fundamentos históricos, teóricos e metodológicos do serviço social (1)
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Fundamentos Histricos, tericos
e metodolgicos do servio social
mdulo
Professora Ma. Enilda Maria Lemos
unidade didtica Fundamentos Histricos
e tericos do servio social
BookUniderp63_ServSocial.indb 1 11/16/09 1:45:53 PM
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apresentao
Caro(a) aluno(a),
Os textos que compem a Unidade Didtica Fundamentos Histricos, Tericos e Metodolgicos do Ser-
vio Social abordam o Servio Social brasileiro aps 1964, a formao profissional e algumas manifestaes
da sociedade atual.
Com a preocupao de explicitar o Servio Social na sociedade monopolista, buscou-se observar o critrio
da unidade terica das obras pesquisadas, como foi feito na unidade didtica Fundamentos Histricos do
Servio Social.
A unidade didtica Fundamentos Histricos e Tericos do Servio Social est estruturada em nove aulas.
A aula 1 trata da perspectiva da modernizao conservadora do Servio Social; a aula 2 aborda a perspectiva
da reatualizao do conservadorismo do Servio Social e a perspectiva da inteno de ruptura; a aula 3 analisa
o movimento de reconceituao do Servio Social na Amrica Latina; a aula 4 discute a questo social e o Ser-
vio Social; a aula 5 tece consideraes sobre o neoliberalismo; a aula 6 versa sobre o movimento ambienta-
lista; a aula 7 trata do terceiro setor; a aula 8 aborda a importncia de o assistente social conhecer a Sociedade
contempornea; a aula 9 discute a assistncia social e o Servio Social.
importante que voc, aluno(a), leia todos os textos referentes unidade que fazem parte do livro e/ou
aqueles que sero postados no Portal.
Voc est convidado a adentrar a profundidade das anlises, lendo o texto original das obras pesquisadas.
Faa da leitura das obras originais uma preliminar para a leitura de textos clssicos, aqueles que revelam a
questo social: o objeto do Servio Social. Faa deles um componente da sua formao acadmica. Busque
muito mais...
Professora Ma. Enilda Maria Lemos
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AULA
1a PersPectiva da modernizao
conservadora do servio social
ContedoA implantao de empresas de capital internacional no Brasil
O processo de renovao do Servio Social
A perspectiva modernizadora do Servio Social
O Seminrio de Arax (MG) e o Seminrio de Terespolis (RJ)
Competncias e habilidadesCompreender os determinantes que levaram s adequaes na formao e atuao dos
assistentes sociais brasileiros, no perodo do regime militar de 1964
Ler e analisar textos que tratam da renovao do Servio Social tradicional no Brasil
Reconhecer os principais pontos da perspectiva da modernizao conservadora realizada
no regime militar na formao e atuao na rea de Servio Social
Material para autoestudoVerificar no Portal os textos e as atividades disponveis na galeria da unidade
Durao
2 h-a via satlite com professor interativo
2 h-a presenciais com professor local
6 h-a mnimo sugerido para autoestudo
INTRODUO
O presente trabalho faz consideraes acerca do
processo de renovao do Servio Social brasileiro,
que desembocou nas trs perspectivas do Servio
Social, discutidas por Jos Paulo Netto (2006): a mo-
dernizao conservadora, a que faz uma reatualiza-
o do conservadorismo e a que busca romper com
as formas tradicionais da profisso. Este texto, mais
especificamente, faz uma abordagem da perspectiva
da modernizao conservadora do Servio Social.
Para isso, fundamental que sejam feitas algu-
mas consideraes a respeito da dominao nos
pases da Amrica Latina aps a Segunda Guerra
Mundial, para que se possa compreender o con-
texto no qual o Servio Social do Brasil se desen-
volveu.
A obra que referencia este texto Ditadura e Ser-
vio Social: uma anlise do Servio Social no Brasil
ps-64, de Jos Paulo Netto.
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4Unidade Didtica Fundamentos Histricos e Tericos do Servio Social
A IMPLANTAO DE EMPRESAS DE CAPITAL
INTERNACIONAL NO BRASIL
Com a construo do bloco capitalista e do bloco
socialista, o capitalismo gerou algumas mudanas
na sociedade. Para Fernandes (1981, p. 21), aps a
Segunda Guerra Mundial, pases da Europa, sia e
Amrica lanaram estratgias em defesa do capita-
lismo. Uma dessas estratgias foi a implantao de
empresas norte-americanas e europeias na Amrica
Latina.
Moniz Bandeira, no estudo sobre cartis e desna-
cionalizao no Brasil, de 1964 a 1974, afirma que
a economia brasileira registrava alta concentrao
monopolstica nos anos 1950.1
Segundo Bandeira (1975, p. 10), o governo de
Juscelino Kubitschek de Oliveira2 fez concesses ao
capital internacional, como, por exemplo, ao apri-
morar a Instruo 113 da Sumoc3. Esse meca-
nismo massacrou o empresariado nacional e [...]
instituiu um regime de privilgios para capitalistas
estrangeiros, ou melhor, americanos (BANDEIRA,
1975, p. 10).
Nessa altura, o empresariado nacional, que atuava
de forma competitiva, teve que ceder ao capital in-
ternacional. Florestan Fernandes, num estudo sobre
capitalismo dependente e classes sociais na Amrica
Latina, afirma que as empresas locais
[...] foram absorvidas ou destrudas, as estruturas
econmicas existentes foram adaptadas s dimen-
ses e s funes das empresas corporativas, as
bases para o crescimento autnomo e a integrao
1 O Brasil, quele tempo, j registrava alta concentrao mo-nopolstica e, nos anos seguintes, dcada de 1950, tornou-se no-vamente campo de batalha dos grandes interesses estrangeiros, que, de um lado, disputavam entre si o mercado nacional e o controle das fontes de matrias-primas e, do outro, procuravam arrebatar e distorcer o processo de industrializao, na medida em que no mais podiam segur-lo, conforme as convenincias do sistema capitalista mundial. (MONIZ, 1975, pp.910).
2 Juscelino Kubitschek de Oliveira foi o presidente do Brasil de 31.01.1956 a 31.01.1961.
3 Instruo da Superintendncia da Moeda e do Crdito (SU-MOC) foi baixada no governo de Caf Filho, no incio de 1955, conforme Moniz (1975, p. 10).
nacional da economia, conquistadas to ardua-
mente, foram postas a servio dessas empresas e
dos seus poderosos interesses privados (FERNAN-
DES, 1981, p. 23).
Assim sendo, uma parte da burguesia (a parte
aliada aos Estados Unidos era a favor do capital in-
ternacional e a outra defendia o nacionalismo, pro-
vocando uma crise4 na burguesia. Conforme Iama-
moto (2004, pp. 7778), a crise se deu por presses
de ordem externa e interna.
A primeira era exercida pelas empresas de capi-
tal monopolista mundial com interesse no Brasil. A
outra presso vinha da burguesia local (que resistia
a mudanas) e dos trabalhadores.
A parte da burguesia nacional que era atrelada aos
norte-americanos resolveu a crise com o golpe de 1o
de abril de 1964.5 Para Bandeira (1975, pp. 1617),
em apoio concentrao do capital, o regime mi-
litar proibiu o sindicalismo, suprimiu os focos de
resistncia e agravou a explorao do trabalhador.
Como bem diz Iamamoto (2004, p. 77), os go-
vernos militares6 deram amplo apoio s empresas
internacionais. O capital monopolista contou com
[...] o respaldo de uma poltica econmica capaz
4 Pano de fundo dessa crise foi [...] a exigncia de adaptao da burguesia industrializao intensiva e aos novos ritmos econmico-sociais, transferidos de fora para a sociedade brasileira (IAMAMOTO, 2004, p. 78).
5 O Brasil, entre os anos de 1945 a 1963, teve frente governos populistas que defendiam o nacionalismo. Nos anos de 1960 a 1964, os movimentos sociais ganharam fora e apoiaram as Reformas de Base (reforma agrria e reforma urbana, por exemplo) e o nacional-desenvolvimentismo, proposto pelos governos populistas. Nesse perodo, configurou-se [...] o apro-fundamento e a problematizao do processo democrtico na sociedade e no Estado (NETTO, 2006, p.159).
6 Por desenvolvimentismo entende-se [...] qualquer tipo de polti-ca econmica baseada no crescimento da produo industrial e da infraestrutura, com participao ativa do Estado, [...] (http://pt.wikipedia.org/wiki/Desenvolvimentismo. Acessado em 31 de janeiro de 2008). Compondo o discurso oficial de alguns pases da Amrica Latina, o desenvolvimentismo [...] converteu-se em prtica e diretriz de ao poltica de diversas regies latino-amer-icanas (CASTRO, 2006, p. 151). A poltica desenvolvimentista parte inerente de economias capitalistas [...] como no Brasil (gover-no JK) e no governo militar, quando ocorreu o milagre econmico brasileiro, [...]. (http://pt.wikipedia.org/wiki/Desenvolvimentismo. Acessado em 31 de janeiro de 2008).
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5aula 1 A Perspectiva da Modernizao Conservadora do Servio Social
de articular a ao governamental com os interesses
dos grandes empresrios (IAMAMOTO, 2004, p.
77). Foram implantadas medidas de controle nas
[...] instituies oficiais, semioficiais ou privadas
encarregadas de conduzir a poltica de controle
global das finanas, da educao, da pesquisa cien-
tfica, da inovao tecnolgica, dos meios de comu-
nicao em massa, do emprego extranacional das
polticas, das foras armadas e mesmo dos gover-
nos. (FERNANDES, 1981, p. 24)
A ttulo de exemplo, o autor cita os programas
educacionais, de controle de natalidade, de inova-
es tecnolgicas que [...] so projetados e aplica-
dos sem considerao (ou com pouca considera-
o) pelas necessidades e potencialidades concretas
dos pases receptores (FERNANDES (1981, p. 25).
Pode-se concluir que os governos militares fizeram
modificaes na sociedade brasileira em benefcio
do grande capital.
O PROCESSO DE RENOVAO DO SERVIO
SOCIAL
O processo de renovao do Servio Social
ocorreu na crise do Servio Social tradicional,
que levou ao movimento de reconceituao
do Servio Social latino-americano. A renovao do
Servio Social brasileiro discutida no estudo de
Jos Paulo Netto sobre o Servio Social, depois da
ditadura de 1964.
No caso da Amrica Latina, o movimento de re-
conceituao do Servio Social tradicional [...]
parte integrante do processo internacional de eroso
do Servio Social tradicional [...] (NETTO, 2006, p.
146).7 Isso quer dizer que o movimento de reconcei-
tuao foi uma resposta local crise internacional do
Servio Social.
