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FUNDAO OSWALDO CRUZ
ESCOLA POLITCNICA DE SADE JOAQUIM VENNCIO
MESTRADO PROFISSIONAL EM EDUCAO PROFISSIONAL EM SADE
Eliane Rodrigues de Abreu
A anatomia social do Aedes Aegypti:
os panfletos educativos de preveno e combate dengue como discurso.
Rio de Janeiro
2017
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Eliane Rodrigues de Abreu
A anatomia social do Aedes Aegypti:
os panfletos educativos de preveno e combate dengue como discurso.
Dissertao apresentada ao Curso de Mestrado
Profissional em Educao Profissional em
Sade da Escola Politcnica de Sade Joaquim
Venncio - Fundao Oswaldo Cruz, como
requisito parcial para a obteno do ttulo de
Mestre em Educao Profissional em Sade.
Orientadora: Profa. Dra. Carla Macedo
Martins
Rio de Janeiro
2017
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Catalogao na fonte
Escola Politcnica de Sade Joaquim Venncio
Biblioteca Emlia Bustamante
A162a Abreu, Eliane Rodrigues de
A anatomia social do Aedes Aegypti: os
panfletos educativos de preveno e combate
dengue como discurso. / Eliane Rodrigues de
Abreu. Rio de Janeiro, 2017.
98 f.
Orientadora: Carla Macedo Martins
Dissertao (Mestrado Profissional em Educao
Profissional em Sade) Escola Politcnica de
Sade Joaquim Venncio, Fundao Oswaldo Cruz,
2017.
1. Educao em Sade. 2. Comunicao e
Divulgao Cientfica. 3. Educao. 4. Mensagem
Educativa. I. Martins, Carla Macedo. II. Ttulo.
CDD 362.12
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Eliane Rodrigues de Abreu
A anatomia social do Aedes Aegypti:
os panfletos educativos de preveno e combate dengue como discurso.
Dissertao apresentada ao Curso de Mestrado
Profissional em Educao Profissional em
Sade da Escola Politcnica de Sade Joaquim
Venncio - Fundao Oswaldo Cruz, como
requisito parcial para a obteno do ttulo de
Mestre em Educao Profissional em Sade.
Aprovada em 25/04/2017
BANCA EXAMINADORA
___________________________________________________________________________
Profa. Dra. Carla Macedo Martins EPSJV/Fiocruz
___________________________________________________________________________
Prof. Dr. Jos Roberto Franco Reis EPSJV/Fiocruz
___________________________________________________________________________
Prof. Dr. Wedencley Alves Santana UFJF
___________________________________________________________________________
Prof. Dr. Marco Antonio Carvalho Santos EPSJV/Fiocruz
___________________________________________________________________________
Prof. Dr. Jos dos Santos Rodrigues UFF
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Dedico este trabalho a Deus pela f que me
conduz e a minha me pela perseverana e
coragem.
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AGRADECIMENTOS
Agradeo a todos os professores, trabalhadores e colaboradores desta instituio,
Escola Politcnica de Sade Joaquim Venncio, pela acolhida. Acolhida de trabalhadores-
estudantes, como eu. Sem a compreenso e zelo a ns dispensados, seria impossvel a nossa
formao em Mestres.
Agradeo a minha orientadora Profa. Dra. Carla Martins, pela discrio e firmeza.
Sem seu cuidado e carinho, talvez no tivesse seguido neste Mestrado Profissional.
Agradeo por fim a minha me, que entendeu minhas ausncias, minhas preocupaes,
minhas ansiedades, a fim de tornar o sonho do mestrado realidade.
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O Rio de Janeiro continua lindo
O Rio de Janeiro continua sendo
O Rio de Janeiro, fevereiro e maro
Al, al Realengo aquele abrao!
(...) Al moa da favela aquele abrao!
(...) Al, Banda de Ipanema aquele abrao!
(Gilberto Gil)
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RESUMO
O presente trabalho objetiva contribuir para analisar as contradies existentes nas polticas
de sade pblica, focando, para tanto, nas mensagens educativas utilizadas no trabalho de
controle do mosquito Aedes Aegypti. Na literatura da rea, ainda no consolidada a
importncia dos folders educativos, utilizados como uma das estratgias do Estado para
orientao e informao da populao. A dissertao se organiza em trs captulos. O
primeiro traa um panorama da urbanizao da cidade do Rio de Janeiro, localizando, neste
contexto, o papel desempenhado pelas polticas de sade, determinadas pelo conflito de
classe. O segundo destaca os conceitos voltados para a comunicao e educao em sade,
identificando, nestes dois campos, as formas e os elementos dos conflitos de classe
mencionados. O terceiro captulo, a partir da abordagem de Maingueneau (2001), analisa um
total de dezenove folders e cartazes, concluindo que a utilizao das mensagens educativas
tem como efeito o apagamento das responsabilidades do Estado e do carter coletivo da
preveno e do controle do mosquito aedes aegypti. Assim, alm da culpabilizao da
populao pela proliferao do mosquito, a relao entre poder pblico e populao impede
uma comunicao efetivamente democrtica, que possibilitaria a melhoria da qualidade de
vida dos muncipes e um efetivo aproveitamento dos recursos pblicos.
Palavras-chave: Comunicao e educao em sade. Mensagens educativas. Anlise do
discurso.
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ABSTRACT
The present objective work to contribute to analyze the existing contradictions in the politics
of public health, focusing, for in such a way, in the used educative messages in the work of
control of the mosquito Aedes Aegypti. In the literature of the area, not yet the importance of
folders is consolidated educative, used as one of the strategies of the State for orientation and
information of the population. The dissertation if organizes in three chapters. The first one
trace a panorama of the urbanization of the city of Rio De Janeiro, locating, in this context,
the role played for the health politics, determined for the classroom conflict. As it detaches the
concepts directed toward the communication and education in health, identifying, in these two
fields, the forms and the elements of the mentioned conflicts of classroom. The third chapter,
from the boarding of Maingueneau (2001), analyzes a total of nineteen folders and posters,
concluding that the use of the educative messages has as effect the deletion of the
responsibilities of the State and the collective character of the prevention and the control of
the mosquito aedes aegypti. Thus, beyond the blame of the population for the proliferation of
the mosquito, the communication between being able public and population effectively hinder
a democratic communication, that would make possible the improvement of the quality of life
of the townspeople and an effective exploitation of the public resources.
Word-key: Communication and education in health. Educative messages. Analysis of the
speech.
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LISTA DE ILUSTRAES FIGURAS
Ilustrao 1: Pranchas de Debret........................................................................19
Ilustrao 2: Rugendas, Chafariz no Rio de Janeiro...........................................31
Ilustrao 3: Tigre (s/ref.)...................................................................................32
Figura 1a: Folder agente de Vigilncia em sade................................................75
Figura 1b: Folder orientaes..............................................................................75
Figura 2a: Folder orientaes...............................................................................75
Figura 2b: Folder orientaes..............................................................................75
Figura 3: Cartaz Agente de Vigilncia em Sade................................................76
Figura 4: Cartaz ldico co desportista................................................................76
Figura 5: Cartaz ldico mosquito em placa de regulamentao de trnsito.........77
Figura 6: Cartaz ldico mosquito / advertncia...................................................77
Figura 7: Cartaz ldico personagem conhecido do pblico.................................78
Figura 8: Cartaz gente do povo............................................................................78
Figura 9: Cartaz personagem conhecido do povo................................................79
Figura 10: Cartaz representao de famlia..........................................................79
Figura 11: Cartaz elementos da comunidade.......................................................80
Figura 12: Cartaz alunos de escola......................................................................80
Figura 13: Cartaz cena do cotidiano....................................................................80
Figura 14: Folder orientaes..............................................................................81
Figura 15: Folder orientaes..............................................................................81
Figura 16: Folder imagem ldica vero............................................................82
Figura 17: Folder imagem smbolo da cidade do Rio de Janeiro.........................82
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Figura 18: Folder orientaes.................................................................................83
Figura 19: Folder orientaes.................................................................................83
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LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Total de domiclios no Municpio do Rio de Janeiro...............................................33
Tabela 2 - Forma de abastecimento de gua nos aglomerados subnormais..............................33
Tabela 3 - Forma de abastecimento de gua nos domiclios particulares permanentes............34
Tabela 4 - Tipos de esgotamento nos domiclios particulares aglomerados subnormais......34
Tabela 5 - Tipos de esgotamento nos domiclios particulares permanentes.............................35
Tabela 6 - Forma de destinao do lixo nos aglomerados subnormais.....................................36
Tabela 7 - Forma de destinao do lixo nos domiclios particulares permanentes...................36
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SUMRIO
Introduo...........................................................................................................................14
1. Captulo I: O processo de ocupao e urbanizao do municpio do Rio
de Janeiro.....................................................................................................................16
1.1 A noo de cidade.........................................................................................................17
1.2 A ocupao e urbanizao da cidade do Rio de Janeiro...............................................18
1.3 gua, esgoto e lixo: uma estruturao excludente........................................................26
1.4 A questo da urbanizao no sculo XXI.....................................................................39
2. Captulo II: O campo da comunicao e educao em sade para o controle do
Aedes Aegypt.................................................................................................................43
2.1 O conceito de sade e sade pblica.............................................................................44
2.2 Educao em sade.......................................................................................................46
2.3 Comunicao em sade.................................................................................................47
3. Captulo III: Anlise das mensagens educativas utilizadas no controle ao
Aedes Aegypti...............................................................................................................54
3.1 As epidemias nos perodos de 2001/2002, 2007/2008 e 2015/2016.............................56
3.2 Categorias e aspectos da anlise....................................................................................59
3.3 Anlise do corpus cartazes e panfletos.......69
4. Consideraes finais......................................................................................................84
Notas...................................................87
Referncias..........................................................................................................................88
Anexo A LEI N 11445 de 05/01/2007 Saneamento Bsico...........................................95
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INTRODUO
A dengue uma doena transmitida pelo mosquito aedes aegypti, como tambm pelo
mosquito aedes albopictus, vetores da doena. O aedes aegypti, originariamente, era um
inseto silvestre que adaptou-se ao meio urbano, pelas condies de sobrevivncia propcias
deste meio, ou seja, no meio urbano o mosquito encontrou abrigo (os imveis), alimento (os
seres humanos) e gua (acumulada nos depsitos servveis e inservveis distribudos pelos
imveis). Assim, o vrus da dengue transmitido quando da picada do inseto num indivduo
doente, transmitindo o vrus para outro indivduo sadio.
