavoraacuteveis a igualdade de gecircnero

natildeo permanece na agenda pois nunca foi prioridade jaacute que estaacute inserida dentro de

uma estrutura social machista

A Delegacia Especializada no Atendimento agrave Mulher de Goiaacutes por sua vez

fica em um casaratildeo de dois andares no setor central de uma cidade de Goiaacutes Tem

uma sinalizaccedilatildeo discreta e eacute guardada por um policial militar na porta Entrando na

delegacia tem uma sala com banquinhos de madeira sem encosto para as viacutetimas e

seus acompanhantes aguardarem A delegacia de uma forma geral pareceu muito

interessada em estatiacutesticas e pouco sensibilizada com as viacutetimas que tratam

exatamente por esse nome e natildeo como cidadatildes O clima de maneira geral eacute tenso haacute

58

vaacuterias mulheres chorando esperando nos banquinhos pela oportunidade de subir as

escadas da delegacia Em frente aos bancos tem um grande balcatildeo que bloqueia a

entrada para o restante do edifiacutecio onde se encontra uma secretaacuteria Tudo tem que

passar antes por ela entatildeo as mulheres viacutetimas falam na frente de todo mundo a sua

queixa Enquanto esperava pela entrevista uma mulher chegou e mostrou hematomas

no braccedilo para a secretaacuteria e recebeu como resposta ldquoVocecirc tomou banho Isso eacute

sujeira ou eacute hematoma mesmordquo Quando satildeo chamadas para subir e serem atendidas

pela escrivatilde ou delegada respondem por um grito ldquoA viacutetima pode subirrdquo o que

acaba contribuindo para a estigmatizaccedilatildeo

Essa visita nos trouxe mais evidecircncias de que fazer organizaccedilotildees

especializadas eacute um avanccedilo sim mas que mesmo que elas sejam diferentes em sua

concepccedilatildeo o problema natildeo fica totalmente resolvido Nesse sentido enquanto natildeo

promovermos mudanccedilas na estrutura social do machismo novas legislaccedilotildees ou

organizaccedilotildees iratildeo promover mudanccedilas graduais Sem atacar essas causas a delegacia

especializada eacute uma reacuteplica da delegacia comum poreacutem com delegadas mulheres

mas que reproduzem a estrutura social machista no tratamento que elas datildeo agraves

viacutetimas no ambiente em que as mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia tecircm que frequentar

para ir atraacutes de seus direitos na forma como elas satildeo questionadas por estarem laacute

entre outros

Por fim fomos ateacute a Coordenadoria de Poliacuteticas para as Mulheres O

simbolismo eacute importante desde o momento de procurar essa secretaria na internet foi

muito complicado achar informaccedilotildees em sites de busca Mesmo depois de conseguir

encontrar em qual site maior a coordenadoria se encontra sua posiccedilatildeo no rol de

subsecretarias e coordenadorias da secretaria eacute a uacuteltima Aleacutem disso a entrevista em

si foi na coordenadoria que fica em um preacutedio antigo e central Descobrimos que a

coordenadoria fica no uacuteltimo andar da secretaria em uma sala mais escondida e natildeo

haacute identificaccedilatildeo da coordenadoria nos corredores como as demais do preacutedio que

estatildeo sinalizadas A coordenadoria consiste fisicamente em uma sala de reuniatildeo

acoplada ao escritoacuterio da Flaacutevia que eacute a uacutenica componente da equipe

59

Fomos tambeacutem ateacute uma cidade do interior de Goiaacutes a aproximadamente 70

quilocircmetros de Goiacircnia A Secretaria de Mulheres do municiacutepio soacute existe no nome

natildeo tem estrutura fiacutesica nem recursos financeiros apenas o cargo da secretaacuteria

Entatildeo o atendimento eacute feito na casa da secretaacuteria na sala de entrada onde tem duas

mesas de alumiacutenio juntadas e forradas com um pano um sofaacute e uma cadeira de cada

lado ao fundo tecircm equipamentos de cabelereiro profissatildeo que ela exercia Quando

chegamos laacute a sala estava cheia com pessoas se inscrevendo para o Minha Casa

Minha Vida com a ajuda da secretaacuteria e durante a conversa entraram vaacuterios cidadatildeos

de Professor Jamil e todos vinham com assuntos diversos a serem tratados por ela

Essa entrevista em Professor Jamil nos mostrou que agraves vezes apesar de

elementos extra-discursivos escassos como o caso de Joana existe a possibilidade de

tentar atacar as causas do machismo por exemplo chamando os homens para

conversarem nas rodas e promovendo o diaacutelogo mediado entre casais Mesmo assim

natildeo eacute isoladamente que se consegue combater uma estrutura social tatildeo forte quanto o

machismo

Pensando tanto nos discursos (seccedilatildeo 2) quanto nos espaccedilos e equipes

disponiacuteveis eacute possiacutevel perceber como eles se interligam com as accedilotildees dos oacutergatildeos

entrevistados Primeiramente para noacutes nenhuma das organizaccedilotildees entrevistadas

estatildeo formulando ou implementando poliacuteticas puacuteblicas no sentido que discutimos no

referencial teoacuterico de accedilatildeo organizada do Estado para combater um problema Isso

porque todas essas organizaccedilotildees realizam accedilotildees desconexas e pontuais para tentar

lidar com o problema sem atacar suas causas e reproduzindo as desigualdades de

gecircnero (domiacutenio real)

O CREAS visitado realiza atendimento de crianccedilas adolescentes mulheres e

idosos em situaccedilatildeo de vulnerabilidade social Durante a entrevista percebemos que

existe uma confusatildeo muito grande entre os tipos de atendimento que o CREAS

realiza tanto que quando foi perguntado sobre o que eacute poliacutetica de gecircnero a resposta

foi mais sobre poliacuteticas para adolescentes em situaccedilatildeo de vulnerabilidade

Jaacute a Superintendecircncia de Mulheres visitada seria responsaacutevel por formular

poliacuteticas puacuteblicas para esse puacuteblico-alvo De acordo com Roberta

60

A nossa principal poliacutetica eacute a garantia da seguranccedila tanto que noacutes

temos desde o atendimento primaacuterio da mulher atraveacutes de uma assistecircncia

social psicoloacutegica juriacutedica ateacute o abrigamento dessa mulher viacutetima de

violecircncia Entatildeo a gente direciona as nossas poliacuteticas nesse sentido Mas

tambeacutem noacutes temos que cuidar das outras questotildees que satildeo inerentes agrave mulher

a sauacutede a educaccedilatildeo e aiacute principalmente eu vejo hoje que o nosso papel

enquanto instituiccedilatildeo puacuteblica eacute desenvolver mesmo campanhas de

sensibilizaccedilatildeo

Fora isso a superintendecircncia estaacute capacitando 2500 profissionais servidores nas

aacutereas de educaccedilatildeo sauacutede movimentos sociais que trabalham com mulheres em

situaccedilatildeo de violecircncia Existe tambeacutem uma equipe especiacutefica da superintendecircncia

responsaacutevel pelas duas unidades moacuteveis que a secretaria recebeu em 2013 pelo

governo federal para atender mulheres do campo As unidades comeccedilaram o trabalho

indo ateacute o interior para prover serviccedilos de assistecircncia social juriacutedica e psicoloacutegica

No entanto a equipe se deparou com uma rede muito fragilizada e incapaz de

continuar o encaminhamento das demandas das mulheres

Aleacutem disso quando chegou na zona agraacuteria a equipe percebeu que lidar com

essas mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia da aacuterea rural era um desafio diferente do que

estavam acostumados na capital Isso porque as unidades moacuteveis iam para o campo

mas as mulheres tinham receio de entrar ou natildeo conseguiam chegar porque satildeo

ocircnibus rosas que chamam muita atenccedilatildeo e ficam inviaacuteveis para uma mulher nessa

situaccedilatildeo procurar sem ser vista por outras pessoas da regiatildeo e isso chegar ateacute o

agressor A taacutetica adotada entatildeo pelas unidades eacute

Quando vem uma solicitaccedilatildeo do municiacutepio a gente sempre procura

saber se eacute festividade porque para noacutes eacute melhor Porque aiacute tem a unidade

moacutevel e outros serviccedilos na praccedila em que ela pode transitar Soacute a unidade

moacutevel que eacute muito chamativa natildeo funciona Eacute um ocircnibus rosa e ela fica

mais acanhada A gente sempre procura incentivar o municiacutepio a promover

outras coisas ao mesmo tempo para preservar a mulher promover a diluiccedilatildeo

61

nesse espaccedilo e garantir minimamente que ela suba na unidade

Apesar disso quando visitamos a equipe eles natildeo estavam indo a campo

porque estavam em uma fase de transiccedilatildeo Como encontraram uma realidade

diferente da que imaginavam o seu trabalho agora estaacute sendo capacitar a rede montar

material fazer reuniotildees entre outros para tentar alinhar o trabalho de todos

Manuela esclarece

Nesse sentido o trabalho da equipe vem sendo reformulado porque

incialmente a ideia era ir ao interior e ser a porta de entrada das mulheres

viacutetimas de violecircncia levar informaccedilotildees sobre os seus direitos e onde buscar

ajuda e depois ter esse trabalho continuado pelos oacutergatildeos competentes mais

proacuteximos No entanto ao irem para o campo a equipe percebeu que a rede

estava despreparada para dar continuidade ao trabalho e que portanto seria

inuacutetil fazer o trabalho como anteriormente previsto sem dar a capacitaccedilatildeo

necessaacuteria

A Secretaria de Seguranccedila Puacuteblica por sua vez faz parte da rede de combate agrave

violecircncia contra a mulher e tem um papel importante tanto pelas DEAMs quanto pelo

monitoramento e fornecimento de informaccedilotildees criminais que servem de insumo para

a Secretaria da Mulher No entanto natildeo existe uma parceria soacutelida em que ambas as

secretarias atuam conjuntamente e amplamente em termos do estado e se

responsabilizam pela situaccedilatildeo das mulheres que sofrem violecircncia

Portanto a secretaria natildeo tem poliacuteticas puacuteblicas mais amplas em relaccedilatildeo ao

combate agrave violecircncia contra a mulher porque entende que essa competecircncia eacute da

Secretaria da Mulher O que a secretaria faz eacute atuar em regiotildees especiacuteficas

dependendo do gestor que estaacute em determinada aacuterea integrada de seguranccedila (regiatildeo

onde a poliacutecia militar e a poliacutecia civil tem a mesma circunscriccedilatildeo) Como nos disse

um major da secretaria

Que tipo de accedilatildeo preventiva que vai ser implementada em

62

determinado local depende de quem Do gestor que que estaacute ali naquela

regiatildeo em identificar qual eacute o problema dele em implementar essa questatildeo da

prevenccedilatildeo

No mais percebemos que tanto os centros de referencia CREAS e aqueles de

secretariassubsecretarias de mulheres quando existem quanto as delegacias

especializadas e os dados das secretarias de seguranccedila satildeo em geral voltados para

mecanismos juriacutedicos de proteccedilatildeo agrave mulher Mesmo havendo equipes de assistecircncia

social e psicoacutelogos em algumas instacircncias o foco principal das accedilotildees desses oacutergatildeos eacute

garantir medidas protetivas eou prender agressores

Aleacutem disso nos centros de referecircncia satildeo realizados estudos de caso

multidisciplinares para determinar o encaminhamento dado agrave viacutetima De acordo com

os discursos discutidos na seccedilatildeo anterior percebemos que apesar de parecer o

procedimento ideal a ser feito pode ser uma abertura para um julgamento social da

viacutetima pelos membros da equipe

Fora esses oacutergatildeos tivemos contato com o trabalho de uma entidade do

terceiro setor cuja atuaccedilatildeo era bastante diferente dos demais O Centro Popular da

Mulher trabalha sobretudo apoiando e ajudando as mulheres a se organizarem para

reivindicarem seus direitos Em relaccedilatildeo aos oacutergatildeos entrevistados a entidade parece

ser a mais presente na zona rural tanto em frequecircncia quanto em tempo de luta junto

agraves mulheres do campo

Aleacutem disso em termos de accedilotildees outra entrevista que apontou diferenccedilas foi

com a Joana cuja accedilatildeo era de busca ativa e de construccedilatildeo de espaccedilos de debate com

mulheres e homens Isso porque apesar da falta de apoio institucional da prefeitura

ela natildeo espera as mulheres buscarem ajuda No entanto isso soacute eacute possiacutevel porque ela

conhece todo mundo e fica sabendo do que acontece e entatildeo vai atraacutes do casal em

questatildeo E seu trabalho busca a conscientizaccedilatildeo das famiacutelias ela faz conversas de

roda e tambeacutem de casais em particular para tentar agir na causa do problema Suas

accedilotildees se baseiam na sua convicccedilatildeo de que a causa (seccedilatildeo 2 em que discutimos os

sentidos atribuiacutedos agraves caudas da violecircncia de gecircnero) estaacute na falta de respeito a

educaccedilatildeo machista e que isso soacute pode ser mudado se os homens estiverem

63

envolvidos nas accedilotildees de combate agrave violecircncia de gecircnero para tentar mudar o que a

sociedade pensa a maneira como a mulher eacute tratada

Nessa seccedilatildeo aprendemos que as manifestaccedilotildees extra-discursivas da estrutura

social machista varia de acordo com o contexto sobretudo em termos de recursos

materiais e equipe disponiacuteveis para combater a violecircncia de gecircnero nesse contexto

Aleacutem disso percebemos que as manifestaccedilotildees extra-discursivas estatildeo em constante

relaccedilatildeo com a manutenccedilatildeo da estrutura social como o exemplo de que as mulheres

natildeo conseguem alugar uma casa ou mudar o filho de creche afeta a possibilidade

praacutetica de sair de uma situaccedilatildeo de violecircncia Enfim discorreremos na proacutexima seccedilatildeo

com maior profundidade os resultados e as contribuiccedilotildees da pesquisa

64

5 Consideraccedilotildees Finais

Nossa pesquisa teve como objetivo responder agrave pergunta Como a estrutura

social do machismo se manifesta nos contextos urbano e agraacuterio A partir desse

trabalho notamos que a estrutura social do machismo estaacute presente nos dois

contextos urbano e agraacuterio poreacutem se manifesta de jeitos diferentes No contexto

agraacuterio de acordo com os entrevistados o machismo se manifesta de forma mais

aberta com o reforccedilo dos papeis tradicionais de gecircnero de que o papel da mulher eacute

cuidar da casa e dos filhos e o homem de prover financeiramente a famiacutelia estando

em uma posiccedilatildeo de superioridade Jaacute no contexto urbano a manifestaccedilatildeo da estrutura

social machista adquire outras formas sendo que haacute uma maior inserccedilatildeo da mulher no

mercado de trabalho e no discurso as pessoas natildeo reproduzem os papeis de gecircnero

tradicionais poreacutem na praacutetica acabam acontecendo ainda reproduccedilotildees desses mesmos

papeis de uma forma mais suacutetil pelo modo que a mulher deve se vestir pela

educaccedilatildeo diferente dada aos filhos de diferentes gecircneros etc

Tambeacutem nos perguntamos como essas manifestaccedilotildees do machismo satildeo

impactadas e impactam a formulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo

de violecircncia As manifestaccedilotildees do machismo impactam a formulaccedilatildeo de poliacuteticas

puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia porque levam a poliacuteticas com pouca

infraestrutura equipe e orccedilamento e porque abre uma brecha maior entre formulaccedilatildeo

e implementaccedilatildeo porque mesmo que se os formuladores natildeo tenham discursos

machistas no momento do discurso em accedilatildeo as accedilotildees nas delegacias especializadas

reproduzem papeis de gecircnero tradicionais e culpabilizam as mulheres em situaccedilatildeo de

violecircncia

Enfim queriacuteamos descobrir tambeacutem se existem ou natildeo diferenccedilas na

manifestaccedilatildeo do machismo especificamente em termos de violecircncia de gecircnero nas

zonas urbana e agraacuteria Nosso estudo mostrou via discursos que haacute muita divergecircncia

nesse ponto mas que a maioria dos entrevistados acredita que a diferenccedila eacute que no

contexto agraacuterio os tipos de violecircncia predominantes satildeo patrimonial e psicoloacutegico

enquanto no contexto urbano haacute uma maior incidecircncia de violecircncia fiacutesica

relativamente No entanto essa foi uma limitaccedilatildeo da pesquisa porque a quase-

65

totalidade dos entrevistados relatou estar discorrendo sobre algo de que natildeo conhece

por natildeo terem dados oficiais gerados sobre a violecircncia contra mulheres em zonas

agraacuterias e por natildeo terem contato com essas mulheres nas organizaccedilotildees em que

trabalham

Ao longo desse trabalho estudamos as principais referecircncias teoacutericas que

precisaacutevamos para analisar o problema em questatildeo principalmente para colocar em

evidecircncia que as poliacuteticas puacuteblicas estatildeo inseridas em lugares que influenciam e satildeo

influenciados pela construccedilatildeo de sentidos que ocorre no momento de determinaccedilatildeo de

um problema puacuteblica e de como ele seraacute tratado pelo Estado Nosso referencial

teoacuterico se juntou agrave metodologia o que permitiu natildeo soacute a organizar o conhecimento

cientiacutefico com base nas premissas da teoria mas tambeacutem a olhar para a nossa

pesquisa sempre com um olhar criacutetico de tentar enxergar as possibilidades de

mudanccedila da estrutura social

A partir do referencial teoacuterico e da metodologia demos iniacutecio ao trabalho de

estabelecer um roteiro semi-estruturado para as entrevistas depois conseguir agendar

as entrevistas fazer as mesmas transcrever as entrevistas e enfim analisar tudo

como um conjunto agrave partir da metodologia do realismo criacutetico e das referecircncias

teoacutericas que buscamos Isso nos permitiu enxergar os principais temas que surgiram

ao longo das entrevistas e organizaacute-los de acordo com os domiacutenios do realismo

criacutetico real atual e empiacuterico Depois disso estabelecemos um diaacutelogo entre o

referencial teoacuterico e as entrevistas de atores de organizaccedilotildees que lidam com a questatildeo

da violecircncia de gecircnero Isso foi relevante tambeacutem em termos metodoloacutegicos porque

percebemos que existem construccedilotildees de sentidos na academia que apontamos no

referencial teoacuterico que agraves vezes natildeo chegam agrave esfera dos atores que formulam e

implementam poliacuteticas puacuteblicas ou quando chegam elas impactam a esfera do atual

(discursos) sem necessariamente serem complementadas por mudanccedilas no domiacutenio

real (estrutura social de desigualdade de gecircnero) nem nos elementos extra-

discursivos que permitem mudanccedilas efetivas no domiacutenio empiacuterico (de poliacuteticas

puacuteblicas lidar com a questatildeo da violecircncia de gecircnero)

66

Nesse sentido um dos pontos que surgiu ao longo de todas as entrevistas foi o

foco das accedilotildees levadas a cabo pelas organizaccedilotildees Tanto no domiacutenio atual dos

discursos quanto no domiacutenio empiacuterico das poliacuteticas puacuteblicas o principal sentido

dado agrave violecircncia de gecircnero eacute de que a conscientizaccedilatildeo das mulheres se faz necessaacuteria

Os discursos vatildeo desde a falta de informaccedilatildeo da mulher a ira gerada tambeacutem pela

mulher a ausecircncia da mulher enquanto cumpridora de seu papel social na famiacutelia

dentre outros foram apontados como causas para a violecircncia de gecircnero Aleacutem disso

mesmo quando os discursos natildeo eram culpabilizadores da mulher eles giravam em

torno da cultura de modo bem geneacuterico como a sociedade patriarcal e machista

como causas para a violecircncia de gecircnero

Isso implica na transformaccedilatildeo desses discursos em accedilotildees de conscientizaccedilatildeo

como campanhas produccedilatildeo de informativos palestras entre outras Eacute interessante

perceber que natildeo haacute nesses casos poliacuteticas puacuteblicas que deem conta de efetivamente

resolver o problema de uma mulher em situaccedilatildeo de violecircncia isto eacute empoderaacute-la para

sair da situaccedilatildeo com meios materiais para fazecirc-lo e com uma proteccedilatildeo efetiva do

Estado em que ela eacute tratada como cidadatilde de direitos e natildeo como viacutetima Isso

demonstra que estatildeo sendo produzidos e reproduzidos discursos na esfera atual sem

necessariamente mudar a esfera real porque falta empoderamento das mulheres em

termos de recursos extra-discursos da esfera empiacuterica Aleacutem disso o tipo de accedilotildees

adotadas por essas organizaccedilotildees acabam sendo rasas porque ao mesmo tempo em

que natildeo atacam o problema diretamente na correccedilatildeo a posteriori tambeacutem natildeo lidam

com a causa no domiacutenio real isto eacute a estrutura social

Ou seja ao lidar somente com as mulheres em termos de conscientizaccedilatildeo a

maioria das organizaccedilotildees natildeo estaacute atacando a estrutura social porque os homens

fazem parte desta e natildeo satildeo chamados para a discussatildeo Aleacutem disso algumas dessas

accedilotildees de conscientizaccedilatildeo satildeo vazias ateacute para o puacuteblico-alvo as mulheres porque

muitas vezes as mulheres que buscam a ajuda do Estado para lidar com a violecircncia de

gecircnero natildeo sabem ler ou entatildeo natildeo podem atender a essas accedilotildees por estarem em

zonas agraacuterias em que estatildeo muito mais vulneraacuteveis em termos de exposiccedilatildeo ao

agressor ou ao resto da comunidade

67

Nesse sentido tambeacutem achamos relevante em todas as entrevistas a maneira

como satildeo recepcionadas as mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia De maneira geral satildeo

montadas equipes multidisciplinares que tratam cada situaccedilatildeo casuisticamente A

primeira vista nossa impressatildeo foi de que essa era uma boa maneira de lidar com o

problema da violecircncia domeacutestica porque cada mulher estaacute inserida em um contexto

diferente Poreacutem ao longo das entrevistas notamos que o domiacutenio do real acaba

influenciando esta casuiacutestica e diminuindo seu potencial empoderador Isso acontece

porque a estrutura social machista acaba levando a anaacutelise de caso para um

julgamento social da mulher em que muitas vezes o discurso anterior ao seu

atendimento (domiacutenio atual) influencia diretamente a ajuda que ela vai receber do

oacutergatildeo (domiacutenio empiacuterico)

Explorando mais a questatildeo das zonas urbana e agraacuteria haacute evidecircncias de que a

zona agraacuteria eacute muito pouco conhecida pelas organizaccedilotildees que lidam com a violecircncia

de gecircnero Em relaccedilatildeo ao contexto urbano as organizaccedilotildees parecem convergir mais

em termos de discursos sobre as manifestaccedilotildees do machismo nas cidades e as causas

da violecircncia de gecircnero nas mesmas Poreacutem o mesmo natildeo acontece em relaccedilatildeo agraves

zonas agraacuterias

Eacute importante ressaltar que na maioria das entrevistas quando explicamos os

objetivos da pesquisa os entrevistados comeccedilavam a conversa afirmando seu

desconhecimento do que acontece na aacuterea agraacuteria mesmo quando se tratavam de

organizaccedilotildees cuja amplitude de atuaccedilatildeo de jure (BAUMAN 2001) incluiacutea essas

localidades Agravam essa questatildeo tanto elementos extra-discursivos como a falta de

profissionais e dados pouco confiaacuteveis sobre o que acontece devido agrave subnotificaccedilatildeo

como tambeacutem os discursos formados pelos atores sobre a zona agraacuteria Apesar de se

colocarem quase sempre como incapazes de comentar sobre a zona agraacuteria ao longo

das entrevistas surgiram vaacuterios discursos sobre como o machismo de manifesta no

contexto rural as suas causas e como isso se tornava violecircncia contra a mulher

Notamos entatildeo que os sentidos construiacutedos eram muito heterogecircneos em relaccedilatildeo aos

entrevistados e formados com base em um caso especiacutefico com o qual tiveram

contato ou agraves vezes sem contato nenhum com mulheres da zona agraacuteria Isso mostra

como o domiacutenio do real eacute forte na determinaccedilatildeo dos discursos e a falta da

68

experimentaccedilatildeo empiacuterica dos atores com a realidade das mulheres em situaccedilatildeo de

violecircncia em contextos agraacuterios intensifica a estrutura social machista pela

reproduccedilatildeo de discursos machistas para suprir o vaacutecuo do conhecimento sobre essa

situaccedilatildeo

Por fim todos esses pontos colocados satildeo evidecircncias que mostram como os

trecircs domiacutenios da vida social impactam na existecircncia ou natildeo de poliacuteticas puacuteblicas para

mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia nas zonas urbana e agraacuteria Ou seja quando se

muda os discursos sem mudar os elementos extra-discursivos nem a estrutura social

as mudanccedilas natildeo satildeo profundas o suficiente para atacar um problema complexo como

este e acabam por vezes tendo um efeito perverso de reproduzir as causas deste

mesmo problema transmitindo a impressatildeo de que ele estaacute sendo de fato resolvido

51 Implicaccedilotildees para a Praacutetica

As reflexotildees geradas nesse trabalho pretendem ser uacuteteis para mudar o

problema na praacutetica dado os objetivos criacuteticos da ACD Nesse sentido acreditamos

que um dos achados que move accedilotildees praacuteticas eacute a invisibilidade da violecircncia contra a

mulher em contextos agraacuterios Natildeo haacute dados sendo gerados sobre essas mulheres em

situaccedilatildeo de violecircncia ateacute porque elas natildeo costumam chegar agraves instituiccedilotildees formais

que lidam com o problema Nesse sentido apontamos para a urgecircncia dessas

instituiccedilotildees buscarem ativamente essas mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia na zona

agraacuteria para conhecerem melhor as demandas especiacuteficas desse puacuteblico e poderem

entatildeo compreender melhor o problema

Tambeacutem no que diz respeito agrave invisibilidade haacute pouca produccedilatildeo acadecircmica

utilizando a ontologia do Realismo Criacutetico para se pensar em violecircncia de gecircnero e

natildeo encontramos nenhuma bibliografia que discuta o contexto especiacutefico de mulheres

em situaccedilatildeo de violecircncia em zonas agriacutecolas A academia poderia entatildeo ajudar a

colocar esse tema na agenda e a delimitar mais detidamente as manifestaccedilotildees da

estrutura social machista nesse contexto

Enfim acreditamos que uma contribuiccedilatildeo praacutetica estaacute relacionada agraves

evidecircncias encontradas de que a maior parte dos esforccedilos do poder puacuteblico para

69

atacar a violecircncia contra a mulher estaacute focada em campanhas de conscientizaccedilatildeo

Queriacuteamos apontar que uma contribuiccedilatildeo desse trabalho eacute apontar que as campanhas

de conscientizaccedilatildeo natildeo mudam nem a estrutura social nem os elementos extra-

discursivos das mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia como a necessidade de recursos

financeiros para poder sair de casa e caminhos institucionais para poder por exemplo

mudar os filhos de creche quando estatildeo nessa situaccedilatildeo

52 Limitaccedilotildees da Pesquisa

Apesar das contribuiccedilotildees teoacutericas e praacuteticas da pesquisa houve uma mudanccedila

no que se pretendia inicialmente estudar pela falta de dados acerca do contexto

agriacutecola e pouco contato das organizaccedilotildees com mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia

nesse contexto Dessa forma essa pesquisa eacute limitada porque apesar de querer

entender os diferentes contextos a compreensatildeo no contexto urbano foi muito maior

Nesse sentido os discursos coletados acerca do contexto agriacutecola eram

apontados pelos proacuteprios entrevistados como impressotildees infundadas por natildeo se

basearem na sua experiecircncia profissional nem em conhecimento teoacuterico pela

inexistecircncia de estudos Assim os discursos eram muito mais heterogecircneos do que os

que dizem respeito ao contexto urbano e demonstrou que natildeo haacute diagnoacutestico desse

problema e que os sentidos acerca do mesmo ainda estatildeo sendo construiacutedos pelos

profissionais que trabalham na aacuterea e por enquanto estaacute negociada mais a inaccedilatildeo do

que o como agir

Por fim como apontamos ao longo do trabalho natildeo encontramos experiecircncias

concretas de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia nas aacutereas

agraacuterias no estados de Goiaacutes e Satildeo Paulo Desta forma achamos relevante continuar

essa busca por experiecircncias que lidam com esse problema em uma pesquisa posterior

70

6 Referecircncias Bibliograacuteficas

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74

7 Anexos

71 Roteiro SEMIRA

1) Na sua opiniatildeo o que eacute poliacutetica de gecircnero Existe alguma

especificidade na hora de elaborar esse tipo de poliacutetica O que a diferencia eou

aproxima de poliacuteticas de outras aacutereas

2) O que vocecirc acredita que satildeo as causas das desigualdades de gecircnero A

SEMIRA combate as causas diretamente como

3) Como foi a evoluccedilatildeo do tratamento da questatildeo de gecircnero no Estado

Qual a estrutura organizacional da secretaria para lidar com a violecircncia de gecircnero

4) O que significa para vocecirc o fato de poliacuteticas de gecircnero serem

transversais Como isso se materializa na accedilatildeo da SEMIRA

5) Quais satildeo os desafios na hora de formular eou implementar poliacuteticas

transversais O machismo se manifesta nesses momentos na hora de lidar com outras

secretarias que natildeo atuam diretamente com a questatildeo de gecircnero

6) A mudanccedila para uma secretaria mais ampla em termos de temas

abarcados muda a maneira como a transversalidade eacute abordada Como

7) A transversalidade tambeacutem muda de acordo com os contextos urbanos

e rural Como ela se relaciona a esses contextos

8) Como o machismo se manifesta na sociedade E na aacuterea rural E na

aacuterea urbana Compare as duas Existem outros fatores culturais que diferenciam a

aacuterea rural e urbana e que influenciam a maneira como a violecircncia de gecircnero se

manifesta

9) Existe diferenccedila entre violecircncia de gecircnero nos acircmbitos rural e urbano

10) Se sim quais as implicaccedilotildees dessa diferenccedila E a secretaria incorpora

essa diferenccedila na formulaccedilatildeo das suas poliacuteticas puacuteblicas

11) O Estado consegue chegar a uma mulher viacutetima de violecircncia da

mesma maneira na aacuterea urbana e rural

12) Vocecirc sente diferenccedila na maneira como os funcionaacuterios policiais

delegados etc lidam com a violecircncia de gecircnero em zonas mais rurais ou urbanas

75

Como essa diferenccedila se manifesta e como a SEMIRA lida com a diferenccedila entre

atores parceiros

13) Como surgiu a SEMIRA Quais foram os atores importantes Qual

era e eacute a sua relaccedilatildeo da SEMIRA com outros oacutergatildeos do governo do Estado

14) Quais satildeo as poliacuteticas puacuteblicas da secretaria direcionadas para o

enfrentamento da violecircncia de gecircnero Como elas comeccedilaram Como elas

funcionam

15) Qual eacute o histoacuterico da poliacutetica dos ocircnibus multidisciplinares que vatildeo ao

campo Como foi a aceitaccedilatildeo pela populaccedilatildeo Continuidade

72 Formulaacuterio de Consentimento Entrevista

Mulheres em situaccedilatildeo de vulnerabilidade social Contextos Construccedilatildeo Simboacutelica

e Poliacuteticas Puacuteblicas

Beatriz Junqueira Kipnis

FGV-EAESP

Sou Beatriz Junqueira Kipnis aluna de graduaccedilatildeo em Administraccedilatildeo Puacuteblica

na Fundaccedilatildeo Getulio Vargas de Satildeo Paulo Estou fazendo uma pesquisa de iniciaccedilatildeo

cientiacutefica sob orientaccedilatildeo dos Prof Dr Marcus Vinicius Peinado Gomes e Prof Dr

Fernando Burgos O objetivo desta pesquisa eacute descobrir se e como os contextos

agriacutecola e urbano impactam na formulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em

situaccedilatildeo de violecircncia e quais as implicaccedilotildees de semelhanccedilas e diferenccedilas dos mesmos

para o cotidiano do puacuteblico beneficiaacuterio Gostariacuteamos de contar com a sua

participaccedilatildeo voluntaacuteria para a parte de campo da pesquisa pois acreditamos que

conhecer a experiecircncia praacutetica possibilitaraacute e enriqueceraacute as anaacutelises dessa pesquisa

Para isso deixamos explicitada nossa eacutetica de pesquisa e pedimos que assine esse

formulaacuterio em caso de consentimento

1 Confidencialidade

Esta entrevista tem como objetivo coletar informaccedilotildees para esta pesquisa e

portanto possui objetivo estritamente acadecircmico Qualquer comentaacuterio opiniatildeo ou

76

avaliaccedilotildees que vocecirc fizer seratildeo tratados com confidencialidade e analisados apenas

para os interesses desta pesquisa

2 Permissatildeo para citaccedilatildeo

Eu gostaria de poder citar diretamente trechos de nossa conversa nos relatoacuterios

e publicaccedilotildees oriundas desta pesquisa Caso deseje manter seu anonimato por favor

manifeste sua preferecircncia antes do iniacutecio da entrevista

3 Participaccedilatildeo

Sua participaccedilatildeo nesta pesquisa eacute voluntaacuteria e vocecirc natildeo receberaacute nenhum

pagamento para tal

Vocecirc pode decidir a qualquer momento por qualquer razatildeo em natildeo mais

fazer parte desta pesquisa Em caso de duacutevidas ou esclarecimentos vocecirc pode fazer

perguntas a mim em qualquer momento

3 Gravaccedilatildeo

Gostaria de pedir sua permissatildeo para gravar nossa entrevista com o uacutenico

proposito de facilitar o processo de pesquisa Se vocecirc natildeo concorda com a gravaccedilatildeo

por favor manifeste sua preferecircncia antes do iniacutecio da entrevista

Assinatura do Entrevistado ___________________________________________

Data _____________________________________________

Assinatura do Pesquisador _____________________________

Data _____________________________________________

Caso tenha alguma duacutevida sobre o estudo por favor entrar em contato com

Beatriz Kipnis bjkipnishotmailcom ou Dr Marcus Gomes marcusgomesfgvbr

Page 3: Fundação Getúlio Vargas Escola de Administração de ......mulheres de áreas agrícolas e se sentiam pouco à vontade para comentar sobre a violência contra mulheres nessas áreas.

3

Meus sinceros agradecimentos aos meus orientadores

Professores Marcus Vinicius Gomes e Fernando

Burgos pelo conhecimento e amizade passados durante

a pesquisa e por me desafiaram intelectualmente nesse

trabalho Aos meus pais Ana Paula e Andreacute que desde

pequena me mostraram a beleza da pesquisa E ao

Patrick pela matildeo estendida cotidianamente

4

1 Introduccedilatildeo

A violecircncia contra a mulher eacute um problema que atinge o Brasil com nuacutemeros

desastrosos Segundo estudo do Laboratoacuterio de Anaacutelises Econocircmicas Histoacutericas

Sociais e Estatiacutesticas (LAESER 2014) em 2012 houve 103794 mil notificaccedilotildees de

mulheres que sofreram violecircncia domeacutestica sexual dentre outras Entre 2011 e 2012

30607 mulheres sofreram violecircncia sexual dentre as quais 22884 mulheres foram

viacutetimas de estupro (LAESER 2014) o que significa 62 mulheres estupradas por dia

ou 261 mulheres estupradas por hora

Houve mudanccedilas significativas em termos dos aparatos legais disponiacuteveis

para combater a violecircncia de gecircnero e consequentemente um movimento de expansatildeo

de instituiccedilotildees ligadas a esse trabalho como delegacias especializadas e organizaccedilotildees

especiacuteficas para mulheres No entanto nos pareceu que esse avanccedilo ainda natildeo leva

em consideraccedilatildeo uma possiacutevel diferenccedila entre violecircncia de gecircnero em contextos

agriacutecola e urbano

A premissa da pesquisa era que as mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia nessas

regiotildees agriacutecolas ficam mais escondidas ndash ou invisiacuteveis ndash agraves accedilotildees do poder puacuteblico

Tambeacutem parece que outras loacutegicas permeiam esse lugar fazendo com que a situaccedilatildeo

das mulheres viacutetimas da violecircncia seja diferente daquelas que habitam regiotildees mais

urbanizadas e portanto criando praacuteticas diferentes que influenciam e satildeo

influenciadas pelas poliacuteticas puacuteblicas que pretendem abordar o problema Esse

problema estaacute presente nas aacutereas urbana e agraacuteria do Brasil poreacutem a quase totalidade

dos dados produzidos sobre o tema estatildeo concentrados na aacuterea urbana sobretudo

porque natildeo haacute nenhuma coleta de dados especiacutefica para a aacuterea agraacuteria e na coleta

comum esta aacuterea apresenta muita subnotificaccedilatildeo

Corroborando com esta ausecircncia nas poliacuteticas puacuteblicas haacute tambeacutem uma

lacuna na literatura sobre violecircncia contra a mulher no que tange as diferenccedilas entre

violecircncia de gecircnero nos contextos urbano e agriacutecola Aleacutem disso ausecircncia de dados

puacuteblicos sobre a violecircncia de gecircnero no ambiente agriacutecola reforccedilam a ideia da

invisibilidade desta questatildeo Eacute esta aparente tensatildeo que motivou essa pesquisa sobre a

5

existecircncia dessas diferenccedilas e se os aparatos estatais levam ou natildeo em conta as

mesmas na hora de elaborar e implementar poliacuteticas puacuteblicas para combater a

violecircncia de gecircnero Dessa maneira a pergunta que orientou esse trabalho eacute os

contextos agriacutecola e urbano influenciam a construccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para

mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia

Por meio de uma anaacutelise criacutetica do discurso analisamos os sentidos sobre

violecircncia contra a mulher e as poliacuteticas puacuteblicas relacionadas a este tema

Constatamos que este problema puacuteblico estaacute em constante negociaccedilatildeo sendo que os

sentidos do que eacute violecircncia de gecircnero quais satildeo suas causas e quais satildeo os caminhos

para combatecirc-la satildeo sentidos construiacutedos e reconstruiacutedos pelos formuladores

implementadores e stakeholders diversos como ONGs e sociedade civil

Nesse sentido substanciando as poliacuteticas puacuteblicas haacute uma negociaccedilatildeo de

sentido sobre a violecircncia contra a mulher O tema entra na agenda nos anos setenta

pelo alto nuacutemero de assassinatos de mulheres e comeccedila a acontecer uma

renegociaccedilatildeo de sentidos quanto agrave violecircncia contra a mulher que antes era vista como

um problema da esfera privada e passa a ser enfrentada como um problema puacuteblico

(BANDEIRA 2014) Jaacute em 1985 as Delegacias Especiais de Atendimento agraves

Mulheres satildeo criadas pela nova negociaccedilatildeo de que esse problema precisava ser

tratado por mulheres E somente em 2005 depois de diversas negociaccedilotildees e

mudanccedilas legais foi criada a Lei Maria da Penha como resultado dessas

ressignificaccedilotildees do problema As mudanccedilas juriacutedicas como a Lei Maria da Penha

estatildeo trazendo mudanccedilas graduais importantes Poreacutem ainda existe uma distancia

entre a lei e os elementos praacuteticos que acabam reproduzindo a estrutura social

machista todavia presente na sociedade brasileira

Apesar do grande avanccedilo na questatildeo a questatildeo rural permanece como um

grande silecircncio sendo que a ausecircncia de dados sobre o contexto rural dificulta a

melhor compreensatildeo destas relaccedilotildees sociais Esta eacute uma limitaccedilatildeo da pesquisa uma

vez que prejudicou uma anaacutelise mais profunda sobre o contexto agriacutecola Assim uma

recomendaccedilatildeo desta pesquisa para a administraccedilatildeo puacuteblica eacute a produccedilatildeo de pesquisas

e dados sobre o tema de forma a subsidiar o debate puacuteblico e a consequente

elaboraccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas

6

Nesse sentido este trabalho busca contribuir iniciando uma discussatildeo acerca

da invisibilidade das mulheres em contextos agriacutecolas e da especificidade das

manifestaccedilotildees do machismo nesse contexto Fica evidente ao longo do trabalho a

necessidade de gerar dados sobre violecircncia de gecircnero nas aacutereas agriacutecolas afim de que

o problema possa ser melhor compreendido e tambeacutem de se aprofundar poliacuteticas

puacuteblicas que atendam essa populaccedilatildeo para que os profissionais da temaacutetica de gecircnero

comecem a entender melhor o problema da violecircncia de gecircnero em aacutereas agriacutecolas

levando a mais e melhores poliacuteticas puacuteblicas para atender a essa populaccedilatildeo

Os achados da pesquisa mostraram que natildeo haacute grande diferenccedila nos elementos

discursivos em relaccedilatildeo aos contextos urbano e agriacutecola poreacutem existe uma diferenccedila

nas manifestaccedilotildees do discurso em accedilatildeo e seus elementos extra-discursivos Com essa

conclusatildeo temos evidecircncias de que a estrutura social do machismo permeia ambos

contextos agriacutecola e urbano poreacutem pode ser manifestado de maneiras distintas

apesar da uniformidades dos discursos de quem trabalha em organizaccedilotildees voltadas

para o combate agrave violecircncia de gecircnero Tal distinccedilatildeo seria suficiente para a existecircncia

de poliacuteticas puacuteblicas distintas jaacute que o machismo se manifesta de maneiras distintas

Para chegar a essas consideraccedilotildees a pesquisa apresenta inicialmente uma revisatildeo da

literatura para delimitar o conceito de poliacuteticas puacuteblicas de quem estamos falando

enquanto ldquopuacuteblicordquo como esse processo de significaccedilatildeo estaacute em negociaccedilatildeo e o

contexto em que ele se insere A seguir haacute uma discussatildeo metodoloacutegica que busca

delimitar o campo ontoloacutegico do trabalho o Realismo Criacutetico e em seguida expor as

diferentes possibilidades epistemoloacutegicas e explicar a escolha da Anaacutelise Criacutetica do

Discurso como maneira de estudar essa ontologia A partir dessa especificaccedilatildeo

traccedilamos os objetivos da pesquisa para entatildeo comeccedilarmos a pesquisa de campo em

Goiaacutes e em Satildeo Paulo A proacutexima etapa consiste na anaacutelise do campo agrave luz da

bibliografia e metodologia levantadas afim de descrever o contexto dos formuladores

e implementadores de poliacuteticas puacuteblicas para combater a violecircncia de gecircnero Nessa

fase da pesquisa como descrevemos na metodologia (seccedilatildeo 3) e nas anaacutelises do

campo (seccedilatildeo 4) descobrimos como na praacutetica a existecircncia de soluccedilotildees reais que

levam em consideraccedilatildeo as diferenccedilas de violecircncia contra a mulher nas zonas agraacuteria e

rural satildeo muito poucas Logo a anaacutelise do discurso inclui ainda reflexotildees sobre essas

7

diferenccedilas no entanto a seccedilatildeo que discorre sobre as soluccedilotildees sendo formuladas ou

implementadas se concentra mais nas aacutereas urbanas uma vez que essa foi a realidade

com a qual nos deparamos no campo Por fim encerramos discorrendo sobre os

achados e contribuiccedilotildees desta pesquisa assim como quais satildeo os horizontes para

novas pesquisas sobre o tema

8

2 Referencial Teoacuterico

21Poliacuteticas Puacuteblicas

211 O que satildeo poliacuteticas puacuteblicas e quais os seus processos

Poliacuteticas puacuteblicas podem ser entendido como a soma de accedilotildees e decisotildees que

ocorrem por parte de atores puacuteblicos ndash estatais ou natildeo ndash e natildeo puacuteblicos para resolver

uma situaccedilatildeo definida como um problema coletivo (SUBIRATS et al 2012) Saravia

(2006 P29) define poliacutetica puacuteblica como

()um sistema de decisotildees puacuteblicas que visa a accedilotildees ou omissotildees

preventivas ou corretivas destinadas a manter ou modificar a realidade de

um ou vaacuterios setores da vida social por meio da definiccedilatildeo de objetivos e

estrateacutegias de atuaccedilatildeo e da alocaccedilatildeo de recursos necessaacuterios para atingir os

objetivos estabelecidos

Isso significa que poliacutetica puacuteblica atraveacutes da accedilatildeo ou inaccedilatildeo age com

determinada finalidade e isso ocorre atraveacutes de um processo de definiccedilatildeo de

prioridades Encontramos evidecircncias ao longo da pesquisa de que esta inaccedilatildeo eacute

tambeacutem uma escolha em relaccedilatildeo ao problema da violecircncia de gecircnero em aacutereas

agriacutecolas Os entrevistados em geral tinham tido pouco ou nenhum contato com

mulheres de aacutereas agriacutecolas e se sentiam pouco agrave vontade para comentar sobre a

violecircncia contra mulheres nessas aacutereas Nesse sentido a falta de accedilatildeo foi uma escolha

poliacutetica tambeacutem por decidir natildeo se produzir dados acerca dessa violecircncia ndash como

seraacute demostrado ateacute haacute dois anos natildeo havia nenhuma iniciativa especificamente

direcionada para esse puacuteblico Enfim o impacto disso eacute um ciclo vicioso de falta de

poliacuteticas puacuteblicas gerando falta de dados sobre o problema que criam um discurso de

justificativa para a inaccedilatildeo

Uma poliacutetica puacuteblica passa por algumas etapas importantes que satildeo

sistematizadas em fases mas natildeo ocorrem necessariamente em ordem cronoloacutegica e

9

podem ser simultacircneas De acordo com Saravia (2006) essas fases satildeo agenda

elaboraccedilatildeo formulaccedilatildeo implementaccedilatildeo execuccedilatildeo acompanhamento e avaliaccedilatildeo A

agenda eacute a fase em que determinada situaccedilatildeo se transforma em problema puacuteblico

(SARAVIA 2006) ou seja quando o Estado decide realizar alguma decisatildeo puacuteblica

sobre determinado problema seja ela atraveacutes da accedilatildeo ou da omissatildeo A elaboraccedilatildeo eacute

quando satildeo traccediladas as diferentes alternativas de accedilatildeo do Estado frente a esse

problema (SARAVIA 2006) Depois a formulaccedilatildeo eacute quando uma alternativa eacute

escolhida e aprofundada para lidar com o problema (SARAVIA 2006) Em seguida

acontece a implementaccedilatildeo dessa alternativa isto eacute a preparaccedilatildeo em termos de

recursos materiais e humanos para realizar a poliacutetica puacuteblica (SARAVIA 2006) A

execuccedilatildeo por sua vez eacute a accedilatildeo em si a praacutetica do planejamento realizado (SARAVIA

2006) Depois o acompanhamento eacute o monitoramento da poliacutetica puacuteblica enquanto

ela estaacute em fase de execuccedilatildeo para poder fazer alteraccedilotildees se necessaacuterias e corrigir o

rumo de acordo com os objetivos pretendidos (SARAVIA 2006) Por fim a

avaliaccedilatildeo eacute a verificaccedilatildeo do desempenho da poliacutetica puacuteblica depois que ela foi

executada e pode ser medida em termos de eficiecircncia eficaacutecia e efetividade

Eacute importante ressaltar que todas as etapas das poliacuteticas puacuteblicas satildeo

influenciadas pelo discurso uma vez que poliacutetica puacuteblica natildeo eacute o resultado de uma

anaacutelise meramente racional e cientiacutefica e sim influenciada por julgamentos de valor e

significados atribuiacutedos aos problemas puacuteblicos embora a poliacutetica puacuteblica aconteccedila

atraveacutes dessas etapas a poliacutetica se realiza na negociaccedilatildeo dos significados Saravia

(2006) ressalta nesse sentido a importacircncia das instituiccedilotildees no processo das poliacuteticas

puacuteblicas como podemos perceber no trecho

Os estudos de poliacutetica puacuteblica mostram a importacircncia das insituiccedilotildees

estatais tanto como organizaccedilotildees pelas quais os agentes puacuteblicos (eleitos ou

administrativos) perseguem finalidades que natildeo satildeo exclusivamente respostas

a necessidades sociais como tambeacutem configuraccedilotildees e accedilotildees que estruturam

modelam e influenciam os processos econocircmicos com tanto peso como as

classes e os grupos de interesse (SARAVIA 2006 p 37)

10

Ou seja as poliacuteticas puacuteblicas satildeo produzidas dentro de um contexto

organizacional que influencia o desenho e o resultado que se atinge com uma poliacutetica

puacuteblica

212 O que e quem estaacute incluso no ldquopuacuteblicordquo tratado pelas poliacuteticas puacuteblicas

Como vimos na seccedilatildeo anterior existe uma negociaccedilatildeo sobre a definiccedilatildeo o que

satildeo problemas puacuteblicos e decidir a partir da definiccedilatildeo do problema como seratildeo

combatidos Nesse sentido uma das questotildees que vecircm agrave tona na delimitaccedilatildeo do

problema eacute a negociaccedilatildeo do sentido de lsquopuacuteblicorsquo uma vez que este natildeo eacute um conceito

consensual se tratando de um sentido tambeacutem em disputa (FREDERICKSON 1991)

Algumas perspectivas diferentes satildeo possiacuteveis para ressaltar a multiplicidade de

interpretaccedilotildees diferentes do que eacute entendido como puacuteblico De acordo com

Frederickson (1991) as principais perspectivas satildeo pluralista do public choice

legislativa do cliente e cidadatilde

A perspectiva pluralista eacute aquela que entende como puacuteblico a manifestaccedilatildeo da

interaccedilatildeo entre grupos de interesses que disputam o poder poliacutetico

(FREDERICKSON 1991) Esses grupos seriam meras agregaccedilotildees de pessoas com

interesses individuais sendo o interesse de cada grupo a aglomeraccedilatildeo dos interesses

particulares dos participantes Em decorrecircncia da disputa entre grupos de interesse o

interesse puacuteblico seria o grupo que vencesse tal luta Frederickson (1991) ressalta

como risco dessa perspectiva que o interesse puacuteblico resultante da disputa de grupos

de interesse natildeo seja a representaccedilatildeo efetiva tanto dos indiviacuteduos dentro dos grupos

quanto daqueles que natildeo fazem parte de grupos por natildeo serem interessantes

politicamente ou economicamente para tais aglomeraccedilotildees

Por sua vez a perspectiva do public choice manteacutem a ideia pluralista de que

um grupo eacute soacute uma agregaccedilatildeo de pessoas e que portanto o indiviacuteduo faz um caacutelculo

racional para aumentar sua eficiecircncia no setor puacuteblico (FREDERICKSON 1991)

Isso implica em uma visatildeo dos servidores puacuteblicos como maximizadores de interesses

particulares e que natildeo estariam interessados em maximizar o interesse coletivo

Enfim essa visatildeo entende o puacuteblico e o seu interesse como o do maior nuacutemero de

11

pessoas sendo utilitarista e consequentemente gerando a exclusatildeo de quem natildeo tem

recursos para fazer a escolha puacuteblica e a desconfianccedila nas motivaccedilotildees dos

governantes

Jaacute a perspectiva legislativa eacute aquela em que os administradores puacuteblicos

operam o que eacute decidido pelo legislativo (FREDERICKSON 1991) Este por sua vez

seria a arena de representaccedilatildeo legiacutetima do interesse puacuteblico O autor

(FREDERICKSON 1991) ressalta entretanto que na praacutetica as leis satildeo ambiacuteguas e

permitem interpretaccedilotildees diferentes por parte dos administradores puacuteblicos Aleacutem

disso haacute um conflito de forccedila em relaccedilatildeo ao que eacute exigido pelo executivo que os

administradores puacuteblicos executem em detrimento do legislativo No mais haacute outro

dilema nessa concepccedilatildeo porque representaccedilatildeo natildeo eacute algo que se encerra no

legislativo havendo outras arenas representativas como os grupos de interesse

anteriormente citados

Outra visatildeo possiacutevel eacute de puacuteblico como cliente em que os indiviacuteduos satildeo

consumidores dos serviccedilos puacuteblicos Isso implica no contato direto entre clientes e

burocratas de niacutevel de rua o que leva ao impasse de que os burocratas precisam

colocar as necessidades dos clientes como mais importantes e ao mesmo tempo

precisam ser imparciais impessoais (FREDERICKSON 1991) Aleacutem disso falta

verba para que a qualidade e quantidade dos serviccedilos puacuteblicos oferecidos atendam agraves

demandas dos clientes De acordo com Frederickson (1991) essa perspectiva seria

fraca porque clientes natildeo conseguem funcionar como puacuteblico isto eacute cada indiviacuteduo

agindo como cliente natildeo se articula enquanto grupos para defender seus interesse e os

burocratas podem se organizar enquanto grupo de interesse e conseguir suplantar os

clientes

Por fim podemos enxergar o puacuteblico como cidadatildeo o que significa que o

puacuteblico tem interesse proacuteprio e coletivo (FREDERICKSON 1991) Essa visatildeo

implica no papel da Administraccedilatildeo Puacuteblica de colocar em praacutetica os valores definidos

por uma constituiccedilatildeo No entanto essa perspectiva natildeo enxerga o legislativo como

arena de representaccedilatildeo final dos interesses puacuteblicos sendo que todos satildeo cidadatildeos e

devem ser contemplados pela administraccedilatildeo puacuteblica sendo ou natildeo minorias Entatildeo

faria parte do dever da administraccedilatildeo puacuteblica criar um arcabouccedilo institucional

12

possibilitador de participaccedilatildeo direta dos cidadatildeos e tambeacutem advogar pelos direitos de

minorias sem poder representativo A Administraccedilatildeo Puacuteblica tambeacutem deve nessa

perspectiva desenvolver e manter sistemas capazes de captar e responder os puacuteblicos

coletivos ou natildeo tendo em vista sempre o interesse do coletivo maior sem ferir os

direitos das minorias (FREDERICKSON 1991)

No mais a perspectiva do puacuteblico como cidadatildeo exige um entendimento da

cidadania de ambos os lados isto eacute a administraccedilatildeo puacuteblica deve enxergar o puacuteblico

como cidadatildeos mas os cidadatildeos precisam agir como tais Isso exigiria segundo

Frederickson (1991) o entendimento pelos cidadatildeos da constituiccedilatildeo e portanto dos

valores defendidos pela mesma e tambeacutem a capacidade de raciocinar moralmente

compatibilizando interesses particulares e coletivos tendo como medida o documento

constitucional Aleacutem disso seria essencial a crenccedila dos cidadatildeos em direitos

ldquonaturaisrdquo e natildeo na ideia de que a maioria teria poder legiacutetimo mas que todos tecircm

que ter esses direitos miacutenimos garantidos sendo ou natildeo parte da maioria

(FREDERICKSON 1991)

A reflexatildeo de Frederickson (1991) vai aleacutem de uma categorizaccedilatildeo sobre os

diferentes significados de puacuteblicos construiacutedos pela interaccedilatildeo do Estado e seus

cidadatildeos ao contraacuterio ressalta que a visatildeo sobre o que eacute lsquopuacuteblicorsquo natildeo eacute definido a

priori no ciclo de poliacuteticas puacuteblicas ao contraacuterio eacute negociada neste processo Neste

sentido a pluralidade normativa da visatildeo de lsquopuacuteblicorsquo faz parte da estrateacutegia

organizacional de determinado oacutergatildeo da Administraccedilatildeo Puacuteblica Isso porque as

praacuteticas cotidianas da organizaccedilatildeo transparecem determinado tratamento de puacuteblico e

acabam resultando em uma estrateacutegia organizacional que produz uma poliacutetica puacuteblica

com determinado vieacutes para o que eacute considerado puacuteblico

213 A produccedilatildeo de conhecimento e a importacircncia das praacuteticas cotidianas

Continuando esse o argumento da disputa de significados o conhecimento

tambeacutem eacute uma construccedilatildeo social e como tal estaacute sujeito a poderes em conflito e

mudanccedilas As poliacuteticas puacuteblicas satildeo influenciadas por essa construccedilatildeo social do

conhecimento uma vez que as situaccedilotildees dependem de uma significaccedilatildeo social para

13

serem consideradas como problemas puacuteblicos e portanto entrarem na agenda de

governo Nesse sentido o que eacute considerado como conhecimento vaacutelido faz parte de

uma ideia que a sociedade tem do que eacute legitimamente visto como conhecimento ou

natildeo e isso varia de acordo com tempo e lugar (SPINK 2001) Desde o berccedilo as

universidades satildeo um local onde essa tensatildeo entre conhecimento legitimado ou natildeo

persiste no cotidiano e satildeo espaccedilos em que a luta pelo reconhecimento da

heterogeneidade de conhecimentos muitas vezes fica em um segundo plano vis-agrave-vis

o conhecimento produzido pela proacutepria academia e desvinculado muitas vezes da

realidade cotidiana do objeto estudado (SPINK 2001)

Essa dicotomia entre produccedilatildeo de conhecimento nas universidades e na

praacutetica reduziu apenas recentemente sobretudo pela forccedila dos movimentos sociais

Eles mostraram que a sociedade civil produz conhecimentos relevantes para se

organizar e enfrentar os seus problemas do dia-a-dia sem necessariamente estarem

ligados ao conhecimento hegemocircnico do meio acadecircmico (SPINK 2001) Cresceu a

partir de entatildeo a noccedilatildeo de multiplicidade de conhecimentos e a importacircncia da

universidade reconhecer a importacircncia e estudar esses conhecimentos produzidos na

praacutetica

A construccedilatildeo desse leque de conhecimentos segundo Spink (2001) se daacute

sobretudo pela praacutetica vivida pelos grupos sociais na resoluccedilatildeo de problemas

enfrentados no cotidiano e que natildeo foram solucionados por organizaccedilotildees externas

Assim cada lugar eacute constituiacutedo de um contexto proacuteprio que tanto possibilita quanto

compele a produccedilatildeo de determinados conhecimentos

Dentro desses contextos uacutenicos de produccedilatildeo de conhecimento existem as

praacuteticas do cotidiano que fazem as organizaccedilotildees se construiacuterem enquanto tais e satildeo

tambeacutem por elas influenciadas As poliacuteticas puacuteblicas satildeo produzidas por organizaccedilotildees

e seus arranjos entre si ou seja satildeo influenciadas pelos contextos e praacuteticas do

mesmo Essas praacuteticas satildeo definidas por Schatzki (2007) como o conjunto de accedilotildees

estruturadas por uma organizaccedilatildeo Nessa visatildeo natildeo eacute a estrutura organizacional que

molda completamente as accedilotildees de seus constituintes mas uma relaccedilatildeo dialeacutetica em

que estruturas sociais e atores se influenciam mutuamente para formar as praacuteticas

desenvolvidas rotineiramente em uma organizaccedilatildeo As praacuteticas incluem segundo o

14

autor quatro fenocircmenos principais

(1) understandings of (complexes of know-hows regarding) the actions

constituting the practice for example knowing how to email and to recognize

emailing and knowing how to deliver and recognize lectures (2) rules by

which I mean explicit directives admonishments or instructions that

participants in the practice observe or disregard (3) something I call a

teleological-affective structuring which encompasses a range of ends

projects actions maybe emotions and end-project-action combinations

(teleological orderings) that are acceptable for or enjoined of participants to

pursue and realize and (4) general understandings for example general

understandings about the nature of work about proper teacherndashstudent

interactions or about the commonality of fate (SCHATZKI 2007)

As praacuteticas podem portanto ser definidas como participantes ativas da

estrateacutegia organizacional A estrateacutegia enquanto praacutetica eacute um conceito que faz a

conexatildeo entre a caracteriacutestica ativa e dialeacutetica das praacuteticas cotidianas e a proacutepria

formulaccedilatildeo de estrateacutegias dentro de uma organizaccedilatildeo Esse conceito estaacute ligado a uma

visatildeo construtivista das estrateacutegias dentro de uma organizaccedilatildeo isto eacute as estrateacutegias

natildeo satildeo estaacuteveis ao longo do tempo passam por um processo de definiccedilatildeo e

redefiniccedilatildeo conforme ganham ou perdem legitimaccedilatildeo interna e externa ao ambiente

organizacional (SOUZA 2009)

Nesse sentido as estrateacutegias de uma organizaccedilatildeo podem mudar ou

permanecer ao longo do tempo de acordo com a relaccedilatildeo dupla entre agentes e

estrutura esta sendo composta de recursos disponiacuteveis normas e regras presentes e

entendimento compartilhado (SOUZA 2009) Os recursos disponiacuteveis podem ser

materiais como o ambiente fiacutesico de uma organizaccedilatildeo ou imateriais como a

capacitaccedilatildeo para exercer uma atividade dentro da mesma Esses recursos satildeo objeto

de uma luta permanente porque satildeo eles que possibilitam a dominaccedilatildeo de uma

estrateacutegia ou seja quem deteacutem mais recursos acaba tendo mais poder na hora de

defender sua posiccedilatildeo vis-agrave-vis uma estrateacutegia organizacional (SOUZA 2009) As

15

normas e as regras podem ser formais como o estatuto de uma associaccedilatildeo que prevecirc

condutas permitidas eou exigidas para a participaccedilatildeo ou informais construiacutedas e

aceitas no cotidiano sem que sejam transcritas como o tipo de comportamento

considerado adequado dentro de determinada organizaccedilatildeo Satildeo as normas e regras

que constituem a legitimaccedilatildeo ou natildeo de estrateacutegias isto eacute elas permitem ou natildeo a

aceitaccedilatildeo de uma estrateacutegia em detrimento do que eacute aceito formal e informalmente no

ambiente organizacional (SOUZA 2009) Aleacutem disso haacute um entendimento

compartilhado em uma organizaccedilatildeo que significa as estrateacutegias isto eacute traduz

subjetivamente a estrateacutegia para uma dimensatildeo simboacutelica que eacute compreensiacutevel para a

realidade de seus agentes

Isso significa que formular e implementar estrateacutegias dentro de uma

organizaccedilatildeo satildeo processos inseridos dentro de um contexto permeado por

significaccedilotildees dominaccedilotildees e legitimaccedilotildees de discursos no cotidiano dos agentes e

portanto haacute uma tensatildeo constante e um diaacutelogo entre processos e contexto em que o

mesmo influencia e eacute influenciado pelos processos de definiccedilatildeoredefiniccedilatildeo de

estrateacutegia (SOUZA 2009) Assim podemos dizer que as organizaccedilotildees natildeo produzem

estrateacutegias no vaacutecuo jaacute que as praacuteticas que as constituem soacute satildeo significadas quando

satildeo ativadas pelos agentes e possibilitadas pelo contexto interno e externo agrave

organizaccedilatildeo tornando o contexto um elemento essencial para estudar as estrateacutegias

em organizaccedilotildees

Dessa forma poliacuteticas puacuteblicas podem ser entendidas como uma estrateacutegia

constantemente definida e redefinida em funccedilatildeo das negociaccedilotildees sobre os sentidos

dos problemas puacuteblicos A estrutura organizacional se torna entatildeo natildeo apenas

relevante para a determinaccedilatildeo da capacidade material de resoluccedilatildeo de um problema

social mas tambeacutem delimita um lugar simboacutelico sobre as possibilidades de accedilatildeo para

enfrentaacute-lo

22 Contextos onde as poliacuteticas puacuteblicas acontecem

No acircmbito dessa pesquisa pretendemos nos focar em principalmente dois

contextos diferentes que permeiam o processo de formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de

16

poliacuteticas puacuteblicas enquanto estrateacutegias de organizaccedilotildees da Administraccedilatildeo Puacuteblica

Podemos falar nos lugares e na diferenciaccedilatildeo entre contextos urbano e agriacutecola como

fator que influencia e eacute influenciado pelo ciclo de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em

situaccedilatildeo de violecircncia

Os contextos impactam nas praacuteticas e arranjos materiais disponiacuteveis em

determinado lugar (SPINK 2001) O lugar eacute onde ocorre a troca entre contexto

praacuteticas e arranjos como contextos agriacutecola e urbano estruturas organizacionais e

negociaccedilatildeo de sentidos e estrateacutegias para lidar com problemas puacuteblicos De acordo

com Milton Santos (2001) os lugares satildeo espaccedilos esquizofrecircnicos porque satildeo onde se

verificam os vetores da globalizaccedilatildeo e tambeacutem da contraordem O papel do lugar eacute

natildeo soacute onde se vive mas um lsquoespaccedilo vividorsquo em que satildeo reproduzidas eou

reavaliadas processos do passado e onde se projeta o futuro (SANTOS 2001) Nesses

lugares ocorrem os embates entre soluccedilotildees imediatistas e visotildees finaliacutesticas

conjuntura e estrutura (SANTOS 2001)

A ideia de lugar compreende a importacircncia dos processos construiacutedos e que

constroem um contexto Schatzki (2005) em sua teoria sobre como satildeo construiacutedos

os fenocircmenos sociais afirma que estes estatildeo ligados aos lugares

Sites however are a particularly interesting sort of context What

makes them interesting is that context and contextualized entity constitute one

another what the entity or event is is tied to the context just as the nature and

identity of the context is tied to the entity or event (among others)(p 468)

Essa definiccedilatildeo eacute entatildeo especificada ao social em que o lugar ldquodo social eacute

composto de nexos de praacuteticas e arranjos materiaisrdquo (SCHATZKI 2005 p471) As

praacuteticas seriam as atividades humanas e os arranjos materiais incluem as pessoas os

artefatos outros organismos e coisas

Os fenocircmenos sociais fazem parte das teias formadas dentro dos lugares e da

relaccedilatildeo entre eles sendo ao mesmo tempo produto e alimento desses lugares As

organizaccedilotildees de acordo com o autor (SCHATZKI 2005) seriam um desses

fenocircmenos sociais Fazendo parte dessa teia as organizaccedilotildees satildeo constituiacutedas por

praacuteticas sobreviventes previamente de outras organizaccedilotildees (vindas com as

17

experiecircncias passadas dos indiviacuteduos que a constituem) e uma mistura de praacuteticas do

presente que satildeo alteradas ou natildeo para materializar a razatildeo de existecircncia da

organizaccedilatildeo e arranjos materiais velhos e novos (SCHATZKI 2005 p476) Schatzki

(2005) ressalta que trecircs pontos satildeo essenciais para compreender uma organizaccedilatildeo

identificar as accedilotildees que a compotildeem identificar o conjunto de praacuteticas e arranjos

materiais em que as accedilotildees estatildeo inseridas identificar as outras teias de conjuntos de

praacuteticas e arranjos que se ligam agrave teia que compotildee a organizaccedilatildeo

Podemos clarificar ainda mais a ideia de lugares com a contribuiccedilatildeo de Spink

(2001) que define lugar como ldquoponto de partida para refletir sobre a organizaccedilatildeo

porque permite um olhar a partir de um enraizamento na processualidade do cotidiano

e fora dos muros das organizaccedilotildeesrdquo (SPINK 2001 p18) Esse termo tambeacutem foca

nos processos construiacutedos pelos indiviacuteduos suas relaccedilotildees e o contexto nos quais

participam e as organizaccedilotildees como parte desses processos em que haacute tensotildees e natildeo

como uma entidade que existe sem a accedilatildeo de pessoas Aleacutem disso Spink (2001)

ressalta a importacircncia da construccedilatildeo social dos sentidos que damos agraves accedilotildees e

materialidades que compotildeem o cotidiano o que dialoga com a ideia de Schatzki

(2005) de como compreender as accedilotildees dos indiviacuteduos

Assim pretendemos compreender as regiotildees agriacutecola e urbana como lugar

que satildeo indissociaacuteveis daquilo que os constituem (Spink 2001 SCHATZKI 2005)

enquanto praacuteticas e arranjos constitucionais observaacuteveis materialmente a partir de

organizaccedilotildees puacuteblicas O estudo das organizaccedilotildees que formulam e implementam

essas poliacuteticas puacuteblicas eacute importante para entender quais os conjuntos de praacuteticas e

arranjos materiais que formam o contexto das poliacuteticas puacuteblicas em questatildeo e se

existem ligaccedilotildees e sobreposiccedilotildees entre praacuteticas eou arranjos materiais dessas

organizaccedilotildees

221 Cidades Urbanas e Agriacutecolas

Precisamos entatildeo definir o que satildeo regiotildees agriacutecolas e regiotildees urbanas como

lugar no qual as poliacuteticas puacuteblicas estatildeo inseridas Santos (1996) trouxe essa nova

tipologia de cidades agriacutecolas e urbanas porque as mudanccedilas econocircmicas impactaram

18

a organizaccedilatildeo do espaccedilo geograacutefico de tal forma que as atividades urbanas e rurais

existem em todas as regiotildees Assim natildeo haacute mais uma separaccedilatildeo em aacutereas rurais e

urbanas de acordo com distinccedilatildeo econocircmica sendo que o novo ldquocriteacuterio de distinccedilatildeo

seria devido muito mais ao tipo de relaccedilotildees realizadas sobre os respectivos

subespaccedilosrdquo (SANTOS 1996 p 67)

Segundo ele ldquonas regiotildees agriacutecolas eacute o campo que sobretudo comanda a

vida econocircmica e social do sistema urbano enquanto nas regiotildees urbanas satildeo as

atividades secundaacuterias e terciaacuterias que tecircm esse papelrdquo (SANTOS 1996 p 68)

Apesar dessa predominacircncia que permite a distinccedilatildeo existem nos dois tipos de

regiotildees cidades e zonas de atividade rural mas nas regiotildees agriacutecolas a cidade existe

para suprir as necessidades do campo e das pessoas que o habitam enquanto nas

regiotildees urbanas as zonas de atividade rural existem para suprir as necessidades das

cidades e as pessoas que a habitam (SANTOS 1996) Assim essa tipologia eacute

importante para definir os contextos das poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo

de violecircncia jaacute que loacutegicas diferentes as constituem apontando praacuteticas e arranjos

materiais tambeacutem diversos

23 Gecircnero Machismo e Violecircncia de Gecircnero

As discussotildees sobre gecircnero na academia tecircm sido concentradas em uma

perspectiva discursiva que distingue completamente sexo de gecircnero colocando o

primeiro como parte de uma esfera bioloacutegica e o segundo como uma construccedilatildeo

social desvinculada da primeira (CAROLAN 2005) Nesse sentido Carolan (2005)

aponta um risco de gerar um reducionismo ao julgar gecircnero apenas como uma

construccedilatildeo social sem levar em consideraccedilatildeo os elementos extra-discursivos que

dialeticamente significam e ressignificam os papeis de gecircnero Segundo Carolan

(2005 p5)

Sociology has been correct to take care so as to not legitimate

ideologically-driven biological determinism and the socio-political

ramifications that accompany such proclamations My concern however is

19

that this apprehension toward determinism has become too one-sided With

all of our handringing about the dangers of ldquobringing nature back inrdquo to

sociological analyses due to its deterministic undertones we remain

incorrigibly blind to the other side of the coin to the appalling prospects of

an equally dangerous cagemdashcultural determinism In our rush to condemn the

fixed-biological we often (mistakenly) overly prescribe mutability and fluidity

to the socio-cultural We must thus stay vigilant to all prescriptions of

determinismmdashbiological and otherwisemdashwhile concomitantly remaining open

to the multidirectional causal potentials that constitute a stratified rooted

and emergent reality

Dessa forma eacute importante levar em conta tanto os niacuteveis discursivos quanto

extra-discursivos da construccedilatildeo de gecircnero dentro de uma estrutura social que dialoga

com esses elementos Assim os elementos extra-discursivos podem ser tanto

bioloacutegicos como apontados no trecho acima mas podem ser tambeacutem outras

materialidades que podem ser causa e efeito ao mesmo tempo da construccedilatildeo social

dos papeis de gecircnero como a desigual inserccedilatildeo no mercado de trabalho e os salaacuterios

desiguais para as mesmas posiccedilotildees Por exemplo se as mulheres tecircm menor inserccedilatildeo

no mercado de trabalho isso eacute fruto de uma construccedilatildeo social dos papeis de gecircnero

mas tambeacutem reforccedila os mesmos papeis em um jogo dialeacutetico porque as mulheres

ficam em uma posiccedilatildeo pouco empoderada acerca de como decidir a alocaccedilatildeo dos

recursos em casa e mais vulneraacuteveis para conseguir materialmente sair de casos de

violecircncia

Nesse contexto o machismo pode ser entendido como uma estrutura social

subjetiva construiacuteda a partir da existecircncia de gecircnero como uma classificaccedilatildeo criada

socialmente mas que alimenta e eacute alimentada por materialidades extra-discursivas O

machismo se configura entatildeo como algo abstrato que natildeo pode ser visto

materialmente Como coloca Sayer (1998 p 159-160)

()unobservable natural forces as well as structures of a language or

tules of a game can be and frequently are described and known Thus while

20

the unobservable wind can be known to be responsible for the flying hat or the

swirling leaves the rules of grammar facilitating the speech acts of some

group or the secret code used by children to send messages to each other

may each be quite unproblematically retroducible andor describable By

demonstrating the empirical adequacy of theories of gravitational and

magnetic fields social rules and relations structures of languages and so

forth these items can be known whether or not they can be directly observed

O machismo pode ser considerado como um item abstrato conforme

apresentado por Sayer (1998) que podem ser conhecidos mesmo que natildeo possam ser

observados diretamente Para fazer isso devemos tentar acessar a estrutura social

pelas suas manifestaccedilotildees tanto discursivas quanto extra-discursivas Especificamente

sobre as relaccedilotildees de gecircnero Sayer discorre sobre como podemos observaacute-la na

praacutetica (SAYER 1998 p160)

Even a single maintained hypothesis can be continually assessed by

examining the range of phenomena it bears upon In other words the

empirical adequacy of any hypothesis can be progressively checked-out by

deducing such implications as follow with regard to any domain for which

such implications hold and can in practice be observed Where it is argued

for example that gender relations in many societies are such that mechanisms

are reproduced which serve to discriminate against women in favout of men

this assessment can be checked out against detectable patterns occurring in

for example factories homes schools and universities and any other place

where the mechanism will conceivably reveal its effects

Podemos entatildeo acessar a estrutura social machista sobretudo atraveacutes de pelo

menos dois tipos de manifestaccedilotildees materiais ou seja as diferenccedilas objetivas como a

distribuiccedilatildeo de recursos e bens e subjetivas como se daacute a percepccedilatildeo da sociedade

sobre os papeis de gecircnero (GOMES 2014a) Corroborando Lorente (2015) tambeacutem

apresenta o machismo como uma estrutura social

21

Inequality is a construction based on the male design of society and

developed to determine the relationships within it It is neither an error nor an

uncontrolled drift It is a decision to establish a structure of power that

provides benefits and privileges to those in a superior position men and

denies rights and opportunities to those in an inferior position women

Violence against Women (VAW) is an instrument to maintain this structure

part of the tools to guarantee that it works () Violence against women is

different from other forms of violence due to its motivations goals

circumstances and meaning It is the only violence supported by social and

cultural ideas and the only one that is accepted and justified by part of

society (LORENTE 2015)

A violecircncia de gecircnero surge entatildeo como uma manifestaccedilatildeo dessa estrutura

social machista com implicaccedilotildees objetivas e subjetivas A violecircncia fiacutesica e

patrimonial podem ser entendidas como uma manifestaccedilatildeo material da estrutura

social enquanto outras violecircncias como a psicoloacutegica satildeo mais subjetivas e ligadas ao

asseacutedio moral (TRERJ 2013) uma forma de apreciaccedilatildeo negativa mais ligada ao

discurso poreacutem com implicaccedilotildees objetivas fortes como a proibiccedilatildeo da mulher de sair

de casa e trabalhar ou o desenvolvimento de doenccedilas psicoemocionais como

depressatildeo Aleacutem disso a violecircncia de gecircnero de todos os tipos estaacute permeada por

manifestaccedilotildees objetivas e subjetivas objetivas na vulnerabilidade em termos de

recursos materiais das mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia e subjetivas na exposiccedilatildeo agrave

apreciaccedilatildeo da famiacutelia da comunidade e das instituiccedilotildees puacuteblicas para atender a essas

mulheres que muitas vezes reproduzem papeis tradicionais de gecircnero ligados agrave

estrutura social machista

Afim de compreendermos a estrutura social machista nos diferentes contextos

agriacutecola e urbano vamos nos apoiar metodologicamente no Realismo Criacutetico sobre a

qual nos debruccedilaremos na seccedilatildeo a seguir Esta metodologia nos permite acessar

aspectos da estrutura social atraveacutes de suas manifestaccedilotildees Assim poderemos

compreender melhor as dialeacuteticas entre estrutura social manifestaccedilotildees discursivas e

22

manifestaccedilotildees extra-discursivas e do discurso em accedilatildeo Dessa maneira pretendemos

informar a accedilatildeo do Estado para combater essa estrutura social machista sobretudo a

sua manifestaccedilatildeo enquanto violecircncia de gecircnero

23

3 Metodologia

A partir da revisatildeo da literatura entendemos que as poliacuteticas puacuteblicas e suas

estrateacutegias satildeo definidas e redefinidas em um processo de embate entre discursos e

significaccedilotildees Este processo estaacute inserido em um lugar que influencia e eacute influenciado

pela negociaccedilatildeo de sentidos Especialmente no que diz respeito agrave violecircncia contra a

mulher estamos examinando para uma estrutura social machista e procurando

entender como os contextos influenciam a formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de poliacuteticas

puacuteblicas para aacutereas agriacutecolas e urbanas de acordo com as diferentes manifestaccedilotildees da

estrutura social nesses contextos Desta forma a pergunta de pesquisa que surge para

este trabalho eacute A estrutura social do machismo se manifesta da mesma maneira

nos contextos agriacutecola e urbano

Dela decorrem os seguintes objetivos secundaacuterios

a) Haacute ou natildeo diferenccedilas na manifestaccedilatildeo do machismo especificamente em

termos de violecircncia de gecircnero nas zonas urbana e agraacuteria

b) Como essas manifestaccedilotildees do machismo satildeo impactadas e impactam a

formulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia

Conforme discutiremos mais adiante nesse capiacutetulo e na seccedilatildeo 4 de anaacutelise

dos dados encontramos poucas evidecircncias de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em

situaccedilatildeo de violecircncia nas aacutereas agraacuterias de Goiaacutes e Satildeo Paulo Entretanto este

silecircncio eacute um interessante achado de pesquisa pois foi possiacutevel compreender como a

ausecircncia dessas poliacuteticas impacta a vida das mulheres desse contexto Esta anaacutelise

fica mais evidente quando debruccedilamos sobre as poliacuteticas puacuteblicas disponiacuteveis para as

mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia em aacutereas urbanas e que ainda assim natildeo tecircm seus

direitos garantidos como iremos perceber na anaacutelise das entrevistas

31 Realismo Criacutetico e a violecircncia de gecircnero

Escolhemos e o Realismo Criacutetico como ontologia ou seja como teoria do

conhecimento cientiacutefico porque acreditamos que ele nos ajudaraacute a compreender

24

melhor como os contextos agraacuterio e urbano influenciam e satildeo influenciados na

formulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas mas tambeacutem por uma questatildeo normativa

Acreditamos na perspectiva ontoloacutegica do realismo criacutetico de que os seres humanos

satildeo agentes com capacidade accedilatildeo sobre a realidade e que tambeacutem satildeo produtores de

significados e tambeacutem na necessidade natildeo soacute de explicar o mundo mas de modificaacute-

lo

No entanto acrescenta-se agrave nossa existecircncia dialeacutetica enquanto seres humanos

com o mundo a noccedilatildeo de que este existe independentemente da nossa apreensatildeo

semioacutetica ou natildeo dele sendo este o principal ponto de divergecircncia do criacutetico realismo

em relaccedilatildeo ao construtivismo (BHASKAR 2012 FAIRCLOUGH 2010 GOMES

2014b) Isto significa que a estrutura social eacute composta de loacutegicas agraves quais damos

sentidos e tambeacutem loacutegicas que natildeo apreendemos e interpretamos estando latentes

para essa interpretaccedilatildeo mas ainda assim influenciando e sendo influenciadas por

nossa accedilatildeo no mundo

O realismo criacutetico tambeacutem se enquadra nas nossas perspectivas de pesquisa

porque ele apresenta uma ontologia estratificada como uma estrateacutegia para evitar o

tradeoff entre agentes e estrutura (BHASKAR 2012) Isso porque o realismo criacutetico

coloca trecircs niacuteveis da vida social o real o atual e o empiacuterico que interagem entre si

dialeticamente (BHASKAR 2012) desde modo natildeo estamos lidando com uma

situaccedilatildeo em que a estrutura social define tudo nem que os agentes definem tudo

ambos satildeo relevantes e se influenciam mutuamente

Para melhor entendermos essas esferas vamos defini-las O real consiste na

esfera abstrata das estruturas sociais ou naturezas (FAIRCLOUGH 2010 GOMES

2014b) Esses integrantes do plano real satildeo objetos latentes ou seja que tecircm um

potencial Isso reforccedila a ideia de que mesmo estruturas semioacuteticas existem antes dos

atores (FAIRCLOUGH 2010 GOMES 2014b BHASKAR 2012) A esfera do atual

eacute permeada pelas praacuteticas sociais ou seja o que acontece quando elementos do

mundo real satildeo ativados e produzem transformaccedilotildees ou reproduccedilotildees

(FAIRCLOUGH 2010 GOMES 2014b) Esse plano atual eacute o que faz a mediaccedilatildeo

entre o plano real e o plano empiacuterico que por sua vez consiste nos eventos sociais e

accedilotildees Ou seja o empiacuterico eacute uma parte dos outros planos que eacute experimentado

25

efetivamente por agentes (FAIRCLOUGH 2010)

Eacute importante ressaltar que o processo causal colocado pelo realismo criacutetico

natildeo eacute o mesmo que o positivismo empiacuterico defende isto eacute a identificaccedilatildeo de

regularidades entre causa e efeito Na verdade o processo causal seria o estudo do

que ativa os poderes latentes do real para produzir mudanccedila (FAIRCLOUGH 2010

BHASKAR 2012) Aleacutem disso quando e se esses poderes satildeo ativados os efeitos

dessa ativaccedilatildeo varia de acordo com o tempo e espaccedilo (FAIRCLOUGH 2010

GOMES 2014b)

Uma ontologia baseada no Realismo Criacutetico ressalta a importacircncia dos

discursos e tambeacutem eacute uma abordagem que busca natildeo soacute entender a realidade mas

modificaacute-la como abordamos anteriormente Mas quais as implicaccedilotildees para a anaacutelise

das poliacuteticas puacuteblicas

O processo das poliacuteticas puacuteblicas sobre o qual discorremos anteriormente eacute

perpassado em todas as etapas pelos discursos dos atores envolvidos tanto interna

quanto externamente ao processo Aleacutem disso as poliacuteticas puacuteblicas satildeo um meio de

mudar a realidade como proposto pelo Realismo Criacutetico

Como vimos a violecircncia de gecircnero eacute um termo que passou por diferentes

significaccedilotildees ao longo do tempo e diferentes atores envolvidos Por exemplo antes

era visto pela sociedade e apreendida pelo Estado como uma situaccedilatildeo da esfera

privada e se restringia agrave violecircncia fiacutesica e hoje em dia passou a ser visto pelo Estado

como um problema puacuteblico considerando diferentes formas de violecircncia contra a

mulher No primeiro periacuteodo o movimento feminista brasileiro natildeo era detentor do

discurso dominante e lutava para conseguir visibilidade ao tema isto eacute para que

fosse considerado como um problema puacuteblico Ou seja as poliacuteticas puacuteblicas satildeo o

resultado do conflito entre discursos de diferentes atores e a significaccedilatildeo dada agraves

situaccedilotildees muda conforme o resultado desse conflito

Aleacutem disso podemos situar nosso referencial teoacuterico em termos da

estratificaccedilatildeo do Realismo Criacutetico A esfera do real no tema em questatildeo eacute permeada

pelas relaccedilotildees desiguais de poder entre gecircneros A esfera real pode ser acessada por

suas manifestaccedilotildees na esferas atual e empiacuterica

Na esfera do atual podemos pensar nas praacuteticas sociais que transformaram

26

uma situaccedilatildeo no caso a violecircncia contra as mulheres em problema puacuteblico passiacutevel

de intervenccedilatildeo via poliacuteticas puacuteblicas voltadas para lidar com a violecircncia de gecircnero

atraveacutes da sua inclusatildeo na agenda puacuteblica Isso pode ser visto pela dificuldade de se

tratar a violecircncia de gecircnero atraveacutes das instacircncias legais e juriacutedicas usuais Isto eacute

essas instacircncias tradicionais estavam permeadas por uma loacutegica machista que

precisava ser formalmente desfeita para poder comeccedilar a se abordar a questatildeo a partir

de outra perspectiva A violecircncia de gecircnero ter sido vista como uma questatildeo da esfera

domeacutestica e portanto privada tambeacutem faz parte desse machismo da esfera real que

precisou do aparato legal para caracterizaacute-la enquanto problema da esfera puacuteblica

Nesse sentido entra a importacircncia dos contextos urbano e agriacutecola dos territoacuterios

como elementos influenciadores e influenciados pelas poliacuteticas puacuteblicas para

mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia fornecendo um contexto sobre o qual os discursos

satildeo construiacutedos Certamente estes natildeo satildeo os uacutenicos lugares que influenciam os

discursos sobre a violecircncia de gecircnero e consequentemente as estrateacutegias para

combatecirc-lo (ie as poliacuteticas puacuteblicas)

Por fim a esfera do empiacuterico consiste no discurso em accedilatildeo por meio das

poliacuteticas puacuteblicas Um exemplo foi o conturbado processo de aprovaccedilatildeo da LMP

(MACIEL 2011) e tambeacutem as tentativas de provar sua inconstitucionalidade que

teve que ir ao STF pela AGU (MACIEL 2011) para conseguir ser aprovado

Tambeacutem a atual dificuldade de conseguir a aceitaccedilatildeo e implementaccedilatildeo da LMP por

parte dos operadores juriacutedicos (MACIEL 2011) demonstra a penetraccedilatildeo do

machismo em nossa sociedade Como podemos ver pelo retrato das questotildees

anteriormente citadas ainda estamos lidando basicamente com violecircncia sexual

apesar da tipificaccedilatildeo abranger outros tipos de violecircncia como as psicoloacutegicas e

morais que ainda ocorrem cotidianamente e satildeo naturalizadas denunciando a forccedila

do machismo na esfera do real Enfim essa uacuteltima esfera assim como as demais e a

relaccedilatildeo entre elas poderatildeo ser melhor retratadas quando partirmos a anaacutelise da

pesquisa de campo em que teremos contato com os agentes

De acordo com o realismo criacutetico podemos pensar em problemas a partir de trecircs

domiacutenios o real o atual e o empiacuterico (FAIRCLOUGH 2010) No tema em questatildeo

a esfera do real pode ser entendida como a estrutura social do machismo isto eacute uma

27

desigualdade de gecircnero que estaacute latente no funcionamento da sociedade e acaba sendo

reforccedilada pelos domiacutenios do atual e do empiacuterico Nesse trabalho o domiacutenio do atual

seriam os discursos sobre a desigualdade de gecircnero e a violecircncia de gecircnero que satildeo

manifestaccedilotildees da estrutura social machista ou para reforccedilar essa estrutura ou para

tentar transformaacute-la Por fim o domiacutenio empiacuterico satildeo nesse caso as poliacuteticas e accedilotildees

puacuteblicas formuladas eou implementadas para combater a violecircncia contra a mulher

32 Anaacutelise Criacutetica de Discurso

Afim de buscarmos nosso objetivo que eacute entender as diferenccedilas entre

poliacuteticas puacuteblicas em contextos agriacutecola e urbano utilizaremos a metodologia da

ACD Segundo a ACD o discurso eacute ativo isto eacute que influencia tanto a percepccedilatildeo da

realidade quanto o comportamento de pessoas dentro de uma organizaccedilatildeo

(PUTNAM et al 2004) Eacute importante destacarmos a diferenccedila entre texto e discurso

Textos satildeo todas as peccedilas linguiacutesticas sejam escritas ou faladas Jaacute discursos satildeo

enunciados de locutores que utilizam textos para tentar exercer influecircncia sobre

terceiros (ALVES 2006) O conceito de discurso organizacional engloba duas

maneiras diferentes de olhar para o discurso conversas e diaacutelogos ou narrativas e

histoacuterias Quando se trata de conversas significa a troca de mensagens entre duas ou

mais pessoas que ao realizarem uma interconexatildeo temporal ou significativa entre

textos moldam outras conversas eou accedilotildees futuras E diaacutelogo seria a possibilidade de

gerar novos significados atraveacutes de momentos de questionamento do contiacutenuo de uma

conversa Jaacute as narrativas percebem a construccedilatildeo social do sentido sendo estas visotildees

de mundo construiacutedas pelo locutor e seus interlocutores As histoacuterias satildeo por sua vez

a reinterpretaccedilatildeo de fatos atraveacutes do olhar de cada locutor interlocutor

A anaacutelise discurso eacute uma ferramenta interessante para analisar poliacuteticas

puacuteblicas uma vez que nos permite entender a poliacutetica atraveacutes das pessoas que

formulam eou implementam a poliacutetica Conhecendo as pessoas que fazem uma

poliacutetica puacuteblica acontecer e analisando suas conversas diaacutelogos e histoacuterias podemos

entender a significaccedilatildeo dada pelas pessoas dos processos que vivenciam Ou seja eacute

possiacutevel sair de um discurso formal para analisar quais satildeo as relaccedilotildees de poder no

28

acircmbito de uma poliacutetica puacuteblica e quais satildeo os sentidos dados para os temas

trabalhados que impedem ou proporcionam mudanccedilas materiais na evoluccedilatildeo de uma

poliacutetica puacuteblica

Algumas perspectivas epistemoloacutegicas satildeo possiacuteveis na anaacutelise de discurso

organizacional sendo as principais abordagens a positivista a construtivista e a poacutes-

modernista (PUTNAM et al 2004) e a criacutetico realista (FAIRCLOUGH 2010) Antes

de definir essas abordagens eacute importante diferenciarmos as perspectivas possiacuteveis

para a linguagem A ldquolinguagem em usordquo eacute aquela visatildeo que aborda o discurso como

tendo uma funccedilatildeo na criaccedilatildeo de uma ordem social no cotidiano da organizaccedilatildeo Seu

foco estaacute portanto na anaacutelise de discurso no momento presente da organizaccedilatildeo

(PUTNAM et al 2004 pg 9) Jaacute a abordagem da ldquolinguagem em contextordquo leva em

conta fatores histoacutericos e sociais que influenciam a produccedilatildeo disseminaccedilatildeo e

consumo de textos (PUTNAM et al 2004 pg 10) Ou seja leva em consideraccedilatildeo o

passado e os possiacuteveis efeitos futuros do discurso organizacional Dentro dessa

diferenciaccedilatildeo podemos esclarecer de onde derivam as diferentes abordagens

metodoloacutegicas A ldquolinguagem em usordquo eacute utilizada pelos positivistas e a ldquolinguagem

em contextordquo eacute a abordagem levada em consideraccedilatildeo pelos construtivistas (PUTNAM

et al 2004)

O pensamento positivista se preocupa em identificar padrotildees nas interaccedilotildees

discursivas Dessa maneira tratam o discurso como principal variaacutevel de anaacutelise e

natildeo acreditam que o discurso tenha caraacuteter poliacutetico Buscam entatildeo identificar uma

narrativa uacutenica ou um conjunto de significados compartilhados entre membros de

uma organizaccedilatildeo (PUTNAM et al 2004)

A abordagem construtivista por sua vez estuda como o discurso constitui e

reconstitui arranjos sociais dentro dos diferentes contextos das organizaccedilotildees Essa

perspectiva defende a natureza poliacutetica do discurso pela sua utilizaccedilatildeo para produzir

manter ou resistir a diferentes formas de poder Desse modo como afirma Gomes

(GOMES 2014b) o domiacutenio do discurso eacute em si um recurso de poder e faz parte da

luta pela hegemonia

Dentro do guarda-chuva da abordagem construtivista existe um ramo

chamado anaacutelise criacutetica do discurso cuja metodologia considera importante ambos os

29

tipos de linguagem sendo a ldquolinguagem em usordquo importante para identificar como

regras e estruturas em interaccedilotildees discursivas constituem identidades e levam agrave sua

institucionalizaccedilatildeo e a lsquolinguagem em contextorsquo importante para compreender os

diferentes significados para o mesmo texto dependendo do contexto em que o

discurso estaacute inserido A Anaacutelise Criacutetica do Discurso (ACD) enxerga as organizaccedilotildees

como sendo os locais onde ocorrem a luta entre os discursos pela dominaccedilatildeo sendo

que cada grupo luta para que seus interesses moldem exerccedilam eou resistam ao

controle social dentro da entidade Assim o foco dessa perspectiva eacute como o discurso

constitui e eacute constituiacutedo pelas praacuteticas sociais

Os poacutes-modernistas criticam a anaacutelise criacutetica do discurso uma vez que se

voltam novamente ao texto ou seja agrave lsquolinguagem em usorsquo e apontam para a

bipolaridade da anaacutelise criacutetica do discurso que exclui todos os discursos fora da

loacutegica de poder e resistecircncia Essa abordagem defende que os textos satildeo repletos de

metaacuteforas para organizar e representar uma gama de significados variados que

estariam marginalizados Para isso a desconstruccedilatildeo dos textos eacute a principal

ferramenta dessa perspectiva

Apesar da resistecircncia dos poacutes-modernistas agrave anaacutelise criacutetica do discurso

entendemos que essa metodologia eacute interessante para essa pesquisa uma vez que ela

nos permite entender os significados e a disputa de poder embutida nessas

significaccedilotildees Mas para aleacutem disso a anaacutelise criacutetica do discurso nos permite

compreender as consequecircncias materiais dessa disputa do poder (GOMES 2014b)

Aleacutem disso outro ponto interessante que diferencia a Anaacutelise Criacutetica do

Discurso eacute a incorporaccedilatildeo de trecircs niacuteveis de discurso micro meso e macro (OSWICK

PHILLIPS 2012) Assim o discurso estaacute dentro de uma situaccedilatildeo dentro de uma

instituiccedilatildeo e dentro da sociedade respectivamente (OSWICK PHILLIPS 2012) Em

outras palavras

Based on these three different levels undertaking CDA involves (i)

the examination of the language in use (the text dimension) (ii) the

identification of processes of textual production and consumption (the

discursive practice dimension) and (iii) the consideration of the institutional

30

factors surrounding the event and how they shape the discourse (the social

practice dimension) (OSWICK PHILLIPS 2012 p 457)

Nesse sentido a Anaacutelise Criacutetica do Discurso relaciona esses trecircs niacuteveis ao

mesmo tempo que incorpora uma visatildeo criacutetica do discurso homogecircneo Busca dessa

forma compreender seus fundamentos para interrogaacute-lo e gerar mudanccedila social

como veremos na proacutexima seccedilatildeo

A escolha da ACD se deve primeiramente porque acreditamos que a realidade

social natildeo pode ser vista com um olhar positivista tentando encontrar padrotildees nas

interaccedilotildees discursivas olhando tambeacutem somente para o discurso como variaacutevel

relevante na produccedilatildeo de significados Nesse trabalho queremos analisar a produccedilatildeo

de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia nos contextos agraacuterio e

urbano natildeo buscando encontrar padrotildees em cada contexto mas para entender

qualitativamente como o contexto e o discurso se relacionam entre si para produzir

significados que influenciam nessa produccedilatildeo de poliacuteticas Portanto optamos por esse

olhar que inclui o contexto como fator essencial em conjunto com as interaccedilotildees

discursivas

A anaacutelise criacutetica do discurso eacute uma perspectiva que considera as relaccedilotildees

dialeacuteticas de poder na criaccedilatildeo e significaccedilatildeo de discursos (GOMES 2014b) e que

pretende enxergar o mundo a partir de um olhar criacutetico do que ele deveriapoderia ser

olhando para os discursos e para as suas manifestaccedilotildees na praacutetica e em elementos

extra-discursivos como forma de refletir sobre uma estrutura social que natildeo

conseguimos materializar Ou seja ela eacute uma opccedilatildeo ontoloacutegica porque queremos

olhar para essa estrutura social criticamente no sentido de entendermos o que eacute e

tambeacutem projetar como poderia ser a partir do entendimento do porquecirc as poliacuteticas

puacuteblicas satildeo desenhadas e implementadas da maneira como satildeo nesses contextos

agraacuterio e urbano Isto eacute natildeo queremos ser relativistas e afirmar que entendendo a

relaccedilatildeo entre interaccedilotildees discursivas e os contextos diferentes as realidades satildeo

justificaacuteveis por si soacute pois olhamos normativamente para as poliacuteticas puacuteblicas em

especial aquelas para mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia nessa pesquisa Isto eacute a

anaacutelise criacutetica do discurso pode ajudar a entender como o capitalismo neoliberal

31

impede em algumas medidas a emancipaccedilatildeo humana para entatildeo tentar informar

estrateacutegias de como mitigar ou acabar com essas limitaccedilotildees (FAIRCLOUGH 2010)

No contexto de poliacuteticas puacuteblicas sobre violecircncia contra a mulher seria o caso de

entender quais satildeo as manifestaccedilotildees da estrutura social machista para tentar informar

decisotildees de poliacuteticas puacuteblicas que possam efetivamente gerar mudanccedilas nessa

estrutura social

Assim a anaacutelise criacutetica do discurso eacute uma abordagem relacional ou seja seu

objeto natildeo eacute o discurso em si mas as relaccedilotildees sociais e as disputas de poder entre

essas relaccedilotildees em que o discurso eacute parte integrante pela produccedilatildeo reproduccedilatildeo e

transformaccedilatildeo de significados (FAIRCLOUGH 2010) Aleacutem disso sua perspectiva eacute

dialeacutetica no sentido que estuda as relaccedilotildees entre objetos que natildeo satildeo inteiramente

separaacuteveis ou seja suas naturezas satildeo parcialmente definidas pela relaccedilatildeo com o

outro Nesse sentido natildeo exclui a importacircncia dos elementos extra-discursivos

ressaltando seu caraacuteter transdisciplinar (FAIRCLOUGH 2010) O termo criacutetica

remete a uma abordagem normativa que aponta para a realidade como algo passiacutevel

de mudanccedila e nesse sentido busca estudar tanto o que existe quanto o que poderia

existir idealmente (FAIRCLOUGH 2010)

Deste modo para a anaacutelise criacutetica do discurso trecircs esferas satildeo importantes o

texto o discurso e o contexto social (PHILIPPS SEWELL JAYNES 2008) Essas

esferas interagem entre si conforme o esquema abaixo

Tabela 1 Diaacutelogo entre Diferentes Esferas na ACD

32

O sujeito locutor se encontra numa posiccedilatildeo social ou seja num lugar no

espaccedilo social em que ele possui um certo grau de agecircncia (PHILIPPS SEWELL

JAYNES 2008) A partir dessa posiccedilatildeo social o locutor fala ou escreve um texto que

se transforma em discurso no momento em que o locutor tenta mudar ou manter a

ordem social atraveacutes desse texto Esse discurso por sua vez produz conceitos que se

expressam na cultura refletindo sobre a maneira como ele e seus interlocutores

enxergam o mundo e se relacionam entre si Por fim esse discurso se transforma em

objeto quando se torna parte de uma ordem praacutetica (PHILIPPS SEWELLJAYNES

2008) sendo usado para fazer sentido das relaccedilotildees sociais e condiccedilotildees materiais do

contexto social voltando ao iniacutecio do ciclo

33A emancipaccedilatildeo como chave entre as esferas

A Anaacutelise Criacutetica do Discurso foi escolhida nesse trabalho pelo potencial de

emancipaccedilatildeo (FAIRCLOUGH 2010) que essa perspectiva epistemoloacutegica nos

permite uma vez que pretende analisar a estrutura social atraveacutes de suas

manifestaccedilotildees discursivas e extra-discursivas afim de informar maneiras de mudar a

estrutura social machista Para melhor entender como as esferas se relacionam no

ciclo do realismo criacutetico com a emancipaccedilatildeo dos cidadatildeos podemos fazer uso da

Texto

Discurso

Cultura

Objeto

Posiccedilatildeo Social

(Contexto)

Elaboraccedilatildeo proacutepria a partir de dados de PHILIPPS SEWELL JAYNES 2008

33

noccedilatildeo de emancipaccedilatildeo de Zygmunt Bauman (BAUMAN 2001) Segundo o autor haacute

uma diferenccedila importante a ser ressaltada entre a liberdade de jure e a liberdade de

facto que ocorrem na modernidade

Bauman (2001) explica que na modernidade os indiviacuteduos natildeo tecircm sua

identidade ligada a instituiccedilotildees sociais ou princiacutepios universais No lugar disso hoje

haacute uma autoconstruccedilatildeo fluiacuteda das identidades isso significa que haacute uma valorizaccedilatildeo

das diferenccedilas e que a identidade eacute continuamente definida e redefinida pelos proacuteprios

indiviacuteduos

Nesse sentido parece que chegamos ao auge da liberdade humana

(BAUMAN 2001) poreacutem na verdade essa liberdade eacute tecircnue Isso porque houve um

esvaziamento das funccedilotildees do Estado em relaccedilatildeo agraves escolhas dos indiviacuteduos ou seja

cada um escolhe sua identidade e seu modo de vida e deve se responsabilizar por

essas escolhas (BAUMAN 2001) A consequecircncia disso eacute uma esfera puacuteblica

constituiacuteda por aglomeraccedilotildees de anseios individualizados mas que natildeo conseguem

afetar a agenda puacuteblica porque natildeo ultrapassam a barreira de demandas individuais

para uma demanda maior e comum (BAUMAN 2001)

Entatildeo as pessoas satildeo chamadas cada vez menos a buscar respostas para suas

demandas na sociedade e no Estado mas em si mesmas (BAUMAN 2001) e seu

fracasso ou sucesso tambeacutem eacute de sua inteira responsabilidade Entatildeo surge a

diferenciaccedilatildeo de Bauman quanto aos tipos diferentes de liberdade amenizando o auge

da liberdade que supostamente vivemos

Os indiviacuteduos tecircm liberdade de escolha e satildeo responsabilizados pelas mesmas

poreacutem natildeo encontram recursos praacuteticos para realizar suas escolhas (BAUMAN

2001) Daiacute a contraposiccedilatildeo entre liberdade de jure e liberdade de facto A primeira

corresponde agrave liberdade formal muitas vezes colocada em lei que os indiviacuteduos

teriam agrave sua disposiccedilatildeo Mas a liberdade de facto ou seja a realizaccedilatildeo dos seus

anseios e decisotildees natildeo ocorre muitas vezes porque faltam condiccedilotildees materiais para

que isso aconteccedila Nessa contradiccedilatildeo que a condiccedilatildeo de emancipaccedilatildeo dos indiviacuteduos

natildeo eacute atingida porque natildeo conseguem efetivar a autodeterminaccedilatildeo de seus destinos

Essa questatildeo da emancipaccedilatildeo se torna relevante quando discutimos o realismo

criacutetico porque no tema estudado existe essa contradiccedilatildeo entre o que eacute de jure que faz

34

parte da esfera atual e o de facto que estaacute na esfera empiacuterica das condiccedilotildees extra-

discursivas dos indiviacuteduos de saiacuterem de um problema no caso a violecircncia de gecircnero

34 A pesquisa de campo e a coleta de dados

Para darmos continuidade agrave pesquisa fizemos algumas visitas de campo A

coleta de dados qualitativos foi com base em um roteiro semiestruturado que se

encontra disponiacutevel nos anexos Antes de cada entrevista foi acordado com cada

entrevistado a o termo de consentimento para uso das mesmas tambeacutem em anexo As

conversas foram gravadas a partir do consentimento dos entrevistados e transcritas agrave

posteriori Depois selecionamos os trechos mais relevantes para a pesquisa e

organizamos segundo os temas mais recorrentes Em seguida organizamos esses

temas recorrentes de acordo com a estratificaccedilatildeo ontoloacutegica do realismo criacutetico

Dessa forma primeira etapa da coleta de dados foi realizada em Janeiro de

2015 em Goiaacutes Ateacute 2014 existia uma Secretaria de Poliacuteticas para as Mulheres e

Promoccedilatildeo da Igualdade Racial (SEMIRA) Nessa secretaria havia e haacute ainda na nova

superintendecircncia haacute uma accedilatildeo da Secretaria Federal de Poliacuteticas para as Mulheres de

unidades moacuteveis para mulheres do campo e da floresta No caso de Goiaacutes consiste

em disponibilizar ocircnibus que iam de Goiacircnia para as cidades do interior com equipes

multidisciplinares para fazer palestras sobre violecircncia de gecircnero informar a

populaccedilatildeo e dar assistecircncia (meacutedica psicoloacutegica juriacutedica) agraves mulheres que

procurassem a equipe Nas eleiccedilotildees de 2014 Marconi foi reeleito governador de

Goiaacutes no entanto mudou a estrutura das suas secretarias dissolvendo a SEMIRA e

colocando a pasta das mulheres numa secretaria muito mais ampla a Secretaria da

Mulher do Desenvolvimento Social da Igualdade Racial dos Direitos Humanos e do

Trabalho

A pesquisa de campo em Goiaacutes aconteceu em trecircs cidades Caldas Novas

Goiacircnia e Professor Jamil Os oacutergatildeos e entidades entrevistados em ordem

cronoloacutegica foram CREAS Secretaria Estadual da Mulher Desenvolvimento Social

Igualdade Racial Direitos Humanos e Trabalho Equipe de Unidades Moacuteveis

35

DEAM Centro Popular da Mulher Observatoacuterio de Seguranccedila Puacuteblica e Secretaria

Municipal da Mulher de Professor Jamil

Comeccedilamos a parte de campo da pesquisa em Caldas Novas cidade a 167

quilocircmetros de Goiacircnia com 70473 habitantes sendo da 2759 zona rural e 67714

da zona urbana (IBGE 2015) Caldas Novas natildeo possui um oacutergatildeo especiacutefico da

prefeitura para lidar com a violecircncia de gecircnero O uacutenico oacutergatildeo responsaacutevel por

receber as viacutetimas desse tipo de violecircncia eacute o CREAS que atende mulheres idosos

crianccedilas e adolescentes em situaccedilatildeo de vulnerabilidade

A seguir realizamos entrevistas na Secretaria da Mulher do Desenvolvimento

Social da Igualdade Racial dos Direitos Humanos e do Trabalho em uma Delegacia

Especializada em Atendimento agrave Mulher e no Observatoacuterio de Seguranccedila Puacuteblica da

Secretaria de Seguranccedila Puacuteblica de Goiaacutes Goiacircnia eacute a capital de Goiaacutes com

aproximadamente 1302001 habitantes em 2010 (IBGEb 2015) Desse nuacutemero

1297155 estavam em aacuterea urbana e 4846 na zona rural (IBGEb 2015)

Finalmente a uacuteltima entrevista de campo em Goiaacutes foi em Professor Jamil Eacute

uma cidade a 70 quilocircmetros de Goiacircnia com 3239 habitantes sendo 978 da zona

rural e 2261 da zona urbana (IBGEc 2015) A cidade foi indicada pela equipe de

unidades moacuteveis da Secretaria da Mulher do Desenvolvimento Social da Igualdade

Racial dos Direitos Humanos e do Trabalho pela lideranccedila forte na cidade

Aleacutem da pesquisa de campo em Goiaacutes a segunda parte do campo consistiu em

conhecer tambeacutem a situaccedilatildeo de Satildeo Paulo Primeiramente buscamos informaccedilotildees

sobre as poliacuteticas puacuteblicas existentes para combater a violecircncia de gecircnero na esfera do

governo estadual de Satildeo Paulo Foi muito dificultosa essa busca uma vez que natildeo haacute

secretaria especiacutefica e mesmo em sites de busca encontramos escassas referecircncias

como o Hospital Peacuterola Byington como accedilatildeo puacuteblica destinada a esse puacuteblico

especiacutefico Depois de muitas pesquisas encontramos no site da Secretaria de Justiccedila e

Defesa da Cidadania uma Coordenaccedilatildeo de Poliacuteticas para a Mulher (SAtildeO PAULO

2015) Achamos simboacutelico essa coordenaccedilatildeo aleacutem de ser pouco visiacutevel estar listada

em uacuteltimo lugar na lista de coordenaccedilotildees da secretaria e contar apenas com duas

pessoas em sua equipe

36

Infelizmente natildeo foi possiacutevel realizarmos entrevista com ningueacutem da equipe

do Peacuterola Byington pois devido a uma reforma do local a equipe natildeo aceitou nos

receber para uma entrevista Apesar disso tentamos em trecircs tentativas explicar que o

nosso foco era uma conversa com algueacutem da equipe e natildeo necessariamente conhecer

a estrutura fiacutesica Mesmo assim ningueacutem se disponibilizou a conceder uma entrevista

para a pesquisa

No mais conseguimos trecircs entrevistas em Satildeo Paulo com a coordenadora de

uma subsecretaria de poliacuteticas para as mulheres com uma delegada de uma Delegacia

Da Mulher (DDM) da Grande Satildeo Paulo e com uma representante do Nuacutecleo

Especializado de Promoccedilatildeo dos Direitos da Mulher (NUDEM) Como surgiu em Satildeo

Paulo a necessidade de manter anonimato de alguns entrevistados optamos por

manter a uniformidade da pesquisa e natildeo identificar nenhum dos entrevistados Tendo

em vista que foram bastante entrevistados decidimos adotar nomes fictiacutecios para os

mesmos a fim de situar melhor o leitor em relaccedilatildeo agraves citaccedilotildees presentes na anaacutelise

dos discursos

Tambeacutem com o intuito de facilitar a leitura codificamos com cores a partir

das caracteriacutesticas da organizaccedilatildeo em que o entrevistado trabalha Sendo assim a cor

azul se refere a profissionais de assistecircncia social mais geral isto eacute sem foco para o

Tabela 2 Quadro de Entrevistados

Fonte Autoria proacutepria

37

atendimento a mulheres Por sua vez a cor roxa eacute para sinalizar os entrevistados que

trabalham no primeiro ou terceiro setor em organizaccedilotildees voltadas especificamente

para mulheres em um sentido amplo O laranja eacute para organizaccedilotildees policiais e por

fim o verde representa as instacircncias do poder judiciaacuterio especiacuteficas para mulheres

38

4 A Anaacutelise

41 As poliacuteticas puacuteblicas de violecircncia de gecircnero no Brasil

Por traacutes desses nuacutemeros preocupantes haacute uma construccedilatildeo de sentidos sobre o

eacute violecircncia contra a mulher suas causas consequecircncias e qual o desenho adequado

das poliacuteticas puacuteblicas O tema definitivamente entrou na agenda puacuteblica brasileira

somente no final dos anos setenta com o aumento do nuacutemero de assassinatos de

mulheres de classe meacutedia e a visibilidade dada agrave questatildeo pela miacutedia e autoridades

(BANDEIRA 2014) o que natildeo implica que os sentidos da violecircncia contra mulher

natildeo estejam em constante negociaccedilatildeo Nessa mesma eacutepoca a violecircncia contra a

mulher se transformou na principal bandeira do movimento feminista brasileiro

(BANDEIRA 2014) Bandeira (2014) relata que a partir disso e com a abertura

democraacutetica a sociedade civil se aliou agrave academia para pressionar politicamente em

prol de uma resposta do Estado a esse problema Podemos perceber que a violecircncia

de gecircnero nesse periacuteodo era entendida como violecircncia sexual sobretudo cometida por

maridos e ex-companheiros

A primeira mudanccedila foi a transformaccedilatildeo dos ldquocrimes de violecircncia sexual

como crimes contra a pessoa natildeo mais contra os costumesrdquo (BANDEIRA 2014 pg

452) Logo em seguida 1985 foram criadas delegacias proacuteprias para esse problema

as Delegacias Especiais de Atendimento agraves Mulheres com a visatildeo de era necessaacuterio

endereccedilar o problema das mortes das mulheres com um olhar feminino com maior

prioridade do que a violecircncia mais ampla sofrida no dia-a-dia pelas mulheres Essa

medida deu visibilidade agrave violecircncia sobretudo pelo criaccedilatildeo de um canal que

possibilitou o aumento de denuacutencias por parte das viacutetimas

Nos anos noventa comeccedilaram as accedilotildees de Casas de Abrigo para receber

mulher em risco de vida hoje contando com 80 espalhadas pelo paiacutes (BANDEIRA

2014) Apesar de o novo contexto poliacutetico de redemocratizaccedilatildeo nesse periacuteodo ter

aberto ldquonovos canais institucionais e estruturas de alianccedilas ineacuteditos para o movimento

feminista brasileirordquo (MACIEL 2011 p97) houve um retrocesso em termos de

poliacuteticas puacuteblicas para combater agrave violecircncia de gecircnero A mesma foi enquadrada na

39

Lei nordm 909995 que discorre sobre o julgamento de crimes de ldquomenor potencial

ofensivordquo (BANDEIRA 2014) e portanto busca a conciliaccedilatildeo das partes e prevecirc

uma pena de no maacuteximo dois anos de reclusatildeo (BANDEIRA 2014) Nesse mesmo

ano foram criados os Juizados Especiais Criminais que ldquose tornaram rapidamente o

escoadouro de denuacutencias de agressotildees contra a mulher nos acircmbitos domeacutestico e

familiarrdquo (MACIEL 2011 p103) mas operando em uma loacutegica de impunidade dos

agressores e desatenccedilatildeo agraves viacutetimas Bandeira (2014) ressalta a opiniatildeo generalizada

dos operadores juriacutedicos de que era desnecessaacuterio criar uma lei especiacutefica para tratar

da violecircncia de gecircnero (BANDEIRA 2014)

Esse cenaacuterio mudou principalmente pela pressatildeo internacional uma vez que o

Brasil assinou compromissos com tratados e convenccedilotildees internacionais de Direitos

Humanos que tratavam da violecircncia de gecircnero de maneira ampla (BANDEIRA

2014) Isto eacute o Brasil foi movido a ressignificar a violecircncia de gecircnero incluindo

tambeacutem a violecircncia psicoloacutegica e moral como parte desse quadro caracterizando a

violecircncia de gecircnero como violaccedilatildeo dos direitos humanos (MACIEL 2011) e servindo

de base para a criaccedilatildeo da Lei Maria da Penha (BANDEIRA 2014) Segundo

Bandeira (2014) essa lei significou uma ldquonova forma de administraccedilatildeo legal dos

conflitos interpessoais embora ainda natildeo seja de pleno acolhimento pelos operadores

juriacutedicosrdquo (BANDEIRA 2014)

Essa lei trouxe pela primeira vez o reconhecimento da mulher como parte

lesada nos casos de violecircncia de gecircnero e a obrigaccedilatildeo de o Estado responder a esse

crime natildeo atraveacutes de mediaccedilatildeo de conflitos no acircmbito privado mas de garantias de

direitos no acircmbito puacuteblico agraves viacutetimas O projeto inicial foi feito pela CFMEA e

entregue agrave Secretaria Especial de Poliacuteticas para Mulheres em 2004 que depois o

encaminhou para o Legislativo (MACIEL 2011) Esse primeiro projeto natildeo tratava

da retirada de competecircncia dos Juizados Especiais Criminais para tratar de violecircncia

de gecircnero e natildeo estabelecia a criaccedilatildeo de outra instacircncia juriacutedica especiacutefica para tratar

da mesma (MACIEL 2011) Nesse meio tempo em 2003 o Executivo Federal

sancionou por meio da Lei n107782003 a obrigatoriedade de notificaccedilatildeo por toda a

rede de sauacutede puacuteblica e privada de todos os casos de violecircncia contra a mulher

(BANDEIRA 2014) No ano seguinte em 2004 lanccedilado o primeiro Plano Nacional

40

de Poliacuteticas Puacuteblicas para as Mulheres (MACIEL 2011) Ainda antes da aprovaccedilatildeo

da Lei Maria da Penha em 2005 foi implementado o Ligue 180 pela SPM que

encaminhava as denuacutencias para a Secretaria de Seguranccedila Puacuteblica ou para o

Ministeacuterio Puacuteblico (BANDEIRA 2014) Somente em 2006 foi aprovada LMP no

contexto relatado por Maciel

O calendaacuterio das eleiccedilotildees presidenciais e legislativas foi decisiva para

ampliar a capacidade de pressatildeo poliacutetica o movimento conseguiu a

aprovaccedilatildeo nas duas casas legislativas do substituto o Projeto de Lei n

372006 que afastava formalmente a competecircncia dos Juizados para o

tratamento dos processos oriundos de violecircncia domeacutestica (MACIEL 2011

p103)

A Lei Maria da Penha trata violecircncia de gecircnero como problema puacuteblico a

garantia dos direitos fundamentais e ldquotodas as oportunidades e facilidades para viver

sem violecircncia preservar a sauacutede fiacutesica e mental e o aperfeiccediloamento moral

intelectual e social assim como as condiccedilotildees para o exerciacutecio efetivo dos direitos agrave

vida agrave seguranccedila e agrave sauacutederdquo (MENEGHEL 2013 p692)

A Lei Maria da Penha foi um marco no histoacuterico do tratamento do Estado agrave

violecircncia de gecircnero pois foi pioneira na tipificaccedilatildeo da violecircncia Como coloca

Meneghel

A Lei Maria da Penha tipificou a violecircncia denominando-a violecircncia

domestica e a definiu como qualquer accedilatildeo ou omissatildeo baseada no gecircnero que

cause morte lesatildeo sofrimento fiacutesico sexual psicoloacutegico e dano moral ou

patrimonial agraves mulheres ocorrida em qualquer relaccedilatildeo iacutentima de afeto na

qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida

independentemente de coabitaccedilatildeo (MENEGHEL 2013 p693)

Depois de aprovada a lei no entanto o movimento feminista brasileiro se

deparou com uma nova agenda a de garantir a efetividade da implementaccedilatildeo da Lei

41

Maria da Penha Nesse sentido foi criado em 2007 pela alianccedila entre organizaccedilotildees

de mulheres e nuacutecleos universitaacuterios o Observatoacuterio Nacional de Implementaccedilatildeo e

Aplicaccedilatildeo da Lei Maria da Penha ldquopara produzir analisar e divulgar informaccedilotildees

sobre a aplicaccedilatildeo da Lei pelas delegacias Ministeacuterio Puacuteblico Defensoria Puacuteblica

poderes Judiciaacuterio e Executivo e redes de atendimento agrave mulherrdquo (MACIEL 2011

p104) No mesmo ano o Programa Nacional ade Seguranccedila Puacuteblica com Cidadania

do governo federal colocou como objetivo a criaccedilatildeo de Juizados de Violecircncia

Domeacutestica e Familiar (MACIEL 2011) Esse plano incluiacutea tambeacutem a necessidade de

capacitaccedilatildeo especiacutefica de agentes puacuteblicos para lidar com essas viacutetimas (MACIEL

2011) Jaacute em 2008 a ldquoCampanha 16 Dias de Ativismo pelo Fim da Violecircncia contra

as Mulheresrdquo foi realizada em parceria com a SPM e teve ampla adesatildeo da esfera

puacuteblica estatal e natildeo estatal nacional e internacional (MACIEL 2011)

Ou seja a accedilatildeo coletiva do movimento feminista brasileiro pressionou

primeiramente o poder Legislativo para incluir na agenda de poliacuteticas puacuteblicas o

problema da violecircncia de gecircnero Depois da vitoacuteria da aprovaccedilatildeo da Lei Maria da

Penha comeccedilou a pressionar os poderes Executivo e Judiciaacuterio para garantir que a

mesma fosse efetiva

42 Contextualizaccedilatildeo da Anaacutelise

O objetivo desse trabalho eacute compreender os diferentes sentidos dados agrave violecircncia

de gecircnero nos contextos urbano e agriacutecola Para entendermos melhor esse objetivo e

como iremos trabalhar para atingi-lo eacute necessaacuterio explicitar como ele estaacute

relacionado aos diferentes domiacutenios do Realismo Criacutetico (vide seccedilatildeo da metodologia

em que delimitamos esses domiacutenios e mostramos como se relacionam entre si) O

nosso foco nas evidecircncias de cada domiacutenio especificamente no tema de violecircncia de

gecircnero vai nos ajudar a analisar em seguida os dados coletados na pesquisa jaacute que

essas evidecircncias satildeo a ponte para a compreensatildeo dos domiacutenios abstratos

42

Domiacutenio Evidecircncias

Real Machismo

Atual Discursos sobre desigualdade de gecircnero e

violecircncia de gecircnero

Empiacuterico Poliacuteticas e accedilotildees puacuteblicas

Elementos extra-discursivos

Entatildeo precisamos entender quais os sentidos atribuiacutedos pelos entrevistados agrave

violecircncia de gecircnero Isso eacute relevante porque os sentidos atribuiacutedos delimitam a

compreensatildeo do problema no caso a violecircncia de gecircnero A maneira como o

problema eacute compreendido afeta quais os tipos de poliacuteticas puacuteblicas construiacutedas ou a

ausecircncia delas Essas poliacuteticas puacuteblicas por sua vez podem alterar a estrutura social

ou reforccedilar a mesma voltando para o domiacutenio do real Aleacutem disso essas poliacuteticas

puacuteblicas satildeo afetadas pelos elementos extra-discursivos como orccedilamento estrutura

fiacutesica e recursos humanos que por sua vez podem ser tanto causados por ou

causadores da estrutura social machista Ou seja podemos pensar que os locus de

formulaccedilatildeo eou implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo de

violecircncia satildeo esvaziadas de recursos como consequecircncia da falta de importacircncia dada

ao problema devido agrave estrutura social machista que permanece mas ao mesmo tempo

como instrumento de manutenccedilatildeo dessa mesma estrutura

Tambeacutem eacute interessante retomarmos as caracteriacutesticas da Anaacutelise Criacutetica do

Discurso para relacionaacute-las agraves entrevistas realizadas Primeiramente realismo criacutetico

eacute relacional (FAIRCLOUGH 2010) o que no caso significa que a estrutura social do

machismo os discursos sobre desigualdade de gecircnero e violecircncia de gecircnero e os

elementos extra-discursivos natildeo podem ser analisados separadamente Isto se deve ao

fato de que cada elemento interage com os demais sendo afetado e afetando-os

mutuamente Entatildeo natildeo podemos falar em machismo sem justificar sua existecircncia

Tabela 3 Os Domiacutenios do Realismo Criacutetico e suas Evidecircncias

Fonte Autoria proacutepria

43

enquanto estrutura social via suas manifestaccedilotildees tanto discursivas quanto extra-

discursivas Mas tambeacutem natildeo podemos pensar nessas manifestaccedilotildees sem entender a

relaccedilatildeo delas com a estrutura social que pode ser geradora eou influenciada pelos

discursos e elementos extra-discursivos

Aleacutem disso a anaacutelise criacutetica do discurso eacute dialeacutetica (FAIRCLOUGH 2010) Isso

significa que o machismo e a violecircncia de gecircnero natildeo podem ser analisados como

uma relaccedilatildeo causal uacutenica por exemplo a estrutura social machismo gera a violecircncia

de gecircnero No caso a estrutura social machista tem como uma das suas

consequecircncias manifestaccedilotildees como a violecircncia de gecircnero mas esta violecircncia atua

reproduzindo a estrutura social machista ou entatildeo transformando a mesma

Para entender melhor as entrevistas realizadas agrave luz da ontologia do realismo

criacutetico dividimos a anaacutelise da pesquisa em duas partes principais as manifestaccedilotildees

discursivas da estrutura social e suas manifestaccedilotildees extra-discursivas Na primeira

seccedilatildeo iremos partir do plano geral das manifestaccedilotildees do machismo e em seguida focar

na manifestaccedilatildeo especiacutefica de violecircncia de gecircnero E na segunda parte iremos

descrever e analisar questotildees de recursos humanos fiacutesicos e orccedilamentaacuterios

43 Manifestaccedilotildees discursivas da estrutura social

Durante a pesquisa encontramos evidecircncias de diferentes sentidos dados

pelos atores sobre desigualdade de gecircnero Mesmo com suas diferenccedilas a principal

referecircncia dos entrevistados eacute a cultura de que o mundo em geral eacute machista e o

Brasil o eacute com mais intensidade

Percebemos que a desigualdade entre os gecircneros envolve discursos que

acabam encontrando entraves durante as falas dos entrevistados Por exemplo

segundo Faacutebio a mulher eacute vista pela sociedade como sexo fraacutegil apesar ser na praacutetica

mais forte porque ldquose um homem pega uma gripe ele cai na cama e natildeo levanta pra

nada a mulher taacute de gripe ela taacute limpando casa taacute lavando vasilha taacute fazendo

almoccedilordquo Ele comeccedila o seu discurso preocupado com a visatildeo da sociedade de que a

mulher eacute um sexo fraacutegil e inferior ao homem demonstrando um discurso contraacuterio agrave

estrutura social machista No entanto ele muda seu discurso no meio da frase

44

justificando sua posiccedilatildeo contraacuteria a essa estrutura com exemplos de atividades

colocadas pela estrutura social machista como atividades de mulher limpar lavar

cozinhar

Luiz reforccedilou sua crenccedila no que seria a igualdade de gecircnero a ser perseguida

diante do discurso de Faacutebio

Natildeo significa vocecirc ser submisso vocecirc saber como deve ser conduzida

uma relaccedilatildeo um casamento Eacute questatildeo de respeito mesmo O significado forte

da famiacutelia o que significa famiacutelia Ou qual eacute a figura do pai qual eacute a figura

da matildee O que eacute a figura do homem dentro da sociedade o que eacute a figura da

mulher dentro da sociedade Entatildeo trabalhar essa questatildeo da igualdade eacute

muito difiacutecil porque a gente natildeo pode confundir com certas libertinagens E

tem mulheres hoje mal instruiacutedas que natildeo tecircm uma instruccedilatildeo pra que isso

aconteccedila

Nesse discurso Luiz reforccedila as figuras do homem e da mulher da estrutura

social machista pois atribui um sentido normativo agrave ideia de relaccedilatildeo casamento e

famiacutelia isto eacute coloca como sendo relaccedilotildees positivas onde existem claramente os

papeis da mulher e do homem e consequentemente coloca como relaccedilotildees negativas

relaccedilotildees que natildeo seguem esse padratildeo estabelecido socialmente Seu discurso

evidecircncia o machismo da esfera real podemos dizer que aqui se manifesta

inconscientemente quando afirma que a igualdade entre os gecircneros eacute ameaccedilada por

ldquolibertinagensrdquo que segundo ele decorrem de uma falha da mulher por falta de

ldquoinstruccedilatildeordquo de cumprir seu papel enquanto ldquofigura de mulherrdquo dentro de uma

relaccedilatildeo Nesse sentido tambeacutem haacute evidecircncias de que o sentido construiacutedo por ele de

um relacionamento eacute heteronormativo em que necessariamente deve haver a ldquofigura

do homemrdquo e a ldquofigura da mulherrdquo o que faz parte tambeacutem da estrutura social

machista

Esse reforccedilo dos papeis sociais desiguais seria explicado segundo Roberta

pela educaccedilatildeo sexista que ainda existe no Brasil em que homens e mulheres satildeo

educados diferentemente pelas famiacutelias e pelas escolas Ela explica que ldquogeralmente

45

os brinquedos que aguccedilam a criatividade da crianccedila satildeo masculinos a menina ainda

brinca com boneca com panelinha enfim com as lides domeacutesticasrdquo

Aleacutem disso outro fator apontado como importante para a desigualdade entre

os gecircneros eacute o arcabouccedilo juriacutedico que historicamente privilegiou os homens porque

segundo a Talita ldquonoacutes temos um paiacutes muito marcado pelo machismo nossa lei que

trata especificamente sobre o assunto eacute ainda muito jovem noacutes nos deparamos com

muitas injusticcedilas antes da existecircncia da Lei Maria da Penha ateacute algumas deacutecadas

atraacutes a mulher sequer votavardquo

Em contraposiccedilatildeo Ana Paula contou uma anedota para justificar que as

causas da desigualdade de gecircnero vatildeo aleacutem de leis

Aiacute eu chamei uma amiga a faxineira uma pessoa muito humilde

terceirizada () e aiacute eu perguntei lsquofulana vocecirc tem relaccedilatildeo com o seu

marido quandorsquo Aiacute ela ficou sem graccedila ela disse aiacute doutora E eu lsquoDiz pra

eles quandorsquo lsquoQuando ele querrsquo E aiacute eu acho que haacute um tempo longo entre a

cultura e a lei

A cultura nessa fala pode ser vista como parte da esfera atual em que os seres

humanos ativam as estruturas do domiacutenio real construindo sentidos a partir delas

Nesse caso o domiacutenio do real eacute a estrutura social machista que eacute ativada por meio da

cultura nesse caso citado por Ana Paula com evidecircncias de elementos de

sexualidade que influenciam e satildeo influenciados pela estrutura social desigual entre

homens e mulheres Jaacute a lei agrave qual Ana Paula se refere a Lei Maria da Penha faz

parte do domiacutenio do empiacuterico ou seja uma legislaccedilatildeo fruto de eventos e accedilotildees da

sociedade Quando a entrevistada diz que ldquohaacute um tempo longo entre a cultura e a

leirdquo ela mostra evidecircncias de que o domiacutenio do empiacuterico pode trazer inovaccedilotildees

como a Lei Maria da Penha Poreacutem isso natildeo significa que a lei necessariamente

revolucione a estrutura social como a cultura que nesse caso que continua

reproduzindo um comportamento sexual machista em que o homem determina

quando quer ter relaccedilotildees sexuais e a mulher natildeo tem voz

Na pesquisa surgiram dois sentidos dados agrave maneira como o machismo se

46

manifesta na sociedade relativos ao grau de instruccedilatildeo e agrave estrutura econocircmica O

primeiro foi reforccedilada pelos funcionaacuterios do CREAS visitado por Talita e por Rafael

Segundo os entrevistados quanto mais educaccedilatildeo e mais informaccedilatildeo chegam ateacute as

pessoas menos machistas elas satildeo Rafael afirmou que a falta de instruccedilatildeo das

mulheres da aacuterea rural decorrente de uma menor escolaridade e maior isolamento

seriam geradoras de uma subnotificaccedilatildeo de casos de violecircncia (vide seccedilatildeo 2) na zona

agraacuteria Ele conta que essa subnotificaccedilatildeo ldquoeacute incentivada primeiro no meu ponto de

vista pela questatildeo cultural da proacutepria mulher natildeo procurar que ela eacute mais

desprovida de informaccedilatildeo e tudo maisrdquo Consequentemente a diferenccedila nas

manifestaccedilotildees do machismo nas aacutereas rural e urbana seria a intensidade porque

segundo estes entrevistados a aacuterea rural teria um vatildeo de instruccedilatildeo e informaccedilatildeo

recebida em relaccedilatildeo agrave aacuterea urbana

Aqui temos dois elementos da esfera real dialogando entre si O grau de instruccedilatildeo

estaacute relacionado agrave estrutura social diferente entre aacutereas agraacuterias e urbanas E a

estrutura social machista tambeacutem se localiza no plano real como mencionamos

anteriormente Assim uma desigualdade estrutural de instruccedilatildeo agravaria uma outra

desigualdade de gecircnero no caso justificando elementos discursivos (atual) e extra-

discursivos (empiacuterico) que reforccedilam uma dupla desigualdade evidenciando uma

minoria dentro das minoria das mulheres as mulheres da zona agraacuteria

Por outro lado Laura e Roberta afirmaram a importacircncia das estruturas

econocircmicas na manifestaccedilatildeo do machismo Roberta colocou a questatildeo da composiccedilatildeo

da renda familiar porque ldquona aacuterea rural o homem continua sendo chefe de famiacutelia

mesmo que a legislaccedilatildeo tenha mudadordquo Aleacutem disso ela afirma que a estrutura do

trabalho do campo que eacute direcionada pelo homem aumenta seu poder na relaccedilatildeo

com a mulher Segundo Laura esse poder seria explicitado na maneira mais aberta de

o machismo se manifestar na aacuterea rural Segundo ela ldquoo cara diz lsquoeu natildeo querorsquo

lsquovocecirc natildeo vairsquo lsquoassim natildeo podersquo lsquoporque eu sou homemrsquo lsquoeu que faccedilo issorsquo lsquoessa eacute

a sua tarefarsquo isso (o machismo) eacute claro no mundo rural existe uma abertura maior

para se dizerrdquo

Outras evidecircncias da manifestaccedilatildeo do machismo na divisatildeo das tarefas

domeacutesticas e na proacutepria convivecircncia com a famiacutelia esteve presente no discurso da

47

Ana Paula Segundo ela a mulher tem na nossa sociedade a responsabilidade com a

casa e com a famiacutelia enquanto o homem fica mais livre dessas obrigaccedilotildees Um

exemplo que ela apresenta eacute ldquoateacute no meu bairro eu me irrito porque os homens vatildeo

beber no bar como que os homens vatildeo beber no bar e as mulheres tatildeo em casa

lavando passando cozinhando cuidando dos filhos no saacutebadordquo

Vitoacuteria mostrou que na aacuterea urbana a manifestaccedilatildeo do machismo estaacute

relacionada agrave sexualidade da mulher porque segundo ela as outras desigualdades de

gecircnero seriam dadas como conquistadas apesar de natildeo o serem efetivamente Por isso

ela afirma que ldquo(o machismo) fica essa coisa escondida escamoteadardquo O sentido

dado por Vitoacuteria ao falar de machismo ldquoescondidordquo nos remete ao domiacutenio do real

Isto eacute na aacuterea urbana avanccedilos foram sido logrados como a entrada da mulher no

mercado de trabalho gerando maior independecircncia financeira aumento gradual da

participaccedilatildeo poliacutetica das mulheres dentre outros Contudo essas mudanccedilas estatildeo no

campo do atual e do empiacuterico mas natildeo foram suficientes para mudar a esfera do real

levando agrave permanecircncia da estrutura social machista Ou seja o machismo permanece

ldquoescondidordquo em partes da vida social como na sexualidade da mulher que acabam

reforccedilando uma relaccedilatildeo desigual com a mulher colocada em situaccedilatildeo inferior ao

homem

Depois de um olhar mais geral para as manifestaccedilotildees do machismo agraves quais os

entrevistados deram sentidos olhamos mais especificamente nas entrevistas uma de

suas manifestaccedilotildees a violecircncia de gecircnero que perpassa pelos vaacuterios tipos de

violecircncia descritos na Lei Maria da Penha Na conversa com a equipe do CREAS

nos foi relatado que quase natildeo chegam queixas da zona agraacuteria mas a conclusatildeo da

equipe eacute de que a violecircncia na zona agraacuteria eacute mais psicoloacutegica do que fiacutesica Essa

conclusatildeo se baseia no seguinte discurso construiacutedo pela equipe

Entatildeo ela vem na cidade ela faz a compra ela vem matricular os

filhos na escola e soacute volta no outro ano E ela estaacute ali a alegria dela Agraves vezes

a gente percebe quando a gente atende uma mulher do campo ela sempre

traz uma manga uma fruta que ela que colhe E isso faz com que ela fique

realmente responsaacutevel pelos filhos pela casa por algumas coisas ali que

48

beneficiam muito o homem Por isso que a violecircncia fiacutesica natildeo acontece

Porque para acontecer a violecircncia fiacutesica precisa de muita ira E ela natildeo estaacute

vendo o que estaacute acontecendo aqui na cidade Quando o marido vem entregar

o leite se ele daacute um litro de leite para uma menininha ali Se ele tem um

casinho ali ou outro ali vocecirc entendeu Ele fica mais solto Ele eacute

responsaacutevel por suprir toda a necessidade ali da zona rural mas ela fica ali

cuidando de tudo

Nessa fala temos evidecircncias de que a construccedilatildeo de sentidos sobre as causas

da violecircncia de gecircnero acabam voltando para a estrutura social machista e colocando

a mulher como culpada pela situaccedilatildeo Isso porque o discurso coloca a ira como causa

da violecircncia fiacutesica e depois a ira como algo gerado pela insatisfaccedilatildeo da mulher com

os comportamentos do homem Assim a fala comeccedila com um tom normativo

positivo de que a mulher eacute feliz no campo e de que na aacuterea rural a violecircncia fiacutesica

natildeo ocorre mas depois acaba culpabilizando as mulheres da aacuterea urbana pela

violecircncia fiacutesica que ocorre na cidade porque se ocorre eacute em decorrecircncia de seus

comportamentos que geram a ira no homem

Segundo a Roberta as mulheres da zona rural sofrem um tipo de violecircncia que

eacute menos comum na aacuterea urbana a violecircncia patrimonial Isso ocorre porque apesar

de a mulher trabalhar no campo com a produccedilatildeo de alimentos e tarefas domeacutesticas

ela natildeo tem remuneraccedilatildeo pelo trabalho realizado e o homem acaba sendo quem tem

posse do patrimocircnio da famiacutelia e quem decide todos os gastos

Vitoacuteria por outro lado tem outro discurso

()violecircncia de gecircnero eacute violecircncia de gecircnero em todos os lugares

Mas assim eacute que eu acho que eacute difiacutecil de falar mas acho que natildeo acho que

assim (pausa) talvez uma outra questatildeo diferente talvez na aacuterea rural vocecirc

tenha mais essa questatildeo da concretude da questatildeo da localidade a violecircncia

ser fiacutesica domeacutestica natildeo eacute uma coisa tatildeo refinada quanto na aacuterea urbana

que hoje vocecirc vecirc violecircncias na internet vocecirc tem tecnologia para usar para

isso

49

Podemos entatildeo depreender que as diferenccedilas em termos da violecircncia de

gecircnero nas zonas rurais e urbanas satildeo ainda muito pouco compreendidas como

podemos perceber pela pluralidade de concepccedilotildees em termos do que acontece e pelas

notificaccedilotildees natildeo chegarem ateacute os locais que trabalham com mulheres em situaccedilatildeo de

violecircncia

Existem divergecircncias tambeacutem quanto ao que eacute poliacutetica de gecircnero e

consequentemente como ela deveria ser executada Para Ana Paula poliacutetica de

gecircnero eacute uma poliacutetica que reconhece a vulnerabilidade do gecircnero feminino frente ao

masculino e a partir disso tem um enfoque na equiparaccedilatildeo das desigualdades em

todas as secretarias e natildeo apenas em uma secretaria de poliacuteticas para as mulheres

especificamente

Em contraste a essa visatildeo Roberta defende a necessidade de um oacutergatildeo

especiacutefico para tratar da poliacutetica de gecircnero uma vez que existem especificidades

dessa poliacutetica puacuteblica que a organizaccedilatildeo seria responsaacutevel por garantir Segundo ela

Se jaacute houvesse a equidade de gecircnero seja no trabalho na casa enfim nas

relaccedilotildees natildeo precisaria mesmo de um organismo Mas como a mulher tem

questotildees especiacuteficas como a sauacutede da mulher o trabalho da mulher a

capacitaccedilatildeo entatildeo noacutes temos que ter poliacuteticas puacuteblicas desenvolvidas em um

espaccedilo puacuteblico e que esse espaccedilo se comunique com os demais porque as

poliacuteticas satildeo transversais Quando noacutes falamos de mulher noacutes estamos

falando de sauacutede de educaccedilatildeo de seguranccedila que satildeo poliacuteticas que estatildeo

sendo desenvolvidas em outras aacutereas institucionais Mas a importacircncia da

concentraccedilatildeo em um organismo eacute porque esse organismo vai fazer a

articulaccedilatildeo com os demais promover essa transversalidade e de fato

implementar essas poliacuteticas especiacuteficas

Eacute interessante notar tambeacutem que haacute uma diferenccedila nos discursos quanto agrave

igualdade de gecircnero que foi apontada pela maioria dos entrevistados como o objetivo

da poliacutetica de gecircnero Segundo Vitoacuteria a igualdade buscada por esse tipo de poliacutetica

50

seria material ou seja efetivar as igualdades da lei entre homens e mulheres Jaacute para

Talita essa poliacutetica seria responsaacutevel por ldquotentar adequar todas essas diferenccedilas e

natildeo igualar todos porque natildeo somos iguais mas tentar equilibrar para que todos noacutes

possamos viver pacificamente e sem existir essa relaccedilatildeo de subordinaccedilatildeo que haacute

muitas vezes entre homem e mulherrdquo

O sentido dado por Roberta a poliacuteticas transversais eacute de que estamos falando

de uma poliacutetica que envolve diferentes segmentos da atuaccedilatildeo puacuteblica e por isso de

vaacuterios atores envolvidos na formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas de

gecircnero Nesse sentido existe a necessidade de ldquofazer um processo de convencimento

dos gestores sobre a importacircncia dessas poliacuteticasrdquo

Essa ideia foi explicada tambeacutem por Vitoacuteria quando relatou o desafio na

praacutetica de lidar com o caraacuteter transversal da poliacutetica de gecircnero

O desafio eacute a visatildeo de poliacutetica de gecircnero Muita gente fala a gente

estaacute com tanta preocupaccedilatildeo por que a gente vai se preocupar com isso

Como se fosse o acessoacuterio ou o a mais neacute o plus Acho que essa visatildeo ela eacute

de todas as instacircncias no executivo no legislativo e dentro da defensoria haacute

esse visatildeo de que natildeo peraiacute a gente tem pouca gente pouco dinheiro entatildeo a

gente vai investir no que realmente eacute importante E isso nunca eacute a mulher

Entatildeo eu acho que vocecirc vai ver isso em todos os lugares que vocecirc visitar

porque eacute essa a visatildeo a sociedade vecirc assim Entatildeo isso eacute soacute a reproduccedilatildeo de

como a sociedade enxerga as questotildees de mulher as questotildees de mulher satildeo

sempre ah mulher eacute sensiacutevel mulher reclama muito mulher natildeo sei o que

natildeo eacute tatildeo grave assim exagera

As organizaccedilotildees agraves quais foi dado o papel de realizar uma poliacutetica puacuteblica

transversal com o vieacutes de gecircnero satildeo a Subsecretaria de Poliacuteticas para as mulheres de

Goiaacutes a Secretaria da Mulher em Professor Jamil a Coordenadoria de Poliacuteticas para

as Mulheres do estado de Satildeo Paulo e o Nuacutecleo Especializado de Promoccedilatildeo de

Direitos da Mulher Os sentidos dados agrave transversalidade pelos entrevistados mostra

que o papel construiacutedo dessas organizaccedilotildees seria o de articular outras organizaccedilotildees do

51

Estado e conscientizaacute-las para as desigualdades de gecircnero dentro e fora das

organizaccedilotildees A partir dessa construccedilatildeo de sentidos do que eacute transversalidade e

atribuiccedilatildeo desse papel a organizaccedilotildees voltadas para a questatildeo da mulher estaacute

diretamente relacionado aos recursos materiais que satildeo destinados a essas

organizaccedilotildees (sobre os quais aprofundaremos na seccedilatildeo 4) porque satildeo vistas como

organizaccedilotildees paralelas agravequelas consideradas como ldquoprincipaisrdquo como podemos notar

no discurso da Vitoacuteria em que ela afirma que as dificuldades de atuaccedilatildeo do nuacutecleo

passam em geral pelo sentido secundaacuterio e marginal dada agrave questatildeo de gecircnero Ou

seja esses elementos discursivos e extra-discursivos acabam distorcendo a questatildeo da

transversalidade Isso porque a mesma surgiu de jure (BAUMAN 2001) como uma

maneira conseguir resolver problemas complexos tratando-os de maneira transversal

e acabou sendo utilizada de facto (BAUMAN 2001) como uma ferramenta para a

reproduccedilatildeo da estrutura social machista devido agrave impressatildeo que se cria de que o

problema de gecircnero estaacute sendo resolvido pela existecircncia dessas organizaccedilotildees com o

enfoque em gecircnero mas na praacutetica elas natildeo satildeo empoderadas nem na agenda nem no

orccedilamento

Portanto esses diferentes sentidos dados ao que eacute machismo violecircncia de

gecircnero poliacutetica de gecircnero transversalidade e a que servem e como deve ser

realizadoscombatidos satildeo importantes para entender quais os tipos de poliacuteticas

puacuteblicas efetivamente colocadas em praacuteticas (PHILIPPS SEWELL JAYNES 2008)

por essas diferentes organizaccedilotildees (vide seccedilatildeo 3 em que mostramos como os

elementos extra-discursivos dialogam com os discursos) Aleacutem disso nessa seccedilatildeo

encontramos evidecircncias de que a estrutura social machista tem uma forccedila muito

grande pois apesar algumas ressignificaccedilotildees (de a mulher natildeo ser sexo fraacutegil) ela

permanece latente no discurso voltando a reproduzir a estrutura de desigualdade de

gecircnero Nesse sentido os contextos agriacutecola e urbano parecem natildeo mudar a existecircncia

dessa estrutura social mas vamos averiguar a seguir se esses contextos apontam

diferenccedilas em relaccedilatildeo aos elementos extra-discursivos

52

44 Elementos extra-discursivos

Nessa seccedilatildeo iremos analisar os principais elementos extra-discursivos que

surgiram durante as entrevistas e se relacionam com os discursos apresentados

(PHILIPPS SEWELL JAYNES 2008) Satildeo eles a Lei Maria da Penha sobre a qual

discorremos no referencial teoacuterico a estrutura fiacutesica das organizaccedilotildees os recursos

humanos disponiacuteveis e as accedilotildees ou poliacuteticas puacuteblicas resultantes de suas atuaccedilotildees

A Lei Maria da Penha por ser um marco juriacutedico em relaccedilatildeo ao tratamento do

Estado agrave violecircncia de gecircnero em seus diferentes tipos surgiu em todas as entrevistas

como base para o trabalho realizado pelos diferentes organismos Do ponto de vista

das soluccedilotildees segundo Vitoacuteria foi importante para fortalecer os movimentos sociais

que lutavam pela questatildeo da mulher e abrir espaccedilo entatildeo para que esses movimentos

exigissem esse olhar dentro de diferentes instituiccedilotildees como a defensoria puacuteblica

Contudo Ana Paula reforccedila que a Lei Maria da Penha foi precedida por algumas

leis que na verdade ainda natildeo satildeo de conhecimento pela populaccedilatildeo em geral Ela

relata um caso que lhe aconteceu na delegacia da mulher

Eu tinha recebido uma ocorrecircncia que era um homem que tinha

enfiado uma faca na esposa dele casada haacute 30 anos porque ela comprou um

conjunto de panelas e ele discordava do entendimento dela de como se gastava

o dinheiro Entatildeo que ela era uma vagabunda dizendo ele Soacute que essa

vagabunda trabalhava era uma enfermeira padratildeo no hospital de Diadema e

ele estava haacute onze anos E aleacutem de trabalhar e sustentar ele ela lavava

passava cozinhava e ela entendeu que com o salaacuterio dela dava pra comprar

um conjunto de panelas Aiacute ele puxou a faca pra ela veio uma ocorrecircncia

falando da tentativa de homiciacutedio o filho falou lsquonatildeo vou testemunhar conta

meu pai ainda que eu ache que a minha matildee corre risco com elersquo A matildee natildeo

quer vem falar lsquonatildeo foi soacute um desentendimentorsquo ela vem de um ciclo de

violecircncia E eu natildeo ia ter nenhuma testemunha no inqueacuterito natildeo ia dar certo o

flagrante e aiacute eu falei bom ela natildeo vai dormir em casa porque a nossa

preocupaccedilatildeo natildeo pode ser em fazer um papel deve ser o de garantir a

53

seguranccedila da mulher E aiacute o marido vira pra mim e fala lsquoeu natildeo vejo motivo

para conceder o divoacuterciorsquo E aiacute eu tive um surto com ele porque eu falava lsquoo

senhor vive na idade da pedrarsquo Porque quando eu nasci jaacute tinha a lei do

divoacutercio mas para eles natildeo Ele ainda achava que ele tinha o direito de dar ou

natildeo o divoacutercio E isso foi em 73 E aiacute a gente comeccedila a olhar e ver quantos

anos demoram para uma populaccedilatildeo se apropriar daquela legislaccedilatildeo se eacute que a

lei pegue porque no Brasil tem lei que natildeo pega natildeo eacute um paiacutes seacuterio Mas a lei

Maria da Penha veio ele conhece a lei mas ele natildeo conhece a lei do divoacutercio

E isso eacute regra

Ou seja a Lei Maria da Penha que estaacute no domiacutenio do empiacuterico ou seja o

que eacute efetivamente experimentado pelos atores natildeo garante o entendimento de outras

leis que mudaram as relaccedilotildees familiares em termos legais e os direitos igualados de

jure (BAUMAN 2001) entre homem e mulher Entatildeo antes da Lei Maria da Penha

houve uma sucessatildeo de leis que reforccedilavam a estrutura social machista no domiacutenio do

real Mesmo com as novidades da Lei Maria da Penha portanto natildeo foi possiacutevel

revolucionar a esfera do real e isso fica evidente com a permanecircncia de outras leis

anteriores no imaginaacuterio das pessoas Aleacutem disso Ana Paula tambeacutem expocircs a

dificuldade de se implementar a Lei Maria da Penha de facto (BAUMAN 2001)

Entatildeo a gente tem dispositivos como autoridade policial civil deveraacute

garantir a seguranccedila da mulher e aiacute o tema da minha dissertaccedilatildeo aquela vez

foi a seguranccedila da mulher na Lei Maria da Penha Porque ela eacute linda mas

como que uma delegada com trecircs policiais garante a seguranccedila de alguma

mulher Eu queria saber porque o policial geralmente vai no foacuterum busca

laudo leva laudo e etc Um tem que ficar na delegacia porque geralmente os

homens natildeo respeitam as mulheres mesmo as mulheres policiais aiacute tem que ter

toda uma loacutegica dentro da poliacutecia e da questatildeo socioloacutegica da poliacutecia de que eacute

melhor ter uma forma ostensiva em determinados momentos do que ter que usar

a forccedila entatildeo eacute melhor ter policiais homens armados do que ter que ser duro

com o indiviacuteduo que vira e fala lsquoeu natildeo respeito mulherrsquo e eles falam isso E

54

natildeo eacute um desacato agrave autoridade policial civil eacute uma relaccedilatildeo de que eles natildeo

respeitam o gecircnero feminino como igual E isso eacute muito complicado Aiacute sobra

um policial que natildeo pode sair de viatura porque se natildeo eacute viatura

descaracterizada E aiacute eu tenho que garantir a seguranccedila da mulher Aiacute eu

tenho que colocar ela em um abrigo Qual abrigo Ah a prefeitura de Satildeo

Paulo agora parece que melhorou o sistema de abrigamento Eacute melhorou mas

pra isso a gente precisa fazer boletim de ocorrecircncia em uma delegacia que

esteja aberta 24 horas e a gente natildeo tem delegacia da mulher aberta 24 horas

Ou seja faltam recursos humanos e orccedilamentaacuterios para manter a delegacia

funcionado bem e por 24 horas elementos do domiacutenio empiacuterico e a proacutepria lida

diaacuteria da delegada mulher com o machismo a impede de realizar seu trabalho sem ter

o acompanhamento de um homem Satildeo evidecircncias de que a criaccedilatildeo de delegacias

especializadas apesar de terem sido um avanccedilo estaacute longe de apresentarem uma

transformaccedilatildeo agrave estrutura social desigual uma vez que a distribuiccedilatildeo material

insuficiente impacta na reproduccedilatildeo das desigualdades de gecircnero

Mostrando essa dificuldade por um outro vieacutes Talita afirmou que a Lei Maria

da Penha fez com que as pessoas olhassem para as delegacias da Mulher como uma

ldquoceacutelula de expansatildeo de poliacuteticas puacuteblicasrdquo quando segundo ela a delegacia da

mulher e uma ldquodelegacia como qualquer outra a gente estaacute aqui para prender o

agressor investigar concluir processo e encaminhar ao poder judiciaacuteriordquo Esse

discurso de Talita mostra que o sentido dado por ela agrave delegacia especializada eacute de

uma delegacia como qualquer outra Isso implica que mesmo havendo uma tentativa

de jure (BAUMAN 2001) em trazer ferramentas no domiacutenio do empiacuterico para

combater a violecircncia contra a mulher de facto (BAUMAN 2001) a delegacia da

mulher sendo vista pelos atores que dela participam como uma delegacia da mulher

acaba sendo uma forccedila de manutenccedilatildeo da estrutura social machista no domiacutenio do

real

Outro discurso importante sobre a Lei Maria da Penha que surgiu na pesquisa

de campo foi a Joana O sentido atribuiacutedo por ela agrave Lei Maria da Penha eacute de ceticismo

porque de acordo com ela as mulheres voltam com um papel de medida protetiva

55

que natildeo serve para nada assim como a tornozeleira natildeo salva a mulher Segundo

Joana se o homem quer matar a mulher natildeo vai ser isso que vai impedi-lo e nem haacute

recursos suficientes para que o poder puacuteblico impeccedila que isso aconteccedila em sua cidade

e seus arredores

Inclusive na entrevista ouvimos pela uacutenica vez durante a pesquisa viacutetimas de

violecircncia de gecircnero duas mulheres que vieram fugidas para a cidade do Uma veio de

Trindade (Goiaacutes) fugindo agrave noite com os seis filhos e sua matildee do marido que a

agredia psicologicamente e fisicamente A secretaacuteria a ajudou quando chegou

encaminhando-a para atendimento psicoloacutegico no CRAS e conseguindo um emprego

para ela recomeccedilar a vida Ateacute hoje ela estaacute laacute escondida do marido e segundo ela

ela jaacute tinha procurado duas vezes delegacias comuns por serem as disponiacuteveis na sua

regiatildeo e que a Lei Maria da Penha e a medida protetiva natildeo ajudaram em nada a

situaccedilatildeo

Para Joana esse eacute um exemplo de vaacuterios que a levam a construir um sentido

de que as mulheres quando natildeo querem mais ficar com os maridos e conseguem

largam tudo e fogem Isso porque segundo ela as mulheres que fazem denuacutencias as

fazem na esperanccedila de mudar o comportamento dos seus parceiros para continuar

com eles e natildeo para que eles sejam presos Isso coloca em evidecircncia que de facto

(BAUMAN 2001) a lei natildeo consegue mudar a estrutura social

Queremos compreender melhor a distribuiccedilatildeo material que as organizaccedilotildees

entrevistadas possuem hoje para realizarem seu trabalho As pesquisas em Goiaacutes e em

Satildeo Paulo foram conduzidas nos locais de trabalho dos entrevistados o que

possibilitou conhecermos sobre o espaccedilo em que essas poliacuteticas estatildeo sendo

realizadas e a dimensatildeo das equipes por traacutes das mesmas Escolhemos descrever essas

condiccedilotildees de algumas organizaccedilotildees que melhor contribuem para nossa interpretaccedilatildeo e

anaacutelise

O CREAS de uma cidade do interior do estado de Goiaacutes por exemplo fica em

uma casa teacuterrea com uma sala pequena na entrada onde satildeo recebidas as viacutetimas A

maior parte da equipe do CREAS eacute composta por homens e a entrevista foi realizada

com trecircs membros da equipe o coordenador a assistente juriacutedica e o educador social

Percebemos que aleacutem de o centro natildeo ser um espaccedilo voltado especificamente para

56

mulheres a reproduccedilatildeo da estrutura social desigual estaacute claramente manifestada na

composiccedilatildeo da equipe que eacute composta por uma maioria masculina Aleacutem disso a

estrutura fiacutesica natildeo permite diferenciaccedilatildeo entre as populaccedilotildees em situaccedilatildeo de

vulnerabilidade atendidas Isto significa que homens mulheres e crianccedilas satildeo

atendidas em um mesmo local o que evidencia que no domiacutenio empiacuterico as chances

de mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia se sentirem agrave vontades para darem suas queixas

e buscarem ajuda no centro satildeo reduzidas sendo outro fator que contribui para a

manutenccedilatildeo da esfera real machista

Jaacute a Superintendecircncia de Poliacuteticas para Mulheres em Goiaacutes fica no centro de

uma cidade de Goiaacutes em uma estrutura de dois andares na avenida principal da

cidade Do lado de fora a pintura eacute roxa e estaacute bem sinalizada com campanha do

Disque-100 na fachada e a frase ldquoViolecircncia contra mulher natildeo tem desculpa tem

leirdquo O preacutedio tem uma secretaria com vaacuterias cadeiras na frente onde as pessoas se

identificam e satildeo encaminhadas para salas menores de acordo com a solicitaccedilatildeo

Enquanto esperamos pela entrevista nos abordaram quatro vezes por funcionaacuterias

diferentes perguntando se algueacutem jaacute tinha nos sido atendido Cada sala tem uma

funccedilatildeo especiacutefica assistentes sociais psicoacutelogos assistentes juriacutedicos todas de

atendimento localizadas no andar de baixo proacuteximas agrave entrada Tambeacutem no andar de

baixo no interior do preacutedio ficam as salas onde satildeo realizados trabalhos de

capacitaccedilatildeo e no andar de cima ficam as salas administrativas As condiccedilotildees materiais

desse local foram uma exceccedilatildeo em relaccedilatildeo agraves demais organizaccedilotildees visitadas Isso

porque a maioria dos profissionais satildeo mulheres e o atendimento natildeo eacute em um balcatildeo

mas diretamente com psicoacutelogas ou assistentes sociais em salas privativas Essas

condiccedilotildees no entanto natildeo satildeo estaacuteveis Como conta Roberta

Essa secretaria foi criada em 1987 ela chamava Secretaria Estadual

da Condiccedilatildeo Feminina E foram muito importantes esses quatro anos no

governo Henrique Santillo foram inovadores no sentido de implementar uma

poliacutetica que era muito pouco tratada no acircmbito institucional Entatildeo foi

fantaacutestico E nesse periacuteodo governamental houve poliacuteticas de seguranccedila para

a mulher sauacutede para a mulher enfim abriu um espaccedilo importante no Estado

57

de Goiaacutes Soacute que infelizmente os governos subsequentes extinguiram a

secretaria E ela soacute veio a ser retomada no primeiro governo Marconi Perillo

isso foi no final da deacutecada de noventa E ele criou uma superintendecircncia da

mulher e ela se tornou secretaria no governo seguinte e aiacute ela jaacute vem agora

dentro de um acircmbito institucional como secretaria de estado mesmo que

acoplado a ela por razotildees de ordem principalmente econocircmica e financeira

do estado tem a secretaria da mulher junto com outras aacutereas sociais e de

direitos humanos

Ou seja eacute importante relativizar a estrutura fiacutesica e equipe que vimos porque

historicamente a pauta da mulher foi tratada como um assunto secundaacuterio como

vimos no discurso de Roberta O impacto disso eacute que quando a situaccedilatildeo financeira do

estado complica a pauta eacute uma das primeiras que recebe cortes orccedilamentaacuterios ou eacute

acoplada a outras pautas como estaacute acontecendo agora A pauta da mulher que antes

jaacute dividia uma secretaria com a de desigualdade racial hoje foi incorporada por uma

secretaria guarda-chuva chama Secretaria Cidadatilde que abarca os temas da mulher do

desenvolvimento social da igualdade racial dos direitos humanos e do trabalho Isso

mostra que quando natildeo haacute mudanccedilas no domiacutenio real as mudanccedilas no domiacutenio

empiacuterico natildeo satildeo permanentes satildeo instaacuteveis e dependem de elementos extra-

discursivos que estatildeo sujeitos agrave estrutura social do real Ou seja quando a secretaria

tem condiccedilotildees financeiras ela pode ateacute colocar a questatildeo da mulher em pauta mas

assim que acontecerem momentos econocircmicos desfavoraacuteveis a igualdade de gecircnero

natildeo permanece na agenda pois nunca foi prioridade jaacute que estaacute inserida dentro de

uma estrutura social machista

A Delegacia Especializada no Atendimento agrave Mulher de Goiaacutes por sua vez

fica em um casaratildeo de dois andares no setor central de uma cidade de Goiaacutes Tem

uma sinalizaccedilatildeo discreta e eacute guardada por um policial militar na porta Entrando na

delegacia tem uma sala com banquinhos de madeira sem encosto para as viacutetimas e

seus acompanhantes aguardarem A delegacia de uma forma geral pareceu muito

interessada em estatiacutesticas e pouco sensibilizada com as viacutetimas que tratam

exatamente por esse nome e natildeo como cidadatildes O clima de maneira geral eacute tenso haacute

58

vaacuterias mulheres chorando esperando nos banquinhos pela oportunidade de subir as

escadas da delegacia Em frente aos bancos tem um grande balcatildeo que bloqueia a

entrada para o restante do edifiacutecio onde se encontra uma secretaacuteria Tudo tem que

passar antes por ela entatildeo as mulheres viacutetimas falam na frente de todo mundo a sua

queixa Enquanto esperava pela entrevista uma mulher chegou e mostrou hematomas

no braccedilo para a secretaacuteria e recebeu como resposta ldquoVocecirc tomou banho Isso eacute

sujeira ou eacute hematoma mesmordquo Quando satildeo chamadas para subir e serem atendidas

pela escrivatilde ou delegada respondem por um grito ldquoA viacutetima pode subirrdquo o que

acaba contribuindo para a estigmatizaccedilatildeo

Essa visita nos trouxe mais evidecircncias de que fazer organizaccedilotildees

especializadas eacute um avanccedilo sim mas que mesmo que elas sejam diferentes em sua

concepccedilatildeo o problema natildeo fica totalmente resolvido Nesse sentido enquanto natildeo

promovermos mudanccedilas na estrutura social do machismo novas legislaccedilotildees ou

organizaccedilotildees iratildeo promover mudanccedilas graduais Sem atacar essas causas a delegacia

especializada eacute uma reacuteplica da delegacia comum poreacutem com delegadas mulheres

mas que reproduzem a estrutura social machista no tratamento que elas datildeo agraves

viacutetimas no ambiente em que as mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia tecircm que frequentar

para ir atraacutes de seus direitos na forma como elas satildeo questionadas por estarem laacute

entre outros

Por fim fomos ateacute a Coordenadoria de Poliacuteticas para as Mulheres O

simbolismo eacute importante desde o momento de procurar essa secretaria na internet foi

muito complicado achar informaccedilotildees em sites de busca Mesmo depois de conseguir

encontrar em qual site maior a coordenadoria se encontra sua posiccedilatildeo no rol de

subsecretarias e coordenadorias da secretaria eacute a uacuteltima Aleacutem disso a entrevista em

si foi na coordenadoria que fica em um preacutedio antigo e central Descobrimos que a

coordenadoria fica no uacuteltimo andar da secretaria em uma sala mais escondida e natildeo

haacute identificaccedilatildeo da coordenadoria nos corredores como as demais do preacutedio que

estatildeo sinalizadas A coordenadoria consiste fisicamente em uma sala de reuniatildeo

acoplada ao escritoacuterio da Flaacutevia que eacute a uacutenica componente da equipe

59

Fomos tambeacutem ateacute uma cidade do interior de Goiaacutes a aproximadamente 70

quilocircmetros de Goiacircnia A Secretaria de Mulheres do municiacutepio soacute existe no nome

natildeo tem estrutura fiacutesica nem recursos financeiros apenas o cargo da secretaacuteria

Entatildeo o atendimento eacute feito na casa da secretaacuteria na sala de entrada onde tem duas

mesas de alumiacutenio juntadas e forradas com um pano um sofaacute e uma cadeira de cada

lado ao fundo tecircm equipamentos de cabelereiro profissatildeo que ela exercia Quando

chegamos laacute a sala estava cheia com pessoas se inscrevendo para o Minha Casa

Minha Vida com a ajuda da secretaacuteria e durante a conversa entraram vaacuterios cidadatildeos

de Professor Jamil e todos vinham com assuntos diversos a serem tratados por ela

Essa entrevista em Professor Jamil nos mostrou que agraves vezes apesar de

elementos extra-discursivos escassos como o caso de Joana existe a possibilidade de

tentar atacar as causas do machismo por exemplo chamando os homens para

conversarem nas rodas e promovendo o diaacutelogo mediado entre casais Mesmo assim

natildeo eacute isoladamente que se consegue combater uma estrutura social tatildeo forte quanto o

machismo

Pensando tanto nos discursos (seccedilatildeo 2) quanto nos espaccedilos e equipes

disponiacuteveis eacute possiacutevel perceber como eles se interligam com as accedilotildees dos oacutergatildeos

entrevistados Primeiramente para noacutes nenhuma das organizaccedilotildees entrevistadas

estatildeo formulando ou implementando poliacuteticas puacuteblicas no sentido que discutimos no

referencial teoacuterico de accedilatildeo organizada do Estado para combater um problema Isso

porque todas essas organizaccedilotildees realizam accedilotildees desconexas e pontuais para tentar

lidar com o problema sem atacar suas causas e reproduzindo as desigualdades de

gecircnero (domiacutenio real)

O CREAS visitado realiza atendimento de crianccedilas adolescentes mulheres e

idosos em situaccedilatildeo de vulnerabilidade social Durante a entrevista percebemos que

existe uma confusatildeo muito grande entre os tipos de atendimento que o CREAS

realiza tanto que quando foi perguntado sobre o que eacute poliacutetica de gecircnero a resposta

foi mais sobre poliacuteticas para adolescentes em situaccedilatildeo de vulnerabilidade

Jaacute a Superintendecircncia de Mulheres visitada seria responsaacutevel por formular

poliacuteticas puacuteblicas para esse puacuteblico-alvo De acordo com Roberta

60

A nossa principal poliacutetica eacute a garantia da seguranccedila tanto que noacutes

temos desde o atendimento primaacuterio da mulher atraveacutes de uma assistecircncia

social psicoloacutegica juriacutedica ateacute o abrigamento dessa mulher viacutetima de

violecircncia Entatildeo a gente direciona as nossas poliacuteticas nesse sentido Mas

tambeacutem noacutes temos que cuidar das outras questotildees que satildeo inerentes agrave mulher

a sauacutede a educaccedilatildeo e aiacute principalmente eu vejo hoje que o nosso papel

enquanto instituiccedilatildeo puacuteblica eacute desenvolver mesmo campanhas de

sensibilizaccedilatildeo

Fora isso a superintendecircncia estaacute capacitando 2500 profissionais servidores nas

aacutereas de educaccedilatildeo sauacutede movimentos sociais que trabalham com mulheres em

situaccedilatildeo de violecircncia Existe tambeacutem uma equipe especiacutefica da superintendecircncia

responsaacutevel pelas duas unidades moacuteveis que a secretaria recebeu em 2013 pelo

governo federal para atender mulheres do campo As unidades comeccedilaram o trabalho

indo ateacute o interior para prover serviccedilos de assistecircncia social juriacutedica e psicoloacutegica

No entanto a equipe se deparou com uma rede muito fragilizada e incapaz de

continuar o encaminhamento das demandas das mulheres

Aleacutem disso quando chegou na zona agraacuteria a equipe percebeu que lidar com

essas mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia da aacuterea rural era um desafio diferente do que

estavam acostumados na capital Isso porque as unidades moacuteveis iam para o campo

mas as mulheres tinham receio de entrar ou natildeo conseguiam chegar porque satildeo

ocircnibus rosas que chamam muita atenccedilatildeo e ficam inviaacuteveis para uma mulher nessa

situaccedilatildeo procurar sem ser vista por outras pessoas da regiatildeo e isso chegar ateacute o

agressor A taacutetica adotada entatildeo pelas unidades eacute

Quando vem uma solicitaccedilatildeo do municiacutepio a gente sempre procura

saber se eacute festividade porque para noacutes eacute melhor Porque aiacute tem a unidade

moacutevel e outros serviccedilos na praccedila em que ela pode transitar Soacute a unidade

moacutevel que eacute muito chamativa natildeo funciona Eacute um ocircnibus rosa e ela fica

mais acanhada A gente sempre procura incentivar o municiacutepio a promover

outras coisas ao mesmo tempo para preservar a mulher promover a diluiccedilatildeo

61

nesse espaccedilo e garantir minimamente que ela suba na unidade

Apesar disso quando visitamos a equipe eles natildeo estavam indo a campo

porque estavam em uma fase de transiccedilatildeo Como encontraram uma realidade

diferente da que imaginavam o seu trabalho agora estaacute sendo capacitar a rede montar

material fazer reuniotildees entre outros para tentar alinhar o trabalho de todos

Manuela esclarece

Nesse sentido o trabalho da equipe vem sendo reformulado porque

incialmente a ideia era ir ao interior e ser a porta de entrada das mulheres

viacutetimas de violecircncia levar informaccedilotildees sobre os seus direitos e onde buscar

ajuda e depois ter esse trabalho continuado pelos oacutergatildeos competentes mais

proacuteximos No entanto ao irem para o campo a equipe percebeu que a rede

estava despreparada para dar continuidade ao trabalho e que portanto seria

inuacutetil fazer o trabalho como anteriormente previsto sem dar a capacitaccedilatildeo

necessaacuteria

A Secretaria de Seguranccedila Puacuteblica por sua vez faz parte da rede de combate agrave

violecircncia contra a mulher e tem um papel importante tanto pelas DEAMs quanto pelo

monitoramento e fornecimento de informaccedilotildees criminais que servem de insumo para

a Secretaria da Mulher No entanto natildeo existe uma parceria soacutelida em que ambas as

secretarias atuam conjuntamente e amplamente em termos do estado e se

responsabilizam pela situaccedilatildeo das mulheres que sofrem violecircncia

Portanto a secretaria natildeo tem poliacuteticas puacuteblicas mais amplas em relaccedilatildeo ao

combate agrave violecircncia contra a mulher porque entende que essa competecircncia eacute da

Secretaria da Mulher O que a secretaria faz eacute atuar em regiotildees especiacuteficas

dependendo do gestor que estaacute em determinada aacuterea integrada de seguranccedila (regiatildeo

onde a poliacutecia militar e a poliacutecia civil tem a mesma circunscriccedilatildeo) Como nos disse

um major da secretaria

Que tipo de accedilatildeo preventiva que vai ser implementada em

62

determinado local depende de quem Do gestor que que estaacute ali naquela

regiatildeo em identificar qual eacute o problema dele em implementar essa questatildeo da

prevenccedilatildeo

No mais percebemos que tanto os centros de referencia CREAS e aqueles de

secretariassubsecretarias de mulheres quando existem quanto as delegacias

especializadas e os dados das secretarias de seguranccedila satildeo em geral voltados para

mecanismos juriacutedicos de proteccedilatildeo agrave mulher Mesmo havendo equipes de assistecircncia

social e psicoacutelogos em algumas instacircncias o foco principal das accedilotildees desses oacutergatildeos eacute

garantir medidas protetivas eou prender agressores

Aleacutem disso nos centros de referecircncia satildeo realizados estudos de caso

multidisciplinares para determinar o encaminhamento dado agrave viacutetima De acordo com

os discursos discutidos na seccedilatildeo anterior percebemos que apesar de parecer o

procedimento ideal a ser feito pode ser uma abertura para um julgamento social da

viacutetima pelos membros da equipe

Fora esses oacutergatildeos tivemos contato com o trabalho de uma entidade do

terceiro setor cuja atuaccedilatildeo era bastante diferente dos demais O Centro Popular da

Mulher trabalha sobretudo apoiando e ajudando as mulheres a se organizarem para

reivindicarem seus direitos Em relaccedilatildeo aos oacutergatildeos entrevistados a entidade parece

ser a mais presente na zona rural tanto em frequecircncia quanto em tempo de luta junto

agraves mulheres do campo

Aleacutem disso em termos de accedilotildees outra entrevista que apontou diferenccedilas foi

com a Joana cuja accedilatildeo era de busca ativa e de construccedilatildeo de espaccedilos de debate com

mulheres e homens Isso porque apesar da falta de apoio institucional da prefeitura

ela natildeo espera as mulheres buscarem ajuda No entanto isso soacute eacute possiacutevel porque ela

conhece todo mundo e fica sabendo do que acontece e entatildeo vai atraacutes do casal em

questatildeo E seu trabalho busca a conscientizaccedilatildeo das famiacutelias ela faz conversas de

roda e tambeacutem de casais em particular para tentar agir na causa do problema Suas

accedilotildees se baseiam na sua convicccedilatildeo de que a causa (seccedilatildeo 2 em que discutimos os

sentidos atribuiacutedos agraves caudas da violecircncia de gecircnero) estaacute na falta de respeito a

educaccedilatildeo machista e que isso soacute pode ser mudado se os homens estiverem

63

envolvidos nas accedilotildees de combate agrave violecircncia de gecircnero para tentar mudar o que a

sociedade pensa a maneira como a mulher eacute tratada

Nessa seccedilatildeo aprendemos que as manifestaccedilotildees extra-discursivas da estrutura

social machista varia de acordo com o contexto sobretudo em termos de recursos

materiais e equipe disponiacuteveis para combater a violecircncia de gecircnero nesse contexto

Aleacutem disso percebemos que as manifestaccedilotildees extra-discursivas estatildeo em constante

relaccedilatildeo com a manutenccedilatildeo da estrutura social como o exemplo de que as mulheres

natildeo conseguem alugar uma casa ou mudar o filho de creche afeta a possibilidade

praacutetica de sair de uma situaccedilatildeo de violecircncia Enfim discorreremos na proacutexima seccedilatildeo

com maior profundidade os resultados e as contribuiccedilotildees da pesquisa

64

5 Consideraccedilotildees Finais

Nossa pesquisa teve como objetivo responder agrave pergunta Como a estrutura

social do machismo se manifesta nos contextos urbano e agraacuterio A partir desse

trabalho notamos que a estrutura social do machismo estaacute presente nos dois

contextos urbano e agraacuterio poreacutem se manifesta de jeitos diferentes No contexto

agraacuterio de acordo com os entrevistados o machismo se manifesta de forma mais

aberta com o reforccedilo dos papeis tradicionais de gecircnero de que o papel da mulher eacute

cuidar da casa e dos filhos e o homem de prover financeiramente a famiacutelia estando

em uma posiccedilatildeo de superioridade Jaacute no contexto urbano a manifestaccedilatildeo da estrutura

social machista adquire outras formas sendo que haacute uma maior inserccedilatildeo da mulher no

mercado de trabalho e no discurso as pessoas natildeo reproduzem os papeis de gecircnero

tradicionais poreacutem na praacutetica acabam acontecendo ainda reproduccedilotildees desses mesmos

papeis de uma forma mais suacutetil pelo modo que a mulher deve se vestir pela

educaccedilatildeo diferente dada aos filhos de diferentes gecircneros etc

Tambeacutem nos perguntamos como essas manifestaccedilotildees do machismo satildeo

impactadas e impactam a formulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo

de violecircncia As manifestaccedilotildees do machismo impactam a formulaccedilatildeo de poliacuteticas

puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia porque levam a poliacuteticas com pouca

infraestrutura equipe e orccedilamento e porque abre uma brecha maior entre formulaccedilatildeo

e implementaccedilatildeo porque mesmo que se os formuladores natildeo tenham discursos

machistas no momento do discurso em accedilatildeo as accedilotildees nas delegacias especializadas

reproduzem papeis de gecircnero tradicionais e culpabilizam as mulheres em situaccedilatildeo de

violecircncia

Enfim queriacuteamos descobrir tambeacutem se existem ou natildeo diferenccedilas na

manifestaccedilatildeo do machismo especificamente em termos de violecircncia de gecircnero nas

zonas urbana e agraacuteria Nosso estudo mostrou via discursos que haacute muita divergecircncia

nesse ponto mas que a maioria dos entrevistados acredita que a diferenccedila eacute que no

contexto agraacuterio os tipos de violecircncia predominantes satildeo patrimonial e psicoloacutegico

enquanto no contexto urbano haacute uma maior incidecircncia de violecircncia fiacutesica

relativamente No entanto essa foi uma limitaccedilatildeo da pesquisa porque a quase-

65

totalidade dos entrevistados relatou estar discorrendo sobre algo de que natildeo conhece

por natildeo terem dados oficiais gerados sobre a violecircncia contra mulheres em zonas

agraacuterias e por natildeo terem contato com essas mulheres nas organizaccedilotildees em que

trabalham

Ao longo desse trabalho estudamos as principais referecircncias teoacutericas que

precisaacutevamos para analisar o problema em questatildeo principalmente para colocar em

evidecircncia que as poliacuteticas puacuteblicas estatildeo inseridas em lugares que influenciam e satildeo

influenciados pela construccedilatildeo de sentidos que ocorre no momento de determinaccedilatildeo de

um problema puacuteblica e de como ele seraacute tratado pelo Estado Nosso referencial

teoacuterico se juntou agrave metodologia o que permitiu natildeo soacute a organizar o conhecimento

cientiacutefico com base nas premissas da teoria mas tambeacutem a olhar para a nossa

pesquisa sempre com um olhar criacutetico de tentar enxergar as possibilidades de

mudanccedila da estrutura social

A partir do referencial teoacuterico e da metodologia demos iniacutecio ao trabalho de

estabelecer um roteiro semi-estruturado para as entrevistas depois conseguir agendar

as entrevistas fazer as mesmas transcrever as entrevistas e enfim analisar tudo

como um conjunto agrave partir da metodologia do realismo criacutetico e das referecircncias

teoacutericas que buscamos Isso nos permitiu enxergar os principais temas que surgiram

ao longo das entrevistas e organizaacute-los de acordo com os domiacutenios do realismo

criacutetico real atual e empiacuterico Depois disso estabelecemos um diaacutelogo entre o

referencial teoacuterico e as entrevistas de atores de organizaccedilotildees que lidam com a questatildeo

da violecircncia de gecircnero Isso foi relevante tambeacutem em termos metodoloacutegicos porque

percebemos que existem construccedilotildees de sentidos na academia que apontamos no

referencial teoacuterico que agraves vezes natildeo chegam agrave esfera dos atores que formulam e

implementam poliacuteticas puacuteblicas ou quando chegam elas impactam a esfera do atual

(discursos) sem necessariamente serem complementadas por mudanccedilas no domiacutenio

real (estrutura social de desigualdade de gecircnero) nem nos elementos extra-

discursivos que permitem mudanccedilas efetivas no domiacutenio empiacuterico (de poliacuteticas

puacuteblicas lidar com a questatildeo da violecircncia de gecircnero)

66

Nesse sentido um dos pontos que surgiu ao longo de todas as entrevistas foi o

foco das accedilotildees levadas a cabo pelas organizaccedilotildees Tanto no domiacutenio atual dos

discursos quanto no domiacutenio empiacuterico das poliacuteticas puacuteblicas o principal sentido

dado agrave violecircncia de gecircnero eacute de que a conscientizaccedilatildeo das mulheres se faz necessaacuteria

Os discursos vatildeo desde a falta de informaccedilatildeo da mulher a ira gerada tambeacutem pela

mulher a ausecircncia da mulher enquanto cumpridora de seu papel social na famiacutelia

dentre outros foram apontados como causas para a violecircncia de gecircnero Aleacutem disso

mesmo quando os discursos natildeo eram culpabilizadores da mulher eles giravam em

torno da cultura de modo bem geneacuterico como a sociedade patriarcal e machista

como causas para a violecircncia de gecircnero

Isso implica na transformaccedilatildeo desses discursos em accedilotildees de conscientizaccedilatildeo

como campanhas produccedilatildeo de informativos palestras entre outras Eacute interessante

perceber que natildeo haacute nesses casos poliacuteticas puacuteblicas que deem conta de efetivamente

resolver o problema de uma mulher em situaccedilatildeo de violecircncia isto eacute empoderaacute-la para

sair da situaccedilatildeo com meios materiais para fazecirc-lo e com uma proteccedilatildeo efetiva do

Estado em que ela eacute tratada como cidadatilde de direitos e natildeo como viacutetima Isso

demonstra que estatildeo sendo produzidos e reproduzidos discursos na esfera atual sem

necessariamente mudar a esfera real porque falta empoderamento das mulheres em

termos de recursos extra-discursos da esfera empiacuterica Aleacutem disso o tipo de accedilotildees

adotadas por essas organizaccedilotildees acabam sendo rasas porque ao mesmo tempo em

que natildeo atacam o problema diretamente na correccedilatildeo a posteriori tambeacutem natildeo lidam

com a causa no domiacutenio real isto eacute a estrutura social

Ou seja ao lidar somente com as mulheres em termos de conscientizaccedilatildeo a

maioria das organizaccedilotildees natildeo estaacute atacando a estrutura social porque os homens

fazem parte desta e natildeo satildeo chamados para a discussatildeo Aleacutem disso algumas dessas

accedilotildees de conscientizaccedilatildeo satildeo vazias ateacute para o puacuteblico-alvo as mulheres porque

muitas vezes as mulheres que buscam a ajuda do Estado para lidar com a violecircncia de

gecircnero natildeo sabem ler ou entatildeo natildeo podem atender a essas accedilotildees por estarem em

zonas agraacuterias em que estatildeo muito mais vulneraacuteveis em termos de exposiccedilatildeo ao

agressor ou ao resto da comunidade

67

Nesse sentido tambeacutem achamos relevante em todas as entrevistas a maneira

como satildeo recepcionadas as mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia De maneira geral satildeo

montadas equipes multidisciplinares que tratam cada situaccedilatildeo casuisticamente A

primeira vista nossa impressatildeo foi de que essa era uma boa maneira de lidar com o

problema da violecircncia domeacutestica porque cada mulher estaacute inserida em um contexto

diferente Poreacutem ao longo das entrevistas notamos que o domiacutenio do real acaba

influenciando esta casuiacutestica e diminuindo seu potencial empoderador Isso acontece

porque a estrutura social machista acaba levando a anaacutelise de caso para um

julgamento social da mulher em que muitas vezes o discurso anterior ao seu

atendimento (domiacutenio atual) influencia diretamente a ajuda que ela vai receber do

oacutergatildeo (domiacutenio empiacuterico)

Explorando mais a questatildeo das zonas urbana e agraacuteria haacute evidecircncias de que a

zona agraacuteria eacute muito pouco conhecida pelas organizaccedilotildees que lidam com a violecircncia

de gecircnero Em relaccedilatildeo ao contexto urbano as organizaccedilotildees parecem convergir mais

em termos de discursos sobre as manifestaccedilotildees do machismo nas cidades e as causas

da violecircncia de gecircnero nas mesmas Poreacutem o mesmo natildeo acontece em relaccedilatildeo agraves

zonas agraacuterias

Eacute importante ressaltar que na maioria das entrevistas quando explicamos os

objetivos da pesquisa os entrevistados comeccedilavam a conversa afirmando seu

desconhecimento do que acontece na aacuterea agraacuteria mesmo quando se tratavam de

organizaccedilotildees cuja amplitude de atuaccedilatildeo de jure (BAUMAN 2001) incluiacutea essas

localidades Agravam essa questatildeo tanto elementos extra-discursivos como a falta de

profissionais e dados pouco confiaacuteveis sobre o que acontece devido agrave subnotificaccedilatildeo

como tambeacutem os discursos formados pelos atores sobre a zona agraacuteria Apesar de se

colocarem quase sempre como incapazes de comentar sobre a zona agraacuteria ao longo

das entrevistas surgiram vaacuterios discursos sobre como o machismo de manifesta no

contexto rural as suas causas e como isso se tornava violecircncia contra a mulher

Notamos entatildeo que os sentidos construiacutedos eram muito heterogecircneos em relaccedilatildeo aos

entrevistados e formados com base em um caso especiacutefico com o qual tiveram

contato ou agraves vezes sem contato nenhum com mulheres da zona agraacuteria Isso mostra

como o domiacutenio do real eacute forte na determinaccedilatildeo dos discursos e a falta da

68

experimentaccedilatildeo empiacuterica dos atores com a realidade das mulheres em situaccedilatildeo de

violecircncia em contextos agraacuterios intensifica a estrutura social machista pela

reproduccedilatildeo de discursos machistas para suprir o vaacutecuo do conhecimento sobre essa

situaccedilatildeo

Por fim todos esses pontos colocados satildeo evidecircncias que mostram como os

trecircs domiacutenios da vida social impactam na existecircncia ou natildeo de poliacuteticas puacuteblicas para

mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia nas zonas urbana e agraacuteria Ou seja quando se

muda os discursos sem mudar os elementos extra-discursivos nem a estrutura social

as mudanccedilas natildeo satildeo profundas o suficiente para atacar um problema complexo como

este e acabam por vezes tendo um efeito perverso de reproduzir as causas deste

mesmo problema transmitindo a impressatildeo de que ele estaacute sendo de fato resolvido

51 Implicaccedilotildees para a Praacutetica

As reflexotildees geradas nesse trabalho pretendem ser uacuteteis para mudar o

problema na praacutetica dado os objetivos criacuteticos da ACD Nesse sentido acreditamos

que um dos achados que move accedilotildees praacuteticas eacute a invisibilidade da violecircncia contra a

mulher em contextos agraacuterios Natildeo haacute dados sendo gerados sobre essas mulheres em

situaccedilatildeo de violecircncia ateacute porque elas natildeo costumam chegar agraves instituiccedilotildees formais

que lidam com o problema Nesse sentido apontamos para a urgecircncia dessas

instituiccedilotildees buscarem ativamente essas mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia na zona

agraacuteria para conhecerem melhor as demandas especiacuteficas desse puacuteblico e poderem

entatildeo compreender melhor o problema

Tambeacutem no que diz respeito agrave invisibilidade haacute pouca produccedilatildeo acadecircmica

utilizando a ontologia do Realismo Criacutetico para se pensar em violecircncia de gecircnero e

natildeo encontramos nenhuma bibliografia que discuta o contexto especiacutefico de mulheres

em situaccedilatildeo de violecircncia em zonas agriacutecolas A academia poderia entatildeo ajudar a

colocar esse tema na agenda e a delimitar mais detidamente as manifestaccedilotildees da

estrutura social machista nesse contexto

Enfim acreditamos que uma contribuiccedilatildeo praacutetica estaacute relacionada agraves

evidecircncias encontradas de que a maior parte dos esforccedilos do poder puacuteblico para

69

atacar a violecircncia contra a mulher estaacute focada em campanhas de conscientizaccedilatildeo

Queriacuteamos apontar que uma contribuiccedilatildeo desse trabalho eacute apontar que as campanhas

de conscientizaccedilatildeo natildeo mudam nem a estrutura social nem os elementos extra-

discursivos das mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia como a necessidade de recursos

financeiros para poder sair de casa e caminhos institucionais para poder por exemplo

mudar os filhos de creche quando estatildeo nessa situaccedilatildeo

52 Limitaccedilotildees da Pesquisa

Apesar das contribuiccedilotildees teoacutericas e praacuteticas da pesquisa houve uma mudanccedila

no que se pretendia inicialmente estudar pela falta de dados acerca do contexto

agriacutecola e pouco contato das organizaccedilotildees com mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia

nesse contexto Dessa forma essa pesquisa eacute limitada porque apesar de querer

entender os diferentes contextos a compreensatildeo no contexto urbano foi muito maior

Nesse sentido os discursos coletados acerca do contexto agriacutecola eram

apontados pelos proacuteprios entrevistados como impressotildees infundadas por natildeo se

basearem na sua experiecircncia profissional nem em conhecimento teoacuterico pela

inexistecircncia de estudos Assim os discursos eram muito mais heterogecircneos do que os

que dizem respeito ao contexto urbano e demonstrou que natildeo haacute diagnoacutestico desse

problema e que os sentidos acerca do mesmo ainda estatildeo sendo construiacutedos pelos

profissionais que trabalham na aacuterea e por enquanto estaacute negociada mais a inaccedilatildeo do

que o como agir

Por fim como apontamos ao longo do trabalho natildeo encontramos experiecircncias

concretas de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia nas aacutereas

agraacuterias no estados de Goiaacutes e Satildeo Paulo Desta forma achamos relevante continuar

essa busca por experiecircncias que lidam com esse problema em uma pesquisa posterior

70

6 Referecircncias Bibliograacuteficas

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acessado em 30072015

74

7 Anexos

71 Roteiro SEMIRA

1) Na sua opiniatildeo o que eacute poliacutetica de gecircnero Existe alguma

especificidade na hora de elaborar esse tipo de poliacutetica O que a diferencia eou

aproxima de poliacuteticas de outras aacutereas

2) O que vocecirc acredita que satildeo as causas das desigualdades de gecircnero A

SEMIRA combate as causas diretamente como

3) Como foi a evoluccedilatildeo do tratamento da questatildeo de gecircnero no Estado

Qual a estrutura organizacional da secretaria para lidar com a violecircncia de gecircnero

4) O que significa para vocecirc o fato de poliacuteticas de gecircnero serem

transversais Como isso se materializa na accedilatildeo da SEMIRA

5) Quais satildeo os desafios na hora de formular eou implementar poliacuteticas

transversais O machismo se manifesta nesses momentos na hora de lidar com outras

secretarias que natildeo atuam diretamente com a questatildeo de gecircnero

6) A mudanccedila para uma secretaria mais ampla em termos de temas

abarcados muda a maneira como a transversalidade eacute abordada Como

7) A transversalidade tambeacutem muda de acordo com os contextos urbanos

e rural Como ela se relaciona a esses contextos

8) Como o machismo se manifesta na sociedade E na aacuterea rural E na

aacuterea urbana Compare as duas Existem outros fatores culturais que diferenciam a

aacuterea rural e urbana e que influenciam a maneira como a violecircncia de gecircnero se

manifesta

9) Existe diferenccedila entre violecircncia de gecircnero nos acircmbitos rural e urbano

10) Se sim quais as implicaccedilotildees dessa diferenccedila E a secretaria incorpora

essa diferenccedila na formulaccedilatildeo das suas poliacuteticas puacuteblicas

11) O Estado consegue chegar a uma mulher viacutetima de violecircncia da

mesma maneira na aacuterea urbana e rural

12) Vocecirc sente diferenccedila na maneira como os funcionaacuterios policiais

delegados etc lidam com a violecircncia de gecircnero em zonas mais rurais ou urbanas

75

Como essa diferenccedila se manifesta e como a SEMIRA lida com a diferenccedila entre

atores parceiros

13) Como surgiu a SEMIRA Quais foram os atores importantes Qual

era e eacute a sua relaccedilatildeo da SEMIRA com outros oacutergatildeos do governo do Estado

14) Quais satildeo as poliacuteticas puacuteblicas da secretaria direcionadas para o

enfrentamento da violecircncia de gecircnero Como elas comeccedilaram Como elas

funcionam

15) Qual eacute o histoacuterico da poliacutetica dos ocircnibus multidisciplinares que vatildeo ao

campo Como foi a aceitaccedilatildeo pela populaccedilatildeo Continuidade

72 Formulaacuterio de Consentimento Entrevista

Mulheres em situaccedilatildeo de vulnerabilidade social Contextos Construccedilatildeo Simboacutelica

e Poliacuteticas Puacuteblicas

Beatriz Junqueira Kipnis

FGV-EAESP

Sou Beatriz Junqueira Kipnis aluna de graduaccedilatildeo em Administraccedilatildeo Puacuteblica

na Fundaccedilatildeo Getulio Vargas de Satildeo Paulo Estou fazendo uma pesquisa de iniciaccedilatildeo

cientiacutefica sob orientaccedilatildeo dos Prof Dr Marcus Vinicius Peinado Gomes e Prof Dr

Fernando Burgos O objetivo desta pesquisa eacute descobrir se e como os contextos

agriacutecola e urbano impactam na formulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em

situaccedilatildeo de violecircncia e quais as implicaccedilotildees de semelhanccedilas e diferenccedilas dos mesmos

para o cotidiano do puacuteblico beneficiaacuterio Gostariacuteamos de contar com a sua

participaccedilatildeo voluntaacuteria para a parte de campo da pesquisa pois acreditamos que

conhecer a experiecircncia praacutetica possibilitaraacute e enriqueceraacute as anaacutelises dessa pesquisa

Para isso deixamos explicitada nossa eacutetica de pesquisa e pedimos que assine esse

formulaacuterio em caso de consentimento

1 Confidencialidade

Esta entrevista tem como objetivo coletar informaccedilotildees para esta pesquisa e

portanto possui objetivo estritamente acadecircmico Qualquer comentaacuterio opiniatildeo ou

76

avaliaccedilotildees que vocecirc fizer seratildeo tratados com confidencialidade e analisados apenas

para os interesses desta pesquisa

2 Permissatildeo para citaccedilatildeo

Eu gostaria de poder citar diretamente trechos de nossa conversa nos relatoacuterios

e publicaccedilotildees oriundas desta pesquisa Caso deseje manter seu anonimato por favor

manifeste sua preferecircncia antes do iniacutecio da entrevista

3 Participaccedilatildeo

Sua participaccedilatildeo nesta pesquisa eacute voluntaacuteria e vocecirc natildeo receberaacute nenhum

pagamento para tal

Vocecirc pode decidir a qualquer momento por qualquer razatildeo em natildeo mais

fazer parte desta pesquisa Em caso de duacutevidas ou esclarecimentos vocecirc pode fazer

perguntas a mim em qualquer momento

3 Gravaccedilatildeo

Gostaria de pedir sua permissatildeo para gravar nossa entrevista com o uacutenico

proposito de facilitar o processo de pesquisa Se vocecirc natildeo concorda com a gravaccedilatildeo

por favor manifeste sua preferecircncia antes do iniacutecio da entrevista

Assinatura do Entrevistado ___________________________________________

Data _____________________________________________

Assinatura do Pesquisador _____________________________

Data _____________________________________________

Caso tenha alguma duacutevida sobre o estudo por favor entrar em contato com

Beatriz Kipnis bjkipnishotmailcom ou Dr Marcus Gomes marcusgomesfgvbr

Page 4: Fundação Getúlio Vargas Escola de Administração de ......mulheres de áreas agrícolas e se sentiam pouco à vontade para comentar sobre a violência contra mulheres nessas áreas.

