Fátima Cristina Castelo Morgado Mestrado em História...

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UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE LETRAS DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA A IRMANDADE DO SANTÍSSIMO SACRAMENTO DE CANEÇAS NA TRANSIÇÃO DA MONARQUIA CONSTITUCIONAL PARA A REPÚBLICA: IMPACTE DA REVOLUÇÃO REPUBLICANA NAS SOCIABILIDADES RELIGIOSAS Fátima Cristina Castelo Morgado Mestrado em História Contemporânea Dissertação orientada pelo Professor Doutor António Matos Ferreira Ano 2012

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UNIVERSIDADE DE LISBOA

FACULDADE DE LETRAS

DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA

A IRMANDADE DO SANTÍSSIMO SACRAMENTO DE CANEÇAS NA

TRANSIÇÃO DA MONARQUIA CONSTITUCIONAL PARA A REPÚBLICA:

IMPACTE DA REVOLUÇÃO REPUBLICANA NAS SOCIABILIDADES

RELIGIOSAS

Fátima Cristina Castelo Morgado

Mestrado em História Contemporânea

Dissertação orientada pelo Professor Doutor António Matos Ferreira

Ano 2012

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RESUMO

O presente trabalho pretende estudar o impacte do confronto religioso

provocado pela implantação da República na ação desempenhada pela Irmandade do

Santíssimo Sacramento de Caneças para a salvaguarda e manutenção das

sociabilidades religiosas da comunidade rural. Para o estudo de caso, analisa-se a

influência dos normativos, designadamente da Lei da Separação do Estado das

Igrejas, de 20 de Abril de 1911, na vitalidade da Irmandade.

Pretende-se compreender a influência da Lei no reconhecimento legal da

Irmandade e no encerramento da capela de S. Pedro de Caneças e apresentar a

mobilização dos confrades e habitantes da povoação na defesa do livre exercício do

culto público, num momento da história nacional em que se defendia a laicização da

sociedade por se considerar que o catolicismo era um do fatores responsáveis pelo

atraso do povo português.

Neste contexto político e cultural, os fiéis defenderam a sua crença e as

representações simbólicas associadas à mesma. A par da intervenção dos cidadãos

em prol da sua religiosidade, constata-se ainda o seu envolvimento na vida política e

cultural da comunidade. A religiosidade das populações corresponde à dimensão

espiritual e cultural dos cidadãos e faz parte das vivências quotidianas em sociedade.

A expressão coletiva das sociabilidades religiosas, afetadas no momento de

transição, ressurgiu após 1918 e prevalece até aos nossos dias. Este ressurgimento

demonstra também que a separação das esferas religiosa e temporal, não constituiu a

“questão religiosa”, mas o modo como a separação foi preconizada na Lei da

Separação, por se considerar que a mesma concedia aos leigos poderes que eram da

competência do clero, como a organização e a gestão do culto. As cultuais, como

forma associativa preconizada na referida Lei, originou o confronto religioso entre os

poderes temporal e religioso, durante a I República.

O decreto-lei de 22 de Fevereiro de 1918 atenuou as divergências causadas

pela Lei da Separação ao atribuir às Irmandades a sustentação do culto público e

reconhecer aos ministros da religião o direito de participarem nas corporações, de

acordo com os princípios religiosos.

Palavras-chave: Irmandade, Separação, Sociabilidade religiosa, Cultuais.

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ABSTRACT

The present work aims to study the impact of religious confrontation

provoked by the establishment of the Republic on the safekeeping and maintenance

of the sociability of the rural community religious by the Caneças Brotherhood of

Blessed Sacrament. For the case study, the normative influence is analyzed, namely

the Law on the Separation of State from Churches, April 20, 1911, in the vitality of

the Brotherhood.

The aim is to understand the influence of the Law in the legal recognition of

the Brotherhood and in the closure of the St. Pedro de Caneças chapel and present

the members and town inhabitants mobilization in defense of the public worship free

exercise, in a moment of national history where secularization of society was

defended, as Catholicism was considered one of the factors responsible for the

backwardness of the people Portuguese.

In such political and cultural context, the believers defended their belief and

the symbolic representations associated with it. Along with the citizens’ intervention

in favor of their religion, there was also their involvement in the political and cultural

life of the community. The religiosity of the population corresponds to the cultural

and spiritual dimension of the citizens and is part of everyday experiences in society.

The collective expression of religious sociability, affected at the time of the

transition, rose again after 1918 and prevails up until now. This resurgence also

demonstrates that the separation of the religious and temporal spheres did not

constitute a "religious issue", the issue was how the separation was commanded in

the Law of Separation, on the grounds that it granted powers to lay people that were

taught to be within the competence of the clergy, as responsible for the organization

and management of the cult. The cultuais, as an associative body advocated by the

law, gave rise to a religious confrontation between the temporal and religious

powers, during the First Republic.

The decree-law of February 22, 1918 attenuated the differences caused by the

Law of Separation on assigning to the Brotherhoods the support of public worship

and recognizing to the religion ministers the right to participate in corporations,

according to the religious principles.

Key words: Brotherhood, Separation, Sociability religious, Cult

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ÍNDICE GERAL

RESUMO/ABSTRACT 2

AGRADECIMENTOS 5

ABREVIATURA E SIGLAS 6

INTRODUÇÃO

METODOLOGIA

8

16

CAPÍTULO 1 - O AMBIENTE ECLESIÁSTICO- RELIGIOSO EM CANEÇAS

NO INÍCIO DA REPÚBLICA

23

1.1 - As Irmandades na Capela de São Pedro de Caneças 26

1.2 - O lugar e as gentes de Caneças 34

1.3 - A Paróquia de Loures e as Irmandades em 1910 no contexto do

Concelho de Loures

42

CAPÍTULO 2 - A IRMANDADE DO SANTÍSSIMO SACRAMENTO E

A LEI DA SEPARAÇÃO

55

2.1 - A sua relação com o poder local e o poder eclesiástico 57

2.2 - Interrupção da liberdade de culto 71

2.3 - Constituição de uma cultual?