Uma vez que as epidemias de Dengue sempre foram relacionadas com a quantidade de
mosquito presente nos ambientes, a ao predominante, por parte das autoridades de Sade
Pblica, foi a de orientar a populao sobre a necessidade de se diminuir ao mximo, dentro
dos imveis, a quantidade de depsitos com gua parada, por ser este o ambiente procurado
pela fmea do mosquito para o desenvolvimento da espcie, desde os ovos at a formao
integral do inseto.
A estratgia utilizada no trabalho preventivo ao dengue, sendo intensificada a partir da
epidemia de 2002, a utilizao da mensagem educativa, que supostamente visa colocar, nas
mos do morador e cidado, a responsabilidade pelo controle do vetor transmissor da Dengue.
A autora do presente trabalho iniciou suas atividades como auxiliar de controle de
endemias em dezembro de 2002, portanto no ano em que ocorreu uma das maiores epidemias
aps 1986. Em dezembro, ms da minha admisso, foram registrados 625 casos de dengue,
contra 35.674 registrados em janeiro do mesmo ano, num total de 145.779 notificaes de
dengue no ano, no Municpio do Rio de Janeiro, de acordo com dados da Secretria Municipal
de Sade/RJ.
Desta forma, a autora desta dissertao, atravs do seu trabalho de visitas domiciliares
visando localizao de possveis pontos de infestao por larvas de mosquitos transmissores
da dengue, desenvolveu questionamentos sobre a eficcia da utilizao das mensagens
educativas no dia-a-dia de labor dos agentes de controle de endemias, j que, a partir da data
referida no pargrafo anterior, outras epidemias de Dengue ocorreram no Municpio do Rio de
Janeiro.
Sob slogans diversos, presentes nos panfletos distribudos, como tambm divulgados
nos meios de comunicao como FAA A SUA PARTE, entre outros o Estado impe
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populao a responsabilidade pela preveno. J a responsabilidade do Estado com
saneamento bsico, manuteno de hospitais e postos de sade, principalmente em poca de
epidemia, fica escondida em meio ao desespero da populao, que, doente, tem que enfrentar
postos e hospitais superlotados, lentido no atendimento, falta de mdicos, alm de
diagnsticos errados e/ou tardios.
A ineficcia das aes do governo atravessa a ocupao e urbanizao dos diversos
espaos geogrficos no municpio. Ento, a que serve a mensagem educativa? Para a
reproduo da desigualdade? Ou pode, ao mesmo tempo, promover uma maior participao
poltica da populao no cuidado sade?
Assim, o presente trabalho objetiva analisar as contradies existentes nas polticas de
sade pblica, enfocando, para tanto, as mensagens educativas utilizadas no trabalho de
preveno e combate ao Dengue e outras doenas transmitidas pelo mosquito Aedes Aegypti
no Municpio do Rio de Janeiro.
Sero utilizados os folders e cartazes distribudos populao por poca das atividades
dos agentes de vigilncia em sade. Este material, disponibilizado no trabalho de preveno e
combate ao dengue e outras doenas transmitidas pelo mosquito Aedes Aegypti, ser
relacionado ao processo de urbanizao do Rio de Janeiro e s teorias crticas no campo da
comunicao e sade.
Ento, no primeiro captulo, ser traado um resumo da histria da urbanizao do
municpio do Rio de Janeiro, tendo, como pontos de destaque, os problemas relacionados
falta de sistemas de esgoto e gua encanada, precariedade da coleta de lixo, e ainda,
especulao imobiliria e valorizao do capital, assim como ao controle dos conflitos de
classe no espao urbano.
O segundo captulo tratar das questes da comunicao em sade voltada para a
educao sobre doenas transmitidas pelo mosquito Aedes Aegypti, a partir da
problematizao do processo comunicacional como base de disseminao de normas e hbitos
sanitrios.
Por fim, o terceiro captulo focalizar a anlise da mensagem educativa presente em
folders e cartazes de preveno ao mosquito transmissor do vrus da Dengue e outras doenas,
indicando a perpetuao da culpabilizao da populao pobre pelas mazelas na urbanizao
das cidades.
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Captulo I: O processo de ocupao e urbanizao do municpio do Rio de Janeiro
Neste primeiro captulo, ser traada, em linhas gerais, a questo da urbanizao e do
apagamento das contradies na ocupao do territrio abrangente do municpio do Rio de
Janeiro. O objetivo discutir as lutas sociais existentes nas polticas de urbanizao ocorridas
na cidade, j desde a formao do Rio de Janeiro como cidade central, seja no sentido
administrativo, seja no sentido poltico.
O percurso do captulo ser feito em 4 itens. No primeiro item, ser pontuada a noo
de cidade, desde seu sentido original de centro agregador de interesses comerciais at o
sentido mais contemporneo: no s como espao transformado por aqueles que nela vivem,
mas tambm como transformadora desses conviventes.
O segundo item abordar a questo da ocupao e urbanizao da cidade do Rio de
Janeiro, cujo processo de ocupao, em consonncia com o conceito de cidade, ocorre para
atender s necessidades comerciais. Posteriormente, com o aumento da populao e tambm
das doenas por conta da precariedade do saneamento bsico, as autoridades iniciam, de
forma excludente, o processo de organizao urbana, visando estruturar uma cidade moderna
aos moldes europeus.
O terceiro item tratar da questo do saneamento bsico como resultado dos elementos
apontados nos dois primeiros. Desde sempre, a cidade do Rio de Janeiro enfrentou, e ainda
enfrenta, dificuldades na estruturao de seu sistema de abastecimento de gua e encanamento
de esgoto, passando pela precariedade na organizao da coleta do lixo urbano. Ento, as
questes apontadas neste item so de grande importncia para a presente dissertao, por
interferirem diretamente na questo do controle do mosquito aedes aegypti transmissor da
Dengue, entre outras doenas, como ser apontado no captulo 3.
E, por fim, o quarto item, de sntese, explicitar a perpetuao da urbanizao
excludente, demonstrando a preocupao por parte das autoridades apenas com as polticas de
Estado visando a concentrao e especulao imobiliria, com vistas ao lucro dos grandes
empreendedores, deixando de fora a parcela pobre da populao, mesmo que formalmente,
com os mesmos direitos das classes abastadas, qual seja, o direito ao bem estar, a boa
qualidade de vida.
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1.1) A noo de cidade
A cidade do Rio de Janeiro, que ocupa a 45 posio de IDHM (ndice de
Desenvolvimento Humano Municipal), empatado com a cidade de Goinia (Gois), de acordo
com o PNUD (Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento), divulgado com base
nos dados de 20101, como tantas outras importantes metrpoles do mundo: atrai o turismo,
sonhos de se viver nela, bem como interesses polticos e negcios no ramo imobilirio,
atendendo, desta forma, razo prpria de ser e de existir de uma cidade contempornea sob
o capital.
Cabe aqui o entendimento de que a concepo de cidade to dinmica como a sua
prpria existncia. Assim, da cidade da antiguidade, tida com espao de circulao de
mercadorias, passando pela cidade industrial, que aponta para a produo em srie em
substituio ao trabalho simplesmente artesanal, at a cidade nos moldes capitalista (com suas
divises internas) desenhada no final da Idade Mdia, ocorrem mudanas no espao urbano
interior, passando de espao comunitrio para espao privado, privativo. (ROLNIK, 2012).
Essa cidade se confunde com o desenvolvimento do prprio homem, que passa de
campons, dependente da terra, e dono de seus instrumentos de trabalho tpico da sociedade
feudal para assalariado, no mais proprietrio de seus instrumentos de trabalho e, por
conseguinte, dependente da venda da sua prpria fora de trabalho para sobreviver tpico da
sociedade capitalista (Rolnik, 2012).
Para Harvey (apud MARICATO, 2013, p. 28), a formao da cidade enquanto espao
, em verdade, espelho do que a comunidade quer ser. Por hiptese, nesse espao, todos tm o
direito de se fazer e refazer, bem como a sua cidade:
Temos de imaginar uma cidade mais inclusiva, mesmo se continuamente fracionada, baseada no apenas em uma ordenao diferente de direitos, mas em
prticas poltico-econmicas. Direitos individualizados, tais como ser tratado com a
dignidade devida a todo ser humano e as liberdades de expresso, so por demais
preciosos para serem postos de lado, mas a estes devemos adicionar o direito de
todos a adequadas chances de vida, direito ao suporte material elementar, incluso
e diferena. (...) Se nosso mundo urbano foi imaginado e feito, ento ele pode ser
reimaginado e refeito. (HARVEY, apud MARICATO, 2013, p. 33).
Nesta dinmica, est implcito o jogo de poder das classes que se reflete na
organizao espacial, tal como se define na formao das cidades contemporneas. Segundo
Paul Singer (apud Monte-Mr, 2006):
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(...) a cidade o modo de organizao (scio) espacial que permite classe
dominante maximizar a extrao regular de um mais-produto do campo e
transform-lo em garantia alimentar para a sua sustentao e para a de um exrcito
que garanta a regularidade dessa dominao e extrao. (PAUL SINGER, apud
MONTE-MR, 2006, p. 11)
Como as classes dominantes trataram a ocupao espacial do Rio de Janeiro atendendo
s necessidades de mobilidade e moradia de seus conviventes precisamente o que se ver
adiante. Em outras palavras,
Saber que tipo de cidade queremos uma questo que no pode ser dissociada de
saber que tipo de vnculos sociais, relacionamentos com a natureza, estilos de vida,
tecnologias e valores estticos ns desejamos. (...) A urbanizao, portanto, sempre
foi um fenmeno de classe, uma vez que o controle sobre o uso dessa
sobreproduo sempre ficou tipicamente na mo de poucos [pense por exemplo
num senhor feudal]. Sob o capitalismo, emergiu uma conexo ntima entre o
desenvolvimento do sistema e a urbanizao. (HARVEY, 2013, p.1).
Por isso, a cidade do Rio de Janeiro, que at 1960 gozava do status de capital do pas,
ser em princpio organizada para atender s necessidades de mobilidade da famlia real e
posteriormente s necessidades das classes abastadas, passando pela especulao imobiliria
vida por abocanhar as zonas mais cobiadas, como as regies central e sul do municpio
por serem centros financeiros e culturais.