4

1 Introduccedilatildeo

A violecircncia contra a mulher eacute um problema que atinge o Brasil com nuacutemeros

desastrosos Segundo estudo do Laboratoacuterio de Anaacutelises Econocircmicas Histoacutericas

Sociais e Estatiacutesticas (LAESER 2014) em 2012 houve 103794 mil notificaccedilotildees de

mulheres que sofreram violecircncia domeacutestica sexual dentre outras Entre 2011 e 2012

30607 mulheres sofreram violecircncia sexual dentre as quais 22884 mulheres foram

viacutetimas de estupro (LAESER 2014) o que significa 62 mulheres estupradas por dia

ou 261 mulheres estupradas por hora

Houve mudanccedilas significativas em termos dos aparatos legais disponiacuteveis

para combater a violecircncia de gecircnero e consequentemente um movimento de expansatildeo

de instituiccedilotildees ligadas a esse trabalho como delegacias especializadas e organizaccedilotildees

especiacuteficas para mulheres No entanto nos pareceu que esse avanccedilo ainda natildeo leva

em consideraccedilatildeo uma possiacutevel diferenccedila entre violecircncia de gecircnero em contextos

agriacutecola e urbano

A premissa da pesquisa era que as mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia nessas

regiotildees agriacutecolas ficam mais escondidas ndash ou invisiacuteveis ndash agraves accedilotildees do poder puacuteblico

Tambeacutem parece que outras loacutegicas permeiam esse lugar fazendo com que a situaccedilatildeo

das mulheres viacutetimas da violecircncia seja diferente daquelas que habitam regiotildees mais

urbanizadas e portanto criando praacuteticas diferentes que influenciam e satildeo

influenciadas pelas poliacuteticas puacuteblicas que pretendem abordar o problema Esse

problema estaacute presente nas aacutereas urbana e agraacuteria do Brasil poreacutem a quase totalidade

dos dados produzidos sobre o tema estatildeo concentrados na aacuterea urbana sobretudo

porque natildeo haacute nenhuma coleta de dados especiacutefica para a aacuterea agraacuteria e na coleta

comum esta aacuterea apresenta muita subnotificaccedilatildeo

Corroborando com esta ausecircncia nas poliacuteticas puacuteblicas haacute tambeacutem uma

lacuna na literatura sobre violecircncia contra a mulher no que tange as diferenccedilas entre

violecircncia de gecircnero nos contextos urbano e agriacutecola Aleacutem disso ausecircncia de dados

puacuteblicos sobre a violecircncia de gecircnero no ambiente agriacutecola reforccedilam a ideia da

invisibilidade desta questatildeo Eacute esta aparente tensatildeo que motivou essa pesquisa sobre a

5

existecircncia dessas diferenccedilas e se os aparatos estatais levam ou natildeo em conta as

mesmas na hora de elaborar e implementar poliacuteticas puacuteblicas para combater a

violecircncia de gecircnero Dessa maneira a pergunta que orientou esse trabalho eacute os

contextos agriacutecola e urbano influenciam a construccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para

mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia

Por meio de uma anaacutelise criacutetica do discurso analisamos os sentidos sobre

violecircncia contra a mulher e as poliacuteticas puacuteblicas relacionadas a este tema

Constatamos que este problema puacuteblico estaacute em constante negociaccedilatildeo sendo que os

sentidos do que eacute violecircncia de gecircnero quais satildeo suas causas e quais satildeo os caminhos

para combatecirc-la satildeo sentidos construiacutedos e reconstruiacutedos pelos formuladores

implementadores e stakeholders diversos como ONGs e sociedade civil

Nesse sentido substanciando as poliacuteticas puacuteblicas haacute uma negociaccedilatildeo de

sentido sobre a violecircncia contra a mulher O tema entra na agenda nos anos setenta

pelo alto nuacutemero de assassinatos de mulheres e comeccedila a acontecer uma

renegociaccedilatildeo de sentidos quanto agrave violecircncia contra a mulher que antes era vista como

um problema da esfera privada e passa a ser enfrentada como um problema puacuteblico

(BANDEIRA 2014) Jaacute em 1985 as Delegacias Especiais de Atendimento agraves

Mulheres satildeo criadas pela nova negociaccedilatildeo de que esse problema precisava ser

tratado por mulheres E somente em 2005 depois de diversas negociaccedilotildees e

mudanccedilas legais foi criada a Lei Maria da Penha como resultado dessas

ressignificaccedilotildees do problema As mudanccedilas juriacutedicas como a Lei Maria da Penha

estatildeo trazendo mudanccedilas graduais importantes Poreacutem ainda existe uma distancia

entre a lei e os elementos praacuteticos que acabam reproduzindo a estrutura social

machista todavia presente na sociedade brasileira

Apesar do grande avanccedilo na questatildeo a questatildeo rural permanece como um

grande silecircncio sendo que a ausecircncia de dados sobre o contexto rural dificulta a

melhor compreensatildeo destas relaccedilotildees sociais Esta eacute uma limitaccedilatildeo da pesquisa uma

vez que prejudicou uma anaacutelise mais profunda sobre o contexto agriacutecola Assim uma

recomendaccedilatildeo desta pesquisa para a administraccedilatildeo puacuteblica eacute a produccedilatildeo de pesquisas

e dados sobre o tema de forma a subsidiar o debate puacuteblico e a consequente

elaboraccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas

6

Nesse sentido este trabalho busca contribuir iniciando uma discussatildeo acerca

da invisibilidade das mulheres em contextos agriacutecolas e da especificidade das

manifestaccedilotildees do machismo nesse contexto Fica evidente ao longo do trabalho a

necessidade de gerar dados sobre violecircncia de gecircnero nas aacutereas agriacutecolas afim de que

o problema possa ser melhor compreendido e tambeacutem de se aprofundar poliacuteticas

puacuteblicas que atendam essa populaccedilatildeo para que os profissionais da temaacutetica de gecircnero

comecem a entender melhor o problema da violecircncia de gecircnero em aacutereas agriacutecolas

levando a mais e melhores poliacuteticas puacuteblicas para atender a essa populaccedilatildeo

Os achados da pesquisa mostraram que natildeo haacute grande diferenccedila nos elementos

discursivos em relaccedilatildeo aos contextos urbano e agriacutecola poreacutem existe uma diferenccedila

nas manifestaccedilotildees do discurso em accedilatildeo e seus elementos extra-discursivos Com essa

conclusatildeo temos evidecircncias de que a estrutura social do machismo permeia ambos

contextos agriacutecola e urbano poreacutem pode ser manifestado de maneiras distintas

apesar da uniformidades dos discursos de quem trabalha em organizaccedilotildees voltadas

para o combate agrave violecircncia de gecircnero Tal distinccedilatildeo seria suficiente para a existecircncia

de poliacuteticas puacuteblicas distintas jaacute que o machismo se manifesta de maneiras distintas

Para chegar a essas consideraccedilotildees a pesquisa apresenta inicialmente uma revisatildeo da

literatura para delimitar o conceito de poliacuteticas puacuteblicas de quem estamos falando

enquanto ldquopuacuteblicordquo como esse processo de significaccedilatildeo estaacute em negociaccedilatildeo e o

contexto em que ele se insere A seguir haacute uma discussatildeo metodoloacutegica que busca

delimitar o campo ontoloacutegico do trabalho o Realismo Criacutetico e em seguida expor as

diferentes possibilidades epistemoloacutegicas e explicar a escolha da Anaacutelise Criacutetica do

Discurso como maneira de estudar essa ontologia A partir dessa especificaccedilatildeo

traccedilamos os objetivos da pesquisa para entatildeo comeccedilarmos a pesquisa de campo em

Goiaacutes e em Satildeo Paulo A proacutexima etapa consiste na anaacutelise do campo agrave luz da

bibliografia e metodologia levantadas afim de descrever o contexto dos formuladores

e implementadores de poliacuteticas puacuteblicas para combater a violecircncia de gecircnero Nessa

fase da pesquisa como descrevemos na metodologia (seccedilatildeo 3) e nas anaacutelises do

campo (seccedilatildeo 4) descobrimos como na praacutetica a existecircncia de soluccedilotildees reais que

levam em consideraccedilatildeo as diferenccedilas de violecircncia contra a mulher nas zonas agraacuteria e

rural satildeo muito poucas Logo a anaacutelise do discurso inclui ainda reflexotildees sobre essas

7

diferenccedilas no entanto a seccedilatildeo que discorre sobre as soluccedilotildees sendo formuladas ou

implementadas se concentra mais nas aacutereas urbanas uma vez que essa foi a realidade

com a qual nos deparamos no campo Por fim encerramos discorrendo sobre os

achados e contribuiccedilotildees desta pesquisa assim como quais satildeo os horizontes para

novas pesquisas sobre o tema

8

2 Referencial Teoacuterico

21Poliacuteticas Puacuteblicas

211 O que satildeo poliacuteticas puacuteblicas e quais os seus processos

Poliacuteticas puacuteblicas podem ser entendido como a soma de accedilotildees e decisotildees que

ocorrem por parte de atores puacuteblicos ndash estatais ou natildeo ndash e natildeo puacuteblicos para resolver

uma situaccedilatildeo definida como um problema coletivo (SUBIRATS et al 2012) Saravia

(2006 P29) define poliacutetica puacuteblica como

()um sistema de decisotildees puacuteblicas que visa a accedilotildees ou omissotildees

preventivas ou corretivas destinadas a manter ou modificar a realidade de

um ou vaacuterios setores da vida social por meio da definiccedilatildeo de objetivos e

estrateacutegias de atuaccedilatildeo e da alocaccedilatildeo de recursos necessaacuterios para atingir os

objetivos estabelecidos

Isso significa que poliacutetica puacuteblica atraveacutes da accedilatildeo ou inaccedilatildeo age com

determinada finalidade e isso ocorre atraveacutes de um processo de definiccedilatildeo de

prioridades Encontramos evidecircncias ao longo da pesquisa de que esta inaccedilatildeo eacute

tambeacutem uma escolha em relaccedilatildeo ao problema da violecircncia de gecircnero em aacutereas

agriacutecolas Os entrevistados em geral tinham tido pouco ou nenhum contato com

mulheres de aacutereas agriacutecolas e se sentiam pouco agrave vontade para comentar sobre a

violecircncia contra mulheres nessas aacutereas Nesse sentido a falta de accedilatildeo foi uma escolha

poliacutetica tambeacutem por decidir natildeo se produzir dados acerca dessa violecircncia ndash como

seraacute demostrado ateacute haacute dois anos natildeo havia nenhuma iniciativa especificamente

direcionada para esse puacuteblico Enfim o impacto disso eacute um ciclo vicioso de falta de

poliacuteticas puacuteblicas gerando falta de dados sobre o problema que criam um discurso de

justificativa para a inaccedilatildeo

Uma poliacutetica puacuteblica passa por algumas etapas importantes que satildeo

sistematizadas em fases mas natildeo ocorrem necessariamente em ordem cronoloacutegica e

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podem ser simultacircneas De acordo com Saravia (2006) essas fases satildeo agenda

elaboraccedilatildeo formulaccedilatildeo implementaccedilatildeo execuccedilatildeo acompanhamento e avaliaccedilatildeo A

agenda eacute a fase em que determinada situaccedilatildeo se transforma em problema puacuteblico

(SARAVIA 2006) ou seja quando o Estado decide realizar alguma decisatildeo puacuteblica

sobre determinado problema seja ela atraveacutes da accedilatildeo ou da omissatildeo A elaboraccedilatildeo eacute

quando satildeo traccediladas as diferentes alternativas de accedilatildeo do Estado frente a esse

problema (SARAVIA 2006) Depois a formulaccedilatildeo eacute quando uma alternativa eacute

escolhida e aprofundada para lidar com o problema (SARAVIA 2006) Em seguida

acontece a implementaccedilatildeo dessa alternativa isto eacute a preparaccedilatildeo em termos de

recursos materiais e humanos para realizar a poliacutetica puacuteblica (SARAVIA 2006) A

execuccedilatildeo por sua vez eacute a accedilatildeo em si a praacutetica do planejamento realizado (SARAVIA

2006) Depois o acompanhamento eacute o monitoramento da poliacutetica puacuteblica enquanto

ela estaacute em fase de execuccedilatildeo para poder fazer alteraccedilotildees se necessaacuterias e corrigir o

rumo de acordo com os objetivos pretendidos (SARAVIA 2006) Por fim a

avaliaccedilatildeo eacute a verificaccedilatildeo do desempenho da poliacutetica puacuteblica depois que ela foi

executada e pode ser medida em termos de eficiecircncia eficaacutecia e efetividade

Eacute importante ressaltar que todas as etapas das poliacuteticas puacuteblicas satildeo

influenciadas pelo discurso uma vez que poliacutetica puacuteblica natildeo eacute o resultado de uma

anaacutelise meramente racional e cientiacutefica e sim influenciada por julgamentos de valor e

significados atribuiacutedos aos problemas puacuteblicos embora a poliacutetica puacuteblica aconteccedila

atraveacutes dessas etapas a poliacutetica se realiza na negociaccedilatildeo dos significados Saravia

(2006) ressalta nesse sentido a importacircncia das instituiccedilotildees no processo das poliacuteticas

puacuteblicas como podemos perceber no trecho

Os estudos de poliacutetica puacuteblica mostram a importacircncia das insituiccedilotildees

estatais tanto como organizaccedilotildees pelas quais os agentes puacuteblicos (eleitos ou

administrativos) perseguem finalidades que natildeo satildeo exclusivamente respostas

a necessidades sociais como tambeacutem configuraccedilotildees e accedilotildees que estruturam

modelam e influenciam os processos econocircmicos com tanto peso como as

classes e os grupos de interesse (SARAVIA 2006 p 37)

10

Ou seja as poliacuteticas puacuteblicas satildeo produzidas dentro de um contexto

organizacional que influencia o desenho e o resultado que se atinge com uma poliacutetica

puacuteblica

212 O que e quem estaacute incluso no ldquopuacuteblicordquo tratado pelas poliacuteticas puacuteblicas

Como vimos na seccedilatildeo anterior existe uma negociaccedilatildeo sobre a definiccedilatildeo o que

satildeo problemas puacuteblicos e decidir a partir da definiccedilatildeo do problema como seratildeo

combatidos Nesse sentido uma das questotildees que vecircm agrave tona na delimitaccedilatildeo do

problema eacute a negociaccedilatildeo do sentido de lsquopuacuteblicorsquo uma vez que este natildeo eacute um conceito

consensual se tratando de um sentido tambeacutem em disputa (FREDERICKSON 1991)

Algumas perspectivas diferentes satildeo possiacuteveis para ressaltar a multiplicidade de

interpretaccedilotildees diferentes do que eacute entendido como puacuteblico De acordo com

Frederickson (1991) as principais perspectivas satildeo pluralista do public choice

legislativa do cliente e cidadatilde

A perspectiva pluralista eacute aquela que entende como puacuteblico a manifestaccedilatildeo da

interaccedilatildeo entre grupos de interesses que disputam o poder poliacutetico

(FREDERICKSON 1991) Esses grupos seriam meras agregaccedilotildees de pessoas com

interesses individuais sendo o interesse de cada grupo a aglomeraccedilatildeo dos interesses

particulares dos participantes Em decorrecircncia da disputa entre grupos de interesse o

interesse puacuteblico seria o grupo que vencesse tal luta Frederickson (1991) ressalta

como risco dessa perspectiva que o interesse puacuteblico resultante da disputa de grupos

de interesse natildeo seja a representaccedilatildeo efetiva tanto dos indiviacuteduos dentro dos grupos

quanto daqueles que natildeo fazem parte de grupos por natildeo serem interessantes

politicamente ou economicamente para tais aglomeraccedilotildees

Por sua vez a perspectiva do public choice manteacutem a ideia pluralista de que

um grupo eacute soacute uma agregaccedilatildeo de pessoas e que portanto o indiviacuteduo faz um caacutelculo

racional para aumentar sua eficiecircncia no setor puacuteblico (FREDERICKSON 1991)

Isso implica em uma visatildeo dos servidores puacuteblicos como maximizadores de interesses

particulares e que natildeo estariam interessados em maximizar o interesse coletivo

Enfim essa visatildeo entende o puacuteblico e o seu interesse como o do maior nuacutemero de

11

pessoas sendo utilitarista e consequentemente gerando a exclusatildeo de quem natildeo tem

recursos para fazer a escolha puacuteblica e a desconfianccedila nas motivaccedilotildees dos

governantes

Jaacute a perspectiva legislativa eacute aquela em que os administradores puacuteblicos

operam o que eacute decidido pelo legislativo (FREDERICKSON 1991) Este por sua vez

seria a arena de representaccedilatildeo legiacutetima do interesse puacuteblico O autor

(FREDERICKSON 1991) ressalta entretanto que na praacutetica as leis satildeo ambiacuteguas e

permitem interpretaccedilotildees diferentes por parte dos administradores puacuteblicos Aleacutem

disso haacute um conflito de forccedila em relaccedilatildeo ao que eacute exigido pelo executivo que os

administradores puacuteblicos executem em detrimento do legislativo No mais haacute outro

dilema nessa concepccedilatildeo porque representaccedilatildeo natildeo eacute algo que se encerra no

legislativo havendo outras arenas representativas como os grupos de interesse

anteriormente citados

Outra visatildeo possiacutevel eacute de puacuteblico como cliente em que os indiviacuteduos satildeo

consumidores dos serviccedilos puacuteblicos Isso implica no contato direto entre clientes e

burocratas de niacutevel de rua o que leva ao impasse de que os burocratas precisam

colocar as necessidades dos clientes como mais importantes e ao mesmo tempo

precisam ser imparciais impessoais (FREDERICKSON 1991) Aleacutem disso falta

verba para que a qualidade e quantidade dos serviccedilos puacuteblicos oferecidos atendam agraves

demandas dos clientes De acordo com Frederickson (1991) essa perspectiva seria

fraca porque clientes natildeo conseguem funcionar como puacuteblico isto eacute cada indiviacuteduo

agindo como cliente natildeo se articula enquanto grupos para defender seus interesse e os

burocratas podem se organizar enquanto grupo de interesse e conseguir suplantar os

clientes

Por fim podemos enxergar o puacuteblico como cidadatildeo o que significa que o

puacuteblico tem interesse proacuteprio e coletivo (FREDERICKSON 1991) Essa visatildeo

implica no papel da Administraccedilatildeo Puacuteblica de colocar em praacutetica os valores definidos

por uma constituiccedilatildeo No entanto essa perspectiva natildeo enxerga o legislativo como

arena de representaccedilatildeo final dos interesses puacuteblicos sendo que todos satildeo cidadatildeos e

devem ser contemplados pela administraccedilatildeo puacuteblica sendo ou natildeo minorias Entatildeo

faria parte do dever da administraccedilatildeo puacuteblica criar um arcabouccedilo institucional

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possibilitador de participaccedilatildeo direta dos cidadatildeos e tambeacutem advogar pelos direitos de

minorias sem poder representativo A Administraccedilatildeo Puacuteblica tambeacutem deve nessa

perspectiva desenvolver e manter sistemas capazes de captar e responder os puacuteblicos

coletivos ou natildeo tendo em vista sempre o interesse do coletivo maior sem ferir os

direitos das minorias (FREDERICKSON 1991)

No mais a perspectiva do puacuteblico como cidadatildeo exige um entendimento da

cidadania de ambos os lados isto eacute a administraccedilatildeo puacuteblica deve enxergar o puacuteblico

como cidadatildeos mas os cidadatildeos precisam agir como tais Isso exigiria segundo

Frederickson (1991) o entendimento pelos cidadatildeos da constituiccedilatildeo e portanto dos

valores defendidos pela mesma e tambeacutem a capacidade de raciocinar moralmente

compatibilizando interesses particulares e coletivos tendo como medida o documento

constitucional Aleacutem disso seria essencial a crenccedila dos cidadatildeos em direitos

ldquonaturaisrdquo e natildeo na ideia de que a maioria teria poder legiacutetimo mas que todos tecircm

que ter esses direitos miacutenimos garantidos sendo ou natildeo parte da maioria

(FREDERICKSON 1991)

A reflexatildeo de Frederickson (1991) vai aleacutem de uma categorizaccedilatildeo sobre os

diferentes significados de puacuteblicos construiacutedos pela interaccedilatildeo do Estado e seus

cidadatildeos ao contraacuterio ressalta que a visatildeo sobre o que eacute lsquopuacuteblicorsquo natildeo eacute definido a

priori no ciclo de poliacuteticas puacuteblicas ao contraacuterio eacute negociada neste processo Neste

sentido a pluralidade normativa da visatildeo de lsquopuacuteblicorsquo faz parte da estrateacutegia

organizacional de determinado oacutergatildeo da Administraccedilatildeo Puacuteblica Isso porque as

praacuteticas cotidianas da organizaccedilatildeo transparecem determinado tratamento de puacuteblico e

acabam resultando em uma estrateacutegia organizacional que produz uma poliacutetica puacuteblica

com determinado vieacutes para o que eacute considerado puacuteblico

213 A produccedilatildeo de conhecimento e a importacircncia das praacuteticas cotidianas

Continuando esse o argumento da disputa de significados o conhecimento

tambeacutem eacute uma construccedilatildeo social e como tal estaacute sujeito a poderes em conflito e

mudanccedilas As poliacuteticas puacuteblicas satildeo influenciadas por essa construccedilatildeo social do

conhecimento uma vez que as situaccedilotildees dependem de uma significaccedilatildeo social para

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serem consideradas como problemas puacuteblicos e portanto entrarem na agenda de

governo Nesse sentido o que eacute considerado como conhecimento vaacutelido faz parte de

uma ideia que a sociedade tem do que eacute legitimamente visto como conhecimento ou

natildeo e isso varia de acordo com tempo e lugar (SPINK 2001) Desde o berccedilo as

universidades satildeo um local onde essa tensatildeo entre conhecimento legitimado ou natildeo

persiste no cotidiano e satildeo espaccedilos em que a luta pelo reconhecimento da

heterogeneidade de conhecimentos muitas vezes fica em um segundo plano vis-agrave-vis

o conhecimento produzido pela proacutepria academia e desvinculado muitas vezes da

realidade cotidiana do objeto estudado (SPINK 2001)

Essa dicotomia entre produccedilatildeo de conhecimento nas universidades e na

praacutetica reduziu apenas recentemente sobretudo pela forccedila dos movimentos sociais

Eles mostraram que a sociedade civil produz conhecimentos relevantes para se

organizar e enfrentar os seus problemas do dia-a-dia sem necessariamente estarem

ligados ao conhecimento hegemocircnico do meio acadecircmico (SPINK 2001) Cresceu a

partir de entatildeo a noccedilatildeo de multiplicidade de conhecimentos e a importacircncia da

universidade reconhecer a importacircncia e estudar esses conhecimentos produzidos na

praacutetica

A construccedilatildeo desse leque de conhecimentos segundo Spink (2001) se daacute

sobretudo pela praacutetica vivida pelos grupos sociais na resoluccedilatildeo de problemas

enfrentados no cotidiano e que natildeo foram solucionados por organizaccedilotildees externas

Assim cada lugar eacute constituiacutedo de um contexto proacuteprio que tanto possibilita quanto

compele a produccedilatildeo de determinados conhecimentos

Dentro desses contextos uacutenicos de produccedilatildeo de conhecimento existem as

praacuteticas do cotidiano que fazem as organizaccedilotildees se construiacuterem enquanto tais e satildeo

tambeacutem por elas influenciadas As poliacuteticas puacuteblicas satildeo produzidas por organizaccedilotildees

e seus arranjos entre si ou seja satildeo influenciadas pelos contextos e praacuteticas do

mesmo Essas praacuteticas satildeo definidas por Schatzki (2007) como o conjunto de accedilotildees

estruturadas por uma organizaccedilatildeo Nessa visatildeo natildeo eacute a estrutura organizacional que

molda completamente as accedilotildees de seus constituintes mas uma relaccedilatildeo dialeacutetica em

que estruturas sociais e atores se influenciam mutuamente para formar as praacuteticas

desenvolvidas rotineiramente em uma organizaccedilatildeo As praacuteticas incluem segundo o

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autor quatro fenocircmenos principais

(1) understandings of (complexes of know-hows regarding) the actions

constituting the practice for example knowing how to email and to recognize

emailing and knowing how to deliver and recognize lectures (2) rules by

which I mean explicit directives admonishments or instructions that

participants in the practice observe or disregard (3) something I call a

teleological-affective structuring which encompasses a range of ends

projects actions maybe emotions and end-project-action combinations

(teleological orderings) that are acceptable for or enjoined of participants to

pursue and realize and (4) general understandings for example general

understandings about the nature of work about proper teacherndashstudent

interactions or about the commonality of fate (SCHATZKI 2007)

As praacuteticas podem portanto ser definidas como participantes ativas da

estrateacutegia organizacional A estrateacutegia enquanto praacutetica eacute um conceito que faz a

conexatildeo entre a caracteriacutestica ativa e dialeacutetica das praacuteticas cotidianas e a proacutepria

formulaccedilatildeo de estrateacutegias dentro de uma organizaccedilatildeo Esse conceito estaacute ligado a uma

visatildeo construtivista das estrateacutegias dentro de uma organizaccedilatildeo isto eacute as estrateacutegias

natildeo satildeo estaacuteveis ao longo do tempo passam por um processo de definiccedilatildeo e

redefiniccedilatildeo conforme ganham ou perdem legitimaccedilatildeo interna e externa ao ambiente

organizacional (SOUZA 2009)

Nesse sentido as estrateacutegias de uma organizaccedilatildeo podem mudar ou

permanecer ao longo do tempo de acordo com a relaccedilatildeo dupla entre agentes e

estrutura esta sendo composta de recursos disponiacuteveis normas e regras presentes e

entendimento compartilhado (SOUZA 2009) Os recursos disponiacuteveis podem ser

materiais como o ambiente fiacutesico de uma organizaccedilatildeo ou imateriais como a

capacitaccedilatildeo para exercer uma atividade dentro da mesma Esses recursos satildeo objeto

de uma luta permanente porque satildeo eles que possibilitam a dominaccedilatildeo de uma

estrateacutegia ou seja quem deteacutem mais recursos acaba tendo mais poder na hora de

defender sua posiccedilatildeo vis-agrave-vis uma estrateacutegia organizacional (SOUZA 2009) As

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normas e as regras podem ser formais como o estatuto de uma associaccedilatildeo que prevecirc

condutas permitidas eou exigidas para a participaccedilatildeo ou informais construiacutedas e

aceitas no cotidiano sem que sejam transcritas como o tipo de comportamento

considerado adequado dentro de determinada organizaccedilatildeo Satildeo as normas e regras

que constituem a legitimaccedilatildeo ou natildeo de estrateacutegias isto eacute elas permitem ou natildeo a

aceitaccedilatildeo de uma estrateacutegia em detrimento do que eacute aceito formal e informalmente no

ambiente organizacional (SOUZA 2009) Aleacutem disso haacute um entendimento

compartilhado em uma organizaccedilatildeo que significa as estrateacutegias isto eacute traduz

subjetivamente a estrateacutegia para uma dimensatildeo simboacutelica que eacute compreensiacutevel para a

realidade de seus agentes

Isso significa que formular e implementar estrateacutegias dentro de uma

organizaccedilatildeo satildeo processos inseridos dentro de um contexto permeado por

significaccedilotildees dominaccedilotildees e legitimaccedilotildees de discursos no cotidiano dos agentes e

portanto haacute uma tensatildeo constante e um diaacutelogo entre processos e contexto em que o

mesmo influencia e eacute influenciado pelos processos de definiccedilatildeoredefiniccedilatildeo de

estrateacutegia (SOUZA 2009) Assim podemos dizer que as organizaccedilotildees natildeo produzem

estrateacutegias no vaacutecuo jaacute que as praacuteticas que as constituem soacute satildeo significadas quando

satildeo ativadas pelos agentes e possibilitadas pelo contexto interno e externo agrave

organizaccedilatildeo tornando o contexto um elemento essencial para estudar as estrateacutegias

em organizaccedilotildees

Dessa forma poliacuteticas puacuteblicas podem ser entendidas como uma estrateacutegia

constantemente definida e redefinida em funccedilatildeo das negociaccedilotildees sobre os sentidos

dos problemas puacuteblicos A estrutura organizacional se torna entatildeo natildeo apenas

relevante para a determinaccedilatildeo da capacidade material de resoluccedilatildeo de um problema

social mas tambeacutem delimita um lugar simboacutelico sobre as possibilidades de accedilatildeo para

enfrentaacute-lo

22 Contextos onde as poliacuteticas puacuteblicas acontecem

No acircmbito dessa pesquisa pretendemos nos focar em principalmente dois

contextos diferentes que permeiam o processo de formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de

16

poliacuteticas puacuteblicas enquanto estrateacutegias de organizaccedilotildees da Administraccedilatildeo Puacuteblica

Podemos falar nos lugares e na diferenciaccedilatildeo entre contextos urbano e agriacutecola como

fator que influencia e eacute influenciado pelo ciclo de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em

situaccedilatildeo de violecircncia

Os contextos impactam nas praacuteticas e arranjos materiais disponiacuteveis em

determinado lugar (SPINK 2001) O lugar eacute onde ocorre a troca entre contexto

praacuteticas e arranjos como contextos agriacutecola e urbano estruturas organizacionais e

negociaccedilatildeo de sentidos e estrateacutegias para lidar com problemas puacuteblicos De acordo

com Milton Santos (2001) os lugares satildeo espaccedilos esquizofrecircnicos porque satildeo onde se

verificam os vetores da globalizaccedilatildeo e tambeacutem da contraordem O papel do lugar eacute

natildeo soacute onde se vive mas um lsquoespaccedilo vividorsquo em que satildeo reproduzidas eou

reavaliadas processos do passado e onde se projeta o futuro (SANTOS 2001) Nesses

lugares ocorrem os embates entre soluccedilotildees imediatistas e visotildees finaliacutesticas

conjuntura e estrutura (SANTOS 2001)

A ideia de lugar compreende a importacircncia dos processos construiacutedos e que

constroem um contexto Schatzki (2005) em sua teoria sobre como satildeo construiacutedos

os fenocircmenos sociais afirma que estes estatildeo ligados aos lugares

Sites however are a particularly interesting sort of context What

makes them interesting is that context and contextualized entity constitute one

another what the entity or event is is tied to the context just as the nature and

identity of the context is tied to the entity or event (among others)(p 468)

Essa definiccedilatildeo eacute entatildeo especificada ao social em que o lugar ldquodo social eacute

composto de nexos de praacuteticas e arranjos materiaisrdquo (SCHATZKI 2005 p471) As

praacuteticas seriam as atividades humanas e os arranjos materiais incluem as pessoas os

artefatos outros organismos e coisas

Os fenocircmenos sociais fazem parte das teias formadas dentro dos lugares e da

relaccedilatildeo entre eles sendo ao mesmo tempo produto e alimento desses lugares As

organizaccedilotildees de acordo com o autor (SCHATZKI 2005) seriam um desses

fenocircmenos sociais Fazendo parte dessa teia as organizaccedilotildees satildeo constituiacutedas por

praacuteticas sobreviventes previamente de outras organizaccedilotildees (vindas com as

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experiecircncias passadas dos indiviacuteduos que a constituem) e uma mistura de praacuteticas do

presente que satildeo alteradas ou natildeo para materializar a razatildeo de existecircncia da

organizaccedilatildeo e arranjos materiais velhos e novos (SCHATZKI 2005 p476) Schatzki

(2005) ressalta que trecircs pontos satildeo essenciais para compreender uma organizaccedilatildeo

identificar as accedilotildees que a compotildeem identificar o conjunto de praacuteticas e arranjos

materiais em que as accedilotildees estatildeo inseridas identificar as outras teias de conjuntos de

praacuteticas e arranjos que se ligam agrave teia que compotildee a organizaccedilatildeo

Podemos clarificar ainda mais a ideia de lugares com a contribuiccedilatildeo de Spink

(2001) que define lugar como ldquoponto de partida para refletir sobre a organizaccedilatildeo

porque permite um olhar a partir de um enraizamento na processualidade do cotidiano

e fora dos muros das organizaccedilotildeesrdquo (SPINK 2001 p18) Esse termo tambeacutem foca

nos processos construiacutedos pelos indiviacuteduos suas relaccedilotildees e o contexto nos quais

participam e as organizaccedilotildees como parte desses processos em que haacute tensotildees e natildeo

como uma entidade que existe sem a accedilatildeo de pessoas Aleacutem disso Spink (2001)

ressalta a importacircncia da construccedilatildeo social dos sentidos que damos agraves accedilotildees e

materialidades que compotildeem o cotidiano o que dialoga com a ideia de Schatzki

(2005) de como compreender as accedilotildees dos indiviacuteduos

Assim pretendemos compreender as regiotildees agriacutecola e urbana como lugar

que satildeo indissociaacuteveis daquilo que os constituem (Spink 2001 SCHATZKI 2005)

enquanto praacuteticas e arranjos constitucionais observaacuteveis materialmente a partir de

organizaccedilotildees puacuteblicas O estudo das organizaccedilotildees que formulam e implementam

essas poliacuteticas puacuteblicas eacute importante para entender quais os conjuntos de praacuteticas e

arranjos materiais que formam o contexto das poliacuteticas puacuteblicas em questatildeo e se

existem ligaccedilotildees e sobreposiccedilotildees entre praacuteticas eou arranjos materiais dessas

organizaccedilotildees

221 Cidades Urbanas e Agriacutecolas

Precisamos entatildeo definir o que satildeo regiotildees agriacutecolas e regiotildees urbanas como

lugar no qual as poliacuteticas puacuteblicas estatildeo inseridas Santos (1996) trouxe essa nova

tipologia de cidades agriacutecolas e urbanas porque as mudanccedilas econocircmicas impactaram

18

a organizaccedilatildeo do espaccedilo geograacutefico de tal forma que as atividades urbanas e rurais

existem em todas as regiotildees Assim natildeo haacute mais uma separaccedilatildeo em aacutereas rurais e

urbanas de acordo com distinccedilatildeo econocircmica sendo que o novo ldquocriteacuterio de distinccedilatildeo

seria devido muito mais ao tipo de relaccedilotildees realizadas sobre os respectivos

subespaccedilosrdquo (SANTOS 1996 p 67)

Segundo ele ldquonas regiotildees agriacutecolas eacute o campo que sobretudo comanda a

vida econocircmica e social do sistema urbano enquanto nas regiotildees urbanas satildeo as

atividades secundaacuterias e terciaacuterias que tecircm esse papelrdquo (SANTOS 1996 p 68)

Apesar dessa predominacircncia que permite a distinccedilatildeo existem nos dois tipos de

regiotildees cidades e zonas de atividade rural mas nas regiotildees agriacutecolas a cidade existe

para suprir as necessidades do campo e das pessoas que o habitam enquanto nas

regiotildees urbanas as zonas de atividade rural existem para suprir as necessidades das

cidades e as pessoas que a habitam (SANTOS 1996) Assim essa tipologia eacute

importante para definir os contextos das poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo

de violecircncia jaacute que loacutegicas diferentes as constituem apontando praacuteticas e arranjos

materiais tambeacutem diversos

23 Gecircnero Machismo e Violecircncia de Gecircnero

As discussotildees sobre gecircnero na academia tecircm sido concentradas em uma

perspectiva discursiva que distingue completamente sexo de gecircnero colocando o

primeiro como parte de uma esfera bioloacutegica e o segundo como uma construccedilatildeo

social desvinculada da primeira (CAROLAN 2005) Nesse sentido Carolan (2005)

aponta um risco de gerar um reducionismo ao julgar gecircnero apenas como uma

construccedilatildeo social sem levar em consideraccedilatildeo os elementos extra-discursivos que

dialeticamente significam e ressignificam os papeis de gecircnero Segundo Carolan

(2005 p5)

Sociology has been correct to take care so as to not legitimate

ideologically-driven biological determinism and the socio-political

ramifications that accompany such proclamations My concern however is

19

that this apprehension toward determinism has become too one-sided With

all of our handringing about the dangers of ldquobringing nature back inrdquo to

sociological analyses due to its deterministic undertones we remain

incorrigibly blind to the other side of the coin to the appalling prospects of

an equally dangerous cagemdashcultural determinism In our rush to condemn the

fixed-biological we often (mistakenly) overly prescribe mutability and fluidity

to the socio-cultural We must thus stay vigilant to all prescriptions of

determinismmdashbiological and otherwisemdashwhile concomitantly remaining open

to the multidirectional causal potentials that constitute a stratified rooted

and emergent reality

Dessa forma eacute importante levar em conta tanto os niacuteveis discursivos quanto

extra-discursivos da construccedilatildeo de gecircnero dentro de uma estrutura social que dialoga

com esses elementos Assim os elementos extra-discursivos podem ser tanto

bioloacutegicos como apontados no trecho acima mas podem ser tambeacutem outras

materialidades que podem ser causa e efeito ao mesmo tempo da construccedilatildeo social

dos papeis de gecircnero como a desigual inserccedilatildeo no mercado de trabalho e os salaacuterios

desiguais para as mesmas posiccedilotildees Por exemplo se as mulheres tecircm menor inserccedilatildeo

no mercado de trabalho isso eacute fruto de uma construccedilatildeo social dos papeis de gecircnero

mas tambeacutem reforccedila os mesmos papeis em um jogo dialeacutetico porque as mulheres

ficam em uma posiccedilatildeo pouco empoderada acerca de como decidir a alocaccedilatildeo dos

recursos em casa e mais vulneraacuteveis para conseguir materialmente sair de casos de

violecircncia

Nesse contexto o machismo pode ser entendido como uma estrutura social

subjetiva construiacuteda a partir da existecircncia de gecircnero como uma classificaccedilatildeo criada

socialmente mas que alimenta e eacute alimentada por materialidades extra-discursivas O

machismo se configura entatildeo como algo abstrato que natildeo pode ser visto

materialmente Como coloca Sayer (1998 p 159-160)

()unobservable natural forces as well as structures of a language or

tules of a game can be and frequently are described and known Thus while

20

the unobservable wind can be known to be responsible for the flying hat or the

swirling leaves the rules of grammar facilitating the speech acts of some

group or the secret code used by children to send messages to each other

may each be quite unproblematically retroducible andor describable By

demonstrating the empirical adequacy of theories of gravitational and

magnetic fields social rules and relations structures of languages and so

forth these items can be known whether or not they can be directly observed

O machismo pode ser considerado como um item abstrato conforme

apresentado por Sayer (1998) que podem ser conhecidos mesmo que natildeo possam ser

observados diretamente Para fazer isso devemos tentar acessar a estrutura social

pelas suas manifestaccedilotildees tanto discursivas quanto extra-discursivas Especificamente

sobre as relaccedilotildees de gecircnero Sayer discorre sobre como podemos observaacute-la na

praacutetica (SAYER 1998 p160)

Even a single maintained hypothesis can be continually assessed by

examining the range of phenomena it bears upon In other words the

empirical adequacy of any hypothesis can be progressively checked-out by

deducing such implications as follow with regard to any domain for which

such implications hold and can in practice be observed Where it is argued

for example that gender relations in many societies are such that mechanisms

are reproduced which serve to discriminate against women in favout of men

this assessment can be checked out against detectable patterns occurring in

for example factories homes schools and universities and any other place

where the mechanism will conceivably reveal its effects

Podemos entatildeo acessar a estrutura social machista sobretudo atraveacutes de pelo

menos dois tipos de manifestaccedilotildees materiais ou seja as diferenccedilas objetivas como a

distribuiccedilatildeo de recursos e bens e subjetivas como se daacute a percepccedilatildeo da sociedade

sobre os papeis de gecircnero (GOMES 2014a) Corroborando Lorente (2015) tambeacutem

apresenta o machismo como uma estrutura social

21

Inequality is a construction based on the male design of society and

developed to determine the relationships within it It is neither an error nor an

uncontrolled drift It is a decision to establish a structure of power that

provides benefits and privileges to those in a superior position men and

denies rights and opportunities to those in an inferior position women

Violence against Women (VAW) is an instrument to maintain this structure

part of the tools to guarantee that it works () Violence against women is

different from other forms of violence due to its motivations goals

circumstances and meaning It is the only violence supported by social and

cultural ideas and the only one that is accepted and justified by part of

society (LORENTE 2015)

A violecircncia de gecircnero surge entatildeo como uma manifestaccedilatildeo dessa estrutura

social machista com implicaccedilotildees objetivas e subjetivas A violecircncia fiacutesica e

patrimonial podem ser entendidas como uma manifestaccedilatildeo material da estrutura

social enquanto outras violecircncias como a psicoloacutegica satildeo mais subjetivas e ligadas ao

asseacutedio moral (TRERJ 2013) uma forma de apreciaccedilatildeo negativa mais ligada ao

discurso poreacutem com implicaccedilotildees objetivas fortes como a proibiccedilatildeo da mulher de sair

de casa e trabalhar ou o desenvolvimento de doenccedilas psicoemocionais como

depressatildeo Aleacutem disso a violecircncia de gecircnero de todos os tipos estaacute permeada por

manifestaccedilotildees objetivas e subjetivas objetivas na vulnerabilidade em termos de

recursos materiais das mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia e subjetivas na exposiccedilatildeo agrave

apreciaccedilatildeo da famiacutelia da comunidade e das instituiccedilotildees puacuteblicas para atender a essas

mulheres que muitas vezes reproduzem papeis tradicionais de gecircnero ligados agrave

estrutura social machista

Afim de compreendermos a estrutura social machista nos diferentes contextos

agriacutecola e urbano vamos nos apoiar metodologicamente no Realismo Criacutetico sobre a

qual nos debruccedilaremos na seccedilatildeo a seguir Esta metodologia nos permite acessar

aspectos da estrutura social atraveacutes de suas manifestaccedilotildees Assim poderemos

compreender melhor as dialeacuteticas entre estrutura social manifestaccedilotildees discursivas e

22

manifestaccedilotildees extra-discursivas e do discurso em accedilatildeo Dessa maneira pretendemos

informar a accedilatildeo do Estado para combater essa estrutura social machista sobretudo a

sua manifestaccedilatildeo enquanto violecircncia de gecircnero

23

3 Metodologia

A partir da revisatildeo da literatura entendemos que as poliacuteticas puacuteblicas e suas

estrateacutegias satildeo definidas e redefinidas em um processo de embate entre discursos e

significaccedilotildees Este processo estaacute inserido em um lugar que influencia e eacute influenciado

pela negociaccedilatildeo de sentidos Especialmente no que diz respeito agrave violecircncia contra a

mulher estamos examinando para uma estrutura social machista e procurando

entender como os contextos influenciam a formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de poliacuteticas

puacuteblicas para aacutereas agriacutecolas e urbanas de acordo com as diferentes manifestaccedilotildees da

estrutura social nesses contextos Desta forma a pergunta de pesquisa que surge para

este trabalho eacute A estrutura social do machismo se manifesta da mesma maneira

nos contextos agriacutecola e urbano

Dela decorrem os seguintes objetivos secundaacuterios

a) Haacute ou natildeo diferenccedilas na manifestaccedilatildeo do machismo especificamente em

termos de violecircncia de gecircnero nas zonas urbana e agraacuteria

b) Como essas manifestaccedilotildees do machismo satildeo impactadas e impactam a

formulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia

Conforme discutiremos mais adiante nesse capiacutetulo e na seccedilatildeo 4 de anaacutelise

dos dados encontramos poucas evidecircncias de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em

situaccedilatildeo de violecircncia nas aacutereas agraacuterias de Goiaacutes e Satildeo Paulo Entretanto este

silecircncio eacute um interessante achado de pesquisa pois foi possiacutevel compreender como a

ausecircncia dessas poliacuteticas impacta a vida das mulheres desse contexto Esta anaacutelise

fica mais evidente quando debruccedilamos sobre as poliacuteticas puacuteblicas disponiacuteveis para as

mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia em aacutereas urbanas e que ainda assim natildeo tecircm seus

direitos garantidos como iremos perceber na anaacutelise das entrevistas

31 Realismo Criacutetico e a violecircncia de gecircnero

Escolhemos e o Realismo Criacutetico como ontologia ou seja como teoria do

conhecimento cientiacutefico porque acreditamos que ele nos ajudaraacute a compreender

24

melhor como os contextos agraacuterio e urbano influenciam e satildeo influenciados na

formulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas mas tambeacutem por uma questatildeo normativa

Acreditamos na perspectiva ontoloacutegica do realismo criacutetico de que os seres humanos

satildeo agentes com capacidade accedilatildeo sobre a realidade e que tambeacutem satildeo produtores de

significados e tambeacutem na necessidade natildeo soacute de explicar o mundo mas de modificaacute-

lo

No entanto acrescenta-se agrave nossa existecircncia dialeacutetica enquanto seres humanos

com o mundo a noccedilatildeo de que este existe independentemente da nossa apreensatildeo

semioacutetica ou natildeo dele sendo este o principal ponto de divergecircncia do criacutetico realismo

em relaccedilatildeo ao construtivismo (BHASKAR 2012 FAIRCLOUGH 2010 GOMES

2014b) Isto significa que a estrutura social eacute composta de loacutegicas agraves quais damos

sentidos e tambeacutem loacutegicas que natildeo apreendemos e interpretamos estando latentes

para essa interpretaccedilatildeo mas ainda assim influenciando e sendo influenciadas por

nossa accedilatildeo no mundo

O realismo criacutetico tambeacutem se enquadra nas nossas perspectivas de pesquisa

porque ele apresenta uma ontologia estratificada como uma estrateacutegia para evitar o

tradeoff entre agentes e estrutura (BHASKAR 2012) Isso porque o realismo criacutetico

coloca trecircs niacuteveis da vida social o real o atual e o empiacuterico que interagem entre si

dialeticamente (BHASKAR 2012) desde modo natildeo estamos lidando com uma

situaccedilatildeo em que a estrutura social define tudo nem que os agentes definem tudo

ambos satildeo relevantes e se influenciam mutuamente

Para melhor entendermos essas esferas vamos defini-las O real consiste na

esfera abstrata das estruturas sociais ou naturezas (FAIRCLOUGH 2010 GOMES

2014b) Esses integrantes do plano real satildeo objetos latentes ou seja que tecircm um

potencial Isso reforccedila a ideia de que mesmo estruturas semioacuteticas existem antes dos

atores (FAIRCLOUGH 2010 GOMES 2014b BHASKAR 2012) A esfera do atual

eacute permeada pelas praacuteticas sociais ou seja o que acontece quando elementos do

mundo real satildeo ativados e produzem transformaccedilotildees ou reproduccedilotildees

(FAIRCLOUGH 2010 GOMES 2014b) Esse plano atual eacute o que faz a mediaccedilatildeo

entre o plano real e o plano empiacuterico que por sua vez consiste nos eventos sociais e

accedilotildees Ou seja o empiacuterico eacute uma parte dos outros planos que eacute experimentado

25

efetivamente por agentes (FAIRCLOUGH 2010)

Eacute importante ressaltar que o processo causal colocado pelo realismo criacutetico

natildeo eacute o mesmo que o positivismo empiacuterico defende isto eacute a identificaccedilatildeo de

regularidades entre causa e efeito Na verdade o processo causal seria o estudo do

que ativa os poderes latentes do real para produzir mudanccedila (FAIRCLOUGH 2010

BHASKAR 2012) Aleacutem disso quando e se esses poderes satildeo ativados os efeitos

dessa ativaccedilatildeo varia de acordo com o tempo e espaccedilo (FAIRCLOUGH 2010

GOMES 2014b)

Uma ontologia baseada no Realismo Criacutetico ressalta a importacircncia dos

discursos e tambeacutem eacute uma abordagem que busca natildeo soacute entender a realidade mas

modificaacute-la como abordamos anteriormente Mas quais as implicaccedilotildees para a anaacutelise

das poliacuteticas puacuteblicas

O processo das poliacuteticas puacuteblicas sobre o qual discorremos anteriormente eacute

perpassado em todas as etapas pelos discursos dos atores envolvidos tanto interna

quanto externamente ao processo Aleacutem disso as poliacuteticas puacuteblicas satildeo um meio de

mudar a realidade como proposto pelo Realismo Criacutetico

Como vimos a violecircncia de gecircnero eacute um termo que passou por diferentes

significaccedilotildees ao longo do tempo e diferentes atores envolvidos Por exemplo antes

era visto pela sociedade e apreendida pelo Estado como uma situaccedilatildeo da esfera

privada e se restringia agrave violecircncia fiacutesica e hoje em dia passou a ser visto pelo Estado

como um problema puacuteblico considerando diferentes formas de violecircncia contra a

mulher No primeiro periacuteodo o movimento feminista brasileiro natildeo era detentor do

discurso dominante e lutava para conseguir visibilidade ao tema isto eacute para que

fosse considerado como um problema puacuteblico Ou seja as poliacuteticas puacuteblicas satildeo o

resultado do conflito entre discursos de diferentes atores e a significaccedilatildeo dada agraves

situaccedilotildees muda conforme o resultado desse conflito

Aleacutem disso podemos situar nosso referencial teoacuterico em termos da

estratificaccedilatildeo do Realismo Criacutetico A esfera do real no tema em questatildeo eacute permeada

pelas relaccedilotildees desiguais de poder entre gecircneros A esfera real pode ser acessada por

suas manifestaccedilotildees na esferas atual e empiacuterica

Na esfera do atual podemos pensar nas praacuteticas sociais que transformaram

26

uma situaccedilatildeo no caso a violecircncia contra as mulheres em problema puacuteblico passiacutevel

de intervenccedilatildeo via poliacuteticas puacuteblicas voltadas para lidar com a violecircncia de gecircnero

atraveacutes da sua inclusatildeo na agenda puacuteblica Isso pode ser visto pela dificuldade de se

tratar a violecircncia de gecircnero atraveacutes das instacircncias legais e juriacutedicas usuais Isto eacute

essas instacircncias tradicionais estavam permeadas por uma loacutegica machista que

precisava ser formalmente desfeita para poder comeccedilar a se abordar a questatildeo a partir

de outra perspectiva A violecircncia de gecircnero ter sido vista como uma questatildeo da esfera

domeacutestica e portanto privada tambeacutem faz parte desse machismo da esfera real que

precisou do aparato legal para caracterizaacute-la enquanto problema da esfera puacuteblica

Nesse sentido entra a importacircncia dos contextos urbano e agriacutecola dos territoacuterios

como elementos influenciadores e influenciados pelas poliacuteticas puacuteblicas para

mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia fornecendo um contexto sobre o qual os discursos

satildeo construiacutedos Certamente estes natildeo satildeo os uacutenicos lugares que influenciam os

discursos sobre a violecircncia de gecircnero e consequentemente as estrateacutegias para

combatecirc-lo (ie as poliacuteticas puacuteblicas)

Por fim a esfera do empiacuterico consiste no discurso em accedilatildeo por meio das

poliacuteticas puacuteblicas Um exemplo foi o conturbado processo de aprovaccedilatildeo da LMP

(MACIEL 2011) e tambeacutem as tentativas de provar sua inconstitucionalidade que

teve que ir ao STF pela AGU (MACIEL 2011) para conseguir ser aprovado

Tambeacutem a atual dificuldade de conseguir a aceitaccedilatildeo e implementaccedilatildeo da LMP por

parte dos operadores juriacutedicos (MACIEL 2011) demonstra a penetraccedilatildeo do

machismo em nossa sociedade Como podemos ver pelo retrato das questotildees

anteriormente citadas ainda estamos lidando basicamente com violecircncia sexual

apesar da tipificaccedilatildeo abranger outros tipos de violecircncia como as psicoloacutegicas e

morais que ainda ocorrem cotidianamente e satildeo naturalizadas denunciando a forccedila

do machismo na esfera do real Enfim essa uacuteltima esfera assim como as demais e a

relaccedilatildeo entre elas poderatildeo ser melhor retratadas quando partirmos a anaacutelise da

pesquisa de campo em que teremos contato com os agentes

De acordo com o realismo criacutetico podemos pensar em problemas a partir de trecircs

domiacutenios o real o atual e o empiacuterico (FAIRCLOUGH 2010) No tema em questatildeo

a esfera do real pode ser entendida como a estrutura social do machismo isto eacute uma

27

desigualdade de gecircnero que estaacute latente no funcionamento da sociedade e acaba sendo

reforccedilada pelos domiacutenios do atual e do empiacuterico Nesse trabalho o domiacutenio do atual

seriam os discursos sobre a desigualdade de gecircnero e a violecircncia de gecircnero que satildeo

manifestaccedilotildees da estrutura social machista ou para reforccedilar essa estrutura ou para

tentar transformaacute-la Por fim o domiacutenio empiacuterico satildeo nesse caso as poliacuteticas e accedilotildees

puacuteblicas formuladas eou implementadas para combater a violecircncia contra a mulher

32 Anaacutelise Criacutetica de Discurso

Afim de buscarmos nosso objetivo que eacute entender as diferenccedilas entre

poliacuteticas puacuteblicas em contextos agriacutecola e urbano utilizaremos a metodologia da

ACD Segundo a ACD o discurso eacute ativo isto eacute que influencia tanto a percepccedilatildeo da

realidade quanto o comportamento de pessoas dentro de uma organizaccedilatildeo

(PUTNAM et al 2004) Eacute importante destacarmos a diferenccedila entre texto e discurso

Textos satildeo todas as peccedilas linguiacutesticas sejam escritas ou faladas Jaacute discursos satildeo

enunciados de locutores que utilizam textos para tentar exercer influecircncia sobre

terceiros (ALVES 2006) O conceito de discurso organizacional engloba duas

maneiras diferentes de olhar para o discurso conversas e diaacutelogos ou narrativas e

histoacuterias Quando se trata de conversas significa a troca de mensagens entre duas ou

mais pessoas que ao realizarem uma interconexatildeo temporal ou significativa entre

textos moldam outras conversas eou accedilotildees futuras E diaacutelogo seria a possibilidade de

gerar novos significados atraveacutes de momentos de questionamento do contiacutenuo de uma

conversa Jaacute as narrativas percebem a construccedilatildeo social do sentido sendo estas visotildees

de mundo construiacutedas pelo locutor e seus interlocutores As histoacuterias satildeo por sua vez

a reinterpretaccedilatildeo de fatos atraveacutes do olhar de cada locutor interlocutor

A anaacutelise discurso eacute uma ferramenta interessante para analisar poliacuteticas

puacuteblicas uma vez que nos permite entender a poliacutetica atraveacutes das pessoas que

formulam eou implementam a poliacutetica Conhecendo as pessoas que fazem uma

poliacutetica puacuteblica acontecer e analisando suas conversas diaacutelogos e histoacuterias podemos

entender a significaccedilatildeo dada pelas pessoas dos processos que vivenciam Ou seja eacute

possiacutevel sair de um discurso formal para analisar quais satildeo as relaccedilotildees de poder no

28

acircmbito de uma poliacutetica puacuteblica e quais satildeo os sentidos dados para os temas

trabalhados que impedem ou proporcionam mudanccedilas materiais na evoluccedilatildeo de uma

poliacutetica puacuteblica

Algumas perspectivas epistemoloacutegicas satildeo possiacuteveis na anaacutelise de discurso

organizacional sendo as principais abordagens a positivista a construtivista e a poacutes-

modernista (PUTNAM et al 2004) e a criacutetico realista (FAIRCLOUGH 2010) Antes

de definir essas abordagens eacute importante diferenciarmos as perspectivas possiacuteveis

para a linguagem A ldquolinguagem em usordquo eacute aquela visatildeo que aborda o discurso como

tendo uma funccedilatildeo na criaccedilatildeo de uma ordem social no cotidiano da organizaccedilatildeo Seu

foco estaacute portanto na anaacutelise de discurso no momento presente da organizaccedilatildeo

(PUTNAM et al 2004 pg 9) Jaacute a abordagem da ldquolinguagem em contextordquo leva em

conta fatores histoacutericos e sociais que influenciam a produccedilatildeo disseminaccedilatildeo e

consumo de textos (PUTNAM et al 2004 pg 10) Ou seja leva em consideraccedilatildeo o

passado e os possiacuteveis efeitos futuros do discurso organizacional Dentro dessa

diferenciaccedilatildeo podemos esclarecer de onde derivam as diferentes abordagens

metodoloacutegicas A ldquolinguagem em usordquo eacute utilizada pelos positivistas e a ldquolinguagem

em contextordquo eacute a abordagem levada em consideraccedilatildeo pelos construtivistas (PUTNAM

et al 2004)

O pensamento positivista se preocupa em identificar padrotildees nas interaccedilotildees

discursivas Dessa maneira tratam o discurso como principal variaacutevel de anaacutelise e

natildeo acreditam que o discurso tenha caraacuteter poliacutetico Buscam entatildeo identificar uma

narrativa uacutenica ou um conjunto de significados compartilhados entre membros de

uma organizaccedilatildeo (PUTNAM et al 2004)

A abordagem construtivista por sua vez estuda como o discurso constitui e

reconstitui arranjos sociais dentro dos diferentes contextos das organizaccedilotildees Essa

perspectiva defende a natureza poliacutetica do discurso pela sua utilizaccedilatildeo para produzir

manter ou resistir a diferentes formas de poder Desse modo como afirma Gomes

(GOMES 2014b) o domiacutenio do discurso eacute em si um recurso de poder e faz parte da

luta pela hegemonia

Dentro do guarda-chuva da abordagem construtivista existe um ramo

chamado anaacutelise criacutetica do discurso cuja metodologia considera importante ambos os

29

tipos de linguagem sendo a ldquolinguagem em usordquo importante para identificar como

regras e estruturas em interaccedilotildees discursivas constituem identidades e levam agrave sua

institucionalizaccedilatildeo e a lsquolinguagem em contextorsquo importante para compreender os

diferentes significados para o mesmo texto dependendo do contexto em que o

discurso estaacute inserido A Anaacutelise Criacutetica do Discurso (ACD) enxerga as organizaccedilotildees

como sendo os locais onde ocorrem a luta entre os discursos pela dominaccedilatildeo sendo

que cada grupo luta para que seus interesses moldem exerccedilam eou resistam ao

controle social dentro da entidade Assim o foco dessa perspectiva eacute como o discurso

constitui e eacute constituiacutedo pelas praacuteticas sociais

Os poacutes-modernistas criticam a anaacutelise criacutetica do discurso uma vez que se

voltam novamente ao texto ou seja agrave lsquolinguagem em usorsquo e apontam para a

bipolaridade da anaacutelise criacutetica do discurso que exclui todos os discursos fora da

loacutegica de poder e resistecircncia Essa abordagem defende que os textos satildeo repletos de

metaacuteforas para organizar e representar uma gama de significados variados que

estariam marginalizados Para isso a desconstruccedilatildeo dos textos eacute a principal

ferramenta dessa perspectiva

Apesar da resistecircncia dos poacutes-modernistas agrave anaacutelise criacutetica do discurso

entendemos que essa metodologia eacute interessante para essa pesquisa uma vez que ela

nos permite entender os significados e a disputa de poder embutida nessas

significaccedilotildees Mas para aleacutem disso a anaacutelise criacutetica do discurso nos permite

compreender as consequecircncias materiais dessa disputa do poder (GOMES 2014b)

Aleacutem disso outro ponto interessante que diferencia a Anaacutelise Criacutetica do

Discurso eacute a incorporaccedilatildeo de trecircs niacuteveis de discurso micro meso e macro (OSWICK

PHILLIPS 2012) Assim o discurso estaacute dentro de uma situaccedilatildeo dentro de uma

instituiccedilatildeo e dentro da sociedade respectivamente (OSWICK PHILLIPS 2012) Em

outras palavras

Based on these three different levels undertaking CDA involves (i)

the examination of the language in use (the text dimension) (ii) the

identification of processes of textual production and consumption (the

discursive practice dimension) and (iii) the consideration of the institutional

30

factors surrounding the event and how they shape the discourse (the social

practice dimension) (OSWICK PHILLIPS 2012 p 457)

Nesse sentido a Anaacutelise Criacutetica do Discurso relaciona esses trecircs niacuteveis ao

mesmo tempo que incorpora uma visatildeo criacutetica do discurso homogecircneo Busca dessa

forma compreender seus fundamentos para interrogaacute-lo e gerar mudanccedila social

como veremos na proacutexima seccedilatildeo

A escolha da ACD se deve primeiramente porque acreditamos que a realidade

social natildeo pode ser vista com um olhar positivista tentando encontrar padrotildees nas

interaccedilotildees discursivas olhando tambeacutem somente para o discurso como variaacutevel

relevante na produccedilatildeo de significados Nesse trabalho queremos analisar a produccedilatildeo

de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia nos contextos agraacuterio e

urbano natildeo buscando encontrar padrotildees em cada contexto mas para entender

qualitativamente como o contexto e o discurso se relacionam entre si para produzir

significados que influenciam nessa produccedilatildeo de poliacuteticas Portanto optamos por esse

olhar que inclui o contexto como fator essencial em conjunto com as interaccedilotildees

discursivas

A anaacutelise criacutetica do discurso eacute uma perspectiva que considera as relaccedilotildees

dialeacuteticas de poder na criaccedilatildeo e significaccedilatildeo de discursos (GOMES 2014b) e que

pretende enxergar o mundo a partir de um olhar criacutetico do que ele deveriapoderia ser

olhando para os discursos e para as suas manifestaccedilotildees na praacutetica e em elementos

extra-discursivos como forma de refletir sobre uma estrutura social que natildeo

conseguimos materializar Ou seja ela eacute uma opccedilatildeo ontoloacutegica porque queremos

olhar para essa estrutura social criticamente no sentido de entendermos o que eacute e

tambeacutem projetar como poderia ser a partir do entendimento do porquecirc as poliacuteticas

puacuteblicas satildeo desenhadas e implementadas da maneira como satildeo nesses contextos

agraacuterio e urbano Isto eacute natildeo queremos ser relativistas e afirmar que entendendo a

relaccedilatildeo entre interaccedilotildees discursivas e os contextos diferentes as realidades satildeo

justificaacuteveis por si soacute pois olhamos normativamente para as poliacuteticas puacuteblicas em

especial aquelas para mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia nessa pesquisa Isto eacute a

anaacutelise criacutetica do discurso pode ajudar a entender como o capitalismo neoliberal

31

impede em algumas medidas a emancipaccedilatildeo humana para entatildeo tentar informar

estrateacutegias de como mitigar ou acabar com essas limitaccedilotildees (FAIRCLOUGH 2010)

No contexto de poliacuteticas puacuteblicas sobre violecircncia contra a mulher seria o caso de

entender quais satildeo as manifestaccedilotildees da estrutura social machista para tentar informar

decisotildees de poliacuteticas puacuteblicas que possam efetivamente gerar mudanccedilas nessa

estrutura social

Assim a anaacutelise criacutetica do discurso eacute uma abordagem relacional ou seja seu

objeto natildeo eacute o discurso em si mas as relaccedilotildees sociais e as disputas de poder entre

essas relaccedilotildees em que o discurso eacute parte integrante pela produccedilatildeo reproduccedilatildeo e

transformaccedilatildeo de significados (FAIRCLOUGH 2010) Aleacutem disso sua perspectiva eacute

dialeacutetica no sentido que estuda as relaccedilotildees entre objetos que natildeo satildeo inteiramente

separaacuteveis ou seja suas naturezas satildeo parcialmente definidas pela relaccedilatildeo com o

outro Nesse sentido natildeo exclui a importacircncia dos elementos extra-discursivos

ressaltando seu caraacuteter transdisciplinar (FAIRCLOUGH 2010) O termo criacutetica

remete a uma abordagem normativa que aponta para a realidade como algo passiacutevel

de mudanccedila e nesse sentido busca estudar tanto o que existe quanto o que poderia

existir idealmente (FAIRCLOUGH 2010)

Deste modo para a anaacutelise criacutetica do discurso trecircs esferas satildeo importantes o

texto o discurso e o contexto social (PHILIPPS SEWELL JAYNES 2008) Essas

esferas interagem entre si conforme o esquema abaixo

Tabela 1 Diaacutelogo entre Diferentes Esferas na ACD

32

O sujeito locutor se encontra numa posiccedilatildeo social ou seja num lugar no

espaccedilo social em que ele possui um certo grau de agecircncia (PHILIPPS SEWELL

JAYNES 2008) A partir dessa posiccedilatildeo social o locutor fala ou escreve um texto que

se transforma em discurso no momento em que o locutor tenta mudar ou manter a

ordem social atraveacutes desse texto Esse discurso por sua vez produz conceitos que se

expressam na cultura refletindo sobre a maneira como ele e seus interlocutores

enxergam o mundo e se relacionam entre si Por fim esse discurso se transforma em

objeto quando se torna parte de uma ordem praacutetica (PHILIPPS SEWELLJAYNES

2008) sendo usado para fazer sentido das relaccedilotildees sociais e condiccedilotildees materiais do

contexto social voltando ao iniacutecio do ciclo

33A emancipaccedilatildeo como chave entre as esferas

A Anaacutelise Criacutetica do Discurso foi escolhida nesse trabalho pelo potencial de

emancipaccedilatildeo (FAIRCLOUGH 2010) que essa perspectiva epistemoloacutegica nos

permite uma vez que pretende analisar a estrutura social atraveacutes de suas

manifestaccedilotildees discursivas e extra-discursivas afim de informar maneiras de mudar a

estrutura social machista Para melhor entender como as esferas se relacionam no

ciclo do realismo criacutetico com a emancipaccedilatildeo dos cidadatildeos podemos fazer uso da

Texto

Discurso

Cultura

Objeto

Posiccedilatildeo Social

(Contexto)

Elaboraccedilatildeo proacutepria a partir de dados de PHILIPPS SEWELL JAYNES 2008

33

noccedilatildeo de emancipaccedilatildeo de Zygmunt Bauman (BAUMAN 2001) Segundo o autor haacute

uma diferenccedila importante a ser ressaltada entre a liberdade de jure e a liberdade de

facto que ocorrem na modernidade

Bauman (2001) explica que na modernidade os indiviacuteduos natildeo tecircm sua

identidade ligada a instituiccedilotildees sociais ou princiacutepios universais No lugar disso hoje

haacute uma autoconstruccedilatildeo fluiacuteda das identidades isso significa que haacute uma valorizaccedilatildeo

das diferenccedilas e que a identidade eacute continuamente definida e redefinida pelos proacuteprios

indiviacuteduos

Nesse sentido parece que chegamos ao auge da liberdade humana

(BAUMAN 2001) poreacutem na verdade essa liberdade eacute tecircnue Isso porque houve um

esvaziamento das funccedilotildees do Estado em relaccedilatildeo agraves escolhas dos indiviacuteduos ou seja

cada um escolhe sua identidade e seu modo de vida e deve se responsabilizar por

essas escolhas (BAUMAN 2001) A consequecircncia disso eacute uma esfera puacuteblica

constituiacuteda por aglomeraccedilotildees de anseios individualizados mas que natildeo conseguem

afetar a agenda puacuteblica porque natildeo ultrapassam a barreira de demandas individuais

para uma demanda maior e comum (BAUMAN 2001)

Entatildeo as pessoas satildeo chamadas cada vez menos a buscar respostas para suas

demandas na sociedade e no Estado mas em si mesmas (BAUMAN 2001) e seu

fracasso ou sucesso tambeacutem eacute de sua inteira responsabilidade Entatildeo surge a

diferenciaccedilatildeo de Bauman quanto aos tipos diferentes de liberdade amenizando o auge

da liberdade que supostamente vivemos

Os indiviacuteduos tecircm liberdade de escolha e satildeo responsabilizados pelas mesmas

poreacutem natildeo encontram recursos praacuteticos para realizar suas escolhas (BAUMAN

2001) Daiacute a contraposiccedilatildeo entre liberdade de jure e liberdade de facto A primeira

corresponde agrave liberdade formal muitas vezes colocada em lei que os indiviacuteduos

teriam agrave sua disposiccedilatildeo Mas a liberdade de facto ou seja a realizaccedilatildeo dos seus

anseios e decisotildees natildeo ocorre muitas vezes porque faltam condiccedilotildees materiais para

que isso aconteccedila Nessa contradiccedilatildeo que a condiccedilatildeo de emancipaccedilatildeo dos indiviacuteduos

natildeo eacute atingida porque natildeo conseguem efetivar a autodeterminaccedilatildeo de seus destinos

Essa questatildeo da emancipaccedilatildeo se torna relevante quando discutimos o realismo

criacutetico porque no tema estudado existe essa contradiccedilatildeo entre o que eacute de jure que faz

34

parte da esfera atual e o de facto que estaacute na esfera empiacuterica das condiccedilotildees extra-

discursivas dos indiviacuteduos de saiacuterem de um problema no caso a violecircncia de gecircnero

34 A pesquisa de campo e a coleta de dados

Para darmos continuidade agrave pesquisa fizemos algumas visitas de campo A

coleta de dados qualitativos foi com base em um roteiro semiestruturado que se

encontra disponiacutevel nos anexos Antes de cada entrevista foi acordado com cada

entrevistado a o termo de consentimento para uso das mesmas tambeacutem em anexo As

conversas foram gravadas a partir do consentimento dos entrevistados e transcritas agrave

posteriori Depois selecionamos os trechos mais relevantes para a pesquisa e

organizamos segundo os temas mais recorrentes Em seguida organizamos esses

temas recorrentes de acordo com a estratificaccedilatildeo ontoloacutegica do realismo criacutetico

Dessa forma primeira etapa da coleta de dados foi realizada em Janeiro de

2015 em Goiaacutes Ateacute 2014 existia uma Secretaria de Poliacuteticas para as Mulheres e

Promoccedilatildeo da Igualdade Racial (SEMIRA) Nessa secretaria havia e haacute ainda na nova

superintendecircncia haacute uma accedilatildeo da Secretaria Federal de Poliacuteticas para as Mulheres de

unidades moacuteveis para mulheres do campo e da floresta No caso de Goiaacutes consiste

em disponibilizar ocircnibus que iam de Goiacircnia para as cidades do interior com equipes

multidisciplinares para fazer palestras sobre violecircncia de gecircnero informar a

populaccedilatildeo e dar assistecircncia (meacutedica psicoloacutegica juriacutedica) agraves mulheres que

procurassem a equipe Nas eleiccedilotildees de 2014 Marconi foi reeleito governador de

Goiaacutes no entanto mudou a estrutura das suas secretarias dissolvendo a SEMIRA e

colocando a pasta das mulheres numa secretaria muito mais ampla a Secretaria da

Mulher do Desenvolvimento Social da Igualdade Racial dos Direitos Humanos e do

Trabalho

A pesquisa de campo em Goiaacutes aconteceu em trecircs cidades Caldas Novas

Goiacircnia e Professor Jamil Os oacutergatildeos e entidades entrevistados em ordem

cronoloacutegica foram CREAS Secretaria Estadual da Mulher Desenvolvimento Social

Igualdade Racial Direitos Humanos e Trabalho Equipe de Unidades Moacuteveis

35

DEAM Centro Popular da Mulher Observatoacuterio de Seguranccedila Puacuteblica e Secretaria

Municipal da Mulher de Professor Jamil

Comeccedilamos a parte de campo da pesquisa em Caldas Novas cidade a 167

quilocircmetros de Goiacircnia com 70473 habitantes sendo da 2759 zona rural e 67714

da zona urbana (IBGE 2015) Caldas Novas natildeo possui um oacutergatildeo especiacutefico da

prefeitura para lidar com a violecircncia de gecircnero O uacutenico oacutergatildeo responsaacutevel por

receber as viacutetimas desse tipo de violecircncia eacute o CREAS que atende mulheres idosos

crianccedilas e adolescentes em situaccedilatildeo de vulnerabilidade

A seguir realizamos entrevistas na Secretaria da Mulher do Desenvolvimento

Social da Igualdade Racial dos Direitos Humanos e do Trabalho em uma Delegacia

Especializada em Atendimento agrave Mulher e no Observatoacuterio de Seguranccedila Puacuteblica da

Secretaria de Seguranccedila Puacuteblica de Goiaacutes Goiacircnia eacute a capital de Goiaacutes com

aproximadamente 1302001 habitantes em 2010 (IBGEb 2015) Desse nuacutemero

1297155 estavam em aacuterea urbana e 4846 na zona rural (IBGEb 2015)

Finalmente a uacuteltima entrevista de campo em Goiaacutes foi em Professor Jamil Eacute

uma cidade a 70 quilocircmetros de Goiacircnia com 3239 habitantes sendo 978 da zona

rural e 2261 da zona urbana (IBGEc 2015) A cidade foi indicada pela equipe de

unidades moacuteveis da Secretaria da Mulher do Desenvolvimento Social da Igualdade

Racial dos Direitos Humanos e do Trabalho pela lideranccedila forte na cidade

Aleacutem da pesquisa de campo em Goiaacutes a segunda parte do campo consistiu em

conhecer tambeacutem a situaccedilatildeo de Satildeo Paulo Primeiramente buscamos informaccedilotildees

sobre as poliacuteticas puacuteblicas existentes para combater a violecircncia de gecircnero na esfera do

governo estadual de Satildeo Paulo Foi muito dificultosa essa busca uma vez que natildeo haacute

secretaria especiacutefica e mesmo em sites de busca encontramos escassas referecircncias

como o Hospital Peacuterola Byington como accedilatildeo puacuteblica destinada a esse puacuteblico

especiacutefico Depois de muitas pesquisas encontramos no site da Secretaria de Justiccedila e

Defesa da Cidadania uma Coordenaccedilatildeo de Poliacuteticas para a Mulher (SAtildeO PAULO

2015) Achamos simboacutelico essa coordenaccedilatildeo aleacutem de ser pouco visiacutevel estar listada

em uacuteltimo lugar na lista de coordenaccedilotildees da secretaria e contar apenas com duas

pessoas em sua equipe

36

Infelizmente natildeo foi possiacutevel realizarmos entrevista com ningueacutem da equipe

do Peacuterola Byington pois devido a uma reforma do local a equipe natildeo aceitou nos

receber para uma entrevista Apesar disso tentamos em trecircs tentativas explicar que o

nosso foco era uma conversa com algueacutem da equipe e natildeo necessariamente conhecer

a estrutura fiacutesica Mesmo assim ningueacutem se disponibilizou a conceder uma entrevista

para a pesquisa

No mais conseguimos trecircs entrevistas em Satildeo Paulo com a coordenadora de

uma subsecretaria de poliacuteticas para as mulheres com uma delegada de uma Delegacia

Da Mulher (DDM) da Grande Satildeo Paulo e com uma representante do Nuacutecleo

Especializado de Promoccedilatildeo dos Direitos da Mulher (NUDEM) Como surgiu em Satildeo

Paulo a necessidade de manter anonimato de alguns entrevistados optamos por

manter a uniformidade da pesquisa e natildeo identificar nenhum dos entrevistados Tendo

em vista que foram bastante entrevistados decidimos adotar nomes fictiacutecios para os

mesmos a fim de situar melhor o leitor em relaccedilatildeo agraves citaccedilotildees presentes na anaacutelise

dos discursos

Tambeacutem com o intuito de facilitar a leitura codificamos com cores a partir

das caracteriacutesticas da organizaccedilatildeo em que o entrevistado trabalha Sendo assim a cor

azul se refere a profissionais de assistecircncia social mais geral isto eacute sem foco para o

Tabela 2 Quadro de Entrevistados

Fonte Autoria proacutepria

37

atendimento a mulheres Por sua vez a cor roxa eacute para sinalizar os entrevistados que

trabalham no primeiro ou terceiro setor em organizaccedilotildees voltadas especificamente

para mulheres em um sentido amplo O laranja eacute para organizaccedilotildees policiais e por

fim o verde representa as instacircncias do poder judiciaacuterio especiacuteficas para mulheres

38

4 A Anaacutelise

41 As poliacuteticas puacuteblicas de violecircncia de gecircnero no Brasil

Por traacutes desses nuacutemeros preocupantes haacute uma construccedilatildeo de sentidos sobre o

eacute violecircncia contra a mulher suas causas consequecircncias e qual o desenho adequado

das poliacuteticas puacuteblicas O tema definitivamente entrou na agenda puacuteblica brasileira

somente no final dos anos setenta com o aumento do nuacutemero de assassinatos de

mulheres de classe meacutedia e a visibilidade dada agrave questatildeo pela miacutedia e autoridades

(BANDEIRA 2014) o que natildeo implica que os sentidos da violecircncia contra mulher

natildeo estejam em constante negociaccedilatildeo Nessa mesma eacutepoca a violecircncia contra a

mulher se transformou na principal bandeira do movimento feminista brasileiro

(BANDEIRA 2014) Bandeira (2014) relata que a partir disso e com a abertura

democraacutetica a sociedade civil se aliou agrave academia para pressionar politicamente em

prol de uma resposta do Estado a esse problema Podemos perceber que a violecircncia

de gecircnero nesse periacuteodo era entendida como violecircncia sexual sobretudo cometida por

maridos e ex-companheiros

A primeira mudanccedila foi a transformaccedilatildeo dos ldquocrimes de violecircncia sexual

como crimes contra a pessoa natildeo mais contra os costumesrdquo (BANDEIRA 2014 pg

452) Logo em seguida 1985 foram criadas delegacias proacuteprias para esse problema

as Delegacias Especiais de Atendimento agraves Mulheres com a visatildeo de era necessaacuterio

endereccedilar o problema das mortes das mulheres com um olhar feminino com maior

prioridade do que a violecircncia mais ampla sofrida no dia-a-dia pelas mulheres Essa

medida deu visibilidade agrave violecircncia sobretudo pelo criaccedilatildeo de um canal que

possibilitou o aumento de denuacutencias por parte das viacutetimas

Nos anos noventa comeccedilaram as accedilotildees de Casas de Abrigo para receber

mulher em risco de vida hoje contando com 80 espalhadas pelo paiacutes (BANDEIRA

2014) Apesar de o novo contexto poliacutetico de redemocratizaccedilatildeo nesse periacuteodo ter

aberto ldquonovos canais institucionais e estruturas de alianccedilas ineacuteditos para o movimento

feminista brasileirordquo (MACIEL 2011 p97) houve um retrocesso em termos de

poliacuteticas puacuteblicas para combater agrave violecircncia de gecircnero A mesma foi enquadrada na

39

Lei nordm 909995 que discorre sobre o julgamento de crimes de ldquomenor potencial

ofensivordquo (BANDEIRA 2014) e portanto busca a conciliaccedilatildeo das partes e prevecirc

uma pena de no maacuteximo dois anos de reclusatildeo (BANDEIRA 2014) Nesse mesmo

ano foram criados os Juizados Especiais Criminais que ldquose tornaram rapidamente o

escoadouro de denuacutencias de agressotildees contra a mulher nos acircmbitos domeacutestico e

familiarrdquo (MACIEL 2011 p103) mas operando em uma loacutegica de impunidade dos

agressores e desatenccedilatildeo agraves viacutetimas Bandeira (2014) ressalta a opiniatildeo generalizada

dos operadores juriacutedicos de que era desnecessaacuterio criar uma lei especiacutefica para tratar

da violecircncia de gecircnero (BANDEIRA 2014)

Esse cenaacuterio mudou principalmente pela pressatildeo internacional uma vez que o

Brasil assinou compromissos com tratados e convenccedilotildees internacionais de Direitos

Humanos que tratavam da violecircncia de gecircnero de maneira ampla (BANDEIRA

2014) Isto eacute o Brasil foi movido a ressignificar a violecircncia de gecircnero incluindo

tambeacutem a violecircncia psicoloacutegica e moral como parte desse quadro caracterizando a

violecircncia de gecircnero como violaccedilatildeo dos direitos humanos (MACIEL 2011) e servindo

de base para a criaccedilatildeo da Lei Maria da Penha (BANDEIRA 2014) Segundo

Bandeira (2014) essa lei significou uma ldquonova forma de administraccedilatildeo legal dos

conflitos interpessoais embora ainda natildeo seja de pleno acolhimento pelos operadores

juriacutedicosrdquo (BANDEIRA 2014)

Essa lei trouxe pela primeira vez o reconhecimento da mulher como parte

lesada nos casos de violecircncia de gecircnero e a obrigaccedilatildeo de o Estado responder a esse

crime natildeo atraveacutes de mediaccedilatildeo de conflitos no acircmbito privado mas de garantias de

direitos no acircmbito puacuteblico agraves viacutetimas O projeto inicial foi feito pela CFMEA e

entregue agrave Secretaria Especial de Poliacuteticas para Mulheres em 2004 que depois o

encaminhou para o Legislativo (MACIEL 2011) Esse primeiro projeto natildeo tratava

da retirada de competecircncia dos Juizados Especiais Criminais para tratar de violecircncia

de gecircnero e natildeo estabelecia a criaccedilatildeo de outra instacircncia juriacutedica especiacutefica para tratar

da mesma (MACIEL 2011) Nesse meio tempo em 2003 o Executivo Federal

sancionou por meio da Lei n107782003 a obrigatoriedade de notificaccedilatildeo por toda a

rede de sauacutede puacuteblica e privada de todos os casos de violecircncia contra a mulher

(BANDEIRA 2014) No ano seguinte em 2004 lanccedilado o primeiro Plano Nacional

40

de Poliacuteticas Puacuteblicas para as Mulheres (MACIEL 2011) Ainda antes da aprovaccedilatildeo

da Lei Maria da Penha em 2005 foi implementado o Ligue 180 pela SPM que

encaminhava as denuacutencias para a Secretaria de Seguranccedila Puacuteblica ou para o

Ministeacuterio Puacuteblico (BANDEIRA 2014) Somente em 2006 foi aprovada LMP no

contexto relatado por Maciel

O calendaacuterio das eleiccedilotildees presidenciais e legislativas foi decisiva para

ampliar a capacidade de pressatildeo poliacutetica o movimento conseguiu a

aprovaccedilatildeo nas duas casas legislativas do substituto o Projeto de Lei n

372006 que afastava formalmente a competecircncia dos Juizados para o

tratamento dos processos oriundos de violecircncia domeacutestica (MACIEL 2011

p103)

A Lei Maria da Penha trata violecircncia de gecircnero como problema puacuteblico a

garantia dos direitos fundamentais e ldquotodas as oportunidades e facilidades para viver

sem violecircncia preservar a sauacutede fiacutesica e mental e o aperfeiccediloamento moral

intelectual e social assim como as condiccedilotildees para o exerciacutecio efetivo dos direitos agrave

vida agrave seguranccedila e agrave sauacutederdquo (MENEGHEL 2013 p692)

A Lei Maria da Penha foi um marco no histoacuterico do tratamento do Estado agrave

violecircncia de gecircnero pois foi pioneira na tipificaccedilatildeo da violecircncia Como coloca

Meneghel

A Lei Maria da Penha tipificou a violecircncia denominando-a violecircncia

domestica e a definiu como qualquer accedilatildeo ou omissatildeo baseada no gecircnero que

cause morte lesatildeo sofrimento fiacutesico sexual psicoloacutegico e dano moral ou

patrimonial agraves mulheres ocorrida em qualquer relaccedilatildeo iacutentima de afeto na

qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida

independentemente de coabitaccedilatildeo (MENEGHEL 2013 p693)

Depois de aprovada a lei no entanto o movimento feminista brasileiro se

deparou com uma nova agenda a de garantir a efetividade da implementaccedilatildeo da Lei

41

Maria da Penha Nesse sentido foi criado em 2007 pela alianccedila entre organizaccedilotildees

de mulheres e nuacutecleos universitaacuterios o Observatoacuterio Nacional de Implementaccedilatildeo e

Aplicaccedilatildeo da Lei Maria da Penha ldquopara produzir analisar e divulgar informaccedilotildees

sobre a aplicaccedilatildeo da Lei pelas delegacias Ministeacuterio Puacuteblico Defensoria Puacuteblica

poderes Judiciaacuterio e Executivo e redes de atendimento agrave mulherrdquo (MACIEL 2011

p104) No mesmo ano o Programa Nacional ade Seguranccedila Puacuteblica com Cidadania

do governo federal colocou como objetivo a criaccedilatildeo de Juizados de Violecircncia

Domeacutestica e Familiar (MACIEL 2011) Esse plano incluiacutea tambeacutem a necessidade de

capacitaccedilatildeo especiacutefica de agentes puacuteblicos para lidar com essas viacutetimas (MACIEL

2011) Jaacute em 2008 a ldquoCampanha 16 Dias de Ativismo pelo Fim da Violecircncia contra

as Mulheresrdquo foi realizada em parceria com a SPM e teve ampla adesatildeo da esfera

puacuteblica estatal e natildeo estatal nacional e internacional (MACIEL 2011)

Ou seja a accedilatildeo coletiva do movimento feminista brasileiro pressionou

primeiramente o poder Legislativo para incluir na agenda de poliacuteticas puacuteblicas o

problema da violecircncia de gecircnero Depois da vitoacuteria da aprovaccedilatildeo da Lei Maria da

Penha comeccedilou a pressionar os poderes Executivo e Judiciaacuterio para garantir que a

mesma fosse efetiva

42 Contextualizaccedilatildeo da Anaacutelise

O objetivo desse trabalho eacute compreender os diferentes sentidos dados agrave violecircncia

de gecircnero nos contextos urbano e agriacutecola Para entendermos melhor esse objetivo e

como iremos trabalhar para atingi-lo eacute necessaacuterio explicitar como ele estaacute

relacionado aos diferentes domiacutenios do Realismo Criacutetico (vide seccedilatildeo da metodologia

em que delimitamos esses domiacutenios e mostramos como se relacionam entre si) O

nosso foco nas evidecircncias de cada domiacutenio especificamente no tema de violecircncia de

gecircnero vai nos ajudar a analisar em seguida os dados coletados na pesquisa jaacute que

essas evidecircncias satildeo a ponte para a compreensatildeo dos domiacutenios abstratos

42

Domiacutenio Evidecircncias

Real Machismo

Atual Discursos sobre desigualdade de gecircnero e

violecircncia de gecircnero

Empiacuterico Poliacuteticas e accedilotildees puacuteblicas

Elementos extra-discursivos

Entatildeo precisamos entender quais os sentidos atribuiacutedos pelos entrevistados agrave

violecircncia de gecircnero Isso eacute relevante porque os sentidos atribuiacutedos delimitam a

compreensatildeo do problema no caso a violecircncia de gecircnero A maneira como o

problema eacute compreendido afeta quais os tipos de poliacuteticas puacuteblicas construiacutedas ou a

ausecircncia delas Essas poliacuteticas puacuteblicas por sua vez podem alterar a estrutura social

ou reforccedilar a mesma voltando para o domiacutenio do real Aleacutem disso essas poliacuteticas

puacuteblicas satildeo afetadas pelos elementos extra-discursivos como orccedilamento estrutura

fiacutesica e recursos humanos que por sua vez podem ser tanto causados por ou

causadores da estrutura social machista Ou seja podemos pensar que os locus de

formulaccedilatildeo eou implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo de

violecircncia satildeo esvaziadas de recursos como consequecircncia da falta de importacircncia dada

ao problema devido agrave estrutura social machista que permanece mas ao mesmo tempo

como instrumento de manutenccedilatildeo dessa mesma estrutura

Tambeacutem eacute interessante retomarmos as caracteriacutesticas da Anaacutelise Criacutetica do

Discurso para relacionaacute-las agraves entrevistas realizadas Primeiramente realismo criacutetico

eacute relacional (FAIRCLOUGH 2010) o que no caso significa que a estrutura social do

machismo os discursos sobre desigualdade de gecircnero e violecircncia de gecircnero e os

elementos extra-discursivos natildeo podem ser analisados separadamente Isto se deve ao

fato de que cada elemento interage com os demais sendo afetado e afetando-os

mutuamente Entatildeo natildeo podemos falar em machismo sem justificar sua existecircncia

Tabela 3 Os Domiacutenios do Realismo Criacutetico e suas Evidecircncias

Fonte Autoria proacutepria

43

enquanto estrutura social via suas manifestaccedilotildees tanto discursivas quanto extra-

discursivas Mas tambeacutem natildeo podemos pensar nessas manifestaccedilotildees sem entender a

relaccedilatildeo delas com a estrutura social que pode ser geradora eou influenciada pelos

discursos e elementos extra-discursivos

Aleacutem disso a anaacutelise criacutetica do discurso eacute dialeacutetica (FAIRCLOUGH 2010) Isso

significa que o machismo e a violecircncia de gecircnero natildeo podem ser analisados como

uma relaccedilatildeo causal uacutenica por exemplo a estrutura social machismo gera a violecircncia

de gecircnero No caso a estrutura social machista tem como uma das suas

consequecircncias manifestaccedilotildees como a violecircncia de gecircnero mas esta violecircncia atua

reproduzindo a estrutura social machista ou entatildeo transformando a mesma

Para entender melhor as entrevistas realizadas agrave luz da ontologia do realismo

criacutetico dividimos a anaacutelise da pesquisa em duas partes principais as manifestaccedilotildees

discursivas da estrutura social e suas manifestaccedilotildees extra-discursivas Na primeira

seccedilatildeo iremos partir do plano geral das manifestaccedilotildees do machismo e em seguida focar

na manifestaccedilatildeo especiacutefica de violecircncia de gecircnero E na segunda parte iremos

descrever e analisar questotildees de recursos humanos fiacutesicos e orccedilamentaacuterios

43 Manifestaccedilotildees discursivas da estrutura social

Durante a pesquisa encontramos evidecircncias de diferentes sentidos dados

pelos atores sobre desigualdade de gecircnero Mesmo com suas diferenccedilas a principal

referecircncia dos entrevistados eacute a cultura de que o mundo em geral eacute machista e o

Brasil o eacute com mais intensidade

Percebemos que a desigualdade entre os gecircneros envolve discursos que

acabam encontrando entraves durante as falas dos entrevistados Por exemplo

segundo Faacutebio a mulher eacute vista pela sociedade como sexo fraacutegil apesar ser na praacutetica

mais forte porque ldquose um homem pega uma gripe ele cai na cama e natildeo levanta pra

nada a mulher taacute de gripe ela taacute limpando casa taacute lavando vasilha taacute fazendo

almoccedilordquo Ele comeccedila o seu discurso preocupado com a visatildeo da sociedade de que a

mulher eacute um sexo fraacutegil e inferior ao homem demonstrando um discurso contraacuterio agrave

estrutura social machista No entanto ele muda seu discurso no meio da frase

44

justificando sua posiccedilatildeo contraacuteria a essa estrutura com exemplos de atividades

colocadas pela estrutura social machista como atividades de mulher limpar lavar

cozinhar

Luiz reforccedilou sua crenccedila no que seria a igualdade de gecircnero a ser perseguida

diante do discurso de Faacutebio

Natildeo significa vocecirc ser submisso vocecirc saber como deve ser conduzida

uma relaccedilatildeo um casamento Eacute questatildeo de respeito mesmo O significado forte

da famiacutelia o que significa famiacutelia Ou qual eacute a figura do pai qual eacute a figura

da matildee O que eacute a figura do homem dentro da sociedade o que eacute a figura da

mulher dentro da sociedade Entatildeo trabalhar essa questatildeo da igualdade eacute

muito difiacutecil porque a gente natildeo pode confundir com certas libertinagens E

tem mulheres hoje mal instruiacutedas que natildeo tecircm uma instruccedilatildeo pra que isso

aconteccedila

Nesse discurso Luiz reforccedila as figuras do homem e da mulher da estrutura

social machista pois atribui um sentido normativo agrave ideia de relaccedilatildeo casamento e

famiacutelia isto eacute coloca como sendo relaccedilotildees positivas onde existem claramente os

papeis da mulher e do homem e consequentemente coloca como relaccedilotildees negativas

relaccedilotildees que natildeo seguem esse padratildeo estabelecido socialmente Seu discurso

evidecircncia o machismo da esfera real podemos dizer que aqui se manifesta

inconscientemente quando afirma que a igualdade entre os gecircneros eacute ameaccedilada por

ldquolibertinagensrdquo que segundo ele decorrem de uma falha da mulher por falta de

ldquoinstruccedilatildeordquo de cumprir seu papel enquanto ldquofigura de mulherrdquo dentro de uma

relaccedilatildeo Nesse sentido tambeacutem haacute evidecircncias de que o sentido construiacutedo por ele de

um relacionamento eacute heteronormativo em que necessariamente deve haver a ldquofigura

do homemrdquo e a ldquofigura da mulherrdquo o que faz parte tambeacutem da estrutura social

machista

Esse reforccedilo dos papeis sociais desiguais seria explicado segundo Roberta

pela educaccedilatildeo sexista que ainda existe no Brasil em que homens e mulheres satildeo

educados diferentemente pelas famiacutelias e pelas escolas Ela explica que ldquogeralmente

45

os brinquedos que aguccedilam a criatividade da crianccedila satildeo masculinos a menina ainda

brinca com boneca com panelinha enfim com as lides domeacutesticasrdquo

Aleacutem disso outro fator apontado como importante para a desigualdade entre

os gecircneros eacute o arcabouccedilo juriacutedico que historicamente privilegiou os homens porque

segundo a Talita ldquonoacutes temos um paiacutes muito marcado pelo machismo nossa lei que

trata especificamente sobre o assunto eacute ainda muito jovem noacutes nos deparamos com

muitas injusticcedilas antes da existecircncia da Lei Maria da Penha ateacute algumas deacutecadas

atraacutes a mulher sequer votavardquo

Em contraposiccedilatildeo Ana Paula contou uma anedota para justificar que as

causas da desigualdade de gecircnero vatildeo aleacutem de leis

Aiacute eu chamei uma amiga a faxineira uma pessoa muito humilde

terceirizada () e aiacute eu perguntei lsquofulana vocecirc tem relaccedilatildeo com o seu

marido quandorsquo Aiacute ela ficou sem graccedila ela disse aiacute doutora E eu lsquoDiz pra

eles quandorsquo lsquoQuando ele querrsquo E aiacute eu acho que haacute um tempo longo entre a

cultura e a lei

A cultura nessa fala pode ser vista como parte da esfera atual em que os seres

humanos ativam as estruturas do domiacutenio real construindo sentidos a partir delas

Nesse caso o domiacutenio do real eacute a estrutura social machista que eacute ativada por meio da

cultura nesse caso citado por Ana Paula com evidecircncias de elementos de

sexualidade que influenciam e satildeo influenciados pela estrutura social desigual entre

homens e mulheres Jaacute a lei agrave qual Ana Paula se refere a Lei Maria da Penha faz

parte do domiacutenio do empiacuterico ou seja uma legislaccedilatildeo fruto de eventos e accedilotildees da

sociedade Quando a entrevistada diz que ldquohaacute um tempo longo entre a cultura e a

leirdquo ela mostra evidecircncias de que o domiacutenio do empiacuterico pode trazer inovaccedilotildees

como a Lei Maria da Penha Poreacutem isso natildeo significa que a lei necessariamente

revolucione a estrutura social como a cultura que nesse caso que continua

reproduzindo um comportamento sexual machista em que o homem determina

quando quer ter relaccedilotildees sexuais e a mulher natildeo tem voz

Na pesquisa surgiram dois sentidos dados agrave maneira como o machismo se

46

manifesta na sociedade relativos ao grau de instruccedilatildeo e agrave estrutura econocircmica O

primeiro foi reforccedilada pelos funcionaacuterios do CREAS visitado por Talita e por Rafael

Segundo os entrevistados quanto mais educaccedilatildeo e mais informaccedilatildeo chegam ateacute as

pessoas menos machistas elas satildeo Rafael afirmou que a falta de instruccedilatildeo das

mulheres da aacuterea rural decorrente de uma menor escolaridade e maior isolamento

seriam geradoras de uma subnotificaccedilatildeo de casos de violecircncia (vide seccedilatildeo 2) na zona

agraacuteria Ele conta que essa subnotificaccedilatildeo ldquoeacute incentivada primeiro no meu ponto de

vista pela questatildeo cultural da proacutepria mulher natildeo procurar que ela eacute mais

desprovida de informaccedilatildeo e tudo maisrdquo Consequentemente a diferenccedila nas

manifestaccedilotildees do machismo nas aacutereas rural e urbana seria a intensidade porque

segundo estes entrevistados a aacuterea rural teria um vatildeo de instruccedilatildeo e informaccedilatildeo

recebida em relaccedilatildeo agrave aacuterea urbana

Aqui temos dois elementos da esfera real dialogando entre si O grau de instruccedilatildeo

estaacute relacionado agrave estrutura social diferente entre aacutereas agraacuterias e urbanas E a

estrutura social machista tambeacutem se localiza no plano real como mencionamos

anteriormente Assim uma desigualdade estrutural de instruccedilatildeo agravaria uma outra

desigualdade de gecircnero no caso justificando elementos discursivos (atual) e extra-

discursivos (empiacuterico) que reforccedilam uma dupla desigualdade evidenciando uma

minoria dentro das minoria das mulheres as mulheres da zona agraacuteria

Por outro lado Laura e Roberta afirmaram a importacircncia das estruturas

econocircmicas na manifestaccedilatildeo do machismo Roberta colocou a questatildeo da composiccedilatildeo

da renda familiar porque ldquona aacuterea rural o homem continua sendo chefe de famiacutelia

mesmo que a legislaccedilatildeo tenha mudadordquo Aleacutem disso ela afirma que a estrutura do

trabalho do campo que eacute direcionada pelo homem aumenta seu poder na relaccedilatildeo

com a mulher Segundo Laura esse poder seria explicitado na maneira mais aberta de

o machismo se manifestar na aacuterea rural Segundo ela ldquoo cara diz lsquoeu natildeo querorsquo

lsquovocecirc natildeo vairsquo lsquoassim natildeo podersquo lsquoporque eu sou homemrsquo lsquoeu que faccedilo issorsquo lsquoessa eacute

a sua tarefarsquo isso (o machismo) eacute claro no mundo rural existe uma abertura maior

para se dizerrdquo

Outras evidecircncias da manifestaccedilatildeo do machismo na divisatildeo das tarefas

domeacutesticas e na proacutepria convivecircncia com a famiacutelia esteve presente no discurso da

47

Ana Paula Segundo ela a mulher tem na nossa sociedade a responsabilidade com a

casa e com a famiacutelia enquanto o homem fica mais livre dessas obrigaccedilotildees Um

exemplo que ela apresenta eacute ldquoateacute no meu bairro eu me irrito porque os homens vatildeo

beber no bar como que os homens vatildeo beber no bar e as mulheres tatildeo em casa

lavando passando cozinhando cuidando dos filhos no saacutebadordquo

Vitoacuteria mostrou que na aacuterea urbana a manifestaccedilatildeo do machismo estaacute

relacionada agrave sexualidade da mulher porque segundo ela as outras desigualdades de

gecircnero seriam dadas como conquistadas apesar de natildeo o serem efetivamente Por isso

ela afirma que ldquo(o machismo) fica essa coisa escondida escamoteadardquo O sentido

dado por Vitoacuteria ao falar de machismo ldquoescondidordquo nos remete ao domiacutenio do real

Isto eacute na aacuterea urbana avanccedilos foram sido logrados como a entrada da mulher no

mercado de trabalho gerando maior independecircncia financeira aumento gradual da

participaccedilatildeo poliacutetica das mulheres dentre outros Contudo essas mudanccedilas estatildeo no

campo do atual e do empiacuterico mas natildeo foram suficientes para mudar a esfera do real

levando agrave permanecircncia da estrutura social machista Ou seja o machismo permanece

ldquoescondidordquo em partes da vida social como na sexualidade da mulher que acabam

reforccedilando uma relaccedilatildeo desigual com a mulher colocada em situaccedilatildeo inferior ao

homem

Depois de um olhar mais geral para as manifestaccedilotildees do machismo agraves quais os

entrevistados deram sentidos olhamos mais especificamente nas entrevistas uma de

suas manifestaccedilotildees a violecircncia de gecircnero que perpassa pelos vaacuterios tipos de

violecircncia descritos na Lei Maria da Penha Na conversa com a equipe do CREAS

nos foi relatado que quase natildeo chegam queixas da zona agraacuteria mas a conclusatildeo da

equipe eacute de que a violecircncia na zona agraacuteria eacute mais psicoloacutegica do que fiacutesica Essa

conclusatildeo se baseia no seguinte discurso construiacutedo pela equipe

Entatildeo ela vem na cidade ela faz a compra ela vem matricular os

filhos na escola e soacute volta no outro ano E ela estaacute ali a alegria dela Agraves vezes

a gente percebe quando a gente atende uma mulher do campo ela sempre

traz uma manga uma fruta que ela que colhe E isso faz com que ela fique

realmente responsaacutevel pelos filhos pela casa por algumas coisas ali que

48

beneficiam muito o homem Por isso que a violecircncia fiacutesica natildeo acontece

Porque para acontecer a violecircncia fiacutesica precisa de muita ira E ela natildeo estaacute

vendo o que estaacute acontecendo aqui na cidade Quando o marido vem entregar

o leite se ele daacute um litro de leite para uma menininha ali Se ele tem um

casinho ali ou outro ali vocecirc entendeu Ele fica mais solto Ele eacute

responsaacutevel por suprir toda a necessidade ali da zona rural mas ela fica ali

cuidando de tudo

Nessa fala temos evidecircncias de que a construccedilatildeo de sentidos sobre as causas

da violecircncia de gecircnero acabam voltando para a estrutura social machista e colocando

a mulher como culpada pela situaccedilatildeo Isso porque o discurso coloca a ira como causa

da violecircncia fiacutesica e depois a ira como algo gerado pela insatisfaccedilatildeo da mulher com

os comportamentos do homem Assim a fala comeccedila com um tom normativo

positivo de que a mulher eacute feliz no campo e de que na aacuterea rural a violecircncia fiacutesica

natildeo ocorre mas depois acaba culpabilizando as mulheres da aacuterea urbana pela

violecircncia fiacutesica que ocorre na cidade porque se ocorre eacute em decorrecircncia de seus

comportamentos que geram a ira no homem

Segundo a Roberta as mulheres da zona rural sofrem um tipo de violecircncia que

eacute menos comum na aacuterea urbana a violecircncia patrimonial Isso ocorre porque apesar

de a mulher trabalhar no campo com a produccedilatildeo de alimentos e tarefas domeacutesticas

ela natildeo tem remuneraccedilatildeo pelo trabalho realizado e o homem acaba sendo quem tem

posse do patrimocircnio da famiacutelia e quem decide todos os gastos

Vitoacuteria por outro lado tem outro discurso

()violecircncia de gecircnero eacute violecircncia de gecircnero em todos os lugares

Mas assim eacute que eu acho que eacute difiacutecil de falar mas acho que natildeo acho que

assim (pausa) talvez uma outra questatildeo diferente talvez na aacuterea rural vocecirc

tenha mais essa questatildeo da concretude da questatildeo da localidade a violecircncia

ser fiacutesica domeacutestica natildeo eacute uma coisa tatildeo refinada quanto na aacuterea urbana

que hoje vocecirc vecirc violecircncias na internet vocecirc tem tecnologia para usar para

isso

49

Podemos entatildeo depreender que as diferenccedilas em termos da violecircncia de

gecircnero nas zonas rurais e urbanas satildeo ainda muito pouco compreendidas como

podemos perceber pela pluralidade de concepccedilotildees em termos do que acontece e pelas

notificaccedilotildees natildeo chegarem ateacute os locais que trabalham com mulheres em situaccedilatildeo de

violecircncia

Existem divergecircncias tambeacutem quanto ao que eacute poliacutetica de gecircnero e

consequentemente como ela deveria ser executada Para Ana Paula poliacutetica de

gecircnero eacute uma poliacutetica que reconhece a vulnerabilidade do gecircnero feminino frente ao

masculino e a partir disso tem um enfoque na equiparaccedilatildeo das desigualdades em

todas as secretarias e natildeo apenas em uma secretaria de poliacuteticas para as mulheres

especificamente

Em contraste a essa visatildeo Roberta defende a necessidade de um oacutergatildeo

especiacutefico para tratar da poliacutetica de gecircnero uma vez que existem especificidades

dessa poliacutetica puacuteblica que a organizaccedilatildeo seria responsaacutevel por garantir Segundo ela

Se jaacute houvesse a equidade de gecircnero seja no trabalho na casa enfim nas

relaccedilotildees natildeo precisaria mesmo de um organismo Mas como a mulher tem

questotildees especiacuteficas como a sauacutede da mulher o trabalho da mulher a

capacitaccedilatildeo entatildeo noacutes temos que ter poliacuteticas puacuteblicas desenvolvidas em um

espaccedilo puacuteblico e que esse espaccedilo se comunique com os demais porque as

poliacuteticas satildeo transversais Quando noacutes falamos de mulher noacutes estamos

falando de sauacutede de educaccedilatildeo de seguranccedila que satildeo poliacuteticas que estatildeo

sendo desenvolvidas em outras aacutereas institucionais Mas a importacircncia da

concentraccedilatildeo em um organismo eacute porque esse organismo vai fazer a

articulaccedilatildeo com os demais promover essa transversalidade e de fato

implementar essas poliacuteticas especiacuteficas

Eacute interessante notar tambeacutem que haacute uma diferenccedila nos discursos quanto agrave

igualdade de gecircnero que foi apontada pela maioria dos entrevistados como o objetivo

da poliacutetica de gecircnero Segundo Vitoacuteria a igualdade buscada por esse tipo de poliacutetica

50

seria material ou seja efetivar as igualdades da lei entre homens e mulheres Jaacute para

Talita essa poliacutetica seria responsaacutevel por ldquotentar adequar todas essas diferenccedilas e

natildeo igualar todos porque natildeo somos iguais mas tentar equilibrar para que todos noacutes

possamos viver pacificamente e sem existir essa relaccedilatildeo de subordinaccedilatildeo que haacute

muitas vezes entre homem e mulherrdquo

O sentido dado por Roberta a poliacuteticas transversais eacute de que estamos falando

de uma poliacutetica que envolve diferentes segmentos da atuaccedilatildeo puacuteblica e por isso de

vaacuterios atores envolvidos na formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas de

gecircnero Nesse sentido existe a necessidade de ldquofazer um processo de convencimento

dos gestores sobre a importacircncia dessas poliacuteticasrdquo

Essa ideia foi explicada tambeacutem por Vitoacuteria quando relatou o desafio na

praacutetica de lidar com o caraacuteter transversal da poliacutetica de gecircnero

O desafio eacute a visatildeo de poliacutetica de gecircnero Muita gente fala a gente

estaacute com tanta preocupaccedilatildeo por que a gente vai se preocupar com isso

Como se fosse o acessoacuterio ou o a mais neacute o plus Acho que essa visatildeo ela eacute

de todas as instacircncias no executivo no legislativo e dentro da defensoria haacute

esse visatildeo de que natildeo peraiacute a gente tem pouca gente pouco dinheiro entatildeo a

gente vai investir no que realmente eacute importante E isso nunca eacute a mulher

Entatildeo eu acho que vocecirc vai ver isso em todos os lugares que vocecirc visitar

porque eacute essa a visatildeo a sociedade vecirc assim Entatildeo isso eacute soacute a reproduccedilatildeo de

como a sociedade enxerga as questotildees de mulher as questotildees de mulher satildeo

sempre ah mulher eacute sensiacutevel mulher reclama muito mulher natildeo sei o que

natildeo eacute tatildeo grave assim exagera

As organizaccedilotildees agraves quais foi dado o papel de realizar uma poliacutetica puacuteblica

transversal com o vieacutes de gecircnero satildeo a Subsecretaria de Poliacuteticas para as mulheres de

Goiaacutes a Secretaria da Mulher em Professor Jamil a Coordenadoria de Poliacuteticas para

as Mulheres do estado de Satildeo Paulo e o Nuacutecleo Especializado de Promoccedilatildeo de

Direitos da Mulher Os sentidos dados agrave transversalidade pelos entrevistados mostra

que o papel construiacutedo dessas organizaccedilotildees seria o de articular outras organizaccedilotildees do

51

Estado e conscientizaacute-las para as desigualdades de gecircnero dentro e fora das

organizaccedilotildees A partir dessa construccedilatildeo de sentidos do que eacute transversalidade e

atribuiccedilatildeo desse papel a organizaccedilotildees voltadas para a questatildeo da mulher estaacute

diretamente relacionado aos recursos materiais que satildeo destinados a essas

organizaccedilotildees (sobre os quais aprofundaremos na seccedilatildeo 4) porque satildeo vistas como

organizaccedilotildees paralelas agravequelas consideradas como ldquoprincipaisrdquo como podemos notar

no discurso da Vitoacuteria em que ela afirma que as dificuldades de atuaccedilatildeo do nuacutecleo

passam em geral pelo sentido secundaacuterio e marginal dada agrave questatildeo de gecircnero Ou

seja esses elementos discursivos e extra-discursivos acabam distorcendo a questatildeo da

transversalidade Isso porque a mesma surgiu de jure (BAUMAN 2001) como uma

maneira conseguir resolver problemas complexos tratando-os de maneira transversal

e acabou sendo utilizada de facto (BAUMAN 2001) como uma ferramenta para a

reproduccedilatildeo da estrutura social machista devido agrave impressatildeo que se cria de que o

problema de gecircnero estaacute sendo resolvido pela existecircncia dessas organizaccedilotildees com o

enfoque em gecircnero mas na praacutetica elas natildeo satildeo empoderadas nem na agenda nem no

orccedilamento

Portanto esses diferentes sentidos dados ao que eacute machismo violecircncia de

gecircnero poliacutetica de gecircnero transversalidade e a que servem e como deve ser

realizadoscombatidos satildeo importantes para entender quais os tipos de poliacuteticas

puacuteblicas efetivamente colocadas em praacuteticas (PHILIPPS SEWELL JAYNES 2008)

por essas diferentes organizaccedilotildees (vide seccedilatildeo 3 em que mostramos como os

elementos extra-discursivos dialogam com os discursos) Aleacutem disso nessa seccedilatildeo

encontramos evidecircncias de que a estrutura social machista tem uma forccedila muito

grande pois apesar algumas ressignificaccedilotildees (de a mulher natildeo ser sexo fraacutegil) ela

permanece latente no discurso voltando a reproduzir a estrutura de desigualdade de

gecircnero Nesse sentido os contextos agriacutecola e urbano parecem natildeo mudar a existecircncia

dessa estrutura social mas vamos averiguar a seguir se esses contextos apontam

diferenccedilas em relaccedilatildeo aos elementos extra-discursivos

52

44 Elementos extra-discursivos

Nessa seccedilatildeo iremos analisar os principais elementos extra-discursivos que

surgiram durante as entrevistas e se relacionam com os discursos apresentados

(PHILIPPS SEWELL JAYNES 2008) Satildeo eles a Lei Maria da Penha sobre a qual

discorremos no referencial teoacuterico a estrutura fiacutesica das organizaccedilotildees os recursos

humanos disponiacuteveis e as accedilotildees ou poliacuteticas puacuteblicas resultantes de suas atuaccedilotildees

A Lei Maria da Penha por ser um marco juriacutedico em relaccedilatildeo ao tratamento do

Estado agrave violecircncia de gecircnero em seus diferentes tipos surgiu em todas as entrevistas

como base para o trabalho realizado pelos diferentes organismos Do ponto de vista

das soluccedilotildees segundo Vitoacuteria foi importante para fortalecer os movimentos sociais

que lutavam pela questatildeo da mulher e abrir espaccedilo entatildeo para que esses movimentos

exigissem esse olhar dentro de diferentes instituiccedilotildees como a defensoria puacuteblica

Contudo Ana Paula reforccedila que a Lei Maria da Penha foi precedida por algumas

leis que na verdade ainda natildeo satildeo de conhecimento pela populaccedilatildeo em geral Ela

relata um caso que lhe aconteceu na delegacia da mulher

Eu tinha recebido uma ocorrecircncia que era um homem que tinha

enfiado uma faca na esposa dele casada haacute 30 anos porque ela comprou um

conjunto de panelas e ele discordava do entendimento dela de como se gastava

o dinheiro Entatildeo que ela era uma vagabunda dizendo ele Soacute que essa

vagabunda trabalhava era uma enfermeira padratildeo no hospital de Diadema e

ele estava haacute onze anos E aleacutem de trabalhar e sustentar ele ela lavava

passava cozinhava e ela entendeu que com o salaacuterio dela dava pra comprar

um conjunto de panelas Aiacute ele puxou a faca pra ela veio uma ocorrecircncia

falando da tentativa de homiciacutedio o filho falou lsquonatildeo vou testemunhar conta

meu pai ainda que eu ache que a minha matildee corre risco com elersquo A matildee natildeo

quer vem falar lsquonatildeo foi soacute um desentendimentorsquo ela vem de um ciclo de

violecircncia E eu natildeo ia ter nenhuma testemunha no inqueacuterito natildeo ia dar certo o

flagrante e aiacute eu falei bom ela natildeo vai dormir em casa porque a nossa

preocupaccedilatildeo natildeo pode ser em fazer um papel deve ser o de garantir a

53

seguranccedila da mulher E aiacute o marido vira pra mim e fala lsquoeu natildeo vejo motivo

para conceder o divoacuterciorsquo E aiacute eu tive um surto com ele porque eu falava lsquoo

senhor vive na idade da pedrarsquo Porque quando eu nasci jaacute tinha a lei do

divoacutercio mas para eles natildeo Ele ainda achava que ele tinha o direito de dar ou

natildeo o divoacutercio E isso foi em 73 E aiacute a gente comeccedila a olhar e ver quantos

anos demoram para uma populaccedilatildeo se apropriar daquela legislaccedilatildeo se eacute que a

lei pegue porque no Brasil tem lei que natildeo pega natildeo eacute um paiacutes seacuterio Mas a lei

Maria da Penha veio ele conhece a lei mas ele natildeo conhece a lei do divoacutercio

E isso eacute regra

Ou seja a Lei Maria da Penha que estaacute no domiacutenio do empiacuterico ou seja o

que eacute efetivamente experimentado pelos atores natildeo garante o entendimento de outras

leis que mudaram as relaccedilotildees familiares em termos legais e os direitos igualados de

jure (BAUMAN 2001) entre homem e mulher Entatildeo antes da Lei Maria da Penha

houve uma sucessatildeo de leis que reforccedilavam a estrutura social machista no domiacutenio do

real Mesmo com as novidades da Lei Maria da Penha portanto natildeo foi possiacutevel

revolucionar a esfera do real e isso fica evidente com a permanecircncia de outras leis

anteriores no imaginaacuterio das pessoas Aleacutem disso Ana Paula tambeacutem expocircs a

dificuldade de se implementar a Lei Maria da Penha de facto (BAUMAN 2001)

Entatildeo a gente tem dispositivos como autoridade policial civil deveraacute

garantir a seguranccedila da mulher e aiacute o tema da minha dissertaccedilatildeo aquela vez

foi a seguranccedila da mulher na Lei Maria da Penha Porque ela eacute linda mas

como que uma delegada com trecircs policiais garante a seguranccedila de alguma

mulher Eu queria saber porque o policial geralmente vai no foacuterum busca

laudo leva laudo e etc Um tem que ficar na delegacia porque geralmente os

homens natildeo respeitam as mulheres mesmo as mulheres policiais aiacute tem que ter

toda uma loacutegica dentro da poliacutecia e da questatildeo socioloacutegica da poliacutecia de que eacute

melhor ter uma forma ostensiva em determinados momentos do que ter que usar

a forccedila entatildeo eacute melhor ter policiais homens armados do que ter que ser duro

com o indiviacuteduo que vira e fala lsquoeu natildeo respeito mulherrsquo e eles falam isso E

54

natildeo eacute um desacato agrave autoridade policial civil eacute uma relaccedilatildeo de que eles natildeo

respeitam o gecircnero feminino como igual E isso eacute muito complicado Aiacute sobra

um policial que natildeo pode sair de viatura porque se natildeo eacute viatura

descaracterizada E aiacute eu tenho que garantir a seguranccedila da mulher Aiacute eu

tenho que colocar ela em um abrigo Qual abrigo Ah a prefeitura de Satildeo

Paulo agora parece que melhorou o sistema de abrigamento Eacute melhorou mas

pra isso a gente precisa fazer boletim de ocorrecircncia em uma delegacia que

esteja aberta 24 horas e a gente natildeo tem delegacia da mulher aberta 24 horas

Ou seja faltam recursos humanos e orccedilamentaacuterios para manter a delegacia

funcionado bem e por 24 horas elementos do domiacutenio empiacuterico e a proacutepria lida

diaacuteria da delegada mulher com o machismo a impede de realizar seu trabalho sem ter

o acompanhamento de um homem Satildeo evidecircncias de que a criaccedilatildeo de delegacias

especializadas apesar de terem sido um avanccedilo estaacute longe de apresentarem uma

transformaccedilatildeo agrave estrutura social desigual uma vez que a distribuiccedilatildeo material

insuficiente impacta na reproduccedilatildeo das desigualdades de gecircnero

Mostrando essa dificuldade por um outro vieacutes Talita afirmou que a Lei Maria

da Penha fez com que as pessoas olhassem para as delegacias da Mulher como uma

ldquoceacutelula de expansatildeo de poliacuteticas puacuteblicasrdquo quando segundo ela a delegacia da

mulher e uma ldquodelegacia como qualquer outra a gente estaacute aqui para prender o

agressor investigar concluir processo e encaminhar ao poder judiciaacuteriordquo Esse

discurso de Talita mostra que o sentido dado por ela agrave delegacia especializada eacute de

uma delegacia como qualquer outra Isso implica que mesmo havendo uma tentativa

de jure (BAUMAN 2001) em trazer ferramentas no domiacutenio do empiacuterico para

combater a violecircncia contra a mulher de facto (BAUMAN 2001) a delegacia da

mulher sendo vista pelos atores que dela participam como uma delegacia da mulher

acaba sendo uma forccedila de manutenccedilatildeo da estrutura social machista no domiacutenio do

real

Outro discurso importante sobre a Lei Maria da Penha que surgiu na pesquisa

de campo foi a Joana O sentido atribuiacutedo por ela agrave Lei Maria da Penha eacute de ceticismo

porque de acordo com ela as mulheres voltam com um papel de medida protetiva

55

que natildeo serve para nada assim como a tornozeleira natildeo salva a mulher Segundo

Joana se o homem quer matar a mulher natildeo vai ser isso que vai impedi-lo e nem haacute

recursos suficientes para que o poder puacuteblico impeccedila que isso aconteccedila em sua cidade

e seus arredores

Inclusive na entrevista ouvimos pela uacutenica vez durante a pesquisa viacutetimas de

violecircncia de gecircnero duas mulheres que vieram fugidas para a cidade do Uma veio de

Trindade (Goiaacutes) fugindo agrave noite com os seis filhos e sua matildee do marido que a

agredia psicologicamente e fisicamente A secretaacuteria a ajudou quando chegou

encaminhando-a para atendimento psicoloacutegico no CRAS e conseguindo um emprego

para ela recomeccedilar a vida Ateacute hoje ela estaacute laacute escondida do marido e segundo ela

ela jaacute tinha procurado duas vezes delegacias comuns por serem as disponiacuteveis na sua

regiatildeo e que a Lei Maria da Penha e a medida protetiva natildeo ajudaram em nada a

situaccedilatildeo

Para Joana esse eacute um exemplo de vaacuterios que a levam a construir um sentido

de que as mulheres quando natildeo querem mais ficar com os maridos e conseguem

largam tudo e fogem Isso porque segundo ela as mulheres que fazem denuacutencias as

fazem na esperanccedila de mudar o comportamento dos seus parceiros para continuar

com eles e natildeo para que eles sejam presos Isso coloca em evidecircncia que de facto

(BAUMAN 2001) a lei natildeo consegue mudar a estrutura social

Queremos compreender melhor a distribuiccedilatildeo material que as organizaccedilotildees

entrevistadas possuem hoje para realizarem seu trabalho As pesquisas em Goiaacutes e em

Satildeo Paulo foram conduzidas nos locais de trabalho dos entrevistados o que

possibilitou conhecermos sobre o espaccedilo em que essas poliacuteticas estatildeo sendo

realizadas e a dimensatildeo das equipes por traacutes das mesmas Escolhemos descrever essas

condiccedilotildees de algumas organizaccedilotildees que melhor contribuem para nossa interpretaccedilatildeo e

anaacutelise

O CREAS de uma cidade do interior do estado de Goiaacutes por exemplo fica em

uma casa teacuterrea com uma sala pequena na entrada onde satildeo recebidas as viacutetimas A

maior parte da equipe do CREAS eacute composta por homens e a entrevista foi realizada

com trecircs membros da equipe o coordenador a assistente juriacutedica e o educador social

Percebemos que aleacutem de o centro natildeo ser um espaccedilo voltado especificamente para

56

mulheres a reproduccedilatildeo da estrutura social desigual estaacute claramente manifestada na

composiccedilatildeo da equipe que eacute composta por uma maioria masculina Aleacutem disso a

estrutura fiacutesica natildeo permite diferenciaccedilatildeo entre as populaccedilotildees em situaccedilatildeo de

vulnerabilidade atendidas Isto significa que homens mulheres e crianccedilas satildeo

atendidas em um mesmo local o que evidencia que no domiacutenio empiacuterico as chances

de mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia se sentirem agrave vontades para darem suas queixas

e buscarem ajuda no centro satildeo reduzidas sendo outro fator que contribui para a

manutenccedilatildeo da esfera real machista

Jaacute a Superintendecircncia de Poliacuteticas para Mulheres em Goiaacutes fica no centro de

uma cidade de Goiaacutes em uma estrutura de dois andares na avenida principal da

cidade Do lado de fora a pintura eacute roxa e estaacute bem sinalizada com campanha do

Disque-100 na fachada e a frase ldquoViolecircncia contra mulher natildeo tem desculpa tem

leirdquo O preacutedio tem uma secretaria com vaacuterias cadeiras na frente onde as pessoas se

identificam e satildeo encaminhadas para salas menores de acordo com a solicitaccedilatildeo

Enquanto esperamos pela entrevista nos abordaram quatro vezes por funcionaacuterias

diferentes perguntando se algueacutem jaacute tinha nos sido atendido Cada sala tem uma

funccedilatildeo especiacutefica assistentes sociais psicoacutelogos assistentes juriacutedicos todas de

atendimento localizadas no andar de baixo proacuteximas agrave entrada Tambeacutem no andar de

baixo no interior do preacutedio ficam as salas onde satildeo realizados trabalhos de

capacitaccedilatildeo e no andar de cima ficam as salas administrativas As condiccedilotildees materiais

desse local foram uma exceccedilatildeo em relaccedilatildeo agraves demais organizaccedilotildees visitadas Isso

porque a maioria dos profissionais satildeo mulheres e o atendimento natildeo eacute em um balcatildeo

mas diretamente com psicoacutelogas ou assistentes sociais em salas privativas Essas

condiccedilotildees no entanto natildeo satildeo estaacuteveis Como conta Roberta

Essa secretaria foi criada em 1987 ela chamava Secretaria Estadual

da Condiccedilatildeo Feminina E foram muito importantes esses quatro anos no

governo Henrique Santillo foram inovadores no sentido de implementar uma

poliacutetica que era muito pouco tratada no acircmbito institucional Entatildeo foi

fantaacutestico E nesse periacuteodo governamental houve poliacuteticas de seguranccedila para

a mulher sauacutede para a mulher enfim abriu um espaccedilo importante no Estado

57

de Goiaacutes Soacute que infelizmente os governos subsequentes extinguiram a

secretaria E ela soacute veio a ser retomada no primeiro governo Marconi Perillo

isso foi no final da deacutecada de noventa E ele criou uma superintendecircncia da

mulher e ela se tornou secretaria no governo seguinte e aiacute ela jaacute vem agora

dentro de um acircmbito institucional como secretaria de estado mesmo que

acoplado a ela por razotildees de ordem principalmente econocircmica e financeira

do estado tem a secretaria da mulher junto com outras aacutereas sociais e de

direitos humanos

Ou seja eacute importante relativizar a estrutura fiacutesica e equipe que vimos porque

historicamente a pauta da mulher foi tratada como um assunto secundaacuterio como

vimos no discurso de Roberta O impacto disso eacute que quando a situaccedilatildeo financeira do

estado complica a pauta eacute uma das primeiras que recebe cortes orccedilamentaacuterios ou eacute

acoplada a outras pautas como estaacute acontecendo agora A pauta da mulher que antes

jaacute dividia uma secretaria com a de desigualdade racial hoje foi incorporada por uma

secretaria guarda-chuva chama Secretaria Cidadatilde que abarca os temas da mulher do

desenvolvimento social da igualdade racial dos direitos humanos e do trabalho Isso

mostra que quando natildeo haacute mudanccedilas no domiacutenio real as mudanccedilas no domiacutenio

empiacuterico natildeo satildeo permanentes satildeo instaacuteveis e dependem de elementos extra-

discursivos que estatildeo sujeitos agrave estrutura social do real Ou seja quando a secretaria

tem condiccedilotildees financeiras ela pode ateacute colocar a questatildeo da mulher em pauta mas

assim que acontecerem momentos econocircmicos desfavoraacuteveis a igualdade de gecircnero

natildeo permanece na agenda pois nunca foi prioridade jaacute que estaacute inserida dentro de

uma estrutura social machista

A Delegacia Especializada no Atendimento agrave Mulher de Goiaacutes por sua vez

fica em um casaratildeo de dois andares no setor central de uma cidade de Goiaacutes Tem

uma sinalizaccedilatildeo discreta e eacute guardada por um policial militar na porta Entrando na

delegacia tem uma sala com banquinhos de madeira sem encosto para as viacutetimas e

seus acompanhantes aguardarem A delegacia de uma forma geral pareceu muito

interessada em estatiacutesticas e pouco sensibilizada com as viacutetimas que tratam

exatamente por esse nome e natildeo como cidadatildes O clima de maneira geral eacute tenso haacute

58

vaacuterias mulheres chorando esperando nos banquinhos pela oportunidade de subir as

escadas da delegacia Em frente aos bancos tem um grande balcatildeo que bloqueia a

entrada para o restante do edifiacutecio onde se encontra uma secretaacuteria Tudo tem que

passar antes por ela entatildeo as mulheres viacutetimas falam na frente de todo mundo a sua

queixa Enquanto esperava pela entrevista uma mulher chegou e mostrou hematomas

no braccedilo para a secretaacuteria e recebeu como resposta ldquoVocecirc tomou banho Isso eacute

sujeira ou eacute hematoma mesmordquo Quando satildeo chamadas para subir e serem atendidas

pela escrivatilde ou delegada respondem por um grito ldquoA viacutetima pode subirrdquo o que

acaba contribuindo para a estigmatizaccedilatildeo

Essa visita nos trouxe mais evidecircncias de que fazer organizaccedilotildees

especializadas eacute um avanccedilo sim mas que mesmo que elas sejam diferentes em sua

concepccedilatildeo o problema natildeo fica totalmente resolvido Nesse sentido enquanto natildeo

promovermos mudanccedilas na estrutura social do machismo novas legislaccedilotildees ou

organizaccedilotildees iratildeo promover mudanccedilas graduais Sem atacar essas causas a delegacia

especializada eacute uma reacuteplica da delegacia comum poreacutem com delegadas mulheres

mas que reproduzem a estrutura social machista no tratamento que elas datildeo agraves

viacutetimas no ambiente em que as mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia tecircm que frequentar

para ir atraacutes de seus direitos na forma como elas satildeo questionadas por estarem laacute

entre outros

Por fim fomos ateacute a Coordenadoria de Poliacuteticas para as Mulheres O

simbolismo eacute importante desde o momento de procurar essa secretaria na internet foi

muito complicado achar informaccedilotildees em sites de busca Mesmo depois de conseguir

encontrar em qual site maior a coordenadoria se encontra sua posiccedilatildeo no rol de

subsecretarias e coordenadorias da secretaria eacute a uacuteltima Aleacutem disso a entrevista em

si foi na coordenadoria que fica em um preacutedio antigo e central Descobrimos que a

coordenadoria fica no uacuteltimo andar da secretaria em uma sala mais escondida e natildeo

haacute identificaccedilatildeo da coordenadoria nos corredores como as demais do preacutedio que

estatildeo sinalizadas A coordenadoria consiste fisicamente em uma sala de reuniatildeo

acoplada ao escritoacuterio da Flaacutevia que eacute a uacutenica componente da equipe

59

Fomos tambeacutem ateacute uma cidade do interior de Goiaacutes a aproximadamente 70

quilocircmetros de Goiacircnia A Secretaria de Mulheres do municiacutepio soacute existe no nome

natildeo tem estrutura fiacutesica nem recursos financeiros apenas o cargo da secretaacuteria

Entatildeo o atendimento eacute feito na casa da secretaacuteria na sala de entrada onde tem duas

mesas de alumiacutenio juntadas e forradas com um pano um sofaacute e uma cadeira de cada

lado ao fundo tecircm equipamentos de cabelereiro profissatildeo que ela exercia Quando

chegamos laacute a sala estava cheia com pessoas se inscrevendo para o Minha Casa

Minha Vida com a ajuda da secretaacuteria e durante a conversa entraram vaacuterios cidadatildeos

de Professor Jamil e todos vinham com assuntos diversos a serem tratados por ela

Essa entrevista em Professor Jamil nos mostrou que agraves vezes apesar de

elementos extra-discursivos escassos como o caso de Joana existe a possibilidade de

tentar atacar as causas do machismo por exemplo chamando os homens para

conversarem nas rodas e promovendo o diaacutelogo mediado entre casais Mesmo assim

natildeo eacute isoladamente que se consegue combater uma estrutura social tatildeo forte quanto o

machismo

Pensando tanto nos discursos (seccedilatildeo 2) quanto nos espaccedilos e equipes

disponiacuteveis eacute possiacutevel perceber como eles se interligam com as accedilotildees dos oacutergatildeos

entrevistados Primeiramente para noacutes nenhuma das organizaccedilotildees entrevistadas

estatildeo formulando ou implementando poliacuteticas puacuteblicas no sentido que discutimos no

referencial teoacuterico de accedilatildeo organizada do Estado para combater um problema Isso

porque todas essas organizaccedilotildees realizam accedilotildees desconexas e pontuais para tentar

lidar com o problema sem atacar suas causas e reproduzindo as desigualdades de

gecircnero (domiacutenio real)

O CREAS visitado realiza atendimento de crianccedilas adolescentes mulheres e

idosos em situaccedilatildeo de vulnerabilidade social Durante a entrevista percebemos que

existe uma confusatildeo muito grande entre os tipos de atendimento que o CREAS

realiza tanto que quando foi perguntado sobre o que eacute poliacutetica de gecircnero a resposta

foi mais sobre poliacuteticas para adolescentes em situaccedilatildeo de vulnerabilidade

Jaacute a Superintendecircncia de Mulheres visitada seria responsaacutevel por formular

poliacuteticas puacuteblicas para esse puacuteblico-alvo De acordo com Roberta

60

A nossa principal poliacutetica eacute a garantia da seguranccedila tanto que noacutes

temos desde o atendimento primaacuterio da mulher atraveacutes de uma assistecircncia

social psicoloacutegica juriacutedica ateacute o abrigamento dessa mulher viacutetima de

violecircncia Entatildeo a gente direciona as nossas poliacuteticas nesse sentido Mas

tambeacutem noacutes temos que cuidar das outras questotildees que satildeo inerentes agrave mulher

a sauacutede a educaccedilatildeo e aiacute principalmente eu vejo hoje que o nosso papel

enquanto instituiccedilatildeo puacuteblica eacute desenvolver mesmo campanhas de

sensibilizaccedilatildeo

Fora isso a superintendecircncia estaacute capacitando 2500 profissionais servidores nas

aacutereas de educaccedilatildeo sauacutede movimentos sociais que trabalham com mulheres em

situaccedilatildeo de violecircncia Existe tambeacutem uma equipe especiacutefica da superintendecircncia

responsaacutevel pelas duas unidades moacuteveis que a secretaria recebeu em 2013 pelo

governo federal para atender mulheres do campo As unidades comeccedilaram o trabalho

indo ateacute o interior para prover serviccedilos de assistecircncia social juriacutedica e psicoloacutegica

No entanto a equipe se deparou com uma rede muito fragilizada e incapaz de

continuar o encaminhamento das demandas das mulheres

Aleacutem disso quando chegou na zona agraacuteria a equipe percebeu que lidar com

essas mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia da aacuterea rural era um desafio diferente do que

estavam acostumados na capital Isso porque as unidades moacuteveis iam para o campo

mas as mulheres tinham receio de entrar ou natildeo conseguiam chegar porque satildeo

ocircnibus rosas que chamam muita atenccedilatildeo e ficam inviaacuteveis para uma mulher nessa

situaccedilatildeo procurar sem ser vista por outras pessoas da regiatildeo e isso chegar ateacute o

agressor A taacutetica adotada entatildeo pelas unidades eacute

Quando vem uma solicitaccedilatildeo do municiacutepio a gente sempre procura

saber se eacute festividade porque para noacutes eacute melhor Porque aiacute tem a unidade

moacutevel e outros serviccedilos na praccedila em que ela pode transitar Soacute a unidade

moacutevel que eacute muito chamativa natildeo funciona Eacute um ocircnibus rosa e ela fica

mais acanhada A gente sempre procura incentivar o municiacutepio a promover

outras coisas ao mesmo tempo para preservar a mulher promover a diluiccedilatildeo

61

nesse espaccedilo e garantir minimamente que ela suba na unidade

Apesar disso quando visitamos a equipe eles natildeo estavam indo a campo

porque estavam em uma fase de transiccedilatildeo Como encontraram uma realidade

diferente da que imaginavam o seu trabalho agora estaacute sendo capacitar a rede montar

material fazer reuniotildees entre outros para tentar alinhar o trabalho de todos

Manuela esclarece

Nesse sentido o trabalho da equipe vem sendo reformulado porque

incialmente a ideia era ir ao interior e ser a porta de entrada das mulheres

viacutetimas de violecircncia levar informaccedilotildees sobre os seus direitos e onde buscar

ajuda e depois ter esse trabalho continuado pelos oacutergatildeos competentes mais

proacuteximos No entanto ao irem para o campo a equipe percebeu que a rede

estava despreparada para dar continuidade ao trabalho e que portanto seria

inuacutetil fazer o trabalho como anteriormente previsto sem dar a capacitaccedilatildeo

necessaacuteria

A Secretaria de Seguranccedila Puacuteblica por sua vez faz parte da rede de combate agrave

violecircncia contra a mulher e tem um papel importante tanto pelas DEAMs quanto pelo

monitoramento e fornecimento de informaccedilotildees criminais que servem de insumo para

a Secretaria da Mulher No entanto natildeo existe uma parceria soacutelida em que ambas as

secretarias atuam conjuntamente e amplamente em termos do estado e se

responsabilizam pela situaccedilatildeo das mulheres que sofrem violecircncia

Portanto a secretaria natildeo tem poliacuteticas puacuteblicas mais amplas em relaccedilatildeo ao

combate agrave violecircncia contra a mulher porque entende que essa competecircncia eacute da

Secretaria da Mulher O que a secretaria faz eacute atuar em regiotildees especiacuteficas

dependendo do gestor que estaacute em determinada aacuterea integrada de seguranccedila (regiatildeo

onde a poliacutecia militar e a poliacutecia civil tem a mesma circunscriccedilatildeo) Como nos disse

um major da secretaria

Que tipo de accedilatildeo preventiva que vai ser implementada em

62

determinado local depende de quem Do gestor que que estaacute ali naquela

regiatildeo em identificar qual eacute o problema dele em implementar essa questatildeo da

prevenccedilatildeo

No mais percebemos que tanto os centros de referencia CREAS e aqueles de

secretariassubsecretarias de mulheres quando existem quanto as delegacias

especializadas e os dados das secretarias de seguranccedila satildeo em geral voltados para

mecanismos juriacutedicos de proteccedilatildeo agrave mulher Mesmo havendo equipes de assistecircncia

social e psicoacutelogos em algumas instacircncias o foco principal das accedilotildees desses oacutergatildeos eacute

garantir medidas protetivas eou prender agressores

Aleacutem disso nos centros de referecircncia satildeo realizados estudos de caso

multidisciplinares para determinar o encaminhamento dado agrave viacutetima De acordo com

os discursos discutidos na seccedilatildeo anterior percebemos que apesar de parecer o

procedimento ideal a ser feito pode ser uma abertura para um julgamento social da

viacutetima pelos membros da equipe

Fora esses oacutergatildeos tivemos contato com o trabalho de uma entidade do

terceiro setor cuja atuaccedilatildeo era bastante diferente dos demais O Centro Popular da

Mulher trabalha sobretudo apoiando e ajudando as mulheres a se organizarem para

reivindicarem seus direitos Em relaccedilatildeo aos oacutergatildeos entrevistados a entidade parece

ser a mais presente na zona rural tanto em frequecircncia quanto em tempo de luta junto

agraves mulheres do campo

Aleacutem disso em termos de accedilotildees outra entrevista que apontou diferenccedilas foi

com a Joana cuja accedilatildeo era de busca ativa e de construccedilatildeo de espaccedilos de debate com

mulheres e homens Isso porque apesar da falta de apoio institucional da prefeitura

ela natildeo espera as mulheres buscarem ajuda No entanto isso soacute eacute possiacutevel porque ela

conhece todo mundo e fica sabendo do que acontece e entatildeo vai atraacutes do casal em

questatildeo E seu trabalho busca a conscientizaccedilatildeo das famiacutelias ela faz conversas de

roda e tambeacutem de casais em particular para tentar agir na causa do problema Suas

accedilotildees se baseiam na sua convicccedilatildeo de que a causa (seccedilatildeo 2 em que discutimos os

sentidos atribuiacutedos agraves caudas da violecircncia de gecircnero) estaacute na falta de respeito a

educaccedilatildeo machista e que isso soacute pode ser mudado se os homens estiverem

63

envolvidos nas accedilotildees de combate agrave violecircncia de gecircnero para tentar mudar o que a

sociedade pensa a maneira como a mulher eacute tratada

Nessa seccedilatildeo aprendemos que as manifestaccedilotildees extra-discursivas da estrutura

social machista varia de acordo com o contexto sobretudo em termos de recursos

materiais e equipe disponiacuteveis para combater a violecircncia de gecircnero nesse contexto

Aleacutem disso percebemos que as manifestaccedilotildees extra-discursivas estatildeo em constante

relaccedilatildeo com a manutenccedilatildeo da estrutura social como o exemplo de que as mulheres

natildeo conseguem alugar uma casa ou mudar o filho de creche afeta a possibilidade

praacutetica de sair de uma situaccedilatildeo de violecircncia Enfim discorreremos na proacutexima seccedilatildeo

com maior profundidade os resultados e as contribuiccedilotildees da pesquisa

64

5 Consideraccedilotildees Finais

Nossa pesquisa teve como objetivo responder agrave pergunta Como a estrutura

social do machismo se manifesta nos contextos urbano e agraacuterio A partir desse

trabalho notamos que a estrutura social do machismo estaacute presente nos dois

contextos urbano e agraacuterio poreacutem se manifesta de jeitos diferentes No contexto

agraacuterio de acordo com os entrevistados o machismo se manifesta de forma mais

aberta com o reforccedilo dos papeis tradicionais de gecircnero de que o papel da mulher eacute

cuidar da casa e dos filhos e o homem de prover financeiramente a famiacutelia estando

em uma posiccedilatildeo de superioridade Jaacute no contexto urbano a manifestaccedilatildeo da estrutura

social machista adquire outras formas sendo que haacute uma maior inserccedilatildeo da mulher no

mercado de trabalho e no discurso as pessoas natildeo reproduzem os papeis de gecircnero

tradicionais poreacutem na praacutetica acabam acontecendo ainda reproduccedilotildees desses mesmos

papeis de uma forma mais suacutetil pelo modo que a mulher deve se vestir pela

educaccedilatildeo diferente dada aos filhos de diferentes gecircneros etc

Tambeacutem nos perguntamos como essas manifestaccedilotildees do machismo satildeo

impactadas e impactam a formulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo

de violecircncia As manifestaccedilotildees do machismo impactam a formulaccedilatildeo de poliacuteticas

puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia porque levam a poliacuteticas com pouca

infraestrutura equipe e orccedilamento e porque abre uma brecha maior entre formulaccedilatildeo

e implementaccedilatildeo porque mesmo que se os formuladores natildeo tenham discursos

machistas no momento do discurso em accedilatildeo as accedilotildees nas delegacias especializadas

reproduzem papeis de gecircnero tradicionais e culpabilizam as mulheres em situaccedilatildeo de

violecircncia

Enfim queriacuteamos descobrir tambeacutem se existem ou natildeo diferenccedilas na

manifestaccedilatildeo do machismo especificamente em termos de violecircncia de gecircnero nas

zonas urbana e agraacuteria Nosso estudo mostrou via discursos que haacute muita divergecircncia

nesse ponto mas que a maioria dos entrevistados acredita que a diferenccedila eacute que no

contexto agraacuterio os tipos de violecircncia predominantes satildeo patrimonial e psicoloacutegico

enquanto no contexto urbano haacute uma maior incidecircncia de violecircncia fiacutesica

relativamente No entanto essa foi uma limitaccedilatildeo da pesquisa porque a quase-

65

totalidade dos entrevistados relatou estar discorrendo sobre algo de que natildeo conhece

por natildeo terem dados oficiais gerados sobre a violecircncia contra mulheres em zonas

agraacuterias e por natildeo terem contato com essas mulheres nas organizaccedilotildees em que

trabalham

Ao longo desse trabalho estudamos as principais referecircncias teoacutericas que

precisaacutevamos para analisar o problema em questatildeo principalmente para colocar em

evidecircncia que as poliacuteticas puacuteblicas estatildeo inseridas em lugares que influenciam e satildeo

influenciados pela construccedilatildeo de sentidos que ocorre no momento de determinaccedilatildeo de

um problema puacuteblica e de como ele seraacute tratado pelo Estado Nosso referencial

teoacuterico se juntou agrave metodologia o que permitiu natildeo soacute a organizar o conhecimento

cientiacutefico com base nas premissas da teoria mas tambeacutem a olhar para a nossa

pesquisa sempre com um olhar criacutetico de tentar enxergar as possibilidades de

mudanccedila da estrutura social

A partir do referencial teoacuterico e da metodologia demos iniacutecio ao trabalho de

estabelecer um roteiro semi-estruturado para as entrevistas depois conseguir agendar

as entrevistas fazer as mesmas transcrever as entrevistas e enfim analisar tudo

como um conjunto agrave partir da metodologia do realismo criacutetico e das referecircncias

teoacutericas que buscamos Isso nos permitiu enxergar os principais temas que surgiram

ao longo das entrevistas e organizaacute-los de acordo com os domiacutenios do realismo

criacutetico real atual e empiacuterico Depois disso estabelecemos um diaacutelogo entre o

referencial teoacuterico e as entrevistas de atores de organizaccedilotildees que lidam com a questatildeo

da violecircncia de gecircnero Isso foi relevante tambeacutem em termos metodoloacutegicos porque

percebemos que existem construccedilotildees de sentidos na academia que apontamos no

referencial teoacuterico que agraves vezes natildeo chegam agrave esfera dos atores que formulam e

implementam poliacuteticas puacuteblicas ou quando chegam elas impactam a esfera do atual

(discursos) sem necessariamente serem complementadas por mudanccedilas no domiacutenio

real (estrutura social de desigualdade de gecircnero) nem nos elementos extra-

discursivos que permitem mudanccedilas efetivas no domiacutenio empiacuterico (de poliacuteticas

puacuteblicas lidar com a questatildeo da violecircncia de gecircnero)

66

Nesse sentido um dos pontos que surgiu ao longo de todas as entrevistas foi o

foco das accedilotildees levadas a cabo pelas organizaccedilotildees Tanto no domiacutenio atual dos

discursos quanto no domiacutenio empiacuterico das poliacuteticas puacuteblicas o principal sentido

dado agrave violecircncia de gecircnero eacute de que a conscientizaccedilatildeo das mulheres se faz necessaacuteria

Os discursos vatildeo desde a falta de informaccedilatildeo da mulher a ira gerada tambeacutem pela

mulher a ausecircncia da mulher enquanto cumpridora de seu papel social na famiacutelia

dentre outros foram apontados como causas para a violecircncia de gecircnero Aleacutem disso

mesmo quando os discursos natildeo eram culpabilizadores da mulher eles giravam em

torno da cultura de modo bem geneacuterico como a sociedade patriarcal e machista

como causas para a violecircncia de gecircnero

Isso implica na transformaccedilatildeo desses discursos em accedilotildees de conscientizaccedilatildeo

como campanhas produccedilatildeo de informativos palestras entre outras Eacute interessante

perceber que natildeo haacute nesses casos poliacuteticas puacuteblicas que deem conta de efetivamente

resolver o problema de uma mulher em situaccedilatildeo de violecircncia isto eacute empoderaacute-la para

sair da situaccedilatildeo com meios materiais para fazecirc-lo e com uma proteccedilatildeo efetiva do

Estado em que ela eacute tratada como cidadatilde de direitos e natildeo como viacutetima Isso

demonstra que estatildeo sendo produzidos e reproduzidos discursos na esfera atual sem

necessariamente mudar a esfera real porque falta empoderamento das mulheres em

termos de recursos extra-discursos da esfera empiacuterica Aleacutem disso o tipo de accedilotildees

adotadas por essas organizaccedilotildees acabam sendo rasas porque ao mesmo tempo em

que natildeo atacam o problema diretamente na correccedilatildeo a posteriori tambeacutem natildeo lidam

com a causa no domiacutenio real isto eacute a estrutura social

Ou seja ao lidar somente com as mulheres em termos de conscientizaccedilatildeo a

maioria das organizaccedilotildees natildeo estaacute atacando a estrutura social porque os homens

fazem parte desta e natildeo satildeo chamados para a discussatildeo Aleacutem disso algumas dessas

accedilotildees de conscientizaccedilatildeo satildeo vazias ateacute para o puacuteblico-alvo as mulheres porque

muitas vezes as mulheres que buscam a ajuda do Estado para lidar com a violecircncia de

gecircnero natildeo sabem ler ou entatildeo natildeo podem atender a essas accedilotildees por estarem em

zonas agraacuterias em que estatildeo muito mais vulneraacuteveis em termos de exposiccedilatildeo ao

agressor ou ao resto da comunidade

67

Nesse sentido tambeacutem achamos relevante em todas as entrevistas a maneira

como satildeo recepcionadas as mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia De maneira geral satildeo

montadas equipes multidisciplinares que tratam cada situaccedilatildeo casuisticamente A

primeira vista nossa impressatildeo foi de que essa era uma boa maneira de lidar com o

problema da violecircncia domeacutestica porque cada mulher estaacute inserida em um contexto

diferente Poreacutem ao longo das entrevistas notamos que o domiacutenio do real acaba

influenciando esta casuiacutestica e diminuindo seu potencial empoderador Isso acontece

porque a estrutura social machista acaba levando a anaacutelise de caso para um

julgamento social da mulher em que muitas vezes o discurso anterior ao seu

atendimento (domiacutenio atual) influencia diretamente a ajuda que ela vai receber do

oacutergatildeo (domiacutenio empiacuterico)

Explorando mais a questatildeo das zonas urbana e agraacuteria haacute evidecircncias de que a

zona agraacuteria eacute muito pouco conhecida pelas organizaccedilotildees que lidam com a violecircncia

de gecircnero Em relaccedilatildeo ao contexto urbano as organizaccedilotildees parecem convergir mais

em termos de discursos sobre as manifestaccedilotildees do machismo nas cidades e as causas

da violecircncia de gecircnero nas mesmas Poreacutem o mesmo natildeo acontece em relaccedilatildeo agraves

zonas agraacuterias

Eacute importante ressaltar que na maioria das entrevistas quando explicamos os

objetivos da pesquisa os entrevistados comeccedilavam a conversa afirmando seu

desconhecimento do que acontece na aacuterea agraacuteria mesmo quando se tratavam de

organizaccedilotildees cuja amplitude de atuaccedilatildeo de jure (BAUMAN 2001) incluiacutea essas

localidades Agravam essa questatildeo tanto elementos extra-discursivos como a falta de

profissionais e dados pouco confiaacuteveis sobre o que acontece devido agrave subnotificaccedilatildeo

como tambeacutem os discursos formados pelos atores sobre a zona agraacuteria Apesar de se

colocarem quase sempre como incapazes de comentar sobre a zona agraacuteria ao longo

das entrevistas surgiram vaacuterios discursos sobre como o machismo de manifesta no

contexto rural as suas causas e como isso se tornava violecircncia contra a mulher

Notamos entatildeo que os sentidos construiacutedos eram muito heterogecircneos em relaccedilatildeo aos

entrevistados e formados com base em um caso especiacutefico com o qual tiveram

contato ou agraves vezes sem contato nenhum com mulheres da zona agraacuteria Isso mostra

como o domiacutenio do real eacute forte na determinaccedilatildeo dos discursos e a falta da

68

experimentaccedilatildeo empiacuterica dos atores com a realidade das mulheres em situaccedilatildeo de

violecircncia em contextos agraacuterios intensifica a estrutura social machista pela

reproduccedilatildeo de discursos machistas para suprir o vaacutecuo do conhecimento sobre essa

situaccedilatildeo

Por fim todos esses pontos colocados satildeo evidecircncias que mostram como os

trecircs domiacutenios da vida social impactam na existecircncia ou natildeo de poliacuteticas puacuteblicas para

mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia nas zonas urbana e agraacuteria Ou seja quando se

muda os discursos sem mudar os elementos extra-discursivos nem a estrutura social

as mudanccedilas natildeo satildeo profundas o suficiente para atacar um problema complexo como

este e acabam por vezes tendo um efeito perverso de reproduzir as causas deste

mesmo problema transmitindo a impressatildeo de que ele estaacute sendo de fato resolvido

51 Implicaccedilotildees para a Praacutetica

As reflexotildees geradas nesse trabalho pretendem ser uacuteteis para mudar o

problema na praacutetica dado os objetivos criacuteticos da ACD Nesse sentido acreditamos

que um dos achados que move accedilotildees praacuteticas eacute a invisibilidade da violecircncia contra a

mulher em contextos agraacuterios Natildeo haacute dados sendo gerados sobre essas mulheres em

situaccedilatildeo de violecircncia ateacute porque elas natildeo costumam chegar agraves instituiccedilotildees formais

que lidam com o problema Nesse sentido apontamos para a urgecircncia dessas

instituiccedilotildees buscarem ativamente essas mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia na zona

agraacuteria para conhecerem melhor as demandas especiacuteficas desse puacuteblico e poderem

entatildeo compreender melhor o problema

Tambeacutem no que diz respeito agrave invisibilidade haacute pouca produccedilatildeo acadecircmica

utilizando a ontologia do Realismo Criacutetico para se pensar em violecircncia de gecircnero e

natildeo encontramos nenhuma bibliografia que discuta o contexto especiacutefico de mulheres

em situaccedilatildeo de violecircncia em zonas agriacutecolas A academia poderia entatildeo ajudar a

colocar esse tema na agenda e a delimitar mais detidamente as manifestaccedilotildees da

estrutura social machista nesse contexto

Enfim acreditamos que uma contribuiccedilatildeo praacutetica estaacute relacionada agraves

evidecircncias encontradas de que a maior parte dos esforccedilos do poder puacuteblico para

69

atacar a violecircncia contra a mulher estaacute focada em campanhas de conscientizaccedilatildeo

Queriacuteamos apontar que uma contribuiccedilatildeo desse trabalho eacute apontar que as campanhas

de conscientizaccedilatildeo natildeo mudam nem a estrutura social nem os elementos extra-

discursivos das mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia como a necessidade de recursos

financeiros para poder sair de casa e caminhos institucionais para poder por exemplo

mudar os filhos de creche quando estatildeo nessa situaccedilatildeo

52 Limitaccedilotildees da Pesquisa

Apesar das contribuiccedilotildees teoacutericas e praacuteticas da pesquisa houve uma mudanccedila

no que se pretendia inicialmente estudar pela falta de dados acerca do contexto

agriacutecola e pouco contato das organizaccedilotildees com mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia

nesse contexto Dessa forma essa pesquisa eacute limitada porque apesar de querer

entender os diferentes contextos a compreensatildeo no contexto urbano foi muito maior

Nesse sentido os discursos coletados acerca do contexto agriacutecola eram

apontados pelos proacuteprios entrevistados como impressotildees infundadas por natildeo se

basearem na sua experiecircncia profissional nem em conhecimento teoacuterico pela

inexistecircncia de estudos Assim os discursos eram muito mais heterogecircneos do que os

que dizem respeito ao contexto urbano e demonstrou que natildeo haacute diagnoacutestico desse

problema e que os sentidos acerca do mesmo ainda estatildeo sendo construiacutedos pelos

profissionais que trabalham na aacuterea e por enquanto estaacute negociada mais a inaccedilatildeo do

que o como agir

Por fim como apontamos ao longo do trabalho natildeo encontramos experiecircncias

concretas de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia nas aacutereas

agraacuterias no estados de Goiaacutes e Satildeo Paulo Desta forma achamos relevante continuar

essa busca por experiecircncias que lidam com esse problema em uma pesquisa posterior

70

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SUBIRATS Joan et al Anaacutelisis y gestioacuten de poliacuteticas puacuteblicas Barcelona

73

Editorial Ariel 2012

TRERJ Violecircncia Domeacutestica e Familiar contra a Mulher Noacutes Vamos acabar

com ela 2 ediccedilatildeo 2013 Disponiacutevel em

lthttpwwwtjrjjusbrdocuments101361607514cartilha-lei-maria-penhapdfgt

acessado em 30072015

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7 Anexos

71 Roteiro SEMIRA

1) Na sua opiniatildeo o que eacute poliacutetica de gecircnero Existe alguma

especificidade na hora de elaborar esse tipo de poliacutetica O que a diferencia eou

aproxima de poliacuteticas de outras aacutereas

2) O que vocecirc acredita que satildeo as causas das desigualdades de gecircnero A

SEMIRA combate as causas diretamente como

3) Como foi a evoluccedilatildeo do tratamento da questatildeo de gecircnero no Estado

Qual a estrutura organizacional da secretaria para lidar com a violecircncia de gecircnero

4) O que significa para vocecirc o fato de poliacuteticas de gecircnero serem

transversais Como isso se materializa na accedilatildeo da SEMIRA

5) Quais satildeo os desafios na hora de formular eou implementar poliacuteticas

transversais O machismo se manifesta nesses momentos na hora de lidar com outras

secretarias que natildeo atuam diretamente com a questatildeo de gecircnero

6) A mudanccedila para uma secretaria mais ampla em termos de temas

abarcados muda a maneira como a transversalidade eacute abordada Como

7) A transversalidade tambeacutem muda de acordo com os contextos urbanos

e rural Como ela se relaciona a esses contextos

8) Como o machismo se manifesta na sociedade E na aacuterea rural E na

aacuterea urbana Compare as duas Existem outros fatores culturais que diferenciam a

aacuterea rural e urbana e que influenciam a maneira como a violecircncia de gecircnero se

manifesta

9) Existe diferenccedila entre violecircncia de gecircnero nos acircmbitos rural e urbano

10) Se sim quais as implicaccedilotildees dessa diferenccedila E a secretaria incorpora

essa diferenccedila na formulaccedilatildeo das suas poliacuteticas puacuteblicas

11) O Estado consegue chegar a uma mulher viacutetima de violecircncia da

mesma maneira na aacuterea urbana e rural

12) Vocecirc sente diferenccedila na maneira como os funcionaacuterios policiais

delegados etc lidam com a violecircncia de gecircnero em zonas mais rurais ou urbanas

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Como essa diferenccedila se manifesta e como a SEMIRA lida com a diferenccedila entre

atores parceiros

13) Como surgiu a SEMIRA Quais foram os atores importantes Qual

era e eacute a sua relaccedilatildeo da SEMIRA com outros oacutergatildeos do governo do Estado

14) Quais satildeo as poliacuteticas puacuteblicas da secretaria direcionadas para o

enfrentamento da violecircncia de gecircnero Como elas comeccedilaram Como elas

funcionam

15) Qual eacute o histoacuterico da poliacutetica dos ocircnibus multidisciplinares que vatildeo ao

campo Como foi a aceitaccedilatildeo pela populaccedilatildeo Continuidade

72 Formulaacuterio de Consentimento Entrevista

Mulheres em situaccedilatildeo de vulnerabilidade social Contextos Construccedilatildeo Simboacutelica

e Poliacuteticas Puacuteblicas

Beatriz Junqueira Kipnis

FGV-EAESP

Sou Beatriz Junqueira Kipnis aluna de graduaccedilatildeo em Administraccedilatildeo Puacuteblica

na Fundaccedilatildeo Getulio Vargas de Satildeo Paulo Estou fazendo uma pesquisa de iniciaccedilatildeo

cientiacutefica sob orientaccedilatildeo dos Prof Dr Marcus Vinicius Peinado Gomes e Prof Dr

Fernando Burgos O objetivo desta pesquisa eacute descobrir se e como os contextos

agriacutecola e urbano impactam na formulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em

situaccedilatildeo de violecircncia e quais as implicaccedilotildees de semelhanccedilas e diferenccedilas dos mesmos

para o cotidiano do puacuteblico beneficiaacuterio Gostariacuteamos de contar com a sua

participaccedilatildeo voluntaacuteria para a parte de campo da pesquisa pois acreditamos que

conhecer a experiecircncia praacutetica possibilitaraacute e enriqueceraacute as anaacutelises dessa pesquisa

Para isso deixamos explicitada nossa eacutetica de pesquisa e pedimos que assine esse

formulaacuterio em caso de consentimento

1 Confidencialidade

Esta entrevista tem como objetivo coletar informaccedilotildees para esta pesquisa e

portanto possui objetivo estritamente acadecircmico Qualquer comentaacuterio opiniatildeo ou

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avaliaccedilotildees que vocecirc fizer seratildeo tratados com confidencialidade e analisados apenas

para os interesses desta pesquisa

2 Permissatildeo para citaccedilatildeo

Eu gostaria de poder citar diretamente trechos de nossa conversa nos relatoacuterios

e publicaccedilotildees oriundas desta pesquisa Caso deseje manter seu anonimato por favor

manifeste sua preferecircncia antes do iniacutecio da entrevista

3 Participaccedilatildeo

Sua participaccedilatildeo nesta pesquisa eacute voluntaacuteria e vocecirc natildeo receberaacute nenhum

pagamento para tal

Vocecirc pode decidir a qualquer momento por qualquer razatildeo em natildeo mais

fazer parte desta pesquisa Em caso de duacutevidas ou esclarecimentos vocecirc pode fazer

perguntas a mim em qualquer momento

3 Gravaccedilatildeo

Gostaria de pedir sua permissatildeo para gravar nossa entrevista com o uacutenico

proposito de facilitar o processo de pesquisa Se vocecirc natildeo concorda com a gravaccedilatildeo

por favor manifeste sua preferecircncia antes do iniacutecio da entrevista

Assinatura do Entrevistado ___________________________________________

Data _____________________________________________

Assinatura do Pesquisador _____________________________

Data _____________________________________________

Caso tenha alguma duacutevida sobre o estudo por favor entrar em contato com

Beatriz Kipnis bjkipnishotmailcom ou Dr Marcus Gomes marcusgomesfgvbr

Page 5: Fundação Getúlio Vargas Escola de Administração de ......mulheres de áreas agrícolas e se sentiam pouco à vontade para comentar sobre a violência contra mulheres nessas áreas.

5

existecircncia dessas diferenccedilas e se os aparatos estatais levam ou natildeo em conta as

mesmas na hora de elaborar e implementar poliacuteticas puacuteblicas para combater a

violecircncia de gecircnero Dessa maneira a pergunta que orientou esse trabalho eacute os

contextos agriacutecola e urbano influenciam a construccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para

mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia

Por meio de uma anaacutelise criacutetica do discurso analisamos os sentidos sobre

violecircncia contra a mulher e as poliacuteticas puacuteblicas relacionadas a este tema

Constatamos que este problema puacuteblico estaacute em constante negociaccedilatildeo sendo que os

sentidos do que eacute violecircncia de gecircnero quais satildeo suas causas e quais satildeo os caminhos

para combatecirc-la satildeo sentidos construiacutedos e reconstruiacutedos pelos formuladores

implementadores e stakeholders diversos como ONGs e sociedade civil

Nesse sentido substanciando as poliacuteticas puacuteblicas haacute uma negociaccedilatildeo de

sentido sobre a violecircncia contra a mulher O tema entra na agenda nos anos setenta

pelo alto nuacutemero de assassinatos de mulheres e comeccedila a acontecer uma

renegociaccedilatildeo de sentidos quanto agrave violecircncia contra a mulher que antes era vista como

um problema da esfera privada e passa a ser enfrentada como um problema puacuteblico

(BANDEIRA 2014) Jaacute em 1985 as Delegacias Especiais de Atendimento agraves

Mulheres satildeo criadas pela nova negociaccedilatildeo de que esse problema precisava ser

tratado por mulheres E somente em 2005 depois de diversas negociaccedilotildees e

mudanccedilas legais foi criada a Lei Maria da Penha como resultado dessas

ressignificaccedilotildees do problema As mudanccedilas juriacutedicas como a Lei Maria da Penha

estatildeo trazendo mudanccedilas graduais importantes Poreacutem ainda existe uma distancia

entre a lei e os elementos praacuteticos que acabam reproduzindo a estrutura social

machista todavia presente na sociedade brasileira

Apesar do grande avanccedilo na questatildeo a questatildeo rural permanece como um

grande silecircncio sendo que a ausecircncia de dados sobre o contexto rural dificulta a

melhor compreensatildeo destas relaccedilotildees sociais Esta eacute uma limitaccedilatildeo da pesquisa uma

vez que prejudicou uma anaacutelise mais profunda sobre o contexto agriacutecola Assim uma

recomendaccedilatildeo desta pesquisa para a administraccedilatildeo puacuteblica eacute a produccedilatildeo de pesquisas

e dados sobre o tema de forma a subsidiar o debate puacuteblico e a consequente

elaboraccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas

6

Nesse sentido este trabalho busca contribuir iniciando uma discussatildeo acerca

da invisibilidade das mulheres em contextos agriacutecolas e da especificidade das

manifestaccedilotildees do machismo nesse contexto Fica evidente ao longo do trabalho a

necessidade de gerar dados sobre violecircncia de gecircnero nas aacutereas agriacutecolas afim de que

o problema possa ser melhor compreendido e tambeacutem de se aprofundar poliacuteticas

puacuteblicas que atendam essa populaccedilatildeo para que os profissionais da temaacutetica de gecircnero

comecem a entender melhor o problema da violecircncia de gecircnero em aacutereas agriacutecolas

levando a mais e melhores poliacuteticas puacuteblicas para atender a essa populaccedilatildeo

Os achados da pesquisa mostraram que natildeo haacute grande diferenccedila nos elementos

discursivos em relaccedilatildeo aos contextos urbano e agriacutecola poreacutem existe uma diferenccedila

nas manifestaccedilotildees do discurso em accedilatildeo e seus elementos extra-discursivos Com essa

conclusatildeo temos evidecircncias de que a estrutura social do machismo permeia ambos

contextos agriacutecola e urbano poreacutem pode ser manifestado de maneiras distintas

apesar da uniformidades dos discursos de quem trabalha em organizaccedilotildees voltadas

para o combate agrave violecircncia de gecircnero Tal distinccedilatildeo seria suficiente para a existecircncia

de poliacuteticas puacuteblicas distintas jaacute que o machismo se manifesta de maneiras distintas

Para chegar a essas consideraccedilotildees a pesquisa apresenta inicialmente uma revisatildeo da

literatura para delimitar o conceito de poliacuteticas puacuteblicas de quem estamos falando

enquanto ldquopuacuteblicordquo como esse processo de significaccedilatildeo estaacute em negociaccedilatildeo e o

contexto em que ele se insere A seguir haacute uma discussatildeo metodoloacutegica que busca

delimitar o campo ontoloacutegico do trabalho o Realismo Criacutetico e em seguida expor as

diferentes possibilidades epistemoloacutegicas e explicar a escolha da Anaacutelise Criacutetica do

Discurso como maneira de estudar essa ontologia A partir dessa especificaccedilatildeo

traccedilamos os objetivos da pesquisa para entatildeo comeccedilarmos a pesquisa de campo em

Goiaacutes e em Satildeo Paulo A proacutexima etapa consiste na anaacutelise do campo agrave luz da

bibliografia e metodologia levantadas afim de descrever o contexto dos formuladores

e implementadores de poliacuteticas puacuteblicas para combater a violecircncia de gecircnero Nessa

fase da pesquisa como descrevemos na metodologia (seccedilatildeo 3) e nas anaacutelises do

campo (seccedilatildeo 4) descobrimos como na praacutetica a existecircncia de soluccedilotildees reais que

levam em consideraccedilatildeo as diferenccedilas de violecircncia contra a mulher nas zonas agraacuteria e

rural satildeo muito poucas Logo a anaacutelise do discurso inclui ainda reflexotildees sobre essas

7

diferenccedilas no entanto a seccedilatildeo que discorre sobre as soluccedilotildees sendo formuladas ou

implementadas se concentra mais nas aacutereas urbanas uma vez que essa foi a realidade

com a qual nos deparamos no campo Por fim encerramos discorrendo sobre os

achados e contribuiccedilotildees desta pesquisa assim como quais satildeo os horizontes para

novas pesquisas sobre o tema

8

2 Referencial Teoacuterico

21Poliacuteticas Puacuteblicas

211 O que satildeo poliacuteticas puacuteblicas e quais os seus processos

Poliacuteticas puacuteblicas podem ser entendido como a soma de accedilotildees e decisotildees que

ocorrem por parte de atores puacuteblicos ndash estatais ou natildeo ndash e natildeo puacuteblicos para resolver

uma situaccedilatildeo definida como um problema coletivo (SUBIRATS et al 2012) Saravia

(2006 P29) define poliacutetica puacuteblica como

()um sistema de decisotildees puacuteblicas que visa a accedilotildees ou omissotildees

preventivas ou corretivas destinadas a manter ou modificar a realidade de

um ou vaacuterios setores da vida social por meio da definiccedilatildeo de objetivos e

estrateacutegias de atuaccedilatildeo e da alocaccedilatildeo de recursos necessaacuterios para atingir os

objetivos estabelecidos

Isso significa que poliacutetica puacuteblica atraveacutes da accedilatildeo ou inaccedilatildeo age com

determinada finalidade e isso ocorre atraveacutes de um processo de definiccedilatildeo de

prioridades Encontramos evidecircncias ao longo da pesquisa de que esta inaccedilatildeo eacute

tambeacutem uma escolha em relaccedilatildeo ao problema da violecircncia de gecircnero em aacutereas

agriacutecolas Os entrevistados em geral tinham tido pouco ou nenhum contato com

mulheres de aacutereas agriacutecolas e se sentiam pouco agrave vontade para comentar sobre a

violecircncia contra mulheres nessas aacutereas Nesse sentido a falta de accedilatildeo foi uma escolha

poliacutetica tambeacutem por decidir natildeo se produzir dados acerca dessa violecircncia ndash como

seraacute demostrado ateacute haacute dois anos natildeo havia nenhuma iniciativa especificamente

direcionada para esse puacuteblico Enfim o impacto disso eacute um ciclo vicioso de falta de

poliacuteticas puacuteblicas gerando falta de dados sobre o problema que criam um discurso de

justificativa para a inaccedilatildeo

Uma poliacutetica puacuteblica passa por algumas etapas importantes que satildeo

sistematizadas em fases mas natildeo ocorrem necessariamente em ordem cronoloacutegica e

9

podem ser simultacircneas De acordo com Saravia (2006) essas fases satildeo agenda

elaboraccedilatildeo formulaccedilatildeo implementaccedilatildeo execuccedilatildeo acompanhamento e avaliaccedilatildeo A

agenda eacute a fase em que determinada situaccedilatildeo se transforma em problema puacuteblico

(SARAVIA 2006) ou seja quando o Estado decide realizar alguma decisatildeo puacuteblica

sobre determinado problema seja ela atraveacutes da accedilatildeo ou da omissatildeo A elaboraccedilatildeo eacute

quando satildeo traccediladas as diferentes alternativas de accedilatildeo do Estado frente a esse

problema (SARAVIA 2006) Depois a formulaccedilatildeo eacute quando uma alternativa eacute

escolhida e aprofundada para lidar com o problema (SARAVIA 2006) Em seguida

acontece a implementaccedilatildeo dessa alternativa isto eacute a preparaccedilatildeo em termos de

recursos materiais e humanos para realizar a poliacutetica puacuteblica (SARAVIA 2006) A

execuccedilatildeo por sua vez eacute a accedilatildeo em si a praacutetica do planejamento realizado (SARAVIA

2006) Depois o acompanhamento eacute o monitoramento da poliacutetica puacuteblica enquanto

ela estaacute em fase de execuccedilatildeo para poder fazer alteraccedilotildees se necessaacuterias e corrigir o

rumo de acordo com os objetivos pretendidos (SARAVIA 2006) Por fim a

avaliaccedilatildeo eacute a verificaccedilatildeo do desempenho da poliacutetica puacuteblica depois que ela foi

executada e pode ser medida em termos de eficiecircncia eficaacutecia e efetividade

Eacute importante ressaltar que todas as etapas das poliacuteticas puacuteblicas satildeo

influenciadas pelo discurso uma vez que poliacutetica puacuteblica natildeo eacute o resultado de uma

anaacutelise meramente racional e cientiacutefica e sim influenciada por julgamentos de valor e

significados atribuiacutedos aos problemas puacuteblicos embora a poliacutetica puacuteblica aconteccedila

atraveacutes dessas etapas a poliacutetica se realiza na negociaccedilatildeo dos significados Saravia

(2006) ressalta nesse sentido a importacircncia das instituiccedilotildees no processo das poliacuteticas

puacuteblicas como podemos perceber no trecho

Os estudos de poliacutetica puacuteblica mostram a importacircncia das insituiccedilotildees

estatais tanto como organizaccedilotildees pelas quais os agentes puacuteblicos (eleitos ou

administrativos) perseguem finalidades que natildeo satildeo exclusivamente respostas

a necessidades sociais como tambeacutem configuraccedilotildees e accedilotildees que estruturam

modelam e influenciam os processos econocircmicos com tanto peso como as

classes e os grupos de interesse (SARAVIA 2006 p 37)

10

Ou seja as poliacuteticas puacuteblicas satildeo produzidas dentro de um contexto

organizacional que influencia o desenho e o resultado que se atinge com uma poliacutetica

puacuteblica

212 O que e quem estaacute incluso no ldquopuacuteblicordquo tratado pelas poliacuteticas puacuteblicas

Como vimos na seccedilatildeo anterior existe uma negociaccedilatildeo sobre a definiccedilatildeo o que

satildeo problemas puacuteblicos e decidir a partir da definiccedilatildeo do problema como seratildeo

combatidos Nesse sentido uma das questotildees que vecircm agrave tona na delimitaccedilatildeo do

problema eacute a negociaccedilatildeo do sentido de lsquopuacuteblicorsquo uma vez que este natildeo eacute um conceito

consensual se tratando de um sentido tambeacutem em disputa (FREDERICKSON 1991)

Algumas perspectivas diferentes satildeo possiacuteveis para ressaltar a multiplicidade de

interpretaccedilotildees diferentes do que eacute entendido como puacuteblico De acordo com

Frederickson (1991) as principais perspectivas satildeo pluralista do public choice

legislativa do cliente e cidadatilde

A perspectiva pluralista eacute aquela que entende como puacuteblico a manifestaccedilatildeo da

interaccedilatildeo entre grupos de interesses que disputam o poder poliacutetico

(FREDERICKSON 1991) Esses grupos seriam meras agregaccedilotildees de pessoas com

interesses individuais sendo o interesse de cada grupo a aglomeraccedilatildeo dos interesses

particulares dos participantes Em decorrecircncia da disputa entre grupos de interesse o

interesse puacuteblico seria o grupo que vencesse tal luta Frederickson (1991) ressalta

como risco dessa perspectiva que o interesse puacuteblico resultante da disputa de grupos

de interesse natildeo seja a representaccedilatildeo efetiva tanto dos indiviacuteduos dentro dos grupos

quanto daqueles que natildeo fazem parte de grupos por natildeo serem interessantes

politicamente ou economicamente para tais aglomeraccedilotildees

Por sua vez a perspectiva do public choice manteacutem a ideia pluralista de que

um grupo eacute soacute uma agregaccedilatildeo de pessoas e que portanto o indiviacuteduo faz um caacutelculo

racional para aumentar sua eficiecircncia no setor puacuteblico (FREDERICKSON 1991)

Isso implica em uma visatildeo dos servidores puacuteblicos como maximizadores de interesses

particulares e que natildeo estariam interessados em maximizar o interesse coletivo

Enfim essa visatildeo entende o puacuteblico e o seu interesse como o do maior nuacutemero de

11

pessoas sendo utilitarista e consequentemente gerando a exclusatildeo de quem natildeo tem

recursos para fazer a escolha puacuteblica e a desconfianccedila nas motivaccedilotildees dos

governantes

Jaacute a perspectiva legislativa eacute aquela em que os administradores puacuteblicos

operam o que eacute decidido pelo legislativo (FREDERICKSON 1991) Este por sua vez

seria a arena de representaccedilatildeo legiacutetima do interesse puacuteblico O autor

(FREDERICKSON 1991) ressalta entretanto que na praacutetica as leis satildeo ambiacuteguas e

permitem interpretaccedilotildees diferentes por parte dos administradores puacuteblicos Aleacutem

disso haacute um conflito de forccedila em relaccedilatildeo ao que eacute exigido pelo executivo que os

administradores puacuteblicos executem em detrimento do legislativo No mais haacute outro

dilema nessa concepccedilatildeo porque representaccedilatildeo natildeo eacute algo que se encerra no

legislativo havendo outras arenas representativas como os grupos de interesse

anteriormente citados

Outra visatildeo possiacutevel eacute de puacuteblico como cliente em que os indiviacuteduos satildeo

consumidores dos serviccedilos puacuteblicos Isso implica no contato direto entre clientes e

burocratas de niacutevel de rua o que leva ao impasse de que os burocratas precisam

colocar as necessidades dos clientes como mais importantes e ao mesmo tempo

precisam ser imparciais impessoais (FREDERICKSON 1991) Aleacutem disso falta

verba para que a qualidade e quantidade dos serviccedilos puacuteblicos oferecidos atendam agraves

demandas dos clientes De acordo com Frederickson (1991) essa perspectiva seria

fraca porque clientes natildeo conseguem funcionar como puacuteblico isto eacute cada indiviacuteduo

agindo como cliente natildeo se articula enquanto grupos para defender seus interesse e os

burocratas podem se organizar enquanto grupo de interesse e conseguir suplantar os

clientes

Por fim podemos enxergar o puacuteblico como cidadatildeo o que significa que o

puacuteblico tem interesse proacuteprio e coletivo (FREDERICKSON 1991) Essa visatildeo

implica no papel da Administraccedilatildeo Puacuteblica de colocar em praacutetica os valores definidos

por uma constituiccedilatildeo No entanto essa perspectiva natildeo enxerga o legislativo como

arena de representaccedilatildeo final dos interesses puacuteblicos sendo que todos satildeo cidadatildeos e

devem ser contemplados pela administraccedilatildeo puacuteblica sendo ou natildeo minorias Entatildeo

faria parte do dever da administraccedilatildeo puacuteblica criar um arcabouccedilo institucional

12

possibilitador de participaccedilatildeo direta dos cidadatildeos e tambeacutem advogar pelos direitos de

minorias sem poder representativo A Administraccedilatildeo Puacuteblica tambeacutem deve nessa

perspectiva desenvolver e manter sistemas capazes de captar e responder os puacuteblicos

coletivos ou natildeo tendo em vista sempre o interesse do coletivo maior sem ferir os

direitos das minorias (FREDERICKSON 1991)

No mais a perspectiva do puacuteblico como cidadatildeo exige um entendimento da

cidadania de ambos os lados isto eacute a administraccedilatildeo puacuteblica deve enxergar o puacuteblico

como cidadatildeos mas os cidadatildeos precisam agir como tais Isso exigiria segundo

Frederickson (1991) o entendimento pelos cidadatildeos da constituiccedilatildeo e portanto dos

valores defendidos pela mesma e tambeacutem a capacidade de raciocinar moralmente

compatibilizando interesses particulares e coletivos tendo como medida o documento

constitucional Aleacutem disso seria essencial a crenccedila dos cidadatildeos em direitos

ldquonaturaisrdquo e natildeo na ideia de que a maioria teria poder legiacutetimo mas que todos tecircm

que ter esses direitos miacutenimos garantidos sendo ou natildeo parte da maioria

(FREDERICKSON 1991)

A reflexatildeo de Frederickson (1991) vai aleacutem de uma categorizaccedilatildeo sobre os

diferentes significados de puacuteblicos construiacutedos pela interaccedilatildeo do Estado e seus

cidadatildeos ao contraacuterio ressalta que a visatildeo sobre o que eacute lsquopuacuteblicorsquo natildeo eacute definido a

priori no ciclo de poliacuteticas puacuteblicas ao contraacuterio eacute negociada neste processo Neste

sentido a pluralidade normativa da visatildeo de lsquopuacuteblicorsquo faz parte da estrateacutegia

organizacional de determinado oacutergatildeo da Administraccedilatildeo Puacuteblica Isso porque as

praacuteticas cotidianas da organizaccedilatildeo transparecem determinado tratamento de puacuteblico e

acabam resultando em uma estrateacutegia organizacional que produz uma poliacutetica puacuteblica

com determinado vieacutes para o que eacute considerado puacuteblico

213 A produccedilatildeo de conhecimento e a importacircncia das praacuteticas cotidianas

Continuando esse o argumento da disputa de significados o conhecimento

tambeacutem eacute uma construccedilatildeo social e como tal estaacute sujeito a poderes em conflito e

mudanccedilas As poliacuteticas puacuteblicas satildeo influenciadas por essa construccedilatildeo social do

conhecimento uma vez que as situaccedilotildees dependem de uma significaccedilatildeo social para

13

serem consideradas como problemas puacuteblicos e portanto entrarem na agenda de

governo Nesse sentido o que eacute considerado como conhecimento vaacutelido faz parte de

uma ideia que a sociedade tem do que eacute legitimamente visto como conhecimento ou

natildeo e isso varia de acordo com tempo e lugar (SPINK 2001) Desde o berccedilo as

universidades satildeo um local onde essa tensatildeo entre conhecimento legitimado ou natildeo

persiste no cotidiano e satildeo espaccedilos em que a luta pelo reconhecimento da

heterogeneidade de conhecimentos muitas vezes fica em um segundo plano vis-agrave-vis

o conhecimento produzido pela proacutepria academia e desvinculado muitas vezes da

realidade cotidiana do objeto estudado (SPINK 2001)

Essa dicotomia entre produccedilatildeo de conhecimento nas universidades e na

praacutetica reduziu apenas recentemente sobretudo pela forccedila dos movimentos sociais

Eles mostraram que a sociedade civil produz conhecimentos relevantes para se

organizar e enfrentar os seus problemas do dia-a-dia sem necessariamente estarem

ligados ao conhecimento hegemocircnico do meio acadecircmico (SPINK 2001) Cresceu a

partir de entatildeo a noccedilatildeo de multiplicidade de conhecimentos e a importacircncia da

universidade reconhecer a importacircncia e estudar esses conhecimentos produzidos na

praacutetica

A construccedilatildeo desse leque de conhecimentos segundo Spink (2001) se daacute

sobretudo pela praacutetica vivida pelos grupos sociais na resoluccedilatildeo de problemas

enfrentados no cotidiano e que natildeo foram solucionados por organizaccedilotildees externas

Assim cada lugar eacute constituiacutedo de um contexto proacuteprio que tanto possibilita quanto

compele a produccedilatildeo de determinados conhecimentos

Dentro desses contextos uacutenicos de produccedilatildeo de conhecimento existem as

praacuteticas do cotidiano que fazem as organizaccedilotildees se construiacuterem enquanto tais e satildeo

tambeacutem por elas influenciadas As poliacuteticas puacuteblicas satildeo produzidas por organizaccedilotildees

e seus arranjos entre si ou seja satildeo influenciadas pelos contextos e praacuteticas do

mesmo Essas praacuteticas satildeo definidas por Schatzki (2007) como o conjunto de accedilotildees

estruturadas por uma organizaccedilatildeo Nessa visatildeo natildeo eacute a estrutura organizacional que

molda completamente as accedilotildees de seus constituintes mas uma relaccedilatildeo dialeacutetica em

que estruturas sociais e atores se influenciam mutuamente para formar as praacuteticas

desenvolvidas rotineiramente em uma organizaccedilatildeo As praacuteticas incluem segundo o

14

autor quatro fenocircmenos principais

(1) understandings of (complexes of know-hows regarding) the actions

constituting the practice for example knowing how to email and to recognize

emailing and knowing how to deliver and recognize lectures (2) rules by

which I mean explicit directives admonishments or instructions that

participants in the practice observe or disregard (3) something I call a

teleological-affective structuring which encompasses a range of ends

projects actions maybe emotions and end-project-action combinations

(teleological orderings) that are acceptable for or enjoined of participants to

pursue and realize and (4) general understandings for example general

understandings about the nature of work about proper teacherndashstudent

interactions or about the commonality of fate (SCHATZKI 2007)

As praacuteticas podem portanto ser definidas como participantes ativas da

estrateacutegia organizacional A estrateacutegia enquanto praacutetica eacute um conceito que faz a

conexatildeo entre a caracteriacutestica ativa e dialeacutetica das praacuteticas cotidianas e a proacutepria

formulaccedilatildeo de estrateacutegias dentro de uma organizaccedilatildeo Esse conceito estaacute ligado a uma

visatildeo construtivista das estrateacutegias dentro de uma organizaccedilatildeo isto eacute as estrateacutegias

natildeo satildeo estaacuteveis ao longo do tempo passam por um processo de definiccedilatildeo e

redefiniccedilatildeo conforme ganham ou perdem legitimaccedilatildeo interna e externa ao ambiente

organizacional (SOUZA 2009)

Nesse sentido as estrateacutegias de uma organizaccedilatildeo podem mudar ou

permanecer ao longo do tempo de acordo com a relaccedilatildeo dupla entre agentes e

estrutura esta sendo composta de recursos disponiacuteveis normas e regras presentes e

entendimento compartilhado (SOUZA 2009) Os recursos disponiacuteveis podem ser

materiais como o ambiente fiacutesico de uma organizaccedilatildeo ou imateriais como a

capacitaccedilatildeo para exercer uma atividade dentro da mesma Esses recursos satildeo objeto

de uma luta permanente porque satildeo eles que possibilitam a dominaccedilatildeo de uma

estrateacutegia ou seja quem deteacutem mais recursos acaba tendo mais poder na hora de

defender sua posiccedilatildeo vis-agrave-vis uma estrateacutegia organizacional (SOUZA 2009) As

15

normas e as regras podem ser formais como o estatuto de uma associaccedilatildeo que prevecirc

condutas permitidas eou exigidas para a participaccedilatildeo ou informais construiacutedas e

aceitas no cotidiano sem que sejam transcritas como o tipo de comportamento

considerado adequado dentro de determinada organizaccedilatildeo Satildeo as normas e regras

que constituem a legitimaccedilatildeo ou natildeo de estrateacutegias isto eacute elas permitem ou natildeo a

aceitaccedilatildeo de uma estrateacutegia em detrimento do que eacute aceito formal e informalmente no

ambiente organizacional (SOUZA 2009) Aleacutem disso haacute um entendimento

compartilhado em uma organizaccedilatildeo que significa as estrateacutegias isto eacute traduz

subjetivamente a estrateacutegia para uma dimensatildeo simboacutelica que eacute compreensiacutevel para a

realidade de seus agentes

Isso significa que formular e implementar estrateacutegias dentro de uma

organizaccedilatildeo satildeo processos inseridos dentro de um contexto permeado por

significaccedilotildees dominaccedilotildees e legitimaccedilotildees de discursos no cotidiano dos agentes e

portanto haacute uma tensatildeo constante e um diaacutelogo entre processos e contexto em que o

mesmo influencia e eacute influenciado pelos processos de definiccedilatildeoredefiniccedilatildeo de

estrateacutegia (SOUZA 2009) Assim podemos dizer que as organizaccedilotildees natildeo produzem

estrateacutegias no vaacutecuo jaacute que as praacuteticas que as constituem soacute satildeo significadas quando

satildeo ativadas pelos agentes e possibilitadas pelo contexto interno e externo agrave

organizaccedilatildeo tornando o contexto um elemento essencial para estudar as estrateacutegias

em organizaccedilotildees

Dessa forma poliacuteticas puacuteblicas podem ser entendidas como uma estrateacutegia

constantemente definida e redefinida em funccedilatildeo das negociaccedilotildees sobre os sentidos

dos problemas puacuteblicos A estrutura organizacional se torna entatildeo natildeo apenas

relevante para a determinaccedilatildeo da capacidade material de resoluccedilatildeo de um problema

social mas tambeacutem delimita um lugar simboacutelico sobre as possibilidades de accedilatildeo para

enfrentaacute-lo

22 Contextos onde as poliacuteticas puacuteblicas acontecem

No acircmbito dessa pesquisa pretendemos nos focar em principalmente dois

contextos diferentes que permeiam o processo de formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de

16

poliacuteticas puacuteblicas enquanto estrateacutegias de organizaccedilotildees da Administraccedilatildeo Puacuteblica

Podemos falar nos lugares e na diferenciaccedilatildeo entre contextos urbano e agriacutecola como

fator que influencia e eacute influenciado pelo ciclo de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em

situaccedilatildeo de violecircncia

Os contextos impactam nas praacuteticas e arranjos materiais disponiacuteveis em

determinado lugar (SPINK 2001) O lugar eacute onde ocorre a troca entre contexto

praacuteticas e arranjos como contextos agriacutecola e urbano estruturas organizacionais e

negociaccedilatildeo de sentidos e estrateacutegias para lidar com problemas puacuteblicos De acordo

com Milton Santos (2001) os lugares satildeo espaccedilos esquizofrecircnicos porque satildeo onde se

verificam os vetores da globalizaccedilatildeo e tambeacutem da contraordem O papel do lugar eacute

natildeo soacute onde se vive mas um lsquoespaccedilo vividorsquo em que satildeo reproduzidas eou

reavaliadas processos do passado e onde se projeta o futuro (SANTOS 2001) Nesses

lugares ocorrem os embates entre soluccedilotildees imediatistas e visotildees finaliacutesticas

conjuntura e estrutura (SANTOS 2001)

A ideia de lugar compreende a importacircncia dos processos construiacutedos e que

constroem um contexto Schatzki (2005) em sua teoria sobre como satildeo construiacutedos

os fenocircmenos sociais afirma que estes estatildeo ligados aos lugares

Sites however are a particularly interesting sort of context What

makes them interesting is that context and contextualized entity constitute one

another what the entity or event is is tied to the context just as the nature and

identity of the context is tied to the entity or event (among others)(p 468)

Essa definiccedilatildeo eacute entatildeo especificada ao social em que o lugar ldquodo social eacute

composto de nexos de praacuteticas e arranjos materiaisrdquo (SCHATZKI 2005 p471) As

praacuteticas seriam as atividades humanas e os arranjos materiais incluem as pessoas os

artefatos outros organismos e coisas

Os fenocircmenos sociais fazem parte das teias formadas dentro dos lugares e da

relaccedilatildeo entre eles sendo ao mesmo tempo produto e alimento desses lugares As

organizaccedilotildees de acordo com o autor (SCHATZKI 2005) seriam um desses

fenocircmenos sociais Fazendo parte dessa teia as organizaccedilotildees satildeo constituiacutedas por

praacuteticas sobreviventes previamente de outras organizaccedilotildees (vindas com as

17

experiecircncias passadas dos indiviacuteduos que a constituem) e uma mistura de praacuteticas do

presente que satildeo alteradas ou natildeo para materializar a razatildeo de existecircncia da

organizaccedilatildeo e arranjos materiais velhos e novos (SCHATZKI 2005 p476) Schatzki

(2005) ressalta que trecircs pontos satildeo essenciais para compreender uma organizaccedilatildeo

identificar as accedilotildees que a compotildeem identificar o conjunto de praacuteticas e arranjos

materiais em que as accedilotildees estatildeo inseridas identificar as outras teias de conjuntos de

praacuteticas e arranjos que se ligam agrave teia que compotildee a organizaccedilatildeo

Podemos clarificar ainda mais a ideia de lugares com a contribuiccedilatildeo de Spink

(2001) que define lugar como ldquoponto de partida para refletir sobre a organizaccedilatildeo

porque permite um olhar a partir de um enraizamento na processualidade do cotidiano

e fora dos muros das organizaccedilotildeesrdquo (SPINK 2001 p18) Esse termo tambeacutem foca

nos processos construiacutedos pelos indiviacuteduos suas relaccedilotildees e o contexto nos quais

participam e as organizaccedilotildees como parte desses processos em que haacute tensotildees e natildeo

como uma entidade que existe sem a accedilatildeo de pessoas Aleacutem disso Spink (2001)

ressalta a importacircncia da construccedilatildeo social dos sentidos que damos agraves accedilotildees e

materialidades que compotildeem o cotidiano o que dialoga com a ideia de Schatzki

(2005) de como compreender as accedilotildees dos indiviacuteduos

Assim pretendemos compreender as regiotildees agriacutecola e urbana como lugar

que satildeo indissociaacuteveis daquilo que os constituem (Spink 2001 SCHATZKI 2005)

enquanto praacuteticas e arranjos constitucionais observaacuteveis materialmente a partir de

organizaccedilotildees puacuteblicas O estudo das organizaccedilotildees que formulam e implementam

essas poliacuteticas puacuteblicas eacute importante para entender quais os conjuntos de praacuteticas e

arranjos materiais que formam o contexto das poliacuteticas puacuteblicas em questatildeo e se

existem ligaccedilotildees e sobreposiccedilotildees entre praacuteticas eou arranjos materiais dessas

organizaccedilotildees

221 Cidades Urbanas e Agriacutecolas

Precisamos entatildeo definir o que satildeo regiotildees agriacutecolas e regiotildees urbanas como

lugar no qual as poliacuteticas puacuteblicas estatildeo inseridas Santos (1996) trouxe essa nova

tipologia de cidades agriacutecolas e urbanas porque as mudanccedilas econocircmicas impactaram

18

a organizaccedilatildeo do espaccedilo geograacutefico de tal forma que as atividades urbanas e rurais

existem em todas as regiotildees Assim natildeo haacute mais uma separaccedilatildeo em aacutereas rurais e

urbanas de acordo com distinccedilatildeo econocircmica sendo que o novo ldquocriteacuterio de distinccedilatildeo

seria devido muito mais ao tipo de relaccedilotildees realizadas sobre os respectivos

subespaccedilosrdquo (SANTOS 1996 p 67)

Segundo ele ldquonas regiotildees agriacutecolas eacute o campo que sobretudo comanda a

vida econocircmica e social do sistema urbano enquanto nas regiotildees urbanas satildeo as

atividades secundaacuterias e terciaacuterias que tecircm esse papelrdquo (SANTOS 1996 p 68)

Apesar dessa predominacircncia que permite a distinccedilatildeo existem nos dois tipos de

regiotildees cidades e zonas de atividade rural mas nas regiotildees agriacutecolas a cidade existe

para suprir as necessidades do campo e das pessoas que o habitam enquanto nas

regiotildees urbanas as zonas de atividade rural existem para suprir as necessidades das

cidades e as pessoas que a habitam (SANTOS 1996) Assim essa tipologia eacute

importante para definir os contextos das poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo

de violecircncia jaacute que loacutegicas diferentes as constituem apontando praacuteticas e arranjos

materiais tambeacutem diversos

23 Gecircnero Machismo e Violecircncia de Gecircnero

As discussotildees sobre gecircnero na academia tecircm sido concentradas em uma

perspectiva discursiva que distingue completamente sexo de gecircnero colocando o

primeiro como parte de uma esfera bioloacutegica e o segundo como uma construccedilatildeo

social desvinculada da primeira (CAROLAN 2005) Nesse sentido Carolan (2005)

aponta um risco de gerar um reducionismo ao julgar gecircnero apenas como uma

construccedilatildeo social sem levar em consideraccedilatildeo os elementos extra-discursivos que

dialeticamente significam e ressignificam os papeis de gecircnero Segundo Carolan