79

CAPÍTULO 3 - A IRMANDADE COMO REDE DE SOCIABILIDADE 89

3.1- A dimensão social da Irmandade 90

3.2 - A sua relação com o poder político local após 10 de Setembro de 1915 99

3.3 - Manifestações de sociabilidade no quotidiano

108

CONCLUSÃO

115

FONTES E BIBLIOGRAFIA 119

1.Fundos documentais 119

2. Legislação 124

3. Periódicos 126

4. Bibliografia Geral 126

5. Bibliografia - História Local 132

6. Bibliografia - Irmandades/ Confrarias

134

CRONOLOGIA

136

ANEXOS

144

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AGRADECIMENTOS

Agradeço ao meu orientador Professor Doutor António Matos Ferreira a sua

disponibilidade e encorajamento no decorrer da orientação do trabalho de

investigação, contributo fundamental para a reflexão do tema que me propus estudar.

A sua amabilidade e saber constituíram apoios essenciais à concretização do trabalho

final. Aos professores do curso de Mestrado de História Contemporânea da

Faculdade de Letras de Lisboa, Professor Doutor Ernesto Castro Leal, Professor

Doutor Sérgio Campos Matos e Professor Doutor António Ventura pelo incentivo

manifestado para a concretização deste trabalho. Aos membros do Centro de Estudos

de História Religiosa da Universidade Católica Portuguesa pelo apoio e acolhimento

revelado nos seus Seminários. Ao Professor Doutor Luís Salgado pela partilha das

suas reflexões sobre o tema em estudo. À Mestre Rita Mendonça Leite pelo estímulo

ao meu trabalho de pesquisa. Ao Mestre Sérgio Ribeiro Pinto pelo importante

contributo e colaboração no esclarecimento das minhas reflexões durante a

elaboração do texto.

Registo ainda, com amizade, o interesse e cooperação pela minha pesquisa

evidenciados pela Dr.ª Teresa Ponces do Arquivo Histórico do Patriarcado de Lisboa

e Dr. Jorge Afonso do Arquivo Municipal de Loures. À Dr.ª Ana Gaspar do Arquivo

Contemporâneo do Ministério das Finanças, ao Dr. António Gouveia do Arquivo do

Governo Civil de Lisboa e Miguel do Centro de Documentação Anselmo

Braamcamp Freire de Loures o meu agradecimento pela disponibilização das fontes

nos respectivos arquivos. Ao pe. António Tavares da Igreja Matriz de Caneças e à

Guida pelo entusiasmo e receptividade em me facultarem o acesso ao acervo

documental. O agradecimento à minha amiga Helena pelo encorajamento e auxílio,

ao meu primo Miguel pela ajuda e disponibilidade.

À minha família por ser o meu espaço de partilha e de ânimo. Aos meus avós

pelo seu carinho e ensinamentos de vida, sempre no meu coração. Aos meus

sobrinhos pela sua compreensão. À minha irmã Fernanda por ser o meu porto de

abrigo.

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ABREVIATURAS E SIGLAS

ABREVIATURAS

Art. - artigo

Cân. - Cânones

Cf. - conferir

Cit. por - Citado por

Cx. - caixa

Dir. - Direção

Doc. - documento

Dr. - Doutor

Ed. - Edição

Et al. - et alii (e outros)

Fl. - Folha

Fls. - Folhas

Liv. / L. - Livro

Ms. - Manuscrito

Nº - número

N. - Nossa

Op.cit. - obra já citada

P. - página

Proc. - Processo

S.- São

S.- Secção

Séc. - século

Sg. - seguinte

Sgg. - seguintes

S.d. - sem data

S.l. - sem local

Sr.ª - Senhora

SSº - Santíssimo

Stª. - Santa

Stº - Santo

U.I. - Unidade de Instalação

Vol. - volume

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SIGLAS DE FONTES MANUSCRITAS/IMPRESSAS

ADMIN - Administração dos Bens Cultuais

ACMF - Arquivo Contemporâneo do Ministério das Finanças

AGCL - Arquivo do Governo Civil de Lisboa

AJFC - Arquivo da Junta de Freguesia de Caneças

AML - Arquivo Municipal de Loures

ANTT - Arquivo Nacional da Torre do Tombo

AHPL - Arquivo Histórico do Patriarcado de Lisboa

AHP- Arquivo Histórico Parlamentar

ARROL - Arrolamentos dos Bens Cultuais

CEDEN - Cedência de Bens

CJBC - Comissão Jurisdicional dos Bens Cultuais

D.G. - Diário do Governo

DGCI - Direção Geral de Contribuições e Impostos

LCORR - Livros de correspondência recebida

LEGIS - Legislação

IS - Imposto Sucessório

LIS - Lisboa

LOU - Loures

PROCD - Processos Disciplinares

SIGLAS DE INSTITUIÇÕES

C.M.L. - Câmara Municipal de Loures

UCP - Universidade Católica Portuguesa

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INTRODUÇÃO

As irmandades1 ou confrarias como modelo associativo surgem na Europa

cristã ao ritmo do desenvolvimento societário de cada região e país. As organizações

associativas assumem características próprias de acordo com o espaço em que se

enquadram, o rural e o urbano, o que determina a sua composição social, ainda que a

natureza da sua formação fosse idêntica. Os seus membros, os irmãos ou confrades,

comprometiam-se a realizar práticas religiosas e de caridade, em favor da

comunidade2.