7 Em resposta crise e aos questionamentos dos movimentos sociais acerca da sociedade burguesa e do Servio Social tradi-cional, um grupo de assistentes sociais organizou o movimento de Reconceituao do Servio Social Latino-americano, que ocorreu de 1965 a 1975 (tema do texto da aula 3).
Segundo Netto (2006, p. 154), na eroso da base
do Servio Social tradicional, a reflexo profissio-
nal de desenvolveu em trs direes: a perspecti-
va modernizadora, a perspectiva da reatualizao
do conservadorismo e a perspectiva da inteno de
ruptura. Foi assim o incio da renovao do Servio
Social brasileiro.
O Servio Social, na perspectiva modernizadora,
ajustou-se ao projeto econmico do governo mili-
tar. Na concepo da reatualizao do conservado-
rismo, deu um novo formato a ele, e na perspectiva
da inteno de ruptura, pretendia romper com a sua
herana conservadora.
Netto (2006, pp. 152153) tambm detectou trs
momentos no processo de renovao:
O primeiro, desencadeado na segunda metade
dos anos 1960, foi marcado pelos seminrios de te-
orizao do Servio Social, promovidos pelo Centro
Brasileiro de Cooperao e Intercmbio de Servios
Sociais (CBCISS).8
O segundo momento, alm do CBCISS, que se
manifestou na dcada de 1970, incorporou as pro-
dues tericas dos cursos de ps-graduao.9
O terceiro, que se desencadeou no incio dos anos
de 1980, agregou aos dois anteriores a Associao
Brasileira de Ensino de Servio Social (ABESS)
ligada s agncias de formao, e entidades ligadas
categoria, como as associaes profissionais, os
sindicatos, entre outros.
possvel dizer que, no Brasil, fatores como a luta
dos subalternos contra a explorao e as manifesta-
es pela democracia, ocorridas no perodo de 1960
a 1964, bem como o golpe militar de 1964 e a aber-
8 Fundado em 1946 sob a denominao de Comit Brasileiro de Conferncia Internacional do Servio Social, e re-estrutura-do em 1956 [...]. Seu prestgio aumentou [...] quando iniciou a publicao de sua revista Debates Sociais, que passou a con-stituir o principal rgo de difuso de trabalhos na rea. (AM-MANN, 184, p. 152)
9 De fato, boa parte da produo divulgada no final dos anos 1970 j fruto desses programas de ps-graduao, muito es-pecialmente as teses defendidas nas Pontifcias Universidades Catlicas de So Paulo e do Rio de Janeiro. (NETTO, 2006, p. 153, nota de rodap no 86)
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6Unidade Didtica Fundamentos Histricos e Tericos do Servio Social
tura poltica na crise da ditadura esto ligados ao
processo de renovao do Servio Social.
A PERSPECTIVA MODERNIZADORA DO SERVIO
SOCIAL (SEGUNDA METADE DA DCADA
DE 1960)
Como foi dito, no contexto da ditadura, o Ser-
vio Social na perspectiva modernizadora ajustou-
se ao projeto de governo para atender ao grande
capital.
O Servio Social modernizou a sua metodologia
e os cursos para formar o profissional moderno
para atuar nas instituies burguesas remodeladas
do regime militar:10 [...] exige-se um assistente so-
cial, ele mesmo, moderno com um desempenho
cujos traos tradicionais so deslocados e substi-
tudos por procedimentos racionais (NETTO,
p.123). Portanto, esse profissional moderno [...]
supe uma formao bem diversa daquela que foi a
predominante at meados dos anos 1960. (NETTO,
2006, p. 192).
Yasbek (1996) chama a ateno para a dificulda-
de de se discutir a relao entre o Servio Social e
a sociedade no regime militar. Da a nfase que os
seminrios de Arax (1967) e de Terespolis (1970)
deram metodologia do Servio Social.
A perspectiva modernizadora, segundo Netto
(2006, p. 164), foi discutida e proposta no Semin-
rio de Arax (1967), contudo, as ideias dessa pers-
pectiva emergiram do I Seminrio Regional Latino-
Americano de Servio Social, ocorrido em Porto Ale-
gre, em maio de 1965.
O principal representante da perspectiva mo-
dernizadora Jos Lucena Dantas. Para o autor,
Dantas11 [...] ofereceu ao debate uma concepo
10 Sinteticamente, o fato central que, no curso deste pro-cesso, mudou o perfil do profissional demandado pelo mer-cado de trabalho que as condies novas postas pelo quadro macroscpico da autocracia burguesa faziam emergir: [...]. (NETTO, p. 123).
11 Jos Lucena Dantas desempenhou funes de relevo (1970-1974) na Secretaria de Servios Sociais do Governo do Distrito Federal, de docncia, trabalhou no Conselho Interamericano de Bem-Estar Social, dedicando-se tambm teorizao do
extremamente articulada da metodologia do Ser-
vio Social, efetivamente a mais compatvel com
a perspectiva modernizadora [...] (NETTO, 2006,
p. 180).12
Ele considera Dantas um profundo teorizador,
pois as suas elaboraes tericas e os cursos e as
conferncias que ele proferiu atestam, [...] indubi-
tavelmente, que ele foi o assistente social que mais
apurou as concepes nucleares da modernizao
do Servio Social no Brasil (NETTO, 2006, p. 181,
nota de rodap no 140).
De concepo funcionalista, Dantas [...] era for-
temente influenciado pelas teses desenvolvimentis-
tas e do bem-estar social emanadas de agncias in-
ternacionais (NETTO, 2006, p. 181, nota de rodap
no 140).
Em relao orientao que a teoria funciona-
lista deu ao Servio Social, Vicente de Paula Falei-
ros associa a posio neutra do assistente social
neutralidade dos funcionalistas. Portanto, a [...]
posio ideolgica dos funcionalistas a neutrali-
dade, que se manifesta no Servio Social [...] (FA-
LEIROS, 1983, p. 22).
O funcionalismo [...] busca a integrao do ho-
mem ao meio e tem como base o equilbrio das ten-
ses na unificao social de todos os papis. (FA-
LEIROS, 1983, p. 22). No referencial funcionalista, o
sistema deve funcionar na mais perfeita ordem, caso
contrrio as disfunes precisam ser corrigidas.
A perspectiva modernizadora [...] constitui
sob todos os aspectos a primeira expresso do
processo de renovao do Servio Social no Brasil
(NETTO, 2006, p. 164).
A ttulo de esclarecimento, a perspectiva da re-
atualizao do conservadorismo e a perspectiva
da inteno de ruptura faro parte do contedo
da aula 2.
Servio Social, conforme Netto (2006, p. 181, nota de rodap no 140).
12 Segundo Netto (2006, p. 181), Jos Lucena Dantas considera a metodologia de ao como a parte central da Teoria Geral do Servio Social.
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7aula 1 A Perspectiva da Modernizao Conservadora do Servio Social
O SEMINRIO DE ARAX (MG) E O SEMINRIO
DE TERESPOLIS (RJ)
Durante a ditadura militar foram realizados dois
seminrios de teorizao do Servio Social, o Semi-
nrio de Arax (MG) e o Seminrio de Terespolis
(RJ). O documento de Arax, o de Terespolis e o
documento de Sumar constam das publicaes do
CBCISS (1986) e constituem uma importante fonte
de pesquisa. A seguir, ser feito um breve coment-
rio sobre os referidos seminrios.
O Seminrio de Arax
Segundo Netto (2006, p. 164), o I Seminrio de
Teorizao do Servio Social foi realizado em Arax
(MG), no perodo de 19 a 26 de maro de 1967. En-
tre outros temas, o documento de Arax, publicado
pelo CBCISS (1986, p. 32) trata dos nveis da micro-
atuao e da macroatuao do Servio Social.
O nvel da microatuao discute a prtica pro-
fissional voltada para a prestao de servios dire-
tos. Para tanto, o [...] Servio Social, como tcnica,
dispe de uma metodologia de ao que utiliza di-
versos processos (CBCISS 1986, p. 30). So os pro-
cessos de caso, grupo, comunidade e trabalho com
a populao.
Na macroatuao, o Servio Social est voltado
para a poltica e o planejamento. Essa integra-
o supe a participao no planejamento, na im-
plantao e na melhor utilizao da infraestrutura
social13 (CBCISS, 1986, p. 31).
Para Netto (2006, p. 172) h um exagero da pro-
posta. Contudo, ele reconhece nela a [...] recusa em
limitar-se s funes executivas terminais, em torno
das quais historicamente centralizaram-se a prti-
ca profissional e a meridiana indicao dos novos
papis profissionais. De fato, o assistente social, ao
participar da poltica e do planejamento para o de-
senvolvimento, deixa de atuar apenas na execuo.
13 A infraestrutura social aqui entendida como facilidades bsicas, programas para sade, educao, habitao, educao e servios sociais fundamentais [...] (CBCISS, 1986, p. 32).
O Seminrio de Terespolis
Enquanto o Seminrio de Arax (1967) foi rea-
lizado na cidade mineira, que ornamentada pela
beleza da Serra da Bocaina, os participantes do Se-
minrio de Terespolis puderam desfrutar da paisa-
gem do Parque Nacional da Serra dos rgos.14
Promovido pelo CBCISS, o II Seminrio de Teo-
rizao do Servio Social, cujo tema era a metodo-
logia do Servio Social, foi realizado de 10 a 17 de
janeiro de 1970, em Terespolis.
A ditadura exigia que o profissional fosse prepa-
rado para atuar nas instituies que foram adapta-
das ao projeto da autocracia burguesa,15 vinculado
ao capital internacional. Nesse sentido, Terespolis
situa o assistente social como um funcionrio do
desenvolvimento, afirma Netto (2006, p. 192).
Para isso, as formulaes de Terespolis [...]
apontam para a requalificao profissional do as-
sistente social, definem nitidamente o perfil socio-
tcnico da profisso e a inscrevem conclusivamente
no circuito da modernizao conservadora [...]
(NETTO, 2006, p. 192).
As elaboraes que constam dos documentos de
Arax e de Terespolis objetivavam instrumentali-
zar o assistente social para responder s demandas
do regime ditatorial; por isso, no buscavam uma
nova organizao para a sociedade.
14 A rea do Parque Nacional da Serra dos rgos abrange os municpios de Terespolis, Petrpolis, Mag e Guapimirim, no Estado do Rio de Janeiro.