(2005 p5)

Sociology has been correct to take care so as to not legitimate

ideologically-driven biological determinism and the socio-political

ramifications that accompany such proclamations My concern however is

19

that this apprehension toward determinism has become too one-sided With

all of our handringing about the dangers of ldquobringing nature back inrdquo to

sociological analyses due to its deterministic undertones we remain

incorrigibly blind to the other side of the coin to the appalling prospects of

an equally dangerous cagemdashcultural determinism In our rush to condemn the

fixed-biological we often (mistakenly) overly prescribe mutability and fluidity

to the socio-cultural We must thus stay vigilant to all prescriptions of

determinismmdashbiological and otherwisemdashwhile concomitantly remaining open

to the multidirectional causal potentials that constitute a stratified rooted

and emergent reality

Dessa forma eacute importante levar em conta tanto os niacuteveis discursivos quanto

extra-discursivos da construccedilatildeo de gecircnero dentro de uma estrutura social que dialoga

com esses elementos Assim os elementos extra-discursivos podem ser tanto

bioloacutegicos como apontados no trecho acima mas podem ser tambeacutem outras

materialidades que podem ser causa e efeito ao mesmo tempo da construccedilatildeo social

dos papeis de gecircnero como a desigual inserccedilatildeo no mercado de trabalho e os salaacuterios

desiguais para as mesmas posiccedilotildees Por exemplo se as mulheres tecircm menor inserccedilatildeo

no mercado de trabalho isso eacute fruto de uma construccedilatildeo social dos papeis de gecircnero

mas tambeacutem reforccedila os mesmos papeis em um jogo dialeacutetico porque as mulheres

ficam em uma posiccedilatildeo pouco empoderada acerca de como decidir a alocaccedilatildeo dos

recursos em casa e mais vulneraacuteveis para conseguir materialmente sair de casos de

violecircncia

Nesse contexto o machismo pode ser entendido como uma estrutura social

subjetiva construiacuteda a partir da existecircncia de gecircnero como uma classificaccedilatildeo criada

socialmente mas que alimenta e eacute alimentada por materialidades extra-discursivas O

machismo se configura entatildeo como algo abstrato que natildeo pode ser visto

materialmente Como coloca Sayer (1998 p 159-160)

()unobservable natural forces as well as structures of a language or

tules of a game can be and frequently are described and known Thus while

20

the unobservable wind can be known to be responsible for the flying hat or the

swirling leaves the rules of grammar facilitating the speech acts of some

group or the secret code used by children to send messages to each other

may each be quite unproblematically retroducible andor describable By

demonstrating the empirical adequacy of theories of gravitational and

magnetic fields social rules and relations structures of languages and so

forth these items can be known whether or not they can be directly observed

O machismo pode ser considerado como um item abstrato conforme

apresentado por Sayer (1998) que podem ser conhecidos mesmo que natildeo possam ser

observados diretamente Para fazer isso devemos tentar acessar a estrutura social

pelas suas manifestaccedilotildees tanto discursivas quanto extra-discursivas Especificamente

sobre as relaccedilotildees de gecircnero Sayer discorre sobre como podemos observaacute-la na

praacutetica (SAYER 1998 p160)

Even a single maintained hypothesis can be continually assessed by

examining the range of phenomena it bears upon In other words the

empirical adequacy of any hypothesis can be progressively checked-out by

deducing such implications as follow with regard to any domain for which

such implications hold and can in practice be observed Where it is argued

for example that gender relations in many societies are such that mechanisms

are reproduced which serve to discriminate against women in favout of men

this assessment can be checked out against detectable patterns occurring in

for example factories homes schools and universities and any other place

where the mechanism will conceivably reveal its effects

Podemos entatildeo acessar a estrutura social machista sobretudo atraveacutes de pelo

menos dois tipos de manifestaccedilotildees materiais ou seja as diferenccedilas objetivas como a

distribuiccedilatildeo de recursos e bens e subjetivas como se daacute a percepccedilatildeo da sociedade

sobre os papeis de gecircnero (GOMES 2014a) Corroborando Lorente (2015) tambeacutem

apresenta o machismo como uma estrutura social

21

Inequality is a construction based on the male design of society and

developed to determine the relationships within it It is neither an error nor an

uncontrolled drift It is a decision to establish a structure of power that

provides benefits and privileges to those in a superior position men and

denies rights and opportunities to those in an inferior position women

Violence against Women (VAW) is an instrument to maintain this structure

part of the tools to guarantee that it works () Violence against women is

different from other forms of violence due to its motivations goals

circumstances and meaning It is the only violence supported by social and

cultural ideas and the only one that is accepted and justified by part of

society (LORENTE 2015)

A violecircncia de gecircnero surge entatildeo como uma manifestaccedilatildeo dessa estrutura

social machista com implicaccedilotildees objetivas e subjetivas A violecircncia fiacutesica e

patrimonial podem ser entendidas como uma manifestaccedilatildeo material da estrutura

social enquanto outras violecircncias como a psicoloacutegica satildeo mais subjetivas e ligadas ao

asseacutedio moral (TRERJ 2013) uma forma de apreciaccedilatildeo negativa mais ligada ao

discurso poreacutem com implicaccedilotildees objetivas fortes como a proibiccedilatildeo da mulher de sair

de casa e trabalhar ou o desenvolvimento de doenccedilas psicoemocionais como

depressatildeo Aleacutem disso a violecircncia de gecircnero de todos os tipos estaacute permeada por

manifestaccedilotildees objetivas e subjetivas objetivas na vulnerabilidade em termos de

recursos materiais das mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia e subjetivas na exposiccedilatildeo agrave

apreciaccedilatildeo da famiacutelia da comunidade e das instituiccedilotildees puacuteblicas para atender a essas

mulheres que muitas vezes reproduzem papeis tradicionais de gecircnero ligados agrave

estrutura social machista

Afim de compreendermos a estrutura social machista nos diferentes contextos

agriacutecola e urbano vamos nos apoiar metodologicamente no Realismo Criacutetico sobre a

qual nos debruccedilaremos na seccedilatildeo a seguir Esta metodologia nos permite acessar

aspectos da estrutura social atraveacutes de suas manifestaccedilotildees Assim poderemos

compreender melhor as dialeacuteticas entre estrutura social manifestaccedilotildees discursivas e

22

manifestaccedilotildees extra-discursivas e do discurso em accedilatildeo Dessa maneira pretendemos

informar a accedilatildeo do Estado para combater essa estrutura social machista sobretudo a

sua manifestaccedilatildeo enquanto violecircncia de gecircnero

23

3 Metodologia

A partir da revisatildeo da literatura entendemos que as poliacuteticas puacuteblicas e suas

estrateacutegias satildeo definidas e redefinidas em um processo de embate entre discursos e

significaccedilotildees Este processo estaacute inserido em um lugar que influencia e eacute influenciado

pela negociaccedilatildeo de sentidos Especialmente no que diz respeito agrave violecircncia contra a

mulher estamos examinando para uma estrutura social machista e procurando

entender como os contextos influenciam a formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de poliacuteticas

puacuteblicas para aacutereas agriacutecolas e urbanas de acordo com as diferentes manifestaccedilotildees da

estrutura social nesses contextos Desta forma a pergunta de pesquisa que surge para

este trabalho eacute A estrutura social do machismo se manifesta da mesma maneira

nos contextos agriacutecola e urbano

Dela decorrem os seguintes objetivos secundaacuterios

a) Haacute ou natildeo diferenccedilas na manifestaccedilatildeo do machismo especificamente em

termos de violecircncia de gecircnero nas zonas urbana e agraacuteria

b) Como essas manifestaccedilotildees do machismo satildeo impactadas e impactam a

formulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia

Conforme discutiremos mais adiante nesse capiacutetulo e na seccedilatildeo 4 de anaacutelise

dos dados encontramos poucas evidecircncias de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em

situaccedilatildeo de violecircncia nas aacutereas agraacuterias de Goiaacutes e Satildeo Paulo Entretanto este

silecircncio eacute um interessante achado de pesquisa pois foi possiacutevel compreender como a

ausecircncia dessas poliacuteticas impacta a vida das mulheres desse contexto Esta anaacutelise

fica mais evidente quando debruccedilamos sobre as poliacuteticas puacuteblicas disponiacuteveis para as

mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia em aacutereas urbanas e que ainda assim natildeo tecircm seus

direitos garantidos como iremos perceber na anaacutelise das entrevistas

31 Realismo Criacutetico e a violecircncia de gecircnero

Escolhemos e o Realismo Criacutetico como ontologia ou seja como teoria do

conhecimento cientiacutefico porque acreditamos que ele nos ajudaraacute a compreender

24

melhor como os contextos agraacuterio e urbano influenciam e satildeo influenciados na

formulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas mas tambeacutem por uma questatildeo normativa

Acreditamos na perspectiva ontoloacutegica do realismo criacutetico de que os seres humanos

satildeo agentes com capacidade accedilatildeo sobre a realidade e que tambeacutem satildeo produtores de

significados e tambeacutem na necessidade natildeo soacute de explicar o mundo mas de modificaacute-

lo

No entanto acrescenta-se agrave nossa existecircncia dialeacutetica enquanto seres humanos

com o mundo a noccedilatildeo de que este existe independentemente da nossa apreensatildeo

semioacutetica ou natildeo dele sendo este o principal ponto de divergecircncia do criacutetico realismo

em relaccedilatildeo ao construtivismo (BHASKAR 2012 FAIRCLOUGH 2010 GOMES

2014b) Isto significa que a estrutura social eacute composta de loacutegicas agraves quais damos

sentidos e tambeacutem loacutegicas que natildeo apreendemos e interpretamos estando latentes

para essa interpretaccedilatildeo mas ainda assim influenciando e sendo influenciadas por

nossa accedilatildeo no mundo

O realismo criacutetico tambeacutem se enquadra nas nossas perspectivas de pesquisa

porque ele apresenta uma ontologia estratificada como uma estrateacutegia para evitar o

tradeoff entre agentes e estrutura (BHASKAR 2012) Isso porque o realismo criacutetico

coloca trecircs niacuteveis da vida social o real o atual e o empiacuterico que interagem entre si

dialeticamente (BHASKAR 2012) desde modo natildeo estamos lidando com uma

situaccedilatildeo em que a estrutura social define tudo nem que os agentes definem tudo

ambos satildeo relevantes e se influenciam mutuamente

Para melhor entendermos essas esferas vamos defini-las O real consiste na

esfera abstrata das estruturas sociais ou naturezas (FAIRCLOUGH 2010 GOMES

2014b) Esses integrantes do plano real satildeo objetos latentes ou seja que tecircm um

potencial Isso reforccedila a ideia de que mesmo estruturas semioacuteticas existem antes dos

atores (FAIRCLOUGH 2010 GOMES 2014b BHASKAR 2012) A esfera do atual

eacute permeada pelas praacuteticas sociais ou seja o que acontece quando elementos do

mundo real satildeo ativados e produzem transformaccedilotildees ou reproduccedilotildees

(FAIRCLOUGH 2010 GOMES 2014b) Esse plano atual eacute o que faz a mediaccedilatildeo

entre o plano real e o plano empiacuterico que por sua vez consiste nos eventos sociais e

accedilotildees Ou seja o empiacuterico eacute uma parte dos outros planos que eacute experimentado

25

efetivamente por agentes (FAIRCLOUGH 2010)

Eacute importante ressaltar que o processo causal colocado pelo realismo criacutetico

natildeo eacute o mesmo que o positivismo empiacuterico defende isto eacute a identificaccedilatildeo de

regularidades entre causa e efeito Na verdade o processo causal seria o estudo do

que ativa os poderes latentes do real para produzir mudanccedila (FAIRCLOUGH 2010

BHASKAR 2012) Aleacutem disso quando e se esses poderes satildeo ativados os efeitos

dessa ativaccedilatildeo varia de acordo com o tempo e espaccedilo (FAIRCLOUGH 2010

GOMES 2014b)

Uma ontologia baseada no Realismo Criacutetico ressalta a importacircncia dos

discursos e tambeacutem eacute uma abordagem que busca natildeo soacute entender a realidade mas

modificaacute-la como abordamos anteriormente Mas quais as implicaccedilotildees para a anaacutelise

das poliacuteticas puacuteblicas

O processo das poliacuteticas puacuteblicas sobre o qual discorremos anteriormente eacute

perpassado em todas as etapas pelos discursos dos atores envolvidos tanto interna

quanto externamente ao processo Aleacutem disso as poliacuteticas puacuteblicas satildeo um meio de

mudar a realidade como proposto pelo Realismo Criacutetico

Como vimos a violecircncia de gecircnero eacute um termo que passou por diferentes

significaccedilotildees ao longo do tempo e diferentes atores envolvidos Por exemplo antes

era visto pela sociedade e apreendida pelo Estado como uma situaccedilatildeo da esfera

privada e se restringia agrave violecircncia fiacutesica e hoje em dia passou a ser visto pelo Estado

como um problema puacuteblico considerando diferentes formas de violecircncia contra a

mulher No primeiro periacuteodo o movimento feminista brasileiro natildeo era detentor do

discurso dominante e lutava para conseguir visibilidade ao tema isto eacute para que

fosse considerado como um problema puacuteblico Ou seja as poliacuteticas puacuteblicas satildeo o

resultado do conflito entre discursos de diferentes atores e a significaccedilatildeo dada agraves

situaccedilotildees muda conforme o resultado desse conflito

Aleacutem disso podemos situar nosso referencial teoacuterico em termos da

estratificaccedilatildeo do Realismo Criacutetico A esfera do real no tema em questatildeo eacute permeada

pelas relaccedilotildees desiguais de poder entre gecircneros A esfera real pode ser acessada por

suas manifestaccedilotildees na esferas atual e empiacuterica

Na esfera do atual podemos pensar nas praacuteticas sociais que transformaram

26

uma situaccedilatildeo no caso a violecircncia contra as mulheres em problema puacuteblico passiacutevel

de intervenccedilatildeo via poliacuteticas puacuteblicas voltadas para lidar com a violecircncia de gecircnero

atraveacutes da sua inclusatildeo na agenda puacuteblica Isso pode ser visto pela dificuldade de se

tratar a violecircncia de gecircnero atraveacutes das instacircncias legais e juriacutedicas usuais Isto eacute

essas instacircncias tradicionais estavam permeadas por uma loacutegica machista que

precisava ser formalmente desfeita para poder comeccedilar a se abordar a questatildeo a partir

de outra perspectiva A violecircncia de gecircnero ter sido vista como uma questatildeo da esfera

domeacutestica e portanto privada tambeacutem faz parte desse machismo da esfera real que

precisou do aparato legal para caracterizaacute-la enquanto problema da esfera puacuteblica

Nesse sentido entra a importacircncia dos contextos urbano e agriacutecola dos territoacuterios

como elementos influenciadores e influenciados pelas poliacuteticas puacuteblicas para

mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia fornecendo um contexto sobre o qual os discursos

satildeo construiacutedos Certamente estes natildeo satildeo os uacutenicos lugares que influenciam os

discursos sobre a violecircncia de gecircnero e consequentemente as estrateacutegias para

combatecirc-lo (ie as poliacuteticas puacuteblicas)

Por fim a esfera do empiacuterico consiste no discurso em accedilatildeo por meio das

poliacuteticas puacuteblicas Um exemplo foi o conturbado processo de aprovaccedilatildeo da LMP

(MACIEL 2011) e tambeacutem as tentativas de provar sua inconstitucionalidade que

teve que ir ao STF pela AGU (MACIEL 2011) para conseguir ser aprovado

Tambeacutem a atual dificuldade de conseguir a aceitaccedilatildeo e implementaccedilatildeo da LMP por

parte dos operadores juriacutedicos (MACIEL 2011) demonstra a penetraccedilatildeo do

machismo em nossa sociedade Como podemos ver pelo retrato das questotildees

anteriormente citadas ainda estamos lidando basicamente com violecircncia sexual

apesar da tipificaccedilatildeo abranger outros tipos de violecircncia como as psicoloacutegicas e

morais que ainda ocorrem cotidianamente e satildeo naturalizadas denunciando a forccedila

do machismo na esfera do real Enfim essa uacuteltima esfera assim como as demais e a

relaccedilatildeo entre elas poderatildeo ser melhor retratadas quando partirmos a anaacutelise da

pesquisa de campo em que teremos contato com os agentes

De acordo com o realismo criacutetico podemos pensar em problemas a partir de trecircs

domiacutenios o real o atual e o empiacuterico (FAIRCLOUGH 2010) No tema em questatildeo

a esfera do real pode ser entendida como a estrutura social do machismo isto eacute uma

27

desigualdade de gecircnero que estaacute latente no funcionamento da sociedade e acaba sendo

reforccedilada pelos domiacutenios do atual e do empiacuterico Nesse trabalho o domiacutenio do atual

seriam os discursos sobre a desigualdade de gecircnero e a violecircncia de gecircnero que satildeo

manifestaccedilotildees da estrutura social machista ou para reforccedilar essa estrutura ou para

tentar transformaacute-la Por fim o domiacutenio empiacuterico satildeo nesse caso as poliacuteticas e accedilotildees

puacuteblicas formuladas eou implementadas para combater a violecircncia contra a mulher

32 Anaacutelise Criacutetica de Discurso

Afim de buscarmos nosso objetivo que eacute entender as diferenccedilas entre

poliacuteticas puacuteblicas em contextos agriacutecola e urbano utilizaremos a metodologia da

ACD Segundo a ACD o discurso eacute ativo isto eacute que influencia tanto a percepccedilatildeo da

realidade quanto o comportamento de pessoas dentro de uma organizaccedilatildeo

(PUTNAM et al 2004) Eacute importante destacarmos a diferenccedila entre texto e discurso

Textos satildeo todas as peccedilas linguiacutesticas sejam escritas ou faladas Jaacute discursos satildeo

enunciados de locutores que utilizam textos para tentar exercer influecircncia sobre

terceiros (ALVES 2006) O conceito de discurso organizacional engloba duas

maneiras diferentes de olhar para o discurso conversas e diaacutelogos ou narrativas e

histoacuterias Quando se trata de conversas significa a troca de mensagens entre duas ou

mais pessoas que ao realizarem uma interconexatildeo temporal ou significativa entre

textos moldam outras conversas eou accedilotildees futuras E diaacutelogo seria a possibilidade de

gerar novos significados atraveacutes de momentos de questionamento do contiacutenuo de uma

conversa Jaacute as narrativas percebem a construccedilatildeo social do sentido sendo estas visotildees

de mundo construiacutedas pelo locutor e seus interlocutores As histoacuterias satildeo por sua vez

a reinterpretaccedilatildeo de fatos atraveacutes do olhar de cada locutor interlocutor

A anaacutelise discurso eacute uma ferramenta interessante para analisar poliacuteticas

puacuteblicas uma vez que nos permite entender a poliacutetica atraveacutes das pessoas que

formulam eou implementam a poliacutetica Conhecendo as pessoas que fazem uma

poliacutetica puacuteblica acontecer e analisando suas conversas diaacutelogos e histoacuterias podemos

entender a significaccedilatildeo dada pelas pessoas dos processos que vivenciam Ou seja eacute

possiacutevel sair de um discurso formal para analisar quais satildeo as relaccedilotildees de poder no

28

acircmbito de uma poliacutetica puacuteblica e quais satildeo os sentidos dados para os temas

trabalhados que impedem ou proporcionam mudanccedilas materiais na evoluccedilatildeo de uma

poliacutetica puacuteblica

Algumas perspectivas epistemoloacutegicas satildeo possiacuteveis na anaacutelise de discurso

organizacional sendo as principais abordagens a positivista a construtivista e a poacutes-

modernista (PUTNAM et al 2004) e a criacutetico realista (FAIRCLOUGH 2010) Antes

de definir essas abordagens eacute importante diferenciarmos as perspectivas possiacuteveis

para a linguagem A ldquolinguagem em usordquo eacute aquela visatildeo que aborda o discurso como

tendo uma funccedilatildeo na criaccedilatildeo de uma ordem social no cotidiano da organizaccedilatildeo Seu

foco estaacute portanto na anaacutelise de discurso no momento presente da organizaccedilatildeo

(PUTNAM et al 2004 pg 9) Jaacute a abordagem da ldquolinguagem em contextordquo leva em

conta fatores histoacutericos e sociais que influenciam a produccedilatildeo disseminaccedilatildeo e

consumo de textos (PUTNAM et al 2004 pg 10) Ou seja leva em consideraccedilatildeo o

passado e os possiacuteveis efeitos futuros do discurso organizacional Dentro dessa

diferenciaccedilatildeo podemos esclarecer de onde derivam as diferentes abordagens

metodoloacutegicas A ldquolinguagem em usordquo eacute utilizada pelos positivistas e a ldquolinguagem

em contextordquo eacute a abordagem levada em consideraccedilatildeo pelos construtivistas (PUTNAM

et al 2004)

O pensamento positivista se preocupa em identificar padrotildees nas interaccedilotildees

discursivas Dessa maneira tratam o discurso como principal variaacutevel de anaacutelise e

natildeo acreditam que o discurso tenha caraacuteter poliacutetico Buscam entatildeo identificar uma

narrativa uacutenica ou um conjunto de significados compartilhados entre membros de

uma organizaccedilatildeo (PUTNAM et al 2004)

A abordagem construtivista por sua vez estuda como o discurso constitui e

reconstitui arranjos sociais dentro dos diferentes contextos das organizaccedilotildees Essa

perspectiva defende a natureza poliacutetica do discurso pela sua utilizaccedilatildeo para produzir

manter ou resistir a diferentes formas de poder Desse modo como afirma Gomes

(GOMES 2014b) o domiacutenio do discurso eacute em si um recurso de poder e faz parte da

luta pela hegemonia

Dentro do guarda-chuva da abordagem construtivista existe um ramo

chamado anaacutelise criacutetica do discurso cuja metodologia considera importante ambos os

29

tipos de linguagem sendo a ldquolinguagem em usordquo importante para identificar como

regras e estruturas em interaccedilotildees discursivas constituem identidades e levam agrave sua

institucionalizaccedilatildeo e a lsquolinguagem em contextorsquo importante para compreender os

diferentes significados para o mesmo texto dependendo do contexto em que o

discurso estaacute inserido A Anaacutelise Criacutetica do Discurso (ACD) enxerga as organizaccedilotildees

como sendo os locais onde ocorrem a luta entre os discursos pela dominaccedilatildeo sendo

que cada grupo luta para que seus interesses moldem exerccedilam eou resistam ao

controle social dentro da entidade Assim o foco dessa perspectiva eacute como o discurso

constitui e eacute constituiacutedo pelas praacuteticas sociais

Os poacutes-modernistas criticam a anaacutelise criacutetica do discurso uma vez que se

voltam novamente ao texto ou seja agrave lsquolinguagem em usorsquo e apontam para a

bipolaridade da anaacutelise criacutetica do discurso que exclui todos os discursos fora da

loacutegica de poder e resistecircncia Essa abordagem defende que os textos satildeo repletos de

metaacuteforas para organizar e representar uma gama de significados variados que

estariam marginalizados Para isso a desconstruccedilatildeo dos textos eacute a principal

ferramenta dessa perspectiva

Apesar da resistecircncia dos poacutes-modernistas agrave anaacutelise criacutetica do discurso

entendemos que essa metodologia eacute interessante para essa pesquisa uma vez que ela

nos permite entender os significados e a disputa de poder embutida nessas

significaccedilotildees Mas para aleacutem disso a anaacutelise criacutetica do discurso nos permite

compreender as consequecircncias materiais dessa disputa do poder (GOMES 2014b)

Aleacutem disso outro ponto interessante que diferencia a Anaacutelise Criacutetica do

Discurso eacute a incorporaccedilatildeo de trecircs niacuteveis de discurso micro meso e macro (OSWICK

PHILLIPS 2012) Assim o discurso estaacute dentro de uma situaccedilatildeo dentro de uma

instituiccedilatildeo e dentro da sociedade respectivamente (OSWICK PHILLIPS 2012) Em

outras palavras

Based on these three different levels undertaking CDA involves (i)

the examination of the language in use (the text dimension) (ii) the

identification of processes of textual production and consumption (the

discursive practice dimension) and (iii) the consideration of the institutional

30

factors surrounding the event and how they shape the discourse (the social

practice dimension) (OSWICK PHILLIPS 2012 p 457)

Nesse sentido a Anaacutelise Criacutetica do Discurso relaciona esses trecircs niacuteveis ao

mesmo tempo que incorpora uma visatildeo criacutetica do discurso homogecircneo Busca dessa

forma compreender seus fundamentos para interrogaacute-lo e gerar mudanccedila social

como veremos na proacutexima seccedilatildeo

A escolha da ACD se deve primeiramente porque acreditamos que a realidade

social natildeo pode ser vista com um olhar positivista tentando encontrar padrotildees nas

interaccedilotildees discursivas olhando tambeacutem somente para o discurso como variaacutevel

relevante na produccedilatildeo de significados Nesse trabalho queremos analisar a produccedilatildeo

de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia nos contextos agraacuterio e

urbano natildeo buscando encontrar padrotildees em cada contexto mas para entender

qualitativamente como o contexto e o discurso se relacionam entre si para produzir

significados que influenciam nessa produccedilatildeo de poliacuteticas Portanto optamos por esse

olhar que inclui o contexto como fator essencial em conjunto com as interaccedilotildees

discursivas

A anaacutelise criacutetica do discurso eacute uma perspectiva que considera as relaccedilotildees

dialeacuteticas de poder na criaccedilatildeo e significaccedilatildeo de discursos (GOMES 2014b) e que

pretende enxergar o mundo a partir de um olhar criacutetico do que ele deveriapoderia ser

olhando para os discursos e para as suas manifestaccedilotildees na praacutetica e em elementos

extra-discursivos como forma de refletir sobre uma estrutura social que natildeo

conseguimos materializar Ou seja ela eacute uma opccedilatildeo ontoloacutegica porque queremos

olhar para essa estrutura social criticamente no sentido de entendermos o que eacute e

tambeacutem projetar como poderia ser a partir do entendimento do porquecirc as poliacuteticas

puacuteblicas satildeo desenhadas e implementadas da maneira como satildeo nesses contextos

agraacuterio e urbano Isto eacute natildeo queremos ser relativistas e afirmar que entendendo a

relaccedilatildeo entre interaccedilotildees discursivas e os contextos diferentes as realidades satildeo

justificaacuteveis por si soacute pois olhamos normativamente para as poliacuteticas puacuteblicas em

especial aquelas para mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia nessa pesquisa Isto eacute a

anaacutelise criacutetica do discurso pode ajudar a entender como o capitalismo neoliberal

31

impede em algumas medidas a emancipaccedilatildeo humana para entatildeo tentar informar

estrateacutegias de como mitigar ou acabar com essas limitaccedilotildees (FAIRCLOUGH 2010)

No contexto de poliacuteticas puacuteblicas sobre violecircncia contra a mulher seria o caso de

entender quais satildeo as manifestaccedilotildees da estrutura social machista para tentar informar

decisotildees de poliacuteticas puacuteblicas que possam efetivamente gerar mudanccedilas nessa

estrutura social

Assim a anaacutelise criacutetica do discurso eacute uma abordagem relacional ou seja seu

objeto natildeo eacute o discurso em si mas as relaccedilotildees sociais e as disputas de poder entre

essas relaccedilotildees em que o discurso eacute parte integrante pela produccedilatildeo reproduccedilatildeo e

transformaccedilatildeo de significados (FAIRCLOUGH 2010) Aleacutem disso sua perspectiva eacute

dialeacutetica no sentido que estuda as relaccedilotildees entre objetos que natildeo satildeo inteiramente

separaacuteveis ou seja suas naturezas satildeo parcialmente definidas pela relaccedilatildeo com o

outro Nesse sentido natildeo exclui a importacircncia dos elementos extra-discursivos

ressaltando seu caraacuteter transdisciplinar (FAIRCLOUGH 2010) O termo criacutetica

remete a uma abordagem normativa que aponta para a realidade como algo passiacutevel

de mudanccedila e nesse sentido busca estudar tanto o que existe quanto o que poderia

existir idealmente (FAIRCLOUGH 2010)

Deste modo para a anaacutelise criacutetica do discurso trecircs esferas satildeo importantes o

texto o discurso e o contexto social (PHILIPPS SEWELL JAYNES 2008) Essas

esferas interagem entre si conforme o esquema abaixo

Tabela 1 Diaacutelogo entre Diferentes Esferas na ACD

32

O sujeito locutor se encontra numa posiccedilatildeo social ou seja num lugar no

espaccedilo social em que ele possui um certo grau de agecircncia (PHILIPPS SEWELL

JAYNES 2008) A partir dessa posiccedilatildeo social o locutor fala ou escreve um texto que

se transforma em discurso no momento em que o locutor tenta mudar ou manter a

ordem social atraveacutes desse texto Esse discurso por sua vez produz conceitos que se

expressam na cultura refletindo sobre a maneira como ele e seus interlocutores

enxergam o mundo e se relacionam entre si Por fim esse discurso se transforma em

objeto quando se torna parte de uma ordem praacutetica (PHILIPPS SEWELLJAYNES

2008) sendo usado para fazer sentido das relaccedilotildees sociais e condiccedilotildees materiais do

contexto social voltando ao iniacutecio do ciclo

33A emancipaccedilatildeo como chave entre as esferas

A Anaacutelise Criacutetica do Discurso foi escolhida nesse trabalho pelo potencial de

emancipaccedilatildeo (FAIRCLOUGH 2010) que essa perspectiva epistemoloacutegica nos

permite uma vez que pretende analisar a estrutura social atraveacutes de suas

manifestaccedilotildees discursivas e extra-discursivas afim de informar maneiras de mudar a

estrutura social machista Para melhor entender como as esferas se relacionam no

ciclo do realismo criacutetico com a emancipaccedilatildeo dos cidadatildeos podemos fazer uso da

Texto

Discurso

Cultura

Objeto

Posiccedilatildeo Social

(Contexto)

Elaboraccedilatildeo proacutepria a partir de dados de PHILIPPS SEWELL JAYNES 2008

33

noccedilatildeo de emancipaccedilatildeo de Zygmunt Bauman (BAUMAN 2001) Segundo o autor haacute

uma diferenccedila importante a ser ressaltada entre a liberdade de jure e a liberdade de

facto que ocorrem na modernidade

Bauman (2001) explica que na modernidade os indiviacuteduos natildeo tecircm sua

identidade ligada a instituiccedilotildees sociais ou princiacutepios universais No lugar disso hoje

haacute uma autoconstruccedilatildeo fluiacuteda das identidades isso significa que haacute uma valorizaccedilatildeo

das diferenccedilas e que a identidade eacute continuamente definida e redefinida pelos proacuteprios

indiviacuteduos

Nesse sentido parece que chegamos ao auge da liberdade humana

(BAUMAN 2001) poreacutem na verdade essa liberdade eacute tecircnue Isso porque houve um

esvaziamento das funccedilotildees do Estado em relaccedilatildeo agraves escolhas dos indiviacuteduos ou seja

cada um escolhe sua identidade e seu modo de vida e deve se responsabilizar por

essas escolhas (BAUMAN 2001) A consequecircncia disso eacute uma esfera puacuteblica

constituiacuteda por aglomeraccedilotildees de anseios individualizados mas que natildeo conseguem

afetar a agenda puacuteblica porque natildeo ultrapassam a barreira de demandas individuais

para uma demanda maior e comum (BAUMAN 2001)

Entatildeo as pessoas satildeo chamadas cada vez menos a buscar respostas para suas

demandas na sociedade e no Estado mas em si mesmas (BAUMAN 2001) e seu

fracasso ou sucesso tambeacutem eacute de sua inteira responsabilidade Entatildeo surge a

diferenciaccedilatildeo de Bauman quanto aos tipos diferentes de liberdade amenizando o auge

da liberdade que supostamente vivemos

Os indiviacuteduos tecircm liberdade de escolha e satildeo responsabilizados pelas mesmas

poreacutem natildeo encontram recursos praacuteticos para realizar suas escolhas (BAUMAN

2001) Daiacute a contraposiccedilatildeo entre liberdade de jure e liberdade de facto A primeira

corresponde agrave liberdade formal muitas vezes colocada em lei que os indiviacuteduos

teriam agrave sua disposiccedilatildeo Mas a liberdade de facto ou seja a realizaccedilatildeo dos seus

anseios e decisotildees natildeo ocorre muitas vezes porque faltam condiccedilotildees materiais para

que isso aconteccedila Nessa contradiccedilatildeo que a condiccedilatildeo de emancipaccedilatildeo dos indiviacuteduos

natildeo eacute atingida porque natildeo conseguem efetivar a autodeterminaccedilatildeo de seus destinos

Essa questatildeo da emancipaccedilatildeo se torna relevante quando discutimos o realismo

criacutetico porque no tema estudado existe essa contradiccedilatildeo entre o que eacute de jure que faz

34

parte da esfera atual e o de facto que estaacute na esfera empiacuterica das condiccedilotildees extra-

discursivas dos indiviacuteduos de saiacuterem de um problema no caso a violecircncia de gecircnero

34 A pesquisa de campo e a coleta de dados

Para darmos continuidade agrave pesquisa fizemos algumas visitas de campo A

coleta de dados qualitativos foi com base em um roteiro semiestruturado que se

encontra disponiacutevel nos anexos Antes de cada entrevista foi acordado com cada

entrevistado a o termo de consentimento para uso das mesmas tambeacutem em anexo As

conversas foram gravadas a partir do consentimento dos entrevistados e transcritas agrave

posteriori Depois selecionamos os trechos mais relevantes para a pesquisa e

organizamos segundo os temas mais recorrentes Em seguida organizamos esses

temas recorrentes de acordo com a estratificaccedilatildeo ontoloacutegica do realismo criacutetico

Dessa forma primeira etapa da coleta de dados foi realizada em Janeiro de

2015 em Goiaacutes Ateacute 2014 existia uma Secretaria de Poliacuteticas para as Mulheres e

Promoccedilatildeo da Igualdade Racial (SEMIRA) Nessa secretaria havia e haacute ainda na nova

superintendecircncia haacute uma accedilatildeo da Secretaria Federal de Poliacuteticas para as Mulheres de

unidades moacuteveis para mulheres do campo e da floresta No caso de Goiaacutes consiste

em disponibilizar ocircnibus que iam de Goiacircnia para as cidades do interior com equipes

multidisciplinares para fazer palestras sobre violecircncia de gecircnero informar a

populaccedilatildeo e dar assistecircncia (meacutedica psicoloacutegica juriacutedica) agraves mulheres que

procurassem a equipe Nas eleiccedilotildees de 2014 Marconi foi reeleito governador de

Goiaacutes no entanto mudou a estrutura das suas secretarias dissolvendo a SEMIRA e

colocando a pasta das mulheres numa secretaria muito mais ampla a Secretaria da

Mulher do Desenvolvimento Social da Igualdade Racial dos Direitos Humanos e do

Trabalho

A pesquisa de campo em Goiaacutes aconteceu em trecircs cidades Caldas Novas

Goiacircnia e Professor Jamil Os oacutergatildeos e entidades entrevistados em ordem

cronoloacutegica foram CREAS Secretaria Estadual da Mulher Desenvolvimento Social

Igualdade Racial Direitos Humanos e Trabalho Equipe de Unidades Moacuteveis

35

DEAM Centro Popular da Mulher Observatoacuterio de Seguranccedila Puacuteblica e Secretaria

Municipal da Mulher de Professor Jamil

Comeccedilamos a parte de campo da pesquisa em Caldas Novas cidade a 167

quilocircmetros de Goiacircnia com 70473 habitantes sendo da 2759 zona rural e 67714

da zona urbana (IBGE 2015) Caldas Novas natildeo possui um oacutergatildeo especiacutefico da

prefeitura para lidar com a violecircncia de gecircnero O uacutenico oacutergatildeo responsaacutevel por

receber as viacutetimas desse tipo de violecircncia eacute o CREAS que atende mulheres idosos

crianccedilas e adolescentes em situaccedilatildeo de vulnerabilidade

A seguir realizamos entrevistas na Secretaria da Mulher do Desenvolvimento

Social da Igualdade Racial dos Direitos Humanos e do Trabalho em uma Delegacia

Especializada em Atendimento agrave Mulher e no Observatoacuterio de Seguranccedila Puacuteblica da

Secretaria de Seguranccedila Puacuteblica de Goiaacutes Goiacircnia eacute a capital de Goiaacutes com

aproximadamente 1302001 habitantes em 2010 (IBGEb 2015) Desse nuacutemero

1297155 estavam em aacuterea urbana e 4846 na zona rural (IBGEb 2015)

Finalmente a uacuteltima entrevista de campo em Goiaacutes foi em Professor Jamil Eacute

uma cidade a 70 quilocircmetros de Goiacircnia com 3239 habitantes sendo 978 da zona

rural e 2261 da zona urbana (IBGEc 2015) A cidade foi indicada pela equipe de

unidades moacuteveis da Secretaria da Mulher do Desenvolvimento Social da Igualdade

Racial dos Direitos Humanos e do Trabalho pela lideranccedila forte na cidade

Aleacutem da pesquisa de campo em Goiaacutes a segunda parte do campo consistiu em

conhecer tambeacutem a situaccedilatildeo de Satildeo Paulo Primeiramente buscamos informaccedilotildees

sobre as poliacuteticas puacuteblicas existentes para combater a violecircncia de gecircnero na esfera do

governo estadual de Satildeo Paulo Foi muito dificultosa essa busca uma vez que natildeo haacute

secretaria especiacutefica e mesmo em sites de busca encontramos escassas referecircncias

como o Hospital Peacuterola Byington como accedilatildeo puacuteblica destinada a esse puacuteblico

especiacutefico Depois de muitas pesquisas encontramos no site da Secretaria de Justiccedila e

Defesa da Cidadania uma Coordenaccedilatildeo de Poliacuteticas para a Mulher (SAtildeO PAULO

2015) Achamos simboacutelico essa coordenaccedilatildeo aleacutem de ser pouco visiacutevel estar listada

em uacuteltimo lugar na lista de coordenaccedilotildees da secretaria e contar apenas com duas

pessoas em sua equipe

36

Infelizmente natildeo foi possiacutevel realizarmos entrevista com ningueacutem da equipe

do Peacuterola Byington pois devido a uma reforma do local a equipe natildeo aceitou nos

receber para uma entrevista Apesar disso tentamos em trecircs tentativas explicar que o

nosso foco era uma conversa com algueacutem da equipe e natildeo necessariamente conhecer

a estrutura fiacutesica Mesmo assim ningueacutem se disponibilizou a conceder uma entrevista

para a pesquisa

No mais conseguimos trecircs entrevistas em Satildeo Paulo com a coordenadora de

uma subsecretaria de poliacuteticas para as mulheres com uma delegada de uma Delegacia

Da Mulher (DDM) da Grande Satildeo Paulo e com uma representante do Nuacutecleo

Especializado de Promoccedilatildeo dos Direitos da Mulher (NUDEM) Como surgiu em Satildeo

Paulo a necessidade de manter anonimato de alguns entrevistados optamos por

manter a uniformidade da pesquisa e natildeo identificar nenhum dos entrevistados Tendo

em vista que foram bastante entrevistados decidimos adotar nomes fictiacutecios para os

mesmos a fim de situar melhor o leitor em relaccedilatildeo agraves citaccedilotildees presentes na anaacutelise

dos discursos

Tambeacutem com o intuito de facilitar a leitura codificamos com cores a partir

das caracteriacutesticas da organizaccedilatildeo em que o entrevistado trabalha Sendo assim a cor

azul se refere a profissionais de assistecircncia social mais geral isto eacute sem foco para o

Tabela 2 Quadro de Entrevistados

Fonte Autoria proacutepria

37

atendimento a mulheres Por sua vez a cor roxa eacute para sinalizar os entrevistados que

trabalham no primeiro ou terceiro setor em organizaccedilotildees voltadas especificamente

para mulheres em um sentido amplo O laranja eacute para organizaccedilotildees policiais e por

fim o verde representa as instacircncias do poder judiciaacuterio especiacuteficas para mulheres

38

4 A Anaacutelise

41 As poliacuteticas puacuteblicas de violecircncia de gecircnero no Brasil

Por traacutes desses nuacutemeros preocupantes haacute uma construccedilatildeo de sentidos sobre o

eacute violecircncia contra a mulher suas causas consequecircncias e qual o desenho adequado

das poliacuteticas puacuteblicas O tema definitivamente entrou na agenda puacuteblica brasileira

somente no final dos anos setenta com o aumento do nuacutemero de assassinatos de

mulheres de classe meacutedia e a visibilidade dada agrave questatildeo pela miacutedia e autoridades

(BANDEIRA 2014) o que natildeo implica que os sentidos da violecircncia contra mulher

natildeo estejam em constante negociaccedilatildeo Nessa mesma eacutepoca a violecircncia contra a

mulher se transformou na principal bandeira do movimento feminista brasileiro

(BANDEIRA 2014) Bandeira (2014) relata que a partir disso e com a abertura

democraacutetica a sociedade civil se aliou agrave academia para pressionar politicamente em

prol de uma resposta do Estado a esse problema Podemos perceber que a violecircncia

de gecircnero nesse periacuteodo era entendida como violecircncia sexual sobretudo cometida por

maridos e ex-companheiros

A primeira mudanccedila foi a transformaccedilatildeo dos ldquocrimes de violecircncia sexual

como crimes contra a pessoa natildeo mais contra os costumesrdquo (BANDEIRA 2014 pg

452) Logo em seguida 1985 foram criadas delegacias proacuteprias para esse problema

as Delegacias Especiais de Atendimento agraves Mulheres com a visatildeo de era necessaacuterio

endereccedilar o problema das mortes das mulheres com um olhar feminino com maior

prioridade do que a violecircncia mais ampla sofrida no dia-a-dia pelas mulheres Essa

medida deu visibilidade agrave violecircncia sobretudo pelo criaccedilatildeo de um canal que

possibilitou o aumento de denuacutencias por parte das viacutetimas

Nos anos noventa comeccedilaram as accedilotildees de Casas de Abrigo para receber

mulher em risco de vida hoje contando com 80 espalhadas pelo paiacutes (BANDEIRA

2014) Apesar de o novo contexto poliacutetico de redemocratizaccedilatildeo nesse periacuteodo ter

aberto ldquonovos canais institucionais e estruturas de alianccedilas ineacuteditos para o movimento

feminista brasileirordquo (MACIEL 2011 p97) houve um retrocesso em termos de

poliacuteticas puacuteblicas para combater agrave violecircncia de gecircnero A mesma foi enquadrada na

39

Lei nordm 909995 que discorre sobre o julgamento de crimes de ldquomenor potencial

ofensivordquo (BANDEIRA 2014) e portanto busca a conciliaccedilatildeo das partes e prevecirc

uma pena de no maacuteximo dois anos de reclusatildeo (BANDEIRA 2014) Nesse mesmo

ano foram criados os Juizados Especiais Criminais que ldquose tornaram rapidamente o

escoadouro de denuacutencias de agressotildees contra a mulher nos acircmbitos domeacutestico e

familiarrdquo (MACIEL 2011 p103) mas operando em uma loacutegica de impunidade dos

agressores e desatenccedilatildeo agraves viacutetimas Bandeira (2014) ressalta a opiniatildeo generalizada

dos operadores juriacutedicos de que era desnecessaacuterio criar uma lei especiacutefica para tratar

da violecircncia de gecircnero (BANDEIRA 2014)

Esse cenaacuterio mudou principalmente pela pressatildeo internacional uma vez que o

Brasil assinou compromissos com tratados e convenccedilotildees internacionais de Direitos

Humanos que tratavam da violecircncia de gecircnero de maneira ampla (BANDEIRA

2014) Isto eacute o Brasil foi movido a ressignificar a violecircncia de gecircnero incluindo

tambeacutem a violecircncia psicoloacutegica e moral como parte desse quadro caracterizando a

violecircncia de gecircnero como violaccedilatildeo dos direitos humanos (MACIEL 2011) e servindo

de base para a criaccedilatildeo da Lei Maria da Penha (BANDEIRA 2014) Segundo

Bandeira (2014) essa lei significou uma ldquonova forma de administraccedilatildeo legal dos

conflitos interpessoais embora ainda natildeo seja de pleno acolhimento pelos operadores

juriacutedicosrdquo (BANDEIRA 2014)

Essa lei trouxe pela primeira vez o reconhecimento da mulher como parte

lesada nos casos de violecircncia de gecircnero e a obrigaccedilatildeo de o Estado responder a esse

crime natildeo atraveacutes de mediaccedilatildeo de conflitos no acircmbito privado mas de garantias de

direitos no acircmbito puacuteblico agraves viacutetimas O projeto inicial foi feito pela CFMEA e

entregue agrave Secretaria Especial de Poliacuteticas para Mulheres em 2004 que depois o

encaminhou para o Legislativo (MACIEL 2011) Esse primeiro projeto natildeo tratava

da retirada de competecircncia dos Juizados Especiais Criminais para tratar de violecircncia

de gecircnero e natildeo estabelecia a criaccedilatildeo de outra instacircncia juriacutedica especiacutefica para tratar

da mesma (MACIEL 2011) Nesse meio tempo em 2003 o Executivo Federal

sancionou por meio da Lei n107782003 a obrigatoriedade de notificaccedilatildeo por toda a

rede de sauacutede puacuteblica e privada de todos os casos de violecircncia contra a mulher

(BANDEIRA 2014) No ano seguinte em 2004 lanccedilado o primeiro Plano Nacional

40

de Poliacuteticas Puacuteblicas para as Mulheres (MACIEL 2011) Ainda antes da aprovaccedilatildeo

da Lei Maria da Penha em 2005 foi implementado o Ligue 180 pela SPM que

encaminhava as denuacutencias para a Secretaria de Seguranccedila Puacuteblica ou para o

Ministeacuterio Puacuteblico (BANDEIRA 2014) Somente em 2006 foi aprovada LMP no

contexto relatado por Maciel

O calendaacuterio das eleiccedilotildees presidenciais e legislativas foi decisiva para

ampliar a capacidade de pressatildeo poliacutetica o movimento conseguiu a

aprovaccedilatildeo nas duas casas legislativas do substituto o Projeto de Lei n

372006 que afastava formalmente a competecircncia dos Juizados para o

tratamento dos processos oriundos de violecircncia domeacutestica (MACIEL 2011

p103)

A Lei Maria da Penha trata violecircncia de gecircnero como problema puacuteblico a

garantia dos direitos fundamentais e ldquotodas as oportunidades e facilidades para viver

sem violecircncia preservar a sauacutede fiacutesica e mental e o aperfeiccediloamento moral

intelectual e social assim como as condiccedilotildees para o exerciacutecio efetivo dos direitos agrave

vida agrave seguranccedila e agrave sauacutederdquo (MENEGHEL 2013 p692)

A Lei Maria da Penha foi um marco no histoacuterico do tratamento do Estado agrave

violecircncia de gecircnero pois foi pioneira na tipificaccedilatildeo da violecircncia Como coloca

Meneghel

A Lei Maria da Penha tipificou a violecircncia denominando-a violecircncia

domestica e a definiu como qualquer accedilatildeo ou omissatildeo baseada no gecircnero que

cause morte lesatildeo sofrimento fiacutesico sexual psicoloacutegico e dano moral ou

patrimonial agraves mulheres ocorrida em qualquer relaccedilatildeo iacutentima de afeto na

qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida

independentemente de coabitaccedilatildeo (MENEGHEL 2013 p693)

Depois de aprovada a lei no entanto o movimento feminista brasileiro se

deparou com uma nova agenda a de garantir a efetividade da implementaccedilatildeo da Lei

41

Maria da Penha Nesse sentido foi criado em 2007 pela alianccedila entre organizaccedilotildees

de mulheres e nuacutecleos universitaacuterios o Observatoacuterio Nacional de Implementaccedilatildeo e

Aplicaccedilatildeo da Lei Maria da Penha ldquopara produzir analisar e divulgar informaccedilotildees

sobre a aplicaccedilatildeo da Lei pelas delegacias Ministeacuterio Puacuteblico Defensoria Puacuteblica

poderes Judiciaacuterio e Executivo e redes de atendimento agrave mulherrdquo (MACIEL 2011

p104) No mesmo ano o Programa Nacional ade Seguranccedila Puacuteblica com Cidadania

do governo federal colocou como objetivo a criaccedilatildeo de Juizados de Violecircncia

Domeacutestica e Familiar (MACIEL 2011) Esse plano incluiacutea tambeacutem a necessidade de

capacitaccedilatildeo especiacutefica de agentes puacuteblicos para lidar com essas viacutetimas (MACIEL

2011) Jaacute em 2008 a ldquoCampanha 16 Dias de Ativismo pelo Fim da Violecircncia contra

as Mulheresrdquo foi realizada em parceria com a SPM e teve ampla adesatildeo da esfera

puacuteblica estatal e natildeo estatal nacional e internacional (MACIEL 2011)

Ou seja a accedilatildeo coletiva do movimento feminista brasileiro pressionou

primeiramente o poder Legislativo para incluir na agenda de poliacuteticas puacuteblicas o

problema da violecircncia de gecircnero Depois da vitoacuteria da aprovaccedilatildeo da Lei Maria da

Penha comeccedilou a pressionar os poderes Executivo e Judiciaacuterio para garantir que a

mesma fosse efetiva

42 Contextualizaccedilatildeo da Anaacutelise

O objetivo desse trabalho eacute compreender os diferentes sentidos dados agrave violecircncia

de gecircnero nos contextos urbano e agriacutecola Para entendermos melhor esse objetivo e

como iremos trabalhar para atingi-lo eacute necessaacuterio explicitar como ele estaacute

relacionado aos diferentes domiacutenios do Realismo Criacutetico (vide seccedilatildeo da metodologia

em que delimitamos esses domiacutenios e mostramos como se relacionam entre si) O

nosso foco nas evidecircncias de cada domiacutenio especificamente no tema de violecircncia de

gecircnero vai nos ajudar a analisar em seguida os dados coletados na pesquisa jaacute que

essas evidecircncias satildeo a ponte para a compreensatildeo dos domiacutenios abstratos

42

Domiacutenio Evidecircncias

Real Machismo

Atual Discursos sobre desigualdade de gecircnero e

violecircncia de gecircnero

Empiacuterico Poliacuteticas e accedilotildees puacuteblicas

Elementos extra-discursivos

Entatildeo precisamos entender quais os sentidos atribuiacutedos pelos entrevistados agrave

violecircncia de gecircnero Isso eacute relevante porque os sentidos atribuiacutedos delimitam a

compreensatildeo do problema no caso a violecircncia de gecircnero A maneira como o

problema eacute compreendido afeta quais os tipos de poliacuteticas puacuteblicas construiacutedas ou a

ausecircncia delas Essas poliacuteticas puacuteblicas por sua vez podem alterar a estrutura social

ou reforccedilar a mesma voltando para o domiacutenio do real Aleacutem disso essas poliacuteticas

puacuteblicas satildeo afetadas pelos elementos extra-discursivos como orccedilamento estrutura

fiacutesica e recursos humanos que por sua vez podem ser tanto causados por ou

causadores da estrutura social machista Ou seja podemos pensar que os locus de

formulaccedilatildeo eou implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo de

violecircncia satildeo esvaziadas de recursos como consequecircncia da falta de importacircncia dada

ao problema devido agrave estrutura social machista que permanece mas ao mesmo tempo

como instrumento de manutenccedilatildeo dessa mesma estrutura

Tambeacutem eacute interessante retomarmos as caracteriacutesticas da Anaacutelise Criacutetica do

Discurso para relacionaacute-las agraves entrevistas realizadas Primeiramente realismo criacutetico

eacute relacional (FAIRCLOUGH 2010) o que no caso significa que a estrutura social do

machismo os discursos sobre desigualdade de gecircnero e violecircncia de gecircnero e os

elementos extra-discursivos natildeo podem ser analisados separadamente Isto se deve ao

fato de que cada elemento interage com os demais sendo afetado e afetando-os

mutuamente Entatildeo natildeo podemos falar em machismo sem justificar sua existecircncia

Tabela 3 Os Domiacutenios do Realismo Criacutetico e suas Evidecircncias

Fonte Autoria proacutepria

43

enquanto estrutura social via suas manifestaccedilotildees tanto discursivas quanto extra-

discursivas Mas tambeacutem natildeo podemos pensar nessas manifestaccedilotildees sem entender a

relaccedilatildeo delas com a estrutura social que pode ser geradora eou influenciada pelos

discursos e elementos extra-discursivos

Aleacutem disso a anaacutelise criacutetica do discurso eacute dialeacutetica (FAIRCLOUGH 2010) Isso

significa que o machismo e a violecircncia de gecircnero natildeo podem ser analisados como

uma relaccedilatildeo causal uacutenica por exemplo a estrutura social machismo gera a violecircncia

de gecircnero No caso a estrutura social machista tem como uma das suas

consequecircncias manifestaccedilotildees como a violecircncia de gecircnero mas esta violecircncia atua

reproduzindo a estrutura social machista ou entatildeo transformando a mesma

Para entender melhor as entrevistas realizadas agrave luz da ontologia do realismo

criacutetico dividimos a anaacutelise da pesquisa em duas partes principais as manifestaccedilotildees

discursivas da estrutura social e suas manifestaccedilotildees extra-discursivas Na primeira

seccedilatildeo iremos partir do plano geral das manifestaccedilotildees do machismo e em seguida focar

na manifestaccedilatildeo especiacutefica de violecircncia de gecircnero E na segunda parte iremos

descrever e analisar questotildees de recursos humanos fiacutesicos e orccedilamentaacuterios

43 Manifestaccedilotildees discursivas da estrutura social

Durante a pesquisa encontramos evidecircncias de diferentes sentidos dados

pelos atores sobre desigualdade de gecircnero Mesmo com suas diferenccedilas a principal

referecircncia dos entrevistados eacute a cultura de que o mundo em geral eacute machista e o

Brasil o eacute com mais intensidade

Percebemos que a desigualdade entre os gecircneros envolve discursos que

acabam encontrando entraves durante as falas dos entrevistados Por exemplo

segundo Faacutebio a mulher eacute vista pela sociedade como sexo fraacutegil apesar ser na praacutetica

mais forte porque ldquose um homem pega uma gripe ele cai na cama e natildeo levanta pra

nada a mulher taacute de gripe ela taacute limpando casa taacute lavando vasilha taacute fazendo

almoccedilordquo Ele comeccedila o seu discurso preocupado com a visatildeo da sociedade de que a

mulher eacute um sexo fraacutegil e inferior ao homem demonstrando um discurso contraacuterio agrave

estrutura social machista No entanto ele muda seu discurso no meio da frase

44

justificando sua posiccedilatildeo contraacuteria a essa estrutura com exemplos de atividades

colocadas pela estrutura social machista como atividades de mulher limpar lavar

cozinhar

Luiz reforccedilou sua crenccedila no que seria a igualdade de gecircnero a ser perseguida

diante do discurso de Faacutebio

Natildeo significa vocecirc ser submisso vocecirc saber como deve ser conduzida

uma relaccedilatildeo um casamento Eacute questatildeo de respeito mesmo O significado forte

da famiacutelia o que significa famiacutelia Ou qual eacute a figura do pai qual eacute a figura

da matildee O que eacute a figura do homem dentro da sociedade o que eacute a figura da

mulher dentro da sociedade Entatildeo trabalhar essa questatildeo da igualdade eacute

muito difiacutecil porque a gente natildeo pode confundir com certas libertinagens E

tem mulheres hoje mal instruiacutedas que natildeo tecircm uma instruccedilatildeo pra que isso

aconteccedila

Nesse discurso Luiz reforccedila as figuras do homem e da mulher da estrutura

social machista pois atribui um sentido normativo agrave ideia de relaccedilatildeo casamento e

famiacutelia isto eacute coloca como sendo relaccedilotildees positivas onde existem claramente os

papeis da mulher e do homem e consequentemente coloca como relaccedilotildees negativas

relaccedilotildees que natildeo seguem esse padratildeo estabelecido socialmente Seu discurso

evidecircncia o machismo da esfera real podemos dizer que aqui se manifesta

inconscientemente quando afirma que a igualdade entre os gecircneros eacute ameaccedilada por

ldquolibertinagensrdquo que segundo ele decorrem de uma falha da mulher por falta de

ldquoinstruccedilatildeordquo de cumprir seu papel enquanto ldquofigura de mulherrdquo dentro de uma

relaccedilatildeo Nesse sentido tambeacutem haacute evidecircncias de que o sentido construiacutedo por ele de

um relacionamento eacute heteronormativo em que necessariamente deve haver a ldquofigura

do homemrdquo e a ldquofigura da mulherrdquo o que faz parte tambeacutem da estrutura social

machista

Esse reforccedilo dos papeis sociais desiguais seria explicado segundo Roberta

pela educaccedilatildeo sexista que ainda existe no Brasil em que homens e mulheres satildeo

educados diferentemente pelas famiacutelias e pelas escolas Ela explica que ldquogeralmente

45

os brinquedos que aguccedilam a criatividade da crianccedila satildeo masculinos a menina ainda

brinca com boneca com panelinha enfim com as lides domeacutesticasrdquo

Aleacutem disso outro fator apontado como importante para a desigualdade entre

os gecircneros eacute o arcabouccedilo juriacutedico que historicamente privilegiou os homens porque

segundo a Talita ldquonoacutes temos um paiacutes muito marcado pelo machismo nossa lei que

trata especificamente sobre o assunto eacute ainda muito jovem noacutes nos deparamos com

muitas injusticcedilas antes da existecircncia da Lei Maria da Penha ateacute algumas deacutecadas

atraacutes a mulher sequer votavardquo

Em contraposiccedilatildeo Ana Paula contou uma anedota para justificar que as

causas da desigualdade de gecircnero vatildeo aleacutem de leis

Aiacute eu chamei uma amiga a faxineira uma pessoa muito humilde

terceirizada () e aiacute eu perguntei lsquofulana vocecirc tem relaccedilatildeo com o seu

marido quandorsquo Aiacute ela ficou sem graccedila ela disse aiacute doutora E eu lsquoDiz pra

eles quandorsquo lsquoQuando ele querrsquo E aiacute eu acho que haacute um tempo longo entre a

cultura e a lei

A cultura nessa fala pode ser vista como parte da esfera atual em que os seres

humanos ativam as estruturas do domiacutenio real construindo sentidos a partir delas

Nesse caso o domiacutenio do real eacute a estrutura social machista que eacute ativada por meio da

cultura nesse caso citado por Ana Paula com evidecircncias de elementos de

sexualidade que influenciam e satildeo influenciados pela estrutura social desigual entre

homens e mulheres Jaacute a lei agrave qual Ana Paula se refere a Lei Maria da Penha faz

parte do domiacutenio do empiacuterico ou seja uma legislaccedilatildeo fruto de eventos e accedilotildees da

sociedade Quando a entrevistada diz que ldquohaacute um tempo longo entre a cultura e a

leirdquo ela mostra evidecircncias de que o domiacutenio do empiacuterico pode trazer inovaccedilotildees

como a Lei Maria da Penha Poreacutem isso natildeo significa que a lei necessariamente

revolucione a estrutura social como a cultura que nesse caso que continua

reproduzindo um comportamento sexual machista em que o homem determina

quando quer ter relaccedilotildees sexuais e a mulher natildeo tem voz

Na pesquisa surgiram dois sentidos dados agrave maneira como o machismo se

46

manifesta na sociedade relativos ao grau de instruccedilatildeo e agrave estrutura econocircmica O

primeiro foi reforccedilada pelos funcionaacuterios do CREAS visitado por Talita e por Rafael

Segundo os entrevistados quanto mais educaccedilatildeo e mais informaccedilatildeo chegam ateacute as

pessoas menos machistas elas satildeo Rafael afirmou que a falta de instruccedilatildeo das

mulheres da aacuterea rural decorrente de uma menor escolaridade e maior isolamento

seriam geradoras de uma subnotificaccedilatildeo de casos de violecircncia (vide seccedilatildeo 2) na zona

agraacuteria Ele conta que essa subnotificaccedilatildeo ldquoeacute incentivada primeiro no meu ponto de

vista pela questatildeo cultural da proacutepria mulher natildeo procurar que ela eacute mais

desprovida de informaccedilatildeo e tudo maisrdquo Consequentemente a diferenccedila nas

manifestaccedilotildees do machismo nas aacutereas rural e urbana seria a intensidade porque

segundo estes entrevistados a aacuterea rural teria um vatildeo de instruccedilatildeo e informaccedilatildeo

recebida em relaccedilatildeo agrave aacuterea urbana

Aqui temos dois elementos da esfera real dialogando entre si O grau de instruccedilatildeo

estaacute relacionado agrave estrutura social diferente entre aacutereas agraacuterias e urbanas E a

estrutura social machista tambeacutem se localiza no plano real como mencionamos

anteriormente Assim uma desigualdade estrutural de instruccedilatildeo agravaria uma outra

desigualdade de gecircnero no caso justificando elementos discursivos (atual) e extra-

discursivos (empiacuterico) que reforccedilam uma dupla desigualdade evidenciando uma

minoria dentro das minoria das mulheres as mulheres da zona agraacuteria

Por outro lado Laura e Roberta afirmaram a importacircncia das estruturas

econocircmicas na manifestaccedilatildeo do machismo Roberta colocou a questatildeo da composiccedilatildeo

da renda familiar porque ldquona aacuterea rural o homem continua sendo chefe de famiacutelia

mesmo que a legislaccedilatildeo tenha mudadordquo Aleacutem disso ela afirma que a estrutura do

trabalho do campo que eacute direcionada pelo homem aumenta seu poder na relaccedilatildeo

com a mulher Segundo Laura esse poder seria explicitado na maneira mais aberta de

o machismo se manifestar na aacuterea rural Segundo ela ldquoo cara diz lsquoeu natildeo querorsquo

lsquovocecirc natildeo vairsquo lsquoassim natildeo podersquo lsquoporque eu sou homemrsquo lsquoeu que faccedilo issorsquo lsquoessa eacute

a sua tarefarsquo isso (o machismo) eacute claro no mundo rural existe uma abertura maior

para se dizerrdquo

Outras evidecircncias da manifestaccedilatildeo do machismo na divisatildeo das tarefas

domeacutesticas e na proacutepria convivecircncia com a famiacutelia esteve presente no discurso da

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Ana Paula Segundo ela a mulher tem na nossa sociedade a responsabilidade com a

casa e com a famiacutelia enquanto o homem fica mais livre dessas obrigaccedilotildees Um

exemplo que ela apresenta eacute ldquoateacute no meu bairro eu me irrito porque os homens vatildeo

beber no bar como que os homens vatildeo beber no bar e as mulheres tatildeo em casa

lavando passando cozinhando cuidando dos filhos no saacutebadordquo

Vitoacuteria mostrou que na aacuterea urbana a manifestaccedilatildeo do machismo estaacute

relacionada agrave sexualidade da mulher porque segundo ela as outras desigualdades de

gecircnero seriam dadas como conquistadas apesar de natildeo o serem efetivamente Por isso

ela afirma que ldquo(o machismo) fica essa coisa escondida escamoteadardquo O sentido

dado por Vitoacuteria ao falar de machismo ldquoescondidordquo nos remete ao domiacutenio do real

Isto eacute na aacuterea urbana avanccedilos foram sido logrados como a entrada da mulher no

mercado de trabalho gerando maior independecircncia financeira aumento gradual da

participaccedilatildeo poliacutetica das mulheres dentre outros Contudo essas mudanccedilas estatildeo no

campo do atual e do empiacuterico mas natildeo foram suficientes para mudar a esfera do real

levando agrave permanecircncia da estrutura social machista Ou seja o machismo permanece

ldquoescondidordquo em partes da vida social como na sexualidade da mulher que acabam

reforccedilando uma relaccedilatildeo desigual com a mulher colocada em situaccedilatildeo inferior ao

homem

Depois de um olhar mais geral para as manifestaccedilotildees do machismo agraves quais os

entrevistados deram sentidos olhamos mais especificamente nas entrevistas uma de

suas manifestaccedilotildees a violecircncia de gecircnero que perpassa pelos vaacuterios tipos de

violecircncia descritos na Lei Maria da Penha Na conversa com a equipe do CREAS

nos foi relatado que quase natildeo chegam queixas da zona agraacuteria mas a conclusatildeo da

equipe eacute de que a violecircncia na zona agraacuteria eacute mais psicoloacutegica do que fiacutesica Essa

conclusatildeo se baseia no seguinte discurso construiacutedo pela equipe

Entatildeo ela vem na cidade ela faz a compra ela vem matricular os

filhos na escola e soacute volta no outro ano E ela estaacute ali a alegria dela Agraves vezes

a gente percebe quando a gente atende uma mulher do campo ela sempre

traz uma manga uma fruta que ela que colhe E isso faz com que ela fique

realmente responsaacutevel pelos filhos pela casa por algumas coisas ali que

48

beneficiam muito o homem Por isso que a violecircncia fiacutesica natildeo acontece

Porque para acontecer a violecircncia fiacutesica precisa de muita ira E ela natildeo estaacute

vendo o que estaacute acontecendo aqui na cidade Quando o marido vem entregar

o leite se ele daacute um litro de leite para uma menininha ali Se ele tem um

casinho ali ou outro ali vocecirc entendeu Ele fica mais solto Ele eacute

responsaacutevel por suprir toda a necessidade ali da zona rural mas ela fica ali

cuidando de tudo

Nessa fala temos evidecircncias de que a construccedilatildeo de sentidos sobre as causas

da violecircncia de gecircnero acabam voltando para a estrutura social machista e colocando

a mulher como culpada pela situaccedilatildeo Isso porque o discurso coloca a ira como causa

da violecircncia fiacutesica e depois a ira como algo gerado pela insatisfaccedilatildeo da mulher com

os comportamentos do homem Assim a fala comeccedila com um tom normativo

positivo de que a mulher eacute feliz no campo e de que na aacuterea rural a violecircncia fiacutesica

natildeo ocorre mas depois acaba culpabilizando as mulheres da aacuterea urbana pela

violecircncia fiacutesica que ocorre na cidade porque se ocorre eacute em decorrecircncia de seus

comportamentos que geram a ira no homem

Segundo a Roberta as mulheres da zona rural sofrem um tipo de violecircncia que

eacute menos comum na aacuterea urbana a violecircncia patrimonial Isso ocorre porque apesar

de a mulher trabalhar no campo com a produccedilatildeo de alimentos e tarefas domeacutesticas

ela natildeo tem remuneraccedilatildeo pelo trabalho realizado e o homem acaba sendo quem tem

posse do patrimocircnio da famiacutelia e quem decide todos os gastos

Vitoacuteria por outro lado tem outro discurso

()violecircncia de gecircnero eacute violecircncia de gecircnero em todos os lugares

Mas assim eacute que eu acho que eacute difiacutecil de falar mas acho que natildeo acho que

assim (pausa) talvez uma outra questatildeo diferente talvez na aacuterea rural vocecirc

tenha mais essa questatildeo da concretude da questatildeo da localidade a violecircncia

ser fiacutesica domeacutestica natildeo eacute uma coisa tatildeo refinada quanto na aacuterea urbana

que hoje vocecirc vecirc violecircncias na internet vocecirc tem tecnologia para usar para

isso

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Podemos entatildeo depreender que as diferenccedilas em termos da violecircncia de

gecircnero nas zonas rurais e urbanas satildeo ainda muito pouco compreendidas como

podemos perceber pela pluralidade de concepccedilotildees em termos do que acontece e pelas

notificaccedilotildees natildeo chegarem ateacute os locais que trabalham com mulheres em situaccedilatildeo de

violecircncia

Existem divergecircncias tambeacutem quanto ao que eacute poliacutetica de gecircnero e

consequentemente como ela deveria ser executada Para Ana Paula poliacutetica de

gecircnero eacute uma poliacutetica que reconhece a vulnerabilidade do gecircnero feminino frente ao

masculino e a partir disso tem um enfoque na equiparaccedilatildeo das desigualdades em

todas as secretarias e natildeo apenas em uma secretaria de poliacuteticas para as mulheres

especificamente

Em contraste a essa visatildeo Roberta defende a necessidade de um oacutergatildeo

especiacutefico para tratar da poliacutetica de gecircnero uma vez que existem especificidades

dessa poliacutetica puacuteblica que a organizaccedilatildeo seria responsaacutevel por garantir Segundo ela

Se jaacute houvesse a equidade de gecircnero seja no trabalho na casa enfim nas

relaccedilotildees natildeo precisaria mesmo de um organismo Mas como a mulher tem

questotildees especiacuteficas como a sauacutede da mulher o trabalho da mulher a

capacitaccedilatildeo entatildeo noacutes temos que ter poliacuteticas puacuteblicas desenvolvidas em um

espaccedilo puacuteblico e que esse espaccedilo se comunique com os demais porque as

poliacuteticas satildeo transversais Quando noacutes falamos de mulher noacutes estamos

falando de sauacutede de educaccedilatildeo de seguranccedila que satildeo poliacuteticas que estatildeo

sendo desenvolvidas em outras aacutereas institucionais Mas a importacircncia da

concentraccedilatildeo em um organismo eacute porque esse organismo vai fazer a

articulaccedilatildeo com os demais promover essa transversalidade e de fato

implementar essas poliacuteticas especiacuteficas

Eacute interessante notar tambeacutem que haacute uma diferenccedila nos discursos quanto agrave

igualdade de gecircnero que foi apontada pela maioria dos entrevistados como o objetivo

da poliacutetica de gecircnero Segundo Vitoacuteria a igualdade buscada por esse tipo de poliacutetica

50

seria material ou seja efetivar as igualdades da lei entre homens e mulheres Jaacute para

Talita essa poliacutetica seria responsaacutevel por ldquotentar adequar todas essas diferenccedilas e

natildeo igualar todos porque natildeo somos iguais mas tentar equilibrar para que todos noacutes

possamos viver pacificamente e sem existir essa relaccedilatildeo de subordinaccedilatildeo que haacute

muitas vezes entre homem e mulherrdquo

O sentido dado por Roberta a poliacuteticas transversais eacute de que estamos falando

de uma poliacutetica que envolve diferentes segmentos da atuaccedilatildeo puacuteblica e por isso de

vaacuterios atores envolvidos na formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas de

gecircnero Nesse sentido existe a necessidade de ldquofazer um processo de convencimento

dos gestores sobre a importacircncia dessas poliacuteticasrdquo

Essa ideia foi explicada tambeacutem por Vitoacuteria quando relatou o desafio na

praacutetica de lidar com o caraacuteter transversal da poliacutetica de gecircnero

O desafio eacute a visatildeo de poliacutetica de gecircnero Muita gente fala a gente

estaacute com tanta preocupaccedilatildeo por que a gente vai se preocupar com isso

Como se fosse o acessoacuterio ou o a mais neacute o plus Acho que essa visatildeo ela eacute

de todas as instacircncias no executivo no legislativo e dentro da defensoria haacute

esse visatildeo de que natildeo peraiacute a gente tem pouca gente pouco dinheiro entatildeo a

gente vai investir no que realmente eacute importante E isso nunca eacute a mulher

Entatildeo eu acho que vocecirc vai ver isso em todos os lugares que vocecirc visitar

porque eacute essa a visatildeo a sociedade vecirc assim Entatildeo isso eacute soacute a reproduccedilatildeo de

como a sociedade enxerga as questotildees de mulher as questotildees de mulher satildeo

sempre ah mulher eacute sensiacutevel mulher reclama muito mulher natildeo sei o que

natildeo eacute tatildeo grave assim exagera

As organizaccedilotildees agraves quais foi dado o papel de realizar uma poliacutetica puacuteblica

transversal com o vieacutes de gecircnero satildeo a Subsecretaria de Poliacuteticas para as mulheres de

Goiaacutes a Secretaria da Mulher em Professor Jamil a Coordenadoria de Poliacuteticas para

as Mulheres do estado de Satildeo Paulo e o Nuacutecleo Especializado de Promoccedilatildeo de

Direitos da Mulher Os sentidos dados agrave transversalidade pelos entrevistados mostra

que o papel construiacutedo dessas organizaccedilotildees seria o de articular outras organizaccedilotildees do

51

Estado e conscientizaacute-las para as desigualdades de gecircnero dentro e fora das

organizaccedilotildees A partir dessa construccedilatildeo de sentidos do que eacute transversalidade e

atribuiccedilatildeo desse papel a organizaccedilotildees voltadas para a questatildeo da mulher estaacute

diretamente relacionado aos recursos materiais que satildeo destinados a essas

organizaccedilotildees (sobre os quais aprofundaremos na seccedilatildeo 4) porque satildeo vistas como

organizaccedilotildees paralelas agravequelas consideradas como ldquoprincipaisrdquo como podemos notar

no discurso da Vitoacuteria em que ela afirma que as dificuldades de atuaccedilatildeo do nuacutecleo

passam em geral pelo sentido secundaacuterio e marginal dada agrave questatildeo de gecircnero Ou

seja esses elementos discursivos e extra-discursivos acabam distorcendo a questatildeo da

transversalidade Isso porque a mesma surgiu de jure (BAUMAN 2001) como uma

maneira conseguir resolver problemas complexos tratando-os de maneira transversal

e acabou sendo utilizada de facto (BAUMAN 2001) como uma ferramenta para a

reproduccedilatildeo da estrutura social machista devido agrave impressatildeo que se cria de que o

problema de gecircnero estaacute sendo resolvido pela existecircncia dessas organizaccedilotildees com o

enfoque em gecircnero mas na praacutetica elas natildeo satildeo empoderadas nem na agenda nem no

orccedilamento

Portanto esses diferentes sentidos dados ao que eacute machismo violecircncia de

gecircnero poliacutetica de gecircnero transversalidade e a que servem e como deve ser

realizadoscombatidos satildeo importantes para entender quais os tipos de poliacuteticas

puacuteblicas efetivamente colocadas em praacuteticas (PHILIPPS SEWELL JAYNES 2008)

por essas diferentes organizaccedilotildees (vide seccedilatildeo 3 em que mostramos como os

elementos extra-discursivos dialogam com os discursos) Aleacutem disso nessa seccedilatildeo

encontramos evidecircncias de que a estrutura social machista tem uma forccedila muito

grande pois apesar algumas ressignificaccedilotildees (de a mulher natildeo ser sexo fraacutegil) ela

permanece latente no discurso voltando a reproduzir a estrutura de desigualdade de

gecircnero Nesse sentido os contextos agriacutecola e urbano parecem natildeo mudar a existecircncia

dessa estrutura social mas vamos averiguar a seguir se esses contextos apontam

diferenccedilas em relaccedilatildeo aos elementos extra-discursivos

52

44 Elementos extra-discursivos

Nessa seccedilatildeo iremos analisar os principais elementos extra-discursivos que

surgiram durante as entrevistas e se relacionam com os discursos apresentados

(PHILIPPS SEWELL JAYNES 2008) Satildeo eles a Lei Maria da Penha sobre a qual

discorremos no referencial teoacuterico a estrutura fiacutesica das organizaccedilotildees os recursos

humanos disponiacuteveis e as accedilotildees ou poliacuteticas puacuteblicas resultantes de suas atuaccedilotildees

A Lei Maria da Penha por ser um marco juriacutedico em relaccedilatildeo ao tratamento do

Estado agrave violecircncia de gecircnero em seus diferentes tipos surgiu em todas as entrevistas

como base para o trabalho realizado pelos diferentes organismos Do ponto de vista

das soluccedilotildees segundo Vitoacuteria foi importante para fortalecer os movimentos sociais

que lutavam pela questatildeo da mulher e abrir espaccedilo entatildeo para que esses movimentos

exigissem esse olhar dentro de diferentes instituiccedilotildees como a defensoria puacuteblica

Contudo Ana Paula reforccedila que a Lei Maria da Penha foi precedida por algumas

leis que na verdade ainda natildeo satildeo de conhecimento pela populaccedilatildeo em geral Ela

relata um caso que lhe aconteceu na delegacia da mulher

Eu tinha recebido uma ocorrecircncia que era um homem que tinha

enfiado uma faca na esposa dele casada haacute 30 anos porque ela comprou um

conjunto de panelas e ele discordava do entendimento dela de como se gastava

o dinheiro Entatildeo que ela era uma vagabunda dizendo ele Soacute que essa

vagabunda trabalhava era uma enfermeira padratildeo no hospital de Diadema e

ele estava haacute onze anos E aleacutem de trabalhar e sustentar ele ela lavava

passava cozinhava e ela entendeu que com o salaacuterio dela dava pra comprar

um conjunto de panelas Aiacute ele puxou a faca pra ela veio uma ocorrecircncia

falando da tentativa de homiciacutedio o filho falou lsquonatildeo vou testemunhar conta

meu pai ainda que eu ache que a minha matildee corre risco com elersquo A matildee natildeo

quer vem falar lsquonatildeo foi soacute um desentendimentorsquo ela vem de um ciclo de

violecircncia E eu natildeo ia ter nenhuma testemunha no inqueacuterito natildeo ia dar certo o

flagrante e aiacute eu falei bom ela natildeo vai dormir em casa porque a nossa

preocupaccedilatildeo natildeo pode ser em fazer um papel deve ser o de garantir a

53

seguranccedila da mulher E aiacute o marido vira pra mim e fala lsquoeu natildeo vejo motivo

para conceder o divoacuterciorsquo E aiacute eu tive um surto com ele porque eu falava lsquoo

senhor vive na idade da pedrarsquo Porque quando eu nasci jaacute tinha a lei do

divoacutercio mas para eles natildeo Ele ainda achava que ele tinha o direito de dar ou

natildeo o divoacutercio E isso foi em 73 E aiacute a gente comeccedila a olhar e ver quantos

anos demoram para uma populaccedilatildeo se apropriar daquela legislaccedilatildeo se eacute que a

lei pegue porque no Brasil tem lei que natildeo pega natildeo eacute um paiacutes seacuterio Mas a lei

Maria da Penha veio ele conhece a lei mas ele natildeo conhece a lei do divoacutercio

E isso eacute regra

Ou seja a Lei Maria da Penha que estaacute no domiacutenio do empiacuterico ou seja o

que eacute efetivamente experimentado pelos atores natildeo garante o entendimento de outras

leis que mudaram as relaccedilotildees familiares em termos legais e os direitos igualados de

jure (BAUMAN 2001) entre homem e mulher Entatildeo antes da Lei Maria da Penha

houve uma sucessatildeo de leis que reforccedilavam a estrutura social machista no domiacutenio do

real Mesmo com as novidades da Lei Maria da Penha portanto natildeo foi possiacutevel

revolucionar a esfera do real e isso fica evidente com a permanecircncia de outras leis

anteriores no imaginaacuterio das pessoas Aleacutem disso Ana Paula tambeacutem expocircs a

dificuldade de se implementar a Lei Maria da Penha de facto (BAUMAN 2001)

Entatildeo a gente tem dispositivos como autoridade policial civil deveraacute

garantir a seguranccedila da mulher e aiacute o tema da minha dissertaccedilatildeo aquela vez

foi a seguranccedila da mulher na Lei Maria da Penha Porque ela eacute linda mas

como que uma delegada com trecircs policiais garante a seguranccedila de alguma

mulher Eu queria saber porque o policial geralmente vai no foacuterum busca

laudo leva laudo e etc Um tem que ficar na delegacia porque geralmente os

homens natildeo respeitam as mulheres mesmo as mulheres policiais aiacute tem que ter

toda uma loacutegica dentro da poliacutecia e da questatildeo socioloacutegica da poliacutecia de que eacute

melhor ter uma forma ostensiva em determinados momentos do que ter que usar

a forccedila entatildeo eacute melhor ter policiais homens armados do que ter que ser duro

com o indiviacuteduo que vira e fala lsquoeu natildeo respeito mulherrsquo e eles falam isso E

54

natildeo eacute um desacato agrave autoridade policial civil eacute uma relaccedilatildeo de que eles natildeo

respeitam o gecircnero feminino como igual E isso eacute muito complicado Aiacute sobra

um policial que natildeo pode sair de viatura porque se natildeo eacute viatura

descaracterizada E aiacute eu tenho que garantir a seguranccedila da mulher Aiacute eu

tenho que colocar ela em um abrigo Qual abrigo Ah a prefeitura de Satildeo

Paulo agora parece que melhorou o sistema de abrigamento Eacute melhorou mas

pra isso a gente precisa fazer boletim de ocorrecircncia em uma delegacia que

esteja aberta 24 horas e a gente natildeo tem delegacia da mulher aberta 24 horas

Ou seja faltam recursos humanos e orccedilamentaacuterios para manter a delegacia

funcionado bem e por 24 horas elementos do domiacutenio empiacuterico e a proacutepria lida

diaacuteria da delegada mulher com o machismo a impede de realizar seu trabalho sem ter

o acompanhamento de um homem Satildeo evidecircncias de que a criaccedilatildeo de delegacias

especializadas apesar de terem sido um avanccedilo estaacute longe de apresentarem uma

transformaccedilatildeo agrave estrutura social desigual uma vez que a distribuiccedilatildeo material

insuficiente impacta na reproduccedilatildeo das desigualdades de gecircnero

Mostrando essa dificuldade por um outro vieacutes Talita afirmou que a Lei Maria

da Penha fez com que as pessoas olhassem para as delegacias da Mulher como uma

ldquoceacutelula de expansatildeo de poliacuteticas puacuteblicasrdquo quando segundo ela a delegacia da

mulher e uma ldquodelegacia como qualquer outra a gente estaacute aqui para prender o

agressor investigar concluir processo e encaminhar ao poder judiciaacuteriordquo Esse

discurso de Talita mostra que o sentido dado por ela agrave delegacia especializada eacute de

uma delegacia como qualquer outra Isso implica que mesmo havendo uma tentativa

de jure (BAUMAN 2001) em trazer ferramentas no domiacutenio do empiacuterico para

combater a violecircncia contra a mulher de facto (BAUMAN 2001) a delegacia da

mulher sendo vista pelos atores que dela participam como uma delegacia da mulher

acaba sendo uma forccedila de manutenccedilatildeo da estrutura social machista no domiacutenio do

real

Outro discurso importante sobre a Lei Maria da Penha que surgiu na pesquisa

de campo foi a Joana O sentido atribuiacutedo por ela agrave Lei Maria da Penha eacute de ceticismo

porque de acordo com ela as mulheres voltam com um papel de medida protetiva

55

que natildeo serve para nada assim como a tornozeleira natildeo salva a mulher Segundo

Joana se o homem quer matar a mulher natildeo vai ser isso que vai impedi-lo e nem haacute

recursos suficientes para que o poder puacuteblico impeccedila que isso aconteccedila em sua cidade

e seus arredores

Inclusive na entrevista ouvimos pela uacutenica vez durante a pesquisa viacutetimas de

violecircncia de gecircnero duas mulheres que vieram fugidas para a cidade do Uma veio de

Trindade (Goiaacutes) fugindo agrave noite com os seis filhos e sua matildee do marido que a

agredia psicologicamente e fisicamente A secretaacuteria a ajudou quando chegou

encaminhando-a para atendimento psicoloacutegico no CRAS e conseguindo um emprego

para ela recomeccedilar a vida Ateacute hoje ela estaacute laacute escondida do marido e segundo ela

ela jaacute tinha procurado duas vezes delegacias comuns por serem as disponiacuteveis na sua

regiatildeo e que a Lei Maria da Penha e a medida protetiva natildeo ajudaram em nada a

situaccedilatildeo

Para Joana esse eacute um exemplo de vaacuterios que a levam a construir um sentido

de que as mulheres quando natildeo querem mais ficar com os maridos e conseguem

largam tudo e fogem Isso porque segundo ela as mulheres que fazem denuacutencias as

fazem na esperanccedila de mudar o comportamento dos seus parceiros para continuar

com eles e natildeo para que eles sejam presos Isso coloca em evidecircncia que de facto

(BAUMAN 2001) a lei natildeo consegue mudar a estrutura social

Queremos compreender melhor a distribuiccedilatildeo material que as organizaccedilotildees

entrevistadas possuem hoje para realizarem seu trabalho As pesquisas em Goiaacutes e em

Satildeo Paulo foram conduzidas nos locais de trabalho dos entrevistados o que

possibilitou conhecermos sobre o espaccedilo em que essas poliacuteticas estatildeo sendo

realizadas e a dimensatildeo das equipes por traacutes das mesmas Escolhemos descrever essas

condiccedilotildees de algumas organizaccedilotildees que melhor contribuem para nossa interpretaccedilatildeo e

anaacutelise

O CREAS de uma cidade do interior do estado de Goiaacutes por exemplo fica em

uma casa teacuterrea com uma sala pequena na entrada onde satildeo recebidas as viacutetimas A

maior parte da equipe do CREAS eacute composta por homens e a entrevista foi realizada

com trecircs membros da equipe o coordenador a assistente juriacutedica e o educador social

Percebemos que aleacutem de o centro natildeo ser um espaccedilo voltado especificamente para

56

mulheres a reproduccedilatildeo da estrutura social desigual estaacute claramente manifestada na

composiccedilatildeo da equipe que eacute composta por uma maioria masculina Aleacutem disso a

estrutura fiacutesica natildeo permite diferenciaccedilatildeo entre as populaccedilotildees em situaccedilatildeo de

vulnerabilidade atendidas Isto significa que homens mulheres e crianccedilas satildeo

atendidas em um mesmo local o que evidencia que no domiacutenio empiacuterico as chances

de mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia se sentirem agrave vontades para darem suas queixas

e buscarem ajuda no centro satildeo reduzidas sendo outro fator que contribui para a

manutenccedilatildeo da esfera real machista

Jaacute a Superintendecircncia de Poliacuteticas para Mulheres em Goiaacutes fica no centro de

uma cidade de Goiaacutes em uma estrutura de dois andares na avenida principal da

cidade Do lado de fora a pintura eacute roxa e estaacute bem sinalizada com campanha do

Disque-100 na fachada e a frase ldquoViolecircncia contra mulher natildeo tem desculpa tem

leirdquo O preacutedio tem uma secretaria com vaacuterias cadeiras na frente onde as pessoas se

identificam e satildeo encaminhadas para salas menores de acordo com a solicitaccedilatildeo

Enquanto esperamos pela entrevista nos abordaram quatro vezes por funcionaacuterias

diferentes perguntando se algueacutem jaacute tinha nos sido atendido Cada sala tem uma

funccedilatildeo especiacutefica assistentes sociais psicoacutelogos assistentes juriacutedicos todas de

atendimento localizadas no andar de baixo proacuteximas agrave entrada Tambeacutem no andar de

baixo no interior do preacutedio ficam as salas onde satildeo realizados trabalhos de

capacitaccedilatildeo e no andar de cima ficam as salas administrativas As condiccedilotildees materiais

desse local foram uma exceccedilatildeo em relaccedilatildeo agraves demais organizaccedilotildees visitadas Isso

porque a maioria dos profissionais satildeo mulheres e o atendimento natildeo eacute em um balcatildeo

mas diretamente com psicoacutelogas ou assistentes sociais em salas privativas Essas

condiccedilotildees no entanto natildeo satildeo estaacuteveis Como conta Roberta

Essa secretaria foi criada em 1987 ela chamava Secretaria Estadual

da Condiccedilatildeo Feminina E foram muito importantes esses quatro anos no

governo Henrique Santillo foram inovadores no sentido de implementar uma

poliacutetica que era muito pouco tratada no acircmbito institucional Entatildeo foi

fantaacutestico E nesse periacuteodo governamental houve poliacuteticas de seguranccedila para

a mulher sauacutede para a mulher enfim abriu um espaccedilo importante no Estado

57

de Goiaacutes Soacute que infelizmente os governos subsequentes extinguiram a

secretaria E ela soacute veio a ser retomada no primeiro governo Marconi Perillo

isso foi no final da deacutecada de noventa E ele criou uma superintendecircncia da

mulher e ela se tornou secretaria no governo seguinte e aiacute ela jaacute vem agora

dentro de um acircmbito institucional como secretaria de estado mesmo que

acoplado a ela por razotildees de ordem principalmente econocircmica e financeira

do estado tem a secretaria da mulher junto com outras aacutereas sociais e de

direitos humanos

Ou seja eacute importante relativizar a estrutura fiacutesica e equipe que vimos porque

historicamente a pauta da mulher foi tratada como um assunto secundaacuterio como

vimos no discurso de Roberta O impacto disso eacute que quando a situaccedilatildeo financeira do

estado complica a pauta eacute uma das primeiras que recebe cortes orccedilamentaacuterios ou eacute

acoplada a outras pautas como estaacute acontecendo agora A pauta da mulher que antes

jaacute dividia uma secretaria com a de desigualdade racial hoje foi incorporada por uma

secretaria guarda-chuva chama Secretaria Cidadatilde que abarca os temas da mulher do

desenvolvimento social da igualdade racial dos direitos humanos e do trabalho Isso

mostra que quando natildeo haacute mudanccedilas no domiacutenio real as mudanccedilas no domiacutenio

empiacuterico natildeo satildeo permanentes satildeo instaacuteveis e dependem de elementos extra-

discursivos que estatildeo sujeitos agrave estrutura social do real Ou seja quando a secretaria

tem condiccedilotildees financeiras ela pode ateacute colocar a questatildeo da mulher em pauta mas

assim que acontecerem momentos econocircmicos desfavoraacuteveis a igualdade de gecircnero

natildeo permanece na agenda pois nunca foi prioridade jaacute que estaacute inserida dentro de

uma estrutura social machista

A Delegacia Especializada no Atendimento agrave Mulher de Goiaacutes por sua vez

fica em um casaratildeo de dois andares no setor central de uma cidade de Goiaacutes Tem

uma sinalizaccedilatildeo discreta e eacute guardada por um policial militar na porta Entrando na

delegacia tem uma sala com banquinhos de madeira sem encosto para as viacutetimas e

seus acompanhantes aguardarem A delegacia de uma forma geral pareceu muito

interessada em estatiacutesticas e pouco sensibilizada com as viacutetimas que tratam

exatamente por esse nome e natildeo como cidadatildes O clima de maneira geral eacute tenso haacute

58

vaacuterias mulheres chorando esperando nos banquinhos pela oportunidade de subir as

escadas da delegacia Em frente aos bancos tem um grande balcatildeo que bloqueia a

entrada para o restante do edifiacutecio onde se encontra uma secretaacuteria Tudo tem que

passar antes por ela entatildeo as mulheres viacutetimas falam na frente de todo mundo a sua

queixa Enquanto esperava pela entrevista uma mulher chegou e mostrou hematomas

no braccedilo para a secretaacuteria e recebeu como resposta ldquoVocecirc tomou banho Isso eacute

sujeira ou eacute hematoma mesmordquo Quando satildeo chamadas para subir e serem atendidas

pela escrivatilde ou delegada respondem por um grito ldquoA viacutetima pode subirrdquo o que

acaba contribuindo para a estigmatizaccedilatildeo

Essa visita nos trouxe mais evidecircncias de que fazer organizaccedilotildees

especializadas eacute um avanccedilo sim mas que mesmo que elas sejam diferentes em sua

concepccedilatildeo o problema natildeo fica totalmente resolvido Nesse sentido enquanto natildeo

promovermos mudanccedilas na estrutura social do machismo novas legislaccedilotildees ou

organizaccedilotildees iratildeo promover mudanccedilas graduais Sem atacar essas causas a delegacia

especializada eacute uma reacuteplica da delegacia comum poreacutem com delegadas mulheres

mas que reproduzem a estrutura social machista no tratamento que elas datildeo agraves

viacutetimas no ambiente em que as mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia tecircm que frequentar

para ir atraacutes de seus direitos na forma como elas satildeo questionadas por estarem laacute

entre outros

Por fim fomos ateacute a Coordenadoria de Poliacuteticas para as Mulheres O

simbolismo eacute importante desde o momento de procurar essa secretaria na internet foi

muito complicado achar informaccedilotildees em sites de busca Mesmo depois de conseguir

encontrar em qual site maior a coordenadoria se encontra sua posiccedilatildeo no rol de

subsecretarias e coordenadorias da secretaria eacute a uacuteltima Aleacutem disso a entrevista em

si foi na coordenadoria que fica em um preacutedio antigo e central Descobrimos que a

coordenadoria fica no uacuteltimo andar da secretaria em uma sala mais escondida e natildeo

haacute identificaccedilatildeo da coordenadoria nos corredores como as demais do preacutedio que

estatildeo sinalizadas A coordenadoria consiste fisicamente em uma sala de reuniatildeo

acoplada ao escritoacuterio da Flaacutevia que eacute a uacutenica componente da equipe

59

Fomos tambeacutem ateacute uma cidade do interior de Goiaacutes a aproximadamente 70

quilocircmetros de Goiacircnia A Secretaria de Mulheres do municiacutepio soacute existe no nome

natildeo tem estrutura fiacutesica nem recursos financeiros apenas o cargo da secretaacuteria

Entatildeo o atendimento eacute feito na casa da secretaacuteria na sala de entrada onde tem duas

mesas de alumiacutenio juntadas e forradas com um pano um sofaacute e uma cadeira de cada

lado ao fundo tecircm equipamentos de cabelereiro profissatildeo que ela exercia Quando

chegamos laacute a sala estava cheia com pessoas se inscrevendo para o Minha Casa

Minha Vida com a ajuda da secretaacuteria e durante a conversa entraram vaacuterios cidadatildeos

de Professor Jamil e todos vinham com assuntos diversos a serem tratados por ela

Essa entrevista em Professor Jamil nos mostrou que agraves vezes apesar de

elementos extra-discursivos escassos como o caso de Joana existe a possibilidade de

tentar atacar as causas do machismo por exemplo chamando os homens para

conversarem nas rodas e promovendo o diaacutelogo mediado entre casais Mesmo assim

natildeo eacute isoladamente que se consegue combater uma estrutura social tatildeo forte quanto o

machismo

Pensando tanto nos discursos (seccedilatildeo 2) quanto nos espaccedilos e equipes

disponiacuteveis eacute possiacutevel perceber como eles se interligam com as accedilotildees dos oacutergatildeos

entrevistados Primeiramente para noacutes nenhuma das organizaccedilotildees entrevistadas

estatildeo formulando ou implementando poliacuteticas puacuteblicas no sentido que discutimos no

referencial teoacuterico de accedilatildeo organizada do Estado para combater um problema Isso

porque todas essas organizaccedilotildees realizam accedilotildees desconexas e pontuais para tentar

lidar com o problema sem atacar suas causas e reproduzindo as desigualdades de

gecircnero (domiacutenio real)

O CREAS visitado realiza atendimento de crianccedilas adolescentes mulheres e

idosos em situaccedilatildeo de vulnerabilidade social Durante a entrevista percebemos que

existe uma confusatildeo muito grande entre os tipos de atendimento que o CREAS

realiza tanto que quando foi perguntado sobre o que eacute poliacutetica de gecircnero a resposta

foi mais sobre poliacuteticas para adolescentes em situaccedilatildeo de vulnerabilidade

Jaacute a Superintendecircncia de Mulheres visitada seria responsaacutevel por formular

poliacuteticas puacuteblicas para esse puacuteblico-alvo De acordo com Roberta

60

A nossa principal poliacutetica eacute a garantia da seguranccedila tanto que noacutes

temos desde o atendimento primaacuterio da mulher atraveacutes de uma assistecircncia

social psicoloacutegica juriacutedica ateacute o abrigamento dessa mulher viacutetima de

violecircncia Entatildeo a gente direciona as nossas poliacuteticas nesse sentido Mas

tambeacutem noacutes temos que cuidar das outras questotildees que satildeo inerentes agrave mulher

a sauacutede a educaccedilatildeo e aiacute principalmente eu vejo hoje que o nosso papel

enquanto instituiccedilatildeo puacuteblica eacute desenvolver mesmo campanhas de

sensibilizaccedilatildeo

Fora isso a superintendecircncia estaacute capacitando 2500 profissionais servidores nas

aacutereas de educaccedilatildeo sauacutede movimentos sociais que trabalham com mulheres em

situaccedilatildeo de violecircncia Existe tambeacutem uma equipe especiacutefica da superintendecircncia

responsaacutevel pelas duas unidades moacuteveis que a secretaria recebeu em 2013 pelo

governo federal para atender mulheres do campo As unidades comeccedilaram o trabalho

indo ateacute o interior para prover serviccedilos de assistecircncia social juriacutedica e psicoloacutegica

No entanto a equipe se deparou com uma rede muito fragilizada e incapaz de

continuar o encaminhamento das demandas das mulheres

Aleacutem disso quando chegou na zona agraacuteria a equipe percebeu que lidar com

essas mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia da aacuterea rural era um desafio diferente do que

estavam acostumados na capital Isso porque as unidades moacuteveis iam para o campo

mas as mulheres tinham receio de entrar ou natildeo conseguiam chegar porque satildeo

ocircnibus rosas que chamam muita atenccedilatildeo e ficam inviaacuteveis para uma mulher nessa

situaccedilatildeo procurar sem ser vista por outras pessoas da regiatildeo e isso chegar ateacute o

agressor A taacutetica adotada entatildeo pelas unidades eacute

Quando vem uma solicitaccedilatildeo do municiacutepio a gente sempre procura

saber se eacute festividade porque para noacutes eacute melhor Porque aiacute tem a unidade

moacutevel e outros serviccedilos na praccedila em que ela pode transitar Soacute a unidade

moacutevel que eacute muito chamativa natildeo funciona Eacute um ocircnibus rosa e ela fica

mais acanhada A gente sempre procura incentivar o municiacutepio a promover

outras coisas ao mesmo tempo para preservar a mulher promover a diluiccedilatildeo

61

nesse espaccedilo e garantir minimamente que ela suba na unidade

Apesar disso quando visitamos a equipe eles natildeo estavam indo a campo

porque estavam em uma fase de transiccedilatildeo Como encontraram uma realidade

diferente da que imaginavam o seu trabalho agora estaacute sendo capacitar a rede montar

material fazer reuniotildees entre outros para tentar alinhar o trabalho de todos

Manuela esclarece

Nesse sentido o trabalho da equipe vem sendo reformulado porque

incialmente a ideia era ir ao interior e ser a porta de entrada das mulheres

viacutetimas de violecircncia levar informaccedilotildees sobre os seus direitos e onde buscar

ajuda e depois ter esse trabalho continuado pelos oacutergatildeos competentes mais

proacuteximos No entanto ao irem para o campo a equipe percebeu que a rede

estava despreparada para dar continuidade ao trabalho e que portanto seria

inuacutetil fazer o trabalho como anteriormente previsto sem dar a capacitaccedilatildeo

necessaacuteria

A Secretaria de Seguranccedila Puacuteblica por sua vez faz parte da rede de combate agrave

violecircncia contra a mulher e tem um papel importante tanto pelas DEAMs quanto pelo

monitoramento e fornecimento de informaccedilotildees criminais que servem de insumo para

a Secretaria da Mulher No entanto natildeo existe uma parceria soacutelida em que ambas as

secretarias atuam conjuntamente e amplamente em termos do estado e se

responsabilizam pela situaccedilatildeo das mulheres que sofrem violecircncia

Portanto a secretaria natildeo tem poliacuteticas puacuteblicas mais amplas em relaccedilatildeo ao

combate agrave violecircncia contra a mulher porque entende que essa competecircncia eacute da

Secretaria da Mulher O que a secretaria faz eacute atuar em regiotildees especiacuteficas

dependendo do gestor que estaacute em determinada aacuterea integrada de seguranccedila (regiatildeo

onde a poliacutecia militar e a poliacutecia civil tem a mesma circunscriccedilatildeo) Como nos disse

um major da secretaria

Que tipo de accedilatildeo preventiva que vai ser implementada em

62

determinado local depende de quem Do gestor que que estaacute ali naquela

regiatildeo em identificar qual eacute o problema dele em implementar essa questatildeo da

prevenccedilatildeo

No mais percebemos que tanto os centros de referencia CREAS e aqueles de

secretariassubsecretarias de mulheres quando existem quanto as delegacias

especializadas e os dados das secretarias de seguranccedila satildeo em geral voltados para

mecanismos juriacutedicos de proteccedilatildeo agrave mulher Mesmo havendo equipes de assistecircncia

social e psicoacutelogos em algumas instacircncias o foco principal das accedilotildees desses oacutergatildeos eacute

garantir medidas protetivas eou prender agressores

Aleacutem disso nos centros de referecircncia satildeo realizados estudos de caso

multidisciplinares para determinar o encaminhamento dado agrave viacutetima De acordo com

os discursos discutidos na seccedilatildeo anterior percebemos que apesar de parecer o

procedimento ideal a ser feito pode ser uma abertura para um julgamento social da

viacutetima pelos membros da equipe

Fora esses oacutergatildeos tivemos contato com o trabalho de uma entidade do

terceiro setor cuja atuaccedilatildeo era bastante diferente dos demais O Centro Popular da

Mulher trabalha sobretudo apoiando e ajudando as mulheres a se organizarem para

reivindicarem seus direitos Em relaccedilatildeo aos oacutergatildeos entrevistados a entidade parece

ser a mais presente na zona rural tanto em frequecircncia quanto em tempo de luta junto

agraves mulheres do campo

Aleacutem disso em termos de accedilotildees outra entrevista que apontou diferenccedilas foi

com a Joana cuja accedilatildeo era de busca ativa e de construccedilatildeo de espaccedilos de debate com

mulheres e homens Isso porque apesar da falta de apoio institucional da prefeitura

ela natildeo espera as mulheres buscarem ajuda No entanto isso soacute eacute possiacutevel porque ela

conhece todo mundo e fica sabendo do que acontece e entatildeo vai atraacutes do casal em

questatildeo E seu trabalho busca a conscientizaccedilatildeo das famiacutelias ela faz conversas de

roda e tambeacutem de casais em particular para tentar agir na causa do problema Suas

accedilotildees se baseiam na sua convicccedilatildeo de que a causa (seccedilatildeo 2 em que discutimos os

sentidos atribuiacutedos agraves caudas da violecircncia de gecircnero) estaacute na falta de respeito a

educaccedilatildeo machista e que isso soacute pode ser mudado se os homens estiverem

63

envolvidos nas accedilotildees de combate agrave violecircncia de gecircnero para tentar mudar o que a

sociedade pensa a maneira como a mulher eacute tratada

Nessa seccedilatildeo aprendemos que as manifestaccedilotildees extra-discursivas da estrutura

social machista varia de acordo com o contexto sobretudo em termos de recursos

materiais e equipe disponiacuteveis para combater a violecircncia de gecircnero nesse contexto

Aleacutem disso percebemos que as manifestaccedilotildees extra-discursivas estatildeo em constante

relaccedilatildeo com a manutenccedilatildeo da estrutura social como o exemplo de que as mulheres

natildeo conseguem alugar uma casa ou mudar o filho de creche afeta a possibilidade

praacutetica de sair de uma situaccedilatildeo de violecircncia Enfim discorreremos na proacutexima seccedilatildeo

com maior profundidade os resultados e as contribuiccedilotildees da pesquisa

64

5 Consideraccedilotildees Finais

Nossa pesquisa teve como objetivo responder agrave pergunta Como a estrutura

social do machismo se manifesta nos contextos urbano e agraacuterio A partir desse

trabalho notamos que a estrutura social do machismo estaacute presente nos dois

contextos urbano e agraacuterio poreacutem se manifesta de jeitos diferentes No contexto

agraacuterio de acordo com os entrevistados o machismo se manifesta de forma mais

aberta com o reforccedilo dos papeis tradicionais de gecircnero de que o papel da mulher eacute

cuidar da casa e dos filhos e o homem de prover financeiramente a famiacutelia estando

em uma posiccedilatildeo de superioridade Jaacute no contexto urbano a manifestaccedilatildeo da estrutura

social machista adquire outras formas sendo que haacute uma maior inserccedilatildeo da mulher no

mercado de trabalho e no discurso as pessoas natildeo reproduzem os papeis de gecircnero

tradicionais poreacutem na praacutetica acabam acontecendo ainda reproduccedilotildees desses mesmos

papeis de uma forma mais suacutetil pelo modo que a mulher deve se vestir pela

educaccedilatildeo diferente dada aos filhos de diferentes gecircneros etc

Tambeacutem nos perguntamos como essas manifestaccedilotildees do machismo satildeo

impactadas e impactam a formulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo

de violecircncia As manifestaccedilotildees do machismo impactam a formulaccedilatildeo de poliacuteticas

puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia porque levam a poliacuteticas com pouca

infraestrutura equipe e orccedilamento e porque abre uma brecha maior entre formulaccedilatildeo

e implementaccedilatildeo porque mesmo que se os formuladores natildeo tenham discursos

machistas no momento do discurso em accedilatildeo as accedilotildees nas delegacias especializadas

reproduzem papeis de gecircnero tradicionais e culpabilizam as mulheres em situaccedilatildeo de

violecircncia

Enfim queriacuteamos descobrir tambeacutem se existem ou natildeo diferenccedilas na

manifestaccedilatildeo do machismo especificamente em termos de violecircncia de gecircnero nas

zonas urbana e agraacuteria Nosso estudo mostrou via discursos que haacute muita divergecircncia

nesse ponto mas que a maioria dos entrevistados acredita que a diferenccedila eacute que no

contexto agraacuterio os tipos de violecircncia predominantes satildeo patrimonial e psicoloacutegico

enquanto no contexto urbano haacute uma maior incidecircncia de violecircncia fiacutesica

relativamente No entanto essa foi uma limitaccedilatildeo da pesquisa porque a quase-

65

totalidade dos entrevistados relatou estar discorrendo sobre algo de que natildeo conhece

por natildeo terem dados oficiais gerados sobre a violecircncia contra mulheres em zonas

agraacuterias e por natildeo terem contato com essas mulheres nas organizaccedilotildees em que

trabalham

Ao longo desse trabalho estudamos as principais referecircncias teoacutericas que

precisaacutevamos para analisar o problema em questatildeo principalmente para colocar em

evidecircncia que as poliacuteticas puacuteblicas estatildeo inseridas em lugares que influenciam e satildeo

influenciados pela construccedilatildeo de sentidos que ocorre no momento de determinaccedilatildeo de

um problema puacuteblica e de como ele seraacute tratado pelo Estado Nosso referencial

teoacuterico se juntou agrave metodologia o que permitiu natildeo soacute a organizar o conhecimento

cientiacutefico com base nas premissas da teoria mas tambeacutem a olhar para a nossa

pesquisa sempre com um olhar criacutetico de tentar enxergar as possibilidades de

mudanccedila da estrutura social

A partir do referencial teoacuterico e da metodologia demos iniacutecio ao trabalho de

estabelecer um roteiro semi-estruturado para as entrevistas depois conseguir agendar

as entrevistas fazer as mesmas transcrever as entrevistas e enfim analisar tudo

como um conjunto agrave partir da metodologia do realismo criacutetico e das referecircncias

teoacutericas que buscamos Isso nos permitiu enxergar os principais temas que surgiram

ao longo das entrevistas e organizaacute-los de acordo com os domiacutenios do realismo

criacutetico real atual e empiacuterico Depois disso estabelecemos um diaacutelogo entre o

referencial teoacuterico e as entrevistas de atores de organizaccedilotildees que lidam com a questatildeo

da violecircncia de gecircnero Isso foi relevante tambeacutem em termos metodoloacutegicos porque

percebemos que existem construccedilotildees de sentidos na academia que apontamos no

referencial teoacuterico que agraves vezes natildeo chegam agrave esfera dos atores que formulam e

implementam poliacuteticas puacuteblicas ou quando chegam elas impactam a esfera do atual

(discursos) sem necessariamente serem complementadas por mudanccedilas no domiacutenio

real (estrutura social de desigualdade de gecircnero) nem nos elementos extra-

discursivos que permitem mudanccedilas efetivas no domiacutenio empiacuterico (de poliacuteticas

puacuteblicas lidar com a questatildeo da violecircncia de gecircnero)

66

Nesse sentido um dos pontos que surgiu ao longo de todas as entrevistas foi o

foco das accedilotildees levadas a cabo pelas organizaccedilotildees Tanto no domiacutenio atual dos

discursos quanto no domiacutenio empiacuterico das poliacuteticas puacuteblicas o principal sentido

dado agrave violecircncia de gecircnero eacute de que a conscientizaccedilatildeo das mulheres se faz necessaacuteria

Os discursos vatildeo desde a falta de informaccedilatildeo da mulher a ira gerada tambeacutem pela

mulher a ausecircncia da mulher enquanto cumpridora de seu papel social na famiacutelia

dentre outros foram apontados como causas para a violecircncia de gecircnero Aleacutem disso

mesmo quando os discursos natildeo eram culpabilizadores da mulher eles giravam em

torno da cultura de modo bem geneacuterico como a sociedade patriarcal e machista

como causas para a violecircncia de gecircnero

Isso implica na transformaccedilatildeo desses discursos em accedilotildees de conscientizaccedilatildeo

como campanhas produccedilatildeo de informativos palestras entre outras Eacute interessante

perceber que natildeo haacute nesses casos poliacuteticas puacuteblicas que deem conta de efetivamente

resolver o problema de uma mulher em situaccedilatildeo de violecircncia isto eacute empoderaacute-la para

sair da situaccedilatildeo com meios materiais para fazecirc-lo e com uma proteccedilatildeo efetiva do

Estado em que ela eacute tratada como cidadatilde de direitos e natildeo como viacutetima Isso

demonstra que estatildeo sendo produzidos e reproduzidos discursos na esfera atual sem

necessariamente mudar a esfera real porque falta empoderamento das mulheres em

termos de recursos extra-discursos da esfera empiacuterica Aleacutem disso o tipo de accedilotildees

adotadas por essas organizaccedilotildees acabam sendo rasas porque ao mesmo tempo em

que natildeo atacam o problema diretamente na correccedilatildeo a posteriori tambeacutem natildeo lidam

com a causa no domiacutenio real isto eacute a estrutura social

Ou seja ao lidar somente com as mulheres em termos de conscientizaccedilatildeo a

maioria das organizaccedilotildees natildeo estaacute atacando a estrutura social porque os homens

fazem parte desta e natildeo satildeo chamados para a discussatildeo Aleacutem disso algumas dessas

accedilotildees de conscientizaccedilatildeo satildeo vazias ateacute para o puacuteblico-alvo as mulheres porque

muitas vezes as mulheres que buscam a ajuda do Estado para lidar com a violecircncia de

gecircnero natildeo sabem ler ou entatildeo natildeo podem atender a essas accedilotildees por estarem em

zonas agraacuterias em que estatildeo muito mais vulneraacuteveis em termos de exposiccedilatildeo ao

agressor ou ao resto da comunidade

67

Nesse sentido tambeacutem achamos relevante em todas as entrevistas a maneira

como satildeo recepcionadas as mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia De maneira geral satildeo

montadas equipes multidisciplinares que tratam cada situaccedilatildeo casuisticamente A

primeira vista nossa impressatildeo foi de que essa era uma boa maneira de lidar com o

problema da violecircncia domeacutestica porque cada mulher estaacute inserida em um contexto

diferente Poreacutem ao longo das entrevistas notamos que o domiacutenio do real acaba

influenciando esta casuiacutestica e diminuindo seu potencial empoderador Isso acontece

porque a estrutura social machista acaba levando a anaacutelise de caso para um

julgamento social da mulher em que muitas vezes o discurso anterior ao seu

atendimento (domiacutenio atual) influencia diretamente a ajuda que ela vai receber do

oacutergatildeo (domiacutenio empiacuterico)

Explorando mais a questatildeo das zonas urbana e agraacuteria haacute evidecircncias de que a

zona agraacuteria eacute muito pouco conhecida pelas organizaccedilotildees que lidam com a violecircncia

de gecircnero Em relaccedilatildeo ao contexto urbano as organizaccedilotildees parecem convergir mais

em termos de discursos sobre as manifestaccedilotildees do machismo nas cidades e as causas

da violecircncia de gecircnero nas mesmas Poreacutem o mesmo natildeo acontece em relaccedilatildeo agraves

zonas agraacuterias

Eacute importante ressaltar que na maioria das entrevistas quando explicamos os

objetivos da pesquisa os entrevistados comeccedilavam a conversa afirmando seu

desconhecimento do que acontece na aacuterea agraacuteria mesmo quando se tratavam de

organizaccedilotildees cuja amplitude de atuaccedilatildeo de jure (BAUMAN 2001) incluiacutea essas

localidades Agravam essa questatildeo tanto elementos extra-discursivos como a falta de

profissionais e dados pouco confiaacuteveis sobre o que acontece devido agrave subnotificaccedilatildeo

como tambeacutem os discursos formados pelos atores sobre a zona agraacuteria Apesar de se

colocarem quase sempre como incapazes de comentar sobre a zona agraacuteria ao longo

das entrevistas surgiram vaacuterios discursos sobre como o machismo de manifesta no

contexto rural as suas causas e como isso se tornava violecircncia contra a mulher

Notamos entatildeo que os sentidos construiacutedos eram muito heterogecircneos em relaccedilatildeo aos

entrevistados e formados com base em um caso especiacutefico com o qual tiveram

contato ou agraves vezes sem contato nenhum com mulheres da zona agraacuteria Isso mostra

como o domiacutenio do real eacute forte na determinaccedilatildeo dos discursos e a falta da

68

experimentaccedilatildeo empiacuterica dos atores com a realidade das mulheres em situaccedilatildeo de

violecircncia em contextos agraacuterios intensifica a estrutura social machista pela

reproduccedilatildeo de discursos machistas para suprir o vaacutecuo do conhecimento sobre essa

situaccedilatildeo

Por fim todos esses pontos colocados satildeo evidecircncias que mostram como os

trecircs domiacutenios da vida social impactam na existecircncia ou natildeo de poliacuteticas puacuteblicas para

mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia nas zonas urbana e agraacuteria Ou seja quando se

muda os discursos sem mudar os elementos extra-discursivos nem a estrutura social

as mudanccedilas natildeo satildeo profundas o suficiente para atacar um problema complexo como

este e acabam por vezes tendo um efeito perverso de reproduzir as causas deste

mesmo problema transmitindo a impressatildeo de que ele estaacute sendo de fato resolvido

51 Implicaccedilotildees para a Praacutetica

As reflexotildees geradas nesse trabalho pretendem ser uacuteteis para mudar o

problema na praacutetica dado os objetivos criacuteticos da ACD Nesse sentido acreditamos

que um dos achados que move accedilotildees praacuteticas eacute a invisibilidade da violecircncia contra a

mulher em contextos agraacuterios Natildeo haacute dados sendo gerados sobre essas mulheres em

situaccedilatildeo de violecircncia ateacute porque elas natildeo costumam chegar agraves instituiccedilotildees formais

que lidam com o problema Nesse sentido apontamos para a urgecircncia dessas

instituiccedilotildees buscarem ativamente essas mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia na zona

agraacuteria para conhecerem melhor as demandas especiacuteficas desse puacuteblico e poderem

entatildeo compreender melhor o problema

Tambeacutem no que diz respeito agrave invisibilidade haacute pouca produccedilatildeo acadecircmica

utilizando a ontologia do Realismo Criacutetico para se pensar em violecircncia de gecircnero e

natildeo encontramos nenhuma bibliografia que discuta o contexto especiacutefico de mulheres

em situaccedilatildeo de violecircncia em zonas agriacutecolas A academia poderia entatildeo ajudar a

colocar esse tema na agenda e a delimitar mais detidamente as manifestaccedilotildees da

estrutura social machista nesse contexto

Enfim acreditamos que uma contribuiccedilatildeo praacutetica estaacute relacionada agraves

evidecircncias encontradas de que a maior parte dos esforccedilos do poder puacuteblico para

69

atacar a violecircncia contra a mulher estaacute focada em campanhas de conscientizaccedilatildeo

Queriacuteamos apontar que uma contribuiccedilatildeo desse trabalho eacute apontar que as campanhas

de conscientizaccedilatildeo natildeo mudam nem a estrutura social nem os elementos extra-

discursivos das mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia como a necessidade de recursos

financeiros para poder sair de casa e caminhos institucionais para poder por exemplo

mudar os filhos de creche quando estatildeo nessa situaccedilatildeo

52 Limitaccedilotildees da Pesquisa

Apesar das contribuiccedilotildees teoacutericas e praacuteticas da pesquisa houve uma mudanccedila

no que se pretendia inicialmente estudar pela falta de dados acerca do contexto

agriacutecola e pouco contato das organizaccedilotildees com mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia

nesse contexto Dessa forma essa pesquisa eacute limitada porque apesar de querer

entender os diferentes contextos a compreensatildeo no contexto urbano foi muito maior

Nesse sentido os discursos coletados acerca do contexto agriacutecola eram

apontados pelos proacuteprios entrevistados como impressotildees infundadas por natildeo se

basearem na sua experiecircncia profissional nem em conhecimento teoacuterico pela

inexistecircncia de estudos Assim os discursos eram muito mais heterogecircneos do que os

que dizem respeito ao contexto urbano e demonstrou que natildeo haacute diagnoacutestico desse

problema e que os sentidos acerca do mesmo ainda estatildeo sendo construiacutedos pelos

profissionais que trabalham na aacuterea e por enquanto estaacute negociada mais a inaccedilatildeo do

que o como agir

Por fim como apontamos ao longo do trabalho natildeo encontramos experiecircncias

concretas de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia nas aacutereas

agraacuterias no estados de Goiaacutes e Satildeo Paulo Desta forma achamos relevante continuar

essa busca por experiecircncias que lidam com esse problema em uma pesquisa posterior

70

6 Referecircncias Bibliograacuteficas

ALVES Mario Aquino Anaacutelise Criacutetica do Discurso Exploraccedilatildeo da

Temaacutetica GVPesquisa Satildeo Paulo 2006

BANDEIRA Lourdes Maria Violecircncia de Gecircnero a Construccedilatildeo de um

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74

7 Anexos

71 Roteiro SEMIRA

1) Na sua opiniatildeo o que eacute poliacutetica de gecircnero Existe alguma

especificidade na hora de elaborar esse tipo de poliacutetica O que a diferencia eou

aproxima de poliacuteticas de outras aacutereas

2) O que vocecirc acredita que satildeo as causas das desigualdades de gecircnero A

SEMIRA combate as causas diretamente como

3) Como foi a evoluccedilatildeo do tratamento da questatildeo de gecircnero no Estado

Qual a estrutura organizacional da secretaria para lidar com a violecircncia de gecircnero

4) O que significa para vocecirc o fato de poliacuteticas de gecircnero serem

transversais Como isso se materializa na accedilatildeo da SEMIRA

5) Quais satildeo os desafios na hora de formular eou implementar poliacuteticas

transversais O machismo se manifesta nesses momentos na hora de lidar com outras

secretarias que natildeo atuam diretamente com a questatildeo de gecircnero

6) A mudanccedila para uma secretaria mais ampla em termos de temas

abarcados muda a maneira como a transversalidade eacute abordada Como

7) A transversalidade tambeacutem muda de acordo com os contextos urbanos

e rural Como ela se relaciona a esses contextos

8) Como o machismo se manifesta na sociedade E na aacuterea rural E na

aacuterea urbana Compare as duas Existem outros fatores culturais que diferenciam a

aacuterea rural e urbana e que influenciam a maneira como a violecircncia de gecircnero se

manifesta

9) Existe diferenccedila entre violecircncia de gecircnero nos acircmbitos rural e urbano

10) Se sim quais as implicaccedilotildees dessa diferenccedila E a secretaria incorpora

essa diferenccedila na formulaccedilatildeo das suas poliacuteticas puacuteblicas

11) O Estado consegue chegar a uma mulher viacutetima de violecircncia da

mesma maneira na aacuterea urbana e rural

12) Vocecirc sente diferenccedila na maneira como os funcionaacuterios policiais

delegados etc lidam com a violecircncia de gecircnero em zonas mais rurais ou urbanas

75

Como essa diferenccedila se manifesta e como a SEMIRA lida com a diferenccedila entre

atores parceiros

13) Como surgiu a SEMIRA Quais foram os atores importantes Qual

era e eacute a sua relaccedilatildeo da SEMIRA com outros oacutergatildeos do governo do Estado

14) Quais satildeo as poliacuteticas puacuteblicas da secretaria direcionadas para o

enfrentamento da violecircncia de gecircnero Como elas comeccedilaram Como elas

funcionam

15) Qual eacute o histoacuterico da poliacutetica dos ocircnibus multidisciplinares que vatildeo ao

campo Como foi a aceitaccedilatildeo pela populaccedilatildeo Continuidade

72 Formulaacuterio de Consentimento Entrevista

Mulheres em situaccedilatildeo de vulnerabilidade social Contextos Construccedilatildeo Simboacutelica

e Poliacuteticas Puacuteblicas

Beatriz Junqueira Kipnis

FGV-EAESP

Sou Beatriz Junqueira Kipnis aluna de graduaccedilatildeo em Administraccedilatildeo Puacuteblica

na Fundaccedilatildeo Getulio Vargas de Satildeo Paulo Estou fazendo uma pesquisa de iniciaccedilatildeo

cientiacutefica sob orientaccedilatildeo dos Prof Dr Marcus Vinicius Peinado Gomes e Prof Dr

Fernando Burgos O objetivo desta pesquisa eacute descobrir se e como os contextos

agriacutecola e urbano impactam na formulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em

situaccedilatildeo de violecircncia e quais as implicaccedilotildees de semelhanccedilas e diferenccedilas dos mesmos

para o cotidiano do puacuteblico beneficiaacuterio Gostariacuteamos de contar com a sua

participaccedilatildeo voluntaacuteria para a parte de campo da pesquisa pois acreditamos que

conhecer a experiecircncia praacutetica possibilitaraacute e enriqueceraacute as anaacutelises dessa pesquisa

Para isso deixamos explicitada nossa eacutetica de pesquisa e pedimos que assine esse

formulaacuterio em caso de consentimento

1 Confidencialidade

Esta entrevista tem como objetivo coletar informaccedilotildees para esta pesquisa e

portanto possui objetivo estritamente acadecircmico Qualquer comentaacuterio opiniatildeo ou

76

avaliaccedilotildees que vocecirc fizer seratildeo tratados com confidencialidade e analisados apenas

para os interesses desta pesquisa

2 Permissatildeo para citaccedilatildeo

Eu gostaria de poder citar diretamente trechos de nossa conversa nos relatoacuterios

e publicaccedilotildees oriundas desta pesquisa Caso deseje manter seu anonimato por favor

manifeste sua preferecircncia antes do iniacutecio da entrevista

3 Participaccedilatildeo

Sua participaccedilatildeo nesta pesquisa eacute voluntaacuteria e vocecirc natildeo receberaacute nenhum

pagamento para tal

Vocecirc pode decidir a qualquer momento por qualquer razatildeo em natildeo mais

fazer parte desta pesquisa Em caso de duacutevidas ou esclarecimentos vocecirc pode fazer

perguntas a mim em qualquer momento

3 Gravaccedilatildeo

Gostaria de pedir sua permissatildeo para gravar nossa entrevista com o uacutenico

proposito de facilitar o processo de pesquisa Se vocecirc natildeo concorda com a gravaccedilatildeo

por favor manifeste sua preferecircncia antes do iniacutecio da entrevista

Assinatura do Entrevistado ___________________________________________

Data _____________________________________________

Assinatura do Pesquisador _____________________________

Data _____________________________________________

Caso tenha alguma duacutevida sobre o estudo por favor entrar em contato com

Beatriz Kipnis bjkipnishotmailcom ou Dr Marcus Gomes marcusgomesfgvbr

Page 6: Fundação Getúlio Vargas Escola de Administração de ......mulheres de áreas agrícolas e se sentiam pouco à vontade para comentar sobre a violência contra mulheres nessas áreas.

6

Nesse sentido este trabalho busca contribuir iniciando uma discussatildeo acerca

da invisibilidade das mulheres em contextos agriacutecolas e da especificidade das

manifestaccedilotildees do machismo nesse contexto Fica evidente ao longo do trabalho a

necessidade de gerar dados sobre violecircncia de gecircnero nas aacutereas agriacutecolas afim de que

o problema possa ser melhor compreendido e tambeacutem de se aprofundar poliacuteticas

puacuteblicas que atendam essa populaccedilatildeo para que os profissionais da temaacutetica de gecircnero

comecem a entender melhor o problema da violecircncia de gecircnero em aacutereas agriacutecolas

levando a mais e melhores poliacuteticas puacuteblicas para atender a essa populaccedilatildeo

Os achados da pesquisa mostraram que natildeo haacute grande diferenccedila nos elementos

discursivos em relaccedilatildeo aos contextos urbano e agriacutecola poreacutem existe uma diferenccedila

nas manifestaccedilotildees do discurso em accedilatildeo e seus elementos extra-discursivos Com essa

conclusatildeo temos evidecircncias de que a estrutura social do machismo permeia ambos

contextos agriacutecola e urbano poreacutem pode ser manifestado de maneiras distintas

apesar da uniformidades dos discursos de quem trabalha em organizaccedilotildees voltadas

para o combate agrave violecircncia de gecircnero Tal distinccedilatildeo seria suficiente para a existecircncia

de poliacuteticas puacuteblicas distintas jaacute que o machismo se manifesta de maneiras distintas

Para chegar a essas consideraccedilotildees a pesquisa apresenta inicialmente uma revisatildeo da

literatura para delimitar o conceito de poliacuteticas puacuteblicas de quem estamos falando

enquanto ldquopuacuteblicordquo como esse processo de significaccedilatildeo estaacute em negociaccedilatildeo e o

contexto em que ele se insere A seguir haacute uma discussatildeo metodoloacutegica que busca

delimitar o campo ontoloacutegico do trabalho o Realismo Criacutetico e em seguida expor as

diferentes possibilidades epistemoloacutegicas e explicar a escolha da Anaacutelise Criacutetica do

Discurso como maneira de estudar essa ontologia A partir dessa especificaccedilatildeo

traccedilamos os objetivos da pesquisa para entatildeo comeccedilarmos a pesquisa de campo em

Goiaacutes e em Satildeo Paulo A proacutexima etapa consiste na anaacutelise do campo agrave luz da

bibliografia e metodologia levantadas afim de descrever o contexto dos formuladores

e implementadores de poliacuteticas puacuteblicas para combater a violecircncia de gecircnero Nessa

fase da pesquisa como descrevemos na metodologia (seccedilatildeo 3) e nas anaacutelises do

campo (seccedilatildeo 4) descobrimos como na praacutetica a existecircncia de soluccedilotildees reais que

levam em consideraccedilatildeo as diferenccedilas de violecircncia contra a mulher nas zonas agraacuteria e

rural satildeo muito poucas Logo a anaacutelise do discurso inclui ainda reflexotildees sobre essas

7

diferenccedilas no entanto a seccedilatildeo que discorre sobre as soluccedilotildees sendo formuladas ou

implementadas se concentra mais nas aacutereas urbanas uma vez que essa foi a realidade

com a qual nos deparamos no campo Por fim encerramos discorrendo sobre os

achados e contribuiccedilotildees desta pesquisa assim como quais satildeo os horizontes para

novas pesquisas sobre o tema

8

2 Referencial Teoacuterico

21Poliacuteticas Puacuteblicas

211 O que satildeo poliacuteticas puacuteblicas e quais os seus processos

Poliacuteticas puacuteblicas podem ser entendido como a soma de accedilotildees e decisotildees que

ocorrem por parte de atores puacuteblicos ndash estatais ou natildeo ndash e natildeo puacuteblicos para resolver

uma situaccedilatildeo definida como um problema coletivo (SUBIRATS et al 2012) Saravia

(2006 P29) define poliacutetica puacuteblica como

()um sistema de decisotildees puacuteblicas que visa a accedilotildees ou omissotildees

preventivas ou corretivas destinadas a manter ou modificar a realidade de

um ou vaacuterios setores da vida social por meio da definiccedilatildeo de objetivos e

estrateacutegias de atuaccedilatildeo e da alocaccedilatildeo de recursos necessaacuterios para atingir os

objetivos estabelecidos

Isso significa que poliacutetica puacuteblica atraveacutes da accedilatildeo ou inaccedilatildeo age com

determinada finalidade e isso ocorre atraveacutes de um processo de definiccedilatildeo de

prioridades Encontramos evidecircncias ao longo da pesquisa de que esta inaccedilatildeo eacute

tambeacutem uma escolha em relaccedilatildeo ao problema da violecircncia de gecircnero em aacutereas

agriacutecolas Os entrevistados em geral tinham tido pouco ou nenhum contato com

mulheres de aacutereas agriacutecolas e se sentiam pouco agrave vontade para comentar sobre a

violecircncia contra mulheres nessas aacutereas Nesse sentido a falta de accedilatildeo foi uma escolha

poliacutetica tambeacutem por decidir natildeo se produzir dados acerca dessa violecircncia ndash como

seraacute demostrado ateacute haacute dois anos natildeo havia nenhuma iniciativa especificamente

direcionada para esse puacuteblico Enfim o impacto disso eacute um ciclo vicioso de falta de

poliacuteticas puacuteblicas gerando falta de dados sobre o problema que criam um discurso de

justificativa para a inaccedilatildeo

Uma poliacutetica puacuteblica passa por algumas etapas importantes que satildeo

sistematizadas em fases mas natildeo ocorrem necessariamente em ordem cronoloacutegica e

9

podem ser simultacircneas De acordo com Saravia (2006) essas fases satildeo agenda

elaboraccedilatildeo formulaccedilatildeo implementaccedilatildeo execuccedilatildeo acompanhamento e avaliaccedilatildeo A

agenda eacute a fase em que determinada situaccedilatildeo se transforma em problema puacuteblico

(SARAVIA 2006) ou seja quando o Estado decide realizar alguma decisatildeo puacuteblica

sobre determinado problema seja ela atraveacutes da accedilatildeo ou da omissatildeo A elaboraccedilatildeo eacute

quando satildeo traccediladas as diferentes alternativas de accedilatildeo do Estado frente a esse

problema (SARAVIA 2006) Depois a formulaccedilatildeo eacute quando uma alternativa eacute

escolhida e aprofundada para lidar com o problema (SARAVIA 2006) Em seguida

acontece a implementaccedilatildeo dessa alternativa isto eacute a preparaccedilatildeo em termos de

recursos materiais e humanos para realizar a poliacutetica puacuteblica (SARAVIA 2006) A

execuccedilatildeo por sua vez eacute a accedilatildeo em si a praacutetica do planejamento realizado (SARAVIA

2006) Depois o acompanhamento eacute o monitoramento da poliacutetica puacuteblica enquanto

ela estaacute em fase de execuccedilatildeo para poder fazer alteraccedilotildees se necessaacuterias e corrigir o

rumo de acordo com os objetivos pretendidos (SARAVIA 2006) Por fim a

avaliaccedilatildeo eacute a verificaccedilatildeo do desempenho da poliacutetica puacuteblica depois que ela foi

executada e pode ser medida em termos de eficiecircncia eficaacutecia e efetividade

Eacute importante ressaltar que todas as etapas das poliacuteticas puacuteblicas satildeo

influenciadas pelo discurso uma vez que poliacutetica puacuteblica natildeo eacute o resultado de uma

anaacutelise meramente racional e cientiacutefica e sim influenciada por julgamentos de valor e

significados atribuiacutedos aos problemas puacuteblicos embora a poliacutetica puacuteblica aconteccedila

atraveacutes dessas etapas a poliacutetica se realiza na negociaccedilatildeo dos significados Saravia

(2006) ressalta nesse sentido a importacircncia das instituiccedilotildees no processo das poliacuteticas

puacuteblicas como podemos perceber no trecho

Os estudos de poliacutetica puacuteblica mostram a importacircncia das insituiccedilotildees

estatais tanto como organizaccedilotildees pelas quais os agentes puacuteblicos (eleitos ou

administrativos) perseguem finalidades que natildeo satildeo exclusivamente respostas

a necessidades sociais como tambeacutem configuraccedilotildees e accedilotildees que estruturam

modelam e influenciam os processos econocircmicos com tanto peso como as

classes e os grupos de interesse (SARAVIA 2006 p 37)

10

Ou seja as poliacuteticas puacuteblicas satildeo produzidas dentro de um contexto

organizacional que influencia o desenho e o resultado que se atinge com uma poliacutetica

puacuteblica

212 O que e quem estaacute incluso no ldquopuacuteblicordquo tratado pelas poliacuteticas puacuteblicas

Como vimos na seccedilatildeo anterior existe uma negociaccedilatildeo sobre a definiccedilatildeo o que

satildeo problemas puacuteblicos e decidir a partir da definiccedilatildeo do problema como seratildeo

combatidos Nesse sentido uma das questotildees que vecircm agrave tona na delimitaccedilatildeo do

problema eacute a negociaccedilatildeo do sentido de lsquopuacuteblicorsquo uma vez que este natildeo eacute um conceito

consensual se tratando de um sentido tambeacutem em disputa (FREDERICKSON 1991)

Algumas perspectivas diferentes satildeo possiacuteveis para ressaltar a multiplicidade de

interpretaccedilotildees diferentes do que eacute entendido como puacuteblico De acordo com

Frederickson (1991) as principais perspectivas satildeo pluralista do public choice

legislativa do cliente e cidadatilde

A perspectiva pluralista eacute aquela que entende como puacuteblico a manifestaccedilatildeo da

interaccedilatildeo entre grupos de interesses que disputam o poder poliacutetico

(FREDERICKSON 1991) Esses grupos seriam meras agregaccedilotildees de pessoas com

interesses individuais sendo o interesse de cada grupo a aglomeraccedilatildeo dos interesses

particulares dos participantes Em decorrecircncia da disputa entre grupos de interesse o

interesse puacuteblico seria o grupo que vencesse tal luta Frederickson (1991) ressalta

como risco dessa perspectiva que o interesse puacuteblico resultante da disputa de grupos

de interesse natildeo seja a representaccedilatildeo efetiva tanto dos indiviacuteduos dentro dos grupos

quanto daqueles que natildeo fazem parte de grupos por natildeo serem interessantes

politicamente ou economicamente para tais aglomeraccedilotildees

Por sua vez a perspectiva do public choice manteacutem a ideia pluralista de que

um grupo eacute soacute uma agregaccedilatildeo de pessoas e que portanto o indiviacuteduo faz um caacutelculo

racional para aumentar sua eficiecircncia no setor puacuteblico (FREDERICKSON 1991)

Isso implica em uma visatildeo dos servidores puacuteblicos como maximizadores de interesses

particulares e que natildeo estariam interessados em maximizar o interesse coletivo

Enfim essa visatildeo entende o puacuteblico e o seu interesse como o do maior nuacutemero de

11

pessoas sendo utilitarista e consequentemente gerando a exclusatildeo de quem natildeo tem

recursos para fazer a escolha puacuteblica e a desconfianccedila nas motivaccedilotildees dos

governantes

Jaacute a perspectiva legislativa eacute aquela em que os administradores puacuteblicos

operam o que eacute decidido pelo legislativo (FREDERICKSON 1991) Este por sua vez

seria a arena de representaccedilatildeo legiacutetima do interesse puacuteblico O autor

(FREDERICKSON 1991) ressalta entretanto que na praacutetica as leis satildeo ambiacuteguas e

permitem interpretaccedilotildees diferentes por parte dos administradores puacuteblicos Aleacutem

disso haacute um conflito de forccedila em relaccedilatildeo ao que eacute exigido pelo executivo que os

administradores puacuteblicos executem em detrimento do legislativo No mais haacute outro

dilema nessa concepccedilatildeo porque representaccedilatildeo natildeo eacute algo que se encerra no

legislativo havendo outras arenas representativas como os grupos de interesse

anteriormente citados

Outra visatildeo possiacutevel eacute de puacuteblico como cliente em que os indiviacuteduos satildeo

consumidores dos serviccedilos puacuteblicos Isso implica no contato direto entre clientes e

burocratas de niacutevel de rua o que leva ao impasse de que os burocratas precisam

colocar as necessidades dos clientes como mais importantes e ao mesmo tempo

precisam ser imparciais impessoais (FREDERICKSON 1991) Aleacutem disso falta

verba para que a qualidade e quantidade dos serviccedilos puacuteblicos oferecidos atendam agraves

demandas dos clientes De acordo com Frederickson (1991) essa perspectiva seria

fraca porque clientes natildeo conseguem funcionar como puacuteblico isto eacute cada indiviacuteduo

agindo como cliente natildeo se articula enquanto grupos para defender seus interesse e os

burocratas podem se organizar enquanto grupo de interesse e conseguir suplantar os

clientes

Por fim podemos enxergar o puacuteblico como cidadatildeo o que significa que o

puacuteblico tem interesse proacuteprio e coletivo (FREDERICKSON 1991) Essa visatildeo

implica no papel da Administraccedilatildeo Puacuteblica de colocar em praacutetica os valores definidos

por uma constituiccedilatildeo No entanto essa perspectiva natildeo enxerga o legislativo como

arena de representaccedilatildeo final dos interesses puacuteblicos sendo que todos satildeo cidadatildeos e

devem ser contemplados pela administraccedilatildeo puacuteblica sendo ou natildeo minorias Entatildeo

faria parte do dever da administraccedilatildeo puacuteblica criar um arcabouccedilo institucional

12

possibilitador de participaccedilatildeo direta dos cidadatildeos e tambeacutem advogar pelos direitos de

minorias sem poder representativo A Administraccedilatildeo Puacuteblica tambeacutem deve nessa

perspectiva desenvolver e manter sistemas capazes de captar e responder os puacuteblicos

coletivos ou natildeo tendo em vista sempre o interesse do coletivo maior sem ferir os

direitos das minorias (FREDERICKSON 1991)

No mais a perspectiva do puacuteblico como cidadatildeo exige um entendimento da

cidadania de ambos os lados isto eacute a administraccedilatildeo puacuteblica deve enxergar o puacuteblico

como cidadatildeos mas os cidadatildeos precisam agir como tais Isso exigiria segundo

Frederickson (1991) o entendimento pelos cidadatildeos da constituiccedilatildeo e portanto dos

valores defendidos pela mesma e tambeacutem a capacidade de raciocinar moralmente

compatibilizando interesses particulares e coletivos tendo como medida o documento

constitucional Aleacutem disso seria essencial a crenccedila dos cidadatildeos em direitos

ldquonaturaisrdquo e natildeo na ideia de que a maioria teria poder legiacutetimo mas que todos tecircm

que ter esses direitos miacutenimos garantidos sendo ou natildeo parte da maioria

(FREDERICKSON 1991)

A reflexatildeo de Frederickson (1991) vai aleacutem de uma categorizaccedilatildeo sobre os

diferentes significados de puacuteblicos construiacutedos pela interaccedilatildeo do Estado e seus

cidadatildeos ao contraacuterio ressalta que a visatildeo sobre o que eacute lsquopuacuteblicorsquo natildeo eacute definido a

priori no ciclo de poliacuteticas puacuteblicas ao contraacuterio eacute negociada neste processo Neste

sentido a pluralidade normativa da visatildeo de lsquopuacuteblicorsquo faz parte da estrateacutegia

organizacional de determinado oacutergatildeo da Administraccedilatildeo Puacuteblica Isso porque as

praacuteticas cotidianas da organizaccedilatildeo transparecem determinado tratamento de puacuteblico e

acabam resultando em uma estrateacutegia organizacional que produz uma poliacutetica puacuteblica

com determinado vieacutes para o que eacute considerado puacuteblico

213 A produccedilatildeo de conhecimento e a importacircncia das praacuteticas cotidianas

Continuando esse o argumento da disputa de significados o conhecimento

tambeacutem eacute uma construccedilatildeo social e como tal estaacute sujeito a poderes em conflito e

mudanccedilas As poliacuteticas puacuteblicas satildeo influenciadas por essa construccedilatildeo social do

conhecimento uma vez que as situaccedilotildees dependem de uma significaccedilatildeo social para

13

serem consideradas como problemas puacuteblicos e portanto entrarem na agenda de

governo Nesse sentido o que eacute considerado como conhecimento vaacutelido faz parte de

uma ideia que a sociedade tem do que eacute legitimamente visto como conhecimento ou

natildeo e isso varia de acordo com tempo e lugar (SPINK 2001) Desde o berccedilo as

universidades satildeo um local onde essa tensatildeo entre conhecimento legitimado ou natildeo

persiste no cotidiano e satildeo espaccedilos em que a luta pelo reconhecimento da

heterogeneidade de conhecimentos muitas vezes fica em um segundo plano vis-agrave-vis

o conhecimento produzido pela proacutepria academia e desvinculado muitas vezes da

realidade cotidiana do objeto estudado (SPINK 2001)

Essa dicotomia entre produccedilatildeo de conhecimento nas universidades e na

praacutetica reduziu apenas recentemente sobretudo pela forccedila dos movimentos sociais

Eles mostraram que a sociedade civil produz conhecimentos relevantes para se

organizar e enfrentar os seus problemas do dia-a-dia sem necessariamente estarem

ligados ao conhecimento hegemocircnico do meio acadecircmico (SPINK 2001) Cresceu a

partir de entatildeo a noccedilatildeo de multiplicidade de conhecimentos e a importacircncia da

universidade reconhecer a importacircncia e estudar esses conhecimentos produzidos na

praacutetica

A construccedilatildeo desse leque de conhecimentos segundo Spink (2001) se daacute

sobretudo pela praacutetica vivida pelos grupos sociais na resoluccedilatildeo de problemas

enfrentados no cotidiano e que natildeo foram solucionados por organizaccedilotildees externas

Assim cada lugar eacute constituiacutedo de um contexto proacuteprio que tanto possibilita quanto

compele a produccedilatildeo de determinados conhecimentos

Dentro desses contextos uacutenicos de produccedilatildeo de conhecimento existem as

praacuteticas do cotidiano que fazem as organizaccedilotildees se construiacuterem enquanto tais e satildeo

tambeacutem por elas influenciadas As poliacuteticas puacuteblicas satildeo produzidas por organizaccedilotildees

e seus arranjos entre si ou seja satildeo influenciadas pelos contextos e praacuteticas do

mesmo Essas praacuteticas satildeo definidas por Schatzki (2007) como o conjunto de accedilotildees

estruturadas por uma organizaccedilatildeo Nessa visatildeo natildeo eacute a estrutura organizacional que

molda completamente as accedilotildees de seus constituintes mas uma relaccedilatildeo dialeacutetica em

que estruturas sociais e atores se influenciam mutuamente para formar as praacuteticas

desenvolvidas rotineiramente em uma organizaccedilatildeo As praacuteticas incluem segundo o

14

autor quatro fenocircmenos principais

(1) understandings of (complexes of know-hows regarding) the actions

constituting the practice for example knowing how to email and to recognize

emailing and knowing how to deliver and recognize lectures (2) rules by

which I mean explicit directives admonishments or instructions that

participants in the practice observe or disregard (3) something I call a

teleological-affective structuring which encompasses a range of ends

projects actions maybe emotions and end-project-action combinations

(teleological orderings) that are acceptable for or enjoined of participants to

pursue and realize and (4) general understandings for example general

understandings about the nature of work about proper teacherndashstudent

interactions or about the commonality of fate (SCHATZKI 2007)

As praacuteticas podem portanto ser definidas como participantes ativas da

estrateacutegia organizacional A estrateacutegia enquanto praacutetica eacute um conceito que faz a

conexatildeo entre a caracteriacutestica ativa e dialeacutetica das praacuteticas cotidianas e a proacutepria

formulaccedilatildeo de estrateacutegias dentro de uma organizaccedilatildeo Esse conceito estaacute ligado a uma

visatildeo construtivista das estrateacutegias dentro de uma organizaccedilatildeo isto eacute as estrateacutegias

natildeo satildeo estaacuteveis ao longo do tempo passam por um processo de definiccedilatildeo e

redefiniccedilatildeo conforme ganham ou perdem legitimaccedilatildeo interna e externa ao ambiente

organizacional (SOUZA 2009)

Nesse sentido as estrateacutegias de uma organizaccedilatildeo podem mudar ou

permanecer ao longo do tempo de acordo com a relaccedilatildeo dupla entre agentes e

estrutura esta sendo composta de recursos disponiacuteveis normas e regras presentes e

entendimento compartilhado (SOUZA 2009) Os recursos disponiacuteveis podem ser

materiais como o ambiente fiacutesico de uma organizaccedilatildeo ou imateriais como a

capacitaccedilatildeo para exercer uma atividade dentro da mesma Esses recursos satildeo objeto

de uma luta permanente porque satildeo eles que possibilitam a dominaccedilatildeo de uma

estrateacutegia ou seja quem deteacutem mais recursos acaba tendo mais poder na hora de

defender sua posiccedilatildeo vis-agrave-vis uma estrateacutegia organizacional (SOUZA 2009) As

15

normas e as regras podem ser formais como o estatuto de uma associaccedilatildeo que prevecirc

condutas permitidas eou exigidas para a participaccedilatildeo ou informais construiacutedas e

aceitas no cotidiano sem que sejam transcritas como o tipo de comportamento

considerado adequado dentro de determinada organizaccedilatildeo Satildeo as normas e regras

que constituem a legitimaccedilatildeo ou natildeo de estrateacutegias isto eacute elas permitem ou natildeo a

aceitaccedilatildeo de uma estrateacutegia em detrimento do que eacute aceito formal e informalmente no

ambiente organizacional (SOUZA 2009) Aleacutem disso haacute um entendimento

compartilhado em uma organizaccedilatildeo que significa as estrateacutegias isto eacute traduz

subjetivamente a estrateacutegia para uma dimensatildeo simboacutelica que eacute compreensiacutevel para a

realidade de seus agentes

Isso significa que formular e implementar estrateacutegias dentro de uma

organizaccedilatildeo satildeo processos inseridos dentro de um contexto permeado por

significaccedilotildees dominaccedilotildees e legitimaccedilotildees de discursos no cotidiano dos agentes e

portanto haacute uma tensatildeo constante e um diaacutelogo entre processos e contexto em que o

mesmo influencia e eacute influenciado pelos processos de definiccedilatildeoredefiniccedilatildeo de

estrateacutegia (SOUZA 2009) Assim podemos dizer que as organizaccedilotildees natildeo produzem

estrateacutegias no vaacutecuo jaacute que as praacuteticas que as constituem soacute satildeo significadas quando

satildeo ativadas pelos agentes e possibilitadas pelo contexto interno e externo agrave

organizaccedilatildeo tornando o contexto um elemento essencial para estudar as estrateacutegias

em organizaccedilotildees

Dessa forma poliacuteticas puacuteblicas podem ser entendidas como uma estrateacutegia

constantemente definida e redefinida em funccedilatildeo das negociaccedilotildees sobre os sentidos

dos problemas puacuteblicos A estrutura organizacional se torna entatildeo natildeo apenas

relevante para a determinaccedilatildeo da capacidade material de resoluccedilatildeo de um problema

social mas tambeacutem delimita um lugar simboacutelico sobre as possibilidades de accedilatildeo para

enfrentaacute-lo

22 Contextos onde as poliacuteticas puacuteblicas acontecem

No acircmbito dessa pesquisa pretendemos nos focar em principalmente dois

contextos diferentes que permeiam o processo de formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de

16

poliacuteticas puacuteblicas enquanto estrateacutegias de organizaccedilotildees da Administraccedilatildeo Puacuteblica

Podemos falar nos lugares e na diferenciaccedilatildeo entre contextos urbano e agriacutecola como

fator que influencia e eacute influenciado pelo ciclo de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em

situaccedilatildeo de violecircncia

Os contextos impactam nas praacuteticas e arranjos materiais disponiacuteveis em

determinado lugar (SPINK 2001) O lugar eacute onde ocorre a troca entre contexto

praacuteticas e arranjos como contextos agriacutecola e urbano estruturas organizacionais e

negociaccedilatildeo de sentidos e estrateacutegias para lidar com problemas puacuteblicos De acordo

com Milton Santos (2001) os lugares satildeo espaccedilos esquizofrecircnicos porque satildeo onde se

verificam os vetores da globalizaccedilatildeo e tambeacutem da contraordem O papel do lugar eacute

natildeo soacute onde se vive mas um lsquoespaccedilo vividorsquo em que satildeo reproduzidas eou

reavaliadas processos do passado e onde se projeta o futuro (SANTOS 2001) Nesses

lugares ocorrem os embates entre soluccedilotildees imediatistas e visotildees finaliacutesticas

conjuntura e estrutura (SANTOS 2001)

A ideia de lugar compreende a importacircncia dos processos construiacutedos e que

constroem um contexto Schatzki (2005) em sua teoria sobre como satildeo construiacutedos

os fenocircmenos sociais afirma que estes estatildeo ligados aos lugares

Sites however are a particularly interesting sort of context What

makes them interesting is that context and contextualized entity constitute one

another what the entity or event is is tied to the context just as the nature and

identity of the context is tied to the entity or event (among others)(p 468)

Essa definiccedilatildeo eacute entatildeo especificada ao social em que o lugar ldquodo social eacute

composto de nexos de praacuteticas e arranjos materiaisrdquo (SCHATZKI 2005 p471) As

praacuteticas seriam as atividades humanas e os arranjos materiais incluem as pessoas os

artefatos outros organismos e coisas

Os fenocircmenos sociais fazem parte das teias formadas dentro dos lugares e da

relaccedilatildeo entre eles sendo ao mesmo tempo produto e alimento desses lugares As

organizaccedilotildees de acordo com o autor (SCHATZKI 2005) seriam um desses

fenocircmenos sociais Fazendo parte dessa teia as organizaccedilotildees satildeo constituiacutedas por

praacuteticas sobreviventes previamente de outras organizaccedilotildees (vindas com as

17

experiecircncias passadas dos indiviacuteduos que a constituem) e uma mistura de praacuteticas do

presente que satildeo alteradas ou natildeo para materializar a razatildeo de existecircncia da

organizaccedilatildeo e arranjos materiais velhos e novos (SCHATZKI 2005 p476) Schatzki

(2005) ressalta que trecircs pontos satildeo essenciais para compreender uma organizaccedilatildeo

identificar as accedilotildees que a compotildeem identificar o conjunto de praacuteticas e arranjos

materiais em que as accedilotildees estatildeo inseridas identificar as outras teias de conjuntos de

praacuteticas e arranjos que se ligam agrave teia que compotildee a organizaccedilatildeo

Podemos clarificar ainda mais a ideia de lugares com a contribuiccedilatildeo de Spink

(2001) que define lugar como ldquoponto de partida para refletir sobre a organizaccedilatildeo

porque permite um olhar a partir de um enraizamento na processualidade do cotidiano

e fora dos muros das organizaccedilotildeesrdquo (SPINK 2001 p18) Esse termo tambeacutem foca

nos processos construiacutedos pelos indiviacuteduos suas relaccedilotildees e o contexto nos quais

participam e as organizaccedilotildees como parte desses processos em que haacute tensotildees e natildeo

como uma entidade que existe sem a accedilatildeo de pessoas Aleacutem disso Spink (2001)

ressalta a importacircncia da construccedilatildeo social dos sentidos que damos agraves accedilotildees e

materialidades que compotildeem o cotidiano o que dialoga com a ideia de Schatzki

(2005) de como compreender as accedilotildees dos indiviacuteduos

Assim pretendemos compreender as regiotildees agriacutecola e urbana como lugar

que satildeo indissociaacuteveis daquilo que os constituem (Spink 2001 SCHATZKI 2005)

enquanto praacuteticas e arranjos constitucionais observaacuteveis materialmente a partir de

organizaccedilotildees puacuteblicas O estudo das organizaccedilotildees que formulam e implementam

essas poliacuteticas puacuteblicas eacute importante para entender quais os conjuntos de praacuteticas e

arranjos materiais que formam o contexto das poliacuteticas puacuteblicas em questatildeo e se

existem ligaccedilotildees e sobreposiccedilotildees entre praacuteticas eou arranjos materiais dessas

organizaccedilotildees

221 Cidades Urbanas e Agriacutecolas

Precisamos entatildeo definir o que satildeo regiotildees agriacutecolas e regiotildees urbanas como

lugar no qual as poliacuteticas puacuteblicas estatildeo inseridas Santos (1996) trouxe essa nova

tipologia de cidades agriacutecolas e urbanas porque as mudanccedilas econocircmicas impactaram

18

a organizaccedilatildeo do espaccedilo geograacutefico de tal forma que as atividades urbanas e rurais

existem em todas as regiotildees Assim natildeo haacute mais uma separaccedilatildeo em aacutereas rurais e

urbanas de acordo com distinccedilatildeo econocircmica sendo que o novo ldquocriteacuterio de distinccedilatildeo

seria devido muito mais ao tipo de relaccedilotildees realizadas sobre os respectivos

subespaccedilosrdquo (SANTOS 1996 p 67)

Segundo ele ldquonas regiotildees agriacutecolas eacute o campo que sobretudo comanda a

vida econocircmica e social do sistema urbano enquanto nas regiotildees urbanas satildeo as

atividades secundaacuterias e terciaacuterias que tecircm esse papelrdquo (SANTOS 1996 p 68)

Apesar dessa predominacircncia que permite a distinccedilatildeo existem nos dois tipos de

regiotildees cidades e zonas de atividade rural mas nas regiotildees agriacutecolas a cidade existe

para suprir as necessidades do campo e das pessoas que o habitam enquanto nas

regiotildees urbanas as zonas de atividade rural existem para suprir as necessidades das

cidades e as pessoas que a habitam (SANTOS 1996) Assim essa tipologia eacute

importante para definir os contextos das poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo

de violecircncia jaacute que loacutegicas diferentes as constituem apontando praacuteticas e arranjos

materiais tambeacutem diversos

23 Gecircnero Machismo e Violecircncia de Gecircnero

As discussotildees sobre gecircnero na academia tecircm sido concentradas em uma

perspectiva discursiva que distingue completamente sexo de gecircnero colocando o

primeiro como parte de uma esfera bioloacutegica e o segundo como uma construccedilatildeo

social desvinculada da primeira (CAROLAN 2005) Nesse sentido Carolan (2005)

aponta um risco de gerar um reducionismo ao julgar gecircnero apenas como uma

construccedilatildeo social sem levar em consideraccedilatildeo os elementos extra-discursivos que

dialeticamente significam e ressignificam os papeis de gecircnero Segundo Carolan

(2005 p5)

Sociology has been correct to take care so as to not legitimate

ideologically-driven biological determinism and the socio-political

ramifications that accompany such proclamations My concern however is

19

that this apprehension toward determinism has become too one-sided With

all of our handringing about the dangers of ldquobringing nature back inrdquo to

sociological analyses due to its deterministic undertones we remain

incorrigibly blind to the other side of the coin to the appalling prospects of

an equally dangerous cagemdashcultural determinism In our rush to condemn the

fixed-biological we often (mistakenly) overly prescribe mutability and fluidity

to the socio-cultural We must thus stay vigilant to all prescriptions of

determinismmdashbiological and otherwisemdashwhile concomitantly remaining open

to the multidirectional causal potentials that constitute a stratified rooted

and emergent reality

Dessa forma eacute importante levar em conta tanto os niacuteveis discursivos quanto

extra-discursivos da construccedilatildeo de gecircnero dentro de uma estrutura social que dialoga

com esses elementos Assim os elementos extra-discursivos podem ser tanto

bioloacutegicos como apontados no trecho acima mas podem ser tambeacutem outras

materialidades que podem ser causa e efeito ao mesmo tempo da construccedilatildeo social

dos papeis de gecircnero como a desigual inserccedilatildeo no mercado de trabalho e os salaacuterios

desiguais para as mesmas posiccedilotildees Por exemplo se as mulheres tecircm menor inserccedilatildeo

no mercado de trabalho isso eacute fruto de uma construccedilatildeo social dos papeis de gecircnero

mas tambeacutem reforccedila os mesmos papeis em um jogo dialeacutetico porque as mulheres

ficam em uma posiccedilatildeo pouco empoderada acerca de como decidir a alocaccedilatildeo dos

recursos em casa e mais vulneraacuteveis para conseguir materialmente sair de casos de

violecircncia

Nesse contexto o machismo pode ser entendido como uma estrutura social

subjetiva construiacuteda a partir da existecircncia de gecircnero como uma classificaccedilatildeo criada

socialmente mas que alimenta e eacute alimentada por materialidades extra-discursivas O

machismo se configura entatildeo como algo abstrato que natildeo pode ser visto

materialmente Como coloca Sayer (1998 p 159-160)

()unobservable natural forces as well as structures of a language or

tules of a game can be and frequently are described and known Thus while

20

the unobservable wind can be known to be responsible for the flying hat or the

swirling leaves the rules of grammar facilitating the speech acts of some

group or the secret code used by children to send messages to each other

may each be quite unproblematically retroducible andor describable By

demonstrating the empirical adequacy of theories of gravitational and

magnetic fields social rules and relations structures of languages and so

forth these items can be known whether or not they can be directly observed

O machismo pode ser considerado como um item abstrato conforme

apresentado por Sayer (1998) que podem ser conhecidos mesmo que natildeo possam ser

observados diretamente Para fazer isso devemos tentar acessar a estrutura social

pelas suas manifestaccedilotildees tanto discursivas quanto extra-discursivas Especificamente

sobre as relaccedilotildees de gecircnero Sayer discorre sobre como podemos observaacute-la na

praacutetica (SAYER 1998 p160)

Even a single maintained hypothesis can be continually assessed by

examining the range of phenomena it bears upon In other words the

empirical adequacy of any hypothesis can be progressively checked-out by

deducing such implications as follow with regard to any domain for which

such implications hold and can in practice be observed Where it is argued

for example that gender relations in many societies are such that mechanisms

are reproduced which serve to discriminate against women in favout of men

this assessment can be checked out against detectable patterns occurring in

for example factories homes schools and universities and any other place

where the mechanism will conceivably reveal its effects

Podemos entatildeo acessar a estrutura social machista sobretudo atraveacutes de pelo

menos dois tipos de manifestaccedilotildees materiais ou seja as diferenccedilas objetivas como a

distribuiccedilatildeo de recursos e bens e subjetivas como se daacute a percepccedilatildeo da sociedade

sobre os papeis de gecircnero (GOMES 2014a) Corroborando Lorente (2015) tambeacutem

apresenta o machismo como uma estrutura social

21

Inequality is a construction based on the male design of society and

developed to determine the relationships within it It is neither an error nor an

uncontrolled drift It is a decision to establish a structure of power that

provides benefits and privileges to those in a superior position men and

denies rights and opportunities to those in an inferior position women

Violence against Women (VAW) is an instrument to maintain this structure

part of the tools to guarantee that it works () Violence against women is

different from other forms of violence due to its motivations goals

circumstances and meaning It is the only violence supported by social and

cultural ideas and the only one that is accepted and justified by part of

society (LORENTE 2015)

A violecircncia de gecircnero surge entatildeo como uma manifestaccedilatildeo dessa estrutura

social machista com implicaccedilotildees objetivas e subjetivas A violecircncia fiacutesica e

patrimonial podem ser entendidas como uma manifestaccedilatildeo material da estrutura

social enquanto outras violecircncias como a psicoloacutegica satildeo mais subjetivas e ligadas ao

asseacutedio moral (TRERJ 2013) uma forma de apreciaccedilatildeo negativa mais ligada ao

discurso poreacutem com implicaccedilotildees objetivas fortes como a proibiccedilatildeo da mulher de sair

de casa e trabalhar ou o desenvolvimento de doenccedilas psicoemocionais como

depressatildeo Aleacutem disso a violecircncia de gecircnero de todos os tipos estaacute permeada por

manifestaccedilotildees objetivas e subjetivas objetivas na vulnerabilidade em termos de

recursos materiais das mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia e subjetivas na exposiccedilatildeo agrave

apreciaccedilatildeo da famiacutelia da comunidade e das instituiccedilotildees puacuteblicas para atender a essas

mulheres que muitas vezes reproduzem papeis tradicionais de gecircnero ligados agrave

estrutura social machista

Afim de compreendermos a estrutura social machista nos diferentes contextos

agriacutecola e urbano vamos nos apoiar metodologicamente no Realismo Criacutetico sobre a

qual nos debruccedilaremos na seccedilatildeo a seguir Esta metodologia nos permite acessar

aspectos da estrutura social atraveacutes de suas manifestaccedilotildees Assim poderemos

compreender melhor as dialeacuteticas entre estrutura social manifestaccedilotildees discursivas e

22

manifestaccedilotildees extra-discursivas e do discurso em accedilatildeo Dessa maneira pretendemos

informar a accedilatildeo do Estado para combater essa estrutura social machista sobretudo a

sua manifestaccedilatildeo enquanto violecircncia de gecircnero

23

3 Metodologia

A partir da revisatildeo da literatura entendemos que as poliacuteticas puacuteblicas e suas

estrateacutegias satildeo definidas e redefinidas em um processo de embate entre discursos e

significaccedilotildees Este processo estaacute inserido em um lugar que influencia e eacute influenciado

pela negociaccedilatildeo de sentidos Especialmente no que diz respeito agrave violecircncia contra a

mulher estamos examinando para uma estrutura social machista e procurando

entender como os contextos influenciam a formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de poliacuteticas

puacuteblicas para aacutereas agriacutecolas e urbanas de acordo com as diferentes manifestaccedilotildees da

estrutura social nesses contextos Desta forma a pergunta de pesquisa que surge para

este trabalho eacute A estrutura social do machismo se manifesta da mesma maneira

nos contextos agriacutecola e urbano

Dela decorrem os seguintes objetivos secundaacuterios

a) Haacute ou natildeo diferenccedilas na manifestaccedilatildeo do machismo especificamente em

termos de violecircncia de gecircnero nas zonas urbana e agraacuteria

b) Como essas manifestaccedilotildees do machismo satildeo impactadas e impactam a

formulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia

Conforme discutiremos mais adiante nesse capiacutetulo e na seccedilatildeo 4 de anaacutelise

dos dados encontramos poucas evidecircncias de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em

situaccedilatildeo de violecircncia nas aacutereas agraacuterias de Goiaacutes e Satildeo Paulo Entretanto este

silecircncio eacute um interessante achado de pesquisa pois foi possiacutevel compreender como a

ausecircncia dessas poliacuteticas impacta a vida das mulheres desse contexto Esta anaacutelise

fica mais evidente quando debruccedilamos sobre as poliacuteticas puacuteblicas disponiacuteveis para as

mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia em aacutereas urbanas e que ainda assim natildeo tecircm seus

direitos garantidos como iremos perceber na anaacutelise das entrevistas

31 Realismo Criacutetico e a violecircncia de gecircnero

Escolhemos e o Realismo Criacutetico como ontologia ou seja como teoria do

conhecimento cientiacutefico porque acreditamos que ele nos ajudaraacute a compreender

24

melhor como os contextos agraacuterio e urbano influenciam e satildeo influenciados na

formulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas mas tambeacutem por uma questatildeo normativa

Acreditamos na perspectiva ontoloacutegica do realismo criacutetico de que os seres humanos

satildeo agentes com capacidade accedilatildeo sobre a realidade e que tambeacutem satildeo produtores de

significados e tambeacutem na necessidade natildeo soacute de explicar o mundo mas de modificaacute-

lo

No entanto acrescenta-se agrave nossa existecircncia dialeacutetica enquanto seres humanos

com o mundo a noccedilatildeo de que este existe independentemente da nossa apreensatildeo

semioacutetica ou natildeo dele sendo este o principal ponto de divergecircncia do criacutetico realismo

em relaccedilatildeo ao construtivismo (BHASKAR 2012 FAIRCLOUGH 2010 GOMES

2014b) Isto significa que a estrutura social eacute composta de loacutegicas agraves quais damos

sentidos e tambeacutem loacutegicas que natildeo apreendemos e interpretamos estando latentes

para essa interpretaccedilatildeo mas ainda assim influenciando e sendo influenciadas por

nossa accedilatildeo no mundo

O realismo criacutetico tambeacutem se enquadra nas nossas perspectivas de pesquisa

porque ele apresenta uma ontologia estratificada como uma estrateacutegia para evitar o

tradeoff entre agentes e estrutura (BHASKAR 2012) Isso porque o realismo criacutetico

coloca trecircs niacuteveis da vida social o real o atual e o empiacuterico que interagem entre si

dialeticamente (BHASKAR 2012) desde modo natildeo estamos lidando com uma

situaccedilatildeo em que a estrutura social define tudo nem que os agentes definem tudo

ambos satildeo relevantes e se influenciam mutuamente

Para melhor entendermos essas esferas vamos defini-las O real consiste na

esfera abstrata das estruturas sociais ou naturezas (FAIRCLOUGH 2010 GOMES

2014b) Esses integrantes do plano real satildeo objetos latentes ou seja que tecircm um

potencial Isso reforccedila a ideia de que mesmo estruturas semioacuteticas existem antes dos

atores (FAIRCLOUGH 2010 GOMES 2014b BHASKAR 2012) A esfera do atual

eacute permeada pelas praacuteticas sociais ou seja o que acontece quando elementos do

mundo real satildeo ativados e produzem transformaccedilotildees ou reproduccedilotildees

(FAIRCLOUGH 2010 GOMES 2014b) Esse plano atual eacute o que faz a mediaccedilatildeo

entre o plano real e o plano empiacuterico que por sua vez consiste nos eventos sociais e

accedilotildees Ou seja o empiacuterico eacute uma parte dos outros planos que eacute experimentado

25

efetivamente por agentes (FAIRCLOUGH 2010)

Eacute importante ressaltar que o processo causal colocado pelo realismo criacutetico

natildeo eacute o mesmo que o positivismo empiacuterico defende isto eacute a identificaccedilatildeo de

regularidades entre causa e efeito Na verdade o processo causal seria o estudo do

que ativa os poderes latentes do real para produzir mudanccedila (FAIRCLOUGH 2010

BHASKAR 2012) Aleacutem disso quando e se esses poderes satildeo ativados os efeitos

dessa ativaccedilatildeo varia de acordo com o tempo e espaccedilo (FAIRCLOUGH 2010

GOMES 2014b)

Uma ontologia baseada no Realismo Criacutetico ressalta a importacircncia dos

discursos e tambeacutem eacute uma abordagem que busca natildeo soacute entender a realidade mas

modificaacute-la como abordamos anteriormente Mas quais as implicaccedilotildees para a anaacutelise

das poliacuteticas puacuteblicas

O processo das poliacuteticas puacuteblicas sobre o qual discorremos anteriormente eacute

perpassado em todas as etapas pelos discursos dos atores envolvidos tanto interna

quanto externamente ao processo Aleacutem disso as poliacuteticas puacuteblicas satildeo um meio de

mudar a realidade como proposto pelo Realismo Criacutetico

Como vimos a violecircncia de gecircnero eacute um termo que passou por diferentes

significaccedilotildees ao longo do tempo e diferentes atores envolvidos Por exemplo antes

era visto pela sociedade e apreendida pelo Estado como uma situaccedilatildeo da esfera

privada e se restringia agrave violecircncia fiacutesica e hoje em dia passou a ser visto pelo Estado

como um problema puacuteblico considerando diferentes formas de violecircncia contra a

mulher No primeiro periacuteodo o movimento feminista brasileiro natildeo era detentor do

discurso dominante e lutava para conseguir visibilidade ao tema isto eacute para que

fosse considerado como um problema puacuteblico Ou seja as poliacuteticas puacuteblicas satildeo o

resultado do conflito entre discursos de diferentes atores e a significaccedilatildeo dada agraves

situaccedilotildees muda conforme o resultado desse conflito

Aleacutem disso podemos situar nosso referencial teoacuterico em termos da

estratificaccedilatildeo do Realismo Criacutetico A esfera do real no tema em questatildeo eacute permeada

pelas relaccedilotildees desiguais de poder entre gecircneros A esfera real pode ser acessada por

suas manifestaccedilotildees na esferas atual e empiacuterica

Na esfera do atual podemos pensar nas praacuteticas sociais que transformaram

26

uma situaccedilatildeo no caso a violecircncia contra as mulheres em problema puacuteblico passiacutevel

de intervenccedilatildeo via poliacuteticas puacuteblicas voltadas para lidar com a violecircncia de gecircnero

atraveacutes da sua inclusatildeo na agenda puacuteblica Isso pode ser visto pela dificuldade de se

tratar a violecircncia de gecircnero atraveacutes das instacircncias legais e juriacutedicas usuais Isto eacute

essas instacircncias tradicionais estavam permeadas por uma loacutegica machista que

precisava ser formalmente desfeita para poder comeccedilar a se abordar a questatildeo a partir

de outra perspectiva A violecircncia de gecircnero ter sido vista como uma questatildeo da esfera

domeacutestica e portanto privada tambeacutem faz parte desse machismo da esfera real que

precisou do aparato legal para caracterizaacute-la enquanto problema da esfera puacuteblica

Nesse sentido entra a importacircncia dos contextos urbano e agriacutecola dos territoacuterios

como elementos influenciadores e influenciados pelas poliacuteticas puacuteblicas para

mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia fornecendo um contexto sobre o qual os discursos

satildeo construiacutedos Certamente estes natildeo satildeo os uacutenicos lugares que influenciam os

discursos sobre a violecircncia de gecircnero e consequentemente as estrateacutegias para

combatecirc-lo (ie as poliacuteticas puacuteblicas)

Por fim a esfera do empiacuterico consiste no discurso em accedilatildeo por meio das

poliacuteticas puacuteblicas Um exemplo foi o conturbado processo de aprovaccedilatildeo da LMP

(MACIEL 2011) e tambeacutem as tentativas de provar sua inconstitucionalidade que

teve que ir ao STF pela AGU (MACIEL 2011) para conseguir ser aprovado

Tambeacutem a atual dificuldade de conseguir a aceitaccedilatildeo e implementaccedilatildeo da LMP por

parte dos operadores juriacutedicos (MACIEL 2011) demonstra a penetraccedilatildeo do

machismo em nossa sociedade Como podemos ver pelo retrato das questotildees

anteriormente citadas ainda estamos lidando basicamente com violecircncia sexual

apesar da tipificaccedilatildeo abranger outros tipos de violecircncia como as psicoloacutegicas e

morais que ainda ocorrem cotidianamente e satildeo naturalizadas denunciando a forccedila

do machismo na esfera do real Enfim essa uacuteltima esfera assim como as demais e a

relaccedilatildeo entre elas poderatildeo ser melhor retratadas quando partirmos a anaacutelise da

pesquisa de campo em que teremos contato com os agentes

De acordo com o realismo criacutetico podemos pensar em problemas a partir de trecircs

domiacutenios o real o atual e o empiacuterico (FAIRCLOUGH 2010) No tema em questatildeo

a esfera do real pode ser entendida como a estrutura social do machismo isto eacute uma

27

desigualdade de gecircnero que estaacute latente no funcionamento da sociedade e acaba sendo

reforccedilada pelos domiacutenios do atual e do empiacuterico Nesse trabalho o domiacutenio do atual

seriam os discursos sobre a desigualdade de gecircnero e a violecircncia de gecircnero que satildeo

manifestaccedilotildees da estrutura social machista ou para reforccedilar essa estrutura ou para

tentar transformaacute-la Por fim o domiacutenio empiacuterico satildeo nesse caso as poliacuteticas e accedilotildees

puacuteblicas formuladas eou implementadas para combater a violecircncia contra a mulher

32 Anaacutelise Criacutetica de Discurso

Afim de buscarmos nosso objetivo que eacute entender as diferenccedilas entre

poliacuteticas puacuteblicas em contextos agriacutecola e urbano utilizaremos a metodologia da

ACD Segundo a ACD o discurso eacute ativo isto eacute que influencia tanto a percepccedilatildeo da

realidade quanto o comportamento de pessoas dentro de uma organizaccedilatildeo

(PUTNAM et al 2004) Eacute importante destacarmos a diferenccedila entre texto e discurso

Textos satildeo todas as peccedilas linguiacutesticas sejam escritas ou faladas Jaacute discursos satildeo

enunciados de locutores que utilizam textos para tentar exercer influecircncia sobre

terceiros (ALVES 2006) O conceito de discurso organizacional engloba duas

maneiras diferentes de olhar para o discurso conversas e diaacutelogos ou narrativas e

histoacuterias Quando se trata de conversas significa a troca de mensagens entre duas ou

mais pessoas que ao realizarem uma interconexatildeo temporal ou significativa entre

textos moldam outras conversas eou accedilotildees futuras E diaacutelogo seria a possibilidade de

gerar novos significados atraveacutes de momentos de questionamento do contiacutenuo de uma

conversa Jaacute as narrativas percebem a construccedilatildeo social do sentido sendo estas visotildees

de mundo construiacutedas pelo locutor e seus interlocutores As histoacuterias satildeo por sua vez

a reinterpretaccedilatildeo de fatos atraveacutes do olhar de cada locutor interlocutor

A anaacutelise discurso eacute uma ferramenta interessante para analisar poliacuteticas

puacuteblicas uma vez que nos permite entender a poliacutetica atraveacutes das pessoas que

formulam eou implementam a poliacutetica Conhecendo as pessoas que fazem uma

poliacutetica puacuteblica acontecer e analisando suas conversas diaacutelogos e histoacuterias podemos

entender a significaccedilatildeo dada pelas pessoas dos processos que vivenciam Ou seja eacute

possiacutevel sair de um discurso formal para analisar quais satildeo as relaccedilotildees de poder no

28

acircmbito de uma poliacutetica puacuteblica e quais satildeo os sentidos dados para os temas

trabalhados que impedem ou proporcionam mudanccedilas materiais na evoluccedilatildeo de uma

poliacutetica puacuteblica

Algumas perspectivas epistemoloacutegicas satildeo possiacuteveis na anaacutelise de discurso

organizacional sendo as principais abordagens a positivista a construtivista e a poacutes-

modernista (PUTNAM et al 2004) e a criacutetico realista (FAIRCLOUGH 2010) Antes

de definir essas abordagens eacute importante diferenciarmos as perspectivas possiacuteveis

para a linguagem A ldquolinguagem em usordquo eacute aquela visatildeo que aborda o discurso como

tendo uma funccedilatildeo na criaccedilatildeo de uma ordem social no cotidiano da organizaccedilatildeo Seu

foco estaacute portanto na anaacutelise de discurso no momento presente da organizaccedilatildeo

(PUTNAM et al 2004 pg 9) Jaacute a abordagem da ldquolinguagem em contextordquo leva em

conta fatores histoacutericos e sociais que influenciam a produccedilatildeo disseminaccedilatildeo e

consumo de textos (PUTNAM et al 2004 pg 10) Ou seja leva em consideraccedilatildeo o

passado e os possiacuteveis efeitos futuros do discurso organizacional Dentro dessa

diferenciaccedilatildeo podemos esclarecer de onde derivam as diferentes abordagens

metodoloacutegicas A ldquolinguagem em usordquo eacute utilizada pelos positivistas e a ldquolinguagem

em contextordquo eacute a abordagem levada em consideraccedilatildeo pelos construtivistas (PUTNAM

et al 2004)

O pensamento positivista se preocupa em identificar padrotildees nas interaccedilotildees

discursivas Dessa maneira tratam o discurso como principal variaacutevel de anaacutelise e

natildeo acreditam que o discurso tenha caraacuteter poliacutetico Buscam entatildeo identificar uma

narrativa uacutenica ou um conjunto de significados compartilhados entre membros de

uma organizaccedilatildeo (PUTNAM et al 2004)

A abordagem construtivista por sua vez estuda como o discurso constitui e

reconstitui arranjos sociais dentro dos diferentes contextos das organizaccedilotildees Essa

perspectiva defende a natureza poliacutetica do discurso pela sua utilizaccedilatildeo para produzir

manter ou resistir a diferentes formas de poder Desse modo como afirma Gomes

(GOMES 2014b) o domiacutenio do discurso eacute em si um recurso de poder e faz parte da

luta pela hegemonia

Dentro do guarda-chuva da abordagem construtivista existe um ramo

chamado anaacutelise criacutetica do discurso cuja metodologia considera importante ambos os

29

tipos de linguagem sendo a ldquolinguagem em usordquo importante para identificar como

regras e estruturas em interaccedilotildees discursivas constituem identidades e levam agrave sua

institucionalizaccedilatildeo e a lsquolinguagem em contextorsquo importante para compreender os

diferentes significados para o mesmo texto dependendo do contexto em que o

discurso estaacute inserido A Anaacutelise Criacutetica do Discurso (ACD) enxerga as organizaccedilotildees

como sendo os locais onde ocorrem a luta entre os discursos pela dominaccedilatildeo sendo

que cada grupo luta para que seus interesses moldem exerccedilam eou resistam ao

controle social dentro da entidade Assim o foco dessa perspectiva eacute como o discurso

constitui e eacute constituiacutedo pelas praacuteticas sociais

Os poacutes-modernistas criticam a anaacutelise criacutetica do discurso uma vez que se

voltam novamente ao texto ou seja agrave lsquolinguagem em usorsquo e apontam para a

bipolaridade da anaacutelise criacutetica do discurso que exclui todos os discursos fora da

loacutegica de poder e resistecircncia Essa abordagem defende que os textos satildeo repletos de

metaacuteforas para organizar e representar uma gama de significados variados que

estariam marginalizados Para isso a desconstruccedilatildeo dos textos eacute a principal

ferramenta dessa perspectiva

Apesar da resistecircncia dos poacutes-modernistas agrave anaacutelise criacutetica do discurso

entendemos que essa metodologia eacute interessante para essa pesquisa uma vez que ela

nos permite entender os significados e a disputa de poder embutida nessas

significaccedilotildees Mas para aleacutem disso a anaacutelise criacutetica do discurso nos permite

compreender as consequecircncias materiais dessa disputa do poder (GOMES 2014b)

Aleacutem disso outro ponto interessante que diferencia a Anaacutelise Criacutetica do

Discurso eacute a incorporaccedilatildeo de trecircs niacuteveis de discurso micro meso e macro (OSWICK

PHILLIPS 2012) Assim o discurso estaacute dentro de uma situaccedilatildeo dentro de uma

instituiccedilatildeo e dentro da sociedade respectivamente (OSWICK PHILLIPS 2012) Em

outras palavras

Based on these three different levels undertaking CDA involves (i)

the examination of the language in use (the text dimension) (ii) the

identification of processes of textual production and consumption (the

discursive practice dimension) and (iii) the consideration of the institutional

30

factors surrounding the event and how they shape the discourse (the social

practice dimension) (OSWICK PHILLIPS 2012 p 457)

Nesse sentido a Anaacutelise Criacutetica do Discurso relaciona esses trecircs niacuteveis ao

mesmo tempo que incorpora uma visatildeo criacutetica do discurso homogecircneo Busca dessa

forma compreender seus fundamentos para interrogaacute-lo e gerar mudanccedila social

como veremos na proacutexima seccedilatildeo

A escolha da ACD se deve primeiramente porque acreditamos que a realidade

social natildeo pode ser vista com um olhar positivista tentando encontrar padrotildees nas

interaccedilotildees discursivas olhando tambeacutem somente para o discurso como variaacutevel

relevante na produccedilatildeo de significados Nesse trabalho queremos analisar a produccedilatildeo

de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia nos contextos agraacuterio e

urbano natildeo buscando encontrar padrotildees em cada contexto mas para entender

qualitativamente como o contexto e o discurso se relacionam entre si para produzir

significados que influenciam nessa produccedilatildeo de poliacuteticas Portanto optamos por esse

olhar que inclui o contexto como fator essencial em conjunto com as interaccedilotildees

discursivas

A anaacutelise criacutetica do discurso eacute uma perspectiva que considera as relaccedilotildees

dialeacuteticas de poder na criaccedilatildeo e significaccedilatildeo de discursos (GOMES 2014b) e que

pretende enxergar o mundo a partir de um olhar criacutetico do que ele deveriapoderia ser

olhando para os discursos e para as suas manifestaccedilotildees na praacutetica e em elementos

extra-discursivos como forma de refletir sobre uma estrutura social que natildeo

conseguimos materializar Ou seja ela eacute uma opccedilatildeo ontoloacutegica porque queremos

olhar para essa estrutura social criticamente no sentido de entendermos o que eacute e

tambeacutem projetar como poderia ser a partir do entendimento do porquecirc as poliacuteticas

puacuteblicas satildeo desenhadas e implementadas da maneira como satildeo nesses contextos

agraacuterio e urbano Isto eacute natildeo queremos ser relativistas e afirmar que entendendo a

relaccedilatildeo entre interaccedilotildees discursivas e os contextos diferentes as realidades satildeo

justificaacuteveis por si soacute pois olhamos normativamente para as poliacuteticas puacuteblicas em

especial aquelas para mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia nessa pesquisa Isto eacute a

anaacutelise criacutetica do discurso pode ajudar a entender como o capitalismo neoliberal

31

impede em algumas medidas a emancipaccedilatildeo humana para entatildeo tentar informar

estrateacutegias de como mitigar ou acabar com essas limitaccedilotildees (FAIRCLOUGH 2010)

No contexto de poliacuteticas puacuteblicas sobre violecircncia contra a mulher seria o caso de

entender quais satildeo as manifestaccedilotildees da estrutura social machista para tentar informar

decisotildees de poliacuteticas puacuteblicas que possam efetivamente gerar mudanccedilas nessa

estrutura social

Assim a anaacutelise criacutetica do discurso eacute uma abordagem relacional ou seja seu

objeto natildeo eacute o discurso em si mas as relaccedilotildees sociais e as disputas de poder entre

essas relaccedilotildees em que o discurso eacute parte integrante pela produccedilatildeo reproduccedilatildeo e

transformaccedilatildeo de significados (FAIRCLOUGH 2010) Aleacutem disso sua perspectiva eacute

dialeacutetica no sentido que estuda as relaccedilotildees entre objetos que natildeo satildeo inteiramente

separaacuteveis ou seja suas naturezas satildeo parcialmente definidas pela relaccedilatildeo com o

outro Nesse sentido natildeo exclui a importacircncia dos elementos extra-discursivos

ressaltando seu caraacuteter transdisciplinar (FAIRCLOUGH 2010) O termo criacutetica

remete a uma abordagem normativa que aponta para a realidade como algo passiacutevel

de mudanccedila e nesse sentido busca estudar tanto o que existe quanto o que poderia

existir idealmente (FAIRCLOUGH 2010)

Deste modo para a anaacutelise criacutetica do discurso trecircs esferas satildeo importantes o

texto o discurso e o contexto social (PHILIPPS SEWELL JAYNES 2008) Essas

esferas interagem entre si conforme o esquema abaixo

Tabela 1 Diaacutelogo entre Diferentes Esferas na ACD

32

O sujeito locutor se encontra numa posiccedilatildeo social ou seja num lugar no

espaccedilo social em que ele possui um certo grau de agecircncia (PHILIPPS SEWELL

JAYNES 2008) A partir dessa posiccedilatildeo social o locutor fala ou escreve um texto que

se transforma em discurso no momento em que o locutor tenta mudar ou manter a

ordem social atraveacutes desse texto Esse discurso por sua vez produz conceitos que se

expressam na cultura refletindo sobre a maneira como ele e seus interlocutores

enxergam o mundo e se relacionam entre si Por fim esse discurso se transforma em

objeto quando se torna parte de uma ordem praacutetica (PHILIPPS SEWELLJAYNES

2008) sendo usado para fazer sentido das relaccedilotildees sociais e condiccedilotildees materiais do

contexto social voltando ao iniacutecio do ciclo

33A emancipaccedilatildeo como chave entre as esferas

A Anaacutelise Criacutetica do Discurso foi escolhida nesse trabalho pelo potencial de

emancipaccedilatildeo (FAIRCLOUGH 2010) que essa perspectiva epistemoloacutegica nos

permite uma vez que pretende analisar a estrutura social atraveacutes de suas

manifestaccedilotildees discursivas e extra-discursivas afim de informar maneiras de mudar a

estrutura social machista Para melhor entender como as esferas se relacionam no

ciclo do realismo criacutetico com a emancipaccedilatildeo dos cidadatildeos podemos fazer uso da

Texto

Discurso

Cultura

Objeto

Posiccedilatildeo Social

(Contexto)

Elaboraccedilatildeo proacutepria a partir de dados de PHILIPPS SEWELL JAYNES 2008

33

noccedilatildeo de emancipaccedilatildeo de Zygmunt Bauman (BAUMAN 2001) Segundo o autor haacute

uma diferenccedila importante a ser ressaltada entre a liberdade de jure e a liberdade de

facto que ocorrem na modernidade

Bauman (2001) explica que na modernidade os indiviacuteduos natildeo tecircm sua

identidade ligada a instituiccedilotildees sociais ou princiacutepios universais No lugar disso hoje

haacute uma autoconstruccedilatildeo fluiacuteda das identidades isso significa que haacute uma valorizaccedilatildeo

das diferenccedilas e que a identidade eacute continuamente definida e redefinida pelos proacuteprios

indiviacuteduos

Nesse sentido parece que chegamos ao auge da liberdade humana

(BAUMAN 2001) poreacutem na verdade essa liberdade eacute tecircnue Isso porque houve um

esvaziamento das funccedilotildees do Estado em relaccedilatildeo agraves escolhas dos indiviacuteduos ou seja

cada um escolhe sua identidade e seu modo de vida e deve se responsabilizar por

essas escolhas (BAUMAN 2001) A consequecircncia disso eacute uma esfera puacuteblica

constituiacuteda por aglomeraccedilotildees de anseios individualizados mas que natildeo conseguem

afetar a agenda puacuteblica porque natildeo ultrapassam a barreira de demandas individuais

para uma demanda maior e comum (BAUMAN 2001)

Entatildeo as pessoas satildeo chamadas cada vez menos a buscar respostas para suas

demandas na sociedade e no Estado mas em si mesmas (BAUMAN 2001) e seu

fracasso ou sucesso tambeacutem eacute de sua inteira responsabilidade Entatildeo surge a

diferenciaccedilatildeo de Bauman quanto aos tipos diferentes de liberdade amenizando o auge

da liberdade que supostamente vivemos

Os indiviacuteduos tecircm liberdade de escolha e satildeo responsabilizados pelas mesmas

poreacutem natildeo encontram recursos praacuteticos para realizar suas escolhas (BAUMAN

2001) Daiacute a contraposiccedilatildeo entre liberdade de jure e liberdade de facto A primeira

corresponde agrave liberdade formal muitas vezes colocada em lei que os indiviacuteduos

teriam agrave sua disposiccedilatildeo Mas a liberdade de facto ou seja a realizaccedilatildeo dos seus

anseios e decisotildees natildeo ocorre muitas vezes porque faltam condiccedilotildees materiais para

que isso aconteccedila Nessa contradiccedilatildeo que a condiccedilatildeo de emancipaccedilatildeo dos indiviacuteduos

natildeo eacute atingida porque natildeo conseguem efetivar a autodeterminaccedilatildeo de seus destinos

Essa questatildeo da emancipaccedilatildeo se torna relevante quando discutimos o realismo

criacutetico porque no tema estudado existe essa contradiccedilatildeo entre o que eacute de jure que faz

34

parte da esfera atual e o de facto que estaacute na esfera empiacuterica das condiccedilotildees extra-

discursivas dos indiviacuteduos de saiacuterem de um problema no caso a violecircncia de gecircnero

34 A pesquisa de campo e a coleta de dados

Para darmos continuidade agrave pesquisa fizemos algumas visitas de campo A

coleta de dados qualitativos foi com base em um roteiro semiestruturado que se

encontra disponiacutevel nos anexos Antes de cada entrevista foi acordado com cada

entrevistado a o termo de consentimento para uso das mesmas tambeacutem em anexo As

conversas foram gravadas a partir do consentimento dos entrevistados e transcritas agrave

posteriori Depois selecionamos os trechos mais relevantes para a pesquisa e

organizamos segundo os temas mais recorrentes Em seguida organizamos esses

temas recorrentes de acordo com a estratificaccedilatildeo ontoloacutegica do realismo criacutetico

Dessa forma primeira etapa da coleta de dados foi realizada em Janeiro de

2015 em Goiaacutes Ateacute 2014 existia uma Secretaria de Poliacuteticas para as Mulheres e

Promoccedilatildeo da Igualdade Racial (SEMIRA) Nessa secretaria havia e haacute ainda na nova

superintendecircncia haacute uma accedilatildeo da Secretaria Federal de Poliacuteticas para as Mulheres de

unidades moacuteveis para mulheres do campo e da floresta No caso de Goiaacutes consiste

em disponibilizar ocircnibus que iam de Goiacircnia para as cidades do interior com equipes

multidisciplinares para fazer palestras sobre violecircncia de gecircnero informar a

populaccedilatildeo e dar assistecircncia (meacutedica psicoloacutegica juriacutedica) agraves mulheres que

procurassem a equipe Nas eleiccedilotildees de 2014 Marconi foi reeleito governador de

Goiaacutes no entanto mudou a estrutura das suas secretarias dissolvendo a SEMIRA e

colocando a pasta das mulheres numa secretaria muito mais ampla a Secretaria da

Mulher do Desenvolvimento Social da Igualdade Racial dos Direitos Humanos e do

Trabalho

A pesquisa de campo em Goiaacutes aconteceu em trecircs cidades Caldas Novas

Goiacircnia e Professor Jamil Os oacutergatildeos e entidades entrevistados em ordem

cronoloacutegica foram CREAS Secretaria Estadual da Mulher Desenvolvimento Social

Igualdade Racial Direitos Humanos e Trabalho Equipe de Unidades Moacuteveis

35

DEAM Centro Popular da Mulher Observatoacuterio de Seguranccedila Puacuteblica e Secretaria

Municipal da Mulher de Professor Jamil

Comeccedilamos a parte de campo da pesquisa em Caldas Novas cidade a 167

quilocircmetros de Goiacircnia com 70473 habitantes sendo da 2759 zona rural e 67714

da zona urbana (IBGE 2015) Caldas Novas natildeo possui um oacutergatildeo especiacutefico da

prefeitura para lidar com a violecircncia de gecircnero O uacutenico oacutergatildeo responsaacutevel por

receber as viacutetimas desse tipo de violecircncia eacute o CREAS que atende mulheres idosos

crianccedilas e adolescentes em situaccedilatildeo de vulnerabilidade

A seguir realizamos entrevistas na Secretaria da Mulher do Desenvolvimento

Social da Igualdade Racial dos Direitos Humanos e do Trabalho em uma Delegacia

Especializada em Atendimento agrave Mulher e no Observatoacuterio de Seguranccedila Puacuteblica da

Secretaria de Seguranccedila Puacuteblica de Goiaacutes Goiacircnia eacute a capital de Goiaacutes com

aproximadamente 1302001 habitantes em 2010 (IBGEb 2015) Desse nuacutemero

1297155 estavam em aacuterea urbana e 4846 na zona rural (IBGEb 2015)

Finalmente a uacuteltima entrevista de campo em Goiaacutes foi em Professor Jamil Eacute

uma cidade a 70 quilocircmetros de Goiacircnia com 3239 habitantes sendo 978 da zona

rural e 2261 da zona urbana (IBGEc 2015) A cidade foi indicada pela equipe de

unidades moacuteveis da Secretaria da Mulher do Desenvolvimento Social da Igualdade

Racial dos Direitos Humanos e do Trabalho pela lideranccedila forte na cidade

Aleacutem da pesquisa de campo em Goiaacutes a segunda parte do campo consistiu em

conhecer tambeacutem a situaccedilatildeo de Satildeo Paulo Primeiramente buscamos informaccedilotildees

sobre as poliacuteticas puacuteblicas existentes para combater a violecircncia de gecircnero na esfera do

governo estadual de Satildeo Paulo Foi muito dificultosa essa busca uma vez que natildeo haacute

secretaria especiacutefica e mesmo em sites de busca encontramos escassas referecircncias

como o Hospital Peacuterola Byington como accedilatildeo puacuteblica destinada a esse puacuteblico

especiacutefico Depois de muitas pesquisas encontramos no site da Secretaria de Justiccedila e

Defesa da Cidadania uma Coordenaccedilatildeo de Poliacuteticas para a Mulher (SAtildeO PAULO

2015) Achamos simboacutelico essa coordenaccedilatildeo aleacutem de ser pouco visiacutevel estar listada

em uacuteltimo lugar na lista de coordenaccedilotildees da secretaria e contar apenas com duas

pessoas em sua equipe

36

Infelizmente natildeo foi possiacutevel realizarmos entrevista com ningueacutem da equipe

do Peacuterola Byington pois devido a uma reforma do local a equipe natildeo aceitou nos

receber para uma entrevista Apesar disso tentamos em trecircs tentativas explicar que o

nosso foco era uma conversa com algueacutem da equipe e natildeo necessariamente conhecer

a estrutura fiacutesica Mesmo assim ningueacutem se disponibilizou a conceder uma entrevista

para a pesquisa

No mais conseguimos trecircs entrevistas em Satildeo Paulo com a coordenadora de

uma subsecretaria de poliacuteticas para as mulheres com uma delegada de uma Delegacia