A par das motivações que levaram os fiéis3 leigos a associarem-se (aos quais

se reuniram, por vezes, elementos do clero), devemos considerar também as

1 As irmandades ou confrarias são associações de fiéis constituídas organicamente para o incremento

do culto público. Estas associações regulam-se, atualmente, pelo Código de Direito Canónico de 1917

(cân.707-719), dispondo de estatutos particulares. Não podem existir sem decreto formal e não podem

erigir-se senão em igrejas ou capelas públicas ou semi-públicas e costumam ter altar determinado. Cf.

Irmandade. In Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira. Lisboa: Editorial Enciclopédia,

Limitada. Vol. 14, p. 19. Confraria «consoante a definição do Prof. Marcelo Caetano, era uma

associação voluntária em que se agrupavam os irmãos para um auxílio mútuo, tanto no material como

no espiritual […]». Cf. Alberto Martins de Carvalho – Confraria. In Dicionário de História de Portugal. Porto: Livraria Figueirinhas, 1989. Vol. 2, p. 153. «Na perspectiva canónica, as confrarias

são associações de fiéis constituídas organicamente com o fim de exercerem obras de piedade ou

caridade e de promoverem o culto público […] As confrarias cuja designação provém do étimo latino

confraternitas são também conhecidas por confraternidades, fraternidades e, principalmente,

irmandades, denominação que o código reservava às pias uniões constituídas como corpo orgânico.»

Pedro Penteado – Confrarias. In Dicionário de História Religiosa de Portugal. Dir. Carlos Azevedo.

Mem Martins: Círculo de Leitores SA. 2000. Vol. 1, p. 459. As confrarias medievais surgem entre os

séculos XI e XIII (o seu aparecimento remonta aos collegia romanos e às guildas germânicas, de cariz

pagão, cuja criação teve como intenção valorizar a sociabilidade masculina e as relações amigáveis

entre os seus membros). As confrarias surgiram ligadas a movimentos associativos laicos, ocupando

os leigos os seus órgãos de gestão, sem a intervenção da autoridade eclesiástica. Tal facto levou a Igreja católica a integrá-las nos mosteiros e nas paróquias, contribuindo para a cristianização das

comunidades através da oração e, em simultâneo, para estreitar as relações sociais entre os leigos.

Inicialmente, a ação piedosa e caritativa das irmandades, em Portugal, era controlada pelas

autoridades eclesiásticas de quem dependia a aprovação dos seus estatutos ou compromissos,

exceptuando as misericórdias. Cf. Pedro Penteado – Confrarias. In Dicionário de História Religiosa

de Portugal. Vol. 1, p. 459-462. Isabel dos Guimarães Sá – As Confrarias e as Misericórdias. In

História dos Municípios Portugueses e do Poder Local: dos finais da Idade Média à União Europeia.

Dir. César Oliveira. S.l. Círculo de Leitores, 1996, p. 55-60. 2 Cf. Pedro Penteado – Confrarias. In Dicionário de História Religiosa de Portugal. Vol.1, p. 459-

470. O agrupamento dos indivíduos realizava-se de acordo com os ofícios, sendo as relações reguladas

por compromisso. Algumas mantinham a o culto e veneração do seu padroeiro. O culto do seu orago realizava-se em capelas privativas instituídas nas igrejas paroquiais ou dos institutos religiosos. O

espírito de solidariedade manifestava-se também através da criação e manutenção de pequenos

hospitais. 3 As associações de fiéis eretas para exercerem obras de piedade ou caridade podem denominar-se

ordens terceiras, confrarias ou irmandades ou pias uniões. As ordens terceiras são associações pias que

vivem de acordo com as regras cristãs de uma ordem religiosa. As Ordens Terceiras chegaram a

atingir papel de destaque no século XVIII à semelhança das Misericórdias, pela ação assistencial que

exerciam junto da população carenciada. Cf. As Confrarias e as Misericórdias. In História dos

Municípios Portugueses e do Poder Local: dos finais da Idade Média à União Europeia, p. 55-60.

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orientações espirituais, influenciadas pela mentalidade e pela cultura que as

caracteriza ou define, inseridas no contexto político-social de cada época.

As irmandades4, no seio do catolicismo, desenvolveram um importante papel

religioso e social, porque contribuíram para a cristianização das populações, através

da sua ação piedosa (devoção) e da caridade (amor ao próximo). Essas ações

consistiam em prestar auxílio material e espiritual aos mais necessitados, como dar

alimentação, ajudar em caso de doença, garantir o enterro digno e a oração para a sua

salvação eterna.

As irmandades eram entidades reguladoras das relações interpessoais locais e

de expressão de solidariedade social5. A solidariedade horizontal manifesta-se entre

os confrades, por exemplo através dos trajes e acessórios utilizados em atos solenes

que representavam a comunidade unida e fraternal através de representações

simbólicas da crença. Por sua vez, estas manifestações de fraternidade simbolizavam

a homogeneidade social dos confrades6. A solidariedade fraternal também se

4 A partir do Concílio Ecuménico de Trento (1545-1563) foram definidas com rigor as competências

das confrarias e passou a existir a divisão entre confrarias eclesiásticas e laicas. As confrarias

eclesiásticas eram criadas pela intervenção de prelados, submetendo os estatutos à autoridade do bispo e às visitações pastorais e as confrarias laicas eram criadas apenas por leigos, tendo algumas a

proteção régia como as misericórdias. As competências específicas das confrarias eram definidas pela

natureza da sua formação. Nas paróquias existiam, por exemplo, as confrarias do Subsino, do

Santíssimo Sacramento, das Almas e de Nossa Senhora do Rosário e existiam as confrarias associadas