15 A burguesia brasileira possui algumas caractersticas prprias. Segundo Madson (2001), na concepo de Florestan Fernandes, a burguesia brasileira (sem tender para a democratizao) de-pendente e autoritria. Essa dependncia possibilitou o desen-volvimento capitalista e a sua dominao. A dominao bur-guesa no Brasil autocrtica, quer dizer, a burguesia deixou de fora a populao. Para Cardoso (1994, 1995), as formas de dominao aconte-ceram desde as relaes mais simples at aquelas de mbitos maiores: no caso do Brasil, desde as relaes internas estabele-cidas entre a classe dominante e a populao at a relao dos Estados Unidos com o governo brasileiro. Nesse tipo de regime, a burguesia dos pases perifricos esta-beleceu com a burguesia hegemnica uma relao de parceria subordinada e uma relao de opresso e de explorao [...] com as demais classes e agrupamentos sociais (CARDOSO, 1994, 1995, p. 7).
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8Unidade Didtica Fundamentos Histricos e Tericos do Servio Social
ConcluindoNos anos de 1950, a economia brasileira registra-
va alta concentrao monopolstica. O governo de
Juscelino Kubitschek de Oliveira, por exemplo, apri-
morou a Instruo 113 da Sumoc, que massacrou
o empresariado nacional e instituiu um regime de
privilgios para capitalistas americanos.
A burguesia nacional entrou em crise por presso
das empresas de capital monopolista mundial com
interesse no Brasil, da burguesia local (que resistia a
mudanas) e dos trabalhadores.
Essa crise foi resolvida com o regime militar,
que apoiou a concentrao do capital, proibiu o
sindicalismo,suprimiu os focos de resistncia e
agravou a explorao do trabalhador.
Os governos militares beneficiaram o grande
capital, articulando a ao governamental com os
interesses dos grandes empresrios.
Quando foi erodida a base do Servio Social tra-
dicional, iniciou-se a renovao do Servio Social
brasileiro a partir de trs perspectivas: a moderniza-
dora, a de reatualizao do conservadorismo e a da
inteno de ruptura.
O Servio Social na perspectiva modernizadora
modernizou a metodologia e a formao acad-
mica para atuar nas instituies burguesas remode-
ladas do regime militar.
A perspectiva modernizadora foi discutida e pro-
posta no Seminrio de Arax (1967), mas as suas
ideias emergiram do I Seminrio Regional Latino-
Americano de Servio Social, ocorrido em Porto
Alegre, em maio de 1965. Essa perspectiva a pri-
meira expresso do processo de renovao do Servi-
o Social no Brasil.
O principal representante da modernizao con-
servadora Jos Lucena Dantas. Ele orientou-se pela
teoria funcionalista, que prev o funcionamento do
sistema na mais perfeita ordem, caso contrrio, as
disfunes precisam ser corrigidas.
Durante a ditadura militar foram realizados dois
seminrios de teorizao do Servio Social, o Semi-
nrio de Arax (MG) e o Seminrio de Terespolis
(RJ). O documento de Arax, o de Terespolis e o
documento de Sumar constam das publicaes do
CBCISS (1986) que discutiram a metodologia do
Servio Social.
As elaboraes que constam dos documentos de
Arax e de Terespolis objetivavam instrumentali-
zar o assistente social para responder s demandas
do regime ditatorial; por isso, no buscavam uma
nova organizao para a sociedade.
AtividadeLeia o texto da aula 1 e desenvolva as seguintes
questes:
1. Fale sobre a implantao das empresas de capi-
tal internacional no Brasil.
2. Como se deu o processo de renovao do Ser-
vio Social no Brasil?
3. Quais os trs momentos de reflexo profissio-
nal que Netto (2006) detectou?
4. Como voc compreendeu a perspectiva da mo-
dernizao conservadora (segunda metade da dca-
da de 1960)?
5. Quem foi o principal representante da pers-
pectiva da modernizao conservadora na viso de
Netto (2006)?
6. Destaque os pontos importantes do Seminrio
de Arax e do Seminrio de Terespolis.
anotaes *
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9aula 2 A Perspectiva da Reatualizao do Conservadorismo do Servio Social e a Perspectiva da Inteno de Ruptura
INTRODUO
Dando continuidade reflexo sobre o processo
de renovao do Servio Social, este texto aborda a
perspectiva da reatualizao do conservadorismo e
a perspectiva da inteno de ruptura com as formas
tradicionais do Servio Social. A obra em referncia
a Ditadura e Servio Social: uma anlise do Servio
Social no Brasil ps-64, de Jos Paulo Netto.
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AULA
2a PersPectiva da reatualizao
do conservadorismo do servio social e a PersPectiva da inteno de ruPtura
ContedoOs rumos do Servio Social brasileiro na vigncia do regime militar de 1964
A perspectiva da reatualizao do conservadorismo (dcada de 1970)
A perspectiva da inteno de ruptura, do incio (dcada de 1980)
Consideraes acerca do Seminrio de Sumar (1978) e do Seminrio do Alto da Boa Vista
(1984)
Competncias e habilidadesCompreender a emergncia da perspectiva da inteno de ruptura e da perspectiva da rea-
tualizao do conservadorismo no Servio Social
Associar as manifestaes da sociedade que ocorreram na primeira metade da dcada de
1960 com o Servio Social
Compreender o sentido da perspectiva da reatualizao do conservadorismo do Servio
Social
Reconhecer o Mtodo BH como proposta terico-metodolgica
Material para autoestudoVerificar no Portal os textos e as atividades disponveis na galeria da unidade
Durao2 h-a via satlite com professor interativo
2 h-a presenciais com professor local
6 h-a mnimo sugerido para autoestudo
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Unidade Didtica Fundamentos Histricos e Tericos do Servio Social aula 2 A Perspectiva da Reatualizao do Conservadorismo do Servio Social e a Perspectiva...
OS RUMOS DO SERVIO SOCIAL BRASILEIRO
NA VIGNCIA DO REGIME MILITAR DE 1964
A crise da ditadura, depois de meados dos anos
1970, contribuiu para que a perspectiva moderniza-
dora do Servio Social perdesse a sua hegemonia.
O mesmo regime que moldou a perspectiva
modernizadora,1 fazia emergir posies contes-
tadoras, criando [...] um espao onde se inscre-
via a possibilidade de se gestarem alternativas s
prticas e s concepes profissionais que ela de-
mandava (NETTO, 2006, p. 129).
O autor distingue dois aspectos da perspectiva
modernizadora. De um lado, [...] seu contedo
reformista (recorde-se que ela incorpora o vetor
do reformismo prprio ao conservantismo bur-
gus) [...] no foi incorporado pelos assistentes
sociais mais tradicionais. (NETTO, 2006, p. 156).2
De outro, [...] seu trao conservador e sua co-
lagem ditadura incompatibilizaram-na com os
segmentos profissionais crticos [...] (NETTO,
2006, p. 161). Isso resultou nas outras duas dire-
es do processo de renovao do Servio Social,
discutidas por Netto (2006, p. 194): a perspectiva
da reatualizao do conservadorismo e a perspec-
tiva da inteno da ruptura.3
De fato, a ditadura no manteve a hegemonia da
perspectiva modernizadora, visto que no agregou
os assistentes sociais. Por outra parte, a perspecti-
va da reatualizao do conservadorismo e a pers-
pectiva da inteno de ruptura no conseguiram
extinguir a perspectiva modernizadora. Nas pala-
vras do autor, [...] o que de fato se registra o
1 A primeira direo da renovao do Servio Social foi a per-spectiva modernizadora.
2 Este segmento de vinculao catlica privilegia os componen-tes mais conservadores da tradio profissional e mostra-se refra-trio s inovaes introduzidas pela perspectiva modernizadora [...] (NETTO, 2006, p. 156-157).
3 Enquanto a perspectiva da reatualizao do conservadorismo era menos afeita a mudanas sociais, pois almejava to somente um novo jeito de fazer profissional, a perspectiva da inteno da ruptura, sim, vislumbrava romper com o conservadorismo do Servio Social.
seu deslocamento da arena central do debate e da
polmica (NETTO, 2006, p. 194).
Na sequncia, sero feitas algumas consideraes
sobre a perspectiva da reatualizao do conservado-
rismo e a perspectiva da inteno de ruptura.
A PERSPECTIVA DA REATUALIZAO
DO CONSERVADORISMO (DCADA DE 1970)
Segundo Netto (2006, p. 201), foi no marco do
Seminrio de Sumar (1978) e no Seminrio do Alto
da Boa Vista (1984) que se explicitou a perspectiva
da reatualizao do conservadorismo. Ela foi [...]
expressa primeiramente na tese de livre-docncia de
Anna Augusta de Almeida (1978), texto base nesta
perspectiva [...], intitulada a nova proposta.
Foi significativa a preocupao dos tericos da
perspectiva da reatualizao do conservadorismo
em buscar um suporte metodolgico na fenome-
nologia. Antes disso, a fenomenologia no era co-
nhecida no meio profissional, o que indica Netto
(2006, p. 208-209).
Esses tericos no se apoiaram na teoria positivis-
ta e na teoria marxista, mas na teoria fenomenolgi-
ca. No que se refere abordagem positivista, o autor
faz a seguinte observao: [...] ao pensamento cau-
sal quer substituir-se um pensamento no causal,
o fenomenolgico, cujo quadro de referncia no
a explicao, mas a compreenso (CARVALHO,
1987. Citado por NETTO, 2006, p. 205).
Em relao abordagem marxista, Anna Augusta
de Almeida e outros autores da perspectiva da re-
atualizao do conservadorismo no vislumbram
mudanas na organizao da sociedade.4 Almeida
[...] nada incorpora das problemticas relativas s
lutas de classes, s formas de manipulao ideolgi-
ca, aos modos de controle das classes subalternas,
diviso social e tcnica do trabalho, ao Estado [...]
(NETTO, 2006, p. 229).
Sem discutir as causas, nem os conflitos de classe,
a perspectiva da reatualizao do conservadorismo
4 A prpria denominao cuidadosa ao reafirmar que, nessa vertente do Servio Social, foi feita, apenas, uma reatualizao do conservadorismo.
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aula 2 A Perspectiva da Reatualizao do Conservadorismo do Servio Social e a Perspectiva...
trouxe tona elementos do conservadorismo e do
pensamento catlico, imprimindo-lhe um novo
formato. Para Anna Augusta de Almeida, os valores
so calcados [...] por uma fenomenologia existen-
cial e por uma tica crist motivante (ALMEIDA,
1978:11) [...] (NETTO, 2006, p. 205).
Anna Augusta de Almeida a responsvel pela
[...] formulao seminal desta vertente no processo
de renovao do Servio Social no Brasil (NETTO,
2006, p. 227).