1.2) A ocupao e urbanizao da cidade do Rio de Janeiro
A urbanizao uma questo complexa em qualquer cidade do mundo e assim
tambm aconteceu na cidade do Rio de Janeiro que, em princpio, no foi nem imaginada,
nem projetada para servir a sua populao, mas sim ao escoamento de mercadorias, tanto
vindas do interior, quanto vindas da Europa. Para Benchimol (1992):
O primeiro grande impulso do Rio de Janeiro, em termos de vitalidade urbana, est
articulado ao auge e decadncia da minerao nas Gerais. Desde a construo do
caminho novo, por Garcia Rodrigues Pais, no inicio do sc. XVIII, o Rio de Janeiro
tornou-se o porto de escoamento da produo das minas e de importao das
mercadorias estrangeiras destinadas aos populosos centros mineradores, no vasto
territrio interiorano das Gerais. (BENCHIMOL, 1992, p. 21).
Desta forma, a concentrao populacional deu-se no entorno da Baa de Guanabara,
onde eram realizados os grandes negcios como compra e venda de mercadorias e escravos,
bem como de outros menores, como a venda de doces e iguarias similares, alm do excedente
de produtos alimentcios diversos para a subsistncia da populao urbana.
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A diversidade e a efervescncia na faixa central da cidade era to intensa quanto
pitoresca, ao ponto de chamar a ateno de um pintor muito importante para os registros
histricos deste perodo, Jean-Batiste Debret2. As ilustraes abaixo so apenas algumas de
suas inmeras pranchas retratando o cotidiano das ruas do Rio de Janeiro poca colonial
(Debret, apud, VALRIA, 2003, p. 373 e 374).
Ilustrao 1 Pranchas de Debret
Reiterando, o processo de ocupao no municpio do Rio de Janeiro se deu de acordo
com as necessidades de escoamento de mercadorias, tanto de dentro para fora, como de fora
para dentro, da ento colnia portuguesa.
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O capital mercantil, vinculado metrpole, no tinha maiores compromissos com a
cidade, exceto aqueles indispensveis a circulao das mercadorias que por ela
transitavam. Da riqueza ou do excedente gerado, permanecia na cidade colonial
apenas o necessrio para a manuteno das atividades auxiliares do comrcio e do
sistema fiscal de base urbana. (BENCHIMOL, 1992, p. 21).
Cabe ressaltar que o presente trabalho no tem a pretenso de aprofundamento da
histria da ocupao e urbanizao da cidade do Rio de Janeiro, visto no ser este seu tema
central. Contudo, ao se fazer o caminho histrico pelas ruas do Rio de Janeiro - da poca
colonial at o incio da Repblica, passando pelo imprio o que se deseja pontuar, em
verdade, que a precariedade da infra-estrutura sempre esteve presente no cotidiano da cidade e
que, esta cidade, ao longo destes perodos, no foi pensada como um lugar democrtico para
se viver e conviver.
Independentemente de um planejamento urbanstico, o crescimento populacional se
fazia presente por conta da expectativa de uma vida melhor por parte daqueles que para a
cidade acorriam, porm sem nenhuma reestruturao conforme o aumento da populao.
Com relao ao crescimento populacional, Paixo (2013) aponta os seguintes dados:
A partir da segunda metade do XIX, a cidade do Rio de Janeiro apresentou um
crescimento populacional constante e intenso: o censo de 1890 registrou 522.651; o
de 1906, 811.443; e o de 1920 contabilizou 1.157.873 pessoas morando na cidade.
Vrios fatores contriburam para este crescimento, dentre eles, o grande fluxo de
imigrao, tanto europeia como aquelas oriundas de outras cidades brasileiras. Com
isso, ocorreu uma grande concentrao das habitaes coletivas nas freguesias
centrais do Rio de Janeiro. Isso porque para a maioria da populao estar mais
prximo ao Centro da cidade era condio indispensvel para a prpria
sobrevivncia. (PAIXO, 2013, p. 122).
Portanto, diante destes pressupostos, no se pode, ou no se deveria, imputar a culpa
dos problemas de sujeira, aglomerao populacional e insalubridade ao povo pobre que
ocupava as vielas e os becos ptridos da regio central da cidade, uma vez que nos raros
momentos em que as autoridades se interessavam e buscavam infraestruturar o espao urbano,
o faziam de forma pontual.
Vem de longas datas a acusao de que primeiramente os escravos e depois a
populao pobre seriam os verdadeiros responsveis pela situao de insalubridade da cidade
do Rio de Janeiro, conforme Sidney Chalhoub3 (2006).
Para elaborarmos a articulao entre sade, urbanizao e classes sociais na histria do
Rio de Janeiro, fundamental, portanto, visitarmos esta obra. De acordo com Soihet (1999),
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Chalhoub, argutamente, vai obtendo as chaves que lhe permitem reconstruir,
passo a passo, o movimento decorrente da instaurao das crenas que justificaram
a derrubada dos cortios e o conseqente afastamento dos pobres das reas centrais
da cidade a identificao das classes pobres como classes perigosas
constituir-se-ia na primeira delas. Os higienistas alegavam que a promiscuidade
presente nos cortios era um perigo para a ordem pblica e que tais habitaes
coletivas eram focos de irradiao das epidemias e frtil terreno para a propagao
dos vcios. Os objetivos dos mdicos foram em boa parte alcanados graas: 1) ao
surgimento de uma ideologia da higiene, legitimadora daquelas medidas; 2)
aliana com os grupos empresariais, ansiosos por se aproveitarem das novas
oportunidades de investimento, e 3) ao fato de a Inspetoria de Higiene alcanar,
aps a Repblica, um poder total, pois de suas decises nenhum recurso podia ser
interposto. Outra das crenas ento veiculadas era a de que a neutralidade
cientfica, se combinada competncia, conduziria o pas civilizao. Nesse
sentido, os higienistas, do alto de seu saber, julgavam-se no direito de decidir os
destinos da populao pobre do Rio de Janeiro. (SOIHET, 1999, p. 184-5):
Assim, Chalhoub oferece ma anlise minuciosa da relao entre territorializao
urbana, classes sociais, poltica e, por fim, concepes sobre o processo sade-doena ao
discutir a questo do combate Febre Amarela e Varola no Rio de Janeiro. O autor coloca
ironicamente que, quanto Febre Amarela,
(...), havia o desconhecimento, pela cincia mdica do perodo, do modo de transmisso da febre amarela. Enquanto infeccionistas e contagionistas
permaneciam gritando uns com os outros a prpria Junta Central de higiene
estava dividida no incio dos anos 1850 , os mosquitos continuavam a escolher,
segundo critrios prprios, as vtimas de suas refeies sangrentas, e assim
confundiam inteiramente as evidncias cientficas dos contendores. Na confuso
reinante entre os mdicos, era difcil que mesmo higienistas de posio moderada e
conciliatria como Pereira Rego e Paula Candido conseguissem convencer
congressistas e governo a aprovar fundos para a execuo das medidas sanitrias
recomendadas pela Junta de Higiene. (CHALHOUB, 2006, p. 68).
O referido autor chega, inclusive, a tratar com certo humor as tentativas, de duvidosa
eficcia, de afastar os males da febre amarela:
A pgina do Jornal do Commercio andava repleta de originalidades. Um fabricante anunciava charutos contra a febre amarela, e explicava o segredo de sua
eficcia: Acendendo um fsforo, o enxofre destri os miasmas, o charuto faz
cuspir a blis. Havia o comerciante que colocava venda um colcho de clina
vegetal, bom preventivo contra a febre reinante porque no possibilitava a
concentrao de miasmas. Outro anunciava a gua e leo da Rainha,
composio infalvel para o crescimento de cabelos, bigodes etc., e tambm um
preservativo infalvel contra a febre amarela! Dessa vez, no h sequer explicao
sobre como se operava o milagre. (CHALHOUB, 2006, p. 70, Grifo do autor).
Humores parte, era grande a preocupao do governo em debelar estas doenas, j
que ningum estava livre de contra-las, como se pode constatar no seguinte fragmento:
(...); permanece vlida, contudo, a observao de que raramente um escravo ou
liberto figurava nas longas listas de vtimas fatais da peste. A populao branca
segundo os relatos de poca, sobretudo as pessoas que se encontravam na capital
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vindas das provncias do interior e mormente os imigrantes foram aqueles que
mais sofreram com a tragdia em termos de perdas de vidas humanas.
(CHALHOUB, 2006, p. 71).
Ainda, segundo Chalhoub (2006, p.72 a 77), era muito discutida a hiptese de a febre
amarela estar intimamente ligada ao trfico negreiro, havendo verdadeiros estudos cientficos
voltados para o assunto em que mdicos, entre outros especialistas, exortavam as autoridades
brasileiras a extinguirem o trfico, para, desta forma, conseguir-se erradicar a doena que a
tantos matava, principalmente os estrangeiros. Ademais, identificava-se nos miasmas,
vinculados a situaes de misria, a origem da doena:
A identificao dos cortios como os focos geradores dos germes da febre
amarela foi fato de enorme significado simblico e poltico. (...) na segunda metade
do sculo XIX, a tendncia era considerar como tal qualquer habitao que,
segundo os padres instveis dos sanitaristas, fosse vista como imunda e apinhada
de gente. Na realidade, logo que concluram que a febre amarela era originria dos
cortios, os higienistas iniciaram a luta para ampliar ao mximo a abrangncia do
conceito de cortio. Acabaram descobrindo que o mal infestava toda a rea central
da cidade, e passaram a defender planos de transformao radical do espao urbano
para o bem da sade pblica e, como se revelou, para o prazer de certos
investidores. A idia era evitar a continuidade da produo de emanaes
miasmticas; quando tal objetivo parecia impossvel, tentar-se-ia ao menos
dispersar o veneno atravs da abertura de ruas e avenidas bem largas. Quanto aos
cortios, (...), o sonho era demoli-los a todos. (CHALHOUB, 2006, p. 88).