Da Mulher (DDM) da Grande Satildeo Paulo e com uma representante do Nuacutecleo

Especializado de Promoccedilatildeo dos Direitos da Mulher (NUDEM) Como surgiu em Satildeo

Paulo a necessidade de manter anonimato de alguns entrevistados optamos por

manter a uniformidade da pesquisa e natildeo identificar nenhum dos entrevistados Tendo

em vista que foram bastante entrevistados decidimos adotar nomes fictiacutecios para os

mesmos a fim de situar melhor o leitor em relaccedilatildeo agraves citaccedilotildees presentes na anaacutelise

dos discursos

Tambeacutem com o intuito de facilitar a leitura codificamos com cores a partir

das caracteriacutesticas da organizaccedilatildeo em que o entrevistado trabalha Sendo assim a cor

azul se refere a profissionais de assistecircncia social mais geral isto eacute sem foco para o

Tabela 2 Quadro de Entrevistados

Fonte Autoria proacutepria

37

atendimento a mulheres Por sua vez a cor roxa eacute para sinalizar os entrevistados que

trabalham no primeiro ou terceiro setor em organizaccedilotildees voltadas especificamente

para mulheres em um sentido amplo O laranja eacute para organizaccedilotildees policiais e por

fim o verde representa as instacircncias do poder judiciaacuterio especiacuteficas para mulheres

38

4 A Anaacutelise

41 As poliacuteticas puacuteblicas de violecircncia de gecircnero no Brasil

Por traacutes desses nuacutemeros preocupantes haacute uma construccedilatildeo de sentidos sobre o

eacute violecircncia contra a mulher suas causas consequecircncias e qual o desenho adequado

das poliacuteticas puacuteblicas O tema definitivamente entrou na agenda puacuteblica brasileira

somente no final dos anos setenta com o aumento do nuacutemero de assassinatos de

mulheres de classe meacutedia e a visibilidade dada agrave questatildeo pela miacutedia e autoridades

(BANDEIRA 2014) o que natildeo implica que os sentidos da violecircncia contra mulher

natildeo estejam em constante negociaccedilatildeo Nessa mesma eacutepoca a violecircncia contra a

mulher se transformou na principal bandeira do movimento feminista brasileiro

(BANDEIRA 2014) Bandeira (2014) relata que a partir disso e com a abertura

democraacutetica a sociedade civil se aliou agrave academia para pressionar politicamente em

prol de uma resposta do Estado a esse problema Podemos perceber que a violecircncia

de gecircnero nesse periacuteodo era entendida como violecircncia sexual sobretudo cometida por

maridos e ex-companheiros

A primeira mudanccedila foi a transformaccedilatildeo dos ldquocrimes de violecircncia sexual

como crimes contra a pessoa natildeo mais contra os costumesrdquo (BANDEIRA 2014 pg

452) Logo em seguida 1985 foram criadas delegacias proacuteprias para esse problema

as Delegacias Especiais de Atendimento agraves Mulheres com a visatildeo de era necessaacuterio

endereccedilar o problema das mortes das mulheres com um olhar feminino com maior

prioridade do que a violecircncia mais ampla sofrida no dia-a-dia pelas mulheres Essa

medida deu visibilidade agrave violecircncia sobretudo pelo criaccedilatildeo de um canal que

possibilitou o aumento de denuacutencias por parte das viacutetimas

Nos anos noventa comeccedilaram as accedilotildees de Casas de Abrigo para receber

mulher em risco de vida hoje contando com 80 espalhadas pelo paiacutes (BANDEIRA

2014) Apesar de o novo contexto poliacutetico de redemocratizaccedilatildeo nesse periacuteodo ter

aberto ldquonovos canais institucionais e estruturas de alianccedilas ineacuteditos para o movimento

feminista brasileirordquo (MACIEL 2011 p97) houve um retrocesso em termos de

poliacuteticas puacuteblicas para combater agrave violecircncia de gecircnero A mesma foi enquadrada na

39

Lei nordm 909995 que discorre sobre o julgamento de crimes de ldquomenor potencial

ofensivordquo (BANDEIRA 2014) e portanto busca a conciliaccedilatildeo das partes e prevecirc

uma pena de no maacuteximo dois anos de reclusatildeo (BANDEIRA 2014) Nesse mesmo

ano foram criados os Juizados Especiais Criminais que ldquose tornaram rapidamente o

escoadouro de denuacutencias de agressotildees contra a mulher nos acircmbitos domeacutestico e

familiarrdquo (MACIEL 2011 p103) mas operando em uma loacutegica de impunidade dos

agressores e desatenccedilatildeo agraves viacutetimas Bandeira (2014) ressalta a opiniatildeo generalizada

dos operadores juriacutedicos de que era desnecessaacuterio criar uma lei especiacutefica para tratar

da violecircncia de gecircnero (BANDEIRA 2014)

Esse cenaacuterio mudou principalmente pela pressatildeo internacional uma vez que o

Brasil assinou compromissos com tratados e convenccedilotildees internacionais de Direitos

Humanos que tratavam da violecircncia de gecircnero de maneira ampla (BANDEIRA

2014) Isto eacute o Brasil foi movido a ressignificar a violecircncia de gecircnero incluindo

tambeacutem a violecircncia psicoloacutegica e moral como parte desse quadro caracterizando a

violecircncia de gecircnero como violaccedilatildeo dos direitos humanos (MACIEL 2011) e servindo

de base para a criaccedilatildeo da Lei Maria da Penha (BANDEIRA 2014) Segundo

Bandeira (2014) essa lei significou uma ldquonova forma de administraccedilatildeo legal dos

conflitos interpessoais embora ainda natildeo seja de pleno acolhimento pelos operadores

juriacutedicosrdquo (BANDEIRA 2014)

Essa lei trouxe pela primeira vez o reconhecimento da mulher como parte

lesada nos casos de violecircncia de gecircnero e a obrigaccedilatildeo de o Estado responder a esse

crime natildeo atraveacutes de mediaccedilatildeo de conflitos no acircmbito privado mas de garantias de

direitos no acircmbito puacuteblico agraves viacutetimas O projeto inicial foi feito pela CFMEA e

entregue agrave Secretaria Especial de Poliacuteticas para Mulheres em 2004 que depois o

encaminhou para o Legislativo (MACIEL 2011) Esse primeiro projeto natildeo tratava

da retirada de competecircncia dos Juizados Especiais Criminais para tratar de violecircncia

de gecircnero e natildeo estabelecia a criaccedilatildeo de outra instacircncia juriacutedica especiacutefica para tratar

da mesma (MACIEL 2011) Nesse meio tempo em 2003 o Executivo Federal

sancionou por meio da Lei n107782003 a obrigatoriedade de notificaccedilatildeo por toda a

rede de sauacutede puacuteblica e privada de todos os casos de violecircncia contra a mulher

(BANDEIRA 2014) No ano seguinte em 2004 lanccedilado o primeiro Plano Nacional

40

de Poliacuteticas Puacuteblicas para as Mulheres (MACIEL 2011) Ainda antes da aprovaccedilatildeo

da Lei Maria da Penha em 2005 foi implementado o Ligue 180 pela SPM que

encaminhava as denuacutencias para a Secretaria de Seguranccedila Puacuteblica ou para o

Ministeacuterio Puacuteblico (BANDEIRA 2014) Somente em 2006 foi aprovada LMP no

contexto relatado por Maciel

O calendaacuterio das eleiccedilotildees presidenciais e legislativas foi decisiva para

ampliar a capacidade de pressatildeo poliacutetica o movimento conseguiu a

aprovaccedilatildeo nas duas casas legislativas do substituto o Projeto de Lei n

372006 que afastava formalmente a competecircncia dos Juizados para o

tratamento dos processos oriundos de violecircncia domeacutestica (MACIEL 2011

p103)

A Lei Maria da Penha trata violecircncia de gecircnero como problema puacuteblico a

garantia dos direitos fundamentais e ldquotodas as oportunidades e facilidades para viver

sem violecircncia preservar a sauacutede fiacutesica e mental e o aperfeiccediloamento moral

intelectual e social assim como as condiccedilotildees para o exerciacutecio efetivo dos direitos agrave

vida agrave seguranccedila e agrave sauacutederdquo (MENEGHEL 2013 p692)

A Lei Maria da Penha foi um marco no histoacuterico do tratamento do Estado agrave

violecircncia de gecircnero pois foi pioneira na tipificaccedilatildeo da violecircncia Como coloca

Meneghel

A Lei Maria da Penha tipificou a violecircncia denominando-a violecircncia

domestica e a definiu como qualquer accedilatildeo ou omissatildeo baseada no gecircnero que

cause morte lesatildeo sofrimento fiacutesico sexual psicoloacutegico e dano moral ou

patrimonial agraves mulheres ocorrida em qualquer relaccedilatildeo iacutentima de afeto na

qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida

independentemente de coabitaccedilatildeo (MENEGHEL 2013 p693)

Depois de aprovada a lei no entanto o movimento feminista brasileiro se

deparou com uma nova agenda a de garantir a efetividade da implementaccedilatildeo da Lei

41

Maria da Penha Nesse sentido foi criado em 2007 pela alianccedila entre organizaccedilotildees

de mulheres e nuacutecleos universitaacuterios o Observatoacuterio Nacional de Implementaccedilatildeo e

Aplicaccedilatildeo da Lei Maria da Penha ldquopara produzir analisar e divulgar informaccedilotildees

sobre a aplicaccedilatildeo da Lei pelas delegacias Ministeacuterio Puacuteblico Defensoria Puacuteblica

poderes Judiciaacuterio e Executivo e redes de atendimento agrave mulherrdquo (MACIEL 2011

p104) No mesmo ano o Programa Nacional ade Seguranccedila Puacuteblica com Cidadania

do governo federal colocou como objetivo a criaccedilatildeo de Juizados de Violecircncia

Domeacutestica e Familiar (MACIEL 2011) Esse plano incluiacutea tambeacutem a necessidade de

capacitaccedilatildeo especiacutefica de agentes puacuteblicos para lidar com essas viacutetimas (MACIEL

2011) Jaacute em 2008 a ldquoCampanha 16 Dias de Ativismo pelo Fim da Violecircncia contra

as Mulheresrdquo foi realizada em parceria com a SPM e teve ampla adesatildeo da esfera

puacuteblica estatal e natildeo estatal nacional e internacional (MACIEL 2011)

Ou seja a accedilatildeo coletiva do movimento feminista brasileiro pressionou

primeiramente o poder Legislativo para incluir na agenda de poliacuteticas puacuteblicas o

problema da violecircncia de gecircnero Depois da vitoacuteria da aprovaccedilatildeo da Lei Maria da

Penha comeccedilou a pressionar os poderes Executivo e Judiciaacuterio para garantir que a

mesma fosse efetiva

42 Contextualizaccedilatildeo da Anaacutelise

O objetivo desse trabalho eacute compreender os diferentes sentidos dados agrave violecircncia

de gecircnero nos contextos urbano e agriacutecola Para entendermos melhor esse objetivo e

como iremos trabalhar para atingi-lo eacute necessaacuterio explicitar como ele estaacute

relacionado aos diferentes domiacutenios do Realismo Criacutetico (vide seccedilatildeo da metodologia

em que delimitamos esses domiacutenios e mostramos como se relacionam entre si) O

nosso foco nas evidecircncias de cada domiacutenio especificamente no tema de violecircncia de

gecircnero vai nos ajudar a analisar em seguida os dados coletados na pesquisa jaacute que

essas evidecircncias satildeo a ponte para a compreensatildeo dos domiacutenios abstratos

42

Domiacutenio Evidecircncias

Real Machismo

Atual Discursos sobre desigualdade de gecircnero e

violecircncia de gecircnero

Empiacuterico Poliacuteticas e accedilotildees puacuteblicas

Elementos extra-discursivos

Entatildeo precisamos entender quais os sentidos atribuiacutedos pelos entrevistados agrave

violecircncia de gecircnero Isso eacute relevante porque os sentidos atribuiacutedos delimitam a

compreensatildeo do problema no caso a violecircncia de gecircnero A maneira como o

problema eacute compreendido afeta quais os tipos de poliacuteticas puacuteblicas construiacutedas ou a

ausecircncia delas Essas poliacuteticas puacuteblicas por sua vez podem alterar a estrutura social

ou reforccedilar a mesma voltando para o domiacutenio do real Aleacutem disso essas poliacuteticas

puacuteblicas satildeo afetadas pelos elementos extra-discursivos como orccedilamento estrutura

fiacutesica e recursos humanos que por sua vez podem ser tanto causados por ou

causadores da estrutura social machista Ou seja podemos pensar que os locus de

formulaccedilatildeo eou implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo de

violecircncia satildeo esvaziadas de recursos como consequecircncia da falta de importacircncia dada

ao problema devido agrave estrutura social machista que permanece mas ao mesmo tempo

como instrumento de manutenccedilatildeo dessa mesma estrutura

Tambeacutem eacute interessante retomarmos as caracteriacutesticas da Anaacutelise Criacutetica do

Discurso para relacionaacute-las agraves entrevistas realizadas Primeiramente realismo criacutetico

eacute relacional (FAIRCLOUGH 2010) o que no caso significa que a estrutura social do

machismo os discursos sobre desigualdade de gecircnero e violecircncia de gecircnero e os

elementos extra-discursivos natildeo podem ser analisados separadamente Isto se deve ao

fato de que cada elemento interage com os demais sendo afetado e afetando-os

mutuamente Entatildeo natildeo podemos falar em machismo sem justificar sua existecircncia

Tabela 3 Os Domiacutenios do Realismo Criacutetico e suas Evidecircncias

Fonte Autoria proacutepria

43

enquanto estrutura social via suas manifestaccedilotildees tanto discursivas quanto extra-

discursivas Mas tambeacutem natildeo podemos pensar nessas manifestaccedilotildees sem entender a

relaccedilatildeo delas com a estrutura social que pode ser geradora eou influenciada pelos

discursos e elementos extra-discursivos

Aleacutem disso a anaacutelise criacutetica do discurso eacute dialeacutetica (FAIRCLOUGH 2010) Isso

significa que o machismo e a violecircncia de gecircnero natildeo podem ser analisados como

uma relaccedilatildeo causal uacutenica por exemplo a estrutura social machismo gera a violecircncia

de gecircnero No caso a estrutura social machista tem como uma das suas

consequecircncias manifestaccedilotildees como a violecircncia de gecircnero mas esta violecircncia atua

reproduzindo a estrutura social machista ou entatildeo transformando a mesma

Para entender melhor as entrevistas realizadas agrave luz da ontologia do realismo

criacutetico dividimos a anaacutelise da pesquisa em duas partes principais as manifestaccedilotildees

discursivas da estrutura social e suas manifestaccedilotildees extra-discursivas Na primeira

seccedilatildeo iremos partir do plano geral das manifestaccedilotildees do machismo e em seguida focar

na manifestaccedilatildeo especiacutefica de violecircncia de gecircnero E na segunda parte iremos

descrever e analisar questotildees de recursos humanos fiacutesicos e orccedilamentaacuterios

43 Manifestaccedilotildees discursivas da estrutura social

Durante a pesquisa encontramos evidecircncias de diferentes sentidos dados

pelos atores sobre desigualdade de gecircnero Mesmo com suas diferenccedilas a principal

referecircncia dos entrevistados eacute a cultura de que o mundo em geral eacute machista e o

Brasil o eacute com mais intensidade

Percebemos que a desigualdade entre os gecircneros envolve discursos que

acabam encontrando entraves durante as falas dos entrevistados Por exemplo

segundo Faacutebio a mulher eacute vista pela sociedade como sexo fraacutegil apesar ser na praacutetica

mais forte porque ldquose um homem pega uma gripe ele cai na cama e natildeo levanta pra

nada a mulher taacute de gripe ela taacute limpando casa taacute lavando vasilha taacute fazendo

almoccedilordquo Ele comeccedila o seu discurso preocupado com a visatildeo da sociedade de que a

mulher eacute um sexo fraacutegil e inferior ao homem demonstrando um discurso contraacuterio agrave

estrutura social machista No entanto ele muda seu discurso no meio da frase

44

justificando sua posiccedilatildeo contraacuteria a essa estrutura com exemplos de atividades

colocadas pela estrutura social machista como atividades de mulher limpar lavar

cozinhar

Luiz reforccedilou sua crenccedila no que seria a igualdade de gecircnero a ser perseguida

diante do discurso de Faacutebio

Natildeo significa vocecirc ser submisso vocecirc saber como deve ser conduzida

uma relaccedilatildeo um casamento Eacute questatildeo de respeito mesmo O significado forte

da famiacutelia o que significa famiacutelia Ou qual eacute a figura do pai qual eacute a figura

da matildee O que eacute a figura do homem dentro da sociedade o que eacute a figura da

mulher dentro da sociedade Entatildeo trabalhar essa questatildeo da igualdade eacute

muito difiacutecil porque a gente natildeo pode confundir com certas libertinagens E

tem mulheres hoje mal instruiacutedas que natildeo tecircm uma instruccedilatildeo pra que isso

aconteccedila

Nesse discurso Luiz reforccedila as figuras do homem e da mulher da estrutura

social machista pois atribui um sentido normativo agrave ideia de relaccedilatildeo casamento e

famiacutelia isto eacute coloca como sendo relaccedilotildees positivas onde existem claramente os

papeis da mulher e do homem e consequentemente coloca como relaccedilotildees negativas

relaccedilotildees que natildeo seguem esse padratildeo estabelecido socialmente Seu discurso

evidecircncia o machismo da esfera real podemos dizer que aqui se manifesta

inconscientemente quando afirma que a igualdade entre os gecircneros eacute ameaccedilada por

ldquolibertinagensrdquo que segundo ele decorrem de uma falha da mulher por falta de

ldquoinstruccedilatildeordquo de cumprir seu papel enquanto ldquofigura de mulherrdquo dentro de uma

relaccedilatildeo Nesse sentido tambeacutem haacute evidecircncias de que o sentido construiacutedo por ele de

um relacionamento eacute heteronormativo em que necessariamente deve haver a ldquofigura

do homemrdquo e a ldquofigura da mulherrdquo o que faz parte tambeacutem da estrutura social

machista

Esse reforccedilo dos papeis sociais desiguais seria explicado segundo Roberta

pela educaccedilatildeo sexista que ainda existe no Brasil em que homens e mulheres satildeo

educados diferentemente pelas famiacutelias e pelas escolas Ela explica que ldquogeralmente

45

os brinquedos que aguccedilam a criatividade da crianccedila satildeo masculinos a menina ainda

brinca com boneca com panelinha enfim com as lides domeacutesticasrdquo

Aleacutem disso outro fator apontado como importante para a desigualdade entre

os gecircneros eacute o arcabouccedilo juriacutedico que historicamente privilegiou os homens porque

segundo a Talita ldquonoacutes temos um paiacutes muito marcado pelo machismo nossa lei que

trata especificamente sobre o assunto eacute ainda muito jovem noacutes nos deparamos com

muitas injusticcedilas antes da existecircncia da Lei Maria da Penha ateacute algumas deacutecadas

atraacutes a mulher sequer votavardquo

Em contraposiccedilatildeo Ana Paula contou uma anedota para justificar que as

causas da desigualdade de gecircnero vatildeo aleacutem de leis

Aiacute eu chamei uma amiga a faxineira uma pessoa muito humilde

terceirizada () e aiacute eu perguntei lsquofulana vocecirc tem relaccedilatildeo com o seu

marido quandorsquo Aiacute ela ficou sem graccedila ela disse aiacute doutora E eu lsquoDiz pra

eles quandorsquo lsquoQuando ele querrsquo E aiacute eu acho que haacute um tempo longo entre a

cultura e a lei

A cultura nessa fala pode ser vista como parte da esfera atual em que os seres

humanos ativam as estruturas do domiacutenio real construindo sentidos a partir delas

Nesse caso o domiacutenio do real eacute a estrutura social machista que eacute ativada por meio da

cultura nesse caso citado por Ana Paula com evidecircncias de elementos de

sexualidade que influenciam e satildeo influenciados pela estrutura social desigual entre

homens e mulheres Jaacute a lei agrave qual Ana Paula se refere a Lei Maria da Penha faz

parte do domiacutenio do empiacuterico ou seja uma legislaccedilatildeo fruto de eventos e accedilotildees da

sociedade Quando a entrevistada diz que ldquohaacute um tempo longo entre a cultura e a

leirdquo ela mostra evidecircncias de que o domiacutenio do empiacuterico pode trazer inovaccedilotildees

como a Lei Maria da Penha Poreacutem isso natildeo significa que a lei necessariamente

revolucione a estrutura social como a cultura que nesse caso que continua

reproduzindo um comportamento sexual machista em que o homem determina

quando quer ter relaccedilotildees sexuais e a mulher natildeo tem voz

Na pesquisa surgiram dois sentidos dados agrave maneira como o machismo se

46

manifesta na sociedade relativos ao grau de instruccedilatildeo e agrave estrutura econocircmica O

primeiro foi reforccedilada pelos funcionaacuterios do CREAS visitado por Talita e por Rafael

Segundo os entrevistados quanto mais educaccedilatildeo e mais informaccedilatildeo chegam ateacute as

pessoas menos machistas elas satildeo Rafael afirmou que a falta de instruccedilatildeo das

mulheres da aacuterea rural decorrente de uma menor escolaridade e maior isolamento

seriam geradoras de uma subnotificaccedilatildeo de casos de violecircncia (vide seccedilatildeo 2) na zona

agraacuteria Ele conta que essa subnotificaccedilatildeo ldquoeacute incentivada primeiro no meu ponto de

vista pela questatildeo cultural da proacutepria mulher natildeo procurar que ela eacute mais

desprovida de informaccedilatildeo e tudo maisrdquo Consequentemente a diferenccedila nas

manifestaccedilotildees do machismo nas aacutereas rural e urbana seria a intensidade porque

segundo estes entrevistados a aacuterea rural teria um vatildeo de instruccedilatildeo e informaccedilatildeo

recebida em relaccedilatildeo agrave aacuterea urbana

Aqui temos dois elementos da esfera real dialogando entre si O grau de instruccedilatildeo

estaacute relacionado agrave estrutura social diferente entre aacutereas agraacuterias e urbanas E a

estrutura social machista tambeacutem se localiza no plano real como mencionamos

anteriormente Assim uma desigualdade estrutural de instruccedilatildeo agravaria uma outra

desigualdade de gecircnero no caso justificando elementos discursivos (atual) e extra-

discursivos (empiacuterico) que reforccedilam uma dupla desigualdade evidenciando uma

minoria dentro das minoria das mulheres as mulheres da zona agraacuteria

Por outro lado Laura e Roberta afirmaram a importacircncia das estruturas

econocircmicas na manifestaccedilatildeo do machismo Roberta colocou a questatildeo da composiccedilatildeo

da renda familiar porque ldquona aacuterea rural o homem continua sendo chefe de famiacutelia

mesmo que a legislaccedilatildeo tenha mudadordquo Aleacutem disso ela afirma que a estrutura do

trabalho do campo que eacute direcionada pelo homem aumenta seu poder na relaccedilatildeo

com a mulher Segundo Laura esse poder seria explicitado na maneira mais aberta de

o machismo se manifestar na aacuterea rural Segundo ela ldquoo cara diz lsquoeu natildeo querorsquo

lsquovocecirc natildeo vairsquo lsquoassim natildeo podersquo lsquoporque eu sou homemrsquo lsquoeu que faccedilo issorsquo lsquoessa eacute

a sua tarefarsquo isso (o machismo) eacute claro no mundo rural existe uma abertura maior

para se dizerrdquo

Outras evidecircncias da manifestaccedilatildeo do machismo na divisatildeo das tarefas

domeacutesticas e na proacutepria convivecircncia com a famiacutelia esteve presente no discurso da

47

Ana Paula Segundo ela a mulher tem na nossa sociedade a responsabilidade com a

casa e com a famiacutelia enquanto o homem fica mais livre dessas obrigaccedilotildees Um

exemplo que ela apresenta eacute ldquoateacute no meu bairro eu me irrito porque os homens vatildeo

beber no bar como que os homens vatildeo beber no bar e as mulheres tatildeo em casa

lavando passando cozinhando cuidando dos filhos no saacutebadordquo

Vitoacuteria mostrou que na aacuterea urbana a manifestaccedilatildeo do machismo estaacute

relacionada agrave sexualidade da mulher porque segundo ela as outras desigualdades de

gecircnero seriam dadas como conquistadas apesar de natildeo o serem efetivamente Por isso

ela afirma que ldquo(o machismo) fica essa coisa escondida escamoteadardquo O sentido

dado por Vitoacuteria ao falar de machismo ldquoescondidordquo nos remete ao domiacutenio do real

Isto eacute na aacuterea urbana avanccedilos foram sido logrados como a entrada da mulher no

mercado de trabalho gerando maior independecircncia financeira aumento gradual da

participaccedilatildeo poliacutetica das mulheres dentre outros Contudo essas mudanccedilas estatildeo no

campo do atual e do empiacuterico mas natildeo foram suficientes para mudar a esfera do real

levando agrave permanecircncia da estrutura social machista Ou seja o machismo permanece

ldquoescondidordquo em partes da vida social como na sexualidade da mulher que acabam

reforccedilando uma relaccedilatildeo desigual com a mulher colocada em situaccedilatildeo inferior ao

homem

Depois de um olhar mais geral para as manifestaccedilotildees do machismo agraves quais os

entrevistados deram sentidos olhamos mais especificamente nas entrevistas uma de

suas manifestaccedilotildees a violecircncia de gecircnero que perpassa pelos vaacuterios tipos de

violecircncia descritos na Lei Maria da Penha Na conversa com a equipe do CREAS

nos foi relatado que quase natildeo chegam queixas da zona agraacuteria mas a conclusatildeo da

equipe eacute de que a violecircncia na zona agraacuteria eacute mais psicoloacutegica do que fiacutesica Essa

conclusatildeo se baseia no seguinte discurso construiacutedo pela equipe

Entatildeo ela vem na cidade ela faz a compra ela vem matricular os

filhos na escola e soacute volta no outro ano E ela estaacute ali a alegria dela Agraves vezes

a gente percebe quando a gente atende uma mulher do campo ela sempre

traz uma manga uma fruta que ela que colhe E isso faz com que ela fique

realmente responsaacutevel pelos filhos pela casa por algumas coisas ali que

48

beneficiam muito o homem Por isso que a violecircncia fiacutesica natildeo acontece

Porque para acontecer a violecircncia fiacutesica precisa de muita ira E ela natildeo estaacute

vendo o que estaacute acontecendo aqui na cidade Quando o marido vem entregar

o leite se ele daacute um litro de leite para uma menininha ali Se ele tem um

casinho ali ou outro ali vocecirc entendeu Ele fica mais solto Ele eacute

responsaacutevel por suprir toda a necessidade ali da zona rural mas ela fica ali

cuidando de tudo

Nessa fala temos evidecircncias de que a construccedilatildeo de sentidos sobre as causas

da violecircncia de gecircnero acabam voltando para a estrutura social machista e colocando

a mulher como culpada pela situaccedilatildeo Isso porque o discurso coloca a ira como causa

da violecircncia fiacutesica e depois a ira como algo gerado pela insatisfaccedilatildeo da mulher com

os comportamentos do homem Assim a fala comeccedila com um tom normativo

positivo de que a mulher eacute feliz no campo e de que na aacuterea rural a violecircncia fiacutesica

natildeo ocorre mas depois acaba culpabilizando as mulheres da aacuterea urbana pela

violecircncia fiacutesica que ocorre na cidade porque se ocorre eacute em decorrecircncia de seus

comportamentos que geram a ira no homem

Segundo a Roberta as mulheres da zona rural sofrem um tipo de violecircncia que

eacute menos comum na aacuterea urbana a violecircncia patrimonial Isso ocorre porque apesar

de a mulher trabalhar no campo com a produccedilatildeo de alimentos e tarefas domeacutesticas

ela natildeo tem remuneraccedilatildeo pelo trabalho realizado e o homem acaba sendo quem tem

posse do patrimocircnio da famiacutelia e quem decide todos os gastos

Vitoacuteria por outro lado tem outro discurso

()violecircncia de gecircnero eacute violecircncia de gecircnero em todos os lugares

Mas assim eacute que eu acho que eacute difiacutecil de falar mas acho que natildeo acho que

assim (pausa) talvez uma outra questatildeo diferente talvez na aacuterea rural vocecirc

tenha mais essa questatildeo da concretude da questatildeo da localidade a violecircncia

ser fiacutesica domeacutestica natildeo eacute uma coisa tatildeo refinada quanto na aacuterea urbana

que hoje vocecirc vecirc violecircncias na internet vocecirc tem tecnologia para usar para

isso

49

Podemos entatildeo depreender que as diferenccedilas em termos da violecircncia de

gecircnero nas zonas rurais e urbanas satildeo ainda muito pouco compreendidas como

podemos perceber pela pluralidade de concepccedilotildees em termos do que acontece e pelas

notificaccedilotildees natildeo chegarem ateacute os locais que trabalham com mulheres em situaccedilatildeo de

violecircncia

Existem divergecircncias tambeacutem quanto ao que eacute poliacutetica de gecircnero e

consequentemente como ela deveria ser executada Para Ana Paula poliacutetica de

gecircnero eacute uma poliacutetica que reconhece a vulnerabilidade do gecircnero feminino frente ao

masculino e a partir disso tem um enfoque na equiparaccedilatildeo das desigualdades em

todas as secretarias e natildeo apenas em uma secretaria de poliacuteticas para as mulheres

especificamente

Em contraste a essa visatildeo Roberta defende a necessidade de um oacutergatildeo

especiacutefico para tratar da poliacutetica de gecircnero uma vez que existem especificidades

dessa poliacutetica puacuteblica que a organizaccedilatildeo seria responsaacutevel por garantir Segundo ela

Se jaacute houvesse a equidade de gecircnero seja no trabalho na casa enfim nas

relaccedilotildees natildeo precisaria mesmo de um organismo Mas como a mulher tem

questotildees especiacuteficas como a sauacutede da mulher o trabalho da mulher a

capacitaccedilatildeo entatildeo noacutes temos que ter poliacuteticas puacuteblicas desenvolvidas em um

espaccedilo puacuteblico e que esse espaccedilo se comunique com os demais porque as

poliacuteticas satildeo transversais Quando noacutes falamos de mulher noacutes estamos

falando de sauacutede de educaccedilatildeo de seguranccedila que satildeo poliacuteticas que estatildeo

sendo desenvolvidas em outras aacutereas institucionais Mas a importacircncia da

concentraccedilatildeo em um organismo eacute porque esse organismo vai fazer a

articulaccedilatildeo com os demais promover essa transversalidade e de fato

implementar essas poliacuteticas especiacuteficas

Eacute interessante notar tambeacutem que haacute uma diferenccedila nos discursos quanto agrave

igualdade de gecircnero que foi apontada pela maioria dos entrevistados como o objetivo

da poliacutetica de gecircnero Segundo Vitoacuteria a igualdade buscada por esse tipo de poliacutetica

50

seria material ou seja efetivar as igualdades da lei entre homens e mulheres Jaacute para

Talita essa poliacutetica seria responsaacutevel por ldquotentar adequar todas essas diferenccedilas e

natildeo igualar todos porque natildeo somos iguais mas tentar equilibrar para que todos noacutes

possamos viver pacificamente e sem existir essa relaccedilatildeo de subordinaccedilatildeo que haacute

muitas vezes entre homem e mulherrdquo

O sentido dado por Roberta a poliacuteticas transversais eacute de que estamos falando

de uma poliacutetica que envolve diferentes segmentos da atuaccedilatildeo puacuteblica e por isso de

vaacuterios atores envolvidos na formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas de

gecircnero Nesse sentido existe a necessidade de ldquofazer um processo de convencimento

dos gestores sobre a importacircncia dessas poliacuteticasrdquo

Essa ideia foi explicada tambeacutem por Vitoacuteria quando relatou o desafio na

praacutetica de lidar com o caraacuteter transversal da poliacutetica de gecircnero

O desafio eacute a visatildeo de poliacutetica de gecircnero Muita gente fala a gente

estaacute com tanta preocupaccedilatildeo por que a gente vai se preocupar com isso

Como se fosse o acessoacuterio ou o a mais neacute o plus Acho que essa visatildeo ela eacute

de todas as instacircncias no executivo no legislativo e dentro da defensoria haacute

esse visatildeo de que natildeo peraiacute a gente tem pouca gente pouco dinheiro entatildeo a

gente vai investir no que realmente eacute importante E isso nunca eacute a mulher

Entatildeo eu acho que vocecirc vai ver isso em todos os lugares que vocecirc visitar

porque eacute essa a visatildeo a sociedade vecirc assim Entatildeo isso eacute soacute a reproduccedilatildeo de

como a sociedade enxerga as questotildees de mulher as questotildees de mulher satildeo

sempre ah mulher eacute sensiacutevel mulher reclama muito mulher natildeo sei o que

natildeo eacute tatildeo grave assim exagera

As organizaccedilotildees agraves quais foi dado o papel de realizar uma poliacutetica puacuteblica

transversal com o vieacutes de gecircnero satildeo a Subsecretaria de Poliacuteticas para as mulheres de

Goiaacutes a Secretaria da Mulher em Professor Jamil a Coordenadoria de Poliacuteticas para

as Mulheres do estado de Satildeo Paulo e o Nuacutecleo Especializado de Promoccedilatildeo de

Direitos da Mulher Os sentidos dados agrave transversalidade pelos entrevistados mostra

que o papel construiacutedo dessas organizaccedilotildees seria o de articular outras organizaccedilotildees do

51

Estado e conscientizaacute-las para as desigualdades de gecircnero dentro e fora das

organizaccedilotildees A partir dessa construccedilatildeo de sentidos do que eacute transversalidade e

atribuiccedilatildeo desse papel a organizaccedilotildees voltadas para a questatildeo da mulher estaacute

diretamente relacionado aos recursos materiais que satildeo destinados a essas

organizaccedilotildees (sobre os quais aprofundaremos na seccedilatildeo 4) porque satildeo vistas como

organizaccedilotildees paralelas agravequelas consideradas como ldquoprincipaisrdquo como podemos notar

no discurso da Vitoacuteria em que ela afirma que as dificuldades de atuaccedilatildeo do nuacutecleo

passam em geral pelo sentido secundaacuterio e marginal dada agrave questatildeo de gecircnero Ou

seja esses elementos discursivos e extra-discursivos acabam distorcendo a questatildeo da

transversalidade Isso porque a mesma surgiu de jure (BAUMAN 2001) como uma

maneira conseguir resolver problemas complexos tratando-os de maneira transversal

e acabou sendo utilizada de facto (BAUMAN 2001) como uma ferramenta para a

reproduccedilatildeo da estrutura social machista devido agrave impressatildeo que se cria de que o

problema de gecircnero estaacute sendo resolvido pela existecircncia dessas organizaccedilotildees com o

enfoque em gecircnero mas na praacutetica elas natildeo satildeo empoderadas nem na agenda nem no

orccedilamento

Portanto esses diferentes sentidos dados ao que eacute machismo violecircncia de

gecircnero poliacutetica de gecircnero transversalidade e a que servem e como deve ser

realizadoscombatidos satildeo importantes para entender quais os tipos de poliacuteticas

puacuteblicas efetivamente colocadas em praacuteticas (PHILIPPS SEWELL JAYNES 2008)

por essas diferentes organizaccedilotildees (vide seccedilatildeo 3 em que mostramos como os

elementos extra-discursivos dialogam com os discursos) Aleacutem disso nessa seccedilatildeo

encontramos evidecircncias de que a estrutura social machista tem uma forccedila muito

grande pois apesar algumas ressignificaccedilotildees (de a mulher natildeo ser sexo fraacutegil) ela

permanece latente no discurso voltando a reproduzir a estrutura de desigualdade de

gecircnero Nesse sentido os contextos agriacutecola e urbano parecem natildeo mudar a existecircncia

dessa estrutura social mas vamos averiguar a seguir se esses contextos apontam

diferenccedilas em relaccedilatildeo aos elementos extra-discursivos

52

44 Elementos extra-discursivos

Nessa seccedilatildeo iremos analisar os principais elementos extra-discursivos que

surgiram durante as entrevistas e se relacionam com os discursos apresentados

(PHILIPPS SEWELL JAYNES 2008) Satildeo eles a Lei Maria da Penha sobre a qual

discorremos no referencial teoacuterico a estrutura fiacutesica das organizaccedilotildees os recursos

humanos disponiacuteveis e as accedilotildees ou poliacuteticas puacuteblicas resultantes de suas atuaccedilotildees

A Lei Maria da Penha por ser um marco juriacutedico em relaccedilatildeo ao tratamento do

Estado agrave violecircncia de gecircnero em seus diferentes tipos surgiu em todas as entrevistas

como base para o trabalho realizado pelos diferentes organismos Do ponto de vista

das soluccedilotildees segundo Vitoacuteria foi importante para fortalecer os movimentos sociais

que lutavam pela questatildeo da mulher e abrir espaccedilo entatildeo para que esses movimentos

exigissem esse olhar dentro de diferentes instituiccedilotildees como a defensoria puacuteblica

Contudo Ana Paula reforccedila que a Lei Maria da Penha foi precedida por algumas

leis que na verdade ainda natildeo satildeo de conhecimento pela populaccedilatildeo em geral Ela

relata um caso que lhe aconteceu na delegacia da mulher

Eu tinha recebido uma ocorrecircncia que era um homem que tinha

enfiado uma faca na esposa dele casada haacute 30 anos porque ela comprou um

conjunto de panelas e ele discordava do entendimento dela de como se gastava

o dinheiro Entatildeo que ela era uma vagabunda dizendo ele Soacute que essa

vagabunda trabalhava era uma enfermeira padratildeo no hospital de Diadema e

ele estava haacute onze anos E aleacutem de trabalhar e sustentar ele ela lavava

passava cozinhava e ela entendeu que com o salaacuterio dela dava pra comprar

um conjunto de panelas Aiacute ele puxou a faca pra ela veio uma ocorrecircncia

falando da tentativa de homiciacutedio o filho falou lsquonatildeo vou testemunhar conta

meu pai ainda que eu ache que a minha matildee corre risco com elersquo A matildee natildeo

quer vem falar lsquonatildeo foi soacute um desentendimentorsquo ela vem de um ciclo de

violecircncia E eu natildeo ia ter nenhuma testemunha no inqueacuterito natildeo ia dar certo o

flagrante e aiacute eu falei bom ela natildeo vai dormir em casa porque a nossa

preocupaccedilatildeo natildeo pode ser em fazer um papel deve ser o de garantir a

53

seguranccedila da mulher E aiacute o marido vira pra mim e fala lsquoeu natildeo vejo motivo

para conceder o divoacuterciorsquo E aiacute eu tive um surto com ele porque eu falava lsquoo

senhor vive na idade da pedrarsquo Porque quando eu nasci jaacute tinha a lei do

divoacutercio mas para eles natildeo Ele ainda achava que ele tinha o direito de dar ou

natildeo o divoacutercio E isso foi em 73 E aiacute a gente comeccedila a olhar e ver quantos

anos demoram para uma populaccedilatildeo se apropriar daquela legislaccedilatildeo se eacute que a

lei pegue porque no Brasil tem lei que natildeo pega natildeo eacute um paiacutes seacuterio Mas a lei

Maria da Penha veio ele conhece a lei mas ele natildeo conhece a lei do divoacutercio

E isso eacute regra

Ou seja a Lei Maria da Penha que estaacute no domiacutenio do empiacuterico ou seja o

que eacute efetivamente experimentado pelos atores natildeo garante o entendimento de outras

leis que mudaram as relaccedilotildees familiares em termos legais e os direitos igualados de

jure (BAUMAN 2001) entre homem e mulher Entatildeo antes da Lei Maria da Penha

houve uma sucessatildeo de leis que reforccedilavam a estrutura social machista no domiacutenio do

real Mesmo com as novidades da Lei Maria da Penha portanto natildeo foi possiacutevel

revolucionar a esfera do real e isso fica evidente com a permanecircncia de outras leis

anteriores no imaginaacuterio das pessoas Aleacutem disso Ana Paula tambeacutem expocircs a

dificuldade de se implementar a Lei Maria da Penha de facto (BAUMAN 2001)

Entatildeo a gente tem dispositivos como autoridade policial civil deveraacute

garantir a seguranccedila da mulher e aiacute o tema da minha dissertaccedilatildeo aquela vez

foi a seguranccedila da mulher na Lei Maria da Penha Porque ela eacute linda mas

como que uma delegada com trecircs policiais garante a seguranccedila de alguma

mulher Eu queria saber porque o policial geralmente vai no foacuterum busca

laudo leva laudo e etc Um tem que ficar na delegacia porque geralmente os

homens natildeo respeitam as mulheres mesmo as mulheres policiais aiacute tem que ter

toda uma loacutegica dentro da poliacutecia e da questatildeo socioloacutegica da poliacutecia de que eacute

melhor ter uma forma ostensiva em determinados momentos do que ter que usar

a forccedila entatildeo eacute melhor ter policiais homens armados do que ter que ser duro

com o indiviacuteduo que vira e fala lsquoeu natildeo respeito mulherrsquo e eles falam isso E

54

natildeo eacute um desacato agrave autoridade policial civil eacute uma relaccedilatildeo de que eles natildeo

respeitam o gecircnero feminino como igual E isso eacute muito complicado Aiacute sobra

um policial que natildeo pode sair de viatura porque se natildeo eacute viatura

descaracterizada E aiacute eu tenho que garantir a seguranccedila da mulher Aiacute eu

tenho que colocar ela em um abrigo Qual abrigo Ah a prefeitura de Satildeo

Paulo agora parece que melhorou o sistema de abrigamento Eacute melhorou mas

pra isso a gente precisa fazer boletim de ocorrecircncia em uma delegacia que

esteja aberta 24 horas e a gente natildeo tem delegacia da mulher aberta 24 horas

Ou seja faltam recursos humanos e orccedilamentaacuterios para manter a delegacia

funcionado bem e por 24 horas elementos do domiacutenio empiacuterico e a proacutepria lida

diaacuteria da delegada mulher com o machismo a impede de realizar seu trabalho sem ter

o acompanhamento de um homem Satildeo evidecircncias de que a criaccedilatildeo de delegacias

especializadas apesar de terem sido um avanccedilo estaacute longe de apresentarem uma

transformaccedilatildeo agrave estrutura social desigual uma vez que a distribuiccedilatildeo material

insuficiente impacta na reproduccedilatildeo das desigualdades de gecircnero

Mostrando essa dificuldade por um outro vieacutes Talita afirmou que a Lei Maria

da Penha fez com que as pessoas olhassem para as delegacias da Mulher como uma

ldquoceacutelula de expansatildeo de poliacuteticas puacuteblicasrdquo quando segundo ela a delegacia da

mulher e uma ldquodelegacia como qualquer outra a gente estaacute aqui para prender o

agressor investigar concluir processo e encaminhar ao poder judiciaacuteriordquo Esse

discurso de Talita mostra que o sentido dado por ela agrave delegacia especializada eacute de

uma delegacia como qualquer outra Isso implica que mesmo havendo uma tentativa

de jure (BAUMAN 2001) em trazer ferramentas no domiacutenio do empiacuterico para

combater a violecircncia contra a mulher de facto (BAUMAN 2001) a delegacia da

mulher sendo vista pelos atores que dela participam como uma delegacia da mulher

acaba sendo uma forccedila de manutenccedilatildeo da estrutura social machista no domiacutenio do

real

Outro discurso importante sobre a Lei Maria da Penha que surgiu na pesquisa

de campo foi a Joana O sentido atribuiacutedo por ela agrave Lei Maria da Penha eacute de ceticismo

porque de acordo com ela as mulheres voltam com um papel de medida protetiva

55

que natildeo serve para nada assim como a tornozeleira natildeo salva a mulher Segundo

Joana se o homem quer matar a mulher natildeo vai ser isso que vai impedi-lo e nem haacute

recursos suficientes para que o poder puacuteblico impeccedila que isso aconteccedila em sua cidade

e seus arredores

Inclusive na entrevista ouvimos pela uacutenica vez durante a pesquisa viacutetimas de

violecircncia de gecircnero duas mulheres que vieram fugidas para a cidade do Uma veio de

Trindade (Goiaacutes) fugindo agrave noite com os seis filhos e sua matildee do marido que a

agredia psicologicamente e fisicamente A secretaacuteria a ajudou quando chegou

encaminhando-a para atendimento psicoloacutegico no CRAS e conseguindo um emprego

para ela recomeccedilar a vida Ateacute hoje ela estaacute laacute escondida do marido e segundo ela

ela jaacute tinha procurado duas vezes delegacias comuns por serem as disponiacuteveis na sua

regiatildeo e que a Lei Maria da Penha e a medida protetiva natildeo ajudaram em nada a

situaccedilatildeo

Para Joana esse eacute um exemplo de vaacuterios que a levam a construir um sentido

de que as mulheres quando natildeo querem mais ficar com os maridos e conseguem

largam tudo e fogem Isso porque segundo ela as mulheres que fazem denuacutencias as

fazem na esperanccedila de mudar o comportamento dos seus parceiros para continuar

com eles e natildeo para que eles sejam presos Isso coloca em evidecircncia que de facto

(BAUMAN 2001) a lei natildeo consegue mudar a estrutura social

Queremos compreender melhor a distribuiccedilatildeo material que as organizaccedilotildees

entrevistadas possuem hoje para realizarem seu trabalho As pesquisas em Goiaacutes e em

Satildeo Paulo foram conduzidas nos locais de trabalho dos entrevistados o que

possibilitou conhecermos sobre o espaccedilo em que essas poliacuteticas estatildeo sendo

realizadas e a dimensatildeo das equipes por traacutes das mesmas Escolhemos descrever essas

condiccedilotildees de algumas organizaccedilotildees que melhor contribuem para nossa interpretaccedilatildeo e

anaacutelise

O CREAS de uma cidade do interior do estado de Goiaacutes por exemplo fica em

uma casa teacuterrea com uma sala pequena na entrada onde satildeo recebidas as viacutetimas A

maior parte da equipe do CREAS eacute composta por homens e a entrevista foi realizada

com trecircs membros da equipe o coordenador a assistente juriacutedica e o educador social

Percebemos que aleacutem de o centro natildeo ser um espaccedilo voltado especificamente para

56

mulheres a reproduccedilatildeo da estrutura social desigual estaacute claramente manifestada na

composiccedilatildeo da equipe que eacute composta por uma maioria masculina Aleacutem disso a

estrutura fiacutesica natildeo permite diferenciaccedilatildeo entre as populaccedilotildees em situaccedilatildeo de

vulnerabilidade atendidas Isto significa que homens mulheres e crianccedilas satildeo

atendidas em um mesmo local o que evidencia que no domiacutenio empiacuterico as chances

de mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia se sentirem agrave vontades para darem suas queixas

e buscarem ajuda no centro satildeo reduzidas sendo outro fator que contribui para a

manutenccedilatildeo da esfera real machista

Jaacute a Superintendecircncia de Poliacuteticas para Mulheres em Goiaacutes fica no centro de

uma cidade de Goiaacutes em uma estrutura de dois andares na avenida principal da

cidade Do lado de fora a pintura eacute roxa e estaacute bem sinalizada com campanha do

Disque-100 na fachada e a frase ldquoViolecircncia contra mulher natildeo tem desculpa tem

leirdquo O preacutedio tem uma secretaria com vaacuterias cadeiras na frente onde as pessoas se

identificam e satildeo encaminhadas para salas menores de acordo com a solicitaccedilatildeo

Enquanto esperamos pela entrevista nos abordaram quatro vezes por funcionaacuterias

diferentes perguntando se algueacutem jaacute tinha nos sido atendido Cada sala tem uma

funccedilatildeo especiacutefica assistentes sociais psicoacutelogos assistentes juriacutedicos todas de

atendimento localizadas no andar de baixo proacuteximas agrave entrada Tambeacutem no andar de

baixo no interior do preacutedio ficam as salas onde satildeo realizados trabalhos de

capacitaccedilatildeo e no andar de cima ficam as salas administrativas As condiccedilotildees materiais

desse local foram uma exceccedilatildeo em relaccedilatildeo agraves demais organizaccedilotildees visitadas Isso

porque a maioria dos profissionais satildeo mulheres e o atendimento natildeo eacute em um balcatildeo

mas diretamente com psicoacutelogas ou assistentes sociais em salas privativas Essas

condiccedilotildees no entanto natildeo satildeo estaacuteveis Como conta Roberta

Essa secretaria foi criada em 1987 ela chamava Secretaria Estadual

da Condiccedilatildeo Feminina E foram muito importantes esses quatro anos no

governo Henrique Santillo foram inovadores no sentido de implementar uma

poliacutetica que era muito pouco tratada no acircmbito institucional Entatildeo foi

fantaacutestico E nesse periacuteodo governamental houve poliacuteticas de seguranccedila para

a mulher sauacutede para a mulher enfim abriu um espaccedilo importante no Estado

57

de Goiaacutes Soacute que infelizmente os governos subsequentes extinguiram a

secretaria E ela soacute veio a ser retomada no primeiro governo Marconi Perillo

isso foi no final da deacutecada de noventa E ele criou uma superintendecircncia da

mulher e ela se tornou secretaria no governo seguinte e aiacute ela jaacute vem agora

dentro de um acircmbito institucional como secretaria de estado mesmo que

acoplado a ela por razotildees de ordem principalmente econocircmica e financeira

do estado tem a secretaria da mulher junto com outras aacutereas sociais e de

direitos humanos

Ou seja eacute importante relativizar a estrutura fiacutesica e equipe que vimos porque

historicamente a pauta da mulher foi tratada como um assunto secundaacuterio como

vimos no discurso de Roberta O impacto disso eacute que quando a situaccedilatildeo financeira do

estado complica a pauta eacute uma das primeiras que recebe cortes orccedilamentaacuterios ou eacute

acoplada a outras pautas como estaacute acontecendo agora A pauta da mulher que antes

jaacute dividia uma secretaria com a de desigualdade racial hoje foi incorporada por uma

secretaria guarda-chuva chama Secretaria Cidadatilde que abarca os temas da mulher do

desenvolvimento social da igualdade racial dos direitos humanos e do trabalho Isso

mostra que quando natildeo haacute mudanccedilas no domiacutenio real as mudanccedilas no domiacutenio

empiacuterico natildeo satildeo permanentes satildeo instaacuteveis e dependem de elementos extra-

discursivos que estatildeo sujeitos agrave estrutura social do real Ou seja quando a secretaria

tem condiccedilotildees financeiras ela pode ateacute colocar a questatildeo da mulher em pauta mas

assim que acontecerem momentos econocircmicos desfavoraacuteveis a igualdade de gecircnero

natildeo permanece na agenda pois nunca foi prioridade jaacute que estaacute inserida dentro de

uma estrutura social machista

A Delegacia Especializada no Atendimento agrave Mulher de Goiaacutes por sua vez

fica em um casaratildeo de dois andares no setor central de uma cidade de Goiaacutes Tem

uma sinalizaccedilatildeo discreta e eacute guardada por um policial militar na porta Entrando na

delegacia tem uma sala com banquinhos de madeira sem encosto para as viacutetimas e

seus acompanhantes aguardarem A delegacia de uma forma geral pareceu muito

interessada em estatiacutesticas e pouco sensibilizada com as viacutetimas que tratam

exatamente por esse nome e natildeo como cidadatildes O clima de maneira geral eacute tenso haacute

58

vaacuterias mulheres chorando esperando nos banquinhos pela oportunidade de subir as

escadas da delegacia Em frente aos bancos tem um grande balcatildeo que bloqueia a

entrada para o restante do edifiacutecio onde se encontra uma secretaacuteria Tudo tem que

passar antes por ela entatildeo as mulheres viacutetimas falam na frente de todo mundo a sua

queixa Enquanto esperava pela entrevista uma mulher chegou e mostrou hematomas

no braccedilo para a secretaacuteria e recebeu como resposta ldquoVocecirc tomou banho Isso eacute

sujeira ou eacute hematoma mesmordquo Quando satildeo chamadas para subir e serem atendidas

pela escrivatilde ou delegada respondem por um grito ldquoA viacutetima pode subirrdquo o que

acaba contribuindo para a estigmatizaccedilatildeo

Essa visita nos trouxe mais evidecircncias de que fazer organizaccedilotildees

especializadas eacute um avanccedilo sim mas que mesmo que elas sejam diferentes em sua

concepccedilatildeo o problema natildeo fica totalmente resolvido Nesse sentido enquanto natildeo

promovermos mudanccedilas na estrutura social do machismo novas legislaccedilotildees ou

organizaccedilotildees iratildeo promover mudanccedilas graduais Sem atacar essas causas a delegacia

especializada eacute uma reacuteplica da delegacia comum poreacutem com delegadas mulheres

mas que reproduzem a estrutura social machista no tratamento que elas datildeo agraves

viacutetimas no ambiente em que as mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia tecircm que frequentar

para ir atraacutes de seus direitos na forma como elas satildeo questionadas por estarem laacute

entre outros

Por fim fomos ateacute a Coordenadoria de Poliacuteticas para as Mulheres O

simbolismo eacute importante desde o momento de procurar essa secretaria na internet foi

muito complicado achar informaccedilotildees em sites de busca Mesmo depois de conseguir

encontrar em qual site maior a coordenadoria se encontra sua posiccedilatildeo no rol de

subsecretarias e coordenadorias da secretaria eacute a uacuteltima Aleacutem disso a entrevista em

si foi na coordenadoria que fica em um preacutedio antigo e central Descobrimos que a

coordenadoria fica no uacuteltimo andar da secretaria em uma sala mais escondida e natildeo

haacute identificaccedilatildeo da coordenadoria nos corredores como as demais do preacutedio que

estatildeo sinalizadas A coordenadoria consiste fisicamente em uma sala de reuniatildeo

acoplada ao escritoacuterio da Flaacutevia que eacute a uacutenica componente da equipe

59

Fomos tambeacutem ateacute uma cidade do interior de Goiaacutes a aproximadamente 70

quilocircmetros de Goiacircnia A Secretaria de Mulheres do municiacutepio soacute existe no nome

natildeo tem estrutura fiacutesica nem recursos financeiros apenas o cargo da secretaacuteria

Entatildeo o atendimento eacute feito na casa da secretaacuteria na sala de entrada onde tem duas

mesas de alumiacutenio juntadas e forradas com um pano um sofaacute e uma cadeira de cada

lado ao fundo tecircm equipamentos de cabelereiro profissatildeo que ela exercia Quando

chegamos laacute a sala estava cheia com pessoas se inscrevendo para o Minha Casa

Minha Vida com a ajuda da secretaacuteria e durante a conversa entraram vaacuterios cidadatildeos

de Professor Jamil e todos vinham com assuntos diversos a serem tratados por ela

Essa entrevista em Professor Jamil nos mostrou que agraves vezes apesar de

elementos extra-discursivos escassos como o caso de Joana existe a possibilidade de

tentar atacar as causas do machismo por exemplo chamando os homens para

conversarem nas rodas e promovendo o diaacutelogo mediado entre casais Mesmo assim

natildeo eacute isoladamente que se consegue combater uma estrutura social tatildeo forte quanto o

machismo

Pensando tanto nos discursos (seccedilatildeo 2) quanto nos espaccedilos e equipes

disponiacuteveis eacute possiacutevel perceber como eles se interligam com as accedilotildees dos oacutergatildeos

entrevistados Primeiramente para noacutes nenhuma das organizaccedilotildees entrevistadas

estatildeo formulando ou implementando poliacuteticas puacuteblicas no sentido que discutimos no

referencial teoacuterico de accedilatildeo organizada do Estado para combater um problema Isso

porque todas essas organizaccedilotildees realizam accedilotildees desconexas e pontuais para tentar

lidar com o problema sem atacar suas causas e reproduzindo as desigualdades de

gecircnero (domiacutenio real)

O CREAS visitado realiza atendimento de crianccedilas adolescentes mulheres e

idosos em situaccedilatildeo de vulnerabilidade social Durante a entrevista percebemos que

existe uma confusatildeo muito grande entre os tipos de atendimento que o CREAS

realiza tanto que quando foi perguntado sobre o que eacute poliacutetica de gecircnero a resposta

foi mais sobre poliacuteticas para adolescentes em situaccedilatildeo de vulnerabilidade

Jaacute a Superintendecircncia de Mulheres visitada seria responsaacutevel por formular

poliacuteticas puacuteblicas para esse puacuteblico-alvo De acordo com Roberta

60

A nossa principal poliacutetica eacute a garantia da seguranccedila tanto que noacutes

temos desde o atendimento primaacuterio da mulher atraveacutes de uma assistecircncia

social psicoloacutegica juriacutedica ateacute o abrigamento dessa mulher viacutetima de

violecircncia Entatildeo a gente direciona as nossas poliacuteticas nesse sentido Mas

tambeacutem noacutes temos que cuidar das outras questotildees que satildeo inerentes agrave mulher

a sauacutede a educaccedilatildeo e aiacute principalmente eu vejo hoje que o nosso papel

enquanto instituiccedilatildeo puacuteblica eacute desenvolver mesmo campanhas de

sensibilizaccedilatildeo

Fora isso a superintendecircncia estaacute capacitando 2500 profissionais servidores nas

aacutereas de educaccedilatildeo sauacutede movimentos sociais que trabalham com mulheres em

situaccedilatildeo de violecircncia Existe tambeacutem uma equipe especiacutefica da superintendecircncia

responsaacutevel pelas duas unidades moacuteveis que a secretaria recebeu em 2013 pelo

governo federal para atender mulheres do campo As unidades comeccedilaram o trabalho

indo ateacute o interior para prover serviccedilos de assistecircncia social juriacutedica e psicoloacutegica

No entanto a equipe se deparou com uma rede muito fragilizada e incapaz de

continuar o encaminhamento das demandas das mulheres

Aleacutem disso quando chegou na zona agraacuteria a equipe percebeu que lidar com

essas mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia da aacuterea rural era um desafio diferente do que

estavam acostumados na capital Isso porque as unidades moacuteveis iam para o campo

mas as mulheres tinham receio de entrar ou natildeo conseguiam chegar porque satildeo

ocircnibus rosas que chamam muita atenccedilatildeo e ficam inviaacuteveis para uma mulher nessa

situaccedilatildeo procurar sem ser vista por outras pessoas da regiatildeo e isso chegar ateacute o

agressor A taacutetica adotada entatildeo pelas unidades eacute

Quando vem uma solicitaccedilatildeo do municiacutepio a gente sempre procura

saber se eacute festividade porque para noacutes eacute melhor Porque aiacute tem a unidade

moacutevel e outros serviccedilos na praccedila em que ela pode transitar Soacute a unidade

moacutevel que eacute muito chamativa natildeo funciona Eacute um ocircnibus rosa e ela fica

mais acanhada A gente sempre procura incentivar o municiacutepio a promover

outras coisas ao mesmo tempo para preservar a mulher promover a diluiccedilatildeo

61

nesse espaccedilo e garantir minimamente que ela suba na unidade

Apesar disso quando visitamos a equipe eles natildeo estavam indo a campo

porque estavam em uma fase de transiccedilatildeo Como encontraram uma realidade

diferente da que imaginavam o seu trabalho agora estaacute sendo capacitar a rede montar

material fazer reuniotildees entre outros para tentar alinhar o trabalho de todos

Manuela esclarece

Nesse sentido o trabalho da equipe vem sendo reformulado porque

incialmente a ideia era ir ao interior e ser a porta de entrada das mulheres

viacutetimas de violecircncia levar informaccedilotildees sobre os seus direitos e onde buscar

ajuda e depois ter esse trabalho continuado pelos oacutergatildeos competentes mais

proacuteximos No entanto ao irem para o campo a equipe percebeu que a rede

estava despreparada para dar continuidade ao trabalho e que portanto seria

inuacutetil fazer o trabalho como anteriormente previsto sem dar a capacitaccedilatildeo

necessaacuteria

A Secretaria de Seguranccedila Puacuteblica por sua vez faz parte da rede de combate agrave

violecircncia contra a mulher e tem um papel importante tanto pelas DEAMs quanto pelo

monitoramento e fornecimento de informaccedilotildees criminais que servem de insumo para

a Secretaria da Mulher No entanto natildeo existe uma parceria soacutelida em que ambas as

secretarias atuam conjuntamente e amplamente em termos do estado e se

responsabilizam pela situaccedilatildeo das mulheres que sofrem violecircncia

Portanto a secretaria natildeo tem poliacuteticas puacuteblicas mais amplas em relaccedilatildeo ao

combate agrave violecircncia contra a mulher porque entende que essa competecircncia eacute da

Secretaria da Mulher O que a secretaria faz eacute atuar em regiotildees especiacuteficas

dependendo do gestor que estaacute em determinada aacuterea integrada de seguranccedila (regiatildeo

onde a poliacutecia militar e a poliacutecia civil tem a mesma circunscriccedilatildeo) Como nos disse

um major da secretaria

Que tipo de accedilatildeo preventiva que vai ser implementada em

62

determinado local depende de quem Do gestor que que estaacute ali naquela

regiatildeo em identificar qual eacute o problema dele em implementar essa questatildeo da

prevenccedilatildeo

No mais percebemos que tanto os centros de referencia CREAS e aqueles de

secretariassubsecretarias de mulheres quando existem quanto as delegacias

especializadas e os dados das secretarias de seguranccedila satildeo em geral voltados para

mecanismos juriacutedicos de proteccedilatildeo agrave mulher Mesmo havendo equipes de assistecircncia

social e psicoacutelogos em algumas instacircncias o foco principal das accedilotildees desses oacutergatildeos eacute

garantir medidas protetivas eou prender agressores

Aleacutem disso nos centros de referecircncia satildeo realizados estudos de caso

multidisciplinares para determinar o encaminhamento dado agrave viacutetima De acordo com

os discursos discutidos na seccedilatildeo anterior percebemos que apesar de parecer o

procedimento ideal a ser feito pode ser uma abertura para um julgamento social da

viacutetima pelos membros da equipe

Fora esses oacutergatildeos tivemos contato com o trabalho de uma entidade do

terceiro setor cuja atuaccedilatildeo era bastante diferente dos demais O Centro Popular da

Mulher trabalha sobretudo apoiando e ajudando as mulheres a se organizarem para

reivindicarem seus direitos Em relaccedilatildeo aos oacutergatildeos entrevistados a entidade parece

ser a mais presente na zona rural tanto em frequecircncia quanto em tempo de luta junto

agraves mulheres do campo

Aleacutem disso em termos de accedilotildees outra entrevista que apontou diferenccedilas foi

com a Joana cuja accedilatildeo era de busca ativa e de construccedilatildeo de espaccedilos de debate com

mulheres e homens Isso porque apesar da falta de apoio institucional da prefeitura

ela natildeo espera as mulheres buscarem ajuda No entanto isso soacute eacute possiacutevel porque ela

conhece todo mundo e fica sabendo do que acontece e entatildeo vai atraacutes do casal em

questatildeo E seu trabalho busca a conscientizaccedilatildeo das famiacutelias ela faz conversas de

roda e tambeacutem de casais em particular para tentar agir na causa do problema Suas

accedilotildees se baseiam na sua convicccedilatildeo de que a causa (seccedilatildeo 2 em que discutimos os

sentidos atribuiacutedos agraves caudas da violecircncia de gecircnero) estaacute na falta de respeito a

educaccedilatildeo machista e que isso soacute pode ser mudado se os homens estiverem

63

envolvidos nas accedilotildees de combate agrave violecircncia de gecircnero para tentar mudar o que a

sociedade pensa a maneira como a mulher eacute tratada

Nessa seccedilatildeo aprendemos que as manifestaccedilotildees extra-discursivas da estrutura

social machista varia de acordo com o contexto sobretudo em termos de recursos

materiais e equipe disponiacuteveis para combater a violecircncia de gecircnero nesse contexto

Aleacutem disso percebemos que as manifestaccedilotildees extra-discursivas estatildeo em constante

relaccedilatildeo com a manutenccedilatildeo da estrutura social como o exemplo de que as mulheres

natildeo conseguem alugar uma casa ou mudar o filho de creche afeta a possibilidade

praacutetica de sair de uma situaccedilatildeo de violecircncia Enfim discorreremos na proacutexima seccedilatildeo

com maior profundidade os resultados e as contribuiccedilotildees da pesquisa

64

5 Consideraccedilotildees Finais

Nossa pesquisa teve como objetivo responder agrave pergunta Como a estrutura

social do machismo se manifesta nos contextos urbano e agraacuterio A partir desse

trabalho notamos que a estrutura social do machismo estaacute presente nos dois

contextos urbano e agraacuterio poreacutem se manifesta de jeitos diferentes No contexto

agraacuterio de acordo com os entrevistados o machismo se manifesta de forma mais

aberta com o reforccedilo dos papeis tradicionais de gecircnero de que o papel da mulher eacute

cuidar da casa e dos filhos e o homem de prover financeiramente a famiacutelia estando

em uma posiccedilatildeo de superioridade Jaacute no contexto urbano a manifestaccedilatildeo da estrutura

social machista adquire outras formas sendo que haacute uma maior inserccedilatildeo da mulher no

mercado de trabalho e no discurso as pessoas natildeo reproduzem os papeis de gecircnero

tradicionais poreacutem na praacutetica acabam acontecendo ainda reproduccedilotildees desses mesmos

papeis de uma forma mais suacutetil pelo modo que a mulher deve se vestir pela

educaccedilatildeo diferente dada aos filhos de diferentes gecircneros etc

Tambeacutem nos perguntamos como essas manifestaccedilotildees do machismo satildeo

impactadas e impactam a formulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo

de violecircncia As manifestaccedilotildees do machismo impactam a formulaccedilatildeo de poliacuteticas

puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia porque levam a poliacuteticas com pouca

infraestrutura equipe e orccedilamento e porque abre uma brecha maior entre formulaccedilatildeo

e implementaccedilatildeo porque mesmo que se os formuladores natildeo tenham discursos

machistas no momento do discurso em accedilatildeo as accedilotildees nas delegacias especializadas

reproduzem papeis de gecircnero tradicionais e culpabilizam as mulheres em situaccedilatildeo de

violecircncia

Enfim queriacuteamos descobrir tambeacutem se existem ou natildeo diferenccedilas na

manifestaccedilatildeo do machismo especificamente em termos de violecircncia de gecircnero nas

zonas urbana e agraacuteria Nosso estudo mostrou via discursos que haacute muita divergecircncia

nesse ponto mas que a maioria dos entrevistados acredita que a diferenccedila eacute que no

contexto agraacuterio os tipos de violecircncia predominantes satildeo patrimonial e psicoloacutegico

enquanto no contexto urbano haacute uma maior incidecircncia de violecircncia fiacutesica

relativamente No entanto essa foi uma limitaccedilatildeo da pesquisa porque a quase-

65

totalidade dos entrevistados relatou estar discorrendo sobre algo de que natildeo conhece

por natildeo terem dados oficiais gerados sobre a violecircncia contra mulheres em zonas

agraacuterias e por natildeo terem contato com essas mulheres nas organizaccedilotildees em que

trabalham

Ao longo desse trabalho estudamos as principais referecircncias teoacutericas que

precisaacutevamos para analisar o problema em questatildeo principalmente para colocar em

evidecircncia que as poliacuteticas puacuteblicas estatildeo inseridas em lugares que influenciam e satildeo

influenciados pela construccedilatildeo de sentidos que ocorre no momento de determinaccedilatildeo de

um problema puacuteblica e de como ele seraacute tratado pelo Estado Nosso referencial

teoacuterico se juntou agrave metodologia o que permitiu natildeo soacute a organizar o conhecimento

cientiacutefico com base nas premissas da teoria mas tambeacutem a olhar para a nossa

pesquisa sempre com um olhar criacutetico de tentar enxergar as possibilidades de

mudanccedila da estrutura social

A partir do referencial teoacuterico e da metodologia demos iniacutecio ao trabalho de

estabelecer um roteiro semi-estruturado para as entrevistas depois conseguir agendar

as entrevistas fazer as mesmas transcrever as entrevistas e enfim analisar tudo

como um conjunto agrave partir da metodologia do realismo criacutetico e das referecircncias

teoacutericas que buscamos Isso nos permitiu enxergar os principais temas que surgiram

ao longo das entrevistas e organizaacute-los de acordo com os domiacutenios do realismo

criacutetico real atual e empiacuterico Depois disso estabelecemos um diaacutelogo entre o

referencial teoacuterico e as entrevistas de atores de organizaccedilotildees que lidam com a questatildeo

da violecircncia de gecircnero Isso foi relevante tambeacutem em termos metodoloacutegicos porque

percebemos que existem construccedilotildees de sentidos na academia que apontamos no

referencial teoacuterico que agraves vezes natildeo chegam agrave esfera dos atores que formulam e

implementam poliacuteticas puacuteblicas ou quando chegam elas impactam a esfera do atual

(discursos) sem necessariamente serem complementadas por mudanccedilas no domiacutenio

real (estrutura social de desigualdade de gecircnero) nem nos elementos extra-

discursivos que permitem mudanccedilas efetivas no domiacutenio empiacuterico (de poliacuteticas

puacuteblicas lidar com a questatildeo da violecircncia de gecircnero)

66

Nesse sentido um dos pontos que surgiu ao longo de todas as entrevistas foi o

foco das accedilotildees levadas a cabo pelas organizaccedilotildees Tanto no domiacutenio atual dos

discursos quanto no domiacutenio empiacuterico das poliacuteticas puacuteblicas o principal sentido

dado agrave violecircncia de gecircnero eacute de que a conscientizaccedilatildeo das mulheres se faz necessaacuteria

Os discursos vatildeo desde a falta de informaccedilatildeo da mulher a ira gerada tambeacutem pela

mulher a ausecircncia da mulher enquanto cumpridora de seu papel social na famiacutelia

dentre outros foram apontados como causas para a violecircncia de gecircnero Aleacutem disso

mesmo quando os discursos natildeo eram culpabilizadores da mulher eles giravam em

torno da cultura de modo bem geneacuterico como a sociedade patriarcal e machista

como causas para a violecircncia de gecircnero

Isso implica na transformaccedilatildeo desses discursos em accedilotildees de conscientizaccedilatildeo

como campanhas produccedilatildeo de informativos palestras entre outras Eacute interessante

perceber que natildeo haacute nesses casos poliacuteticas puacuteblicas que deem conta de efetivamente

resolver o problema de uma mulher em situaccedilatildeo de violecircncia isto eacute empoderaacute-la para

sair da situaccedilatildeo com meios materiais para fazecirc-lo e com uma proteccedilatildeo efetiva do

Estado em que ela eacute tratada como cidadatilde de direitos e natildeo como viacutetima Isso

demonstra que estatildeo sendo produzidos e reproduzidos discursos na esfera atual sem

necessariamente mudar a esfera real porque falta empoderamento das mulheres em

termos de recursos extra-discursos da esfera empiacuterica Aleacutem disso o tipo de accedilotildees

adotadas por essas organizaccedilotildees acabam sendo rasas porque ao mesmo tempo em

que natildeo atacam o problema diretamente na correccedilatildeo a posteriori tambeacutem natildeo lidam

com a causa no domiacutenio real isto eacute a estrutura social

Ou seja ao lidar somente com as mulheres em termos de conscientizaccedilatildeo a

maioria das organizaccedilotildees natildeo estaacute atacando a estrutura social porque os homens

fazem parte desta e natildeo satildeo chamados para a discussatildeo Aleacutem disso algumas dessas

accedilotildees de conscientizaccedilatildeo satildeo vazias ateacute para o puacuteblico-alvo as mulheres porque

muitas vezes as mulheres que buscam a ajuda do Estado para lidar com a violecircncia de

gecircnero natildeo sabem ler ou entatildeo natildeo podem atender a essas accedilotildees por estarem em

zonas agraacuterias em que estatildeo muito mais vulneraacuteveis em termos de exposiccedilatildeo ao

agressor ou ao resto da comunidade

67

Nesse sentido tambeacutem achamos relevante em todas as entrevistas a maneira

como satildeo recepcionadas as mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia De maneira geral satildeo

montadas equipes multidisciplinares que tratam cada situaccedilatildeo casuisticamente A

primeira vista nossa impressatildeo foi de que essa era uma boa maneira de lidar com o

problema da violecircncia domeacutestica porque cada mulher estaacute inserida em um contexto

diferente Poreacutem ao longo das entrevistas notamos que o domiacutenio do real acaba

influenciando esta casuiacutestica e diminuindo seu potencial empoderador Isso acontece

porque a estrutura social machista acaba levando a anaacutelise de caso para um

julgamento social da mulher em que muitas vezes o discurso anterior ao seu

atendimento (domiacutenio atual) influencia diretamente a ajuda que ela vai receber do

oacutergatildeo (domiacutenio empiacuterico)

Explorando mais a questatildeo das zonas urbana e agraacuteria haacute evidecircncias de que a

zona agraacuteria eacute muito pouco conhecida pelas organizaccedilotildees que lidam com a violecircncia

de gecircnero Em relaccedilatildeo ao contexto urbano as organizaccedilotildees parecem convergir mais

em termos de discursos sobre as manifestaccedilotildees do machismo nas cidades e as causas

da violecircncia de gecircnero nas mesmas Poreacutem o mesmo natildeo acontece em relaccedilatildeo agraves

zonas agraacuterias

Eacute importante ressaltar que na maioria das entrevistas quando explicamos os

objetivos da pesquisa os entrevistados comeccedilavam a conversa afirmando seu

desconhecimento do que acontece na aacuterea agraacuteria mesmo quando se tratavam de

organizaccedilotildees cuja amplitude de atuaccedilatildeo de jure (BAUMAN 2001) incluiacutea essas

localidades Agravam essa questatildeo tanto elementos extra-discursivos como a falta de

profissionais e dados pouco confiaacuteveis sobre o que acontece devido agrave subnotificaccedilatildeo

como tambeacutem os discursos formados pelos atores sobre a zona agraacuteria Apesar de se

colocarem quase sempre como incapazes de comentar sobre a zona agraacuteria ao longo

das entrevistas surgiram vaacuterios discursos sobre como o machismo de manifesta no

contexto rural as suas causas e como isso se tornava violecircncia contra a mulher

Notamos entatildeo que os sentidos construiacutedos eram muito heterogecircneos em relaccedilatildeo aos

entrevistados e formados com base em um caso especiacutefico com o qual tiveram

contato ou agraves vezes sem contato nenhum com mulheres da zona agraacuteria Isso mostra

como o domiacutenio do real eacute forte na determinaccedilatildeo dos discursos e a falta da

68

experimentaccedilatildeo empiacuterica dos atores com a realidade das mulheres em situaccedilatildeo de

violecircncia em contextos agraacuterios intensifica a estrutura social machista pela

reproduccedilatildeo de discursos machistas para suprir o vaacutecuo do conhecimento sobre essa

situaccedilatildeo

Por fim todos esses pontos colocados satildeo evidecircncias que mostram como os

trecircs domiacutenios da vida social impactam na existecircncia ou natildeo de poliacuteticas puacuteblicas para

mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia nas zonas urbana e agraacuteria Ou seja quando se

muda os discursos sem mudar os elementos extra-discursivos nem a estrutura social

as mudanccedilas natildeo satildeo profundas o suficiente para atacar um problema complexo como

este e acabam por vezes tendo um efeito perverso de reproduzir as causas deste

mesmo problema transmitindo a impressatildeo de que ele estaacute sendo de fato resolvido

51 Implicaccedilotildees para a Praacutetica

As reflexotildees geradas nesse trabalho pretendem ser uacuteteis para mudar o

problema na praacutetica dado os objetivos criacuteticos da ACD Nesse sentido acreditamos

que um dos achados que move accedilotildees praacuteticas eacute a invisibilidade da violecircncia contra a

mulher em contextos agraacuterios Natildeo haacute dados sendo gerados sobre essas mulheres em

situaccedilatildeo de violecircncia ateacute porque elas natildeo costumam chegar agraves instituiccedilotildees formais

que lidam com o problema Nesse sentido apontamos para a urgecircncia dessas

instituiccedilotildees buscarem ativamente essas mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia na zona

agraacuteria para conhecerem melhor as demandas especiacuteficas desse puacuteblico e poderem

entatildeo compreender melhor o problema

Tambeacutem no que diz respeito agrave invisibilidade haacute pouca produccedilatildeo acadecircmica

utilizando a ontologia do Realismo Criacutetico para se pensar em violecircncia de gecircnero e

natildeo encontramos nenhuma bibliografia que discuta o contexto especiacutefico de mulheres

em situaccedilatildeo de violecircncia em zonas agriacutecolas A academia poderia entatildeo ajudar a

colocar esse tema na agenda e a delimitar mais detidamente as manifestaccedilotildees da

estrutura social machista nesse contexto

Enfim acreditamos que uma contribuiccedilatildeo praacutetica estaacute relacionada agraves

evidecircncias encontradas de que a maior parte dos esforccedilos do poder puacuteblico para

69

atacar a violecircncia contra a mulher estaacute focada em campanhas de conscientizaccedilatildeo

Queriacuteamos apontar que uma contribuiccedilatildeo desse trabalho eacute apontar que as campanhas

de conscientizaccedilatildeo natildeo mudam nem a estrutura social nem os elementos extra-

discursivos das mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia como a necessidade de recursos

financeiros para poder sair de casa e caminhos institucionais para poder por exemplo

mudar os filhos de creche quando estatildeo nessa situaccedilatildeo

52 Limitaccedilotildees da Pesquisa

Apesar das contribuiccedilotildees teoacutericas e praacuteticas da pesquisa houve uma mudanccedila

no que se pretendia inicialmente estudar pela falta de dados acerca do contexto

agriacutecola e pouco contato das organizaccedilotildees com mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia

nesse contexto Dessa forma essa pesquisa eacute limitada porque apesar de querer

entender os diferentes contextos a compreensatildeo no contexto urbano foi muito maior

Nesse sentido os discursos coletados acerca do contexto agriacutecola eram

apontados pelos proacuteprios entrevistados como impressotildees infundadas por natildeo se

basearem na sua experiecircncia profissional nem em conhecimento teoacuterico pela

inexistecircncia de estudos Assim os discursos eram muito mais heterogecircneos do que os

que dizem respeito ao contexto urbano e demonstrou que natildeo haacute diagnoacutestico desse

problema e que os sentidos acerca do mesmo ainda estatildeo sendo construiacutedos pelos

profissionais que trabalham na aacuterea e por enquanto estaacute negociada mais a inaccedilatildeo do

que o como agir

Por fim como apontamos ao longo do trabalho natildeo encontramos experiecircncias

concretas de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia nas aacutereas

agraacuterias no estados de Goiaacutes e Satildeo Paulo Desta forma achamos relevante continuar

essa busca por experiecircncias que lidam com esse problema em uma pesquisa posterior

70

6 Referecircncias Bibliograacuteficas

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74

7 Anexos

71 Roteiro SEMIRA

1) Na sua opiniatildeo o que eacute poliacutetica de gecircnero Existe alguma

especificidade na hora de elaborar esse tipo de poliacutetica O que a diferencia eou

aproxima de poliacuteticas de outras aacutereas

2) O que vocecirc acredita que satildeo as causas das desigualdades de gecircnero A

SEMIRA combate as causas diretamente como

3) Como foi a evoluccedilatildeo do tratamento da questatildeo de gecircnero no Estado

Qual a estrutura organizacional da secretaria para lidar com a violecircncia de gecircnero

4) O que significa para vocecirc o fato de poliacuteticas de gecircnero serem

transversais Como isso se materializa na accedilatildeo da SEMIRA

5) Quais satildeo os desafios na hora de formular eou implementar poliacuteticas

transversais O machismo se manifesta nesses momentos na hora de lidar com outras

secretarias que natildeo atuam diretamente com a questatildeo de gecircnero

6) A mudanccedila para uma secretaria mais ampla em termos de temas

abarcados muda a maneira como a transversalidade eacute abordada Como

7) A transversalidade tambeacutem muda de acordo com os contextos urbanos

e rural Como ela se relaciona a esses contextos

8) Como o machismo se manifesta na sociedade E na aacuterea rural E na

aacuterea urbana Compare as duas Existem outros fatores culturais que diferenciam a

aacuterea rural e urbana e que influenciam a maneira como a violecircncia de gecircnero se

manifesta

9) Existe diferenccedila entre violecircncia de gecircnero nos acircmbitos rural e urbano

10) Se sim quais as implicaccedilotildees dessa diferenccedila E a secretaria incorpora

essa diferenccedila na formulaccedilatildeo das suas poliacuteticas puacuteblicas

11) O Estado consegue chegar a uma mulher viacutetima de violecircncia da

mesma maneira na aacuterea urbana e rural

12) Vocecirc sente diferenccedila na maneira como os funcionaacuterios policiais

delegados etc lidam com a violecircncia de gecircnero em zonas mais rurais ou urbanas

75

Como essa diferenccedila se manifesta e como a SEMIRA lida com a diferenccedila entre

atores parceiros

13) Como surgiu a SEMIRA Quais foram os atores importantes Qual

era e eacute a sua relaccedilatildeo da SEMIRA com outros oacutergatildeos do governo do Estado

14) Quais satildeo as poliacuteticas puacuteblicas da secretaria direcionadas para o

enfrentamento da violecircncia de gecircnero Como elas comeccedilaram Como elas

funcionam

15) Qual eacute o histoacuterico da poliacutetica dos ocircnibus multidisciplinares que vatildeo ao

campo Como foi a aceitaccedilatildeo pela populaccedilatildeo Continuidade

72 Formulaacuterio de Consentimento Entrevista

Mulheres em situaccedilatildeo de vulnerabilidade social Contextos Construccedilatildeo Simboacutelica

e Poliacuteticas Puacuteblicas

Beatriz Junqueira Kipnis

FGV-EAESP

Sou Beatriz Junqueira Kipnis aluna de graduaccedilatildeo em Administraccedilatildeo Puacuteblica

na Fundaccedilatildeo Getulio Vargas de Satildeo Paulo Estou fazendo uma pesquisa de iniciaccedilatildeo

cientiacutefica sob orientaccedilatildeo dos Prof Dr Marcus Vinicius Peinado Gomes e Prof Dr

Fernando Burgos O objetivo desta pesquisa eacute descobrir se e como os contextos

agriacutecola e urbano impactam na formulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em

situaccedilatildeo de violecircncia e quais as implicaccedilotildees de semelhanccedilas e diferenccedilas dos mesmos

para o cotidiano do puacuteblico beneficiaacuterio Gostariacuteamos de contar com a sua

participaccedilatildeo voluntaacuteria para a parte de campo da pesquisa pois acreditamos que

conhecer a experiecircncia praacutetica possibilitaraacute e enriqueceraacute as anaacutelises dessa pesquisa

Para isso deixamos explicitada nossa eacutetica de pesquisa e pedimos que assine esse

formulaacuterio em caso de consentimento

1 Confidencialidade

Esta entrevista tem como objetivo coletar informaccedilotildees para esta pesquisa e

portanto possui objetivo estritamente acadecircmico Qualquer comentaacuterio opiniatildeo ou

76

avaliaccedilotildees que vocecirc fizer seratildeo tratados com confidencialidade e analisados apenas

para os interesses desta pesquisa

2 Permissatildeo para citaccedilatildeo

Eu gostaria de poder citar diretamente trechos de nossa conversa nos relatoacuterios

e publicaccedilotildees oriundas desta pesquisa Caso deseje manter seu anonimato por favor

manifeste sua preferecircncia antes do iniacutecio da entrevista

3 Participaccedilatildeo

Sua participaccedilatildeo nesta pesquisa eacute voluntaacuteria e vocecirc natildeo receberaacute nenhum

pagamento para tal

Vocecirc pode decidir a qualquer momento por qualquer razatildeo em natildeo mais

fazer parte desta pesquisa Em caso de duacutevidas ou esclarecimentos vocecirc pode fazer

perguntas a mim em qualquer momento

3 Gravaccedilatildeo

Gostaria de pedir sua permissatildeo para gravar nossa entrevista com o uacutenico

proposito de facilitar o processo de pesquisa Se vocecirc natildeo concorda com a gravaccedilatildeo

por favor manifeste sua preferecircncia antes do iniacutecio da entrevista

Assinatura do Entrevistado ___________________________________________

Data _____________________________________________

Assinatura do Pesquisador _____________________________

Data _____________________________________________

Caso tenha alguma duacutevida sobre o estudo por favor entrar em contato com

Beatriz Kipnis bjkipnishotmailcom ou Dr Marcus Gomes marcusgomesfgvbr

Page 7: Fundação Getúlio Vargas Escola de Administração de ......mulheres de áreas agrícolas e se sentiam pouco à vontade para comentar sobre a violência contra mulheres nessas áreas.

7

diferenccedilas no entanto a seccedilatildeo que discorre sobre as soluccedilotildees sendo formuladas ou

implementadas se concentra mais nas aacutereas urbanas uma vez que essa foi a realidade

com a qual nos deparamos no campo Por fim encerramos discorrendo sobre os

achados e contribuiccedilotildees desta pesquisa assim como quais satildeo os horizontes para

novas pesquisas sobre o tema

8

2 Referencial Teoacuterico

21Poliacuteticas Puacuteblicas

211 O que satildeo poliacuteticas puacuteblicas e quais os seus processos

Poliacuteticas puacuteblicas podem ser entendido como a soma de accedilotildees e decisotildees que

ocorrem por parte de atores puacuteblicos ndash estatais ou natildeo ndash e natildeo puacuteblicos para resolver

uma situaccedilatildeo definida como um problema coletivo (SUBIRATS et al 2012) Saravia

(2006 P29) define poliacutetica puacuteblica como

()um sistema de decisotildees puacuteblicas que visa a accedilotildees ou omissotildees

preventivas ou corretivas destinadas a manter ou modificar a realidade de

um ou vaacuterios setores da vida social por meio da definiccedilatildeo de objetivos e

estrateacutegias de atuaccedilatildeo e da alocaccedilatildeo de recursos necessaacuterios para atingir os

objetivos estabelecidos

Isso significa que poliacutetica puacuteblica atraveacutes da accedilatildeo ou inaccedilatildeo age com

determinada finalidade e isso ocorre atraveacutes de um processo de definiccedilatildeo de

prioridades Encontramos evidecircncias ao longo da pesquisa de que esta inaccedilatildeo eacute

tambeacutem uma escolha em relaccedilatildeo ao problema da violecircncia de gecircnero em aacutereas

agriacutecolas Os entrevistados em geral tinham tido pouco ou nenhum contato com

mulheres de aacutereas agriacutecolas e se sentiam pouco agrave vontade para comentar sobre a

violecircncia contra mulheres nessas aacutereas Nesse sentido a falta de accedilatildeo foi uma escolha

poliacutetica tambeacutem por decidir natildeo se produzir dados acerca dessa violecircncia ndash como

seraacute demostrado ateacute haacute dois anos natildeo havia nenhuma iniciativa especificamente

direcionada para esse puacuteblico Enfim o impacto disso eacute um ciclo vicioso de falta de

poliacuteticas puacuteblicas gerando falta de dados sobre o problema que criam um discurso de

justificativa para a inaccedilatildeo

Uma poliacutetica puacuteblica passa por algumas etapas importantes que satildeo

sistematizadas em fases mas natildeo ocorrem necessariamente em ordem cronoloacutegica e

9

podem ser simultacircneas De acordo com Saravia (2006) essas fases satildeo agenda

elaboraccedilatildeo formulaccedilatildeo implementaccedilatildeo execuccedilatildeo acompanhamento e avaliaccedilatildeo A

agenda eacute a fase em que determinada situaccedilatildeo se transforma em problema puacuteblico

(SARAVIA 2006) ou seja quando o Estado decide realizar alguma decisatildeo puacuteblica

sobre determinado problema seja ela atraveacutes da accedilatildeo ou da omissatildeo A elaboraccedilatildeo eacute

quando satildeo traccediladas as diferentes alternativas de accedilatildeo do Estado frente a esse

problema (SARAVIA 2006) Depois a formulaccedilatildeo eacute quando uma alternativa eacute

escolhida e aprofundada para lidar com o problema (SARAVIA 2006) Em seguida

acontece a implementaccedilatildeo dessa alternativa isto eacute a preparaccedilatildeo em termos de

recursos materiais e humanos para realizar a poliacutetica puacuteblica (SARAVIA 2006) A

execuccedilatildeo por sua vez eacute a accedilatildeo em si a praacutetica do planejamento realizado (SARAVIA

2006) Depois o acompanhamento eacute o monitoramento da poliacutetica puacuteblica enquanto

ela estaacute em fase de execuccedilatildeo para poder fazer alteraccedilotildees se necessaacuterias e corrigir o

rumo de acordo com os objetivos pretendidos (SARAVIA 2006) Por fim a

avaliaccedilatildeo eacute a verificaccedilatildeo do desempenho da poliacutetica puacuteblica depois que ela foi

executada e pode ser medida em termos de eficiecircncia eficaacutecia e efetividade

Eacute importante ressaltar que todas as etapas das poliacuteticas puacuteblicas satildeo

influenciadas pelo discurso uma vez que poliacutetica puacuteblica natildeo eacute o resultado de uma

anaacutelise meramente racional e cientiacutefica e sim influenciada por julgamentos de valor e

significados atribuiacutedos aos problemas puacuteblicos embora a poliacutetica puacuteblica aconteccedila

atraveacutes dessas etapas a poliacutetica se realiza na negociaccedilatildeo dos significados Saravia

(2006) ressalta nesse sentido a importacircncia das instituiccedilotildees no processo das poliacuteticas

puacuteblicas como podemos perceber no trecho

Os estudos de poliacutetica puacuteblica mostram a importacircncia das insituiccedilotildees

estatais tanto como organizaccedilotildees pelas quais os agentes puacuteblicos (eleitos ou

administrativos) perseguem finalidades que natildeo satildeo exclusivamente respostas

a necessidades sociais como tambeacutem configuraccedilotildees e accedilotildees que estruturam

modelam e influenciam os processos econocircmicos com tanto peso como as

classes e os grupos de interesse (SARAVIA 2006 p 37)

10

Ou seja as poliacuteticas puacuteblicas satildeo produzidas dentro de um contexto

organizacional que influencia o desenho e o resultado que se atinge com uma poliacutetica

puacuteblica

212 O que e quem estaacute incluso no ldquopuacuteblicordquo tratado pelas poliacuteticas puacuteblicas

Como vimos na seccedilatildeo anterior existe uma negociaccedilatildeo sobre a definiccedilatildeo o que

satildeo problemas puacuteblicos e decidir a partir da definiccedilatildeo do problema como seratildeo

combatidos Nesse sentido uma das questotildees que vecircm agrave tona na delimitaccedilatildeo do

problema eacute a negociaccedilatildeo do sentido de lsquopuacuteblicorsquo uma vez que este natildeo eacute um conceito

consensual se tratando de um sentido tambeacutem em disputa (FREDERICKSON 1991)

Algumas perspectivas diferentes satildeo possiacuteveis para ressaltar a multiplicidade de

interpretaccedilotildees diferentes do que eacute entendido como puacuteblico De acordo com

Frederickson (1991) as principais perspectivas satildeo pluralista do public choice

legislativa do cliente e cidadatilde

A perspectiva pluralista eacute aquela que entende como puacuteblico a manifestaccedilatildeo da

interaccedilatildeo entre grupos de interesses que disputam o poder poliacutetico

(FREDERICKSON 1991) Esses grupos seriam meras agregaccedilotildees de pessoas com

interesses individuais sendo o interesse de cada grupo a aglomeraccedilatildeo dos interesses

particulares dos participantes Em decorrecircncia da disputa entre grupos de interesse o

interesse puacuteblico seria o grupo que vencesse tal luta Frederickson (1991) ressalta

como risco dessa perspectiva que o interesse puacuteblico resultante da disputa de grupos

de interesse natildeo seja a representaccedilatildeo efetiva tanto dos indiviacuteduos dentro dos grupos

quanto daqueles que natildeo fazem parte de grupos por natildeo serem interessantes

politicamente ou economicamente para tais aglomeraccedilotildees

Por sua vez a perspectiva do public choice manteacutem a ideia pluralista de que

um grupo eacute soacute uma agregaccedilatildeo de pessoas e que portanto o indiviacuteduo faz um caacutelculo

racional para aumentar sua eficiecircncia no setor puacuteblico (FREDERICKSON 1991)

Isso implica em uma visatildeo dos servidores puacuteblicos como maximizadores de interesses

particulares e que natildeo estariam interessados em maximizar o interesse coletivo

Enfim essa visatildeo entende o puacuteblico e o seu interesse como o do maior nuacutemero de

11

pessoas sendo utilitarista e consequentemente gerando a exclusatildeo de quem natildeo tem

recursos para fazer a escolha puacuteblica e a desconfianccedila nas motivaccedilotildees dos

governantes

Jaacute a perspectiva legislativa eacute aquela em que os administradores puacuteblicos

operam o que eacute decidido pelo legislativo (FREDERICKSON 1991) Este por sua vez

seria a arena de representaccedilatildeo legiacutetima do interesse puacuteblico O autor

(FREDERICKSON 1991) ressalta entretanto que na praacutetica as leis satildeo ambiacuteguas e

permitem interpretaccedilotildees diferentes por parte dos administradores puacuteblicos Aleacutem

disso haacute um conflito de forccedila em relaccedilatildeo ao que eacute exigido pelo executivo que os

administradores puacuteblicos executem em detrimento do legislativo No mais haacute outro

dilema nessa concepccedilatildeo porque representaccedilatildeo natildeo eacute algo que se encerra no

legislativo havendo outras arenas representativas como os grupos de interesse

anteriormente citados

Outra visatildeo possiacutevel eacute de puacuteblico como cliente em que os indiviacuteduos satildeo

consumidores dos serviccedilos puacuteblicos Isso implica no contato direto entre clientes e

burocratas de niacutevel de rua o que leva ao impasse de que os burocratas precisam

colocar as necessidades dos clientes como mais importantes e ao mesmo tempo

precisam ser imparciais impessoais (FREDERICKSON 1991) Aleacutem disso falta

verba para que a qualidade e quantidade dos serviccedilos puacuteblicos oferecidos atendam agraves

demandas dos clientes De acordo com Frederickson (1991) essa perspectiva seria

fraca porque clientes natildeo conseguem funcionar como puacuteblico isto eacute cada indiviacuteduo

agindo como cliente natildeo se articula enquanto grupos para defender seus interesse e os

burocratas podem se organizar enquanto grupo de interesse e conseguir suplantar os

clientes

Por fim podemos enxergar o puacuteblico como cidadatildeo o que significa que o

puacuteblico tem interesse proacuteprio e coletivo (FREDERICKSON 1991) Essa visatildeo

implica no papel da Administraccedilatildeo Puacuteblica de colocar em praacutetica os valores definidos

por uma constituiccedilatildeo No entanto essa perspectiva natildeo enxerga o legislativo como

arena de representaccedilatildeo final dos interesses puacuteblicos sendo que todos satildeo cidadatildeos e

devem ser contemplados pela administraccedilatildeo puacuteblica sendo ou natildeo minorias Entatildeo

faria parte do dever da administraccedilatildeo puacuteblica criar um arcabouccedilo institucional

12

possibilitador de participaccedilatildeo direta dos cidadatildeos e tambeacutem advogar pelos direitos de

minorias sem poder representativo A Administraccedilatildeo Puacuteblica tambeacutem deve nessa

perspectiva desenvolver e manter sistemas capazes de captar e responder os puacuteblicos

coletivos ou natildeo tendo em vista sempre o interesse do coletivo maior sem ferir os

direitos das minorias (FREDERICKSON 1991)

No mais a perspectiva do puacuteblico como cidadatildeo exige um entendimento da

cidadania de ambos os lados isto eacute a administraccedilatildeo puacuteblica deve enxergar o puacuteblico

como cidadatildeos mas os cidadatildeos precisam agir como tais Isso exigiria segundo

Frederickson (1991) o entendimento pelos cidadatildeos da constituiccedilatildeo e portanto dos

valores defendidos pela mesma e tambeacutem a capacidade de raciocinar moralmente

compatibilizando interesses particulares e coletivos tendo como medida o documento

constitucional Aleacutem disso seria essencial a crenccedila dos cidadatildeos em direitos

ldquonaturaisrdquo e natildeo na ideia de que a maioria teria poder legiacutetimo mas que todos tecircm

que ter esses direitos miacutenimos garantidos sendo ou natildeo parte da maioria

(FREDERICKSON 1991)

A reflexatildeo de Frederickson (1991) vai aleacutem de uma categorizaccedilatildeo sobre os

diferentes significados de puacuteblicos construiacutedos pela interaccedilatildeo do Estado e seus

cidadatildeos ao contraacuterio ressalta que a visatildeo sobre o que eacute lsquopuacuteblicorsquo natildeo eacute definido a

priori no ciclo de poliacuteticas puacuteblicas ao contraacuterio eacute negociada neste processo Neste

sentido a pluralidade normativa da visatildeo de lsquopuacuteblicorsquo faz parte da estrateacutegia

organizacional de determinado oacutergatildeo da Administraccedilatildeo Puacuteblica Isso porque as

praacuteticas cotidianas da organizaccedilatildeo transparecem determinado tratamento de puacuteblico e

acabam resultando em uma estrateacutegia organizacional que produz uma poliacutetica puacuteblica

com determinado vieacutes para o que eacute considerado puacuteblico

213 A produccedilatildeo de conhecimento e a importacircncia das praacuteticas cotidianas

Continuando esse o argumento da disputa de significados o conhecimento

tambeacutem eacute uma construccedilatildeo social e como tal estaacute sujeito a poderes em conflito e

mudanccedilas As poliacuteticas puacuteblicas satildeo influenciadas por essa construccedilatildeo social do

conhecimento uma vez que as situaccedilotildees dependem de uma significaccedilatildeo social para

13

serem consideradas como problemas puacuteblicos e portanto entrarem na agenda de

governo Nesse sentido o que eacute considerado como conhecimento vaacutelido faz parte de

uma ideia que a sociedade tem do que eacute legitimamente visto como conhecimento ou

natildeo e isso varia de acordo com tempo e lugar (SPINK 2001) Desde o berccedilo as

universidades satildeo um local onde essa tensatildeo entre conhecimento legitimado ou natildeo

persiste no cotidiano e satildeo espaccedilos em que a luta pelo reconhecimento da

heterogeneidade de conhecimentos muitas vezes fica em um segundo plano vis-agrave-vis

o conhecimento produzido pela proacutepria academia e desvinculado muitas vezes da

realidade cotidiana do objeto estudado (SPINK 2001)

Essa dicotomia entre produccedilatildeo de conhecimento nas universidades e na

praacutetica reduziu apenas recentemente sobretudo pela forccedila dos movimentos sociais

Eles mostraram que a sociedade civil produz conhecimentos relevantes para se

organizar e enfrentar os seus problemas do dia-a-dia sem necessariamente estarem

ligados ao conhecimento hegemocircnico do meio acadecircmico (SPINK 2001) Cresceu a

partir de entatildeo a noccedilatildeo de multiplicidade de conhecimentos e a importacircncia da

universidade reconhecer a importacircncia e estudar esses conhecimentos produzidos na

praacutetica

A construccedilatildeo desse leque de conhecimentos segundo Spink (2001) se daacute

sobretudo pela praacutetica vivida pelos grupos sociais na resoluccedilatildeo de problemas

enfrentados no cotidiano e que natildeo foram solucionados por organizaccedilotildees externas

Assim cada lugar eacute constituiacutedo de um contexto proacuteprio que tanto possibilita quanto

compele a produccedilatildeo de determinados conhecimentos

Dentro desses contextos uacutenicos de produccedilatildeo de conhecimento existem as

praacuteticas do cotidiano que fazem as organizaccedilotildees se construiacuterem enquanto tais e satildeo

tambeacutem por elas influenciadas As poliacuteticas puacuteblicas satildeo produzidas por organizaccedilotildees

e seus arranjos entre si ou seja satildeo influenciadas pelos contextos e praacuteticas do

mesmo Essas praacuteticas satildeo definidas por Schatzki (2007) como o conjunto de accedilotildees

estruturadas por uma organizaccedilatildeo Nessa visatildeo natildeo eacute a estrutura organizacional que

molda completamente as accedilotildees de seus constituintes mas uma relaccedilatildeo dialeacutetica em

que estruturas sociais e atores se influenciam mutuamente para formar as praacuteticas

desenvolvidas rotineiramente em uma organizaccedilatildeo As praacuteticas incluem segundo o

14

autor quatro fenocircmenos principais

(1) understandings of (complexes of know-hows regarding) the actions

constituting the practice for example knowing how to email and to recognize

emailing and knowing how to deliver and recognize lectures (2) rules by

which I mean explicit directives admonishments or instructions that

participants in the practice observe or disregard (3) something I call a

teleological-affective structuring which encompasses a range of ends

projects actions maybe emotions and end-project-action combinations

(teleological orderings) that are acceptable for or enjoined of participants to

pursue and realize and (4) general understandings for example general

understandings about the nature of work about proper teacherndashstudent

interactions or about the commonality of fate (SCHATZKI 2007)

As praacuteticas podem portanto ser definidas como participantes ativas da

estrateacutegia organizacional A estrateacutegia enquanto praacutetica eacute um conceito que faz a

conexatildeo entre a caracteriacutestica ativa e dialeacutetica das praacuteticas cotidianas e a proacutepria

formulaccedilatildeo de estrateacutegias dentro de uma organizaccedilatildeo Esse conceito estaacute ligado a uma

visatildeo construtivista das estrateacutegias dentro de uma organizaccedilatildeo isto eacute as estrateacutegias

natildeo satildeo estaacuteveis ao longo do tempo passam por um processo de definiccedilatildeo e

redefiniccedilatildeo conforme ganham ou perdem legitimaccedilatildeo interna e externa ao ambiente

organizacional (SOUZA 2009)

Nesse sentido as estrateacutegias de uma organizaccedilatildeo podem mudar ou

permanecer ao longo do tempo de acordo com a relaccedilatildeo dupla entre agentes e

estrutura esta sendo composta de recursos disponiacuteveis normas e regras presentes e

entendimento compartilhado (SOUZA 2009) Os recursos disponiacuteveis podem ser

materiais como o ambiente fiacutesico de uma organizaccedilatildeo ou imateriais como a

capacitaccedilatildeo para exercer uma atividade dentro da mesma Esses recursos satildeo objeto

de uma luta permanente porque satildeo eles que possibilitam a dominaccedilatildeo de uma

estrateacutegia ou seja quem deteacutem mais recursos acaba tendo mais poder na hora de

defender sua posiccedilatildeo vis-agrave-vis uma estrateacutegia organizacional (SOUZA 2009) As

15

normas e as regras podem ser formais como o estatuto de uma associaccedilatildeo que prevecirc

condutas permitidas eou exigidas para a participaccedilatildeo ou informais construiacutedas e

aceitas no cotidiano sem que sejam transcritas como o tipo de comportamento

considerado adequado dentro de determinada organizaccedilatildeo Satildeo as normas e regras

que constituem a legitimaccedilatildeo ou natildeo de estrateacutegias isto eacute elas permitem ou natildeo a

aceitaccedilatildeo de uma estrateacutegia em detrimento do que eacute aceito formal e informalmente no

ambiente organizacional (SOUZA 2009) Aleacutem disso haacute um entendimento

compartilhado em uma organizaccedilatildeo que significa as estrateacutegias isto eacute traduz

subjetivamente a estrateacutegia para uma dimensatildeo simboacutelica que eacute compreensiacutevel para a

realidade de seus agentes

Isso significa que formular e implementar estrateacutegias dentro de uma

organizaccedilatildeo satildeo processos inseridos dentro de um contexto permeado por

significaccedilotildees dominaccedilotildees e legitimaccedilotildees de discursos no cotidiano dos agentes e

portanto haacute uma tensatildeo constante e um diaacutelogo entre processos e contexto em que o

mesmo influencia e eacute influenciado pelos processos de definiccedilatildeoredefiniccedilatildeo de

estrateacutegia (SOUZA 2009) Assim podemos dizer que as organizaccedilotildees natildeo produzem

estrateacutegias no vaacutecuo jaacute que as praacuteticas que as constituem soacute satildeo significadas quando

satildeo ativadas pelos agentes e possibilitadas pelo contexto interno e externo agrave

organizaccedilatildeo tornando o contexto um elemento essencial para estudar as estrateacutegias

em organizaccedilotildees

Dessa forma poliacuteticas puacuteblicas podem ser entendidas como uma estrateacutegia

constantemente definida e redefinida em funccedilatildeo das negociaccedilotildees sobre os sentidos

dos problemas puacuteblicos A estrutura organizacional se torna entatildeo natildeo apenas

relevante para a determinaccedilatildeo da capacidade material de resoluccedilatildeo de um problema

social mas tambeacutem delimita um lugar simboacutelico sobre as possibilidades de accedilatildeo para

enfrentaacute-lo

22 Contextos onde as poliacuteticas puacuteblicas acontecem

No acircmbito dessa pesquisa pretendemos nos focar em principalmente dois

contextos diferentes que permeiam o processo de formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de

16

poliacuteticas puacuteblicas enquanto estrateacutegias de organizaccedilotildees da Administraccedilatildeo Puacuteblica

Podemos falar nos lugares e na diferenciaccedilatildeo entre contextos urbano e agriacutecola como

fator que influencia e eacute influenciado pelo ciclo de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em

situaccedilatildeo de violecircncia

Os contextos impactam nas praacuteticas e arranjos materiais disponiacuteveis em

determinado lugar (SPINK 2001) O lugar eacute onde ocorre a troca entre contexto

praacuteticas e arranjos como contextos agriacutecola e urbano estruturas organizacionais e

negociaccedilatildeo de sentidos e estrateacutegias para lidar com problemas puacuteblicos De acordo

com Milton Santos (2001) os lugares satildeo espaccedilos esquizofrecircnicos porque satildeo onde se

verificam os vetores da globalizaccedilatildeo e tambeacutem da contraordem O papel do lugar eacute

natildeo soacute onde se vive mas um lsquoespaccedilo vividorsquo em que satildeo reproduzidas eou

reavaliadas processos do passado e onde se projeta o futuro (SANTOS 2001) Nesses

lugares ocorrem os embates entre soluccedilotildees imediatistas e visotildees finaliacutesticas

conjuntura e estrutura (SANTOS 2001)

A ideia de lugar compreende a importacircncia dos processos construiacutedos e que

constroem um contexto Schatzki (2005) em sua teoria sobre como satildeo construiacutedos

os fenocircmenos sociais afirma que estes estatildeo ligados aos lugares

Sites however are a particularly interesting sort of context What

makes them interesting is that context and contextualized entity constitute one

another what the entity or event is is tied to the context just as the nature and

identity of the context is tied to the entity or event (among others)(p 468)

Essa definiccedilatildeo eacute entatildeo especificada ao social em que o lugar ldquodo social eacute

composto de nexos de praacuteticas e arranjos materiaisrdquo (SCHATZKI 2005 p471) As

praacuteticas seriam as atividades humanas e os arranjos materiais incluem as pessoas os

artefatos outros organismos e coisas

Os fenocircmenos sociais fazem parte das teias formadas dentro dos lugares e da

relaccedilatildeo entre eles sendo ao mesmo tempo produto e alimento desses lugares As

organizaccedilotildees de acordo com o autor (SCHATZKI 2005) seriam um desses

fenocircmenos sociais Fazendo parte dessa teia as organizaccedilotildees satildeo constituiacutedas por

praacuteticas sobreviventes previamente de outras organizaccedilotildees (vindas com as

17

experiecircncias passadas dos indiviacuteduos que a constituem) e uma mistura de praacuteticas do

presente que satildeo alteradas ou natildeo para materializar a razatildeo de existecircncia da

organizaccedilatildeo e arranjos materiais velhos e novos (SCHATZKI 2005 p476) Schatzki

(2005) ressalta que trecircs pontos satildeo essenciais para compreender uma organizaccedilatildeo

identificar as accedilotildees que a compotildeem identificar o conjunto de praacuteticas e arranjos

materiais em que as accedilotildees estatildeo inseridas identificar as outras teias de conjuntos de

praacuteticas e arranjos que se ligam agrave teia que compotildee a organizaccedilatildeo

Podemos clarificar ainda mais a ideia de lugares com a contribuiccedilatildeo de Spink

(2001) que define lugar como ldquoponto de partida para refletir sobre a organizaccedilatildeo

porque permite um olhar a partir de um enraizamento na processualidade do cotidiano

e fora dos muros das organizaccedilotildeesrdquo (SPINK 2001 p18) Esse termo tambeacutem foca

nos processos construiacutedos pelos indiviacuteduos suas relaccedilotildees e o contexto nos quais

participam e as organizaccedilotildees como parte desses processos em que haacute tensotildees e natildeo

como uma entidade que existe sem a accedilatildeo de pessoas Aleacutem disso Spink (2001)

ressalta a importacircncia da construccedilatildeo social dos sentidos que damos agraves accedilotildees e

materialidades que compotildeem o cotidiano o que dialoga com a ideia de Schatzki

(2005) de como compreender as accedilotildees dos indiviacuteduos

Assim pretendemos compreender as regiotildees agriacutecola e urbana como lugar

que satildeo indissociaacuteveis daquilo que os constituem (Spink 2001 SCHATZKI 2005)

enquanto praacuteticas e arranjos constitucionais observaacuteveis materialmente a partir de

organizaccedilotildees puacuteblicas O estudo das organizaccedilotildees que formulam e implementam

essas poliacuteticas puacuteblicas eacute importante para entender quais os conjuntos de praacuteticas e

arranjos materiais que formam o contexto das poliacuteticas puacuteblicas em questatildeo e se

existem ligaccedilotildees e sobreposiccedilotildees entre praacuteticas eou arranjos materiais dessas

organizaccedilotildees

221 Cidades Urbanas e Agriacutecolas

Precisamos entatildeo definir o que satildeo regiotildees agriacutecolas e regiotildees urbanas como

lugar no qual as poliacuteticas puacuteblicas estatildeo inseridas Santos (1996) trouxe essa nova

tipologia de cidades agriacutecolas e urbanas porque as mudanccedilas econocircmicas impactaram

18

a organizaccedilatildeo do espaccedilo geograacutefico de tal forma que as atividades urbanas e rurais

existem em todas as regiotildees Assim natildeo haacute mais uma separaccedilatildeo em aacutereas rurais e

urbanas de acordo com distinccedilatildeo econocircmica sendo que o novo ldquocriteacuterio de distinccedilatildeo

seria devido muito mais ao tipo de relaccedilotildees realizadas sobre os respectivos

subespaccedilosrdquo (SANTOS 1996 p 67)

Segundo ele ldquonas regiotildees agriacutecolas eacute o campo que sobretudo comanda a

vida econocircmica e social do sistema urbano enquanto nas regiotildees urbanas satildeo as

atividades secundaacuterias e terciaacuterias que tecircm esse papelrdquo (SANTOS 1996 p 68)

Apesar dessa predominacircncia que permite a distinccedilatildeo existem nos dois tipos de

regiotildees cidades e zonas de atividade rural mas nas regiotildees agriacutecolas a cidade existe

para suprir as necessidades do campo e das pessoas que o habitam enquanto nas

regiotildees urbanas as zonas de atividade rural existem para suprir as necessidades das

cidades e as pessoas que a habitam (SANTOS 1996) Assim essa tipologia eacute

importante para definir os contextos das poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo

de violecircncia jaacute que loacutegicas diferentes as constituem apontando praacuteticas e arranjos

materiais tambeacutem diversos

23 Gecircnero Machismo e Violecircncia de Gecircnero

As discussotildees sobre gecircnero na academia tecircm sido concentradas em uma

perspectiva discursiva que distingue completamente sexo de gecircnero colocando o

primeiro como parte de uma esfera bioloacutegica e o segundo como uma construccedilatildeo

social desvinculada da primeira (CAROLAN 2005) Nesse sentido Carolan (2005)

aponta um risco de gerar um reducionismo ao julgar gecircnero apenas como uma

construccedilatildeo social sem levar em consideraccedilatildeo os elementos extra-discursivos que

dialeticamente significam e ressignificam os papeis de gecircnero Segundo Carolan

(2005 p5)

Sociology has been correct to take care so as to not legitimate

ideologically-driven biological determinism and the socio-political

ramifications that accompany such proclamations My concern however is

19

that this apprehension toward determinism has become too one-sided With

all of our handringing about the dangers of ldquobringing nature back inrdquo to

sociological analyses due to its deterministic undertones we remain

incorrigibly blind to the other side of the coin to the appalling prospects of

an equally dangerous cagemdashcultural determinism In our rush to condemn the

fixed-biological we often (mistakenly) overly prescribe mutability and fluidity

to the socio-cultural We must thus stay vigilant to all prescriptions of

determinismmdashbiological and otherwisemdashwhile concomitantly remaining open

to the multidirectional causal potentials that constitute a stratified rooted

and emergent reality

Dessa forma eacute importante levar em conta tanto os niacuteveis discursivos quanto

extra-discursivos da construccedilatildeo de gecircnero dentro de uma estrutura social que dialoga

com esses elementos Assim os elementos extra-discursivos podem ser tanto

bioloacutegicos como apontados no trecho acima mas podem ser tambeacutem outras

materialidades que podem ser causa e efeito ao mesmo tempo da construccedilatildeo social

dos papeis de gecircnero como a desigual inserccedilatildeo no mercado de trabalho e os salaacuterios

desiguais para as mesmas posiccedilotildees Por exemplo se as mulheres tecircm menor inserccedilatildeo

no mercado de trabalho isso eacute fruto de uma construccedilatildeo social dos papeis de gecircnero

mas tambeacutem reforccedila os mesmos papeis em um jogo dialeacutetico porque as mulheres

ficam em uma posiccedilatildeo pouco empoderada acerca de como decidir a alocaccedilatildeo dos

recursos em casa e mais vulneraacuteveis para conseguir materialmente sair de casos de

violecircncia

Nesse contexto o machismo pode ser entendido como uma estrutura social

subjetiva construiacuteda a partir da existecircncia de gecircnero como uma classificaccedilatildeo criada

socialmente mas que alimenta e eacute alimentada por materialidades extra-discursivas O

machismo se configura entatildeo como algo abstrato que natildeo pode ser visto

materialmente Como coloca Sayer (1998 p 159-160)

()unobservable natural forces as well as structures of a language or

tules of a game can be and frequently are described and known Thus while

20

the unobservable wind can be known to be responsible for the flying hat or the

swirling leaves the rules of grammar facilitating the speech acts of some

group or the secret code used by children to send messages to each other

may each be quite unproblematically retroducible andor describable By

demonstrating the empirical adequacy of theories of gravitational and

magnetic fields social rules and relations structures of languages and so

forth these items can be known whether or not they can be directly observed

O machismo pode ser considerado como um item abstrato conforme

apresentado por Sayer (1998) que podem ser conhecidos mesmo que natildeo possam ser

observados diretamente Para fazer isso devemos tentar acessar a estrutura social

pelas suas manifestaccedilotildees tanto discursivas quanto extra-discursivas Especificamente

sobre as relaccedilotildees de gecircnero Sayer discorre sobre como podemos observaacute-la na

praacutetica (SAYER 1998 p160)

Even a single maintained hypothesis can be continually assessed by

examining the range of phenomena it bears upon In other words the

empirical adequacy of any hypothesis can be progressively checked-out by

deducing such implications as follow with regard to any domain for which

such implications hold and can in practice be observed Where it is argued

for example that gender relations in many societies are such that mechanisms

are reproduced which serve to discriminate against women in favout of men

this assessment can be checked out against detectable patterns occurring in

for example factories homes schools and universities and any other place

where the mechanism will conceivably reveal its effects

Podemos entatildeo acessar a estrutura social machista sobretudo atraveacutes de pelo

menos dois tipos de manifestaccedilotildees materiais ou seja as diferenccedilas objetivas como a

distribuiccedilatildeo de recursos e bens e subjetivas como se daacute a percepccedilatildeo da sociedade

sobre os papeis de gecircnero (GOMES 2014a) Corroborando Lorente (2015) tambeacutem

apresenta o machismo como uma estrutura social

21

Inequality is a construction based on the male design of society and

developed to determine the relationships within it It is neither an error nor an

uncontrolled drift It is a decision to establish a structure of power that

provides benefits and privileges to those in a superior position men and

denies rights and opportunities to those in an inferior position women

Violence against Women (VAW) is an instrument to maintain this structure

part of the tools to guarantee that it works () Violence against women is

different from other forms of violence due to its motivations goals

circumstances and meaning It is the only violence supported by social and

cultural ideas and the only one that is accepted and justified by part of

society (LORENTE 2015)

A violecircncia de gecircnero surge entatildeo como uma manifestaccedilatildeo dessa estrutura

social machista com implicaccedilotildees objetivas e subjetivas A violecircncia fiacutesica e

patrimonial podem ser entendidas como uma manifestaccedilatildeo material da estrutura

social enquanto outras violecircncias como a psicoloacutegica satildeo mais subjetivas e ligadas ao

asseacutedio moral (TRERJ 2013) uma forma de apreciaccedilatildeo negativa mais ligada ao

discurso poreacutem com implicaccedilotildees objetivas fortes como a proibiccedilatildeo da mulher de sair

de casa e trabalhar ou o desenvolvimento de doenccedilas psicoemocionais como

depressatildeo Aleacutem disso a violecircncia de gecircnero de todos os tipos estaacute permeada por

manifestaccedilotildees objetivas e subjetivas objetivas na vulnerabilidade em termos de

recursos materiais das mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia e subjetivas na exposiccedilatildeo agrave

apreciaccedilatildeo da famiacutelia da comunidade e das instituiccedilotildees puacuteblicas para atender a essas

mulheres que muitas vezes reproduzem papeis tradicionais de gecircnero ligados agrave

estrutura social machista

Afim de compreendermos a estrutura social machista nos diferentes contextos

agriacutecola e urbano vamos nos apoiar metodologicamente no Realismo Criacutetico sobre a

qual nos debruccedilaremos na seccedilatildeo a seguir Esta metodologia nos permite acessar

aspectos da estrutura social atraveacutes de suas manifestaccedilotildees Assim poderemos

compreender melhor as dialeacuteticas entre estrutura social manifestaccedilotildees discursivas e

22

manifestaccedilotildees extra-discursivas e do discurso em accedilatildeo Dessa maneira pretendemos

informar a accedilatildeo do Estado para combater essa estrutura social machista sobretudo a

sua manifestaccedilatildeo enquanto violecircncia de gecircnero

23

3 Metodologia

A partir da revisatildeo da literatura entendemos que as poliacuteticas puacuteblicas e suas

estrateacutegias satildeo definidas e redefinidas em um processo de embate entre discursos e

significaccedilotildees Este processo estaacute inserido em um lugar que influencia e eacute influenciado

pela negociaccedilatildeo de sentidos Especialmente no que diz respeito agrave violecircncia contra a

mulher estamos examinando para uma estrutura social machista e procurando

entender como os contextos influenciam a formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de poliacuteticas

puacuteblicas para aacutereas agriacutecolas e urbanas de acordo com as diferentes manifestaccedilotildees da

estrutura social nesses contextos Desta forma a pergunta de pesquisa que surge para

este trabalho eacute A estrutura social do machismo se manifesta da mesma maneira

nos contextos agriacutecola e urbano

Dela decorrem os seguintes objetivos secundaacuterios

a) Haacute ou natildeo diferenccedilas na manifestaccedilatildeo do machismo especificamente em

termos de violecircncia de gecircnero nas zonas urbana e agraacuteria

b) Como essas manifestaccedilotildees do machismo satildeo impactadas e impactam a

formulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia

Conforme discutiremos mais adiante nesse capiacutetulo e na seccedilatildeo 4 de anaacutelise

dos dados encontramos poucas evidecircncias de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em

situaccedilatildeo de violecircncia nas aacutereas agraacuterias de Goiaacutes e Satildeo Paulo Entretanto este

silecircncio eacute um interessante achado de pesquisa pois foi possiacutevel compreender como a

ausecircncia dessas poliacuteticas impacta a vida das mulheres desse contexto Esta anaacutelise

fica mais evidente quando debruccedilamos sobre as poliacuteticas puacuteblicas disponiacuteveis para as

mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia em aacutereas urbanas e que ainda assim natildeo tecircm seus

direitos garantidos como iremos perceber na anaacutelise das entrevistas

31 Realismo Criacutetico e a violecircncia de gecircnero

Escolhemos e o Realismo Criacutetico como ontologia ou seja como teoria do

conhecimento cientiacutefico porque acreditamos que ele nos ajudaraacute a compreender

24

melhor como os contextos agraacuterio e urbano influenciam e satildeo influenciados na

formulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas mas tambeacutem por uma questatildeo normativa

Acreditamos na perspectiva ontoloacutegica do realismo criacutetico de que os seres humanos

satildeo agentes com capacidade accedilatildeo sobre a realidade e que tambeacutem satildeo produtores de

significados e tambeacutem na necessidade natildeo soacute de explicar o mundo mas de modificaacute-

lo

No entanto acrescenta-se agrave nossa existecircncia dialeacutetica enquanto seres humanos

com o mundo a noccedilatildeo de que este existe independentemente da nossa apreensatildeo

semioacutetica ou natildeo dele sendo este o principal ponto de divergecircncia do criacutetico realismo

em relaccedilatildeo ao construtivismo (BHASKAR 2012 FAIRCLOUGH 2010 GOMES

2014b) Isto significa que a estrutura social eacute composta de loacutegicas agraves quais damos

sentidos e tambeacutem loacutegicas que natildeo apreendemos e interpretamos estando latentes

para essa interpretaccedilatildeo mas ainda assim influenciando e sendo influenciadas por

nossa accedilatildeo no mundo

O realismo criacutetico tambeacutem se enquadra nas nossas perspectivas de pesquisa

porque ele apresenta uma ontologia estratificada como uma estrateacutegia para evitar o

tradeoff entre agentes e estrutura (BHASKAR 2012) Isso porque o realismo criacutetico

coloca trecircs niacuteveis da vida social o real o atual e o empiacuterico que interagem entre si

dialeticamente (BHASKAR 2012) desde modo natildeo estamos lidando com uma

situaccedilatildeo em que a estrutura social define tudo nem que os agentes definem tudo

ambos satildeo relevantes e se influenciam mutuamente

Para melhor entendermos essas esferas vamos defini-las O real consiste na

esfera abstrata das estruturas sociais ou naturezas (FAIRCLOUGH 2010 GOMES

2014b) Esses integrantes do plano real satildeo objetos latentes ou seja que tecircm um

potencial Isso reforccedila a ideia de que mesmo estruturas semioacuteticas existem antes dos

atores (FAIRCLOUGH 2010 GOMES 2014b BHASKAR 2012) A esfera do atual

eacute permeada pelas praacuteticas sociais ou seja o que acontece quando elementos do

mundo real satildeo ativados e produzem transformaccedilotildees ou reproduccedilotildees

(FAIRCLOUGH 2010 GOMES 2014b) Esse plano atual eacute o que faz a mediaccedilatildeo

entre o plano real e o plano empiacuterico que por sua vez consiste nos eventos sociais e

accedilotildees Ou seja o empiacuterico eacute uma parte dos outros planos que eacute experimentado

25

efetivamente por agentes (FAIRCLOUGH 2010)

Eacute importante ressaltar que o processo causal colocado pelo realismo criacutetico

natildeo eacute o mesmo que o positivismo empiacuterico defende isto eacute a identificaccedilatildeo de

regularidades entre causa e efeito Na verdade o processo causal seria o estudo do

que ativa os poderes latentes do real para produzir mudanccedila (FAIRCLOUGH 2010

BHASKAR 2012) Aleacutem disso quando e se esses poderes satildeo ativados os efeitos

dessa ativaccedilatildeo varia de acordo com o tempo e espaccedilo (FAIRCLOUGH 2010

GOMES 2014b)

Uma ontologia baseada no Realismo Criacutetico ressalta a importacircncia dos

discursos e tambeacutem eacute uma abordagem que busca natildeo soacute entender a realidade mas

modificaacute-la como abordamos anteriormente Mas quais as implicaccedilotildees para a anaacutelise

das poliacuteticas puacuteblicas

O processo das poliacuteticas puacuteblicas sobre o qual discorremos anteriormente eacute

perpassado em todas as etapas pelos discursos dos atores envolvidos tanto interna

quanto externamente ao processo Aleacutem disso as poliacuteticas puacuteblicas satildeo um meio de

mudar a realidade como proposto pelo Realismo Criacutetico

Como vimos a violecircncia de gecircnero eacute um termo que passou por diferentes

significaccedilotildees ao longo do tempo e diferentes atores envolvidos Por exemplo antes

era visto pela sociedade e apreendida pelo Estado como uma situaccedilatildeo da esfera

privada e se restringia agrave violecircncia fiacutesica e hoje em dia passou a ser visto pelo Estado

como um problema puacuteblico considerando diferentes formas de violecircncia contra a

mulher No primeiro periacuteodo o movimento feminista brasileiro natildeo era detentor do

discurso dominante e lutava para conseguir visibilidade ao tema isto eacute para que

fosse considerado como um problema puacuteblico Ou seja as poliacuteticas puacuteblicas satildeo o

resultado do conflito entre discursos de diferentes atores e a significaccedilatildeo dada agraves

situaccedilotildees muda conforme o resultado desse conflito

Aleacutem disso podemos situar nosso referencial teoacuterico em termos da

estratificaccedilatildeo do Realismo Criacutetico A esfera do real no tema em questatildeo eacute permeada

pelas relaccedilotildees desiguais de poder entre gecircneros A esfera real pode ser acessada por

suas manifestaccedilotildees na esferas atual e empiacuterica

Na esfera do atual podemos pensar nas praacuteticas sociais que transformaram

26

uma situaccedilatildeo no caso a violecircncia contra as mulheres em problema puacuteblico passiacutevel

de intervenccedilatildeo via poliacuteticas puacuteblicas voltadas para lidar com a violecircncia de gecircnero

atraveacutes da sua inclusatildeo na agenda puacuteblica Isso pode ser visto pela dificuldade de se

tratar a violecircncia de gecircnero atraveacutes das instacircncias legais e juriacutedicas usuais Isto eacute

essas instacircncias tradicionais estavam permeadas por uma loacutegica machista que

precisava ser formalmente desfeita para poder comeccedilar a se abordar a questatildeo a partir

de outra perspectiva A violecircncia de gecircnero ter sido vista como uma questatildeo da esfera

domeacutestica e portanto privada tambeacutem faz parte desse machismo da esfera real que

precisou do aparato legal para caracterizaacute-la enquanto problema da esfera puacuteblica

Nesse sentido entra a importacircncia dos contextos urbano e agriacutecola dos territoacuterios

como elementos influenciadores e influenciados pelas poliacuteticas puacuteblicas para

mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia fornecendo um contexto sobre o qual os discursos

satildeo construiacutedos Certamente estes natildeo satildeo os uacutenicos lugares que influenciam os

discursos sobre a violecircncia de gecircnero e consequentemente as estrateacutegias para

combatecirc-lo (ie as poliacuteticas puacuteblicas)

Por fim a esfera do empiacuterico consiste no discurso em accedilatildeo por meio das

poliacuteticas puacuteblicas Um exemplo foi o conturbado processo de aprovaccedilatildeo da LMP

(MACIEL 2011) e tambeacutem as tentativas de provar sua inconstitucionalidade que

teve que ir ao STF pela AGU (MACIEL 2011) para conseguir ser aprovado

Tambeacutem a atual dificuldade de conseguir a aceitaccedilatildeo e implementaccedilatildeo da LMP por

parte dos operadores juriacutedicos (MACIEL 2011) demonstra a penetraccedilatildeo do

machismo em nossa sociedade Como podemos ver pelo retrato das questotildees

anteriormente citadas ainda estamos lidando basicamente com violecircncia sexual

apesar da tipificaccedilatildeo abranger outros tipos de violecircncia como as psicoloacutegicas e

morais que ainda ocorrem cotidianamente e satildeo naturalizadas denunciando a forccedila

do machismo na esfera do real Enfim essa uacuteltima esfera assim como as demais e a

relaccedilatildeo entre elas poderatildeo ser melhor retratadas quando partirmos a anaacutelise da

pesquisa de campo em que teremos contato com os agentes

De acordo com o realismo criacutetico podemos pensar em problemas a partir de trecircs

domiacutenios o real o atual e o empiacuterico (FAIRCLOUGH 2010) No tema em questatildeo

a esfera do real pode ser entendida como a estrutura social do machismo isto eacute uma

27

desigualdade de gecircnero que estaacute latente no funcionamento da sociedade e acaba sendo

reforccedilada pelos domiacutenios do atual e do empiacuterico Nesse trabalho o domiacutenio do atual

seriam os discursos sobre a desigualdade de gecircnero e a violecircncia de gecircnero que satildeo

manifestaccedilotildees da estrutura social machista ou para reforccedilar essa estrutura ou para

tentar transformaacute-la Por fim o domiacutenio empiacuterico satildeo nesse caso as poliacuteticas e accedilotildees

puacuteblicas formuladas eou implementadas para combater a violecircncia contra a mulher

32 Anaacutelise Criacutetica de Discurso

Afim de buscarmos nosso objetivo que eacute entender as diferenccedilas entre

poliacuteticas puacuteblicas em contextos agriacutecola e urbano utilizaremos a metodologia da

ACD Segundo a ACD o discurso eacute ativo isto eacute que influencia tanto a percepccedilatildeo da

realidade quanto o comportamento de pessoas dentro de uma organizaccedilatildeo

(PUTNAM et al 2004) Eacute importante destacarmos a diferenccedila entre texto e discurso

Textos satildeo todas as peccedilas linguiacutesticas sejam escritas ou faladas Jaacute discursos satildeo

enunciados de locutores que utilizam textos para tentar exercer influecircncia sobre

terceiros (ALVES 2006) O conceito de discurso organizacional engloba duas

maneiras diferentes de olhar para o discurso conversas e diaacutelogos ou narrativas e

histoacuterias Quando se trata de conversas significa a troca de mensagens entre duas ou

mais pessoas que ao realizarem uma interconexatildeo temporal ou significativa entre

textos moldam outras conversas eou accedilotildees futuras E diaacutelogo seria a possibilidade de

gerar novos significados atraveacutes de momentos de questionamento do contiacutenuo de uma

conversa Jaacute as narrativas percebem a construccedilatildeo social do sentido sendo estas visotildees

de mundo construiacutedas pelo locutor e seus interlocutores As histoacuterias satildeo por sua vez

a reinterpretaccedilatildeo de fatos atraveacutes do olhar de cada locutor interlocutor

A anaacutelise discurso eacute uma ferramenta interessante para analisar poliacuteticas

puacuteblicas uma vez que nos permite entender a poliacutetica atraveacutes das pessoas que

formulam eou implementam a poliacutetica Conhecendo as pessoas que fazem uma

poliacutetica puacuteblica acontecer e analisando suas conversas diaacutelogos e histoacuterias podemos

entender a significaccedilatildeo dada pelas pessoas dos processos que vivenciam Ou seja eacute

possiacutevel sair de um discurso formal para analisar quais satildeo as relaccedilotildees de poder no

28

acircmbito de uma poliacutetica puacuteblica e quais satildeo os sentidos dados para os temas

trabalhados que impedem ou proporcionam mudanccedilas materiais na evoluccedilatildeo de uma

poliacutetica puacuteblica

Algumas perspectivas epistemoloacutegicas satildeo possiacuteveis na anaacutelise de discurso

organizacional sendo as principais abordagens a positivista a construtivista e a poacutes-

modernista (PUTNAM et al 2004) e a criacutetico realista (FAIRCLOUGH 2010) Antes

de definir essas abordagens eacute importante diferenciarmos as perspectivas possiacuteveis

para a linguagem A ldquolinguagem em usordquo eacute aquela visatildeo que aborda o discurso como

tendo uma funccedilatildeo na criaccedilatildeo de uma ordem social no cotidiano da organizaccedilatildeo Seu

foco estaacute portanto na anaacutelise de discurso no momento presente da organizaccedilatildeo

(PUTNAM et al 2004 pg 9) Jaacute a abordagem da ldquolinguagem em contextordquo leva em

conta fatores histoacutericos e sociais que influenciam a produccedilatildeo disseminaccedilatildeo e

consumo de textos (PUTNAM et al 2004 pg 10) Ou seja leva em consideraccedilatildeo o

passado e os possiacuteveis efeitos futuros do discurso organizacional Dentro dessa

diferenciaccedilatildeo podemos esclarecer de onde derivam as diferentes abordagens

metodoloacutegicas A ldquolinguagem em usordquo eacute utilizada pelos positivistas e a ldquolinguagem

em contextordquo eacute a abordagem levada em consideraccedilatildeo pelos construtivistas (PUTNAM

et al 2004)

O pensamento positivista se preocupa em identificar padrotildees nas interaccedilotildees

discursivas Dessa maneira tratam o discurso como principal variaacutevel de anaacutelise e

natildeo acreditam que o discurso tenha caraacuteter poliacutetico Buscam entatildeo identificar uma

narrativa uacutenica ou um conjunto de significados compartilhados entre membros de

uma organizaccedilatildeo (PUTNAM et al 2004)

A abordagem construtivista por sua vez estuda como o discurso constitui e

reconstitui arranjos sociais dentro dos diferentes contextos das organizaccedilotildees Essa

perspectiva defende a natureza poliacutetica do discurso pela sua utilizaccedilatildeo para produzir

manter ou resistir a diferentes formas de poder Desse modo como afirma Gomes

(GOMES 2014b) o domiacutenio do discurso eacute em si um recurso de poder e faz parte da

luta pela hegemonia

Dentro do guarda-chuva da abordagem construtivista existe um ramo

chamado anaacutelise criacutetica do discurso cuja metodologia considera importante ambos os

29

tipos de linguagem sendo a ldquolinguagem em usordquo importante para identificar como

regras e estruturas em interaccedilotildees discursivas constituem identidades e levam agrave sua

institucionalizaccedilatildeo e a lsquolinguagem em contextorsquo importante para compreender os

diferentes significados para o mesmo texto dependendo do contexto em que o

discurso estaacute inserido A Anaacutelise Criacutetica do Discurso (ACD) enxerga as organizaccedilotildees

como sendo os locais onde ocorrem a luta entre os discursos pela dominaccedilatildeo sendo

que cada grupo luta para que seus interesses moldem exerccedilam eou resistam ao

controle social dentro da entidade Assim o foco dessa perspectiva eacute como o discurso

constitui e eacute constituiacutedo pelas praacuteticas sociais

Os poacutes-modernistas criticam a anaacutelise criacutetica do discurso uma vez que se

voltam novamente ao texto ou seja agrave lsquolinguagem em usorsquo e apontam para a

bipolaridade da anaacutelise criacutetica do discurso que exclui todos os discursos fora da

loacutegica de poder e resistecircncia Essa abordagem defende que os textos satildeo repletos de

metaacuteforas para organizar e representar uma gama de significados variados que

estariam marginalizados Para isso a desconstruccedilatildeo dos textos eacute a principal

ferramenta dessa perspectiva

Apesar da resistecircncia dos poacutes-modernistas agrave anaacutelise criacutetica do discurso

entendemos que essa metodologia eacute interessante para essa pesquisa uma vez que ela

nos permite entender os significados e a disputa de poder embutida nessas

significaccedilotildees Mas para aleacutem disso a anaacutelise criacutetica do discurso nos permite

compreender as consequecircncias materiais dessa disputa do poder (GOMES 2014b)

Aleacutem disso outro ponto interessante que diferencia a Anaacutelise Criacutetica do

Discurso eacute a incorporaccedilatildeo de trecircs niacuteveis de discurso micro meso e macro (OSWICK

PHILLIPS 2012) Assim o discurso estaacute dentro de uma situaccedilatildeo dentro de uma

instituiccedilatildeo e dentro da sociedade respectivamente (OSWICK PHILLIPS 2012) Em

outras palavras

Based on these three different levels undertaking CDA involves (i)

the examination of the language in use (the text dimension) (ii) the

identification of processes of textual production and consumption (the

discursive practice dimension) and (iii) the consideration of the institutional

30

factors surrounding the event and how they shape the discourse (the social

practice dimension) (OSWICK PHILLIPS 2012 p 457)

Nesse sentido a Anaacutelise Criacutetica do Discurso relaciona esses trecircs niacuteveis ao

mesmo tempo que incorpora uma visatildeo criacutetica do discurso homogecircneo Busca dessa

forma compreender seus fundamentos para interrogaacute-lo e gerar mudanccedila social

como veremos na proacutexima seccedilatildeo

A escolha da ACD se deve primeiramente porque acreditamos que a realidade

social natildeo pode ser vista com um olhar positivista tentando encontrar padrotildees nas

interaccedilotildees discursivas olhando tambeacutem somente para o discurso como variaacutevel

relevante na produccedilatildeo de significados Nesse trabalho queremos analisar a produccedilatildeo

de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia nos contextos agraacuterio e

urbano natildeo buscando encontrar padrotildees em cada contexto mas para entender

qualitativamente como o contexto e o discurso se relacionam entre si para produzir

significados que influenciam nessa produccedilatildeo de poliacuteticas Portanto optamos por esse

olhar que inclui o contexto como fator essencial em conjunto com as interaccedilotildees

discursivas

A anaacutelise criacutetica do discurso eacute uma perspectiva que considera as relaccedilotildees

dialeacuteticas de poder na criaccedilatildeo e significaccedilatildeo de discursos (GOMES 2014b) e que

pretende enxergar o mundo a partir de um olhar criacutetico do que ele deveriapoderia ser

olhando para os discursos e para as suas manifestaccedilotildees na praacutetica e em elementos

extra-discursivos como forma de refletir sobre uma estrutura social que natildeo

conseguimos materializar Ou seja ela eacute uma opccedilatildeo ontoloacutegica porque queremos

olhar para essa estrutura social criticamente no sentido de entendermos o que eacute e

tambeacutem projetar como poderia ser a partir do entendimento do porquecirc as poliacuteticas

puacuteblicas satildeo desenhadas e implementadas da maneira como satildeo nesses contextos

agraacuterio e urbano Isto eacute natildeo queremos ser relativistas e afirmar que entendendo a

relaccedilatildeo entre interaccedilotildees discursivas e os contextos diferentes as realidades satildeo

justificaacuteveis por si soacute pois olhamos normativamente para as poliacuteticas puacuteblicas em

especial aquelas para mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia nessa pesquisa Isto eacute a

anaacutelise criacutetica do discurso pode ajudar a entender como o capitalismo neoliberal

31

impede em algumas medidas a emancipaccedilatildeo humana para entatildeo tentar informar

estrateacutegias de como mitigar ou acabar com essas limitaccedilotildees (FAIRCLOUGH 2010)

No contexto de poliacuteticas puacuteblicas sobre violecircncia contra a mulher seria o caso de

entender quais satildeo as manifestaccedilotildees da estrutura social machista para tentar informar

decisotildees de poliacuteticas puacuteblicas que possam efetivamente gerar mudanccedilas nessa

estrutura social

Assim a anaacutelise criacutetica do discurso eacute uma abordagem relacional ou seja seu

objeto natildeo eacute o discurso em si mas as relaccedilotildees sociais e as disputas de poder entre

essas relaccedilotildees em que o discurso eacute parte integrante pela produccedilatildeo reproduccedilatildeo e

transformaccedilatildeo de significados (FAIRCLOUGH 2010) Aleacutem disso sua perspectiva eacute

dialeacutetica no sentido que estuda as relaccedilotildees entre objetos que natildeo satildeo inteiramente

separaacuteveis ou seja suas naturezas satildeo parcialmente definidas pela relaccedilatildeo com o

outro Nesse sentido natildeo exclui a importacircncia dos elementos extra-discursivos

ressaltando seu caraacuteter transdisciplinar (FAIRCLOUGH 2010) O termo criacutetica

remete a uma abordagem normativa que aponta para a realidade como algo passiacutevel

de mudanccedila e nesse sentido busca estudar tanto o que existe quanto o que poderia

existir idealmente (FAIRCLOUGH 2010)

Deste modo para a anaacutelise criacutetica do discurso trecircs esferas satildeo importantes o

texto o discurso e o contexto social (PHILIPPS SEWELL JAYNES 2008) Essas

esferas interagem entre si conforme o esquema abaixo

Tabela 1 Diaacutelogo entre Diferentes Esferas na ACD

32

O sujeito locutor se encontra numa posiccedilatildeo social ou seja num lugar no

espaccedilo social em que ele possui um certo grau de agecircncia (PHILIPPS SEWELL

JAYNES 2008) A partir dessa posiccedilatildeo social o locutor fala ou escreve um texto que

se transforma em discurso no momento em que o locutor tenta mudar ou manter a

ordem social atraveacutes desse texto Esse discurso por sua vez produz conceitos que se

expressam na cultura refletindo sobre a maneira como ele e seus interlocutores

enxergam o mundo e se relacionam entre si Por fim esse discurso se transforma em

objeto quando se torna parte de uma ordem praacutetica (PHILIPPS SEWELLJAYNES

2008) sendo usado para fazer sentido das relaccedilotildees sociais e condiccedilotildees materiais do

contexto social voltando ao iniacutecio do ciclo

33A emancipaccedilatildeo como chave entre as esferas

A Anaacutelise Criacutetica do Discurso foi escolhida nesse trabalho pelo potencial de

emancipaccedilatildeo (FAIRCLOUGH 2010) que essa perspectiva epistemoloacutegica nos

permite uma vez que pretende analisar a estrutura social atraveacutes de suas

manifestaccedilotildees discursivas e extra-discursivas afim de informar maneiras de mudar a

estrutura social machista Para melhor entender como as esferas se relacionam no

ciclo do realismo criacutetico com a emancipaccedilatildeo dos cidadatildeos podemos fazer uso da

Texto

Discurso

Cultura

Objeto

Posiccedilatildeo Social

(Contexto)

Elaboraccedilatildeo proacutepria a partir de dados de PHILIPPS SEWELL JAYNES 2008

33

noccedilatildeo de emancipaccedilatildeo de Zygmunt Bauman (BAUMAN 2001) Segundo o autor haacute

uma diferenccedila importante a ser ressaltada entre a liberdade de jure e a liberdade de

facto que ocorrem na modernidade

Bauman (2001) explica que na modernidade os indiviacuteduos natildeo tecircm sua

identidade ligada a instituiccedilotildees sociais ou princiacutepios universais No lugar disso hoje

haacute uma autoconstruccedilatildeo fluiacuteda das identidades isso significa que haacute uma valorizaccedilatildeo

das diferenccedilas e que a identidade eacute continuamente definida e redefinida pelos proacuteprios

indiviacuteduos

Nesse sentido parece que chegamos ao auge da liberdade humana

(BAUMAN 2001) poreacutem na verdade essa liberdade eacute tecircnue Isso porque houve um

esvaziamento das funccedilotildees do Estado em relaccedilatildeo agraves escolhas dos indiviacuteduos ou seja

cada um escolhe sua identidade e seu modo de vida e deve se responsabilizar por

essas escolhas (BAUMAN 2001) A consequecircncia disso eacute uma esfera puacuteblica

constituiacuteda por aglomeraccedilotildees de anseios individualizados mas que natildeo conseguem

afetar a agenda puacuteblica porque natildeo ultrapassam a barreira de demandas individuais

para uma demanda maior e comum (BAUMAN 2001)

Entatildeo as pessoas satildeo chamadas cada vez menos a buscar respostas para suas

demandas na sociedade e no Estado mas em si mesmas (BAUMAN 2001) e seu

fracasso ou sucesso tambeacutem eacute de sua inteira responsabilidade Entatildeo surge a

diferenciaccedilatildeo de Bauman quanto aos tipos diferentes de liberdade amenizando o auge

da liberdade que supostamente vivemos

Os indiviacuteduos tecircm liberdade de escolha e satildeo responsabilizados pelas mesmas

poreacutem natildeo encontram recursos praacuteticos para realizar suas escolhas (BAUMAN

2001) Daiacute a contraposiccedilatildeo entre liberdade de jure e liberdade de facto A primeira

corresponde agrave liberdade formal muitas vezes colocada em lei que os indiviacuteduos

teriam agrave sua disposiccedilatildeo Mas a liberdade de facto ou seja a realizaccedilatildeo dos seus

anseios e decisotildees natildeo ocorre muitas vezes porque faltam condiccedilotildees materiais para

que isso aconteccedila Nessa contradiccedilatildeo que a condiccedilatildeo de emancipaccedilatildeo dos indiviacuteduos

natildeo eacute atingida porque natildeo conseguem efetivar a autodeterminaccedilatildeo de seus destinos

Essa questatildeo da emancipaccedilatildeo se torna relevante quando discutimos o realismo

criacutetico porque no tema estudado existe essa contradiccedilatildeo entre o que eacute de jure que faz

34

parte da esfera atual e o de facto que estaacute na esfera empiacuterica das condiccedilotildees extra-

discursivas dos indiviacuteduos de saiacuterem de um problema no caso a violecircncia de gecircnero

34 A pesquisa de campo e a coleta de dados

Para darmos continuidade agrave pesquisa fizemos algumas visitas de campo A

coleta de dados qualitativos foi com base em um roteiro semiestruturado que se

encontra disponiacutevel nos anexos Antes de cada entrevista foi acordado com cada

entrevistado a o termo de consentimento para uso das mesmas tambeacutem em anexo As

conversas foram gravadas a partir do consentimento dos entrevistados e transcritas agrave

posteriori Depois selecionamos os trechos mais relevantes para a pesquisa e

organizamos segundo os temas mais recorrentes Em seguida organizamos esses

temas recorrentes de acordo com a estratificaccedilatildeo ontoloacutegica do realismo criacutetico

Dessa forma primeira etapa da coleta de dados foi realizada em Janeiro de

2015 em Goiaacutes Ateacute 2014 existia uma Secretaria de Poliacuteticas para as Mulheres e

Promoccedilatildeo da Igualdade Racial (SEMIRA) Nessa secretaria havia e haacute ainda na nova

superintendecircncia haacute uma accedilatildeo da Secretaria Federal de Poliacuteticas para as Mulheres de

unidades moacuteveis para mulheres do campo e da floresta No caso de Goiaacutes consiste

em disponibilizar ocircnibus que iam de Goiacircnia para as cidades do interior com equipes

multidisciplinares para fazer palestras sobre violecircncia de gecircnero informar a

populaccedilatildeo e dar assistecircncia (meacutedica psicoloacutegica juriacutedica) agraves mulheres que

procurassem a equipe Nas eleiccedilotildees de 2014 Marconi foi reeleito governador de

Goiaacutes no entanto mudou a estrutura das suas secretarias dissolvendo a SEMIRA e

colocando a pasta das mulheres numa secretaria muito mais ampla a Secretaria da

Mulher do Desenvolvimento Social da Igualdade Racial dos Direitos Humanos e do

Trabalho

A pesquisa de campo em Goiaacutes aconteceu em trecircs cidades Caldas Novas

Goiacircnia e Professor Jamil Os oacutergatildeos e entidades entrevistados em ordem

cronoloacutegica foram CREAS Secretaria Estadual da Mulher Desenvolvimento Social

Igualdade Racial Direitos Humanos e Trabalho Equipe de Unidades Moacuteveis

35

DEAM Centro Popular da Mulher Observatoacuterio de Seguranccedila Puacuteblica e Secretaria

Municipal da Mulher de Professor Jamil

Comeccedilamos a parte de campo da pesquisa em Caldas Novas cidade a 167

quilocircmetros de Goiacircnia com 70473 habitantes sendo da 2759 zona rural e 67714

da zona urbana (IBGE 2015) Caldas Novas natildeo possui um oacutergatildeo especiacutefico da

prefeitura para lidar com a violecircncia de gecircnero O uacutenico oacutergatildeo responsaacutevel por

receber as viacutetimas desse tipo de violecircncia eacute o CREAS que atende mulheres idosos

crianccedilas e adolescentes em situaccedilatildeo de vulnerabilidade

A seguir realizamos entrevistas na Secretaria da Mulher do Desenvolvimento

Social da Igualdade Racial dos Direitos Humanos e do Trabalho em uma Delegacia

Especializada em Atendimento agrave Mulher e no Observatoacuterio de Seguranccedila Puacuteblica da

Secretaria de Seguranccedila Puacuteblica de Goiaacutes Goiacircnia eacute a capital de Goiaacutes com

aproximadamente 1302001 habitantes em 2010 (IBGEb 2015) Desse nuacutemero

1297155 estavam em aacuterea urbana e 4846 na zona rural (IBGEb 2015)

Finalmente a uacuteltima entrevista de campo em Goiaacutes foi em Professor Jamil Eacute

uma cidade a 70 quilocircmetros de Goiacircnia com 3239 habitantes sendo 978 da zona

rural e 2261 da zona urbana (IBGEc 2015) A cidade foi indicada pela equipe de

unidades moacuteveis da Secretaria da Mulher do Desenvolvimento Social da Igualdade

Racial dos Direitos Humanos e do Trabalho pela lideranccedila forte na cidade

Aleacutem da pesquisa de campo em Goiaacutes a segunda parte do campo consistiu em

conhecer tambeacutem a situaccedilatildeo de Satildeo Paulo Primeiramente buscamos informaccedilotildees

sobre as poliacuteticas puacuteblicas existentes para combater a violecircncia de gecircnero na esfera do

governo estadual de Satildeo Paulo Foi muito dificultosa essa busca uma vez que natildeo haacute

secretaria especiacutefica e mesmo em sites de busca encontramos escassas referecircncias

como o Hospital Peacuterola Byington como accedilatildeo puacuteblica destinada a esse puacuteblico

especiacutefico Depois de muitas pesquisas encontramos no site da Secretaria de Justiccedila e

Defesa da Cidadania uma Coordenaccedilatildeo de Poliacuteticas para a Mulher (SAtildeO PAULO

2015) Achamos simboacutelico essa coordenaccedilatildeo aleacutem de ser pouco visiacutevel estar listada

em uacuteltimo lugar na lista de coordenaccedilotildees da secretaria e contar apenas com duas

pessoas em sua equipe

36

Infelizmente natildeo foi possiacutevel realizarmos entrevista com ningueacutem da equipe

do Peacuterola Byington pois devido a uma reforma do local a equipe natildeo aceitou nos

receber para uma entrevista Apesar disso tentamos em trecircs tentativas explicar que o

nosso foco era uma conversa com algueacutem da equipe e natildeo necessariamente conhecer

a estrutura fiacutesica Mesmo assim ningueacutem se disponibilizou a conceder uma entrevista

para a pesquisa

No mais conseguimos trecircs entrevistas em Satildeo Paulo com a coordenadora de

uma subsecretaria de poliacuteticas para as mulheres com uma delegada de uma Delegacia

Da Mulher (DDM) da Grande Satildeo Paulo e com uma representante do Nuacutecleo

Especializado de Promoccedilatildeo dos Direitos da Mulher (NUDEM) Como surgiu em Satildeo

Paulo a necessidade de manter anonimato de alguns entrevistados optamos por

manter a uniformidade da pesquisa e natildeo identificar nenhum dos entrevistados Tendo

em vista que foram bastante entrevistados decidimos adotar nomes fictiacutecios para os

mesmos a fim de situar melhor o leitor em relaccedilatildeo agraves citaccedilotildees presentes na anaacutelise

dos discursos

Tambeacutem com o intuito de facilitar a leitura codificamos com cores a partir

das caracteriacutesticas da organizaccedilatildeo em que o entrevistado trabalha Sendo assim a cor

azul se refere a profissionais de assistecircncia social mais geral isto eacute sem foco para o

Tabela 2 Quadro de Entrevistados

Fonte Autoria proacutepria

37

atendimento a mulheres Por sua vez a cor roxa eacute para sinalizar os entrevistados que

trabalham no primeiro ou terceiro setor em organizaccedilotildees voltadas especificamente

para mulheres em um sentido amplo O laranja eacute para organizaccedilotildees policiais e por

fim o verde representa as instacircncias do poder judiciaacuterio especiacuteficas para mulheres

38

4 A Anaacutelise

41 As poliacuteticas puacuteblicas de violecircncia de gecircnero no Brasil

Por traacutes desses nuacutemeros preocupantes haacute uma construccedilatildeo de sentidos sobre o

eacute violecircncia contra a mulher suas causas consequecircncias e qual o desenho adequado

das poliacuteticas puacuteblicas O tema definitivamente entrou na agenda puacuteblica brasileira

somente no final dos anos setenta com o aumento do nuacutemero de assassinatos de

mulheres de classe meacutedia e a visibilidade dada agrave questatildeo pela miacutedia e autoridades

(BANDEIRA 2014) o que natildeo implica que os sentidos da violecircncia contra mulher

natildeo estejam em constante negociaccedilatildeo Nessa mesma eacutepoca a violecircncia contra a

mulher se transformou na principal bandeira do movimento feminista brasileiro

(BANDEIRA 2014) Bandeira (2014) relata que a partir disso e com a abertura

democraacutetica a sociedade civil se aliou agrave academia para pressionar politicamente em

prol de uma resposta do Estado a esse problema Podemos perceber que a violecircncia

de gecircnero nesse periacuteodo era entendida como violecircncia sexual sobretudo cometida por

maridos e ex-companheiros

A primeira mudanccedila foi a transformaccedilatildeo dos ldquocrimes de violecircncia sexual

como crimes contra a pessoa natildeo mais contra os costumesrdquo (BANDEIRA 2014 pg

452) Logo em seguida 1985 foram criadas delegacias proacuteprias para esse problema

as Delegacias Especiais de Atendimento agraves Mulheres com a visatildeo de era necessaacuterio

endereccedilar o problema das mortes das mulheres com um olhar feminino com maior

prioridade do que a violecircncia mais ampla sofrida no dia-a-dia pelas mulheres Essa

medida deu visibilidade agrave violecircncia sobretudo pelo criaccedilatildeo de um canal que

possibilitou o aumento de denuacutencias por parte das viacutetimas

Nos anos noventa comeccedilaram as accedilotildees de Casas de Abrigo para receber

mulher em risco de vida hoje contando com 80 espalhadas pelo paiacutes (BANDEIRA

2014) Apesar de o novo contexto poliacutetico de redemocratizaccedilatildeo nesse periacuteodo ter

aberto ldquonovos canais institucionais e estruturas de alianccedilas ineacuteditos para o movimento

feminista brasileirordquo (MACIEL 2011 p97) houve um retrocesso em termos de

poliacuteticas puacuteblicas para combater agrave violecircncia de gecircnero A mesma foi enquadrada na

39

Lei nordm 909995 que discorre sobre o julgamento de crimes de ldquomenor potencial

ofensivordquo (BANDEIRA 2014) e portanto busca a conciliaccedilatildeo das partes e prevecirc

uma pena de no maacuteximo dois anos de reclusatildeo (BANDEIRA 2014) Nesse mesmo

ano foram criados os Juizados Especiais Criminais que ldquose tornaram rapidamente o

escoadouro de denuacutencias de agressotildees contra a mulher nos acircmbitos domeacutestico e

familiarrdquo (MACIEL 2011 p103) mas operando em uma loacutegica de impunidade dos

agressores e desatenccedilatildeo agraves viacutetimas Bandeira (2014) ressalta a opiniatildeo generalizada

dos operadores juriacutedicos de que era desnecessaacuterio criar uma lei especiacutefica para tratar

da violecircncia de gecircnero (BANDEIRA 2014)

Esse cenaacuterio mudou principalmente pela pressatildeo internacional uma vez que o

Brasil assinou compromissos com tratados e convenccedilotildees internacionais de Direitos

Humanos que tratavam da violecircncia de gecircnero de maneira ampla (BANDEIRA

2014) Isto eacute o Brasil foi movido a ressignificar a violecircncia de gecircnero incluindo

tambeacutem a violecircncia psicoloacutegica e moral como parte desse quadro caracterizando a

violecircncia de gecircnero como violaccedilatildeo dos direitos humanos (MACIEL 2011) e servindo

de base para a criaccedilatildeo da Lei Maria da Penha (BANDEIRA 2014) Segundo

Bandeira (2014) essa lei significou uma ldquonova forma de administraccedilatildeo legal dos

conflitos interpessoais embora ainda natildeo seja de pleno acolhimento pelos operadores

juriacutedicosrdquo (BANDEIRA 2014)

Essa lei trouxe pela primeira vez o reconhecimento da mulher como parte

lesada nos casos de violecircncia de gecircnero e a obrigaccedilatildeo de o Estado responder a esse

crime natildeo atraveacutes de mediaccedilatildeo de conflitos no acircmbito privado mas de garantias de

direitos no acircmbito puacuteblico agraves viacutetimas O projeto inicial foi feito pela CFMEA e

entregue agrave Secretaria Especial de Poliacuteticas para Mulheres em 2004 que depois o

encaminhou para o Legislativo (MACIEL 2011) Esse primeiro projeto natildeo tratava

da retirada de competecircncia dos Juizados Especiais Criminais para tratar de violecircncia

de gecircnero e natildeo estabelecia a criaccedilatildeo de outra instacircncia juriacutedica especiacutefica para tratar

da mesma (MACIEL 2011) Nesse meio tempo em 2003 o Executivo Federal

sancionou por meio da Lei n107782003 a obrigatoriedade de notificaccedilatildeo por toda a

rede de sauacutede puacuteblica e privada de todos os casos de violecircncia contra a mulher

(BANDEIRA 2014) No ano seguinte em 2004 lanccedilado o primeiro Plano Nacional

40

de Poliacuteticas Puacuteblicas para as Mulheres (MACIEL 2011) Ainda antes da aprovaccedilatildeo

da Lei Maria da Penha em 2005 foi implementado o Ligue 180 pela SPM que

encaminhava as denuacutencias para a Secretaria de Seguranccedila Puacuteblica ou para o

Ministeacuterio Puacuteblico (BANDEIRA 2014) Somente em 2006 foi aprovada LMP no

contexto relatado por Maciel

O calendaacuterio das eleiccedilotildees presidenciais e legislativas foi decisiva para

ampliar a capacidade de pressatildeo poliacutetica o movimento conseguiu a

aprovaccedilatildeo nas duas casas legislativas do substituto o Projeto de Lei n

372006 que afastava formalmente a competecircncia dos Juizados para o

tratamento dos processos oriundos de violecircncia domeacutestica (MACIEL 2011

p103)

A Lei Maria da Penha trata violecircncia de gecircnero como problema puacuteblico a

garantia dos direitos fundamentais e ldquotodas as oportunidades e facilidades para viver

sem violecircncia preservar a sauacutede fiacutesica e mental e o aperfeiccediloamento moral

intelectual e social assim como as condiccedilotildees para o exerciacutecio efetivo dos direitos agrave

vida agrave seguranccedila e agrave sauacutederdquo (MENEGHEL 2013 p692)

A Lei Maria da Penha foi um marco no histoacuterico do tratamento do Estado agrave

violecircncia de gecircnero pois foi pioneira na tipificaccedilatildeo da violecircncia Como coloca

Meneghel

A Lei Maria da Penha tipificou a violecircncia denominando-a violecircncia

domestica e a definiu como qualquer accedilatildeo ou omissatildeo baseada no gecircnero que

cause morte lesatildeo sofrimento fiacutesico sexual psicoloacutegico e dano moral ou

patrimonial agraves mulheres ocorrida em qualquer relaccedilatildeo iacutentima de afeto na

qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida

independentemente de coabitaccedilatildeo (MENEGHEL 2013 p693)

Depois de aprovada a lei no entanto o movimento feminista brasileiro se

deparou com uma nova agenda a de garantir a efetividade da implementaccedilatildeo da Lei

41

Maria da Penha Nesse sentido foi criado em 2007 pela alianccedila entre organizaccedilotildees

de mulheres e nuacutecleos universitaacuterios o Observatoacuterio Nacional de Implementaccedilatildeo e

Aplicaccedilatildeo da Lei Maria da Penha ldquopara produzir analisar e divulgar informaccedilotildees

sobre a aplicaccedilatildeo da Lei pelas delegacias Ministeacuterio Puacuteblico Defensoria Puacuteblica

poderes Judiciaacuterio e Executivo e redes de atendimento agrave mulherrdquo (MACIEL 2011

p104) No mesmo ano o Programa Nacional ade Seguranccedila Puacuteblica com Cidadania

do governo federal colocou como objetivo a criaccedilatildeo de Juizados de Violecircncia

Domeacutestica e Familiar (MACIEL 2011) Esse plano incluiacutea tambeacutem a necessidade de

capacitaccedilatildeo especiacutefica de agentes puacuteblicos para lidar com essas viacutetimas (MACIEL

2011) Jaacute em 2008 a ldquoCampanha 16 Dias de Ativismo pelo Fim da Violecircncia contra

as Mulheresrdquo foi realizada em parceria com a SPM e teve ampla adesatildeo da esfera

puacuteblica estatal e natildeo estatal nacional e internacional (MACIEL 2011)

Ou seja a accedilatildeo coletiva do movimento feminista brasileiro pressionou

primeiramente o poder Legislativo para incluir na agenda de poliacuteticas puacuteblicas o

problema da violecircncia de gecircnero Depois da vitoacuteria da aprovaccedilatildeo da Lei Maria da

Penha comeccedilou a pressionar os poderes Executivo e Judiciaacuterio para garantir que a

mesma fosse efetiva

42 Contextualizaccedilatildeo da Anaacutelise

O objetivo desse trabalho eacute compreender os diferentes sentidos dados agrave violecircncia

de gecircnero nos contextos urbano e agriacutecola Para entendermos melhor esse objetivo e

como iremos trabalhar para atingi-lo eacute necessaacuterio explicitar como ele estaacute

relacionado aos diferentes domiacutenios do Realismo Criacutetico (vide seccedilatildeo da metodologia

em que delimitamos esses domiacutenios e mostramos como se relacionam entre si) O

nosso foco nas evidecircncias de cada domiacutenio especificamente no tema de violecircncia de

gecircnero vai nos ajudar a analisar em seguida os dados coletados na pesquisa jaacute que

essas evidecircncias satildeo a ponte para a compreensatildeo dos domiacutenios abstratos

42

Domiacutenio Evidecircncias

Real Machismo

Atual Discursos sobre desigualdade de gecircnero e

violecircncia de gecircnero

Empiacuterico Poliacuteticas e accedilotildees puacuteblicas

Elementos extra-discursivos

Entatildeo precisamos entender quais os sentidos atribuiacutedos pelos entrevistados agrave

violecircncia de gecircnero Isso eacute relevante porque os sentidos atribuiacutedos delimitam a

compreensatildeo do problema no caso a violecircncia de gecircnero A maneira como o

problema eacute compreendido afeta quais os tipos de poliacuteticas puacuteblicas construiacutedas ou a

ausecircncia delas Essas poliacuteticas puacuteblicas por sua vez podem alterar a estrutura social

ou reforccedilar a mesma voltando para o domiacutenio do real Aleacutem disso essas poliacuteticas

puacuteblicas satildeo afetadas pelos elementos extra-discursivos como orccedilamento estrutura

fiacutesica e recursos humanos que por sua vez podem ser tanto causados por ou

causadores da estrutura social machista Ou seja podemos pensar que os locus de

formulaccedilatildeo eou implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo de

violecircncia satildeo esvaziadas de recursos como consequecircncia da falta de importacircncia dada

ao problema devido agrave estrutura social machista que permanece mas ao mesmo tempo

como instrumento de manutenccedilatildeo dessa mesma estrutura

Tambeacutem eacute interessante retomarmos as caracteriacutesticas da Anaacutelise Criacutetica do

Discurso para relacionaacute-las agraves entrevistas realizadas Primeiramente realismo criacutetico

eacute relacional (FAIRCLOUGH 2010) o que no caso significa que a estrutura social do

machismo os discursos sobre desigualdade de gecircnero e violecircncia de gecircnero e os

elementos extra-discursivos natildeo podem ser analisados separadamente Isto se deve ao

fato de que cada elemento interage com os demais sendo afetado e afetando-os

mutuamente Entatildeo natildeo podemos falar em machismo sem justificar sua existecircncia

Tabela 3 Os Domiacutenios do Realismo Criacutetico e suas Evidecircncias

Fonte Autoria proacutepria

43

enquanto estrutura social via suas manifestaccedilotildees tanto discursivas quanto extra-

discursivas Mas tambeacutem natildeo podemos pensar nessas manifestaccedilotildees sem entender a

relaccedilatildeo delas com a estrutura social que pode ser geradora eou influenciada pelos

discursos e elementos extra-discursivos

Aleacutem disso a anaacutelise criacutetica do discurso eacute dialeacutetica (FAIRCLOUGH 2010) Isso

significa que o machismo e a violecircncia de gecircnero natildeo podem ser analisados como

uma relaccedilatildeo causal uacutenica por exemplo a estrutura social machismo gera a violecircncia

de gecircnero No caso a estrutura social machista tem como uma das suas

consequecircncias manifestaccedilotildees como a violecircncia de gecircnero mas esta violecircncia atua

reproduzindo a estrutura social machista ou entatildeo transformando a mesma

Para entender melhor as entrevistas realizadas agrave luz da ontologia do realismo

criacutetico dividimos a anaacutelise da pesquisa em duas partes principais as manifestaccedilotildees

discursivas da estrutura social e suas manifestaccedilotildees extra-discursivas Na primeira

seccedilatildeo iremos partir do plano geral das manifestaccedilotildees do machismo e em seguida focar

na manifestaccedilatildeo especiacutefica de violecircncia de gecircnero E na segunda parte iremos

descrever e analisar questotildees de recursos humanos fiacutesicos e orccedilamentaacuterios

43 Manifestaccedilotildees discursivas da estrutura social

Durante a pesquisa encontramos evidecircncias de diferentes sentidos dados

pelos atores sobre desigualdade de gecircnero Mesmo com suas diferenccedilas a principal

referecircncia dos entrevistados eacute a cultura de que o mundo em geral eacute machista e o

Brasil o eacute com mais intensidade

Percebemos que a desigualdade entre os gecircneros envolve discursos que

acabam encontrando entraves durante as falas dos entrevistados Por exemplo

segundo Faacutebio a mulher eacute vista pela sociedade como sexo fraacutegil apesar ser na praacutetica

mais forte porque ldquose um homem pega uma gripe ele cai na cama e natildeo levanta pra

nada a mulher taacute de gripe ela taacute limpando casa taacute lavando vasilha taacute fazendo

almoccedilordquo Ele comeccedila o seu discurso preocupado com a visatildeo da sociedade de que a

mulher eacute um sexo fraacutegil e inferior ao homem demonstrando um discurso contraacuterio agrave

estrutura social machista No entanto ele muda seu discurso no meio da frase

44

justificando sua posiccedilatildeo contraacuteria a essa estrutura com exemplos de atividades

colocadas pela estrutura social machista como atividades de mulher limpar lavar

cozinhar

Luiz reforccedilou sua crenccedila no que seria a igualdade de gecircnero a ser perseguida

diante do discurso de Faacutebio

Natildeo significa vocecirc ser submisso vocecirc saber como deve ser conduzida

uma relaccedilatildeo um casamento Eacute questatildeo de respeito mesmo O significado forte

da famiacutelia o que significa famiacutelia Ou qual eacute a figura do pai qual eacute a figura

da matildee O que eacute a figura do homem dentro da sociedade o que eacute a figura da

mulher dentro da sociedade Entatildeo trabalhar essa questatildeo da igualdade eacute

muito difiacutecil porque a gente natildeo pode confundir com certas libertinagens E

tem mulheres hoje mal instruiacutedas que natildeo tecircm uma instruccedilatildeo pra que isso

aconteccedila

Nesse discurso Luiz reforccedila as figuras do homem e da mulher da estrutura

social machista pois atribui um sentido normativo agrave ideia de relaccedilatildeo casamento e

famiacutelia isto eacute coloca como sendo relaccedilotildees positivas onde existem claramente os

papeis da mulher e do homem e consequentemente coloca como relaccedilotildees negativas

relaccedilotildees que natildeo seguem esse padratildeo estabelecido socialmente Seu discurso

evidecircncia o machismo da esfera real podemos dizer que aqui se manifesta

inconscientemente quando afirma que a igualdade entre os gecircneros eacute ameaccedilada por

ldquolibertinagensrdquo que segundo ele decorrem de uma falha da mulher por falta de

ldquoinstruccedilatildeordquo de cumprir seu papel enquanto ldquofigura de mulherrdquo dentro de uma

relaccedilatildeo Nesse sentido tambeacutem haacute evidecircncias de que o sentido construiacutedo por ele de

um relacionamento eacute heteronormativo em que necessariamente deve haver a ldquofigura

do homemrdquo e a ldquofigura da mulherrdquo o que faz parte tambeacutem da estrutura social

machista

Esse reforccedilo dos papeis sociais desiguais seria explicado segundo Roberta

pela educaccedilatildeo sexista que ainda existe no Brasil em que homens e mulheres satildeo

educados diferentemente pelas famiacutelias e pelas escolas Ela explica que ldquogeralmente

45

os brinquedos que aguccedilam a criatividade da crianccedila satildeo masculinos a menina ainda

brinca com boneca com panelinha enfim com as lides domeacutesticasrdquo

Aleacutem disso outro fator apontado como importante para a desigualdade entre

os gecircneros eacute o arcabouccedilo juriacutedico que historicamente privilegiou os homens porque

segundo a Talita ldquonoacutes temos um paiacutes muito marcado pelo machismo nossa lei que

trata especificamente sobre o assunto eacute ainda muito jovem noacutes nos deparamos com

muitas injusticcedilas antes da existecircncia da Lei Maria da Penha ateacute algumas deacutecadas

atraacutes a mulher sequer votavardquo

Em contraposiccedilatildeo Ana Paula contou uma anedota para justificar que as

causas da desigualdade de gecircnero vatildeo aleacutem de leis

Aiacute eu chamei uma amiga a faxineira uma pessoa muito humilde

terceirizada () e aiacute eu perguntei lsquofulana vocecirc tem relaccedilatildeo com o seu

marido quandorsquo Aiacute ela ficou sem graccedila ela disse aiacute doutora E eu lsquoDiz pra

eles quandorsquo lsquoQuando ele querrsquo E aiacute eu acho que haacute um tempo longo entre a

cultura e a lei

A cultura nessa fala pode ser vista como parte da esfera atual em que os seres

humanos ativam as estruturas do domiacutenio real construindo sentidos a partir delas

Nesse caso o domiacutenio do real eacute a estrutura social machista que eacute ativada por meio da

cultura nesse caso citado por Ana Paula com evidecircncias de elementos de

sexualidade que influenciam e satildeo influenciados pela estrutura social desigual entre

homens e mulheres Jaacute a lei agrave qual Ana Paula se refere a Lei Maria da Penha faz

parte do domiacutenio do empiacuterico ou seja uma legislaccedilatildeo fruto de eventos e accedilotildees da

sociedade Quando a entrevistada diz que ldquohaacute um tempo longo entre a cultura e a

leirdquo ela mostra evidecircncias de que o domiacutenio do empiacuterico pode trazer inovaccedilotildees

como a Lei Maria da Penha Poreacutem isso natildeo significa que a lei necessariamente

revolucione a estrutura social como a cultura que nesse caso que continua

reproduzindo um comportamento sexual machista em que o homem determina

quando quer ter relaccedilotildees sexuais e a mulher natildeo tem voz

Na pesquisa surgiram dois sentidos dados agrave maneira como o machismo se

46

manifesta na sociedade relativos ao grau de instruccedilatildeo e agrave estrutura econocircmica O

primeiro foi reforccedilada pelos funcionaacuterios do CREAS visitado por Talita e por Rafael

Segundo os entrevistados quanto mais educaccedilatildeo e mais informaccedilatildeo chegam ateacute as

pessoas menos machistas elas satildeo Rafael afirmou que a falta de instruccedilatildeo das

mulheres da aacuterea rural decorrente de uma menor escolaridade e maior isolamento

seriam geradoras de uma subnotificaccedilatildeo de casos de violecircncia (vide seccedilatildeo 2) na zona

agraacuteria Ele conta que essa subnotificaccedilatildeo ldquoeacute incentivada primeiro no meu ponto de

vista pela questatildeo cultural da proacutepria mulher natildeo procurar que ela eacute mais

desprovida de informaccedilatildeo e tudo maisrdquo Consequentemente a diferenccedila nas

manifestaccedilotildees do machismo nas aacutereas rural e urbana seria a intensidade porque

segundo estes entrevistados a aacuterea rural teria um vatildeo de instruccedilatildeo e informaccedilatildeo

recebida em relaccedilatildeo agrave aacuterea urbana

Aqui temos dois elementos da esfera real dialogando entre si O grau de instruccedilatildeo

estaacute relacionado agrave estrutura social diferente entre aacutereas agraacuterias e urbanas E a

estrutura social machista tambeacutem se localiza no plano real como mencionamos

anteriormente Assim uma desigualdade estrutural de instruccedilatildeo agravaria uma outra

desigualdade de gecircnero no caso justificando elementos discursivos (atual) e extra-

discursivos (empiacuterico) que reforccedilam uma dupla desigualdade evidenciando uma

minoria dentro das minoria das mulheres as mulheres da zona agraacuteria

Por outro lado Laura e Roberta afirmaram a importacircncia das estruturas

econocircmicas na manifestaccedilatildeo do machismo Roberta colocou a questatildeo da composiccedilatildeo

da renda familiar porque ldquona aacuterea rural o homem continua sendo chefe de famiacutelia

mesmo que a legislaccedilatildeo tenha mudadordquo Aleacutem disso ela afirma que a estrutura do

trabalho do campo que eacute direcionada pelo homem aumenta seu poder na relaccedilatildeo

com a mulher Segundo Laura esse poder seria explicitado na maneira mais aberta de

o machismo se manifestar na aacuterea rural Segundo ela ldquoo cara diz lsquoeu natildeo querorsquo

lsquovocecirc natildeo vairsquo lsquoassim natildeo podersquo lsquoporque eu sou homemrsquo lsquoeu que faccedilo issorsquo lsquoessa eacute

a sua tarefarsquo isso (o machismo) eacute claro no mundo rural existe uma abertura maior

para se dizerrdquo

Outras evidecircncias da manifestaccedilatildeo do machismo na divisatildeo das tarefas

domeacutesticas e na proacutepria convivecircncia com a famiacutelia esteve presente no discurso da

47

Ana Paula Segundo ela a mulher tem na nossa sociedade a responsabilidade com a

casa e com a famiacutelia enquanto o homem fica mais livre dessas obrigaccedilotildees Um

exemplo que ela apresenta eacute ldquoateacute no meu bairro eu me irrito porque os homens vatildeo

beber no bar como que os homens vatildeo beber no bar e as mulheres tatildeo em casa

lavando passando cozinhando cuidando dos filhos no saacutebadordquo

Vitoacuteria mostrou que na aacuterea urbana a manifestaccedilatildeo do machismo estaacute

relacionada agrave sexualidade da mulher porque segundo ela as outras desigualdades de

gecircnero seriam dadas como conquistadas apesar de natildeo o serem efetivamente Por isso

ela afirma que ldquo(o machismo) fica essa coisa escondida escamoteadardquo O sentido

dado por Vitoacuteria ao falar de machismo ldquoescondidordquo nos remete ao domiacutenio do real

Isto eacute na aacuterea urbana avanccedilos foram sido logrados como a entrada da mulher no

mercado de trabalho gerando maior independecircncia financeira aumento gradual da

participaccedilatildeo poliacutetica das mulheres dentre outros Contudo essas mudanccedilas estatildeo no

campo do atual e do empiacuterico mas natildeo foram suficientes para mudar a esfera do real

levando agrave permanecircncia da estrutura social machista Ou seja o machismo permanece

ldquoescondidordquo em partes da vida social como na sexualidade da mulher que acabam

reforccedilando uma relaccedilatildeo desigual com a mulher colocada em situaccedilatildeo inferior ao

homem

Depois de um olhar mais geral para as manifestaccedilotildees do machismo agraves quais os

entrevistados deram sentidos olhamos mais especificamente nas entrevistas uma de

suas manifestaccedilotildees a violecircncia de gecircnero que perpassa pelos vaacuterios tipos de

violecircncia descritos na Lei Maria da Penha Na conversa com a equipe do CREAS

nos foi relatado que quase natildeo chegam queixas da zona agraacuteria mas a conclusatildeo da

equipe eacute de que a violecircncia na zona agraacuteria eacute mais psicoloacutegica do que fiacutesica Essa

conclusatildeo se baseia no seguinte discurso construiacutedo pela equipe

Entatildeo ela vem na cidade ela faz a compra ela vem matricular os

filhos na escola e soacute volta no outro ano E ela estaacute ali a alegria dela Agraves vezes

a gente percebe quando a gente atende uma mulher do campo ela sempre

traz uma manga uma fruta que ela que colhe E isso faz com que ela fique

realmente responsaacutevel pelos filhos pela casa por algumas coisas ali que

48

beneficiam muito o homem Por isso que a violecircncia fiacutesica natildeo acontece

Porque para acontecer a violecircncia fiacutesica precisa de muita ira E ela natildeo estaacute

vendo o que estaacute acontecendo aqui na cidade Quando o marido vem entregar

o leite se ele daacute um litro de leite para uma menininha ali Se ele tem um

casinho ali ou outro ali vocecirc entendeu Ele fica mais solto Ele eacute

responsaacutevel por suprir toda a necessidade ali da zona rural mas ela fica ali

cuidando de tudo

Nessa fala temos evidecircncias de que a construccedilatildeo de sentidos sobre as causas

da violecircncia de gecircnero acabam voltando para a estrutura social machista e colocando

a mulher como culpada pela situaccedilatildeo Isso porque o discurso coloca a ira como causa

da violecircncia fiacutesica e depois a ira como algo gerado pela insatisfaccedilatildeo da mulher com

os comportamentos do homem Assim a fala comeccedila com um tom normativo

positivo de que a mulher eacute feliz no campo e de que na aacuterea rural a violecircncia fiacutesica

natildeo ocorre mas depois acaba culpabilizando as mulheres da aacuterea urbana pela

violecircncia fiacutesica que ocorre na cidade porque se ocorre eacute em decorrecircncia de seus

comportamentos que geram a ira no homem

Segundo a Roberta as mulheres da zona rural sofrem um tipo de violecircncia que

eacute menos comum na aacuterea urbana a violecircncia patrimonial Isso ocorre porque apesar

de a mulher trabalhar no campo com a produccedilatildeo de alimentos e tarefas domeacutesticas

ela natildeo tem remuneraccedilatildeo pelo trabalho realizado e o homem acaba sendo quem tem

posse do patrimocircnio da famiacutelia e quem decide todos os gastos

Vitoacuteria por outro lado tem outro discurso

()violecircncia de gecircnero eacute violecircncia de gecircnero em todos os lugares

Mas assim eacute que eu acho que eacute difiacutecil de falar mas acho que natildeo acho que

assim (pausa) talvez uma outra questatildeo diferente talvez na aacuterea rural vocecirc

tenha mais essa questatildeo da concretude da questatildeo da localidade a violecircncia

ser fiacutesica domeacutestica natildeo eacute uma coisa tatildeo refinada quanto na aacuterea urbana

que hoje vocecirc vecirc violecircncias na internet vocecirc tem tecnologia para usar para

isso

49

Podemos entatildeo depreender que as diferenccedilas em termos da violecircncia de

gecircnero nas zonas rurais e urbanas satildeo ainda muito pouco compreendidas como

podemos perceber pela pluralidade de concepccedilotildees em termos do que acontece e pelas

notificaccedilotildees natildeo chegarem ateacute os locais que trabalham com mulheres em situaccedilatildeo de

violecircncia

Existem divergecircncias tambeacutem quanto ao que eacute poliacutetica de gecircnero e

consequentemente como ela deveria ser executada Para Ana Paula poliacutetica de

gecircnero eacute uma poliacutetica que reconhece a vulnerabilidade do gecircnero feminino frente ao

masculino e a partir disso tem um enfoque na equiparaccedilatildeo das desigualdades em

todas as secretarias e natildeo apenas em uma secretaria de poliacuteticas para as mulheres

especificamente

Em contraste a essa visatildeo Roberta defende a necessidade de um oacutergatildeo

especiacutefico para tratar da poliacutetica de gecircnero uma vez que existem especificidades

dessa poliacutetica puacuteblica que a organizaccedilatildeo seria responsaacutevel por garantir Segundo ela

Se jaacute houvesse a equidade de gecircnero seja no trabalho na casa enfim nas

relaccedilotildees natildeo precisaria mesmo de um organismo Mas como a mulher tem

questotildees especiacuteficas como a sauacutede da mulher o trabalho da mulher a

capacitaccedilatildeo entatildeo noacutes temos que ter poliacuteticas puacuteblicas desenvolvidas em um

espaccedilo puacuteblico e que esse espaccedilo se comunique com os demais porque as

poliacuteticas satildeo transversais Quando noacutes falamos de mulher noacutes estamos

falando de sauacutede de educaccedilatildeo de seguranccedila que satildeo poliacuteticas que estatildeo

sendo desenvolvidas em outras aacutereas institucionais Mas a importacircncia da

concentraccedilatildeo em um organismo eacute porque esse organismo vai fazer a

articulaccedilatildeo com os demais promover essa transversalidade e de fato

implementar essas poliacuteticas especiacuteficas

Eacute interessante notar tambeacutem que haacute uma diferenccedila nos discursos quanto agrave

igualdade de gecircnero que foi apontada pela maioria dos entrevistados como o objetivo

da poliacutetica de gecircnero Segundo Vitoacuteria a igualdade buscada por esse tipo de poliacutetica

50

seria material ou seja efetivar as igualdades da lei entre homens e mulheres Jaacute para

Talita essa poliacutetica seria responsaacutevel por ldquotentar adequar todas essas diferenccedilas e

natildeo igualar todos porque natildeo somos iguais mas tentar equilibrar para que todos noacutes

possamos viver pacificamente e sem existir essa relaccedilatildeo de subordinaccedilatildeo que haacute

muitas vezes entre homem e mulherrdquo

O sentido dado por Roberta a poliacuteticas transversais eacute de que estamos falando

de uma poliacutetica que envolve diferentes segmentos da atuaccedilatildeo puacuteblica e por isso de

vaacuterios atores envolvidos na formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas de

gecircnero Nesse sentido existe a necessidade de ldquofazer um processo de convencimento

dos gestores sobre a importacircncia dessas poliacuteticasrdquo

Essa ideia foi explicada tambeacutem por Vitoacuteria quando relatou o desafio na

praacutetica de lidar com o caraacuteter transversal da poliacutetica de gecircnero

O desafio eacute a visatildeo de poliacutetica de gecircnero Muita gente fala a gente

estaacute com tanta preocupaccedilatildeo por que a gente vai se preocupar com isso

Como se fosse o acessoacuterio ou o a mais neacute o plus Acho que essa visatildeo ela eacute

de todas as instacircncias no executivo no legislativo e dentro da defensoria haacute

esse visatildeo de que natildeo peraiacute a gente tem pouca gente pouco dinheiro entatildeo a

gente vai investir no que realmente eacute importante E isso nunca eacute a mulher

Entatildeo eu acho que vocecirc vai ver isso em todos os lugares que vocecirc visitar

porque eacute essa a visatildeo a sociedade vecirc assim Entatildeo isso eacute soacute a reproduccedilatildeo de

como a sociedade enxerga as questotildees de mulher as questotildees de mulher satildeo

sempre ah mulher eacute sensiacutevel mulher reclama muito mulher natildeo sei o que

natildeo eacute tatildeo grave assim exagera

As organizaccedilotildees agraves quais foi dado o papel de realizar uma poliacutetica puacuteblica

transversal com o vieacutes de gecircnero satildeo a Subsecretaria de Poliacuteticas para as mulheres de

Goiaacutes a Secretaria da Mulher em Professor Jamil a Coordenadoria de Poliacuteticas para

as Mulheres do estado de Satildeo Paulo e o Nuacutecleo Especializado de Promoccedilatildeo de

Direitos da Mulher Os sentidos dados agrave transversalidade pelos entrevistados mostra

que o papel construiacutedo dessas organizaccedilotildees seria o de articular outras organizaccedilotildees do

51

Estado e conscientizaacute-las para as desigualdades de gecircnero dentro e fora das

organizaccedilotildees A partir dessa construccedilatildeo de sentidos do que eacute transversalidade e

atribuiccedilatildeo desse papel a organizaccedilotildees voltadas para a questatildeo da mulher estaacute

diretamente relacionado aos recursos materiais que satildeo destinados a essas

organizaccedilotildees (sobre os quais aprofundaremos na seccedilatildeo 4) porque satildeo vistas como

organizaccedilotildees paralelas agravequelas consideradas como ldquoprincipaisrdquo como podemos notar

no discurso da Vitoacuteria em que ela afirma que as dificuldades de atuaccedilatildeo do nuacutecleo

passam em geral pelo sentido secundaacuterio e marginal dada agrave questatildeo de gecircnero Ou

seja esses elementos discursivos e extra-discursivos acabam distorcendo a questatildeo da

transversalidade Isso porque a mesma surgiu de jure (BAUMAN 2001) como uma

maneira conseguir resolver problemas complexos tratando-os de maneira transversal

e acabou sendo utilizada de facto (BAUMAN 2001) como uma ferramenta para a

reproduccedilatildeo da estrutura social machista devido agrave impressatildeo que se cria de que o

problema de gecircnero estaacute sendo resolvido pela existecircncia dessas organizaccedilotildees com o

enfoque em gecircnero mas na praacutetica elas natildeo satildeo empoderadas nem na agenda nem no

orccedilamento

Portanto esses diferentes sentidos dados ao que eacute machismo violecircncia de

gecircnero poliacutetica de gecircnero transversalidade e a que servem e como deve ser

realizadoscombatidos satildeo importantes para entender quais os tipos de poliacuteticas

puacuteblicas efetivamente colocadas em praacuteticas (PHILIPPS SEWELL JAYNES 2008)

por essas diferentes organizaccedilotildees (vide seccedilatildeo 3 em que mostramos como os

elementos extra-discursivos dialogam com os discursos) Aleacutem disso nessa seccedilatildeo

encontramos evidecircncias de que a estrutura social machista tem uma forccedila muito

grande pois apesar algumas ressignificaccedilotildees (de a mulher natildeo ser sexo fraacutegil) ela

permanece latente no discurso voltando a reproduzir a estrutura de desigualdade de

gecircnero Nesse sentido os contextos agriacutecola e urbano parecem natildeo mudar a existecircncia

dessa estrutura social mas vamos averiguar a seguir se esses contextos apontam

diferenccedilas em relaccedilatildeo aos elementos extra-discursivos

52

44 Elementos extra-discursivos

Nessa seccedilatildeo iremos analisar os principais elementos extra-discursivos que

surgiram durante as entrevistas e se relacionam com os discursos apresentados

(PHILIPPS SEWELL JAYNES 2008) Satildeo eles a Lei Maria da Penha sobre a qual

discorremos no referencial teoacuterico a estrutura fiacutesica das organizaccedilotildees os recursos

humanos disponiacuteveis e as accedilotildees ou poliacuteticas puacuteblicas resultantes de suas atuaccedilotildees

A Lei Maria da Penha por ser um marco juriacutedico em relaccedilatildeo ao tratamento do

Estado agrave violecircncia de gecircnero em seus diferentes tipos surgiu em todas as entrevistas

como base para o trabalho realizado pelos diferentes organismos Do ponto de vista

das soluccedilotildees segundo Vitoacuteria foi importante para fortalecer os movimentos sociais

que lutavam pela questatildeo da mulher e abrir espaccedilo entatildeo para que esses movimentos

exigissem esse olhar dentro de diferentes instituiccedilotildees como a defensoria puacuteblica

Contudo Ana Paula reforccedila que a Lei Maria da Penha foi precedida por algumas

leis que na verdade ainda natildeo satildeo de conhecimento pela populaccedilatildeo em geral Ela

relata um caso que lhe aconteceu na delegacia da mulher

Eu tinha recebido uma ocorrecircncia que era um homem que tinha

enfiado uma faca na esposa dele casada haacute 30 anos porque ela comprou um

conjunto de panelas e ele discordava do entendimento dela de como se gastava

o dinheiro Entatildeo que ela era uma vagabunda dizendo ele Soacute que essa

vagabunda trabalhava era uma enfermeira padratildeo no hospital de Diadema e

ele estava haacute onze anos E aleacutem de trabalhar e sustentar ele ela lavava

passava cozinhava e ela entendeu que com o salaacuterio dela dava pra comprar

um conjunto de panelas Aiacute ele puxou a faca pra ela veio uma ocorrecircncia

falando da tentativa de homiciacutedio o filho falou lsquonatildeo vou testemunhar conta

meu pai ainda que eu ache que a minha matildee corre risco com elersquo A matildee natildeo

quer vem falar lsquonatildeo foi soacute um desentendimentorsquo ela vem de um ciclo de

violecircncia E eu natildeo ia ter nenhuma testemunha no inqueacuterito natildeo ia dar certo o

flagrante e aiacute eu falei bom ela natildeo vai dormir em casa porque a nossa

preocupaccedilatildeo natildeo pode ser em fazer um papel deve ser o de garantir a

53

seguranccedila da mulher E aiacute o marido vira pra mim e fala lsquoeu natildeo vejo motivo

para conceder o divoacuterciorsquo E aiacute eu tive um surto com ele porque eu falava lsquoo

senhor vive na idade da pedrarsquo Porque quando eu nasci jaacute tinha a lei do

divoacutercio mas para eles natildeo Ele ainda achava que ele tinha o direito de dar ou

natildeo o divoacutercio E isso foi em 73 E aiacute a gente comeccedila a olhar e ver quantos

anos demoram para uma populaccedilatildeo se apropriar daquela legislaccedilatildeo se eacute que a

lei pegue porque no Brasil tem lei que natildeo pega natildeo eacute um paiacutes seacuterio Mas a lei

Maria da Penha veio ele conhece a lei mas ele natildeo conhece a lei do divoacutercio

E isso eacute regra

Ou seja a Lei Maria da Penha que estaacute no domiacutenio do empiacuterico ou seja o

que eacute efetivamente experimentado pelos atores natildeo garante o entendimento de outras

leis que mudaram as relaccedilotildees familiares em termos legais e os direitos igualados de

jure (BAUMAN 2001) entre homem e mulher Entatildeo antes da Lei Maria da Penha

houve uma sucessatildeo de leis que reforccedilavam a estrutura social machista no domiacutenio do

real Mesmo com as novidades da Lei Maria da Penha portanto natildeo foi possiacutevel

revolucionar a esfera do real e isso fica evidente com a permanecircncia de outras leis

anteriores no imaginaacuterio das pessoas Aleacutem disso Ana Paula tambeacutem expocircs a

dificuldade de se implementar a Lei Maria da Penha de facto (BAUMAN 2001)

Entatildeo a gente tem dispositivos como autoridade policial civil deveraacute

garantir a seguranccedila da mulher e aiacute o tema da minha dissertaccedilatildeo aquela vez

foi a seguranccedila da mulher na Lei Maria da Penha Porque ela eacute linda mas

como que uma delegada com trecircs policiais garante a seguranccedila de alguma

mulher Eu queria saber porque o policial geralmente vai no foacuterum busca

laudo leva laudo e etc Um tem que ficar na delegacia porque geralmente os

homens natildeo respeitam as mulheres mesmo as mulheres policiais aiacute tem que ter

toda uma loacutegica dentro da poliacutecia e da questatildeo socioloacutegica da poliacutecia de que eacute

melhor ter uma forma ostensiva em determinados momentos do que ter que usar

a forccedila entatildeo eacute melhor ter policiais homens armados do que ter que ser duro

com o indiviacuteduo que vira e fala lsquoeu natildeo respeito mulherrsquo e eles falam isso E

54

natildeo eacute um desacato agrave autoridade policial civil eacute uma relaccedilatildeo de que eles natildeo

respeitam o gecircnero feminino como igual E isso eacute muito complicado Aiacute sobra

um policial que natildeo pode sair de viatura porque se natildeo eacute viatura

descaracterizada E aiacute eu tenho que garantir a seguranccedila da mulher Aiacute eu

tenho que colocar ela em um abrigo Qual abrigo Ah a prefeitura de Satildeo

Paulo agora parece que melhorou o sistema de abrigamento Eacute melhorou mas

pra isso a gente precisa fazer boletim de ocorrecircncia em uma delegacia que

esteja aberta 24 horas e a gente natildeo tem delegacia da mulher aberta 24 horas