O autor chama a ateno para o uso de fontes se-
cundrias. Mas, cuidadosamente, ele sublinha que
somente [...] Carvalho (1987) se aproxima de uma
fonte original Merleau-Ponty da qual recolhe
o que lhe parece pertinente para os seus objetivos,
num processo seletivo [...] (NETTO, 2006, p. 212).
Segundo ele, no documento de Sumar consta que
h uma ou duas referncias clssicas, nas demais,
comum o uso das fontes secundrias.
preciso lembrar que docentes encaminham
suas pesquisas na perspectiva da reatualizao do
conservadorismo, assim como profissionais, nela,
ancoram suas prticas.
A PERSPECTIVA DA INTENO DE RUPTURA
(DCADA DE 1980)
Como a proposta da perspectiva da inteno de
ruptura romper com as prticas tradicionais do
Servio Social, vinculadas aos interesses da classe
dominante, ela discute a relao entre o Servio So-
cial e a sociedade capitalista.
Nas palavras do autor, ela queria [...] romper
com o passado conservador do Servio Social e os
indicativos prtico-profissionais para consum-la
(NETTO, 2006, p. 161). Ela foi manifestada no m-
bito dos movimentos democrticos e das classes
exploradas e subalternas, do incio dos anos 1960,
quando
[...] o Servio Social de forma visvel, pela pri-
meira vez vulnerabilizava-se a vontades sociais
(de classe) que indicavam a criao, no mar-
co profissional, de ncleos capazes de intervir
no sentido de vincul-lo a projees societrias
pertinentes s classes exploradas e subalternas.
(NETTO, 2006, p. 256)
O autor enfatiza a importncia desse momento
da sociedade brasileira para a inteno de ruptura:
[...] Sociopoltica e historicamente, esta perspec-
tiva impensvel sem o processo que se precipita
de 1961 a 1964 e abortada em abril no plano
tambm profissional, ali que ela encontra os seus
suportes sociais (NETTO, 2006, p. 257).
Os assistentes sociais, portanto, que fizeram a
opo poltica de trabalhar em favor dos explora-
dos e subalternos, conceberam as primeiras ideias
da perspectiva da inteno de ruptura:
Netto (2006, p. 261) apreendeu trs momentos
dessa perspectiva: a) o momento da emerso da
inteno de ruptura; b) o momento da conso-
lidao acadmica da inteno de ruptura; e c) o
momento do espalhamento da inteno de ruptura
no mbito da categoria profissional.
O momento da emerso da inteno de ruptura
(de 1972 a 1975)
Segundo ele, a perspectiva da inteno de ruptu-
ra emergiu com o grupo da Escola de Servio So-
cial da Universidade Catlica de Minas Gerais, de
1972 a 1975. Apesar da represso militar, as ideias
da inteno de ruptura se desenvolveram nessa es-
cola mineira.
Sob a liderana de Leila Lima dos Santos (diretora
da escola) e Ana Maria Quiroga, o grupo elaborou o
Mtodo Belo Horizonte, conhecido por Mtodo
BH, um trabalho de crtica terico-prtica ao tradi-
cionalismo. O Mtodo BH foi considerado
[...] a primeira elaborao cuidadosa, no pas, sob
a autocracia burguesa, de uma proposta profissio-
nal alternativa ao tradicionalismo preocupada em
atender a critrios tericos, metodolgicos e inter-
ventivos capazes de aportar ao Servio Social uma
fundamentao orgnica e sistemtica, articulada
a partir de uma angulao que pretendia expressar
os interesses histricos das classes e camadas ex-
ploradas e subalternas. (NETTO, 2006, p. 275)
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Unidade Didtica Fundamentos Histricos e Tericos do Servio Social aula 2 A Perspectiva da Reatualizao do Conservadorismo do Servio Social e a Perspectiva...
Tal importncia conferida ao movimento no foi
suficiente para impedir a demisso dos principais
formuladores e gestores do Mtodo BH, interrom-
pendo de novo o projeto da inteno de ruptura.
Efetivamente, a demisso desmantelou o grupo,
mas no conseguiu extinguir o movimento.
Embora tenha sido uma experincia isolada, em
plena ditadura, o Mtodo BH contribuiu para a
implementao da perspectiva da inteno de rup-
tura, pois foi ele que estabeleceu [...] no final da
dcada, as bases para a retomada da crtica ao tra-
dicionalismo [...] (NETTO, 2006, p. 270).
Com este grupo, [...] a inteno de ruptura se ex-
plicita originalmente em nosso pas, assumindo uma
formulao abrangente que at hoje se revela uma ar-
quitetura mpar (NETTO, 2006, p. 261).
Como bem diz Netto (2006, p. 270), na dcada
de 1970 no havia condies institucionais para
implementar o projeto da inteno de ruptura. Na
verdade, segundo Netto (2006, p. 258), a perspecti-
va da inteno de ruptura s pde expressar-se na
crise da autocracia burguesa.
Alguns registros sobre o Mtodo BH
Para Netto (2006, pp. 276277 ) o Mtodo BH
constituiu um marco para o Servio Social, uma al-
ternativa global ao Servio Social tradicional. Pois
o grupo que elaborou o Mtodo BH no se ateve
em fazer apenas uma crtica ao Servio Social tra-
dicional, suas formulaes dirigidas s concepes
e s prticas do Servio Social deram [...] suportes
acadmicos para a formao dos quadros tcnicos
e para a interveno do Servio Social.
Dentre as crticas ao tradicionalismo do Servio
Social, o documento (1974) do Mtodo BH re-
gistrou a neutralidade do Servio Social (no fundo
expressa um certo comprometimento da profisso
com os interesses conservadores); a departamen-
talizao da realidade, e a fragmentao dos fen-
menos sociais, que separa realidade social e grupos
sociais, sociedade e homens, sujeito e objeto.
O documento reafirmou que o Servio Social
tradicional est voltado para [...] eliminar as dis-
funes, os problemas de desadaptao, as con-
dutas desviadas (Anlise histrica... p. 6-7 apud.
NETTO, 2006, p. 278).
Sero destacados alguns aspectos das considera-
es que o autor faz sobre Leila Lima dos Santos e
Vicente de Paula Faleiros.
LeiLa Lima dos santos
Primeiramente vale dizer que Leila Lima dos San-
tos e Vicente de Paula Faleiros tiveram participao
relevante [...] no momento em que a perspectiva
da ruptura, consolidada, desborda os circuitos aca-
dmicos e rebate no conjunto da categoria profis-
sional (NETTO, 2006, p. 271).
Leila Lima dos Santos [...] exerceu um papel
central no experimento de Belo Horizonte [...].
Como foi mencionado, o Mtodo BH, formulado
durante o regime militar, teve singular importncia
para a perspectiva da inteno de ruptura e para o
Servio Social brasileiro.
Demitida da escola de Belo Horizonte, Leila Lima
dos Santos atuou no Centro Latinoamericano de
Trabajo Social (CELATS)5 at a metade da dcada de
1980. L, ela fez reflexes crticas acerca da proposta
de Belo Horizonte, destacando entre outros pontos
[...] a compreenso do papel da categoria profis-
sional como espao para a redefinio do Servio
Social (NETTO, 2006, p. 272).
Vicente de PauLa FaLeiros
Vicente de Paula Faleiros destacou-se, tambm,
pela preocupao em buscar referenciais crticos
para a prtica cotidiana dos assistentes sociais. Para
tanto, Vicente Faleiros [...] procura fundar o pro-
jeto de ruptura no domnio do fazer profissional a
partir de uma anlise das conexes entre dinmica
social e dinmica institucional e das correlaes de
fora [...] (NETTO, 2006, p. 273).
5 O CELATS foi criado pela Asociacin Latinoamericana de Es-cuelas de Trabajo Social (ALAETS), como seu organismo aca-dmico. Fundada no Panam, em 1965, a ALAETS e o CELATS exercem influncia no trabalho social dos pases do continente. (Seno A. Cornely. Disponvel em: http://www.pucrs.br/textos/anteriores/ano1/memorias02.pdf. Acessado em 1o de dezembro de 2006).
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aula 2 A Perspectiva da Reatualizao do Conservadorismo do Servio Social e a Perspectiva...
Ele autor de uma bibliografia considervel so-
bre o Servio Social. Dentre outros trabalhos, publi-
cou Trabajo Social: Ideologia y Mtodo, no seu exlio
(ditadura militar) em Buenos Aires, Argentina, em
1970. Este livro trouxe contribuies para a perspec-
tiva da inteno de ruptura e para o Servio Social
brasileiro, mas circulou no Brasil, discretamente,
durante o regime militar.
O MOMENTO DA CONSOLIDAO ACADMICA
DA INTENO DE RUPTURA (fINAL DOS ANOS
1970 E INCIO DOS ANOS 1980)
No final da dcada de 1970 e primeiro tero da
dcada de 1980, as universidades apresentavam al-
guns trabalhos de concluso de ps-graduao6 e de
ensaios sobre a inteno de ruptura. Despontavam
as faculdades7 do Rio de Janeiro, de So Paulo e de
Campina Grande, conforme Netto (2006, p. 264).8
Os trs primeiros anos da dcada de 1980 trans-
correram de forma diferente:
Ao contrrio do momento de emerso da pers-
pectiva da inteno de ruptura claramente loca-
lizada em Belo Horizonte e com suas formulaes
claramente reduzidas s da escola mineira o que
ento se passa pluraliza os ncleos de aglutinao
dos pesquisadores e tem um efeito bvio, na me-
dida em que os protagonistas vinham de diferentes
regies do pas e a elas frequentemente retornavam.
(NETTO, 2006, p. 264, nota de rodap no 312)
Nesse momento, as elaboraes tericas benefi-
ciaram-se da produo terica anterior, da crise na
ditadura e do movimento de abertura da sociedade.
6 No Brasil, a ps-graduao oficialmente implantada em 1972, pelas Pontifcias Universidades Catlicas do Rio de Ja-neiro e de So Paulo. (AMMANN, 1984, p. 157).
7 As universidades que ofereciam ps-graduao na dcada de 1970 so a Pontifcia Universidade Catlica do Rio de Janeiro e a Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo (1972), a Pon-tifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul e a Universi-dade Federal do Rio de Janeiro (1976 e 1977), dentre outras.
8 Desde 1966, a Universidade Federal do Rio de Janeiro oferecia cursos de aperfeioamento e especializao, cujos alunos proce-diam em grande parte dos quadros docentes das universidades brasileiras (AMMANN, 1984, p. 157).
Segundo Netto (2006, p. 264), at o incio da dcada
de 1980, as pesquisas na perspectiva da inteno de
ruptura ainda no se pautavam nas fontes originais
do marxismo, apesar do seu rigor intelectual.