às ordens religiosas. Entre as confrarias destacam-se as sacramentais que tinham como motivo

principal o culto do Santíssimo, devendo existir em cada paróquia, segundo a determinação do

Concílio de Trento. Estas confrarias deviam assegurar o viático aos doentes, o enterro digno dos fiéis,

a realização da procissão do Corpus Christi e de outros atos solenes. Cf. Isabel Guimarães Sá – As

Confrarias e as Misericórdias. In História dos Municípios Portugueses e do Poder Local: dos finais

da Idade Média à União Europeia, p. 55-60. O culto eucarístico, incrementado com a reforma católica

do concílio Tridentino, influenciou a expansão das confrarias do Santíssimo Sacramento, cujo modelo se inspirou na arquiconfraria no convento de Santa Maria Sopra Minerva. Modelo aprovado pelo Papa

Paulo III, em 1537, promovia o culto eucarístico, zelo pelos sacrários, visita aos enfermos,

acompanhamento do sagrado viático, realização da festa em honra do Santíssimo, celebração de

missas por intenção dos irmãos, fomento da oração diária. Cf. João Francisco Marques – Rituais e

manifestações de culto: as confrarias do Santíssimo Sacramento, a reserva eucarística e os atentados

sacrílegos. In História Religiosa de Portugal. Dir. Carlos Azevedo. Mem Martins: Círculo de Leitores

SA, 2000. Vol. 2, p. 568. 5 Cf. Isabel Guimarães Sá – As Confrarias e as Misericórdias. In História dos Municípios Portugueses

e do Poder Local: dos finais da Idade Média à União Europeia, p. 55-60. 6 Havia irmandades que possuíam uma base associativa vertical, pois agrupavam membros de estatuto

social diferenciado, como sucedeu na Irmandade do SSº Sacramento de Caneças. Os confrades eram trabalhadores, proprietários, comerciantes e o seu compromisso autorizava ainda a inscrição de ambos

os sexos. Segundo Isabel Guimarães Sá, as misericórdias recrutavam membros da elite local -

nobreza, clero, indivíduos de profissões liberais, mestres de oficina ou do mar e proprietários

agrícolas. Os irmãos eram distinguidos pelo seu estatuto social «irmãos nobres, clero e profissões

liberais» e «irmãos mecânicos» os que laboravam outras profissões. As misericórdias, a partir do

século XVIII, concorriam com as irmandades, no acompanhamento dos fiéis defuntos e na realização

de obras caritativas, limitando a ação das irmandades à piedade, nos lugares onde co-existiam. Cf.

Isabel Guimarães Sá – As Confrarias e as Misericórdias. In História dos Municípios Portugueses e do

Poder Local: dos finais da Idade Média à União Europeia, p. 55-60.

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expressa pelo recrutamento dos seus membros, pelo estatuto social que ocupam

através das suas ocupações profissionais.

As relações confraternais estreitavam-se por ocasião da realização das festas7

em honra do santo padroeiro ou de outras invocações ou da celebração eucarística de

momentos solenes do calendário litúrgico, para celebrar o nascimento de Jesus e a

sua ressurreição, como se observa nos estatutos e processos de conta de gerência da

Irmandade do Santíssimo Sacramento de Caneças.

Mas, nem sempre a dinâmica das irmandades se manteve num estádio

elevado, face aos condicionantes político-sociais que caracterizaram e influenciaram

a sociedade, aos abusos cometidos por alguns confrades na gestão dos rendimentos,

ao surgimento de associações de novas invocações que retiravam privilégios e

estatuto na ação caritativa às irmandades eretas. Outras não subsistiram no tempo.

Com o dealbar da época moderna, a coroa portuguesa começa a exercer um

maior controlo sobre as irmandades: sob a jurisdição régia8 passavam a considerar-se

as associações, cuja criação não dependesse da autoridade eclesiástica, aprovando os

estatutos das irmandades ou confrarias; os oficiais régios (provedores e funcionários

do Desembargo do Paço) deveriam fiscalizar as contas das irmandades; as

irmandades dependiam ainda da autorização superior para o pedido de empréstimos

ou aceitação de legados pios9.

7 Para Pedro Penteado as festas confraternais «foram a melhor manifestação da identidade e da força

destas associações religiosas». As confrarias demonstravam a sua devoção através da exibição da

riqueza. Cf. Sensibilidades e representações religiosas: confrarias. In História Religiosa de Portugal.

Vol. 2, p. 323-329. 8 Provisão de 6 de Junho de 1785. Cf. Pedro Penteado – Confrarias. In Dicionário de História

Religiosa de Portugal. Vol. 1, p. 464. 9 Na 2ª metade do séc. XVIII, as confrarias portuguesas debatiam-se com problemas vários que

punham em causa a sua vitalidade, como o cumprimento das obrigações de missas e capelas

instituídas, e até a sua sobrevivência: a legislação pombalina que para os legados pios condicionava a

nº dos bens imóveis e as capelas vagas, revertiam em favor da coroa; a diminuição de benfeitores; o

decréscimo de rendimentos, agravado com a cobrança da décima parte sobre os rendimentos das

irmandades; a diminuição da entrada de confrades em algumas confrarias; a não cobrança de multas

sobre empréstimos concedidos a alguns confrades; na área de Lisboa observa-se o declínio de

irmandades após o terramoto de 1755; o aparecimento de novas formas de sociabilidade; a propaganda

iluminista contra as festas organizadas, além da desordem pública, também era repudiada pelos gastos e falta de assiduidade no trabalho; alguns consideravam que a ação caritativa estimulava a

mendicidade. Cf. Pedro Penteado – Sensibilidades e representações religiosas: Confrarias. In História

Religiosa de Portugal. Vol. 2, p. 323-329. No entanto, se algumas irmandades desapareciam outras

surgiam com novas invocações, confrontadas com o quadro político-social desenhado por novas

matrizes ideológicas de sociedade que na sua transformação implicavam conflitos ideológicos em

relação à ordem social estabelecida, como ao nível da natureza, atribuições e composição social das

irmandades, onde os seus membros desenvolviam elos de ligação, a partir do elemento comum que os

unia – a crença no catolicismo. Era necessário criar respostas, desenvolver ações que não pusessem

em causa o propósito fundamental da existência dessas corporações.