Ou seja faltam recursos humanos e orccedilamentaacuterios para manter a delegacia

funcionado bem e por 24 horas elementos do domiacutenio empiacuterico e a proacutepria lida

diaacuteria da delegada mulher com o machismo a impede de realizar seu trabalho sem ter

o acompanhamento de um homem Satildeo evidecircncias de que a criaccedilatildeo de delegacias

especializadas apesar de terem sido um avanccedilo estaacute longe de apresentarem uma

transformaccedilatildeo agrave estrutura social desigual uma vez que a distribuiccedilatildeo material

insuficiente impacta na reproduccedilatildeo das desigualdades de gecircnero

Mostrando essa dificuldade por um outro vieacutes Talita afirmou que a Lei Maria

da Penha fez com que as pessoas olhassem para as delegacias da Mulher como uma

ldquoceacutelula de expansatildeo de poliacuteticas puacuteblicasrdquo quando segundo ela a delegacia da

mulher e uma ldquodelegacia como qualquer outra a gente estaacute aqui para prender o

agressor investigar concluir processo e encaminhar ao poder judiciaacuteriordquo Esse

discurso de Talita mostra que o sentido dado por ela agrave delegacia especializada eacute de

uma delegacia como qualquer outra Isso implica que mesmo havendo uma tentativa

de jure (BAUMAN 2001) em trazer ferramentas no domiacutenio do empiacuterico para

combater a violecircncia contra a mulher de facto (BAUMAN 2001) a delegacia da

mulher sendo vista pelos atores que dela participam como uma delegacia da mulher

acaba sendo uma forccedila de manutenccedilatildeo da estrutura social machista no domiacutenio do

real

Outro discurso importante sobre a Lei Maria da Penha que surgiu na pesquisa

de campo foi a Joana O sentido atribuiacutedo por ela agrave Lei Maria da Penha eacute de ceticismo

porque de acordo com ela as mulheres voltam com um papel de medida protetiva

55

que natildeo serve para nada assim como a tornozeleira natildeo salva a mulher Segundo

Joana se o homem quer matar a mulher natildeo vai ser isso que vai impedi-lo e nem haacute

recursos suficientes para que o poder puacuteblico impeccedila que isso aconteccedila em sua cidade

e seus arredores

Inclusive na entrevista ouvimos pela uacutenica vez durante a pesquisa viacutetimas de

violecircncia de gecircnero duas mulheres que vieram fugidas para a cidade do Uma veio de

Trindade (Goiaacutes) fugindo agrave noite com os seis filhos e sua matildee do marido que a

agredia psicologicamente e fisicamente A secretaacuteria a ajudou quando chegou

encaminhando-a para atendimento psicoloacutegico no CRAS e conseguindo um emprego

para ela recomeccedilar a vida Ateacute hoje ela estaacute laacute escondida do marido e segundo ela

ela jaacute tinha procurado duas vezes delegacias comuns por serem as disponiacuteveis na sua

regiatildeo e que a Lei Maria da Penha e a medida protetiva natildeo ajudaram em nada a

situaccedilatildeo

Para Joana esse eacute um exemplo de vaacuterios que a levam a construir um sentido

de que as mulheres quando natildeo querem mais ficar com os maridos e conseguem

largam tudo e fogem Isso porque segundo ela as mulheres que fazem denuacutencias as

fazem na esperanccedila de mudar o comportamento dos seus parceiros para continuar

com eles e natildeo para que eles sejam presos Isso coloca em evidecircncia que de facto

(BAUMAN 2001) a lei natildeo consegue mudar a estrutura social

Queremos compreender melhor a distribuiccedilatildeo material que as organizaccedilotildees

entrevistadas possuem hoje para realizarem seu trabalho As pesquisas em Goiaacutes e em

Satildeo Paulo foram conduzidas nos locais de trabalho dos entrevistados o que

possibilitou conhecermos sobre o espaccedilo em que essas poliacuteticas estatildeo sendo

realizadas e a dimensatildeo das equipes por traacutes das mesmas Escolhemos descrever essas

condiccedilotildees de algumas organizaccedilotildees que melhor contribuem para nossa interpretaccedilatildeo e

anaacutelise

O CREAS de uma cidade do interior do estado de Goiaacutes por exemplo fica em

uma casa teacuterrea com uma sala pequena na entrada onde satildeo recebidas as viacutetimas A

maior parte da equipe do CREAS eacute composta por homens e a entrevista foi realizada

com trecircs membros da equipe o coordenador a assistente juriacutedica e o educador social

Percebemos que aleacutem de o centro natildeo ser um espaccedilo voltado especificamente para

56

mulheres a reproduccedilatildeo da estrutura social desigual estaacute claramente manifestada na

composiccedilatildeo da equipe que eacute composta por uma maioria masculina Aleacutem disso a

estrutura fiacutesica natildeo permite diferenciaccedilatildeo entre as populaccedilotildees em situaccedilatildeo de

vulnerabilidade atendidas Isto significa que homens mulheres e crianccedilas satildeo

atendidas em um mesmo local o que evidencia que no domiacutenio empiacuterico as chances

de mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia se sentirem agrave vontades para darem suas queixas

e buscarem ajuda no centro satildeo reduzidas sendo outro fator que contribui para a

manutenccedilatildeo da esfera real machista

Jaacute a Superintendecircncia de Poliacuteticas para Mulheres em Goiaacutes fica no centro de

uma cidade de Goiaacutes em uma estrutura de dois andares na avenida principal da

cidade Do lado de fora a pintura eacute roxa e estaacute bem sinalizada com campanha do

Disque-100 na fachada e a frase ldquoViolecircncia contra mulher natildeo tem desculpa tem

leirdquo O preacutedio tem uma secretaria com vaacuterias cadeiras na frente onde as pessoas se

identificam e satildeo encaminhadas para salas menores de acordo com a solicitaccedilatildeo

Enquanto esperamos pela entrevista nos abordaram quatro vezes por funcionaacuterias

diferentes perguntando se algueacutem jaacute tinha nos sido atendido Cada sala tem uma

funccedilatildeo especiacutefica assistentes sociais psicoacutelogos assistentes juriacutedicos todas de

atendimento localizadas no andar de baixo proacuteximas agrave entrada Tambeacutem no andar de

baixo no interior do preacutedio ficam as salas onde satildeo realizados trabalhos de

capacitaccedilatildeo e no andar de cima ficam as salas administrativas As condiccedilotildees materiais

desse local foram uma exceccedilatildeo em relaccedilatildeo agraves demais organizaccedilotildees visitadas Isso

porque a maioria dos profissionais satildeo mulheres e o atendimento natildeo eacute em um balcatildeo

mas diretamente com psicoacutelogas ou assistentes sociais em salas privativas Essas

condiccedilotildees no entanto natildeo satildeo estaacuteveis Como conta Roberta

Essa secretaria foi criada em 1987 ela chamava Secretaria Estadual

da Condiccedilatildeo Feminina E foram muito importantes esses quatro anos no

governo Henrique Santillo foram inovadores no sentido de implementar uma

poliacutetica que era muito pouco tratada no acircmbito institucional Entatildeo foi

fantaacutestico E nesse periacuteodo governamental houve poliacuteticas de seguranccedila para

a mulher sauacutede para a mulher enfim abriu um espaccedilo importante no Estado

57

de Goiaacutes Soacute que infelizmente os governos subsequentes extinguiram a

secretaria E ela soacute veio a ser retomada no primeiro governo Marconi Perillo

isso foi no final da deacutecada de noventa E ele criou uma superintendecircncia da

mulher e ela se tornou secretaria no governo seguinte e aiacute ela jaacute vem agora

dentro de um acircmbito institucional como secretaria de estado mesmo que

acoplado a ela por razotildees de ordem principalmente econocircmica e financeira

do estado tem a secretaria da mulher junto com outras aacutereas sociais e de

direitos humanos

Ou seja eacute importante relativizar a estrutura fiacutesica e equipe que vimos porque

historicamente a pauta da mulher foi tratada como um assunto secundaacuterio como

vimos no discurso de Roberta O impacto disso eacute que quando a situaccedilatildeo financeira do

estado complica a pauta eacute uma das primeiras que recebe cortes orccedilamentaacuterios ou eacute

acoplada a outras pautas como estaacute acontecendo agora A pauta da mulher que antes

jaacute dividia uma secretaria com a de desigualdade racial hoje foi incorporada por uma

secretaria guarda-chuva chama Secretaria Cidadatilde que abarca os temas da mulher do

desenvolvimento social da igualdade racial dos direitos humanos e do trabalho Isso

mostra que quando natildeo haacute mudanccedilas no domiacutenio real as mudanccedilas no domiacutenio

empiacuterico natildeo satildeo permanentes satildeo instaacuteveis e dependem de elementos extra-

discursivos que estatildeo sujeitos agrave estrutura social do real Ou seja quando a secretaria

tem condiccedilotildees financeiras ela pode ateacute colocar a questatildeo da mulher em pauta mas

assim que acontecerem momentos econocircmicos desfavoraacuteveis a igualdade de gecircnero

natildeo permanece na agenda pois nunca foi prioridade jaacute que estaacute inserida dentro de

uma estrutura social machista

A Delegacia Especializada no Atendimento agrave Mulher de Goiaacutes por sua vez

fica em um casaratildeo de dois andares no setor central de uma cidade de Goiaacutes Tem

uma sinalizaccedilatildeo discreta e eacute guardada por um policial militar na porta Entrando na

delegacia tem uma sala com banquinhos de madeira sem encosto para as viacutetimas e

seus acompanhantes aguardarem A delegacia de uma forma geral pareceu muito

interessada em estatiacutesticas e pouco sensibilizada com as viacutetimas que tratam

exatamente por esse nome e natildeo como cidadatildes O clima de maneira geral eacute tenso haacute

58

vaacuterias mulheres chorando esperando nos banquinhos pela oportunidade de subir as

escadas da delegacia Em frente aos bancos tem um grande balcatildeo que bloqueia a

entrada para o restante do edifiacutecio onde se encontra uma secretaacuteria Tudo tem que

passar antes por ela entatildeo as mulheres viacutetimas falam na frente de todo mundo a sua

queixa Enquanto esperava pela entrevista uma mulher chegou e mostrou hematomas

no braccedilo para a secretaacuteria e recebeu como resposta ldquoVocecirc tomou banho Isso eacute

sujeira ou eacute hematoma mesmordquo Quando satildeo chamadas para subir e serem atendidas

pela escrivatilde ou delegada respondem por um grito ldquoA viacutetima pode subirrdquo o que

acaba contribuindo para a estigmatizaccedilatildeo

Essa visita nos trouxe mais evidecircncias de que fazer organizaccedilotildees

especializadas eacute um avanccedilo sim mas que mesmo que elas sejam diferentes em sua

concepccedilatildeo o problema natildeo fica totalmente resolvido Nesse sentido enquanto natildeo

promovermos mudanccedilas na estrutura social do machismo novas legislaccedilotildees ou

organizaccedilotildees iratildeo promover mudanccedilas graduais Sem atacar essas causas a delegacia

especializada eacute uma reacuteplica da delegacia comum poreacutem com delegadas mulheres

mas que reproduzem a estrutura social machista no tratamento que elas datildeo agraves

viacutetimas no ambiente em que as mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia tecircm que frequentar

para ir atraacutes de seus direitos na forma como elas satildeo questionadas por estarem laacute

entre outros

Por fim fomos ateacute a Coordenadoria de Poliacuteticas para as Mulheres O

simbolismo eacute importante desde o momento de procurar essa secretaria na internet foi

muito complicado achar informaccedilotildees em sites de busca Mesmo depois de conseguir

encontrar em qual site maior a coordenadoria se encontra sua posiccedilatildeo no rol de

subsecretarias e coordenadorias da secretaria eacute a uacuteltima Aleacutem disso a entrevista em

si foi na coordenadoria que fica em um preacutedio antigo e central Descobrimos que a

coordenadoria fica no uacuteltimo andar da secretaria em uma sala mais escondida e natildeo

haacute identificaccedilatildeo da coordenadoria nos corredores como as demais do preacutedio que

estatildeo sinalizadas A coordenadoria consiste fisicamente em uma sala de reuniatildeo

acoplada ao escritoacuterio da Flaacutevia que eacute a uacutenica componente da equipe

59

Fomos tambeacutem ateacute uma cidade do interior de Goiaacutes a aproximadamente 70

quilocircmetros de Goiacircnia A Secretaria de Mulheres do municiacutepio soacute existe no nome

natildeo tem estrutura fiacutesica nem recursos financeiros apenas o cargo da secretaacuteria

Entatildeo o atendimento eacute feito na casa da secretaacuteria na sala de entrada onde tem duas

mesas de alumiacutenio juntadas e forradas com um pano um sofaacute e uma cadeira de cada

lado ao fundo tecircm equipamentos de cabelereiro profissatildeo que ela exercia Quando

chegamos laacute a sala estava cheia com pessoas se inscrevendo para o Minha Casa

Minha Vida com a ajuda da secretaacuteria e durante a conversa entraram vaacuterios cidadatildeos

de Professor Jamil e todos vinham com assuntos diversos a serem tratados por ela

Essa entrevista em Professor Jamil nos mostrou que agraves vezes apesar de

elementos extra-discursivos escassos como o caso de Joana existe a possibilidade de

tentar atacar as causas do machismo por exemplo chamando os homens para

conversarem nas rodas e promovendo o diaacutelogo mediado entre casais Mesmo assim

natildeo eacute isoladamente que se consegue combater uma estrutura social tatildeo forte quanto o

machismo

Pensando tanto nos discursos (seccedilatildeo 2) quanto nos espaccedilos e equipes

disponiacuteveis eacute possiacutevel perceber como eles se interligam com as accedilotildees dos oacutergatildeos

entrevistados Primeiramente para noacutes nenhuma das organizaccedilotildees entrevistadas

estatildeo formulando ou implementando poliacuteticas puacuteblicas no sentido que discutimos no

referencial teoacuterico de accedilatildeo organizada do Estado para combater um problema Isso

porque todas essas organizaccedilotildees realizam accedilotildees desconexas e pontuais para tentar

lidar com o problema sem atacar suas causas e reproduzindo as desigualdades de

gecircnero (domiacutenio real)

O CREAS visitado realiza atendimento de crianccedilas adolescentes mulheres e

idosos em situaccedilatildeo de vulnerabilidade social Durante a entrevista percebemos que

existe uma confusatildeo muito grande entre os tipos de atendimento que o CREAS

realiza tanto que quando foi perguntado sobre o que eacute poliacutetica de gecircnero a resposta

foi mais sobre poliacuteticas para adolescentes em situaccedilatildeo de vulnerabilidade

Jaacute a Superintendecircncia de Mulheres visitada seria responsaacutevel por formular

poliacuteticas puacuteblicas para esse puacuteblico-alvo De acordo com Roberta

60

A nossa principal poliacutetica eacute a garantia da seguranccedila tanto que noacutes

temos desde o atendimento primaacuterio da mulher atraveacutes de uma assistecircncia

social psicoloacutegica juriacutedica ateacute o abrigamento dessa mulher viacutetima de

violecircncia Entatildeo a gente direciona as nossas poliacuteticas nesse sentido Mas

tambeacutem noacutes temos que cuidar das outras questotildees que satildeo inerentes agrave mulher

a sauacutede a educaccedilatildeo e aiacute principalmente eu vejo hoje que o nosso papel

enquanto instituiccedilatildeo puacuteblica eacute desenvolver mesmo campanhas de

sensibilizaccedilatildeo

Fora isso a superintendecircncia estaacute capacitando 2500 profissionais servidores nas

aacutereas de educaccedilatildeo sauacutede movimentos sociais que trabalham com mulheres em

situaccedilatildeo de violecircncia Existe tambeacutem uma equipe especiacutefica da superintendecircncia

responsaacutevel pelas duas unidades moacuteveis que a secretaria recebeu em 2013 pelo

governo federal para atender mulheres do campo As unidades comeccedilaram o trabalho

indo ateacute o interior para prover serviccedilos de assistecircncia social juriacutedica e psicoloacutegica

No entanto a equipe se deparou com uma rede muito fragilizada e incapaz de

continuar o encaminhamento das demandas das mulheres

Aleacutem disso quando chegou na zona agraacuteria a equipe percebeu que lidar com

essas mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia da aacuterea rural era um desafio diferente do que

estavam acostumados na capital Isso porque as unidades moacuteveis iam para o campo

mas as mulheres tinham receio de entrar ou natildeo conseguiam chegar porque satildeo

ocircnibus rosas que chamam muita atenccedilatildeo e ficam inviaacuteveis para uma mulher nessa

situaccedilatildeo procurar sem ser vista por outras pessoas da regiatildeo e isso chegar ateacute o

agressor A taacutetica adotada entatildeo pelas unidades eacute

Quando vem uma solicitaccedilatildeo do municiacutepio a gente sempre procura

saber se eacute festividade porque para noacutes eacute melhor Porque aiacute tem a unidade

moacutevel e outros serviccedilos na praccedila em que ela pode transitar Soacute a unidade

moacutevel que eacute muito chamativa natildeo funciona Eacute um ocircnibus rosa e ela fica

mais acanhada A gente sempre procura incentivar o municiacutepio a promover

outras coisas ao mesmo tempo para preservar a mulher promover a diluiccedilatildeo

61

nesse espaccedilo e garantir minimamente que ela suba na unidade

Apesar disso quando visitamos a equipe eles natildeo estavam indo a campo

porque estavam em uma fase de transiccedilatildeo Como encontraram uma realidade

diferente da que imaginavam o seu trabalho agora estaacute sendo capacitar a rede montar

material fazer reuniotildees entre outros para tentar alinhar o trabalho de todos

Manuela esclarece

Nesse sentido o trabalho da equipe vem sendo reformulado porque

incialmente a ideia era ir ao interior e ser a porta de entrada das mulheres

viacutetimas de violecircncia levar informaccedilotildees sobre os seus direitos e onde buscar

ajuda e depois ter esse trabalho continuado pelos oacutergatildeos competentes mais

proacuteximos No entanto ao irem para o campo a equipe percebeu que a rede

estava despreparada para dar continuidade ao trabalho e que portanto seria

inuacutetil fazer o trabalho como anteriormente previsto sem dar a capacitaccedilatildeo

necessaacuteria

A Secretaria de Seguranccedila Puacuteblica por sua vez faz parte da rede de combate agrave

violecircncia contra a mulher e tem um papel importante tanto pelas DEAMs quanto pelo

monitoramento e fornecimento de informaccedilotildees criminais que servem de insumo para

a Secretaria da Mulher No entanto natildeo existe uma parceria soacutelida em que ambas as

secretarias atuam conjuntamente e amplamente em termos do estado e se

responsabilizam pela situaccedilatildeo das mulheres que sofrem violecircncia

Portanto a secretaria natildeo tem poliacuteticas puacuteblicas mais amplas em relaccedilatildeo ao

combate agrave violecircncia contra a mulher porque entende que essa competecircncia eacute da

Secretaria da Mulher O que a secretaria faz eacute atuar em regiotildees especiacuteficas

dependendo do gestor que estaacute em determinada aacuterea integrada de seguranccedila (regiatildeo

onde a poliacutecia militar e a poliacutecia civil tem a mesma circunscriccedilatildeo) Como nos disse

um major da secretaria

Que tipo de accedilatildeo preventiva que vai ser implementada em

62

determinado local depende de quem Do gestor que que estaacute ali naquela

regiatildeo em identificar qual eacute o problema dele em implementar essa questatildeo da

prevenccedilatildeo

No mais percebemos que tanto os centros de referencia CREAS e aqueles de

secretariassubsecretarias de mulheres quando existem quanto as delegacias

especializadas e os dados das secretarias de seguranccedila satildeo em geral voltados para

mecanismos juriacutedicos de proteccedilatildeo agrave mulher Mesmo havendo equipes de assistecircncia

social e psicoacutelogos em algumas instacircncias o foco principal das accedilotildees desses oacutergatildeos eacute

garantir medidas protetivas eou prender agressores

Aleacutem disso nos centros de referecircncia satildeo realizados estudos de caso

multidisciplinares para determinar o encaminhamento dado agrave viacutetima De acordo com

os discursos discutidos na seccedilatildeo anterior percebemos que apesar de parecer o

procedimento ideal a ser feito pode ser uma abertura para um julgamento social da

viacutetima pelos membros da equipe

Fora esses oacutergatildeos tivemos contato com o trabalho de uma entidade do

terceiro setor cuja atuaccedilatildeo era bastante diferente dos demais O Centro Popular da

Mulher trabalha sobretudo apoiando e ajudando as mulheres a se organizarem para

reivindicarem seus direitos Em relaccedilatildeo aos oacutergatildeos entrevistados a entidade parece

ser a mais presente na zona rural tanto em frequecircncia quanto em tempo de luta junto

agraves mulheres do campo

Aleacutem disso em termos de accedilotildees outra entrevista que apontou diferenccedilas foi

com a Joana cuja accedilatildeo era de busca ativa e de construccedilatildeo de espaccedilos de debate com

mulheres e homens Isso porque apesar da falta de apoio institucional da prefeitura

ela natildeo espera as mulheres buscarem ajuda No entanto isso soacute eacute possiacutevel porque ela

conhece todo mundo e fica sabendo do que acontece e entatildeo vai atraacutes do casal em

questatildeo E seu trabalho busca a conscientizaccedilatildeo das famiacutelias ela faz conversas de

roda e tambeacutem de casais em particular para tentar agir na causa do problema Suas

accedilotildees se baseiam na sua convicccedilatildeo de que a causa (seccedilatildeo 2 em que discutimos os

sentidos atribuiacutedos agraves caudas da violecircncia de gecircnero) estaacute na falta de respeito a

educaccedilatildeo machista e que isso soacute pode ser mudado se os homens estiverem

63

envolvidos nas accedilotildees de combate agrave violecircncia de gecircnero para tentar mudar o que a

sociedade pensa a maneira como a mulher eacute tratada

Nessa seccedilatildeo aprendemos que as manifestaccedilotildees extra-discursivas da estrutura

social machista varia de acordo com o contexto sobretudo em termos de recursos

materiais e equipe disponiacuteveis para combater a violecircncia de gecircnero nesse contexto

Aleacutem disso percebemos que as manifestaccedilotildees extra-discursivas estatildeo em constante

relaccedilatildeo com a manutenccedilatildeo da estrutura social como o exemplo de que as mulheres

natildeo conseguem alugar uma casa ou mudar o filho de creche afeta a possibilidade

praacutetica de sair de uma situaccedilatildeo de violecircncia Enfim discorreremos na proacutexima seccedilatildeo

com maior profundidade os resultados e as contribuiccedilotildees da pesquisa

64

5 Consideraccedilotildees Finais

Nossa pesquisa teve como objetivo responder agrave pergunta Como a estrutura

social do machismo se manifesta nos contextos urbano e agraacuterio A partir desse

trabalho notamos que a estrutura social do machismo estaacute presente nos dois

contextos urbano e agraacuterio poreacutem se manifesta de jeitos diferentes No contexto

agraacuterio de acordo com os entrevistados o machismo se manifesta de forma mais

aberta com o reforccedilo dos papeis tradicionais de gecircnero de que o papel da mulher eacute

cuidar da casa e dos filhos e o homem de prover financeiramente a famiacutelia estando

em uma posiccedilatildeo de superioridade Jaacute no contexto urbano a manifestaccedilatildeo da estrutura

social machista adquire outras formas sendo que haacute uma maior inserccedilatildeo da mulher no

mercado de trabalho e no discurso as pessoas natildeo reproduzem os papeis de gecircnero

tradicionais poreacutem na praacutetica acabam acontecendo ainda reproduccedilotildees desses mesmos

papeis de uma forma mais suacutetil pelo modo que a mulher deve se vestir pela

educaccedilatildeo diferente dada aos filhos de diferentes gecircneros etc

Tambeacutem nos perguntamos como essas manifestaccedilotildees do machismo satildeo

impactadas e impactam a formulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo

de violecircncia As manifestaccedilotildees do machismo impactam a formulaccedilatildeo de poliacuteticas

puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia porque levam a poliacuteticas com pouca

infraestrutura equipe e orccedilamento e porque abre uma brecha maior entre formulaccedilatildeo

e implementaccedilatildeo porque mesmo que se os formuladores natildeo tenham discursos

machistas no momento do discurso em accedilatildeo as accedilotildees nas delegacias especializadas

reproduzem papeis de gecircnero tradicionais e culpabilizam as mulheres em situaccedilatildeo de

violecircncia

Enfim queriacuteamos descobrir tambeacutem se existem ou natildeo diferenccedilas na

manifestaccedilatildeo do machismo especificamente em termos de violecircncia de gecircnero nas

zonas urbana e agraacuteria Nosso estudo mostrou via discursos que haacute muita divergecircncia

nesse ponto mas que a maioria dos entrevistados acredita que a diferenccedila eacute que no

contexto agraacuterio os tipos de violecircncia predominantes satildeo patrimonial e psicoloacutegico

enquanto no contexto urbano haacute uma maior incidecircncia de violecircncia fiacutesica

relativamente No entanto essa foi uma limitaccedilatildeo da pesquisa porque a quase-

65

totalidade dos entrevistados relatou estar discorrendo sobre algo de que natildeo conhece

por natildeo terem dados oficiais gerados sobre a violecircncia contra mulheres em zonas

agraacuterias e por natildeo terem contato com essas mulheres nas organizaccedilotildees em que

trabalham

Ao longo desse trabalho estudamos as principais referecircncias teoacutericas que

precisaacutevamos para analisar o problema em questatildeo principalmente para colocar em

evidecircncia que as poliacuteticas puacuteblicas estatildeo inseridas em lugares que influenciam e satildeo

influenciados pela construccedilatildeo de sentidos que ocorre no momento de determinaccedilatildeo de

um problema puacuteblica e de como ele seraacute tratado pelo Estado Nosso referencial

teoacuterico se juntou agrave metodologia o que permitiu natildeo soacute a organizar o conhecimento

cientiacutefico com base nas premissas da teoria mas tambeacutem a olhar para a nossa

pesquisa sempre com um olhar criacutetico de tentar enxergar as possibilidades de

mudanccedila da estrutura social

A partir do referencial teoacuterico e da metodologia demos iniacutecio ao trabalho de

estabelecer um roteiro semi-estruturado para as entrevistas depois conseguir agendar

as entrevistas fazer as mesmas transcrever as entrevistas e enfim analisar tudo

como um conjunto agrave partir da metodologia do realismo criacutetico e das referecircncias

teoacutericas que buscamos Isso nos permitiu enxergar os principais temas que surgiram

ao longo das entrevistas e organizaacute-los de acordo com os domiacutenios do realismo

criacutetico real atual e empiacuterico Depois disso estabelecemos um diaacutelogo entre o

referencial teoacuterico e as entrevistas de atores de organizaccedilotildees que lidam com a questatildeo

da violecircncia de gecircnero Isso foi relevante tambeacutem em termos metodoloacutegicos porque

percebemos que existem construccedilotildees de sentidos na academia que apontamos no

referencial teoacuterico que agraves vezes natildeo chegam agrave esfera dos atores que formulam e

implementam poliacuteticas puacuteblicas ou quando chegam elas impactam a esfera do atual

(discursos) sem necessariamente serem complementadas por mudanccedilas no domiacutenio

real (estrutura social de desigualdade de gecircnero) nem nos elementos extra-

discursivos que permitem mudanccedilas efetivas no domiacutenio empiacuterico (de poliacuteticas

puacuteblicas lidar com a questatildeo da violecircncia de gecircnero)

66

Nesse sentido um dos pontos que surgiu ao longo de todas as entrevistas foi o

foco das accedilotildees levadas a cabo pelas organizaccedilotildees Tanto no domiacutenio atual dos

discursos quanto no domiacutenio empiacuterico das poliacuteticas puacuteblicas o principal sentido

dado agrave violecircncia de gecircnero eacute de que a conscientizaccedilatildeo das mulheres se faz necessaacuteria

Os discursos vatildeo desde a falta de informaccedilatildeo da mulher a ira gerada tambeacutem pela

mulher a ausecircncia da mulher enquanto cumpridora de seu papel social na famiacutelia

dentre outros foram apontados como causas para a violecircncia de gecircnero Aleacutem disso

mesmo quando os discursos natildeo eram culpabilizadores da mulher eles giravam em

torno da cultura de modo bem geneacuterico como a sociedade patriarcal e machista

como causas para a violecircncia de gecircnero

Isso implica na transformaccedilatildeo desses discursos em accedilotildees de conscientizaccedilatildeo

como campanhas produccedilatildeo de informativos palestras entre outras Eacute interessante

perceber que natildeo haacute nesses casos poliacuteticas puacuteblicas que deem conta de efetivamente

resolver o problema de uma mulher em situaccedilatildeo de violecircncia isto eacute empoderaacute-la para

sair da situaccedilatildeo com meios materiais para fazecirc-lo e com uma proteccedilatildeo efetiva do

Estado em que ela eacute tratada como cidadatilde de direitos e natildeo como viacutetima Isso

demonstra que estatildeo sendo produzidos e reproduzidos discursos na esfera atual sem

necessariamente mudar a esfera real porque falta empoderamento das mulheres em

termos de recursos extra-discursos da esfera empiacuterica Aleacutem disso o tipo de accedilotildees

adotadas por essas organizaccedilotildees acabam sendo rasas porque ao mesmo tempo em

que natildeo atacam o problema diretamente na correccedilatildeo a posteriori tambeacutem natildeo lidam

com a causa no domiacutenio real isto eacute a estrutura social

Ou seja ao lidar somente com as mulheres em termos de conscientizaccedilatildeo a

maioria das organizaccedilotildees natildeo estaacute atacando a estrutura social porque os homens

fazem parte desta e natildeo satildeo chamados para a discussatildeo Aleacutem disso algumas dessas

accedilotildees de conscientizaccedilatildeo satildeo vazias ateacute para o puacuteblico-alvo as mulheres porque

muitas vezes as mulheres que buscam a ajuda do Estado para lidar com a violecircncia de

gecircnero natildeo sabem ler ou entatildeo natildeo podem atender a essas accedilotildees por estarem em

zonas agraacuterias em que estatildeo muito mais vulneraacuteveis em termos de exposiccedilatildeo ao

agressor ou ao resto da comunidade

67

Nesse sentido tambeacutem achamos relevante em todas as entrevistas a maneira

como satildeo recepcionadas as mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia De maneira geral satildeo

montadas equipes multidisciplinares que tratam cada situaccedilatildeo casuisticamente A

primeira vista nossa impressatildeo foi de que essa era uma boa maneira de lidar com o

problema da violecircncia domeacutestica porque cada mulher estaacute inserida em um contexto

diferente Poreacutem ao longo das entrevistas notamos que o domiacutenio do real acaba

influenciando esta casuiacutestica e diminuindo seu potencial empoderador Isso acontece

porque a estrutura social machista acaba levando a anaacutelise de caso para um

julgamento social da mulher em que muitas vezes o discurso anterior ao seu

atendimento (domiacutenio atual) influencia diretamente a ajuda que ela vai receber do

oacutergatildeo (domiacutenio empiacuterico)

Explorando mais a questatildeo das zonas urbana e agraacuteria haacute evidecircncias de que a

zona agraacuteria eacute muito pouco conhecida pelas organizaccedilotildees que lidam com a violecircncia

de gecircnero Em relaccedilatildeo ao contexto urbano as organizaccedilotildees parecem convergir mais

em termos de discursos sobre as manifestaccedilotildees do machismo nas cidades e as causas

da violecircncia de gecircnero nas mesmas Poreacutem o mesmo natildeo acontece em relaccedilatildeo agraves

zonas agraacuterias

Eacute importante ressaltar que na maioria das entrevistas quando explicamos os

objetivos da pesquisa os entrevistados comeccedilavam a conversa afirmando seu

desconhecimento do que acontece na aacuterea agraacuteria mesmo quando se tratavam de

organizaccedilotildees cuja amplitude de atuaccedilatildeo de jure (BAUMAN 2001) incluiacutea essas

localidades Agravam essa questatildeo tanto elementos extra-discursivos como a falta de

profissionais e dados pouco confiaacuteveis sobre o que acontece devido agrave subnotificaccedilatildeo

como tambeacutem os discursos formados pelos atores sobre a zona agraacuteria Apesar de se

colocarem quase sempre como incapazes de comentar sobre a zona agraacuteria ao longo

das entrevistas surgiram vaacuterios discursos sobre como o machismo de manifesta no

contexto rural as suas causas e como isso se tornava violecircncia contra a mulher

Notamos entatildeo que os sentidos construiacutedos eram muito heterogecircneos em relaccedilatildeo aos

entrevistados e formados com base em um caso especiacutefico com o qual tiveram

contato ou agraves vezes sem contato nenhum com mulheres da zona agraacuteria Isso mostra

como o domiacutenio do real eacute forte na determinaccedilatildeo dos discursos e a falta da

68

experimentaccedilatildeo empiacuterica dos atores com a realidade das mulheres em situaccedilatildeo de

violecircncia em contextos agraacuterios intensifica a estrutura social machista pela

reproduccedilatildeo de discursos machistas para suprir o vaacutecuo do conhecimento sobre essa

situaccedilatildeo

Por fim todos esses pontos colocados satildeo evidecircncias que mostram como os

trecircs domiacutenios da vida social impactam na existecircncia ou natildeo de poliacuteticas puacuteblicas para

mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia nas zonas urbana e agraacuteria Ou seja quando se

muda os discursos sem mudar os elementos extra-discursivos nem a estrutura social

as mudanccedilas natildeo satildeo profundas o suficiente para atacar um problema complexo como

este e acabam por vezes tendo um efeito perverso de reproduzir as causas deste

mesmo problema transmitindo a impressatildeo de que ele estaacute sendo de fato resolvido

51 Implicaccedilotildees para a Praacutetica

As reflexotildees geradas nesse trabalho pretendem ser uacuteteis para mudar o

problema na praacutetica dado os objetivos criacuteticos da ACD Nesse sentido acreditamos

que um dos achados que move accedilotildees praacuteticas eacute a invisibilidade da violecircncia contra a

mulher em contextos agraacuterios Natildeo haacute dados sendo gerados sobre essas mulheres em

situaccedilatildeo de violecircncia ateacute porque elas natildeo costumam chegar agraves instituiccedilotildees formais

que lidam com o problema Nesse sentido apontamos para a urgecircncia dessas

instituiccedilotildees buscarem ativamente essas mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia na zona

agraacuteria para conhecerem melhor as demandas especiacuteficas desse puacuteblico e poderem

entatildeo compreender melhor o problema

Tambeacutem no que diz respeito agrave invisibilidade haacute pouca produccedilatildeo acadecircmica

utilizando a ontologia do Realismo Criacutetico para se pensar em violecircncia de gecircnero e

natildeo encontramos nenhuma bibliografia que discuta o contexto especiacutefico de mulheres

em situaccedilatildeo de violecircncia em zonas agriacutecolas A academia poderia entatildeo ajudar a

colocar esse tema na agenda e a delimitar mais detidamente as manifestaccedilotildees da

estrutura social machista nesse contexto

Enfim acreditamos que uma contribuiccedilatildeo praacutetica estaacute relacionada agraves

evidecircncias encontradas de que a maior parte dos esforccedilos do poder puacuteblico para

69

atacar a violecircncia contra a mulher estaacute focada em campanhas de conscientizaccedilatildeo

Queriacuteamos apontar que uma contribuiccedilatildeo desse trabalho eacute apontar que as campanhas

de conscientizaccedilatildeo natildeo mudam nem a estrutura social nem os elementos extra-

discursivos das mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia como a necessidade de recursos

financeiros para poder sair de casa e caminhos institucionais para poder por exemplo

mudar os filhos de creche quando estatildeo nessa situaccedilatildeo

52 Limitaccedilotildees da Pesquisa

Apesar das contribuiccedilotildees teoacutericas e praacuteticas da pesquisa houve uma mudanccedila

no que se pretendia inicialmente estudar pela falta de dados acerca do contexto

agriacutecola e pouco contato das organizaccedilotildees com mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia

nesse contexto Dessa forma essa pesquisa eacute limitada porque apesar de querer

entender os diferentes contextos a compreensatildeo no contexto urbano foi muito maior

Nesse sentido os discursos coletados acerca do contexto agriacutecola eram

apontados pelos proacuteprios entrevistados como impressotildees infundadas por natildeo se

basearem na sua experiecircncia profissional nem em conhecimento teoacuterico pela

inexistecircncia de estudos Assim os discursos eram muito mais heterogecircneos do que os

que dizem respeito ao contexto urbano e demonstrou que natildeo haacute diagnoacutestico desse

problema e que os sentidos acerca do mesmo ainda estatildeo sendo construiacutedos pelos

profissionais que trabalham na aacuterea e por enquanto estaacute negociada mais a inaccedilatildeo do

que o como agir

Por fim como apontamos ao longo do trabalho natildeo encontramos experiecircncias

concretas de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia nas aacutereas

agraacuterias no estados de Goiaacutes e Satildeo Paulo Desta forma achamos relevante continuar

essa busca por experiecircncias que lidam com esse problema em uma pesquisa posterior

70

6 Referecircncias Bibliograacuteficas

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74

7 Anexos

71 Roteiro SEMIRA

1) Na sua opiniatildeo o que eacute poliacutetica de gecircnero Existe alguma

especificidade na hora de elaborar esse tipo de poliacutetica O que a diferencia eou

aproxima de poliacuteticas de outras aacutereas

2) O que vocecirc acredita que satildeo as causas das desigualdades de gecircnero A

SEMIRA combate as causas diretamente como

3) Como foi a evoluccedilatildeo do tratamento da questatildeo de gecircnero no Estado

Qual a estrutura organizacional da secretaria para lidar com a violecircncia de gecircnero

4) O que significa para vocecirc o fato de poliacuteticas de gecircnero serem

transversais Como isso se materializa na accedilatildeo da SEMIRA

5) Quais satildeo os desafios na hora de formular eou implementar poliacuteticas

transversais O machismo se manifesta nesses momentos na hora de lidar com outras

secretarias que natildeo atuam diretamente com a questatildeo de gecircnero

6) A mudanccedila para uma secretaria mais ampla em termos de temas

abarcados muda a maneira como a transversalidade eacute abordada Como

7) A transversalidade tambeacutem muda de acordo com os contextos urbanos

e rural Como ela se relaciona a esses contextos

8) Como o machismo se manifesta na sociedade E na aacuterea rural E na

aacuterea urbana Compare as duas Existem outros fatores culturais que diferenciam a

aacuterea rural e urbana e que influenciam a maneira como a violecircncia de gecircnero se

manifesta

9) Existe diferenccedila entre violecircncia de gecircnero nos acircmbitos rural e urbano

10) Se sim quais as implicaccedilotildees dessa diferenccedila E a secretaria incorpora

essa diferenccedila na formulaccedilatildeo das suas poliacuteticas puacuteblicas

11) O Estado consegue chegar a uma mulher viacutetima de violecircncia da

mesma maneira na aacuterea urbana e rural

12) Vocecirc sente diferenccedila na maneira como os funcionaacuterios policiais

delegados etc lidam com a violecircncia de gecircnero em zonas mais rurais ou urbanas

75

Como essa diferenccedila se manifesta e como a SEMIRA lida com a diferenccedila entre

atores parceiros

13) Como surgiu a SEMIRA Quais foram os atores importantes Qual

era e eacute a sua relaccedilatildeo da SEMIRA com outros oacutergatildeos do governo do Estado

14) Quais satildeo as poliacuteticas puacuteblicas da secretaria direcionadas para o

enfrentamento da violecircncia de gecircnero Como elas comeccedilaram Como elas

funcionam

15) Qual eacute o histoacuterico da poliacutetica dos ocircnibus multidisciplinares que vatildeo ao

campo Como foi a aceitaccedilatildeo pela populaccedilatildeo Continuidade

72 Formulaacuterio de Consentimento Entrevista

Mulheres em situaccedilatildeo de vulnerabilidade social Contextos Construccedilatildeo Simboacutelica

e Poliacuteticas Puacuteblicas

Beatriz Junqueira Kipnis

FGV-EAESP

Sou Beatriz Junqueira Kipnis aluna de graduaccedilatildeo em Administraccedilatildeo Puacuteblica

na Fundaccedilatildeo Getulio Vargas de Satildeo Paulo Estou fazendo uma pesquisa de iniciaccedilatildeo

cientiacutefica sob orientaccedilatildeo dos Prof Dr Marcus Vinicius Peinado Gomes e Prof Dr

Fernando Burgos O objetivo desta pesquisa eacute descobrir se e como os contextos

agriacutecola e urbano impactam na formulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em

situaccedilatildeo de violecircncia e quais as implicaccedilotildees de semelhanccedilas e diferenccedilas dos mesmos

para o cotidiano do puacuteblico beneficiaacuterio Gostariacuteamos de contar com a sua

participaccedilatildeo voluntaacuteria para a parte de campo da pesquisa pois acreditamos que

conhecer a experiecircncia praacutetica possibilitaraacute e enriqueceraacute as anaacutelises dessa pesquisa

Para isso deixamos explicitada nossa eacutetica de pesquisa e pedimos que assine esse

formulaacuterio em caso de consentimento

1 Confidencialidade

Esta entrevista tem como objetivo coletar informaccedilotildees para esta pesquisa e

portanto possui objetivo estritamente acadecircmico Qualquer comentaacuterio opiniatildeo ou

76

avaliaccedilotildees que vocecirc fizer seratildeo tratados com confidencialidade e analisados apenas

para os interesses desta pesquisa

2 Permissatildeo para citaccedilatildeo

Eu gostaria de poder citar diretamente trechos de nossa conversa nos relatoacuterios

e publicaccedilotildees oriundas desta pesquisa Caso deseje manter seu anonimato por favor

manifeste sua preferecircncia antes do iniacutecio da entrevista

3 Participaccedilatildeo

Sua participaccedilatildeo nesta pesquisa eacute voluntaacuteria e vocecirc natildeo receberaacute nenhum

pagamento para tal

Vocecirc pode decidir a qualquer momento por qualquer razatildeo em natildeo mais

fazer parte desta pesquisa Em caso de duacutevidas ou esclarecimentos vocecirc pode fazer

perguntas a mim em qualquer momento

3 Gravaccedilatildeo

Gostaria de pedir sua permissatildeo para gravar nossa entrevista com o uacutenico

proposito de facilitar o processo de pesquisa Se vocecirc natildeo concorda com a gravaccedilatildeo

por favor manifeste sua preferecircncia antes do iniacutecio da entrevista

Assinatura do Entrevistado ___________________________________________

Data _____________________________________________

Assinatura do Pesquisador _____________________________

Data _____________________________________________

Caso tenha alguma duacutevida sobre o estudo por favor entrar em contato com

Beatriz Kipnis bjkipnishotmailcom ou Dr Marcus Gomes marcusgomesfgvbr

Page 8: Fundação Getúlio Vargas Escola de Administração de ......mulheres de áreas agrícolas e se sentiam pouco à vontade para comentar sobre a violência contra mulheres nessas áreas.

8

2 Referencial Teoacuterico

21Poliacuteticas Puacuteblicas

211 O que satildeo poliacuteticas puacuteblicas e quais os seus processos

Poliacuteticas puacuteblicas podem ser entendido como a soma de accedilotildees e decisotildees que

ocorrem por parte de atores puacuteblicos ndash estatais ou natildeo ndash e natildeo puacuteblicos para resolver

uma situaccedilatildeo definida como um problema coletivo (SUBIRATS et al 2012) Saravia

(2006 P29) define poliacutetica puacuteblica como

()um sistema de decisotildees puacuteblicas que visa a accedilotildees ou omissotildees

preventivas ou corretivas destinadas a manter ou modificar a realidade de

um ou vaacuterios setores da vida social por meio da definiccedilatildeo de objetivos e

estrateacutegias de atuaccedilatildeo e da alocaccedilatildeo de recursos necessaacuterios para atingir os

objetivos estabelecidos

Isso significa que poliacutetica puacuteblica atraveacutes da accedilatildeo ou inaccedilatildeo age com

determinada finalidade e isso ocorre atraveacutes de um processo de definiccedilatildeo de

prioridades Encontramos evidecircncias ao longo da pesquisa de que esta inaccedilatildeo eacute

tambeacutem uma escolha em relaccedilatildeo ao problema da violecircncia de gecircnero em aacutereas

agriacutecolas Os entrevistados em geral tinham tido pouco ou nenhum contato com

mulheres de aacutereas agriacutecolas e se sentiam pouco agrave vontade para comentar sobre a

violecircncia contra mulheres nessas aacutereas Nesse sentido a falta de accedilatildeo foi uma escolha

poliacutetica tambeacutem por decidir natildeo se produzir dados acerca dessa violecircncia ndash como

seraacute demostrado ateacute haacute dois anos natildeo havia nenhuma iniciativa especificamente

direcionada para esse puacuteblico Enfim o impacto disso eacute um ciclo vicioso de falta de

poliacuteticas puacuteblicas gerando falta de dados sobre o problema que criam um discurso de

justificativa para a inaccedilatildeo

Uma poliacutetica puacuteblica passa por algumas etapas importantes que satildeo

sistematizadas em fases mas natildeo ocorrem necessariamente em ordem cronoloacutegica e

9

podem ser simultacircneas De acordo com Saravia (2006) essas fases satildeo agenda

elaboraccedilatildeo formulaccedilatildeo implementaccedilatildeo execuccedilatildeo acompanhamento e avaliaccedilatildeo A

agenda eacute a fase em que determinada situaccedilatildeo se transforma em problema puacuteblico

(SARAVIA 2006) ou seja quando o Estado decide realizar alguma decisatildeo puacuteblica

sobre determinado problema seja ela atraveacutes da accedilatildeo ou da omissatildeo A elaboraccedilatildeo eacute

quando satildeo traccediladas as diferentes alternativas de accedilatildeo do Estado frente a esse

problema (SARAVIA 2006) Depois a formulaccedilatildeo eacute quando uma alternativa eacute

escolhida e aprofundada para lidar com o problema (SARAVIA 2006) Em seguida

acontece a implementaccedilatildeo dessa alternativa isto eacute a preparaccedilatildeo em termos de

recursos materiais e humanos para realizar a poliacutetica puacuteblica (SARAVIA 2006) A

execuccedilatildeo por sua vez eacute a accedilatildeo em si a praacutetica do planejamento realizado (SARAVIA

2006) Depois o acompanhamento eacute o monitoramento da poliacutetica puacuteblica enquanto

ela estaacute em fase de execuccedilatildeo para poder fazer alteraccedilotildees se necessaacuterias e corrigir o

rumo de acordo com os objetivos pretendidos (SARAVIA 2006) Por fim a

avaliaccedilatildeo eacute a verificaccedilatildeo do desempenho da poliacutetica puacuteblica depois que ela foi

executada e pode ser medida em termos de eficiecircncia eficaacutecia e efetividade

Eacute importante ressaltar que todas as etapas das poliacuteticas puacuteblicas satildeo

influenciadas pelo discurso uma vez que poliacutetica puacuteblica natildeo eacute o resultado de uma

anaacutelise meramente racional e cientiacutefica e sim influenciada por julgamentos de valor e

significados atribuiacutedos aos problemas puacuteblicos embora a poliacutetica puacuteblica aconteccedila

atraveacutes dessas etapas a poliacutetica se realiza na negociaccedilatildeo dos significados Saravia

(2006) ressalta nesse sentido a importacircncia das instituiccedilotildees no processo das poliacuteticas

puacuteblicas como podemos perceber no trecho

Os estudos de poliacutetica puacuteblica mostram a importacircncia das insituiccedilotildees

estatais tanto como organizaccedilotildees pelas quais os agentes puacuteblicos (eleitos ou

administrativos) perseguem finalidades que natildeo satildeo exclusivamente respostas

a necessidades sociais como tambeacutem configuraccedilotildees e accedilotildees que estruturam

modelam e influenciam os processos econocircmicos com tanto peso como as

classes e os grupos de interesse (SARAVIA 2006 p 37)

10

Ou seja as poliacuteticas puacuteblicas satildeo produzidas dentro de um contexto

organizacional que influencia o desenho e o resultado que se atinge com uma poliacutetica

puacuteblica

212 O que e quem estaacute incluso no ldquopuacuteblicordquo tratado pelas poliacuteticas puacuteblicas

Como vimos na seccedilatildeo anterior existe uma negociaccedilatildeo sobre a definiccedilatildeo o que

satildeo problemas puacuteblicos e decidir a partir da definiccedilatildeo do problema como seratildeo

combatidos Nesse sentido uma das questotildees que vecircm agrave tona na delimitaccedilatildeo do

problema eacute a negociaccedilatildeo do sentido de lsquopuacuteblicorsquo uma vez que este natildeo eacute um conceito

consensual se tratando de um sentido tambeacutem em disputa (FREDERICKSON 1991)

Algumas perspectivas diferentes satildeo possiacuteveis para ressaltar a multiplicidade de

interpretaccedilotildees diferentes do que eacute entendido como puacuteblico De acordo com

Frederickson (1991) as principais perspectivas satildeo pluralista do public choice

legislativa do cliente e cidadatilde

A perspectiva pluralista eacute aquela que entende como puacuteblico a manifestaccedilatildeo da

interaccedilatildeo entre grupos de interesses que disputam o poder poliacutetico

(FREDERICKSON 1991) Esses grupos seriam meras agregaccedilotildees de pessoas com

interesses individuais sendo o interesse de cada grupo a aglomeraccedilatildeo dos interesses

particulares dos participantes Em decorrecircncia da disputa entre grupos de interesse o

interesse puacuteblico seria o grupo que vencesse tal luta Frederickson (1991) ressalta

como risco dessa perspectiva que o interesse puacuteblico resultante da disputa de grupos

de interesse natildeo seja a representaccedilatildeo efetiva tanto dos indiviacuteduos dentro dos grupos

quanto daqueles que natildeo fazem parte de grupos por natildeo serem interessantes

politicamente ou economicamente para tais aglomeraccedilotildees

Por sua vez a perspectiva do public choice manteacutem a ideia pluralista de que

um grupo eacute soacute uma agregaccedilatildeo de pessoas e que portanto o indiviacuteduo faz um caacutelculo

racional para aumentar sua eficiecircncia no setor puacuteblico (FREDERICKSON 1991)

Isso implica em uma visatildeo dos servidores puacuteblicos como maximizadores de interesses

particulares e que natildeo estariam interessados em maximizar o interesse coletivo

Enfim essa visatildeo entende o puacuteblico e o seu interesse como o do maior nuacutemero de

11

pessoas sendo utilitarista e consequentemente gerando a exclusatildeo de quem natildeo tem

recursos para fazer a escolha puacuteblica e a desconfianccedila nas motivaccedilotildees dos

governantes

Jaacute a perspectiva legislativa eacute aquela em que os administradores puacuteblicos

operam o que eacute decidido pelo legislativo (FREDERICKSON 1991) Este por sua vez

seria a arena de representaccedilatildeo legiacutetima do interesse puacuteblico O autor

(FREDERICKSON 1991) ressalta entretanto que na praacutetica as leis satildeo ambiacuteguas e

permitem interpretaccedilotildees diferentes por parte dos administradores puacuteblicos Aleacutem

disso haacute um conflito de forccedila em relaccedilatildeo ao que eacute exigido pelo executivo que os

administradores puacuteblicos executem em detrimento do legislativo No mais haacute outro

dilema nessa concepccedilatildeo porque representaccedilatildeo natildeo eacute algo que se encerra no

legislativo havendo outras arenas representativas como os grupos de interesse

anteriormente citados

Outra visatildeo possiacutevel eacute de puacuteblico como cliente em que os indiviacuteduos satildeo

consumidores dos serviccedilos puacuteblicos Isso implica no contato direto entre clientes e

burocratas de niacutevel de rua o que leva ao impasse de que os burocratas precisam

colocar as necessidades dos clientes como mais importantes e ao mesmo tempo

precisam ser imparciais impessoais (FREDERICKSON 1991) Aleacutem disso falta

verba para que a qualidade e quantidade dos serviccedilos puacuteblicos oferecidos atendam agraves

demandas dos clientes De acordo com Frederickson (1991) essa perspectiva seria

fraca porque clientes natildeo conseguem funcionar como puacuteblico isto eacute cada indiviacuteduo

agindo como cliente natildeo se articula enquanto grupos para defender seus interesse e os

burocratas podem se organizar enquanto grupo de interesse e conseguir suplantar os

clientes

Por fim podemos enxergar o puacuteblico como cidadatildeo o que significa que o

puacuteblico tem interesse proacuteprio e coletivo (FREDERICKSON 1991) Essa visatildeo

implica no papel da Administraccedilatildeo Puacuteblica de colocar em praacutetica os valores definidos

por uma constituiccedilatildeo No entanto essa perspectiva natildeo enxerga o legislativo como

arena de representaccedilatildeo final dos interesses puacuteblicos sendo que todos satildeo cidadatildeos e

devem ser contemplados pela administraccedilatildeo puacuteblica sendo ou natildeo minorias Entatildeo

faria parte do dever da administraccedilatildeo puacuteblica criar um arcabouccedilo institucional

12

possibilitador de participaccedilatildeo direta dos cidadatildeos e tambeacutem advogar pelos direitos de

minorias sem poder representativo A Administraccedilatildeo Puacuteblica tambeacutem deve nessa

perspectiva desenvolver e manter sistemas capazes de captar e responder os puacuteblicos

coletivos ou natildeo tendo em vista sempre o interesse do coletivo maior sem ferir os

direitos das minorias (FREDERICKSON 1991)

No mais a perspectiva do puacuteblico como cidadatildeo exige um entendimento da

cidadania de ambos os lados isto eacute a administraccedilatildeo puacuteblica deve enxergar o puacuteblico

como cidadatildeos mas os cidadatildeos precisam agir como tais Isso exigiria segundo

Frederickson (1991) o entendimento pelos cidadatildeos da constituiccedilatildeo e portanto dos

valores defendidos pela mesma e tambeacutem a capacidade de raciocinar moralmente

compatibilizando interesses particulares e coletivos tendo como medida o documento

constitucional Aleacutem disso seria essencial a crenccedila dos cidadatildeos em direitos

ldquonaturaisrdquo e natildeo na ideia de que a maioria teria poder legiacutetimo mas que todos tecircm

que ter esses direitos miacutenimos garantidos sendo ou natildeo parte da maioria

(FREDERICKSON 1991)

A reflexatildeo de Frederickson (1991) vai aleacutem de uma categorizaccedilatildeo sobre os

diferentes significados de puacuteblicos construiacutedos pela interaccedilatildeo do Estado e seus

cidadatildeos ao contraacuterio ressalta que a visatildeo sobre o que eacute lsquopuacuteblicorsquo natildeo eacute definido a

priori no ciclo de poliacuteticas puacuteblicas ao contraacuterio eacute negociada neste processo Neste

sentido a pluralidade normativa da visatildeo de lsquopuacuteblicorsquo faz parte da estrateacutegia

organizacional de determinado oacutergatildeo da Administraccedilatildeo Puacuteblica Isso porque as

praacuteticas cotidianas da organizaccedilatildeo transparecem determinado tratamento de puacuteblico e

acabam resultando em uma estrateacutegia organizacional que produz uma poliacutetica puacuteblica

com determinado vieacutes para o que eacute considerado puacuteblico

213 A produccedilatildeo de conhecimento e a importacircncia das praacuteticas cotidianas

Continuando esse o argumento da disputa de significados o conhecimento

tambeacutem eacute uma construccedilatildeo social e como tal estaacute sujeito a poderes em conflito e

mudanccedilas As poliacuteticas puacuteblicas satildeo influenciadas por essa construccedilatildeo social do

conhecimento uma vez que as situaccedilotildees dependem de uma significaccedilatildeo social para

13

serem consideradas como problemas puacuteblicos e portanto entrarem na agenda de

governo Nesse sentido o que eacute considerado como conhecimento vaacutelido faz parte de

uma ideia que a sociedade tem do que eacute legitimamente visto como conhecimento ou

natildeo e isso varia de acordo com tempo e lugar (SPINK 2001) Desde o berccedilo as

universidades satildeo um local onde essa tensatildeo entre conhecimento legitimado ou natildeo

persiste no cotidiano e satildeo espaccedilos em que a luta pelo reconhecimento da

heterogeneidade de conhecimentos muitas vezes fica em um segundo plano vis-agrave-vis

o conhecimento produzido pela proacutepria academia e desvinculado muitas vezes da

realidade cotidiana do objeto estudado (SPINK 2001)

Essa dicotomia entre produccedilatildeo de conhecimento nas universidades e na

praacutetica reduziu apenas recentemente sobretudo pela forccedila dos movimentos sociais

Eles mostraram que a sociedade civil produz conhecimentos relevantes para se

organizar e enfrentar os seus problemas do dia-a-dia sem necessariamente estarem

ligados ao conhecimento hegemocircnico do meio acadecircmico (SPINK 2001) Cresceu a

partir de entatildeo a noccedilatildeo de multiplicidade de conhecimentos e a importacircncia da

universidade reconhecer a importacircncia e estudar esses conhecimentos produzidos na

praacutetica

A construccedilatildeo desse leque de conhecimentos segundo Spink (2001) se daacute

sobretudo pela praacutetica vivida pelos grupos sociais na resoluccedilatildeo de problemas

enfrentados no cotidiano e que natildeo foram solucionados por organizaccedilotildees externas

Assim cada lugar eacute constituiacutedo de um contexto proacuteprio que tanto possibilita quanto

compele a produccedilatildeo de determinados conhecimentos

Dentro desses contextos uacutenicos de produccedilatildeo de conhecimento existem as

praacuteticas do cotidiano que fazem as organizaccedilotildees se construiacuterem enquanto tais e satildeo

tambeacutem por elas influenciadas As poliacuteticas puacuteblicas satildeo produzidas por organizaccedilotildees

e seus arranjos entre si ou seja satildeo influenciadas pelos contextos e praacuteticas do

mesmo Essas praacuteticas satildeo definidas por Schatzki (2007) como o conjunto de accedilotildees

estruturadas por uma organizaccedilatildeo Nessa visatildeo natildeo eacute a estrutura organizacional que

molda completamente as accedilotildees de seus constituintes mas uma relaccedilatildeo dialeacutetica em

que estruturas sociais e atores se influenciam mutuamente para formar as praacuteticas

desenvolvidas rotineiramente em uma organizaccedilatildeo As praacuteticas incluem segundo o

14

autor quatro fenocircmenos principais

(1) understandings of (complexes of know-hows regarding) the actions

constituting the practice for example knowing how to email and to recognize

emailing and knowing how to deliver and recognize lectures (2) rules by

which I mean explicit directives admonishments or instructions that

participants in the practice observe or disregard (3) something I call a

teleological-affective structuring which encompasses a range of ends

projects actions maybe emotions and end-project-action combinations

(teleological orderings) that are acceptable for or enjoined of participants to

pursue and realize and (4) general understandings for example general

understandings about the nature of work about proper teacherndashstudent

interactions or about the commonality of fate (SCHATZKI 2007)

As praacuteticas podem portanto ser definidas como participantes ativas da

estrateacutegia organizacional A estrateacutegia enquanto praacutetica eacute um conceito que faz a

conexatildeo entre a caracteriacutestica ativa e dialeacutetica das praacuteticas cotidianas e a proacutepria

formulaccedilatildeo de estrateacutegias dentro de uma organizaccedilatildeo Esse conceito estaacute ligado a uma

visatildeo construtivista das estrateacutegias dentro de uma organizaccedilatildeo isto eacute as estrateacutegias

natildeo satildeo estaacuteveis ao longo do tempo passam por um processo de definiccedilatildeo e

redefiniccedilatildeo conforme ganham ou perdem legitimaccedilatildeo interna e externa ao ambiente

organizacional (SOUZA 2009)

Nesse sentido as estrateacutegias de uma organizaccedilatildeo podem mudar ou

permanecer ao longo do tempo de acordo com a relaccedilatildeo dupla entre agentes e

estrutura esta sendo composta de recursos disponiacuteveis normas e regras presentes e

entendimento compartilhado (SOUZA 2009) Os recursos disponiacuteveis podem ser

materiais como o ambiente fiacutesico de uma organizaccedilatildeo ou imateriais como a

capacitaccedilatildeo para exercer uma atividade dentro da mesma Esses recursos satildeo objeto

de uma luta permanente porque satildeo eles que possibilitam a dominaccedilatildeo de uma

estrateacutegia ou seja quem deteacutem mais recursos acaba tendo mais poder na hora de

defender sua posiccedilatildeo vis-agrave-vis uma estrateacutegia organizacional (SOUZA 2009) As

15

normas e as regras podem ser formais como o estatuto de uma associaccedilatildeo que prevecirc

condutas permitidas eou exigidas para a participaccedilatildeo ou informais construiacutedas e

aceitas no cotidiano sem que sejam transcritas como o tipo de comportamento

considerado adequado dentro de determinada organizaccedilatildeo Satildeo as normas e regras

que constituem a legitimaccedilatildeo ou natildeo de estrateacutegias isto eacute elas permitem ou natildeo a

aceitaccedilatildeo de uma estrateacutegia em detrimento do que eacute aceito formal e informalmente no

ambiente organizacional (SOUZA 2009) Aleacutem disso haacute um entendimento

compartilhado em uma organizaccedilatildeo que significa as estrateacutegias isto eacute traduz

subjetivamente a estrateacutegia para uma dimensatildeo simboacutelica que eacute compreensiacutevel para a

realidade de seus agentes

Isso significa que formular e implementar estrateacutegias dentro de uma

organizaccedilatildeo satildeo processos inseridos dentro de um contexto permeado por

significaccedilotildees dominaccedilotildees e legitimaccedilotildees de discursos no cotidiano dos agentes e

portanto haacute uma tensatildeo constante e um diaacutelogo entre processos e contexto em que o

mesmo influencia e eacute influenciado pelos processos de definiccedilatildeoredefiniccedilatildeo de

estrateacutegia (SOUZA 2009) Assim podemos dizer que as organizaccedilotildees natildeo produzem

estrateacutegias no vaacutecuo jaacute que as praacuteticas que as constituem soacute satildeo significadas quando

satildeo ativadas pelos agentes e possibilitadas pelo contexto interno e externo agrave

organizaccedilatildeo tornando o contexto um elemento essencial para estudar as estrateacutegias

em organizaccedilotildees

Dessa forma poliacuteticas puacuteblicas podem ser entendidas como uma estrateacutegia

constantemente definida e redefinida em funccedilatildeo das negociaccedilotildees sobre os sentidos

dos problemas puacuteblicos A estrutura organizacional se torna entatildeo natildeo apenas

relevante para a determinaccedilatildeo da capacidade material de resoluccedilatildeo de um problema

social mas tambeacutem delimita um lugar simboacutelico sobre as possibilidades de accedilatildeo para

enfrentaacute-lo

22 Contextos onde as poliacuteticas puacuteblicas acontecem

No acircmbito dessa pesquisa pretendemos nos focar em principalmente dois

contextos diferentes que permeiam o processo de formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de

16

poliacuteticas puacuteblicas enquanto estrateacutegias de organizaccedilotildees da Administraccedilatildeo Puacuteblica

Podemos falar nos lugares e na diferenciaccedilatildeo entre contextos urbano e agriacutecola como

fator que influencia e eacute influenciado pelo ciclo de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em

situaccedilatildeo de violecircncia

Os contextos impactam nas praacuteticas e arranjos materiais disponiacuteveis em

determinado lugar (SPINK 2001) O lugar eacute onde ocorre a troca entre contexto

praacuteticas e arranjos como contextos agriacutecola e urbano estruturas organizacionais e

negociaccedilatildeo de sentidos e estrateacutegias para lidar com problemas puacuteblicos De acordo

com Milton Santos (2001) os lugares satildeo espaccedilos esquizofrecircnicos porque satildeo onde se

verificam os vetores da globalizaccedilatildeo e tambeacutem da contraordem O papel do lugar eacute

natildeo soacute onde se vive mas um lsquoespaccedilo vividorsquo em que satildeo reproduzidas eou

reavaliadas processos do passado e onde se projeta o futuro (SANTOS 2001) Nesses

lugares ocorrem os embates entre soluccedilotildees imediatistas e visotildees finaliacutesticas

conjuntura e estrutura (SANTOS 2001)

A ideia de lugar compreende a importacircncia dos processos construiacutedos e que

constroem um contexto Schatzki (2005) em sua teoria sobre como satildeo construiacutedos

os fenocircmenos sociais afirma que estes estatildeo ligados aos lugares

Sites however are a particularly interesting sort of context What

makes them interesting is that context and contextualized entity constitute one

another what the entity or event is is tied to the context just as the nature and

identity of the context is tied to the entity or event (among others)(p 468)

Essa definiccedilatildeo eacute entatildeo especificada ao social em que o lugar ldquodo social eacute

composto de nexos de praacuteticas e arranjos materiaisrdquo (SCHATZKI 2005 p471) As

praacuteticas seriam as atividades humanas e os arranjos materiais incluem as pessoas os

artefatos outros organismos e coisas

Os fenocircmenos sociais fazem parte das teias formadas dentro dos lugares e da

relaccedilatildeo entre eles sendo ao mesmo tempo produto e alimento desses lugares As

organizaccedilotildees de acordo com o autor (SCHATZKI 2005) seriam um desses

fenocircmenos sociais Fazendo parte dessa teia as organizaccedilotildees satildeo constituiacutedas por

praacuteticas sobreviventes previamente de outras organizaccedilotildees (vindas com as

17

experiecircncias passadas dos indiviacuteduos que a constituem) e uma mistura de praacuteticas do

presente que satildeo alteradas ou natildeo para materializar a razatildeo de existecircncia da

organizaccedilatildeo e arranjos materiais velhos e novos (SCHATZKI 2005 p476) Schatzki

(2005) ressalta que trecircs pontos satildeo essenciais para compreender uma organizaccedilatildeo

identificar as accedilotildees que a compotildeem identificar o conjunto de praacuteticas e arranjos

materiais em que as accedilotildees estatildeo inseridas identificar as outras teias de conjuntos de

praacuteticas e arranjos que se ligam agrave teia que compotildee a organizaccedilatildeo

Podemos clarificar ainda mais a ideia de lugares com a contribuiccedilatildeo de Spink

(2001) que define lugar como ldquoponto de partida para refletir sobre a organizaccedilatildeo

porque permite um olhar a partir de um enraizamento na processualidade do cotidiano

e fora dos muros das organizaccedilotildeesrdquo (SPINK 2001 p18) Esse termo tambeacutem foca

nos processos construiacutedos pelos indiviacuteduos suas relaccedilotildees e o contexto nos quais

participam e as organizaccedilotildees como parte desses processos em que haacute tensotildees e natildeo

como uma entidade que existe sem a accedilatildeo de pessoas Aleacutem disso Spink (2001)

ressalta a importacircncia da construccedilatildeo social dos sentidos que damos agraves accedilotildees e

materialidades que compotildeem o cotidiano o que dialoga com a ideia de Schatzki

(2005) de como compreender as accedilotildees dos indiviacuteduos

Assim pretendemos compreender as regiotildees agriacutecola e urbana como lugar

que satildeo indissociaacuteveis daquilo que os constituem (Spink 2001 SCHATZKI 2005)

enquanto praacuteticas e arranjos constitucionais observaacuteveis materialmente a partir de

organizaccedilotildees puacuteblicas O estudo das organizaccedilotildees que formulam e implementam

essas poliacuteticas puacuteblicas eacute importante para entender quais os conjuntos de praacuteticas e

arranjos materiais que formam o contexto das poliacuteticas puacuteblicas em questatildeo e se

existem ligaccedilotildees e sobreposiccedilotildees entre praacuteticas eou arranjos materiais dessas

organizaccedilotildees

221 Cidades Urbanas e Agriacutecolas

Precisamos entatildeo definir o que satildeo regiotildees agriacutecolas e regiotildees urbanas como

lugar no qual as poliacuteticas puacuteblicas estatildeo inseridas Santos (1996) trouxe essa nova

tipologia de cidades agriacutecolas e urbanas porque as mudanccedilas econocircmicas impactaram

18

a organizaccedilatildeo do espaccedilo geograacutefico de tal forma que as atividades urbanas e rurais

existem em todas as regiotildees Assim natildeo haacute mais uma separaccedilatildeo em aacutereas rurais e

urbanas de acordo com distinccedilatildeo econocircmica sendo que o novo ldquocriteacuterio de distinccedilatildeo

seria devido muito mais ao tipo de relaccedilotildees realizadas sobre os respectivos

subespaccedilosrdquo (SANTOS 1996 p 67)

Segundo ele ldquonas regiotildees agriacutecolas eacute o campo que sobretudo comanda a

vida econocircmica e social do sistema urbano enquanto nas regiotildees urbanas satildeo as

atividades secundaacuterias e terciaacuterias que tecircm esse papelrdquo (SANTOS 1996 p 68)

Apesar dessa predominacircncia que permite a distinccedilatildeo existem nos dois tipos de

regiotildees cidades e zonas de atividade rural mas nas regiotildees agriacutecolas a cidade existe

para suprir as necessidades do campo e das pessoas que o habitam enquanto nas

regiotildees urbanas as zonas de atividade rural existem para suprir as necessidades das

cidades e as pessoas que a habitam (SANTOS 1996) Assim essa tipologia eacute

importante para definir os contextos das poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo

de violecircncia jaacute que loacutegicas diferentes as constituem apontando praacuteticas e arranjos

materiais tambeacutem diversos

23 Gecircnero Machismo e Violecircncia de Gecircnero

As discussotildees sobre gecircnero na academia tecircm sido concentradas em uma

perspectiva discursiva que distingue completamente sexo de gecircnero colocando o

primeiro como parte de uma esfera bioloacutegica e o segundo como uma construccedilatildeo

social desvinculada da primeira (CAROLAN 2005) Nesse sentido Carolan (2005)

aponta um risco de gerar um reducionismo ao julgar gecircnero apenas como uma

construccedilatildeo social sem levar em consideraccedilatildeo os elementos extra-discursivos que

dialeticamente significam e ressignificam os papeis de gecircnero Segundo Carolan

(2005 p5)

Sociology has been correct to take care so as to not legitimate

ideologically-driven biological determinism and the socio-political

ramifications that accompany such proclamations My concern however is

19

that this apprehension toward determinism has become too one-sided With

all of our handringing about the dangers of ldquobringing nature back inrdquo to

sociological analyses due to its deterministic undertones we remain

incorrigibly blind to the other side of the coin to the appalling prospects of

an equally dangerous cagemdashcultural determinism In our rush to condemn the

fixed-biological we often (mistakenly) overly prescribe mutability and fluidity

to the socio-cultural We must thus stay vigilant to all prescriptions of

determinismmdashbiological and otherwisemdashwhile concomitantly remaining open

to the multidirectional causal potentials that constitute a stratified rooted

and emergent reality

Dessa forma eacute importante levar em conta tanto os niacuteveis discursivos quanto

extra-discursivos da construccedilatildeo de gecircnero dentro de uma estrutura social que dialoga

com esses elementos Assim os elementos extra-discursivos podem ser tanto

bioloacutegicos como apontados no trecho acima mas podem ser tambeacutem outras

materialidades que podem ser causa e efeito ao mesmo tempo da construccedilatildeo social

dos papeis de gecircnero como a desigual inserccedilatildeo no mercado de trabalho e os salaacuterios

desiguais para as mesmas posiccedilotildees Por exemplo se as mulheres tecircm menor inserccedilatildeo

no mercado de trabalho isso eacute fruto de uma construccedilatildeo social dos papeis de gecircnero

mas tambeacutem reforccedila os mesmos papeis em um jogo dialeacutetico porque as mulheres

ficam em uma posiccedilatildeo pouco empoderada acerca de como decidir a alocaccedilatildeo dos

recursos em casa e mais vulneraacuteveis para conseguir materialmente sair de casos de

violecircncia

Nesse contexto o machismo pode ser entendido como uma estrutura social

subjetiva construiacuteda a partir da existecircncia de gecircnero como uma classificaccedilatildeo criada

socialmente mas que alimenta e eacute alimentada por materialidades extra-discursivas O

machismo se configura entatildeo como algo abstrato que natildeo pode ser visto

materialmente Como coloca Sayer (1998 p 159-160)

()unobservable natural forces as well as structures of a language or

tules of a game can be and frequently are described and known Thus while

20

the unobservable wind can be known to be responsible for the flying hat or the

swirling leaves the rules of grammar facilitating the speech acts of some

group or the secret code used by children to send messages to each other

may each be quite unproblematically retroducible andor describable By

demonstrating the empirical adequacy of theories of gravitational and

magnetic fields social rules and relations structures of languages and so

forth these items can be known whether or not they can be directly observed

O machismo pode ser considerado como um item abstrato conforme

apresentado por Sayer (1998) que podem ser conhecidos mesmo que natildeo possam ser

observados diretamente Para fazer isso devemos tentar acessar a estrutura social

pelas suas manifestaccedilotildees tanto discursivas quanto extra-discursivas Especificamente

sobre as relaccedilotildees de gecircnero Sayer discorre sobre como podemos observaacute-la na

praacutetica (SAYER 1998 p160)

Even a single maintained hypothesis can be continually assessed by

examining the range of phenomena it bears upon In other words the

empirical adequacy of any hypothesis can be progressively checked-out by

deducing such implications as follow with regard to any domain for which

such implications hold and can in practice be observed Where it is argued

for example that gender relations in many societies are such that mechanisms

are reproduced which serve to discriminate against women in favout of men

this assessment can be checked out against detectable patterns occurring in

for example factories homes schools and universities and any other place

where the mechanism will conceivably reveal its effects

Podemos entatildeo acessar a estrutura social machista sobretudo atraveacutes de pelo

menos dois tipos de manifestaccedilotildees materiais ou seja as diferenccedilas objetivas como a

distribuiccedilatildeo de recursos e bens e subjetivas como se daacute a percepccedilatildeo da sociedade

sobre os papeis de gecircnero (GOMES 2014a) Corroborando Lorente (2015) tambeacutem

apresenta o machismo como uma estrutura social

21

Inequality is a construction based on the male design of society and

developed to determine the relationships within it It is neither an error nor an

uncontrolled drift It is a decision to establish a structure of power that

provides benefits and privileges to those in a superior position men and

denies rights and opportunities to those in an inferior position women

Violence against Women (VAW) is an instrument to maintain this structure

part of the tools to guarantee that it works () Violence against women is

different from other forms of violence due to its motivations goals

circumstances and meaning It is the only violence supported by social and

cultural ideas and the only one that is accepted and justified by part of

society (LORENTE 2015)

A violecircncia de gecircnero surge entatildeo como uma manifestaccedilatildeo dessa estrutura

social machista com implicaccedilotildees objetivas e subjetivas A violecircncia fiacutesica e

patrimonial podem ser entendidas como uma manifestaccedilatildeo material da estrutura

social enquanto outras violecircncias como a psicoloacutegica satildeo mais subjetivas e ligadas ao

asseacutedio moral (TRERJ 2013) uma forma de apreciaccedilatildeo negativa mais ligada ao

discurso poreacutem com implicaccedilotildees objetivas fortes como a proibiccedilatildeo da mulher de sair

de casa e trabalhar ou o desenvolvimento de doenccedilas psicoemocionais como

depressatildeo Aleacutem disso a violecircncia de gecircnero de todos os tipos estaacute permeada por

manifestaccedilotildees objetivas e subjetivas objetivas na vulnerabilidade em termos de

recursos materiais das mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia e subjetivas na exposiccedilatildeo agrave

apreciaccedilatildeo da famiacutelia da comunidade e das instituiccedilotildees puacuteblicas para atender a essas

mulheres que muitas vezes reproduzem papeis tradicionais de gecircnero ligados agrave

estrutura social machista

Afim de compreendermos a estrutura social machista nos diferentes contextos

agriacutecola e urbano vamos nos apoiar metodologicamente no Realismo Criacutetico sobre a

qual nos debruccedilaremos na seccedilatildeo a seguir Esta metodologia nos permite acessar

aspectos da estrutura social atraveacutes de suas manifestaccedilotildees Assim poderemos

compreender melhor as dialeacuteticas entre estrutura social manifestaccedilotildees discursivas e

22

manifestaccedilotildees extra-discursivas e do discurso em accedilatildeo Dessa maneira pretendemos

informar a accedilatildeo do Estado para combater essa estrutura social machista sobretudo a

sua manifestaccedilatildeo enquanto violecircncia de gecircnero

23

3 Metodologia

A partir da revisatildeo da literatura entendemos que as poliacuteticas puacuteblicas e suas

estrateacutegias satildeo definidas e redefinidas em um processo de embate entre discursos e

significaccedilotildees Este processo estaacute inserido em um lugar que influencia e eacute influenciado

pela negociaccedilatildeo de sentidos Especialmente no que diz respeito agrave violecircncia contra a

mulher estamos examinando para uma estrutura social machista e procurando

entender como os contextos influenciam a formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de poliacuteticas

puacuteblicas para aacutereas agriacutecolas e urbanas de acordo com as diferentes manifestaccedilotildees da

estrutura social nesses contextos Desta forma a pergunta de pesquisa que surge para

este trabalho eacute A estrutura social do machismo se manifesta da mesma maneira

nos contextos agriacutecola e urbano

Dela decorrem os seguintes objetivos secundaacuterios

a) Haacute ou natildeo diferenccedilas na manifestaccedilatildeo do machismo especificamente em

termos de violecircncia de gecircnero nas zonas urbana e agraacuteria

b) Como essas manifestaccedilotildees do machismo satildeo impactadas e impactam a

formulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia

Conforme discutiremos mais adiante nesse capiacutetulo e na seccedilatildeo 4 de anaacutelise

dos dados encontramos poucas evidecircncias de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em

situaccedilatildeo de violecircncia nas aacutereas agraacuterias de Goiaacutes e Satildeo Paulo Entretanto este

silecircncio eacute um interessante achado de pesquisa pois foi possiacutevel compreender como a

ausecircncia dessas poliacuteticas impacta a vida das mulheres desse contexto Esta anaacutelise

fica mais evidente quando debruccedilamos sobre as poliacuteticas puacuteblicas disponiacuteveis para as

mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia em aacutereas urbanas e que ainda assim natildeo tecircm seus

direitos garantidos como iremos perceber na anaacutelise das entrevistas

31 Realismo Criacutetico e a violecircncia de gecircnero

Escolhemos e o Realismo Criacutetico como ontologia ou seja como teoria do

conhecimento cientiacutefico porque acreditamos que ele nos ajudaraacute a compreender

24

melhor como os contextos agraacuterio e urbano influenciam e satildeo influenciados na

formulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas mas tambeacutem por uma questatildeo normativa

Acreditamos na perspectiva ontoloacutegica do realismo criacutetico de que os seres humanos

satildeo agentes com capacidade accedilatildeo sobre a realidade e que tambeacutem satildeo produtores de

significados e tambeacutem na necessidade natildeo soacute de explicar o mundo mas de modificaacute-

lo

No entanto acrescenta-se agrave nossa existecircncia dialeacutetica enquanto seres humanos

com o mundo a noccedilatildeo de que este existe independentemente da nossa apreensatildeo

semioacutetica ou natildeo dele sendo este o principal ponto de divergecircncia do criacutetico realismo

em relaccedilatildeo ao construtivismo (BHASKAR 2012 FAIRCLOUGH 2010 GOMES

2014b) Isto significa que a estrutura social eacute composta de loacutegicas agraves quais damos

sentidos e tambeacutem loacutegicas que natildeo apreendemos e interpretamos estando latentes

para essa interpretaccedilatildeo mas ainda assim influenciando e sendo influenciadas por

nossa accedilatildeo no mundo

O realismo criacutetico tambeacutem se enquadra nas nossas perspectivas de pesquisa

porque ele apresenta uma ontologia estratificada como uma estrateacutegia para evitar o

tradeoff entre agentes e estrutura (BHASKAR 2012) Isso porque o realismo criacutetico

coloca trecircs niacuteveis da vida social o real o atual e o empiacuterico que interagem entre si

dialeticamente (BHASKAR 2012) desde modo natildeo estamos lidando com uma

situaccedilatildeo em que a estrutura social define tudo nem que os agentes definem tudo

ambos satildeo relevantes e se influenciam mutuamente

Para melhor entendermos essas esferas vamos defini-las O real consiste na

esfera abstrata das estruturas sociais ou naturezas (FAIRCLOUGH 2010 GOMES

2014b) Esses integrantes do plano real satildeo objetos latentes ou seja que tecircm um

potencial Isso reforccedila a ideia de que mesmo estruturas semioacuteticas existem antes dos

atores (FAIRCLOUGH 2010 GOMES 2014b BHASKAR 2012) A esfera do atual

eacute permeada pelas praacuteticas sociais ou seja o que acontece quando elementos do

mundo real satildeo ativados e produzem transformaccedilotildees ou reproduccedilotildees

(FAIRCLOUGH 2010 GOMES 2014b) Esse plano atual eacute o que faz a mediaccedilatildeo

entre o plano real e o plano empiacuterico que por sua vez consiste nos eventos sociais e

accedilotildees Ou seja o empiacuterico eacute uma parte dos outros planos que eacute experimentado

25

efetivamente por agentes (FAIRCLOUGH 2010)

Eacute importante ressaltar que o processo causal colocado pelo realismo criacutetico

natildeo eacute o mesmo que o positivismo empiacuterico defende isto eacute a identificaccedilatildeo de

regularidades entre causa e efeito Na verdade o processo causal seria o estudo do

que ativa os poderes latentes do real para produzir mudanccedila (FAIRCLOUGH 2010

BHASKAR 2012) Aleacutem disso quando e se esses poderes satildeo ativados os efeitos

dessa ativaccedilatildeo varia de acordo com o tempo e espaccedilo (FAIRCLOUGH 2010

GOMES 2014b)

Uma ontologia baseada no Realismo Criacutetico ressalta a importacircncia dos

discursos e tambeacutem eacute uma abordagem que busca natildeo soacute entender a realidade mas

modificaacute-la como abordamos anteriormente Mas quais as implicaccedilotildees para a anaacutelise

das poliacuteticas puacuteblicas

O processo das poliacuteticas puacuteblicas sobre o qual discorremos anteriormente eacute

perpassado em todas as etapas pelos discursos dos atores envolvidos tanto interna

quanto externamente ao processo Aleacutem disso as poliacuteticas puacuteblicas satildeo um meio de

mudar a realidade como proposto pelo Realismo Criacutetico

Como vimos a violecircncia de gecircnero eacute um termo que passou por diferentes

significaccedilotildees ao longo do tempo e diferentes atores envolvidos Por exemplo antes

era visto pela sociedade e apreendida pelo Estado como uma situaccedilatildeo da esfera

privada e se restringia agrave violecircncia fiacutesica e hoje em dia passou a ser visto pelo Estado

como um problema puacuteblico considerando diferentes formas de violecircncia contra a

mulher No primeiro periacuteodo o movimento feminista brasileiro natildeo era detentor do

discurso dominante e lutava para conseguir visibilidade ao tema isto eacute para que

fosse considerado como um problema puacuteblico Ou seja as poliacuteticas puacuteblicas satildeo o

resultado do conflito entre discursos de diferentes atores e a significaccedilatildeo dada agraves

situaccedilotildees muda conforme o resultado desse conflito

Aleacutem disso podemos situar nosso referencial teoacuterico em termos da

estratificaccedilatildeo do Realismo Criacutetico A esfera do real no tema em questatildeo eacute permeada

pelas relaccedilotildees desiguais de poder entre gecircneros A esfera real pode ser acessada por

suas manifestaccedilotildees na esferas atual e empiacuterica

Na esfera do atual podemos pensar nas praacuteticas sociais que transformaram

26

uma situaccedilatildeo no caso a violecircncia contra as mulheres em problema puacuteblico passiacutevel

de intervenccedilatildeo via poliacuteticas puacuteblicas voltadas para lidar com a violecircncia de gecircnero

atraveacutes da sua inclusatildeo na agenda puacuteblica Isso pode ser visto pela dificuldade de se

tratar a violecircncia de gecircnero atraveacutes das instacircncias legais e juriacutedicas usuais Isto eacute

essas instacircncias tradicionais estavam permeadas por uma loacutegica machista que

precisava ser formalmente desfeita para poder comeccedilar a se abordar a questatildeo a partir

de outra perspectiva A violecircncia de gecircnero ter sido vista como uma questatildeo da esfera

domeacutestica e portanto privada tambeacutem faz parte desse machismo da esfera real que

precisou do aparato legal para caracterizaacute-la enquanto problema da esfera puacuteblica

Nesse sentido entra a importacircncia dos contextos urbano e agriacutecola dos territoacuterios

como elementos influenciadores e influenciados pelas poliacuteticas puacuteblicas para

mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia fornecendo um contexto sobre o qual os discursos

satildeo construiacutedos Certamente estes natildeo satildeo os uacutenicos lugares que influenciam os

discursos sobre a violecircncia de gecircnero e consequentemente as estrateacutegias para

combatecirc-lo (ie as poliacuteticas puacuteblicas)

Por fim a esfera do empiacuterico consiste no discurso em accedilatildeo por meio das

poliacuteticas puacuteblicas Um exemplo foi o conturbado processo de aprovaccedilatildeo da LMP

(MACIEL 2011) e tambeacutem as tentativas de provar sua inconstitucionalidade que

teve que ir ao STF pela AGU (MACIEL 2011) para conseguir ser aprovado

Tambeacutem a atual dificuldade de conseguir a aceitaccedilatildeo e implementaccedilatildeo da LMP por

parte dos operadores juriacutedicos (MACIEL 2011) demonstra a penetraccedilatildeo do

machismo em nossa sociedade Como podemos ver pelo retrato das questotildees

anteriormente citadas ainda estamos lidando basicamente com violecircncia sexual

apesar da tipificaccedilatildeo abranger outros tipos de violecircncia como as psicoloacutegicas e

morais que ainda ocorrem cotidianamente e satildeo naturalizadas denunciando a forccedila

do machismo na esfera do real Enfim essa uacuteltima esfera assim como as demais e a

relaccedilatildeo entre elas poderatildeo ser melhor retratadas quando partirmos a anaacutelise da

pesquisa de campo em que teremos contato com os agentes

De acordo com o realismo criacutetico podemos pensar em problemas a partir de trecircs

domiacutenios o real o atual e o empiacuterico (FAIRCLOUGH 2010) No tema em questatildeo

a esfera do real pode ser entendida como a estrutura social do machismo isto eacute uma

27

desigualdade de gecircnero que estaacute latente no funcionamento da sociedade e acaba sendo

reforccedilada pelos domiacutenios do atual e do empiacuterico Nesse trabalho o domiacutenio do atual

seriam os discursos sobre a desigualdade de gecircnero e a violecircncia de gecircnero que satildeo

manifestaccedilotildees da estrutura social machista ou para reforccedilar essa estrutura ou para

tentar transformaacute-la Por fim o domiacutenio empiacuterico satildeo nesse caso as poliacuteticas e accedilotildees

puacuteblicas formuladas eou implementadas para combater a violecircncia contra a mulher

32 Anaacutelise Criacutetica de Discurso

Afim de buscarmos nosso objetivo que eacute entender as diferenccedilas entre

poliacuteticas puacuteblicas em contextos agriacutecola e urbano utilizaremos a metodologia da

ACD Segundo a ACD o discurso eacute ativo isto eacute que influencia tanto a percepccedilatildeo da

realidade quanto o comportamento de pessoas dentro de uma organizaccedilatildeo

(PUTNAM et al 2004) Eacute importante destacarmos a diferenccedila entre texto e discurso

Textos satildeo todas as peccedilas linguiacutesticas sejam escritas ou faladas Jaacute discursos satildeo

enunciados de locutores que utilizam textos para tentar exercer influecircncia sobre

terceiros (ALVES 2006) O conceito de discurso organizacional engloba duas

maneiras diferentes de olhar para o discurso conversas e diaacutelogos ou narrativas e

histoacuterias Quando se trata de conversas significa a troca de mensagens entre duas ou

mais pessoas que ao realizarem uma interconexatildeo temporal ou significativa entre

textos moldam outras conversas eou accedilotildees futuras E diaacutelogo seria a possibilidade de

gerar novos significados atraveacutes de momentos de questionamento do contiacutenuo de uma

conversa Jaacute as narrativas percebem a construccedilatildeo social do sentido sendo estas visotildees

de mundo construiacutedas pelo locutor e seus interlocutores As histoacuterias satildeo por sua vez

a reinterpretaccedilatildeo de fatos atraveacutes do olhar de cada locutor interlocutor

A anaacutelise discurso eacute uma ferramenta interessante para analisar poliacuteticas

puacuteblicas uma vez que nos permite entender a poliacutetica atraveacutes das pessoas que

formulam eou implementam a poliacutetica Conhecendo as pessoas que fazem uma

poliacutetica puacuteblica acontecer e analisando suas conversas diaacutelogos e histoacuterias podemos

entender a significaccedilatildeo dada pelas pessoas dos processos que vivenciam Ou seja eacute

possiacutevel sair de um discurso formal para analisar quais satildeo as relaccedilotildees de poder no

28

acircmbito de uma poliacutetica puacuteblica e quais satildeo os sentidos dados para os temas

trabalhados que impedem ou proporcionam mudanccedilas materiais na evoluccedilatildeo de uma

poliacutetica puacuteblica

Algumas perspectivas epistemoloacutegicas satildeo possiacuteveis na anaacutelise de discurso

organizacional sendo as principais abordagens a positivista a construtivista e a poacutes-

modernista (PUTNAM et al 2004) e a criacutetico realista (FAIRCLOUGH 2010) Antes

de definir essas abordagens eacute importante diferenciarmos as perspectivas possiacuteveis

para a linguagem A ldquolinguagem em usordquo eacute aquela visatildeo que aborda o discurso como

tendo uma funccedilatildeo na criaccedilatildeo de uma ordem social no cotidiano da organizaccedilatildeo Seu

foco estaacute portanto na anaacutelise de discurso no momento presente da organizaccedilatildeo

(PUTNAM et al 2004 pg 9) Jaacute a abordagem da ldquolinguagem em contextordquo leva em

conta fatores histoacutericos e sociais que influenciam a produccedilatildeo disseminaccedilatildeo e

consumo de textos (PUTNAM et al 2004 pg 10) Ou seja leva em consideraccedilatildeo o

passado e os possiacuteveis efeitos futuros do discurso organizacional Dentro dessa

diferenciaccedilatildeo podemos esclarecer de onde derivam as diferentes abordagens

metodoloacutegicas A ldquolinguagem em usordquo eacute utilizada pelos positivistas e a ldquolinguagem

em contextordquo eacute a abordagem levada em consideraccedilatildeo pelos construtivistas (PUTNAM

et al 2004)

O pensamento positivista se preocupa em identificar padrotildees nas interaccedilotildees

discursivas Dessa maneira tratam o discurso como principal variaacutevel de anaacutelise e

natildeo acreditam que o discurso tenha caraacuteter poliacutetico Buscam entatildeo identificar uma

narrativa uacutenica ou um conjunto de significados compartilhados entre membros de

uma organizaccedilatildeo (PUTNAM et al 2004)

A abordagem construtivista por sua vez estuda como o discurso constitui e

reconstitui arranjos sociais dentro dos diferentes contextos das organizaccedilotildees Essa

perspectiva defende a natureza poliacutetica do discurso pela sua utilizaccedilatildeo para produzir

manter ou resistir a diferentes formas de poder Desse modo como afirma Gomes

(GOMES 2014b) o domiacutenio do discurso eacute em si um recurso de poder e faz parte da

luta pela hegemonia

Dentro do guarda-chuva da abordagem construtivista existe um ramo

chamado anaacutelise criacutetica do discurso cuja metodologia considera importante ambos os

29

tipos de linguagem sendo a ldquolinguagem em usordquo importante para identificar como

regras e estruturas em interaccedilotildees discursivas constituem identidades e levam agrave sua

institucionalizaccedilatildeo e a lsquolinguagem em contextorsquo importante para compreender os

diferentes significados para o mesmo texto dependendo do contexto em que o

discurso estaacute inserido A Anaacutelise Criacutetica do Discurso (ACD) enxerga as organizaccedilotildees

como sendo os locais onde ocorrem a luta entre os discursos pela dominaccedilatildeo sendo

que cada grupo luta para que seus interesses moldem exerccedilam eou resistam ao

controle social dentro da entidade Assim o foco dessa perspectiva eacute como o discurso

constitui e eacute constituiacutedo pelas praacuteticas sociais

Os poacutes-modernistas criticam a anaacutelise criacutetica do discurso uma vez que se

voltam novamente ao texto ou seja agrave lsquolinguagem em usorsquo e apontam para a

bipolaridade da anaacutelise criacutetica do discurso que exclui todos os discursos fora da

loacutegica de poder e resistecircncia Essa abordagem defende que os textos satildeo repletos de

metaacuteforas para organizar e representar uma gama de significados variados que

estariam marginalizados Para isso a desconstruccedilatildeo dos textos eacute a principal

ferramenta dessa perspectiva

Apesar da resistecircncia dos poacutes-modernistas agrave anaacutelise criacutetica do discurso

entendemos que essa metodologia eacute interessante para essa pesquisa uma vez que ela

nos permite entender os significados e a disputa de poder embutida nessas

significaccedilotildees Mas para aleacutem disso a anaacutelise criacutetica do discurso nos permite

compreender as consequecircncias materiais dessa disputa do poder (GOMES 2014b)

Aleacutem disso outro ponto interessante que diferencia a Anaacutelise Criacutetica do

Discurso eacute a incorporaccedilatildeo de trecircs niacuteveis de discurso micro meso e macro (OSWICK

PHILLIPS 2012) Assim o discurso estaacute dentro de uma situaccedilatildeo dentro de uma

instituiccedilatildeo e dentro da sociedade respectivamente (OSWICK PHILLIPS 2012) Em

outras palavras

Based on these three different levels undertaking CDA involves (i)

the examination of the language in use (the text dimension) (ii) the

identification of processes of textual production and consumption (the

discursive practice dimension) and (iii) the consideration of the institutional

30

factors surrounding the event and how they shape the discourse (the social

practice dimension) (OSWICK PHILLIPS 2012 p 457)

Nesse sentido a Anaacutelise Criacutetica do Discurso relaciona esses trecircs niacuteveis ao

mesmo tempo que incorpora uma visatildeo criacutetica do discurso homogecircneo Busca dessa

forma compreender seus fundamentos para interrogaacute-lo e gerar mudanccedila social

como veremos na proacutexima seccedilatildeo

A escolha da ACD se deve primeiramente porque acreditamos que a realidade

social natildeo pode ser vista com um olhar positivista tentando encontrar padrotildees nas

interaccedilotildees discursivas olhando tambeacutem somente para o discurso como variaacutevel

relevante na produccedilatildeo de significados Nesse trabalho queremos analisar a produccedilatildeo

de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia nos contextos agraacuterio e

urbano natildeo buscando encontrar padrotildees em cada contexto mas para entender

qualitativamente como o contexto e o discurso se relacionam entre si para produzir

significados que influenciam nessa produccedilatildeo de poliacuteticas Portanto optamos por esse

olhar que inclui o contexto como fator essencial em conjunto com as interaccedilotildees

discursivas

A anaacutelise criacutetica do discurso eacute uma perspectiva que considera as relaccedilotildees

dialeacuteticas de poder na criaccedilatildeo e significaccedilatildeo de discursos (GOMES 2014b) e que

pretende enxergar o mundo a partir de um olhar criacutetico do que ele deveriapoderia ser

olhando para os discursos e para as suas manifestaccedilotildees na praacutetica e em elementos

extra-discursivos como forma de refletir sobre uma estrutura social que natildeo

conseguimos materializar Ou seja ela eacute uma opccedilatildeo ontoloacutegica porque queremos

olhar para essa estrutura social criticamente no sentido de entendermos o que eacute e

tambeacutem projetar como poderia ser a partir do entendimento do porquecirc as poliacuteticas

puacuteblicas satildeo desenhadas e implementadas da maneira como satildeo nesses contextos

agraacuterio e urbano Isto eacute natildeo queremos ser relativistas e afirmar que entendendo a

relaccedilatildeo entre interaccedilotildees discursivas e os contextos diferentes as realidades satildeo

justificaacuteveis por si soacute pois olhamos normativamente para as poliacuteticas puacuteblicas em

especial aquelas para mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia nessa pesquisa Isto eacute a

anaacutelise criacutetica do discurso pode ajudar a entender como o capitalismo neoliberal

31

impede em algumas medidas a emancipaccedilatildeo humana para entatildeo tentar informar

estrateacutegias de como mitigar ou acabar com essas limitaccedilotildees (FAIRCLOUGH 2010)

No contexto de poliacuteticas puacuteblicas sobre violecircncia contra a mulher seria o caso de

entender quais satildeo as manifestaccedilotildees da estrutura social machista para tentar informar

decisotildees de poliacuteticas puacuteblicas que possam efetivamente gerar mudanccedilas nessa

estrutura social

Assim a anaacutelise criacutetica do discurso eacute uma abordagem relacional ou seja seu

objeto natildeo eacute o discurso em si mas as relaccedilotildees sociais e as disputas de poder entre

essas relaccedilotildees em que o discurso eacute parte integrante pela produccedilatildeo reproduccedilatildeo e

transformaccedilatildeo de significados (FAIRCLOUGH 2010) Aleacutem disso sua perspectiva eacute

dialeacutetica no sentido que estuda as relaccedilotildees entre objetos que natildeo satildeo inteiramente

separaacuteveis ou seja suas naturezas satildeo parcialmente definidas pela relaccedilatildeo com o

outro Nesse sentido natildeo exclui a importacircncia dos elementos extra-discursivos

ressaltando seu caraacuteter transdisciplinar (FAIRCLOUGH 2010) O termo criacutetica

remete a uma abordagem normativa que aponta para a realidade como algo passiacutevel

de mudanccedila e nesse sentido busca estudar tanto o que existe quanto o que poderia

existir idealmente (FAIRCLOUGH 2010)

Deste modo para a anaacutelise criacutetica do discurso trecircs esferas satildeo importantes o

texto o discurso e o contexto social (PHILIPPS SEWELL JAYNES 2008) Essas

esferas interagem entre si conforme o esquema abaixo

Tabela 1 Diaacutelogo entre Diferentes Esferas na ACD

32

O sujeito locutor se encontra numa posiccedilatildeo social ou seja num lugar no

espaccedilo social em que ele possui um certo grau de agecircncia (PHILIPPS SEWELL

JAYNES 2008) A partir dessa posiccedilatildeo social o locutor fala ou escreve um texto que

se transforma em discurso no momento em que o locutor tenta mudar ou manter a

ordem social atraveacutes desse texto Esse discurso por sua vez produz conceitos que se

expressam na cultura refletindo sobre a maneira como ele e seus interlocutores

enxergam o mundo e se relacionam entre si Por fim esse discurso se transforma em

objeto quando se torna parte de uma ordem praacutetica (PHILIPPS SEWELLJAYNES

2008) sendo usado para fazer sentido das relaccedilotildees sociais e condiccedilotildees materiais do

contexto social voltando ao iniacutecio do ciclo

33A emancipaccedilatildeo como chave entre as esferas

A Anaacutelise Criacutetica do Discurso foi escolhida nesse trabalho pelo potencial de

emancipaccedilatildeo (FAIRCLOUGH 2010) que essa perspectiva epistemoloacutegica nos

permite uma vez que pretende analisar a estrutura social atraveacutes de suas

manifestaccedilotildees discursivas e extra-discursivas afim de informar maneiras de mudar a

estrutura social machista Para melhor entender como as esferas se relacionam no

ciclo do realismo criacutetico com a emancipaccedilatildeo dos cidadatildeos podemos fazer uso da

Texto

Discurso

Cultura

Objeto

Posiccedilatildeo Social

(Contexto)

Elaboraccedilatildeo proacutepria a partir de dados de PHILIPPS SEWELL JAYNES 2008

33

noccedilatildeo de emancipaccedilatildeo de Zygmunt Bauman (BAUMAN 2001) Segundo o autor haacute

uma diferenccedila importante a ser ressaltada entre a liberdade de jure e a liberdade de

facto que ocorrem na modernidade

Bauman (2001) explica que na modernidade os indiviacuteduos natildeo tecircm sua

identidade ligada a instituiccedilotildees sociais ou princiacutepios universais No lugar disso hoje

haacute uma autoconstruccedilatildeo fluiacuteda das identidades isso significa que haacute uma valorizaccedilatildeo

das diferenccedilas e que a identidade eacute continuamente definida e redefinida pelos proacuteprios

indiviacuteduos

Nesse sentido parece que chegamos ao auge da liberdade humana

(BAUMAN 2001) poreacutem na verdade essa liberdade eacute tecircnue Isso porque houve um

esvaziamento das funccedilotildees do Estado em relaccedilatildeo agraves escolhas dos indiviacuteduos ou seja

cada um escolhe sua identidade e seu modo de vida e deve se responsabilizar por

essas escolhas (BAUMAN 2001) A consequecircncia disso eacute uma esfera puacuteblica

constituiacuteda por aglomeraccedilotildees de anseios individualizados mas que natildeo conseguem

afetar a agenda puacuteblica porque natildeo ultrapassam a barreira de demandas individuais

para uma demanda maior e comum (BAUMAN 2001)

Entatildeo as pessoas satildeo chamadas cada vez menos a buscar respostas para suas

demandas na sociedade e no Estado mas em si mesmas (BAUMAN 2001) e seu

fracasso ou sucesso tambeacutem eacute de sua inteira responsabilidade Entatildeo surge a

diferenciaccedilatildeo de Bauman quanto aos tipos diferentes de liberdade amenizando o auge

da liberdade que supostamente vivemos

Os indiviacuteduos tecircm liberdade de escolha e satildeo responsabilizados pelas mesmas

poreacutem natildeo encontram recursos praacuteticos para realizar suas escolhas (BAUMAN

2001) Daiacute a contraposiccedilatildeo entre liberdade de jure e liberdade de facto A primeira

corresponde agrave liberdade formal muitas vezes colocada em lei que os indiviacuteduos

teriam agrave sua disposiccedilatildeo Mas a liberdade de facto ou seja a realizaccedilatildeo dos seus

anseios e decisotildees natildeo ocorre muitas vezes porque faltam condiccedilotildees materiais para

que isso aconteccedila Nessa contradiccedilatildeo que a condiccedilatildeo de emancipaccedilatildeo dos indiviacuteduos

natildeo eacute atingida porque natildeo conseguem efetivar a autodeterminaccedilatildeo de seus destinos

Essa questatildeo da emancipaccedilatildeo se torna relevante quando discutimos o realismo

criacutetico porque no tema estudado existe essa contradiccedilatildeo entre o que eacute de jure que faz

34

parte da esfera atual e o de facto que estaacute na esfera empiacuterica das condiccedilotildees extra-

discursivas dos indiviacuteduos de saiacuterem de um problema no caso a violecircncia de gecircnero

34 A pesquisa de campo e a coleta de dados

Para darmos continuidade agrave pesquisa fizemos algumas visitas de campo A

coleta de dados qualitativos foi com base em um roteiro semiestruturado que se

encontra disponiacutevel nos anexos Antes de cada entrevista foi acordado com cada

entrevistado a o termo de consentimento para uso das mesmas tambeacutem em anexo As

conversas foram gravadas a partir do consentimento dos entrevistados e transcritas agrave

posteriori Depois selecionamos os trechos mais relevantes para a pesquisa e

organizamos segundo os temas mais recorrentes Em seguida organizamos esses

temas recorrentes de acordo com a estratificaccedilatildeo ontoloacutegica do realismo criacutetico

Dessa forma primeira etapa da coleta de dados foi realizada em Janeiro de

2015 em Goiaacutes Ateacute 2014 existia uma Secretaria de Poliacuteticas para as Mulheres e

Promoccedilatildeo da Igualdade Racial (SEMIRA) Nessa secretaria havia e haacute ainda na nova

superintendecircncia haacute uma accedilatildeo da Secretaria Federal de Poliacuteticas para as Mulheres de

unidades moacuteveis para mulheres do campo e da floresta No caso de Goiaacutes consiste

em disponibilizar ocircnibus que iam de Goiacircnia para as cidades do interior com equipes

multidisciplinares para fazer palestras sobre violecircncia de gecircnero informar a

populaccedilatildeo e dar assistecircncia (meacutedica psicoloacutegica juriacutedica) agraves mulheres que

procurassem a equipe Nas eleiccedilotildees de 2014 Marconi foi reeleito governador de

Goiaacutes no entanto mudou a estrutura das suas secretarias dissolvendo a SEMIRA e

colocando a pasta das mulheres numa secretaria muito mais ampla a Secretaria da

Mulher do Desenvolvimento Social da Igualdade Racial dos Direitos Humanos e do

Trabalho

A pesquisa de campo em Goiaacutes aconteceu em trecircs cidades Caldas Novas

Goiacircnia e Professor Jamil Os oacutergatildeos e entidades entrevistados em ordem

cronoloacutegica foram CREAS Secretaria Estadual da Mulher Desenvolvimento Social

Igualdade Racial Direitos Humanos e Trabalho Equipe de Unidades Moacuteveis

35

DEAM Centro Popular da Mulher Observatoacuterio de Seguranccedila Puacuteblica e Secretaria

Municipal da Mulher de Professor Jamil

Comeccedilamos a parte de campo da pesquisa em Caldas Novas cidade a 167

quilocircmetros de Goiacircnia com 70473 habitantes sendo da 2759 zona rural e 67714

da zona urbana (IBGE 2015) Caldas Novas natildeo possui um oacutergatildeo especiacutefico da

prefeitura para lidar com a violecircncia de gecircnero O uacutenico oacutergatildeo responsaacutevel por

receber as viacutetimas desse tipo de violecircncia eacute o CREAS que atende mulheres idosos

crianccedilas e adolescentes em situaccedilatildeo de vulnerabilidade

A seguir realizamos entrevistas na Secretaria da Mulher do Desenvolvimento

Social da Igualdade Racial dos Direitos Humanos e do Trabalho em uma Delegacia

Especializada em Atendimento agrave Mulher e no Observatoacuterio de Seguranccedila Puacuteblica da

Secretaria de Seguranccedila Puacuteblica de Goiaacutes Goiacircnia eacute a capital de Goiaacutes com

aproximadamente 1302001 habitantes em 2010 (IBGEb 2015) Desse nuacutemero

1297155 estavam em aacuterea urbana e 4846 na zona rural (IBGEb 2015)

Finalmente a uacuteltima entrevista de campo em Goiaacutes foi em Professor Jamil Eacute

uma cidade a 70 quilocircmetros de Goiacircnia com 3239 habitantes sendo 978 da zona

rural e 2261 da zona urbana (IBGEc 2015) A cidade foi indicada pela equipe de

unidades moacuteveis da Secretaria da Mulher do Desenvolvimento Social da Igualdade

Racial dos Direitos Humanos e do Trabalho pela lideranccedila forte na cidade

Aleacutem da pesquisa de campo em Goiaacutes a segunda parte do campo consistiu em

conhecer tambeacutem a situaccedilatildeo de Satildeo Paulo Primeiramente buscamos informaccedilotildees

sobre as poliacuteticas puacuteblicas existentes para combater a violecircncia de gecircnero na esfera do

governo estadual de Satildeo Paulo Foi muito dificultosa essa busca uma vez que natildeo haacute

secretaria especiacutefica e mesmo em sites de busca encontramos escassas referecircncias

como o Hospital Peacuterola Byington como accedilatildeo puacuteblica destinada a esse puacuteblico

especiacutefico Depois de muitas pesquisas encontramos no site da Secretaria de Justiccedila e

Defesa da Cidadania uma Coordenaccedilatildeo de Poliacuteticas para a Mulher (SAtildeO PAULO

2015) Achamos simboacutelico essa coordenaccedilatildeo aleacutem de ser pouco visiacutevel estar listada

em uacuteltimo lugar na lista de coordenaccedilotildees da secretaria e contar apenas com duas

pessoas em sua equipe

36

Infelizmente natildeo foi possiacutevel realizarmos entrevista com ningueacutem da equipe

do Peacuterola Byington pois devido a uma reforma do local a equipe natildeo aceitou nos

receber para uma entrevista Apesar disso tentamos em trecircs tentativas explicar que o

nosso foco era uma conversa com algueacutem da equipe e natildeo necessariamente conhecer

a estrutura fiacutesica Mesmo assim ningueacutem se disponibilizou a conceder uma entrevista

para a pesquisa

No mais conseguimos trecircs entrevistas em Satildeo Paulo com a coordenadora de

uma subsecretaria de poliacuteticas para as mulheres com uma delegada de uma Delegacia

Da Mulher (DDM) da Grande Satildeo Paulo e com uma representante do Nuacutecleo

Especializado de Promoccedilatildeo dos Direitos da Mulher (NUDEM) Como surgiu em Satildeo

Paulo a necessidade de manter anonimato de alguns entrevistados optamos por

manter a uniformidade da pesquisa e natildeo identificar nenhum dos entrevistados Tendo

em vista que foram bastante entrevistados decidimos adotar nomes fictiacutecios para os

mesmos a fim de situar melhor o leitor em relaccedilatildeo agraves citaccedilotildees presentes na anaacutelise

dos discursos

Tambeacutem com o intuito de facilitar a leitura codificamos com cores a partir

das caracteriacutesticas da organizaccedilatildeo em que o entrevistado trabalha Sendo assim a cor

azul se refere a profissionais de assistecircncia social mais geral isto eacute sem foco para o

Tabela 2 Quadro de Entrevistados

Fonte Autoria proacutepria

37

atendimento a mulheres Por sua vez a cor roxa eacute para sinalizar os entrevistados que

trabalham no primeiro ou terceiro setor em organizaccedilotildees voltadas especificamente

para mulheres em um sentido amplo O laranja eacute para organizaccedilotildees policiais e por

fim o verde representa as instacircncias do poder judiciaacuterio especiacuteficas para mulheres

38

4 A Anaacutelise

41 As poliacuteticas puacuteblicas de violecircncia de gecircnero no Brasil

Por traacutes desses nuacutemeros preocupantes haacute uma construccedilatildeo de sentidos sobre o

eacute violecircncia contra a mulher suas causas consequecircncias e qual o desenho adequado

das poliacuteticas puacuteblicas O tema definitivamente entrou na agenda puacuteblica brasileira

somente no final dos anos setenta com o aumento do nuacutemero de assassinatos de

mulheres de classe meacutedia e a visibilidade dada agrave questatildeo pela miacutedia e autoridades

(BANDEIRA 2014) o que natildeo implica que os sentidos da violecircncia contra mulher

natildeo estejam em constante negociaccedilatildeo Nessa mesma eacutepoca a violecircncia contra a

mulher se transformou na principal bandeira do movimento feminista brasileiro

(BANDEIRA 2014) Bandeira (2014) relata que a partir disso e com a abertura

democraacutetica a sociedade civil se aliou agrave academia para pressionar politicamente em

prol de uma resposta do Estado a esse problema Podemos perceber que a violecircncia

de gecircnero nesse periacuteodo era entendida como violecircncia sexual sobretudo cometida por

maridos e ex-companheiros

A primeira mudanccedila foi a transformaccedilatildeo dos ldquocrimes de violecircncia sexual

como crimes contra a pessoa natildeo mais contra os costumesrdquo (BANDEIRA 2014 pg

452) Logo em seguida 1985 foram criadas delegacias proacuteprias para esse problema

as Delegacias Especiais de Atendimento agraves Mulheres com a visatildeo de era necessaacuterio

endereccedilar o problema das mortes das mulheres com um olhar feminino com maior

prioridade do que a violecircncia mais ampla sofrida no dia-a-dia pelas mulheres Essa

medida deu visibilidade agrave violecircncia sobretudo pelo criaccedilatildeo de um canal que

possibilitou o aumento de denuacutencias por parte das viacutetimas

Nos anos noventa comeccedilaram as accedilotildees de Casas de Abrigo para receber

mulher em risco de vida hoje contando com 80 espalhadas pelo paiacutes (BANDEIRA

2014) Apesar de o novo contexto poliacutetico de redemocratizaccedilatildeo nesse periacuteodo ter

aberto ldquonovos canais institucionais e estruturas de alianccedilas ineacuteditos para o movimento

feminista brasileirordquo (MACIEL 2011 p97) houve um retrocesso em termos de

poliacuteticas puacuteblicas para combater agrave violecircncia de gecircnero A mesma foi enquadrada na

39

Lei nordm 909995 que discorre sobre o julgamento de crimes de ldquomenor potencial

ofensivordquo (BANDEIRA 2014) e portanto busca a conciliaccedilatildeo das partes e prevecirc

uma pena de no maacuteximo dois anos de reclusatildeo (BANDEIRA 2014) Nesse mesmo

ano foram criados os Juizados Especiais Criminais que ldquose tornaram rapidamente o

escoadouro de denuacutencias de agressotildees contra a mulher nos acircmbitos domeacutestico e

familiarrdquo (MACIEL 2011 p103) mas operando em uma loacutegica de impunidade dos

agressores e desatenccedilatildeo agraves viacutetimas Bandeira (2014) ressalta a opiniatildeo generalizada

dos operadores juriacutedicos de que era desnecessaacuterio criar uma lei especiacutefica para tratar

da violecircncia de gecircnero (BANDEIRA 2014)

Esse cenaacuterio mudou principalmente pela pressatildeo internacional uma vez que o

Brasil assinou compromissos com tratados e convenccedilotildees internacionais de Direitos

Humanos que tratavam da violecircncia de gecircnero de maneira ampla (BANDEIRA

2014) Isto eacute o Brasil foi movido a ressignificar a violecircncia de gecircnero incluindo

tambeacutem a violecircncia psicoloacutegica e moral como parte desse quadro caracterizando a

violecircncia de gecircnero como violaccedilatildeo dos direitos humanos (MACIEL 2011) e servindo

de base para a criaccedilatildeo da Lei Maria da Penha (BANDEIRA 2014) Segundo

Bandeira (2014) essa lei significou uma ldquonova forma de administraccedilatildeo legal dos

conflitos interpessoais embora ainda natildeo seja de pleno acolhimento pelos operadores

juriacutedicosrdquo (BANDEIRA 2014)

Essa lei trouxe pela primeira vez o reconhecimento da mulher como parte

lesada nos casos de violecircncia de gecircnero e a obrigaccedilatildeo de o Estado responder a esse

crime natildeo atraveacutes de mediaccedilatildeo de conflitos no acircmbito privado mas de garantias de

direitos no acircmbito puacuteblico agraves viacutetimas O projeto inicial foi feito pela CFMEA e

entregue agrave Secretaria Especial de Poliacuteticas para Mulheres em 2004 que depois o

encaminhou para o Legislativo (MACIEL 2011) Esse primeiro projeto natildeo tratava

da retirada de competecircncia dos Juizados Especiais Criminais para tratar de violecircncia

de gecircnero e natildeo estabelecia a criaccedilatildeo de outra instacircncia juriacutedica especiacutefica para tratar

da mesma (MACIEL 2011) Nesse meio tempo em 2003 o Executivo Federal

sancionou por meio da Lei n107782003 a obrigatoriedade de notificaccedilatildeo por toda a

rede de sauacutede puacuteblica e privada de todos os casos de violecircncia contra a mulher

(BANDEIRA 2014) No ano seguinte em 2004 lanccedilado o primeiro Plano Nacional

40

de Poliacuteticas Puacuteblicas para as Mulheres (MACIEL 2011) Ainda antes da aprovaccedilatildeo

da Lei Maria da Penha em 2005 foi implementado o Ligue 180 pela SPM que

encaminhava as denuacutencias para a Secretaria de Seguranccedila Puacuteblica ou para o

Ministeacuterio Puacuteblico (BANDEIRA 2014) Somente em 2006 foi aprovada LMP no

contexto relatado por Maciel

O calendaacuterio das eleiccedilotildees presidenciais e legislativas foi decisiva para

ampliar a capacidade de pressatildeo poliacutetica o movimento conseguiu a

aprovaccedilatildeo nas duas casas legislativas do substituto o Projeto de Lei n

372006 que afastava formalmente a competecircncia dos Juizados para o

tratamento dos processos oriundos de violecircncia domeacutestica (MACIEL 2011

p103)

A Lei Maria da Penha trata violecircncia de gecircnero como problema puacuteblico a

garantia dos direitos fundamentais e ldquotodas as oportunidades e facilidades para viver

sem violecircncia preservar a sauacutede fiacutesica e mental e o aperfeiccediloamento moral

intelectual e social assim como as condiccedilotildees para o exerciacutecio efetivo dos direitos agrave

vida agrave seguranccedila e agrave sauacutederdquo (MENEGHEL 2013 p692)

A Lei Maria da Penha foi um marco no histoacuterico do tratamento do Estado agrave

violecircncia de gecircnero pois foi pioneira na tipificaccedilatildeo da violecircncia Como coloca

Meneghel

A Lei Maria da Penha tipificou a violecircncia denominando-a violecircncia

domestica e a definiu como qualquer accedilatildeo ou omissatildeo baseada no gecircnero que

cause morte lesatildeo sofrimento fiacutesico sexual psicoloacutegico e dano moral ou

patrimonial agraves mulheres ocorrida em qualquer relaccedilatildeo iacutentima de afeto na

qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida

independentemente de coabitaccedilatildeo (MENEGHEL 2013 p693)

Depois de aprovada a lei no entanto o movimento feminista brasileiro se

deparou com uma nova agenda a de garantir a efetividade da implementaccedilatildeo da Lei

41

Maria da Penha Nesse sentido foi criado em 2007 pela alianccedila entre organizaccedilotildees

de mulheres e nuacutecleos universitaacuterios o Observatoacuterio Nacional de Implementaccedilatildeo e

Aplicaccedilatildeo da Lei Maria da Penha ldquopara produzir analisar e divulgar informaccedilotildees

sobre a aplicaccedilatildeo da Lei pelas delegacias Ministeacuterio Puacuteblico Defensoria Puacuteblica

poderes Judiciaacuterio e Executivo e redes de atendimento agrave mulherrdquo (MACIEL 2011

p104) No mesmo ano o Programa Nacional ade Seguranccedila Puacuteblica com Cidadania

do governo federal colocou como objetivo a criaccedilatildeo de Juizados de Violecircncia

Domeacutestica e Familiar (MACIEL 2011) Esse plano incluiacutea tambeacutem a necessidade de

capacitaccedilatildeo especiacutefica de agentes puacuteblicos para lidar com essas viacutetimas (MACIEL

2011) Jaacute em 2008 a ldquoCampanha 16 Dias de Ativismo pelo Fim da Violecircncia contra

as Mulheresrdquo foi realizada em parceria com a SPM e teve ampla adesatildeo da esfera

puacuteblica estatal e natildeo estatal nacional e internacional (MACIEL 2011)

Ou seja a accedilatildeo coletiva do movimento feminista brasileiro pressionou

primeiramente o poder Legislativo para incluir na agenda de poliacuteticas puacuteblicas o

problema da violecircncia de gecircnero Depois da vitoacuteria da aprovaccedilatildeo da Lei Maria da

Penha comeccedilou a pressionar os poderes Executivo e Judiciaacuterio para garantir que a

mesma fosse efetiva

42 Contextualizaccedilatildeo da Anaacutelise

O objetivo desse trabalho eacute compreender os diferentes sentidos dados agrave violecircncia

de gecircnero nos contextos urbano e agriacutecola Para entendermos melhor esse objetivo e

como iremos trabalhar para atingi-lo eacute necessaacuterio explicitar como ele estaacute

relacionado aos diferentes domiacutenios do Realismo Criacutetico (vide seccedilatildeo da metodologia

em que delimitamos esses domiacutenios e mostramos como se relacionam entre si) O

nosso foco nas evidecircncias de cada domiacutenio especificamente no tema de violecircncia de

gecircnero vai nos ajudar a analisar em seguida os dados coletados na pesquisa jaacute que

essas evidecircncias satildeo a ponte para a compreensatildeo dos domiacutenios abstratos

42

Domiacutenio Evidecircncias

Real Machismo

Atual Discursos sobre desigualdade de gecircnero e

violecircncia de gecircnero

Empiacuterico Poliacuteticas e accedilotildees puacuteblicas

Elementos extra-discursivos

Entatildeo precisamos entender quais os sentidos atribuiacutedos pelos entrevistados agrave

violecircncia de gecircnero Isso eacute relevante porque os sentidos atribuiacutedos delimitam a

compreensatildeo do problema no caso a violecircncia de gecircnero A maneira como o

problema eacute compreendido afeta quais os tipos de poliacuteticas puacuteblicas construiacutedas ou a

ausecircncia delas Essas poliacuteticas puacuteblicas por sua vez podem alterar a estrutura social

ou reforccedilar a mesma voltando para o domiacutenio do real Aleacutem disso essas poliacuteticas

puacuteblicas satildeo afetadas pelos elementos extra-discursivos como orccedilamento estrutura

fiacutesica e recursos humanos que por sua vez podem ser tanto causados por ou

causadores da estrutura social machista Ou seja podemos pensar que os locus de

formulaccedilatildeo eou implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo de

violecircncia satildeo esvaziadas de recursos como consequecircncia da falta de importacircncia dada

ao problema devido agrave estrutura social machista que permanece mas ao mesmo tempo

como instrumento de manutenccedilatildeo dessa mesma estrutura

Tambeacutem eacute interessante retomarmos as caracteriacutesticas da Anaacutelise Criacutetica do

Discurso para relacionaacute-las agraves entrevistas realizadas Primeiramente realismo criacutetico

eacute relacional (FAIRCLOUGH 2010) o que no caso significa que a estrutura social do

machismo os discursos sobre desigualdade de gecircnero e violecircncia de gecircnero e os

elementos extra-discursivos natildeo podem ser analisados separadamente Isto se deve ao

fato de que cada elemento interage com os demais sendo afetado e afetando-os

mutuamente Entatildeo natildeo podemos falar em machismo sem justificar sua existecircncia

Tabela 3 Os Domiacutenios do Realismo Criacutetico e suas Evidecircncias

Fonte Autoria proacutepria

43

enquanto estrutura social via suas manifestaccedilotildees tanto discursivas quanto extra-

discursivas Mas tambeacutem natildeo podemos pensar nessas manifestaccedilotildees sem entender a

relaccedilatildeo delas com a estrutura social que pode ser geradora eou influenciada pelos

discursos e elementos extra-discursivos

Aleacutem disso a anaacutelise criacutetica do discurso eacute dialeacutetica (FAIRCLOUGH 2010) Isso

significa que o machismo e a violecircncia de gecircnero natildeo podem ser analisados como

uma relaccedilatildeo causal uacutenica por exemplo a estrutura social machismo gera a violecircncia

de gecircnero No caso a estrutura social machista tem como uma das suas

consequecircncias manifestaccedilotildees como a violecircncia de gecircnero mas esta violecircncia atua

reproduzindo a estrutura social machista ou entatildeo transformando a mesma

Para entender melhor as entrevistas realizadas agrave luz da ontologia do realismo

criacutetico dividimos a anaacutelise da pesquisa em duas partes principais as manifestaccedilotildees

discursivas da estrutura social e suas manifestaccedilotildees extra-discursivas Na primeira

seccedilatildeo iremos partir do plano geral das manifestaccedilotildees do machismo e em seguida focar

na manifestaccedilatildeo especiacutefica de violecircncia de gecircnero E na segunda parte iremos

descrever e analisar questotildees de recursos humanos fiacutesicos e orccedilamentaacuterios

43 Manifestaccedilotildees discursivas da estrutura social

Durante a pesquisa encontramos evidecircncias de diferentes sentidos dados

pelos atores sobre desigualdade de gecircnero Mesmo com suas diferenccedilas a principal

referecircncia dos entrevistados eacute a cultura de que o mundo em geral eacute machista e o

Brasil o eacute com mais intensidade

Percebemos que a desigualdade entre os gecircneros envolve discursos que

acabam encontrando entraves durante as falas dos entrevistados Por exemplo

segundo Faacutebio a mulher eacute vista pela sociedade como sexo fraacutegil apesar ser na praacutetica

mais forte porque ldquose um homem pega uma gripe ele cai na cama e natildeo levanta pra

nada a mulher taacute de gripe ela taacute limpando casa taacute lavando vasilha taacute fazendo

almoccedilordquo Ele comeccedila o seu discurso preocupado com a visatildeo da sociedade de que a

mulher eacute um sexo fraacutegil e inferior ao homem demonstrando um discurso contraacuterio agrave

estrutura social machista No entanto ele muda seu discurso no meio da frase

44

justificando sua posiccedilatildeo contraacuteria a essa estrutura com exemplos de atividades

colocadas pela estrutura social machista como atividades de mulher limpar lavar

cozinhar

Luiz reforccedilou sua crenccedila no que seria a igualdade de gecircnero a ser perseguida

diante do discurso de Faacutebio

Natildeo significa vocecirc ser submisso vocecirc saber como deve ser conduzida

uma relaccedilatildeo um casamento Eacute questatildeo de respeito mesmo O significado forte

da famiacutelia o que significa famiacutelia Ou qual eacute a figura do pai qual eacute a figura

da matildee O que eacute a figura do homem dentro da sociedade o que eacute a figura da

mulher dentro da sociedade Entatildeo trabalhar essa questatildeo da igualdade eacute

muito difiacutecil porque a gente natildeo pode confundir com certas libertinagens E

tem mulheres hoje mal instruiacutedas que natildeo tecircm uma instruccedilatildeo pra que isso

aconteccedila

Nesse discurso Luiz reforccedila as figuras do homem e da mulher da estrutura

social machista pois atribui um sentido normativo agrave ideia de relaccedilatildeo casamento e

famiacutelia isto eacute coloca como sendo relaccedilotildees positivas onde existem claramente os

papeis da mulher e do homem e consequentemente coloca como relaccedilotildees negativas

relaccedilotildees que natildeo seguem esse padratildeo estabelecido socialmente Seu discurso

evidecircncia o machismo da esfera real podemos dizer que aqui se manifesta

inconscientemente quando afirma que a igualdade entre os gecircneros eacute ameaccedilada por

ldquolibertinagensrdquo que segundo ele decorrem de uma falha da mulher por falta de

ldquoinstruccedilatildeordquo de cumprir seu papel enquanto ldquofigura de mulherrdquo dentro de uma

relaccedilatildeo Nesse sentido tambeacutem haacute evidecircncias de que o sentido construiacutedo por ele de

um relacionamento eacute heteronormativo em que necessariamente deve haver a ldquofigura

do homemrdquo e a ldquofigura da mulherrdquo o que faz parte tambeacutem da estrutura social

machista

Esse reforccedilo dos papeis sociais desiguais seria explicado segundo Roberta

pela educaccedilatildeo sexista que ainda existe no Brasil em que homens e mulheres satildeo

educados diferentemente pelas famiacutelias e pelas escolas Ela explica que ldquogeralmente

45

os brinquedos que aguccedilam a criatividade da crianccedila satildeo masculinos a menina ainda

brinca com boneca com panelinha enfim com as lides domeacutesticasrdquo

Aleacutem disso outro fator apontado como importante para a desigualdade entre

os gecircneros eacute o arcabouccedilo juriacutedico que historicamente privilegiou os homens porque

segundo a Talita ldquonoacutes temos um paiacutes muito marcado pelo machismo nossa lei que

trata especificamente sobre o assunto eacute ainda muito jovem noacutes nos deparamos com

muitas injusticcedilas antes da existecircncia da Lei Maria da Penha ateacute algumas deacutecadas

atraacutes a mulher sequer votavardquo

Em contraposiccedilatildeo Ana Paula contou uma anedota para justificar que as

causas da desigualdade de gecircnero vatildeo aleacutem de leis

Aiacute eu chamei uma amiga a faxineira uma pessoa muito humilde

terceirizada () e aiacute eu perguntei lsquofulana vocecirc tem relaccedilatildeo com o seu

marido quandorsquo Aiacute ela ficou sem graccedila ela disse aiacute doutora E eu lsquoDiz pra

eles quandorsquo lsquoQuando ele querrsquo E aiacute eu acho que haacute um tempo longo entre a

cultura e a lei

A cultura nessa fala pode ser vista como parte da esfera atual em que os seres

humanos ativam as estruturas do domiacutenio real construindo sentidos a partir delas

Nesse caso o domiacutenio do real eacute a estrutura social machista que eacute ativada por meio da

cultura nesse caso citado por Ana Paula com evidecircncias de elementos de

sexualidade que influenciam e satildeo influenciados pela estrutura social desigual entre

homens e mulheres Jaacute a lei agrave qual Ana Paula se refere a Lei Maria da Penha faz

parte do domiacutenio do empiacuterico ou seja uma legislaccedilatildeo fruto de eventos e accedilotildees da

sociedade Quando a entrevistada diz que ldquohaacute um tempo longo entre a cultura e a

leirdquo ela mostra evidecircncias de que o domiacutenio do empiacuterico pode trazer inovaccedilotildees

como a Lei Maria da Penha Poreacutem isso natildeo significa que a lei necessariamente

revolucione a estrutura social como a cultura que nesse caso que continua

reproduzindo um comportamento sexual machista em que o homem determina

quando quer ter relaccedilotildees sexuais e a mulher natildeo tem voz

Na pesquisa surgiram dois sentidos dados agrave maneira como o machismo se

46

manifesta na sociedade relativos ao grau de instruccedilatildeo e agrave estrutura econocircmica O

primeiro foi reforccedilada pelos funcionaacuterios do CREAS visitado por Talita e por Rafael

Segundo os entrevistados quanto mais educaccedilatildeo e mais informaccedilatildeo chegam ateacute as

pessoas menos machistas elas satildeo Rafael afirmou que a falta de instruccedilatildeo das

mulheres da aacuterea rural decorrente de uma menor escolaridade e maior isolamento

seriam geradoras de uma subnotificaccedilatildeo de casos de violecircncia (vide seccedilatildeo 2) na zona

agraacuteria Ele conta que essa subnotificaccedilatildeo ldquoeacute incentivada primeiro no meu ponto de

vista pela questatildeo cultural da proacutepria mulher natildeo procurar que ela eacute mais

desprovida de informaccedilatildeo e tudo maisrdquo Consequentemente a diferenccedila nas

manifestaccedilotildees do machismo nas aacutereas rural e urbana seria a intensidade porque

segundo estes entrevistados a aacuterea rural teria um vatildeo de instruccedilatildeo e informaccedilatildeo

recebida em relaccedilatildeo agrave aacuterea urbana

Aqui temos dois elementos da esfera real dialogando entre si O grau de instruccedilatildeo

estaacute relacionado agrave estrutura social diferente entre aacutereas agraacuterias e urbanas E a

estrutura social machista tambeacutem se localiza no plano real como mencionamos

anteriormente Assim uma desigualdade estrutural de instruccedilatildeo agravaria uma outra

desigualdade de gecircnero no caso justificando elementos discursivos (atual) e extra-

discursivos (empiacuterico) que reforccedilam uma dupla desigualdade evidenciando uma

minoria dentro das minoria das mulheres as mulheres da zona agraacuteria

Por outro lado Laura e Roberta afirmaram a importacircncia das estruturas

econocircmicas na manifestaccedilatildeo do machismo Roberta colocou a questatildeo da composiccedilatildeo

da renda familiar porque ldquona aacuterea rural o homem continua sendo chefe de famiacutelia

mesmo que a legislaccedilatildeo tenha mudadordquo Aleacutem disso ela afirma que a estrutura do

trabalho do campo que eacute direcionada pelo homem aumenta seu poder na relaccedilatildeo

com a mulher Segundo Laura esse poder seria explicitado na maneira mais aberta de

o machismo se manifestar na aacuterea rural Segundo ela ldquoo cara diz lsquoeu natildeo querorsquo

lsquovocecirc natildeo vairsquo lsquoassim natildeo podersquo lsquoporque eu sou homemrsquo lsquoeu que faccedilo issorsquo lsquoessa eacute

a sua tarefarsquo isso (o machismo) eacute claro no mundo rural existe uma abertura maior

para se dizerrdquo

Outras evidecircncias da manifestaccedilatildeo do machismo na divisatildeo das tarefas

domeacutesticas e na proacutepria convivecircncia com a famiacutelia esteve presente no discurso da

47

Ana Paula Segundo ela a mulher tem na nossa sociedade a responsabilidade com a

casa e com a famiacutelia enquanto o homem fica mais livre dessas obrigaccedilotildees Um

exemplo que ela apresenta eacute ldquoateacute no meu bairro eu me irrito porque os homens vatildeo

beber no bar como que os homens vatildeo beber no bar e as mulheres tatildeo em casa

lavando passando cozinhando cuidando dos filhos no saacutebadordquo

Vitoacuteria mostrou que na aacuterea urbana a manifestaccedilatildeo do machismo estaacute

relacionada agrave sexualidade da mulher porque segundo ela as outras desigualdades de

gecircnero seriam dadas como conquistadas apesar de natildeo o serem efetivamente Por isso

ela afirma que ldquo(o machismo) fica essa coisa escondida escamoteadardquo O sentido

dado por Vitoacuteria ao falar de machismo ldquoescondidordquo nos remete ao domiacutenio do real

Isto eacute na aacuterea urbana avanccedilos foram sido logrados como a entrada da mulher no

mercado de trabalho gerando maior independecircncia financeira aumento gradual da

participaccedilatildeo poliacutetica das mulheres dentre outros Contudo essas mudanccedilas estatildeo no

campo do atual e do empiacuterico mas natildeo foram suficientes para mudar a esfera do real

levando agrave permanecircncia da estrutura social machista Ou seja o machismo permanece

ldquoescondidordquo em partes da vida social como na sexualidade da mulher que acabam

reforccedilando uma relaccedilatildeo desigual com a mulher colocada em situaccedilatildeo inferior ao

homem

Depois de um olhar mais geral para as manifestaccedilotildees do machismo agraves quais os

entrevistados deram sentidos olhamos mais especificamente nas entrevistas uma de

suas manifestaccedilotildees a violecircncia de gecircnero que perpassa pelos vaacuterios tipos de

violecircncia descritos na Lei Maria da Penha Na conversa com a equipe do CREAS

nos foi relatado que quase natildeo chegam queixas da zona agraacuteria mas a conclusatildeo da

equipe eacute de que a violecircncia na zona agraacuteria eacute mais psicoloacutegica do que fiacutesica Essa

conclusatildeo se baseia no seguinte discurso construiacutedo pela equipe

Entatildeo ela vem na cidade ela faz a compra ela vem matricular os

filhos na escola e soacute volta no outro ano E ela estaacute ali a alegria dela Agraves vezes

a gente percebe quando a gente atende uma mulher do campo ela sempre

traz uma manga uma fruta que ela que colhe E isso faz com que ela fique

realmente responsaacutevel pelos filhos pela casa por algumas coisas ali que

48

beneficiam muito o homem Por isso que a violecircncia fiacutesica natildeo acontece

Porque para acontecer a violecircncia fiacutesica precisa de muita ira E ela natildeo estaacute

vendo o que estaacute acontecendo aqui na cidade Quando o marido vem entregar

o leite se ele daacute um litro de leite para uma menininha ali Se ele tem um

casinho ali ou outro ali vocecirc entendeu Ele fica mais solto Ele eacute

responsaacutevel por suprir toda a necessidade ali da zona rural mas ela fica ali

cuidando de tudo

Nessa fala temos evidecircncias de que a construccedilatildeo de sentidos sobre as causas

da violecircncia de gecircnero acabam voltando para a estrutura social machista e colocando

a mulher como culpada pela situaccedilatildeo Isso porque o discurso coloca a ira como causa

da violecircncia fiacutesica e depois a ira como algo gerado pela insatisfaccedilatildeo da mulher com

os comportamentos do homem Assim a fala comeccedila com um tom normativo

positivo de que a mulher eacute feliz no campo e de que na aacuterea rural a violecircncia fiacutesica

natildeo ocorre mas depois acaba culpabilizando as mulheres da aacuterea urbana pela

violecircncia fiacutesica que ocorre na cidade porque se ocorre eacute em decorrecircncia de seus

comportamentos que geram a ira no homem

Segundo a Roberta as mulheres da zona rural sofrem um tipo de violecircncia que

eacute menos comum na aacuterea urbana a violecircncia patrimonial Isso ocorre porque apesar

de a mulher trabalhar no campo com a produccedilatildeo de alimentos e tarefas domeacutesticas

ela natildeo tem remuneraccedilatildeo pelo trabalho realizado e o homem acaba sendo quem tem

posse do patrimocircnio da famiacutelia e quem decide todos os gastos

Vitoacuteria por outro lado tem outro discurso

()violecircncia de gecircnero eacute violecircncia de gecircnero em todos os lugares

Mas assim eacute que eu acho que eacute difiacutecil de falar mas acho que natildeo acho que

assim (pausa) talvez uma outra questatildeo diferente talvez na aacuterea rural vocecirc

tenha mais essa questatildeo da concretude da questatildeo da localidade a violecircncia

ser fiacutesica domeacutestica natildeo eacute uma coisa tatildeo refinada quanto na aacuterea urbana

que hoje vocecirc vecirc violecircncias na internet vocecirc tem tecnologia para usar para

isso

49

Podemos entatildeo depreender que as diferenccedilas em termos da violecircncia de

gecircnero nas zonas rurais e urbanas satildeo ainda muito pouco compreendidas como

podemos perceber pela pluralidade de concepccedilotildees em termos do que acontece e pelas

notificaccedilotildees natildeo chegarem ateacute os locais que trabalham com mulheres em situaccedilatildeo de

violecircncia

Existem divergecircncias tambeacutem quanto ao que eacute poliacutetica de gecircnero e

consequentemente como ela deveria ser executada Para Ana Paula poliacutetica de

gecircnero eacute uma poliacutetica que reconhece a vulnerabilidade do gecircnero feminino frente ao

masculino e a partir disso tem um enfoque na equiparaccedilatildeo das desigualdades em

todas as secretarias e natildeo apenas em uma secretaria de poliacuteticas para as mulheres

especificamente

Em contraste a essa visatildeo Roberta defende a necessidade de um oacutergatildeo

especiacutefico para tratar da poliacutetica de gecircnero uma vez que existem especificidades

dessa poliacutetica puacuteblica que a organizaccedilatildeo seria responsaacutevel por garantir Segundo ela

Se jaacute houvesse a equidade de gecircnero seja no trabalho na casa enfim nas

relaccedilotildees natildeo precisaria mesmo de um organismo Mas como a mulher tem

questotildees especiacuteficas como a sauacutede da mulher o trabalho da mulher a

capacitaccedilatildeo entatildeo noacutes temos que ter poliacuteticas puacuteblicas desenvolvidas em um

espaccedilo puacuteblico e que esse espaccedilo se comunique com os demais porque as

poliacuteticas satildeo transversais Quando noacutes falamos de mulher noacutes estamos

falando de sauacutede de educaccedilatildeo de seguranccedila que satildeo poliacuteticas que estatildeo

sendo desenvolvidas em outras aacutereas institucionais Mas a importacircncia da

concentraccedilatildeo em um organismo eacute porque esse organismo vai fazer a

articulaccedilatildeo com os demais promover essa transversalidade e de fato

implementar essas poliacuteticas especiacuteficas

Eacute interessante notar tambeacutem que haacute uma diferenccedila nos discursos quanto agrave

igualdade de gecircnero que foi apontada pela maioria dos entrevistados como o objetivo

da poliacutetica de gecircnero Segundo Vitoacuteria a igualdade buscada por esse tipo de poliacutetica

50

seria material ou seja efetivar as igualdades da lei entre homens e mulheres Jaacute para

Talita essa poliacutetica seria responsaacutevel por ldquotentar adequar todas essas diferenccedilas e

natildeo igualar todos porque natildeo somos iguais mas tentar equilibrar para que todos noacutes

possamos viver pacificamente e sem existir essa relaccedilatildeo de subordinaccedilatildeo que haacute

muitas vezes entre homem e mulherrdquo

O sentido dado por Roberta a poliacuteticas transversais eacute de que estamos falando

de uma poliacutetica que envolve diferentes segmentos da atuaccedilatildeo puacuteblica e por isso de

vaacuterios atores envolvidos na formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas de

gecircnero Nesse sentido existe a necessidade de ldquofazer um processo de convencimento

dos gestores sobre a importacircncia dessas poliacuteticasrdquo

Essa ideia foi explicada tambeacutem por Vitoacuteria quando relatou o desafio na

praacutetica de lidar com o caraacuteter transversal da poliacutetica de gecircnero

O desafio eacute a visatildeo de poliacutetica de gecircnero Muita gente fala a gente

estaacute com tanta preocupaccedilatildeo por que a gente vai se preocupar com isso

Como se fosse o acessoacuterio ou o a mais neacute o plus Acho que essa visatildeo ela eacute

de todas as instacircncias no executivo no legislativo e dentro da defensoria haacute

esse visatildeo de que natildeo peraiacute a gente tem pouca gente pouco dinheiro entatildeo a

gente vai investir no que realmente eacute importante E isso nunca eacute a mulher

Entatildeo eu acho que vocecirc vai ver isso em todos os lugares que vocecirc visitar

porque eacute essa a visatildeo a sociedade vecirc assim Entatildeo isso eacute soacute a reproduccedilatildeo de

como a sociedade enxerga as questotildees de mulher as questotildees de mulher satildeo

sempre ah mulher eacute sensiacutevel mulher reclama muito mulher natildeo sei o que

natildeo eacute tatildeo grave assim exagera

As organizaccedilotildees agraves quais foi dado o papel de realizar uma poliacutetica puacuteblica

transversal com o vieacutes de gecircnero satildeo a Subsecretaria de Poliacuteticas para as mulheres de

Goiaacutes a Secretaria da Mulher em Professor Jamil a Coordenadoria de Poliacuteticas para

as Mulheres do estado de Satildeo Paulo e o Nuacutecleo Especializado de Promoccedilatildeo de

Direitos da Mulher Os sentidos dados agrave transversalidade pelos entrevistados mostra

que o papel construiacutedo dessas organizaccedilotildees seria o de articular outras organizaccedilotildees do

51

Estado e conscientizaacute-las para as desigualdades de gecircnero dentro e fora das

organizaccedilotildees A partir dessa construccedilatildeo de sentidos do que eacute transversalidade e

atribuiccedilatildeo desse papel a organizaccedilotildees voltadas para a questatildeo da mulher estaacute

diretamente relacionado aos recursos materiais que satildeo destinados a essas

organizaccedilotildees (sobre os quais aprofundaremos na seccedilatildeo 4) porque satildeo vistas como

organizaccedilotildees paralelas agravequelas consideradas como ldquoprincipaisrdquo como podemos notar

no discurso da Vitoacuteria em que ela afirma que as dificuldades de atuaccedilatildeo do nuacutecleo

passam em geral pelo sentido secundaacuterio e marginal dada agrave questatildeo de gecircnero Ou

seja esses elementos discursivos e extra-discursivos acabam distorcendo a questatildeo da

transversalidade Isso porque a mesma surgiu de jure (BAUMAN 2001) como uma

maneira conseguir resolver problemas complexos tratando-os de maneira transversal

e acabou sendo utilizada de facto (BAUMAN 2001) como uma ferramenta para a

reproduccedilatildeo da estrutura social machista devido agrave impressatildeo que se cria de que o

problema de gecircnero estaacute sendo resolvido pela existecircncia dessas organizaccedilotildees com o

enfoque em gecircnero mas na praacutetica elas natildeo satildeo empoderadas nem na agenda nem no

orccedilamento

Portanto esses diferentes sentidos dados ao que eacute machismo violecircncia de

gecircnero poliacutetica de gecircnero transversalidade e a que servem e como deve ser

realizadoscombatidos satildeo importantes para entender quais os tipos de poliacuteticas

puacuteblicas efetivamente colocadas em praacuteticas (PHILIPPS SEWELL JAYNES 2008)

por essas diferentes organizaccedilotildees (vide seccedilatildeo 3 em que mostramos como os

elementos extra-discursivos dialogam com os discursos) Aleacutem disso nessa seccedilatildeo

encontramos evidecircncias de que a estrutura social machista tem uma forccedila muito

grande pois apesar algumas ressignificaccedilotildees (de a mulher natildeo ser sexo fraacutegil) ela

permanece latente no discurso voltando a reproduzir a estrutura de desigualdade de

gecircnero Nesse sentido os contextos agriacutecola e urbano parecem natildeo mudar a existecircncia

dessa estrutura social mas vamos averiguar a seguir se esses contextos apontam

diferenccedilas em relaccedilatildeo aos elementos extra-discursivos

52

44 Elementos extra-discursivos

Nessa seccedilatildeo iremos analisar os principais elementos extra-discursivos que

surgiram durante as entrevistas e se relacionam com os discursos apresentados

(PHILIPPS SEWELL JAYNES 2008) Satildeo eles a Lei Maria da Penha sobre a qual

discorremos no referencial teoacuterico a estrutura fiacutesica das organizaccedilotildees os recursos

humanos disponiacuteveis e as accedilotildees ou poliacuteticas puacuteblicas resultantes de suas atuaccedilotildees

A Lei Maria da Penha por ser um marco juriacutedico em relaccedilatildeo ao tratamento do

Estado agrave violecircncia de gecircnero em seus diferentes tipos surgiu em todas as entrevistas

como base para o trabalho realizado pelos diferentes organismos Do ponto de vista

das soluccedilotildees segundo Vitoacuteria foi importante para fortalecer os movimentos sociais

que lutavam pela questatildeo da mulher e abrir espaccedilo entatildeo para que esses movimentos

exigissem esse olhar dentro de diferentes instituiccedilotildees como a defensoria puacuteblica

Contudo Ana Paula reforccedila que a Lei Maria da Penha foi precedida por algumas

leis que na verdade ainda natildeo satildeo de conhecimento pela populaccedilatildeo em geral Ela

relata um caso que lhe aconteceu na delegacia da mulher

Eu tinha recebido uma ocorrecircncia que era um homem que tinha

enfiado uma faca na esposa dele casada haacute 30 anos porque ela comprou um

conjunto de panelas e ele discordava do entendimento dela de como se gastava

o dinheiro Entatildeo que ela era uma vagabunda dizendo ele Soacute que essa

vagabunda trabalhava era uma enfermeira padratildeo no hospital de Diadema e

ele estava haacute onze anos E aleacutem de trabalhar e sustentar ele ela lavava

passava cozinhava e ela entendeu que com o salaacuterio dela dava pra comprar

um conjunto de panelas Aiacute ele puxou a faca pra ela veio uma ocorrecircncia

falando da tentativa de homiciacutedio o filho falou lsquonatildeo vou testemunhar conta

meu pai ainda que eu ache que a minha matildee corre risco com elersquo A matildee natildeo

quer vem falar lsquonatildeo foi soacute um desentendimentorsquo ela vem de um ciclo de

violecircncia E eu natildeo ia ter nenhuma testemunha no inqueacuterito natildeo ia dar certo o

flagrante e aiacute eu falei bom ela natildeo vai dormir em casa porque a nossa

preocupaccedilatildeo natildeo pode ser em fazer um papel deve ser o de garantir a

53

seguranccedila da mulher E aiacute o marido vira pra mim e fala lsquoeu natildeo vejo motivo

para conceder o divoacuterciorsquo E aiacute eu tive um surto com ele porque eu falava lsquoo

senhor vive na idade da pedrarsquo Porque quando eu nasci jaacute tinha a lei do

divoacutercio mas para eles natildeo Ele ainda achava que ele tinha o direito de dar ou

natildeo o divoacutercio E isso foi em 73 E aiacute a gente comeccedila a olhar e ver quantos

anos demoram para uma populaccedilatildeo se apropriar daquela legislaccedilatildeo se eacute que a

lei pegue porque no Brasil tem lei que natildeo pega natildeo eacute um paiacutes seacuterio Mas a lei

Maria da Penha veio ele conhece a lei mas ele natildeo conhece a lei do divoacutercio

E isso eacute regra

Ou seja a Lei Maria da Penha que estaacute no domiacutenio do empiacuterico ou seja o

que eacute efetivamente experimentado pelos atores natildeo garante o entendimento de outras

leis que mudaram as relaccedilotildees familiares em termos legais e os direitos igualados de

jure (BAUMAN 2001) entre homem e mulher Entatildeo antes da Lei Maria da Penha

houve uma sucessatildeo de leis que reforccedilavam a estrutura social machista no domiacutenio do

real Mesmo com as novidades da Lei Maria da Penha portanto natildeo foi possiacutevel

revolucionar a esfera do real e isso fica evidente com a permanecircncia de outras leis

anteriores no imaginaacuterio das pessoas Aleacutem disso Ana Paula tambeacutem expocircs a

dificuldade de se implementar a Lei Maria da Penha de facto (BAUMAN 2001)

Entatildeo a gente tem dispositivos como autoridade policial civil deveraacute

garantir a seguranccedila da mulher e aiacute o tema da minha dissertaccedilatildeo aquela vez

foi a seguranccedila da mulher na Lei Maria da Penha Porque ela eacute linda mas

como que uma delegada com trecircs policiais garante a seguranccedila de alguma

mulher Eu queria saber porque o policial geralmente vai no foacuterum busca

laudo leva laudo e etc Um tem que ficar na delegacia porque geralmente os

homens natildeo respeitam as mulheres mesmo as mulheres policiais aiacute tem que ter

toda uma loacutegica dentro da poliacutecia e da questatildeo socioloacutegica da poliacutecia de que eacute

melhor ter uma forma ostensiva em determinados momentos do que ter que usar

a forccedila entatildeo eacute melhor ter policiais homens armados do que ter que ser duro

com o indiviacuteduo que vira e fala lsquoeu natildeo respeito mulherrsquo e eles falam isso E

54

natildeo eacute um desacato agrave autoridade policial civil eacute uma relaccedilatildeo de que eles natildeo

respeitam o gecircnero feminino como igual E isso eacute muito complicado Aiacute sobra

um policial que natildeo pode sair de viatura porque se natildeo eacute viatura

descaracterizada E aiacute eu tenho que garantir a seguranccedila da mulher Aiacute eu

tenho que colocar ela em um abrigo Qual abrigo Ah a prefeitura de Satildeo

Paulo agora parece que melhorou o sistema de abrigamento Eacute melhorou mas

pra isso a gente precisa fazer boletim de ocorrecircncia em uma delegacia que

esteja aberta 24 horas e a gente natildeo tem delegacia da mulher aberta 24 horas

Ou seja faltam recursos humanos e orccedilamentaacuterios para manter a delegacia

funcionado bem e por 24 horas elementos do domiacutenio empiacuterico e a proacutepria lida

diaacuteria da delegada mulher com o machismo a impede de realizar seu trabalho sem ter

o acompanhamento de um homem Satildeo evidecircncias de que a criaccedilatildeo de delegacias

especializadas apesar de terem sido um avanccedilo estaacute longe de apresentarem uma

transformaccedilatildeo agrave estrutura social desigual uma vez que a distribuiccedilatildeo material

insuficiente impacta na reproduccedilatildeo das desigualdades de gecircnero

Mostrando essa dificuldade por um outro vieacutes Talita afirmou que a Lei Maria

da Penha fez com que as pessoas olhassem para as delegacias da Mulher como uma

ldquoceacutelula de expansatildeo de poliacuteticas puacuteblicasrdquo quando segundo ela a delegacia da

mulher e uma ldquodelegacia como qualquer outra a gente estaacute aqui para prender o

agressor investigar concluir processo e encaminhar ao poder judiciaacuteriordquo Esse

discurso de Talita mostra que o sentido dado por ela agrave delegacia especializada eacute de

uma delegacia como qualquer outra Isso implica que mesmo havendo uma tentativa

de jure (BAUMAN 2001) em trazer ferramentas no domiacutenio do empiacuterico para

combater a violecircncia contra a mulher de facto (BAUMAN 2001) a delegacia da

mulher sendo vista pelos atores que dela participam como uma delegacia da mulher

acaba sendo uma forccedila de manutenccedilatildeo da estrutura social machista no domiacutenio do

real

Outro discurso importante sobre a Lei Maria da Penha que surgiu na pesquisa

de campo foi a Joana O sentido atribuiacutedo por ela agrave Lei Maria da Penha eacute de ceticismo

porque de acordo com ela as mulheres voltam com um papel de medida protetiva

55

que natildeo serve para nada assim como a tornozeleira natildeo salva a mulher Segundo

Joana se o homem quer matar a mulher natildeo vai ser isso que vai impedi-lo e nem haacute

recursos suficientes para que o poder puacuteblico impeccedila que isso aconteccedila em sua cidade

e seus arredores

Inclusive na entrevista ouvimos pela uacutenica vez durante a pesquisa viacutetimas de

violecircncia de gecircnero duas mulheres que vieram fugidas para a cidade do Uma veio de

Trindade (Goiaacutes) fugindo agrave noite com os seis filhos e sua matildee do marido que a

agredia psicologicamente e fisicamente A secretaacuteria a ajudou quando chegou

encaminhando-a para atendimento psicoloacutegico no CRAS e conseguindo um emprego

para ela recomeccedilar a vida Ateacute hoje ela estaacute laacute escondida do marido e segundo ela

ela jaacute tinha procurado duas vezes delegacias comuns por serem as disponiacuteveis na sua

regiatildeo e que a Lei Maria da Penha e a medida protetiva natildeo ajudaram em nada a

situaccedilatildeo

Para Joana esse eacute um exemplo de vaacuterios que a levam a construir um sentido

de que as mulheres quando natildeo querem mais ficar com os maridos e conseguem

largam tudo e fogem Isso porque segundo ela as mulheres que fazem denuacutencias as

fazem na esperanccedila de mudar o comportamento dos seus parceiros para continuar

com eles e natildeo para que eles sejam presos Isso coloca em evidecircncia que de facto

(BAUMAN 2001) a lei natildeo consegue mudar a estrutura social

Queremos compreender melhor a distribuiccedilatildeo material que as organizaccedilotildees

entrevistadas possuem hoje para realizarem seu trabalho As pesquisas em Goiaacutes e em

Satildeo Paulo foram conduzidas nos locais de trabalho dos entrevistados o que

possibilitou conhecermos sobre o espaccedilo em que essas poliacuteticas estatildeo sendo

realizadas e a dimensatildeo das equipes por traacutes das mesmas Escolhemos descrever essas

condiccedilotildees de algumas organizaccedilotildees que melhor contribuem para nossa interpretaccedilatildeo e

anaacutelise

O CREAS de uma cidade do interior do estado de Goiaacutes por exemplo fica em

uma casa teacuterrea com uma sala pequena na entrada onde satildeo recebidas as viacutetimas A

maior parte da equipe do CREAS eacute composta por homens e a entrevista foi realizada

com trecircs membros da equipe o coordenador a assistente juriacutedica e o educador social

Percebemos que aleacutem de o centro natildeo ser um espaccedilo voltado especificamente para

56

mulheres a reproduccedilatildeo da estrutura social desigual estaacute claramente manifestada na

composiccedilatildeo da equipe que eacute composta por uma maioria masculina Aleacutem disso a

estrutura fiacutesica natildeo permite diferenciaccedilatildeo entre as populaccedilotildees em situaccedilatildeo de

vulnerabilidade atendidas Isto significa que homens mulheres e crianccedilas satildeo

atendidas em um mesmo local o que evidencia que no domiacutenio empiacuterico as chances

de mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia se sentirem agrave vontades para darem suas queixas

e buscarem ajuda no centro satildeo reduzidas sendo outro fator que contribui para a

manutenccedilatildeo da esfera real machista

Jaacute a Superintendecircncia de Poliacuteticas para Mulheres em Goiaacutes fica no centro de

uma cidade de Goiaacutes em uma estrutura de dois andares na avenida principal da

cidade Do lado de fora a pintura eacute roxa e estaacute bem sinalizada com campanha do

Disque-100 na fachada e a frase ldquoViolecircncia contra mulher natildeo tem desculpa tem

leirdquo O preacutedio tem uma secretaria com vaacuterias cadeiras na frente onde as pessoas se

identificam e satildeo encaminhadas para salas menores de acordo com a solicitaccedilatildeo

Enquanto esperamos pela entrevista nos abordaram quatro vezes por funcionaacuterias

diferentes perguntando se algueacutem jaacute tinha nos sido atendido Cada sala tem uma

funccedilatildeo especiacutefica assistentes sociais psicoacutelogos assistentes juriacutedicos todas de

atendimento localizadas no andar de baixo proacuteximas agrave entrada Tambeacutem no andar de

baixo no interior do preacutedio ficam as salas onde satildeo realizados trabalhos de

capacitaccedilatildeo e no andar de cima ficam as salas administrativas As condiccedilotildees materiais

desse local foram uma exceccedilatildeo em relaccedilatildeo agraves demais organizaccedilotildees visitadas Isso

porque a maioria dos profissionais satildeo mulheres e o atendimento natildeo eacute em um balcatildeo

mas diretamente com psicoacutelogas ou assistentes sociais em salas privativas Essas

condiccedilotildees no entanto natildeo satildeo estaacuteveis Como conta Roberta

Essa secretaria foi criada em 1987 ela chamava Secretaria Estadual

da Condiccedilatildeo Feminina E foram muito importantes esses quatro anos no

governo Henrique Santillo foram inovadores no sentido de implementar uma

poliacutetica que era muito pouco tratada no acircmbito institucional Entatildeo foi

fantaacutestico E nesse periacuteodo governamental houve poliacuteticas de seguranccedila para

a mulher sauacutede para a mulher enfim abriu um espaccedilo importante no Estado

57

de Goiaacutes Soacute que infelizmente os governos subsequentes extinguiram a

secretaria E ela soacute veio a ser retomada no primeiro governo Marconi Perillo

isso foi no final da deacutecada de noventa E ele criou uma superintendecircncia da

mulher e ela se tornou secretaria no governo seguinte e aiacute ela jaacute vem agora

dentro de um acircmbito institucional como secretaria de estado mesmo que

acoplado a ela por razotildees de ordem principalmente econocircmica e financeira

do estado tem a secretaria da mulher junto com outras aacutereas sociais e de

direitos humanos

Ou seja eacute importante relativizar a estrutura fiacutesica e equipe que vimos porque

historicamente a pauta da mulher foi tratada como um assunto secundaacuterio como

vimos no discurso de Roberta O impacto disso eacute que quando a situaccedilatildeo financeira do

estado complica a pauta eacute uma das primeiras que recebe cortes orccedilamentaacuterios ou eacute

acoplada a outras pautas como estaacute acontecendo agora A pauta da mulher que antes

jaacute dividia uma secretaria com a de desigualdade racial hoje foi incorporada por uma

secretaria guarda-chuva chama Secretaria Cidadatilde que abarca os temas da mulher do

desenvolvimento social da igualdade racial dos direitos humanos e do trabalho Isso

mostra que quando natildeo haacute mudanccedilas no domiacutenio real as mudanccedilas no domiacutenio

empiacuterico natildeo satildeo permanentes satildeo instaacuteveis e dependem de elementos extra-

discursivos que estatildeo sujeitos agrave estrutura social do real Ou seja quando a secretaria

tem condiccedilotildees financeiras ela pode ateacute colocar a questatildeo da mulher em pauta mas

assim que acontecerem momentos econocircmicos desfavoraacuteveis a igualdade de gecircnero

natildeo permanece na agenda pois nunca foi prioridade jaacute que estaacute inserida dentro de

uma estrutura social machista

A Delegacia Especializada no Atendimento agrave Mulher de Goiaacutes por sua vez

fica em um casaratildeo de dois andares no setor central de uma cidade de Goiaacutes Tem

uma sinalizaccedilatildeo discreta e eacute guardada por um policial militar na porta Entrando na

delegacia tem uma sala com banquinhos de madeira sem encosto para as viacutetimas e

seus acompanhantes aguardarem A delegacia de uma forma geral pareceu muito

interessada em estatiacutesticas e pouco sensibilizada com as viacutetimas que tratam

exatamente por esse nome e natildeo como cidadatildes O clima de maneira geral eacute tenso haacute

58

vaacuterias mulheres chorando esperando nos banquinhos pela oportunidade de subir as

escadas da delegacia Em frente aos bancos tem um grande balcatildeo que bloqueia a

entrada para o restante do edifiacutecio onde se encontra uma secretaacuteria Tudo tem que

passar antes por ela entatildeo as mulheres viacutetimas falam na frente de todo mundo a sua

queixa Enquanto esperava pela entrevista uma mulher chegou e mostrou hematomas

no braccedilo para a secretaacuteria e recebeu como resposta ldquoVocecirc tomou banho Isso eacute

sujeira ou eacute hematoma mesmordquo Quando satildeo chamadas para subir e serem atendidas

pela escrivatilde ou delegada respondem por um grito ldquoA viacutetima pode subirrdquo o que

acaba contribuindo para a estigmatizaccedilatildeo

Essa visita nos trouxe mais evidecircncias de que fazer organizaccedilotildees

especializadas eacute um avanccedilo sim mas que mesmo que elas sejam diferentes em sua

concepccedilatildeo o problema natildeo fica totalmente resolvido Nesse sentido enquanto natildeo

promovermos mudanccedilas na estrutura social do machismo novas legislaccedilotildees ou

organizaccedilotildees iratildeo promover mudanccedilas graduais Sem atacar essas causas a delegacia

especializada eacute uma reacuteplica da delegacia comum poreacutem com delegadas mulheres

mas que reproduzem a estrutura social machista no tratamento que elas datildeo agraves

viacutetimas no ambiente em que as mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia tecircm que frequentar

para ir atraacutes de seus direitos na forma como elas satildeo questionadas por estarem laacute

entre outros

Por fim fomos ateacute a Coordenadoria de Poliacuteticas para as Mulheres O

simbolismo eacute importante desde o momento de procurar essa secretaria na internet foi

muito complicado achar informaccedilotildees em sites de busca Mesmo depois de conseguir

encontrar em qual site maior a coordenadoria se encontra sua posiccedilatildeo no rol de

subsecretarias e coordenadorias da secretaria eacute a uacuteltima Aleacutem disso a entrevista em

si foi na coordenadoria que fica em um preacutedio antigo e central Descobrimos que a

coordenadoria fica no uacuteltimo andar da secretaria em uma sala mais escondida e natildeo

haacute identificaccedilatildeo da coordenadoria nos corredores como as demais do preacutedio que

estatildeo sinalizadas A coordenadoria consiste fisicamente em uma sala de reuniatildeo

acoplada ao escritoacuterio da Flaacutevia que eacute a uacutenica componente da equipe

59

Fomos tambeacutem ateacute uma cidade do interior de Goiaacutes a aproximadamente 70

quilocircmetros de Goiacircnia A Secretaria de Mulheres do municiacutepio soacute existe no nome

natildeo tem estrutura fiacutesica nem recursos financeiros apenas o cargo da secretaacuteria

Entatildeo o atendimento eacute feito na casa da secretaacuteria na sala de entrada onde tem duas

mesas de alumiacutenio juntadas e forradas com um pano um sofaacute e uma cadeira de cada

lado ao fundo tecircm equipamentos de cabelereiro profissatildeo que ela exercia Quando

chegamos laacute a sala estava cheia com pessoas se inscrevendo para o Minha Casa

Minha Vida com a ajuda da secretaacuteria e durante a conversa entraram vaacuterios cidadatildeos

de Professor Jamil e todos vinham com assuntos diversos a serem tratados por ela

Essa entrevista em Professor Jamil nos mostrou que agraves vezes apesar de

elementos extra-discursivos escassos como o caso de Joana existe a possibilidade de

tentar atacar as causas do machismo por exemplo chamando os homens para

conversarem nas rodas e promovendo o diaacutelogo mediado entre casais Mesmo assim

natildeo eacute isoladamente que se consegue combater uma estrutura social tatildeo forte quanto o

machismo

Pensando tanto nos discursos (seccedilatildeo 2) quanto nos espaccedilos e equipes

disponiacuteveis eacute possiacutevel perceber como eles se interligam com as accedilotildees dos oacutergatildeos

entrevistados Primeiramente para noacutes nenhuma das organizaccedilotildees entrevistadas

estatildeo formulando ou implementando poliacuteticas puacuteblicas no sentido que discutimos no

referencial teoacuterico de accedilatildeo organizada do Estado para combater um problema Isso

porque todas essas organizaccedilotildees realizam accedilotildees desconexas e pontuais para tentar

lidar com o problema sem atacar suas causas e reproduzindo as desigualdades de

gecircnero (domiacutenio real)

O CREAS visitado realiza atendimento de crianccedilas adolescentes mulheres e

idosos em situaccedilatildeo de vulnerabilidade social Durante a entrevista percebemos que

existe uma confusatildeo muito grande entre os tipos de atendimento que o CREAS

realiza tanto que quando foi perguntado sobre o que eacute poliacutetica de gecircnero a resposta

foi mais sobre poliacuteticas para adolescentes em situaccedilatildeo de vulnerabilidade

Jaacute a Superintendecircncia de Mulheres visitada seria responsaacutevel por formular

poliacuteticas puacuteblicas para esse puacuteblico-alvo De acordo com Roberta

60

A nossa principal poliacutetica eacute a garantia da seguranccedila tanto que noacutes

temos desde o atendimento primaacuterio da mulher atraveacutes de uma assistecircncia

social psicoloacutegica juriacutedica ateacute o abrigamento dessa mulher viacutetima de

violecircncia Entatildeo a gente direciona as nossas poliacuteticas nesse sentido Mas

tambeacutem noacutes temos que cuidar das outras questotildees que satildeo inerentes agrave mulher

a sauacutede a educaccedilatildeo e aiacute principalmente eu vejo hoje que o nosso papel

enquanto instituiccedilatildeo puacuteblica eacute desenvolver mesmo campanhas de

sensibilizaccedilatildeo

Fora isso a superintendecircncia estaacute capacitando 2500 profissionais servidores nas

aacutereas de educaccedilatildeo sauacutede movimentos sociais que trabalham com mulheres em

situaccedilatildeo de violecircncia Existe tambeacutem uma equipe especiacutefica da superintendecircncia

responsaacutevel pelas duas unidades moacuteveis que a secretaria recebeu em 2013 pelo

governo federal para atender mulheres do campo As unidades comeccedilaram o trabalho

indo ateacute o interior para prover serviccedilos de assistecircncia social juriacutedica e psicoloacutegica

No entanto a equipe se deparou com uma rede muito fragilizada e incapaz de

continuar o encaminhamento das demandas das mulheres

Aleacutem disso quando chegou na zona agraacuteria a equipe percebeu que lidar com

essas mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia da aacuterea rural era um desafio diferente do que

estavam acostumados na capital Isso porque as unidades moacuteveis iam para o campo

mas as mulheres tinham receio de entrar ou natildeo conseguiam chegar porque satildeo

ocircnibus rosas que chamam muita atenccedilatildeo e ficam inviaacuteveis para uma mulher nessa

situaccedilatildeo procurar sem ser vista por outras pessoas da regiatildeo e isso chegar ateacute o

agressor A taacutetica adotada entatildeo pelas unidades eacute

Quando vem uma solicitaccedilatildeo do municiacutepio a gente sempre procura

saber se eacute festividade porque para noacutes eacute melhor Porque aiacute tem a unidade

moacutevel e outros serviccedilos na praccedila em que ela pode transitar Soacute a unidade

moacutevel que eacute muito chamativa natildeo funciona Eacute um ocircnibus rosa e ela fica

mais acanhada A gente sempre procura incentivar o municiacutepio a promover

outras coisas ao mesmo tempo para preservar a mulher promover a diluiccedilatildeo

61

nesse espaccedilo e garantir minimamente que ela suba na unidade

Apesar disso quando visitamos a equipe eles natildeo estavam indo a campo

porque estavam em uma fase de transiccedilatildeo Como encontraram uma realidade

diferente da que imaginavam o seu trabalho agora estaacute sendo capacitar a rede montar

material fazer reuniotildees entre outros para tentar alinhar o trabalho de todos

Manuela esclarece

Nesse sentido o trabalho da equipe vem sendo reformulado porque

incialmente a ideia era ir ao interior e ser a porta de entrada das mulheres

viacutetimas de violecircncia levar informaccedilotildees sobre os seus direitos e onde buscar

ajuda e depois ter esse trabalho continuado pelos oacutergatildeos competentes mais

proacuteximos No entanto ao irem para o campo a equipe percebeu que a rede

estava despreparada para dar continuidade ao trabalho e que portanto seria

inuacutetil fazer o trabalho como anteriormente previsto sem dar a capacitaccedilatildeo

necessaacuteria

A Secretaria de Seguranccedila Puacuteblica por sua vez faz parte da rede de combate agrave

violecircncia contra a mulher e tem um papel importante tanto pelas DEAMs quanto pelo

monitoramento e fornecimento de informaccedilotildees criminais que servem de insumo para

a Secretaria da Mulher No entanto natildeo existe uma parceria soacutelida em que ambas as

secretarias atuam conjuntamente e amplamente em termos do estado e se

responsabilizam pela situaccedilatildeo das mulheres que sofrem violecircncia

Portanto a secretaria natildeo tem poliacuteticas puacuteblicas mais amplas em relaccedilatildeo ao

combate agrave violecircncia contra a mulher porque entende que essa competecircncia eacute da

Secretaria da Mulher O que a secretaria faz eacute atuar em regiotildees especiacuteficas

dependendo do gestor que estaacute em determinada aacuterea integrada de seguranccedila (regiatildeo

onde a poliacutecia militar e a poliacutecia civil tem a mesma circunscriccedilatildeo) Como nos disse

um major da secretaria

Que tipo de accedilatildeo preventiva que vai ser implementada em

62

determinado local depende de quem Do gestor que que estaacute ali naquela

regiatildeo em identificar qual eacute o problema dele em implementar essa questatildeo da

prevenccedilatildeo

No mais percebemos que tanto os centros de referencia CREAS e aqueles de

secretariassubsecretarias de mulheres quando existem quanto as delegacias

especializadas e os dados das secretarias de seguranccedila satildeo em geral voltados para

mecanismos juriacutedicos de proteccedilatildeo agrave mulher Mesmo havendo equipes de assistecircncia

social e psicoacutelogos em algumas instacircncias o foco principal das accedilotildees desses oacutergatildeos eacute

garantir medidas protetivas eou prender agressores

Aleacutem disso nos centros de referecircncia satildeo realizados estudos de caso

multidisciplinares para determinar o encaminhamento dado agrave viacutetima De acordo com

os discursos discutidos na seccedilatildeo anterior percebemos que apesar de parecer o

procedimento ideal a ser feito pode ser uma abertura para um julgamento social da

viacutetima pelos membros da equipe

Fora esses oacutergatildeos tivemos contato com o trabalho de uma entidade do

terceiro setor cuja atuaccedilatildeo era bastante diferente dos demais O Centro Popular da

Mulher trabalha sobretudo apoiando e ajudando as mulheres a se organizarem para

reivindicarem seus direitos Em relaccedilatildeo aos oacutergatildeos entrevistados a entidade parece

ser a mais presente na zona rural tanto em frequecircncia quanto em tempo de luta junto

agraves mulheres do campo

Aleacutem disso em termos de accedilotildees outra entrevista que apontou diferenccedilas foi

com a Joana cuja accedilatildeo era de busca ativa e de construccedilatildeo de espaccedilos de debate com

mulheres e homens Isso porque apesar da falta de apoio institucional da prefeitura

ela natildeo espera as mulheres buscarem ajuda No entanto isso soacute eacute possiacutevel porque ela

conhece todo mundo e fica sabendo do que acontece e entatildeo vai atraacutes do casal em

questatildeo E seu trabalho busca a conscientizaccedilatildeo das famiacutelias ela faz conversas de

roda e tambeacutem de casais em particular para tentar agir na causa do problema Suas

accedilotildees se baseiam na sua convicccedilatildeo de que a causa (seccedilatildeo 2 em que discutimos os

sentidos atribuiacutedos agraves caudas da violecircncia de gecircnero) estaacute na falta de respeito a

educaccedilatildeo machista e que isso soacute pode ser mudado se os homens estiverem

63

envolvidos nas accedilotildees de combate agrave violecircncia de gecircnero para tentar mudar o que a

sociedade pensa a maneira como a mulher eacute tratada

Nessa seccedilatildeo aprendemos que as manifestaccedilotildees extra-discursivas da estrutura

social machista varia de acordo com o contexto sobretudo em termos de recursos

materiais e equipe disponiacuteveis para combater a violecircncia de gecircnero nesse contexto

Aleacutem disso percebemos que as manifestaccedilotildees extra-discursivas estatildeo em constante

relaccedilatildeo com a manutenccedilatildeo da estrutura social como o exemplo de que as mulheres

natildeo conseguem alugar uma casa ou mudar o filho de creche afeta a possibilidade

praacutetica de sair de uma situaccedilatildeo de violecircncia Enfim discorreremos na proacutexima seccedilatildeo

com maior profundidade os resultados e as contribuiccedilotildees da pesquisa

64

5 Consideraccedilotildees Finais

Nossa pesquisa teve como objetivo responder agrave pergunta Como a estrutura

social do machismo se manifesta nos contextos urbano e agraacuterio A partir desse

trabalho notamos que a estrutura social do machismo estaacute presente nos dois

contextos urbano e agraacuterio poreacutem se manifesta de jeitos diferentes No contexto

agraacuterio de acordo com os entrevistados o machismo se manifesta de forma mais

aberta com o reforccedilo dos papeis tradicionais de gecircnero de que o papel da mulher eacute

cuidar da casa e dos filhos e o homem de prover financeiramente a famiacutelia estando

em uma posiccedilatildeo de superioridade Jaacute no contexto urbano a manifestaccedilatildeo da estrutura

social machista adquire outras formas sendo que haacute uma maior inserccedilatildeo da mulher no

mercado de trabalho e no discurso as pessoas natildeo reproduzem os papeis de gecircnero

tradicionais poreacutem na praacutetica acabam acontecendo ainda reproduccedilotildees desses mesmos

papeis de uma forma mais suacutetil pelo modo que a mulher deve se vestir pela

educaccedilatildeo diferente dada aos filhos de diferentes gecircneros etc

Tambeacutem nos perguntamos como essas manifestaccedilotildees do machismo satildeo

impactadas e impactam a formulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo

de violecircncia As manifestaccedilotildees do machismo impactam a formulaccedilatildeo de poliacuteticas

puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia porque levam a poliacuteticas com pouca

infraestrutura equipe e orccedilamento e porque abre uma brecha maior entre formulaccedilatildeo

e implementaccedilatildeo porque mesmo que se os formuladores natildeo tenham discursos

machistas no momento do discurso em accedilatildeo as accedilotildees nas delegacias especializadas

reproduzem papeis de gecircnero tradicionais e culpabilizam as mulheres em situaccedilatildeo de

violecircncia

Enfim queriacuteamos descobrir tambeacutem se existem ou natildeo diferenccedilas na

manifestaccedilatildeo do machismo especificamente em termos de violecircncia de gecircnero nas

zonas urbana e agraacuteria Nosso estudo mostrou via discursos que haacute muita divergecircncia

nesse ponto mas que a maioria dos entrevistados acredita que a diferenccedila eacute que no

contexto agraacuterio os tipos de violecircncia predominantes satildeo patrimonial e psicoloacutegico

enquanto no contexto urbano haacute uma maior incidecircncia de violecircncia fiacutesica

relativamente No entanto essa foi uma limitaccedilatildeo da pesquisa porque a quase-

65

totalidade dos entrevistados relatou estar discorrendo sobre algo de que natildeo conhece

por natildeo terem dados oficiais gerados sobre a violecircncia contra mulheres em zonas

agraacuterias e por natildeo terem contato com essas mulheres nas organizaccedilotildees em que

trabalham

Ao longo desse trabalho estudamos as principais referecircncias teoacutericas que

precisaacutevamos para analisar o problema em questatildeo principalmente para colocar em

evidecircncia que as poliacuteticas puacuteblicas estatildeo inseridas em lugares que influenciam e satildeo

influenciados pela construccedilatildeo de sentidos que ocorre no momento de determinaccedilatildeo de

um problema puacuteblica e de como ele seraacute tratado pelo Estado Nosso referencial

teoacuterico se juntou agrave metodologia o que permitiu natildeo soacute a organizar o conhecimento

cientiacutefico com base nas premissas da teoria mas tambeacutem a olhar para a nossa

pesquisa sempre com um olhar criacutetico de tentar enxergar as possibilidades de

mudanccedila da estrutura social

A partir do referencial teoacuterico e da metodologia demos iniacutecio ao trabalho de

estabelecer um roteiro semi-estruturado para as entrevistas depois conseguir agendar

as entrevistas fazer as mesmas transcrever as entrevistas e enfim analisar tudo

como um conjunto agrave partir da metodologia do realismo criacutetico e das referecircncias

teoacutericas que buscamos Isso nos permitiu enxergar os principais temas que surgiram

ao longo das entrevistas e organizaacute-los de acordo com os domiacutenios do realismo

criacutetico real atual e empiacuterico Depois disso estabelecemos um diaacutelogo entre o

referencial teoacuterico e as entrevistas de atores de organizaccedilotildees que lidam com a questatildeo

da violecircncia de gecircnero Isso foi relevante tambeacutem em termos metodoloacutegicos porque

percebemos que existem construccedilotildees de sentidos na academia que apontamos no

referencial teoacuterico que agraves vezes natildeo chegam agrave esfera dos atores que formulam e

implementam poliacuteticas puacuteblicas ou quando chegam elas impactam a esfera do atual

(discursos) sem necessariamente serem complementadas por mudanccedilas no domiacutenio

real (estrutura social de desigualdade de gecircnero) nem nos elementos extra-

discursivos que permitem mudanccedilas efetivas no domiacutenio empiacuterico (de poliacuteticas

puacuteblicas lidar com a questatildeo da violecircncia de gecircnero)

66

Nesse sentido um dos pontos que surgiu ao longo de todas as entrevistas foi o

foco das accedilotildees levadas a cabo pelas organizaccedilotildees Tanto no domiacutenio atual dos

discursos quanto no domiacutenio empiacuterico das poliacuteticas puacuteblicas o principal sentido

dado agrave violecircncia de gecircnero eacute de que a conscientizaccedilatildeo das mulheres se faz necessaacuteria

Os discursos vatildeo desde a falta de informaccedilatildeo da mulher a ira gerada tambeacutem pela

mulher a ausecircncia da mulher enquanto cumpridora de seu papel social na famiacutelia

dentre outros foram apontados como causas para a violecircncia de gecircnero Aleacutem disso

mesmo quando os discursos natildeo eram culpabilizadores da mulher eles giravam em

torno da cultura de modo bem geneacuterico como a sociedade patriarcal e machista

como causas para a violecircncia de gecircnero

Isso implica na transformaccedilatildeo desses discursos em accedilotildees de conscientizaccedilatildeo

como campanhas produccedilatildeo de informativos palestras entre outras Eacute interessante

perceber que natildeo haacute nesses casos poliacuteticas puacuteblicas que deem conta de efetivamente

resolver o problema de uma mulher em situaccedilatildeo de violecircncia isto eacute empoderaacute-la para

sair da situaccedilatildeo com meios materiais para fazecirc-lo e com uma proteccedilatildeo efetiva do

Estado em que ela eacute tratada como cidadatilde de direitos e natildeo como viacutetima Isso

demonstra que estatildeo sendo produzidos e reproduzidos discursos na esfera atual sem

necessariamente mudar a esfera real porque falta empoderamento das mulheres em

termos de recursos extra-discursos da esfera empiacuterica Aleacutem disso o tipo de accedilotildees

adotadas por essas organizaccedilotildees acabam sendo rasas porque ao mesmo tempo em

que natildeo atacam o problema diretamente na correccedilatildeo a posteriori tambeacutem natildeo lidam

com a causa no domiacutenio real isto eacute a estrutura social

Ou seja ao lidar somente com as mulheres em termos de conscientizaccedilatildeo a

maioria das organizaccedilotildees natildeo estaacute atacando a estrutura social porque os homens

fazem parte desta e natildeo satildeo chamados para a discussatildeo Aleacutem disso algumas dessas

accedilotildees de conscientizaccedilatildeo satildeo vazias ateacute para o puacuteblico-alvo as mulheres porque

muitas vezes as mulheres que buscam a ajuda do Estado para lidar com a violecircncia de

gecircnero natildeo sabem ler ou entatildeo natildeo podem atender a essas accedilotildees por estarem em

zonas agraacuterias em que estatildeo muito mais vulneraacuteveis em termos de exposiccedilatildeo ao

agressor ou ao resto da comunidade

67

Nesse sentido tambeacutem achamos relevante em todas as entrevistas a maneira

como satildeo recepcionadas as mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia De maneira geral satildeo

montadas equipes multidisciplinares que tratam cada situaccedilatildeo casuisticamente A

primeira vista nossa impressatildeo foi de que essa era uma boa maneira de lidar com o

problema da violecircncia domeacutestica porque cada mulher estaacute inserida em um contexto

diferente Poreacutem ao longo das entrevistas notamos que o domiacutenio do real acaba

influenciando esta casuiacutestica e diminuindo seu potencial empoderador Isso acontece

porque a estrutura social machista acaba levando a anaacutelise de caso para um

julgamento social da mulher em que muitas vezes o discurso anterior ao seu

atendimento (domiacutenio atual) influencia diretamente a ajuda que ela vai receber do

oacutergatildeo (domiacutenio empiacuterico)

Explorando mais a questatildeo das zonas urbana e agraacuteria haacute evidecircncias de que a

zona agraacuteria eacute muito pouco conhecida pelas organizaccedilotildees que lidam com a violecircncia

de gecircnero Em relaccedilatildeo ao contexto urbano as organizaccedilotildees parecem convergir mais

em termos de discursos sobre as manifestaccedilotildees do machismo nas cidades e as causas

da violecircncia de gecircnero nas mesmas Poreacutem o mesmo natildeo acontece em relaccedilatildeo agraves

zonas agraacuterias

Eacute importante ressaltar que na maioria das entrevistas quando explicamos os

objetivos da pesquisa os entrevistados comeccedilavam a conversa afirmando seu

desconhecimento do que acontece na aacuterea agraacuteria mesmo quando se tratavam de

organizaccedilotildees cuja amplitude de atuaccedilatildeo de jure (BAUMAN 2001) incluiacutea essas

localidades Agravam essa questatildeo tanto elementos extra-discursivos como a falta de

profissionais e dados pouco confiaacuteveis sobre o que acontece devido agrave subnotificaccedilatildeo

como tambeacutem os discursos formados pelos atores sobre a zona agraacuteria Apesar de se

colocarem quase sempre como incapazes de comentar sobre a zona agraacuteria ao longo

das entrevistas surgiram vaacuterios discursos sobre como o machismo de manifesta no

contexto rural as suas causas e como isso se tornava violecircncia contra a mulher

Notamos entatildeo que os sentidos construiacutedos eram muito heterogecircneos em relaccedilatildeo aos

entrevistados e formados com base em um caso especiacutefico com o qual tiveram

contato ou agraves vezes sem contato nenhum com mulheres da zona agraacuteria Isso mostra

como o domiacutenio do real eacute forte na determinaccedilatildeo dos discursos e a falta da

68

experimentaccedilatildeo empiacuterica dos atores com a realidade das mulheres em situaccedilatildeo de

violecircncia em contextos agraacuterios intensifica a estrutura social machista pela

reproduccedilatildeo de discursos machistas para suprir o vaacutecuo do conhecimento sobre essa

situaccedilatildeo

Por fim todos esses pontos colocados satildeo evidecircncias que mostram como os

trecircs domiacutenios da vida social impactam na existecircncia ou natildeo de poliacuteticas puacuteblicas para

mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia nas zonas urbana e agraacuteria Ou seja quando se

muda os discursos sem mudar os elementos extra-discursivos nem a estrutura social

as mudanccedilas natildeo satildeo profundas o suficiente para atacar um problema complexo como

este e acabam por vezes tendo um efeito perverso de reproduzir as causas deste

mesmo problema transmitindo a impressatildeo de que ele estaacute sendo de fato resolvido

51 Implicaccedilotildees para a Praacutetica

As reflexotildees geradas nesse trabalho pretendem ser uacuteteis para mudar o

problema na praacutetica dado os objetivos criacuteticos da ACD Nesse sentido acreditamos

que um dos achados que move accedilotildees praacuteticas eacute a invisibilidade da violecircncia contra a

mulher em contextos agraacuterios Natildeo haacute dados sendo gerados sobre essas mulheres em

situaccedilatildeo de violecircncia ateacute porque elas natildeo costumam chegar agraves instituiccedilotildees formais

que lidam com o problema Nesse sentido apontamos para a urgecircncia dessas

instituiccedilotildees buscarem ativamente essas mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia na zona

agraacuteria para conhecerem melhor as demandas especiacuteficas desse puacuteblico e poderem

entatildeo compreender melhor o problema

Tambeacutem no que diz respeito agrave invisibilidade haacute pouca produccedilatildeo acadecircmica

utilizando a ontologia do Realismo Criacutetico para se pensar em violecircncia de gecircnero e

natildeo encontramos nenhuma bibliografia que discuta o contexto especiacutefico de mulheres

em situaccedilatildeo de violecircncia em zonas agriacutecolas A academia poderia entatildeo ajudar a

colocar esse tema na agenda e a delimitar mais detidamente as manifestaccedilotildees da

estrutura social machista nesse contexto

Enfim acreditamos que uma contribuiccedilatildeo praacutetica estaacute relacionada agraves

evidecircncias encontradas de que a maior parte dos esforccedilos do poder puacuteblico para

69

atacar a violecircncia contra a mulher estaacute focada em campanhas de conscientizaccedilatildeo

Queriacuteamos apontar que uma contribuiccedilatildeo desse trabalho eacute apontar que as campanhas

de conscientizaccedilatildeo natildeo mudam nem a estrutura social nem os elementos extra-

discursivos das mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia como a necessidade de recursos

financeiros para poder sair de casa e caminhos institucionais para poder por exemplo

mudar os filhos de creche quando estatildeo nessa situaccedilatildeo

52 Limitaccedilotildees da Pesquisa

Apesar das contribuiccedilotildees teoacutericas e praacuteticas da pesquisa houve uma mudanccedila

no que se pretendia inicialmente estudar pela falta de dados acerca do contexto

agriacutecola e pouco contato das organizaccedilotildees com mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia

nesse contexto Dessa forma essa pesquisa eacute limitada porque apesar de querer

entender os diferentes contextos a compreensatildeo no contexto urbano foi muito maior

Nesse sentido os discursos coletados acerca do contexto agriacutecola eram

apontados pelos proacuteprios entrevistados como impressotildees infundadas por natildeo se

basearem na sua experiecircncia profissional nem em conhecimento teoacuterico pela

inexistecircncia de estudos Assim os discursos eram muito mais heterogecircneos do que os

que dizem respeito ao contexto urbano e demonstrou que natildeo haacute diagnoacutestico desse

problema e que os sentidos acerca do mesmo ainda estatildeo sendo construiacutedos pelos

profissionais que trabalham na aacuterea e por enquanto estaacute negociada mais a inaccedilatildeo do

que o como agir

Por fim como apontamos ao longo do trabalho natildeo encontramos experiecircncias

concretas de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia nas aacutereas

agraacuterias no estados de Goiaacutes e Satildeo Paulo Desta forma achamos relevante continuar

essa busca por experiecircncias que lidam com esse problema em uma pesquisa posterior

70

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74

7 Anexos

71 Roteiro SEMIRA

1) Na sua opiniatildeo o que eacute poliacutetica de gecircnero Existe alguma

especificidade na hora de elaborar esse tipo de poliacutetica O que a diferencia eou

aproxima de poliacuteticas de outras aacutereas

2) O que vocecirc acredita que satildeo as causas das desigualdades de gecircnero A

SEMIRA combate as causas diretamente como

3) Como foi a evoluccedilatildeo do tratamento da questatildeo de gecircnero no Estado

Qual a estrutura organizacional da secretaria para lidar com a violecircncia de gecircnero

4) O que significa para vocecirc o fato de poliacuteticas de gecircnero serem

transversais Como isso se materializa na accedilatildeo da SEMIRA

5) Quais satildeo os desafios na hora de formular eou implementar poliacuteticas

transversais O machismo se manifesta nesses momentos na hora de lidar com outras

secretarias que natildeo atuam diretamente com a questatildeo de gecircnero

6) A mudanccedila para uma secretaria mais ampla em termos de temas

abarcados muda a maneira como a transversalidade eacute abordada Como

7) A transversalidade tambeacutem muda de acordo com os contextos urbanos

e rural Como ela se relaciona a esses contextos

8) Como o machismo se manifesta na sociedade E na aacuterea rural E na

aacuterea urbana Compare as duas Existem outros fatores culturais que diferenciam a

aacuterea rural e urbana e que influenciam a maneira como a violecircncia de gecircnero se

manifesta

9) Existe diferenccedila entre violecircncia de gecircnero nos acircmbitos rural e urbano

10) Se sim quais as implicaccedilotildees dessa diferenccedila E a secretaria incorpora

essa diferenccedila na formulaccedilatildeo das suas poliacuteticas puacuteblicas

11) O Estado consegue chegar a uma mulher viacutetima de violecircncia da

mesma maneira na aacuterea urbana e rural

12) Vocecirc sente diferenccedila na maneira como os funcionaacuterios policiais

delegados etc lidam com a violecircncia de gecircnero em zonas mais rurais ou urbanas

75

Como essa diferenccedila se manifesta e como a SEMIRA lida com a diferenccedila entre

atores parceiros

13) Como surgiu a SEMIRA Quais foram os atores importantes Qual

era e eacute a sua relaccedilatildeo da SEMIRA com outros oacutergatildeos do governo do Estado

14) Quais satildeo as poliacuteticas puacuteblicas da secretaria direcionadas para o

enfrentamento da violecircncia de gecircnero Como elas comeccedilaram Como elas

funcionam

15) Qual eacute o histoacuterico da poliacutetica dos ocircnibus multidisciplinares que vatildeo ao

campo Como foi a aceitaccedilatildeo pela populaccedilatildeo Continuidade

72 Formulaacuterio de Consentimento Entrevista

Mulheres em situaccedilatildeo de vulnerabilidade social Contextos Construccedilatildeo Simboacutelica

e Poliacuteticas Puacuteblicas

Beatriz Junqueira Kipnis

FGV-EAESP

Sou Beatriz Junqueira Kipnis aluna de graduaccedilatildeo em Administraccedilatildeo Puacuteblica

na Fundaccedilatildeo Getulio Vargas de Satildeo Paulo Estou fazendo uma pesquisa de iniciaccedilatildeo

cientiacutefica sob orientaccedilatildeo dos Prof Dr Marcus Vinicius Peinado Gomes e Prof Dr

Fernando Burgos O objetivo desta pesquisa eacute descobrir se e como os contextos

agriacutecola e urbano impactam na formulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em

situaccedilatildeo de violecircncia e quais as implicaccedilotildees de semelhanccedilas e diferenccedilas dos mesmos

para o cotidiano do puacuteblico beneficiaacuterio Gostariacuteamos de contar com a sua

participaccedilatildeo voluntaacuteria para a parte de campo da pesquisa pois acreditamos que

conhecer a experiecircncia praacutetica possibilitaraacute e enriqueceraacute as anaacutelises dessa pesquisa

Para isso deixamos explicitada nossa eacutetica de pesquisa e pedimos que assine esse

formulaacuterio em caso de consentimento

1 Confidencialidade

Esta entrevista tem como objetivo coletar informaccedilotildees para esta pesquisa e

portanto possui objetivo estritamente acadecircmico Qualquer comentaacuterio opiniatildeo ou

76

avaliaccedilotildees que vocecirc fizer seratildeo tratados com confidencialidade e analisados apenas

para os interesses desta pesquisa

2 Permissatildeo para citaccedilatildeo

Eu gostaria de poder citar diretamente trechos de nossa conversa nos relatoacuterios

e publicaccedilotildees oriundas desta pesquisa Caso deseje manter seu anonimato por favor

manifeste sua preferecircncia antes do iniacutecio da entrevista

3 Participaccedilatildeo

Sua participaccedilatildeo nesta pesquisa eacute voluntaacuteria e vocecirc natildeo receberaacute nenhum

pagamento para tal

Vocecirc pode decidir a qualquer momento por qualquer razatildeo em natildeo mais

fazer parte desta pesquisa Em caso de duacutevidas ou esclarecimentos vocecirc pode fazer

perguntas a mim em qualquer momento

3 Gravaccedilatildeo

Gostaria de pedir sua permissatildeo para gravar nossa entrevista com o uacutenico

proposito de facilitar o processo de pesquisa Se vocecirc natildeo concorda com a gravaccedilatildeo

por favor manifeste sua preferecircncia antes do iniacutecio da entrevista

Assinatura do Entrevistado ___________________________________________

Data _____________________________________________

Assinatura do Pesquisador _____________________________

Data _____________________________________________

Caso tenha alguma duacutevida sobre o estudo por favor entrar em contato com

Beatriz Kipnis bjkipnishotmailcom ou Dr Marcus Gomes marcusgomesfgvbr

Page 9: Fundação Getúlio Vargas Escola de Administração de ......mulheres de áreas agrícolas e se sentiam pouco à vontade para comentar sobre a violência contra mulheres nessas áreas.