Por isso, as pesquisas realizadas com base nas
fontes terico-metodolgicas originais do marxis-
mo clssico representavam um avano. Tipificam
esse momento os trabalhos de Iamamoto (1982) e
Carvalho (1986) (NETTO, 2006, p. 269, nota de
rodap no 322).
Vale registrar que a crtica s principais propostas
de renovao profissional foi influenciada por Mi-
riam Limoeiro Cardoso. O [...] seu saldo positivo
[...] foi recolocar no centro do debate profissional o
projeto da ruptura [...] (NETTO, 2006, p. 265).
As universidades tiveram um papel especial na
construo do arcabouo terico e metodolgico
da perspectiva da inteno de ruptura, pois, ali, o
controle do regime era menos rgido, se comparado
ao que era exercido em outras instituies.
mariLda ViLLeLa iamamoto
De acordo com Netto (2006, p. 299), Marilda Vil-
lela Iamamoto [...] visualiza na sua evoluo, duas
vertentes profissionais a modernizadora e a que
pretende uma ruptura com a herana conservadora
do Servio Social. Com relao ao significado que a
autora deu primeira, confira na transcrio abaixo:
[...] o que a vertente modernizadora do Servio So-
cial no Brasil faz, no ps-64, atualizar a herana
conservadora da profisso, de forma a adequ-la s
novas estratgias de controle e represso da classe
trabalhadora, efetivadas pelo Estado e pelo gran-
de capital, para atender s exigncias da poltica
de desenvolvimento com segurana. (Iamamoto,
1982:213 apud NETTO, 2006, p. 299)
Assim, Marilda Villela Iamamoto mostra os
vnculos do Servio Social com o Estado e com
o grande capital, na vertente modernizadora. O
autor destaca que Marilda Villela Iamamoto [...]
participou em alguma medida da experincia da
escola de Belo Horizonte: ali ela iniciou a sua car-
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Unidade Didtica Fundamentos Histricos e Tericos do Servio Social aula 2 A Perspectiva da Reatualizao do Conservadorismo do Servio Social e a Perspectiva...
reira docente, depois transitoriamente interrompi-
da pela represso militar-fascista (NETTO, 2006,
p. 275, nota no 345).
A produo terica de Marilda Villela Iamamo-
to influencia os assistentes sociais e [...] configura
a primeira incorporao bem-sucedida, no debate
brasileiro, da fonte clssica da tradio marxiana
para a compreenso profissional do Servio Social
(NETTO, 2006, p. 276).
Antes do trabalho dessa autora, as pesquisas no
eram feitas com base em fontes originais, mas em
autores que tratavam do marxismo. Ainda confor-
me Netto (2006, p. 276), a teoria de Marilda Villela
Iamamoto foi essencial para a consolidao da pro-
posta brasileira da inteno de ruptura.
Cabe registrar o seguinte fato citado por Jos
Paulo Netto na obra da autora Renovao e con-
servadorismo no servio social: ensaios crticos: a
professora Marilda Villela Iamamoto participou
do movimento estudantil nos anos 1960 e expe-
rimentou na dcada de 1970 [...] a tortura nos
pores da ditadura, a priso e o ostracismo (IA-
MAMOTO, 2004, p. 10). Marilda Villela Iamamo-
to, Raul de Carvalho, Jos Paulo Netto, Manuel
Manrique de Castro, Vicente de Paula Faleiros,
Leila Lima dos Santos e outros autores, com base
em fontes originais, discutira o Servio Social na
perspectiva da inteno de ruptura.
O momento do espalhamento da inteno
de ruptura no mbito da categoria profissional
(de 1982 a 1983)
No perodo de 1982 e 1983, o debate do Servio
Social na perspectiva da inteno de ruptura esten-
deu-se para o conjunto dos profissionais. Confira
na transcrio abaixo:
O fato que a incidncia do projeto da ruptura, a
partir do segundo tero da dcada de 1980, penetra
e informa os debates da categoria profissional, d o
tom da sua produo intelectual, rebate na forma-
o de quadros operada nas agncias acadmicas de
ponta e atinge as organizaes representativas dos
assistentes sociais. (NETTO, 2006, p. 267)
Conforme Netto (2006, p. 267, nota de rodap, no
318), as escolas de Servio Social implantaram seu
currculo mnimo utilizando referncias dessa pers-
pectiva; a ABESS, que depois de 1982 empenhou-se
numa formao crtica ao tradicionalismo; e outras
entidades.
Merece registro o lanamento da Revista Servi-
o Social e Sociedade, editada pela Cortez, em 1979,
uma das mais importantes revistas profissionais do
continente, que publicou grande parte dos textos
na perspectiva da inteno de ruptura.
O avano dessa perspectiva visvel nas contri-
buies tericas que desvelaram e desvelam o Ser-
vio Social brasileiro e latino-americano, pautadas
em fontes originais. So produes tericas que
vo das origens da profisso at o Servio Social na
sua contemporaneidade, sem contar, ainda, outros
eventos que a ela se reportam.
Convm registrar o [...] flagrante hiato entre a
inteno de romper com o passado conservador do
Servio Social e os indicativos prticos profissionais
para consum-la (NETTO, 2006, p. 161). Mas, Net-
to (2006, p. 161) reafirma o acmulo terico dessa
perspectiva que ajuda a pensar a profisso, alm de
qualificar o debate acadmico.
CONSIDERAES ACERCA DO SEMINRIO
DE SUMAR (1978) E DO SEMINRIO DO ALTO
DA BOA VISTA (1984)
Como foi dito, no marco do Seminrio de Su-
mar (1978) e do Seminrio do Alto da Boa Vista
(1984) [...] se explicitou a segunda direo do pro-
cesso renovador [...], a perspectiva da reatualizao
do conservadorismo (NETTO, 2006, p. 201).
Mais especificamente, a perspectiva da reatuali-
zao do conservadorismo e a perspectiva da inten-
o de ruptura foram discutidas no Seminrio de
Sumar (1978), promovido pelo CBCISS.
O III Seminrio de Teorizao do Servio Social
foi realizado no Centro de Estudos de Sumar, da
Arquidiocese do Rio de Janeiro, de 20 a 24 de no-
vembro de 1978, tendo por tema: o Servio Social e
a cientificidade; o Servio Social e a fenomenologia;
bem como o Servio Social e a Dialtica.
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aula 2 A Perspectiva da Reatualizao do Conservadorismo do Servio Social e a Perspectiva...
O Seminrio do Alto da Boa Vista (1984), como
observa Netto (2006, p. 194), foi realizado no Col-
gio Corao de Jesus, no Rio de Janeiro.
Comparando os dois primeiros seminrios com
os dois ltimos, Netto (2006, p. 197) chama a aten-
o para os seminrios de Arax (1967) e de Teres-
polis (1970), que possibilitavam o dilogo.
importante, ainda, verificar que conforme
a ditadura ia entrando em crise, a perspectiva da
modernizao conservadora, regida pelo funciona-
lismo, perdia a sua hegemonia, tanto que o Semi-
nrio de Sumar abriu o debate para duas teorias
do conhecimento, a fenomenologia e o marxismo.
ConcluindoA crise da ditadura, depois de meados dos anos
1970, contribuiu para que a perspectiva moderniza-
dora perdesse a sua hegemonia.
Tanto o seu reformismo no foi incorporado pe-
los assistentes sociais mais tradicionais, como o seu
conservadorismo atrelado ditadura no atendeu
aos segmentos profissionais crticos.
Isso resultou na formao de outras duas dire-
es do processo de renovao do Servio Social: a
perspectiva da reatualizao do conservadorismo e
a perspectiva da inteno da ruptura, discutidas no
Seminrio de Sumar (1978).
A principal representante da perspectiva da rea-
tualizao do conservadorismo foi Anna Augusta de
Almeida. Os tericos no se apoiaram na aborda-
gem positivista e na marxista, mas na abordagem
fenomenolgica. As pesquisas de Anna Augusta de
Almeida e de outros autores que discutiram o Servi-
o Social na perspectiva da reatualizao do conser-
vadorismo no vislumbraram mudanas na organi-
zao da sociedade.
Sem discutir as causas, nem os conflitos, a
perspectiva da reatualizao do conservadorismo
trouxe tona elementos do conservadorismo e do
pensamento catlico, imprimindo-lhe um novo
formato.
A perspectiva da inteno de ruptura discute a
relao entre o Servio Social e a sociedade e se ma-
nifestou no mbito dos movimentos democrticos
e/ou das classes exploradas e subalternas, do incio
dos anos 1960.
Os assistentes sociais, portanto, que fizeram a op-
o poltica de trabalhar em favor dos explorados
e subalternos, conceberam as primeiras ideias da
perspectiva da inteno de ruptura. Mas esse pro-
cesso foi interrompido com o golpe de 1964.
Essa perspectiva emergiu de 1972 a 1975, com a
experincia do grupo da Escola de Servio Social da
Universidade Catlica de Minas Gerais, que desen-
volveu o Mtodo BH, durante a ditadura. O M-
todo BH um trabalho de crtica terico-prtica
ao tradicionalismo.
A consolidao acadmica da inteno de rup-
tura se deu no final da dcada de 1970 e primeiro
tero da dcada de 1980, quando as universidades
apresentavam alguns trabalhos de concluso de ps-
graduao e de ensaios sobre a inteno de ruptura.
Despontavam as faculdades do Rio, de So Paulo e
de Campina Grande.
Nesse momento, as elaboraes tericas benefi-
ciaram-se da produo terica anterior, da crise na
ditadura e do movimento de abertura da sociedade.
At o incio da dcada de 1980, as pesquisas na pers-
pectiva da inteno de ruptura ainda no se pau-
tavam nas fontes originais do marxismo, apesar do
seu rigor intelectual.
Por isso, as pesquisas realizadas com base nas
fontes terico-metodolgicas originais do marxis-
mo clssico representavam um avano.
O espalhamento da inteno de ruptura ocorreu
de 1982 a 1983, quando o debate do Servio Social
na perspectiva da inteno de ruptura estendeu-se
para o conjunto dos profissionais.
O avano dessa perspectiva visvel nas contri-
buies tericas que desvelaram o Servio Social
brasileiro e latino-americano, pautadas em fontes
originais. So produes tericas que vo das ori-
gens da profisso at o Servio Social na sua con-
temporaneidade, sem contar, ainda, outros eventos
que a ela se reportam. Mas ainda se observa uma
distncia entre a inteno de romper com o pas-
sado conservador do Servio Social e os indicativos
prticos profissionais para consum-la.
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Unidade Didtica Fundamentos Histricos e Tericos do Servio Social
AtividadesLeia o texto da aula 2 e desenvolva as seguintes
questes:
1. Quais os rumos que o Servio Social tomou no
regime militar de 1964?