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Após a mudança política em Portugal operada com a revolução liberal, a

autoridade da coroa sobre as irmandades continuou a ser exercida através da

fiscalização das suas contas e pela orientação, em parte, na aplicação dos seus

rendimentos em ações de beneficência sugeridas pelo poder político10

.

Todavia, o novo regime político ocasionou no seu seio confrontos ideológicos

entre os próprios liberais11

(vintistas e cartistas), sem menosprezar o conflito

fratricida que opôs forças liberais e absolutistas, entre 1832-1834. Com o

liberalismo, a relação entre o Estado e a Igreja conheceu também momentos de

tensão. A expulsão das congregações religiosas masculinas12

, como já acontecera no

reinado de D. José I com as leis de 3 de Setembro de 1759 e 28 de Agosto de 1767

ou, no séc. XIV, com o beneplácito régio decretado por D. Pedro I, em 136113

.

10 Cf. Decreto de 16 de Maio de 1832, nº 23 (Implantação do sistema administrativo) -Disponível em:

www.fd.unl.pt/Anexos/Investigacao/1799; Decreto-lei de 18 de Julho de 1835 (organização

Administrativa) - Disponível em: www.fd.unl.pt/Anexos/Investigacao/1803; Decreto de 31 de

Dezembro de 1836 (Código Administrativo Português) -Disponível em:

www.fd.unl.pt/Anexos/Investigacao/1814; Carta de Lei de 29 de Outubro de 1840 (alterou e revogou

partes do Código Administrativo de 1836) -Disponível em: www.fd.unl.pt/Anexos/Investigacao/1819;

Decreto de 18 de Março de 1842 (Código Administrativo) -Disponível em:

www.fd.unl.pt/Anexos/Investigacao/1823; Código Civil de 1867, aprovado por Carta de lei em 26 de Junho de 1867 -Disponível em: www.fd.unl.pt/Anexos/Investigacao/1839; Código Administrativo,

aprovado por Decreto de 21 de Julho de 1870 - Disponível em:

www.fd.unl.pt/Anexos/Investigacao/1126; Código Administrativo de 1878, aprovado por Carta de Lei

de 5 de Maio de 1878 -Disponível em: www.fd.unl.pt/Anexos/Investigacao/1127; Código

Administrativo Português de 1886, aprovado por Decreto de 17 de Julho de 1886 – Disponível em:

www.fd.unl.pt/Anexos/Investigacao/1176; Nova Reforma Administrativa de 1892, aprovado por Lei

de 6 de Agosto de 1892 - Disponível em: www.fd.unl.pt/Anexos/Investigacao/1178; Código

Administrativo de 1894, aprovado por Decreto de 2 de Março de 1894 - Disponível em:

www.fd.unl.pt/Anexos/Investigacao/1180; Código Administrativo de 1900, aprovado em 21 de Junho

de 1900, publicado no D.G. nº 158, de 25 de Junho de 1900 -Disponível em

www.fd.unl.pt/Anexos/Investigacao/1860. 11 O liberalismo monárquico-constitucional legitimava os poderes do rei, assegurava a soberania do

Rei e o direito de sucessão; defendia a soberania popular mas os direitos políticos não eram para

todos. Não havia igualdade política nem social, e o interesse público estava subordinado ao interesse

social, segundo a perspetiva democrática ou radical. O liberalismo defendia a liberdade nos planos

político, social, económico, cultural e religioso, mas o confronto dar-se-á entre os liberais quanto ao

papel atribuído ao Rei. A matriz ideológica do liberalismo assentava na defesa da democracia liberal,

do capitalismo industrial, da ascensão da burguesia, da liberdade de expressão e pensamento, do

individualismo, do nacionalismo e do anticlericalismo e secularização da sociedade. Cf. Maria de

Fátima Bonifácio – A Monarquia Constitucional (1807-1910). Alfragide: Texto Editores, Ldª, 2010.

Mas o modelo de Estado dos liberais também pressupunha uma religião oficial, a católica romana,

expressa nas Constituições e na Carta Constitucional, «a religião católica era a religião do reino, e se esse reino era definido como a associação política de todos os cidadãos portugueses, então o

catolicismo seria também, necessariamente, a religião de todos os portugueses.» Cf. Rita Mendonça

Leite – Representações do protestantismo na sociedade portuguesa contemporânea: da exclusão à

liberdade de culto (1852 -1911). Lisboa: Centro de Estudos de História Religiosa – UCP, 2009, p. 23. 12 A Lei de 28 de Maio de 1834 de Joaquim António de Aguiar. 13 O beneplácito régio foi também estabelecido nas Ordenações Afonsinas e utilizado por D. João I e

D. Afonso V. D. João II aboliu o beneplácito mas restabeleceu-o em 1495, ordenando que ao

Desembargador do Paço competia o conhecimento dos rescritos (resposta do papa sobre assuntos

teológicos, com valor de bula) que precisassem de ajuda do «braço secular», assim como «a resolução

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12

Ainda durante a guerra civil, é decretada a extinção dos dízimos14

por

Mouzinho da Silveira15

, implicando problemas no sustento aos conventos, mosteiros,

catedrais, Seminários, bispos e párocos. Por exemplo, para o sustento dos párocos é

estabelecida a côngrua paroquial que provinha de um imposto paroquial. O clero e

demais agentes religiosos passam a ser controlados pelo regime liberal. As questões

relacionadas com as Congregações Religiosas, a dependência do poder político do

poder da Santa Sé e o antijesuítismo, expressas durante o século XVIII, mantêm-se

no século XIX com críticas à influência do clero na sociedade. A afirmação do poder

temporal da esfera do religioso, resultou na subordinação deste último ao poder

político16

.