Com relao aos surtos de varola, os culpados iniciais permanecem os mesmos,
conforme explicitado abaixo:
Pereira Rego, o mais importante higienista e historiador da sade pblica no Brasil
do sculo XIX, associa sistematicamente a ocorrncia de varola na cidade s
condies do trfico negreiro. Para Rego, por exemplo, a nica explicao possvel
para o fato de a varola ter se ausentado da Corte por quatro anos seguidos, no
incio dos anos 30, era a cessao temporria do comrcio negreiro em virtude da
lei de abolio do trfico em 1831. Por outro lado, o retorno violento das bexigas
em 1834 e a repetio de epidemias em 1835-6 e 1838-9 seriam resultado direto da
retomada do trfico, agora ilegal, pois que muitos africanos aqui chegados com o
flagelo, como tivemos ocasio de ver, eram clandestinamente introduzidos para o
seio da populao, ou alojados em depsitos nos subrbios da cidade.
(CHALHOUB, 2006, p. 109).
A relao direta entre o trfico negreiro e as epidemias de varola no municpio ficou,
inclusive, constatada, j que estudos demonstravam surtos de varola no Brasil justamente nos
mesmos perodos em que ocorriam em determinadas regies africanas de onde eram
exportados os negros.
A grande preocupao das autoridades era a de ento imunizar os negros recm-
chegados colnia e, desta forma,
(...) atenua-se a cadeia de transmisso de varola para os locais de destino desses
africanos. A diferena estaria na prtica de vacinar os negros novos quando de sua
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23
chegada, o que nem sempre poderia evitar a importao da molstia, mas
certamente diminua o nmero de pessoas suscetveis de contra-la e transmiti-la
nas semanas seguintes. (CHALHOUB, 2006, p. 110).
Porm, ao longo do tempo, a eficcia da vacinao foi contestada por diversos motivos
elencados por Chalhoub (2006, p. 125, 130 e 136), que no sero listados no presente
trabalho, por conta de no serem pertinentes aos seus objetivos. Ento, o que chama ateno
que mesmo as autoridades da poca tambm deixam de se importar com os surtos de varola
por esta no assolar os imigrantes, como a febre amarela, mas, sim, os negros escravos e os
muitos pobres moradores e residentes nas regies de periferia.
De outra forma, muitos imaginavam que, na verdade, a varola era uma artimanha de
mdicos quase todos brancos para acabar com os negros e pardos da colnia. Havia ainda a
crena religiosa por parte de muitos africanos de que a varola era manifestao do orix
Omol em ato de amizade ao se apossar do indivduo em forma da doena e, por isso, grande
parte da classe pobre era contra a vacinao da varola por acreditar que a no permisso
manifestao do orix s poderia trazer mais doenas e mortes (CHALHOUB, 2006, p.145).
E, assim, ao longo do perodo monrquico, havia a convivncia entre a medicina oficial e
curandeiros de toda a sorte a buscar a cura da varola, cada um do seu jeito. Portanto,
uma dessas ironias da histria o fato de que a elaborao, por parte de
alguns crticos do regime monrquico no sculo XIX, da verso de que teria havido
mais tolerncia com as diferenas culturais durante o perodo imperial tenha se
transformado em pea de propaganda de apologistas da monarquia no sculo XX.
inevitvel constatar mudanas estruturais profundas nas polticas de domnio sobre
os trabalhadores no Brasil das ltimas dcadas do sculo XIX, mas preciso muita
ginstica intelectual e retrica barroca para descrever como tolerante uma classe
dominante que escravizava, intimidava e torturava tanto quanto a classe dos
escravocratas brasileiros. O que h, na realidade, (...), um reordenamento
estrutural nas polticas de dominao e nas relaes de classe: institui-se o novo
lugar da luta de classes, engendram-se os novos significados sociais gerais
norteadores dos conflitos sociais. (CHALHOUB, 2006, p. 183-4).
E, com isso, Chalhoub (2006) deixa explicitado, em seu trabalho, a percepo de que
sempre esteve presente nas polticas pblicas de sade a culpabilzao dos pobres pelos
problemas de higiene e precariedade das condies de vida nos espaos urbanos, produzindo
teorias sobre o processo sade-doena e justificando a reorganizao do tecido urbano.
Dentro desta perspectiva, fica assim o quadro de formao dos elementos pertencentes
cidade, quais sejam: de um lado, as classes dominantes e o Estado, responsveis pela ordem
pblica e manuteno do mnimo necessrio das normas de convivncia coletiva, e, do outro
lado, as classes pobres. proposital esta ordem, uma vez que, atravs dos autores apontados
ao longo deste trabalho, fica bem clara a permanncia das classes populares s margens dos
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benefcios sociais, de segurana e de melhorias estruturais dos espaos urbanos, assim como
de sua culpabilizao na disseminao e origem de doenas.
Chalhoub (2006) faz uma contundente colocao referente ao que subjaz, em verdade,
nos diversos projetos de urbanizao da cidade do Rio de Janeiro, entre fins do sculo e XIX e
incio do XX:
A superao das prticas de rotina da dominao senhorial foi vivida com
ambigidade pela populao pobre do Rio: o desmoronar da escravido e da poltica
de produo de dependentes foi em grande parte obra deles, escravos e homens
livres pobres; mas a vitria se seguiu a experincia histrica da derrota de qualquer
perspectiva de mudana na lgica perversa de uma sociedade cujo sentido essencial
continuava a ser a naturalizao das diferenas e a reproduo das relaes sociais
desiguais. Ao contrrio, dos amos e senhores s diligncias policiais, dos escravos
s classes perigosas, do domnio senhorial da coisa pblica coisa pblica
dominada pelo racismo cientfico, o que se via era a construo da nova arena de
luta de classes, a inveno dos novos significados sociais gerais que iriam instituir o
lugar dos conflitos numa sociedade sem mudana. (CHALHOUB, 2006, p. 179).
Francisco de Paula Rodrigues Alves, que exerceu o quarto perodo de governo
republicano, entre 1902 e 1906, promoveu, no perodo posterior ao colonial-escravista, a
primeira mudana significativa na paisagem do municpio, lanando mo inclusive de lei,
conforme o Decreto 391 de 10 de dezembro de 1903 (...) para que Pereira Passos pudesse
levar adiante seu plano de reforma da cidade. (RIBEIRO, 1997, p. 213). Assim, na onda
urbano-higienista do incio do sculo XX:
A administrao de Francisco Pereira Passos, de 1902 a 1906, foi incumbida de
promover uma grande reforma na cidade do Rio de Janeiro. Esta reforma, a
primeira das grandes reformas urbanas realizadas no Rio de Janeiro, iniciou a
questo da interveno do Estado no espao urbano. A grande proposta dessa
reforma foi a alterao do uso do espao urbano. Antes dela, a cidade do Rio de
Janeiro havia crescido sem uma ordenao especfica e apresentava pouca diferena
entre o espao do trabalho e o espao de moradia. A reforma de Passos alterou
profundamente a relao entre o espao urbano e o seu uso especfico, e objetivava
transformar o Centro da cidade, at ento um local de grande concentrao tanto
comercial como residencial. Um dos principais objetivos da reforma de Pereira
Passos fora exatamente separar esses espaos, tanto para controlar o seu uso como
para separar as classes sociais. Para tal, Pereira Passos delegou os bairros do Centro
para a produo e circulao financeira, os novos bairros da Zona Sul para os ricos
e os novos bairros do subrbio para os pobres. (PAIXO, 2013, p. 122).
Ainda com relao reforma ocorrida no centro da cidade, Paoli (2013) ressalta que a
preocupao no era s com a higienizao, mas tambm com o embelezamento efetivo do
centro da cidade:
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O conjunto das obras projetadas iria atingir profundamente o Centro da cidade, a
rea que concentrava os principais servios e negcios, mas tambm a rea de
formao mais antiga, cujo traado virio provinha do perodo colonial e no havia
sofrido modificaes substanciais desde ento, apesar dos planos urbansticos e dos
numerosos projetos de alargamento de ruas elaborados ao longo do sculo XIX,
mas nunca realizados. Alm do traado virio, considerado inadequado para a
circulao do ar e do trfego, o discurso tcnico da poca condenava as velhas
edificaes da cidade, dotadas de alcovas, cmodos de dormir que no recebiam ar
nem luz diretamente do exterior. As alcovas foram consideradas o grande vilo da
insalubridade daquelas edificaes. Por este motivo, uma das principais
justificativas das reformas urbanas foi a necessidade de sanear a massa edificada da
cidade, o que deveria ser obtido com a demolio das casas mais antigas e sua
substituio por edificaes modernas. (PAOLI, 2013, p. 17).
Neste ponto, a autora explicita que, na dcada de 1980, eram comuns os estudos que
privilegiavam, sempre, como causa da demolio das casas no centro da cidade a existncia
dos cortios e das casas de cmodo insalubres e ftidas, se fazendo necessrias, ento, obras
de saneamento, reproduzindo uma espcie de histria oficial do Rio de Janeiro que apaga a
luta de classes em torno do territrio urbano. Assim, Paoli (2013) afirma que:
(...) em diversos escritos que integram a historiografia da dcada de 1980, tambm
pode ser observada a presena da ntida contraposio entre um momento velho e
um novo, a narrativa de uma transformao total da rea do Centro da cidade, por
obra das reformas urbanas. Apesar da crtica social aqui contida, a estrutura destes
discursos seria muito prxima a daqueles que defenderam as reformas em seu
tempo. A principal diferena est na atribuio de valor que eles fazem s reformas
urbanas, e no propriamente na forma. Por outro lado, importante notar o
esquematismo desta construo terica, a bipolaridade que ela traz consigo,
reduzindo as inmeras leituras possveis da cidade a duas imagens estticas, como
quadros. Estas imagens estavam atreladas a uma estratgia discursiva precisa, da
qual os reformadores lanaram mo para justificar as obras (reproduzida pela
historiografia da dcada de 1980 porque adequada aos seus objetivos de crtica
social). (PAOLI, 2013, p.20).