2. Em que Seminrio de Teorizao foi discutida
a segunda direo da renovao do Servio Social?
Quais as vertentes que compem a segunda direo
do processo renovador do Servio Social?
3. Qual era a preocupao que os tericos tive-
ram ao formular a perspectiva da reatualizao do
conservadorismo?
4. Destaque alguns pontos da proposta de Anna
Augusta de Almeida, representante da perspectiva
da reatualizao do conservadorismo.
5. Quais os fatores citados por Netto (2006) que
ligam a concepo das primeiras ideias da perspec-
tiva da inteno de ruptura ao cenrio brasileiro e
internacional?
6. Como se deu a manifestao da inteno de
ruptura?
7. Em que consiste o Mtodo BH?
8. Qual o papel de Leila Lima dos Santos em
relao ao Mtodo BH?
9. O que Vicente de Paula Faleiros enfatizou em
relao perspectiva da inteno de ruptura?
10. Em que perodo se deu a consolidao pers-
pectiva da inteno de ruptura? Quais os fatos im-
portantes do processo de consolidao da inteno
de ruptura?
11. Quais os pontos que o texto destacou do estu-
do que Netto (2006) faz sobre a pesquisadora Maril-
da Villela Iamamoto?
12. Quais os pontos que o texto destacou so-
bre o estudo que Netto (2006) faz sobre o espa-
lhamento da perspectiva da inteno de ruptura
entre os profissionais do Servio Social (de 1982
a 1983)?
anotaes *
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aula 3 O Movimento de Reconceituao do Servio Social na Amrica Latina
INTRODUO
O texto desta aula trata do movimento de recon-
ceituao do Servio Social na Amrica Latina, que
ocorreu em decorrncia da crise internacional do
Servio Social tradicional. O texto, ainda, traz ob-
servaes acerca das implicaes da poltica desen-
volvimentista para o Servio Social latino-america-
no. Ressalta o texto que as imposies dessa poltica
tambm motivaram a organizao do movimento
de reconceituao do Servio Social, que contestava
essa dominao.
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AULA
3o movimento de reconceituao
do servio social na amrica latina
ContedoAlguns fatores da dependncia latino-americana no ps II Guerra Mundial
Intercmbio do Servio Social Latino-americano com o Servio Social norte-americano
Movimento de reconceituao do Servio Social no Brasil
Competncias e habilidadesCompreender o movimento histrico de reconceituao do Servio Social latino-americano
nas especificidades brasileiras
Associar a poltica desenvolvimentista s formas de realizao do Servio Social latino-ame-
ricano
Reconhecer como o regime militar vigente poca e a divergncia do grupo de assistentes
sociais dificultaram a realizao do movimento da reconceituao
Material para autoestudoVerificar no Portal os textos e as atividades disponveis na galeria da unidade
Durao2 h-a via satlite com professor interativo
2 h-a presenciais com professor local
6 h-a mnimo sugerido para autoestudo
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18
Unidade Didtica Fundamentos Histricos e Tericos do Servio Social
A obra em referncia O Servio Social na con-
temporaneidade: trabalho e formao profissional, de
Marilda Villela Iamamoto.
ALGUNS fATORES DA DEPENDNCIA LATINO-
AMERICANA NO PS SEGUNDA GUERRA
MUNDIAL
Segundo Faleiros (1983, p. 21), na dcada de 1940,
os Estados Unidos estabeleceram uma aliana com a
Amrica Latina para que ela fornecesse matria-pri-
ma e mercado para os produtos norte-americanos.
Nas dcadas de 1960 a 1980, a Amrica Latina pas-
sou por um [...] processo de mobilizao popular-
reforma e autoritarismo poltico [...] (FALEIROS,
2006, p. 141). No Brasil, por exemplo, ocorreram
manifestaes pela democracia e em favor das clas-
ses subalternas que foram duramente rechaadas
pelo golpe de abril de 1964. Mas quando a ditadura
entrou em crise, a sociedade civil pde voltar cena
brasileira.
No caso das presses exercidas pelos movimentos
sociais, o autor faz a seguinte colocao: [...] as classes
dominantes ou suas fraes hegemnicas respondiam,
seja com projeto de reformas, seja com a represso, ar-
ticulando uns e outros em funo das ameaas reais ou
percebidas (FALEIROS, 2006, p. 142).
Os governos de Joo Goulart, no Brasil, Perez, na
Venezuela, Velasco Alvarado, no Peru, Frondisi, na
Argentina, tentaram [...] a via de aglutinao de
massas em torno de mudanas parciais (FALEI-
ROS, 2006, p. 142).1
Mas, quando as mobilizaes constituam uma
fora capaz de levar adiante o embate contra a hege-
monia, elas eram reprimidas pela classe dominante
que estava no poder. Dessa forma, as populaes
brasileira, argentina, equatoriana, uruguaia, chile-
na, boliviana e peruana viveram um longo perodo
1 Os governos [...] impulsionaram reformas sob a gide do desenvolvimento, do crescimento e da modernizao ou de um programa minimamente redistributivista de terras, renda e com um discurso participativo (FALEIROS, 2006, p. 142). Eduardo Frei, no Chile, realizou uma ao reformista e desen-volvimentista.
de ditadura militar, o que indica Faleiros (2006,
p. 142).2
INTERCMBIO DO SERVIO SOCIAL LATINO-
AMERICANO COM O SERVIO SOCIAL NORTE-
AMERICANO
Com base nos textos pesquisados, sero desta-
cados dois intercmbios do Servio Social latino-
americano com o Servio Social norte-americano:
um que se deu no mbito da formao acadmica e
o outro, no mbito de programas internacionais.
O primeiro foi efetivado com a participao de
diretores de escolas de Servio Social da Amrica
Latina, na Conferncia Nacional de Servio Social
(1941),3 citada por Yasbek (1988, p. 49). Nesse even-
to, instituies norte-americanas ofereceram aos
assistentes sociais sul-americanos bolsas de estudo
para aperfeioamento e especializao em escolas
norte-americanas.
A autora conclui que o intercmbio do Servio
Social latino-americano com o norte-americano
comeou com as bolsistas. poca, ocorriam algu-
mas mudanas no cenrio internacional que con-
correram para efetivar esse intercmbio. Confira no
texto abaixo:
Com a Segunda Guerra Mundial e consequente
limitao do intercmbio com a Europa, e com a
poltica da Boa Vizinhana do presidente Roose-
velt (reforo poltico e ideolgico das relaes de
solidariedade continental), h uma aproximao
muito intensa com os Estados Unidos. (YASBEK,
1988, p. 49).
Influenciado pelos norte-americanos, o Servio
Social latino-americano passou a se orientar pelo
2 As empresas de capital internacional eram bem vistas pelos governos do continente, por isso, [...] elas foram saudadas como uma contribuio efetiva para o desarrolismo ou o de-senvolvimentismo, recebendo um apoio econmico e poltico irracional (FERNANDES, 1981, p. 22).
3 Segundo Yasbek (1988, p. 49), esta Conferncia foi realizada pela American Association of Schools of Social Work, em Atlantic City.
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19
aula 3 O Movimento de Reconceituao do Servio Social na Amrica Latina
pensamento positivista na vertente funcionalista
que imperava nos Estados Unidos. Em relao
orientao que a teoria funcionalista deu ao Servio
Social, Vicente de Paula Faleiros associa a posio
neutra do assistente social neutralidade dos fun-
cionalistas.4
O segundo intercmbio se deu por intermdio
dos programas de Desenvolvimento de Comuni-
dade que envolviam governo e comunidade local,5
implantados pela Organizao das Naes Unidas
(ONU) e pela Organizao dos Estados Americanos
(OEA). A esse respeito, Castro (2006, p. 148) afirma
que a ONU e a OEA ofereciam apoio tcnico e fi-
nanceiro aos pases perifricos e latino-americanos,
em troca de aes na comunidade que fossem base-
adas em formulaes desenvolvimentistas.6
O MOVIMENTO DE RECONCEITUAO
DO SERVIO SOCIAL NO BRASIL
No contexto da dominao econmica norte-
americana, um grupo de assistentes sociais que era
contra o imperialismo norte-americano e o Servio
Social tradicional organizou o movimento de recon-
ceituao latino-americano. Segue abaixo um texto
que apresenta a forma imperialista de dominao:
O trao especfico do imperialismo total consiste
no fato de que ele organiza a dominao externa a
partir de dentro e em todos os nveis da ordem so-
cial, desde o controle da natalidade, a comunicao
4 Dessa forma, a [...] posio ideolgica dos funcionalistas a neutralidade, que se manifesta no Servio Social [...] (FA-LEIROS, 1983, p. 22). O funcionalismo [...] busca a integrao do homem ao meio e tem como base o equilbrio das tenses na unificao social de todos os papis. No referencial funcio-nalista, o sistema deve funcionar na mais perfeita ordem, caso contrrio, as disfunes precisam ser corrigidas.
5 O Desenvolvimento de Comunidade um conjunto de [...] atividades baseadas na associao de uma comunidade local com o governo, em busca da superao das condies de sub-desenvolvimento. (UTRIA, 1969, p. 81 apud. CASTRO, 2006, p. 147).
6 O desenvolvimentismo incorporado ao discurso oficial de al-guns pases da Amrica Latina [...] saltou do marco de uma proposta para resolver os problemas do atraso e converteu-se em prtica e diretriz de ao poltica de diversas regies latino-americanas (CASTRO, 2006, p. 151).
de massa, o consumo de massa, at a educao, a
transposio macia da tecnologia ou de institui-
es sociais, a modernizao da infra e da superes-
trutura, os expedientes financeiros ou de capital,
o eixo vital da poltica nacional etc. (Capitalismo
dependente e classes sociais na Amrica Latina, op.
cit., Cap. I Padres de dominao na Amrica La-
tina, p. 18. Fernandes, 1981, p. 18 apud IAMAMO-
TO, 2004, p. 77).
Nessa dinmica, as polticas internas se entro-
sam com as relaes externas de dependncia/do-
minao dos Estados Unidos. (FALEIROS, 2006, p.
142). Na verdade, os dois autores tratam da reorga-
nizao interna exigida pela dominao imperialis-
ta durante o regime militar.