Ao longo da 2ª metade do século XIX, surge e afirma-se progressivamente

uma propaganda ideológica favorável a uma laicização acentuada por uma

progressiva desconfessionalização da sociedade, patente já aquando do debate sobre

o casamento civil (1868)17

. Associada a um novo modelo de sociedade, defende-se a

liberdade de cultos, a abolição da religião oficial do Estado, a reforma constitucional,

o ensino laico, o antijesuítismo e o anticlericalismo. Outro exemplo elucidativo é o

que ocorreu com a realização das Conferências de Casino18

, em que os oradores se

referiam às transformações política, social, cultural e moral da sociedade. A

de quaisquer dúvidas que aparecessem sobre a execução dos rescritos […]». D. Manuel II confirmou a

determinação e seu filho D. João III também. D. João V alargou o Beneplácito a todas as Bulas,

Despachos, Breves, Graças do Papa ou dos seus tribunais e ministros. No reinado de D. José I o

direito régio manteve-se. Mesmo depois das relações interrompidas com a Santa Sé entre 1760 e 1770,

D. Maria I alarga o direito régio até às pastorais ou mandados dos bispos. Durante o liberalismo, o

beneplácito foi mantido pelas Constituições de 1822 e 1838 e pela Carta Constitucional de 1826. Cf. Maria Antonieta Soares Azevedo – Beneplácito régio. In Dicionário de História de Portugal. Dir. Joel

Serrão. Vol. 1, p. 328-329. A superintendência do poder civil liberal sobre a esfera do religioso, no

que concerne às irmandades e ao clero nacional, manteve-se através das determinações dos códigos

administrativos e de leis especiais que foram publicadas. Por exemplo, o Decreto de 16 de Maio de

1832, nº 23, em relação clero consignou no seu artigo 45º, ponto 7º: «Vigiar o procedimento no

exercício da autoridade temporal e espiritual do clero, tanto regular como secular: cuidando sobretudo

em que não usurpem o poder civil, nem exijam maiores elementos do que os que lhe forem taxados».

In Decreto de 16 de Maio de 1832 [Em linha] Nº 23. Implantação do sistema administrativo.

Universidade Nova de Lisboa. Disponível em: www.fd.unl.pt/Anexos/investigacao/1799 PDF. 14 Cf. Nuno Gonçalo Monteiro – A sociedade local e os seus protagonistas. In História dos Municípios

Portugueses e do Poder Local: dos finais da Idade Média à União Europeia. Dir. César Oliveira. S. l. Círculo de Leitores, 1996, p. 29-55. 15 Decreto de 30 de Julho de 1832. 16 A religião católica é a religião oficial do Estado liberal. O Estado português é um Estado

confessional, associando-se à Monarquia o Catolicismo e o Clericalismo, o que legitimava o controlo

do poder político sobre a esfera do religioso, pretendendo afastar assim a influência da Santa Sé em

assuntos do reino. 17 Samuel Rodrigues – A polémica sobre o casamento civil (1865-1867). Lisboa: Instituto Nacional de

Investigação Científica, 1987. 18 Cf. Maria de Fátima Bonifácio – A Monarquia Constitucional (1807-1910), p. 157-170.

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13

estagnação económica, social e cultural de Portugal era associada à influência

perniciosa do clero na sociedade portuguesa19

.

Nomeadamente, o discurso republicano, para desacreditar a monarquia, usou

também a intercessão do clero sobre os governantes. Este discurso estende-se à

República implantada em 1910: a luta contra a monarquia significava também lutar

contra o clero (e também contra a doutrina católica como ocorreu no concelho de

Loures, patente nos periódicos da época). O anticlericalismo e o combate à

monarquia eram os principais motores da propaganda republicana, como se observa

pela leitura dos jornais de Loures20

.

A nova recomposição social, cultural e mental, pensada pelos defensores da

República, pôs em causa duas mundividências - as visões do mundo e de Deus, pelo

que a “questão religiosa” surge devido ao «confronto e concorrência de mentalidades

e de projectos societários»21

. A origem da vida e do mundo era influenciada pela

explicação teológica, satisfazendo as necessidades espirituais que se colocavam às

pessoas. Esta visão do mundo entrará, de alguma forma em confronto com o modelo

cultural22

preconizado pela República que defendia o materialismo e de certa forma o

agnosticismo, sem negar a existência de Deus.

O sentimento religioso católico, após a instauração da República, abalado na

sua exteriorização, vai prevalecer através da união dos católicos23

, de acordo com os

19Cf. Fernando Catroga – O Estado laico. In Viva a República: 1910-2010. Junho 2010, p. 120. 20 Cf. Anexo XXXII. 21 António Matos Ferreira – A Centralidade da “Questão Religiosa” na mudança de Regime Político.