Ainda, outra reforma da cidade com o argumento de embelezamento e saneamento
ocorre pouco tempo depois do mandato de Pereira Passos:
O incio da dcada de 1920 tambm foi marcado por uma vasta discusso em torno da imagem internacional da cidade devido a dois grandes episdios: a visita
do rei Alberto e da rainha Elisabeth, monarcas belgas, marcada para setembro de
1920, e a comemorao do Centenrio da Independncia do Brasil, em 1922. Esses
dois eventos trouxeram uma grande preocupao para as autoridades e para a
imprensa de modo geral. Como o Rio de Janeiro, e por consequncia o Brasil,
seriam vistos e avaliados pelas autoridades internacionais e, por conseguinte, pelos
investidores estrangeiros era a grande discusso nesse perodo. (...) Quando Carlos
Sampaio assumiu a Prefeitura da cidade, encarregado pelo presidente Epitcio
Pessoa de preparar a cidade para os dois grandes eventos, preocupou-se
exclusivamente em arrumar uma de suas partes mais nobres: a Cinelndia. (PAOLI,
2013, p. 123).
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26
Assim, nesta nova investida de urbanizao, na dcada de 1920, o projeto urbanstico
pensado com concentrada ateno ao ponto onde se localizava o morro do Castelo, pois que,
conforme ressalta Paixo (2013, p. 120), era l que se (...) concentrava as principais
atividades polticas, econmicas e culturais da Corte. E ainda:
A defesa do desmonte do morro do Castelo fortemente assumida pelas elites, e sua
viso denegrida de seus moradores, faz concluir que tanto o Estado, neste trabalho
explicitado atravs da ao da administrao municipal e da polcia, como as
classes favorecidas social e economicamente, como a dos engenheiros, condenaram
o morro e seus moradores a no fazerem parte da nova cidade em construo:
moderna e preparada para o progresso. (PAOLI, 2013, p. 136).
Ento, por conta da urbanizao do centro da cidade, a populao pobre a residente
foi naturalmente empurrada para o interior onde permanecia o quadro de precariedade da
infra-estrutura. Ocorreu, assim, a urbanizao da cidade em seus pontos centrais para atender
os setores abastados da sociedade fluminense num processo de ruptura com as doenas e falta
de higiene nestes locais e legitimando o processo de continuidade da falta de esgotamento,
fornecimento de gua potvel, entre outros elementos importantes para uma boa qualidade de
vida para a populao pobre, como bem nos aponta Ribeiro (1997):
(...) piora nas condies de moradia das classes pobres da cidade. Deslocadas do
centro, elas iro aumentar a densidade de ocupao das casas-de-cmodos
existentes nas zonas contguas ao centro, (...). Por outro lado, surgem j desde o
incio do sculo XX as moradias precrias, autoconstrudas em terrenos vagos no
centro da cidade, que aumentaro no decorrer dos anos e formaro os conjuntos de
habitaes chamados favelas. (RIBEIRO, 1997, p. 217).
Ento, assim que ocorre o processo de urbanizao da cidade do Rio de Janeiro. A
especulao imobiliria e a presso das classes dominantes a fim de afastar os pobres da
regio central da cidade foi um processo longo e lento, com objetivos claros, porm distintos
dos anseios do povo: o de uma vida melhor por viver na capital da Repblica. A afirmao de
que a pobreza provocava epidemias, e, por conseqncia, muitas mortes, servia apenas para
justificar a derrubada dos casebres e cortios e esconder o abandono social sofrido pela
populao da cidade do Rio de Janeiro naquele perodo, assim como os processos de
valorizao territorial no espao da cidade.
1.3) gua, esgoto e lixo: uma estruturao excludente
A par e passo com a questo da urbanizao em si, como j visto excludente -
caminham a precariedade do sistema de abastecimento de gua, do sistema de esgotamento e
da coleta de lixo. Benchimol (1992, p.65-66) nos d conta de que as formas de abastecimento
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27
de gua no municpio do Rio de Janeiro vo desde a construo de poos d`gua feitos por
Estcio de S, fundador da cidade do Rio de Janeiro - at a utilizao de chafarizes pblicos,
passando pela distribuio de gua com carroas puxadas por burros, chegando mesmo, aps
a abolio da escravatura, a ocorrer a utilizao de um sistema de gua encanada por tubos de
ferro. Este sistema, importado da Inglaterra, guarnecia as zonas centrais da cidade, mas era
insuficiente.
J em 1870, andava o Imperador D. Pedro II s voltas com a escassez de gua para
abastecimento das residncias dos muncipes, por se ter verificado uma expanso imobiliria
significativa. (RIBEIRO, 1997, p. 218). Neste perodo, torna-se grande a presso para que a
gua deixasse de ser comunitria poos e chafarizes pblicos para transformar-se em
servio prestado pelo Estado com preos variveis de acordo com a situao financeira do
consumidor, bem como o fim a que se destina, como os hospitais, entidades filantrpicas e os
muito pobres. (BENCHIMOL, 1992, p. 69-70).
Em 1880 foi inaugurada a rede de gua encanada na cidade, porm se a rede de
distribuio a domicilio era um ndice da "modernizao" da cidade, o nmero tambm
crescente de habitantes excludos do acesso a esse gnero vital constitua um indicador da
qualidade social dessa modernizao (BENCHIMOL, 1992, p. 72), uma vez que inmeros
moradores de estalagens e cortios continuavam a andar longas distncias para conseguir gua
para consumo.
Em 1889, por conta de uma grande epidemia de Febre Amarela, ocorre um congresso
de sade no qual so recomendadas, dentre outras, as seguintes medidas:
a) Criao de uma autoridade executiva do saneamento do Rio de Janeiro,
auxiliada por um Conselho de mdicos e engenheiros, para a execuo das medidas
mais urgentes de saneamento, dentre as quais:
- drenagem e aterro dos terrenos baixos e alagadios;
- abastecimento de gua potvel;
- regularizao dos rios;
- conservao das florestas;
- sindicncia no sistema de esgotamento da cidade explorado pela City;
- destruio do lixo removido da cidade;
- calamento e lavagem cotidiana das ruas.
(...) c) Saneamento das habitaes (...) auxlio s empresas que se
organizassem para construo de habitaes para a classe pobre. (RIBEIRO,
1997, p. 212).
No s o abastecimento de gua um problema para os administradores da cidade do
Rio de Janeiro: a estruturao da rede de esgoto outro desafio que o crescimento
desordenado da populao impe aos seus governantes. De acordo com Benchimol (1992):
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At meados do sculo XIX, os esgotos da cidade do Rio de Janeiro eram
despejados nas valas ou praias, por meio de barris transportados por escravos, os
soturnos "tigres", que percorriam as ruas com sua carga repugnante, tarde da noite.
Numerosas valas a cu aberto rasgavam a cidade velha em vrias direes.
Recolhiam grande parte das imundcies daquela populosa rea, transformando-se
em focos de perene infeco e insalubridade. Outras formas comuns de
esgotamento, igualmente condenadas pelos mdicos higienistas, eram as fossas e
sumidouros, encontrados especialmente nos arrabaldes do Rio de Janeiro. (BENCHIMOL,1992, p. 74).
Assim como a questo do abastecimento de gua sempre esteve aqum das
necessidades dos moradores da cidade, o problema no sistema de esgoto recalcitrava do
mesmo modo. A rede de abastecimento de gua, mesmo sendo uma prestao de servios do
Estado, foi implementada por uma empresa privada. E a rede de esgoto na ento capital do
pas tambm foi entregue explorao de empresa privada, no caso a Companhia The Rio de
Janeiro City Improvements criada pela bancria inglesa Glenn and Mills (BENCHIMOL,
1992, p. 73).
No incio do perodo republicano, o Rio de Janeiro j contava com mais de 60% de
seus imveis com sistema de esgoto devidamente encanado a despeito das reclamaes feitas
contra a empresa responsvel pelo servio de saneamento. Porm, a poltica urbana
excludente habitual se fazia notar:
A Gvea um bom exemplo: a Rua Marques de So Vicente est, na virada
do sculo, ladeada por habitaes de funcionrios pblicos, pequenos comerciantes
etc., que representavam setores sociais mdios; alm dessas habitaes existiam
algumas chcaras da populao abastada. De acordo com o censo de 1890, residia
na Gvea cerca de 1% da populao da cidade. Esta populao j estava
perfeitamente servida pelos transportes coletivos (bondes), rede de esgotos e outros
servios pblicos.
.............................................................
(...) outras reas sensivelmente mais populosas como Inhama cerca de 3,5% da
populao), Campo Grande (cerca de 3% da populao) e Santa Cruz (cerca de
2.5% da populao), no recebiam quaisquer destes servios. (ASSISTNCIA
MDICA, apud Benchimol, op.cit. p. 75).
J em 2007, a Lei federal de nmero 11445 normatiza o saneamento bsico no pas.
De acordo com esta lei, todos tm direito de acesso aos servios de saneamento bsico, de
modo a alcanar boa sade e qualidade de vida no que tange a segurana e normas de higiene.
Ento, torna-se relevante refletir que no se trata de uma negao urbanizao, e sim
de pensar que, no Rio de Janeiro, houve uma urbanizao que contemplou a particularidade
perdendo de vista a cidade e sua populao com um todo.
J no perodo colonial, a Comisso da Carta Cadastral explicita:
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29
Certamente no basta obtermos gua em abundncia e esgotos regulares para
gozarmos de uma perfeita higiene urbana. necessrio melhorar a higiene
domiciliar, transformar a nossa edificao, fomentar a construo de prdios
modernos e este desideratum somente pode ser alcanado rasgando-se na cidade
algumas avenidas, marcadas de forma a satisfazer as necessidades do trfego
urbano e a determinar a demolio da edificao atual onde ela mais atrasada e
mais repugnante se apresenta. (MELHORAMENTOS, apud Benchimol,
1992, p. 235)
Verifica-se, que, neste perodo, a perspectiva de mudanas gira sempre em torno da
questo do alargamento de ruas com consequente melhoria na circulao e desafogamento do
centro da cidade, atravs da retirada dos prdios e das residncias sujas e pobres, sem
considerar outras possibilidades, como dar condies aos moradores locais de higienizar e
melhorar sua qualidade de vida (BENCHIMOL, 1992, p. 284-5).
Outra questo que merece destaque o aspecto cultural, ou seja, a norma de no
indagar como a populao pensa a relao sade-doena ligada questo da higienizao. E,
ainda, discutir como a limpeza pode influenciar no embelezamento e na melhor comunicao
entre os espaos dentro da cidade, que um lugar de trocas e, portanto, agregadora dos
diversos grupos com (...) diversificados padres familiares, sem falar nos nveis sociais que,
(...) expressam de maneira mais ou menos clara a sua diversidade, mormente quando
enquadrados em espaos segregados pela prpria distribuio imobiliria. (BARROS, 2012,
p. 90).