9

podem ser simultacircneas De acordo com Saravia (2006) essas fases satildeo agenda

elaboraccedilatildeo formulaccedilatildeo implementaccedilatildeo execuccedilatildeo acompanhamento e avaliaccedilatildeo A

agenda eacute a fase em que determinada situaccedilatildeo se transforma em problema puacuteblico

(SARAVIA 2006) ou seja quando o Estado decide realizar alguma decisatildeo puacuteblica

sobre determinado problema seja ela atraveacutes da accedilatildeo ou da omissatildeo A elaboraccedilatildeo eacute

quando satildeo traccediladas as diferentes alternativas de accedilatildeo do Estado frente a esse

problema (SARAVIA 2006) Depois a formulaccedilatildeo eacute quando uma alternativa eacute

escolhida e aprofundada para lidar com o problema (SARAVIA 2006) Em seguida

acontece a implementaccedilatildeo dessa alternativa isto eacute a preparaccedilatildeo em termos de

recursos materiais e humanos para realizar a poliacutetica puacuteblica (SARAVIA 2006) A

execuccedilatildeo por sua vez eacute a accedilatildeo em si a praacutetica do planejamento realizado (SARAVIA

2006) Depois o acompanhamento eacute o monitoramento da poliacutetica puacuteblica enquanto

ela estaacute em fase de execuccedilatildeo para poder fazer alteraccedilotildees se necessaacuterias e corrigir o

rumo de acordo com os objetivos pretendidos (SARAVIA 2006) Por fim a

avaliaccedilatildeo eacute a verificaccedilatildeo do desempenho da poliacutetica puacuteblica depois que ela foi

executada e pode ser medida em termos de eficiecircncia eficaacutecia e efetividade

Eacute importante ressaltar que todas as etapas das poliacuteticas puacuteblicas satildeo

influenciadas pelo discurso uma vez que poliacutetica puacuteblica natildeo eacute o resultado de uma

anaacutelise meramente racional e cientiacutefica e sim influenciada por julgamentos de valor e

significados atribuiacutedos aos problemas puacuteblicos embora a poliacutetica puacuteblica aconteccedila

atraveacutes dessas etapas a poliacutetica se realiza na negociaccedilatildeo dos significados Saravia

(2006) ressalta nesse sentido a importacircncia das instituiccedilotildees no processo das poliacuteticas

puacuteblicas como podemos perceber no trecho

Os estudos de poliacutetica puacuteblica mostram a importacircncia das insituiccedilotildees

estatais tanto como organizaccedilotildees pelas quais os agentes puacuteblicos (eleitos ou

administrativos) perseguem finalidades que natildeo satildeo exclusivamente respostas

a necessidades sociais como tambeacutem configuraccedilotildees e accedilotildees que estruturam

modelam e influenciam os processos econocircmicos com tanto peso como as

classes e os grupos de interesse (SARAVIA 2006 p 37)

10

Ou seja as poliacuteticas puacuteblicas satildeo produzidas dentro de um contexto

organizacional que influencia o desenho e o resultado que se atinge com uma poliacutetica

puacuteblica

212 O que e quem estaacute incluso no ldquopuacuteblicordquo tratado pelas poliacuteticas puacuteblicas

Como vimos na seccedilatildeo anterior existe uma negociaccedilatildeo sobre a definiccedilatildeo o que

satildeo problemas puacuteblicos e decidir a partir da definiccedilatildeo do problema como seratildeo

combatidos Nesse sentido uma das questotildees que vecircm agrave tona na delimitaccedilatildeo do

problema eacute a negociaccedilatildeo do sentido de lsquopuacuteblicorsquo uma vez que este natildeo eacute um conceito

consensual se tratando de um sentido tambeacutem em disputa (FREDERICKSON 1991)

Algumas perspectivas diferentes satildeo possiacuteveis para ressaltar a multiplicidade de

interpretaccedilotildees diferentes do que eacute entendido como puacuteblico De acordo com

Frederickson (1991) as principais perspectivas satildeo pluralista do public choice

legislativa do cliente e cidadatilde

A perspectiva pluralista eacute aquela que entende como puacuteblico a manifestaccedilatildeo da

interaccedilatildeo entre grupos de interesses que disputam o poder poliacutetico

(FREDERICKSON 1991) Esses grupos seriam meras agregaccedilotildees de pessoas com

interesses individuais sendo o interesse de cada grupo a aglomeraccedilatildeo dos interesses

particulares dos participantes Em decorrecircncia da disputa entre grupos de interesse o

interesse puacuteblico seria o grupo que vencesse tal luta Frederickson (1991) ressalta

como risco dessa perspectiva que o interesse puacuteblico resultante da disputa de grupos

de interesse natildeo seja a representaccedilatildeo efetiva tanto dos indiviacuteduos dentro dos grupos

quanto daqueles que natildeo fazem parte de grupos por natildeo serem interessantes

politicamente ou economicamente para tais aglomeraccedilotildees

Por sua vez a perspectiva do public choice manteacutem a ideia pluralista de que

um grupo eacute soacute uma agregaccedilatildeo de pessoas e que portanto o indiviacuteduo faz um caacutelculo

racional para aumentar sua eficiecircncia no setor puacuteblico (FREDERICKSON 1991)

Isso implica em uma visatildeo dos servidores puacuteblicos como maximizadores de interesses

particulares e que natildeo estariam interessados em maximizar o interesse coletivo

Enfim essa visatildeo entende o puacuteblico e o seu interesse como o do maior nuacutemero de

11

pessoas sendo utilitarista e consequentemente gerando a exclusatildeo de quem natildeo tem

recursos para fazer a escolha puacuteblica e a desconfianccedila nas motivaccedilotildees dos

governantes

Jaacute a perspectiva legislativa eacute aquela em que os administradores puacuteblicos

operam o que eacute decidido pelo legislativo (FREDERICKSON 1991) Este por sua vez

seria a arena de representaccedilatildeo legiacutetima do interesse puacuteblico O autor

(FREDERICKSON 1991) ressalta entretanto que na praacutetica as leis satildeo ambiacuteguas e

permitem interpretaccedilotildees diferentes por parte dos administradores puacuteblicos Aleacutem

disso haacute um conflito de forccedila em relaccedilatildeo ao que eacute exigido pelo executivo que os

administradores puacuteblicos executem em detrimento do legislativo No mais haacute outro

dilema nessa concepccedilatildeo porque representaccedilatildeo natildeo eacute algo que se encerra no

legislativo havendo outras arenas representativas como os grupos de interesse

anteriormente citados

Outra visatildeo possiacutevel eacute de puacuteblico como cliente em que os indiviacuteduos satildeo

consumidores dos serviccedilos puacuteblicos Isso implica no contato direto entre clientes e

burocratas de niacutevel de rua o que leva ao impasse de que os burocratas precisam

colocar as necessidades dos clientes como mais importantes e ao mesmo tempo

precisam ser imparciais impessoais (FREDERICKSON 1991) Aleacutem disso falta

verba para que a qualidade e quantidade dos serviccedilos puacuteblicos oferecidos atendam agraves

demandas dos clientes De acordo com Frederickson (1991) essa perspectiva seria

fraca porque clientes natildeo conseguem funcionar como puacuteblico isto eacute cada indiviacuteduo

agindo como cliente natildeo se articula enquanto grupos para defender seus interesse e os

burocratas podem se organizar enquanto grupo de interesse e conseguir suplantar os

clientes

Por fim podemos enxergar o puacuteblico como cidadatildeo o que significa que o

puacuteblico tem interesse proacuteprio e coletivo (FREDERICKSON 1991) Essa visatildeo

implica no papel da Administraccedilatildeo Puacuteblica de colocar em praacutetica os valores definidos

por uma constituiccedilatildeo No entanto essa perspectiva natildeo enxerga o legislativo como

arena de representaccedilatildeo final dos interesses puacuteblicos sendo que todos satildeo cidadatildeos e

devem ser contemplados pela administraccedilatildeo puacuteblica sendo ou natildeo minorias Entatildeo

faria parte do dever da administraccedilatildeo puacuteblica criar um arcabouccedilo institucional

12

possibilitador de participaccedilatildeo direta dos cidadatildeos e tambeacutem advogar pelos direitos de

minorias sem poder representativo A Administraccedilatildeo Puacuteblica tambeacutem deve nessa

perspectiva desenvolver e manter sistemas capazes de captar e responder os puacuteblicos

coletivos ou natildeo tendo em vista sempre o interesse do coletivo maior sem ferir os

direitos das minorias (FREDERICKSON 1991)

No mais a perspectiva do puacuteblico como cidadatildeo exige um entendimento da

cidadania de ambos os lados isto eacute a administraccedilatildeo puacuteblica deve enxergar o puacuteblico

como cidadatildeos mas os cidadatildeos precisam agir como tais Isso exigiria segundo

Frederickson (1991) o entendimento pelos cidadatildeos da constituiccedilatildeo e portanto dos

valores defendidos pela mesma e tambeacutem a capacidade de raciocinar moralmente

compatibilizando interesses particulares e coletivos tendo como medida o documento

constitucional Aleacutem disso seria essencial a crenccedila dos cidadatildeos em direitos

ldquonaturaisrdquo e natildeo na ideia de que a maioria teria poder legiacutetimo mas que todos tecircm

que ter esses direitos miacutenimos garantidos sendo ou natildeo parte da maioria

(FREDERICKSON 1991)

A reflexatildeo de Frederickson (1991) vai aleacutem de uma categorizaccedilatildeo sobre os

diferentes significados de puacuteblicos construiacutedos pela interaccedilatildeo do Estado e seus

cidadatildeos ao contraacuterio ressalta que a visatildeo sobre o que eacute lsquopuacuteblicorsquo natildeo eacute definido a

priori no ciclo de poliacuteticas puacuteblicas ao contraacuterio eacute negociada neste processo Neste

sentido a pluralidade normativa da visatildeo de lsquopuacuteblicorsquo faz parte da estrateacutegia

organizacional de determinado oacutergatildeo da Administraccedilatildeo Puacuteblica Isso porque as

praacuteticas cotidianas da organizaccedilatildeo transparecem determinado tratamento de puacuteblico e

acabam resultando em uma estrateacutegia organizacional que produz uma poliacutetica puacuteblica

com determinado vieacutes para o que eacute considerado puacuteblico

213 A produccedilatildeo de conhecimento e a importacircncia das praacuteticas cotidianas

Continuando esse o argumento da disputa de significados o conhecimento

tambeacutem eacute uma construccedilatildeo social e como tal estaacute sujeito a poderes em conflito e

mudanccedilas As poliacuteticas puacuteblicas satildeo influenciadas por essa construccedilatildeo social do

conhecimento uma vez que as situaccedilotildees dependem de uma significaccedilatildeo social para

13

serem consideradas como problemas puacuteblicos e portanto entrarem na agenda de

governo Nesse sentido o que eacute considerado como conhecimento vaacutelido faz parte de

uma ideia que a sociedade tem do que eacute legitimamente visto como conhecimento ou

natildeo e isso varia de acordo com tempo e lugar (SPINK 2001) Desde o berccedilo as

universidades satildeo um local onde essa tensatildeo entre conhecimento legitimado ou natildeo

persiste no cotidiano e satildeo espaccedilos em que a luta pelo reconhecimento da

heterogeneidade de conhecimentos muitas vezes fica em um segundo plano vis-agrave-vis

o conhecimento produzido pela proacutepria academia e desvinculado muitas vezes da

realidade cotidiana do objeto estudado (SPINK 2001)

Essa dicotomia entre produccedilatildeo de conhecimento nas universidades e na

praacutetica reduziu apenas recentemente sobretudo pela forccedila dos movimentos sociais

Eles mostraram que a sociedade civil produz conhecimentos relevantes para se

organizar e enfrentar os seus problemas do dia-a-dia sem necessariamente estarem

ligados ao conhecimento hegemocircnico do meio acadecircmico (SPINK 2001) Cresceu a

partir de entatildeo a noccedilatildeo de multiplicidade de conhecimentos e a importacircncia da

universidade reconhecer a importacircncia e estudar esses conhecimentos produzidos na

praacutetica

A construccedilatildeo desse leque de conhecimentos segundo Spink (2001) se daacute

sobretudo pela praacutetica vivida pelos grupos sociais na resoluccedilatildeo de problemas

enfrentados no cotidiano e que natildeo foram solucionados por organizaccedilotildees externas

Assim cada lugar eacute constituiacutedo de um contexto proacuteprio que tanto possibilita quanto

compele a produccedilatildeo de determinados conhecimentos

Dentro desses contextos uacutenicos de produccedilatildeo de conhecimento existem as

praacuteticas do cotidiano que fazem as organizaccedilotildees se construiacuterem enquanto tais e satildeo

tambeacutem por elas influenciadas As poliacuteticas puacuteblicas satildeo produzidas por organizaccedilotildees

e seus arranjos entre si ou seja satildeo influenciadas pelos contextos e praacuteticas do

mesmo Essas praacuteticas satildeo definidas por Schatzki (2007) como o conjunto de accedilotildees

estruturadas por uma organizaccedilatildeo Nessa visatildeo natildeo eacute a estrutura organizacional que

molda completamente as accedilotildees de seus constituintes mas uma relaccedilatildeo dialeacutetica em

que estruturas sociais e atores se influenciam mutuamente para formar as praacuteticas

desenvolvidas rotineiramente em uma organizaccedilatildeo As praacuteticas incluem segundo o

14

autor quatro fenocircmenos principais

(1) understandings of (complexes of know-hows regarding) the actions

constituting the practice for example knowing how to email and to recognize

emailing and knowing how to deliver and recognize lectures (2) rules by

which I mean explicit directives admonishments or instructions that

participants in the practice observe or disregard (3) something I call a

teleological-affective structuring which encompasses a range of ends

projects actions maybe emotions and end-project-action combinations

(teleological orderings) that are acceptable for or enjoined of participants to

pursue and realize and (4) general understandings for example general

understandings about the nature of work about proper teacherndashstudent

interactions or about the commonality of fate (SCHATZKI 2007)

As praacuteticas podem portanto ser definidas como participantes ativas da

estrateacutegia organizacional A estrateacutegia enquanto praacutetica eacute um conceito que faz a

conexatildeo entre a caracteriacutestica ativa e dialeacutetica das praacuteticas cotidianas e a proacutepria

formulaccedilatildeo de estrateacutegias dentro de uma organizaccedilatildeo Esse conceito estaacute ligado a uma

visatildeo construtivista das estrateacutegias dentro de uma organizaccedilatildeo isto eacute as estrateacutegias

natildeo satildeo estaacuteveis ao longo do tempo passam por um processo de definiccedilatildeo e

redefiniccedilatildeo conforme ganham ou perdem legitimaccedilatildeo interna e externa ao ambiente

organizacional (SOUZA 2009)

Nesse sentido as estrateacutegias de uma organizaccedilatildeo podem mudar ou

permanecer ao longo do tempo de acordo com a relaccedilatildeo dupla entre agentes e

estrutura esta sendo composta de recursos disponiacuteveis normas e regras presentes e

entendimento compartilhado (SOUZA 2009) Os recursos disponiacuteveis podem ser

materiais como o ambiente fiacutesico de uma organizaccedilatildeo ou imateriais como a

capacitaccedilatildeo para exercer uma atividade dentro da mesma Esses recursos satildeo objeto

de uma luta permanente porque satildeo eles que possibilitam a dominaccedilatildeo de uma

estrateacutegia ou seja quem deteacutem mais recursos acaba tendo mais poder na hora de

defender sua posiccedilatildeo vis-agrave-vis uma estrateacutegia organizacional (SOUZA 2009) As

15

normas e as regras podem ser formais como o estatuto de uma associaccedilatildeo que prevecirc

condutas permitidas eou exigidas para a participaccedilatildeo ou informais construiacutedas e

aceitas no cotidiano sem que sejam transcritas como o tipo de comportamento

considerado adequado dentro de determinada organizaccedilatildeo Satildeo as normas e regras

que constituem a legitimaccedilatildeo ou natildeo de estrateacutegias isto eacute elas permitem ou natildeo a

aceitaccedilatildeo de uma estrateacutegia em detrimento do que eacute aceito formal e informalmente no

ambiente organizacional (SOUZA 2009) Aleacutem disso haacute um entendimento

compartilhado em uma organizaccedilatildeo que significa as estrateacutegias isto eacute traduz

subjetivamente a estrateacutegia para uma dimensatildeo simboacutelica que eacute compreensiacutevel para a

realidade de seus agentes

Isso significa que formular e implementar estrateacutegias dentro de uma

organizaccedilatildeo satildeo processos inseridos dentro de um contexto permeado por

significaccedilotildees dominaccedilotildees e legitimaccedilotildees de discursos no cotidiano dos agentes e

portanto haacute uma tensatildeo constante e um diaacutelogo entre processos e contexto em que o

mesmo influencia e eacute influenciado pelos processos de definiccedilatildeoredefiniccedilatildeo de

estrateacutegia (SOUZA 2009) Assim podemos dizer que as organizaccedilotildees natildeo produzem

estrateacutegias no vaacutecuo jaacute que as praacuteticas que as constituem soacute satildeo significadas quando

satildeo ativadas pelos agentes e possibilitadas pelo contexto interno e externo agrave

organizaccedilatildeo tornando o contexto um elemento essencial para estudar as estrateacutegias

em organizaccedilotildees

Dessa forma poliacuteticas puacuteblicas podem ser entendidas como uma estrateacutegia

constantemente definida e redefinida em funccedilatildeo das negociaccedilotildees sobre os sentidos

dos problemas puacuteblicos A estrutura organizacional se torna entatildeo natildeo apenas

relevante para a determinaccedilatildeo da capacidade material de resoluccedilatildeo de um problema

social mas tambeacutem delimita um lugar simboacutelico sobre as possibilidades de accedilatildeo para

enfrentaacute-lo

22 Contextos onde as poliacuteticas puacuteblicas acontecem

No acircmbito dessa pesquisa pretendemos nos focar em principalmente dois

contextos diferentes que permeiam o processo de formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de

16

poliacuteticas puacuteblicas enquanto estrateacutegias de organizaccedilotildees da Administraccedilatildeo Puacuteblica

Podemos falar nos lugares e na diferenciaccedilatildeo entre contextos urbano e agriacutecola como

fator que influencia e eacute influenciado pelo ciclo de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em

situaccedilatildeo de violecircncia

Os contextos impactam nas praacuteticas e arranjos materiais disponiacuteveis em

determinado lugar (SPINK 2001) O lugar eacute onde ocorre a troca entre contexto

praacuteticas e arranjos como contextos agriacutecola e urbano estruturas organizacionais e

negociaccedilatildeo de sentidos e estrateacutegias para lidar com problemas puacuteblicos De acordo

com Milton Santos (2001) os lugares satildeo espaccedilos esquizofrecircnicos porque satildeo onde se

verificam os vetores da globalizaccedilatildeo e tambeacutem da contraordem O papel do lugar eacute

natildeo soacute onde se vive mas um lsquoespaccedilo vividorsquo em que satildeo reproduzidas eou

reavaliadas processos do passado e onde se projeta o futuro (SANTOS 2001) Nesses

lugares ocorrem os embates entre soluccedilotildees imediatistas e visotildees finaliacutesticas

conjuntura e estrutura (SANTOS 2001)

A ideia de lugar compreende a importacircncia dos processos construiacutedos e que

constroem um contexto Schatzki (2005) em sua teoria sobre como satildeo construiacutedos

os fenocircmenos sociais afirma que estes estatildeo ligados aos lugares

Sites however are a particularly interesting sort of context What

makes them interesting is that context and contextualized entity constitute one

another what the entity or event is is tied to the context just as the nature and

identity of the context is tied to the entity or event (among others)(p 468)

Essa definiccedilatildeo eacute entatildeo especificada ao social em que o lugar ldquodo social eacute

composto de nexos de praacuteticas e arranjos materiaisrdquo (SCHATZKI 2005 p471) As

praacuteticas seriam as atividades humanas e os arranjos materiais incluem as pessoas os

artefatos outros organismos e coisas

Os fenocircmenos sociais fazem parte das teias formadas dentro dos lugares e da

relaccedilatildeo entre eles sendo ao mesmo tempo produto e alimento desses lugares As

organizaccedilotildees de acordo com o autor (SCHATZKI 2005) seriam um desses

fenocircmenos sociais Fazendo parte dessa teia as organizaccedilotildees satildeo constituiacutedas por

praacuteticas sobreviventes previamente de outras organizaccedilotildees (vindas com as

17

experiecircncias passadas dos indiviacuteduos que a constituem) e uma mistura de praacuteticas do

presente que satildeo alteradas ou natildeo para materializar a razatildeo de existecircncia da

organizaccedilatildeo e arranjos materiais velhos e novos (SCHATZKI 2005 p476) Schatzki

(2005) ressalta que trecircs pontos satildeo essenciais para compreender uma organizaccedilatildeo

identificar as accedilotildees que a compotildeem identificar o conjunto de praacuteticas e arranjos

materiais em que as accedilotildees estatildeo inseridas identificar as outras teias de conjuntos de

praacuteticas e arranjos que se ligam agrave teia que compotildee a organizaccedilatildeo

Podemos clarificar ainda mais a ideia de lugares com a contribuiccedilatildeo de Spink

(2001) que define lugar como ldquoponto de partida para refletir sobre a organizaccedilatildeo

porque permite um olhar a partir de um enraizamento na processualidade do cotidiano

e fora dos muros das organizaccedilotildeesrdquo (SPINK 2001 p18) Esse termo tambeacutem foca

nos processos construiacutedos pelos indiviacuteduos suas relaccedilotildees e o contexto nos quais

participam e as organizaccedilotildees como parte desses processos em que haacute tensotildees e natildeo

como uma entidade que existe sem a accedilatildeo de pessoas Aleacutem disso Spink (2001)

ressalta a importacircncia da construccedilatildeo social dos sentidos que damos agraves accedilotildees e

materialidades que compotildeem o cotidiano o que dialoga com a ideia de Schatzki

(2005) de como compreender as accedilotildees dos indiviacuteduos

Assim pretendemos compreender as regiotildees agriacutecola e urbana como lugar

que satildeo indissociaacuteveis daquilo que os constituem (Spink 2001 SCHATZKI 2005)

enquanto praacuteticas e arranjos constitucionais observaacuteveis materialmente a partir de

organizaccedilotildees puacuteblicas O estudo das organizaccedilotildees que formulam e implementam

essas poliacuteticas puacuteblicas eacute importante para entender quais os conjuntos de praacuteticas e

arranjos materiais que formam o contexto das poliacuteticas puacuteblicas em questatildeo e se

existem ligaccedilotildees e sobreposiccedilotildees entre praacuteticas eou arranjos materiais dessas

organizaccedilotildees

221 Cidades Urbanas e Agriacutecolas

Precisamos entatildeo definir o que satildeo regiotildees agriacutecolas e regiotildees urbanas como

lugar no qual as poliacuteticas puacuteblicas estatildeo inseridas Santos (1996) trouxe essa nova

tipologia de cidades agriacutecolas e urbanas porque as mudanccedilas econocircmicas impactaram

18

a organizaccedilatildeo do espaccedilo geograacutefico de tal forma que as atividades urbanas e rurais

existem em todas as regiotildees Assim natildeo haacute mais uma separaccedilatildeo em aacutereas rurais e

urbanas de acordo com distinccedilatildeo econocircmica sendo que o novo ldquocriteacuterio de distinccedilatildeo

seria devido muito mais ao tipo de relaccedilotildees realizadas sobre os respectivos

subespaccedilosrdquo (SANTOS 1996 p 67)

Segundo ele ldquonas regiotildees agriacutecolas eacute o campo que sobretudo comanda a

vida econocircmica e social do sistema urbano enquanto nas regiotildees urbanas satildeo as

atividades secundaacuterias e terciaacuterias que tecircm esse papelrdquo (SANTOS 1996 p 68)

Apesar dessa predominacircncia que permite a distinccedilatildeo existem nos dois tipos de

regiotildees cidades e zonas de atividade rural mas nas regiotildees agriacutecolas a cidade existe

para suprir as necessidades do campo e das pessoas que o habitam enquanto nas

regiotildees urbanas as zonas de atividade rural existem para suprir as necessidades das

cidades e as pessoas que a habitam (SANTOS 1996) Assim essa tipologia eacute

importante para definir os contextos das poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo

de violecircncia jaacute que loacutegicas diferentes as constituem apontando praacuteticas e arranjos

materiais tambeacutem diversos

23 Gecircnero Machismo e Violecircncia de Gecircnero

As discussotildees sobre gecircnero na academia tecircm sido concentradas em uma

perspectiva discursiva que distingue completamente sexo de gecircnero colocando o

primeiro como parte de uma esfera bioloacutegica e o segundo como uma construccedilatildeo

social desvinculada da primeira (CAROLAN 2005) Nesse sentido Carolan (2005)

aponta um risco de gerar um reducionismo ao julgar gecircnero apenas como uma

construccedilatildeo social sem levar em consideraccedilatildeo os elementos extra-discursivos que

dialeticamente significam e ressignificam os papeis de gecircnero Segundo Carolan

(2005 p5)

Sociology has been correct to take care so as to not legitimate

ideologically-driven biological determinism and the socio-political

ramifications that accompany such proclamations My concern however is

19

that this apprehension toward determinism has become too one-sided With

all of our handringing about the dangers of ldquobringing nature back inrdquo to

sociological analyses due to its deterministic undertones we remain

incorrigibly blind to the other side of the coin to the appalling prospects of

an equally dangerous cagemdashcultural determinism In our rush to condemn the

fixed-biological we often (mistakenly) overly prescribe mutability and fluidity

to the socio-cultural We must thus stay vigilant to all prescriptions of

determinismmdashbiological and otherwisemdashwhile concomitantly remaining open

to the multidirectional causal potentials that constitute a stratified rooted

and emergent reality

Dessa forma eacute importante levar em conta tanto os niacuteveis discursivos quanto

extra-discursivos da construccedilatildeo de gecircnero dentro de uma estrutura social que dialoga

com esses elementos Assim os elementos extra-discursivos podem ser tanto

bioloacutegicos como apontados no trecho acima mas podem ser tambeacutem outras

materialidades que podem ser causa e efeito ao mesmo tempo da construccedilatildeo social

dos papeis de gecircnero como a desigual inserccedilatildeo no mercado de trabalho e os salaacuterios

desiguais para as mesmas posiccedilotildees Por exemplo se as mulheres tecircm menor inserccedilatildeo

no mercado de trabalho isso eacute fruto de uma construccedilatildeo social dos papeis de gecircnero

mas tambeacutem reforccedila os mesmos papeis em um jogo dialeacutetico porque as mulheres

ficam em uma posiccedilatildeo pouco empoderada acerca de como decidir a alocaccedilatildeo dos

recursos em casa e mais vulneraacuteveis para conseguir materialmente sair de casos de

violecircncia

Nesse contexto o machismo pode ser entendido como uma estrutura social

subjetiva construiacuteda a partir da existecircncia de gecircnero como uma classificaccedilatildeo criada

socialmente mas que alimenta e eacute alimentada por materialidades extra-discursivas O

machismo se configura entatildeo como algo abstrato que natildeo pode ser visto

materialmente Como coloca Sayer (1998 p 159-160)

()unobservable natural forces as well as structures of a language or

tules of a game can be and frequently are described and known Thus while

20

the unobservable wind can be known to be responsible for the flying hat or the

swirling leaves the rules of grammar facilitating the speech acts of some

group or the secret code used by children to send messages to each other

may each be quite unproblematically retroducible andor describable By

demonstrating the empirical adequacy of theories of gravitational and

magnetic fields social rules and relations structures of languages and so

forth these items can be known whether or not they can be directly observed

O machismo pode ser considerado como um item abstrato conforme

apresentado por Sayer (1998) que podem ser conhecidos mesmo que natildeo possam ser

observados diretamente Para fazer isso devemos tentar acessar a estrutura social

pelas suas manifestaccedilotildees tanto discursivas quanto extra-discursivas Especificamente

sobre as relaccedilotildees de gecircnero Sayer discorre sobre como podemos observaacute-la na

praacutetica (SAYER 1998 p160)

Even a single maintained hypothesis can be continually assessed by

examining the range of phenomena it bears upon In other words the

empirical adequacy of any hypothesis can be progressively checked-out by

deducing such implications as follow with regard to any domain for which

such implications hold and can in practice be observed Where it is argued

for example that gender relations in many societies are such that mechanisms

are reproduced which serve to discriminate against women in favout of men

this assessment can be checked out against detectable patterns occurring in

for example factories homes schools and universities and any other place

where the mechanism will conceivably reveal its effects

Podemos entatildeo acessar a estrutura social machista sobretudo atraveacutes de pelo

menos dois tipos de manifestaccedilotildees materiais ou seja as diferenccedilas objetivas como a

distribuiccedilatildeo de recursos e bens e subjetivas como se daacute a percepccedilatildeo da sociedade

sobre os papeis de gecircnero (GOMES 2014a) Corroborando Lorente (2015) tambeacutem

apresenta o machismo como uma estrutura social

21

Inequality is a construction based on the male design of society and

developed to determine the relationships within it It is neither an error nor an

uncontrolled drift It is a decision to establish a structure of power that

provides benefits and privileges to those in a superior position men and

denies rights and opportunities to those in an inferior position women

Violence against Women (VAW) is an instrument to maintain this structure

part of the tools to guarantee that it works () Violence against women is

different from other forms of violence due to its motivations goals

circumstances and meaning It is the only violence supported by social and

cultural ideas and the only one that is accepted and justified by part of

society (LORENTE 2015)

A violecircncia de gecircnero surge entatildeo como uma manifestaccedilatildeo dessa estrutura

social machista com implicaccedilotildees objetivas e subjetivas A violecircncia fiacutesica e

patrimonial podem ser entendidas como uma manifestaccedilatildeo material da estrutura

social enquanto outras violecircncias como a psicoloacutegica satildeo mais subjetivas e ligadas ao

asseacutedio moral (TRERJ 2013) uma forma de apreciaccedilatildeo negativa mais ligada ao

discurso poreacutem com implicaccedilotildees objetivas fortes como a proibiccedilatildeo da mulher de sair

de casa e trabalhar ou o desenvolvimento de doenccedilas psicoemocionais como

depressatildeo Aleacutem disso a violecircncia de gecircnero de todos os tipos estaacute permeada por

manifestaccedilotildees objetivas e subjetivas objetivas na vulnerabilidade em termos de

recursos materiais das mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia e subjetivas na exposiccedilatildeo agrave

apreciaccedilatildeo da famiacutelia da comunidade e das instituiccedilotildees puacuteblicas para atender a essas

mulheres que muitas vezes reproduzem papeis tradicionais de gecircnero ligados agrave

estrutura social machista

Afim de compreendermos a estrutura social machista nos diferentes contextos

agriacutecola e urbano vamos nos apoiar metodologicamente no Realismo Criacutetico sobre a

qual nos debruccedilaremos na seccedilatildeo a seguir Esta metodologia nos permite acessar

aspectos da estrutura social atraveacutes de suas manifestaccedilotildees Assim poderemos

compreender melhor as dialeacuteticas entre estrutura social manifestaccedilotildees discursivas e

22

manifestaccedilotildees extra-discursivas e do discurso em accedilatildeo Dessa maneira pretendemos

informar a accedilatildeo do Estado para combater essa estrutura social machista sobretudo a

sua manifestaccedilatildeo enquanto violecircncia de gecircnero

23

3 Metodologia

A partir da revisatildeo da literatura entendemos que as poliacuteticas puacuteblicas e suas

estrateacutegias satildeo definidas e redefinidas em um processo de embate entre discursos e

significaccedilotildees Este processo estaacute inserido em um lugar que influencia e eacute influenciado

pela negociaccedilatildeo de sentidos Especialmente no que diz respeito agrave violecircncia contra a

mulher estamos examinando para uma estrutura social machista e procurando

entender como os contextos influenciam a formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de poliacuteticas

puacuteblicas para aacutereas agriacutecolas e urbanas de acordo com as diferentes manifestaccedilotildees da

estrutura social nesses contextos Desta forma a pergunta de pesquisa que surge para

este trabalho eacute A estrutura social do machismo se manifesta da mesma maneira

nos contextos agriacutecola e urbano

Dela decorrem os seguintes objetivos secundaacuterios

a) Haacute ou natildeo diferenccedilas na manifestaccedilatildeo do machismo especificamente em

termos de violecircncia de gecircnero nas zonas urbana e agraacuteria

b) Como essas manifestaccedilotildees do machismo satildeo impactadas e impactam a

formulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia

Conforme discutiremos mais adiante nesse capiacutetulo e na seccedilatildeo 4 de anaacutelise

dos dados encontramos poucas evidecircncias de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em

situaccedilatildeo de violecircncia nas aacutereas agraacuterias de Goiaacutes e Satildeo Paulo Entretanto este

silecircncio eacute um interessante achado de pesquisa pois foi possiacutevel compreender como a

ausecircncia dessas poliacuteticas impacta a vida das mulheres desse contexto Esta anaacutelise

fica mais evidente quando debruccedilamos sobre as poliacuteticas puacuteblicas disponiacuteveis para as

mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia em aacutereas urbanas e que ainda assim natildeo tecircm seus

direitos garantidos como iremos perceber na anaacutelise das entrevistas

31 Realismo Criacutetico e a violecircncia de gecircnero

Escolhemos e o Realismo Criacutetico como ontologia ou seja como teoria do

conhecimento cientiacutefico porque acreditamos que ele nos ajudaraacute a compreender

24

melhor como os contextos agraacuterio e urbano influenciam e satildeo influenciados na

formulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas mas tambeacutem por uma questatildeo normativa

Acreditamos na perspectiva ontoloacutegica do realismo criacutetico de que os seres humanos

satildeo agentes com capacidade accedilatildeo sobre a realidade e que tambeacutem satildeo produtores de

significados e tambeacutem na necessidade natildeo soacute de explicar o mundo mas de modificaacute-

lo

No entanto acrescenta-se agrave nossa existecircncia dialeacutetica enquanto seres humanos

com o mundo a noccedilatildeo de que este existe independentemente da nossa apreensatildeo

semioacutetica ou natildeo dele sendo este o principal ponto de divergecircncia do criacutetico realismo

em relaccedilatildeo ao construtivismo (BHASKAR 2012 FAIRCLOUGH 2010 GOMES

2014b) Isto significa que a estrutura social eacute composta de loacutegicas agraves quais damos

sentidos e tambeacutem loacutegicas que natildeo apreendemos e interpretamos estando latentes

para essa interpretaccedilatildeo mas ainda assim influenciando e sendo influenciadas por

nossa accedilatildeo no mundo

O realismo criacutetico tambeacutem se enquadra nas nossas perspectivas de pesquisa

porque ele apresenta uma ontologia estratificada como uma estrateacutegia para evitar o

tradeoff entre agentes e estrutura (BHASKAR 2012) Isso porque o realismo criacutetico

coloca trecircs niacuteveis da vida social o real o atual e o empiacuterico que interagem entre si

dialeticamente (BHASKAR 2012) desde modo natildeo estamos lidando com uma

situaccedilatildeo em que a estrutura social define tudo nem que os agentes definem tudo

ambos satildeo relevantes e se influenciam mutuamente

Para melhor entendermos essas esferas vamos defini-las O real consiste na

esfera abstrata das estruturas sociais ou naturezas (FAIRCLOUGH 2010 GOMES

2014b) Esses integrantes do plano real satildeo objetos latentes ou seja que tecircm um

potencial Isso reforccedila a ideia de que mesmo estruturas semioacuteticas existem antes dos

atores (FAIRCLOUGH 2010 GOMES 2014b BHASKAR 2012) A esfera do atual

eacute permeada pelas praacuteticas sociais ou seja o que acontece quando elementos do

mundo real satildeo ativados e produzem transformaccedilotildees ou reproduccedilotildees

(FAIRCLOUGH 2010 GOMES 2014b) Esse plano atual eacute o que faz a mediaccedilatildeo

entre o plano real e o plano empiacuterico que por sua vez consiste nos eventos sociais e

accedilotildees Ou seja o empiacuterico eacute uma parte dos outros planos que eacute experimentado

25

efetivamente por agentes (FAIRCLOUGH 2010)

Eacute importante ressaltar que o processo causal colocado pelo realismo criacutetico

natildeo eacute o mesmo que o positivismo empiacuterico defende isto eacute a identificaccedilatildeo de

regularidades entre causa e efeito Na verdade o processo causal seria o estudo do

que ativa os poderes latentes do real para produzir mudanccedila (FAIRCLOUGH 2010

BHASKAR 2012) Aleacutem disso quando e se esses poderes satildeo ativados os efeitos

dessa ativaccedilatildeo varia de acordo com o tempo e espaccedilo (FAIRCLOUGH 2010

GOMES 2014b)

Uma ontologia baseada no Realismo Criacutetico ressalta a importacircncia dos

discursos e tambeacutem eacute uma abordagem que busca natildeo soacute entender a realidade mas

modificaacute-la como abordamos anteriormente Mas quais as implicaccedilotildees para a anaacutelise

das poliacuteticas puacuteblicas

O processo das poliacuteticas puacuteblicas sobre o qual discorremos anteriormente eacute

perpassado em todas as etapas pelos discursos dos atores envolvidos tanto interna

quanto externamente ao processo Aleacutem disso as poliacuteticas puacuteblicas satildeo um meio de

mudar a realidade como proposto pelo Realismo Criacutetico

Como vimos a violecircncia de gecircnero eacute um termo que passou por diferentes

significaccedilotildees ao longo do tempo e diferentes atores envolvidos Por exemplo antes

era visto pela sociedade e apreendida pelo Estado como uma situaccedilatildeo da esfera

privada e se restringia agrave violecircncia fiacutesica e hoje em dia passou a ser visto pelo Estado

como um problema puacuteblico considerando diferentes formas de violecircncia contra a

mulher No primeiro periacuteodo o movimento feminista brasileiro natildeo era detentor do

discurso dominante e lutava para conseguir visibilidade ao tema isto eacute para que

fosse considerado como um problema puacuteblico Ou seja as poliacuteticas puacuteblicas satildeo o

resultado do conflito entre discursos de diferentes atores e a significaccedilatildeo dada agraves

situaccedilotildees muda conforme o resultado desse conflito

Aleacutem disso podemos situar nosso referencial teoacuterico em termos da

estratificaccedilatildeo do Realismo Criacutetico A esfera do real no tema em questatildeo eacute permeada

pelas relaccedilotildees desiguais de poder entre gecircneros A esfera real pode ser acessada por

suas manifestaccedilotildees na esferas atual e empiacuterica

Na esfera do atual podemos pensar nas praacuteticas sociais que transformaram

26

uma situaccedilatildeo no caso a violecircncia contra as mulheres em problema puacuteblico passiacutevel

de intervenccedilatildeo via poliacuteticas puacuteblicas voltadas para lidar com a violecircncia de gecircnero

atraveacutes da sua inclusatildeo na agenda puacuteblica Isso pode ser visto pela dificuldade de se

tratar a violecircncia de gecircnero atraveacutes das instacircncias legais e juriacutedicas usuais Isto eacute

essas instacircncias tradicionais estavam permeadas por uma loacutegica machista que

precisava ser formalmente desfeita para poder comeccedilar a se abordar a questatildeo a partir

de outra perspectiva A violecircncia de gecircnero ter sido vista como uma questatildeo da esfera

domeacutestica e portanto privada tambeacutem faz parte desse machismo da esfera real que

precisou do aparato legal para caracterizaacute-la enquanto problema da esfera puacuteblica

Nesse sentido entra a importacircncia dos contextos urbano e agriacutecola dos territoacuterios

como elementos influenciadores e influenciados pelas poliacuteticas puacuteblicas para

mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia fornecendo um contexto sobre o qual os discursos

satildeo construiacutedos Certamente estes natildeo satildeo os uacutenicos lugares que influenciam os

discursos sobre a violecircncia de gecircnero e consequentemente as estrateacutegias para

combatecirc-lo (ie as poliacuteticas puacuteblicas)

Por fim a esfera do empiacuterico consiste no discurso em accedilatildeo por meio das

poliacuteticas puacuteblicas Um exemplo foi o conturbado processo de aprovaccedilatildeo da LMP

(MACIEL 2011) e tambeacutem as tentativas de provar sua inconstitucionalidade que

teve que ir ao STF pela AGU (MACIEL 2011) para conseguir ser aprovado

Tambeacutem a atual dificuldade de conseguir a aceitaccedilatildeo e implementaccedilatildeo da LMP por

parte dos operadores juriacutedicos (MACIEL 2011) demonstra a penetraccedilatildeo do

machismo em nossa sociedade Como podemos ver pelo retrato das questotildees

anteriormente citadas ainda estamos lidando basicamente com violecircncia sexual

apesar da tipificaccedilatildeo abranger outros tipos de violecircncia como as psicoloacutegicas e

morais que ainda ocorrem cotidianamente e satildeo naturalizadas denunciando a forccedila

do machismo na esfera do real Enfim essa uacuteltima esfera assim como as demais e a

relaccedilatildeo entre elas poderatildeo ser melhor retratadas quando partirmos a anaacutelise da

pesquisa de campo em que teremos contato com os agentes

De acordo com o realismo criacutetico podemos pensar em problemas a partir de trecircs

domiacutenios o real o atual e o empiacuterico (FAIRCLOUGH 2010) No tema em questatildeo

a esfera do real pode ser entendida como a estrutura social do machismo isto eacute uma

27

desigualdade de gecircnero que estaacute latente no funcionamento da sociedade e acaba sendo

reforccedilada pelos domiacutenios do atual e do empiacuterico Nesse trabalho o domiacutenio do atual

seriam os discursos sobre a desigualdade de gecircnero e a violecircncia de gecircnero que satildeo

manifestaccedilotildees da estrutura social machista ou para reforccedilar essa estrutura ou para

tentar transformaacute-la Por fim o domiacutenio empiacuterico satildeo nesse caso as poliacuteticas e accedilotildees

puacuteblicas formuladas eou implementadas para combater a violecircncia contra a mulher

32 Anaacutelise Criacutetica de Discurso

Afim de buscarmos nosso objetivo que eacute entender as diferenccedilas entre

poliacuteticas puacuteblicas em contextos agriacutecola e urbano utilizaremos a metodologia da

ACD Segundo a ACD o discurso eacute ativo isto eacute que influencia tanto a percepccedilatildeo da

realidade quanto o comportamento de pessoas dentro de uma organizaccedilatildeo

(PUTNAM et al 2004) Eacute importante destacarmos a diferenccedila entre texto e discurso

Textos satildeo todas as peccedilas linguiacutesticas sejam escritas ou faladas Jaacute discursos satildeo

enunciados de locutores que utilizam textos para tentar exercer influecircncia sobre

terceiros (ALVES 2006) O conceito de discurso organizacional engloba duas

maneiras diferentes de olhar para o discurso conversas e diaacutelogos ou narrativas e

histoacuterias Quando se trata de conversas significa a troca de mensagens entre duas ou

mais pessoas que ao realizarem uma interconexatildeo temporal ou significativa entre

textos moldam outras conversas eou accedilotildees futuras E diaacutelogo seria a possibilidade de

gerar novos significados atraveacutes de momentos de questionamento do contiacutenuo de uma

conversa Jaacute as narrativas percebem a construccedilatildeo social do sentido sendo estas visotildees

de mundo construiacutedas pelo locutor e seus interlocutores As histoacuterias satildeo por sua vez

a reinterpretaccedilatildeo de fatos atraveacutes do olhar de cada locutor interlocutor

A anaacutelise discurso eacute uma ferramenta interessante para analisar poliacuteticas

puacuteblicas uma vez que nos permite entender a poliacutetica atraveacutes das pessoas que

formulam eou implementam a poliacutetica Conhecendo as pessoas que fazem uma

poliacutetica puacuteblica acontecer e analisando suas conversas diaacutelogos e histoacuterias podemos

entender a significaccedilatildeo dada pelas pessoas dos processos que vivenciam Ou seja eacute

possiacutevel sair de um discurso formal para analisar quais satildeo as relaccedilotildees de poder no

28

acircmbito de uma poliacutetica puacuteblica e quais satildeo os sentidos dados para os temas

trabalhados que impedem ou proporcionam mudanccedilas materiais na evoluccedilatildeo de uma

poliacutetica puacuteblica

Algumas perspectivas epistemoloacutegicas satildeo possiacuteveis na anaacutelise de discurso

organizacional sendo as principais abordagens a positivista a construtivista e a poacutes-

modernista (PUTNAM et al 2004) e a criacutetico realista (FAIRCLOUGH 2010) Antes

de definir essas abordagens eacute importante diferenciarmos as perspectivas possiacuteveis

para a linguagem A ldquolinguagem em usordquo eacute aquela visatildeo que aborda o discurso como

tendo uma funccedilatildeo na criaccedilatildeo de uma ordem social no cotidiano da organizaccedilatildeo Seu

foco estaacute portanto na anaacutelise de discurso no momento presente da organizaccedilatildeo

(PUTNAM et al 2004 pg 9) Jaacute a abordagem da ldquolinguagem em contextordquo leva em

conta fatores histoacutericos e sociais que influenciam a produccedilatildeo disseminaccedilatildeo e

consumo de textos (PUTNAM et al 2004 pg 10) Ou seja leva em consideraccedilatildeo o

passado e os possiacuteveis efeitos futuros do discurso organizacional Dentro dessa

diferenciaccedilatildeo podemos esclarecer de onde derivam as diferentes abordagens

metodoloacutegicas A ldquolinguagem em usordquo eacute utilizada pelos positivistas e a ldquolinguagem

em contextordquo eacute a abordagem levada em consideraccedilatildeo pelos construtivistas (PUTNAM

et al 2004)

O pensamento positivista se preocupa em identificar padrotildees nas interaccedilotildees

discursivas Dessa maneira tratam o discurso como principal variaacutevel de anaacutelise e

natildeo acreditam que o discurso tenha caraacuteter poliacutetico Buscam entatildeo identificar uma

narrativa uacutenica ou um conjunto de significados compartilhados entre membros de

uma organizaccedilatildeo (PUTNAM et al 2004)

A abordagem construtivista por sua vez estuda como o discurso constitui e

reconstitui arranjos sociais dentro dos diferentes contextos das organizaccedilotildees Essa

perspectiva defende a natureza poliacutetica do discurso pela sua utilizaccedilatildeo para produzir

manter ou resistir a diferentes formas de poder Desse modo como afirma Gomes

(GOMES 2014b) o domiacutenio do discurso eacute em si um recurso de poder e faz parte da

luta pela hegemonia

Dentro do guarda-chuva da abordagem construtivista existe um ramo

chamado anaacutelise criacutetica do discurso cuja metodologia considera importante ambos os

29

tipos de linguagem sendo a ldquolinguagem em usordquo importante para identificar como

regras e estruturas em interaccedilotildees discursivas constituem identidades e levam agrave sua

institucionalizaccedilatildeo e a lsquolinguagem em contextorsquo importante para compreender os

diferentes significados para o mesmo texto dependendo do contexto em que o

discurso estaacute inserido A Anaacutelise Criacutetica do Discurso (ACD) enxerga as organizaccedilotildees

como sendo os locais onde ocorrem a luta entre os discursos pela dominaccedilatildeo sendo

que cada grupo luta para que seus interesses moldem exerccedilam eou resistam ao

controle social dentro da entidade Assim o foco dessa perspectiva eacute como o discurso

constitui e eacute constituiacutedo pelas praacuteticas sociais

Os poacutes-modernistas criticam a anaacutelise criacutetica do discurso uma vez que se

voltam novamente ao texto ou seja agrave lsquolinguagem em usorsquo e apontam para a

bipolaridade da anaacutelise criacutetica do discurso que exclui todos os discursos fora da

loacutegica de poder e resistecircncia Essa abordagem defende que os textos satildeo repletos de

metaacuteforas para organizar e representar uma gama de significados variados que

estariam marginalizados Para isso a desconstruccedilatildeo dos textos eacute a principal

ferramenta dessa perspectiva

Apesar da resistecircncia dos poacutes-modernistas agrave anaacutelise criacutetica do discurso

entendemos que essa metodologia eacute interessante para essa pesquisa uma vez que ela

nos permite entender os significados e a disputa de poder embutida nessas

significaccedilotildees Mas para aleacutem disso a anaacutelise criacutetica do discurso nos permite

compreender as consequecircncias materiais dessa disputa do poder (GOMES 2014b)

Aleacutem disso outro ponto interessante que diferencia a Anaacutelise Criacutetica do

Discurso eacute a incorporaccedilatildeo de trecircs niacuteveis de discurso micro meso e macro (OSWICK

PHILLIPS 2012) Assim o discurso estaacute dentro de uma situaccedilatildeo dentro de uma

instituiccedilatildeo e dentro da sociedade respectivamente (OSWICK PHILLIPS 2012) Em

outras palavras

Based on these three different levels undertaking CDA involves (i)

the examination of the language in use (the text dimension) (ii) the

identification of processes of textual production and consumption (the

discursive practice dimension) and (iii) the consideration of the institutional

30

factors surrounding the event and how they shape the discourse (the social

practice dimension) (OSWICK PHILLIPS 2012 p 457)

Nesse sentido a Anaacutelise Criacutetica do Discurso relaciona esses trecircs niacuteveis ao

mesmo tempo que incorpora uma visatildeo criacutetica do discurso homogecircneo Busca dessa

forma compreender seus fundamentos para interrogaacute-lo e gerar mudanccedila social

como veremos na proacutexima seccedilatildeo

A escolha da ACD se deve primeiramente porque acreditamos que a realidade

social natildeo pode ser vista com um olhar positivista tentando encontrar padrotildees nas

interaccedilotildees discursivas olhando tambeacutem somente para o discurso como variaacutevel

relevante na produccedilatildeo de significados Nesse trabalho queremos analisar a produccedilatildeo

de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia nos contextos agraacuterio e

urbano natildeo buscando encontrar padrotildees em cada contexto mas para entender

qualitativamente como o contexto e o discurso se relacionam entre si para produzir

significados que influenciam nessa produccedilatildeo de poliacuteticas Portanto optamos por esse

olhar que inclui o contexto como fator essencial em conjunto com as interaccedilotildees

discursivas

A anaacutelise criacutetica do discurso eacute uma perspectiva que considera as relaccedilotildees

dialeacuteticas de poder na criaccedilatildeo e significaccedilatildeo de discursos (GOMES 2014b) e que

pretende enxergar o mundo a partir de um olhar criacutetico do que ele deveriapoderia ser

olhando para os discursos e para as suas manifestaccedilotildees na praacutetica e em elementos

extra-discursivos como forma de refletir sobre uma estrutura social que natildeo

conseguimos materializar Ou seja ela eacute uma opccedilatildeo ontoloacutegica porque queremos

olhar para essa estrutura social criticamente no sentido de entendermos o que eacute e

tambeacutem projetar como poderia ser a partir do entendimento do porquecirc as poliacuteticas

puacuteblicas satildeo desenhadas e implementadas da maneira como satildeo nesses contextos

agraacuterio e urbano Isto eacute natildeo queremos ser relativistas e afirmar que entendendo a

relaccedilatildeo entre interaccedilotildees discursivas e os contextos diferentes as realidades satildeo

justificaacuteveis por si soacute pois olhamos normativamente para as poliacuteticas puacuteblicas em

especial aquelas para mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia nessa pesquisa Isto eacute a

anaacutelise criacutetica do discurso pode ajudar a entender como o capitalismo neoliberal

31

impede em algumas medidas a emancipaccedilatildeo humana para entatildeo tentar informar

estrateacutegias de como mitigar ou acabar com essas limitaccedilotildees (FAIRCLOUGH 2010)

No contexto de poliacuteticas puacuteblicas sobre violecircncia contra a mulher seria o caso de

entender quais satildeo as manifestaccedilotildees da estrutura social machista para tentar informar

decisotildees de poliacuteticas puacuteblicas que possam efetivamente gerar mudanccedilas nessa

estrutura social

Assim a anaacutelise criacutetica do discurso eacute uma abordagem relacional ou seja seu

objeto natildeo eacute o discurso em si mas as relaccedilotildees sociais e as disputas de poder entre

essas relaccedilotildees em que o discurso eacute parte integrante pela produccedilatildeo reproduccedilatildeo e

transformaccedilatildeo de significados (FAIRCLOUGH 2010) Aleacutem disso sua perspectiva eacute

dialeacutetica no sentido que estuda as relaccedilotildees entre objetos que natildeo satildeo inteiramente

separaacuteveis ou seja suas naturezas satildeo parcialmente definidas pela relaccedilatildeo com o

outro Nesse sentido natildeo exclui a importacircncia dos elementos extra-discursivos

ressaltando seu caraacuteter transdisciplinar (FAIRCLOUGH 2010) O termo criacutetica

remete a uma abordagem normativa que aponta para a realidade como algo passiacutevel

de mudanccedila e nesse sentido busca estudar tanto o que existe quanto o que poderia

existir idealmente (FAIRCLOUGH 2010)

Deste modo para a anaacutelise criacutetica do discurso trecircs esferas satildeo importantes o

texto o discurso e o contexto social (PHILIPPS SEWELL JAYNES 2008) Essas

esferas interagem entre si conforme o esquema abaixo

Tabela 1 Diaacutelogo entre Diferentes Esferas na ACD

32

O sujeito locutor se encontra numa posiccedilatildeo social ou seja num lugar no

espaccedilo social em que ele possui um certo grau de agecircncia (PHILIPPS SEWELL

JAYNES 2008) A partir dessa posiccedilatildeo social o locutor fala ou escreve um texto que

se transforma em discurso no momento em que o locutor tenta mudar ou manter a

ordem social atraveacutes desse texto Esse discurso por sua vez produz conceitos que se

expressam na cultura refletindo sobre a maneira como ele e seus interlocutores

enxergam o mundo e se relacionam entre si Por fim esse discurso se transforma em

objeto quando se torna parte de uma ordem praacutetica (PHILIPPS SEWELLJAYNES

2008) sendo usado para fazer sentido das relaccedilotildees sociais e condiccedilotildees materiais do

contexto social voltando ao iniacutecio do ciclo

33A emancipaccedilatildeo como chave entre as esferas

A Anaacutelise Criacutetica do Discurso foi escolhida nesse trabalho pelo potencial de

emancipaccedilatildeo (FAIRCLOUGH 2010) que essa perspectiva epistemoloacutegica nos

permite uma vez que pretende analisar a estrutura social atraveacutes de suas

manifestaccedilotildees discursivas e extra-discursivas afim de informar maneiras de mudar a

estrutura social machista Para melhor entender como as esferas se relacionam no

ciclo do realismo criacutetico com a emancipaccedilatildeo dos cidadatildeos podemos fazer uso da

Texto

Discurso

Cultura

Objeto

Posiccedilatildeo Social

(Contexto)

Elaboraccedilatildeo proacutepria a partir de dados de PHILIPPS SEWELL JAYNES 2008

33

noccedilatildeo de emancipaccedilatildeo de Zygmunt Bauman (BAUMAN 2001) Segundo o autor haacute

uma diferenccedila importante a ser ressaltada entre a liberdade de jure e a liberdade de

facto que ocorrem na modernidade

Bauman (2001) explica que na modernidade os indiviacuteduos natildeo tecircm sua

identidade ligada a instituiccedilotildees sociais ou princiacutepios universais No lugar disso hoje

haacute uma autoconstruccedilatildeo fluiacuteda das identidades isso significa que haacute uma valorizaccedilatildeo

das diferenccedilas e que a identidade eacute continuamente definida e redefinida pelos proacuteprios

indiviacuteduos

Nesse sentido parece que chegamos ao auge da liberdade humana

(BAUMAN 2001) poreacutem na verdade essa liberdade eacute tecircnue Isso porque houve um

esvaziamento das funccedilotildees do Estado em relaccedilatildeo agraves escolhas dos indiviacuteduos ou seja

cada um escolhe sua identidade e seu modo de vida e deve se responsabilizar por

essas escolhas (BAUMAN 2001) A consequecircncia disso eacute uma esfera puacuteblica

constituiacuteda por aglomeraccedilotildees de anseios individualizados mas que natildeo conseguem

afetar a agenda puacuteblica porque natildeo ultrapassam a barreira de demandas individuais

para uma demanda maior e comum (BAUMAN 2001)

Entatildeo as pessoas satildeo chamadas cada vez menos a buscar respostas para suas

demandas na sociedade e no Estado mas em si mesmas (BAUMAN 2001) e seu

fracasso ou sucesso tambeacutem eacute de sua inteira responsabilidade Entatildeo surge a

diferenciaccedilatildeo de Bauman quanto aos tipos diferentes de liberdade amenizando o auge

da liberdade que supostamente vivemos

Os indiviacuteduos tecircm liberdade de escolha e satildeo responsabilizados pelas mesmas

poreacutem natildeo encontram recursos praacuteticos para realizar suas escolhas (BAUMAN

2001) Daiacute a contraposiccedilatildeo entre liberdade de jure e liberdade de facto A primeira

corresponde agrave liberdade formal muitas vezes colocada em lei que os indiviacuteduos

teriam agrave sua disposiccedilatildeo Mas a liberdade de facto ou seja a realizaccedilatildeo dos seus

anseios e decisotildees natildeo ocorre muitas vezes porque faltam condiccedilotildees materiais para

que isso aconteccedila Nessa contradiccedilatildeo que a condiccedilatildeo de emancipaccedilatildeo dos indiviacuteduos

natildeo eacute atingida porque natildeo conseguem efetivar a autodeterminaccedilatildeo de seus destinos

Essa questatildeo da emancipaccedilatildeo se torna relevante quando discutimos o realismo

criacutetico porque no tema estudado existe essa contradiccedilatildeo entre o que eacute de jure que faz

34

parte da esfera atual e o de facto que estaacute na esfera empiacuterica das condiccedilotildees extra-

discursivas dos indiviacuteduos de saiacuterem de um problema no caso a violecircncia de gecircnero

34 A pesquisa de campo e a coleta de dados

Para darmos continuidade agrave pesquisa fizemos algumas visitas de campo A

coleta de dados qualitativos foi com base em um roteiro semiestruturado que se

encontra disponiacutevel nos anexos Antes de cada entrevista foi acordado com cada

entrevistado a o termo de consentimento para uso das mesmas tambeacutem em anexo As

conversas foram gravadas a partir do consentimento dos entrevistados e transcritas agrave

posteriori Depois selecionamos os trechos mais relevantes para a pesquisa e

organizamos segundo os temas mais recorrentes Em seguida organizamos esses

temas recorrentes de acordo com a estratificaccedilatildeo ontoloacutegica do realismo criacutetico

Dessa forma primeira etapa da coleta de dados foi realizada em Janeiro de

2015 em Goiaacutes Ateacute 2014 existia uma Secretaria de Poliacuteticas para as Mulheres e

Promoccedilatildeo da Igualdade Racial (SEMIRA) Nessa secretaria havia e haacute ainda na nova

superintendecircncia haacute uma accedilatildeo da Secretaria Federal de Poliacuteticas para as Mulheres de

unidades moacuteveis para mulheres do campo e da floresta No caso de Goiaacutes consiste

em disponibilizar ocircnibus que iam de Goiacircnia para as cidades do interior com equipes

multidisciplinares para fazer palestras sobre violecircncia de gecircnero informar a

populaccedilatildeo e dar assistecircncia (meacutedica psicoloacutegica juriacutedica) agraves mulheres que

procurassem a equipe Nas eleiccedilotildees de 2014 Marconi foi reeleito governador de

Goiaacutes no entanto mudou a estrutura das suas secretarias dissolvendo a SEMIRA e

colocando a pasta das mulheres numa secretaria muito mais ampla a Secretaria da

Mulher do Desenvolvimento Social da Igualdade Racial dos Direitos Humanos e do

Trabalho

A pesquisa de campo em Goiaacutes aconteceu em trecircs cidades Caldas Novas

Goiacircnia e Professor Jamil Os oacutergatildeos e entidades entrevistados em ordem

cronoloacutegica foram CREAS Secretaria Estadual da Mulher Desenvolvimento Social

Igualdade Racial Direitos Humanos e Trabalho Equipe de Unidades Moacuteveis

35

DEAM Centro Popular da Mulher Observatoacuterio de Seguranccedila Puacuteblica e Secretaria

Municipal da Mulher de Professor Jamil

Comeccedilamos a parte de campo da pesquisa em Caldas Novas cidade a 167

quilocircmetros de Goiacircnia com 70473 habitantes sendo da 2759 zona rural e 67714

da zona urbana (IBGE 2015) Caldas Novas natildeo possui um oacutergatildeo especiacutefico da

prefeitura para lidar com a violecircncia de gecircnero O uacutenico oacutergatildeo responsaacutevel por

receber as viacutetimas desse tipo de violecircncia eacute o CREAS que atende mulheres idosos

crianccedilas e adolescentes em situaccedilatildeo de vulnerabilidade

A seguir realizamos entrevistas na Secretaria da Mulher do Desenvolvimento

Social da Igualdade Racial dos Direitos Humanos e do Trabalho em uma Delegacia

Especializada em Atendimento agrave Mulher e no Observatoacuterio de Seguranccedila Puacuteblica da

Secretaria de Seguranccedila Puacuteblica de Goiaacutes Goiacircnia eacute a capital de Goiaacutes com

aproximadamente 1302001 habitantes em 2010 (IBGEb 2015) Desse nuacutemero

1297155 estavam em aacuterea urbana e 4846 na zona rural (IBGEb 2015)

Finalmente a uacuteltima entrevista de campo em Goiaacutes foi em Professor Jamil Eacute

uma cidade a 70 quilocircmetros de Goiacircnia com 3239 habitantes sendo 978 da zona

rural e 2261 da zona urbana (IBGEc 2015) A cidade foi indicada pela equipe de

unidades moacuteveis da Secretaria da Mulher do Desenvolvimento Social da Igualdade

Racial dos Direitos Humanos e do Trabalho pela lideranccedila forte na cidade

Aleacutem da pesquisa de campo em Goiaacutes a segunda parte do campo consistiu em

conhecer tambeacutem a situaccedilatildeo de Satildeo Paulo Primeiramente buscamos informaccedilotildees

sobre as poliacuteticas puacuteblicas existentes para combater a violecircncia de gecircnero na esfera do

governo estadual de Satildeo Paulo Foi muito dificultosa essa busca uma vez que natildeo haacute

secretaria especiacutefica e mesmo em sites de busca encontramos escassas referecircncias

como o Hospital Peacuterola Byington como accedilatildeo puacuteblica destinada a esse puacuteblico

especiacutefico Depois de muitas pesquisas encontramos no site da Secretaria de Justiccedila e

Defesa da Cidadania uma Coordenaccedilatildeo de Poliacuteticas para a Mulher (SAtildeO PAULO

2015) Achamos simboacutelico essa coordenaccedilatildeo aleacutem de ser pouco visiacutevel estar listada

em uacuteltimo lugar na lista de coordenaccedilotildees da secretaria e contar apenas com duas

pessoas em sua equipe

36

Infelizmente natildeo foi possiacutevel realizarmos entrevista com ningueacutem da equipe

do Peacuterola Byington pois devido a uma reforma do local a equipe natildeo aceitou nos

receber para uma entrevista Apesar disso tentamos em trecircs tentativas explicar que o

nosso foco era uma conversa com algueacutem da equipe e natildeo necessariamente conhecer

a estrutura fiacutesica Mesmo assim ningueacutem se disponibilizou a conceder uma entrevista

para a pesquisa

No mais conseguimos trecircs entrevistas em Satildeo Paulo com a coordenadora de

uma subsecretaria de poliacuteticas para as mulheres com uma delegada de uma Delegacia

Da Mulher (DDM) da Grande Satildeo Paulo e com uma representante do Nuacutecleo

Especializado de Promoccedilatildeo dos Direitos da Mulher (NUDEM) Como surgiu em Satildeo

Paulo a necessidade de manter anonimato de alguns entrevistados optamos por

manter a uniformidade da pesquisa e natildeo identificar nenhum dos entrevistados Tendo

em vista que foram bastante entrevistados decidimos adotar nomes fictiacutecios para os

mesmos a fim de situar melhor o leitor em relaccedilatildeo agraves citaccedilotildees presentes na anaacutelise

dos discursos

Tambeacutem com o intuito de facilitar a leitura codificamos com cores a partir

das caracteriacutesticas da organizaccedilatildeo em que o entrevistado trabalha Sendo assim a cor

azul se refere a profissionais de assistecircncia social mais geral isto eacute sem foco para o

Tabela 2 Quadro de Entrevistados

Fonte Autoria proacutepria

37

atendimento a mulheres Por sua vez a cor roxa eacute para sinalizar os entrevistados que

trabalham no primeiro ou terceiro setor em organizaccedilotildees voltadas especificamente

para mulheres em um sentido amplo O laranja eacute para organizaccedilotildees policiais e por

fim o verde representa as instacircncias do poder judiciaacuterio especiacuteficas para mulheres

38

4 A Anaacutelise

41 As poliacuteticas puacuteblicas de violecircncia de gecircnero no Brasil

Por traacutes desses nuacutemeros preocupantes haacute uma construccedilatildeo de sentidos sobre o

eacute violecircncia contra a mulher suas causas consequecircncias e qual o desenho adequado

das poliacuteticas puacuteblicas O tema definitivamente entrou na agenda puacuteblica brasileira

somente no final dos anos setenta com o aumento do nuacutemero de assassinatos de

mulheres de classe meacutedia e a visibilidade dada agrave questatildeo pela miacutedia e autoridades

(BANDEIRA 2014) o que natildeo implica que os sentidos da violecircncia contra mulher

natildeo estejam em constante negociaccedilatildeo Nessa mesma eacutepoca a violecircncia contra a

mulher se transformou na principal bandeira do movimento feminista brasileiro

(BANDEIRA 2014) Bandeira (2014) relata que a partir disso e com a abertura

democraacutetica a sociedade civil se aliou agrave academia para pressionar politicamente em

prol de uma resposta do Estado a esse problema Podemos perceber que a violecircncia

de gecircnero nesse periacuteodo era entendida como violecircncia sexual sobretudo cometida por

maridos e ex-companheiros

A primeira mudanccedila foi a transformaccedilatildeo dos ldquocrimes de violecircncia sexual

como crimes contra a pessoa natildeo mais contra os costumesrdquo (BANDEIRA 2014 pg

452) Logo em seguida 1985 foram criadas delegacias proacuteprias para esse problema

as Delegacias Especiais de Atendimento agraves Mulheres com a visatildeo de era necessaacuterio

endereccedilar o problema das mortes das mulheres com um olhar feminino com maior

prioridade do que a violecircncia mais ampla sofrida no dia-a-dia pelas mulheres Essa

medida deu visibilidade agrave violecircncia sobretudo pelo criaccedilatildeo de um canal que

possibilitou o aumento de denuacutencias por parte das viacutetimas

Nos anos noventa comeccedilaram as accedilotildees de Casas de Abrigo para receber

mulher em risco de vida hoje contando com 80 espalhadas pelo paiacutes (BANDEIRA

2014) Apesar de o novo contexto poliacutetico de redemocratizaccedilatildeo nesse periacuteodo ter

aberto ldquonovos canais institucionais e estruturas de alianccedilas ineacuteditos para o movimento

feminista brasileirordquo (MACIEL 2011 p97) houve um retrocesso em termos de

poliacuteticas puacuteblicas para combater agrave violecircncia de gecircnero A mesma foi enquadrada na

39

Lei nordm 909995 que discorre sobre o julgamento de crimes de ldquomenor potencial

ofensivordquo (BANDEIRA 2014) e portanto busca a conciliaccedilatildeo das partes e prevecirc

uma pena de no maacuteximo dois anos de reclusatildeo (BANDEIRA 2014) Nesse mesmo

ano foram criados os Juizados Especiais Criminais que ldquose tornaram rapidamente o

escoadouro de denuacutencias de agressotildees contra a mulher nos acircmbitos domeacutestico e

familiarrdquo (MACIEL 2011 p103) mas operando em uma loacutegica de impunidade dos

agressores e desatenccedilatildeo agraves viacutetimas Bandeira (2014) ressalta a opiniatildeo generalizada

dos operadores juriacutedicos de que era desnecessaacuterio criar uma lei especiacutefica para tratar

da violecircncia de gecircnero (BANDEIRA 2014)

Esse cenaacuterio mudou principalmente pela pressatildeo internacional uma vez que o

Brasil assinou compromissos com tratados e convenccedilotildees internacionais de Direitos

Humanos que tratavam da violecircncia de gecircnero de maneira ampla (BANDEIRA

2014) Isto eacute o Brasil foi movido a ressignificar a violecircncia de gecircnero incluindo

tambeacutem a violecircncia psicoloacutegica e moral como parte desse quadro caracterizando a

violecircncia de gecircnero como violaccedilatildeo dos direitos humanos (MACIEL 2011) e servindo

de base para a criaccedilatildeo da Lei Maria da Penha (BANDEIRA 2014) Segundo

Bandeira (2014) essa lei significou uma ldquonova forma de administraccedilatildeo legal dos

conflitos interpessoais embora ainda natildeo seja de pleno acolhimento pelos operadores

juriacutedicosrdquo (BANDEIRA 2014)

Essa lei trouxe pela primeira vez o reconhecimento da mulher como parte

lesada nos casos de violecircncia de gecircnero e a obrigaccedilatildeo de o Estado responder a esse

crime natildeo atraveacutes de mediaccedilatildeo de conflitos no acircmbito privado mas de garantias de

direitos no acircmbito puacuteblico agraves viacutetimas O projeto inicial foi feito pela CFMEA e

entregue agrave Secretaria Especial de Poliacuteticas para Mulheres em 2004 que depois o

encaminhou para o Legislativo (MACIEL 2011) Esse primeiro projeto natildeo tratava

da retirada de competecircncia dos Juizados Especiais Criminais para tratar de violecircncia

de gecircnero e natildeo estabelecia a criaccedilatildeo de outra instacircncia juriacutedica especiacutefica para tratar

da mesma (MACIEL 2011) Nesse meio tempo em 2003 o Executivo Federal

sancionou por meio da Lei n107782003 a obrigatoriedade de notificaccedilatildeo por toda a

rede de sauacutede puacuteblica e privada de todos os casos de violecircncia contra a mulher

(BANDEIRA 2014) No ano seguinte em 2004 lanccedilado o primeiro Plano Nacional

40

de Poliacuteticas Puacuteblicas para as Mulheres (MACIEL 2011) Ainda antes da aprovaccedilatildeo

da Lei Maria da Penha em 2005 foi implementado o Ligue 180 pela SPM que

encaminhava as denuacutencias para a Secretaria de Seguranccedila Puacuteblica ou para o

Ministeacuterio Puacuteblico (BANDEIRA 2014) Somente em 2006 foi aprovada LMP no

contexto relatado por Maciel

O calendaacuterio das eleiccedilotildees presidenciais e legislativas foi decisiva para

ampliar a capacidade de pressatildeo poliacutetica o movimento conseguiu a

aprovaccedilatildeo nas duas casas legislativas do substituto o Projeto de Lei n

372006 que afastava formalmente a competecircncia dos Juizados para o

tratamento dos processos oriundos de violecircncia domeacutestica (MACIEL 2011

p103)

A Lei Maria da Penha trata violecircncia de gecircnero como problema puacuteblico a

garantia dos direitos fundamentais e ldquotodas as oportunidades e facilidades para viver

sem violecircncia preservar a sauacutede fiacutesica e mental e o aperfeiccediloamento moral

intelectual e social assim como as condiccedilotildees para o exerciacutecio efetivo dos direitos agrave

vida agrave seguranccedila e agrave sauacutederdquo (MENEGHEL 2013 p692)

A Lei Maria da Penha foi um marco no histoacuterico do tratamento do Estado agrave

violecircncia de gecircnero pois foi pioneira na tipificaccedilatildeo da violecircncia Como coloca

Meneghel

A Lei Maria da Penha tipificou a violecircncia denominando-a violecircncia

domestica e a definiu como qualquer accedilatildeo ou omissatildeo baseada no gecircnero que

cause morte lesatildeo sofrimento fiacutesico sexual psicoloacutegico e dano moral ou

patrimonial agraves mulheres ocorrida em qualquer relaccedilatildeo iacutentima de afeto na

qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida

independentemente de coabitaccedilatildeo (MENEGHEL 2013 p693)

Depois de aprovada a lei no entanto o movimento feminista brasileiro se

deparou com uma nova agenda a de garantir a efetividade da implementaccedilatildeo da Lei

41

Maria da Penha Nesse sentido foi criado em 2007 pela alianccedila entre organizaccedilotildees

de mulheres e nuacutecleos universitaacuterios o Observatoacuterio Nacional de Implementaccedilatildeo e

Aplicaccedilatildeo da Lei Maria da Penha ldquopara produzir analisar e divulgar informaccedilotildees

sobre a aplicaccedilatildeo da Lei pelas delegacias Ministeacuterio Puacuteblico Defensoria Puacuteblica

poderes Judiciaacuterio e Executivo e redes de atendimento agrave mulherrdquo (MACIEL 2011

p104) No mesmo ano o Programa Nacional ade Seguranccedila Puacuteblica com Cidadania

do governo federal colocou como objetivo a criaccedilatildeo de Juizados de Violecircncia

Domeacutestica e Familiar (MACIEL 2011) Esse plano incluiacutea tambeacutem a necessidade de

capacitaccedilatildeo especiacutefica de agentes puacuteblicos para lidar com essas viacutetimas (MACIEL

2011) Jaacute em 2008 a ldquoCampanha 16 Dias de Ativismo pelo Fim da Violecircncia contra

as Mulheresrdquo foi realizada em parceria com a SPM e teve ampla adesatildeo da esfera

puacuteblica estatal e natildeo estatal nacional e internacional (MACIEL 2011)

Ou seja a accedilatildeo coletiva do movimento feminista brasileiro pressionou

primeiramente o poder Legislativo para incluir na agenda de poliacuteticas puacuteblicas o

problema da violecircncia de gecircnero Depois da vitoacuteria da aprovaccedilatildeo da Lei Maria da

Penha comeccedilou a pressionar os poderes Executivo e Judiciaacuterio para garantir que a

mesma fosse efetiva

42 Contextualizaccedilatildeo da Anaacutelise

O objetivo desse trabalho eacute compreender os diferentes sentidos dados agrave violecircncia

de gecircnero nos contextos urbano e agriacutecola Para entendermos melhor esse objetivo e

como iremos trabalhar para atingi-lo eacute necessaacuterio explicitar como ele estaacute

relacionado aos diferentes domiacutenios do Realismo Criacutetico (vide seccedilatildeo da metodologia

em que delimitamos esses domiacutenios e mostramos como se relacionam entre si) O

nosso foco nas evidecircncias de cada domiacutenio especificamente no tema de violecircncia de

gecircnero vai nos ajudar a analisar em seguida os dados coletados na pesquisa jaacute que

essas evidecircncias satildeo a ponte para a compreensatildeo dos domiacutenios abstratos

42

Domiacutenio Evidecircncias

Real Machismo

Atual Discursos sobre desigualdade de gecircnero e

violecircncia de gecircnero

Empiacuterico Poliacuteticas e accedilotildees puacuteblicas

Elementos extra-discursivos

Entatildeo precisamos entender quais os sentidos atribuiacutedos pelos entrevistados agrave

violecircncia de gecircnero Isso eacute relevante porque os sentidos atribuiacutedos delimitam a

compreensatildeo do problema no caso a violecircncia de gecircnero A maneira como o

problema eacute compreendido afeta quais os tipos de poliacuteticas puacuteblicas construiacutedas ou a

ausecircncia delas Essas poliacuteticas puacuteblicas por sua vez podem alterar a estrutura social

ou reforccedilar a mesma voltando para o domiacutenio do real Aleacutem disso essas poliacuteticas

puacuteblicas satildeo afetadas pelos elementos extra-discursivos como orccedilamento estrutura

fiacutesica e recursos humanos que por sua vez podem ser tanto causados por ou

causadores da estrutura social machista Ou seja podemos pensar que os locus de

formulaccedilatildeo eou implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo de

violecircncia satildeo esvaziadas de recursos como consequecircncia da falta de importacircncia dada

ao problema devido agrave estrutura social machista que permanece mas ao mesmo tempo

como instrumento de manutenccedilatildeo dessa mesma estrutura

Tambeacutem eacute interessante retomarmos as caracteriacutesticas da Anaacutelise Criacutetica do

Discurso para relacionaacute-las agraves entrevistas realizadas Primeiramente realismo criacutetico

eacute relacional (FAIRCLOUGH 2010) o que no caso significa que a estrutura social do

machismo os discursos sobre desigualdade de gecircnero e violecircncia de gecircnero e os

elementos extra-discursivos natildeo podem ser analisados separadamente Isto se deve ao

fato de que cada elemento interage com os demais sendo afetado e afetando-os

mutuamente Entatildeo natildeo podemos falar em machismo sem justificar sua existecircncia

Tabela 3 Os Domiacutenios do Realismo Criacutetico e suas Evidecircncias

Fonte Autoria proacutepria

43

enquanto estrutura social via suas manifestaccedilotildees tanto discursivas quanto extra-

discursivas Mas tambeacutem natildeo podemos pensar nessas manifestaccedilotildees sem entender a

relaccedilatildeo delas com a estrutura social que pode ser geradora eou influenciada pelos

discursos e elementos extra-discursivos

Aleacutem disso a anaacutelise criacutetica do discurso eacute dialeacutetica (FAIRCLOUGH 2010) Isso

significa que o machismo e a violecircncia de gecircnero natildeo podem ser analisados como

uma relaccedilatildeo causal uacutenica por exemplo a estrutura social machismo gera a violecircncia

de gecircnero No caso a estrutura social machista tem como uma das suas

consequecircncias manifestaccedilotildees como a violecircncia de gecircnero mas esta violecircncia atua

reproduzindo a estrutura social machista ou entatildeo transformando a mesma

Para entender melhor as entrevistas realizadas agrave luz da ontologia do realismo

criacutetico dividimos a anaacutelise da pesquisa em duas partes principais as manifestaccedilotildees

discursivas da estrutura social e suas manifestaccedilotildees extra-discursivas Na primeira

seccedilatildeo iremos partir do plano geral das manifestaccedilotildees do machismo e em seguida focar

na manifestaccedilatildeo especiacutefica de violecircncia de gecircnero E na segunda parte iremos

descrever e analisar questotildees de recursos humanos fiacutesicos e orccedilamentaacuterios

43 Manifestaccedilotildees discursivas da estrutura social

Durante a pesquisa encontramos evidecircncias de diferentes sentidos dados

pelos atores sobre desigualdade de gecircnero Mesmo com suas diferenccedilas a principal

referecircncia dos entrevistados eacute a cultura de que o mundo em geral eacute machista e o

Brasil o eacute com mais intensidade

Percebemos que a desigualdade entre os gecircneros envolve discursos que

acabam encontrando entraves durante as falas dos entrevistados Por exemplo

segundo Faacutebio a mulher eacute vista pela sociedade como sexo fraacutegil apesar ser na praacutetica

mais forte porque ldquose um homem pega uma gripe ele cai na cama e natildeo levanta pra

nada a mulher taacute de gripe ela taacute limpando casa taacute lavando vasilha taacute fazendo

almoccedilordquo Ele comeccedila o seu discurso preocupado com a visatildeo da sociedade de que a

mulher eacute um sexo fraacutegil e inferior ao homem demonstrando um discurso contraacuterio agrave

estrutura social machista No entanto ele muda seu discurso no meio da frase

44

justificando sua posiccedilatildeo contraacuteria a essa estrutura com exemplos de atividades

colocadas pela estrutura social machista como atividades de mulher limpar lavar

cozinhar

Luiz reforccedilou sua crenccedila no que seria a igualdade de gecircnero a ser perseguida

diante do discurso de Faacutebio

Natildeo significa vocecirc ser submisso vocecirc saber como deve ser conduzida

uma relaccedilatildeo um casamento Eacute questatildeo de respeito mesmo O significado forte

da famiacutelia o que significa famiacutelia Ou qual eacute a figura do pai qual eacute a figura

da matildee O que eacute a figura do homem dentro da sociedade o que eacute a figura da

mulher dentro da sociedade Entatildeo trabalhar essa questatildeo da igualdade eacute

muito difiacutecil porque a gente natildeo pode confundir com certas libertinagens E

tem mulheres hoje mal instruiacutedas que natildeo tecircm uma instruccedilatildeo pra que isso

aconteccedila

Nesse discurso Luiz reforccedila as figuras do homem e da mulher da estrutura

social machista pois atribui um sentido normativo agrave ideia de relaccedilatildeo casamento e

famiacutelia isto eacute coloca como sendo relaccedilotildees positivas onde existem claramente os

papeis da mulher e do homem e consequentemente coloca como relaccedilotildees negativas

relaccedilotildees que natildeo seguem esse padratildeo estabelecido socialmente Seu discurso

evidecircncia o machismo da esfera real podemos dizer que aqui se manifesta

inconscientemente quando afirma que a igualdade entre os gecircneros eacute ameaccedilada por

ldquolibertinagensrdquo que segundo ele decorrem de uma falha da mulher por falta de

ldquoinstruccedilatildeordquo de cumprir seu papel enquanto ldquofigura de mulherrdquo dentro de uma

relaccedilatildeo Nesse sentido tambeacutem haacute evidecircncias de que o sentido construiacutedo por ele de

um relacionamento eacute heteronormativo em que necessariamente deve haver a ldquofigura

do homemrdquo e a ldquofigura da mulherrdquo o que faz parte tambeacutem da estrutura social

machista

Esse reforccedilo dos papeis sociais desiguais seria explicado segundo Roberta

pela educaccedilatildeo sexista que ainda existe no Brasil em que homens e mulheres satildeo

educados diferentemente pelas famiacutelias e pelas escolas Ela explica que ldquogeralmente

45

os brinquedos que aguccedilam a criatividade da crianccedila satildeo masculinos a menina ainda

brinca com boneca com panelinha enfim com as lides domeacutesticasrdquo

Aleacutem disso outro fator apontado como importante para a desigualdade entre

os gecircneros eacute o arcabouccedilo juriacutedico que historicamente privilegiou os homens porque

segundo a Talita ldquonoacutes temos um paiacutes muito marcado pelo machismo nossa lei que

trata especificamente sobre o assunto eacute ainda muito jovem noacutes nos deparamos com

muitas injusticcedilas antes da existecircncia da Lei Maria da Penha ateacute algumas deacutecadas

atraacutes a mulher sequer votavardquo

Em contraposiccedilatildeo Ana Paula contou uma anedota para justificar que as

causas da desigualdade de gecircnero vatildeo aleacutem de leis

Aiacute eu chamei uma amiga a faxineira uma pessoa muito humilde

terceirizada () e aiacute eu perguntei lsquofulana vocecirc tem relaccedilatildeo com o seu

marido quandorsquo Aiacute ela ficou sem graccedila ela disse aiacute doutora E eu lsquoDiz pra

eles quandorsquo lsquoQuando ele querrsquo E aiacute eu acho que haacute um tempo longo entre a

cultura e a lei

A cultura nessa fala pode ser vista como parte da esfera atual em que os seres

humanos ativam as estruturas do domiacutenio real construindo sentidos a partir delas

Nesse caso o domiacutenio do real eacute a estrutura social machista que eacute ativada por meio da

cultura nesse caso citado por Ana Paula com evidecircncias de elementos de

sexualidade que influenciam e satildeo influenciados pela estrutura social desigual entre

homens e mulheres Jaacute a lei agrave qual Ana Paula se refere a Lei Maria da Penha faz

parte do domiacutenio do empiacuterico ou seja uma legislaccedilatildeo fruto de eventos e accedilotildees da

sociedade Quando a entrevistada diz que ldquohaacute um tempo longo entre a cultura e a

leirdquo ela mostra evidecircncias de que o domiacutenio do empiacuterico pode trazer inovaccedilotildees

como a Lei Maria da Penha Poreacutem isso natildeo significa que a lei necessariamente

revolucione a estrutura social como a cultura que nesse caso que continua

reproduzindo um comportamento sexual machista em que o homem determina

quando quer ter relaccedilotildees sexuais e a mulher natildeo tem voz

Na pesquisa surgiram dois sentidos dados agrave maneira como o machismo se

46

manifesta na sociedade relativos ao grau de instruccedilatildeo e agrave estrutura econocircmica O

primeiro foi reforccedilada pelos funcionaacuterios do CREAS visitado por Talita e por Rafael

Segundo os entrevistados quanto mais educaccedilatildeo e mais informaccedilatildeo chegam ateacute as

pessoas menos machistas elas satildeo Rafael afirmou que a falta de instruccedilatildeo das

mulheres da aacuterea rural decorrente de uma menor escolaridade e maior isolamento

seriam geradoras de uma subnotificaccedilatildeo de casos de violecircncia (vide seccedilatildeo 2) na zona

agraacuteria Ele conta que essa subnotificaccedilatildeo ldquoeacute incentivada primeiro no meu ponto de

vista pela questatildeo cultural da proacutepria mulher natildeo procurar que ela eacute mais

desprovida de informaccedilatildeo e tudo maisrdquo Consequentemente a diferenccedila nas

manifestaccedilotildees do machismo nas aacutereas rural e urbana seria a intensidade porque

segundo estes entrevistados a aacuterea rural teria um vatildeo de instruccedilatildeo e informaccedilatildeo

recebida em relaccedilatildeo agrave aacuterea urbana

Aqui temos dois elementos da esfera real dialogando entre si O grau de instruccedilatildeo

estaacute relacionado agrave estrutura social diferente entre aacutereas agraacuterias e urbanas E a

estrutura social machista tambeacutem se localiza no plano real como mencionamos

anteriormente Assim uma desigualdade estrutural de instruccedilatildeo agravaria uma outra

desigualdade de gecircnero no caso justificando elementos discursivos (atual) e extra-

discursivos (empiacuterico) que reforccedilam uma dupla desigualdade evidenciando uma

minoria dentro das minoria das mulheres as mulheres da zona agraacuteria

Por outro lado Laura e Roberta afirmaram a importacircncia das estruturas

econocircmicas na manifestaccedilatildeo do machismo Roberta colocou a questatildeo da composiccedilatildeo

da renda familiar porque ldquona aacuterea rural o homem continua sendo chefe de famiacutelia

mesmo que a legislaccedilatildeo tenha mudadordquo Aleacutem disso ela afirma que a estrutura do

trabalho do campo que eacute direcionada pelo homem aumenta seu poder na relaccedilatildeo

com a mulher Segundo Laura esse poder seria explicitado na maneira mais aberta de

o machismo se manifestar na aacuterea rural Segundo ela ldquoo cara diz lsquoeu natildeo querorsquo

lsquovocecirc natildeo vairsquo lsquoassim natildeo podersquo lsquoporque eu sou homemrsquo lsquoeu que faccedilo issorsquo lsquoessa eacute

a sua tarefarsquo isso (o machismo) eacute claro no mundo rural existe uma abertura maior

para se dizerrdquo

Outras evidecircncias da manifestaccedilatildeo do machismo na divisatildeo das tarefas

domeacutesticas e na proacutepria convivecircncia com a famiacutelia esteve presente no discurso da

47

Ana Paula Segundo ela a mulher tem na nossa sociedade a responsabilidade com a

casa e com a famiacutelia enquanto o homem fica mais livre dessas obrigaccedilotildees Um

exemplo que ela apresenta eacute ldquoateacute no meu bairro eu me irrito porque os homens vatildeo

beber no bar como que os homens vatildeo beber no bar e as mulheres tatildeo em casa

lavando passando cozinhando cuidando dos filhos no saacutebadordquo

Vitoacuteria mostrou que na aacuterea urbana a manifestaccedilatildeo do machismo estaacute

relacionada agrave sexualidade da mulher porque segundo ela as outras desigualdades de

gecircnero seriam dadas como conquistadas apesar de natildeo o serem efetivamente Por isso

ela afirma que ldquo(o machismo) fica essa coisa escondida escamoteadardquo O sentido

dado por Vitoacuteria ao falar de machismo ldquoescondidordquo nos remete ao domiacutenio do real

Isto eacute na aacuterea urbana avanccedilos foram sido logrados como a entrada da mulher no

mercado de trabalho gerando maior independecircncia financeira aumento gradual da

participaccedilatildeo poliacutetica das mulheres dentre outros Contudo essas mudanccedilas estatildeo no

campo do atual e do empiacuterico mas natildeo foram suficientes para mudar a esfera do real

levando agrave permanecircncia da estrutura social machista Ou seja o machismo permanece

ldquoescondidordquo em partes da vida social como na sexualidade da mulher que acabam

reforccedilando uma relaccedilatildeo desigual com a mulher colocada em situaccedilatildeo inferior ao

homem

Depois de um olhar mais geral para as manifestaccedilotildees do machismo agraves quais os

entrevistados deram sentidos olhamos mais especificamente nas entrevistas uma de

suas manifestaccedilotildees a violecircncia de gecircnero que perpassa pelos vaacuterios tipos de

violecircncia descritos na Lei Maria da Penha Na conversa com a equipe do CREAS

nos foi relatado que quase natildeo chegam queixas da zona agraacuteria mas a conclusatildeo da

equipe eacute de que a violecircncia na zona agraacuteria eacute mais psicoloacutegica do que fiacutesica Essa

conclusatildeo se baseia no seguinte discurso construiacutedo pela equipe

Entatildeo ela vem na cidade ela faz a compra ela vem matricular os

filhos na escola e soacute volta no outro ano E ela estaacute ali a alegria dela Agraves vezes

a gente percebe quando a gente atende uma mulher do campo ela sempre

traz uma manga uma fruta que ela que colhe E isso faz com que ela fique

realmente responsaacutevel pelos filhos pela casa por algumas coisas ali que

48

beneficiam muito o homem Por isso que a violecircncia fiacutesica natildeo acontece

Porque para acontecer a violecircncia fiacutesica precisa de muita ira E ela natildeo estaacute

vendo o que estaacute acontecendo aqui na cidade Quando o marido vem entregar

o leite se ele daacute um litro de leite para uma menininha ali Se ele tem um

casinho ali ou outro ali vocecirc entendeu Ele fica mais solto Ele eacute

responsaacutevel por suprir toda a necessidade ali da zona rural mas ela fica ali

cuidando de tudo

Nessa fala temos evidecircncias de que a construccedilatildeo de sentidos sobre as causas

da violecircncia de gecircnero acabam voltando para a estrutura social machista e colocando

a mulher como culpada pela situaccedilatildeo Isso porque o discurso coloca a ira como causa

da violecircncia fiacutesica e depois a ira como algo gerado pela insatisfaccedilatildeo da mulher com

os comportamentos do homem Assim a fala comeccedila com um tom normativo

positivo de que a mulher eacute feliz no campo e de que na aacuterea rural a violecircncia fiacutesica

natildeo ocorre mas depois acaba culpabilizando as mulheres da aacuterea urbana pela

violecircncia fiacutesica que ocorre na cidade porque se ocorre eacute em decorrecircncia de seus

comportamentos que geram a ira no homem

Segundo a Roberta as mulheres da zona rural sofrem um tipo de violecircncia que

eacute menos comum na aacuterea urbana a violecircncia patrimonial Isso ocorre porque apesar

de a mulher trabalhar no campo com a produccedilatildeo de alimentos e tarefas domeacutesticas

ela natildeo tem remuneraccedilatildeo pelo trabalho realizado e o homem acaba sendo quem tem

posse do patrimocircnio da famiacutelia e quem decide todos os gastos

Vitoacuteria por outro lado tem outro discurso

()violecircncia de gecircnero eacute violecircncia de gecircnero em todos os lugares

Mas assim eacute que eu acho que eacute difiacutecil de falar mas acho que natildeo acho que

assim (pausa) talvez uma outra questatildeo diferente talvez na aacuterea rural vocecirc

tenha mais essa questatildeo da concretude da questatildeo da localidade a violecircncia

ser fiacutesica domeacutestica natildeo eacute uma coisa tatildeo refinada quanto na aacuterea urbana

que hoje vocecirc vecirc violecircncias na internet vocecirc tem tecnologia para usar para

isso

49

Podemos entatildeo depreender que as diferenccedilas em termos da violecircncia de

gecircnero nas zonas rurais e urbanas satildeo ainda muito pouco compreendidas como

podemos perceber pela pluralidade de concepccedilotildees em termos do que acontece e pelas

notificaccedilotildees natildeo chegarem ateacute os locais que trabalham com mulheres em situaccedilatildeo de

violecircncia

Existem divergecircncias tambeacutem quanto ao que eacute poliacutetica de gecircnero e

consequentemente como ela deveria ser executada Para Ana Paula poliacutetica de

gecircnero eacute uma poliacutetica que reconhece a vulnerabilidade do gecircnero feminino frente ao

masculino e a partir disso tem um enfoque na equiparaccedilatildeo das desigualdades em

todas as secretarias e natildeo apenas em uma secretaria de poliacuteticas para as mulheres

especificamente

Em contraste a essa visatildeo Roberta defende a necessidade de um oacutergatildeo

especiacutefico para tratar da poliacutetica de gecircnero uma vez que existem especificidades

dessa poliacutetica puacuteblica que a organizaccedilatildeo seria responsaacutevel por garantir Segundo ela

Se jaacute houvesse a equidade de gecircnero seja no trabalho na casa enfim nas

relaccedilotildees natildeo precisaria mesmo de um organismo Mas como a mulher tem

questotildees especiacuteficas como a sauacutede da mulher o trabalho da mulher a

capacitaccedilatildeo entatildeo noacutes temos que ter poliacuteticas puacuteblicas desenvolvidas em um

espaccedilo puacuteblico e que esse espaccedilo se comunique com os demais porque as

poliacuteticas satildeo transversais Quando noacutes falamos de mulher noacutes estamos

falando de sauacutede de educaccedilatildeo de seguranccedila que satildeo poliacuteticas que estatildeo

sendo desenvolvidas em outras aacutereas institucionais Mas a importacircncia da

concentraccedilatildeo em um organismo eacute porque esse organismo vai fazer a

articulaccedilatildeo com os demais promover essa transversalidade e de fato

implementar essas poliacuteticas especiacuteficas

Eacute interessante notar tambeacutem que haacute uma diferenccedila nos discursos quanto agrave

igualdade de gecircnero que foi apontada pela maioria dos entrevistados como o objetivo

da poliacutetica de gecircnero Segundo Vitoacuteria a igualdade buscada por esse tipo de poliacutetica

50

seria material ou seja efetivar as igualdades da lei entre homens e mulheres Jaacute para

Talita essa poliacutetica seria responsaacutevel por ldquotentar adequar todas essas diferenccedilas e

natildeo igualar todos porque natildeo somos iguais mas tentar equilibrar para que todos noacutes

possamos viver pacificamente e sem existir essa relaccedilatildeo de subordinaccedilatildeo que haacute

muitas vezes entre homem e mulherrdquo

O sentido dado por Roberta a poliacuteticas transversais eacute de que estamos falando

de uma poliacutetica que envolve diferentes segmentos da atuaccedilatildeo puacuteblica e por isso de

vaacuterios atores envolvidos na formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas de

gecircnero Nesse sentido existe a necessidade de ldquofazer um processo de convencimento

dos gestores sobre a importacircncia dessas poliacuteticasrdquo

Essa ideia foi explicada tambeacutem por Vitoacuteria quando relatou o desafio na

praacutetica de lidar com o caraacuteter transversal da poliacutetica de gecircnero

O desafio eacute a visatildeo de poliacutetica de gecircnero Muita gente fala a gente

estaacute com tanta preocupaccedilatildeo por que a gente vai se preocupar com isso

Como se fosse o acessoacuterio ou o a mais neacute o plus Acho que essa visatildeo ela eacute

de todas as instacircncias no executivo no legislativo e dentro da defensoria haacute

esse visatildeo de que natildeo peraiacute a gente tem pouca gente pouco dinheiro entatildeo a

gente vai investir no que realmente eacute importante E isso nunca eacute a mulher

Entatildeo eu acho que vocecirc vai ver isso em todos os lugares que vocecirc visitar

porque eacute essa a visatildeo a sociedade vecirc assim Entatildeo isso eacute soacute a reproduccedilatildeo de

como a sociedade enxerga as questotildees de mulher as questotildees de mulher satildeo

sempre ah mulher eacute sensiacutevel mulher reclama muito mulher natildeo sei o que

natildeo eacute tatildeo grave assim exagera

As organizaccedilotildees agraves quais foi dado o papel de realizar uma poliacutetica puacuteblica

transversal com o vieacutes de gecircnero satildeo a Subsecretaria de Poliacuteticas para as mulheres de

Goiaacutes a Secretaria da Mulher em Professor Jamil a Coordenadoria de Poliacuteticas para

as Mulheres do estado de Satildeo Paulo e o Nuacutecleo Especializado de Promoccedilatildeo de

Direitos da Mulher Os sentidos dados agrave transversalidade pelos entrevistados mostra

que o papel construiacutedo dessas organizaccedilotildees seria o de articular outras organizaccedilotildees do

51

Estado e conscientizaacute-las para as desigualdades de gecircnero dentro e fora das

organizaccedilotildees A partir dessa construccedilatildeo de sentidos do que eacute transversalidade e

atribuiccedilatildeo desse papel a organizaccedilotildees voltadas para a questatildeo da mulher estaacute

diretamente relacionado aos recursos materiais que satildeo destinados a essas

organizaccedilotildees (sobre os quais aprofundaremos na seccedilatildeo 4) porque satildeo vistas como

organizaccedilotildees paralelas agravequelas consideradas como ldquoprincipaisrdquo como podemos notar

no discurso da Vitoacuteria em que ela afirma que as dificuldades de atuaccedilatildeo do nuacutecleo

passam em geral pelo sentido secundaacuterio e marginal dada agrave questatildeo de gecircnero Ou

seja esses elementos discursivos e extra-discursivos acabam distorcendo a questatildeo da

transversalidade Isso porque a mesma surgiu de jure (BAUMAN 2001) como uma

maneira conseguir resolver problemas complexos tratando-os de maneira transversal

e acabou sendo utilizada de facto (BAUMAN 2001) como uma ferramenta para a

reproduccedilatildeo da estrutura social machista devido agrave impressatildeo que se cria de que o

problema de gecircnero estaacute sendo resolvido pela existecircncia dessas organizaccedilotildees com o

enfoque em gecircnero mas na praacutetica elas natildeo satildeo empoderadas nem na agenda nem no

orccedilamento

Portanto esses diferentes sentidos dados ao que eacute machismo violecircncia de

gecircnero poliacutetica de gecircnero transversalidade e a que servem e como deve ser

realizadoscombatidos satildeo importantes para entender quais os tipos de poliacuteticas

puacuteblicas efetivamente colocadas em praacuteticas (PHILIPPS SEWELL JAYNES 2008)

por essas diferentes organizaccedilotildees (vide seccedilatildeo 3 em que mostramos como os

elementos extra-discursivos dialogam com os discursos) Aleacutem disso nessa seccedilatildeo

encontramos evidecircncias de que a estrutura social machista tem uma forccedila muito

grande pois apesar algumas ressignificaccedilotildees (de a mulher natildeo ser sexo fraacutegil) ela

permanece latente no discurso voltando a reproduzir a estrutura de desigualdade de

gecircnero Nesse sentido os contextos agriacutecola e urbano parecem natildeo mudar a existecircncia

dessa estrutura social mas vamos averiguar a seguir se esses contextos apontam

diferenccedilas em relaccedilatildeo aos elementos extra-discursivos

52

44 Elementos extra-discursivos

Nessa seccedilatildeo iremos analisar os principais elementos extra-discursivos que

surgiram durante as entrevistas e se relacionam com os discursos apresentados

(PHILIPPS SEWELL JAYNES 2008) Satildeo eles a Lei Maria da Penha sobre a qual

discorremos no referencial teoacuterico a estrutura fiacutesica das organizaccedilotildees os recursos

humanos disponiacuteveis e as accedilotildees ou poliacuteticas puacuteblicas resultantes de suas atuaccedilotildees

A Lei Maria da Penha por ser um marco juriacutedico em relaccedilatildeo ao tratamento do

Estado agrave violecircncia de gecircnero em seus diferentes tipos surgiu em todas as entrevistas

como base para o trabalho realizado pelos diferentes organismos Do ponto de vista

das soluccedilotildees segundo Vitoacuteria foi importante para fortalecer os movimentos sociais

que lutavam pela questatildeo da mulher e abrir espaccedilo entatildeo para que esses movimentos

exigissem esse olhar dentro de diferentes instituiccedilotildees como a defensoria puacuteblica

Contudo Ana Paula reforccedila que a Lei Maria da Penha foi precedida por algumas

leis que na verdade ainda natildeo satildeo de conhecimento pela populaccedilatildeo em geral Ela

relata um caso que lhe aconteceu na delegacia da mulher

Eu tinha recebido uma ocorrecircncia que era um homem que tinha

enfiado uma faca na esposa dele casada haacute 30 anos porque ela comprou um

conjunto de panelas e ele discordava do entendimento dela de como se gastava

o dinheiro Entatildeo que ela era uma vagabunda dizendo ele Soacute que essa

vagabunda trabalhava era uma enfermeira padratildeo no hospital de Diadema e

ele estava haacute onze anos E aleacutem de trabalhar e sustentar ele ela lavava

passava cozinhava e ela entendeu que com o salaacuterio dela dava pra comprar

um conjunto de panelas Aiacute ele puxou a faca pra ela veio uma ocorrecircncia

falando da tentativa de homiciacutedio o filho falou lsquonatildeo vou testemunhar conta

meu pai ainda que eu ache que a minha matildee corre risco com elersquo A matildee natildeo

quer vem falar lsquonatildeo foi soacute um desentendimentorsquo ela vem de um ciclo de

violecircncia E eu natildeo ia ter nenhuma testemunha no inqueacuterito natildeo ia dar certo o

flagrante e aiacute eu falei bom ela natildeo vai dormir em casa porque a nossa

preocupaccedilatildeo natildeo pode ser em fazer um papel deve ser o de garantir a

53

seguranccedila da mulher E aiacute o marido vira pra mim e fala lsquoeu natildeo vejo motivo

para conceder o divoacuterciorsquo E aiacute eu tive um surto com ele porque eu falava lsquoo

senhor vive na idade da pedrarsquo Porque quando eu nasci jaacute tinha a lei do

divoacutercio mas para eles natildeo Ele ainda achava que ele tinha o direito de dar ou

natildeo o divoacutercio E isso foi em 73 E aiacute a gente comeccedila a olhar e ver quantos

anos demoram para uma populaccedilatildeo se apropriar daquela legislaccedilatildeo se eacute que a

lei pegue porque no Brasil tem lei que natildeo pega natildeo eacute um paiacutes seacuterio Mas a lei

Maria da Penha veio ele conhece a lei mas ele natildeo conhece a lei do divoacutercio

E isso eacute regra

Ou seja a Lei Maria da Penha que estaacute no domiacutenio do empiacuterico ou seja o

que eacute efetivamente experimentado pelos atores natildeo garante o entendimento de outras

leis que mudaram as relaccedilotildees familiares em termos legais e os direitos igualados de

jure (BAUMAN 2001) entre homem e mulher Entatildeo antes da Lei Maria da Penha

houve uma sucessatildeo de leis que reforccedilavam a estrutura social machista no domiacutenio do

real Mesmo com as novidades da Lei Maria da Penha portanto natildeo foi possiacutevel

revolucionar a esfera do real e isso fica evidente com a permanecircncia de outras leis

anteriores no imaginaacuterio das pessoas Aleacutem disso Ana Paula tambeacutem expocircs a

dificuldade de se implementar a Lei Maria da Penha de facto (BAUMAN 2001)

Entatildeo a gente tem dispositivos como autoridade policial civil deveraacute

garantir a seguranccedila da mulher e aiacute o tema da minha dissertaccedilatildeo aquela vez

foi a seguranccedila da mulher na Lei Maria da Penha Porque ela eacute linda mas

como que uma delegada com trecircs policiais garante a seguranccedila de alguma

mulher Eu queria saber porque o policial geralmente vai no foacuterum busca

laudo leva laudo e etc Um tem que ficar na delegacia porque geralmente os

homens natildeo respeitam as mulheres mesmo as mulheres policiais aiacute tem que ter

toda uma loacutegica dentro da poliacutecia e da questatildeo socioloacutegica da poliacutecia de que eacute

melhor ter uma forma ostensiva em determinados momentos do que ter que usar

a forccedila entatildeo eacute melhor ter policiais homens armados do que ter que ser duro

com o indiviacuteduo que vira e fala lsquoeu natildeo respeito mulherrsquo e eles falam isso E

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natildeo eacute um desacato agrave autoridade policial civil eacute uma relaccedilatildeo de que eles natildeo

respeitam o gecircnero feminino como igual E isso eacute muito complicado Aiacute sobra

um policial que natildeo pode sair de viatura porque se natildeo eacute viatura

descaracterizada E aiacute eu tenho que garantir a seguranccedila da mulher Aiacute eu

tenho que colocar ela em um abrigo Qual abrigo Ah a prefeitura de Satildeo

Paulo agora parece que melhorou o sistema de abrigamento Eacute melhorou mas

pra isso a gente precisa fazer boletim de ocorrecircncia em uma delegacia que

esteja aberta 24 horas e a gente natildeo tem delegacia da mulher aberta 24 horas

Ou seja faltam recursos humanos e orccedilamentaacuterios para manter a delegacia

funcionado bem e por 24 horas elementos do domiacutenio empiacuterico e a proacutepria lida

diaacuteria da delegada mulher com o machismo a impede de realizar seu trabalho sem ter

o acompanhamento de um homem Satildeo evidecircncias de que a criaccedilatildeo de delegacias

especializadas apesar de terem sido um avanccedilo estaacute longe de apresentarem uma

transformaccedilatildeo agrave estrutura social desigual uma vez que a distribuiccedilatildeo material

insuficiente impacta na reproduccedilatildeo das desigualdades de gecircnero

Mostrando essa dificuldade por um outro vieacutes Talita afirmou que a Lei Maria

da Penha fez com que as pessoas olhassem para as delegacias da Mulher como uma

ldquoceacutelula de expansatildeo de poliacuteticas puacuteblicasrdquo quando segundo ela a delegacia da

mulher e uma ldquodelegacia como qualquer outra a gente estaacute aqui para prender o

agressor investigar concluir processo e encaminhar ao poder judiciaacuteriordquo Esse

discurso de Talita mostra que o sentido dado por ela agrave delegacia especializada eacute de

uma delegacia como qualquer outra Isso implica que mesmo havendo uma tentativa

de jure (BAUMAN 2001) em trazer ferramentas no domiacutenio do empiacuterico para

combater a violecircncia contra a mulher de facto (BAUMAN 2001) a delegacia da

mulher sendo vista pelos atores que dela participam como uma delegacia da mulher

acaba sendo uma forccedila de manutenccedilatildeo da estrutura social machista no domiacutenio do

real

Outro discurso importante sobre a Lei Maria da Penha que surgiu na pesquisa

de campo foi a Joana O sentido atribuiacutedo por ela agrave Lei Maria da Penha eacute de ceticismo

porque de acordo com ela as mulheres voltam com um papel de medida protetiva

55

que natildeo serve para nada assim como a tornozeleira natildeo salva a mulher Segundo

Joana se o homem quer matar a mulher natildeo vai ser isso que vai impedi-lo e nem haacute

recursos suficientes para que o poder puacuteblico impeccedila que isso aconteccedila em sua cidade

e seus arredores

Inclusive na entrevista ouvimos pela uacutenica vez durante a pesquisa viacutetimas de

violecircncia de gecircnero duas mulheres que vieram fugidas para a cidade do Uma veio de

Trindade (Goiaacutes) fugindo agrave noite com os seis filhos e sua matildee do marido que a

agredia psicologicamente e fisicamente A secretaacuteria a ajudou quando chegou

encaminhando-a para atendimento psicoloacutegico no CRAS e conseguindo um emprego

para ela recomeccedilar a vida Ateacute hoje ela estaacute laacute escondida do marido e segundo ela

ela jaacute tinha procurado duas vezes delegacias comuns por serem as disponiacuteveis na sua

regiatildeo e que a Lei Maria da Penha e a medida protetiva natildeo ajudaram em nada a

situaccedilatildeo

Para Joana esse eacute um exemplo de vaacuterios que a levam a construir um sentido

de que as mulheres quando natildeo querem mais ficar com os maridos e conseguem

largam tudo e fogem Isso porque segundo ela as mulheres que fazem denuacutencias as

fazem na esperanccedila de mudar o comportamento dos seus parceiros para continuar

com eles e natildeo para que eles sejam presos Isso coloca em evidecircncia que de facto

(BAUMAN 2001) a lei natildeo consegue mudar a estrutura social

Queremos compreender melhor a distribuiccedilatildeo material que as organizaccedilotildees

entrevistadas possuem hoje para realizarem seu trabalho As pesquisas em Goiaacutes e em

Satildeo Paulo foram conduzidas nos locais de trabalho dos entrevistados o que

possibilitou conhecermos sobre o espaccedilo em que essas poliacuteticas estatildeo sendo

realizadas e a dimensatildeo das equipes por traacutes das mesmas Escolhemos descrever essas

condiccedilotildees de algumas organizaccedilotildees que melhor contribuem para nossa interpretaccedilatildeo e

anaacutelise

O CREAS de uma cidade do interior do estado de Goiaacutes por exemplo fica em

uma casa teacuterrea com uma sala pequena na entrada onde satildeo recebidas as viacutetimas A

maior parte da equipe do CREAS eacute composta por homens e a entrevista foi realizada

com trecircs membros da equipe o coordenador a assistente juriacutedica e o educador social

Percebemos que aleacutem de o centro natildeo ser um espaccedilo voltado especificamente para

56

mulheres a reproduccedilatildeo da estrutura social desigual estaacute claramente manifestada na

composiccedilatildeo da equipe que eacute composta por uma maioria masculina Aleacutem disso a

estrutura fiacutesica natildeo permite diferenciaccedilatildeo entre as populaccedilotildees em situaccedilatildeo de

vulnerabilidade atendidas Isto significa que homens mulheres e crianccedilas satildeo

atendidas em um mesmo local o que evidencia que no domiacutenio empiacuterico as chances

de mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia se sentirem agrave vontades para darem suas queixas

e buscarem ajuda no centro satildeo reduzidas sendo outro fator que contribui para a

manutenccedilatildeo da esfera real machista

Jaacute a Superintendecircncia de Poliacuteticas para Mulheres em Goiaacutes fica no centro de

uma cidade de Goiaacutes em uma estrutura de dois andares na avenida principal da

cidade Do lado de fora a pintura eacute roxa e estaacute bem sinalizada com campanha do

Disque-100 na fachada e a frase ldquoViolecircncia contra mulher natildeo tem desculpa tem

leirdquo O preacutedio tem uma secretaria com vaacuterias cadeiras na frente onde as pessoas se

identificam e satildeo encaminhadas para salas menores de acordo com a solicitaccedilatildeo

Enquanto esperamos pela entrevista nos abordaram quatro vezes por funcionaacuterias

diferentes perguntando se algueacutem jaacute tinha nos sido atendido Cada sala tem uma

funccedilatildeo especiacutefica assistentes sociais psicoacutelogos assistentes juriacutedicos todas de

atendimento localizadas no andar de baixo proacuteximas agrave entrada Tambeacutem no andar de

baixo no interior do preacutedio ficam as salas onde satildeo realizados trabalhos de

capacitaccedilatildeo e no andar de cima ficam as salas administrativas As condiccedilotildees materiais

desse local foram uma exceccedilatildeo em relaccedilatildeo agraves demais organizaccedilotildees visitadas Isso

porque a maioria dos profissionais satildeo mulheres e o atendimento natildeo eacute em um balcatildeo

mas diretamente com psicoacutelogas ou assistentes sociais em salas privativas Essas

condiccedilotildees no entanto natildeo satildeo estaacuteveis Como conta Roberta

Essa secretaria foi criada em 1987 ela chamava Secretaria Estadual

da Condiccedilatildeo Feminina E foram muito importantes esses quatro anos no

governo Henrique Santillo foram inovadores no sentido de implementar uma

poliacutetica que era muito pouco tratada no acircmbito institucional Entatildeo foi

fantaacutestico E nesse periacuteodo governamental houve poliacuteticas de seguranccedila para

a mulher sauacutede para a mulher enfim abriu um espaccedilo importante no Estado

57

de Goiaacutes Soacute que infelizmente os governos subsequentes extinguiram a

secretaria E ela soacute veio a ser retomada no primeiro governo Marconi Perillo

isso foi no final da deacutecada de noventa E ele criou uma superintendecircncia da

mulher e ela se tornou secretaria no governo seguinte e aiacute ela jaacute vem agora

dentro de um acircmbito institucional como secretaria de estado mesmo que

acoplado a ela por razotildees de ordem principalmente econocircmica e financeira

do estado tem a secretaria da mulher junto com outras aacutereas sociais e de

direitos humanos

Ou seja eacute importante relativizar a estrutura fiacutesica e equipe que vimos porque

historicamente a pauta da mulher foi tratada como um assunto secundaacuterio como

vimos no discurso de Roberta O impacto disso eacute que quando a situaccedilatildeo financeira do

estado complica a pauta eacute uma das primeiras que recebe cortes orccedilamentaacuterios ou eacute

acoplada a outras pautas como estaacute acontecendo agora A pauta da mulher que antes

jaacute dividia uma secretaria com a de desigualdade racial hoje foi incorporada por uma

secretaria guarda-chuva chama Secretaria Cidadatilde que abarca os temas da mulher do

desenvolvimento social da igualdade racial dos direitos humanos e do trabalho Isso

mostra que quando natildeo haacute mudanccedilas no domiacutenio real as mudanccedilas no domiacutenio

empiacuterico natildeo satildeo permanentes satildeo instaacuteveis e dependem de elementos extra-

discursivos que estatildeo sujeitos agrave estrutura social do real Ou seja quando a secretaria

tem condiccedilotildees financeiras ela pode ateacute colocar a questatildeo da mulher em pauta mas

assim que acontecerem momentos econocircmicos desfavoraacuteveis a igualdade de gecircnero

natildeo permanece na agenda pois nunca foi prioridade jaacute que estaacute inserida dentro de

uma estrutura social machista

A Delegacia Especializada no Atendimento agrave Mulher de Goiaacutes por sua vez

fica em um casaratildeo de dois andares no setor central de uma cidade de Goiaacutes Tem

uma sinalizaccedilatildeo discreta e eacute guardada por um policial militar na porta Entrando na

delegacia tem uma sala com banquinhos de madeira sem encosto para as viacutetimas e

seus acompanhantes aguardarem A delegacia de uma forma geral pareceu muito

interessada em estatiacutesticas e pouco sensibilizada com as viacutetimas que tratam

exatamente por esse nome e natildeo como cidadatildes O clima de maneira geral eacute tenso haacute

58

vaacuterias mulheres chorando esperando nos banquinhos pela oportunidade de subir as

escadas da delegacia Em frente aos bancos tem um grande balcatildeo que bloqueia a

entrada para o restante do edifiacutecio onde se encontra uma secretaacuteria Tudo tem que

passar antes por ela entatildeo as mulheres viacutetimas falam na frente de todo mundo a sua

queixa Enquanto esperava pela entrevista uma mulher chegou e mostrou hematomas

no braccedilo para a secretaacuteria e recebeu como resposta ldquoVocecirc tomou banho Isso eacute

sujeira ou eacute hematoma mesmordquo Quando satildeo chamadas para subir e serem atendidas

pela escrivatilde ou delegada respondem por um grito ldquoA viacutetima pode subirrdquo o que

acaba contribuindo para a estigmatizaccedilatildeo

Essa visita nos trouxe mais evidecircncias de que fazer organizaccedilotildees

especializadas eacute um avanccedilo sim mas que mesmo que elas sejam diferentes em sua

concepccedilatildeo o problema natildeo fica totalmente resolvido Nesse sentido enquanto natildeo

promovermos mudanccedilas na estrutura social do machismo novas legislaccedilotildees ou

organizaccedilotildees iratildeo promover mudanccedilas graduais Sem atacar essas causas a delegacia

especializada eacute uma reacuteplica da delegacia comum poreacutem com delegadas mulheres

mas que reproduzem a estrutura social machista no tratamento que elas datildeo agraves

viacutetimas no ambiente em que as mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia tecircm que frequentar

para ir atraacutes de seus direitos na forma como elas satildeo questionadas por estarem laacute

entre outros

Por fim fomos ateacute a Coordenadoria de Poliacuteticas para as Mulheres O

simbolismo eacute importante desde o momento de procurar essa secretaria na internet foi

muito complicado achar informaccedilotildees em sites de busca Mesmo depois de conseguir

encontrar em qual site maior a coordenadoria se encontra sua posiccedilatildeo no rol de

subsecretarias e coordenadorias da secretaria eacute a uacuteltima Aleacutem disso a entrevista em

si foi na coordenadoria que fica em um preacutedio antigo e central Descobrimos que a

coordenadoria fica no uacuteltimo andar da secretaria em uma sala mais escondida e natildeo

haacute identificaccedilatildeo da coordenadoria nos corredores como as demais do preacutedio que

estatildeo sinalizadas A coordenadoria consiste fisicamente em uma sala de reuniatildeo

acoplada ao escritoacuterio da Flaacutevia que eacute a uacutenica componente da equipe

59

Fomos tambeacutem ateacute uma cidade do interior de Goiaacutes a aproximadamente 70

quilocircmetros de Goiacircnia A Secretaria de Mulheres do municiacutepio soacute existe no nome

natildeo tem estrutura fiacutesica nem recursos financeiros apenas o cargo da secretaacuteria

Entatildeo o atendimento eacute feito na casa da secretaacuteria na sala de entrada onde tem duas

mesas de alumiacutenio juntadas e forradas com um pano um sofaacute e uma cadeira de cada

lado ao fundo tecircm equipamentos de cabelereiro profissatildeo que ela exercia Quando

chegamos laacute a sala estava cheia com pessoas se inscrevendo para o Minha Casa

Minha Vida com a ajuda da secretaacuteria e durante a conversa entraram vaacuterios cidadatildeos

de Professor Jamil e todos vinham com assuntos diversos a serem tratados por ela

Essa entrevista em Professor Jamil nos mostrou que agraves vezes apesar de

elementos extra-discursivos escassos como o caso de Joana existe a possibilidade de

tentar atacar as causas do machismo por exemplo chamando os homens para

conversarem nas rodas e promovendo o diaacutelogo mediado entre casais Mesmo assim

natildeo eacute isoladamente que se consegue combater uma estrutura social tatildeo forte quanto o

machismo

Pensando tanto nos discursos (seccedilatildeo 2) quanto nos espaccedilos e equipes

disponiacuteveis eacute possiacutevel perceber como eles se interligam com as accedilotildees dos oacutergatildeos

entrevistados Primeiramente para noacutes nenhuma das organizaccedilotildees entrevistadas

estatildeo formulando ou implementando poliacuteticas puacuteblicas no sentido que discutimos no

referencial teoacuterico de accedilatildeo organizada do Estado para combater um problema Isso

porque todas essas organizaccedilotildees realizam accedilotildees desconexas e pontuais para tentar

lidar com o problema sem atacar suas causas e reproduzindo as desigualdades de

gecircnero (domiacutenio real)

O CREAS visitado realiza atendimento de crianccedilas adolescentes mulheres e

idosos em situaccedilatildeo de vulnerabilidade social Durante a entrevista percebemos que

existe uma confusatildeo muito grande entre os tipos de atendimento que o CREAS

realiza tanto que quando foi perguntado sobre o que eacute poliacutetica de gecircnero a resposta

foi mais sobre poliacuteticas para adolescentes em situaccedilatildeo de vulnerabilidade

Jaacute a Superintendecircncia de Mulheres visitada seria responsaacutevel por formular

poliacuteticas puacuteblicas para esse puacuteblico-alvo De acordo com Roberta

60

A nossa principal poliacutetica eacute a garantia da seguranccedila tanto que noacutes

temos desde o atendimento primaacuterio da mulher atraveacutes de uma assistecircncia

social psicoloacutegica juriacutedica ateacute o abrigamento dessa mulher viacutetima de

violecircncia Entatildeo a gente direciona as nossas poliacuteticas nesse sentido Mas

tambeacutem noacutes temos que cuidar das outras questotildees que satildeo inerentes agrave mulher

a sauacutede a educaccedilatildeo e aiacute principalmente eu vejo hoje que o nosso papel

enquanto instituiccedilatildeo puacuteblica eacute desenvolver mesmo campanhas de

sensibilizaccedilatildeo

Fora isso a superintendecircncia estaacute capacitando 2500 profissionais servidores nas

aacutereas de educaccedilatildeo sauacutede movimentos sociais que trabalham com mulheres em

situaccedilatildeo de violecircncia Existe tambeacutem uma equipe especiacutefica da superintendecircncia

responsaacutevel pelas duas unidades moacuteveis que a secretaria recebeu em 2013 pelo

governo federal para atender mulheres do campo As unidades comeccedilaram o trabalho

indo ateacute o interior para prover serviccedilos de assistecircncia social juriacutedica e psicoloacutegica

No entanto a equipe se deparou com uma rede muito fragilizada e incapaz de

continuar o encaminhamento das demandas das mulheres

Aleacutem disso quando chegou na zona agraacuteria a equipe percebeu que lidar com

essas mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia da aacuterea rural era um desafio diferente do que

estavam acostumados na capital Isso porque as unidades moacuteveis iam para o campo

mas as mulheres tinham receio de entrar ou natildeo conseguiam chegar porque satildeo

ocircnibus rosas que chamam muita atenccedilatildeo e ficam inviaacuteveis para uma mulher nessa

situaccedilatildeo procurar sem ser vista por outras pessoas da regiatildeo e isso chegar ateacute o

agressor A taacutetica adotada entatildeo pelas unidades eacute

Quando vem uma solicitaccedilatildeo do municiacutepio a gente sempre procura

saber se eacute festividade porque para noacutes eacute melhor Porque aiacute tem a unidade

moacutevel e outros serviccedilos na praccedila em que ela pode transitar Soacute a unidade

moacutevel que eacute muito chamativa natildeo funciona Eacute um ocircnibus rosa e ela fica

mais acanhada A gente sempre procura incentivar o municiacutepio a promover

outras coisas ao mesmo tempo para preservar a mulher promover a diluiccedilatildeo

61

nesse espaccedilo e garantir minimamente que ela suba na unidade

Apesar disso quando visitamos a equipe eles natildeo estavam indo a campo

porque estavam em uma fase de transiccedilatildeo Como encontraram uma realidade

diferente da que imaginavam o seu trabalho agora estaacute sendo capacitar a rede montar

material fazer reuniotildees entre outros para tentar alinhar o trabalho de todos

Manuela esclarece

Nesse sentido o trabalho da equipe vem sendo reformulado porque

incialmente a ideia era ir ao interior e ser a porta de entrada das mulheres

viacutetimas de violecircncia levar informaccedilotildees sobre os seus direitos e onde buscar

ajuda e depois ter esse trabalho continuado pelos oacutergatildeos competentes mais

proacuteximos No entanto ao irem para o campo a equipe percebeu que a rede

estava despreparada para dar continuidade ao trabalho e que portanto seria

inuacutetil fazer o trabalho como anteriormente previsto sem dar a capacitaccedilatildeo

necessaacuteria

A Secretaria de Seguranccedila Puacuteblica por sua vez faz parte da rede de combate agrave

violecircncia contra a mulher e tem um papel importante tanto pelas DEAMs quanto pelo

monitoramento e fornecimento de informaccedilotildees criminais que servem de insumo para

a Secretaria da Mulher No entanto natildeo existe uma parceria soacutelida em que ambas as

secretarias atuam conjuntamente e amplamente em termos do estado e se

responsabilizam pela situaccedilatildeo das mulheres que sofrem violecircncia

Portanto a secretaria natildeo tem poliacuteticas puacuteblicas mais amplas em relaccedilatildeo ao

combate agrave violecircncia contra a mulher porque entende que essa competecircncia eacute da

Secretaria da Mulher O que a secretaria faz eacute atuar em regiotildees especiacuteficas

dependendo do gestor que estaacute em determinada aacuterea integrada de seguranccedila (regiatildeo

onde a poliacutecia militar e a poliacutecia civil tem a mesma circunscriccedilatildeo) Como nos disse

um major da secretaria

Que tipo de accedilatildeo preventiva que vai ser implementada em

62

determinado local depende de quem Do gestor que que estaacute ali naquela

regiatildeo em identificar qual eacute o problema dele em implementar essa questatildeo da

prevenccedilatildeo

No mais percebemos que tanto os centros de referencia CREAS e aqueles de

secretariassubsecretarias de mulheres quando existem quanto as delegacias

especializadas e os dados das secretarias de seguranccedila satildeo em geral voltados para

mecanismos juriacutedicos de proteccedilatildeo agrave mulher Mesmo havendo equipes de assistecircncia

social e psicoacutelogos em algumas instacircncias o foco principal das accedilotildees desses oacutergatildeos eacute

garantir medidas protetivas eou prender agressores

Aleacutem disso nos centros de referecircncia satildeo realizados estudos de caso

multidisciplinares para determinar o encaminhamento dado agrave viacutetima De acordo com

os discursos discutidos na seccedilatildeo anterior percebemos que apesar de parecer o

procedimento ideal a ser feito pode ser uma abertura para um julgamento social da

viacutetima pelos membros da equipe

Fora esses oacutergatildeos tivemos contato com o trabalho de uma entidade do

terceiro setor cuja atuaccedilatildeo era bastante diferente dos demais O Centro Popular da

Mulher trabalha sobretudo apoiando e ajudando as mulheres a se organizarem para

reivindicarem seus direitos Em relaccedilatildeo aos oacutergatildeos entrevistados a entidade parece

ser a mais presente na zona rural tanto em frequecircncia quanto em tempo de luta junto

agraves mulheres do campo

Aleacutem disso em termos de accedilotildees outra entrevista que apontou diferenccedilas foi

com a Joana cuja accedilatildeo era de busca ativa e de construccedilatildeo de espaccedilos de debate com

mulheres e homens Isso porque apesar da falta de apoio institucional da prefeitura

ela natildeo espera as mulheres buscarem ajuda No entanto isso soacute eacute possiacutevel porque ela

conhece todo mundo e fica sabendo do que acontece e entatildeo vai atraacutes do casal em

questatildeo E seu trabalho busca a conscientizaccedilatildeo das famiacutelias ela faz conversas de

roda e tambeacutem de casais em particular para tentar agir na causa do problema Suas

accedilotildees se baseiam na sua convicccedilatildeo de que a causa (seccedilatildeo 2 em que discutimos os

sentidos atribuiacutedos agraves caudas da violecircncia de gecircnero) estaacute na falta de respeito a

educaccedilatildeo machista e que isso soacute pode ser mudado se os homens estiverem

63

envolvidos nas accedilotildees de combate agrave violecircncia de gecircnero para tentar mudar o que a

sociedade pensa a maneira como a mulher eacute tratada

Nessa seccedilatildeo aprendemos que as manifestaccedilotildees extra-discursivas da estrutura

social machista varia de acordo com o contexto sobretudo em termos de recursos

materiais e equipe disponiacuteveis para combater a violecircncia de gecircnero nesse contexto

Aleacutem disso percebemos que as manifestaccedilotildees extra-discursivas estatildeo em constante

relaccedilatildeo com a manutenccedilatildeo da estrutura social como o exemplo de que as mulheres

natildeo conseguem alugar uma casa ou mudar o filho de creche afeta a possibilidade

praacutetica de sair de uma situaccedilatildeo de violecircncia Enfim discorreremos na proacutexima seccedilatildeo

com maior profundidade os resultados e as contribuiccedilotildees da pesquisa

64

5 Consideraccedilotildees Finais

Nossa pesquisa teve como objetivo responder agrave pergunta Como a estrutura

social do machismo se manifesta nos contextos urbano e agraacuterio A partir desse

trabalho notamos que a estrutura social do machismo estaacute presente nos dois

contextos urbano e agraacuterio poreacutem se manifesta de jeitos diferentes No contexto

agraacuterio de acordo com os entrevistados o machismo se manifesta de forma mais

aberta com o reforccedilo dos papeis tradicionais de gecircnero de que o papel da mulher eacute

cuidar da casa e dos filhos e o homem de prover financeiramente a famiacutelia estando

em uma posiccedilatildeo de superioridade Jaacute no contexto urbano a manifestaccedilatildeo da estrutura

social machista adquire outras formas sendo que haacute uma maior inserccedilatildeo da mulher no

mercado de trabalho e no discurso as pessoas natildeo reproduzem os papeis de gecircnero

tradicionais poreacutem na praacutetica acabam acontecendo ainda reproduccedilotildees desses mesmos

papeis de uma forma mais suacutetil pelo modo que a mulher deve se vestir pela

educaccedilatildeo diferente dada aos filhos de diferentes gecircneros etc

Tambeacutem nos perguntamos como essas manifestaccedilotildees do machismo satildeo

impactadas e impactam a formulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo

de violecircncia As manifestaccedilotildees do machismo impactam a formulaccedilatildeo de poliacuteticas

puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia porque levam a poliacuteticas com pouca

infraestrutura equipe e orccedilamento e porque abre uma brecha maior entre formulaccedilatildeo

e implementaccedilatildeo porque mesmo que se os formuladores natildeo tenham discursos

machistas no momento do discurso em accedilatildeo as accedilotildees nas delegacias especializadas

reproduzem papeis de gecircnero tradicionais e culpabilizam as mulheres em situaccedilatildeo de

violecircncia

Enfim queriacuteamos descobrir tambeacutem se existem ou natildeo diferenccedilas na

manifestaccedilatildeo do machismo especificamente em termos de violecircncia de gecircnero nas

zonas urbana e agraacuteria Nosso estudo mostrou via discursos que haacute muita divergecircncia

nesse ponto mas que a maioria dos entrevistados acredita que a diferenccedila eacute que no

contexto agraacuterio os tipos de violecircncia predominantes satildeo patrimonial e psicoloacutegico

enquanto no contexto urbano haacute uma maior incidecircncia de violecircncia fiacutesica

relativamente No entanto essa foi uma limitaccedilatildeo da pesquisa porque a quase-

65

totalidade dos entrevistados relatou estar discorrendo sobre algo de que natildeo conhece

por natildeo terem dados oficiais gerados sobre a violecircncia contra mulheres em zonas

agraacuterias e por natildeo terem contato com essas mulheres nas organizaccedilotildees em que

trabalham

Ao longo desse trabalho estudamos as principais referecircncias teoacutericas que

precisaacutevamos para analisar o problema em questatildeo principalmente para colocar em

evidecircncia que as poliacuteticas puacuteblicas estatildeo inseridas em lugares que influenciam e satildeo

influenciados pela construccedilatildeo de sentidos que ocorre no momento de determinaccedilatildeo de

um problema puacuteblica e de como ele seraacute tratado pelo Estado Nosso referencial

teoacuterico se juntou agrave metodologia o que permitiu natildeo soacute a organizar o conhecimento

cientiacutefico com base nas premissas da teoria mas tambeacutem a olhar para a nossa

pesquisa sempre com um olhar criacutetico de tentar enxergar as possibilidades de

mudanccedila da estrutura social

A partir do referencial teoacuterico e da metodologia demos iniacutecio ao trabalho de

estabelecer um roteiro semi-estruturado para as entrevistas depois conseguir agendar

as entrevistas fazer as mesmas transcrever as entrevistas e enfim analisar tudo

como um conjunto agrave partir da metodologia do realismo criacutetico e das referecircncias

teoacutericas que buscamos Isso nos permitiu enxergar os principais temas que surgiram

ao longo das entrevistas e organizaacute-los de acordo com os domiacutenios do realismo

criacutetico real atual e empiacuterico Depois disso estabelecemos um diaacutelogo entre o

referencial teoacuterico e as entrevistas de atores de organizaccedilotildees que lidam com a questatildeo

da violecircncia de gecircnero Isso foi relevante tambeacutem em termos metodoloacutegicos porque

percebemos que existem construccedilotildees de sentidos na academia que apontamos no

referencial teoacuterico que agraves vezes natildeo chegam agrave esfera dos atores que formulam e

implementam poliacuteticas puacuteblicas ou quando chegam elas impactam a esfera do atual

(discursos) sem necessariamente serem complementadas por mudanccedilas no domiacutenio

real (estrutura social de desigualdade de gecircnero) nem nos elementos extra-

discursivos que permitem mudanccedilas efetivas no domiacutenio empiacuterico (de poliacuteticas

puacuteblicas lidar com a questatildeo da violecircncia de gecircnero)

66

Nesse sentido um dos pontos que surgiu ao longo de todas as entrevistas foi o

foco das accedilotildees levadas a cabo pelas organizaccedilotildees Tanto no domiacutenio atual dos

discursos quanto no domiacutenio empiacuterico das poliacuteticas puacuteblicas o principal sentido

dado agrave violecircncia de gecircnero eacute de que a conscientizaccedilatildeo das mulheres se faz necessaacuteria

Os discursos vatildeo desde a falta de informaccedilatildeo da mulher a ira gerada tambeacutem pela

mulher a ausecircncia da mulher enquanto cumpridora de seu papel social na famiacutelia

dentre outros foram apontados como causas para a violecircncia de gecircnero Aleacutem disso

mesmo quando os discursos natildeo eram culpabilizadores da mulher eles giravam em

torno da cultura de modo bem geneacuterico como a sociedade patriarcal e machista

como causas para a violecircncia de gecircnero

Isso implica na transformaccedilatildeo desses discursos em accedilotildees de conscientizaccedilatildeo

como campanhas produccedilatildeo de informativos palestras entre outras Eacute interessante

perceber que natildeo haacute nesses casos poliacuteticas puacuteblicas que deem conta de efetivamente

resolver o problema de uma mulher em situaccedilatildeo de violecircncia isto eacute empoderaacute-la para

sair da situaccedilatildeo com meios materiais para fazecirc-lo e com uma proteccedilatildeo efetiva do

Estado em que ela eacute tratada como cidadatilde de direitos e natildeo como viacutetima Isso

demonstra que estatildeo sendo produzidos e reproduzidos discursos na esfera atual sem

necessariamente mudar a esfera real porque falta empoderamento das mulheres em

termos de recursos extra-discursos da esfera empiacuterica Aleacutem disso o tipo de accedilotildees

adotadas por essas organizaccedilotildees acabam sendo rasas porque ao mesmo tempo em

que natildeo atacam o problema diretamente na correccedilatildeo a posteriori tambeacutem natildeo lidam

com a causa no domiacutenio real isto eacute a estrutura social

Ou seja ao lidar somente com as mulheres em termos de conscientizaccedilatildeo a

maioria das organizaccedilotildees natildeo estaacute atacando a estrutura social porque os homens

fazem parte desta e natildeo satildeo chamados para a discussatildeo Aleacutem disso algumas dessas

accedilotildees de conscientizaccedilatildeo satildeo vazias ateacute para o puacuteblico-alvo as mulheres porque

muitas vezes as mulheres que buscam a ajuda do Estado para lidar com a violecircncia de

gecircnero natildeo sabem ler ou entatildeo natildeo podem atender a essas accedilotildees por estarem em

zonas agraacuterias em que estatildeo muito mais vulneraacuteveis em termos de exposiccedilatildeo ao

agressor ou ao resto da comunidade

67

Nesse sentido tambeacutem achamos relevante em todas as entrevistas a maneira

como satildeo recepcionadas as mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia De maneira geral satildeo

montadas equipes multidisciplinares que tratam cada situaccedilatildeo casuisticamente A

primeira vista nossa impressatildeo foi de que essa era uma boa maneira de lidar com o

problema da violecircncia domeacutestica porque cada mulher estaacute inserida em um contexto

diferente Poreacutem ao longo das entrevistas notamos que o domiacutenio do real acaba

influenciando esta casuiacutestica e diminuindo seu potencial empoderador Isso acontece

porque a estrutura social machista acaba levando a anaacutelise de caso para um

julgamento social da mulher em que muitas vezes o discurso anterior ao seu

atendimento (domiacutenio atual) influencia diretamente a ajuda que ela vai receber do

oacutergatildeo (domiacutenio empiacuterico)

Explorando mais a questatildeo das zonas urbana e agraacuteria haacute evidecircncias de que a

zona agraacuteria eacute muito pouco conhecida pelas organizaccedilotildees que lidam com a violecircncia

de gecircnero Em relaccedilatildeo ao contexto urbano as organizaccedilotildees parecem convergir mais

em termos de discursos sobre as manifestaccedilotildees do machismo nas cidades e as causas

da violecircncia de gecircnero nas mesmas Poreacutem o mesmo natildeo acontece em relaccedilatildeo agraves

zonas agraacuterias

Eacute importante ressaltar que na maioria das entrevistas quando explicamos os

objetivos da pesquisa os entrevistados comeccedilavam a conversa afirmando seu

desconhecimento do que acontece na aacuterea agraacuteria mesmo quando se tratavam de

organizaccedilotildees cuja amplitude de atuaccedilatildeo de jure (BAUMAN 2001) incluiacutea essas

localidades Agravam essa questatildeo tanto elementos extra-discursivos como a falta de

profissionais e dados pouco confiaacuteveis sobre o que acontece devido agrave subnotificaccedilatildeo

como tambeacutem os discursos formados pelos atores sobre a zona agraacuteria Apesar de se

colocarem quase sempre como incapazes de comentar sobre a zona agraacuteria ao longo

das entrevistas surgiram vaacuterios discursos sobre como o machismo de manifesta no

contexto rural as suas causas e como isso se tornava violecircncia contra a mulher

Notamos entatildeo que os sentidos construiacutedos eram muito heterogecircneos em relaccedilatildeo aos

entrevistados e formados com base em um caso especiacutefico com o qual tiveram

contato ou agraves vezes sem contato nenhum com mulheres da zona agraacuteria Isso mostra

como o domiacutenio do real eacute forte na determinaccedilatildeo dos discursos e a falta da

68

experimentaccedilatildeo empiacuterica dos atores com a realidade das mulheres em situaccedilatildeo de

violecircncia em contextos agraacuterios intensifica a estrutura social machista pela

reproduccedilatildeo de discursos machistas para suprir o vaacutecuo do conhecimento sobre essa

situaccedilatildeo

Por fim todos esses pontos colocados satildeo evidecircncias que mostram como os

trecircs domiacutenios da vida social impactam na existecircncia ou natildeo de poliacuteticas puacuteblicas para

mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia nas zonas urbana e agraacuteria Ou seja quando se

muda os discursos sem mudar os elementos extra-discursivos nem a estrutura social

as mudanccedilas natildeo satildeo profundas o suficiente para atacar um problema complexo como

este e acabam por vezes tendo um efeito perverso de reproduzir as causas deste

mesmo problema transmitindo a impressatildeo de que ele estaacute sendo de fato resolvido

51 Implicaccedilotildees para a Praacutetica

As reflexotildees geradas nesse trabalho pretendem ser uacuteteis para mudar o

problema na praacutetica dado os objetivos criacuteticos da ACD Nesse sentido acreditamos

que um dos achados que move accedilotildees praacuteticas eacute a invisibilidade da violecircncia contra a

mulher em contextos agraacuterios Natildeo haacute dados sendo gerados sobre essas mulheres em

situaccedilatildeo de violecircncia ateacute porque elas natildeo costumam chegar agraves instituiccedilotildees formais

que lidam com o problema Nesse sentido apontamos para a urgecircncia dessas

instituiccedilotildees buscarem ativamente essas mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia na zona

agraacuteria para conhecerem melhor as demandas especiacuteficas desse puacuteblico e poderem

entatildeo compreender melhor o problema

Tambeacutem no que diz respeito agrave invisibilidade haacute pouca produccedilatildeo acadecircmica

utilizando a ontologia do Realismo Criacutetico para se pensar em violecircncia de gecircnero e

natildeo encontramos nenhuma bibliografia que discuta o contexto especiacutefico de mulheres

em situaccedilatildeo de violecircncia em zonas agriacutecolas A academia poderia entatildeo ajudar a

colocar esse tema na agenda e a delimitar mais detidamente as manifestaccedilotildees da

estrutura social machista nesse contexto

Enfim acreditamos que uma contribuiccedilatildeo praacutetica estaacute relacionada agraves

evidecircncias encontradas de que a maior parte dos esforccedilos do poder puacuteblico para

69

atacar a violecircncia contra a mulher estaacute focada em campanhas de conscientizaccedilatildeo

Queriacuteamos apontar que uma contribuiccedilatildeo desse trabalho eacute apontar que as campanhas

de conscientizaccedilatildeo natildeo mudam nem a estrutura social nem os elementos extra-

discursivos das mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia como a necessidade de recursos

financeiros para poder sair de casa e caminhos institucionais para poder por exemplo

mudar os filhos de creche quando estatildeo nessa situaccedilatildeo

52 Limitaccedilotildees da Pesquisa

Apesar das contribuiccedilotildees teoacutericas e praacuteticas da pesquisa houve uma mudanccedila

no que se pretendia inicialmente estudar pela falta de dados acerca do contexto

agriacutecola e pouco contato das organizaccedilotildees com mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia

nesse contexto Dessa forma essa pesquisa eacute limitada porque apesar de querer

entender os diferentes contextos a compreensatildeo no contexto urbano foi muito maior

Nesse sentido os discursos coletados acerca do contexto agriacutecola eram

apontados pelos proacuteprios entrevistados como impressotildees infundadas por natildeo se

basearem na sua experiecircncia profissional nem em conhecimento teoacuterico pela

inexistecircncia de estudos Assim os discursos eram muito mais heterogecircneos do que os

que dizem respeito ao contexto urbano e demonstrou que natildeo haacute diagnoacutestico desse

problema e que os sentidos acerca do mesmo ainda estatildeo sendo construiacutedos pelos

profissionais que trabalham na aacuterea e por enquanto estaacute negociada mais a inaccedilatildeo do

que o como agir

Por fim como apontamos ao longo do trabalho natildeo encontramos experiecircncias

concretas de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia nas aacutereas

agraacuterias no estados de Goiaacutes e Satildeo Paulo Desta forma achamos relevante continuar

essa busca por experiecircncias que lidam com esse problema em uma pesquisa posterior

70

6 Referecircncias Bibliograacuteficas

ALVES Mario Aquino Anaacutelise Criacutetica do Discurso Exploraccedilatildeo da

Temaacutetica GVPesquisa Satildeo Paulo 2006

BANDEIRA Lourdes Maria Violecircncia de Gecircnero a Construccedilatildeo de um

Campo Teoacuterico e de Investigaccedilatildeo Revista Sociedade e Estado ndash Volume 29 Nuacutemero

2 Maio Agosto pgs 449-469 2014

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2001

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institutionalism in the field of organizations Recent Contributions SAGE 2014a

GOMES Marcus Vinicius Peinadob ldquoCreating Meanings Changing

Contexts Contested Sustainability in the Brazilian Beef Industryrdquo Escola de

Administraccedilatildeo de Empresas de Satildeo Paulo Fundaccedilatildeo Getulio Vargas Satildeo Paulo

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IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica Caldas Novas

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74

7 Anexos

71 Roteiro SEMIRA

1) Na sua opiniatildeo o que eacute poliacutetica de gecircnero Existe alguma

especificidade na hora de elaborar esse tipo de poliacutetica O que a diferencia eou

aproxima de poliacuteticas de outras aacutereas

2) O que vocecirc acredita que satildeo as causas das desigualdades de gecircnero A

SEMIRA combate as causas diretamente como

3) Como foi a evoluccedilatildeo do tratamento da questatildeo de gecircnero no Estado

Qual a estrutura organizacional da secretaria para lidar com a violecircncia de gecircnero

4) O que significa para vocecirc o fato de poliacuteticas de gecircnero serem

transversais Como isso se materializa na accedilatildeo da SEMIRA

5) Quais satildeo os desafios na hora de formular eou implementar poliacuteticas

transversais O machismo se manifesta nesses momentos na hora de lidar com outras

secretarias que natildeo atuam diretamente com a questatildeo de gecircnero

6) A mudanccedila para uma secretaria mais ampla em termos de temas

abarcados muda a maneira como a transversalidade eacute abordada Como

7) A transversalidade tambeacutem muda de acordo com os contextos urbanos

e rural Como ela se relaciona a esses contextos

8) Como o machismo se manifesta na sociedade E na aacuterea rural E na

aacuterea urbana Compare as duas Existem outros fatores culturais que diferenciam a

aacuterea rural e urbana e que influenciam a maneira como a violecircncia de gecircnero se

manifesta

9) Existe diferenccedila entre violecircncia de gecircnero nos acircmbitos rural e urbano

10) Se sim quais as implicaccedilotildees dessa diferenccedila E a secretaria incorpora

essa diferenccedila na formulaccedilatildeo das suas poliacuteticas puacuteblicas

11) O Estado consegue chegar a uma mulher viacutetima de violecircncia da

mesma maneira na aacuterea urbana e rural

12) Vocecirc sente diferenccedila na maneira como os funcionaacuterios policiais

delegados etc lidam com a violecircncia de gecircnero em zonas mais rurais ou urbanas

75

Como essa diferenccedila se manifesta e como a SEMIRA lida com a diferenccedila entre

atores parceiros

13) Como surgiu a SEMIRA Quais foram os atores importantes Qual

era e eacute a sua relaccedilatildeo da SEMIRA com outros oacutergatildeos do governo do Estado

14) Quais satildeo as poliacuteticas puacuteblicas da secretaria direcionadas para o

enfrentamento da violecircncia de gecircnero Como elas comeccedilaram Como elas

funcionam

15) Qual eacute o histoacuterico da poliacutetica dos ocircnibus multidisciplinares que vatildeo ao

campo Como foi a aceitaccedilatildeo pela populaccedilatildeo Continuidade

72 Formulaacuterio de Consentimento Entrevista

Mulheres em situaccedilatildeo de vulnerabilidade social Contextos Construccedilatildeo Simboacutelica

e Poliacuteticas Puacuteblicas

Beatriz Junqueira Kipnis

FGV-EAESP

Sou Beatriz Junqueira Kipnis aluna de graduaccedilatildeo em Administraccedilatildeo Puacuteblica

na Fundaccedilatildeo Getulio Vargas de Satildeo Paulo Estou fazendo uma pesquisa de iniciaccedilatildeo

cientiacutefica sob orientaccedilatildeo dos Prof Dr Marcus Vinicius Peinado Gomes e Prof Dr

Fernando Burgos O objetivo desta pesquisa eacute descobrir se e como os contextos

agriacutecola e urbano impactam na formulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em

situaccedilatildeo de violecircncia e quais as implicaccedilotildees de semelhanccedilas e diferenccedilas dos mesmos

para o cotidiano do puacuteblico beneficiaacuterio Gostariacuteamos de contar com a sua

participaccedilatildeo voluntaacuteria para a parte de campo da pesquisa pois acreditamos que

conhecer a experiecircncia praacutetica possibilitaraacute e enriqueceraacute as anaacutelises dessa pesquisa

Para isso deixamos explicitada nossa eacutetica de pesquisa e pedimos que assine esse

formulaacuterio em caso de consentimento

1 Confidencialidade

Esta entrevista tem como objetivo coletar informaccedilotildees para esta pesquisa e

portanto possui objetivo estritamente acadecircmico Qualquer comentaacuterio opiniatildeo ou

76

avaliaccedilotildees que vocecirc fizer seratildeo tratados com confidencialidade e analisados apenas

para os interesses desta pesquisa

2 Permissatildeo para citaccedilatildeo

Eu gostaria de poder citar diretamente trechos de nossa conversa nos relatoacuterios

e publicaccedilotildees oriundas desta pesquisa Caso deseje manter seu anonimato por favor

manifeste sua preferecircncia antes do iniacutecio da entrevista

3 Participaccedilatildeo

Sua participaccedilatildeo nesta pesquisa eacute voluntaacuteria e vocecirc natildeo receberaacute nenhum

pagamento para tal

Vocecirc pode decidir a qualquer momento por qualquer razatildeo em natildeo mais

fazer parte desta pesquisa Em caso de duacutevidas ou esclarecimentos vocecirc pode fazer

perguntas a mim em qualquer momento

3 Gravaccedilatildeo

Gostaria de pedir sua permissatildeo para gravar nossa entrevista com o uacutenico

proposito de facilitar o processo de pesquisa Se vocecirc natildeo concorda com a gravaccedilatildeo

por favor manifeste sua preferecircncia antes do iniacutecio da entrevista

Assinatura do Entrevistado ___________________________________________

Data _____________________________________________

Assinatura do Pesquisador _____________________________

Data _____________________________________________

Caso tenha alguma duacutevida sobre o estudo por favor entrar em contato com

Beatriz Kipnis bjkipnishotmailcom ou Dr Marcus Gomes marcusgomesfgvbr

Page 10: Fundação Getúlio Vargas Escola de Administração de ......mulheres de áreas agrícolas e se sentiam pouco à vontade para comentar sobre a violência contra mulheres nessas áreas.

10

Ou seja as poliacuteticas puacuteblicas satildeo produzidas dentro de um contexto

organizacional que influencia o desenho e o resultado que se atinge com uma poliacutetica

puacuteblica

212 O que e quem estaacute incluso no ldquopuacuteblicordquo tratado pelas poliacuteticas puacuteblicas

Como vimos na seccedilatildeo anterior existe uma negociaccedilatildeo sobre a definiccedilatildeo o que

satildeo problemas puacuteblicos e decidir a partir da definiccedilatildeo do problema como seratildeo

combatidos Nesse sentido uma das questotildees que vecircm agrave tona na delimitaccedilatildeo do

problema eacute a negociaccedilatildeo do sentido de lsquopuacuteblicorsquo uma vez que este natildeo eacute um conceito

consensual se tratando de um sentido tambeacutem em disputa (FREDERICKSON 1991)

Algumas perspectivas diferentes satildeo possiacuteveis para ressaltar a multiplicidade de

interpretaccedilotildees diferentes do que eacute entendido como puacuteblico De acordo com

Frederickson (1991) as principais perspectivas satildeo pluralista do public choice

legislativa do cliente e cidadatilde

A perspectiva pluralista eacute aquela que entende como puacuteblico a manifestaccedilatildeo da

interaccedilatildeo entre grupos de interesses que disputam o poder poliacutetico

(FREDERICKSON 1991) Esses grupos seriam meras agregaccedilotildees de pessoas com

interesses individuais sendo o interesse de cada grupo a aglomeraccedilatildeo dos interesses

particulares dos participantes Em decorrecircncia da disputa entre grupos de interesse o

interesse puacuteblico seria o grupo que vencesse tal luta Frederickson (1991) ressalta

como risco dessa perspectiva que o interesse puacuteblico resultante da disputa de grupos

de interesse natildeo seja a representaccedilatildeo efetiva tanto dos indiviacuteduos dentro dos grupos

quanto daqueles que natildeo fazem parte de grupos por natildeo serem interessantes

politicamente ou economicamente para tais aglomeraccedilotildees

Por sua vez a perspectiva do public choice manteacutem a ideia pluralista de que

um grupo eacute soacute uma agregaccedilatildeo de pessoas e que portanto o indiviacuteduo faz um caacutelculo

racional para aumentar sua eficiecircncia no setor puacuteblico (FREDERICKSON 1991)

Isso implica em uma visatildeo dos servidores puacuteblicos como maximizadores de interesses

particulares e que natildeo estariam interessados em maximizar o interesse coletivo

Enfim essa visatildeo entende o puacuteblico e o seu interesse como o do maior nuacutemero de

11

pessoas sendo utilitarista e consequentemente gerando a exclusatildeo de quem natildeo tem

recursos para fazer a escolha puacuteblica e a desconfianccedila nas motivaccedilotildees dos

governantes

Jaacute a perspectiva legislativa eacute aquela em que os administradores puacuteblicos

operam o que eacute decidido pelo legislativo (FREDERICKSON 1991) Este por sua vez

seria a arena de representaccedilatildeo legiacutetima do interesse puacuteblico O autor

(FREDERICKSON 1991) ressalta entretanto que na praacutetica as leis satildeo ambiacuteguas e

permitem interpretaccedilotildees diferentes por parte dos administradores puacuteblicos Aleacutem

disso haacute um conflito de forccedila em relaccedilatildeo ao que eacute exigido pelo executivo que os

administradores puacuteblicos executem em detrimento do legislativo No mais haacute outro

dilema nessa concepccedilatildeo porque representaccedilatildeo natildeo eacute algo que se encerra no

legislativo havendo outras arenas representativas como os grupos de interesse

anteriormente citados

Outra visatildeo possiacutevel eacute de puacuteblico como cliente em que os indiviacuteduos satildeo

consumidores dos serviccedilos puacuteblicos Isso implica no contato direto entre clientes e

burocratas de niacutevel de rua o que leva ao impasse de que os burocratas precisam

colocar as necessidades dos clientes como mais importantes e ao mesmo tempo

precisam ser imparciais impessoais (FREDERICKSON 1991) Aleacutem disso falta

verba para que a qualidade e quantidade dos serviccedilos puacuteblicos oferecidos atendam agraves

demandas dos clientes De acordo com Frederickson (1991) essa perspectiva seria

fraca porque clientes natildeo conseguem funcionar como puacuteblico isto eacute cada indiviacuteduo

agindo como cliente natildeo se articula enquanto grupos para defender seus interesse e os

burocratas podem se organizar enquanto grupo de interesse e conseguir suplantar os

clientes

Por fim podemos enxergar o puacuteblico como cidadatildeo o que significa que o

puacuteblico tem interesse proacuteprio e coletivo (FREDERICKSON 1991) Essa visatildeo

implica no papel da Administraccedilatildeo Puacuteblica de colocar em praacutetica os valores definidos

por uma constituiccedilatildeo No entanto essa perspectiva natildeo enxerga o legislativo como

arena de representaccedilatildeo final dos interesses puacuteblicos sendo que todos satildeo cidadatildeos e

devem ser contemplados pela administraccedilatildeo puacuteblica sendo ou natildeo minorias Entatildeo

faria parte do dever da administraccedilatildeo puacuteblica criar um arcabouccedilo institucional

12

possibilitador de participaccedilatildeo direta dos cidadatildeos e tambeacutem advogar pelos direitos de

minorias sem poder representativo A Administraccedilatildeo Puacuteblica tambeacutem deve nessa

perspectiva desenvolver e manter sistemas capazes de captar e responder os puacuteblicos

coletivos ou natildeo tendo em vista sempre o interesse do coletivo maior sem ferir os

direitos das minorias (FREDERICKSON 1991)

No mais a perspectiva do puacuteblico como cidadatildeo exige um entendimento da

cidadania de ambos os lados isto eacute a administraccedilatildeo puacuteblica deve enxergar o puacuteblico

como cidadatildeos mas os cidadatildeos precisam agir como tais Isso exigiria segundo

Frederickson (1991) o entendimento pelos cidadatildeos da constituiccedilatildeo e portanto dos

valores defendidos pela mesma e tambeacutem a capacidade de raciocinar moralmente

compatibilizando interesses particulares e coletivos tendo como medida o documento

constitucional Aleacutem disso seria essencial a crenccedila dos cidadatildeos em direitos

ldquonaturaisrdquo e natildeo na ideia de que a maioria teria poder legiacutetimo mas que todos tecircm

que ter esses direitos miacutenimos garantidos sendo ou natildeo parte da maioria

(FREDERICKSON 1991)

A reflexatildeo de Frederickson (1991) vai aleacutem de uma categorizaccedilatildeo sobre os

diferentes significados de puacuteblicos construiacutedos pela interaccedilatildeo do Estado e seus

cidadatildeos ao contraacuterio ressalta que a visatildeo sobre o que eacute lsquopuacuteblicorsquo natildeo eacute definido a

priori no ciclo de poliacuteticas puacuteblicas ao contraacuterio eacute negociada neste processo Neste

sentido a pluralidade normativa da visatildeo de lsquopuacuteblicorsquo faz parte da estrateacutegia

organizacional de determinado oacutergatildeo da Administraccedilatildeo Puacuteblica Isso porque as

praacuteticas cotidianas da organizaccedilatildeo transparecem determinado tratamento de puacuteblico e

acabam resultando em uma estrateacutegia organizacional que produz uma poliacutetica puacuteblica

com determinado vieacutes para o que eacute considerado puacuteblico

213 A produccedilatildeo de conhecimento e a importacircncia das praacuteticas cotidianas

Continuando esse o argumento da disputa de significados o conhecimento

tambeacutem eacute uma construccedilatildeo social e como tal estaacute sujeito a poderes em conflito e

mudanccedilas As poliacuteticas puacuteblicas satildeo influenciadas por essa construccedilatildeo social do

conhecimento uma vez que as situaccedilotildees dependem de uma significaccedilatildeo social para

13

serem consideradas como problemas puacuteblicos e portanto entrarem na agenda de

governo Nesse sentido o que eacute considerado como conhecimento vaacutelido faz parte de

uma ideia que a sociedade tem do que eacute legitimamente visto como conhecimento ou

natildeo e isso varia de acordo com tempo e lugar (SPINK 2001) Desde o berccedilo as

universidades satildeo um local onde essa tensatildeo entre conhecimento legitimado ou natildeo

persiste no cotidiano e satildeo espaccedilos em que a luta pelo reconhecimento da

heterogeneidade de conhecimentos muitas vezes fica em um segundo plano vis-agrave-vis

o conhecimento produzido pela proacutepria academia e desvinculado muitas vezes da

realidade cotidiana do objeto estudado (SPINK 2001)

Essa dicotomia entre produccedilatildeo de conhecimento nas universidades e na

praacutetica reduziu apenas recentemente sobretudo pela forccedila dos movimentos sociais

Eles mostraram que a sociedade civil produz conhecimentos relevantes para se

organizar e enfrentar os seus problemas do dia-a-dia sem necessariamente estarem

ligados ao conhecimento hegemocircnico do meio acadecircmico (SPINK 2001) Cresceu a

partir de entatildeo a noccedilatildeo de multiplicidade de conhecimentos e a importacircncia da

universidade reconhecer a importacircncia e estudar esses conhecimentos produzidos na

praacutetica

A construccedilatildeo desse leque de conhecimentos segundo Spink (2001) se daacute

sobretudo pela praacutetica vivida pelos grupos sociais na resoluccedilatildeo de problemas

enfrentados no cotidiano e que natildeo foram solucionados por organizaccedilotildees externas

Assim cada lugar eacute constituiacutedo de um contexto proacuteprio que tanto possibilita quanto

compele a produccedilatildeo de determinados conhecimentos

Dentro desses contextos uacutenicos de produccedilatildeo de conhecimento existem as

praacuteticas do cotidiano que fazem as organizaccedilotildees se construiacuterem enquanto tais e satildeo

tambeacutem por elas influenciadas As poliacuteticas puacuteblicas satildeo produzidas por organizaccedilotildees

e seus arranjos entre si ou seja satildeo influenciadas pelos contextos e praacuteticas do

mesmo Essas praacuteticas satildeo definidas por Schatzki (2007) como o conjunto de accedilotildees

estruturadas por uma organizaccedilatildeo Nessa visatildeo natildeo eacute a estrutura organizacional que

molda completamente as accedilotildees de seus constituintes mas uma relaccedilatildeo dialeacutetica em

que estruturas sociais e atores se influenciam mutuamente para formar as praacuteticas

desenvolvidas rotineiramente em uma organizaccedilatildeo As praacuteticas incluem segundo o

14

autor quatro fenocircmenos principais

(1) understandings of (complexes of know-hows regarding) the actions

constituting the practice for example knowing how to email and to recognize

emailing and knowing how to deliver and recognize lectures (2) rules by

which I mean explicit directives admonishments or instructions that

participants in the practice observe or disregard (3) something I call a

teleological-affective structuring which encompasses a range of ends

projects actions maybe emotions and end-project-action combinations

(teleological orderings) that are acceptable for or enjoined of participants to

pursue and realize and (4) general understandings for example general

understandings about the nature of work about proper teacherndashstudent

interactions or about the commonality of fate (SCHATZKI 2007)

As praacuteticas podem portanto ser definidas como participantes ativas da

estrateacutegia organizacional A estrateacutegia enquanto praacutetica eacute um conceito que faz a

conexatildeo entre a caracteriacutestica ativa e dialeacutetica das praacuteticas cotidianas e a proacutepria

formulaccedilatildeo de estrateacutegias dentro de uma organizaccedilatildeo Esse conceito estaacute ligado a uma

visatildeo construtivista das estrateacutegias dentro de uma organizaccedilatildeo isto eacute as estrateacutegias

natildeo satildeo estaacuteveis ao longo do tempo passam por um processo de definiccedilatildeo e

redefiniccedilatildeo conforme ganham ou perdem legitimaccedilatildeo interna e externa ao ambiente

organizacional (SOUZA 2009)

Nesse sentido as estrateacutegias de uma organizaccedilatildeo podem mudar ou

permanecer ao longo do tempo de acordo com a relaccedilatildeo dupla entre agentes e

estrutura esta sendo composta de recursos disponiacuteveis normas e regras presentes e

entendimento compartilhado (SOUZA 2009) Os recursos disponiacuteveis podem ser

materiais como o ambiente fiacutesico de uma organizaccedilatildeo ou imateriais como a

capacitaccedilatildeo para exercer uma atividade dentro da mesma Esses recursos satildeo objeto

de uma luta permanente porque satildeo eles que possibilitam a dominaccedilatildeo de uma

estrateacutegia ou seja quem deteacutem mais recursos acaba tendo mais poder na hora de

defender sua posiccedilatildeo vis-agrave-vis uma estrateacutegia organizacional (SOUZA 2009) As

15

normas e as regras podem ser formais como o estatuto de uma associaccedilatildeo que prevecirc

condutas permitidas eou exigidas para a participaccedilatildeo ou informais construiacutedas e

aceitas no cotidiano sem que sejam transcritas como o tipo de comportamento

considerado adequado dentro de determinada organizaccedilatildeo Satildeo as normas e regras

que constituem a legitimaccedilatildeo ou natildeo de estrateacutegias isto eacute elas permitem ou natildeo a

aceitaccedilatildeo de uma estrateacutegia em detrimento do que eacute aceito formal e informalmente no

ambiente organizacional (SOUZA 2009) Aleacutem disso haacute um entendimento

compartilhado em uma organizaccedilatildeo que significa as estrateacutegias isto eacute traduz

subjetivamente a estrateacutegia para uma dimensatildeo simboacutelica que eacute compreensiacutevel para a

realidade de seus agentes

Isso significa que formular e implementar estrateacutegias dentro de uma

organizaccedilatildeo satildeo processos inseridos dentro de um contexto permeado por

significaccedilotildees dominaccedilotildees e legitimaccedilotildees de discursos no cotidiano dos agentes e

portanto haacute uma tensatildeo constante e um diaacutelogo entre processos e contexto em que o

mesmo influencia e eacute influenciado pelos processos de definiccedilatildeoredefiniccedilatildeo de

estrateacutegia (SOUZA 2009) Assim podemos dizer que as organizaccedilotildees natildeo produzem

estrateacutegias no vaacutecuo jaacute que as praacuteticas que as constituem soacute satildeo significadas quando

satildeo ativadas pelos agentes e possibilitadas pelo contexto interno e externo agrave

organizaccedilatildeo tornando o contexto um elemento essencial para estudar as estrateacutegias

em organizaccedilotildees

Dessa forma poliacuteticas puacuteblicas podem ser entendidas como uma estrateacutegia

constantemente definida e redefinida em funccedilatildeo das negociaccedilotildees sobre os sentidos

dos problemas puacuteblicos A estrutura organizacional se torna entatildeo natildeo apenas

relevante para a determinaccedilatildeo da capacidade material de resoluccedilatildeo de um problema

social mas tambeacutem delimita um lugar simboacutelico sobre as possibilidades de accedilatildeo para

enfrentaacute-lo

22 Contextos onde as poliacuteticas puacuteblicas acontecem

No acircmbito dessa pesquisa pretendemos nos focar em principalmente dois

contextos diferentes que permeiam o processo de formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de

16

poliacuteticas puacuteblicas enquanto estrateacutegias de organizaccedilotildees da Administraccedilatildeo Puacuteblica

Podemos falar nos lugares e na diferenciaccedilatildeo entre contextos urbano e agriacutecola como

fator que influencia e eacute influenciado pelo ciclo de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em

situaccedilatildeo de violecircncia

Os contextos impactam nas praacuteticas e arranjos materiais disponiacuteveis em

determinado lugar (SPINK 2001) O lugar eacute onde ocorre a troca entre contexto

praacuteticas e arranjos como contextos agriacutecola e urbano estruturas organizacionais e

negociaccedilatildeo de sentidos e estrateacutegias para lidar com problemas puacuteblicos De acordo

com Milton Santos (2001) os lugares satildeo espaccedilos esquizofrecircnicos porque satildeo onde se

verificam os vetores da globalizaccedilatildeo e tambeacutem da contraordem O papel do lugar eacute

natildeo soacute onde se vive mas um lsquoespaccedilo vividorsquo em que satildeo reproduzidas eou

reavaliadas processos do passado e onde se projeta o futuro (SANTOS 2001) Nesses

lugares ocorrem os embates entre soluccedilotildees imediatistas e visotildees finaliacutesticas

conjuntura e estrutura (SANTOS 2001)

A ideia de lugar compreende a importacircncia dos processos construiacutedos e que

constroem um contexto Schatzki (2005) em sua teoria sobre como satildeo construiacutedos

os fenocircmenos sociais afirma que estes estatildeo ligados aos lugares

Sites however are a particularly interesting sort of context What

makes them interesting is that context and contextualized entity constitute one

another what the entity or event is is tied to the context just as the nature and

identity of the context is tied to the entity or event (among others)(p 468)

Essa definiccedilatildeo eacute entatildeo especificada ao social em que o lugar ldquodo social eacute

composto de nexos de praacuteticas e arranjos materiaisrdquo (SCHATZKI 2005 p471) As

praacuteticas seriam as atividades humanas e os arranjos materiais incluem as pessoas os

artefatos outros organismos e coisas

Os fenocircmenos sociais fazem parte das teias formadas dentro dos lugares e da

relaccedilatildeo entre eles sendo ao mesmo tempo produto e alimento desses lugares As

organizaccedilotildees de acordo com o autor (SCHATZKI 2005) seriam um desses

fenocircmenos sociais Fazendo parte dessa teia as organizaccedilotildees satildeo constituiacutedas por

praacuteticas sobreviventes previamente de outras organizaccedilotildees (vindas com as

17

experiecircncias passadas dos indiviacuteduos que a constituem) e uma mistura de praacuteticas do

presente que satildeo alteradas ou natildeo para materializar a razatildeo de existecircncia da

organizaccedilatildeo e arranjos materiais velhos e novos (SCHATZKI 2005 p476) Schatzki

(2005) ressalta que trecircs pontos satildeo essenciais para compreender uma organizaccedilatildeo

identificar as accedilotildees que a compotildeem identificar o conjunto de praacuteticas e arranjos

materiais em que as accedilotildees estatildeo inseridas identificar as outras teias de conjuntos de

praacuteticas e arranjos que se ligam agrave teia que compotildee a organizaccedilatildeo

Podemos clarificar ainda mais a ideia de lugares com a contribuiccedilatildeo de Spink

(2001) que define lugar como ldquoponto de partida para refletir sobre a organizaccedilatildeo

porque permite um olhar a partir de um enraizamento na processualidade do cotidiano

e fora dos muros das organizaccedilotildeesrdquo (SPINK 2001 p18) Esse termo tambeacutem foca

nos processos construiacutedos pelos indiviacuteduos suas relaccedilotildees e o contexto nos quais

participam e as organizaccedilotildees como parte desses processos em que haacute tensotildees e natildeo

como uma entidade que existe sem a accedilatildeo de pessoas Aleacutem disso Spink (2001)

ressalta a importacircncia da construccedilatildeo social dos sentidos que damos agraves accedilotildees e

materialidades que compotildeem o cotidiano o que dialoga com a ideia de Schatzki

(2005) de como compreender as accedilotildees dos indiviacuteduos

Assim pretendemos compreender as regiotildees agriacutecola e urbana como lugar

que satildeo indissociaacuteveis daquilo que os constituem (Spink 2001 SCHATZKI 2005)

enquanto praacuteticas e arranjos constitucionais observaacuteveis materialmente a partir de

organizaccedilotildees puacuteblicas O estudo das organizaccedilotildees que formulam e implementam

essas poliacuteticas puacuteblicas eacute importante para entender quais os conjuntos de praacuteticas e

arranjos materiais que formam o contexto das poliacuteticas puacuteblicas em questatildeo e se

existem ligaccedilotildees e sobreposiccedilotildees entre praacuteticas eou arranjos materiais dessas

organizaccedilotildees

221 Cidades Urbanas e Agriacutecolas

Precisamos entatildeo definir o que satildeo regiotildees agriacutecolas e regiotildees urbanas como

lugar no qual as poliacuteticas puacuteblicas estatildeo inseridas Santos (1996) trouxe essa nova

tipologia de cidades agriacutecolas e urbanas porque as mudanccedilas econocircmicas impactaram

18

a organizaccedilatildeo do espaccedilo geograacutefico de tal forma que as atividades urbanas e rurais

existem em todas as regiotildees Assim natildeo haacute mais uma separaccedilatildeo em aacutereas rurais e

urbanas de acordo com distinccedilatildeo econocircmica sendo que o novo ldquocriteacuterio de distinccedilatildeo

seria devido muito mais ao tipo de relaccedilotildees realizadas sobre os respectivos

subespaccedilosrdquo (SANTOS 1996 p 67)

Segundo ele ldquonas regiotildees agriacutecolas eacute o campo que sobretudo comanda a

vida econocircmica e social do sistema urbano enquanto nas regiotildees urbanas satildeo as

atividades secundaacuterias e terciaacuterias que tecircm esse papelrdquo (SANTOS 1996 p 68)

Apesar dessa predominacircncia que permite a distinccedilatildeo existem nos dois tipos de

regiotildees cidades e zonas de atividade rural mas nas regiotildees agriacutecolas a cidade existe

para suprir as necessidades do campo e das pessoas que o habitam enquanto nas

regiotildees urbanas as zonas de atividade rural existem para suprir as necessidades das

cidades e as pessoas que a habitam (SANTOS 1996) Assim essa tipologia eacute

importante para definir os contextos das poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo

de violecircncia jaacute que loacutegicas diferentes as constituem apontando praacuteticas e arranjos

materiais tambeacutem diversos

23 Gecircnero Machismo e Violecircncia de Gecircnero

As discussotildees sobre gecircnero na academia tecircm sido concentradas em uma

perspectiva discursiva que distingue completamente sexo de gecircnero colocando o

primeiro como parte de uma esfera bioloacutegica e o segundo como uma construccedilatildeo

social desvinculada da primeira (CAROLAN 2005) Nesse sentido Carolan (2005)

aponta um risco de gerar um reducionismo ao julgar gecircnero apenas como uma

construccedilatildeo social sem levar em consideraccedilatildeo os elementos extra-discursivos que

dialeticamente significam e ressignificam os papeis de gecircnero Segundo Carolan

(2005 p5)

Sociology has been correct to take care so as to not legitimate

ideologically-driven biological determinism and the socio-political

ramifications that accompany such proclamations My concern however is

19

that this apprehension toward determinism has become too one-sided With

all of our handringing about the dangers of ldquobringing nature back inrdquo to

sociological analyses due to its deterministic undertones we remain

incorrigibly blind to the other side of the coin to the appalling prospects of

an equally dangerous cagemdashcultural determinism In our rush to condemn the

fixed-biological we often (mistakenly) overly prescribe mutability and fluidity

to the socio-cultural We must thus stay vigilant to all prescriptions of

determinismmdashbiological and otherwisemdashwhile concomitantly remaining open

to the multidirectional causal potentials that constitute a stratified rooted

and emergent reality

Dessa forma eacute importante levar em conta tanto os niacuteveis discursivos quanto

extra-discursivos da construccedilatildeo de gecircnero dentro de uma estrutura social que dialoga

com esses elementos Assim os elementos extra-discursivos podem ser tanto

bioloacutegicos como apontados no trecho acima mas podem ser tambeacutem outras

materialidades que podem ser causa e efeito ao mesmo tempo da construccedilatildeo social

dos papeis de gecircnero como a desigual inserccedilatildeo no mercado de trabalho e os salaacuterios

desiguais para as mesmas posiccedilotildees Por exemplo se as mulheres tecircm menor inserccedilatildeo

no mercado de trabalho isso eacute fruto de uma construccedilatildeo social dos papeis de gecircnero

mas tambeacutem reforccedila os mesmos papeis em um jogo dialeacutetico porque as mulheres

ficam em uma posiccedilatildeo pouco empoderada acerca de como decidir a alocaccedilatildeo dos

recursos em casa e mais vulneraacuteveis para conseguir materialmente sair de casos de

violecircncia

Nesse contexto o machismo pode ser entendido como uma estrutura social

subjetiva construiacuteda a partir da existecircncia de gecircnero como uma classificaccedilatildeo criada

socialmente mas que alimenta e eacute alimentada por materialidades extra-discursivas O

machismo se configura entatildeo como algo abstrato que natildeo pode ser visto

materialmente Como coloca Sayer (1998 p 159-160)

()unobservable natural forces as well as structures of a language or

tules of a game can be and frequently are described and known Thus while

20

the unobservable wind can be known to be responsible for the flying hat or the

swirling leaves the rules of grammar facilitating the speech acts of some

group or the secret code used by children to send messages to each other

may each be quite unproblematically retroducible andor describable By

demonstrating the empirical adequacy of theories of gravitational and

magnetic fields social rules and relations structures of languages and so

forth these items can be known whether or not they can be directly observed

O machismo pode ser considerado como um item abstrato conforme

apresentado por Sayer (1998) que podem ser conhecidos mesmo que natildeo possam ser

observados diretamente Para fazer isso devemos tentar acessar a estrutura social

pelas suas manifestaccedilotildees tanto discursivas quanto extra-discursivas Especificamente

sobre as relaccedilotildees de gecircnero Sayer discorre sobre como podemos observaacute-la na

praacutetica (SAYER 1998 p160)

Even a single maintained hypothesis can be continually assessed by

examining the range of phenomena it bears upon In other words the

empirical adequacy of any hypothesis can be progressively checked-out by

deducing such implications as follow with regard to any domain for which

such implications hold and can in practice be observed Where it is argued

for example that gender relations in many societies are such that mechanisms

are reproduced which serve to discriminate against women in favout of men

this assessment can be checked out against detectable patterns occurring in

for example factories homes schools and universities and any other place

where the mechanism will conceivably reveal its effects

Podemos entatildeo acessar a estrutura social machista sobretudo atraveacutes de pelo

menos dois tipos de manifestaccedilotildees materiais ou seja as diferenccedilas objetivas como a

distribuiccedilatildeo de recursos e bens e subjetivas como se daacute a percepccedilatildeo da sociedade

sobre os papeis de gecircnero (GOMES 2014a) Corroborando Lorente (2015) tambeacutem

apresenta o machismo como uma estrutura social

21

Inequality is a construction based on the male design of society and

developed to determine the relationships within it It is neither an error nor an

uncontrolled drift It is a decision to establish a structure of power that

provides benefits and privileges to those in a superior position men and

denies rights and opportunities to those in an inferior position women

Violence against Women (VAW) is an instrument to maintain this structure

part of the tools to guarantee that it works () Violence against women is

different from other forms of violence due to its motivations goals

circumstances and meaning It is the only violence supported by social and

cultural ideas and the only one that is accepted and justified by part of

society (LORENTE 2015)

A violecircncia de gecircnero surge entatildeo como uma manifestaccedilatildeo dessa estrutura

social machista com implicaccedilotildees objetivas e subjetivas A violecircncia fiacutesica e

patrimonial podem ser entendidas como uma manifestaccedilatildeo material da estrutura

social enquanto outras violecircncias como a psicoloacutegica satildeo mais subjetivas e ligadas ao

asseacutedio moral (TRERJ 2013) uma forma de apreciaccedilatildeo negativa mais ligada ao

discurso poreacutem com implicaccedilotildees objetivas fortes como a proibiccedilatildeo da mulher de sair

de casa e trabalhar ou o desenvolvimento de doenccedilas psicoemocionais como

depressatildeo Aleacutem disso a violecircncia de gecircnero de todos os tipos estaacute permeada por

manifestaccedilotildees objetivas e subjetivas objetivas na vulnerabilidade em termos de

recursos materiais das mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia e subjetivas na exposiccedilatildeo agrave

apreciaccedilatildeo da famiacutelia da comunidade e das instituiccedilotildees puacuteblicas para atender a essas

mulheres que muitas vezes reproduzem papeis tradicionais de gecircnero ligados agrave

estrutura social machista

Afim de compreendermos a estrutura social machista nos diferentes contextos

agriacutecola e urbano vamos nos apoiar metodologicamente no Realismo Criacutetico sobre a

qual nos debruccedilaremos na seccedilatildeo a seguir Esta metodologia nos permite acessar

aspectos da estrutura social atraveacutes de suas manifestaccedilotildees Assim poderemos

compreender melhor as dialeacuteticas entre estrutura social manifestaccedilotildees discursivas e

22

manifestaccedilotildees extra-discursivas e do discurso em accedilatildeo Dessa maneira pretendemos

informar a accedilatildeo do Estado para combater essa estrutura social machista sobretudo a

sua manifestaccedilatildeo enquanto violecircncia de gecircnero

23

3 Metodologia

A partir da revisatildeo da literatura entendemos que as poliacuteticas puacuteblicas e suas

estrateacutegias satildeo definidas e redefinidas em um processo de embate entre discursos e

significaccedilotildees Este processo estaacute inserido em um lugar que influencia e eacute influenciado

pela negociaccedilatildeo de sentidos Especialmente no que diz respeito agrave violecircncia contra a

mulher estamos examinando para uma estrutura social machista e procurando

entender como os contextos influenciam a formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de poliacuteticas

puacuteblicas para aacutereas agriacutecolas e urbanas de acordo com as diferentes manifestaccedilotildees da

estrutura social nesses contextos Desta forma a pergunta de pesquisa que surge para

este trabalho eacute A estrutura social do machismo se manifesta da mesma maneira

nos contextos agriacutecola e urbano

Dela decorrem os seguintes objetivos secundaacuterios

a) Haacute ou natildeo diferenccedilas na manifestaccedilatildeo do machismo especificamente em

termos de violecircncia de gecircnero nas zonas urbana e agraacuteria

b) Como essas manifestaccedilotildees do machismo satildeo impactadas e impactam a

formulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia

Conforme discutiremos mais adiante nesse capiacutetulo e na seccedilatildeo 4 de anaacutelise

dos dados encontramos poucas evidecircncias de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em

situaccedilatildeo de violecircncia nas aacutereas agraacuterias de Goiaacutes e Satildeo Paulo Entretanto este

silecircncio eacute um interessante achado de pesquisa pois foi possiacutevel compreender como a

ausecircncia dessas poliacuteticas impacta a vida das mulheres desse contexto Esta anaacutelise

fica mais evidente quando debruccedilamos sobre as poliacuteticas puacuteblicas disponiacuteveis para as

mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia em aacutereas urbanas e que ainda assim natildeo tecircm seus

direitos garantidos como iremos perceber na anaacutelise das entrevistas

31 Realismo Criacutetico e a violecircncia de gecircnero

Escolhemos e o Realismo Criacutetico como ontologia ou seja como teoria do

conhecimento cientiacutefico porque acreditamos que ele nos ajudaraacute a compreender

24

melhor como os contextos agraacuterio e urbano influenciam e satildeo influenciados na

formulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas mas tambeacutem por uma questatildeo normativa

Acreditamos na perspectiva ontoloacutegica do realismo criacutetico de que os seres humanos

satildeo agentes com capacidade accedilatildeo sobre a realidade e que tambeacutem satildeo produtores de

significados e tambeacutem na necessidade natildeo soacute de explicar o mundo mas de modificaacute-

lo

No entanto acrescenta-se agrave nossa existecircncia dialeacutetica enquanto seres humanos

com o mundo a noccedilatildeo de que este existe independentemente da nossa apreensatildeo

semioacutetica ou natildeo dele sendo este o principal ponto de divergecircncia do criacutetico realismo

em relaccedilatildeo ao construtivismo (BHASKAR 2012 FAIRCLOUGH 2010 GOMES

2014b) Isto significa que a estrutura social eacute composta de loacutegicas agraves quais damos

sentidos e tambeacutem loacutegicas que natildeo apreendemos e interpretamos estando latentes

para essa interpretaccedilatildeo mas ainda assim influenciando e sendo influenciadas por

nossa accedilatildeo no mundo

O realismo criacutetico tambeacutem se enquadra nas nossas perspectivas de pesquisa

porque ele apresenta uma ontologia estratificada como uma estrateacutegia para evitar o

tradeoff entre agentes e estrutura (BHASKAR 2012) Isso porque o realismo criacutetico

coloca trecircs niacuteveis da vida social o real o atual e o empiacuterico que interagem entre si

dialeticamente (BHASKAR 2012) desde modo natildeo estamos lidando com uma

situaccedilatildeo em que a estrutura social define tudo nem que os agentes definem tudo

ambos satildeo relevantes e se influenciam mutuamente

Para melhor entendermos essas esferas vamos defini-las O real consiste na

esfera abstrata das estruturas sociais ou naturezas (FAIRCLOUGH 2010 GOMES

2014b) Esses integrantes do plano real satildeo objetos latentes ou seja que tecircm um

potencial Isso reforccedila a ideia de que mesmo estruturas semioacuteticas existem antes dos

atores (FAIRCLOUGH 2010 GOMES 2014b BHASKAR 2012) A esfera do atual

eacute permeada pelas praacuteticas sociais ou seja o que acontece quando elementos do

mundo real satildeo ativados e produzem transformaccedilotildees ou reproduccedilotildees

(FAIRCLOUGH 2010 GOMES 2014b) Esse plano atual eacute o que faz a mediaccedilatildeo

entre o plano real e o plano empiacuterico que por sua vez consiste nos eventos sociais e

accedilotildees Ou seja o empiacuterico eacute uma parte dos outros planos que eacute experimentado

25

efetivamente por agentes (FAIRCLOUGH 2010)

Eacute importante ressaltar que o processo causal colocado pelo realismo criacutetico

natildeo eacute o mesmo que o positivismo empiacuterico defende isto eacute a identificaccedilatildeo de

regularidades entre causa e efeito Na verdade o processo causal seria o estudo do

que ativa os poderes latentes do real para produzir mudanccedila (FAIRCLOUGH 2010

BHASKAR 2012) Aleacutem disso quando e se esses poderes satildeo ativados os efeitos

dessa ativaccedilatildeo varia de acordo com o tempo e espaccedilo (FAIRCLOUGH 2010

GOMES 2014b)

Uma ontologia baseada no Realismo Criacutetico ressalta a importacircncia dos

discursos e tambeacutem eacute uma abordagem que busca natildeo soacute entender a realidade mas

modificaacute-la como abordamos anteriormente Mas quais as implicaccedilotildees para a anaacutelise

das poliacuteticas puacuteblicas

O processo das poliacuteticas puacuteblicas sobre o qual discorremos anteriormente eacute

perpassado em todas as etapas pelos discursos dos atores envolvidos tanto interna

quanto externamente ao processo Aleacutem disso as poliacuteticas puacuteblicas satildeo um meio de

mudar a realidade como proposto pelo Realismo Criacutetico

Como vimos a violecircncia de gecircnero eacute um termo que passou por diferentes

significaccedilotildees ao longo do tempo e diferentes atores envolvidos Por exemplo antes

era visto pela sociedade e apreendida pelo Estado como uma situaccedilatildeo da esfera

privada e se restringia agrave violecircncia fiacutesica e hoje em dia passou a ser visto pelo Estado

como um problema puacuteblico considerando diferentes formas de violecircncia contra a

mulher No primeiro periacuteodo o movimento feminista brasileiro natildeo era detentor do

discurso dominante e lutava para conseguir visibilidade ao tema isto eacute para que

fosse considerado como um problema puacuteblico Ou seja as poliacuteticas puacuteblicas satildeo o

resultado do conflito entre discursos de diferentes atores e a significaccedilatildeo dada agraves

situaccedilotildees muda conforme o resultado desse conflito

Aleacutem disso podemos situar nosso referencial teoacuterico em termos da

estratificaccedilatildeo do Realismo Criacutetico A esfera do real no tema em questatildeo eacute permeada

pelas relaccedilotildees desiguais de poder entre gecircneros A esfera real pode ser acessada por

suas manifestaccedilotildees na esferas atual e empiacuterica

Na esfera do atual podemos pensar nas praacuteticas sociais que transformaram

26

uma situaccedilatildeo no caso a violecircncia contra as mulheres em problema puacuteblico passiacutevel

de intervenccedilatildeo via poliacuteticas puacuteblicas voltadas para lidar com a violecircncia de gecircnero

atraveacutes da sua inclusatildeo na agenda puacuteblica Isso pode ser visto pela dificuldade de se

tratar a violecircncia de gecircnero atraveacutes das instacircncias legais e juriacutedicas usuais Isto eacute

essas instacircncias tradicionais estavam permeadas por uma loacutegica machista que

precisava ser formalmente desfeita para poder comeccedilar a se abordar a questatildeo a partir

de outra perspectiva A violecircncia de gecircnero ter sido vista como uma questatildeo da esfera

domeacutestica e portanto privada tambeacutem faz parte desse machismo da esfera real que

precisou do aparato legal para caracterizaacute-la enquanto problema da esfera puacuteblica

Nesse sentido entra a importacircncia dos contextos urbano e agriacutecola dos territoacuterios

como elementos influenciadores e influenciados pelas poliacuteticas puacuteblicas para

mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia fornecendo um contexto sobre o qual os discursos

satildeo construiacutedos Certamente estes natildeo satildeo os uacutenicos lugares que influenciam os

discursos sobre a violecircncia de gecircnero e consequentemente as estrateacutegias para

combatecirc-lo (ie as poliacuteticas puacuteblicas)

Por fim a esfera do empiacuterico consiste no discurso em accedilatildeo por meio das

poliacuteticas puacuteblicas Um exemplo foi o conturbado processo de aprovaccedilatildeo da LMP

(MACIEL 2011) e tambeacutem as tentativas de provar sua inconstitucionalidade que

teve que ir ao STF pela AGU (MACIEL 2011) para conseguir ser aprovado

Tambeacutem a atual dificuldade de conseguir a aceitaccedilatildeo e implementaccedilatildeo da LMP por

parte dos operadores juriacutedicos (MACIEL 2011) demonstra a penetraccedilatildeo do

machismo em nossa sociedade Como podemos ver pelo retrato das questotildees

anteriormente citadas ainda estamos lidando basicamente com violecircncia sexual

apesar da tipificaccedilatildeo abranger outros tipos de violecircncia como as psicoloacutegicas e

morais que ainda ocorrem cotidianamente e satildeo naturalizadas denunciando a forccedila

do machismo na esfera do real Enfim essa uacuteltima esfera assim como as demais e a

relaccedilatildeo entre elas poderatildeo ser melhor retratadas quando partirmos a anaacutelise da

pesquisa de campo em que teremos contato com os agentes

De acordo com o realismo criacutetico podemos pensar em problemas a partir de trecircs

domiacutenios o real o atual e o empiacuterico (FAIRCLOUGH 2010) No tema em questatildeo

a esfera do real pode ser entendida como a estrutura social do machismo isto eacute uma

27

desigualdade de gecircnero que estaacute latente no funcionamento da sociedade e acaba sendo

reforccedilada pelos domiacutenios do atual e do empiacuterico Nesse trabalho o domiacutenio do atual

seriam os discursos sobre a desigualdade de gecircnero e a violecircncia de gecircnero que satildeo

manifestaccedilotildees da estrutura social machista ou para reforccedilar essa estrutura ou para

tentar transformaacute-la Por fim o domiacutenio empiacuterico satildeo nesse caso as poliacuteticas e accedilotildees

puacuteblicas formuladas eou implementadas para combater a violecircncia contra a mulher

32 Anaacutelise Criacutetica de Discurso

Afim de buscarmos nosso objetivo que eacute entender as diferenccedilas entre

poliacuteticas puacuteblicas em contextos agriacutecola e urbano utilizaremos a metodologia da

ACD Segundo a ACD o discurso eacute ativo isto eacute que influencia tanto a percepccedilatildeo da

realidade quanto o comportamento de pessoas dentro de uma organizaccedilatildeo

(PUTNAM et al 2004) Eacute importante destacarmos a diferenccedila entre texto e discurso

Textos satildeo todas as peccedilas linguiacutesticas sejam escritas ou faladas Jaacute discursos satildeo

enunciados de locutores que utilizam textos para tentar exercer influecircncia sobre

terceiros (ALVES 2006) O conceito de discurso organizacional engloba duas

maneiras diferentes de olhar para o discurso conversas e diaacutelogos ou narrativas e

histoacuterias Quando se trata de conversas significa a troca de mensagens entre duas ou

mais pessoas que ao realizarem uma interconexatildeo temporal ou significativa entre

textos moldam outras conversas eou accedilotildees futuras E diaacutelogo seria a possibilidade de

gerar novos significados atraveacutes de momentos de questionamento do contiacutenuo de uma

conversa Jaacute as narrativas percebem a construccedilatildeo social do sentido sendo estas visotildees

de mundo construiacutedas pelo locutor e seus interlocutores As histoacuterias satildeo por sua vez

a reinterpretaccedilatildeo de fatos atraveacutes do olhar de cada locutor interlocutor

A anaacutelise discurso eacute uma ferramenta interessante para analisar poliacuteticas

puacuteblicas uma vez que nos permite entender a poliacutetica atraveacutes das pessoas que

formulam eou implementam a poliacutetica Conhecendo as pessoas que fazem uma

poliacutetica puacuteblica acontecer e analisando suas conversas diaacutelogos e histoacuterias podemos

entender a significaccedilatildeo dada pelas pessoas dos processos que vivenciam Ou seja eacute

possiacutevel sair de um discurso formal para analisar quais satildeo as relaccedilotildees de poder no

28

acircmbito de uma poliacutetica puacuteblica e quais satildeo os sentidos dados para os temas

trabalhados que impedem ou proporcionam mudanccedilas materiais na evoluccedilatildeo de uma

poliacutetica puacuteblica

Algumas perspectivas epistemoloacutegicas satildeo possiacuteveis na anaacutelise de discurso

organizacional sendo as principais abordagens a positivista a construtivista e a poacutes-

modernista (PUTNAM et al 2004) e a criacutetico realista (FAIRCLOUGH 2010) Antes

de definir essas abordagens eacute importante diferenciarmos as perspectivas possiacuteveis

para a linguagem A ldquolinguagem em usordquo eacute aquela visatildeo que aborda o discurso como

tendo uma funccedilatildeo na criaccedilatildeo de uma ordem social no cotidiano da organizaccedilatildeo Seu

foco estaacute portanto na anaacutelise de discurso no momento presente da organizaccedilatildeo

(PUTNAM et al 2004 pg 9) Jaacute a abordagem da ldquolinguagem em contextordquo leva em

conta fatores histoacutericos e sociais que influenciam a produccedilatildeo disseminaccedilatildeo e

consumo de textos (PUTNAM et al 2004 pg 10) Ou seja leva em consideraccedilatildeo o

passado e os possiacuteveis efeitos futuros do discurso organizacional Dentro dessa

diferenciaccedilatildeo podemos esclarecer de onde derivam as diferentes abordagens

metodoloacutegicas A ldquolinguagem em usordquo eacute utilizada pelos positivistas e a ldquolinguagem

em contextordquo eacute a abordagem levada em consideraccedilatildeo pelos construtivistas (PUTNAM

et al 2004)

O pensamento positivista se preocupa em identificar padrotildees nas interaccedilotildees

discursivas Dessa maneira tratam o discurso como principal variaacutevel de anaacutelise e

natildeo acreditam que o discurso tenha caraacuteter poliacutetico Buscam entatildeo identificar uma

narrativa uacutenica ou um conjunto de significados compartilhados entre membros de

uma organizaccedilatildeo (PUTNAM et al 2004)