In Viva a República: 1910-2010. Junho 2010, p. 133. 22 O movimento republicano «estava convicto de que a sociedade portuguesa só atingiria um novo

consenso quando o tempo económico e o tempo político estivessem em sintonia com um tempo

cultural […] o advento dessa sociedade só seria possível quando, previamente, o poder político

deixasse de impor uma religião oficial e respeitasse o princípio da liberdade de consciência […]», para

que tal se verificasse era necessária a «separação das Igrejas do Estado». Cf. Fernando Catroga – O

Estado laico. In Viva a República: 1910-2010. Junho 2010, p. 121. 23 Mudanças que se faziam sentir em toda a Europa, o que levou a Igreja católica a procurar novas

ações de evangelização para diminuir o impacte da descristianização. Uma das reações ultramontanas

foi a proclamação do dogma da Imaculada Conceição da Virgem Maria, em 1854, pelo papa Pio IX

(1846-1878), embora D. João IV tivesse consagrado o Reino de Portugal e os seus domínios

ultramarinos a N. Sr.ª Imaculada Conceição, em 25 de Março de 1646, na festa da Anunciação (cf.

Cónego Thomas de Saint Laurent – A Virgem Maria: padroeira e rainha de Portugal. Porto: Livraria

Civilização Editora, 1996). O Papa procurava unir os crentes através da devoção a N. Sr.ª. No entanto,

o beneplácito foi somente dado após a aprovação das Cortes, o que mereceu o descontentamento de

setores católicos portugueses, uma vez que a devoção a N. Sr.ª da Conceição datava do séc. XVII.

Alguns liberais consideravam que esta determinação do papado era uma subordinação da Igreja

Nacional ao poder episcopal romano. Por outro lado, o culto mariano em Portugal remontava à Idade

Média, desde a afirmação da nacionalidade com as conquistas de D. Afonso Henriques. Outra foi a

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espaços onde estavam integrados, ainda que a comunhão dos valores cristãos e a

celebração de rituais tivessem sido condicionados pelos acontecimentos políticos.

Com a implantação da República, as irmandades sentiram dificuldades em

assegurar o seu dinamismo e, no caso português, a situação política vivida,

condicionou fortemente a ação pastoral do clero e dos fiéis. As redes de sociabilidade

religiosa, unidas pela piedade e caridade, estabelecidas no seio das irmandades foram

abaladas porque as associações cultuais não se constituíram e algumas das igrejas

foram encerradas ao culto público. Para Luís Salgado de Matos «As paróquias sem

cultual eram mais de 90% do total nacional. Nelas, o culto prosseguiu sem qualquer

problema.24

» No concelho de Loures, por não ser ter constituído associação cultual

nas igrejas de Loures, Stº. Antão e S. Julião do Tojal, Póvoa de Santo Adrião,

Frielas, Odivelas e Caneças, os lugares de culto foram encerrados25

. Em Caneças, o

culto teria sido mantido, a julgar pela documentação consultada, exceptuando-se

outras manifestações de religiosidade popular, como as procissões.

Considerando o contexto político e social referenciado pretende-se com este

trabalho de pesquisa analisar as sociabilidades religiosas, tendo como referência um

estudo de caso, a Irmandade do Santíssimo Sacramento em Caneças. No momento de

transição política na sociedade portuguesa da Monarquia Constitucional para a

República, pretende-se estudar o impacte da revolução republicana nas

sociabilidades religiosas católicas.

O presente trabalho apresenta a Irmandade do Santíssimo Sacramento de

Caneças, enquadrando-a no espaço geográfico e no ambiente religioso e político que

caracterizava o concelho de Loures de então.

De seguida, analisa-se a preponderância das medidas de política religiosa.

Designadamente, a influência Lei da Separação do Estado das Igrejas no exercício do

convocação do I Concílio do Vaticano em 1869, cujos decretos condenavam o materialismo e o

ateísmo e declarou a infabilidade do papa, anteriormente publicara, em 8 de Dezembro de 1864, os

documentos Quanta Cura e Syllabus, onde expressava a incompatibilidade entre a religião católica e o

liberalismo, no que se referia à espoliação dos direitos da Igreja este sentido não foi incluído no

contexto. Todavia, os documentos Syllabus e a declaração da infabilidade papal causaram mal-estar

mesmo nos países católicos, porque alguns católicos entendiam que se tratava de ingerência de Roma

nos assuntos da Igreja nacional. Pio IX considerava que a Igreja era o caminho para a regeneração dos

valores espirituais da sociedade. Cf. Manuel Clemente - Portugal e os Portugueses. 2ª ed. Lisboa:

Assírio e Alvim, 2009. 24 Cf. Luís Salgado de Matos – A separação do Estado e da Igreja. Alfragide: Publicações D.

Quixote, 2011, p. 219. 25 ACMF/ Arquivo/CJBC/ INVEN/ 016 – Rol das igrejas encerradas por distrito pela aplicação da Lei

da Separação, 1914, cx. 667.

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15

culto público e dinâmica da Irmandade do SSº Sacramento de Caneças, com

referências às Irmandades da Paróquia de Loures e de outras paróquias.

Em virtude de o novo regime ter como intenção substituir as Irmandades por

associações cultuais, cujos preceitos organizativos eram impostos pelo poder

político, pretende-se estudar a ação da Irmandade e analisar o seu papel enquanto

fator de organização autónoma das autoridades política e eclesiástica, numa época de

conflito político e religioso. Para tal, procede-se ao estudo do comportamento dos

mesários e confrades face aos condicionalismos políticos que determinavam a

harmonização do seu compromisso, ao abrigo do artigo 17º do decreto da Separação

de 20 de Abril de 1911. Facto esse que transformaria a Irmandade em associação

cultual, contrariando as orientações da hierarquia eclesiástica.

De acordo com os papéis religioso, económico, cultural e social da Irmandade,

estuda-se a composição e funcionamento da Irmandade do Santíssimo Sacramento

para a compreensão da interacção da associação na vida da comunidade, nas

dimensões religiosa e social.