Igualmente, como a estruturao do abastecimento de gua e esgoto, a coleta de lixo
tambm enfrentou dificuldades na sua implementao. O Portal da Comlurb (ASSEIOMRJ,
2014) d conta que Em 1760, a cidade chegava aos 30 mil habitantes. Nesta poca, atirava-se
lixo por todas as partes. Aqueles residentes prximos ao mar o jogavam na praia e os
moradores vizinhos s lagoas, pntanos, ou rios, ali mesmo faziam seus despejos.
Ainda de acordo com o referido Portal, diversos projetos visando limpeza e
higienizao da cidade foram propostos, porm todos foram indeferidos pelo governo.
Somente em 1885:
(...) o governo resolve contratar, provisoriamente, Aleixo Gary para o servio
de limpeza das praias e remoo do lixo da cidade para Ilha de Sapucaia, localizada
no bairro chamado Caju. Aproveitando-se das circunstncias, Gary tentou, com
uma proposta, concentrar todo o conjunto de atividades da limpeza - logradouros,
remoo do lixo das casas particulares, praias e transporte do lixo para Sapucaia -
em suas mos, isto , monopolizar o setor. (...) Mas, sua proposta no teve sucesso,
sendo recusada pelo governo. (...). (ASSEIOMRJ, 2014).
Assim, do uso dos conhecidos tigres (EIGENHEER, 2014. p. 91), conforme ilustrao
na pgina 32, passando pela utilizao precria de empresas particulares coletoras de lixo no
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30
perodo imperial, at hoje, o Rio de Janeiro, com seus 6.320.446 de habitantes, de acordo com
dados do IBGE de 2010 (IBGE, 2014) e populao estimada para 2013 de 6.429.923 (IBGE,
2014) ainda sofre com a forma incorreta de coleta de lixo domiciliar. De acordo com
Eigenheer:
() no Rio de Janeiro, procurou-se introduzir, ao longo do sculo XX, novidades
tcnicas no tratamento de lixo. Inicialmente se buscou a alternativa da incinerao
e, posteriormente, das usinas de triagem e compostagem. Estas procuram aproveitar
a parte orgnica para compostagem, e outra para reciclagem. Entretanto, aps serem
misturadas na fonte e no processo de coleta, fica difcil obter-se materiais de boa
qualidade. Alm disso, grande a quantidade do refugo. ()
A questo da destinao final continua precria em quase todo o pas. Cerca
de 50% do lixo gerado vai ainda para os vazadouros.
() prtica tem enfatizado mais a separao prvia de materiais destinados
reciclagem industrial (na tradio dos catadores), e menos a compostagem da frao
orgnica do lixo. (EIGENHEER, 2014. p. 102-3).
Desta forma, tanto nos quintais das residncias como nos locais de despejo do lixo
domstico, em sua maioria a cu aberto, os diversos tipos de vasilhames conhecidos no
Controle de Endemias como depsitos servveis e inservveis ficam vulnerveis ao acmulo
de gua de chuva e de uso, propiciando assim a proliferao do mosquito transmissor da
Dengue e outras doenas transmitidas pelo aedes aegypti.4
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Ilustrao n 2: - Rugendas, Chafariz no Rio de Janeiro, sculo XIX.
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32
Ilustrao n 3: - Tigre. (s/ref.).
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33
Conforme dito anteriormente, a populao oficial do Rio de Janeiro, num total de
6.320.446 de habitantes, se concentra em algumas reas do total de 1.200,278 km2 de
extenso que possui a cidade (IBGE, 2014). Assim, observa-se atravs das tabelas abaixo5
como se distribui esta populao e de que forma a mesma atendida quanto ao sistema de
saneamento bsico:
TOTAL DE DOMICLIOS NO MUNICPIO DO RIO DE JANEIRO.
Domiclios particulares permanentes ocupados 2.146.322 Unidades
Domiclios particulares permanentes ocupados em aglomerados subnormais 426.965 Unidades
(Fonte: IBGE, 2010). TABELA 1.
FORMA DE ABASTECIMENTO DE GUA NOS DOMICLIOS PARTICULARES PERMANENTES
EXISTENTES NOS AGLOMERADOS SUBNORMAIS.
Domiclios particulares permanentes em aglomerados subnormais - Forma de abastecimento de
gua - gua da chuva armazenada de outra forma 45 Unidades
Domiclios particulares permanentes em aglomerados subnormais - Forma de abastecimento de
gua - gua da chuva armazenada em cisterna 146 Unidades
Domiclios particulares permanentes em aglomerados subnormais - Forma de abastecimento de
gua - Carro-pipa 42 Unidades
Domiclios particulares permanentes em aglomerados subnormais - Forma de abastecimento de
gua - Outra 6.419 Unidades
Domiclios particulares permanentes em aglomerados subnormais - Forma de abastecimento de
gua - Poo ou nascente fora da propriedade 5.083 Unidades
Domiclios particulares permanentes em aglomerados subnormais - Forma de abastecimento de
gua - Poo ou nascente na propriedade 3.401 Unidades
Domiclios particulares permanentes em aglomerados subnormais - Forma de abastecimento de
gua - Rede geral de distribuio 411.152 Unidades
Domiclios particulares permanentes em aglomerados subnormais - Forma de abastecimento de
gua - Rios, audes, lagos ou igaraps 191 Unidades
(Fonte: IBGE, 2010). TABELA 2.
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34
FORMA DE ABASTECIMENTO DE GUA NOS DOMICLIOS PARTICULARES PERMANENTES.
Domiclios particulares permanentes - abastecimento de gua - gua da chuva armazenada
de outra forma 99 domiclios
Domiclios particulares permanentes - abastecimento de gua - gua da chuva armazenada
em cisterna 374 domiclios
Domiclios particulares permanentes - abastecimento de gua - Carro-pipa 296 domiclios
Domiclios particulares permanentes - abastecimento de gua - Outra 10.634 domiclios
Domiclios particulares permanentes - abastecimento de gua - Poo ou nascente fora da
propriedade 8.642 domiclios
Domiclios particulares permanentes - abastecimento de gua - Poo ou nascente na aldeia - domiclios
Domiclios particulares permanentes - abastecimento de gua - Poo ou nascente na
propriedade 12.258 domiclios
Domiclios particulares permanentes - abastecimento de gua - Rede geral 2.111.537 domiclios
Domiclios particulares permanentes - abastecimento de gua - Rio, aude, lago ou igarap 605 domiclios
(Fonte: IBGE, 2010). TABELA 3.
TIPOS DE ESGOTAMENTO NOS DOMICLIOS PARTICULARES PERMANENTES - AGLOMERADOS SUBNORMAIS.
Domiclios particulares permanentes em aglomerados subnormais - Tipo de esgotamento
sanitrio - Fossa rudimentar 5.971 Unidades
Domiclios particulares permanentes em aglomerados subnormais - Tipo de esgotamento
sanitrio - Fossa sptica 11.248 Unidades
Domiclios particulares permanentes em aglomerados subnormais - Tipo de esgotamento
sanitrio - No tinham banheiro ou sanitrio 833 Unidades
Domiclios particulares permanentes em aglomerados subnormais - Tipo de esgotamento
sanitrio - Outro tipo 2.584 Unidades
Domiclios particulares permanentes em aglomerados subnormais - Tipo de esgotamento
sanitrio - Rede geral de esgoto ou pluvial 362.551 Unidades
Domiclios particulares permanentes em aglomerados subnormais - Tipo de esgotamento
sanitrio - Rio, lago ou mar 16.874 Unidades
Domiclios particulares permanentes em aglomerados subnormais - Tipo de esgotamento
sanitrio - Vala 26.418 Unidades
(Fonte: IBGE, 2010). TABELA 4.
-
35
TIPOS DE ESGOTAMENTO NOS DOMICLIOS PARTICULARES PERMANENTES.
Domiclios particulares permanentes - No tinham banheiro nem sanitrio 1.639 domiclios
Domiclios particulares permanentes - com banheiro - de uso exclusivo do domiclio 2.117.207 domiclios
Domiclios particulares permanentes - com banheiro - de uso exclusivo do domiclio -
esgotamento sanitrio - fossa rudimentar 22.495 domiclios
Domiclios particulares permanentes - com banheiro - de uso exclusivo do domiclio -
esgotamento sanitrio - fossa sptica 84.588 domiclios
Domiclios particulares permanentes - com banheiro - de uso exclusivo do domiclio -
esgotamento sanitrio - outro 5.282 domiclios
Domiclios particulares permanentes - com banheiro - de uso exclusivo do domiclio -
esgotamento sanitrio - rede geral de esgoto ou pluvial 1.928.949 domiclios
Domiclios particulares permanentes - com banheiro - de uso exclusivo do domiclio -
esgotamento sanitrio - rio, lago ou mar 29.691 domiclios
Domiclios particulares permanentes - com banheiro - de uso exclusivo do domiclio -
esgotamento sanitrio - vala 46.202 domiclios
Domiclios particulares permanentes - com sanitrio 25.599 domiclios
Domiclios particulares permanentes-com sanitrio-esgotamento sanitrio - fossa rudimentar 417 domiclios
Domiclios particulares permanentes - com sanitrio - esgotamento sanitrio - fossa sptica 637 domiclios
Domiclios particulares permanentes - com sanitrio - esgotamento sanitrio - outro 634 domiclios
Domiclios particulares permanentes com sanitrio - esgotamento sanitrio - rede geral de
esgoto ou pluvial 21.013 domiclios
Domiclios particulares permanentescom sanitrio-esgotamento sanitrio - rio, lago ou mar 891 domiclios
Domiclios particulares permanentes - com sanitrio - esgotamento sanitrio - vala 2.007 domiclios
(Fonte: IBGE, 2010 com adaptaes). TABELA 5.
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FORMA DE DESTINAO DO LIXO NOS DOMICLIOS PARTICULARES PERMANENTES
EXISTENTES NOS AGLOMERADOS SUBNORMAIS.