No caso do Servio Social brasileiro, efetivamen-
te, o projeto modernizador do regime militar deu
os contornos do seu projeto hegemnico, mas no
conseguiu a adeso de todos. O movimento de re-
conceituao ia numa direo oposta. Para o movi-
mento a
[...] ruptura com o Servio Social tradicional se
inscreve na dinmica de rompimento das amarras
imperialistas, de lutas pela libertao nacional e
de transformaes da estrutura capitalista exclu-
dente, concentradora, exploradora. (FALEIROS,
2006, p. 143)
No bastava, ento, inovar as instituies para
romper com o Servio Social tradicional,7 nem
formular procedimentos metodolgicos, nem se
apoiar na viso psicologista que foca a pessoa. A
partir disso, o [...] Servio Social passa a ques-
tionar seu papel na sociedade, seu atrelamento s
classes dominantes, sua teoria e sua prtica corre-
tora de disfunes sociais (AMMANN, 1984, pp.
146147).
7 O Servio Social tradicional [...] a prtica empirista reiterativa e burocratizada que os agentes realizavam e realizam efetivamente na Amrica Latina (NETTO, J. P. La crtica conservadora... 1981, p. 44 apud IAMAMOTO, 2004, p. 206, nota de rodap no 250).
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20
Unidade Didtica Fundamentos Histricos e Tericos do Servio Social
Ao optar pelos subalternos, o movimento lutou
contra as prticas tradicionais e por criar um Servi-
o Social latino-americano; bem como orientou as
produes tericas, para que fossem voltadas para as
questes do continente e no se prendessem ao mo-
delo norte-americano. O movimento considerado,
portanto, [...] um marco decisivo no desenvolvi-
mento do processo de reviso crtica do Servio So-
cial no continente (IAMAMOTO, 2006, p. 205).
Enquanto a viso oficial do Servio Social brasi-
leiro no questionava as diretrizes governamentais,
o movimento de reconceituao latino-americano
(1965-1975)8 questionava desde as elaboraes te-
ricas at o modo de fazer do Servio Social. Dessa
forma, observa Faleiros (1983, p. 133), a reconceitu-
ao acena com a possibilidade de se tentar compre-
ender as relaes entre Servio Social e sociedade.
Na sequncia sero citados os eixos de preocu-
paes fundamentais do movimento de reconcei-
tuao na viso de Marilda Villela Iamamoto. Con-
forme a autora,
[...] o reconhecimento e a busca de compreenso
dos rumos peculiares do desenvolvimento latino-
americano em sua relao de dependncia com
os pases cntricos, para a contextualizao his-
trica da ao profissional, redundaram em uma
incorporao das produes acadmicas no vasto
campo das cincias econmicas, sociais e polticas.
(IAMAMOTO, 2006, p. 209)
Constata-se, no momento da reconceituao, a
necessidade de criar [...] um projeto profissional
8 O perodo do movimento de reconceituao coincide com o terceiro momento do Servio Social brasileiro, segundo a di-viso feita por Ammann (1984, p. 146). Segundo o autor, na primeira fase (19301945), sob a influncia do neotomismo, o Servio Social tradicional prestava assistncia e orientaes ao cliente, por meio da tcnica do Servio Social de Caso. Na se-gunda fase, (1945 1965), depois da Segunda Guerra Mundial, o Servio Social foi marcado pela [...] perspectiva funcionalista para a integrao social [...]. A prtica instrumentalizada pelo Servio Social de Caso, Grupo e Comunidade [...] inspirados numa viso atomizada da sociedade, que camufla os conflitos entre as classes e que interpela os indivduos isolada, grupal ou comunitariamente como sujeitos responsveis pelos prob-lemas sociais.
abrangente e atento s caractersticas latino-ame-
ricanas, em contraposio ao tradicionalismo, que
envolvia critrios terico-metodolgicos e prtico-
interventivos (IAMAMOTO, 2006, p. 209). E, ain-
da, [....] uma explcita politizao da ao profis-
sional, solidria com a libertao dos oprimidos e
comprometida com a transformao social [...].
[...] Finalmente, as preocupaes anteriores
se canalizam para a reestruturao da formao
profissional, articulando ensino, pesquisa e prti-
ca profissional [...] (IAMAMOTO, 2006, p. 209).
Isso exigia [...] da Universidade o exerccio da
crtica, do debate, da produo criadora de conhe-
cimentos no estreitamento de seus vnculos com a
sociedade.
O desfecho do movimento de reconceituao
Como foi visto, os vanguardistas latino-america-
nos pretendiam criar uma [...] unidade profissio-
nal que respondesse s problemticas comuns da
Amrica Latina, uma unidade construda autono-
mamente sem a tutela imperialista [...](NETTO,
2006, p. 150). No entanto, essa unio foi desfeita por
dois motivos: 1) o que se refere s ditaduras burgue-
sas que [....] no deixaram vingar as propostas que
situavam a ultrapassagem do subdesenvolvimen-
to como funo da transformao substantiva dos
quadros societrios latino-americanos (NETTO,
2006, p. 147); 2) e o que trata das posies distintas
que os assistentes sociais adotaram em relao ao
Servio Social tradicional: um polo investia num
aggiornamento do Servio Social e outro tenciona-
va uma ruptura com o passado profissional [...]
(NETTO, 2006, p. 147).
Vicente de Paula Faleiros (2006, p.143) chama a
ateno para as tendncias que se manifestaram no
movimento de reconceituao: [...] tendncias de
conciliao e de reformas com outras de transfor-
mao da ordem vigente no bojo do processo revo-
lucionrio, e ainda com outras, que visavam apenas
modernizar e minimizar a dominao. De fato, di-
vergncias internas, tambm, no permitiram a re-
alizao de uma proposta nica da reconceituao.
Apesar de todas as dificuldades, o movimento de re-
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21
aula 3 O Movimento de Reconceituao do Servio Social na Amrica Latina
conceituao conseguiu colocar na pauta dos encon-
tros profissionais assuntos de interesses latino-ame-
ricanos em lugar dos debates pan-americanistas,9
patrocinados pelos Estados Unidos.
O MOVIMENTO DE RECONCEITUAO
DO SERVIO SOCIAL NO BRASIL
No estudo sobre o movimento de reconceitua-
o no Brasil, Iamamoto (2006, p. 215) conclui que
o debate da reconceituao s criou fora quando
a ditadura10 entrou em crise11 e a sociedade civil
emergiu novamente. A autora explica que, duran-
te o regime militar, o processo de modernizao do
Servio Social tradicional [...] atualiza a sua heran-
a conservadora.
Verificou-se uma mudana no discurso, nos m-
todos de ao e nos rumos da prtica profissional
com o objetivo de obter um reforo de sua legitimi-
dade junto s instncias demandantes da profisso,
em especial o Estado e as grandes empresas, ade-
quando o Servio Social ideologia dos governan-
tes (IAMAMOTO, 2006, p. 215).
Isso quer dizer que as inovaes feitas nas insti-
tuies no foram suficientes para romper com o
Servio Social tradicional. No regime militar, no
era possvel discutir a relao entre Servio Social
e sociedade.
9 O pan-americanismo oficial [...] uma estratgia dos Esta-dos Unidos para ganhar a hegemonia no continente (CAS-TRO, 2006, p. 132). No final do sculo XIX, afirma Castro que o pan-americanismo definiu-se como um programa, em espe-cial a partir das Conferncias Interamericanas realizadas em Washington (1889), no Mxico (1910), no Rio de Janeiro (1906), em Buenos Aires (1910), em Santiago do Chile (1923), em Ha-vana (1928) e em Montevidu (1933). Depois da criao da Organizao das Naes Unidas (ONU) e da Organizao dos Estados Americanos (OEA), os Estados Unidos organizaram a sua hegemonia, impondo a poltica do pan-americanismo.
10 Na crise da ditadura, os cursos de ps-graduao expandiram o dilogo do Servio Social com as cincias afins, entretanto, as elaboraes tericas no se apoiaram nas fontes clssicas.
11 O perodo de crise da ditadura estendeu-se de 1975-1985, quando iniciou-se o auge da crise econmica e o fim do mi-lagre econmico. Aqui, cabe lembrar que, em 1973, ocorreu a crise internacional do petrleo, o que contribuiu com o fim do milagre brasileiro. poca, deu-se a abertura poltica que ocor-ria de forma lenta e gradual.
Em vez disso, a orientao funcionalista encami-
nhava o Servio Social para discutir o [...] aperfei-
oamento do instrumental tcnico-operativo ex-
presso pela sofisticao de modelos de diagnstico
e planejamento, na busca de uma eficincia [...]
(IAMAMOTO, 2006, p. 215).
preciso dizer que a ditadura militar brasileira
dificultou o processamento das ideias da reconcei-
tuao, mas elas no foram extintas, [...] no entan-
to, suas expresses so isoladas [...], como foi a ex-
perincia do Mtodo BH (IAMAMOTO, 2006, p.
214). Assim, Netto (2006, p. 275) e Iamamoto (2006,
p. 214) reconhecem o Mtodo BH.
Cabe registrar ainda a realizao do III Congres-
so Brasileiro de Assistentes Sociais, realizado em
1979, em So Paulo. Foi marcante neste Congresso
a substituio da comisso de honra dos ministros
do Estado pelos trabalhadores. Na [...] sesso de
encerramento, em vez de ministros, falaram lderes
dos operrios, dos metalrgicos e dos movimentos
populares pela anistia e contra o custo de vida
(FALEIROS, 1983, p. 119). Nele, foi lanada a Revis-
ta Servio Social e Sociedade, com a publicao do
seu primeiro nmero.
ConcluindoNa dcada de 1940, os Estados Unidos estabele-
ceram uma aliana com a Amrica Latina para que
ela fornecesse matria-prima e mercado para os
produtos norte-americanos. Nas dcadas de 1960
a 1980, na Amrica Latina alternavam mobiliza-
o popular-reforma e autoritarismo poltico. No
Brasil, por exemplo, as manifestaes sociais foram
duramente rechaadas pelo golpe de abril de 1964.
Mas, quando a ditadura entrou em crise, a socieda-
de civil pde voltar cena brasileira.
O intercmbio do Servio Social latino-america-
no com o Servio Social norte-americano se deu no
mbito da formao acadmica e de programas in-
ternacionais. No contexto da dominao econmica
norte-americana, um grupo de assistentes sociais,
que era contra o imperialismo norte-americano e o
Servio Social tradicional, organizou o movimento
de reconceituao latino-americano.
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Unidade Didtica Fundamentos Histricos e Tericos do Servio Social
Na proposta da reconceituao, a ruptura com
o Servio Social tradicional estava vinculada ao
trmino do domnio imperialista. O grupo ques-
tionava o atrelamento do Servio Social s classes
dominantes. Ento, no bastava inovar as institui-
es para romper com o Servio Social tradicional,
nem formular procedimentos metodolgicos.
Ao optar pelos subalternos, o movimento de re-
conceituao lutou contra as prticas tradicionais
e por criar um Servio Social latino-americano; e
orientou as produes tericas, para que fossem
voltadas para as questes do continente e no se
prendessem ao modelo norte-americano.