A abordagem construtivista por sua vez estuda como o discurso constitui e

reconstitui arranjos sociais dentro dos diferentes contextos das organizaccedilotildees Essa

perspectiva defende a natureza poliacutetica do discurso pela sua utilizaccedilatildeo para produzir

manter ou resistir a diferentes formas de poder Desse modo como afirma Gomes

(GOMES 2014b) o domiacutenio do discurso eacute em si um recurso de poder e faz parte da

luta pela hegemonia

Dentro do guarda-chuva da abordagem construtivista existe um ramo

chamado anaacutelise criacutetica do discurso cuja metodologia considera importante ambos os

29

tipos de linguagem sendo a ldquolinguagem em usordquo importante para identificar como

regras e estruturas em interaccedilotildees discursivas constituem identidades e levam agrave sua

institucionalizaccedilatildeo e a lsquolinguagem em contextorsquo importante para compreender os

diferentes significados para o mesmo texto dependendo do contexto em que o

discurso estaacute inserido A Anaacutelise Criacutetica do Discurso (ACD) enxerga as organizaccedilotildees

como sendo os locais onde ocorrem a luta entre os discursos pela dominaccedilatildeo sendo

que cada grupo luta para que seus interesses moldem exerccedilam eou resistam ao

controle social dentro da entidade Assim o foco dessa perspectiva eacute como o discurso

constitui e eacute constituiacutedo pelas praacuteticas sociais

Os poacutes-modernistas criticam a anaacutelise criacutetica do discurso uma vez que se

voltam novamente ao texto ou seja agrave lsquolinguagem em usorsquo e apontam para a

bipolaridade da anaacutelise criacutetica do discurso que exclui todos os discursos fora da

loacutegica de poder e resistecircncia Essa abordagem defende que os textos satildeo repletos de

metaacuteforas para organizar e representar uma gama de significados variados que

estariam marginalizados Para isso a desconstruccedilatildeo dos textos eacute a principal

ferramenta dessa perspectiva

Apesar da resistecircncia dos poacutes-modernistas agrave anaacutelise criacutetica do discurso

entendemos que essa metodologia eacute interessante para essa pesquisa uma vez que ela

nos permite entender os significados e a disputa de poder embutida nessas

significaccedilotildees Mas para aleacutem disso a anaacutelise criacutetica do discurso nos permite

compreender as consequecircncias materiais dessa disputa do poder (GOMES 2014b)

Aleacutem disso outro ponto interessante que diferencia a Anaacutelise Criacutetica do

Discurso eacute a incorporaccedilatildeo de trecircs niacuteveis de discurso micro meso e macro (OSWICK

PHILLIPS 2012) Assim o discurso estaacute dentro de uma situaccedilatildeo dentro de uma

instituiccedilatildeo e dentro da sociedade respectivamente (OSWICK PHILLIPS 2012) Em

outras palavras

Based on these three different levels undertaking CDA involves (i)

the examination of the language in use (the text dimension) (ii) the

identification of processes of textual production and consumption (the

discursive practice dimension) and (iii) the consideration of the institutional

30

factors surrounding the event and how they shape the discourse (the social

practice dimension) (OSWICK PHILLIPS 2012 p 457)

Nesse sentido a Anaacutelise Criacutetica do Discurso relaciona esses trecircs niacuteveis ao

mesmo tempo que incorpora uma visatildeo criacutetica do discurso homogecircneo Busca dessa

forma compreender seus fundamentos para interrogaacute-lo e gerar mudanccedila social

como veremos na proacutexima seccedilatildeo

A escolha da ACD se deve primeiramente porque acreditamos que a realidade

social natildeo pode ser vista com um olhar positivista tentando encontrar padrotildees nas

interaccedilotildees discursivas olhando tambeacutem somente para o discurso como variaacutevel

relevante na produccedilatildeo de significados Nesse trabalho queremos analisar a produccedilatildeo

de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia nos contextos agraacuterio e

urbano natildeo buscando encontrar padrotildees em cada contexto mas para entender

qualitativamente como o contexto e o discurso se relacionam entre si para produzir

significados que influenciam nessa produccedilatildeo de poliacuteticas Portanto optamos por esse

olhar que inclui o contexto como fator essencial em conjunto com as interaccedilotildees

discursivas

A anaacutelise criacutetica do discurso eacute uma perspectiva que considera as relaccedilotildees

dialeacuteticas de poder na criaccedilatildeo e significaccedilatildeo de discursos (GOMES 2014b) e que

pretende enxergar o mundo a partir de um olhar criacutetico do que ele deveriapoderia ser

olhando para os discursos e para as suas manifestaccedilotildees na praacutetica e em elementos

extra-discursivos como forma de refletir sobre uma estrutura social que natildeo

conseguimos materializar Ou seja ela eacute uma opccedilatildeo ontoloacutegica porque queremos

olhar para essa estrutura social criticamente no sentido de entendermos o que eacute e

tambeacutem projetar como poderia ser a partir do entendimento do porquecirc as poliacuteticas

puacuteblicas satildeo desenhadas e implementadas da maneira como satildeo nesses contextos

agraacuterio e urbano Isto eacute natildeo queremos ser relativistas e afirmar que entendendo a

relaccedilatildeo entre interaccedilotildees discursivas e os contextos diferentes as realidades satildeo

justificaacuteveis por si soacute pois olhamos normativamente para as poliacuteticas puacuteblicas em

especial aquelas para mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia nessa pesquisa Isto eacute a

anaacutelise criacutetica do discurso pode ajudar a entender como o capitalismo neoliberal

31

impede em algumas medidas a emancipaccedilatildeo humana para entatildeo tentar informar

estrateacutegias de como mitigar ou acabar com essas limitaccedilotildees (FAIRCLOUGH 2010)

No contexto de poliacuteticas puacuteblicas sobre violecircncia contra a mulher seria o caso de

entender quais satildeo as manifestaccedilotildees da estrutura social machista para tentar informar

decisotildees de poliacuteticas puacuteblicas que possam efetivamente gerar mudanccedilas nessa

estrutura social

Assim a anaacutelise criacutetica do discurso eacute uma abordagem relacional ou seja seu

objeto natildeo eacute o discurso em si mas as relaccedilotildees sociais e as disputas de poder entre

essas relaccedilotildees em que o discurso eacute parte integrante pela produccedilatildeo reproduccedilatildeo e

transformaccedilatildeo de significados (FAIRCLOUGH 2010) Aleacutem disso sua perspectiva eacute

dialeacutetica no sentido que estuda as relaccedilotildees entre objetos que natildeo satildeo inteiramente

separaacuteveis ou seja suas naturezas satildeo parcialmente definidas pela relaccedilatildeo com o

outro Nesse sentido natildeo exclui a importacircncia dos elementos extra-discursivos

ressaltando seu caraacuteter transdisciplinar (FAIRCLOUGH 2010) O termo criacutetica

remete a uma abordagem normativa que aponta para a realidade como algo passiacutevel

de mudanccedila e nesse sentido busca estudar tanto o que existe quanto o que poderia

existir idealmente (FAIRCLOUGH 2010)

Deste modo para a anaacutelise criacutetica do discurso trecircs esferas satildeo importantes o

texto o discurso e o contexto social (PHILIPPS SEWELL JAYNES 2008) Essas

esferas interagem entre si conforme o esquema abaixo

Tabela 1 Diaacutelogo entre Diferentes Esferas na ACD

32

O sujeito locutor se encontra numa posiccedilatildeo social ou seja num lugar no

espaccedilo social em que ele possui um certo grau de agecircncia (PHILIPPS SEWELL

JAYNES 2008) A partir dessa posiccedilatildeo social o locutor fala ou escreve um texto que

se transforma em discurso no momento em que o locutor tenta mudar ou manter a

ordem social atraveacutes desse texto Esse discurso por sua vez produz conceitos que se

expressam na cultura refletindo sobre a maneira como ele e seus interlocutores

enxergam o mundo e se relacionam entre si Por fim esse discurso se transforma em

objeto quando se torna parte de uma ordem praacutetica (PHILIPPS SEWELLJAYNES

2008) sendo usado para fazer sentido das relaccedilotildees sociais e condiccedilotildees materiais do

contexto social voltando ao iniacutecio do ciclo

33A emancipaccedilatildeo como chave entre as esferas

A Anaacutelise Criacutetica do Discurso foi escolhida nesse trabalho pelo potencial de

emancipaccedilatildeo (FAIRCLOUGH 2010) que essa perspectiva epistemoloacutegica nos

permite uma vez que pretende analisar a estrutura social atraveacutes de suas

manifestaccedilotildees discursivas e extra-discursivas afim de informar maneiras de mudar a

estrutura social machista Para melhor entender como as esferas se relacionam no

ciclo do realismo criacutetico com a emancipaccedilatildeo dos cidadatildeos podemos fazer uso da

Texto

Discurso

Cultura

Objeto

Posiccedilatildeo Social

(Contexto)

Elaboraccedilatildeo proacutepria a partir de dados de PHILIPPS SEWELL JAYNES 2008

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noccedilatildeo de emancipaccedilatildeo de Zygmunt Bauman (BAUMAN 2001) Segundo o autor haacute

uma diferenccedila importante a ser ressaltada entre a liberdade de jure e a liberdade de

facto que ocorrem na modernidade

Bauman (2001) explica que na modernidade os indiviacuteduos natildeo tecircm sua

identidade ligada a instituiccedilotildees sociais ou princiacutepios universais No lugar disso hoje

haacute uma autoconstruccedilatildeo fluiacuteda das identidades isso significa que haacute uma valorizaccedilatildeo

das diferenccedilas e que a identidade eacute continuamente definida e redefinida pelos proacuteprios

indiviacuteduos

Nesse sentido parece que chegamos ao auge da liberdade humana

(BAUMAN 2001) poreacutem na verdade essa liberdade eacute tecircnue Isso porque houve um

esvaziamento das funccedilotildees do Estado em relaccedilatildeo agraves escolhas dos indiviacuteduos ou seja

cada um escolhe sua identidade e seu modo de vida e deve se responsabilizar por

essas escolhas (BAUMAN 2001) A consequecircncia disso eacute uma esfera puacuteblica

constituiacuteda por aglomeraccedilotildees de anseios individualizados mas que natildeo conseguem

afetar a agenda puacuteblica porque natildeo ultrapassam a barreira de demandas individuais

para uma demanda maior e comum (BAUMAN 2001)

Entatildeo as pessoas satildeo chamadas cada vez menos a buscar respostas para suas

demandas na sociedade e no Estado mas em si mesmas (BAUMAN 2001) e seu

fracasso ou sucesso tambeacutem eacute de sua inteira responsabilidade Entatildeo surge a

diferenciaccedilatildeo de Bauman quanto aos tipos diferentes de liberdade amenizando o auge

da liberdade que supostamente vivemos

Os indiviacuteduos tecircm liberdade de escolha e satildeo responsabilizados pelas mesmas

poreacutem natildeo encontram recursos praacuteticos para realizar suas escolhas (BAUMAN

2001) Daiacute a contraposiccedilatildeo entre liberdade de jure e liberdade de facto A primeira

corresponde agrave liberdade formal muitas vezes colocada em lei que os indiviacuteduos

teriam agrave sua disposiccedilatildeo Mas a liberdade de facto ou seja a realizaccedilatildeo dos seus

anseios e decisotildees natildeo ocorre muitas vezes porque faltam condiccedilotildees materiais para

que isso aconteccedila Nessa contradiccedilatildeo que a condiccedilatildeo de emancipaccedilatildeo dos indiviacuteduos

natildeo eacute atingida porque natildeo conseguem efetivar a autodeterminaccedilatildeo de seus destinos

Essa questatildeo da emancipaccedilatildeo se torna relevante quando discutimos o realismo

criacutetico porque no tema estudado existe essa contradiccedilatildeo entre o que eacute de jure que faz

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parte da esfera atual e o de facto que estaacute na esfera empiacuterica das condiccedilotildees extra-

discursivas dos indiviacuteduos de saiacuterem de um problema no caso a violecircncia de gecircnero

34 A pesquisa de campo e a coleta de dados

Para darmos continuidade agrave pesquisa fizemos algumas visitas de campo A

coleta de dados qualitativos foi com base em um roteiro semiestruturado que se

encontra disponiacutevel nos anexos Antes de cada entrevista foi acordado com cada

entrevistado a o termo de consentimento para uso das mesmas tambeacutem em anexo As

conversas foram gravadas a partir do consentimento dos entrevistados e transcritas agrave

posteriori Depois selecionamos os trechos mais relevantes para a pesquisa e

organizamos segundo os temas mais recorrentes Em seguida organizamos esses

temas recorrentes de acordo com a estratificaccedilatildeo ontoloacutegica do realismo criacutetico

Dessa forma primeira etapa da coleta de dados foi realizada em Janeiro de

2015 em Goiaacutes Ateacute 2014 existia uma Secretaria de Poliacuteticas para as Mulheres e

Promoccedilatildeo da Igualdade Racial (SEMIRA) Nessa secretaria havia e haacute ainda na nova

superintendecircncia haacute uma accedilatildeo da Secretaria Federal de Poliacuteticas para as Mulheres de

unidades moacuteveis para mulheres do campo e da floresta No caso de Goiaacutes consiste

em disponibilizar ocircnibus que iam de Goiacircnia para as cidades do interior com equipes

multidisciplinares para fazer palestras sobre violecircncia de gecircnero informar a

populaccedilatildeo e dar assistecircncia (meacutedica psicoloacutegica juriacutedica) agraves mulheres que

procurassem a equipe Nas eleiccedilotildees de 2014 Marconi foi reeleito governador de

Goiaacutes no entanto mudou a estrutura das suas secretarias dissolvendo a SEMIRA e

colocando a pasta das mulheres numa secretaria muito mais ampla a Secretaria da

Mulher do Desenvolvimento Social da Igualdade Racial dos Direitos Humanos e do

Trabalho

A pesquisa de campo em Goiaacutes aconteceu em trecircs cidades Caldas Novas

Goiacircnia e Professor Jamil Os oacutergatildeos e entidades entrevistados em ordem

cronoloacutegica foram CREAS Secretaria Estadual da Mulher Desenvolvimento Social

Igualdade Racial Direitos Humanos e Trabalho Equipe de Unidades Moacuteveis

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DEAM Centro Popular da Mulher Observatoacuterio de Seguranccedila Puacuteblica e Secretaria

Municipal da Mulher de Professor Jamil

Comeccedilamos a parte de campo da pesquisa em Caldas Novas cidade a 167

quilocircmetros de Goiacircnia com 70473 habitantes sendo da 2759 zona rural e 67714

da zona urbana (IBGE 2015) Caldas Novas natildeo possui um oacutergatildeo especiacutefico da

prefeitura para lidar com a violecircncia de gecircnero O uacutenico oacutergatildeo responsaacutevel por

receber as viacutetimas desse tipo de violecircncia eacute o CREAS que atende mulheres idosos

crianccedilas e adolescentes em situaccedilatildeo de vulnerabilidade

A seguir realizamos entrevistas na Secretaria da Mulher do Desenvolvimento

Social da Igualdade Racial dos Direitos Humanos e do Trabalho em uma Delegacia

Especializada em Atendimento agrave Mulher e no Observatoacuterio de Seguranccedila Puacuteblica da

Secretaria de Seguranccedila Puacuteblica de Goiaacutes Goiacircnia eacute a capital de Goiaacutes com

aproximadamente 1302001 habitantes em 2010 (IBGEb 2015) Desse nuacutemero

1297155 estavam em aacuterea urbana e 4846 na zona rural (IBGEb 2015)

Finalmente a uacuteltima entrevista de campo em Goiaacutes foi em Professor Jamil Eacute

uma cidade a 70 quilocircmetros de Goiacircnia com 3239 habitantes sendo 978 da zona

rural e 2261 da zona urbana (IBGEc 2015) A cidade foi indicada pela equipe de

unidades moacuteveis da Secretaria da Mulher do Desenvolvimento Social da Igualdade

Racial dos Direitos Humanos e do Trabalho pela lideranccedila forte na cidade

Aleacutem da pesquisa de campo em Goiaacutes a segunda parte do campo consistiu em

conhecer tambeacutem a situaccedilatildeo de Satildeo Paulo Primeiramente buscamos informaccedilotildees

sobre as poliacuteticas puacuteblicas existentes para combater a violecircncia de gecircnero na esfera do

governo estadual de Satildeo Paulo Foi muito dificultosa essa busca uma vez que natildeo haacute

secretaria especiacutefica e mesmo em sites de busca encontramos escassas referecircncias

como o Hospital Peacuterola Byington como accedilatildeo puacuteblica destinada a esse puacuteblico

especiacutefico Depois de muitas pesquisas encontramos no site da Secretaria de Justiccedila e

Defesa da Cidadania uma Coordenaccedilatildeo de Poliacuteticas para a Mulher (SAtildeO PAULO

2015) Achamos simboacutelico essa coordenaccedilatildeo aleacutem de ser pouco visiacutevel estar listada

em uacuteltimo lugar na lista de coordenaccedilotildees da secretaria e contar apenas com duas

pessoas em sua equipe

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Infelizmente natildeo foi possiacutevel realizarmos entrevista com ningueacutem da equipe

do Peacuterola Byington pois devido a uma reforma do local a equipe natildeo aceitou nos

receber para uma entrevista Apesar disso tentamos em trecircs tentativas explicar que o

nosso foco era uma conversa com algueacutem da equipe e natildeo necessariamente conhecer

a estrutura fiacutesica Mesmo assim ningueacutem se disponibilizou a conceder uma entrevista

para a pesquisa

No mais conseguimos trecircs entrevistas em Satildeo Paulo com a coordenadora de

uma subsecretaria de poliacuteticas para as mulheres com uma delegada de uma Delegacia

Da Mulher (DDM) da Grande Satildeo Paulo e com uma representante do Nuacutecleo

Especializado de Promoccedilatildeo dos Direitos da Mulher (NUDEM) Como surgiu em Satildeo

Paulo a necessidade de manter anonimato de alguns entrevistados optamos por

manter a uniformidade da pesquisa e natildeo identificar nenhum dos entrevistados Tendo

em vista que foram bastante entrevistados decidimos adotar nomes fictiacutecios para os

mesmos a fim de situar melhor o leitor em relaccedilatildeo agraves citaccedilotildees presentes na anaacutelise

dos discursos

Tambeacutem com o intuito de facilitar a leitura codificamos com cores a partir

das caracteriacutesticas da organizaccedilatildeo em que o entrevistado trabalha Sendo assim a cor

azul se refere a profissionais de assistecircncia social mais geral isto eacute sem foco para o

Tabela 2 Quadro de Entrevistados

Fonte Autoria proacutepria

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atendimento a mulheres Por sua vez a cor roxa eacute para sinalizar os entrevistados que

trabalham no primeiro ou terceiro setor em organizaccedilotildees voltadas especificamente

para mulheres em um sentido amplo O laranja eacute para organizaccedilotildees policiais e por

fim o verde representa as instacircncias do poder judiciaacuterio especiacuteficas para mulheres

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4 A Anaacutelise

41 As poliacuteticas puacuteblicas de violecircncia de gecircnero no Brasil

Por traacutes desses nuacutemeros preocupantes haacute uma construccedilatildeo de sentidos sobre o

eacute violecircncia contra a mulher suas causas consequecircncias e qual o desenho adequado

das poliacuteticas puacuteblicas O tema definitivamente entrou na agenda puacuteblica brasileira

somente no final dos anos setenta com o aumento do nuacutemero de assassinatos de

mulheres de classe meacutedia e a visibilidade dada agrave questatildeo pela miacutedia e autoridades

(BANDEIRA 2014) o que natildeo implica que os sentidos da violecircncia contra mulher

natildeo estejam em constante negociaccedilatildeo Nessa mesma eacutepoca a violecircncia contra a

mulher se transformou na principal bandeira do movimento feminista brasileiro

(BANDEIRA 2014) Bandeira (2014) relata que a partir disso e com a abertura

democraacutetica a sociedade civil se aliou agrave academia para pressionar politicamente em

prol de uma resposta do Estado a esse problema Podemos perceber que a violecircncia

de gecircnero nesse periacuteodo era entendida como violecircncia sexual sobretudo cometida por

maridos e ex-companheiros

A primeira mudanccedila foi a transformaccedilatildeo dos ldquocrimes de violecircncia sexual

como crimes contra a pessoa natildeo mais contra os costumesrdquo (BANDEIRA 2014 pg

452) Logo em seguida 1985 foram criadas delegacias proacuteprias para esse problema

as Delegacias Especiais de Atendimento agraves Mulheres com a visatildeo de era necessaacuterio

endereccedilar o problema das mortes das mulheres com um olhar feminino com maior

prioridade do que a violecircncia mais ampla sofrida no dia-a-dia pelas mulheres Essa

medida deu visibilidade agrave violecircncia sobretudo pelo criaccedilatildeo de um canal que

possibilitou o aumento de denuacutencias por parte das viacutetimas

Nos anos noventa comeccedilaram as accedilotildees de Casas de Abrigo para receber

mulher em risco de vida hoje contando com 80 espalhadas pelo paiacutes (BANDEIRA

2014) Apesar de o novo contexto poliacutetico de redemocratizaccedilatildeo nesse periacuteodo ter

aberto ldquonovos canais institucionais e estruturas de alianccedilas ineacuteditos para o movimento

feminista brasileirordquo (MACIEL 2011 p97) houve um retrocesso em termos de

poliacuteticas puacuteblicas para combater agrave violecircncia de gecircnero A mesma foi enquadrada na

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Lei nordm 909995 que discorre sobre o julgamento de crimes de ldquomenor potencial

ofensivordquo (BANDEIRA 2014) e portanto busca a conciliaccedilatildeo das partes e prevecirc

uma pena de no maacuteximo dois anos de reclusatildeo (BANDEIRA 2014) Nesse mesmo

ano foram criados os Juizados Especiais Criminais que ldquose tornaram rapidamente o

escoadouro de denuacutencias de agressotildees contra a mulher nos acircmbitos domeacutestico e

familiarrdquo (MACIEL 2011 p103) mas operando em uma loacutegica de impunidade dos

agressores e desatenccedilatildeo agraves viacutetimas Bandeira (2014) ressalta a opiniatildeo generalizada

dos operadores juriacutedicos de que era desnecessaacuterio criar uma lei especiacutefica para tratar

da violecircncia de gecircnero (BANDEIRA 2014)

Esse cenaacuterio mudou principalmente pela pressatildeo internacional uma vez que o

Brasil assinou compromissos com tratados e convenccedilotildees internacionais de Direitos

Humanos que tratavam da violecircncia de gecircnero de maneira ampla (BANDEIRA

2014) Isto eacute o Brasil foi movido a ressignificar a violecircncia de gecircnero incluindo

tambeacutem a violecircncia psicoloacutegica e moral como parte desse quadro caracterizando a

violecircncia de gecircnero como violaccedilatildeo dos direitos humanos (MACIEL 2011) e servindo

de base para a criaccedilatildeo da Lei Maria da Penha (BANDEIRA 2014) Segundo

Bandeira (2014) essa lei significou uma ldquonova forma de administraccedilatildeo legal dos

conflitos interpessoais embora ainda natildeo seja de pleno acolhimento pelos operadores

juriacutedicosrdquo (BANDEIRA 2014)

Essa lei trouxe pela primeira vez o reconhecimento da mulher como parte

lesada nos casos de violecircncia de gecircnero e a obrigaccedilatildeo de o Estado responder a esse

crime natildeo atraveacutes de mediaccedilatildeo de conflitos no acircmbito privado mas de garantias de

direitos no acircmbito puacuteblico agraves viacutetimas O projeto inicial foi feito pela CFMEA e

entregue agrave Secretaria Especial de Poliacuteticas para Mulheres em 2004 que depois o

encaminhou para o Legislativo (MACIEL 2011) Esse primeiro projeto natildeo tratava

da retirada de competecircncia dos Juizados Especiais Criminais para tratar de violecircncia

de gecircnero e natildeo estabelecia a criaccedilatildeo de outra instacircncia juriacutedica especiacutefica para tratar

da mesma (MACIEL 2011) Nesse meio tempo em 2003 o Executivo Federal

sancionou por meio da Lei n107782003 a obrigatoriedade de notificaccedilatildeo por toda a

rede de sauacutede puacuteblica e privada de todos os casos de violecircncia contra a mulher

(BANDEIRA 2014) No ano seguinte em 2004 lanccedilado o primeiro Plano Nacional

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de Poliacuteticas Puacuteblicas para as Mulheres (MACIEL 2011) Ainda antes da aprovaccedilatildeo

da Lei Maria da Penha em 2005 foi implementado o Ligue 180 pela SPM que

encaminhava as denuacutencias para a Secretaria de Seguranccedila Puacuteblica ou para o

Ministeacuterio Puacuteblico (BANDEIRA 2014) Somente em 2006 foi aprovada LMP no

contexto relatado por Maciel

O calendaacuterio das eleiccedilotildees presidenciais e legislativas foi decisiva para

ampliar a capacidade de pressatildeo poliacutetica o movimento conseguiu a

aprovaccedilatildeo nas duas casas legislativas do substituto o Projeto de Lei n

372006 que afastava formalmente a competecircncia dos Juizados para o

tratamento dos processos oriundos de violecircncia domeacutestica (MACIEL 2011

p103)

A Lei Maria da Penha trata violecircncia de gecircnero como problema puacuteblico a

garantia dos direitos fundamentais e ldquotodas as oportunidades e facilidades para viver

sem violecircncia preservar a sauacutede fiacutesica e mental e o aperfeiccediloamento moral

intelectual e social assim como as condiccedilotildees para o exerciacutecio efetivo dos direitos agrave

vida agrave seguranccedila e agrave sauacutederdquo (MENEGHEL 2013 p692)

A Lei Maria da Penha foi um marco no histoacuterico do tratamento do Estado agrave

violecircncia de gecircnero pois foi pioneira na tipificaccedilatildeo da violecircncia Como coloca

Meneghel

A Lei Maria da Penha tipificou a violecircncia denominando-a violecircncia

domestica e a definiu como qualquer accedilatildeo ou omissatildeo baseada no gecircnero que

cause morte lesatildeo sofrimento fiacutesico sexual psicoloacutegico e dano moral ou

patrimonial agraves mulheres ocorrida em qualquer relaccedilatildeo iacutentima de afeto na

qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida

independentemente de coabitaccedilatildeo (MENEGHEL 2013 p693)

Depois de aprovada a lei no entanto o movimento feminista brasileiro se

deparou com uma nova agenda a de garantir a efetividade da implementaccedilatildeo da Lei

41

Maria da Penha Nesse sentido foi criado em 2007 pela alianccedila entre organizaccedilotildees

de mulheres e nuacutecleos universitaacuterios o Observatoacuterio Nacional de Implementaccedilatildeo e

Aplicaccedilatildeo da Lei Maria da Penha ldquopara produzir analisar e divulgar informaccedilotildees

sobre a aplicaccedilatildeo da Lei pelas delegacias Ministeacuterio Puacuteblico Defensoria Puacuteblica

poderes Judiciaacuterio e Executivo e redes de atendimento agrave mulherrdquo (MACIEL 2011

p104) No mesmo ano o Programa Nacional ade Seguranccedila Puacuteblica com Cidadania

do governo federal colocou como objetivo a criaccedilatildeo de Juizados de Violecircncia

Domeacutestica e Familiar (MACIEL 2011) Esse plano incluiacutea tambeacutem a necessidade de

capacitaccedilatildeo especiacutefica de agentes puacuteblicos para lidar com essas viacutetimas (MACIEL

2011) Jaacute em 2008 a ldquoCampanha 16 Dias de Ativismo pelo Fim da Violecircncia contra

as Mulheresrdquo foi realizada em parceria com a SPM e teve ampla adesatildeo da esfera

puacuteblica estatal e natildeo estatal nacional e internacional (MACIEL 2011)

Ou seja a accedilatildeo coletiva do movimento feminista brasileiro pressionou

primeiramente o poder Legislativo para incluir na agenda de poliacuteticas puacuteblicas o

problema da violecircncia de gecircnero Depois da vitoacuteria da aprovaccedilatildeo da Lei Maria da

Penha comeccedilou a pressionar os poderes Executivo e Judiciaacuterio para garantir que a

mesma fosse efetiva

42 Contextualizaccedilatildeo da Anaacutelise

O objetivo desse trabalho eacute compreender os diferentes sentidos dados agrave violecircncia

de gecircnero nos contextos urbano e agriacutecola Para entendermos melhor esse objetivo e

como iremos trabalhar para atingi-lo eacute necessaacuterio explicitar como ele estaacute

relacionado aos diferentes domiacutenios do Realismo Criacutetico (vide seccedilatildeo da metodologia

em que delimitamos esses domiacutenios e mostramos como se relacionam entre si) O

nosso foco nas evidecircncias de cada domiacutenio especificamente no tema de violecircncia de

gecircnero vai nos ajudar a analisar em seguida os dados coletados na pesquisa jaacute que

essas evidecircncias satildeo a ponte para a compreensatildeo dos domiacutenios abstratos

42

Domiacutenio Evidecircncias

Real Machismo

Atual Discursos sobre desigualdade de gecircnero e

violecircncia de gecircnero

Empiacuterico Poliacuteticas e accedilotildees puacuteblicas

Elementos extra-discursivos

Entatildeo precisamos entender quais os sentidos atribuiacutedos pelos entrevistados agrave

violecircncia de gecircnero Isso eacute relevante porque os sentidos atribuiacutedos delimitam a

compreensatildeo do problema no caso a violecircncia de gecircnero A maneira como o

problema eacute compreendido afeta quais os tipos de poliacuteticas puacuteblicas construiacutedas ou a

ausecircncia delas Essas poliacuteticas puacuteblicas por sua vez podem alterar a estrutura social

ou reforccedilar a mesma voltando para o domiacutenio do real Aleacutem disso essas poliacuteticas

puacuteblicas satildeo afetadas pelos elementos extra-discursivos como orccedilamento estrutura

fiacutesica e recursos humanos que por sua vez podem ser tanto causados por ou

causadores da estrutura social machista Ou seja podemos pensar que os locus de

formulaccedilatildeo eou implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo de

violecircncia satildeo esvaziadas de recursos como consequecircncia da falta de importacircncia dada

ao problema devido agrave estrutura social machista que permanece mas ao mesmo tempo

como instrumento de manutenccedilatildeo dessa mesma estrutura

Tambeacutem eacute interessante retomarmos as caracteriacutesticas da Anaacutelise Criacutetica do

Discurso para relacionaacute-las agraves entrevistas realizadas Primeiramente realismo criacutetico

eacute relacional (FAIRCLOUGH 2010) o que no caso significa que a estrutura social do

machismo os discursos sobre desigualdade de gecircnero e violecircncia de gecircnero e os

elementos extra-discursivos natildeo podem ser analisados separadamente Isto se deve ao

fato de que cada elemento interage com os demais sendo afetado e afetando-os

mutuamente Entatildeo natildeo podemos falar em machismo sem justificar sua existecircncia

Tabela 3 Os Domiacutenios do Realismo Criacutetico e suas Evidecircncias

Fonte Autoria proacutepria

43

enquanto estrutura social via suas manifestaccedilotildees tanto discursivas quanto extra-

discursivas Mas tambeacutem natildeo podemos pensar nessas manifestaccedilotildees sem entender a

relaccedilatildeo delas com a estrutura social que pode ser geradora eou influenciada pelos

discursos e elementos extra-discursivos

Aleacutem disso a anaacutelise criacutetica do discurso eacute dialeacutetica (FAIRCLOUGH 2010) Isso

significa que o machismo e a violecircncia de gecircnero natildeo podem ser analisados como

uma relaccedilatildeo causal uacutenica por exemplo a estrutura social machismo gera a violecircncia

de gecircnero No caso a estrutura social machista tem como uma das suas

consequecircncias manifestaccedilotildees como a violecircncia de gecircnero mas esta violecircncia atua

reproduzindo a estrutura social machista ou entatildeo transformando a mesma

Para entender melhor as entrevistas realizadas agrave luz da ontologia do realismo

criacutetico dividimos a anaacutelise da pesquisa em duas partes principais as manifestaccedilotildees

discursivas da estrutura social e suas manifestaccedilotildees extra-discursivas Na primeira

seccedilatildeo iremos partir do plano geral das manifestaccedilotildees do machismo e em seguida focar

na manifestaccedilatildeo especiacutefica de violecircncia de gecircnero E na segunda parte iremos

descrever e analisar questotildees de recursos humanos fiacutesicos e orccedilamentaacuterios

43 Manifestaccedilotildees discursivas da estrutura social

Durante a pesquisa encontramos evidecircncias de diferentes sentidos dados

pelos atores sobre desigualdade de gecircnero Mesmo com suas diferenccedilas a principal

referecircncia dos entrevistados eacute a cultura de que o mundo em geral eacute machista e o

Brasil o eacute com mais intensidade

Percebemos que a desigualdade entre os gecircneros envolve discursos que

acabam encontrando entraves durante as falas dos entrevistados Por exemplo

segundo Faacutebio a mulher eacute vista pela sociedade como sexo fraacutegil apesar ser na praacutetica

mais forte porque ldquose um homem pega uma gripe ele cai na cama e natildeo levanta pra

nada a mulher taacute de gripe ela taacute limpando casa taacute lavando vasilha taacute fazendo

almoccedilordquo Ele comeccedila o seu discurso preocupado com a visatildeo da sociedade de que a

mulher eacute um sexo fraacutegil e inferior ao homem demonstrando um discurso contraacuterio agrave

estrutura social machista No entanto ele muda seu discurso no meio da frase

44

justificando sua posiccedilatildeo contraacuteria a essa estrutura com exemplos de atividades

colocadas pela estrutura social machista como atividades de mulher limpar lavar

cozinhar

Luiz reforccedilou sua crenccedila no que seria a igualdade de gecircnero a ser perseguida

diante do discurso de Faacutebio

Natildeo significa vocecirc ser submisso vocecirc saber como deve ser conduzida

uma relaccedilatildeo um casamento Eacute questatildeo de respeito mesmo O significado forte

da famiacutelia o que significa famiacutelia Ou qual eacute a figura do pai qual eacute a figura

da matildee O que eacute a figura do homem dentro da sociedade o que eacute a figura da

mulher dentro da sociedade Entatildeo trabalhar essa questatildeo da igualdade eacute

muito difiacutecil porque a gente natildeo pode confundir com certas libertinagens E

tem mulheres hoje mal instruiacutedas que natildeo tecircm uma instruccedilatildeo pra que isso

aconteccedila

Nesse discurso Luiz reforccedila as figuras do homem e da mulher da estrutura

social machista pois atribui um sentido normativo agrave ideia de relaccedilatildeo casamento e

famiacutelia isto eacute coloca como sendo relaccedilotildees positivas onde existem claramente os

papeis da mulher e do homem e consequentemente coloca como relaccedilotildees negativas

relaccedilotildees que natildeo seguem esse padratildeo estabelecido socialmente Seu discurso

evidecircncia o machismo da esfera real podemos dizer que aqui se manifesta

inconscientemente quando afirma que a igualdade entre os gecircneros eacute ameaccedilada por

ldquolibertinagensrdquo que segundo ele decorrem de uma falha da mulher por falta de

ldquoinstruccedilatildeordquo de cumprir seu papel enquanto ldquofigura de mulherrdquo dentro de uma

relaccedilatildeo Nesse sentido tambeacutem haacute evidecircncias de que o sentido construiacutedo por ele de

um relacionamento eacute heteronormativo em que necessariamente deve haver a ldquofigura

do homemrdquo e a ldquofigura da mulherrdquo o que faz parte tambeacutem da estrutura social

machista

Esse reforccedilo dos papeis sociais desiguais seria explicado segundo Roberta

pela educaccedilatildeo sexista que ainda existe no Brasil em que homens e mulheres satildeo

educados diferentemente pelas famiacutelias e pelas escolas Ela explica que ldquogeralmente

45

os brinquedos que aguccedilam a criatividade da crianccedila satildeo masculinos a menina ainda

brinca com boneca com panelinha enfim com as lides domeacutesticasrdquo

Aleacutem disso outro fator apontado como importante para a desigualdade entre

os gecircneros eacute o arcabouccedilo juriacutedico que historicamente privilegiou os homens porque

segundo a Talita ldquonoacutes temos um paiacutes muito marcado pelo machismo nossa lei que

trata especificamente sobre o assunto eacute ainda muito jovem noacutes nos deparamos com

muitas injusticcedilas antes da existecircncia da Lei Maria da Penha ateacute algumas deacutecadas

atraacutes a mulher sequer votavardquo

Em contraposiccedilatildeo Ana Paula contou uma anedota para justificar que as

causas da desigualdade de gecircnero vatildeo aleacutem de leis

Aiacute eu chamei uma amiga a faxineira uma pessoa muito humilde

terceirizada () e aiacute eu perguntei lsquofulana vocecirc tem relaccedilatildeo com o seu

marido quandorsquo Aiacute ela ficou sem graccedila ela disse aiacute doutora E eu lsquoDiz pra

eles quandorsquo lsquoQuando ele querrsquo E aiacute eu acho que haacute um tempo longo entre a

cultura e a lei

A cultura nessa fala pode ser vista como parte da esfera atual em que os seres

humanos ativam as estruturas do domiacutenio real construindo sentidos a partir delas

Nesse caso o domiacutenio do real eacute a estrutura social machista que eacute ativada por meio da

cultura nesse caso citado por Ana Paula com evidecircncias de elementos de

sexualidade que influenciam e satildeo influenciados pela estrutura social desigual entre

homens e mulheres Jaacute a lei agrave qual Ana Paula se refere a Lei Maria da Penha faz

parte do domiacutenio do empiacuterico ou seja uma legislaccedilatildeo fruto de eventos e accedilotildees da

sociedade Quando a entrevistada diz que ldquohaacute um tempo longo entre a cultura e a

leirdquo ela mostra evidecircncias de que o domiacutenio do empiacuterico pode trazer inovaccedilotildees

como a Lei Maria da Penha Poreacutem isso natildeo significa que a lei necessariamente

revolucione a estrutura social como a cultura que nesse caso que continua

reproduzindo um comportamento sexual machista em que o homem determina

quando quer ter relaccedilotildees sexuais e a mulher natildeo tem voz

Na pesquisa surgiram dois sentidos dados agrave maneira como o machismo se

46

manifesta na sociedade relativos ao grau de instruccedilatildeo e agrave estrutura econocircmica O

primeiro foi reforccedilada pelos funcionaacuterios do CREAS visitado por Talita e por Rafael

Segundo os entrevistados quanto mais educaccedilatildeo e mais informaccedilatildeo chegam ateacute as

pessoas menos machistas elas satildeo Rafael afirmou que a falta de instruccedilatildeo das

mulheres da aacuterea rural decorrente de uma menor escolaridade e maior isolamento

seriam geradoras de uma subnotificaccedilatildeo de casos de violecircncia (vide seccedilatildeo 2) na zona

agraacuteria Ele conta que essa subnotificaccedilatildeo ldquoeacute incentivada primeiro no meu ponto de

vista pela questatildeo cultural da proacutepria mulher natildeo procurar que ela eacute mais

desprovida de informaccedilatildeo e tudo maisrdquo Consequentemente a diferenccedila nas

manifestaccedilotildees do machismo nas aacutereas rural e urbana seria a intensidade porque

segundo estes entrevistados a aacuterea rural teria um vatildeo de instruccedilatildeo e informaccedilatildeo

recebida em relaccedilatildeo agrave aacuterea urbana

Aqui temos dois elementos da esfera real dialogando entre si O grau de instruccedilatildeo

estaacute relacionado agrave estrutura social diferente entre aacutereas agraacuterias e urbanas E a

estrutura social machista tambeacutem se localiza no plano real como mencionamos

anteriormente Assim uma desigualdade estrutural de instruccedilatildeo agravaria uma outra

desigualdade de gecircnero no caso justificando elementos discursivos (atual) e extra-

discursivos (empiacuterico) que reforccedilam uma dupla desigualdade evidenciando uma

minoria dentro das minoria das mulheres as mulheres da zona agraacuteria

Por outro lado Laura e Roberta afirmaram a importacircncia das estruturas

econocircmicas na manifestaccedilatildeo do machismo Roberta colocou a questatildeo da composiccedilatildeo

da renda familiar porque ldquona aacuterea rural o homem continua sendo chefe de famiacutelia

mesmo que a legislaccedilatildeo tenha mudadordquo Aleacutem disso ela afirma que a estrutura do

trabalho do campo que eacute direcionada pelo homem aumenta seu poder na relaccedilatildeo

com a mulher Segundo Laura esse poder seria explicitado na maneira mais aberta de

o machismo se manifestar na aacuterea rural Segundo ela ldquoo cara diz lsquoeu natildeo querorsquo

lsquovocecirc natildeo vairsquo lsquoassim natildeo podersquo lsquoporque eu sou homemrsquo lsquoeu que faccedilo issorsquo lsquoessa eacute

a sua tarefarsquo isso (o machismo) eacute claro no mundo rural existe uma abertura maior

para se dizerrdquo

Outras evidecircncias da manifestaccedilatildeo do machismo na divisatildeo das tarefas

domeacutesticas e na proacutepria convivecircncia com a famiacutelia esteve presente no discurso da

47

Ana Paula Segundo ela a mulher tem na nossa sociedade a responsabilidade com a

casa e com a famiacutelia enquanto o homem fica mais livre dessas obrigaccedilotildees Um

exemplo que ela apresenta eacute ldquoateacute no meu bairro eu me irrito porque os homens vatildeo

beber no bar como que os homens vatildeo beber no bar e as mulheres tatildeo em casa

lavando passando cozinhando cuidando dos filhos no saacutebadordquo

Vitoacuteria mostrou que na aacuterea urbana a manifestaccedilatildeo do machismo estaacute

relacionada agrave sexualidade da mulher porque segundo ela as outras desigualdades de

gecircnero seriam dadas como conquistadas apesar de natildeo o serem efetivamente Por isso

ela afirma que ldquo(o machismo) fica essa coisa escondida escamoteadardquo O sentido

dado por Vitoacuteria ao falar de machismo ldquoescondidordquo nos remete ao domiacutenio do real

Isto eacute na aacuterea urbana avanccedilos foram sido logrados como a entrada da mulher no

mercado de trabalho gerando maior independecircncia financeira aumento gradual da

participaccedilatildeo poliacutetica das mulheres dentre outros Contudo essas mudanccedilas estatildeo no

campo do atual e do empiacuterico mas natildeo foram suficientes para mudar a esfera do real

levando agrave permanecircncia da estrutura social machista Ou seja o machismo permanece

ldquoescondidordquo em partes da vida social como na sexualidade da mulher que acabam

reforccedilando uma relaccedilatildeo desigual com a mulher colocada em situaccedilatildeo inferior ao

homem

Depois de um olhar mais geral para as manifestaccedilotildees do machismo agraves quais os

entrevistados deram sentidos olhamos mais especificamente nas entrevistas uma de

suas manifestaccedilotildees a violecircncia de gecircnero que perpassa pelos vaacuterios tipos de

violecircncia descritos na Lei Maria da Penha Na conversa com a equipe do CREAS

nos foi relatado que quase natildeo chegam queixas da zona agraacuteria mas a conclusatildeo da

equipe eacute de que a violecircncia na zona agraacuteria eacute mais psicoloacutegica do que fiacutesica Essa

conclusatildeo se baseia no seguinte discurso construiacutedo pela equipe

Entatildeo ela vem na cidade ela faz a compra ela vem matricular os

filhos na escola e soacute volta no outro ano E ela estaacute ali a alegria dela Agraves vezes

a gente percebe quando a gente atende uma mulher do campo ela sempre

traz uma manga uma fruta que ela que colhe E isso faz com que ela fique

realmente responsaacutevel pelos filhos pela casa por algumas coisas ali que

48

beneficiam muito o homem Por isso que a violecircncia fiacutesica natildeo acontece

Porque para acontecer a violecircncia fiacutesica precisa de muita ira E ela natildeo estaacute

vendo o que estaacute acontecendo aqui na cidade Quando o marido vem entregar

o leite se ele daacute um litro de leite para uma menininha ali Se ele tem um

casinho ali ou outro ali vocecirc entendeu Ele fica mais solto Ele eacute

responsaacutevel por suprir toda a necessidade ali da zona rural mas ela fica ali

cuidando de tudo

Nessa fala temos evidecircncias de que a construccedilatildeo de sentidos sobre as causas

da violecircncia de gecircnero acabam voltando para a estrutura social machista e colocando

a mulher como culpada pela situaccedilatildeo Isso porque o discurso coloca a ira como causa

da violecircncia fiacutesica e depois a ira como algo gerado pela insatisfaccedilatildeo da mulher com

os comportamentos do homem Assim a fala comeccedila com um tom normativo

positivo de que a mulher eacute feliz no campo e de que na aacuterea rural a violecircncia fiacutesica

natildeo ocorre mas depois acaba culpabilizando as mulheres da aacuterea urbana pela

violecircncia fiacutesica que ocorre na cidade porque se ocorre eacute em decorrecircncia de seus

comportamentos que geram a ira no homem

Segundo a Roberta as mulheres da zona rural sofrem um tipo de violecircncia que

eacute menos comum na aacuterea urbana a violecircncia patrimonial Isso ocorre porque apesar

de a mulher trabalhar no campo com a produccedilatildeo de alimentos e tarefas domeacutesticas

ela natildeo tem remuneraccedilatildeo pelo trabalho realizado e o homem acaba sendo quem tem

posse do patrimocircnio da famiacutelia e quem decide todos os gastos

Vitoacuteria por outro lado tem outro discurso

()violecircncia de gecircnero eacute violecircncia de gecircnero em todos os lugares

Mas assim eacute que eu acho que eacute difiacutecil de falar mas acho que natildeo acho que

assim (pausa) talvez uma outra questatildeo diferente talvez na aacuterea rural vocecirc

tenha mais essa questatildeo da concretude da questatildeo da localidade a violecircncia

ser fiacutesica domeacutestica natildeo eacute uma coisa tatildeo refinada quanto na aacuterea urbana

que hoje vocecirc vecirc violecircncias na internet vocecirc tem tecnologia para usar para

isso

49

Podemos entatildeo depreender que as diferenccedilas em termos da violecircncia de

gecircnero nas zonas rurais e urbanas satildeo ainda muito pouco compreendidas como

podemos perceber pela pluralidade de concepccedilotildees em termos do que acontece e pelas

notificaccedilotildees natildeo chegarem ateacute os locais que trabalham com mulheres em situaccedilatildeo de

violecircncia

Existem divergecircncias tambeacutem quanto ao que eacute poliacutetica de gecircnero e

consequentemente como ela deveria ser executada Para Ana Paula poliacutetica de

gecircnero eacute uma poliacutetica que reconhece a vulnerabilidade do gecircnero feminino frente ao

masculino e a partir disso tem um enfoque na equiparaccedilatildeo das desigualdades em

todas as secretarias e natildeo apenas em uma secretaria de poliacuteticas para as mulheres

especificamente

Em contraste a essa visatildeo Roberta defende a necessidade de um oacutergatildeo

especiacutefico para tratar da poliacutetica de gecircnero uma vez que existem especificidades

dessa poliacutetica puacuteblica que a organizaccedilatildeo seria responsaacutevel por garantir Segundo ela

Se jaacute houvesse a equidade de gecircnero seja no trabalho na casa enfim nas

relaccedilotildees natildeo precisaria mesmo de um organismo Mas como a mulher tem

questotildees especiacuteficas como a sauacutede da mulher o trabalho da mulher a

capacitaccedilatildeo entatildeo noacutes temos que ter poliacuteticas puacuteblicas desenvolvidas em um

espaccedilo puacuteblico e que esse espaccedilo se comunique com os demais porque as

poliacuteticas satildeo transversais Quando noacutes falamos de mulher noacutes estamos

falando de sauacutede de educaccedilatildeo de seguranccedila que satildeo poliacuteticas que estatildeo

sendo desenvolvidas em outras aacutereas institucionais Mas a importacircncia da

concentraccedilatildeo em um organismo eacute porque esse organismo vai fazer a

articulaccedilatildeo com os demais promover essa transversalidade e de fato

implementar essas poliacuteticas especiacuteficas

Eacute interessante notar tambeacutem que haacute uma diferenccedila nos discursos quanto agrave

igualdade de gecircnero que foi apontada pela maioria dos entrevistados como o objetivo

da poliacutetica de gecircnero Segundo Vitoacuteria a igualdade buscada por esse tipo de poliacutetica

50

seria material ou seja efetivar as igualdades da lei entre homens e mulheres Jaacute para

Talita essa poliacutetica seria responsaacutevel por ldquotentar adequar todas essas diferenccedilas e

natildeo igualar todos porque natildeo somos iguais mas tentar equilibrar para que todos noacutes

possamos viver pacificamente e sem existir essa relaccedilatildeo de subordinaccedilatildeo que haacute

muitas vezes entre homem e mulherrdquo

O sentido dado por Roberta a poliacuteticas transversais eacute de que estamos falando

de uma poliacutetica que envolve diferentes segmentos da atuaccedilatildeo puacuteblica e por isso de

vaacuterios atores envolvidos na formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas de

gecircnero Nesse sentido existe a necessidade de ldquofazer um processo de convencimento

dos gestores sobre a importacircncia dessas poliacuteticasrdquo

Essa ideia foi explicada tambeacutem por Vitoacuteria quando relatou o desafio na

praacutetica de lidar com o caraacuteter transversal da poliacutetica de gecircnero

O desafio eacute a visatildeo de poliacutetica de gecircnero Muita gente fala a gente

estaacute com tanta preocupaccedilatildeo por que a gente vai se preocupar com isso

Como se fosse o acessoacuterio ou o a mais neacute o plus Acho que essa visatildeo ela eacute

de todas as instacircncias no executivo no legislativo e dentro da defensoria haacute

esse visatildeo de que natildeo peraiacute a gente tem pouca gente pouco dinheiro entatildeo a

gente vai investir no que realmente eacute importante E isso nunca eacute a mulher

Entatildeo eu acho que vocecirc vai ver isso em todos os lugares que vocecirc visitar

porque eacute essa a visatildeo a sociedade vecirc assim Entatildeo isso eacute soacute a reproduccedilatildeo de

como a sociedade enxerga as questotildees de mulher as questotildees de mulher satildeo

sempre ah mulher eacute sensiacutevel mulher reclama muito mulher natildeo sei o que

natildeo eacute tatildeo grave assim exagera

As organizaccedilotildees agraves quais foi dado o papel de realizar uma poliacutetica puacuteblica

transversal com o vieacutes de gecircnero satildeo a Subsecretaria de Poliacuteticas para as mulheres de

Goiaacutes a Secretaria da Mulher em Professor Jamil a Coordenadoria de Poliacuteticas para

as Mulheres do estado de Satildeo Paulo e o Nuacutecleo Especializado de Promoccedilatildeo de

Direitos da Mulher Os sentidos dados agrave transversalidade pelos entrevistados mostra

que o papel construiacutedo dessas organizaccedilotildees seria o de articular outras organizaccedilotildees do

51

Estado e conscientizaacute-las para as desigualdades de gecircnero dentro e fora das

organizaccedilotildees A partir dessa construccedilatildeo de sentidos do que eacute transversalidade e

atribuiccedilatildeo desse papel a organizaccedilotildees voltadas para a questatildeo da mulher estaacute

diretamente relacionado aos recursos materiais que satildeo destinados a essas

organizaccedilotildees (sobre os quais aprofundaremos na seccedilatildeo 4) porque satildeo vistas como

organizaccedilotildees paralelas agravequelas consideradas como ldquoprincipaisrdquo como podemos notar

no discurso da Vitoacuteria em que ela afirma que as dificuldades de atuaccedilatildeo do nuacutecleo

passam em geral pelo sentido secundaacuterio e marginal dada agrave questatildeo de gecircnero Ou

seja esses elementos discursivos e extra-discursivos acabam distorcendo a questatildeo da

transversalidade Isso porque a mesma surgiu de jure (BAUMAN 2001) como uma

maneira conseguir resolver problemas complexos tratando-os de maneira transversal

e acabou sendo utilizada de facto (BAUMAN 2001) como uma ferramenta para a

reproduccedilatildeo da estrutura social machista devido agrave impressatildeo que se cria de que o

problema de gecircnero estaacute sendo resolvido pela existecircncia dessas organizaccedilotildees com o

enfoque em gecircnero mas na praacutetica elas natildeo satildeo empoderadas nem na agenda nem no

orccedilamento

Portanto esses diferentes sentidos dados ao que eacute machismo violecircncia de

gecircnero poliacutetica de gecircnero transversalidade e a que servem e como deve ser

realizadoscombatidos satildeo importantes para entender quais os tipos de poliacuteticas

puacuteblicas efetivamente colocadas em praacuteticas (PHILIPPS SEWELL JAYNES 2008)

por essas diferentes organizaccedilotildees (vide seccedilatildeo 3 em que mostramos como os

elementos extra-discursivos dialogam com os discursos) Aleacutem disso nessa seccedilatildeo

encontramos evidecircncias de que a estrutura social machista tem uma forccedila muito

grande pois apesar algumas ressignificaccedilotildees (de a mulher natildeo ser sexo fraacutegil) ela

permanece latente no discurso voltando a reproduzir a estrutura de desigualdade de

gecircnero Nesse sentido os contextos agriacutecola e urbano parecem natildeo mudar a existecircncia

dessa estrutura social mas vamos averiguar a seguir se esses contextos apontam

diferenccedilas em relaccedilatildeo aos elementos extra-discursivos

52

44 Elementos extra-discursivos

Nessa seccedilatildeo iremos analisar os principais elementos extra-discursivos que

surgiram durante as entrevistas e se relacionam com os discursos apresentados

(PHILIPPS SEWELL JAYNES 2008) Satildeo eles a Lei Maria da Penha sobre a qual

discorremos no referencial teoacuterico a estrutura fiacutesica das organizaccedilotildees os recursos

humanos disponiacuteveis e as accedilotildees ou poliacuteticas puacuteblicas resultantes de suas atuaccedilotildees

A Lei Maria da Penha por ser um marco juriacutedico em relaccedilatildeo ao tratamento do

Estado agrave violecircncia de gecircnero em seus diferentes tipos surgiu em todas as entrevistas

como base para o trabalho realizado pelos diferentes organismos Do ponto de vista

das soluccedilotildees segundo Vitoacuteria foi importante para fortalecer os movimentos sociais

que lutavam pela questatildeo da mulher e abrir espaccedilo entatildeo para que esses movimentos

exigissem esse olhar dentro de diferentes instituiccedilotildees como a defensoria puacuteblica

Contudo Ana Paula reforccedila que a Lei Maria da Penha foi precedida por algumas

leis que na verdade ainda natildeo satildeo de conhecimento pela populaccedilatildeo em geral Ela

relata um caso que lhe aconteceu na delegacia da mulher

Eu tinha recebido uma ocorrecircncia que era um homem que tinha

enfiado uma faca na esposa dele casada haacute 30 anos porque ela comprou um

conjunto de panelas e ele discordava do entendimento dela de como se gastava

o dinheiro Entatildeo que ela era uma vagabunda dizendo ele Soacute que essa

vagabunda trabalhava era uma enfermeira padratildeo no hospital de Diadema e

ele estava haacute onze anos E aleacutem de trabalhar e sustentar ele ela lavava

passava cozinhava e ela entendeu que com o salaacuterio dela dava pra comprar

um conjunto de panelas Aiacute ele puxou a faca pra ela veio uma ocorrecircncia

falando da tentativa de homiciacutedio o filho falou lsquonatildeo vou testemunhar conta

meu pai ainda que eu ache que a minha matildee corre risco com elersquo A matildee natildeo

quer vem falar lsquonatildeo foi soacute um desentendimentorsquo ela vem de um ciclo de

violecircncia E eu natildeo ia ter nenhuma testemunha no inqueacuterito natildeo ia dar certo o

flagrante e aiacute eu falei bom ela natildeo vai dormir em casa porque a nossa

preocupaccedilatildeo natildeo pode ser em fazer um papel deve ser o de garantir a

53

seguranccedila da mulher E aiacute o marido vira pra mim e fala lsquoeu natildeo vejo motivo

para conceder o divoacuterciorsquo E aiacute eu tive um surto com ele porque eu falava lsquoo

senhor vive na idade da pedrarsquo Porque quando eu nasci jaacute tinha a lei do

divoacutercio mas para eles natildeo Ele ainda achava que ele tinha o direito de dar ou

natildeo o divoacutercio E isso foi em 73 E aiacute a gente comeccedila a olhar e ver quantos

anos demoram para uma populaccedilatildeo se apropriar daquela legislaccedilatildeo se eacute que a

lei pegue porque no Brasil tem lei que natildeo pega natildeo eacute um paiacutes seacuterio Mas a lei

Maria da Penha veio ele conhece a lei mas ele natildeo conhece a lei do divoacutercio

E isso eacute regra

Ou seja a Lei Maria da Penha que estaacute no domiacutenio do empiacuterico ou seja o

que eacute efetivamente experimentado pelos atores natildeo garante o entendimento de outras

leis que mudaram as relaccedilotildees familiares em termos legais e os direitos igualados de

jure (BAUMAN 2001) entre homem e mulher Entatildeo antes da Lei Maria da Penha

houve uma sucessatildeo de leis que reforccedilavam a estrutura social machista no domiacutenio do

real Mesmo com as novidades da Lei Maria da Penha portanto natildeo foi possiacutevel

revolucionar a esfera do real e isso fica evidente com a permanecircncia de outras leis

anteriores no imaginaacuterio das pessoas Aleacutem disso Ana Paula tambeacutem expocircs a

dificuldade de se implementar a Lei Maria da Penha de facto (BAUMAN 2001)

Entatildeo a gente tem dispositivos como autoridade policial civil deveraacute

garantir a seguranccedila da mulher e aiacute o tema da minha dissertaccedilatildeo aquela vez

foi a seguranccedila da mulher na Lei Maria da Penha Porque ela eacute linda mas

como que uma delegada com trecircs policiais garante a seguranccedila de alguma

mulher Eu queria saber porque o policial geralmente vai no foacuterum busca

laudo leva laudo e etc Um tem que ficar na delegacia porque geralmente os

homens natildeo respeitam as mulheres mesmo as mulheres policiais aiacute tem que ter

toda uma loacutegica dentro da poliacutecia e da questatildeo socioloacutegica da poliacutecia de que eacute

melhor ter uma forma ostensiva em determinados momentos do que ter que usar

a forccedila entatildeo eacute melhor ter policiais homens armados do que ter que ser duro

com o indiviacuteduo que vira e fala lsquoeu natildeo respeito mulherrsquo e eles falam isso E

54

natildeo eacute um desacato agrave autoridade policial civil eacute uma relaccedilatildeo de que eles natildeo

respeitam o gecircnero feminino como igual E isso eacute muito complicado Aiacute sobra

um policial que natildeo pode sair de viatura porque se natildeo eacute viatura

descaracterizada E aiacute eu tenho que garantir a seguranccedila da mulher Aiacute eu

tenho que colocar ela em um abrigo Qual abrigo Ah a prefeitura de Satildeo

Paulo agora parece que melhorou o sistema de abrigamento Eacute melhorou mas

pra isso a gente precisa fazer boletim de ocorrecircncia em uma delegacia que

esteja aberta 24 horas e a gente natildeo tem delegacia da mulher aberta 24 horas

Ou seja faltam recursos humanos e orccedilamentaacuterios para manter a delegacia

funcionado bem e por 24 horas elementos do domiacutenio empiacuterico e a proacutepria lida

diaacuteria da delegada mulher com o machismo a impede de realizar seu trabalho sem ter

o acompanhamento de um homem Satildeo evidecircncias de que a criaccedilatildeo de delegacias

especializadas apesar de terem sido um avanccedilo estaacute longe de apresentarem uma

transformaccedilatildeo agrave estrutura social desigual uma vez que a distribuiccedilatildeo material

insuficiente impacta na reproduccedilatildeo das desigualdades de gecircnero

Mostrando essa dificuldade por um outro vieacutes Talita afirmou que a Lei Maria

da Penha fez com que as pessoas olhassem para as delegacias da Mulher como uma

ldquoceacutelula de expansatildeo de poliacuteticas puacuteblicasrdquo quando segundo ela a delegacia da

mulher e uma ldquodelegacia como qualquer outra a gente estaacute aqui para prender o

agressor investigar concluir processo e encaminhar ao poder judiciaacuteriordquo Esse

discurso de Talita mostra que o sentido dado por ela agrave delegacia especializada eacute de

uma delegacia como qualquer outra Isso implica que mesmo havendo uma tentativa

de jure (BAUMAN 2001) em trazer ferramentas no domiacutenio do empiacuterico para

combater a violecircncia contra a mulher de facto (BAUMAN 2001) a delegacia da

mulher sendo vista pelos atores que dela participam como uma delegacia da mulher

acaba sendo uma forccedila de manutenccedilatildeo da estrutura social machista no domiacutenio do

real

Outro discurso importante sobre a Lei Maria da Penha que surgiu na pesquisa

de campo foi a Joana O sentido atribuiacutedo por ela agrave Lei Maria da Penha eacute de ceticismo

porque de acordo com ela as mulheres voltam com um papel de medida protetiva

55

que natildeo serve para nada assim como a tornozeleira natildeo salva a mulher Segundo

Joana se o homem quer matar a mulher natildeo vai ser isso que vai impedi-lo e nem haacute

recursos suficientes para que o poder puacuteblico impeccedila que isso aconteccedila em sua cidade

e seus arredores

Inclusive na entrevista ouvimos pela uacutenica vez durante a pesquisa viacutetimas de

violecircncia de gecircnero duas mulheres que vieram fugidas para a cidade do Uma veio de

Trindade (Goiaacutes) fugindo agrave noite com os seis filhos e sua matildee do marido que a

agredia psicologicamente e fisicamente A secretaacuteria a ajudou quando chegou

encaminhando-a para atendimento psicoloacutegico no CRAS e conseguindo um emprego

para ela recomeccedilar a vida Ateacute hoje ela estaacute laacute escondida do marido e segundo ela

ela jaacute tinha procurado duas vezes delegacias comuns por serem as disponiacuteveis na sua

regiatildeo e que a Lei Maria da Penha e a medida protetiva natildeo ajudaram em nada a

situaccedilatildeo

Para Joana esse eacute um exemplo de vaacuterios que a levam a construir um sentido

de que as mulheres quando natildeo querem mais ficar com os maridos e conseguem

largam tudo e fogem Isso porque segundo ela as mulheres que fazem denuacutencias as

fazem na esperanccedila de mudar o comportamento dos seus parceiros para continuar

com eles e natildeo para que eles sejam presos Isso coloca em evidecircncia que de facto

(BAUMAN 2001) a lei natildeo consegue mudar a estrutura social

Queremos compreender melhor a distribuiccedilatildeo material que as organizaccedilotildees

entrevistadas possuem hoje para realizarem seu trabalho As pesquisas em Goiaacutes e em

Satildeo Paulo foram conduzidas nos locais de trabalho dos entrevistados o que

possibilitou conhecermos sobre o espaccedilo em que essas poliacuteticas estatildeo sendo

realizadas e a dimensatildeo das equipes por traacutes das mesmas Escolhemos descrever essas

condiccedilotildees de algumas organizaccedilotildees que melhor contribuem para nossa interpretaccedilatildeo e

anaacutelise

O CREAS de uma cidade do interior do estado de Goiaacutes por exemplo fica em

uma casa teacuterrea com uma sala pequena na entrada onde satildeo recebidas as viacutetimas A

maior parte da equipe do CREAS eacute composta por homens e a entrevista foi realizada

com trecircs membros da equipe o coordenador a assistente juriacutedica e o educador social

Percebemos que aleacutem de o centro natildeo ser um espaccedilo voltado especificamente para

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mulheres a reproduccedilatildeo da estrutura social desigual estaacute claramente manifestada na

composiccedilatildeo da equipe que eacute composta por uma maioria masculina Aleacutem disso a

estrutura fiacutesica natildeo permite diferenciaccedilatildeo entre as populaccedilotildees em situaccedilatildeo de

vulnerabilidade atendidas Isto significa que homens mulheres e crianccedilas satildeo

atendidas em um mesmo local o que evidencia que no domiacutenio empiacuterico as chances

de mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia se sentirem agrave vontades para darem suas queixas

e buscarem ajuda no centro satildeo reduzidas sendo outro fator que contribui para a

manutenccedilatildeo da esfera real machista

Jaacute a Superintendecircncia de Poliacuteticas para Mulheres em Goiaacutes fica no centro de

uma cidade de Goiaacutes em uma estrutura de dois andares na avenida principal da

cidade Do lado de fora a pintura eacute roxa e estaacute bem sinalizada com campanha do

Disque-100 na fachada e a frase ldquoViolecircncia contra mulher natildeo tem desculpa tem

leirdquo O preacutedio tem uma secretaria com vaacuterias cadeiras na frente onde as pessoas se

identificam e satildeo encaminhadas para salas menores de acordo com a solicitaccedilatildeo

Enquanto esperamos pela entrevista nos abordaram quatro vezes por funcionaacuterias

diferentes perguntando se algueacutem jaacute tinha nos sido atendido Cada sala tem uma

funccedilatildeo especiacutefica assistentes sociais psicoacutelogos assistentes juriacutedicos todas de

atendimento localizadas no andar de baixo proacuteximas agrave entrada Tambeacutem no andar de

baixo no interior do preacutedio ficam as salas onde satildeo realizados trabalhos de

capacitaccedilatildeo e no andar de cima ficam as salas administrativas As condiccedilotildees materiais

desse local foram uma exceccedilatildeo em relaccedilatildeo agraves demais organizaccedilotildees visitadas Isso

porque a maioria dos profissionais satildeo mulheres e o atendimento natildeo eacute em um balcatildeo

mas diretamente com psicoacutelogas ou assistentes sociais em salas privativas Essas

condiccedilotildees no entanto natildeo satildeo estaacuteveis Como conta Roberta

Essa secretaria foi criada em 1987 ela chamava Secretaria Estadual

da Condiccedilatildeo Feminina E foram muito importantes esses quatro anos no

governo Henrique Santillo foram inovadores no sentido de implementar uma

poliacutetica que era muito pouco tratada no acircmbito institucional Entatildeo foi

fantaacutestico E nesse periacuteodo governamental houve poliacuteticas de seguranccedila para

a mulher sauacutede para a mulher enfim abriu um espaccedilo importante no Estado

57

de Goiaacutes Soacute que infelizmente os governos subsequentes extinguiram a

secretaria E ela soacute veio a ser retomada no primeiro governo Marconi Perillo

isso foi no final da deacutecada de noventa E ele criou uma superintendecircncia da

mulher e ela se tornou secretaria no governo seguinte e aiacute ela jaacute vem agora

dentro de um acircmbito institucional como secretaria de estado mesmo que

acoplado a ela por razotildees de ordem principalmente econocircmica e financeira

do estado tem a secretaria da mulher junto com outras aacutereas sociais e de

direitos humanos

Ou seja eacute importante relativizar a estrutura fiacutesica e equipe que vimos porque

historicamente a pauta da mulher foi tratada como um assunto secundaacuterio como

vimos no discurso de Roberta O impacto disso eacute que quando a situaccedilatildeo financeira do

estado complica a pauta eacute uma das primeiras que recebe cortes orccedilamentaacuterios ou eacute

acoplada a outras pautas como estaacute acontecendo agora A pauta da mulher que antes

jaacute dividia uma secretaria com a de desigualdade racial hoje foi incorporada por uma

secretaria guarda-chuva chama Secretaria Cidadatilde que abarca os temas da mulher do

desenvolvimento social da igualdade racial dos direitos humanos e do trabalho Isso

mostra que quando natildeo haacute mudanccedilas no domiacutenio real as mudanccedilas no domiacutenio

empiacuterico natildeo satildeo permanentes satildeo instaacuteveis e dependem de elementos extra-

discursivos que estatildeo sujeitos agrave estrutura social do real Ou seja quando a secretaria

tem condiccedilotildees financeiras ela pode ateacute colocar a questatildeo da mulher em pauta mas

assim que acontecerem momentos econocircmicos desfavoraacuteveis a igualdade de gecircnero

natildeo permanece na agenda pois nunca foi prioridade jaacute que estaacute inserida dentro de

uma estrutura social machista

A Delegacia Especializada no Atendimento agrave Mulher de Goiaacutes por sua vez

fica em um casaratildeo de dois andares no setor central de uma cidade de Goiaacutes Tem

uma sinalizaccedilatildeo discreta e eacute guardada por um policial militar na porta Entrando na

delegacia tem uma sala com banquinhos de madeira sem encosto para as viacutetimas e

seus acompanhantes aguardarem A delegacia de uma forma geral pareceu muito

interessada em estatiacutesticas e pouco sensibilizada com as viacutetimas que tratam

exatamente por esse nome e natildeo como cidadatildes O clima de maneira geral eacute tenso haacute

58

vaacuterias mulheres chorando esperando nos banquinhos pela oportunidade de subir as

escadas da delegacia Em frente aos bancos tem um grande balcatildeo que bloqueia a

entrada para o restante do edifiacutecio onde se encontra uma secretaacuteria Tudo tem que

passar antes por ela entatildeo as mulheres viacutetimas falam na frente de todo mundo a sua

queixa Enquanto esperava pela entrevista uma mulher chegou e mostrou hematomas

no braccedilo para a secretaacuteria e recebeu como resposta ldquoVocecirc tomou banho Isso eacute

sujeira ou eacute hematoma mesmordquo Quando satildeo chamadas para subir e serem atendidas

pela escrivatilde ou delegada respondem por um grito ldquoA viacutetima pode subirrdquo o que

acaba contribuindo para a estigmatizaccedilatildeo

Essa visita nos trouxe mais evidecircncias de que fazer organizaccedilotildees

especializadas eacute um avanccedilo sim mas que mesmo que elas sejam diferentes em sua

concepccedilatildeo o problema natildeo fica totalmente resolvido Nesse sentido enquanto natildeo

promovermos mudanccedilas na estrutura social do machismo novas legislaccedilotildees ou

organizaccedilotildees iratildeo promover mudanccedilas graduais Sem atacar essas causas a delegacia

especializada eacute uma reacuteplica da delegacia comum poreacutem com delegadas mulheres

mas que reproduzem a estrutura social machista no tratamento que elas datildeo agraves

viacutetimas no ambiente em que as mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia tecircm que frequentar

para ir atraacutes de seus direitos na forma como elas satildeo questionadas por estarem laacute

entre outros

Por fim fomos ateacute a Coordenadoria de Poliacuteticas para as Mulheres O

simbolismo eacute importante desde o momento de procurar essa secretaria na internet foi

muito complicado achar informaccedilotildees em sites de busca Mesmo depois de conseguir

encontrar em qual site maior a coordenadoria se encontra sua posiccedilatildeo no rol de

subsecretarias e coordenadorias da secretaria eacute a uacuteltima Aleacutem disso a entrevista em

si foi na coordenadoria que fica em um preacutedio antigo e central Descobrimos que a

coordenadoria fica no uacuteltimo andar da secretaria em uma sala mais escondida e natildeo

haacute identificaccedilatildeo da coordenadoria nos corredores como as demais do preacutedio que

estatildeo sinalizadas A coordenadoria consiste fisicamente em uma sala de reuniatildeo

acoplada ao escritoacuterio da Flaacutevia que eacute a uacutenica componente da equipe

59

Fomos tambeacutem ateacute uma cidade do interior de Goiaacutes a aproximadamente 70

quilocircmetros de Goiacircnia A Secretaria de Mulheres do municiacutepio soacute existe no nome

natildeo tem estrutura fiacutesica nem recursos financeiros apenas o cargo da secretaacuteria

Entatildeo o atendimento eacute feito na casa da secretaacuteria na sala de entrada onde tem duas

mesas de alumiacutenio juntadas e forradas com um pano um sofaacute e uma cadeira de cada

lado ao fundo tecircm equipamentos de cabelereiro profissatildeo que ela exercia Quando

chegamos laacute a sala estava cheia com pessoas se inscrevendo para o Minha Casa

Minha Vida com a ajuda da secretaacuteria e durante a conversa entraram vaacuterios cidadatildeos

de Professor Jamil e todos vinham com assuntos diversos a serem tratados por ela

Essa entrevista em Professor Jamil nos mostrou que agraves vezes apesar de

elementos extra-discursivos escassos como o caso de Joana existe a possibilidade de

tentar atacar as causas do machismo por exemplo chamando os homens para

conversarem nas rodas e promovendo o diaacutelogo mediado entre casais Mesmo assim

natildeo eacute isoladamente que se consegue combater uma estrutura social tatildeo forte quanto o

machismo

Pensando tanto nos discursos (seccedilatildeo 2) quanto nos espaccedilos e equipes

disponiacuteveis eacute possiacutevel perceber como eles se interligam com as accedilotildees dos oacutergatildeos

entrevistados Primeiramente para noacutes nenhuma das organizaccedilotildees entrevistadas

estatildeo formulando ou implementando poliacuteticas puacuteblicas no sentido que discutimos no

referencial teoacuterico de accedilatildeo organizada do Estado para combater um problema Isso

porque todas essas organizaccedilotildees realizam accedilotildees desconexas e pontuais para tentar

lidar com o problema sem atacar suas causas e reproduzindo as desigualdades de

gecircnero (domiacutenio real)

O CREAS visitado realiza atendimento de crianccedilas adolescentes mulheres e

idosos em situaccedilatildeo de vulnerabilidade social Durante a entrevista percebemos que

existe uma confusatildeo muito grande entre os tipos de atendimento que o CREAS

realiza tanto que quando foi perguntado sobre o que eacute poliacutetica de gecircnero a resposta

foi mais sobre poliacuteticas para adolescentes em situaccedilatildeo de vulnerabilidade

Jaacute a Superintendecircncia de Mulheres visitada seria responsaacutevel por formular

poliacuteticas puacuteblicas para esse puacuteblico-alvo De acordo com Roberta

60

A nossa principal poliacutetica eacute a garantia da seguranccedila tanto que noacutes

temos desde o atendimento primaacuterio da mulher atraveacutes de uma assistecircncia

social psicoloacutegica juriacutedica ateacute o abrigamento dessa mulher viacutetima de

violecircncia Entatildeo a gente direciona as nossas poliacuteticas nesse sentido Mas

tambeacutem noacutes temos que cuidar das outras questotildees que satildeo inerentes agrave mulher

a sauacutede a educaccedilatildeo e aiacute principalmente eu vejo hoje que o nosso papel

enquanto instituiccedilatildeo puacuteblica eacute desenvolver mesmo campanhas de

sensibilizaccedilatildeo

Fora isso a superintendecircncia estaacute capacitando 2500 profissionais servidores nas

aacutereas de educaccedilatildeo sauacutede movimentos sociais que trabalham com mulheres em

situaccedilatildeo de violecircncia Existe tambeacutem uma equipe especiacutefica da superintendecircncia

responsaacutevel pelas duas unidades moacuteveis que a secretaria recebeu em 2013 pelo

governo federal para atender mulheres do campo As unidades comeccedilaram o trabalho

indo ateacute o interior para prover serviccedilos de assistecircncia social juriacutedica e psicoloacutegica

No entanto a equipe se deparou com uma rede muito fragilizada e incapaz de

continuar o encaminhamento das demandas das mulheres

Aleacutem disso quando chegou na zona agraacuteria a equipe percebeu que lidar com

essas mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia da aacuterea rural era um desafio diferente do que

estavam acostumados na capital Isso porque as unidades moacuteveis iam para o campo

mas as mulheres tinham receio de entrar ou natildeo conseguiam chegar porque satildeo

ocircnibus rosas que chamam muita atenccedilatildeo e ficam inviaacuteveis para uma mulher nessa

situaccedilatildeo procurar sem ser vista por outras pessoas da regiatildeo e isso chegar ateacute o

agressor A taacutetica adotada entatildeo pelas unidades eacute

Quando vem uma solicitaccedilatildeo do municiacutepio a gente sempre procura

saber se eacute festividade porque para noacutes eacute melhor Porque aiacute tem a unidade

moacutevel e outros serviccedilos na praccedila em que ela pode transitar Soacute a unidade

moacutevel que eacute muito chamativa natildeo funciona Eacute um ocircnibus rosa e ela fica

mais acanhada A gente sempre procura incentivar o municiacutepio a promover

outras coisas ao mesmo tempo para preservar a mulher promover a diluiccedilatildeo

61

nesse espaccedilo e garantir minimamente que ela suba na unidade

Apesar disso quando visitamos a equipe eles natildeo estavam indo a campo

porque estavam em uma fase de transiccedilatildeo Como encontraram uma realidade

diferente da que imaginavam o seu trabalho agora estaacute sendo capacitar a rede montar

material fazer reuniotildees entre outros para tentar alinhar o trabalho de todos

Manuela esclarece

Nesse sentido o trabalho da equipe vem sendo reformulado porque

incialmente a ideia era ir ao interior e ser a porta de entrada das mulheres

viacutetimas de violecircncia levar informaccedilotildees sobre os seus direitos e onde buscar

ajuda e depois ter esse trabalho continuado pelos oacutergatildeos competentes mais

proacuteximos No entanto ao irem para o campo a equipe percebeu que a rede

estava despreparada para dar continuidade ao trabalho e que portanto seria

inuacutetil fazer o trabalho como anteriormente previsto sem dar a capacitaccedilatildeo

necessaacuteria

A Secretaria de Seguranccedila Puacuteblica por sua vez faz parte da rede de combate agrave

violecircncia contra a mulher e tem um papel importante tanto pelas DEAMs quanto pelo

monitoramento e fornecimento de informaccedilotildees criminais que servem de insumo para

a Secretaria da Mulher No entanto natildeo existe uma parceria soacutelida em que ambas as

secretarias atuam conjuntamente e amplamente em termos do estado e se

responsabilizam pela situaccedilatildeo das mulheres que sofrem violecircncia

Portanto a secretaria natildeo tem poliacuteticas puacuteblicas mais amplas em relaccedilatildeo ao

combate agrave violecircncia contra a mulher porque entende que essa competecircncia eacute da

Secretaria da Mulher O que a secretaria faz eacute atuar em regiotildees especiacuteficas

dependendo do gestor que estaacute em determinada aacuterea integrada de seguranccedila (regiatildeo

onde a poliacutecia militar e a poliacutecia civil tem a mesma circunscriccedilatildeo) Como nos disse

um major da secretaria

Que tipo de accedilatildeo preventiva que vai ser implementada em

62

determinado local depende de quem Do gestor que que estaacute ali naquela

regiatildeo em identificar qual eacute o problema dele em implementar essa questatildeo da

prevenccedilatildeo

No mais percebemos que tanto os centros de referencia CREAS e aqueles de

secretariassubsecretarias de mulheres quando existem quanto as delegacias

especializadas e os dados das secretarias de seguranccedila satildeo em geral voltados para

mecanismos juriacutedicos de proteccedilatildeo agrave mulher Mesmo havendo equipes de assistecircncia

social e psicoacutelogos em algumas instacircncias o foco principal das accedilotildees desses oacutergatildeos eacute

garantir medidas protetivas eou prender agressores

Aleacutem disso nos centros de referecircncia satildeo realizados estudos de caso

multidisciplinares para determinar o encaminhamento dado agrave viacutetima De acordo com

os discursos discutidos na seccedilatildeo anterior percebemos que apesar de parecer o

procedimento ideal a ser feito pode ser uma abertura para um julgamento social da

viacutetima pelos membros da equipe

Fora esses oacutergatildeos tivemos contato com o trabalho de uma entidade do

terceiro setor cuja atuaccedilatildeo era bastante diferente dos demais O Centro Popular da

Mulher trabalha sobretudo apoiando e ajudando as mulheres a se organizarem para

reivindicarem seus direitos Em relaccedilatildeo aos oacutergatildeos entrevistados a entidade parece

ser a mais presente na zona rural tanto em frequecircncia quanto em tempo de luta junto

agraves mulheres do campo

Aleacutem disso em termos de accedilotildees outra entrevista que apontou diferenccedilas foi

com a Joana cuja accedilatildeo era de busca ativa e de construccedilatildeo de espaccedilos de debate com

mulheres e homens Isso porque apesar da falta de apoio institucional da prefeitura

ela natildeo espera as mulheres buscarem ajuda No entanto isso soacute eacute possiacutevel porque ela

conhece todo mundo e fica sabendo do que acontece e entatildeo vai atraacutes do casal em

questatildeo E seu trabalho busca a conscientizaccedilatildeo das famiacutelias ela faz conversas de

roda e tambeacutem de casais em particular para tentar agir na causa do problema Suas

accedilotildees se baseiam na sua convicccedilatildeo de que a causa (seccedilatildeo 2 em que discutimos os

sentidos atribuiacutedos agraves caudas da violecircncia de gecircnero) estaacute na falta de respeito a

educaccedilatildeo machista e que isso soacute pode ser mudado se os homens estiverem

63

envolvidos nas accedilotildees de combate agrave violecircncia de gecircnero para tentar mudar o que a

sociedade pensa a maneira como a mulher eacute tratada

Nessa seccedilatildeo aprendemos que as manifestaccedilotildees extra-discursivas da estrutura

social machista varia de acordo com o contexto sobretudo em termos de recursos

materiais e equipe disponiacuteveis para combater a violecircncia de gecircnero nesse contexto

Aleacutem disso percebemos que as manifestaccedilotildees extra-discursivas estatildeo em constante

relaccedilatildeo com a manutenccedilatildeo da estrutura social como o exemplo de que as mulheres

natildeo conseguem alugar uma casa ou mudar o filho de creche afeta a possibilidade

praacutetica de sair de uma situaccedilatildeo de violecircncia Enfim discorreremos na proacutexima seccedilatildeo

com maior profundidade os resultados e as contribuiccedilotildees da pesquisa

64

5 Consideraccedilotildees Finais

Nossa pesquisa teve como objetivo responder agrave pergunta Como a estrutura

social do machismo se manifesta nos contextos urbano e agraacuterio A partir desse

trabalho notamos que a estrutura social do machismo estaacute presente nos dois

contextos urbano e agraacuterio poreacutem se manifesta de jeitos diferentes No contexto

agraacuterio de acordo com os entrevistados o machismo se manifesta de forma mais

aberta com o reforccedilo dos papeis tradicionais de gecircnero de que o papel da mulher eacute

cuidar da casa e dos filhos e o homem de prover financeiramente a famiacutelia estando

em uma posiccedilatildeo de superioridade Jaacute no contexto urbano a manifestaccedilatildeo da estrutura

social machista adquire outras formas sendo que haacute uma maior inserccedilatildeo da mulher no

mercado de trabalho e no discurso as pessoas natildeo reproduzem os papeis de gecircnero

tradicionais poreacutem na praacutetica acabam acontecendo ainda reproduccedilotildees desses mesmos

papeis de uma forma mais suacutetil pelo modo que a mulher deve se vestir pela

educaccedilatildeo diferente dada aos filhos de diferentes gecircneros etc

Tambeacutem nos perguntamos como essas manifestaccedilotildees do machismo satildeo

impactadas e impactam a formulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo

de violecircncia As manifestaccedilotildees do machismo impactam a formulaccedilatildeo de poliacuteticas

puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia porque levam a poliacuteticas com pouca

infraestrutura equipe e orccedilamento e porque abre uma brecha maior entre formulaccedilatildeo

e implementaccedilatildeo porque mesmo que se os formuladores natildeo tenham discursos

machistas no momento do discurso em accedilatildeo as accedilotildees nas delegacias especializadas

reproduzem papeis de gecircnero tradicionais e culpabilizam as mulheres em situaccedilatildeo de

violecircncia

Enfim queriacuteamos descobrir tambeacutem se existem ou natildeo diferenccedilas na

manifestaccedilatildeo do machismo especificamente em termos de violecircncia de gecircnero nas

zonas urbana e agraacuteria Nosso estudo mostrou via discursos que haacute muita divergecircncia

nesse ponto mas que a maioria dos entrevistados acredita que a diferenccedila eacute que no

contexto agraacuterio os tipos de violecircncia predominantes satildeo patrimonial e psicoloacutegico

enquanto no contexto urbano haacute uma maior incidecircncia de violecircncia fiacutesica

relativamente No entanto essa foi uma limitaccedilatildeo da pesquisa porque a quase-

65

totalidade dos entrevistados relatou estar discorrendo sobre algo de que natildeo conhece

por natildeo terem dados oficiais gerados sobre a violecircncia contra mulheres em zonas

agraacuterias e por natildeo terem contato com essas mulheres nas organizaccedilotildees em que

trabalham

Ao longo desse trabalho estudamos as principais referecircncias teoacutericas que

precisaacutevamos para analisar o problema em questatildeo principalmente para colocar em

evidecircncia que as poliacuteticas puacuteblicas estatildeo inseridas em lugares que influenciam e satildeo

influenciados pela construccedilatildeo de sentidos que ocorre no momento de determinaccedilatildeo de

um problema puacuteblica e de como ele seraacute tratado pelo Estado Nosso referencial

teoacuterico se juntou agrave metodologia o que permitiu natildeo soacute a organizar o conhecimento

cientiacutefico com base nas premissas da teoria mas tambeacutem a olhar para a nossa

pesquisa sempre com um olhar criacutetico de tentar enxergar as possibilidades de

mudanccedila da estrutura social

A partir do referencial teoacuterico e da metodologia demos iniacutecio ao trabalho de

estabelecer um roteiro semi-estruturado para as entrevistas depois conseguir agendar

as entrevistas fazer as mesmas transcrever as entrevistas e enfim analisar tudo

como um conjunto agrave partir da metodologia do realismo criacutetico e das referecircncias

teoacutericas que buscamos Isso nos permitiu enxergar os principais temas que surgiram

ao longo das entrevistas e organizaacute-los de acordo com os domiacutenios do realismo

criacutetico real atual e empiacuterico Depois disso estabelecemos um diaacutelogo entre o

referencial teoacuterico e as entrevistas de atores de organizaccedilotildees que lidam com a questatildeo

da violecircncia de gecircnero Isso foi relevante tambeacutem em termos metodoloacutegicos porque

percebemos que existem construccedilotildees de sentidos na academia que apontamos no

referencial teoacuterico que agraves vezes natildeo chegam agrave esfera dos atores que formulam e

implementam poliacuteticas puacuteblicas ou quando chegam elas impactam a esfera do atual

(discursos) sem necessariamente serem complementadas por mudanccedilas no domiacutenio

real (estrutura social de desigualdade de gecircnero) nem nos elementos extra-

discursivos que permitem mudanccedilas efetivas no domiacutenio empiacuterico (de poliacuteticas

puacuteblicas lidar com a questatildeo da violecircncia de gecircnero)

66

Nesse sentido um dos pontos que surgiu ao longo de todas as entrevistas foi o

foco das accedilotildees levadas a cabo pelas organizaccedilotildees Tanto no domiacutenio atual dos

discursos quanto no domiacutenio empiacuterico das poliacuteticas puacuteblicas o principal sentido

dado agrave violecircncia de gecircnero eacute de que a conscientizaccedilatildeo das mulheres se faz necessaacuteria

Os discursos vatildeo desde a falta de informaccedilatildeo da mulher a ira gerada tambeacutem pela

mulher a ausecircncia da mulher enquanto cumpridora de seu papel social na famiacutelia

dentre outros foram apontados como causas para a violecircncia de gecircnero Aleacutem disso

mesmo quando os discursos natildeo eram culpabilizadores da mulher eles giravam em

torno da cultura de modo bem geneacuterico como a sociedade patriarcal e machista

como causas para a violecircncia de gecircnero

Isso implica na transformaccedilatildeo desses discursos em accedilotildees de conscientizaccedilatildeo

como campanhas produccedilatildeo de informativos palestras entre outras Eacute interessante

perceber que natildeo haacute nesses casos poliacuteticas puacuteblicas que deem conta de efetivamente

resolver o problema de uma mulher em situaccedilatildeo de violecircncia isto eacute empoderaacute-la para

sair da situaccedilatildeo com meios materiais para fazecirc-lo e com uma proteccedilatildeo efetiva do

Estado em que ela eacute tratada como cidadatilde de direitos e natildeo como viacutetima Isso

demonstra que estatildeo sendo produzidos e reproduzidos discursos na esfera atual sem

necessariamente mudar a esfera real porque falta empoderamento das mulheres em

termos de recursos extra-discursos da esfera empiacuterica Aleacutem disso o tipo de accedilotildees

adotadas por essas organizaccedilotildees acabam sendo rasas porque ao mesmo tempo em

que natildeo atacam o problema diretamente na correccedilatildeo a posteriori tambeacutem natildeo lidam

com a causa no domiacutenio real isto eacute a estrutura social

Ou seja ao lidar somente com as mulheres em termos de conscientizaccedilatildeo a

maioria das organizaccedilotildees natildeo estaacute atacando a estrutura social porque os homens

fazem parte desta e natildeo satildeo chamados para a discussatildeo Aleacutem disso algumas dessas

accedilotildees de conscientizaccedilatildeo satildeo vazias ateacute para o puacuteblico-alvo as mulheres porque

muitas vezes as mulheres que buscam a ajuda do Estado para lidar com a violecircncia de

gecircnero natildeo sabem ler ou entatildeo natildeo podem atender a essas accedilotildees por estarem em

zonas agraacuterias em que estatildeo muito mais vulneraacuteveis em termos de exposiccedilatildeo ao

agressor ou ao resto da comunidade

67

Nesse sentido tambeacutem achamos relevante em todas as entrevistas a maneira

como satildeo recepcionadas as mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia De maneira geral satildeo

montadas equipes multidisciplinares que tratam cada situaccedilatildeo casuisticamente A

primeira vista nossa impressatildeo foi de que essa era uma boa maneira de lidar com o

problema da violecircncia domeacutestica porque cada mulher estaacute inserida em um contexto

diferente Poreacutem ao longo das entrevistas notamos que o domiacutenio do real acaba

influenciando esta casuiacutestica e diminuindo seu potencial empoderador Isso acontece

porque a estrutura social machista acaba levando a anaacutelise de caso para um

julgamento social da mulher em que muitas vezes o discurso anterior ao seu

atendimento (domiacutenio atual) influencia diretamente a ajuda que ela vai receber do

oacutergatildeo (domiacutenio empiacuterico)

Explorando mais a questatildeo das zonas urbana e agraacuteria haacute evidecircncias de que a

zona agraacuteria eacute muito pouco conhecida pelas organizaccedilotildees que lidam com a violecircncia

de gecircnero Em relaccedilatildeo ao contexto urbano as organizaccedilotildees parecem convergir mais

em termos de discursos sobre as manifestaccedilotildees do machismo nas cidades e as causas

da violecircncia de gecircnero nas mesmas Poreacutem o mesmo natildeo acontece em relaccedilatildeo agraves

zonas agraacuterias

Eacute importante ressaltar que na maioria das entrevistas quando explicamos os

objetivos da pesquisa os entrevistados comeccedilavam a conversa afirmando seu

desconhecimento do que acontece na aacuterea agraacuteria mesmo quando se tratavam de

organizaccedilotildees cuja amplitude de atuaccedilatildeo de jure (BAUMAN 2001) incluiacutea essas

localidades Agravam essa questatildeo tanto elementos extra-discursivos como a falta de

profissionais e dados pouco confiaacuteveis sobre o que acontece devido agrave subnotificaccedilatildeo

como tambeacutem os discursos formados pelos atores sobre a zona agraacuteria Apesar de se

colocarem quase sempre como incapazes de comentar sobre a zona agraacuteria ao longo

das entrevistas surgiram vaacuterios discursos sobre como o machismo de manifesta no

contexto rural as suas causas e como isso se tornava violecircncia contra a mulher

Notamos entatildeo que os sentidos construiacutedos eram muito heterogecircneos em relaccedilatildeo aos

entrevistados e formados com base em um caso especiacutefico com o qual tiveram

contato ou agraves vezes sem contato nenhum com mulheres da zona agraacuteria Isso mostra

como o domiacutenio do real eacute forte na determinaccedilatildeo dos discursos e a falta da

68

experimentaccedilatildeo empiacuterica dos atores com a realidade das mulheres em situaccedilatildeo de

violecircncia em contextos agraacuterios intensifica a estrutura social machista pela

reproduccedilatildeo de discursos machistas para suprir o vaacutecuo do conhecimento sobre essa

situaccedilatildeo

Por fim todos esses pontos colocados satildeo evidecircncias que mostram como os

trecircs domiacutenios da vida social impactam na existecircncia ou natildeo de poliacuteticas puacuteblicas para

mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia nas zonas urbana e agraacuteria Ou seja quando se

muda os discursos sem mudar os elementos extra-discursivos nem a estrutura social

as mudanccedilas natildeo satildeo profundas o suficiente para atacar um problema complexo como

este e acabam por vezes tendo um efeito perverso de reproduzir as causas deste

mesmo problema transmitindo a impressatildeo de que ele estaacute sendo de fato resolvido

51 Implicaccedilotildees para a Praacutetica

As reflexotildees geradas nesse trabalho pretendem ser uacuteteis para mudar o

problema na praacutetica dado os objetivos criacuteticos da ACD Nesse sentido acreditamos

que um dos achados que move accedilotildees praacuteticas eacute a invisibilidade da violecircncia contra a

mulher em contextos agraacuterios Natildeo haacute dados sendo gerados sobre essas mulheres em

situaccedilatildeo de violecircncia ateacute porque elas natildeo costumam chegar agraves instituiccedilotildees formais

que lidam com o problema Nesse sentido apontamos para a urgecircncia dessas

instituiccedilotildees buscarem ativamente essas mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia na zona

agraacuteria para conhecerem melhor as demandas especiacuteficas desse puacuteblico e poderem

entatildeo compreender melhor o problema

Tambeacutem no que diz respeito agrave invisibilidade haacute pouca produccedilatildeo acadecircmica

utilizando a ontologia do Realismo Criacutetico para se pensar em violecircncia de gecircnero e

natildeo encontramos nenhuma bibliografia que discuta o contexto especiacutefico de mulheres

em situaccedilatildeo de violecircncia em zonas agriacutecolas A academia poderia entatildeo ajudar a

colocar esse tema na agenda e a delimitar mais detidamente as manifestaccedilotildees da

estrutura social machista nesse contexto

Enfim acreditamos que uma contribuiccedilatildeo praacutetica estaacute relacionada agraves

evidecircncias encontradas de que a maior parte dos esforccedilos do poder puacuteblico para

69

atacar a violecircncia contra a mulher estaacute focada em campanhas de conscientizaccedilatildeo

Queriacuteamos apontar que uma contribuiccedilatildeo desse trabalho eacute apontar que as campanhas

de conscientizaccedilatildeo natildeo mudam nem a estrutura social nem os elementos extra-

discursivos das mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia como a necessidade de recursos

financeiros para poder sair de casa e caminhos institucionais para poder por exemplo

mudar os filhos de creche quando estatildeo nessa situaccedilatildeo

52 Limitaccedilotildees da Pesquisa

Apesar das contribuiccedilotildees teoacutericas e praacuteticas da pesquisa houve uma mudanccedila

no que se pretendia inicialmente estudar pela falta de dados acerca do contexto

agriacutecola e pouco contato das organizaccedilotildees com mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia

nesse contexto Dessa forma essa pesquisa eacute limitada porque apesar de querer

entender os diferentes contextos a compreensatildeo no contexto urbano foi muito maior

Nesse sentido os discursos coletados acerca do contexto agriacutecola eram

apontados pelos proacuteprios entrevistados como impressotildees infundadas por natildeo se

basearem na sua experiecircncia profissional nem em conhecimento teoacuterico pela

inexistecircncia de estudos Assim os discursos eram muito mais heterogecircneos do que os

que dizem respeito ao contexto urbano e demonstrou que natildeo haacute diagnoacutestico desse

problema e que os sentidos acerca do mesmo ainda estatildeo sendo construiacutedos pelos

profissionais que trabalham na aacuterea e por enquanto estaacute negociada mais a inaccedilatildeo do

que o como agir

Por fim como apontamos ao longo do trabalho natildeo encontramos experiecircncias

concretas de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia nas aacutereas

agraacuterias no estados de Goiaacutes e Satildeo Paulo Desta forma achamos relevante continuar

essa busca por experiecircncias que lidam com esse problema em uma pesquisa posterior

70

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74

7 Anexos

71 Roteiro SEMIRA

1) Na sua opiniatildeo o que eacute poliacutetica de gecircnero Existe alguma

especificidade na hora de elaborar esse tipo de poliacutetica O que a diferencia eou

aproxima de poliacuteticas de outras aacutereas

2) O que vocecirc acredita que satildeo as causas das desigualdades de gecircnero A

SEMIRA combate as causas diretamente como

3) Como foi a evoluccedilatildeo do tratamento da questatildeo de gecircnero no Estado

Qual a estrutura organizacional da secretaria para lidar com a violecircncia de gecircnero

4) O que significa para vocecirc o fato de poliacuteticas de gecircnero serem

transversais Como isso se materializa na accedilatildeo da SEMIRA

5) Quais satildeo os desafios na hora de formular eou implementar poliacuteticas

transversais O machismo se manifesta nesses momentos na hora de lidar com outras

secretarias que natildeo atuam diretamente com a questatildeo de gecircnero

6) A mudanccedila para uma secretaria mais ampla em termos de temas

abarcados muda a maneira como a transversalidade eacute abordada Como

7) A transversalidade tambeacutem muda de acordo com os contextos urbanos

e rural Como ela se relaciona a esses contextos

8) Como o machismo se manifesta na sociedade E na aacuterea rural E na

aacuterea urbana Compare as duas Existem outros fatores culturais que diferenciam a

aacuterea rural e urbana e que influenciam a maneira como a violecircncia de gecircnero se

manifesta

9) Existe diferenccedila entre violecircncia de gecircnero nos acircmbitos rural e urbano

10) Se sim quais as implicaccedilotildees dessa diferenccedila E a secretaria incorpora

essa diferenccedila na formulaccedilatildeo das suas poliacuteticas puacuteblicas

11) O Estado consegue chegar a uma mulher viacutetima de violecircncia da

mesma maneira na aacuterea urbana e rural

12) Vocecirc sente diferenccedila na maneira como os funcionaacuterios policiais

delegados etc lidam com a violecircncia de gecircnero em zonas mais rurais ou urbanas

75

Como essa diferenccedila se manifesta e como a SEMIRA lida com a diferenccedila entre

atores parceiros

13) Como surgiu a SEMIRA Quais foram os atores importantes Qual

era e eacute a sua relaccedilatildeo da SEMIRA com outros oacutergatildeos do governo do Estado

14) Quais satildeo as poliacuteticas puacuteblicas da secretaria direcionadas para o

enfrentamento da violecircncia de gecircnero Como elas comeccedilaram Como elas

funcionam

15) Qual eacute o histoacuterico da poliacutetica dos ocircnibus multidisciplinares que vatildeo ao

campo Como foi a aceitaccedilatildeo pela populaccedilatildeo Continuidade

72 Formulaacuterio de Consentimento Entrevista

Mulheres em situaccedilatildeo de vulnerabilidade social Contextos Construccedilatildeo Simboacutelica

e Poliacuteticas Puacuteblicas

Beatriz Junqueira Kipnis

FGV-EAESP

Sou Beatriz Junqueira Kipnis aluna de graduaccedilatildeo em Administraccedilatildeo Puacuteblica

na Fundaccedilatildeo Getulio Vargas de Satildeo Paulo Estou fazendo uma pesquisa de iniciaccedilatildeo

cientiacutefica sob orientaccedilatildeo dos Prof Dr Marcus Vinicius Peinado Gomes e Prof Dr

Fernando Burgos O objetivo desta pesquisa eacute descobrir se e como os contextos

agriacutecola e urbano impactam na formulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em

situaccedilatildeo de violecircncia e quais as implicaccedilotildees de semelhanccedilas e diferenccedilas dos mesmos

para o cotidiano do puacuteblico beneficiaacuterio Gostariacuteamos de contar com a sua

participaccedilatildeo voluntaacuteria para a parte de campo da pesquisa pois acreditamos que

conhecer a experiecircncia praacutetica possibilitaraacute e enriqueceraacute as anaacutelises dessa pesquisa

Para isso deixamos explicitada nossa eacutetica de pesquisa e pedimos que assine esse

formulaacuterio em caso de consentimento

1 Confidencialidade

Esta entrevista tem como objetivo coletar informaccedilotildees para esta pesquisa e

portanto possui objetivo estritamente acadecircmico Qualquer comentaacuterio opiniatildeo ou

76

avaliaccedilotildees que vocecirc fizer seratildeo tratados com confidencialidade e analisados apenas

para os interesses desta pesquisa

2 Permissatildeo para citaccedilatildeo

Eu gostaria de poder citar diretamente trechos de nossa conversa nos relatoacuterios

e publicaccedilotildees oriundas desta pesquisa Caso deseje manter seu anonimato por favor

manifeste sua preferecircncia antes do iniacutecio da entrevista

3 Participaccedilatildeo

Sua participaccedilatildeo nesta pesquisa eacute voluntaacuteria e vocecirc natildeo receberaacute nenhum

pagamento para tal

Vocecirc pode decidir a qualquer momento por qualquer razatildeo em natildeo mais

fazer parte desta pesquisa Em caso de duacutevidas ou esclarecimentos vocecirc pode fazer

perguntas a mim em qualquer momento

3 Gravaccedilatildeo

Gostaria de pedir sua permissatildeo para gravar nossa entrevista com o uacutenico

proposito de facilitar o processo de pesquisa Se vocecirc natildeo concorda com a gravaccedilatildeo

por favor manifeste sua preferecircncia antes do iniacutecio da entrevista

Assinatura do Entrevistado ___________________________________________

Data _____________________________________________

Assinatura do Pesquisador _____________________________

Data _____________________________________________

Caso tenha alguma duacutevida sobre o estudo por favor entrar em contato com

Beatriz Kipnis bjkipnishotmailcom ou Dr Marcus Gomes marcusgomesfgvbr

Page 11: Fundação Getúlio Vargas Escola de Administração de ......mulheres de áreas agrícolas e se sentiam pouco à vontade para comentar sobre a violência contra mulheres nessas áreas.

11

pessoas sendo utilitarista e consequentemente gerando a exclusatildeo de quem natildeo tem

recursos para fazer a escolha puacuteblica e a desconfianccedila nas motivaccedilotildees dos

governantes

Jaacute a perspectiva legislativa eacute aquela em que os administradores puacuteblicos

operam o que eacute decidido pelo legislativo (FREDERICKSON 1991) Este por sua vez

seria a arena de representaccedilatildeo legiacutetima do interesse puacuteblico O autor

(FREDERICKSON 1991) ressalta entretanto que na praacutetica as leis satildeo ambiacuteguas e

permitem interpretaccedilotildees diferentes por parte dos administradores puacuteblicos Aleacutem

disso haacute um conflito de forccedila em relaccedilatildeo ao que eacute exigido pelo executivo que os

administradores puacuteblicos executem em detrimento do legislativo No mais haacute outro

dilema nessa concepccedilatildeo porque representaccedilatildeo natildeo eacute algo que se encerra no

legislativo havendo outras arenas representativas como os grupos de interesse

anteriormente citados

Outra visatildeo possiacutevel eacute de puacuteblico como cliente em que os indiviacuteduos satildeo

consumidores dos serviccedilos puacuteblicos Isso implica no contato direto entre clientes e

burocratas de niacutevel de rua o que leva ao impasse de que os burocratas precisam

colocar as necessidades dos clientes como mais importantes e ao mesmo tempo

precisam ser imparciais impessoais (FREDERICKSON 1991) Aleacutem disso falta

verba para que a qualidade e quantidade dos serviccedilos puacuteblicos oferecidos atendam agraves

demandas dos clientes De acordo com Frederickson (1991) essa perspectiva seria

fraca porque clientes natildeo conseguem funcionar como puacuteblico isto eacute cada indiviacuteduo

agindo como cliente natildeo se articula enquanto grupos para defender seus interesse e os

burocratas podem se organizar enquanto grupo de interesse e conseguir suplantar os

clientes

Por fim podemos enxergar o puacuteblico como cidadatildeo o que significa que o

puacuteblico tem interesse proacuteprio e coletivo (FREDERICKSON 1991) Essa visatildeo

implica no papel da Administraccedilatildeo Puacuteblica de colocar em praacutetica os valores definidos

por uma constituiccedilatildeo No entanto essa perspectiva natildeo enxerga o legislativo como

arena de representaccedilatildeo final dos interesses puacuteblicos sendo que todos satildeo cidadatildeos e

devem ser contemplados pela administraccedilatildeo puacuteblica sendo ou natildeo minorias Entatildeo

faria parte do dever da administraccedilatildeo puacuteblica criar um arcabouccedilo institucional

12

possibilitador de participaccedilatildeo direta dos cidadatildeos e tambeacutem advogar pelos direitos de

minorias sem poder representativo A Administraccedilatildeo Puacuteblica tambeacutem deve nessa

perspectiva desenvolver e manter sistemas capazes de captar e responder os puacuteblicos

coletivos ou natildeo tendo em vista sempre o interesse do coletivo maior sem ferir os

direitos das minorias (FREDERICKSON 1991)

No mais a perspectiva do puacuteblico como cidadatildeo exige um entendimento da

cidadania de ambos os lados isto eacute a administraccedilatildeo puacuteblica deve enxergar o puacuteblico

como cidadatildeos mas os cidadatildeos precisam agir como tais Isso exigiria segundo

Frederickson (1991) o entendimento pelos cidadatildeos da constituiccedilatildeo e portanto dos

valores defendidos pela mesma e tambeacutem a capacidade de raciocinar moralmente

compatibilizando interesses particulares e coletivos tendo como medida o documento

constitucional Aleacutem disso seria essencial a crenccedila dos cidadatildeos em direitos

ldquonaturaisrdquo e natildeo na ideia de que a maioria teria poder legiacutetimo mas que todos tecircm

que ter esses direitos miacutenimos garantidos sendo ou natildeo parte da maioria

(FREDERICKSON 1991)

A reflexatildeo de Frederickson (1991) vai aleacutem de uma categorizaccedilatildeo sobre os

diferentes significados de puacuteblicos construiacutedos pela interaccedilatildeo do Estado e seus

cidadatildeos ao contraacuterio ressalta que a visatildeo sobre o que eacute lsquopuacuteblicorsquo natildeo eacute definido a

priori no ciclo de poliacuteticas puacuteblicas ao contraacuterio eacute negociada neste processo Neste

sentido a pluralidade normativa da visatildeo de lsquopuacuteblicorsquo faz parte da estrateacutegia

organizacional de determinado oacutergatildeo da Administraccedilatildeo Puacuteblica Isso porque as

praacuteticas cotidianas da organizaccedilatildeo transparecem determinado tratamento de puacuteblico e

acabam resultando em uma estrateacutegia organizacional que produz uma poliacutetica puacuteblica

com determinado vieacutes para o que eacute considerado puacuteblico

213 A produccedilatildeo de conhecimento e a importacircncia das praacuteticas cotidianas

Continuando esse o argumento da disputa de significados o conhecimento

tambeacutem eacute uma construccedilatildeo social e como tal estaacute sujeito a poderes em conflito e

mudanccedilas As poliacuteticas puacuteblicas satildeo influenciadas por essa construccedilatildeo social do

conhecimento uma vez que as situaccedilotildees dependem de uma significaccedilatildeo social para

13

serem consideradas como problemas puacuteblicos e portanto entrarem na agenda de

governo Nesse sentido o que eacute considerado como conhecimento vaacutelido faz parte de

uma ideia que a sociedade tem do que eacute legitimamente visto como conhecimento ou

natildeo e isso varia de acordo com tempo e lugar (SPINK 2001) Desde o berccedilo as

universidades satildeo um local onde essa tensatildeo entre conhecimento legitimado ou natildeo

persiste no cotidiano e satildeo espaccedilos em que a luta pelo reconhecimento da

heterogeneidade de conhecimentos muitas vezes fica em um segundo plano vis-agrave-vis

o conhecimento produzido pela proacutepria academia e desvinculado muitas vezes da

realidade cotidiana do objeto estudado (SPINK 2001)

Essa dicotomia entre produccedilatildeo de conhecimento nas universidades e na

praacutetica reduziu apenas recentemente sobretudo pela forccedila dos movimentos sociais

Eles mostraram que a sociedade civil produz conhecimentos relevantes para se

organizar e enfrentar os seus problemas do dia-a-dia sem necessariamente estarem

ligados ao conhecimento hegemocircnico do meio acadecircmico (SPINK 2001) Cresceu a

partir de entatildeo a noccedilatildeo de multiplicidade de conhecimentos e a importacircncia da

universidade reconhecer a importacircncia e estudar esses conhecimentos produzidos na

praacutetica

A construccedilatildeo desse leque de conhecimentos segundo Spink (2001) se daacute

sobretudo pela praacutetica vivida pelos grupos sociais na resoluccedilatildeo de problemas

enfrentados no cotidiano e que natildeo foram solucionados por organizaccedilotildees externas

Assim cada lugar eacute constituiacutedo de um contexto proacuteprio que tanto possibilita quanto

compele a produccedilatildeo de determinados conhecimentos

Dentro desses contextos uacutenicos de produccedilatildeo de conhecimento existem as

praacuteticas do cotidiano que fazem as organizaccedilotildees se construiacuterem enquanto tais e satildeo

tambeacutem por elas influenciadas As poliacuteticas puacuteblicas satildeo produzidas por organizaccedilotildees

e seus arranjos entre si ou seja satildeo influenciadas pelos contextos e praacuteticas do

mesmo Essas praacuteticas satildeo definidas por Schatzki (2007) como o conjunto de accedilotildees

estruturadas por uma organizaccedilatildeo Nessa visatildeo natildeo eacute a estrutura organizacional que

molda completamente as accedilotildees de seus constituintes mas uma relaccedilatildeo dialeacutetica em

que estruturas sociais e atores se influenciam mutuamente para formar as praacuteticas

desenvolvidas rotineiramente em uma organizaccedilatildeo As praacuteticas incluem segundo o

14

autor quatro fenocircmenos principais

(1) understandings of (complexes of know-hows regarding) the actions

constituting the practice for example knowing how to email and to recognize

emailing and knowing how to deliver and recognize lectures (2) rules by

which I mean explicit directives admonishments or instructions that

participants in the practice observe or disregard (3) something I call a

teleological-affective structuring which encompasses a range of ends

projects actions maybe emotions and end-project-action combinations

(teleological orderings) that are acceptable for or enjoined of participants to

pursue and realize and (4) general understandings for example general

understandings about the nature of work about proper teacherndashstudent

interactions or about the commonality of fate (SCHATZKI 2007)

As praacuteticas podem portanto ser definidas como participantes ativas da

estrateacutegia organizacional A estrateacutegia enquanto praacutetica eacute um conceito que faz a

conexatildeo entre a caracteriacutestica ativa e dialeacutetica das praacuteticas cotidianas e a proacutepria

formulaccedilatildeo de estrateacutegias dentro de uma organizaccedilatildeo Esse conceito estaacute ligado a uma

visatildeo construtivista das estrateacutegias dentro de uma organizaccedilatildeo isto eacute as estrateacutegias

natildeo satildeo estaacuteveis ao longo do tempo passam por um processo de definiccedilatildeo e

redefiniccedilatildeo conforme ganham ou perdem legitimaccedilatildeo interna e externa ao ambiente

organizacional (SOUZA 2009)

Nesse sentido as estrateacutegias de uma organizaccedilatildeo podem mudar ou

permanecer ao longo do tempo de acordo com a relaccedilatildeo dupla entre agentes e

estrutura esta sendo composta de recursos disponiacuteveis normas e regras presentes e

entendimento compartilhado (SOUZA 2009) Os recursos disponiacuteveis podem ser

materiais como o ambiente fiacutesico de uma organizaccedilatildeo ou imateriais como a

capacitaccedilatildeo para exercer uma atividade dentro da mesma Esses recursos satildeo objeto

de uma luta permanente porque satildeo eles que possibilitam a dominaccedilatildeo de uma

estrateacutegia ou seja quem deteacutem mais recursos acaba tendo mais poder na hora de

defender sua posiccedilatildeo vis-agrave-vis uma estrateacutegia organizacional (SOUZA 2009) As

15

normas e as regras podem ser formais como o estatuto de uma associaccedilatildeo que prevecirc

condutas permitidas eou exigidas para a participaccedilatildeo ou informais construiacutedas e

aceitas no cotidiano sem que sejam transcritas como o tipo de comportamento

considerado adequado dentro de determinada organizaccedilatildeo Satildeo as normas e regras

que constituem a legitimaccedilatildeo ou natildeo de estrateacutegias isto eacute elas permitem ou natildeo a

aceitaccedilatildeo de uma estrateacutegia em detrimento do que eacute aceito formal e informalmente no

ambiente organizacional (SOUZA 2009) Aleacutem disso haacute um entendimento

compartilhado em uma organizaccedilatildeo que significa as estrateacutegias isto eacute traduz

subjetivamente a estrateacutegia para uma dimensatildeo simboacutelica que eacute compreensiacutevel para a

realidade de seus agentes

Isso significa que formular e implementar estrateacutegias dentro de uma

organizaccedilatildeo satildeo processos inseridos dentro de um contexto permeado por

significaccedilotildees dominaccedilotildees e legitimaccedilotildees de discursos no cotidiano dos agentes e

portanto haacute uma tensatildeo constante e um diaacutelogo entre processos e contexto em que o

mesmo influencia e eacute influenciado pelos processos de definiccedilatildeoredefiniccedilatildeo de

estrateacutegia (SOUZA 2009) Assim podemos dizer que as organizaccedilotildees natildeo produzem

estrateacutegias no vaacutecuo jaacute que as praacuteticas que as constituem soacute satildeo significadas quando

satildeo ativadas pelos agentes e possibilitadas pelo contexto interno e externo agrave

organizaccedilatildeo tornando o contexto um elemento essencial para estudar as estrateacutegias

em organizaccedilotildees

Dessa forma poliacuteticas puacuteblicas podem ser entendidas como uma estrateacutegia

constantemente definida e redefinida em funccedilatildeo das negociaccedilotildees sobre os sentidos

dos problemas puacuteblicos A estrutura organizacional se torna entatildeo natildeo apenas

relevante para a determinaccedilatildeo da capacidade material de resoluccedilatildeo de um problema

social mas tambeacutem delimita um lugar simboacutelico sobre as possibilidades de accedilatildeo para

enfrentaacute-lo

22 Contextos onde as poliacuteticas puacuteblicas acontecem

No acircmbito dessa pesquisa pretendemos nos focar em principalmente dois

contextos diferentes que permeiam o processo de formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de

16

poliacuteticas puacuteblicas enquanto estrateacutegias de organizaccedilotildees da Administraccedilatildeo Puacuteblica

Podemos falar nos lugares e na diferenciaccedilatildeo entre contextos urbano e agriacutecola como

fator que influencia e eacute influenciado pelo ciclo de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em

situaccedilatildeo de violecircncia

Os contextos impactam nas praacuteticas e arranjos materiais disponiacuteveis em

determinado lugar (SPINK 2001) O lugar eacute onde ocorre a troca entre contexto

praacuteticas e arranjos como contextos agriacutecola e urbano estruturas organizacionais e

negociaccedilatildeo de sentidos e estrateacutegias para lidar com problemas puacuteblicos De acordo

com Milton Santos (2001) os lugares satildeo espaccedilos esquizofrecircnicos porque satildeo onde se

verificam os vetores da globalizaccedilatildeo e tambeacutem da contraordem O papel do lugar eacute

natildeo soacute onde se vive mas um lsquoespaccedilo vividorsquo em que satildeo reproduzidas eou

reavaliadas processos do passado e onde se projeta o futuro (SANTOS 2001) Nesses

lugares ocorrem os embates entre soluccedilotildees imediatistas e visotildees finaliacutesticas

conjuntura e estrutura (SANTOS 2001)

A ideia de lugar compreende a importacircncia dos processos construiacutedos e que

constroem um contexto Schatzki (2005) em sua teoria sobre como satildeo construiacutedos

os fenocircmenos sociais afirma que estes estatildeo ligados aos lugares

Sites however are a particularly interesting sort of context What

makes them interesting is that context and contextualized entity constitute one

another what the entity or event is is tied to the context just as the nature and

identity of the context is tied to the entity or event (among others)(p 468)

Essa definiccedilatildeo eacute entatildeo especificada ao social em que o lugar ldquodo social eacute

composto de nexos de praacuteticas e arranjos materiaisrdquo (SCHATZKI 2005 p471) As

praacuteticas seriam as atividades humanas e os arranjos materiais incluem as pessoas os

artefatos outros organismos e coisas

Os fenocircmenos sociais fazem parte das teias formadas dentro dos lugares e da

relaccedilatildeo entre eles sendo ao mesmo tempo produto e alimento desses lugares As

organizaccedilotildees de acordo com o autor (SCHATZKI 2005) seriam um desses

fenocircmenos sociais Fazendo parte dessa teia as organizaccedilotildees satildeo constituiacutedas por

praacuteticas sobreviventes previamente de outras organizaccedilotildees (vindas com as

17

experiecircncias passadas dos indiviacuteduos que a constituem) e uma mistura de praacuteticas do

presente que satildeo alteradas ou natildeo para materializar a razatildeo de existecircncia da

organizaccedilatildeo e arranjos materiais velhos e novos (SCHATZKI 2005 p476) Schatzki

(2005) ressalta que trecircs pontos satildeo essenciais para compreender uma organizaccedilatildeo

identificar as accedilotildees que a compotildeem identificar o conjunto de praacuteticas e arranjos

materiais em que as accedilotildees estatildeo inseridas identificar as outras teias de conjuntos de

praacuteticas e arranjos que se ligam agrave teia que compotildee a organizaccedilatildeo

Podemos clarificar ainda mais a ideia de lugares com a contribuiccedilatildeo de Spink

(2001) que define lugar como ldquoponto de partida para refletir sobre a organizaccedilatildeo

porque permite um olhar a partir de um enraizamento na processualidade do cotidiano

e fora dos muros das organizaccedilotildeesrdquo (SPINK 2001 p18) Esse termo tambeacutem foca

nos processos construiacutedos pelos indiviacuteduos suas relaccedilotildees e o contexto nos quais

participam e as organizaccedilotildees como parte desses processos em que haacute tensotildees e natildeo

como uma entidade que existe sem a accedilatildeo de pessoas Aleacutem disso Spink (2001)

ressalta a importacircncia da construccedilatildeo social dos sentidos que damos agraves accedilotildees e

materialidades que compotildeem o cotidiano o que dialoga com a ideia de Schatzki

(2005) de como compreender as accedilotildees dos indiviacuteduos

Assim pretendemos compreender as regiotildees agriacutecola e urbana como lugar

que satildeo indissociaacuteveis daquilo que os constituem (Spink 2001 SCHATZKI 2005)

enquanto praacuteticas e arranjos constitucionais observaacuteveis materialmente a partir de

organizaccedilotildees puacuteblicas O estudo das organizaccedilotildees que formulam e implementam

essas poliacuteticas puacuteblicas eacute importante para entender quais os conjuntos de praacuteticas e

arranjos materiais que formam o contexto das poliacuteticas puacuteblicas em questatildeo e se

existem ligaccedilotildees e sobreposiccedilotildees entre praacuteticas eou arranjos materiais dessas

organizaccedilotildees

221 Cidades Urbanas e Agriacutecolas

Precisamos entatildeo definir o que satildeo regiotildees agriacutecolas e regiotildees urbanas como

lugar no qual as poliacuteticas puacuteblicas estatildeo inseridas Santos (1996) trouxe essa nova

tipologia de cidades agriacutecolas e urbanas porque as mudanccedilas econocircmicas impactaram

18

a organizaccedilatildeo do espaccedilo geograacutefico de tal forma que as atividades urbanas e rurais

existem em todas as regiotildees Assim natildeo haacute mais uma separaccedilatildeo em aacutereas rurais e

urbanas de acordo com distinccedilatildeo econocircmica sendo que o novo ldquocriteacuterio de distinccedilatildeo

seria devido muito mais ao tipo de relaccedilotildees realizadas sobre os respectivos

subespaccedilosrdquo (SANTOS 1996 p 67)

Segundo ele ldquonas regiotildees agriacutecolas eacute o campo que sobretudo comanda a

vida econocircmica e social do sistema urbano enquanto nas regiotildees urbanas satildeo as

atividades secundaacuterias e terciaacuterias que tecircm esse papelrdquo (SANTOS 1996 p 68)

Apesar dessa predominacircncia que permite a distinccedilatildeo existem nos dois tipos de

regiotildees cidades e zonas de atividade rural mas nas regiotildees agriacutecolas a cidade existe

para suprir as necessidades do campo e das pessoas que o habitam enquanto nas

regiotildees urbanas as zonas de atividade rural existem para suprir as necessidades das

cidades e as pessoas que a habitam (SANTOS 1996) Assim essa tipologia eacute

importante para definir os contextos das poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo

de violecircncia jaacute que loacutegicas diferentes as constituem apontando praacuteticas e arranjos

materiais tambeacutem diversos

23 Gecircnero Machismo e Violecircncia de Gecircnero

As discussotildees sobre gecircnero na academia tecircm sido concentradas em uma

perspectiva discursiva que distingue completamente sexo de gecircnero colocando o

primeiro como parte de uma esfera bioloacutegica e o segundo como uma construccedilatildeo

social desvinculada da primeira (CAROLAN 2005) Nesse sentido Carolan (2005)

aponta um risco de gerar um reducionismo ao julgar gecircnero apenas como uma

construccedilatildeo social sem levar em consideraccedilatildeo os elementos extra-discursivos que

dialeticamente significam e ressignificam os papeis de gecircnero Segundo Carolan

(2005 p5)

Sociology has been correct to take care so as to not legitimate

ideologically-driven biological determinism and the socio-political

ramifications that accompany such proclamations My concern however is

19

that this apprehension toward determinism has become too one-sided With

all of our handringing about the dangers of ldquobringing nature back inrdquo to

sociological analyses due to its deterministic undertones we remain

incorrigibly blind to the other side of the coin to the appalling prospects of

an equally dangerous cagemdashcultural determinism In our rush to condemn the

fixed-biological we often (mistakenly) overly prescribe mutability and fluidity

to the socio-cultural We must thus stay vigilant to all prescriptions of

determinismmdashbiological and otherwisemdashwhile concomitantly remaining open

to the multidirectional causal potentials that constitute a stratified rooted

and emergent reality

Dessa forma eacute importante levar em conta tanto os niacuteveis discursivos quanto

extra-discursivos da construccedilatildeo de gecircnero dentro de uma estrutura social que dialoga

com esses elementos Assim os elementos extra-discursivos podem ser tanto

bioloacutegicos como apontados no trecho acima mas podem ser tambeacutem outras

materialidades que podem ser causa e efeito ao mesmo tempo da construccedilatildeo social

dos papeis de gecircnero como a desigual inserccedilatildeo no mercado de trabalho e os salaacuterios

desiguais para as mesmas posiccedilotildees Por exemplo se as mulheres tecircm menor inserccedilatildeo

no mercado de trabalho isso eacute fruto de uma construccedilatildeo social dos papeis de gecircnero

mas tambeacutem reforccedila os mesmos papeis em um jogo dialeacutetico porque as mulheres

ficam em uma posiccedilatildeo pouco empoderada acerca de como decidir a alocaccedilatildeo dos

recursos em casa e mais vulneraacuteveis para conseguir materialmente sair de casos de

violecircncia

Nesse contexto o machismo pode ser entendido como uma estrutura social

subjetiva construiacuteda a partir da existecircncia de gecircnero como uma classificaccedilatildeo criada

socialmente mas que alimenta e eacute alimentada por materialidades extra-discursivas O

machismo se configura entatildeo como algo abstrato que natildeo pode ser visto

materialmente Como coloca Sayer (1998 p 159-160)

()unobservable natural forces as well as structures of a language or

tules of a game can be and frequently are described and known Thus while

20

the unobservable wind can be known to be responsible for the flying hat or the

swirling leaves the rules of grammar facilitating the speech acts of some

group or the secret code used by children to send messages to each other

may each be quite unproblematically retroducible andor describable By

demonstrating the empirical adequacy of theories of gravitational and

magnetic fields social rules and relations structures of languages and so

forth these items can be known whether or not they can be directly observed

O machismo pode ser considerado como um item abstrato conforme

apresentado por Sayer (1998) que podem ser conhecidos mesmo que natildeo possam ser

observados diretamente Para fazer isso devemos tentar acessar a estrutura social

pelas suas manifestaccedilotildees tanto discursivas quanto extra-discursivas Especificamente

sobre as relaccedilotildees de gecircnero Sayer discorre sobre como podemos observaacute-la na

praacutetica (SAYER 1998 p160)

Even a single maintained hypothesis can be continually assessed by

examining the range of phenomena it bears upon In other words the

empirical adequacy of any hypothesis can be progressively checked-out by

deducing such implications as follow with regard to any domain for which

such implications hold and can in practice be observed Where it is argued

for example that gender relations in many societies are such that mechanisms

are reproduced which serve to discriminate against women in favout of men

this assessment can be checked out against detectable patterns occurring in

for example factories homes schools and universities and any other place

where the mechanism will conceivably reveal its effects

Podemos entatildeo acessar a estrutura social machista sobretudo atraveacutes de pelo

menos dois tipos de manifestaccedilotildees materiais ou seja as diferenccedilas objetivas como a

distribuiccedilatildeo de recursos e bens e subjetivas como se daacute a percepccedilatildeo da sociedade

sobre os papeis de gecircnero (GOMES 2014a) Corroborando Lorente (2015) tambeacutem

apresenta o machismo como uma estrutura social

21

Inequality is a construction based on the male design of society and

developed to determine the relationships within it It is neither an error nor an

uncontrolled drift It is a decision to establish a structure of power that

provides benefits and privileges to those in a superior position men and

denies rights and opportunities to those in an inferior position women

Violence against Women (VAW) is an instrument to maintain this structure

part of the tools to guarantee that it works () Violence against women is

different from other forms of violence due to its motivations goals

circumstances and meaning It is the only violence supported by social and

cultural ideas and the only one that is accepted and justified by part of

society (LORENTE 2015)

A violecircncia de gecircnero surge entatildeo como uma manifestaccedilatildeo dessa estrutura

social machista com implicaccedilotildees objetivas e subjetivas A violecircncia fiacutesica e

patrimonial podem ser entendidas como uma manifestaccedilatildeo material da estrutura

social enquanto outras violecircncias como a psicoloacutegica satildeo mais subjetivas e ligadas ao

asseacutedio moral (TRERJ 2013) uma forma de apreciaccedilatildeo negativa mais ligada ao

discurso poreacutem com implicaccedilotildees objetivas fortes como a proibiccedilatildeo da mulher de sair

de casa e trabalhar ou o desenvolvimento de doenccedilas psicoemocionais como

depressatildeo Aleacutem disso a violecircncia de gecircnero de todos os tipos estaacute permeada por

manifestaccedilotildees objetivas e subjetivas objetivas na vulnerabilidade em termos de

recursos materiais das mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia e subjetivas na exposiccedilatildeo agrave

apreciaccedilatildeo da famiacutelia da comunidade e das instituiccedilotildees puacuteblicas para atender a essas

mulheres que muitas vezes reproduzem papeis tradicionais de gecircnero ligados agrave

estrutura social machista

Afim de compreendermos a estrutura social machista nos diferentes contextos

agriacutecola e urbano vamos nos apoiar metodologicamente no Realismo Criacutetico sobre a

qual nos debruccedilaremos na seccedilatildeo a seguir Esta metodologia nos permite acessar

aspectos da estrutura social atraveacutes de suas manifestaccedilotildees Assim poderemos

compreender melhor as dialeacuteticas entre estrutura social manifestaccedilotildees discursivas e

22

manifestaccedilotildees extra-discursivas e do discurso em accedilatildeo Dessa maneira pretendemos

informar a accedilatildeo do Estado para combater essa estrutura social machista sobretudo a

sua manifestaccedilatildeo enquanto violecircncia de gecircnero

23

3 Metodologia

A partir da revisatildeo da literatura entendemos que as poliacuteticas puacuteblicas e suas

estrateacutegias satildeo definidas e redefinidas em um processo de embate entre discursos e

significaccedilotildees Este processo estaacute inserido em um lugar que influencia e eacute influenciado

pela negociaccedilatildeo de sentidos Especialmente no que diz respeito agrave violecircncia contra a

mulher estamos examinando para uma estrutura social machista e procurando

entender como os contextos influenciam a formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de poliacuteticas

puacuteblicas para aacutereas agriacutecolas e urbanas de acordo com as diferentes manifestaccedilotildees da

estrutura social nesses contextos Desta forma a pergunta de pesquisa que surge para

este trabalho eacute A estrutura social do machismo se manifesta da mesma maneira

nos contextos agriacutecola e urbano

Dela decorrem os seguintes objetivos secundaacuterios

a) Haacute ou natildeo diferenccedilas na manifestaccedilatildeo do machismo especificamente em

termos de violecircncia de gecircnero nas zonas urbana e agraacuteria

b) Como essas manifestaccedilotildees do machismo satildeo impactadas e impactam a

formulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia

Conforme discutiremos mais adiante nesse capiacutetulo e na seccedilatildeo 4 de anaacutelise

dos dados encontramos poucas evidecircncias de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em

situaccedilatildeo de violecircncia nas aacutereas agraacuterias de Goiaacutes e Satildeo Paulo Entretanto este

silecircncio eacute um interessante achado de pesquisa pois foi possiacutevel compreender como a

ausecircncia dessas poliacuteticas impacta a vida das mulheres desse contexto Esta anaacutelise

fica mais evidente quando debruccedilamos sobre as poliacuteticas puacuteblicas disponiacuteveis para as

mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia em aacutereas urbanas e que ainda assim natildeo tecircm seus

direitos garantidos como iremos perceber na anaacutelise das entrevistas

31 Realismo Criacutetico e a violecircncia de gecircnero

Escolhemos e o Realismo Criacutetico como ontologia ou seja como teoria do

conhecimento cientiacutefico porque acreditamos que ele nos ajudaraacute a compreender

24

melhor como os contextos agraacuterio e urbano influenciam e satildeo influenciados na

formulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas mas tambeacutem por uma questatildeo normativa

Acreditamos na perspectiva ontoloacutegica do realismo criacutetico de que os seres humanos

satildeo agentes com capacidade accedilatildeo sobre a realidade e que tambeacutem satildeo produtores de

significados e tambeacutem na necessidade natildeo soacute de explicar o mundo mas de modificaacute-

lo

No entanto acrescenta-se agrave nossa existecircncia dialeacutetica enquanto seres humanos

com o mundo a noccedilatildeo de que este existe independentemente da nossa apreensatildeo

semioacutetica ou natildeo dele sendo este o principal ponto de divergecircncia do criacutetico realismo

em relaccedilatildeo ao construtivismo (BHASKAR 2012 FAIRCLOUGH 2010 GOMES

2014b) Isto significa que a estrutura social eacute composta de loacutegicas agraves quais damos

sentidos e tambeacutem loacutegicas que natildeo apreendemos e interpretamos estando latentes

para essa interpretaccedilatildeo mas ainda assim influenciando e sendo influenciadas por

nossa accedilatildeo no mundo

O realismo criacutetico tambeacutem se enquadra nas nossas perspectivas de pesquisa

porque ele apresenta uma ontologia estratificada como uma estrateacutegia para evitar o

tradeoff entre agentes e estrutura (BHASKAR 2012) Isso porque o realismo criacutetico

coloca trecircs niacuteveis da vida social o real o atual e o empiacuterico que interagem entre si

dialeticamente (BHASKAR 2012) desde modo natildeo estamos lidando com uma

situaccedilatildeo em que a estrutura social define tudo nem que os agentes definem tudo

ambos satildeo relevantes e se influenciam mutuamente

Para melhor entendermos essas esferas vamos defini-las O real consiste na

esfera abstrata das estruturas sociais ou naturezas (FAIRCLOUGH 2010 GOMES

2014b) Esses integrantes do plano real satildeo objetos latentes ou seja que tecircm um

potencial Isso reforccedila a ideia de que mesmo estruturas semioacuteticas existem antes dos

atores (FAIRCLOUGH 2010 GOMES 2014b BHASKAR 2012) A esfera do atual

eacute permeada pelas praacuteticas sociais ou seja o que acontece quando elementos do

mundo real satildeo ativados e produzem transformaccedilotildees ou reproduccedilotildees

(FAIRCLOUGH 2010 GOMES 2014b) Esse plano atual eacute o que faz a mediaccedilatildeo

entre o plano real e o plano empiacuterico que por sua vez consiste nos eventos sociais e

accedilotildees Ou seja o empiacuterico eacute uma parte dos outros planos que eacute experimentado

25

efetivamente por agentes (FAIRCLOUGH 2010)

Eacute importante ressaltar que o processo causal colocado pelo realismo criacutetico

natildeo eacute o mesmo que o positivismo empiacuterico defende isto eacute a identificaccedilatildeo de

regularidades entre causa e efeito Na verdade o processo causal seria o estudo do

que ativa os poderes latentes do real para produzir mudanccedila (FAIRCLOUGH 2010

BHASKAR 2012) Aleacutem disso quando e se esses poderes satildeo ativados os efeitos

dessa ativaccedilatildeo varia de acordo com o tempo e espaccedilo (FAIRCLOUGH 2010

GOMES 2014b)

Uma ontologia baseada no Realismo Criacutetico ressalta a importacircncia dos

discursos e tambeacutem eacute uma abordagem que busca natildeo soacute entender a realidade mas

modificaacute-la como abordamos anteriormente Mas quais as implicaccedilotildees para a anaacutelise

das poliacuteticas puacuteblicas

O processo das poliacuteticas puacuteblicas sobre o qual discorremos anteriormente eacute

perpassado em todas as etapas pelos discursos dos atores envolvidos tanto interna

quanto externamente ao processo Aleacutem disso as poliacuteticas puacuteblicas satildeo um meio de

mudar a realidade como proposto pelo Realismo Criacutetico

Como vimos a violecircncia de gecircnero eacute um termo que passou por diferentes

significaccedilotildees ao longo do tempo e diferentes atores envolvidos Por exemplo antes

era visto pela sociedade e apreendida pelo Estado como uma situaccedilatildeo da esfera

privada e se restringia agrave violecircncia fiacutesica e hoje em dia passou a ser visto pelo Estado

como um problema puacuteblico considerando diferentes formas de violecircncia contra a

mulher No primeiro periacuteodo o movimento feminista brasileiro natildeo era detentor do

discurso dominante e lutava para conseguir visibilidade ao tema isto eacute para que

fosse considerado como um problema puacuteblico Ou seja as poliacuteticas puacuteblicas satildeo o

resultado do conflito entre discursos de diferentes atores e a significaccedilatildeo dada agraves

situaccedilotildees muda conforme o resultado desse conflito

Aleacutem disso podemos situar nosso referencial teoacuterico em termos da

estratificaccedilatildeo do Realismo Criacutetico A esfera do real no tema em questatildeo eacute permeada

pelas relaccedilotildees desiguais de poder entre gecircneros A esfera real pode ser acessada por

suas manifestaccedilotildees na esferas atual e empiacuterica

Na esfera do atual podemos pensar nas praacuteticas sociais que transformaram

26

uma situaccedilatildeo no caso a violecircncia contra as mulheres em problema puacuteblico passiacutevel

de intervenccedilatildeo via poliacuteticas puacuteblicas voltadas para lidar com a violecircncia de gecircnero

atraveacutes da sua inclusatildeo na agenda puacuteblica Isso pode ser visto pela dificuldade de se

tratar a violecircncia de gecircnero atraveacutes das instacircncias legais e juriacutedicas usuais Isto eacute

essas instacircncias tradicionais estavam permeadas por uma loacutegica machista que

precisava ser formalmente desfeita para poder comeccedilar a se abordar a questatildeo a partir

de outra perspectiva A violecircncia de gecircnero ter sido vista como uma questatildeo da esfera

domeacutestica e portanto privada tambeacutem faz parte desse machismo da esfera real que

precisou do aparato legal para caracterizaacute-la enquanto problema da esfera puacuteblica

Nesse sentido entra a importacircncia dos contextos urbano e agriacutecola dos territoacuterios

como elementos influenciadores e influenciados pelas poliacuteticas puacuteblicas para

mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia fornecendo um contexto sobre o qual os discursos

satildeo construiacutedos Certamente estes natildeo satildeo os uacutenicos lugares que influenciam os

discursos sobre a violecircncia de gecircnero e consequentemente as estrateacutegias para

combatecirc-lo (ie as poliacuteticas puacuteblicas)

Por fim a esfera do empiacuterico consiste no discurso em accedilatildeo por meio das

poliacuteticas puacuteblicas Um exemplo foi o conturbado processo de aprovaccedilatildeo da LMP

(MACIEL 2011) e tambeacutem as tentativas de provar sua inconstitucionalidade que

teve que ir ao STF pela AGU (MACIEL 2011) para conseguir ser aprovado

Tambeacutem a atual dificuldade de conseguir a aceitaccedilatildeo e implementaccedilatildeo da LMP por

parte dos operadores juriacutedicos (MACIEL 2011) demonstra a penetraccedilatildeo do

machismo em nossa sociedade Como podemos ver pelo retrato das questotildees

anteriormente citadas ainda estamos lidando basicamente com violecircncia sexual

apesar da tipificaccedilatildeo abranger outros tipos de violecircncia como as psicoloacutegicas e

morais que ainda ocorrem cotidianamente e satildeo naturalizadas denunciando a forccedila

do machismo na esfera do real Enfim essa uacuteltima esfera assim como as demais e a

relaccedilatildeo entre elas poderatildeo ser melhor retratadas quando partirmos a anaacutelise da

pesquisa de campo em que teremos contato com os agentes

De acordo com o realismo criacutetico podemos pensar em problemas a partir de trecircs

domiacutenios o real o atual e o empiacuterico (FAIRCLOUGH 2010) No tema em questatildeo

a esfera do real pode ser entendida como a estrutura social do machismo isto eacute uma

27

desigualdade de gecircnero que estaacute latente no funcionamento da sociedade e acaba sendo

reforccedilada pelos domiacutenios do atual e do empiacuterico Nesse trabalho o domiacutenio do atual

seriam os discursos sobre a desigualdade de gecircnero e a violecircncia de gecircnero que satildeo

manifestaccedilotildees da estrutura social machista ou para reforccedilar essa estrutura ou para

tentar transformaacute-la Por fim o domiacutenio empiacuterico satildeo nesse caso as poliacuteticas e accedilotildees

puacuteblicas formuladas eou implementadas para combater a violecircncia contra a mulher

32 Anaacutelise Criacutetica de Discurso

Afim de buscarmos nosso objetivo que eacute entender as diferenccedilas entre

poliacuteticas puacuteblicas em contextos agriacutecola e urbano utilizaremos a metodologia da

ACD Segundo a ACD o discurso eacute ativo isto eacute que influencia tanto a percepccedilatildeo da

realidade quanto o comportamento de pessoas dentro de uma organizaccedilatildeo

(PUTNAM et al 2004) Eacute importante destacarmos a diferenccedila entre texto e discurso

Textos satildeo todas as peccedilas linguiacutesticas sejam escritas ou faladas Jaacute discursos satildeo

enunciados de locutores que utilizam textos para tentar exercer influecircncia sobre

terceiros (ALVES 2006) O conceito de discurso organizacional engloba duas

maneiras diferentes de olhar para o discurso conversas e diaacutelogos ou narrativas e

histoacuterias Quando se trata de conversas significa a troca de mensagens entre duas ou

mais pessoas que ao realizarem uma interconexatildeo temporal ou significativa entre

textos moldam outras conversas eou accedilotildees futuras E diaacutelogo seria a possibilidade de

gerar novos significados atraveacutes de momentos de questionamento do contiacutenuo de uma

conversa Jaacute as narrativas percebem a construccedilatildeo social do sentido sendo estas visotildees

de mundo construiacutedas pelo locutor e seus interlocutores As histoacuterias satildeo por sua vez

a reinterpretaccedilatildeo de fatos atraveacutes do olhar de cada locutor interlocutor

A anaacutelise discurso eacute uma ferramenta interessante para analisar poliacuteticas

puacuteblicas uma vez que nos permite entender a poliacutetica atraveacutes das pessoas que

formulam eou implementam a poliacutetica Conhecendo as pessoas que fazem uma

poliacutetica puacuteblica acontecer e analisando suas conversas diaacutelogos e histoacuterias podemos

entender a significaccedilatildeo dada pelas pessoas dos processos que vivenciam Ou seja eacute

possiacutevel sair de um discurso formal para analisar quais satildeo as relaccedilotildees de poder no

28

acircmbito de uma poliacutetica puacuteblica e quais satildeo os sentidos dados para os temas

trabalhados que impedem ou proporcionam mudanccedilas materiais na evoluccedilatildeo de uma

poliacutetica puacuteblica

Algumas perspectivas epistemoloacutegicas satildeo possiacuteveis na anaacutelise de discurso

organizacional sendo as principais abordagens a positivista a construtivista e a poacutes-

modernista (PUTNAM et al 2004) e a criacutetico realista (FAIRCLOUGH 2010) Antes

de definir essas abordagens eacute importante diferenciarmos as perspectivas possiacuteveis

para a linguagem A ldquolinguagem em usordquo eacute aquela visatildeo que aborda o discurso como

tendo uma funccedilatildeo na criaccedilatildeo de uma ordem social no cotidiano da organizaccedilatildeo Seu

foco estaacute portanto na anaacutelise de discurso no momento presente da organizaccedilatildeo

(PUTNAM et al 2004 pg 9) Jaacute a abordagem da ldquolinguagem em contextordquo leva em

conta fatores histoacutericos e sociais que influenciam a produccedilatildeo disseminaccedilatildeo e

consumo de textos (PUTNAM et al 2004 pg 10) Ou seja leva em consideraccedilatildeo o

passado e os possiacuteveis efeitos futuros do discurso organizacional Dentro dessa

diferenciaccedilatildeo podemos esclarecer de onde derivam as diferentes abordagens

metodoloacutegicas A ldquolinguagem em usordquo eacute utilizada pelos positivistas e a ldquolinguagem

em contextordquo eacute a abordagem levada em consideraccedilatildeo pelos construtivistas (PUTNAM

et al 2004)

O pensamento positivista se preocupa em identificar padrotildees nas interaccedilotildees

discursivas Dessa maneira tratam o discurso como principal variaacutevel de anaacutelise e

natildeo acreditam que o discurso tenha caraacuteter poliacutetico Buscam entatildeo identificar uma

narrativa uacutenica ou um conjunto de significados compartilhados entre membros de

uma organizaccedilatildeo (PUTNAM et al 2004)

A abordagem construtivista por sua vez estuda como o discurso constitui e

reconstitui arranjos sociais dentro dos diferentes contextos das organizaccedilotildees Essa

perspectiva defende a natureza poliacutetica do discurso pela sua utilizaccedilatildeo para produzir

manter ou resistir a diferentes formas de poder Desse modo como afirma Gomes

(GOMES 2014b) o domiacutenio do discurso eacute em si um recurso de poder e faz parte da

luta pela hegemonia

Dentro do guarda-chuva da abordagem construtivista existe um ramo

chamado anaacutelise criacutetica do discurso cuja metodologia considera importante ambos os

29

tipos de linguagem sendo a ldquolinguagem em usordquo importante para identificar como

regras e estruturas em interaccedilotildees discursivas constituem identidades e levam agrave sua

institucionalizaccedilatildeo e a lsquolinguagem em contextorsquo importante para compreender os

diferentes significados para o mesmo texto dependendo do contexto em que o

discurso estaacute inserido A Anaacutelise Criacutetica do Discurso (ACD) enxerga as organizaccedilotildees

como sendo os locais onde ocorrem a luta entre os discursos pela dominaccedilatildeo sendo

que cada grupo luta para que seus interesses moldem exerccedilam eou resistam ao

controle social dentro da entidade Assim o foco dessa perspectiva eacute como o discurso

constitui e eacute constituiacutedo pelas praacuteticas sociais

Os poacutes-modernistas criticam a anaacutelise criacutetica do discurso uma vez que se

voltam novamente ao texto ou seja agrave lsquolinguagem em usorsquo e apontam para a

bipolaridade da anaacutelise criacutetica do discurso que exclui todos os discursos fora da

loacutegica de poder e resistecircncia Essa abordagem defende que os textos satildeo repletos de

metaacuteforas para organizar e representar uma gama de significados variados que

estariam marginalizados Para isso a desconstruccedilatildeo dos textos eacute a principal

ferramenta dessa perspectiva

Apesar da resistecircncia dos poacutes-modernistas agrave anaacutelise criacutetica do discurso

entendemos que essa metodologia eacute interessante para essa pesquisa uma vez que ela

nos permite entender os significados e a disputa de poder embutida nessas

significaccedilotildees Mas para aleacutem disso a anaacutelise criacutetica do discurso nos permite

compreender as consequecircncias materiais dessa disputa do poder (GOMES 2014b)

Aleacutem disso outro ponto interessante que diferencia a Anaacutelise Criacutetica do

Discurso eacute a incorporaccedilatildeo de trecircs niacuteveis de discurso micro meso e macro (OSWICK

PHILLIPS 2012) Assim o discurso estaacute dentro de uma situaccedilatildeo dentro de uma

instituiccedilatildeo e dentro da sociedade respectivamente (OSWICK PHILLIPS 2012) Em

outras palavras

Based on these three different levels undertaking CDA involves (i)

the examination of the language in use (the text dimension) (ii) the

identification of processes of textual production and consumption (the

discursive practice dimension) and (iii) the consideration of the institutional

30

factors surrounding the event and how they shape the discourse (the social

practice dimension) (OSWICK PHILLIPS 2012 p 457)

Nesse sentido a Anaacutelise Criacutetica do Discurso relaciona esses trecircs niacuteveis ao

mesmo tempo que incorpora uma visatildeo criacutetica do discurso homogecircneo Busca dessa

forma compreender seus fundamentos para interrogaacute-lo e gerar mudanccedila social

como veremos na proacutexima seccedilatildeo

A escolha da ACD se deve primeiramente porque acreditamos que a realidade

social natildeo pode ser vista com um olhar positivista tentando encontrar padrotildees nas

interaccedilotildees discursivas olhando tambeacutem somente para o discurso como variaacutevel

relevante na produccedilatildeo de significados Nesse trabalho queremos analisar a produccedilatildeo

de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia nos contextos agraacuterio e

urbano natildeo buscando encontrar padrotildees em cada contexto mas para entender

qualitativamente como o contexto e o discurso se relacionam entre si para produzir

significados que influenciam nessa produccedilatildeo de poliacuteticas Portanto optamos por esse

olhar que inclui o contexto como fator essencial em conjunto com as interaccedilotildees

discursivas

A anaacutelise criacutetica do discurso eacute uma perspectiva que considera as relaccedilotildees

dialeacuteticas de poder na criaccedilatildeo e significaccedilatildeo de discursos (GOMES 2014b) e que

pretende enxergar o mundo a partir de um olhar criacutetico do que ele deveriapoderia ser

olhando para os discursos e para as suas manifestaccedilotildees na praacutetica e em elementos

extra-discursivos como forma de refletir sobre uma estrutura social que natildeo

conseguimos materializar Ou seja ela eacute uma opccedilatildeo ontoloacutegica porque queremos

olhar para essa estrutura social criticamente no sentido de entendermos o que eacute e

tambeacutem projetar como poderia ser a partir do entendimento do porquecirc as poliacuteticas

puacuteblicas satildeo desenhadas e implementadas da maneira como satildeo nesses contextos

agraacuterio e urbano Isto eacute natildeo queremos ser relativistas e afirmar que entendendo a

relaccedilatildeo entre interaccedilotildees discursivas e os contextos diferentes as realidades satildeo

justificaacuteveis por si soacute pois olhamos normativamente para as poliacuteticas puacuteblicas em

especial aquelas para mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia nessa pesquisa Isto eacute a

anaacutelise criacutetica do discurso pode ajudar a entender como o capitalismo neoliberal

31

impede em algumas medidas a emancipaccedilatildeo humana para entatildeo tentar informar

estrateacutegias de como mitigar ou acabar com essas limitaccedilotildees (FAIRCLOUGH 2010)

No contexto de poliacuteticas puacuteblicas sobre violecircncia contra a mulher seria o caso de

entender quais satildeo as manifestaccedilotildees da estrutura social machista para tentar informar

decisotildees de poliacuteticas puacuteblicas que possam efetivamente gerar mudanccedilas nessa

estrutura social

Assim a anaacutelise criacutetica do discurso eacute uma abordagem relacional ou seja seu

objeto natildeo eacute o discurso em si mas as relaccedilotildees sociais e as disputas de poder entre

essas relaccedilotildees em que o discurso eacute parte integrante pela produccedilatildeo reproduccedilatildeo e

transformaccedilatildeo de significados (FAIRCLOUGH 2010) Aleacutem disso sua perspectiva eacute

dialeacutetica no sentido que estuda as relaccedilotildees entre objetos que natildeo satildeo inteiramente

separaacuteveis ou seja suas naturezas satildeo parcialmente definidas pela relaccedilatildeo com o

outro Nesse sentido natildeo exclui a importacircncia dos elementos extra-discursivos

ressaltando seu caraacuteter transdisciplinar (FAIRCLOUGH 2010) O termo criacutetica

remete a uma abordagem normativa que aponta para a realidade como algo passiacutevel

de mudanccedila e nesse sentido busca estudar tanto o que existe quanto o que poderia

existir idealmente (FAIRCLOUGH 2010)

Deste modo para a anaacutelise criacutetica do discurso trecircs esferas satildeo importantes o

texto o discurso e o contexto social (PHILIPPS SEWELL JAYNES 2008) Essas

esferas interagem entre si conforme o esquema abaixo

Tabela 1 Diaacutelogo entre Diferentes Esferas na ACD

32

O sujeito locutor se encontra numa posiccedilatildeo social ou seja num lugar no

espaccedilo social em que ele possui um certo grau de agecircncia (PHILIPPS SEWELL

JAYNES 2008) A partir dessa posiccedilatildeo social o locutor fala ou escreve um texto que

se transforma em discurso no momento em que o locutor tenta mudar ou manter a

ordem social atraveacutes desse texto Esse discurso por sua vez produz conceitos que se

expressam na cultura refletindo sobre a maneira como ele e seus interlocutores

enxergam o mundo e se relacionam entre si Por fim esse discurso se transforma em

objeto quando se torna parte de uma ordem praacutetica (PHILIPPS SEWELLJAYNES

2008) sendo usado para fazer sentido das relaccedilotildees sociais e condiccedilotildees materiais do

contexto social voltando ao iniacutecio do ciclo

33A emancipaccedilatildeo como chave entre as esferas

A Anaacutelise Criacutetica do Discurso foi escolhida nesse trabalho pelo potencial de

emancipaccedilatildeo (FAIRCLOUGH 2010) que essa perspectiva epistemoloacutegica nos

permite uma vez que pretende analisar a estrutura social atraveacutes de suas

manifestaccedilotildees discursivas e extra-discursivas afim de informar maneiras de mudar a

estrutura social machista Para melhor entender como as esferas se relacionam no

ciclo do realismo criacutetico com a emancipaccedilatildeo dos cidadatildeos podemos fazer uso da

Texto

Discurso

Cultura

Objeto

Posiccedilatildeo Social

(Contexto)

Elaboraccedilatildeo proacutepria a partir de dados de PHILIPPS SEWELL JAYNES 2008

33

noccedilatildeo de emancipaccedilatildeo de Zygmunt Bauman (BAUMAN 2001) Segundo o autor haacute

uma diferenccedila importante a ser ressaltada entre a liberdade de jure e a liberdade de

facto que ocorrem na modernidade

Bauman (2001) explica que na modernidade os indiviacuteduos natildeo tecircm sua

identidade ligada a instituiccedilotildees sociais ou princiacutepios universais No lugar disso hoje

haacute uma autoconstruccedilatildeo fluiacuteda das identidades isso significa que haacute uma valorizaccedilatildeo

das diferenccedilas e que a identidade eacute continuamente definida e redefinida pelos proacuteprios

indiviacuteduos

Nesse sentido parece que chegamos ao auge da liberdade humana

(BAUMAN 2001) poreacutem na verdade essa liberdade eacute tecircnue Isso porque houve um

esvaziamento das funccedilotildees do Estado em relaccedilatildeo agraves escolhas dos indiviacuteduos ou seja

cada um escolhe sua identidade e seu modo de vida e deve se responsabilizar por

essas escolhas (BAUMAN 2001) A consequecircncia disso eacute uma esfera puacuteblica

constituiacuteda por aglomeraccedilotildees de anseios individualizados mas que natildeo conseguem

afetar a agenda puacuteblica porque natildeo ultrapassam a barreira de demandas individuais

para uma demanda maior e comum (BAUMAN 2001)

Entatildeo as pessoas satildeo chamadas cada vez menos a buscar respostas para suas

demandas na sociedade e no Estado mas em si mesmas (BAUMAN 2001) e seu

fracasso ou sucesso tambeacutem eacute de sua inteira responsabilidade Entatildeo surge a

diferenciaccedilatildeo de Bauman quanto aos tipos diferentes de liberdade amenizando o auge

da liberdade que supostamente vivemos

Os indiviacuteduos tecircm liberdade de escolha e satildeo responsabilizados pelas mesmas

poreacutem natildeo encontram recursos praacuteticos para realizar suas escolhas (BAUMAN

2001) Daiacute a contraposiccedilatildeo entre liberdade de jure e liberdade de facto A primeira

corresponde agrave liberdade formal muitas vezes colocada em lei que os indiviacuteduos

teriam agrave sua disposiccedilatildeo Mas a liberdade de facto ou seja a realizaccedilatildeo dos seus

anseios e decisotildees natildeo ocorre muitas vezes porque faltam condiccedilotildees materiais para

que isso aconteccedila Nessa contradiccedilatildeo que a condiccedilatildeo de emancipaccedilatildeo dos indiviacuteduos

natildeo eacute atingida porque natildeo conseguem efetivar a autodeterminaccedilatildeo de seus destinos

Essa questatildeo da emancipaccedilatildeo se torna relevante quando discutimos o realismo

criacutetico porque no tema estudado existe essa contradiccedilatildeo entre o que eacute de jure que faz

34

parte da esfera atual e o de facto que estaacute na esfera empiacuterica das condiccedilotildees extra-

discursivas dos indiviacuteduos de saiacuterem de um problema no caso a violecircncia de gecircnero

34 A pesquisa de campo e a coleta de dados

Para darmos continuidade agrave pesquisa fizemos algumas visitas de campo A

coleta de dados qualitativos foi com base em um roteiro semiestruturado que se

encontra disponiacutevel nos anexos Antes de cada entrevista foi acordado com cada

entrevistado a o termo de consentimento para uso das mesmas tambeacutem em anexo As

conversas foram gravadas a partir do consentimento dos entrevistados e transcritas agrave

posteriori Depois selecionamos os trechos mais relevantes para a pesquisa e

organizamos segundo os temas mais recorrentes Em seguida organizamos esses

temas recorrentes de acordo com a estratificaccedilatildeo ontoloacutegica do realismo criacutetico

Dessa forma primeira etapa da coleta de dados foi realizada em Janeiro de

2015 em Goiaacutes Ateacute 2014 existia uma Secretaria de Poliacuteticas para as Mulheres e

Promoccedilatildeo da Igualdade Racial (SEMIRA) Nessa secretaria havia e haacute ainda na nova

superintendecircncia haacute uma accedilatildeo da Secretaria Federal de Poliacuteticas para as Mulheres de

unidades moacuteveis para mulheres do campo e da floresta No caso de Goiaacutes consiste

em disponibilizar ocircnibus que iam de Goiacircnia para as cidades do interior com equipes

multidisciplinares para fazer palestras sobre violecircncia de gecircnero informar a

populaccedilatildeo e dar assistecircncia (meacutedica psicoloacutegica juriacutedica) agraves mulheres que

procurassem a equipe Nas eleiccedilotildees de 2014 Marconi foi reeleito governador de

Goiaacutes no entanto mudou a estrutura das suas secretarias dissolvendo a SEMIRA e

colocando a pasta das mulheres numa secretaria muito mais ampla a Secretaria da

Mulher do Desenvolvimento Social da Igualdade Racial dos Direitos Humanos e do

Trabalho

A pesquisa de campo em Goiaacutes aconteceu em trecircs cidades Caldas Novas

Goiacircnia e Professor Jamil Os oacutergatildeos e entidades entrevistados em ordem

cronoloacutegica foram CREAS Secretaria Estadual da Mulher Desenvolvimento Social

Igualdade Racial Direitos Humanos e Trabalho Equipe de Unidades Moacuteveis

35

DEAM Centro Popular da Mulher Observatoacuterio de Seguranccedila Puacuteblica e Secretaria

Municipal da Mulher de Professor Jamil

Comeccedilamos a parte de campo da pesquisa em Caldas Novas cidade a 167

quilocircmetros de Goiacircnia com 70473 habitantes sendo da 2759 zona rural e 67714

da zona urbana (IBGE 2015) Caldas Novas natildeo possui um oacutergatildeo especiacutefico da

prefeitura para lidar com a violecircncia de gecircnero O uacutenico oacutergatildeo responsaacutevel por

receber as viacutetimas desse tipo de violecircncia eacute o CREAS que atende mulheres idosos

crianccedilas e adolescentes em situaccedilatildeo de vulnerabilidade

A seguir realizamos entrevistas na Secretaria da Mulher do Desenvolvimento

Social da Igualdade Racial dos Direitos Humanos e do Trabalho em uma Delegacia

Especializada em Atendimento agrave Mulher e no Observatoacuterio de Seguranccedila Puacuteblica da

Secretaria de Seguranccedila Puacuteblica de Goiaacutes Goiacircnia eacute a capital de Goiaacutes com

aproximadamente 1302001 habitantes em 2010 (IBGEb 2015) Desse nuacutemero

1297155 estavam em aacuterea urbana e 4846 na zona rural (IBGEb 2015)

Finalmente a uacuteltima entrevista de campo em Goiaacutes foi em Professor Jamil Eacute

uma cidade a 70 quilocircmetros de Goiacircnia com 3239 habitantes sendo 978 da zona

rural e 2261 da zona urbana (IBGEc 2015) A cidade foi indicada pela equipe de

unidades moacuteveis da Secretaria da Mulher do Desenvolvimento Social da Igualdade

Racial dos Direitos Humanos e do Trabalho pela lideranccedila forte na cidade

Aleacutem da pesquisa de campo em Goiaacutes a segunda parte do campo consistiu em

conhecer tambeacutem a situaccedilatildeo de Satildeo Paulo Primeiramente buscamos informaccedilotildees

sobre as poliacuteticas puacuteblicas existentes para combater a violecircncia de gecircnero na esfera do

governo estadual de Satildeo Paulo Foi muito dificultosa essa busca uma vez que natildeo haacute

secretaria especiacutefica e mesmo em sites de busca encontramos escassas referecircncias

como o Hospital Peacuterola Byington como accedilatildeo puacuteblica destinada a esse puacuteblico

especiacutefico Depois de muitas pesquisas encontramos no site da Secretaria de Justiccedila e

Defesa da Cidadania uma Coordenaccedilatildeo de Poliacuteticas para a Mulher (SAtildeO PAULO

2015) Achamos simboacutelico essa coordenaccedilatildeo aleacutem de ser pouco visiacutevel estar listada

em uacuteltimo lugar na lista de coordenaccedilotildees da secretaria e contar apenas com duas

pessoas em sua equipe

36

Infelizmente natildeo foi possiacutevel realizarmos entrevista com ningueacutem da equipe

do Peacuterola Byington pois devido a uma reforma do local a equipe natildeo aceitou nos

receber para uma entrevista Apesar disso tentamos em trecircs tentativas explicar que o

nosso foco era uma conversa com algueacutem da equipe e natildeo necessariamente conhecer

a estrutura fiacutesica Mesmo assim ningueacutem se disponibilizou a conceder uma entrevista

para a pesquisa

No mais conseguimos trecircs entrevistas em Satildeo Paulo com a coordenadora de

uma subsecretaria de poliacuteticas para as mulheres com uma delegada de uma Delegacia

Da Mulher (DDM) da Grande Satildeo Paulo e com uma representante do Nuacutecleo

Especializado de Promoccedilatildeo dos Direitos da Mulher (NUDEM) Como surgiu em Satildeo

Paulo a necessidade de manter anonimato de alguns entrevistados optamos por

manter a uniformidade da pesquisa e natildeo identificar nenhum dos entrevistados Tendo

em vista que foram bastante entrevistados decidimos adotar nomes fictiacutecios para os

mesmos a fim de situar melhor o leitor em relaccedilatildeo agraves citaccedilotildees presentes na anaacutelise

dos discursos

Tambeacutem com o intuito de facilitar a leitura codificamos com cores a partir

das caracteriacutesticas da organizaccedilatildeo em que o entrevistado trabalha Sendo assim a cor

azul se refere a profissionais de assistecircncia social mais geral isto eacute sem foco para o

Tabela 2 Quadro de Entrevistados

Fonte Autoria proacutepria

37

atendimento a mulheres Por sua vez a cor roxa eacute para sinalizar os entrevistados que

trabalham no primeiro ou terceiro setor em organizaccedilotildees voltadas especificamente

para mulheres em um sentido amplo O laranja eacute para organizaccedilotildees policiais e por

fim o verde representa as instacircncias do poder judiciaacuterio especiacuteficas para mulheres

38

4 A Anaacutelise

41 As poliacuteticas puacuteblicas de violecircncia de gecircnero no Brasil

Por traacutes desses nuacutemeros preocupantes haacute uma construccedilatildeo de sentidos sobre o

eacute violecircncia contra a mulher suas causas consequecircncias e qual o desenho adequado

das poliacuteticas puacuteblicas O tema definitivamente entrou na agenda puacuteblica brasileira

somente no final dos anos setenta com o aumento do nuacutemero de assassinatos de

mulheres de classe meacutedia e a visibilidade dada agrave questatildeo pela miacutedia e autoridades

(BANDEIRA 2014) o que natildeo implica que os sentidos da violecircncia contra mulher

natildeo estejam em constante negociaccedilatildeo Nessa mesma eacutepoca a violecircncia contra a

mulher se transformou na principal bandeira do movimento feminista brasileiro

(BANDEIRA 2014) Bandeira (2014) relata que a partir disso e com a abertura

democraacutetica a sociedade civil se aliou agrave academia para pressionar politicamente em

prol de uma resposta do Estado a esse problema Podemos perceber que a violecircncia

de gecircnero nesse periacuteodo era entendida como violecircncia sexual sobretudo cometida por

maridos e ex-companheiros

A primeira mudanccedila foi a transformaccedilatildeo dos ldquocrimes de violecircncia sexual

como crimes contra a pessoa natildeo mais contra os costumesrdquo (BANDEIRA 2014 pg

452) Logo em seguida 1985 foram criadas delegacias proacuteprias para esse problema

as Delegacias Especiais de Atendimento agraves Mulheres com a visatildeo de era necessaacuterio

endereccedilar o problema das mortes das mulheres com um olhar feminino com maior

prioridade do que a violecircncia mais ampla sofrida no dia-a-dia pelas mulheres Essa

medida deu visibilidade agrave violecircncia sobretudo pelo criaccedilatildeo de um canal que

possibilitou o aumento de denuacutencias por parte das viacutetimas

Nos anos noventa comeccedilaram as accedilotildees de Casas de Abrigo para receber

mulher em risco de vida hoje contando com 80 espalhadas pelo paiacutes (BANDEIRA

2014) Apesar de o novo contexto poliacutetico de redemocratizaccedilatildeo nesse periacuteodo ter

aberto ldquonovos canais institucionais e estruturas de alianccedilas ineacuteditos para o movimento

feminista brasileirordquo (MACIEL 2011 p97) houve um retrocesso em termos de

poliacuteticas puacuteblicas para combater agrave violecircncia de gecircnero A mesma foi enquadrada na

39

Lei nordm 909995 que discorre sobre o julgamento de crimes de ldquomenor potencial

ofensivordquo (BANDEIRA 2014) e portanto busca a conciliaccedilatildeo das partes e prevecirc

uma pena de no maacuteximo dois anos de reclusatildeo (BANDEIRA 2014) Nesse mesmo

ano foram criados os Juizados Especiais Criminais que ldquose tornaram rapidamente o

escoadouro de denuacutencias de agressotildees contra a mulher nos acircmbitos domeacutestico e

familiarrdquo (MACIEL 2011 p103) mas operando em uma loacutegica de impunidade dos

agressores e desatenccedilatildeo agraves viacutetimas Bandeira (2014) ressalta a opiniatildeo generalizada

dos operadores juriacutedicos de que era desnecessaacuterio criar uma lei especiacutefica para tratar

da violecircncia de gecircnero (BANDEIRA 2014)

Esse cenaacuterio mudou principalmente pela pressatildeo internacional uma vez que o

Brasil assinou compromissos com tratados e convenccedilotildees internacionais de Direitos

Humanos que tratavam da violecircncia de gecircnero de maneira ampla (BANDEIRA

2014) Isto eacute o Brasil foi movido a ressignificar a violecircncia de gecircnero incluindo

tambeacutem a violecircncia psicoloacutegica e moral como parte desse quadro caracterizando a

violecircncia de gecircnero como violaccedilatildeo dos direitos humanos (MACIEL 2011) e servindo

de base para a criaccedilatildeo da Lei Maria da Penha (BANDEIRA 2014) Segundo

Bandeira (2014) essa lei significou uma ldquonova forma de administraccedilatildeo legal dos

conflitos interpessoais embora ainda natildeo seja de pleno acolhimento pelos operadores

juriacutedicosrdquo (BANDEIRA 2014)

Essa lei trouxe pela primeira vez o reconhecimento da mulher como parte

lesada nos casos de violecircncia de gecircnero e a obrigaccedilatildeo de o Estado responder a esse

crime natildeo atraveacutes de mediaccedilatildeo de conflitos no acircmbito privado mas de garantias de

direitos no acircmbito puacuteblico agraves viacutetimas O projeto inicial foi feito pela CFMEA e

entregue agrave Secretaria Especial de Poliacuteticas para Mulheres em 2004 que depois o

encaminhou para o Legislativo (MACIEL 2011) Esse primeiro projeto natildeo tratava

da retirada de competecircncia dos Juizados Especiais Criminais para tratar de violecircncia

de gecircnero e natildeo estabelecia a criaccedilatildeo de outra instacircncia juriacutedica especiacutefica para tratar

da mesma (MACIEL 2011) Nesse meio tempo em 2003 o Executivo Federal

sancionou por meio da Lei n107782003 a obrigatoriedade de notificaccedilatildeo por toda a

rede de sauacutede puacuteblica e privada de todos os casos de violecircncia contra a mulher

(BANDEIRA 2014) No ano seguinte em 2004 lanccedilado o primeiro Plano Nacional

40

de Poliacuteticas Puacuteblicas para as Mulheres (MACIEL 2011) Ainda antes da aprovaccedilatildeo

da Lei Maria da Penha em 2005 foi implementado o Ligue 180 pela SPM que

encaminhava as denuacutencias para a Secretaria de Seguranccedila Puacuteblica ou para o

Ministeacuterio Puacuteblico (BANDEIRA 2014) Somente em 2006 foi aprovada LMP no

contexto relatado por Maciel

O calendaacuterio das eleiccedilotildees presidenciais e legislativas foi decisiva para

ampliar a capacidade de pressatildeo poliacutetica o movimento conseguiu a

aprovaccedilatildeo nas duas casas legislativas do substituto o Projeto de Lei n

372006 que afastava formalmente a competecircncia dos Juizados para o

tratamento dos processos oriundos de violecircncia domeacutestica (MACIEL 2011

p103)

A Lei Maria da Penha trata violecircncia de gecircnero como problema puacuteblico a

garantia dos direitos fundamentais e ldquotodas as oportunidades e facilidades para viver

sem violecircncia preservar a sauacutede fiacutesica e mental e o aperfeiccediloamento moral

intelectual e social assim como as condiccedilotildees para o exerciacutecio efetivo dos direitos agrave

vida agrave seguranccedila e agrave sauacutederdquo (MENEGHEL 2013 p692)

A Lei Maria da Penha foi um marco no histoacuterico do tratamento do Estado agrave

violecircncia de gecircnero pois foi pioneira na tipificaccedilatildeo da violecircncia Como coloca

Meneghel

A Lei Maria da Penha tipificou a violecircncia denominando-a violecircncia

domestica e a definiu como qualquer accedilatildeo ou omissatildeo baseada no gecircnero que

cause morte lesatildeo sofrimento fiacutesico sexual psicoloacutegico e dano moral ou

patrimonial agraves mulheres ocorrida em qualquer relaccedilatildeo iacutentima de afeto na

qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida

independentemente de coabitaccedilatildeo (MENEGHEL 2013 p693)

Depois de aprovada a lei no entanto o movimento feminista brasileiro se

deparou com uma nova agenda a de garantir a efetividade da implementaccedilatildeo da Lei

41

Maria da Penha Nesse sentido foi criado em 2007 pela alianccedila entre organizaccedilotildees

de mulheres e nuacutecleos universitaacuterios o Observatoacuterio Nacional de Implementaccedilatildeo e

Aplicaccedilatildeo da Lei Maria da Penha ldquopara produzir analisar e divulgar informaccedilotildees

sobre a aplicaccedilatildeo da Lei pelas delegacias Ministeacuterio Puacuteblico Defensoria Puacuteblica

poderes Judiciaacuterio e Executivo e redes de atendimento agrave mulherrdquo (MACIEL 2011

p104) No mesmo ano o Programa Nacional ade Seguranccedila Puacuteblica com Cidadania

do governo federal colocou como objetivo a criaccedilatildeo de Juizados de Violecircncia

Domeacutestica e Familiar (MACIEL 2011) Esse plano incluiacutea tambeacutem a necessidade de

capacitaccedilatildeo especiacutefica de agentes puacuteblicos para lidar com essas viacutetimas (MACIEL

2011) Jaacute em 2008 a ldquoCampanha 16 Dias de Ativismo pelo Fim da Violecircncia contra

as Mulheresrdquo foi realizada em parceria com a SPM e teve ampla adesatildeo da esfera

puacuteblica estatal e natildeo estatal nacional e internacional (MACIEL 2011)

Ou seja a accedilatildeo coletiva do movimento feminista brasileiro pressionou

primeiramente o poder Legislativo para incluir na agenda de poliacuteticas puacuteblicas o

problema da violecircncia de gecircnero Depois da vitoacuteria da aprovaccedilatildeo da Lei Maria da

Penha comeccedilou a pressionar os poderes Executivo e Judiciaacuterio para garantir que a

mesma fosse efetiva

42 Contextualizaccedilatildeo da Anaacutelise

O objetivo desse trabalho eacute compreender os diferentes sentidos dados agrave violecircncia

de gecircnero nos contextos urbano e agriacutecola Para entendermos melhor esse objetivo e

como iremos trabalhar para atingi-lo eacute necessaacuterio explicitar como ele estaacute

relacionado aos diferentes domiacutenios do Realismo Criacutetico (vide seccedilatildeo da metodologia

em que delimitamos esses domiacutenios e mostramos como se relacionam entre si) O

nosso foco nas evidecircncias de cada domiacutenio especificamente no tema de violecircncia de

gecircnero vai nos ajudar a analisar em seguida os dados coletados na pesquisa jaacute que

essas evidecircncias satildeo a ponte para a compreensatildeo dos domiacutenios abstratos

42

Domiacutenio Evidecircncias

Real Machismo

Atual Discursos sobre desigualdade de gecircnero e

violecircncia de gecircnero

Empiacuterico Poliacuteticas e accedilotildees puacuteblicas

Elementos extra-discursivos

Entatildeo precisamos entender quais os sentidos atribuiacutedos pelos entrevistados agrave

violecircncia de gecircnero Isso eacute relevante porque os sentidos atribuiacutedos delimitam a

compreensatildeo do problema no caso a violecircncia de gecircnero A maneira como o

problema eacute compreendido afeta quais os tipos de poliacuteticas puacuteblicas construiacutedas ou a

ausecircncia delas Essas poliacuteticas puacuteblicas por sua vez podem alterar a estrutura social

ou reforccedilar a mesma voltando para o domiacutenio do real Aleacutem disso essas poliacuteticas

puacuteblicas satildeo afetadas pelos elementos extra-discursivos como orccedilamento estrutura

fiacutesica e recursos humanos que por sua vez podem ser tanto causados por ou

causadores da estrutura social machista Ou seja podemos pensar que os locus de

formulaccedilatildeo eou implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo de

violecircncia satildeo esvaziadas de recursos como consequecircncia da falta de importacircncia dada

ao problema devido agrave estrutura social machista que permanece mas ao mesmo tempo

como instrumento de manutenccedilatildeo dessa mesma estrutura

Tambeacutem eacute interessante retomarmos as caracteriacutesticas da Anaacutelise Criacutetica do

Discurso para relacionaacute-las agraves entrevistas realizadas Primeiramente realismo criacutetico

eacute relacional (FAIRCLOUGH 2010) o que no caso significa que a estrutura social do

machismo os discursos sobre desigualdade de gecircnero e violecircncia de gecircnero e os

elementos extra-discursivos natildeo podem ser analisados separadamente Isto se deve ao

fato de que cada elemento interage com os demais sendo afetado e afetando-os

mutuamente Entatildeo natildeo podemos falar em machismo sem justificar sua existecircncia

Tabela 3 Os Domiacutenios do Realismo Criacutetico e suas Evidecircncias

Fonte Autoria proacutepria

43

enquanto estrutura social via suas manifestaccedilotildees tanto discursivas quanto extra-

discursivas Mas tambeacutem natildeo podemos pensar nessas manifestaccedilotildees sem entender a

relaccedilatildeo delas com a estrutura social que pode ser geradora eou influenciada pelos

discursos e elementos extra-discursivos

Aleacutem disso a anaacutelise criacutetica do discurso eacute dialeacutetica (FAIRCLOUGH 2010) Isso

significa que o machismo e a violecircncia de gecircnero natildeo podem ser analisados como

uma relaccedilatildeo causal uacutenica por exemplo a estrutura social machismo gera a violecircncia

de gecircnero No caso a estrutura social machista tem como uma das suas

consequecircncias manifestaccedilotildees como a violecircncia de gecircnero mas esta violecircncia atua

reproduzindo a estrutura social machista ou entatildeo transformando a mesma

Para entender melhor as entrevistas realizadas agrave luz da ontologia do realismo

criacutetico dividimos a anaacutelise da pesquisa em duas partes principais as manifestaccedilotildees

discursivas da estrutura social e suas manifestaccedilotildees extra-discursivas Na primeira

seccedilatildeo iremos partir do plano geral das manifestaccedilotildees do machismo e em seguida focar

na manifestaccedilatildeo especiacutefica de violecircncia de gecircnero E na segunda parte iremos

descrever e analisar questotildees de recursos humanos fiacutesicos e orccedilamentaacuterios

43 Manifestaccedilotildees discursivas da estrutura social

Durante a pesquisa encontramos evidecircncias de diferentes sentidos dados

pelos atores sobre desigualdade de gecircnero Mesmo com suas diferenccedilas a principal

referecircncia dos entrevistados eacute a cultura de que o mundo em geral eacute machista e o

Brasil o eacute com mais intensidade

Percebemos que a desigualdade entre os gecircneros envolve discursos que

acabam encontrando entraves durante as falas dos entrevistados Por exemplo

segundo Faacutebio a mulher eacute vista pela sociedade como sexo fraacutegil apesar ser na praacutetica

mais forte porque ldquose um homem pega uma gripe ele cai na cama e natildeo levanta pra

nada a mulher taacute de gripe ela taacute limpando casa taacute lavando vasilha taacute fazendo

almoccedilordquo Ele comeccedila o seu discurso preocupado com a visatildeo da sociedade de que a

mulher eacute um sexo fraacutegil e inferior ao homem demonstrando um discurso contraacuterio agrave

estrutura social machista No entanto ele muda seu discurso no meio da frase

44

justificando sua posiccedilatildeo contraacuteria a essa estrutura com exemplos de atividades

colocadas pela estrutura social machista como atividades de mulher limpar lavar

cozinhar

Luiz reforccedilou sua crenccedila no que seria a igualdade de gecircnero a ser perseguida

diante do discurso de Faacutebio

Natildeo significa vocecirc ser submisso vocecirc saber como deve ser conduzida

uma relaccedilatildeo um casamento Eacute questatildeo de respeito mesmo O significado forte

da famiacutelia o que significa famiacutelia Ou qual eacute a figura do pai qual eacute a figura

da matildee O que eacute a figura do homem dentro da sociedade o que eacute a figura da

mulher dentro da sociedade Entatildeo trabalhar essa questatildeo da igualdade eacute

muito difiacutecil porque a gente natildeo pode confundir com certas libertinagens E

tem mulheres hoje mal instruiacutedas que natildeo tecircm uma instruccedilatildeo pra que isso

aconteccedila

Nesse discurso Luiz reforccedila as figuras do homem e da mulher da estrutura

social machista pois atribui um sentido normativo agrave ideia de relaccedilatildeo casamento e

famiacutelia isto eacute coloca como sendo relaccedilotildees positivas onde existem claramente os

papeis da mulher e do homem e consequentemente coloca como relaccedilotildees negativas

relaccedilotildees que natildeo seguem esse padratildeo estabelecido socialmente Seu discurso

evidecircncia o machismo da esfera real podemos dizer que aqui se manifesta

inconscientemente quando afirma que a igualdade entre os gecircneros eacute ameaccedilada por

ldquolibertinagensrdquo que segundo ele decorrem de uma falha da mulher por falta de

ldquoinstruccedilatildeordquo de cumprir seu papel enquanto ldquofigura de mulherrdquo dentro de uma

relaccedilatildeo Nesse sentido tambeacutem haacute evidecircncias de que o sentido construiacutedo por ele de

um relacionamento eacute heteronormativo em que necessariamente deve haver a ldquofigura

do homemrdquo e a ldquofigura da mulherrdquo o que faz parte tambeacutem da estrutura social

machista

Esse reforccedilo dos papeis sociais desiguais seria explicado segundo Roberta

pela educaccedilatildeo sexista que ainda existe no Brasil em que homens e mulheres satildeo

educados diferentemente pelas famiacutelias e pelas escolas Ela explica que ldquogeralmente

45

os brinquedos que aguccedilam a criatividade da crianccedila satildeo masculinos a menina ainda

brinca com boneca com panelinha enfim com as lides domeacutesticasrdquo

Aleacutem disso outro fator apontado como importante para a desigualdade entre

os gecircneros eacute o arcabouccedilo juriacutedico que historicamente privilegiou os homens porque

segundo a Talita ldquonoacutes temos um paiacutes muito marcado pelo machismo nossa lei que

trata especificamente sobre o assunto eacute ainda muito jovem noacutes nos deparamos com

muitas injusticcedilas antes da existecircncia da Lei Maria da Penha ateacute algumas deacutecadas

atraacutes a mulher sequer votavardquo

Em contraposiccedilatildeo Ana Paula contou uma anedota para justificar que as

causas da desigualdade de gecircnero vatildeo aleacutem de leis

Aiacute eu chamei uma amiga a faxineira uma pessoa muito humilde

terceirizada () e aiacute eu perguntei lsquofulana vocecirc tem relaccedilatildeo com o seu

marido quandorsquo Aiacute ela ficou sem graccedila ela disse aiacute doutora E eu lsquoDiz pra

eles quandorsquo lsquoQuando ele querrsquo E aiacute eu acho que haacute um tempo longo entre a

cultura e a lei

A cultura nessa fala pode ser vista como parte da esfera atual em que os seres

humanos ativam as estruturas do domiacutenio real construindo sentidos a partir delas

Nesse caso o domiacutenio do real eacute a estrutura social machista que eacute ativada por meio da

cultura nesse caso citado por Ana Paula com evidecircncias de elementos de

sexualidade que influenciam e satildeo influenciados pela estrutura social desigual entre

homens e mulheres Jaacute a lei agrave qual Ana Paula se refere a Lei Maria da Penha faz

parte do domiacutenio do empiacuterico ou seja uma legislaccedilatildeo fruto de eventos e accedilotildees da

sociedade Quando a entrevistada diz que ldquohaacute um tempo longo entre a cultura e a

leirdquo ela mostra evidecircncias de que o domiacutenio do empiacuterico pode trazer inovaccedilotildees

como a Lei Maria da Penha Poreacutem isso natildeo significa que a lei necessariamente

revolucione a estrutura social como a cultura que nesse caso que continua

reproduzindo um comportamento sexual machista em que o homem determina

quando quer ter relaccedilotildees sexuais e a mulher natildeo tem voz

Na pesquisa surgiram dois sentidos dados agrave maneira como o machismo se

46

manifesta na sociedade relativos ao grau de instruccedilatildeo e agrave estrutura econocircmica O

primeiro foi reforccedilada pelos funcionaacuterios do CREAS visitado por Talita e por Rafael

Segundo os entrevistados quanto mais educaccedilatildeo e mais informaccedilatildeo chegam ateacute as

pessoas menos machistas elas satildeo Rafael afirmou que a falta de instruccedilatildeo das

mulheres da aacuterea rural decorrente de uma menor escolaridade e maior isolamento

seriam geradoras de uma subnotificaccedilatildeo de casos de violecircncia (vide seccedilatildeo 2) na zona

agraacuteria Ele conta que essa subnotificaccedilatildeo ldquoeacute incentivada primeiro no meu ponto de

vista pela questatildeo cultural da proacutepria mulher natildeo procurar que ela eacute mais

desprovida de informaccedilatildeo e tudo maisrdquo Consequentemente a diferenccedila nas

manifestaccedilotildees do machismo nas aacutereas rural e urbana seria a intensidade porque

segundo estes entrevistados a aacuterea rural teria um vatildeo de instruccedilatildeo e informaccedilatildeo

recebida em relaccedilatildeo agrave aacuterea urbana

Aqui temos dois elementos da esfera real dialogando entre si O grau de instruccedilatildeo

estaacute relacionado agrave estrutura social diferente entre aacutereas agraacuterias e urbanas E a

estrutura social machista tambeacutem se localiza no plano real como mencionamos

anteriormente Assim uma desigualdade estrutural de instruccedilatildeo agravaria uma outra

desigualdade de gecircnero no caso justificando elementos discursivos (atual) e extra-

discursivos (empiacuterico) que reforccedilam uma dupla desigualdade evidenciando uma

minoria dentro das minoria das mulheres as mulheres da zona agraacuteria

Por outro lado Laura e Roberta afirmaram a importacircncia das estruturas

econocircmicas na manifestaccedilatildeo do machismo Roberta colocou a questatildeo da composiccedilatildeo

da renda familiar porque ldquona aacuterea rural o homem continua sendo chefe de famiacutelia

mesmo que a legislaccedilatildeo tenha mudadordquo Aleacutem disso ela afirma que a estrutura do

trabalho do campo que eacute direcionada pelo homem aumenta seu poder na relaccedilatildeo

com a mulher Segundo Laura esse poder seria explicitado na maneira mais aberta de

o machismo se manifestar na aacuterea rural Segundo ela ldquoo cara diz lsquoeu natildeo querorsquo

lsquovocecirc natildeo vairsquo lsquoassim natildeo podersquo lsquoporque eu sou homemrsquo lsquoeu que faccedilo issorsquo lsquoessa eacute

a sua tarefarsquo isso (o machismo) eacute claro no mundo rural existe uma abertura maior

para se dizerrdquo

Outras evidecircncias da manifestaccedilatildeo do machismo na divisatildeo das tarefas

domeacutesticas e na proacutepria convivecircncia com a famiacutelia esteve presente no discurso da

47

Ana Paula Segundo ela a mulher tem na nossa sociedade a responsabilidade com a

casa e com a famiacutelia enquanto o homem fica mais livre dessas obrigaccedilotildees Um

exemplo que ela apresenta eacute ldquoateacute no meu bairro eu me irrito porque os homens vatildeo

beber no bar como que os homens vatildeo beber no bar e as mulheres tatildeo em casa

lavando passando cozinhando cuidando dos filhos no saacutebadordquo

Vitoacuteria mostrou que na aacuterea urbana a manifestaccedilatildeo do machismo estaacute

relacionada agrave sexualidade da mulher porque segundo ela as outras desigualdades de

gecircnero seriam dadas como conquistadas apesar de natildeo o serem efetivamente Por isso

ela afirma que ldquo(o machismo) fica essa coisa escondida escamoteadardquo O sentido

dado por Vitoacuteria ao falar de machismo ldquoescondidordquo nos remete ao domiacutenio do real

Isto eacute na aacuterea urbana avanccedilos foram sido logrados como a entrada da mulher no

mercado de trabalho gerando maior independecircncia financeira aumento gradual da

participaccedilatildeo poliacutetica das mulheres dentre outros Contudo essas mudanccedilas estatildeo no

campo do atual e do empiacuterico mas natildeo foram suficientes para mudar a esfera do real

levando agrave permanecircncia da estrutura social machista Ou seja o machismo permanece

ldquoescondidordquo em partes da vida social como na sexualidade da mulher que acabam

reforccedilando uma relaccedilatildeo desigual com a mulher colocada em situaccedilatildeo inferior ao

homem

Depois de um olhar mais geral para as manifestaccedilotildees do machismo agraves quais os

entrevistados deram sentidos olhamos mais especificamente nas entrevistas uma de

suas manifestaccedilotildees a violecircncia de gecircnero que perpassa pelos vaacuterios tipos de

violecircncia descritos na Lei Maria da Penha Na conversa com a equipe do CREAS

nos foi relatado que quase natildeo chegam queixas da zona agraacuteria mas a conclusatildeo da

equipe eacute de que a violecircncia na zona agraacuteria eacute mais psicoloacutegica do que fiacutesica Essa

conclusatildeo se baseia no seguinte discurso construiacutedo pela equipe

Entatildeo ela vem na cidade ela faz a compra ela vem matricular os

filhos na escola e soacute volta no outro ano E ela estaacute ali a alegria dela Agraves vezes

a gente percebe quando a gente atende uma mulher do campo ela sempre

traz uma manga uma fruta que ela que colhe E isso faz com que ela fique

realmente responsaacutevel pelos filhos pela casa por algumas coisas ali que

48

beneficiam muito o homem Por isso que a violecircncia fiacutesica natildeo acontece

Porque para acontecer a violecircncia fiacutesica precisa de muita ira E ela natildeo estaacute

vendo o que estaacute acontecendo aqui na cidade Quando o marido vem entregar

o leite se ele daacute um litro de leite para uma menininha ali Se ele tem um

casinho ali ou outro ali vocecirc entendeu Ele fica mais solto Ele eacute

responsaacutevel por suprir toda a necessidade ali da zona rural mas ela fica ali

cuidando de tudo

Nessa fala temos evidecircncias de que a construccedilatildeo de sentidos sobre as causas

da violecircncia de gecircnero acabam voltando para a estrutura social machista e colocando

a mulher como culpada pela situaccedilatildeo Isso porque o discurso coloca a ira como causa

da violecircncia fiacutesica e depois a ira como algo gerado pela insatisfaccedilatildeo da mulher com

os comportamentos do homem Assim a fala comeccedila com um tom normativo

positivo de que a mulher eacute feliz no campo e de que na aacuterea rural a violecircncia fiacutesica

natildeo ocorre mas depois acaba culpabilizando as mulheres da aacuterea urbana pela

violecircncia fiacutesica que ocorre na cidade porque se ocorre eacute em decorrecircncia de seus

comportamentos que geram a ira no homem

Segundo a Roberta as mulheres da zona rural sofrem um tipo de violecircncia que

eacute menos comum na aacuterea urbana a violecircncia patrimonial Isso ocorre porque apesar

de a mulher trabalhar no campo com a produccedilatildeo de alimentos e tarefas domeacutesticas

ela natildeo tem remuneraccedilatildeo pelo trabalho realizado e o homem acaba sendo quem tem

posse do patrimocircnio da famiacutelia e quem decide todos os gastos

Vitoacuteria por outro lado tem outro discurso

()violecircncia de gecircnero eacute violecircncia de gecircnero em todos os lugares

Mas assim eacute que eu acho que eacute difiacutecil de falar mas acho que natildeo acho que

assim (pausa) talvez uma outra questatildeo diferente talvez na aacuterea rural vocecirc

tenha mais essa questatildeo da concretude da questatildeo da localidade a violecircncia

ser fiacutesica domeacutestica natildeo eacute uma coisa tatildeo refinada quanto na aacuterea urbana

que hoje vocecirc vecirc violecircncias na internet vocecirc tem tecnologia para usar para

isso

49

Podemos entatildeo depreender que as diferenccedilas em termos da violecircncia de

gecircnero nas zonas rurais e urbanas satildeo ainda muito pouco compreendidas como

podemos perceber pela pluralidade de concepccedilotildees em termos do que acontece e pelas

notificaccedilotildees natildeo chegarem ateacute os locais que trabalham com mulheres em situaccedilatildeo de

violecircncia

Existem divergecircncias tambeacutem quanto ao que eacute poliacutetica de gecircnero e

consequentemente como ela deveria ser executada Para Ana Paula poliacutetica de

gecircnero eacute uma poliacutetica que reconhece a vulnerabilidade do gecircnero feminino frente ao

masculino e a partir disso tem um enfoque na equiparaccedilatildeo das desigualdades em

todas as secretarias e natildeo apenas em uma secretaria de poliacuteticas para as mulheres

especificamente

Em contraste a essa visatildeo Roberta defende a necessidade de um oacutergatildeo

especiacutefico para tratar da poliacutetica de gecircnero uma vez que existem especificidades

dessa poliacutetica puacuteblica que a organizaccedilatildeo seria responsaacutevel por garantir Segundo ela

Se jaacute houvesse a equidade de gecircnero seja no trabalho na casa enfim nas

relaccedilotildees natildeo precisaria mesmo de um organismo Mas como a mulher tem

questotildees especiacuteficas como a sauacutede da mulher o trabalho da mulher a

capacitaccedilatildeo entatildeo noacutes temos que ter poliacuteticas puacuteblicas desenvolvidas em um

espaccedilo puacuteblico e que esse espaccedilo se comunique com os demais porque as

poliacuteticas satildeo transversais Quando noacutes falamos de mulher noacutes estamos

falando de sauacutede de educaccedilatildeo de seguranccedila que satildeo poliacuteticas que estatildeo

sendo desenvolvidas em outras aacutereas institucionais Mas a importacircncia da

concentraccedilatildeo em um organismo eacute porque esse organismo vai fazer a

articulaccedilatildeo com os demais promover essa transversalidade e de fato

implementar essas poliacuteticas especiacuteficas

Eacute interessante notar tambeacutem que haacute uma diferenccedila nos discursos quanto agrave

igualdade de gecircnero que foi apontada pela maioria dos entrevistados como o objetivo

da poliacutetica de gecircnero Segundo Vitoacuteria a igualdade buscada por esse tipo de poliacutetica

50

seria material ou seja efetivar as igualdades da lei entre homens e mulheres Jaacute para

Talita essa poliacutetica seria responsaacutevel por ldquotentar adequar todas essas diferenccedilas e

natildeo igualar todos porque natildeo somos iguais mas tentar equilibrar para que todos noacutes

possamos viver pacificamente e sem existir essa relaccedilatildeo de subordinaccedilatildeo que haacute

muitas vezes entre homem e mulherrdquo

O sentido dado por Roberta a poliacuteticas transversais eacute de que estamos falando

de uma poliacutetica que envolve diferentes segmentos da atuaccedilatildeo puacuteblica e por isso de

vaacuterios atores envolvidos na formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas de

gecircnero Nesse sentido existe a necessidade de ldquofazer um processo de convencimento

dos gestores sobre a importacircncia dessas poliacuteticasrdquo

Essa ideia foi explicada tambeacutem por Vitoacuteria quando relatou o desafio na

praacutetica de lidar com o caraacuteter transversal da poliacutetica de gecircnero

O desafio eacute a visatildeo de poliacutetica de gecircnero Muita gente fala a gente

estaacute com tanta preocupaccedilatildeo por que a gente vai se preocupar com isso

Como se fosse o acessoacuterio ou o a mais neacute o plus Acho que essa visatildeo ela eacute

de todas as instacircncias no executivo no legislativo e dentro da defensoria haacute

esse visatildeo de que natildeo peraiacute a gente tem pouca gente pouco dinheiro entatildeo a

gente vai investir no que realmente eacute importante E isso nunca eacute a mulher