Domiclios particulares permanentes em aglomerados subnormais - Destino do lixo - Coletado
diretamente por servio de limpeza 251.851 Unidades
Domiclios particulares permanentes em aglomerados subnormais - Destino do lixo - Coletado
em caamba de servio de limpeza 163.552 Unidades
Domiclios particulares permanentes em aglomerados subnormais - Destino do lixo - Enterrado 23 Unidades
Domiclios particulares permanentes em aglomerados subnormais - Destino do lixo - Jogado em
rio, lago ou mar 418 Unidades
Domiclios particulares permanentes em aglomerados subnormais - Destino do lixo - Jogado em
terreno baldio ou logradouro 9.029 Unidades
Domiclios particulares permanentes em aglomerados subnormais - Destino do lixo - Outro
destino 370 Unidades
Domiclios particulares permanentes em aglomerados subnormais - Destino do lixo - Queimado 1.236 Unidades
(Fonte: IBGE, 2010). TABELA 6.
FORMA DE DESTINAO DO LIXO NOS DOMICLIOS PARTICULARES PERMANENTES
Domiclios particulares permanentes - destino do lixo -Coletado por servio de limpeza 1.824.785 domiclios
Domiclios particulares permanentes - destino do lixo - Coletado em caamba de servio de
limpeza 303.605 domiclios
Domiclios particulares permanentes - destino do lixo - Jogado em rio, lago ou mar 550 domiclios
Domiclios particulares permanentes - destino do lixo - Outro destino 717 domiclios
Domiclios particulares permanentes - destino do lixo - Queimado (na propriedade) 2.833 domiclios
Domiclios particulares permanentes - destino do lixo -Enterrado (na propriedade) 98 domiclios
Domiclios particulares permanentes - destino do lixo -Jogado em terreno baldio ou
logradouro 11.857 domiclios
(Fonte: IBGE, 2010). TABELA 7.
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A partir destas informaes, de acordo com os dados oficiais, e tendo em vista que os
2.146.322 domiclios particulares permanentes existentes nas reas urbanizadas abrigam em
torno de 4.895.274 habitantes e que o municpio conta com 763 unidades de aglomerados
subnormais com um total de 426.965 domiclios que abrigam 1.393.314 habitantes, pode-se
chegar seguinte concluso quanto estruturao do saneamento bsico no perodo
pesquisado pelo IBGE:
1. Mdia de moradores existentes nos dois tipos de domiclios: REA URBANA
2,28 moradores por residncia / AGLOMERADOS SUBNORMAIS 3,26
moradores por residncia;
2. Percentual de habitantes que no tem acesso gua devidamente encanada ou
ligada rede geral de fornecimento de gua potvel 1,97%;
3. Percentual de habitantes que no possui acesso ao correto esgotamento, portanto
no ligado rede geral de esgoto 10,13%;
4. Percentual de habitantes que no possuem acesso correta coleta de lixo - 1,15%.
O item nmero 1 do demonstrativo acima aponta que, em termos de populao total,
existe um maior nmero de pessoas residentes em rea urbana, mas na relao DOMICLIO
NMERO DE MORADORES existe um maior nmero de moradores por residncia nas
reas consideradas, de acordo com o IBGE; como aglomerados subnormais. Porm, este dado
no muda muito o quadro estatstico final, pois, conforme constatado atravs das tabelas
apresentadas anteriormente, a precariedade de saneamento bsico est presente tanto nas reas
efetivamente consideradas precrias quanto nas reas nomeadas urbanas.
Os dados referentes ao encanamento de gua e esgoto, bem como da coleta de lixo,
apontam ainda existe um longo caminho a percorrer no que diz respeito ao saneamento bsico
no municpio do Rio de Janeiro, uma vez que a Lei de saneamento, n 11445 de 05/01/2007,
em seu artigo 3 preconiza que:
Art. 3o Para os efeitos desta Lei, considera-se:
I - saneamento bsico: conjunto de servios, infra-estruturas e instalaes
operacionais de:
a) abastecimento de gua potvel: constitudo pelas atividades, infra-estruturas e
instalaes necessrias ao abastecimento pblico de gua potvel, desde a captao
at as ligaes prediais e respectivos instrumentos de medio;
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b) esgotamento sanitrio: constitudo pelas atividades, infraestruturas e instalaes
operacionais de coleta, transporte, tratamento e disposio final adequados dos
esgotos sanitrios, desde as ligaes prediais at o seu lanamento final no meio
ambiente;
c) limpeza urbana e manejo de resduos slidos: conjunto de atividades, infra-
estruturas e instalaes operacionais de coleta, transporte, transbordo, tratamento e
destino final do lixo domstico e do lixo originrio da varrio e limpeza de
logradouros e vias pblicas;
Assim, do ponto da resolutividade, no adianta apenas setorizar o espao geogrfico
como urbano ou subnormal e no efetivar a implantao de infraestrutura. Verifica-se que a
setorizao, muito mais do que estrutura para melhorias, traz o conhecimento das reas
passveis de especulao imobiliria, conforme nos aponta Ribeiro (1997):
Tomando agora os dados referentes rea lanada comercializao, (...),
verificamos um extraordinrio movimento de expanso entre 1980/1982.
Entretanto, (...), no se trata de uma simples retomada da expanso, mas uma
transformao no padro de incorporao, produzida pelas alteraes da sua outra
dimenso: a diferenciao do espao. Com efeito, trata-se agora de gerar novas
bases materiais e simblicas para o sobrelucro de localizao, o que ser
conseguido pela expanso das fronteiras e pela abertura de uma frente de expanso
do capital de incorporao, atravs de um novo produto. De um lado, pelo
transbordamento em direo zona norte e a alguns subrbios, de outro, pelo novo
produto: a Barra da Tijuca e os condomnios fechados. (RIBEIRO, 1997, p
310-11).
Assim, no h como se pensar urbanizao e desenvolvimento social afastado da viso
do todo e de todos os muncipes, independente de sua posio social. O prprio questionrio
do IBGE por si s excludente, pois, no quesito esgotamento diferentemente dos
domiclios particulares permanentes das reas urbanas, em que indagado a existncia de
banheiro ou somente sanitrio se o imvel est situado em rea considerada Aglomerado
Subnormal, a questo se refere to somente ao esgotamento sanitrio, como se nas
comunidades nenhuma residncia possusse banheiro.
Ento, a questo do saneamento bsico, e no somente a preveno ao mosquito da
Dengue, torna-se uma questo de todos. Principalmente, deve ser observado que o aedes
aegypti (vetor do dengue, zika e chikungunya) um inseto alado, e, portanto, voa. Assim, o
esgoto a cu aberto, o lixo pelo meio da rua, a gua guardada em tonis por conta da
precariedade no abastecimento podem ficar confinados em tais ou quais reas da cidade, mas
o mosquito pode picar qualquer um.
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1.4) A questo da urbanizao no sculo XXI
Conforme observado, nos itens primeiro e segundo deste captulo, as propostas de
urbanizao encaminhadas entre fins do sculo XIX e incio do sculo XX foram, na ao dos
urbanistas e sanitaristas, aliceradas no interesse comercial e na gesto dos conflitos de classe.
Contudo, mais recentemente, um novo processo de reurbanizao esteve presente na
agenda de organizao da cidade, por conta da srie dos eventos vultosos ocorridos entre os
anos de 2013 e 2016. Porm, a precariedade na estruturao do saneamento bsico, conforme
explicitado no item trs, deste captulo, permaneceu aps esse processo de reurbanizao,
deixando de fora das melhorias as zonas norte e oeste do municpio, coincidentemente,
aquelas zonas mais pobres do Rio de Janeiro.
Assim, Marshall (apud. GOMES, 2009, 153) situa os direitos sociais oriundos do
sculo XX. Seu sentido primordial o de garantir condies de vida e participao, ainda que
pequena, na riqueza e bem estar coletivos. Partindo-se deste pressuposto, um direito social
do cidado o acesso ao saneamento bsico, bem como aos benefcios dos processos de
urbanizao ocorrida dentro de sua rea de convivncia.
Ento, neste ponto faz-se mister apontar a propositada forma diferenciada de
planejamento espacial e de infraestrutura excludente dentro do municpio do Rio de Janeiro,
no por conta das caractersticas prprias de cada poro da populao local, mas do seu
poder aquisitivo, conforme nos explica Ribeiro (1997):
(...) a terra urbana somente adquire um preo porque o seu uso permite aos agentes
econmicos obterem ganhos extraordinrios nos investimentos que realizam na
cidade. (...) o acesso aos efeitos teis de aglomerao desigual na medida em que
h tendncia concentrao espacial dos elementos que entram na formao do
valor de uso complexo. (RIBEIRO, 1997, p. 40)
o que se observa ao longo destes ltimos cinco anos na cidade do Rio de Janeiro, em
que a mesma vem enfrentando uma verdadeira reestrutura em sua base urbana, no visando
melhoria da qualidade de vida da populao como um todo, mas visando aos altos lucros
possibilitados pelos grandes eventos, como JMJ (Jornada Mundial da Juventude) promovida
pela Igreja Catlica em julho de 2013, o Rock in Rio, ocorrido entre os dias 13 e 22 de
setembro de 2013, a Copa de 2014 e as Olimpadas de 2016.
A Copa do Mundo 2014 atraiu para o pas, e, especificamente para o Municpio do Rio
de Janeiro um dos municpios-sede grandes movimentaes de capital e aportes de
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recursos pblicos na rea imobiliria. Tambm as Olimpadas 2016, que teve como sede o
Municpio do Rio de Janeiro, seguiram a mesma lgica, reconfigurando bairros como
Maracan, Barra da Tijuca, Copacabana e Deodoro (fonte: rio2016.org/).