A unio pretendida pelo movimento de recon-
ceituao foi desfeita pelas ditaduras burguesas e
por divergncias no prprio grupo dos assistentes
sociais.
No Brasil, o debate da reconceituao s criou
fora quando a ditadura entrou em crise e a socie-
dade civil emergiu novamente. A ditadura militar
brasileira dificultou, mas no extinguiu, o processa-
mento das ideias da reconceituao, pois elas ocor-
reram de forma isolada, como foi o Mtodo BH.
AtividadesLeia o texto da aula 3 e desenvolva as seguintes
questes:
1. Como o texto define o desenvolvimentismo?
2. Quais os fatores que mostram a dependncia
latino-americana que ocorreu depois da Segunda
Guerra Mundial?
3. Como se deu o intercmbio do Servio Social
latino-americano com o Servio Social norte-ame-
ricano?
4. Como ocorreu o movimento de reconceitua-
o do Servio Social latino-americano?
5. Quais so os eixos de preocupaes funda-
mentais do movimento de reconceituao, desta-
cados por Marilda Villela Iamamoto?
6. Qual foi o desfecho do movimento de recon-
ceituao?
7. Como ocorreu o movimento de reconceitua-
o no Brasil?
anotaes *
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aula 4 A Questo Social e o Servio Social
INTRODUO
A proposta deste texto discutir a questo social e
o Servio Social. O texto parte da organizao social
monopolista para explicitar os vnculos do Servio
Social com a questo social, nas suas diferentes ex-
presses. Destaca, ainda, a reorganizao da sociedade
brasileira, na ditadura de 1964, em funo das exign-
cias do capital externo, bem como a atuao do Servi-
o Social em instituies do Estado e em empresas.
Basicamente, o texto est referendado na obra
Capitalismo monopolista e Servio Social, de Jos
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AULA
4a Questo social e o servio social
ContedoA sociedade dos monoplios
A questo social e o Servio Social
A questo social nas mudanas ocorridas a partir do final do sculo XX
O trabalho do assistente social nas unidades de servio
Competncias e habilidadesCompreender a organizao do Servio Social na sociedade monopolista
Reconhecer as vrias expresses da questo social e buscar caminhos de trabalho
Apreender o objeto do Servio Social diante dos problemas sociais
Material para autoestudoVerificar no Portal os textos e as atividades disponveis na galeria da unidade
Durao2 h-a via satlite com professor interativo
2 h-a presenciais com professor local
6 h-a mnimo sugerido para autoestudo
Paulo Netto, e nas obras de Marilda Villela Ia-
mamoto, O Servio Social na contemporaneidade:
trabalho e formao profissional, Servio Social em
Tempo de Capital Fetiche e Renovao e conserva-
dorismo do Servio Social: ensaios crticos.
A SOCIEDADE DOS MONOPLIOS
O capitalismo monopolista
Antes de refletir sobre a questo social e o Ser-
vio Social, sero feitas algumas observaes acerca
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24
Unidade Didtica Fundamentos Histricos e Tericos do Servio Social
do capitalismo monopolista1 (instaurado no final
do sculo XIX), que configurou a questo social e o
Servio Social.
O monopolismo, segundo Alves (2001, p. 189),
teve incio quando as grandes empresas comea-
ram a abarcar as pequenas e as mdias no ltimo
tero do sculo XIX. Tornando-se cada vez mais
gigantescas, aquelas, que se sustentaram no mer-
cado, deram margem formao de empresas mo-
nopolistas.
Na organizao monopolista, em vez de traba-
lho, [...] o monoplio faz aumentar a taxa de aflu-
ncia de trabalhadores ao exrcito industrial de re-
serva (Sweezy, 1977: 304 apud NETTO, 2006, p.
21). Nessas condies, Alves (2001, p. 190) afirma
que o capitalismo deixou de reproduzir somente a
riqueza social, reproduzindo o parasitismo. O Es-
tado, ento, ficou com o controle do parasitismo.2
Segundo Netto (2006, p. 25), o Estado assumiu
vrias funes no monopolismo. Pois o [...] eixo
da interveno estatal na idade do monoplio di-
recionado para garantir os superlucros dos mono-
plios [...] (NETTO, 2007, p. 25).
O processo de monopolizao do capital
no Brasil
Como foi dito no texto da aula 1, para Bandei-
ra (1975, pp. 910), na dcada de 19503 havia alta
concentrao monopolstica na economia brasi-
leira. Segundo ele, o governo de Juscelino Kubits-
chek de Oliveira faz concesses ao capital inter-
1 bom lembrar que o capitalismo monopolista foi antecedido pelo capitalismo comercial e pelo concorrencial.
2 O Estado [...] organizou o parasitismo a partir da transfern-cia, por meio de impostos, de parte dos ganhos dos capitalistas para as atividades improdutivas (ALVES, 2001, p. 190).
3 O Brasil, quele tempo, j registrava alta concentrao mo-nopolstica e, nos anos seguintes, na dcada de 1950, tornou-se novamente campo de batalha dos grandes interesses es-trangeiros, que, de um lado, disputavam entre si o mercado nacional e o controle das fontes de matrias-primas e, do outro, procuravam arrebatar e distorcer o processo de industrializa-o, na medida em que no mais podiam segur-lo, conforme as convenincias do sistema capitalista mundial. (MONIZ, 1975, pp.910).
nacional; por exemplo, ao aprimorar a Instruo
da Superintendncia da Moeda e do Crdito (SU-
MOC), mecanismo que privilegia o capital norte-
americano.
As indstrias brasileiras perdem espao de tal
maneira que os investimentos das grandes empre-
sas monopolistas [...] absorvem posies de lide-
rana antes ocupadas por indstrias e empresrios
nativos (IAMAMOTO, 2004, p. 77, nota de roda-
p no 3). O empresariado nacional, que atuava de
forma competitiva, teve que ceder ao capital inter-
nacional.4
Nesse contexto, uma parte da burguesia, aliada
aos Estados Unidos, era a favor do capital inter-
nacional e a outra, defendia o nacionalismo, pro-
vocando uma crise5 na burguesia, na passagem da
concorrncia para o monoplio. Conforme Iama-
moto (2004, pp. 7778), a crise se deu por presses
de ordem externa e interna.
Uma delas foi exercida pelas empresas de capital
monopolista mundial com interesse no Brasil. A
outra presso foi feita pela burguesia local (que re-
sistia a mudanas) e pelos trabalhadores. Se a pres-
so interna no chegou a representar uma ameaa
burguesia, no mnimo causava um desgaste sua
imagem.
Ao final, a parte da burguesia nacional que era
atrelada aos norte-americanos resolveu a crise
com o golpe de 1o de abril de 1964.6 Para Bandei-
4 Florestan Fernandes (1981, P. 23), num estudo sobre capital-ismo dependente e classes sociais na Amrica Latina, afirma que as empresas locais [...] foram absorvidas ou destrudas, as estruturas econmicas existentes foram adaptadas s dimen-ses e s funes das empresas corporativas, as bases para o crescimento autnomo e a integrao nacional da economia, conquistadas to arduamente, foram postas a servio dessas empresas e dos seus poderosos interesses privados.
5 O pano de fundo dessa crise foi [...] a exigncia de adapta-o da burguesia industrializao intensiva e aos novos rit-mos econmicos-sociais, transferidos de fora para a sociedade brasileira (IAMAMOTO, 2004, p. 78).
6 O Brasil, de 1945 a 1963, teve frente governos populistas que defendiam o nacionalismo. Nos anos de 1960 a 1964, os movimentos sociais ganharam fora e apoiaram as Reformas de Base (reforma agrria e reforma urbana, por exemplo) e o nacional-desenvolvimentismo, proposto pelos governos popu-
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aula 4 A Questo Social e o Servio Social
ra (1975, pp. 1617), em apoio concentrao do
capital, o regime militar proibiu o sindicalismo,
suprimiu os focos de resistncia e agravou a ex-
plorao do trabalhador.
Como bem diz Iamamoto (2004, p. 77), os go-
vernos militares deram amplo apoio s empresas
internacionais. O capital monopolista contou com
[...] o respaldo de uma poltica econmica capaz
de articular a ao governamental com os interes-
ses dos grandes empresrios.
O Estado foi [...] posto a servio da iniciativa
privada, favorecendo a adequao do espao eco-
nmico e poltico aos requisitos do capitalismo
monopolista (IAMAMOTO, 2004, p. 79).
Os programas assistenciais foram intensifica-
dos. Eles [...] so mobilizados pelo Estado como
contraponto ao peso poltico do proletariado e dos
demais trabalhadores e sua capacidade de pres-
so [...] (IAMAMOTO, 2004, p. 83).
Era necessrio [...] neutralizar manifestaes
de oposio, recrutar um apoio pelo menos passivo
ao regime, despolitizar organizaes trabalhistas,
na tentativa de privilegiar o trabalho assistencial
em lugar da luta poltico-reivindicatria (IAMA-
MOTO, 2004, p. 83).
Para isso, eram [...] centralizados e regulados
pelo Estado e subordinados s diretrizes polticas
de garantia da estabilidade social e de reforo ex-
panso monopolista (IAMAMOTO, 2004, p. 83).
Na ditadura, ento, a assistncia social foi espe-
cialmente utilizada [...] como meio de regular o
conflito social em nome da ordem pblica e da se-
gurana nacional (IAMAMOTO, 2004, p. 83). Os
autores mostram que o Estado brasileiro se ajustou
aos interesses do capital internacional, garantindo
a estabilidade social e a expanso do capital finan-
ceiro. Proibiram-se as lutas polticas e reivindica-
trias, fazendo calar a voz daqueles que estavam no
exerccio da luta poltica.
listas. Nesse perodo, configurou-se [...] o aprofundamento e a problematizao do processo democrtico na sociedade e no Estado (NETTO, 2006, p.159).
A QUESTO SOCIAL E O SERVIO SOCIAL
J se sabe que, em resposta s lutas operrias con-
tra o desemprego e a explorao social (acentuadas
pelo capitalismo monopolista), a classe dominante
criou mecanismos de controle social; dentre outras
estratgias, buscou se utilizar do Servio Social para
este fim. Donde a necessidade de a profisso reafir-
mar, cada vez mais, seu projeto tico-poltico afina-
do com a garantia de direitos universais, com base
na proteo social da populao vulnerabilizada.
Na sociedade monopolista [...] se gestam as con-
dies histrico-sociais para que, na diviso social
(e tcnica) do trabalho, constitua-se um espao em
que se possam mover prticas profissionais c