Entatildeo eu acho que vocecirc vai ver isso em todos os lugares que vocecirc visitar

porque eacute essa a visatildeo a sociedade vecirc assim Entatildeo isso eacute soacute a reproduccedilatildeo de

como a sociedade enxerga as questotildees de mulher as questotildees de mulher satildeo

sempre ah mulher eacute sensiacutevel mulher reclama muito mulher natildeo sei o que

natildeo eacute tatildeo grave assim exagera

As organizaccedilotildees agraves quais foi dado o papel de realizar uma poliacutetica puacuteblica

transversal com o vieacutes de gecircnero satildeo a Subsecretaria de Poliacuteticas para as mulheres de

Goiaacutes a Secretaria da Mulher em Professor Jamil a Coordenadoria de Poliacuteticas para

as Mulheres do estado de Satildeo Paulo e o Nuacutecleo Especializado de Promoccedilatildeo de

Direitos da Mulher Os sentidos dados agrave transversalidade pelos entrevistados mostra

que o papel construiacutedo dessas organizaccedilotildees seria o de articular outras organizaccedilotildees do

51

Estado e conscientizaacute-las para as desigualdades de gecircnero dentro e fora das

organizaccedilotildees A partir dessa construccedilatildeo de sentidos do que eacute transversalidade e

atribuiccedilatildeo desse papel a organizaccedilotildees voltadas para a questatildeo da mulher estaacute

diretamente relacionado aos recursos materiais que satildeo destinados a essas

organizaccedilotildees (sobre os quais aprofundaremos na seccedilatildeo 4) porque satildeo vistas como

organizaccedilotildees paralelas agravequelas consideradas como ldquoprincipaisrdquo como podemos notar

no discurso da Vitoacuteria em que ela afirma que as dificuldades de atuaccedilatildeo do nuacutecleo

passam em geral pelo sentido secundaacuterio e marginal dada agrave questatildeo de gecircnero Ou

seja esses elementos discursivos e extra-discursivos acabam distorcendo a questatildeo da

transversalidade Isso porque a mesma surgiu de jure (BAUMAN 2001) como uma

maneira conseguir resolver problemas complexos tratando-os de maneira transversal

e acabou sendo utilizada de facto (BAUMAN 2001) como uma ferramenta para a

reproduccedilatildeo da estrutura social machista devido agrave impressatildeo que se cria de que o

problema de gecircnero estaacute sendo resolvido pela existecircncia dessas organizaccedilotildees com o

enfoque em gecircnero mas na praacutetica elas natildeo satildeo empoderadas nem na agenda nem no

orccedilamento

Portanto esses diferentes sentidos dados ao que eacute machismo violecircncia de

gecircnero poliacutetica de gecircnero transversalidade e a que servem e como deve ser

realizadoscombatidos satildeo importantes para entender quais os tipos de poliacuteticas

puacuteblicas efetivamente colocadas em praacuteticas (PHILIPPS SEWELL JAYNES 2008)

por essas diferentes organizaccedilotildees (vide seccedilatildeo 3 em que mostramos como os

elementos extra-discursivos dialogam com os discursos) Aleacutem disso nessa seccedilatildeo

encontramos evidecircncias de que a estrutura social machista tem uma forccedila muito

grande pois apesar algumas ressignificaccedilotildees (de a mulher natildeo ser sexo fraacutegil) ela

permanece latente no discurso voltando a reproduzir a estrutura de desigualdade de

gecircnero Nesse sentido os contextos agriacutecola e urbano parecem natildeo mudar a existecircncia

dessa estrutura social mas vamos averiguar a seguir se esses contextos apontam

diferenccedilas em relaccedilatildeo aos elementos extra-discursivos

52

44 Elementos extra-discursivos

Nessa seccedilatildeo iremos analisar os principais elementos extra-discursivos que

surgiram durante as entrevistas e se relacionam com os discursos apresentados

(PHILIPPS SEWELL JAYNES 2008) Satildeo eles a Lei Maria da Penha sobre a qual

discorremos no referencial teoacuterico a estrutura fiacutesica das organizaccedilotildees os recursos

humanos disponiacuteveis e as accedilotildees ou poliacuteticas puacuteblicas resultantes de suas atuaccedilotildees

A Lei Maria da Penha por ser um marco juriacutedico em relaccedilatildeo ao tratamento do

Estado agrave violecircncia de gecircnero em seus diferentes tipos surgiu em todas as entrevistas

como base para o trabalho realizado pelos diferentes organismos Do ponto de vista

das soluccedilotildees segundo Vitoacuteria foi importante para fortalecer os movimentos sociais

que lutavam pela questatildeo da mulher e abrir espaccedilo entatildeo para que esses movimentos

exigissem esse olhar dentro de diferentes instituiccedilotildees como a defensoria puacuteblica

Contudo Ana Paula reforccedila que a Lei Maria da Penha foi precedida por algumas

leis que na verdade ainda natildeo satildeo de conhecimento pela populaccedilatildeo em geral Ela

relata um caso que lhe aconteceu na delegacia da mulher

Eu tinha recebido uma ocorrecircncia que era um homem que tinha

enfiado uma faca na esposa dele casada haacute 30 anos porque ela comprou um

conjunto de panelas e ele discordava do entendimento dela de como se gastava

o dinheiro Entatildeo que ela era uma vagabunda dizendo ele Soacute que essa

vagabunda trabalhava era uma enfermeira padratildeo no hospital de Diadema e

ele estava haacute onze anos E aleacutem de trabalhar e sustentar ele ela lavava

passava cozinhava e ela entendeu que com o salaacuterio dela dava pra comprar

um conjunto de panelas Aiacute ele puxou a faca pra ela veio uma ocorrecircncia

falando da tentativa de homiciacutedio o filho falou lsquonatildeo vou testemunhar conta

meu pai ainda que eu ache que a minha matildee corre risco com elersquo A matildee natildeo

quer vem falar lsquonatildeo foi soacute um desentendimentorsquo ela vem de um ciclo de

violecircncia E eu natildeo ia ter nenhuma testemunha no inqueacuterito natildeo ia dar certo o

flagrante e aiacute eu falei bom ela natildeo vai dormir em casa porque a nossa

preocupaccedilatildeo natildeo pode ser em fazer um papel deve ser o de garantir a

53

seguranccedila da mulher E aiacute o marido vira pra mim e fala lsquoeu natildeo vejo motivo

para conceder o divoacuterciorsquo E aiacute eu tive um surto com ele porque eu falava lsquoo

senhor vive na idade da pedrarsquo Porque quando eu nasci jaacute tinha a lei do

divoacutercio mas para eles natildeo Ele ainda achava que ele tinha o direito de dar ou

natildeo o divoacutercio E isso foi em 73 E aiacute a gente comeccedila a olhar e ver quantos

anos demoram para uma populaccedilatildeo se apropriar daquela legislaccedilatildeo se eacute que a

lei pegue porque no Brasil tem lei que natildeo pega natildeo eacute um paiacutes seacuterio Mas a lei

Maria da Penha veio ele conhece a lei mas ele natildeo conhece a lei do divoacutercio

E isso eacute regra

Ou seja a Lei Maria da Penha que estaacute no domiacutenio do empiacuterico ou seja o

que eacute efetivamente experimentado pelos atores natildeo garante o entendimento de outras

leis que mudaram as relaccedilotildees familiares em termos legais e os direitos igualados de

jure (BAUMAN 2001) entre homem e mulher Entatildeo antes da Lei Maria da Penha

houve uma sucessatildeo de leis que reforccedilavam a estrutura social machista no domiacutenio do

real Mesmo com as novidades da Lei Maria da Penha portanto natildeo foi possiacutevel

revolucionar a esfera do real e isso fica evidente com a permanecircncia de outras leis

anteriores no imaginaacuterio das pessoas Aleacutem disso Ana Paula tambeacutem expocircs a

dificuldade de se implementar a Lei Maria da Penha de facto (BAUMAN 2001)

Entatildeo a gente tem dispositivos como autoridade policial civil deveraacute

garantir a seguranccedila da mulher e aiacute o tema da minha dissertaccedilatildeo aquela vez

foi a seguranccedila da mulher na Lei Maria da Penha Porque ela eacute linda mas

como que uma delegada com trecircs policiais garante a seguranccedila de alguma

mulher Eu queria saber porque o policial geralmente vai no foacuterum busca

laudo leva laudo e etc Um tem que ficar na delegacia porque geralmente os

homens natildeo respeitam as mulheres mesmo as mulheres policiais aiacute tem que ter

toda uma loacutegica dentro da poliacutecia e da questatildeo socioloacutegica da poliacutecia de que eacute

melhor ter uma forma ostensiva em determinados momentos do que ter que usar

a forccedila entatildeo eacute melhor ter policiais homens armados do que ter que ser duro

com o indiviacuteduo que vira e fala lsquoeu natildeo respeito mulherrsquo e eles falam isso E

54

natildeo eacute um desacato agrave autoridade policial civil eacute uma relaccedilatildeo de que eles natildeo

respeitam o gecircnero feminino como igual E isso eacute muito complicado Aiacute sobra

um policial que natildeo pode sair de viatura porque se natildeo eacute viatura

descaracterizada E aiacute eu tenho que garantir a seguranccedila da mulher Aiacute eu

tenho que colocar ela em um abrigo Qual abrigo Ah a prefeitura de Satildeo

Paulo agora parece que melhorou o sistema de abrigamento Eacute melhorou mas

pra isso a gente precisa fazer boletim de ocorrecircncia em uma delegacia que

esteja aberta 24 horas e a gente natildeo tem delegacia da mulher aberta 24 horas

Ou seja faltam recursos humanos e orccedilamentaacuterios para manter a delegacia

funcionado bem e por 24 horas elementos do domiacutenio empiacuterico e a proacutepria lida

diaacuteria da delegada mulher com o machismo a impede de realizar seu trabalho sem ter

o acompanhamento de um homem Satildeo evidecircncias de que a criaccedilatildeo de delegacias

especializadas apesar de terem sido um avanccedilo estaacute longe de apresentarem uma

transformaccedilatildeo agrave estrutura social desigual uma vez que a distribuiccedilatildeo material

insuficiente impacta na reproduccedilatildeo das desigualdades de gecircnero

Mostrando essa dificuldade por um outro vieacutes Talita afirmou que a Lei Maria

da Penha fez com que as pessoas olhassem para as delegacias da Mulher como uma

ldquoceacutelula de expansatildeo de poliacuteticas puacuteblicasrdquo quando segundo ela a delegacia da

mulher e uma ldquodelegacia como qualquer outra a gente estaacute aqui para prender o

agressor investigar concluir processo e encaminhar ao poder judiciaacuteriordquo Esse

discurso de Talita mostra que o sentido dado por ela agrave delegacia especializada eacute de

uma delegacia como qualquer outra Isso implica que mesmo havendo uma tentativa

de jure (BAUMAN 2001) em trazer ferramentas no domiacutenio do empiacuterico para

combater a violecircncia contra a mulher de facto (BAUMAN 2001) a delegacia da

mulher sendo vista pelos atores que dela participam como uma delegacia da mulher

acaba sendo uma forccedila de manutenccedilatildeo da estrutura social machista no domiacutenio do

real

Outro discurso importante sobre a Lei Maria da Penha que surgiu na pesquisa

de campo foi a Joana O sentido atribuiacutedo por ela agrave Lei Maria da Penha eacute de ceticismo

porque de acordo com ela as mulheres voltam com um papel de medida protetiva

55

que natildeo serve para nada assim como a tornozeleira natildeo salva a mulher Segundo

Joana se o homem quer matar a mulher natildeo vai ser isso que vai impedi-lo e nem haacute

recursos suficientes para que o poder puacuteblico impeccedila que isso aconteccedila em sua cidade

e seus arredores

Inclusive na entrevista ouvimos pela uacutenica vez durante a pesquisa viacutetimas de

violecircncia de gecircnero duas mulheres que vieram fugidas para a cidade do Uma veio de

Trindade (Goiaacutes) fugindo agrave noite com os seis filhos e sua matildee do marido que a

agredia psicologicamente e fisicamente A secretaacuteria a ajudou quando chegou

encaminhando-a para atendimento psicoloacutegico no CRAS e conseguindo um emprego

para ela recomeccedilar a vida Ateacute hoje ela estaacute laacute escondida do marido e segundo ela

ela jaacute tinha procurado duas vezes delegacias comuns por serem as disponiacuteveis na sua

regiatildeo e que a Lei Maria da Penha e a medida protetiva natildeo ajudaram em nada a

situaccedilatildeo

Para Joana esse eacute um exemplo de vaacuterios que a levam a construir um sentido

de que as mulheres quando natildeo querem mais ficar com os maridos e conseguem

largam tudo e fogem Isso porque segundo ela as mulheres que fazem denuacutencias as

fazem na esperanccedila de mudar o comportamento dos seus parceiros para continuar

com eles e natildeo para que eles sejam presos Isso coloca em evidecircncia que de facto

(BAUMAN 2001) a lei natildeo consegue mudar a estrutura social

Queremos compreender melhor a distribuiccedilatildeo material que as organizaccedilotildees

entrevistadas possuem hoje para realizarem seu trabalho As pesquisas em Goiaacutes e em

Satildeo Paulo foram conduzidas nos locais de trabalho dos entrevistados o que

possibilitou conhecermos sobre o espaccedilo em que essas poliacuteticas estatildeo sendo

realizadas e a dimensatildeo das equipes por traacutes das mesmas Escolhemos descrever essas

condiccedilotildees de algumas organizaccedilotildees que melhor contribuem para nossa interpretaccedilatildeo e

anaacutelise

O CREAS de uma cidade do interior do estado de Goiaacutes por exemplo fica em

uma casa teacuterrea com uma sala pequena na entrada onde satildeo recebidas as viacutetimas A

maior parte da equipe do CREAS eacute composta por homens e a entrevista foi realizada

com trecircs membros da equipe o coordenador a assistente juriacutedica e o educador social

Percebemos que aleacutem de o centro natildeo ser um espaccedilo voltado especificamente para

56

mulheres a reproduccedilatildeo da estrutura social desigual estaacute claramente manifestada na

composiccedilatildeo da equipe que eacute composta por uma maioria masculina Aleacutem disso a

estrutura fiacutesica natildeo permite diferenciaccedilatildeo entre as populaccedilotildees em situaccedilatildeo de

vulnerabilidade atendidas Isto significa que homens mulheres e crianccedilas satildeo

atendidas em um mesmo local o que evidencia que no domiacutenio empiacuterico as chances

de mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia se sentirem agrave vontades para darem suas queixas

e buscarem ajuda no centro satildeo reduzidas sendo outro fator que contribui para a

manutenccedilatildeo da esfera real machista

Jaacute a Superintendecircncia de Poliacuteticas para Mulheres em Goiaacutes fica no centro de

uma cidade de Goiaacutes em uma estrutura de dois andares na avenida principal da

cidade Do lado de fora a pintura eacute roxa e estaacute bem sinalizada com campanha do

Disque-100 na fachada e a frase ldquoViolecircncia contra mulher natildeo tem desculpa tem

leirdquo O preacutedio tem uma secretaria com vaacuterias cadeiras na frente onde as pessoas se

identificam e satildeo encaminhadas para salas menores de acordo com a solicitaccedilatildeo

Enquanto esperamos pela entrevista nos abordaram quatro vezes por funcionaacuterias

diferentes perguntando se algueacutem jaacute tinha nos sido atendido Cada sala tem uma

funccedilatildeo especiacutefica assistentes sociais psicoacutelogos assistentes juriacutedicos todas de

atendimento localizadas no andar de baixo proacuteximas agrave entrada Tambeacutem no andar de

baixo no interior do preacutedio ficam as salas onde satildeo realizados trabalhos de

capacitaccedilatildeo e no andar de cima ficam as salas administrativas As condiccedilotildees materiais

desse local foram uma exceccedilatildeo em relaccedilatildeo agraves demais organizaccedilotildees visitadas Isso

porque a maioria dos profissionais satildeo mulheres e o atendimento natildeo eacute em um balcatildeo

mas diretamente com psicoacutelogas ou assistentes sociais em salas privativas Essas

condiccedilotildees no entanto natildeo satildeo estaacuteveis Como conta Roberta

Essa secretaria foi criada em 1987 ela chamava Secretaria Estadual

da Condiccedilatildeo Feminina E foram muito importantes esses quatro anos no

governo Henrique Santillo foram inovadores no sentido de implementar uma

poliacutetica que era muito pouco tratada no acircmbito institucional Entatildeo foi

fantaacutestico E nesse periacuteodo governamental houve poliacuteticas de seguranccedila para

a mulher sauacutede para a mulher enfim abriu um espaccedilo importante no Estado

57

de Goiaacutes Soacute que infelizmente os governos subsequentes extinguiram a

secretaria E ela soacute veio a ser retomada no primeiro governo Marconi Perillo

isso foi no final da deacutecada de noventa E ele criou uma superintendecircncia da

mulher e ela se tornou secretaria no governo seguinte e aiacute ela jaacute vem agora

dentro de um acircmbito institucional como secretaria de estado mesmo que

acoplado a ela por razotildees de ordem principalmente econocircmica e financeira

do estado tem a secretaria da mulher junto com outras aacutereas sociais e de

direitos humanos

Ou seja eacute importante relativizar a estrutura fiacutesica e equipe que vimos porque

historicamente a pauta da mulher foi tratada como um assunto secundaacuterio como

vimos no discurso de Roberta O impacto disso eacute que quando a situaccedilatildeo financeira do

estado complica a pauta eacute uma das primeiras que recebe cortes orccedilamentaacuterios ou eacute

acoplada a outras pautas como estaacute acontecendo agora A pauta da mulher que antes

jaacute dividia uma secretaria com a de desigualdade racial hoje foi incorporada por uma

secretaria guarda-chuva chama Secretaria Cidadatilde que abarca os temas da mulher do

desenvolvimento social da igualdade racial dos direitos humanos e do trabalho Isso

mostra que quando natildeo haacute mudanccedilas no domiacutenio real as mudanccedilas no domiacutenio

empiacuterico natildeo satildeo permanentes satildeo instaacuteveis e dependem de elementos extra-

discursivos que estatildeo sujeitos agrave estrutura social do real Ou seja quando a secretaria

tem condiccedilotildees financeiras ela pode ateacute colocar a questatildeo da mulher em pauta mas

assim que acontecerem momentos econocircmicos desfavoraacuteveis a igualdade de gecircnero

natildeo permanece na agenda pois nunca foi prioridade jaacute que estaacute inserida dentro de

uma estrutura social machista

A Delegacia Especializada no Atendimento agrave Mulher de Goiaacutes por sua vez

fica em um casaratildeo de dois andares no setor central de uma cidade de Goiaacutes Tem

uma sinalizaccedilatildeo discreta e eacute guardada por um policial militar na porta Entrando na

delegacia tem uma sala com banquinhos de madeira sem encosto para as viacutetimas e

seus acompanhantes aguardarem A delegacia de uma forma geral pareceu muito

interessada em estatiacutesticas e pouco sensibilizada com as viacutetimas que tratam

exatamente por esse nome e natildeo como cidadatildes O clima de maneira geral eacute tenso haacute

58

vaacuterias mulheres chorando esperando nos banquinhos pela oportunidade de subir as

escadas da delegacia Em frente aos bancos tem um grande balcatildeo que bloqueia a

entrada para o restante do edifiacutecio onde se encontra uma secretaacuteria Tudo tem que

passar antes por ela entatildeo as mulheres viacutetimas falam na frente de todo mundo a sua

queixa Enquanto esperava pela entrevista uma mulher chegou e mostrou hematomas

no braccedilo para a secretaacuteria e recebeu como resposta ldquoVocecirc tomou banho Isso eacute

sujeira ou eacute hematoma mesmordquo Quando satildeo chamadas para subir e serem atendidas

pela escrivatilde ou delegada respondem por um grito ldquoA viacutetima pode subirrdquo o que

acaba contribuindo para a estigmatizaccedilatildeo

Essa visita nos trouxe mais evidecircncias de que fazer organizaccedilotildees

especializadas eacute um avanccedilo sim mas que mesmo que elas sejam diferentes em sua

concepccedilatildeo o problema natildeo fica totalmente resolvido Nesse sentido enquanto natildeo

promovermos mudanccedilas na estrutura social do machismo novas legislaccedilotildees ou

organizaccedilotildees iratildeo promover mudanccedilas graduais Sem atacar essas causas a delegacia

especializada eacute uma reacuteplica da delegacia comum poreacutem com delegadas mulheres

mas que reproduzem a estrutura social machista no tratamento que elas datildeo agraves

viacutetimas no ambiente em que as mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia tecircm que frequentar

para ir atraacutes de seus direitos na forma como elas satildeo questionadas por estarem laacute

entre outros

Por fim fomos ateacute a Coordenadoria de Poliacuteticas para as Mulheres O

simbolismo eacute importante desde o momento de procurar essa secretaria na internet foi

muito complicado achar informaccedilotildees em sites de busca Mesmo depois de conseguir

encontrar em qual site maior a coordenadoria se encontra sua posiccedilatildeo no rol de

subsecretarias e coordenadorias da secretaria eacute a uacuteltima Aleacutem disso a entrevista em

si foi na coordenadoria que fica em um preacutedio antigo e central Descobrimos que a

coordenadoria fica no uacuteltimo andar da secretaria em uma sala mais escondida e natildeo

haacute identificaccedilatildeo da coordenadoria nos corredores como as demais do preacutedio que

estatildeo sinalizadas A coordenadoria consiste fisicamente em uma sala de reuniatildeo

acoplada ao escritoacuterio da Flaacutevia que eacute a uacutenica componente da equipe

59

Fomos tambeacutem ateacute uma cidade do interior de Goiaacutes a aproximadamente 70

quilocircmetros de Goiacircnia A Secretaria de Mulheres do municiacutepio soacute existe no nome

natildeo tem estrutura fiacutesica nem recursos financeiros apenas o cargo da secretaacuteria

Entatildeo o atendimento eacute feito na casa da secretaacuteria na sala de entrada onde tem duas

mesas de alumiacutenio juntadas e forradas com um pano um sofaacute e uma cadeira de cada

lado ao fundo tecircm equipamentos de cabelereiro profissatildeo que ela exercia Quando

chegamos laacute a sala estava cheia com pessoas se inscrevendo para o Minha Casa

Minha Vida com a ajuda da secretaacuteria e durante a conversa entraram vaacuterios cidadatildeos

de Professor Jamil e todos vinham com assuntos diversos a serem tratados por ela

Essa entrevista em Professor Jamil nos mostrou que agraves vezes apesar de

elementos extra-discursivos escassos como o caso de Joana existe a possibilidade de

tentar atacar as causas do machismo por exemplo chamando os homens para

conversarem nas rodas e promovendo o diaacutelogo mediado entre casais Mesmo assim

natildeo eacute isoladamente que se consegue combater uma estrutura social tatildeo forte quanto o

machismo

Pensando tanto nos discursos (seccedilatildeo 2) quanto nos espaccedilos e equipes

disponiacuteveis eacute possiacutevel perceber como eles se interligam com as accedilotildees dos oacutergatildeos

entrevistados Primeiramente para noacutes nenhuma das organizaccedilotildees entrevistadas

estatildeo formulando ou implementando poliacuteticas puacuteblicas no sentido que discutimos no

referencial teoacuterico de accedilatildeo organizada do Estado para combater um problema Isso

porque todas essas organizaccedilotildees realizam accedilotildees desconexas e pontuais para tentar

lidar com o problema sem atacar suas causas e reproduzindo as desigualdades de

gecircnero (domiacutenio real)

O CREAS visitado realiza atendimento de crianccedilas adolescentes mulheres e

idosos em situaccedilatildeo de vulnerabilidade social Durante a entrevista percebemos que

existe uma confusatildeo muito grande entre os tipos de atendimento que o CREAS

realiza tanto que quando foi perguntado sobre o que eacute poliacutetica de gecircnero a resposta

foi mais sobre poliacuteticas para adolescentes em situaccedilatildeo de vulnerabilidade

Jaacute a Superintendecircncia de Mulheres visitada seria responsaacutevel por formular

poliacuteticas puacuteblicas para esse puacuteblico-alvo De acordo com Roberta

60

A nossa principal poliacutetica eacute a garantia da seguranccedila tanto que noacutes

temos desde o atendimento primaacuterio da mulher atraveacutes de uma assistecircncia

social psicoloacutegica juriacutedica ateacute o abrigamento dessa mulher viacutetima de

violecircncia Entatildeo a gente direciona as nossas poliacuteticas nesse sentido Mas

tambeacutem noacutes temos que cuidar das outras questotildees que satildeo inerentes agrave mulher

a sauacutede a educaccedilatildeo e aiacute principalmente eu vejo hoje que o nosso papel

enquanto instituiccedilatildeo puacuteblica eacute desenvolver mesmo campanhas de

sensibilizaccedilatildeo

Fora isso a superintendecircncia estaacute capacitando 2500 profissionais servidores nas

aacutereas de educaccedilatildeo sauacutede movimentos sociais que trabalham com mulheres em

situaccedilatildeo de violecircncia Existe tambeacutem uma equipe especiacutefica da superintendecircncia

responsaacutevel pelas duas unidades moacuteveis que a secretaria recebeu em 2013 pelo

governo federal para atender mulheres do campo As unidades comeccedilaram o trabalho

indo ateacute o interior para prover serviccedilos de assistecircncia social juriacutedica e psicoloacutegica

No entanto a equipe se deparou com uma rede muito fragilizada e incapaz de

continuar o encaminhamento das demandas das mulheres

Aleacutem disso quando chegou na zona agraacuteria a equipe percebeu que lidar com

essas mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia da aacuterea rural era um desafio diferente do que

estavam acostumados na capital Isso porque as unidades moacuteveis iam para o campo

mas as mulheres tinham receio de entrar ou natildeo conseguiam chegar porque satildeo

ocircnibus rosas que chamam muita atenccedilatildeo e ficam inviaacuteveis para uma mulher nessa

situaccedilatildeo procurar sem ser vista por outras pessoas da regiatildeo e isso chegar ateacute o

agressor A taacutetica adotada entatildeo pelas unidades eacute

Quando vem uma solicitaccedilatildeo do municiacutepio a gente sempre procura

saber se eacute festividade porque para noacutes eacute melhor Porque aiacute tem a unidade

moacutevel e outros serviccedilos na praccedila em que ela pode transitar Soacute a unidade

moacutevel que eacute muito chamativa natildeo funciona Eacute um ocircnibus rosa e ela fica

mais acanhada A gente sempre procura incentivar o municiacutepio a promover

outras coisas ao mesmo tempo para preservar a mulher promover a diluiccedilatildeo

61

nesse espaccedilo e garantir minimamente que ela suba na unidade

Apesar disso quando visitamos a equipe eles natildeo estavam indo a campo

porque estavam em uma fase de transiccedilatildeo Como encontraram uma realidade

diferente da que imaginavam o seu trabalho agora estaacute sendo capacitar a rede montar

material fazer reuniotildees entre outros para tentar alinhar o trabalho de todos

Manuela esclarece

Nesse sentido o trabalho da equipe vem sendo reformulado porque

incialmente a ideia era ir ao interior e ser a porta de entrada das mulheres

viacutetimas de violecircncia levar informaccedilotildees sobre os seus direitos e onde buscar

ajuda e depois ter esse trabalho continuado pelos oacutergatildeos competentes mais

proacuteximos No entanto ao irem para o campo a equipe percebeu que a rede

estava despreparada para dar continuidade ao trabalho e que portanto seria

inuacutetil fazer o trabalho como anteriormente previsto sem dar a capacitaccedilatildeo

necessaacuteria

A Secretaria de Seguranccedila Puacuteblica por sua vez faz parte da rede de combate agrave

violecircncia contra a mulher e tem um papel importante tanto pelas DEAMs quanto pelo

monitoramento e fornecimento de informaccedilotildees criminais que servem de insumo para

a Secretaria da Mulher No entanto natildeo existe uma parceria soacutelida em que ambas as

secretarias atuam conjuntamente e amplamente em termos do estado e se

responsabilizam pela situaccedilatildeo das mulheres que sofrem violecircncia

Portanto a secretaria natildeo tem poliacuteticas puacuteblicas mais amplas em relaccedilatildeo ao

combate agrave violecircncia contra a mulher porque entende que essa competecircncia eacute da

Secretaria da Mulher O que a secretaria faz eacute atuar em regiotildees especiacuteficas

dependendo do gestor que estaacute em determinada aacuterea integrada de seguranccedila (regiatildeo

onde a poliacutecia militar e a poliacutecia civil tem a mesma circunscriccedilatildeo) Como nos disse

um major da secretaria

Que tipo de accedilatildeo preventiva que vai ser implementada em

62

determinado local depende de quem Do gestor que que estaacute ali naquela

regiatildeo em identificar qual eacute o problema dele em implementar essa questatildeo da

prevenccedilatildeo

No mais percebemos que tanto os centros de referencia CREAS e aqueles de

secretariassubsecretarias de mulheres quando existem quanto as delegacias

especializadas e os dados das secretarias de seguranccedila satildeo em geral voltados para

mecanismos juriacutedicos de proteccedilatildeo agrave mulher Mesmo havendo equipes de assistecircncia

social e psicoacutelogos em algumas instacircncias o foco principal das accedilotildees desses oacutergatildeos eacute

garantir medidas protetivas eou prender agressores

Aleacutem disso nos centros de referecircncia satildeo realizados estudos de caso

multidisciplinares para determinar o encaminhamento dado agrave viacutetima De acordo com

os discursos discutidos na seccedilatildeo anterior percebemos que apesar de parecer o

procedimento ideal a ser feito pode ser uma abertura para um julgamento social da

viacutetima pelos membros da equipe

Fora esses oacutergatildeos tivemos contato com o trabalho de uma entidade do

terceiro setor cuja atuaccedilatildeo era bastante diferente dos demais O Centro Popular da

Mulher trabalha sobretudo apoiando e ajudando as mulheres a se organizarem para

reivindicarem seus direitos Em relaccedilatildeo aos oacutergatildeos entrevistados a entidade parece

ser a mais presente na zona rural tanto em frequecircncia quanto em tempo de luta junto

agraves mulheres do campo

Aleacutem disso em termos de accedilotildees outra entrevista que apontou diferenccedilas foi

com a Joana cuja accedilatildeo era de busca ativa e de construccedilatildeo de espaccedilos de debate com

mulheres e homens Isso porque apesar da falta de apoio institucional da prefeitura

ela natildeo espera as mulheres buscarem ajuda No entanto isso soacute eacute possiacutevel porque ela

conhece todo mundo e fica sabendo do que acontece e entatildeo vai atraacutes do casal em

questatildeo E seu trabalho busca a conscientizaccedilatildeo das famiacutelias ela faz conversas de

roda e tambeacutem de casais em particular para tentar agir na causa do problema Suas

accedilotildees se baseiam na sua convicccedilatildeo de que a causa (seccedilatildeo 2 em que discutimos os

sentidos atribuiacutedos agraves caudas da violecircncia de gecircnero) estaacute na falta de respeito a

educaccedilatildeo machista e que isso soacute pode ser mudado se os homens estiverem

63

envolvidos nas accedilotildees de combate agrave violecircncia de gecircnero para tentar mudar o que a

sociedade pensa a maneira como a mulher eacute tratada

Nessa seccedilatildeo aprendemos que as manifestaccedilotildees extra-discursivas da estrutura

social machista varia de acordo com o contexto sobretudo em termos de recursos

materiais e equipe disponiacuteveis para combater a violecircncia de gecircnero nesse contexto

Aleacutem disso percebemos que as manifestaccedilotildees extra-discursivas estatildeo em constante

relaccedilatildeo com a manutenccedilatildeo da estrutura social como o exemplo de que as mulheres

natildeo conseguem alugar uma casa ou mudar o filho de creche afeta a possibilidade

praacutetica de sair de uma situaccedilatildeo de violecircncia Enfim discorreremos na proacutexima seccedilatildeo

com maior profundidade os resultados e as contribuiccedilotildees da pesquisa

64

5 Consideraccedilotildees Finais

Nossa pesquisa teve como objetivo responder agrave pergunta Como a estrutura

social do machismo se manifesta nos contextos urbano e agraacuterio A partir desse

trabalho notamos que a estrutura social do machismo estaacute presente nos dois

contextos urbano e agraacuterio poreacutem se manifesta de jeitos diferentes No contexto

agraacuterio de acordo com os entrevistados o machismo se manifesta de forma mais

aberta com o reforccedilo dos papeis tradicionais de gecircnero de que o papel da mulher eacute

cuidar da casa e dos filhos e o homem de prover financeiramente a famiacutelia estando

em uma posiccedilatildeo de superioridade Jaacute no contexto urbano a manifestaccedilatildeo da estrutura

social machista adquire outras formas sendo que haacute uma maior inserccedilatildeo da mulher no

mercado de trabalho e no discurso as pessoas natildeo reproduzem os papeis de gecircnero

tradicionais poreacutem na praacutetica acabam acontecendo ainda reproduccedilotildees desses mesmos

papeis de uma forma mais suacutetil pelo modo que a mulher deve se vestir pela

educaccedilatildeo diferente dada aos filhos de diferentes gecircneros etc

Tambeacutem nos perguntamos como essas manifestaccedilotildees do machismo satildeo

impactadas e impactam a formulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo

de violecircncia As manifestaccedilotildees do machismo impactam a formulaccedilatildeo de poliacuteticas

puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia porque levam a poliacuteticas com pouca

infraestrutura equipe e orccedilamento e porque abre uma brecha maior entre formulaccedilatildeo

e implementaccedilatildeo porque mesmo que se os formuladores natildeo tenham discursos

machistas no momento do discurso em accedilatildeo as accedilotildees nas delegacias especializadas

reproduzem papeis de gecircnero tradicionais e culpabilizam as mulheres em situaccedilatildeo de

violecircncia

Enfim queriacuteamos descobrir tambeacutem se existem ou natildeo diferenccedilas na

manifestaccedilatildeo do machismo especificamente em termos de violecircncia de gecircnero nas

zonas urbana e agraacuteria Nosso estudo mostrou via discursos que haacute muita divergecircncia

nesse ponto mas que a maioria dos entrevistados acredita que a diferenccedila eacute que no

contexto agraacuterio os tipos de violecircncia predominantes satildeo patrimonial e psicoloacutegico

enquanto no contexto urbano haacute uma maior incidecircncia de violecircncia fiacutesica

relativamente No entanto essa foi uma limitaccedilatildeo da pesquisa porque a quase-

65

totalidade dos entrevistados relatou estar discorrendo sobre algo de que natildeo conhece

por natildeo terem dados oficiais gerados sobre a violecircncia contra mulheres em zonas

agraacuterias e por natildeo terem contato com essas mulheres nas organizaccedilotildees em que

trabalham

Ao longo desse trabalho estudamos as principais referecircncias teoacutericas que

precisaacutevamos para analisar o problema em questatildeo principalmente para colocar em

evidecircncia que as poliacuteticas puacuteblicas estatildeo inseridas em lugares que influenciam e satildeo

influenciados pela construccedilatildeo de sentidos que ocorre no momento de determinaccedilatildeo de

um problema puacuteblica e de como ele seraacute tratado pelo Estado Nosso referencial

teoacuterico se juntou agrave metodologia o que permitiu natildeo soacute a organizar o conhecimento

cientiacutefico com base nas premissas da teoria mas tambeacutem a olhar para a nossa

pesquisa sempre com um olhar criacutetico de tentar enxergar as possibilidades de

mudanccedila da estrutura social

A partir do referencial teoacuterico e da metodologia demos iniacutecio ao trabalho de

estabelecer um roteiro semi-estruturado para as entrevistas depois conseguir agendar

as entrevistas fazer as mesmas transcrever as entrevistas e enfim analisar tudo

como um conjunto agrave partir da metodologia do realismo criacutetico e das referecircncias

teoacutericas que buscamos Isso nos permitiu enxergar os principais temas que surgiram

ao longo das entrevistas e organizaacute-los de acordo com os domiacutenios do realismo

criacutetico real atual e empiacuterico Depois disso estabelecemos um diaacutelogo entre o

referencial teoacuterico e as entrevistas de atores de organizaccedilotildees que lidam com a questatildeo

da violecircncia de gecircnero Isso foi relevante tambeacutem em termos metodoloacutegicos porque

percebemos que existem construccedilotildees de sentidos na academia que apontamos no

referencial teoacuterico que agraves vezes natildeo chegam agrave esfera dos atores que formulam e

implementam poliacuteticas puacuteblicas ou quando chegam elas impactam a esfera do atual

(discursos) sem necessariamente serem complementadas por mudanccedilas no domiacutenio

real (estrutura social de desigualdade de gecircnero) nem nos elementos extra-

discursivos que permitem mudanccedilas efetivas no domiacutenio empiacuterico (de poliacuteticas

puacuteblicas lidar com a questatildeo da violecircncia de gecircnero)

66

Nesse sentido um dos pontos que surgiu ao longo de todas as entrevistas foi o

foco das accedilotildees levadas a cabo pelas organizaccedilotildees Tanto no domiacutenio atual dos

discursos quanto no domiacutenio empiacuterico das poliacuteticas puacuteblicas o principal sentido

dado agrave violecircncia de gecircnero eacute de que a conscientizaccedilatildeo das mulheres se faz necessaacuteria

Os discursos vatildeo desde a falta de informaccedilatildeo da mulher a ira gerada tambeacutem pela

mulher a ausecircncia da mulher enquanto cumpridora de seu papel social na famiacutelia

dentre outros foram apontados como causas para a violecircncia de gecircnero Aleacutem disso

mesmo quando os discursos natildeo eram culpabilizadores da mulher eles giravam em

torno da cultura de modo bem geneacuterico como a sociedade patriarcal e machista

como causas para a violecircncia de gecircnero

Isso implica na transformaccedilatildeo desses discursos em accedilotildees de conscientizaccedilatildeo

como campanhas produccedilatildeo de informativos palestras entre outras Eacute interessante

perceber que natildeo haacute nesses casos poliacuteticas puacuteblicas que deem conta de efetivamente

resolver o problema de uma mulher em situaccedilatildeo de violecircncia isto eacute empoderaacute-la para

sair da situaccedilatildeo com meios materiais para fazecirc-lo e com uma proteccedilatildeo efetiva do

Estado em que ela eacute tratada como cidadatilde de direitos e natildeo como viacutetima Isso

demonstra que estatildeo sendo produzidos e reproduzidos discursos na esfera atual sem

necessariamente mudar a esfera real porque falta empoderamento das mulheres em

termos de recursos extra-discursos da esfera empiacuterica Aleacutem disso o tipo de accedilotildees

adotadas por essas organizaccedilotildees acabam sendo rasas porque ao mesmo tempo em

que natildeo atacam o problema diretamente na correccedilatildeo a posteriori tambeacutem natildeo lidam

com a causa no domiacutenio real isto eacute a estrutura social

Ou seja ao lidar somente com as mulheres em termos de conscientizaccedilatildeo a

maioria das organizaccedilotildees natildeo estaacute atacando a estrutura social porque os homens

fazem parte desta e natildeo satildeo chamados para a discussatildeo Aleacutem disso algumas dessas

accedilotildees de conscientizaccedilatildeo satildeo vazias ateacute para o puacuteblico-alvo as mulheres porque

muitas vezes as mulheres que buscam a ajuda do Estado para lidar com a violecircncia de

gecircnero natildeo sabem ler ou entatildeo natildeo podem atender a essas accedilotildees por estarem em

zonas agraacuterias em que estatildeo muito mais vulneraacuteveis em termos de exposiccedilatildeo ao

agressor ou ao resto da comunidade

67

Nesse sentido tambeacutem achamos relevante em todas as entrevistas a maneira

como satildeo recepcionadas as mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia De maneira geral satildeo

montadas equipes multidisciplinares que tratam cada situaccedilatildeo casuisticamente A

primeira vista nossa impressatildeo foi de que essa era uma boa maneira de lidar com o

problema da violecircncia domeacutestica porque cada mulher estaacute inserida em um contexto

diferente Poreacutem ao longo das entrevistas notamos que o domiacutenio do real acaba

influenciando esta casuiacutestica e diminuindo seu potencial empoderador Isso acontece

porque a estrutura social machista acaba levando a anaacutelise de caso para um

julgamento social da mulher em que muitas vezes o discurso anterior ao seu

atendimento (domiacutenio atual) influencia diretamente a ajuda que ela vai receber do

oacutergatildeo (domiacutenio empiacuterico)

Explorando mais a questatildeo das zonas urbana e agraacuteria haacute evidecircncias de que a

zona agraacuteria eacute muito pouco conhecida pelas organizaccedilotildees que lidam com a violecircncia

de gecircnero Em relaccedilatildeo ao contexto urbano as organizaccedilotildees parecem convergir mais

em termos de discursos sobre as manifestaccedilotildees do machismo nas cidades e as causas

da violecircncia de gecircnero nas mesmas Poreacutem o mesmo natildeo acontece em relaccedilatildeo agraves

zonas agraacuterias

Eacute importante ressaltar que na maioria das entrevistas quando explicamos os

objetivos da pesquisa os entrevistados comeccedilavam a conversa afirmando seu

desconhecimento do que acontece na aacuterea agraacuteria mesmo quando se tratavam de

organizaccedilotildees cuja amplitude de atuaccedilatildeo de jure (BAUMAN 2001) incluiacutea essas

localidades Agravam essa questatildeo tanto elementos extra-discursivos como a falta de

profissionais e dados pouco confiaacuteveis sobre o que acontece devido agrave subnotificaccedilatildeo

como tambeacutem os discursos formados pelos atores sobre a zona agraacuteria Apesar de se

colocarem quase sempre como incapazes de comentar sobre a zona agraacuteria ao longo

das entrevistas surgiram vaacuterios discursos sobre como o machismo de manifesta no

contexto rural as suas causas e como isso se tornava violecircncia contra a mulher

Notamos entatildeo que os sentidos construiacutedos eram muito heterogecircneos em relaccedilatildeo aos

entrevistados e formados com base em um caso especiacutefico com o qual tiveram

contato ou agraves vezes sem contato nenhum com mulheres da zona agraacuteria Isso mostra

como o domiacutenio do real eacute forte na determinaccedilatildeo dos discursos e a falta da

68

experimentaccedilatildeo empiacuterica dos atores com a realidade das mulheres em situaccedilatildeo de

violecircncia em contextos agraacuterios intensifica a estrutura social machista pela

reproduccedilatildeo de discursos machistas para suprir o vaacutecuo do conhecimento sobre essa

situaccedilatildeo

Por fim todos esses pontos colocados satildeo evidecircncias que mostram como os

trecircs domiacutenios da vida social impactam na existecircncia ou natildeo de poliacuteticas puacuteblicas para

mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia nas zonas urbana e agraacuteria Ou seja quando se

muda os discursos sem mudar os elementos extra-discursivos nem a estrutura social

as mudanccedilas natildeo satildeo profundas o suficiente para atacar um problema complexo como

este e acabam por vezes tendo um efeito perverso de reproduzir as causas deste

mesmo problema transmitindo a impressatildeo de que ele estaacute sendo de fato resolvido

51 Implicaccedilotildees para a Praacutetica

As reflexotildees geradas nesse trabalho pretendem ser uacuteteis para mudar o

problema na praacutetica dado os objetivos criacuteticos da ACD Nesse sentido acreditamos

que um dos achados que move accedilotildees praacuteticas eacute a invisibilidade da violecircncia contra a

mulher em contextos agraacuterios Natildeo haacute dados sendo gerados sobre essas mulheres em

situaccedilatildeo de violecircncia ateacute porque elas natildeo costumam chegar agraves instituiccedilotildees formais

que lidam com o problema Nesse sentido apontamos para a urgecircncia dessas

instituiccedilotildees buscarem ativamente essas mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia na zona

agraacuteria para conhecerem melhor as demandas especiacuteficas desse puacuteblico e poderem

entatildeo compreender melhor o problema

Tambeacutem no que diz respeito agrave invisibilidade haacute pouca produccedilatildeo acadecircmica

utilizando a ontologia do Realismo Criacutetico para se pensar em violecircncia de gecircnero e

natildeo encontramos nenhuma bibliografia que discuta o contexto especiacutefico de mulheres

em situaccedilatildeo de violecircncia em zonas agriacutecolas A academia poderia entatildeo ajudar a

colocar esse tema na agenda e a delimitar mais detidamente as manifestaccedilotildees da

estrutura social machista nesse contexto

Enfim acreditamos que uma contribuiccedilatildeo praacutetica estaacute relacionada agraves

evidecircncias encontradas de que a maior parte dos esforccedilos do poder puacuteblico para

69

atacar a violecircncia contra a mulher estaacute focada em campanhas de conscientizaccedilatildeo

Queriacuteamos apontar que uma contribuiccedilatildeo desse trabalho eacute apontar que as campanhas

de conscientizaccedilatildeo natildeo mudam nem a estrutura social nem os elementos extra-

discursivos das mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia como a necessidade de recursos

financeiros para poder sair de casa e caminhos institucionais para poder por exemplo

mudar os filhos de creche quando estatildeo nessa situaccedilatildeo

52 Limitaccedilotildees da Pesquisa

Apesar das contribuiccedilotildees teoacutericas e praacuteticas da pesquisa houve uma mudanccedila

no que se pretendia inicialmente estudar pela falta de dados acerca do contexto

agriacutecola e pouco contato das organizaccedilotildees com mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia

nesse contexto Dessa forma essa pesquisa eacute limitada porque apesar de querer

entender os diferentes contextos a compreensatildeo no contexto urbano foi muito maior

Nesse sentido os discursos coletados acerca do contexto agriacutecola eram

apontados pelos proacuteprios entrevistados como impressotildees infundadas por natildeo se

basearem na sua experiecircncia profissional nem em conhecimento teoacuterico pela

inexistecircncia de estudos Assim os discursos eram muito mais heterogecircneos do que os

que dizem respeito ao contexto urbano e demonstrou que natildeo haacute diagnoacutestico desse

problema e que os sentidos acerca do mesmo ainda estatildeo sendo construiacutedos pelos

profissionais que trabalham na aacuterea e por enquanto estaacute negociada mais a inaccedilatildeo do

que o como agir

Por fim como apontamos ao longo do trabalho natildeo encontramos experiecircncias

concretas de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia nas aacutereas

agraacuterias no estados de Goiaacutes e Satildeo Paulo Desta forma achamos relevante continuar

essa busca por experiecircncias que lidam com esse problema em uma pesquisa posterior

70

6 Referecircncias Bibliograacuteficas

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acessado em 30072015

74

7 Anexos

71 Roteiro SEMIRA

1) Na sua opiniatildeo o que eacute poliacutetica de gecircnero Existe alguma

especificidade na hora de elaborar esse tipo de poliacutetica O que a diferencia eou

aproxima de poliacuteticas de outras aacutereas

2) O que vocecirc acredita que satildeo as causas das desigualdades de gecircnero A

SEMIRA combate as causas diretamente como

3) Como foi a evoluccedilatildeo do tratamento da questatildeo de gecircnero no Estado

Qual a estrutura organizacional da secretaria para lidar com a violecircncia de gecircnero

4) O que significa para vocecirc o fato de poliacuteticas de gecircnero serem

transversais Como isso se materializa na accedilatildeo da SEMIRA

5) Quais satildeo os desafios na hora de formular eou implementar poliacuteticas

transversais O machismo se manifesta nesses momentos na hora de lidar com outras

secretarias que natildeo atuam diretamente com a questatildeo de gecircnero

6) A mudanccedila para uma secretaria mais ampla em termos de temas

abarcados muda a maneira como a transversalidade eacute abordada Como

7) A transversalidade tambeacutem muda de acordo com os contextos urbanos

e rural Como ela se relaciona a esses contextos

8) Como o machismo se manifesta na sociedade E na aacuterea rural E na

aacuterea urbana Compare as duas Existem outros fatores culturais que diferenciam a

aacuterea rural e urbana e que influenciam a maneira como a violecircncia de gecircnero se

manifesta

9) Existe diferenccedila entre violecircncia de gecircnero nos acircmbitos rural e urbano

10) Se sim quais as implicaccedilotildees dessa diferenccedila E a secretaria incorpora

essa diferenccedila na formulaccedilatildeo das suas poliacuteticas puacuteblicas

11) O Estado consegue chegar a uma mulher viacutetima de violecircncia da

mesma maneira na aacuterea urbana e rural

12) Vocecirc sente diferenccedila na maneira como os funcionaacuterios policiais

delegados etc lidam com a violecircncia de gecircnero em zonas mais rurais ou urbanas

75

Como essa diferenccedila se manifesta e como a SEMIRA lida com a diferenccedila entre

atores parceiros

13) Como surgiu a SEMIRA Quais foram os atores importantes Qual

era e eacute a sua relaccedilatildeo da SEMIRA com outros oacutergatildeos do governo do Estado

14) Quais satildeo as poliacuteticas puacuteblicas da secretaria direcionadas para o

enfrentamento da violecircncia de gecircnero Como elas comeccedilaram Como elas

funcionam

15) Qual eacute o histoacuterico da poliacutetica dos ocircnibus multidisciplinares que vatildeo ao

campo Como foi a aceitaccedilatildeo pela populaccedilatildeo Continuidade

72 Formulaacuterio de Consentimento Entrevista

Mulheres em situaccedilatildeo de vulnerabilidade social Contextos Construccedilatildeo Simboacutelica

e Poliacuteticas Puacuteblicas

Beatriz Junqueira Kipnis

FGV-EAESP

Sou Beatriz Junqueira Kipnis aluna de graduaccedilatildeo em Administraccedilatildeo Puacuteblica

na Fundaccedilatildeo Getulio Vargas de Satildeo Paulo Estou fazendo uma pesquisa de iniciaccedilatildeo

cientiacutefica sob orientaccedilatildeo dos Prof Dr Marcus Vinicius Peinado Gomes e Prof Dr

Fernando Burgos O objetivo desta pesquisa eacute descobrir se e como os contextos

agriacutecola e urbano impactam na formulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em

situaccedilatildeo de violecircncia e quais as implicaccedilotildees de semelhanccedilas e diferenccedilas dos mesmos

para o cotidiano do puacuteblico beneficiaacuterio Gostariacuteamos de contar com a sua

participaccedilatildeo voluntaacuteria para a parte de campo da pesquisa pois acreditamos que

conhecer a experiecircncia praacutetica possibilitaraacute e enriqueceraacute as anaacutelises dessa pesquisa

Para isso deixamos explicitada nossa eacutetica de pesquisa e pedimos que assine esse

formulaacuterio em caso de consentimento

1 Confidencialidade

Esta entrevista tem como objetivo coletar informaccedilotildees para esta pesquisa e

portanto possui objetivo estritamente acadecircmico Qualquer comentaacuterio opiniatildeo ou

76

avaliaccedilotildees que vocecirc fizer seratildeo tratados com confidencialidade e analisados apenas

para os interesses desta pesquisa

2 Permissatildeo para citaccedilatildeo

Eu gostaria de poder citar diretamente trechos de nossa conversa nos relatoacuterios

e publicaccedilotildees oriundas desta pesquisa Caso deseje manter seu anonimato por favor

manifeste sua preferecircncia antes do iniacutecio da entrevista

3 Participaccedilatildeo

Sua participaccedilatildeo nesta pesquisa eacute voluntaacuteria e vocecirc natildeo receberaacute nenhum

pagamento para tal

Vocecirc pode decidir a qualquer momento por qualquer razatildeo em natildeo mais

fazer parte desta pesquisa Em caso de duacutevidas ou esclarecimentos vocecirc pode fazer

perguntas a mim em qualquer momento

3 Gravaccedilatildeo

Gostaria de pedir sua permissatildeo para gravar nossa entrevista com o uacutenico

proposito de facilitar o processo de pesquisa Se vocecirc natildeo concorda com a gravaccedilatildeo

por favor manifeste sua preferecircncia antes do iniacutecio da entrevista

Assinatura do Entrevistado ___________________________________________

Data _____________________________________________

Assinatura do Pesquisador _____________________________

Data _____________________________________________

Caso tenha alguma duacutevida sobre o estudo por favor entrar em contato com

Beatriz Kipnis bjkipnishotmailcom ou Dr Marcus Gomes marcusgomesfgvbr

Page 12: Fundação Getúlio Vargas Escola de Administração de ......mulheres de áreas agrícolas e se sentiam pouco à vontade para comentar sobre a violência contra mulheres nessas áreas.

12

possibilitador de participaccedilatildeo direta dos cidadatildeos e tambeacutem advogar pelos direitos de

minorias sem poder representativo A Administraccedilatildeo Puacuteblica tambeacutem deve nessa

perspectiva desenvolver e manter sistemas capazes de captar e responder os puacuteblicos

coletivos ou natildeo tendo em vista sempre o interesse do coletivo maior sem ferir os

direitos das minorias (FREDERICKSON 1991)

No mais a perspectiva do puacuteblico como cidadatildeo exige um entendimento da

cidadania de ambos os lados isto eacute a administraccedilatildeo puacuteblica deve enxergar o puacuteblico

como cidadatildeos mas os cidadatildeos precisam agir como tais Isso exigiria segundo

Frederickson (1991) o entendimento pelos cidadatildeos da constituiccedilatildeo e portanto dos

valores defendidos pela mesma e tambeacutem a capacidade de raciocinar moralmente

compatibilizando interesses particulares e coletivos tendo como medida o documento

constitucional Aleacutem disso seria essencial a crenccedila dos cidadatildeos em direitos

ldquonaturaisrdquo e natildeo na ideia de que a maioria teria poder legiacutetimo mas que todos tecircm

que ter esses direitos miacutenimos garantidos sendo ou natildeo parte da maioria

(FREDERICKSON 1991)

A reflexatildeo de Frederickson (1991) vai aleacutem de uma categorizaccedilatildeo sobre os

diferentes significados de puacuteblicos construiacutedos pela interaccedilatildeo do Estado e seus

cidadatildeos ao contraacuterio ressalta que a visatildeo sobre o que eacute lsquopuacuteblicorsquo natildeo eacute definido a

priori no ciclo de poliacuteticas puacuteblicas ao contraacuterio eacute negociada neste processo Neste

sentido a pluralidade normativa da visatildeo de lsquopuacuteblicorsquo faz parte da estrateacutegia

organizacional de determinado oacutergatildeo da Administraccedilatildeo Puacuteblica Isso porque as

praacuteticas cotidianas da organizaccedilatildeo transparecem determinado tratamento de puacuteblico e

acabam resultando em uma estrateacutegia organizacional que produz uma poliacutetica puacuteblica

com determinado vieacutes para o que eacute considerado puacuteblico

213 A produccedilatildeo de conhecimento e a importacircncia das praacuteticas cotidianas

Continuando esse o argumento da disputa de significados o conhecimento

tambeacutem eacute uma construccedilatildeo social e como tal estaacute sujeito a poderes em conflito e

mudanccedilas As poliacuteticas puacuteblicas satildeo influenciadas por essa construccedilatildeo social do

conhecimento uma vez que as situaccedilotildees dependem de uma significaccedilatildeo social para

13

serem consideradas como problemas puacuteblicos e portanto entrarem na agenda de

governo Nesse sentido o que eacute considerado como conhecimento vaacutelido faz parte de

uma ideia que a sociedade tem do que eacute legitimamente visto como conhecimento ou

natildeo e isso varia de acordo com tempo e lugar (SPINK 2001) Desde o berccedilo as

universidades satildeo um local onde essa tensatildeo entre conhecimento legitimado ou natildeo

persiste no cotidiano e satildeo espaccedilos em que a luta pelo reconhecimento da

heterogeneidade de conhecimentos muitas vezes fica em um segundo plano vis-agrave-vis

o conhecimento produzido pela proacutepria academia e desvinculado muitas vezes da

realidade cotidiana do objeto estudado (SPINK 2001)

Essa dicotomia entre produccedilatildeo de conhecimento nas universidades e na

praacutetica reduziu apenas recentemente sobretudo pela forccedila dos movimentos sociais

Eles mostraram que a sociedade civil produz conhecimentos relevantes para se

organizar e enfrentar os seus problemas do dia-a-dia sem necessariamente estarem

ligados ao conhecimento hegemocircnico do meio acadecircmico (SPINK 2001) Cresceu a

partir de entatildeo a noccedilatildeo de multiplicidade de conhecimentos e a importacircncia da

universidade reconhecer a importacircncia e estudar esses conhecimentos produzidos na

praacutetica

A construccedilatildeo desse leque de conhecimentos segundo Spink (2001) se daacute

sobretudo pela praacutetica vivida pelos grupos sociais na resoluccedilatildeo de problemas

enfrentados no cotidiano e que natildeo foram solucionados por organizaccedilotildees externas

Assim cada lugar eacute constituiacutedo de um contexto proacuteprio que tanto possibilita quanto

compele a produccedilatildeo de determinados conhecimentos

Dentro desses contextos uacutenicos de produccedilatildeo de conhecimento existem as

praacuteticas do cotidiano que fazem as organizaccedilotildees se construiacuterem enquanto tais e satildeo

tambeacutem por elas influenciadas As poliacuteticas puacuteblicas satildeo produzidas por organizaccedilotildees

e seus arranjos entre si ou seja satildeo influenciadas pelos contextos e praacuteticas do

mesmo Essas praacuteticas satildeo definidas por Schatzki (2007) como o conjunto de accedilotildees

estruturadas por uma organizaccedilatildeo Nessa visatildeo natildeo eacute a estrutura organizacional que

molda completamente as accedilotildees de seus constituintes mas uma relaccedilatildeo dialeacutetica em

que estruturas sociais e atores se influenciam mutuamente para formar as praacuteticas

desenvolvidas rotineiramente em uma organizaccedilatildeo As praacuteticas incluem segundo o

14

autor quatro fenocircmenos principais

(1) understandings of (complexes of know-hows regarding) the actions

constituting the practice for example knowing how to email and to recognize

emailing and knowing how to deliver and recognize lectures (2) rules by

which I mean explicit directives admonishments or instructions that

participants in the practice observe or disregard (3) something I call a

teleological-affective structuring which encompasses a range of ends

projects actions maybe emotions and end-project-action combinations

(teleological orderings) that are acceptable for or enjoined of participants to

pursue and realize and (4) general understandings for example general

understandings about the nature of work about proper teacherndashstudent

interactions or about the commonality of fate (SCHATZKI 2007)

As praacuteticas podem portanto ser definidas como participantes ativas da

estrateacutegia organizacional A estrateacutegia enquanto praacutetica eacute um conceito que faz a

conexatildeo entre a caracteriacutestica ativa e dialeacutetica das praacuteticas cotidianas e a proacutepria

formulaccedilatildeo de estrateacutegias dentro de uma organizaccedilatildeo Esse conceito estaacute ligado a uma

visatildeo construtivista das estrateacutegias dentro de uma organizaccedilatildeo isto eacute as estrateacutegias

natildeo satildeo estaacuteveis ao longo do tempo passam por um processo de definiccedilatildeo e

redefiniccedilatildeo conforme ganham ou perdem legitimaccedilatildeo interna e externa ao ambiente

organizacional (SOUZA 2009)

Nesse sentido as estrateacutegias de uma organizaccedilatildeo podem mudar ou

permanecer ao longo do tempo de acordo com a relaccedilatildeo dupla entre agentes e

estrutura esta sendo composta de recursos disponiacuteveis normas e regras presentes e

entendimento compartilhado (SOUZA 2009) Os recursos disponiacuteveis podem ser

materiais como o ambiente fiacutesico de uma organizaccedilatildeo ou imateriais como a

capacitaccedilatildeo para exercer uma atividade dentro da mesma Esses recursos satildeo objeto

de uma luta permanente porque satildeo eles que possibilitam a dominaccedilatildeo de uma

estrateacutegia ou seja quem deteacutem mais recursos acaba tendo mais poder na hora de

defender sua posiccedilatildeo vis-agrave-vis uma estrateacutegia organizacional (SOUZA 2009) As

15

normas e as regras podem ser formais como o estatuto de uma associaccedilatildeo que prevecirc

condutas permitidas eou exigidas para a participaccedilatildeo ou informais construiacutedas e

aceitas no cotidiano sem que sejam transcritas como o tipo de comportamento

considerado adequado dentro de determinada organizaccedilatildeo Satildeo as normas e regras

que constituem a legitimaccedilatildeo ou natildeo de estrateacutegias isto eacute elas permitem ou natildeo a

aceitaccedilatildeo de uma estrateacutegia em detrimento do que eacute aceito formal e informalmente no

ambiente organizacional (SOUZA 2009) Aleacutem disso haacute um entendimento

compartilhado em uma organizaccedilatildeo que significa as estrateacutegias isto eacute traduz

subjetivamente a estrateacutegia para uma dimensatildeo simboacutelica que eacute compreensiacutevel para a

realidade de seus agentes

Isso significa que formular e implementar estrateacutegias dentro de uma

organizaccedilatildeo satildeo processos inseridos dentro de um contexto permeado por

significaccedilotildees dominaccedilotildees e legitimaccedilotildees de discursos no cotidiano dos agentes e

portanto haacute uma tensatildeo constante e um diaacutelogo entre processos e contexto em que o

mesmo influencia e eacute influenciado pelos processos de definiccedilatildeoredefiniccedilatildeo de

estrateacutegia (SOUZA 2009) Assim podemos dizer que as organizaccedilotildees natildeo produzem

estrateacutegias no vaacutecuo jaacute que as praacuteticas que as constituem soacute satildeo significadas quando

satildeo ativadas pelos agentes e possibilitadas pelo contexto interno e externo agrave

organizaccedilatildeo tornando o contexto um elemento essencial para estudar as estrateacutegias

em organizaccedilotildees

Dessa forma poliacuteticas puacuteblicas podem ser entendidas como uma estrateacutegia

constantemente definida e redefinida em funccedilatildeo das negociaccedilotildees sobre os sentidos

dos problemas puacuteblicos A estrutura organizacional se torna entatildeo natildeo apenas

relevante para a determinaccedilatildeo da capacidade material de resoluccedilatildeo de um problema

social mas tambeacutem delimita um lugar simboacutelico sobre as possibilidades de accedilatildeo para

enfrentaacute-lo

22 Contextos onde as poliacuteticas puacuteblicas acontecem

No acircmbito dessa pesquisa pretendemos nos focar em principalmente dois

contextos diferentes que permeiam o processo de formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de

16

poliacuteticas puacuteblicas enquanto estrateacutegias de organizaccedilotildees da Administraccedilatildeo Puacuteblica

Podemos falar nos lugares e na diferenciaccedilatildeo entre contextos urbano e agriacutecola como

fator que influencia e eacute influenciado pelo ciclo de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em

situaccedilatildeo de violecircncia

Os contextos impactam nas praacuteticas e arranjos materiais disponiacuteveis em

determinado lugar (SPINK 2001) O lugar eacute onde ocorre a troca entre contexto

praacuteticas e arranjos como contextos agriacutecola e urbano estruturas organizacionais e

negociaccedilatildeo de sentidos e estrateacutegias para lidar com problemas puacuteblicos De acordo

com Milton Santos (2001) os lugares satildeo espaccedilos esquizofrecircnicos porque satildeo onde se

verificam os vetores da globalizaccedilatildeo e tambeacutem da contraordem O papel do lugar eacute

natildeo soacute onde se vive mas um lsquoespaccedilo vividorsquo em que satildeo reproduzidas eou

reavaliadas processos do passado e onde se projeta o futuro (SANTOS 2001) Nesses

lugares ocorrem os embates entre soluccedilotildees imediatistas e visotildees finaliacutesticas

conjuntura e estrutura (SANTOS 2001)

A ideia de lugar compreende a importacircncia dos processos construiacutedos e que

constroem um contexto Schatzki (2005) em sua teoria sobre como satildeo construiacutedos

os fenocircmenos sociais afirma que estes estatildeo ligados aos lugares

Sites however are a particularly interesting sort of context What

makes them interesting is that context and contextualized entity constitute one

another what the entity or event is is tied to the context just as the nature and

identity of the context is tied to the entity or event (among others)(p 468)

Essa definiccedilatildeo eacute entatildeo especificada ao social em que o lugar ldquodo social eacute

composto de nexos de praacuteticas e arranjos materiaisrdquo (SCHATZKI 2005 p471) As

praacuteticas seriam as atividades humanas e os arranjos materiais incluem as pessoas os

artefatos outros organismos e coisas

Os fenocircmenos sociais fazem parte das teias formadas dentro dos lugares e da

relaccedilatildeo entre eles sendo ao mesmo tempo produto e alimento desses lugares As

organizaccedilotildees de acordo com o autor (SCHATZKI 2005) seriam um desses

fenocircmenos sociais Fazendo parte dessa teia as organizaccedilotildees satildeo constituiacutedas por

praacuteticas sobreviventes previamente de outras organizaccedilotildees (vindas com as

17

experiecircncias passadas dos indiviacuteduos que a constituem) e uma mistura de praacuteticas do

presente que satildeo alteradas ou natildeo para materializar a razatildeo de existecircncia da

organizaccedilatildeo e arranjos materiais velhos e novos (SCHATZKI 2005 p476) Schatzki

(2005) ressalta que trecircs pontos satildeo essenciais para compreender uma organizaccedilatildeo

identificar as accedilotildees que a compotildeem identificar o conjunto de praacuteticas e arranjos

materiais em que as accedilotildees estatildeo inseridas identificar as outras teias de conjuntos de

praacuteticas e arranjos que se ligam agrave teia que compotildee a organizaccedilatildeo

Podemos clarificar ainda mais a ideia de lugares com a contribuiccedilatildeo de Spink

(2001) que define lugar como ldquoponto de partida para refletir sobre a organizaccedilatildeo

porque permite um olhar a partir de um enraizamento na processualidade do cotidiano

e fora dos muros das organizaccedilotildeesrdquo (SPINK 2001 p18) Esse termo tambeacutem foca

nos processos construiacutedos pelos indiviacuteduos suas relaccedilotildees e o contexto nos quais

participam e as organizaccedilotildees como parte desses processos em que haacute tensotildees e natildeo

como uma entidade que existe sem a accedilatildeo de pessoas Aleacutem disso Spink (2001)

ressalta a importacircncia da construccedilatildeo social dos sentidos que damos agraves accedilotildees e

materialidades que compotildeem o cotidiano o que dialoga com a ideia de Schatzki

(2005) de como compreender as accedilotildees dos indiviacuteduos

Assim pretendemos compreender as regiotildees agriacutecola e urbana como lugar

que satildeo indissociaacuteveis daquilo que os constituem (Spink 2001 SCHATZKI 2005)

enquanto praacuteticas e arranjos constitucionais observaacuteveis materialmente a partir de

organizaccedilotildees puacuteblicas O estudo das organizaccedilotildees que formulam e implementam

essas poliacuteticas puacuteblicas eacute importante para entender quais os conjuntos de praacuteticas e

arranjos materiais que formam o contexto das poliacuteticas puacuteblicas em questatildeo e se

existem ligaccedilotildees e sobreposiccedilotildees entre praacuteticas eou arranjos materiais dessas

organizaccedilotildees

221 Cidades Urbanas e Agriacutecolas

Precisamos entatildeo definir o que satildeo regiotildees agriacutecolas e regiotildees urbanas como

lugar no qual as poliacuteticas puacuteblicas estatildeo inseridas Santos (1996) trouxe essa nova

tipologia de cidades agriacutecolas e urbanas porque as mudanccedilas econocircmicas impactaram

18

a organizaccedilatildeo do espaccedilo geograacutefico de tal forma que as atividades urbanas e rurais

existem em todas as regiotildees Assim natildeo haacute mais uma separaccedilatildeo em aacutereas rurais e

urbanas de acordo com distinccedilatildeo econocircmica sendo que o novo ldquocriteacuterio de distinccedilatildeo

seria devido muito mais ao tipo de relaccedilotildees realizadas sobre os respectivos

subespaccedilosrdquo (SANTOS 1996 p 67)

Segundo ele ldquonas regiotildees agriacutecolas eacute o campo que sobretudo comanda a

vida econocircmica e social do sistema urbano enquanto nas regiotildees urbanas satildeo as

atividades secundaacuterias e terciaacuterias que tecircm esse papelrdquo (SANTOS 1996 p 68)

Apesar dessa predominacircncia que permite a distinccedilatildeo existem nos dois tipos de

regiotildees cidades e zonas de atividade rural mas nas regiotildees agriacutecolas a cidade existe

para suprir as necessidades do campo e das pessoas que o habitam enquanto nas

regiotildees urbanas as zonas de atividade rural existem para suprir as necessidades das

cidades e as pessoas que a habitam (SANTOS 1996) Assim essa tipologia eacute

importante para definir os contextos das poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo

de violecircncia jaacute que loacutegicas diferentes as constituem apontando praacuteticas e arranjos

materiais tambeacutem diversos

23 Gecircnero Machismo e Violecircncia de Gecircnero

As discussotildees sobre gecircnero na academia tecircm sido concentradas em uma

perspectiva discursiva que distingue completamente sexo de gecircnero colocando o

primeiro como parte de uma esfera bioloacutegica e o segundo como uma construccedilatildeo

social desvinculada da primeira (CAROLAN 2005) Nesse sentido Carolan (2005)

aponta um risco de gerar um reducionismo ao julgar gecircnero apenas como uma

construccedilatildeo social sem levar em consideraccedilatildeo os elementos extra-discursivos que

dialeticamente significam e ressignificam os papeis de gecircnero Segundo Carolan

(2005 p5)

Sociology has been correct to take care so as to not legitimate

ideologically-driven biological determinism and the socio-political

ramifications that accompany such proclamations My concern however is

19

that this apprehension toward determinism has become too one-sided With

all of our handringing about the dangers of ldquobringing nature back inrdquo to

sociological analyses due to its deterministic undertones we remain

incorrigibly blind to the other side of the coin to the appalling prospects of

an equally dangerous cagemdashcultural determinism In our rush to condemn the

fixed-biological we often (mistakenly) overly prescribe mutability and fluidity

to the socio-cultural We must thus stay vigilant to all prescriptions of

determinismmdashbiological and otherwisemdashwhile concomitantly remaining open

to the multidirectional causal potentials that constitute a stratified rooted

and emergent reality

Dessa forma eacute importante levar em conta tanto os niacuteveis discursivos quanto

extra-discursivos da construccedilatildeo de gecircnero dentro de uma estrutura social que dialoga

com esses elementos Assim os elementos extra-discursivos podem ser tanto

bioloacutegicos como apontados no trecho acima mas podem ser tambeacutem outras

materialidades que podem ser causa e efeito ao mesmo tempo da construccedilatildeo social

dos papeis de gecircnero como a desigual inserccedilatildeo no mercado de trabalho e os salaacuterios

desiguais para as mesmas posiccedilotildees Por exemplo se as mulheres tecircm menor inserccedilatildeo

no mercado de trabalho isso eacute fruto de uma construccedilatildeo social dos papeis de gecircnero

mas tambeacutem reforccedila os mesmos papeis em um jogo dialeacutetico porque as mulheres

ficam em uma posiccedilatildeo pouco empoderada acerca de como decidir a alocaccedilatildeo dos

recursos em casa e mais vulneraacuteveis para conseguir materialmente sair de casos de

violecircncia

Nesse contexto o machismo pode ser entendido como uma estrutura social

subjetiva construiacuteda a partir da existecircncia de gecircnero como uma classificaccedilatildeo criada

socialmente mas que alimenta e eacute alimentada por materialidades extra-discursivas O

machismo se configura entatildeo como algo abstrato que natildeo pode ser visto

materialmente Como coloca Sayer (1998 p 159-160)

()unobservable natural forces as well as structures of a language or

tules of a game can be and frequently are described and known Thus while

20

the unobservable wind can be known to be responsible for the flying hat or the

swirling leaves the rules of grammar facilitating the speech acts of some

group or the secret code used by children to send messages to each other

may each be quite unproblematically retroducible andor describable By

demonstrating the empirical adequacy of theories of gravitational and

magnetic fields social rules and relations structures of languages and so

forth these items can be known whether or not they can be directly observed

O machismo pode ser considerado como um item abstrato conforme

apresentado por Sayer (1998) que podem ser conhecidos mesmo que natildeo possam ser

observados diretamente Para fazer isso devemos tentar acessar a estrutura social

pelas suas manifestaccedilotildees tanto discursivas quanto extra-discursivas Especificamente

sobre as relaccedilotildees de gecircnero Sayer discorre sobre como podemos observaacute-la na

praacutetica (SAYER 1998 p160)

Even a single maintained hypothesis can be continually assessed by

examining the range of phenomena it bears upon In other words the

empirical adequacy of any hypothesis can be progressively checked-out by

deducing such implications as follow with regard to any domain for which

such implications hold and can in practice be observed Where it is argued

for example that gender relations in many societies are such that mechanisms

are reproduced which serve to discriminate against women in favout of men

this assessment can be checked out against detectable patterns occurring in

for example factories homes schools and universities and any other place

where the mechanism will conceivably reveal its effects

Podemos entatildeo acessar a estrutura social machista sobretudo atraveacutes de pelo

menos dois tipos de manifestaccedilotildees materiais ou seja as diferenccedilas objetivas como a

distribuiccedilatildeo de recursos e bens e subjetivas como se daacute a percepccedilatildeo da sociedade

sobre os papeis de gecircnero (GOMES 2014a) Corroborando Lorente (2015) tambeacutem

apresenta o machismo como uma estrutura social

21

Inequality is a construction based on the male design of society and

developed to determine the relationships within it It is neither an error nor an

uncontrolled drift It is a decision to establish a structure of power that

provides benefits and privileges to those in a superior position men and

denies rights and opportunities to those in an inferior position women

Violence against Women (VAW) is an instrument to maintain this structure

part of the tools to guarantee that it works () Violence against women is

different from other forms of violence due to its motivations goals

circumstances and meaning It is the only violence supported by social and

cultural ideas and the only one that is accepted and justified by part of

society (LORENTE 2015)

A violecircncia de gecircnero surge entatildeo como uma manifestaccedilatildeo dessa estrutura

social machista com implicaccedilotildees objetivas e subjetivas A violecircncia fiacutesica e

patrimonial podem ser entendidas como uma manifestaccedilatildeo material da estrutura

social enquanto outras violecircncias como a psicoloacutegica satildeo mais subjetivas e ligadas ao

asseacutedio moral (TRERJ 2013) uma forma de apreciaccedilatildeo negativa mais ligada ao

discurso poreacutem com implicaccedilotildees objetivas fortes como a proibiccedilatildeo da mulher de sair

de casa e trabalhar ou o desenvolvimento de doenccedilas psicoemocionais como

depressatildeo Aleacutem disso a violecircncia de gecircnero de todos os tipos estaacute permeada por

manifestaccedilotildees objetivas e subjetivas objetivas na vulnerabilidade em termos de

recursos materiais das mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia e subjetivas na exposiccedilatildeo agrave

apreciaccedilatildeo da famiacutelia da comunidade e das instituiccedilotildees puacuteblicas para atender a essas

mulheres que muitas vezes reproduzem papeis tradicionais de gecircnero ligados agrave

estrutura social machista

Afim de compreendermos a estrutura social machista nos diferentes contextos

agriacutecola e urbano vamos nos apoiar metodologicamente no Realismo Criacutetico sobre a

qual nos debruccedilaremos na seccedilatildeo a seguir Esta metodologia nos permite acessar

aspectos da estrutura social atraveacutes de suas manifestaccedilotildees Assim poderemos

compreender melhor as dialeacuteticas entre estrutura social manifestaccedilotildees discursivas e

22

manifestaccedilotildees extra-discursivas e do discurso em accedilatildeo Dessa maneira pretendemos

informar a accedilatildeo do Estado para combater essa estrutura social machista sobretudo a

sua manifestaccedilatildeo enquanto violecircncia de gecircnero

23

3 Metodologia

A partir da revisatildeo da literatura entendemos que as poliacuteticas puacuteblicas e suas

estrateacutegias satildeo definidas e redefinidas em um processo de embate entre discursos e

significaccedilotildees Este processo estaacute inserido em um lugar que influencia e eacute influenciado

pela negociaccedilatildeo de sentidos Especialmente no que diz respeito agrave violecircncia contra a

mulher estamos examinando para uma estrutura social machista e procurando

entender como os contextos influenciam a formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de poliacuteticas

puacuteblicas para aacutereas agriacutecolas e urbanas de acordo com as diferentes manifestaccedilotildees da

estrutura social nesses contextos Desta forma a pergunta de pesquisa que surge para

este trabalho eacute A estrutura social do machismo se manifesta da mesma maneira

nos contextos agriacutecola e urbano

Dela decorrem os seguintes objetivos secundaacuterios

a) Haacute ou natildeo diferenccedilas na manifestaccedilatildeo do machismo especificamente em

termos de violecircncia de gecircnero nas zonas urbana e agraacuteria

b) Como essas manifestaccedilotildees do machismo satildeo impactadas e impactam a

formulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia

Conforme discutiremos mais adiante nesse capiacutetulo e na seccedilatildeo 4 de anaacutelise

dos dados encontramos poucas evidecircncias de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em

situaccedilatildeo de violecircncia nas aacutereas agraacuterias de Goiaacutes e Satildeo Paulo Entretanto este

silecircncio eacute um interessante achado de pesquisa pois foi possiacutevel compreender como a

ausecircncia dessas poliacuteticas impacta a vida das mulheres desse contexto Esta anaacutelise

fica mais evidente quando debruccedilamos sobre as poliacuteticas puacuteblicas disponiacuteveis para as

mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia em aacutereas urbanas e que ainda assim natildeo tecircm seus

direitos garantidos como iremos perceber na anaacutelise das entrevistas

31 Realismo Criacutetico e a violecircncia de gecircnero

Escolhemos e o Realismo Criacutetico como ontologia ou seja como teoria do

conhecimento cientiacutefico porque acreditamos que ele nos ajudaraacute a compreender

24

melhor como os contextos agraacuterio e urbano influenciam e satildeo influenciados na

formulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas mas tambeacutem por uma questatildeo normativa

Acreditamos na perspectiva ontoloacutegica do realismo criacutetico de que os seres humanos

satildeo agentes com capacidade accedilatildeo sobre a realidade e que tambeacutem satildeo produtores de

significados e tambeacutem na necessidade natildeo soacute de explicar o mundo mas de modificaacute-

lo

No entanto acrescenta-se agrave nossa existecircncia dialeacutetica enquanto seres humanos

com o mundo a noccedilatildeo de que este existe independentemente da nossa apreensatildeo

semioacutetica ou natildeo dele sendo este o principal ponto de divergecircncia do criacutetico realismo

em relaccedilatildeo ao construtivismo (BHASKAR 2012 FAIRCLOUGH 2010 GOMES

2014b) Isto significa que a estrutura social eacute composta de loacutegicas agraves quais damos

sentidos e tambeacutem loacutegicas que natildeo apreendemos e interpretamos estando latentes

para essa interpretaccedilatildeo mas ainda assim influenciando e sendo influenciadas por

nossa accedilatildeo no mundo

O realismo criacutetico tambeacutem se enquadra nas nossas perspectivas de pesquisa

porque ele apresenta uma ontologia estratificada como uma estrateacutegia para evitar o

tradeoff entre agentes e estrutura (BHASKAR 2012) Isso porque o realismo criacutetico

coloca trecircs niacuteveis da vida social o real o atual e o empiacuterico que interagem entre si

dialeticamente (BHASKAR 2012) desde modo natildeo estamos lidando com uma

situaccedilatildeo em que a estrutura social define tudo nem que os agentes definem tudo

ambos satildeo relevantes e se influenciam mutuamente

Para melhor entendermos essas esferas vamos defini-las O real consiste na

esfera abstrata das estruturas sociais ou naturezas (FAIRCLOUGH 2010 GOMES

2014b) Esses integrantes do plano real satildeo objetos latentes ou seja que tecircm um

potencial Isso reforccedila a ideia de que mesmo estruturas semioacuteticas existem antes dos

atores (FAIRCLOUGH 2010 GOMES 2014b BHASKAR 2012) A esfera do atual

eacute permeada pelas praacuteticas sociais ou seja o que acontece quando elementos do

mundo real satildeo ativados e produzem transformaccedilotildees ou reproduccedilotildees

(FAIRCLOUGH 2010 GOMES 2014b) Esse plano atual eacute o que faz a mediaccedilatildeo

entre o plano real e o plano empiacuterico que por sua vez consiste nos eventos sociais e

accedilotildees Ou seja o empiacuterico eacute uma parte dos outros planos que eacute experimentado

25

efetivamente por agentes (FAIRCLOUGH 2010)

Eacute importante ressaltar que o processo causal colocado pelo realismo criacutetico

natildeo eacute o mesmo que o positivismo empiacuterico defende isto eacute a identificaccedilatildeo de

regularidades entre causa e efeito Na verdade o processo causal seria o estudo do

que ativa os poderes latentes do real para produzir mudanccedila (FAIRCLOUGH 2010

BHASKAR 2012) Aleacutem disso quando e se esses poderes satildeo ativados os efeitos

dessa ativaccedilatildeo varia de acordo com o tempo e espaccedilo (FAIRCLOUGH 2010

GOMES 2014b)

Uma ontologia baseada no Realismo Criacutetico ressalta a importacircncia dos

discursos e tambeacutem eacute uma abordagem que busca natildeo soacute entender a realidade mas

modificaacute-la como abordamos anteriormente Mas quais as implicaccedilotildees para a anaacutelise

das poliacuteticas puacuteblicas

O processo das poliacuteticas puacuteblicas sobre o qual discorremos anteriormente eacute

perpassado em todas as etapas pelos discursos dos atores envolvidos tanto interna

quanto externamente ao processo Aleacutem disso as poliacuteticas puacuteblicas satildeo um meio de

mudar a realidade como proposto pelo Realismo Criacutetico

Como vimos a violecircncia de gecircnero eacute um termo que passou por diferentes

significaccedilotildees ao longo do tempo e diferentes atores envolvidos Por exemplo antes

era visto pela sociedade e apreendida pelo Estado como uma situaccedilatildeo da esfera

privada e se restringia agrave violecircncia fiacutesica e hoje em dia passou a ser visto pelo Estado

como um problema puacuteblico considerando diferentes formas de violecircncia contra a

mulher No primeiro periacuteodo o movimento feminista brasileiro natildeo era detentor do

discurso dominante e lutava para conseguir visibilidade ao tema isto eacute para que

fosse considerado como um problema puacuteblico Ou seja as poliacuteticas puacuteblicas satildeo o

resultado do conflito entre discursos de diferentes atores e a significaccedilatildeo dada agraves

situaccedilotildees muda conforme o resultado desse conflito

Aleacutem disso podemos situar nosso referencial teoacuterico em termos da

estratificaccedilatildeo do Realismo Criacutetico A esfera do real no tema em questatildeo eacute permeada

pelas relaccedilotildees desiguais de poder entre gecircneros A esfera real pode ser acessada por

suas manifestaccedilotildees na esferas atual e empiacuterica

Na esfera do atual podemos pensar nas praacuteticas sociais que transformaram

26

uma situaccedilatildeo no caso a violecircncia contra as mulheres em problema puacuteblico passiacutevel

de intervenccedilatildeo via poliacuteticas puacuteblicas voltadas para lidar com a violecircncia de gecircnero

atraveacutes da sua inclusatildeo na agenda puacuteblica Isso pode ser visto pela dificuldade de se

tratar a violecircncia de gecircnero atraveacutes das instacircncias legais e juriacutedicas usuais Isto eacute

essas instacircncias tradicionais estavam permeadas por uma loacutegica machista que

precisava ser formalmente desfeita para poder comeccedilar a se abordar a questatildeo a partir

de outra perspectiva A violecircncia de gecircnero ter sido vista como uma questatildeo da esfera

domeacutestica e portanto privada tambeacutem faz parte desse machismo da esfera real que

precisou do aparato legal para caracterizaacute-la enquanto problema da esfera puacuteblica

Nesse sentido entra a importacircncia dos contextos urbano e agriacutecola dos territoacuterios

como elementos influenciadores e influenciados pelas poliacuteticas puacuteblicas para

mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia fornecendo um contexto sobre o qual os discursos

satildeo construiacutedos Certamente estes natildeo satildeo os uacutenicos lugares que influenciam os

discursos sobre a violecircncia de gecircnero e consequentemente as estrateacutegias para

combatecirc-lo (ie as poliacuteticas puacuteblicas)

Por fim a esfera do empiacuterico consiste no discurso em accedilatildeo por meio das

poliacuteticas puacuteblicas Um exemplo foi o conturbado processo de aprovaccedilatildeo da LMP

(MACIEL 2011) e tambeacutem as tentativas de provar sua inconstitucionalidade que

teve que ir ao STF pela AGU (MACIEL 2011) para conseguir ser aprovado

Tambeacutem a atual dificuldade de conseguir a aceitaccedilatildeo e implementaccedilatildeo da LMP por

parte dos operadores juriacutedicos (MACIEL 2011) demonstra a penetraccedilatildeo do

machismo em nossa sociedade Como podemos ver pelo retrato das questotildees

anteriormente citadas ainda estamos lidando basicamente com violecircncia sexual

apesar da tipificaccedilatildeo abranger outros tipos de violecircncia como as psicoloacutegicas e

morais que ainda ocorrem cotidianamente e satildeo naturalizadas denunciando a forccedila

do machismo na esfera do real Enfim essa uacuteltima esfera assim como as demais e a

relaccedilatildeo entre elas poderatildeo ser melhor retratadas quando partirmos a anaacutelise da

pesquisa de campo em que teremos contato com os agentes

De acordo com o realismo criacutetico podemos pensar em problemas a partir de trecircs

domiacutenios o real o atual e o empiacuterico (FAIRCLOUGH 2010) No tema em questatildeo

a esfera do real pode ser entendida como a estrutura social do machismo isto eacute uma

27

desigualdade de gecircnero que estaacute latente no funcionamento da sociedade e acaba sendo

reforccedilada pelos domiacutenios do atual e do empiacuterico Nesse trabalho o domiacutenio do atual

seriam os discursos sobre a desigualdade de gecircnero e a violecircncia de gecircnero que satildeo

manifestaccedilotildees da estrutura social machista ou para reforccedilar essa estrutura ou para

tentar transformaacute-la Por fim o domiacutenio empiacuterico satildeo nesse caso as poliacuteticas e accedilotildees

puacuteblicas formuladas eou implementadas para combater a violecircncia contra a mulher

32 Anaacutelise Criacutetica de Discurso

Afim de buscarmos nosso objetivo que eacute entender as diferenccedilas entre

poliacuteticas puacuteblicas em contextos agriacutecola e urbano utilizaremos a metodologia da

ACD Segundo a ACD o discurso eacute ativo isto eacute que influencia tanto a percepccedilatildeo da

realidade quanto o comportamento de pessoas dentro de uma organizaccedilatildeo

(PUTNAM et al 2004) Eacute importante destacarmos a diferenccedila entre texto e discurso

Textos satildeo todas as peccedilas linguiacutesticas sejam escritas ou faladas Jaacute discursos satildeo

enunciados de locutores que utilizam textos para tentar exercer influecircncia sobre

terceiros (ALVES 2006) O conceito de discurso organizacional engloba duas

maneiras diferentes de olhar para o discurso conversas e diaacutelogos ou narrativas e

histoacuterias Quando se trata de conversas significa a troca de mensagens entre duas ou

mais pessoas que ao realizarem uma interconexatildeo temporal ou significativa entre

textos moldam outras conversas eou accedilotildees futuras E diaacutelogo seria a possibilidade de

gerar novos significados atraveacutes de momentos de questionamento do contiacutenuo de uma

conversa Jaacute as narrativas percebem a construccedilatildeo social do sentido sendo estas visotildees

de mundo construiacutedas pelo locutor e seus interlocutores As histoacuterias satildeo por sua vez

a reinterpretaccedilatildeo de fatos atraveacutes do olhar de cada locutor interlocutor

A anaacutelise discurso eacute uma ferramenta interessante para analisar poliacuteticas

puacuteblicas uma vez que nos permite entender a poliacutetica atraveacutes das pessoas que

formulam eou implementam a poliacutetica Conhecendo as pessoas que fazem uma

poliacutetica puacuteblica acontecer e analisando suas conversas diaacutelogos e histoacuterias podemos

entender a significaccedilatildeo dada pelas pessoas dos processos que vivenciam Ou seja eacute

possiacutevel sair de um discurso formal para analisar quais satildeo as relaccedilotildees de poder no

28

acircmbito de uma poliacutetica puacuteblica e quais satildeo os sentidos dados para os temas

trabalhados que impedem ou proporcionam mudanccedilas materiais na evoluccedilatildeo de uma

poliacutetica puacuteblica

Algumas perspectivas epistemoloacutegicas satildeo possiacuteveis na anaacutelise de discurso

organizacional sendo as principais abordagens a positivista a construtivista e a poacutes-

modernista (PUTNAM et al 2004) e a criacutetico realista (FAIRCLOUGH 2010) Antes

de definir essas abordagens eacute importante diferenciarmos as perspectivas possiacuteveis

para a linguagem A ldquolinguagem em usordquo eacute aquela visatildeo que aborda o discurso como

tendo uma funccedilatildeo na criaccedilatildeo de uma ordem social no cotidiano da organizaccedilatildeo Seu

foco estaacute portanto na anaacutelise de discurso no momento presente da organizaccedilatildeo

(PUTNAM et al 2004 pg 9) Jaacute a abordagem da ldquolinguagem em contextordquo leva em

conta fatores histoacutericos e sociais que influenciam a produccedilatildeo disseminaccedilatildeo e

consumo de textos (PUTNAM et al 2004 pg 10) Ou seja leva em consideraccedilatildeo o

passado e os possiacuteveis efeitos futuros do discurso organizacional Dentro dessa

diferenciaccedilatildeo podemos esclarecer de onde derivam as diferentes abordagens

metodoloacutegicas A ldquolinguagem em usordquo eacute utilizada pelos positivistas e a ldquolinguagem

em contextordquo eacute a abordagem levada em consideraccedilatildeo pelos construtivistas (PUTNAM

et al 2004)

O pensamento positivista se preocupa em identificar padrotildees nas interaccedilotildees

discursivas Dessa maneira tratam o discurso como principal variaacutevel de anaacutelise e

natildeo acreditam que o discurso tenha caraacuteter poliacutetico Buscam entatildeo identificar uma

narrativa uacutenica ou um conjunto de significados compartilhados entre membros de

uma organizaccedilatildeo (PUTNAM et al 2004)

A abordagem construtivista por sua vez estuda como o discurso constitui e

reconstitui arranjos sociais dentro dos diferentes contextos das organizaccedilotildees Essa

perspectiva defende a natureza poliacutetica do discurso pela sua utilizaccedilatildeo para produzir

manter ou resistir a diferentes formas de poder Desse modo como afirma Gomes

(GOMES 2014b) o domiacutenio do discurso eacute em si um recurso de poder e faz parte da

luta pela hegemonia

Dentro do guarda-chuva da abordagem construtivista existe um ramo

chamado anaacutelise criacutetica do discurso cuja metodologia considera importante ambos os

29

tipos de linguagem sendo a ldquolinguagem em usordquo importante para identificar como

regras e estruturas em interaccedilotildees discursivas constituem identidades e levam agrave sua

institucionalizaccedilatildeo e a lsquolinguagem em contextorsquo importante para compreender os

diferentes significados para o mesmo texto dependendo do contexto em que o

discurso estaacute inserido A Anaacutelise Criacutetica do Discurso (ACD) enxerga as organizaccedilotildees

como sendo os locais onde ocorrem a luta entre os discursos pela dominaccedilatildeo sendo

que cada grupo luta para que seus interesses moldem exerccedilam eou resistam ao

controle social dentro da entidade Assim o foco dessa perspectiva eacute como o discurso

constitui e eacute constituiacutedo pelas praacuteticas sociais

Os poacutes-modernistas criticam a anaacutelise criacutetica do discurso uma vez que se

voltam novamente ao texto ou seja agrave lsquolinguagem em usorsquo e apontam para a

bipolaridade da anaacutelise criacutetica do discurso que exclui todos os discursos fora da

loacutegica de poder e resistecircncia Essa abordagem defende que os textos satildeo repletos de

metaacuteforas para organizar e representar uma gama de significados variados que

estariam marginalizados Para isso a desconstruccedilatildeo dos textos eacute a principal

ferramenta dessa perspectiva

Apesar da resistecircncia dos poacutes-modernistas agrave anaacutelise criacutetica do discurso

entendemos que essa metodologia eacute interessante para essa pesquisa uma vez que ela

nos permite entender os significados e a disputa de poder embutida nessas

significaccedilotildees Mas para aleacutem disso a anaacutelise criacutetica do discurso nos permite

compreender as consequecircncias materiais dessa disputa do poder (GOMES 2014b)

Aleacutem disso outro ponto interessante que diferencia a Anaacutelise Criacutetica do

Discurso eacute a incorporaccedilatildeo de trecircs niacuteveis de discurso micro meso e macro (OSWICK

PHILLIPS 2012) Assim o discurso estaacute dentro de uma situaccedilatildeo dentro de uma

instituiccedilatildeo e dentro da sociedade respectivamente (OSWICK PHILLIPS 2012) Em

outras palavras

Based on these three different levels undertaking CDA involves (i)

the examination of the language in use (the text dimension) (ii) the

identification of processes of textual production and consumption (the

discursive practice dimension) and (iii) the consideration of the institutional

30

factors surrounding the event and how they shape the discourse (the social

practice dimension) (OSWICK PHILLIPS 2012 p 457)

Nesse sentido a Anaacutelise Criacutetica do Discurso relaciona esses trecircs niacuteveis ao

mesmo tempo que incorpora uma visatildeo criacutetica do discurso homogecircneo Busca dessa

forma compreender seus fundamentos para interrogaacute-lo e gerar mudanccedila social

como veremos na proacutexima seccedilatildeo

A escolha da ACD se deve primeiramente porque acreditamos que a realidade

social natildeo pode ser vista com um olhar positivista tentando encontrar padrotildees nas

interaccedilotildees discursivas olhando tambeacutem somente para o discurso como variaacutevel

relevante na produccedilatildeo de significados Nesse trabalho queremos analisar a produccedilatildeo

de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia nos contextos agraacuterio e

urbano natildeo buscando encontrar padrotildees em cada contexto mas para entender

qualitativamente como o contexto e o discurso se relacionam entre si para produzir

significados que influenciam nessa produccedilatildeo de poliacuteticas Portanto optamos por esse

olhar que inclui o contexto como fator essencial em conjunto com as interaccedilotildees

discursivas

A anaacutelise criacutetica do discurso eacute uma perspectiva que considera as relaccedilotildees

dialeacuteticas de poder na criaccedilatildeo e significaccedilatildeo de discursos (GOMES 2014b) e que

pretende enxergar o mundo a partir de um olhar criacutetico do que ele deveriapoderia ser

olhando para os discursos e para as suas manifestaccedilotildees na praacutetica e em elementos

extra-discursivos como forma de refletir sobre uma estrutura social que natildeo

conseguimos materializar Ou seja ela eacute uma opccedilatildeo ontoloacutegica porque queremos

olhar para essa estrutura social criticamente no sentido de entendermos o que eacute e

tambeacutem projetar como poderia ser a partir do entendimento do porquecirc as poliacuteticas

puacuteblicas satildeo desenhadas e implementadas da maneira como satildeo nesses contextos

agraacuterio e urbano Isto eacute natildeo queremos ser relativistas e afirmar que entendendo a

relaccedilatildeo entre interaccedilotildees discursivas e os contextos diferentes as realidades satildeo

justificaacuteveis por si soacute pois olhamos normativamente para as poliacuteticas puacuteblicas em

especial aquelas para mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia nessa pesquisa Isto eacute a

anaacutelise criacutetica do discurso pode ajudar a entender como o capitalismo neoliberal

31

impede em algumas medidas a emancipaccedilatildeo humana para entatildeo tentar informar

estrateacutegias de como mitigar ou acabar com essas limitaccedilotildees (FAIRCLOUGH 2010)

No contexto de poliacuteticas puacuteblicas sobre violecircncia contra a mulher seria o caso de

entender quais satildeo as manifestaccedilotildees da estrutura social machista para tentar informar

decisotildees de poliacuteticas puacuteblicas que possam efetivamente gerar mudanccedilas nessa

estrutura social

Assim a anaacutelise criacutetica do discurso eacute uma abordagem relacional ou seja seu

objeto natildeo eacute o discurso em si mas as relaccedilotildees sociais e as disputas de poder entre

essas relaccedilotildees em que o discurso eacute parte integrante pela produccedilatildeo reproduccedilatildeo e

transformaccedilatildeo de significados (FAIRCLOUGH 2010) Aleacutem disso sua perspectiva eacute

dialeacutetica no sentido que estuda as relaccedilotildees entre objetos que natildeo satildeo inteiramente

separaacuteveis ou seja suas naturezas satildeo parcialmente definidas pela relaccedilatildeo com o

outro Nesse sentido natildeo exclui a importacircncia dos elementos extra-discursivos

ressaltando seu caraacuteter transdisciplinar (FAIRCLOUGH 2010) O termo criacutetica

remete a uma abordagem normativa que aponta para a realidade como algo passiacutevel

de mudanccedila e nesse sentido busca estudar tanto o que existe quanto o que poderia

existir idealmente (FAIRCLOUGH 2010)

Deste modo para a anaacutelise criacutetica do discurso trecircs esferas satildeo importantes o

texto o discurso e o contexto social (PHILIPPS SEWELL JAYNES 2008) Essas

esferas interagem entre si conforme o esquema abaixo

Tabela 1 Diaacutelogo entre Diferentes Esferas na ACD

32

O sujeito locutor se encontra numa posiccedilatildeo social ou seja num lugar no

espaccedilo social em que ele possui um certo grau de agecircncia (PHILIPPS SEWELL

JAYNES 2008) A partir dessa posiccedilatildeo social o locutor fala ou escreve um texto que

se transforma em discurso no momento em que o locutor tenta mudar ou manter a

ordem social atraveacutes desse texto Esse discurso por sua vez produz conceitos que se

expressam na cultura refletindo sobre a maneira como ele e seus interlocutores

enxergam o mundo e se relacionam entre si Por fim esse discurso se transforma em

objeto quando se torna parte de uma ordem praacutetica (PHILIPPS SEWELLJAYNES

2008) sendo usado para fazer sentido das relaccedilotildees sociais e condiccedilotildees materiais do

contexto social voltando ao iniacutecio do ciclo

33A emancipaccedilatildeo como chave entre as esferas

A Anaacutelise Criacutetica do Discurso foi escolhida nesse trabalho pelo potencial de

emancipaccedilatildeo (FAIRCLOUGH 2010) que essa perspectiva epistemoloacutegica nos

permite uma vez que pretende analisar a estrutura social atraveacutes de suas

manifestaccedilotildees discursivas e extra-discursivas afim de informar maneiras de mudar a

estrutura social machista Para melhor entender como as esferas se relacionam no

ciclo do realismo criacutetico com a emancipaccedilatildeo dos cidadatildeos podemos fazer uso da

Texto

Discurso

Cultura

Objeto

Posiccedilatildeo Social

(Contexto)

Elaboraccedilatildeo proacutepria a partir de dados de PHILIPPS SEWELL JAYNES 2008

33

noccedilatildeo de emancipaccedilatildeo de Zygmunt Bauman (BAUMAN 2001) Segundo o autor haacute

uma diferenccedila importante a ser ressaltada entre a liberdade de jure e a liberdade de

facto que ocorrem na modernidade

Bauman (2001) explica que na modernidade os indiviacuteduos natildeo tecircm sua

identidade ligada a instituiccedilotildees sociais ou princiacutepios universais No lugar disso hoje

haacute uma autoconstruccedilatildeo fluiacuteda das identidades isso significa que haacute uma valorizaccedilatildeo

das diferenccedilas e que a identidade eacute continuamente definida e redefinida pelos proacuteprios

indiviacuteduos

Nesse sentido parece que chegamos ao auge da liberdade humana

(BAUMAN 2001) poreacutem na verdade essa liberdade eacute tecircnue Isso porque houve um

esvaziamento das funccedilotildees do Estado em relaccedilatildeo agraves escolhas dos indiviacuteduos ou seja

cada um escolhe sua identidade e seu modo de vida e deve se responsabilizar por

essas escolhas (BAUMAN 2001) A consequecircncia disso eacute uma esfera puacuteblica

constituiacuteda por aglomeraccedilotildees de anseios individualizados mas que natildeo conseguem

afetar a agenda puacuteblica porque natildeo ultrapassam a barreira de demandas individuais

para uma demanda maior e comum (BAUMAN 2001)

Entatildeo as pessoas satildeo chamadas cada vez menos a buscar respostas para suas

demandas na sociedade e no Estado mas em si mesmas (BAUMAN 2001) e seu

fracasso ou sucesso tambeacutem eacute de sua inteira responsabilidade Entatildeo surge a

diferenciaccedilatildeo de Bauman quanto aos tipos diferentes de liberdade amenizando o auge

da liberdade que supostamente vivemos

Os indiviacuteduos tecircm liberdade de escolha e satildeo responsabilizados pelas mesmas

poreacutem natildeo encontram recursos praacuteticos para realizar suas escolhas (BAUMAN

2001) Daiacute a contraposiccedilatildeo entre liberdade de jure e liberdade de facto A primeira

corresponde agrave liberdade formal muitas vezes colocada em lei que os indiviacuteduos

teriam agrave sua disposiccedilatildeo Mas a liberdade de facto ou seja a realizaccedilatildeo dos seus

anseios e decisotildees natildeo ocorre muitas vezes porque faltam condiccedilotildees materiais para

que isso aconteccedila Nessa contradiccedilatildeo que a condiccedilatildeo de emancipaccedilatildeo dos indiviacuteduos

natildeo eacute atingida porque natildeo conseguem efetivar a autodeterminaccedilatildeo de seus destinos

Essa questatildeo da emancipaccedilatildeo se torna relevante quando discutimos o realismo

criacutetico porque no tema estudado existe essa contradiccedilatildeo entre o que eacute de jure que faz

34

parte da esfera atual e o de facto que estaacute na esfera empiacuterica das condiccedilotildees extra-

discursivas dos indiviacuteduos de saiacuterem de um problema no caso a violecircncia de gecircnero

34 A pesquisa de campo e a coleta de dados

Para darmos continuidade agrave pesquisa fizemos algumas visitas de campo A

coleta de dados qualitativos foi com base em um roteiro semiestruturado que se

encontra disponiacutevel nos anexos Antes de cada entrevista foi acordado com cada

entrevistado a o termo de consentimento para uso das mesmas tambeacutem em anexo As

conversas foram gravadas a partir do consentimento dos entrevistados e transcritas agrave

posteriori Depois selecionamos os trechos mais relevantes para a pesquisa e

organizamos segundo os temas mais recorrentes Em seguida organizamos esses

temas recorrentes de acordo com a estratificaccedilatildeo ontoloacutegica do realismo criacutetico

Dessa forma primeira etapa da coleta de dados foi realizada em Janeiro de

2015 em Goiaacutes Ateacute 2014 existia uma Secretaria de Poliacuteticas para as Mulheres e

Promoccedilatildeo da Igualdade Racial (SEMIRA) Nessa secretaria havia e haacute ainda na nova

superintendecircncia haacute uma accedilatildeo da Secretaria Federal de Poliacuteticas para as Mulheres de

unidades moacuteveis para mulheres do campo e da floresta No caso de Goiaacutes consiste

em disponibilizar ocircnibus que iam de Goiacircnia para as cidades do interior com equipes

multidisciplinares para fazer palestras sobre violecircncia de gecircnero informar a

populaccedilatildeo e dar assistecircncia (meacutedica psicoloacutegica juriacutedica) agraves mulheres que

procurassem a equipe Nas eleiccedilotildees de 2014 Marconi foi reeleito governador de

Goiaacutes no entanto mudou a estrutura das suas secretarias dissolvendo a SEMIRA e

colocando a pasta das mulheres numa secretaria muito mais ampla a Secretaria da

Mulher do Desenvolvimento Social da Igualdade Racial dos Direitos Humanos e do

Trabalho

A pesquisa de campo em Goiaacutes aconteceu em trecircs cidades Caldas Novas

Goiacircnia e Professor Jamil Os oacutergatildeos e entidades entrevistados em ordem

cronoloacutegica foram CREAS Secretaria Estadual da Mulher Desenvolvimento Social

Igualdade Racial Direitos Humanos e Trabalho Equipe de Unidades Moacuteveis

35

DEAM Centro Popular da Mulher Observatoacuterio de Seguranccedila Puacuteblica e Secretaria

Municipal da Mulher de Professor Jamil

Comeccedilamos a parte de campo da pesquisa em Caldas Novas cidade a 167

quilocircmetros de Goiacircnia com 70473 habitantes sendo da 2759 zona rural e 67714

da zona urbana (IBGE 2015) Caldas Novas natildeo possui um oacutergatildeo especiacutefico da

prefeitura para lidar com a violecircncia de gecircnero O uacutenico oacutergatildeo responsaacutevel por

receber as viacutetimas desse tipo de violecircncia eacute o CREAS que atende mulheres idosos

crianccedilas e adolescentes em situaccedilatildeo de vulnerabilidade

A seguir realizamos entrevistas na Secretaria da Mulher do Desenvolvimento

Social da Igualdade Racial dos Direitos Humanos e do Trabalho em uma Delegacia

Especializada em Atendimento agrave Mulher e no Observatoacuterio de Seguranccedila Puacuteblica da

Secretaria de Seguranccedila Puacuteblica de Goiaacutes Goiacircnia eacute a capital de Goiaacutes com

aproximadamente 1302001 habitantes em 2010 (IBGEb 2015) Desse nuacutemero

1297155 estavam em aacuterea urbana e 4846 na zona rural (IBGEb 2015)

Finalmente a uacuteltima entrevista de campo em Goiaacutes foi em Professor Jamil Eacute

uma cidade a 70 quilocircmetros de Goiacircnia com 3239 habitantes sendo 978 da zona

rural e 2261 da zona urbana (IBGEc 2015) A cidade foi indicada pela equipe de

unidades moacuteveis da Secretaria da Mulher do Desenvolvimento Social da Igualdade

Racial dos Direitos Humanos e do Trabalho pela lideranccedila forte na cidade

Aleacutem da pesquisa de campo em Goiaacutes a segunda parte do campo consistiu em

conhecer tambeacutem a situaccedilatildeo de Satildeo Paulo Primeiramente buscamos informaccedilotildees

sobre as poliacuteticas puacuteblicas existentes para combater a violecircncia de gecircnero na esfera do

governo estadual de Satildeo Paulo Foi muito dificultosa essa busca uma vez que natildeo haacute

secretaria especiacutefica e mesmo em sites de busca encontramos escassas referecircncias

como o Hospital Peacuterola Byington como accedilatildeo puacuteblica destinada a esse puacuteblico

especiacutefico Depois de muitas pesquisas encontramos no site da Secretaria de Justiccedila e

Defesa da Cidadania uma Coordenaccedilatildeo de Poliacuteticas para a Mulher (SAtildeO PAULO

2015) Achamos simboacutelico essa coordenaccedilatildeo aleacutem de ser pouco visiacutevel estar listada

em uacuteltimo lugar na lista de coordenaccedilotildees da secretaria e contar apenas com duas

pessoas em sua equipe

36

Infelizmente natildeo foi possiacutevel realizarmos entrevista com ningueacutem da equipe

do Peacuterola Byington pois devido a uma reforma do local a equipe natildeo aceitou nos

receber para uma entrevista Apesar disso tentamos em trecircs tentativas explicar que o

nosso foco era uma conversa com algueacutem da equipe e natildeo necessariamente conhecer

a estrutura fiacutesica Mesmo assim ningueacutem se disponibilizou a conceder uma entrevista

para a pesquisa

No mais conseguimos trecircs entrevistas em Satildeo Paulo com a coordenadora de

uma subsecretaria de poliacuteticas para as mulheres com uma delegada de uma Delegacia

Da Mulher (DDM) da Grande Satildeo Paulo e com uma representante do Nuacutecleo

Especializado de Promoccedilatildeo dos Direitos da Mulher (NUDEM) Como surgiu em Satildeo

Paulo a necessidade de manter anonimato de alguns entrevistados optamos por

manter a uniformidade da pesquisa e natildeo identificar nenhum dos entrevistados Tendo

em vista que foram bastante entrevistados decidimos adotar nomes fictiacutecios para os

mesmos a fim de situar melhor o leitor em relaccedilatildeo agraves citaccedilotildees presentes na anaacutelise

dos discursos

Tambeacutem com o intuito de facilitar a leitura codificamos com cores a partir

das caracteriacutesticas da organizaccedilatildeo em que o entrevistado trabalha Sendo assim a cor

azul se refere a profissionais de assistecircncia social mais geral isto eacute sem foco para o

Tabela 2 Quadro de Entrevistados

Fonte Autoria proacutepria

37

atendimento a mulheres Por sua vez a cor roxa eacute para sinalizar os entrevistados que

trabalham no primeiro ou terceiro setor em organizaccedilotildees voltadas especificamente

para mulheres em um sentido amplo O laranja eacute para organizaccedilotildees policiais e por

fim o verde representa as instacircncias do poder judiciaacuterio especiacuteficas para mulheres

38

4 A Anaacutelise

41 As poliacuteticas puacuteblicas de violecircncia de gecircnero no Brasil

Por traacutes desses nuacutemeros preocupantes haacute uma construccedilatildeo de sentidos sobre o

eacute violecircncia contra a mulher suas causas consequecircncias e qual o desenho adequado

das poliacuteticas puacuteblicas O tema definitivamente entrou na agenda puacuteblica brasileira

somente no final dos anos setenta com o aumento do nuacutemero de assassinatos de

mulheres de classe meacutedia e a visibilidade dada agrave questatildeo pela miacutedia e autoridades

(BANDEIRA 2014) o que natildeo implica que os sentidos da violecircncia contra mulher

natildeo estejam em constante negociaccedilatildeo Nessa mesma eacutepoca a violecircncia contra a

mulher se transformou na principal bandeira do movimento feminista brasileiro

(BANDEIRA 2014) Bandeira (2014) relata que a partir disso e com a abertura

democraacutetica a sociedade civil se aliou agrave academia para pressionar politicamente em

prol de uma resposta do Estado a esse problema Podemos perceber que a violecircncia

de gecircnero nesse periacuteodo era entendida como violecircncia sexual sobretudo cometida por

maridos e ex-companheiros

A primeira mudanccedila foi a transformaccedilatildeo dos ldquocrimes de violecircncia sexual

como crimes contra a pessoa natildeo mais contra os costumesrdquo (BANDEIRA 2014 pg

452) Logo em seguida 1985 foram criadas delegacias proacuteprias para esse problema

as Delegacias Especiais de Atendimento agraves Mulheres com a visatildeo de era necessaacuterio

endereccedilar o problema das mortes das mulheres com um olhar feminino com maior

prioridade do que a violecircncia mais ampla sofrida no dia-a-dia pelas mulheres Essa

medida deu visibilidade agrave violecircncia sobretudo pelo criaccedilatildeo de um canal que

possibilitou o aumento de denuacutencias por parte das viacutetimas

Nos anos noventa comeccedilaram as accedilotildees de Casas de Abrigo para receber

mulher em risco de vida hoje contando com 80 espalhadas pelo paiacutes (BANDEIRA

2014) Apesar de o novo contexto poliacutetico de redemocratizaccedilatildeo nesse periacuteodo ter

aberto ldquonovos canais institucionais e estruturas de alianccedilas ineacuteditos para o movimento

feminista brasileirordquo (MACIEL 2011 p97) houve um retrocesso em termos de

poliacuteticas puacuteblicas para combater agrave violecircncia de gecircnero A mesma foi enquadrada na

39

Lei nordm 909995 que discorre sobre o julgamento de crimes de ldquomenor potencial

ofensivordquo (BANDEIRA 2014) e portanto busca a conciliaccedilatildeo das partes e prevecirc

uma pena de no maacuteximo dois anos de reclusatildeo (BANDEIRA 2014) Nesse mesmo

ano foram criados os Juizados Especiais Criminais que ldquose tornaram rapidamente o

escoadouro de denuacutencias de agressotildees contra a mulher nos acircmbitos domeacutestico e

familiarrdquo (MACIEL 2011 p103) mas operando em uma loacutegica de impunidade dos

agressores e desatenccedilatildeo agraves viacutetimas Bandeira (2014) ressalta a opiniatildeo generalizada

dos operadores juriacutedicos de que era desnecessaacuterio criar uma lei especiacutefica para tratar

da violecircncia de gecircnero (BANDEIRA 2014)

Esse cenaacuterio mudou principalmente pela pressatildeo internacional uma vez que o

Brasil assinou compromissos com tratados e convenccedilotildees internacionais de Direitos

Humanos que tratavam da violecircncia de gecircnero de maneira ampla (BANDEIRA

2014) Isto eacute o Brasil foi movido a ressignificar a violecircncia de gecircnero incluindo

tambeacutem a violecircncia psicoloacutegica e moral como parte desse quadro caracterizando a

violecircncia de gecircnero como violaccedilatildeo dos direitos humanos (MACIEL 2011) e servindo

de base para a criaccedilatildeo da Lei Maria da Penha (BANDEIRA 2014) Segundo

Bandeira (2014) essa lei significou uma ldquonova forma de administraccedilatildeo legal dos

conflitos interpessoais embora ainda natildeo seja de pleno acolhimento pelos operadores

juriacutedicosrdquo (BANDEIRA 2014)

Essa lei trouxe pela primeira vez o reconhecimento da mulher como parte

lesada nos casos de violecircncia de gecircnero e a obrigaccedilatildeo de o Estado responder a esse

crime natildeo atraveacutes de mediaccedilatildeo de conflitos no acircmbito privado mas de garantias de

direitos no acircmbito puacuteblico agraves viacutetimas O projeto inicial foi feito pela CFMEA e

entregue agrave Secretaria Especial de Poliacuteticas para Mulheres em 2004 que depois o

encaminhou para o Legislativo (MACIEL 2011) Esse primeiro projeto natildeo tratava

da retirada de competecircncia dos Juizados Especiais Criminais para tratar de violecircncia

de gecircnero e natildeo estabelecia a criaccedilatildeo de outra instacircncia juriacutedica especiacutefica para tratar

da mesma (MACIEL 2011) Nesse meio tempo em 2003 o Executivo Federal

sancionou por meio da Lei n107782003 a obrigatoriedade de notificaccedilatildeo por toda a

rede de sauacutede puacuteblica e privada de todos os casos de violecircncia contra a mulher

(BANDEIRA 2014) No ano seguinte em 2004 lanccedilado o primeiro Plano Nacional

40

de Poliacuteticas Puacuteblicas para as Mulheres (MACIEL 2011) Ainda antes da aprovaccedilatildeo

da Lei Maria da Penha em 2005 foi implementado o Ligue 180 pela SPM que

encaminhava as denuacutencias para a Secretaria de Seguranccedila Puacuteblica ou para o

Ministeacuterio Puacuteblico (BANDEIRA 2014) Somente em 2006 foi aprovada LMP no

contexto relatado por Maciel

O calendaacuterio das eleiccedilotildees presidenciais e legislativas foi decisiva para

ampliar a capacidade de pressatildeo poliacutetica o movimento conseguiu a

aprovaccedilatildeo nas duas casas legislativas do substituto o Projeto de Lei n

372006 que afastava formalmente a competecircncia dos Juizados para o

tratamento dos processos oriundos de violecircncia domeacutestica (MACIEL 2011

p103)

A Lei Maria da Penha trata violecircncia de gecircnero como problema puacuteblico a

garantia dos direitos fundamentais e ldquotodas as oportunidades e facilidades para viver

sem violecircncia preservar a sauacutede fiacutesica e mental e o aperfeiccediloamento moral

intelectual e social assim como as condiccedilotildees para o exerciacutecio efetivo dos direitos agrave

vida agrave seguranccedila e agrave sauacutederdquo (MENEGHEL 2013 p692)

A Lei Maria da Penha foi um marco no histoacuterico do tratamento do Estado agrave

violecircncia de gecircnero pois foi pioneira na tipificaccedilatildeo da violecircncia Como coloca

Meneghel

A Lei Maria da Penha tipificou a violecircncia denominando-a violecircncia

domestica e a definiu como qualquer accedilatildeo ou omissatildeo baseada no gecircnero que

cause morte lesatildeo sofrimento fiacutesico sexual psicoloacutegico e dano moral ou

patrimonial agraves mulheres ocorrida em qualquer relaccedilatildeo iacutentima de afeto na

qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida

independentemente de coabitaccedilatildeo (MENEGHEL 2013 p693)

Depois de aprovada a lei no entanto o movimento feminista brasileiro se

deparou com uma nova agenda a de garantir a efetividade da implementaccedilatildeo da Lei

41

Maria da Penha Nesse sentido foi criado em 2007 pela alianccedila entre organizaccedilotildees

de mulheres e nuacutecleos universitaacuterios o Observatoacuterio Nacional de Implementaccedilatildeo e

Aplicaccedilatildeo da Lei Maria da Penha ldquopara produzir analisar e divulgar informaccedilotildees

sobre a aplicaccedilatildeo da Lei pelas delegacias Ministeacuterio Puacuteblico Defensoria Puacuteblica

poderes Judiciaacuterio e Executivo e redes de atendimento agrave mulherrdquo (MACIEL 2011

p104) No mesmo ano o Programa Nacional ade Seguranccedila Puacuteblica com Cidadania

do governo federal colocou como objetivo a criaccedilatildeo de Juizados de Violecircncia

Domeacutestica e Familiar (MACIEL 2011) Esse plano incluiacutea tambeacutem a necessidade de

capacitaccedilatildeo especiacutefica de agentes puacuteblicos para lidar com essas viacutetimas (MACIEL

2011) Jaacute em 2008 a ldquoCampanha 16 Dias de Ativismo pelo Fim da Violecircncia contra

as Mulheresrdquo foi realizada em parceria com a SPM e teve ampla adesatildeo da esfera

puacuteblica estatal e natildeo estatal nacional e internacional (MACIEL 2011)

Ou seja a accedilatildeo coletiva do movimento feminista brasileiro pressionou

primeiramente o poder Legislativo para incluir na agenda de poliacuteticas puacuteblicas o

problema da violecircncia de gecircnero Depois da vitoacuteria da aprovaccedilatildeo da Lei Maria da

Penha comeccedilou a pressionar os poderes Executivo e Judiciaacuterio para garantir que a

mesma fosse efetiva

42 Contextualizaccedilatildeo da Anaacutelise

O objetivo desse trabalho eacute compreender os diferentes sentidos dados agrave violecircncia

de gecircnero nos contextos urbano e agriacutecola Para entendermos melhor esse objetivo e

como iremos trabalhar para atingi-lo eacute necessaacuterio explicitar como ele estaacute

relacionado aos diferentes domiacutenios do Realismo Criacutetico (vide seccedilatildeo da metodologia

em que delimitamos esses domiacutenios e mostramos como se relacionam entre si) O

nosso foco nas evidecircncias de cada domiacutenio especificamente no tema de violecircncia de

gecircnero vai nos ajudar a analisar em seguida os dados coletados na pesquisa jaacute que

essas evidecircncias satildeo a ponte para a compreensatildeo dos domiacutenios abstratos

42

Domiacutenio Evidecircncias

Real Machismo

Atual Discursos sobre desigualdade de gecircnero e

violecircncia de gecircnero

Empiacuterico Poliacuteticas e accedilotildees puacuteblicas

Elementos extra-discursivos

Entatildeo precisamos entender quais os sentidos atribuiacutedos pelos entrevistados agrave

violecircncia de gecircnero Isso eacute relevante porque os sentidos atribuiacutedos delimitam a

compreensatildeo do problema no caso a violecircncia de gecircnero A maneira como o

problema eacute compreendido afeta quais os tipos de poliacuteticas puacuteblicas construiacutedas ou a

ausecircncia delas Essas poliacuteticas puacuteblicas por sua vez podem alterar a estrutura social

ou reforccedilar a mesma voltando para o domiacutenio do real Aleacutem disso essas poliacuteticas

puacuteblicas satildeo afetadas pelos elementos extra-discursivos como orccedilamento estrutura

fiacutesica e recursos humanos que por sua vez podem ser tanto causados por ou

causadores da estrutura social machista Ou seja podemos pensar que os locus de

formulaccedilatildeo eou implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo de

violecircncia satildeo esvaziadas de recursos como consequecircncia da falta de importacircncia dada

ao problema devido agrave estrutura social machista que permanece mas ao mesmo tempo

como instrumento de manutenccedilatildeo dessa mesma estrutura

Tambeacutem eacute interessante retomarmos as caracteriacutesticas da Anaacutelise Criacutetica do

Discurso para relacionaacute-las agraves entrevistas realizadas Primeiramente realismo criacutetico

eacute relacional (FAIRCLOUGH 2010) o que no caso significa que a estrutura social do

machismo os discursos sobre desigualdade de gecircnero e violecircncia de gecircnero e os

elementos extra-discursivos natildeo podem ser analisados separadamente Isto se deve ao

fato de que cada elemento interage com os demais sendo afetado e afetando-os

mutuamente Entatildeo natildeo podemos falar em machismo sem justificar sua existecircncia

Tabela 3 Os Domiacutenios do Realismo Criacutetico e suas Evidecircncias

Fonte Autoria proacutepria

43

enquanto estrutura social via suas manifestaccedilotildees tanto discursivas quanto extra-

discursivas Mas tambeacutem natildeo podemos pensar nessas manifestaccedilotildees sem entender a

relaccedilatildeo delas com a estrutura social que pode ser geradora eou influenciada pelos

discursos e elementos extra-discursivos

Aleacutem disso a anaacutelise criacutetica do discurso eacute dialeacutetica (FAIRCLOUGH 2010) Isso

significa que o machismo e a violecircncia de gecircnero natildeo podem ser analisados como

uma relaccedilatildeo causal uacutenica por exemplo a estrutura social machismo gera a violecircncia

de gecircnero No caso a estrutura social machista tem como uma das suas

consequecircncias manifestaccedilotildees como a violecircncia de gecircnero mas esta violecircncia atua

reproduzindo a estrutura social machista ou entatildeo transformando a mesma

Para entender melhor as entrevistas realizadas agrave luz da ontologia do realismo

criacutetico dividimos a anaacutelise da pesquisa em duas partes principais as manifestaccedilotildees

discursivas da estrutura social e suas manifestaccedilotildees extra-discursivas Na primeira

seccedilatildeo iremos partir do plano geral das manifestaccedilotildees do machismo e em seguida focar

na manifestaccedilatildeo especiacutefica de violecircncia de gecircnero E na segunda parte iremos

descrever e analisar questotildees de recursos humanos fiacutesicos e orccedilamentaacuterios

43 Manifestaccedilotildees discursivas da estrutura social

Durante a pesquisa encontramos evidecircncias de diferentes sentidos dados

pelos atores sobre desigualdade de gecircnero Mesmo com suas diferenccedilas a principal

referecircncia dos entrevistados eacute a cultura de que o mundo em geral eacute machista e o

Brasil o eacute com mais intensidade

Percebemos que a desigualdade entre os gecircneros envolve discursos que

acabam encontrando entraves durante as falas dos entrevistados Por exemplo

segundo Faacutebio a mulher eacute vista pela sociedade como sexo fraacutegil apesar ser na praacutetica

mais forte porque ldquose um homem pega uma gripe ele cai na cama e natildeo levanta pra

nada a mulher taacute de gripe ela taacute limpando casa taacute lavando vasilha taacute fazendo

almoccedilordquo Ele comeccedila o seu discurso preocupado com a visatildeo da sociedade de que a

mulher eacute um sexo fraacutegil e inferior ao homem demonstrando um discurso contraacuterio agrave

estrutura social machista No entanto ele muda seu discurso no meio da frase

44

justificando sua posiccedilatildeo contraacuteria a essa estrutura com exemplos de atividades

colocadas pela estrutura social machista como atividades de mulher limpar lavar

cozinhar

Luiz reforccedilou sua crenccedila no que seria a igualdade de gecircnero a ser perseguida

diante do discurso de Faacutebio

Natildeo significa vocecirc ser submisso vocecirc saber como deve ser conduzida

uma relaccedilatildeo um casamento Eacute questatildeo de respeito mesmo O significado forte

da famiacutelia o que significa famiacutelia Ou qual eacute a figura do pai qual eacute a figura

da matildee O que eacute a figura do homem dentro da sociedade o que eacute a figura da

mulher dentro da sociedade Entatildeo trabalhar essa questatildeo da igualdade eacute

muito difiacutecil porque a gente natildeo pode confundir com certas libertinagens E

tem mulheres hoje mal instruiacutedas que natildeo tecircm uma instruccedilatildeo pra que isso

aconteccedila

Nesse discurso Luiz reforccedila as figuras do homem e da mulher da estrutura

social machista pois atribui um sentido normativo agrave ideia de relaccedilatildeo casamento e

famiacutelia isto eacute coloca como sendo relaccedilotildees positivas onde existem claramente os

papeis da mulher e do homem e consequentemente coloca como relaccedilotildees negativas

relaccedilotildees que natildeo seguem esse padratildeo estabelecido socialmente Seu discurso

evidecircncia o machismo da esfera real podemos dizer que aqui se manifesta

inconscientemente quando afirma que a igualdade entre os gecircneros eacute ameaccedilada por

ldquolibertinagensrdquo que segundo ele decorrem de uma falha da mulher por falta de

ldquoinstruccedilatildeordquo de cumprir seu papel enquanto ldquofigura de mulherrdquo dentro de uma

relaccedilatildeo Nesse sentido tambeacutem haacute evidecircncias de que o sentido construiacutedo por ele de

um relacionamento eacute heteronormativo em que necessariamente deve haver a ldquofigura

do homemrdquo e a ldquofigura da mulherrdquo o que faz parte tambeacutem da estrutura social

machista

Esse reforccedilo dos papeis sociais desiguais seria explicado segundo Roberta

pela educaccedilatildeo sexista que ainda existe no Brasil em que homens e mulheres satildeo

educados diferentemente pelas famiacutelias e pelas escolas Ela explica que ldquogeralmente

45

os brinquedos que aguccedilam a criatividade da crianccedila satildeo masculinos a menina ainda

brinca com boneca com panelinha enfim com as lides domeacutesticasrdquo

Aleacutem disso outro fator apontado como importante para a desigualdade entre

os gecircneros eacute o arcabouccedilo juriacutedico que historicamente privilegiou os homens porque

segundo a Talita ldquonoacutes temos um paiacutes muito marcado pelo machismo nossa lei que

trata especificamente sobre o assunto eacute ainda muito jovem noacutes nos deparamos com

muitas injusticcedilas antes da existecircncia da Lei Maria da Penha ateacute algumas deacutecadas

atraacutes a mulher sequer votavardquo

Em contraposiccedilatildeo Ana Paula contou uma anedota para justificar que as

causas da desigualdade de gecircnero vatildeo aleacutem de leis

Aiacute eu chamei uma amiga a faxineira uma pessoa muito humilde

terceirizada () e aiacute eu perguntei lsquofulana vocecirc tem relaccedilatildeo com o seu

marido quandorsquo Aiacute ela ficou sem graccedila ela disse aiacute doutora E eu lsquoDiz pra

eles quandorsquo lsquoQuando ele querrsquo E aiacute eu acho que haacute um tempo longo entre a

cultura e a lei

A cultura nessa fala pode ser vista como parte da esfera atual em que os seres

humanos ativam as estruturas do domiacutenio real construindo sentidos a partir delas

Nesse caso o domiacutenio do real eacute a estrutura social machista que eacute ativada por meio da

cultura nesse caso citado por Ana Paula com evidecircncias de elementos de

sexualidade que influenciam e satildeo influenciados pela estrutura social desigual entre

homens e mulheres Jaacute a lei agrave qual Ana Paula se refere a Lei Maria da Penha faz

parte do domiacutenio do empiacuterico ou seja uma legislaccedilatildeo fruto de eventos e accedilotildees da

sociedade Quando a entrevistada diz que ldquohaacute um tempo longo entre a cultura e a

leirdquo ela mostra evidecircncias de que o domiacutenio do empiacuterico pode trazer inovaccedilotildees

como a Lei Maria da Penha Poreacutem isso natildeo significa que a lei necessariamente

revolucione a estrutura social como a cultura que nesse caso que continua

reproduzindo um comportamento sexual machista em que o homem determina

quando quer ter relaccedilotildees sexuais e a mulher natildeo tem voz

Na pesquisa surgiram dois sentidos dados agrave maneira como o machismo se

46

manifesta na sociedade relativos ao grau de instruccedilatildeo e agrave estrutura econocircmica O

primeiro foi reforccedilada pelos funcionaacuterios do CREAS visitado por Talita e por Rafael

Segundo os entrevistados quanto mais educaccedilatildeo e mais informaccedilatildeo chegam ateacute as

pessoas menos machistas elas satildeo Rafael afirmou que a falta de instruccedilatildeo das

mulheres da aacuterea rural decorrente de uma menor escolaridade e maior isolamento

seriam geradoras de uma subnotificaccedilatildeo de casos de violecircncia (vide seccedilatildeo 2) na zona

agraacuteria Ele conta que essa subnotificaccedilatildeo ldquoeacute incentivada primeiro no meu ponto de

vista pela questatildeo cultural da proacutepria mulher natildeo procurar que ela eacute mais

desprovida de informaccedilatildeo e tudo maisrdquo Consequentemente a diferenccedila nas

manifestaccedilotildees do machismo nas aacutereas rural e urbana seria a intensidade porque

segundo estes entrevistados a aacuterea rural teria um vatildeo de instruccedilatildeo e informaccedilatildeo

recebida em relaccedilatildeo agrave aacuterea urbana

Aqui temos dois elementos da esfera real dialogando entre si O grau de instruccedilatildeo

estaacute relacionado agrave estrutura social diferente entre aacutereas agraacuterias e urbanas E a

estrutura social machista tambeacutem se localiza no plano real como mencionamos

anteriormente Assim uma desigualdade estrutural de instruccedilatildeo agravaria uma outra

desigualdade de gecircnero no caso justificando elementos discursivos (atual) e extra-

discursivos (empiacuterico) que reforccedilam uma dupla desigualdade evidenciando uma

minoria dentro das minoria das mulheres as mulheres da zona agraacuteria

Por outro lado Laura e Roberta afirmaram a importacircncia das estruturas

econocircmicas na manifestaccedilatildeo do machismo Roberta colocou a questatildeo da composiccedilatildeo

da renda familiar porque ldquona aacuterea rural o homem continua sendo chefe de famiacutelia

mesmo que a legislaccedilatildeo tenha mudadordquo Aleacutem disso ela afirma que a estrutura do

trabalho do campo que eacute direcionada pelo homem aumenta seu poder na relaccedilatildeo

com a mulher Segundo Laura esse poder seria explicitado na maneira mais aberta de

o machismo se manifestar na aacuterea rural Segundo ela ldquoo cara diz lsquoeu natildeo querorsquo

lsquovocecirc natildeo vairsquo lsquoassim natildeo podersquo lsquoporque eu sou homemrsquo lsquoeu que faccedilo issorsquo lsquoessa eacute

a sua tarefarsquo isso (o machismo) eacute claro no mundo rural existe uma abertura maior

para se dizerrdquo

Outras evidecircncias da manifestaccedilatildeo do machismo na divisatildeo das tarefas

domeacutesticas e na proacutepria convivecircncia com a famiacutelia esteve presente no discurso da

47

Ana Paula Segundo ela a mulher tem na nossa sociedade a responsabilidade com a

casa e com a famiacutelia enquanto o homem fica mais livre dessas obrigaccedilotildees Um

exemplo que ela apresenta eacute ldquoateacute no meu bairro eu me irrito porque os homens vatildeo

beber no bar como que os homens vatildeo beber no bar e as mulheres tatildeo em casa

lavando passando cozinhando cuidando dos filhos no saacutebadordquo

Vitoacuteria mostrou que na aacuterea urbana a manifestaccedilatildeo do machismo estaacute

relacionada agrave sexualidade da mulher porque segundo ela as outras desigualdades de

gecircnero seriam dadas como conquistadas apesar de natildeo o serem efetivamente Por isso

ela afirma que ldquo(o machismo) fica essa coisa escondida escamoteadardquo O sentido

dado por Vitoacuteria ao falar de machismo ldquoescondidordquo nos remete ao domiacutenio do real

Isto eacute na aacuterea urbana avanccedilos foram sido logrados como a entrada da mulher no

mercado de trabalho gerando maior independecircncia financeira aumento gradual da

participaccedilatildeo poliacutetica das mulheres dentre outros Contudo essas mudanccedilas estatildeo no

campo do atual e do empiacuterico mas natildeo foram suficientes para mudar a esfera do real

levando agrave permanecircncia da estrutura social machista Ou seja o machismo permanece

ldquoescondidordquo em partes da vida social como na sexualidade da mulher que acabam

reforccedilando uma relaccedilatildeo desigual com a mulher colocada em situaccedilatildeo inferior ao

homem

Depois de um olhar mais geral para as manifestaccedilotildees do machismo agraves quais os

entrevistados deram sentidos olhamos mais especificamente nas entrevistas uma de

suas manifestaccedilotildees a violecircncia de gecircnero que perpassa pelos vaacuterios tipos de

violecircncia descritos na Lei Maria da Penha Na conversa com a equipe do CREAS

nos foi relatado que quase natildeo chegam queixas da zona agraacuteria mas a conclusatildeo da

equipe eacute de que a violecircncia na zona agraacuteria eacute mais psicoloacutegica do que fiacutesica Essa

conclusatildeo se baseia no seguinte discurso construiacutedo pela equipe

Entatildeo ela vem na cidade ela faz a compra ela vem matricular os

filhos na escola e soacute volta no outro ano E ela estaacute ali a alegria dela Agraves vezes

a gente percebe quando a gente atende uma mulher do campo ela sempre

traz uma manga uma fruta que ela que colhe E isso faz com que ela fique

realmente responsaacutevel pelos filhos pela casa por algumas coisas ali que

48

beneficiam muito o homem Por isso que a violecircncia fiacutesica natildeo acontece

Porque para acontecer a violecircncia fiacutesica precisa de muita ira E ela natildeo estaacute

vendo o que estaacute acontecendo aqui na cidade Quando o marido vem entregar

o leite se ele daacute um litro de leite para uma menininha ali Se ele tem um

casinho ali ou outro ali vocecirc entendeu Ele fica mais solto Ele eacute

responsaacutevel por suprir toda a necessidade ali da zona rural mas ela fica ali

cuidando de tudo

Nessa fala temos evidecircncias de que a construccedilatildeo de sentidos sobre as causas

da violecircncia de gecircnero acabam voltando para a estrutura social machista e colocando

a mulher como culpada pela situaccedilatildeo Isso porque o discurso coloca a ira como causa

da violecircncia fiacutesica e depois a ira como algo gerado pela insatisfaccedilatildeo da mulher com

os comportamentos do homem Assim a fala comeccedila com um tom normativo

positivo de que a mulher eacute feliz no campo e de que na aacuterea rural a violecircncia fiacutesica

natildeo ocorre mas depois acaba culpabilizando as mulheres da aacuterea urbana pela

violecircncia fiacutesica que ocorre na cidade porque se ocorre eacute em decorrecircncia de seus

comportamentos que geram a ira no homem

Segundo a Roberta as mulheres da zona rural sofrem um tipo de violecircncia que

eacute menos comum na aacuterea urbana a violecircncia patrimonial Isso ocorre porque apesar

de a mulher trabalhar no campo com a produccedilatildeo de alimentos e tarefas domeacutesticas

ela natildeo tem remuneraccedilatildeo pelo trabalho realizado e o homem acaba sendo quem tem

posse do patrimocircnio da famiacutelia e quem decide todos os gastos

Vitoacuteria por outro lado tem outro discurso

()violecircncia de gecircnero eacute violecircncia de gecircnero em todos os lugares

Mas assim eacute que eu acho que eacute difiacutecil de falar mas acho que natildeo acho que

assim (pausa) talvez uma outra questatildeo diferente talvez na aacuterea rural vocecirc

tenha mais essa questatildeo da concretude da questatildeo da localidade a violecircncia

ser fiacutesica domeacutestica natildeo eacute uma coisa tatildeo refinada quanto na aacuterea urbana

que hoje vocecirc vecirc violecircncias na internet vocecirc tem tecnologia para usar para

isso

49

Podemos entatildeo depreender que as diferenccedilas em termos da violecircncia de

gecircnero nas zonas rurais e urbanas satildeo ainda muito pouco compreendidas como

podemos perceber pela pluralidade de concepccedilotildees em termos do que acontece e pelas

notificaccedilotildees natildeo chegarem ateacute os locais que trabalham com mulheres em situaccedilatildeo de

violecircncia

Existem divergecircncias tambeacutem quanto ao que eacute poliacutetica de gecircnero e

consequentemente como ela deveria ser executada Para Ana Paula poliacutetica de

gecircnero eacute uma poliacutetica que reconhece a vulnerabilidade do gecircnero feminino frente ao

masculino e a partir disso tem um enfoque na equiparaccedilatildeo das desigualdades em

todas as secretarias e natildeo apenas em uma secretaria de poliacuteticas para as mulheres

especificamente

Em contraste a essa visatildeo Roberta defende a necessidade de um oacutergatildeo

especiacutefico para tratar da poliacutetica de gecircnero uma vez que existem especificidades

dessa poliacutetica puacuteblica que a organizaccedilatildeo seria responsaacutevel por garantir Segundo ela

Se jaacute houvesse a equidade de gecircnero seja no trabalho na casa enfim nas

relaccedilotildees natildeo precisaria mesmo de um organismo Mas como a mulher tem

questotildees especiacuteficas como a sauacutede da mulher o trabalho da mulher a

capacitaccedilatildeo entatildeo noacutes temos que ter poliacuteticas puacuteblicas desenvolvidas em um

espaccedilo puacuteblico e que esse espaccedilo se comunique com os demais porque as

poliacuteticas satildeo transversais Quando noacutes falamos de mulher noacutes estamos

falando de sauacutede de educaccedilatildeo de seguranccedila que satildeo poliacuteticas que estatildeo

sendo desenvolvidas em outras aacutereas institucionais Mas a importacircncia da

concentraccedilatildeo em um organismo eacute porque esse organismo vai fazer a

articulaccedilatildeo com os demais promover essa transversalidade e de fato

implementar essas poliacuteticas especiacuteficas

Eacute interessante notar tambeacutem que haacute uma diferenccedila nos discursos quanto agrave

igualdade de gecircnero que foi apontada pela maioria dos entrevistados como o objetivo

da poliacutetica de gecircnero Segundo Vitoacuteria a igualdade buscada por esse tipo de poliacutetica

50

seria material ou seja efetivar as igualdades da lei entre homens e mulheres Jaacute para

Talita essa poliacutetica seria responsaacutevel por ldquotentar adequar todas essas diferenccedilas e

natildeo igualar todos porque natildeo somos iguais mas tentar equilibrar para que todos noacutes

possamos viver pacificamente e sem existir essa relaccedilatildeo de subordinaccedilatildeo que haacute

muitas vezes entre homem e mulherrdquo

O sentido dado por Roberta a poliacuteticas transversais eacute de que estamos falando

de uma poliacutetica que envolve diferentes segmentos da atuaccedilatildeo puacuteblica e por isso de

vaacuterios atores envolvidos na formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas de

gecircnero Nesse sentido existe a necessidade de ldquofazer um processo de convencimento

dos gestores sobre a importacircncia dessas poliacuteticasrdquo

Essa ideia foi explicada tambeacutem por Vitoacuteria quando relatou o desafio na

praacutetica de lidar com o caraacuteter transversal da poliacutetica de gecircnero

O desafio eacute a visatildeo de poliacutetica de gecircnero Muita gente fala a gente

estaacute com tanta preocupaccedilatildeo por que a gente vai se preocupar com isso

Como se fosse o acessoacuterio ou o a mais neacute o plus Acho que essa visatildeo ela eacute

de todas as instacircncias no executivo no legislativo e dentro da defensoria haacute

esse visatildeo de que natildeo peraiacute a gente tem pouca gente pouco dinheiro entatildeo a

gente vai investir no que realmente eacute importante E isso nunca eacute a mulher

Entatildeo eu acho que vocecirc vai ver isso em todos os lugares que vocecirc visitar

porque eacute essa a visatildeo a sociedade vecirc assim Entatildeo isso eacute soacute a reproduccedilatildeo de

como a sociedade enxerga as questotildees de mulher as questotildees de mulher satildeo

sempre ah mulher eacute sensiacutevel mulher reclama muito mulher natildeo sei o que

natildeo eacute tatildeo grave assim exagera

As organizaccedilotildees agraves quais foi dado o papel de realizar uma poliacutetica puacuteblica

transversal com o vieacutes de gecircnero satildeo a Subsecretaria de Poliacuteticas para as mulheres de

Goiaacutes a Secretaria da Mulher em Professor Jamil a Coordenadoria de Poliacuteticas para

as Mulheres do estado de Satildeo Paulo e o Nuacutecleo Especializado de Promoccedilatildeo de

Direitos da Mulher Os sentidos dados agrave transversalidade pelos entrevistados mostra

que o papel construiacutedo dessas organizaccedilotildees seria o de articular outras organizaccedilotildees do

51

Estado e conscientizaacute-las para as desigualdades de gecircnero dentro e fora das

organizaccedilotildees A partir dessa construccedilatildeo de sentidos do que eacute transversalidade e

atribuiccedilatildeo desse papel a organizaccedilotildees voltadas para a questatildeo da mulher estaacute

diretamente relacionado aos recursos materiais que satildeo destinados a essas

organizaccedilotildees (sobre os quais aprofundaremos na seccedilatildeo 4) porque satildeo vistas como

organizaccedilotildees paralelas agravequelas consideradas como ldquoprincipaisrdquo como podemos notar

no discurso da Vitoacuteria em que ela afirma que as dificuldades de atuaccedilatildeo do nuacutecleo

passam em geral pelo sentido secundaacuterio e marginal dada agrave questatildeo de gecircnero Ou

seja esses elementos discursivos e extra-discursivos acabam distorcendo a questatildeo da

transversalidade Isso porque a mesma surgiu de jure (BAUMAN 2001) como uma

maneira conseguir resolver problemas complexos tratando-os de maneira transversal

e acabou sendo utilizada de facto (BAUMAN 2001) como uma ferramenta para a

reproduccedilatildeo da estrutura social machista devido agrave impressatildeo que se cria de que o

problema de gecircnero estaacute sendo resolvido pela existecircncia dessas organizaccedilotildees com o

enfoque em gecircnero mas na praacutetica elas natildeo satildeo empoderadas nem na agenda nem no

orccedilamento

Portanto esses diferentes sentidos dados ao que eacute machismo violecircncia de

gecircnero poliacutetica de gecircnero transversalidade e a que servem e como deve ser

realizadoscombatidos satildeo importantes para entender quais os tipos de poliacuteticas

puacuteblicas efetivamente colocadas em praacuteticas (PHILIPPS SEWELL JAYNES 2008)

por essas diferentes organizaccedilotildees (vide seccedilatildeo 3 em que mostramos como os

elementos extra-discursivos dialogam com os discursos) Aleacutem disso nessa seccedilatildeo

encontramos evidecircncias de que a estrutura social machista tem uma forccedila muito

grande pois apesar algumas ressignificaccedilotildees (de a mulher natildeo ser sexo fraacutegil) ela

permanece latente no discurso voltando a reproduzir a estrutura de desigualdade de

gecircnero Nesse sentido os contextos agriacutecola e urbano parecem natildeo mudar a existecircncia

dessa estrutura social mas vamos averiguar a seguir se esses contextos apontam

diferenccedilas em relaccedilatildeo aos elementos extra-discursivos

52

44 Elementos extra-discursivos

Nessa seccedilatildeo iremos analisar os principais elementos extra-discursivos que

surgiram durante as entrevistas e se relacionam com os discursos apresentados

(PHILIPPS SEWELL JAYNES 2008) Satildeo eles a Lei Maria da Penha sobre a qual

discorremos no referencial teoacuterico a estrutura fiacutesica das organizaccedilotildees os recursos

humanos disponiacuteveis e as accedilotildees ou poliacuteticas puacuteblicas resultantes de suas atuaccedilotildees

A Lei Maria da Penha por ser um marco juriacutedico em relaccedilatildeo ao tratamento do

Estado agrave violecircncia de gecircnero em seus diferentes tipos surgiu em todas as entrevistas

como base para o trabalho realizado pelos diferentes organismos Do ponto de vista

das soluccedilotildees segundo Vitoacuteria foi importante para fortalecer os movimentos sociais

que lutavam pela questatildeo da mulher e abrir espaccedilo entatildeo para que esses movimentos

exigissem esse olhar dentro de diferentes instituiccedilotildees como a defensoria puacuteblica

Contudo Ana Paula reforccedila que a Lei Maria da Penha foi precedida por algumas

leis que na verdade ainda natildeo satildeo de conhecimento pela populaccedilatildeo em geral Ela

relata um caso que lhe aconteceu na delegacia da mulher

Eu tinha recebido uma ocorrecircncia que era um homem que tinha

enfiado uma faca na esposa dele casada haacute 30 anos porque ela comprou um

conjunto de panelas e ele discordava do entendimento dela de como se gastava

o dinheiro Entatildeo que ela era uma vagabunda dizendo ele Soacute que essa

vagabunda trabalhava era uma enfermeira padratildeo no hospital de Diadema e

ele estava haacute onze anos E aleacutem de trabalhar e sustentar ele ela lavava

passava cozinhava e ela entendeu que com o salaacuterio dela dava pra comprar

um conjunto de panelas Aiacute ele puxou a faca pra ela veio uma ocorrecircncia

falando da tentativa de homiciacutedio o filho falou lsquonatildeo vou testemunhar conta

meu pai ainda que eu ache que a minha matildee corre risco com elersquo A matildee natildeo

quer vem falar lsquonatildeo foi soacute um desentendimentorsquo ela vem de um ciclo de

violecircncia E eu natildeo ia ter nenhuma testemunha no inqueacuterito natildeo ia dar certo o

flagrante e aiacute eu falei bom ela natildeo vai dormir em casa porque a nossa

preocupaccedilatildeo natildeo pode ser em fazer um papel deve ser o de garantir a

53

seguranccedila da mulher E aiacute o marido vira pra mim e fala lsquoeu natildeo vejo motivo

para conceder o divoacuterciorsquo E aiacute eu tive um surto com ele porque eu falava lsquoo

senhor vive na idade da pedrarsquo Porque quando eu nasci jaacute tinha a lei do

divoacutercio mas para eles natildeo Ele ainda achava que ele tinha o direito de dar ou

natildeo o divoacutercio E isso foi em 73 E aiacute a gente comeccedila a olhar e ver quantos

anos demoram para uma populaccedilatildeo se apropriar daquela legislaccedilatildeo se eacute que a

lei pegue porque no Brasil tem lei que natildeo pega natildeo eacute um paiacutes seacuterio Mas a lei

Maria da Penha veio ele conhece a lei mas ele natildeo conhece a lei do divoacutercio

E isso eacute regra

Ou seja a Lei Maria da Penha que estaacute no domiacutenio do empiacuterico ou seja o

que eacute efetivamente experimentado pelos atores natildeo garante o entendimento de outras

leis que mudaram as relaccedilotildees familiares em termos legais e os direitos igualados de

jure (BAUMAN 2001) entre homem e mulher Entatildeo antes da Lei Maria da Penha

houve uma sucessatildeo de leis que reforccedilavam a estrutura social machista no domiacutenio do

real Mesmo com as novidades da Lei Maria da Penha portanto natildeo foi possiacutevel

revolucionar a esfera do real e isso fica evidente com a permanecircncia de outras leis

anteriores no imaginaacuterio das pessoas Aleacutem disso Ana Paula tambeacutem expocircs a

dificuldade de se implementar a Lei Maria da Penha de facto (BAUMAN 2001)

Entatildeo a gente tem dispositivos como autoridade policial civil deveraacute

garantir a seguranccedila da mulher e aiacute o tema da minha dissertaccedilatildeo aquela vez

foi a seguranccedila da mulher na Lei Maria da Penha Porque ela eacute linda mas

como que uma delegada com trecircs policiais garante a seguranccedila de alguma

mulher Eu queria saber porque o policial geralmente vai no foacuterum busca

laudo leva laudo e etc Um tem que ficar na delegacia porque geralmente os

homens natildeo respeitam as mulheres mesmo as mulheres policiais aiacute tem que ter

toda uma loacutegica dentro da poliacutecia e da questatildeo socioloacutegica da poliacutecia de que eacute

melhor ter uma forma ostensiva em determinados momentos do que ter que usar

a forccedila entatildeo eacute melhor ter policiais homens armados do que ter que ser duro

com o indiviacuteduo que vira e fala lsquoeu natildeo respeito mulherrsquo e eles falam isso E

54

natildeo eacute um desacato agrave autoridade policial civil eacute uma relaccedilatildeo de que eles natildeo

respeitam o gecircnero feminino como igual E isso eacute muito complicado Aiacute sobra

um policial que natildeo pode sair de viatura porque se natildeo eacute viatura

descaracterizada E aiacute eu tenho que garantir a seguranccedila da mulher Aiacute eu

tenho que colocar ela em um abrigo Qual abrigo Ah a prefeitura de Satildeo

Paulo agora parece que melhorou o sistema de abrigamento Eacute melhorou mas

pra isso a gente precisa fazer boletim de ocorrecircncia em uma delegacia que

esteja aberta 24 horas e a gente natildeo tem delegacia da mulher aberta 24 horas

Ou seja faltam recursos humanos e orccedilamentaacuterios para manter a delegacia

funcionado bem e por 24 horas elementos do domiacutenio empiacuterico e a proacutepria lida

diaacuteria da delegada mulher com o machismo a impede de realizar seu trabalho sem ter

o acompanhamento de um homem Satildeo evidecircncias de que a criaccedilatildeo de delegacias

especializadas apesar de terem sido um avanccedilo estaacute longe de apresentarem uma

transformaccedilatildeo agrave estrutura social desigual uma vez que a distribuiccedilatildeo material

insuficiente impacta na reproduccedilatildeo das desigualdades de gecircnero

Mostrando essa dificuldade por um outro vieacutes Talita afirmou que a Lei Maria

da Penha fez com que as pessoas olhassem para as delegacias da Mulher como uma

ldquoceacutelula de expansatildeo de poliacuteticas puacuteblicasrdquo quando segundo ela a delegacia da

mulher e uma ldquodelegacia como qualquer outra a gente estaacute aqui para prender o

agressor investigar concluir processo e encaminhar ao poder judiciaacuteriordquo Esse

discurso de Talita mostra que o sentido dado por ela agrave delegacia especializada eacute de

uma delegacia como qualquer outra Isso implica que mesmo havendo uma tentativa

de jure (BAUMAN 2001) em trazer ferramentas no domiacutenio do empiacuterico para

combater a violecircncia contra a mulher de facto (BAUMAN 2001) a delegacia da

mulher sendo vista pelos atores que dela participam como uma delegacia da mulher

acaba sendo uma forccedila de manutenccedilatildeo da estrutura social machista no domiacutenio do

real

Outro discurso importante sobre a Lei Maria da Penha que surgiu na pesquisa

de campo foi a Joana O sentido atribuiacutedo por ela agrave Lei Maria da Penha eacute de ceticismo

porque de acordo com ela as mulheres voltam com um papel de medida protetiva

55

que natildeo serve para nada assim como a tornozeleira natildeo salva a mulher Segundo

Joana se o homem quer matar a mulher natildeo vai ser isso que vai impedi-lo e nem haacute

recursos suficientes para que o poder puacuteblico impeccedila que isso aconteccedila em sua cidade

e seus arredores

Inclusive na entrevista ouvimos pela uacutenica vez durante a pesquisa viacutetimas de

violecircncia de gecircnero duas mulheres que vieram fugidas para a cidade do Uma veio de

Trindade (Goiaacutes) fugindo agrave noite com os seis filhos e sua matildee do marido que a

agredia psicologicamente e fisicamente A secretaacuteria a ajudou quando chegou

encaminhando-a para atendimento psicoloacutegico no CRAS e conseguindo um emprego

para ela recomeccedilar a vida Ateacute hoje ela estaacute laacute escondida do marido e segundo ela

ela jaacute tinha procurado duas vezes delegacias comuns por serem as disponiacuteveis na sua

regiatildeo e que a Lei Maria da Penha e a medida protetiva natildeo ajudaram em nada a

situaccedilatildeo

Para Joana esse eacute um exemplo de vaacuterios que a levam a construir um sentido

de que as mulheres quando natildeo querem mais ficar com os maridos e conseguem

largam tudo e fogem Isso porque segundo ela as mulheres que fazem denuacutencias as

fazem na esperanccedila de mudar o comportamento dos seus parceiros para continuar

com eles e natildeo para que eles sejam presos Isso coloca em evidecircncia que de facto

(BAUMAN 2001) a lei natildeo consegue mudar a estrutura social

Queremos compreender melhor a distribuiccedilatildeo material que as organizaccedilotildees

entrevistadas possuem hoje para realizarem seu trabalho As pesquisas em Goiaacutes e em

Satildeo Paulo foram conduzidas nos locais de trabalho dos entrevistados o que

possibilitou conhecermos sobre o espaccedilo em que essas poliacuteticas estatildeo sendo

realizadas e a dimensatildeo das equipes por traacutes das mesmas Escolhemos descrever essas

condiccedilotildees de algumas organizaccedilotildees que melhor contribuem para nossa interpretaccedilatildeo e

anaacutelise

O CREAS de uma cidade do interior do estado de Goiaacutes por exemplo fica em

uma casa teacuterrea com uma sala pequena na entrada onde satildeo recebidas as viacutetimas A

maior parte da equipe do CREAS eacute composta por homens e a entrevista foi realizada

com trecircs membros da equipe o coordenador a assistente juriacutedica e o educador social

Percebemos que aleacutem de o centro natildeo ser um espaccedilo voltado especificamente para

56

mulheres a reproduccedilatildeo da estrutura social desigual estaacute claramente manifestada na

composiccedilatildeo da equipe que eacute composta por uma maioria masculina Aleacutem disso a

estrutura fiacutesica natildeo permite diferenciaccedilatildeo entre as populaccedilotildees em situaccedilatildeo de

vulnerabilidade atendidas Isto significa que homens mulheres e crianccedilas satildeo

atendidas em um mesmo local o que evidencia que no domiacutenio empiacuterico as chances

de mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia se sentirem agrave vontades para darem suas queixas

e buscarem ajuda no centro satildeo reduzidas sendo outro fator que contribui para a

manutenccedilatildeo da esfera real machista

Jaacute a Superintendecircncia de Poliacuteticas para Mulheres em Goiaacutes fica no centro de

uma cidade de Goiaacutes em uma estrutura de dois andares na avenida principal da

cidade Do lado de fora a pintura eacute roxa e estaacute bem sinalizada com campanha do

Disque-100 na fachada e a frase ldquoViolecircncia contra mulher natildeo tem desculpa tem

leirdquo O preacutedio tem uma secretaria com vaacuterias cadeiras na frente onde as pessoas se

identificam e satildeo encaminhadas para salas menores de acordo com a solicitaccedilatildeo

Enquanto esperamos pela entrevista nos abordaram quatro vezes por funcionaacuterias

diferentes perguntando se algueacutem jaacute tinha nos sido atendido Cada sala tem uma

funccedilatildeo especiacutefica assistentes sociais psicoacutelogos assistentes juriacutedicos todas de

atendimento localizadas no andar de baixo proacuteximas agrave entrada Tambeacutem no andar de

baixo no interior do preacutedio ficam as salas onde satildeo realizados trabalhos de

capacitaccedilatildeo e no andar de cima ficam as salas administrativas As condiccedilotildees materiais

desse local foram uma exceccedilatildeo em relaccedilatildeo agraves demais organizaccedilotildees visitadas Isso

porque a maioria dos profissionais satildeo mulheres e o atendimento natildeo eacute em um balcatildeo

mas diretamente com psicoacutelogas ou assistentes sociais em salas privativas Essas

condiccedilotildees no entanto natildeo satildeo estaacuteveis Como conta Roberta

Essa secretaria foi criada em 1987 ela chamava Secretaria Estadual

da Condiccedilatildeo Feminina E foram muito importantes esses quatro anos no

governo Henrique Santillo foram inovadores no sentido de implementar uma

poliacutetica que era muito pouco tratada no acircmbito institucional Entatildeo foi

fantaacutestico E nesse periacuteodo governamental houve poliacuteticas de seguranccedila para

a mulher sauacutede para a mulher enfim abriu um espaccedilo importante no Estado

57

de Goiaacutes Soacute que infelizmente os governos subsequentes extinguiram a

secretaria E ela soacute veio a ser retomada no primeiro governo Marconi Perillo

isso foi no final da deacutecada de noventa E ele criou uma superintendecircncia da

mulher e ela se tornou secretaria no governo seguinte e aiacute ela jaacute vem agora

dentro de um acircmbito institucional como secretaria de estado mesmo que

acoplado a ela por razotildees de ordem principalmente econocircmica e financeira

do estado tem a secretaria da mulher junto com outras aacutereas sociais e de

direitos humanos

Ou seja eacute importante relativizar a estrutura fiacutesica e equipe que vimos porque

historicamente a pauta da mulher foi tratada como um assunto secundaacuterio como

vimos no discurso de Roberta O impacto disso eacute que quando a situaccedilatildeo financeira do

estado complica a pauta eacute uma das primeiras que recebe cortes orccedilamentaacuterios ou eacute

acoplada a outras pautas como estaacute acontecendo agora A pauta da mulher que antes

jaacute dividia uma secretaria com a de desigualdade racial hoje foi incorporada por uma

secretaria guarda-chuva chama Secretaria Cidadatilde que abarca os temas da mulher do

desenvolvimento social da igualdade racial dos direitos humanos e do trabalho Isso

mostra que quando natildeo haacute mudanccedilas no domiacutenio real as mudanccedilas no domiacutenio

empiacuterico natildeo satildeo permanentes satildeo instaacuteveis e dependem de elementos extra-

discursivos que estatildeo sujeitos agrave estrutura social do real Ou seja quando a secretaria

tem condiccedilotildees financeiras ela pode ateacute colocar a questatildeo da mulher em pauta mas

assim que acontecerem momentos econocircmicos desfavoraacuteveis a igualdade de gecircnero

natildeo permanece na agenda pois nunca foi prioridade jaacute que estaacute inserida dentro de

uma estrutura social machista

A Delegacia Especializada no Atendimento agrave Mulher de Goiaacutes por sua vez

fica em um casaratildeo de dois andares no setor central de uma cidade de Goiaacutes Tem

uma sinalizaccedilatildeo discreta e eacute guardada por um policial militar na porta Entrando na

delegacia tem uma sala com banquinhos de madeira sem encosto para as viacutetimas e

seus acompanhantes aguardarem A delegacia de uma forma geral pareceu muito

interessada em estatiacutesticas e pouco sensibilizada com as viacutetimas que tratam

exatamente por esse nome e natildeo como cidadatildes O clima de maneira geral eacute tenso haacute

58

vaacuterias mulheres chorando esperando nos banquinhos pela oportunidade de subir as

escadas da delegacia Em frente aos bancos tem um grande balcatildeo que bloqueia a

entrada para o restante do edifiacutecio onde se encontra uma secretaacuteria Tudo tem que

passar antes por ela entatildeo as mulheres viacutetimas falam na frente de todo mundo a sua

queixa Enquanto esperava pela entrevista uma mulher chegou e mostrou hematomas

no braccedilo para a secretaacuteria e recebeu como resposta ldquoVocecirc tomou banho Isso eacute

sujeira ou eacute hematoma mesmordquo Quando satildeo chamadas para subir e serem atendidas

pela escrivatilde ou delegada respondem por um grito ldquoA viacutetima pode subirrdquo o que

acaba contribuindo para a estigmatizaccedilatildeo

Essa visita nos trouxe mais evidecircncias de que fazer organizaccedilotildees

especializadas eacute um avanccedilo sim mas que mesmo que elas sejam diferentes em sua

concepccedilatildeo o problema natildeo fica totalmente resolvido Nesse sentido enquanto natildeo

promovermos mudanccedilas na estrutura social do machismo novas legislaccedilotildees ou

organizaccedilotildees iratildeo promover mudanccedilas graduais Sem atacar essas causas a delegacia

especializada eacute uma reacuteplica da delegacia comum poreacutem com delegadas mulheres

mas que reproduzem a estrutura social machista no tratamento que elas datildeo agraves

viacutetimas no ambiente em que as mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia tecircm que frequentar

para ir atraacutes de seus direitos na forma como elas satildeo questionadas por estarem laacute

entre outros

Por fim fomos ateacute a Coordenadoria de Poliacuteticas para as Mulheres O

simbolismo eacute importante desde o momento de procurar essa secretaria na internet foi

muito complicado achar informaccedilotildees em sites de busca Mesmo depois de conseguir

encontrar em qual site maior a coordenadoria se encontra sua posiccedilatildeo no rol de

subsecretarias e coordenadorias da secretaria eacute a uacuteltima Aleacutem disso a entrevista em

si foi na coordenadoria que fica em um preacutedio antigo e central Descobrimos que a

coordenadoria fica no uacuteltimo andar da secretaria em uma sala mais escondida e natildeo

haacute identificaccedilatildeo da coordenadoria nos corredores como as demais do preacutedio que

estatildeo sinalizadas A coordenadoria consiste fisicamente em uma sala de reuniatildeo

acoplada ao escritoacuterio da Flaacutevia que eacute a uacutenica componente da equipe

59

Fomos tambeacutem ateacute uma cidade do interior de Goiaacutes a aproximadamente 70

quilocircmetros de Goiacircnia A Secretaria de Mulheres do municiacutepio soacute existe no nome

natildeo tem estrutura fiacutesica nem recursos financeiros apenas o cargo da secretaacuteria

Entatildeo o atendimento eacute feito na casa da secretaacuteria na sala de entrada onde tem duas

mesas de alumiacutenio juntadas e forradas com um pano um sofaacute e uma cadeira de cada

lado ao fundo tecircm equipamentos de cabelereiro profissatildeo que ela exercia Quando

chegamos laacute a sala estava cheia com pessoas se inscrevendo para o Minha Casa

Minha Vida com a ajuda da secretaacuteria e durante a conversa entraram vaacuterios cidadatildeos

de Professor Jamil e todos vinham com assuntos diversos a serem tratados por ela

Essa entrevista em Professor Jamil nos mostrou que agraves vezes apesar de

elementos extra-discursivos escassos como o caso de Joana existe a possibilidade de

tentar atacar as causas do machismo por exemplo chamando os homens para

conversarem nas rodas e promovendo o diaacutelogo mediado entre casais Mesmo assim

natildeo eacute isoladamente que se consegue combater uma estrutura social tatildeo forte quanto o

machismo

Pensando tanto nos discursos (seccedilatildeo 2) quanto nos espaccedilos e equipes

disponiacuteveis eacute possiacutevel perceber como eles se interligam com as accedilotildees dos oacutergatildeos

entrevistados Primeiramente para noacutes nenhuma das organizaccedilotildees entrevistadas

estatildeo formulando ou implementando poliacuteticas puacuteblicas no sentido que discutimos no

referencial teoacuterico de accedilatildeo organizada do Estado para combater um problema Isso

porque todas essas organizaccedilotildees realizam accedilotildees desconexas e pontuais para tentar

lidar com o problema sem atacar suas causas e reproduzindo as desigualdades de

gecircnero (domiacutenio real)

O CREAS visitado realiza atendimento de crianccedilas adolescentes mulheres e

idosos em situaccedilatildeo de vulnerabilidade social Durante a entrevista percebemos que

existe uma confusatildeo muito grande entre os tipos de atendimento que o CREAS

realiza tanto que quando foi perguntado sobre o que eacute poliacutetica de gecircnero a resposta

foi mais sobre poliacuteticas para adolescentes em situaccedilatildeo de vulnerabilidade

Jaacute a Superintendecircncia de Mulheres visitada seria responsaacutevel por formular

poliacuteticas puacuteblicas para esse puacuteblico-alvo De acordo com Roberta

60

A nossa principal poliacutetica eacute a garantia da seguranccedila tanto que noacutes

temos desde o atendimento primaacuterio da mulher atraveacutes de uma assistecircncia

social psicoloacutegica juriacutedica ateacute o abrigamento dessa mulher viacutetima de

violecircncia Entatildeo a gente direciona as nossas poliacuteticas nesse sentido Mas

tambeacutem noacutes temos que cuidar das outras questotildees que satildeo inerentes agrave mulher

a sauacutede a educaccedilatildeo e aiacute principalmente eu vejo hoje que o nosso papel

enquanto instituiccedilatildeo puacuteblica eacute desenvolver mesmo campanhas de

sensibilizaccedilatildeo

Fora isso a superintendecircncia estaacute capacitando 2500 profissionais servidores nas

aacutereas de educaccedilatildeo sauacutede movimentos sociais que trabalham com mulheres em

situaccedilatildeo de violecircncia Existe tambeacutem uma equipe especiacutefica da superintendecircncia

responsaacutevel pelas duas unidades moacuteveis que a secretaria recebeu em 2013 pelo

governo federal para atender mulheres do campo As unidades comeccedilaram o trabalho

indo ateacute o interior para prover serviccedilos de assistecircncia social juriacutedica e psicoloacutegica

No entanto a equipe se deparou com uma rede muito fragilizada e incapaz de

continuar o encaminhamento das demandas das mulheres

Aleacutem disso quando chegou na zona agraacuteria a equipe percebeu que lidar com

essas mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia da aacuterea rural era um desafio diferente do que

estavam acostumados na capital Isso porque as unidades moacuteveis iam para o campo

mas as mulheres tinham receio de entrar ou natildeo conseguiam chegar porque satildeo

ocircnibus rosas que chamam muita atenccedilatildeo e ficam inviaacuteveis para uma mulher nessa

situaccedilatildeo procurar sem ser vista por outras pessoas da regiatildeo e isso chegar ateacute o

agressor A taacutetica adotada entatildeo pelas unidades eacute

Quando vem uma solicitaccedilatildeo do municiacutepio a gente sempre procura

saber se eacute festividade porque para noacutes eacute melhor Porque aiacute tem a unidade

moacutevel e outros serviccedilos na praccedila em que ela pode transitar Soacute a unidade

moacutevel que eacute muito chamativa natildeo funciona Eacute um ocircnibus rosa e ela fica

mais acanhada A gente sempre procura incentivar o municiacutepio a promover

outras coisas ao mesmo tempo para preservar a mulher promover a diluiccedilatildeo

61

nesse espaccedilo e garantir minimamente que ela suba na unidade

Apesar disso quando visitamos a equipe eles natildeo estavam indo a campo

porque estavam em uma fase de transiccedilatildeo Como encontraram uma realidade

diferente da que imaginavam o seu trabalho agora estaacute sendo capacitar a rede montar

material fazer reuniotildees entre outros para tentar alinhar o trabalho de todos

Manuela esclarece

Nesse sentido o trabalho da equipe vem sendo reformulado porque

incialmente a ideia era ir ao interior e ser a porta de entrada das mulheres

viacutetimas de violecircncia levar informaccedilotildees sobre os seus direitos e onde buscar

ajuda e depois ter esse trabalho continuado pelos oacutergatildeos competentes mais

proacuteximos No entanto ao irem para o campo a equipe percebeu que a rede

estava despreparada para dar continuidade ao trabalho e que portanto seria

inuacutetil fazer o trabalho como anteriormente previsto sem dar a capacitaccedilatildeo

necessaacuteria

A Secretaria de Seguranccedila Puacuteblica por sua vez faz parte da rede de combate agrave

violecircncia contra a mulher e tem um papel importante tanto pelas DEAMs quanto pelo

monitoramento e fornecimento de informaccedilotildees criminais que servem de insumo para

a Secretaria da Mulher No entanto natildeo existe uma parceria soacutelida em que ambas as

secretarias atuam conjuntamente e amplamente em termos do estado e se

responsabilizam pela situaccedilatildeo das mulheres que sofrem violecircncia

Portanto a secretaria natildeo tem poliacuteticas puacuteblicas mais amplas em relaccedilatildeo ao

combate agrave violecircncia contra a mulher porque entende que essa competecircncia eacute da

Secretaria da Mulher O que a secretaria faz eacute atuar em regiotildees especiacuteficas

dependendo do gestor que estaacute em determinada aacuterea integrada de seguranccedila (regiatildeo

onde a poliacutecia militar e a poliacutecia civil tem a mesma circunscriccedilatildeo) Como nos disse

um major da secretaria

Que tipo de accedilatildeo preventiva que vai ser implementada em

62

determinado local depende de quem Do gestor que que estaacute ali naquela

regiatildeo em identificar qual eacute o problema dele em implementar essa questatildeo da

prevenccedilatildeo

No mais percebemos que tanto os centros de referencia CREAS e aqueles de

secretariassubsecretarias de mulheres quando existem quanto as delegacias

especializadas e os dados das secretarias de seguranccedila satildeo em geral voltados para

mecanismos juriacutedicos de proteccedilatildeo agrave mulher Mesmo havendo equipes de assistecircncia

social e psicoacutelogos em algumas instacircncias o foco principal das accedilotildees desses oacutergatildeos eacute

garantir medidas protetivas eou prender agressores

Aleacutem disso nos centros de referecircncia satildeo realizados estudos de caso

multidisciplinares para determinar o encaminhamento dado agrave viacutetima De acordo com

os discursos discutidos na seccedilatildeo anterior percebemos que apesar de parecer o

procedimento ideal a ser feito pode ser uma abertura para um julgamento social da

viacutetima pelos membros da equipe

Fora esses oacutergatildeos tivemos contato com o trabalho de uma entidade do

terceiro setor cuja atuaccedilatildeo era bastante diferente dos demais O Centro Popular da

Mulher trabalha sobretudo apoiando e ajudando as mulheres a se organizarem para

reivindicarem seus direitos Em relaccedilatildeo aos oacutergatildeos entrevistados a entidade parece

ser a mais presente na zona rural tanto em frequecircncia quanto em tempo de luta junto

agraves mulheres do campo

Aleacutem disso em termos de accedilotildees outra entrevista que apontou diferenccedilas foi

com a Joana cuja accedilatildeo era de busca ativa e de construccedilatildeo de espaccedilos de debate com

mulheres e homens Isso porque apesar da falta de apoio institucional da prefeitura

ela natildeo espera as mulheres buscarem ajuda No entanto isso soacute eacute possiacutevel porque ela

conhece todo mundo e fica sabendo do que acontece e entatildeo vai atraacutes do casal em

questatildeo E seu trabalho busca a conscientizaccedilatildeo das famiacutelias ela faz conversas de

roda e tambeacutem de casais em particular para tentar agir na causa do problema Suas

accedilotildees se baseiam na sua convicccedilatildeo de que a causa (seccedilatildeo 2 em que discutimos os

sentidos atribuiacutedos agraves caudas da violecircncia de gecircnero) estaacute na falta de respeito a

educaccedilatildeo machista e que isso soacute pode ser mudado se os homens estiverem

63

envolvidos nas accedilotildees de combate agrave violecircncia de gecircnero para tentar mudar o que a

sociedade pensa a maneira como a mulher eacute tratada

Nessa seccedilatildeo aprendemos que as manifestaccedilotildees extra-discursivas da estrutura

social machista varia de acordo com o contexto sobretudo em termos de recursos

materiais e equipe disponiacuteveis para combater a violecircncia de gecircnero nesse contexto

Aleacutem disso percebemos que as manifestaccedilotildees extra-discursivas estatildeo em constante

relaccedilatildeo com a manutenccedilatildeo da estrutura social como o exemplo de que as mulheres

natildeo conseguem alugar uma casa ou mudar o filho de creche afeta a possibilidade

praacutetica de sair de uma situaccedilatildeo de violecircncia Enfim discorreremos na proacutexima seccedilatildeo

com maior profundidade os resultados e as contribuiccedilotildees da pesquisa

64

5 Consideraccedilotildees Finais

Nossa pesquisa teve como objetivo responder agrave pergunta Como a estrutura

social do machismo se manifesta nos contextos urbano e agraacuterio A partir desse

trabalho notamos que a estrutura social do machismo estaacute presente nos dois

contextos urbano e agraacuterio poreacutem se manifesta de jeitos diferentes No contexto

agraacuterio de acordo com os entrevistados o machismo se manifesta de forma mais

aberta com o reforccedilo dos papeis tradicionais de gecircnero de que o papel da mulher eacute

cuidar da casa e dos filhos e o homem de prover financeiramente a famiacutelia estando

em uma posiccedilatildeo de superioridade Jaacute no contexto urbano a manifestaccedilatildeo da estrutura

social machista adquire outras formas sendo que haacute uma maior inserccedilatildeo da mulher no

mercado de trabalho e no discurso as pessoas natildeo reproduzem os papeis de gecircnero

tradicionais poreacutem na praacutetica acabam acontecendo ainda reproduccedilotildees desses mesmos

papeis de uma forma mais suacutetil pelo modo que a mulher deve se vestir pela

educaccedilatildeo diferente dada aos filhos de diferentes gecircneros etc

Tambeacutem nos perguntamos como essas manifestaccedilotildees do machismo satildeo

impactadas e impactam a formulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo

de violecircncia As manifestaccedilotildees do machismo impactam a formulaccedilatildeo de poliacuteticas

puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia porque levam a poliacuteticas com pouca

infraestrutura equipe e orccedilamento e porque abre uma brecha maior entre formulaccedilatildeo

e implementaccedilatildeo porque mesmo que se os formuladores natildeo tenham discursos

machistas no momento do discurso em accedilatildeo as accedilotildees nas delegacias especializadas

reproduzem papeis de gecircnero tradicionais e culpabilizam as mulheres em situaccedilatildeo de

violecircncia

Enfim queriacuteamos descobrir tambeacutem se existem ou natildeo diferenccedilas na

manifestaccedilatildeo do machismo especificamente em termos de violecircncia de gecircnero nas

zonas urbana e agraacuteria Nosso estudo mostrou via discursos que haacute muita divergecircncia

nesse ponto mas que a maioria dos entrevistados acredita que a diferenccedila eacute que no

contexto agraacuterio os tipos de violecircncia predominantes satildeo patrimonial e psicoloacutegico

enquanto no contexto urbano haacute uma maior incidecircncia de violecircncia fiacutesica

relativamente No entanto essa foi uma limitaccedilatildeo da pesquisa porque a quase-

65

totalidade dos entrevistados relatou estar discorrendo sobre algo de que natildeo conhece

por natildeo terem dados oficiais gerados sobre a violecircncia contra mulheres em zonas

agraacuterias e por natildeo terem contato com essas mulheres nas organizaccedilotildees em que

trabalham

Ao longo desse trabalho estudamos as principais referecircncias teoacutericas que

precisaacutevamos para analisar o problema em questatildeo principalmente para colocar em

evidecircncia que as poliacuteticas puacuteblicas estatildeo inseridas em lugares que influenciam e satildeo

influenciados pela construccedilatildeo de sentidos que ocorre no momento de determinaccedilatildeo de

um problema puacuteblica e de como ele seraacute tratado pelo Estado Nosso referencial

teoacuterico se juntou agrave metodologia o que permitiu natildeo soacute a organizar o conhecimento

cientiacutefico com base nas premissas da teoria mas tambeacutem a olhar para a nossa

pesquisa sempre com um olhar criacutetico de tentar enxergar as possibilidades de

mudanccedila da estrutura social

A partir do referencial teoacuterico e da metodologia demos iniacutecio ao trabalho de

estabelecer um roteiro semi-estruturado para as entrevistas depois conseguir agendar

as entrevistas fazer as mesmas transcrever as entrevistas e enfim analisar tudo

como um conjunto agrave partir da metodologia do realismo criacutetico e das referecircncias

teoacutericas que buscamos Isso nos permitiu enxergar os principais temas que surgiram

ao longo das entrevistas e organizaacute-los de acordo com os domiacutenios do realismo

criacutetico real atual e empiacuterico Depois disso estabelecemos um diaacutelogo entre o

referencial teoacuterico e as entrevistas de atores de organizaccedilotildees que lidam com a questatildeo

da violecircncia de gecircnero Isso foi relevante tambeacutem em termos metodoloacutegicos porque

percebemos que existem construccedilotildees de sentidos na academia que apontamos no

referencial teoacuterico que agraves vezes natildeo chegam agrave esfera dos atores que formulam e

implementam poliacuteticas puacuteblicas ou quando chegam elas impactam a esfera do atual

(discursos) sem necessariamente serem complementadas por mudanccedilas no domiacutenio

real (estrutura social de desigualdade de gecircnero) nem nos elementos extra-

discursivos que permitem mudanccedilas efetivas no domiacutenio empiacuterico (de poliacuteticas

puacuteblicas lidar com a questatildeo da violecircncia de gecircnero)

66

Nesse sentido um dos pontos que surgiu ao longo de todas as entrevistas foi o

foco das accedilotildees levadas a cabo pelas organizaccedilotildees Tanto no domiacutenio atual dos

discursos quanto no domiacutenio empiacuterico das poliacuteticas puacuteblicas o principal sentido

dado agrave violecircncia de gecircnero eacute de que a conscientizaccedilatildeo das mulheres se faz necessaacuteria

Os discursos vatildeo desde a falta de informaccedilatildeo da mulher a ira gerada tambeacutem pela

mulher a ausecircncia da mulher enquanto cumpridora de seu papel social na famiacutelia

dentre outros foram apontados como causas para a violecircncia de gecircnero Aleacutem disso

mesmo quando os discursos natildeo eram culpabilizadores da mulher eles giravam em

torno da cultura de modo bem geneacuterico como a sociedade patriarcal e machista

como causas para a violecircncia de gecircnero

Isso implica na transformaccedilatildeo desses discursos em accedilotildees de conscientizaccedilatildeo

como campanhas produccedilatildeo de informativos palestras entre outras Eacute interessante

perceber que natildeo haacute nesses casos poliacuteticas puacuteblicas que deem conta de efetivamente

resolver o problema de uma mulher em situaccedilatildeo de violecircncia isto eacute empoderaacute-la para

sair da situaccedilatildeo com meios materiais para fazecirc-lo e com uma proteccedilatildeo efetiva do

Estado em que ela eacute tratada como cidadatilde de direitos e natildeo como viacutetima Isso

demonstra que estatildeo sendo produzidos e reproduzidos discursos na esfera atual sem

necessariamente mudar a esfera real porque falta empoderamento das mulheres em

termos de recursos extra-discursos da esfera empiacuterica Aleacutem disso o tipo de accedilotildees

adotadas por essas organizaccedilotildees acabam sendo rasas porque ao mesmo tempo em

que natildeo atacam o problema diretamente na correccedilatildeo a posteriori tambeacutem natildeo lidam

com a causa no domiacutenio real isto eacute a estrutura social

Ou seja ao lidar somente com as mulheres em termos de conscientizaccedilatildeo a

maioria das organizaccedilotildees natildeo estaacute atacando a estrutura social porque os homens

fazem parte desta e natildeo satildeo chamados para a discussatildeo Aleacutem disso algumas dessas

accedilotildees de conscientizaccedilatildeo satildeo vazias ateacute para o puacuteblico-alvo as mulheres porque

muitas vezes as mulheres que buscam a ajuda do Estado para lidar com a violecircncia de

gecircnero natildeo sabem ler ou entatildeo natildeo podem atender a essas accedilotildees por estarem em

zonas agraacuterias em que estatildeo muito mais vulneraacuteveis em termos de exposiccedilatildeo ao

agressor ou ao resto da comunidade

67

Nesse sentido tambeacutem achamos relevante em todas as entrevistas a maneira

como satildeo recepcionadas as mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia De maneira geral satildeo

montadas equipes multidisciplinares que tratam cada situaccedilatildeo casuisticamente A

primeira vista nossa impressatildeo foi de que essa era uma boa maneira de lidar com o

problema da violecircncia domeacutestica porque cada mulher estaacute inserida em um contexto

diferente Poreacutem ao longo das entrevistas notamos que o domiacutenio do real acaba

influenciando esta casuiacutestica e diminuindo seu potencial empoderador Isso acontece

porque a estrutura social machista acaba levando a anaacutelise de caso para um

julgamento social da mulher em que muitas vezes o discurso anterior ao seu

atendimento (domiacutenio atual) influencia diretamente a ajuda que ela vai receber do

oacutergatildeo (domiacutenio empiacuterico)

Explorando mais a questatildeo das zonas urbana e agraacuteria haacute evidecircncias de que a

zona agraacuteria eacute muito pouco conhecida pelas organizaccedilotildees que lidam com a violecircncia

de gecircnero Em relaccedilatildeo ao contexto urbano as organizaccedilotildees parecem convergir mais

em termos de discursos sobre as manifestaccedilotildees do machismo nas cidades e as causas

da violecircncia de gecircnero nas mesmas Poreacutem o mesmo natildeo acontece em relaccedilatildeo agraves

zonas agraacuterias

Eacute importante ressaltar que na maioria das entrevistas quando explicamos os

objetivos da pesquisa os entrevistados comeccedilavam a conversa afirmando seu

desconhecimento do que acontece na aacuterea agraacuteria mesmo quando se tratavam de

organizaccedilotildees cuja amplitude de atuaccedilatildeo de jure (BAUMAN 2001) incluiacutea essas

localidades Agravam essa questatildeo tanto elementos extra-discursivos como a falta de

profissionais e dados pouco confiaacuteveis sobre o que acontece devido agrave subnotificaccedilatildeo

como tambeacutem os discursos formados pelos atores sobre a zona agraacuteria Apesar de se

colocarem quase sempre como incapazes de comentar sobre a zona agraacuteria ao longo

das entrevistas surgiram vaacuterios discursos sobre como o machismo de manifesta no

contexto rural as suas causas e como isso se tornava violecircncia contra a mulher

Notamos entatildeo que os sentidos construiacutedos eram muito heterogecircneos em relaccedilatildeo aos

entrevistados e formados com base em um caso especiacutefico com o qual tiveram

contato ou agraves vezes sem contato nenhum com mulheres da zona agraacuteria Isso mostra

como o domiacutenio do real eacute forte na determinaccedilatildeo dos discursos e a falta da

68

experimentaccedilatildeo empiacuterica dos atores com a realidade das mulheres em situaccedilatildeo de

violecircncia em contextos agraacuterios intensifica a estrutura social machista pela

reproduccedilatildeo de discursos machistas para suprir o vaacutecuo do conhecimento sobre essa

situaccedilatildeo

Por fim todos esses pontos colocados satildeo evidecircncias que mostram como os

trecircs domiacutenios da vida social impactam na existecircncia ou natildeo de poliacuteticas puacuteblicas para

mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia nas zonas urbana e agraacuteria Ou seja quando se

muda os discursos sem mudar os elementos extra-discursivos nem a estrutura social

as mudanccedilas natildeo satildeo profundas o suficiente para atacar um problema complexo como

este e acabam por vezes tendo um efeito perverso de reproduzir as causas deste

mesmo problema transmitindo a impressatildeo de que ele estaacute sendo de fato resolvido

51 Implicaccedilotildees para a Praacutetica

As reflexotildees geradas nesse trabalho pretendem ser uacuteteis para mudar o

problema na praacutetica dado os objetivos criacuteticos da ACD Nesse sentido acreditamos

que um dos achados que move accedilotildees praacuteticas eacute a invisibilidade da violecircncia contra a

mulher em contextos agraacuterios Natildeo haacute dados sendo gerados sobre essas mulheres em

situaccedilatildeo de violecircncia ateacute porque elas natildeo costumam chegar agraves instituiccedilotildees formais

que lidam com o problema Nesse sentido apontamos para a urgecircncia dessas

instituiccedilotildees buscarem ativamente essas mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia na zona

agraacuteria para conhecerem melhor as demandas especiacuteficas desse puacuteblico e poderem

entatildeo compreender melhor o problema

Tambeacutem no que diz respeito agrave invisibilidade haacute pouca produccedilatildeo acadecircmica

utilizando a ontologia do Realismo Criacutetico para se pensar em violecircncia de gecircnero e

natildeo encontramos nenhuma bibliografia que discuta o contexto especiacutefico de mulheres

em situaccedilatildeo de violecircncia em zonas agriacutecolas A academia poderia entatildeo ajudar a

colocar esse tema na agenda e a delimitar mais detidamente as manifestaccedilotildees da

estrutura social machista nesse contexto

Enfim acreditamos que uma contribuiccedilatildeo praacutetica estaacute relacionada agraves

evidecircncias encontradas de que a maior parte dos esforccedilos do poder puacuteblico para

69

atacar a violecircncia contra a mulher estaacute focada em campanhas de conscientizaccedilatildeo

Queriacuteamos apontar que uma contribuiccedilatildeo desse trabalho eacute apontar que as campanhas

de conscientizaccedilatildeo natildeo mudam nem a estrutura social nem os elementos extra-

discursivos das mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia como a necessidade de recursos

financeiros para poder sair de casa e caminhos institucionais para poder por exemplo

mudar os filhos de creche quando estatildeo nessa situaccedilatildeo

52 Limitaccedilotildees da Pesquisa

Apesar das contribuiccedilotildees teoacutericas e praacuteticas da pesquisa houve uma mudanccedila

no que se pretendia inicialmente estudar pela falta de dados acerca do contexto

agriacutecola e pouco contato das organizaccedilotildees com mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia

nesse contexto Dessa forma essa pesquisa eacute limitada porque apesar de querer

entender os diferentes contextos a compreensatildeo no contexto urbano foi muito maior

Nesse sentido os discursos coletados acerca do contexto agriacutecola eram

apontados pelos proacuteprios entrevistados como impressotildees infundadas por natildeo se

basearem na sua experiecircncia profissional nem em conhecimento teoacuterico pela

inexistecircncia de estudos Assim os discursos eram muito mais heterogecircneos do que os

que dizem respeito ao contexto urbano e demonstrou que natildeo haacute diagnoacutestico desse

problema e que os sentidos acerca do mesmo ainda estatildeo sendo construiacutedos pelos

profissionais que trabalham na aacuterea e por enquanto estaacute negociada mais a inaccedilatildeo do

que o como agir

Por fim como apontamos ao longo do trabalho natildeo encontramos experiecircncias

concretas de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia nas aacutereas

agraacuterias no estados de Goiaacutes e Satildeo Paulo Desta forma achamos relevante continuar

essa busca por experiecircncias que lidam com esse problema em uma pesquisa posterior

70

6 Referecircncias Bibliograacuteficas

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Caso em uma Empresa Organizada por Projetos Dissertaccedilatildeo (mestrado) - Escola de

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Administraccedilatildeo Contemporacircnea 5 Ediccedilatildeo Especial 11-34 2001

SPINK Peter On Houses Villages and Knowledges SAGEPUB 2001

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74

7 Anexos

71 Roteiro SEMIRA

1) Na sua opiniatildeo o que eacute poliacutetica de gecircnero Existe alguma

especificidade na hora de elaborar esse tipo de poliacutetica O que a diferencia eou

aproxima de poliacuteticas de outras aacutereas

2) O que vocecirc acredita que satildeo as causas das desigualdades de gecircnero A

SEMIRA combate as causas diretamente como

3) Como foi a evoluccedilatildeo do tratamento da questatildeo de gecircnero no Estado

Qual a estrutura organizacional da secretaria para lidar com a violecircncia de gecircnero

4) O que significa para vocecirc o fato de poliacuteticas de gecircnero serem

transversais Como isso se materializa na accedilatildeo da SEMIRA

5) Quais satildeo os desafios na hora de formular eou implementar poliacuteticas

transversais O machismo se manifesta nesses momentos na hora de lidar com outras

secretarias que natildeo atuam diretamente com a questatildeo de gecircnero

6) A mudanccedila para uma secretaria mais ampla em termos de temas

abarcados muda a maneira como a transversalidade eacute abordada Como

7) A transversalidade tambeacutem muda de acordo com os contextos urbanos

e rural Como ela se relaciona a esses contextos

8) Como o machismo se manifesta na sociedade E na aacuterea rural E na

aacuterea urbana Compare as duas Existem outros fatores culturais que diferenciam a

aacuterea rural e urbana e que influenciam a maneira como a violecircncia de gecircnero se

manifesta

9) Existe diferenccedila entre violecircncia de gecircnero nos acircmbitos rural e urbano

10) Se sim quais as implicaccedilotildees dessa diferenccedila E a secretaria incorpora

essa diferenccedila na formulaccedilatildeo das suas poliacuteticas puacuteblicas

11) O Estado consegue chegar a uma mulher viacutetima de violecircncia da

mesma maneira na aacuterea urbana e rural

12) Vocecirc sente diferenccedila na maneira como os funcionaacuterios policiais

delegados etc lidam com a violecircncia de gecircnero em zonas mais rurais ou urbanas

75

Como essa diferenccedila se manifesta e como a SEMIRA lida com a diferenccedila entre

atores parceiros

13) Como surgiu a SEMIRA Quais foram os atores importantes Qual

era e eacute a sua relaccedilatildeo da SEMIRA com outros oacutergatildeos do governo do Estado

14) Quais satildeo as poliacuteticas puacuteblicas da secretaria direcionadas para o

enfrentamento da violecircncia de gecircnero Como elas comeccedilaram Como elas

funcionam

15) Qual eacute o histoacuterico da poliacutetica dos ocircnibus multidisciplinares que vatildeo ao

campo Como foi a aceitaccedilatildeo pela populaccedilatildeo Continuidade

72 Formulaacuterio de Consentimento Entrevista

Mulheres em situaccedilatildeo de vulnerabilidade social Contextos Construccedilatildeo Simboacutelica

e Poliacuteticas Puacuteblicas

Beatriz Junqueira Kipnis

FGV-EAESP

Sou Beatriz Junqueira Kipnis aluna de graduaccedilatildeo em Administraccedilatildeo Puacuteblica

na Fundaccedilatildeo Getulio Vargas de Satildeo Paulo Estou fazendo uma pesquisa de iniciaccedilatildeo

cientiacutefica sob orientaccedilatildeo dos Prof Dr Marcus Vinicius Peinado Gomes e Prof Dr

Fernando Burgos O objetivo desta pesquisa eacute descobrir se e como os contextos

agriacutecola e urbano impactam na formulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em

situaccedilatildeo de violecircncia e quais as implicaccedilotildees de semelhanccedilas e diferenccedilas dos mesmos

para o cotidiano do puacuteblico beneficiaacuterio Gostariacuteamos de contar com a sua

participaccedilatildeo voluntaacuteria para a parte de campo da pesquisa pois acreditamos que

conhecer a experiecircncia praacutetica possibilitaraacute e enriqueceraacute as anaacutelises dessa pesquisa

Para isso deixamos explicitada nossa eacutetica de pesquisa e pedimos que assine esse

formulaacuterio em caso de consentimento

1 Confidencialidade

Esta entrevista tem como objetivo coletar informaccedilotildees para esta pesquisa e

portanto possui objetivo estritamente acadecircmico Qualquer comentaacuterio opiniatildeo ou

76

avaliaccedilotildees que vocecirc fizer seratildeo tratados com confidencialidade e analisados apenas

para os interesses desta pesquisa

2 Permissatildeo para citaccedilatildeo

Eu gostaria de poder citar diretamente trechos de nossa conversa nos relatoacuterios

e publicaccedilotildees oriundas desta pesquisa Caso deseje manter seu anonimato por favor

manifeste sua preferecircncia antes do iniacutecio da entrevista

3 Participaccedilatildeo

Sua participaccedilatildeo nesta pesquisa eacute voluntaacuteria e vocecirc natildeo receberaacute nenhum

pagamento para tal

Vocecirc pode decidir a qualquer momento por qualquer razatildeo em natildeo mais

fazer parte desta pesquisa Em caso de duacutevidas ou esclarecimentos vocecirc pode fazer

perguntas a mim em qualquer momento

3 Gravaccedilatildeo

Gostaria de pedir sua permissatildeo para gravar nossa entrevista com o uacutenico

proposito de facilitar o processo de pesquisa Se vocecirc natildeo concorda com a gravaccedilatildeo

por favor manifeste sua preferecircncia antes do iniacutecio da entrevista

Assinatura do Entrevistado ___________________________________________

Data _____________________________________________

Assinatura do Pesquisador _____________________________

Data _____________________________________________

Caso tenha alguma duacutevida sobre o estudo por favor entrar em contato com

Beatriz Kipnis bjkipnishotmailcom ou Dr Marcus Gomes marcusgomesfgvbr

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