Mas o povo saiu s ruas em protesto contra a srie de arbitrariedades ocorridas no
campo da organizao das prioridades sociais, que tem conservado as antigas prticas de
urbanizao excludente, conforme explicitado na Cartilha sobre Megaeventos (2014):
O ano de 2013 certamente ser lembrado na histria pelo ciclo de mobilizaes
populares que tomaram conta do pas. Foram levantadas bandeiras de reivindicao
de direitos sociais correlatos ao direito cidade, tais como mobilidade urbana (as
primeiras manifestaes pleiteavam a diminuio da passagem de nibus),
educao de qualidade (a greve dos professores municipais e estaduais durante o
ms de outubro), moradia digna (no s remoes foradas e melhor infraestrutura
nas comunidades pobres), melhor qualidade na sade, entre outras.
impossvel falar das manifestaes ocorridas ao longo daquele ano sem fazer
meno quelas que ficaram conhecidas como as jornadas de junho. Iniciadas
contra o ento anunciado aumento das tarifas de nibus, elas foram se avolumando
ato aps ato. A cada passeata em que o aparato policial reprimia com violncia e a
grande mdia criminalizava os manifestantes, o nmero de pessoas nas ruas s
aumentava, chegando a cerca de 300 mil no dia 20 de junho, segundo a contagem
da Polcia Militar. Protestava-se no apenas pela diminuio da tarifa em 20
centavos, mas pelo direito cidade e pela incorporao de direitos sociais vida
dos cidados. O sistema representativo tem sua legitimidade posta em xeque e as
instituies democrticas so seriamente questionadas.
Indubitavelmente, a ordem de grandeza dos gastos pblicos relacionados aos
megaeventos esportivos foi uma das pautas mais presentes nas ruas. Em todas as
cidades em que ocorreram jogos da Copa das Confederaes (FIFA ), os protestos
foram intensificados e calcados na denncia da distoro de prioridades com o
oramento pblico, as remoes foradas e a violncia do Estado. No Rio de
Janeiro, palco da final da competio, um ato pblico convocado pelo Comit
Popular reuniu milhares de pessoas que caminharam da Praa Saens Pea at o
entorno do estdio do Maracan e que, prximo ao horrio do jogo, foram
violentamente dispersas pela polcia com uso de armas com bala de borracha e
bombas de efeito moral. (CARTILHA MEGAEVENTOS, 2014, Box 20)
Todos os investimentos, como j mencionado, no visam melhoria da comunidade
como um todo. Alm de valorizao e concentrao de capitais, os investimentos so
localizados nas reas dos eventos, bem como nos seus entornos. Ou seja, todas as outras reas
que esto fora deste perfil no so contempladas com nenhum benefcio direto ou indireto
agregado, num processo contnuo de excluso social, conforme Maricato (2003):
(...), a modernizao apenas para alguns; a cidadania e os direitos, idem.
(...) No meio urbano, o investimento pblico orientado pelos lobbies bem
organizados alimenta a relao legislao / mercado imobilirio restrito / excluso
social. E nas reas desprezadas pelo mercado imobilirio, nas reas ambientalmente
frgeis, cuja ocupao vetada pela legislao e nas reas pblicas, que a
populao pobre vai se instalar: encostas dos morros, beira dos crregos, reas de
mangue, reas de proteo aos mananciais... Na cidade, a invaso de terras uma
regra, e no uma exceo. Mas ela no ditada pelo desapego lei ou por
lideranas que querem afront-la. Ela ditada pela falta de alternativas.
(MARICATO, 2003, p. 1 e 2)
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Assim se entende como o espao urbano vai ganhando novos contornos, visando aos
altos lucros atravs da privatizao, para a explorao comercial, de amplas reas do
municpio, como tambm nos informa a Cartilha de Formao elaborada em colaborao
com o Instituto de Polticas Alternativas para o Cone Sul (2012):
A regio porturia do Rio de Janeiro abrange os bairros da Gamboa, Santo Cristo,
Sade, Caju, alm das partes do Centro e So Cristvo. (...) A aliana dos governos
municipal, estadual e federal resolveu entregar toda aquela regio para um consrcio
de empreiteiras (OAS, Carioca Engenharia e Odebrech), pelos prximos 15 anos,
para executarem todas as obras de infraestrutura necessrias para ocupar os terrenos
pblicos com megatorres de escritrios, condomnios de padro elevado e
empreendimentos voltados para o turismo, que chega em transatlnticos a serem
ancorados onde antes era o porto de cargas gerais. (CARTILHA CONE SUL, 2012,
p. 11).
Retomemos nossa questo. Torres (2005, p. 11) s faz enfatizar que a no erradicao
dos casos de dengue se d por, entre outras causas, pela falta de infra-estrutura, pensada para a
populao como um todo. Assim, a Dengue: Caracteriza-se por ser doena de pases em
desenvolvimento, porque so estes que geralmente tm alta taxa de infestao por Ae. Aegypti
e remotas possibilidades de erradicao, no s por razes climticas mas sociais.
Por esta razo, o prognstico para a erradicao da Dengue e outras doenas
transmitidas pelo mosquito aedes aegypti ao longo do sculo XXI no dos mais positivos,
conforme pontua Torres (2005, p. 37) atravs do quadro a seguir (grifo nosso):
QUADRO 4 Fatores responsveis pelo ressurgimento das epidemias de dengue:
Crescimento sem precedentes da populao humana
Urbanizao no planejada nem controlada
Abastecimento de gua e tratamento de resduos inadequados
Aumento na densidade e distribuio dos mosquitos vetores
Ausncia de um controle efetivo do mosquito
Aumento na disseminao dos vrus Dengue
Desenvolvimento de hiperendemicidade
Deteriorao da infra-estrutura de sade pblica
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Ressaltou-se, neste captulo, a questo da urbanizao e o apagamento das
contradies na ocupao do territrio abrangente do municpio do Rio de Janeiro,
traando-se um resumo da histria da organizao espacial da cidade, bem como da sua
infraestrutura, desde sua formao como cidade central, seja no sentido administrativo,
seja no sentido poltico.
Evidenciaram-se, nesse nosso percurso, os avanos, porm tmidos, dos sanitaristas na
tentativa de estancar os fenmenos epidmicos ao longo do sculo XX, alm da
especulao imobiliria, que sempre conseguiu a parceria das autoridades administrativas
no sentido de estruturar, com os mais diversos servios pblicos, as regies onde
ocorreriam as construes com fins comerciais, valorizando o territrio urbano sob a
lgica do capital.
Assim, o saneamento bsico na cidade sempre esteve aqum das necessidades da
populao menos abastada, sofrendo o povo com problemas de abastecimento de gua, coleta
de lixo e encanamento de esgoto. Essa precariedade est intimamente ligada proliferao do
mosquito aedes aegypti, causador de diversas doenas, e, por isso mesmo, objeto do
trabalho de controle feito pelos agentes de vigilncia em sade, que utilizam as mensagens
educativas tema central desta dissertao para a preveno do vrus da Dengue, Zika vrus,
chikungunya e Febre Amarela.
A mensagem educativa voltada para a preveno Dengue, Zika vrus e
Chikunguhnya disseminada em forma de folders e cartazes, entre outras formas, pelas
autoridades sanitrias, constituindo-se num veculo de comunicao entre o Estado e a
populao. Por isso, o captulo a seguir tratar da comunicao em sade, como mais uma
contribuio para a anlise da estratgia representada pela mensagem educativa inserida no
contexto das polticas pblicas no mbito regional, neste caso, o municpio do Rio de Janeiro.
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Captulo II: O campo da comunicao e educao em Sade para controle do Aedes
Aegypti
Neste captulo, busca-se contemplar a discusso referente comunicao em sade
voltada para a educao e preveno da doena transmitida pelos vrus da Dengue, Zika,
Chikungunya e Febre Amarela, visando um efetivo controle do mosquito aedes aegypti, o
vetor das referidas doenas.
Para tanto, neste captulo, sero trabalhadas as noes de sade, sade pblica,
comunicao, educao, comunicao em sade e comunicao e educao em sade. Estes
conceitos so considerados importantes, portanto, para o entendimento dos vrios aspectos do
trabalho dos Agentes de Vigilncia em Sade para controle do aedes aegypti.
Assim, este captulo se estrutura em trs itens. O primeiro item trata dos conceitos de
sade e sade pblica, que estabelecem a necessidade de participao do Estado no
desenvolvimento de hbitos pelos cidados, com vistas qualidade de vida fsica e mental. J
o segundo item contempla o conceito de educao em sade construdo na esfera das
relaes sociais, do modo de produo capitalista, campo formado por disputas de ideias e
projetos no mbito da luta de classes. O terceiro item apresenta o conceito de comunicao
em sade. Ainda neste item, ser estabelecida a articulao entre comunicao e educao
em sade como estratgia utilizada no campo da sade pblica.
Faz-se necessrio, entretanto, tomarmos desde logo, o conceito de campo. Portanto, o
campo da comunicao em sade assim como o da educao em sade, podemos afirmar
atravessado por disputas entre grupos sociais sobre o conceito de comunicao, sade,
democracia, por exemplo.
Campo um espao sociodiscursivo de natureza simblica, permanentemente
atualizado por contextos especficos, formado por teorias, modelos e metodologias,
sim, mas tambm por agentes, instituies, polticas, discursos, prticas, instncias
de formao e, muito importante, por lutas e negociaes. (ARAJO, CARDOSO, 2007, p. 19-20).
Cabe, tambm, neste captulo, tecer algumas consideraes acerca das condies da
sade pblica como pertencente aos objetivos das Polticas Pblicas, nos ltimos anos, no
cenrio nacional e, consequentemente, no Municpio do Rio de Janeiro.
Ademais, antes de tratarmos dos itens j mencionados, cabe localizar a relevncia dos
campos da educao e comunicao e sade no mbito da reforma sanitarista.
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Luz (1991) pontua a seguinte questo:
As discusses se acirraram sobretudo em tomo de questes fundamentais, como
finalidades, diretrizes e mtodos da reforma sanitria, e estratgias e tticas
necessrias para assegurar a irreversibilidade de suas conquistas. Grande parte das
divergncias aparecem no tratamento desses pontos mais gerais, mas tambm
houve casos mais especficos, concernentes a contedos dos programas, diretrizes e
prioridades a atingir com a reforma. (LUZ, 1991, p. 89-90).
Ento, como exposto acima, as diretrizes da reforma sanitria passa pelo campo das
disputas no contexto dos projetos que sero levados em conta na implementao do controle,
da erradicao, ou da preveno, dos diversos males que possam obstruir o bem-estar
coletivo.
2.1) O conceito de sade e sade pblica
Conforme o Dicionrio da Educao Profissional em Sade, o significado de sade,
em sua origem etimolgica, um estado positivo do viver, valendo para todos os seres
vivos e mais especificamente para os seres humanos. Ou seja,
Em relao aos humanos, o estado de sade, romano ou grego, implicaria um conjunto de prticas e hbitos harmoniosos abrangendo todas as esferas da