É também motivo de reflexão o modo como os membros da Irmandade

articulavam a relação entre “ser-se católico e ser cidadão”, a afirmação social e

política dos confrades e a natureza e o grau das influências políticas dos veraneantes

ou de novos moradores, oriundos principalmente da Capital, nas sociabilidades

religiosas e no ambiente social e político da localidade.

Por fim, analisa-se o impacte da presença e organização da Irmandade,

particularmente, no momento da reabertura da capela de S. Pedro ao culto público, em

29 de Junho de 1918, e as ações subsequentes que culminaram na aprovação dos

estatutos da Irmandade em 29 de Setembro de 1921, e na entrega formal da capela pela

Junta de Freguesia de Caneças.

Este trabalho de pesquisa pretende ser um contributo para o conhecimento da

história e sociabilidades religiosas ao nível local, contextualizado em acontecimentos

que marcaram (e marcam) a nossa história nacional. O estudo da história local é

essencial para a compreensão da história de um país nas suas diversas dimensões.

A cultura de um povo alicerçada em vivências sagradas ou profanas é o pulsar

da identidade das comunidades, é a partilha de usos e costumes que conferem ao

indivíduo o sentido de pertença pelas relações sociais que se estabelecem.

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METODOLOGIA

O trabalho apresenta-se em três capítulos que se subdividem em três

subcapítulos cada um, cujo objetivo visa compreender o papel da Irmandade do

Santíssimo Sacramento de Caneças, no contexto social, político e religioso, no

período de transição entre o final da Monarquia Constitucional e a implantação da

República, no concelho de Loures.

Partindo de um estudo de caso, procura-se enquadrar os acontecimentos

vividos pela Irmandade, enquanto organização social e religiosa, em alguns

acontecimentos ocorridos nas paróquias do concelho de Loures.

No primeiro capítulo, para o estudo do ambiente eclesiástico-religioso em

Caneças no início da República, apresenta-se um breve historial das Irmandades da

capela de São Pedro com o objetivo de identificar as instituições, a sua natureza, as

suas atribuições, as relações confraternais, as formas de sociabilidade fomentadas

pela Irmandade e a sua influência na vida económica, social e cultural da

comunidade, a partir da sua dimensão religiosa. O objetivo é enquadrar a Irmandade

no espaço comunitário onde se insere, considerando depois a sua reação aos

normativos republicanos, os quais vão influenciar o ambiente religioso em Caneças.

De seguida, caracteriza-se o espaço geográfico de Caneças, a evolução

administrativa do povoado, atendendo à sua ligação à freguesia de Loures. Neste

ponto, explanam-se as atividades económicas das suas gentes para a compreensão da

influência da Irmandade no desenvolvimento económico da povoação e da possível

rede de sociabilidade que se desenvolve entre os confrades e entre estes e os restantes

habitantes.

No último subcapítulo, apresenta-se a paróquia de Loures, enquanto lugar

inserido no concelho de Loures, à qual Caneças pertencia, próximos da capital.

Procura-se enquadrar a vida religiosa e as sociabilidades da paróquia de Loures,

partindo da identificação das Irmandades existentes e da sua ação, referindo também

os ambientes noutras paróquias do concelho, no período em estudo.

Esta reflexão pretende compreender a dimensão religiosa, económica, social e

cultural da Irmandade do Santíssimo Sacramento de Caneças, no contexto da

paróquia de Loures. Apurar-se a problemática causada pela Lei da Separação

(decreto de 20 de Abril de 1911) em torno das cultuais, retirou vitalidade às

Irmandades da paróquia de Loures e também à devoção religiosa dos crentes que não

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podiam manifestar a sua crença através do exercício público do culto, face ao

encerramento dos templos.

No segundo capítulo, aborda-se a relação da Irmandade do Santíssimo

Sacramento de Caneças com o poder local e o poder eclesiástico, tendo como ponto

de partida para essa abordagem as medidas republicanas, nomeadamente o decreto da

Separação do Estado das Igrejas. No tratamento deste tema, o ano de 1912 é a

referência para a reflexão e análise dos condicionalismos causados pela legislação

republicana e sua aplicação na dinâmica da Irmandade.

O decreto da Separação coloca, de alguma forma, as irmandades numa

situação ambígua, perante as determinações da lei emanada do poder civil e as

decisões da autoridade eclesiástica. Neste contexto, a Irmandade do Santíssimo

Sacramento de Caneças age de forma a conciliar os seus interesses de liberdade de

culto, mas na linha das orientações da Santa Sé e do Patriarcado.

As ocorrências envolvendo a Irmandade do SSº Sacramento de Caneças,

enquadram-se nos acontecimentos nacionais, quanto à questão religiosa sobre a

legitimidade da autoridade civil em limitar a gestão do culto. Além da verba indicada

a despender com o culto público, a lei determina que a manutenção e organização do

culto dependiam da constituição de cultual, o que retirava à Igreja o seu principal

múnus.

Com base nos pressupostos enunciados, as vivências religiosas em Caneças

são equacionadas a partir das relações estabelecidas com o poder local, para se

observar a influência do poder local sobre a Irmandade, no que respeita à sua

atividade, e sobre os católicos, resultado da aplicação da Lei da Separação.

A relação da Irmandade do Santíssimo Sacramento com o poder local e o

poder eclesiástico, abordado no primeiro subcapítulo, permite articular essa

informação no tratamento dos dois subcapítulos subsequentes, tendo por base a lei da

Separação.

A Lei da Separação foi causadora de mal-estar por entendimentos diferentes

quanto à sua natureza e aplicação e, possivelmente, também por compreensões

contraditórias e pouco esclarecidas do seu conteúdo, que se alargavam a outros

diplomas. A partir da Lei da Separação, analisa-se o seu efeito na interrupção do

exercício do culto na capela de S. Pedro e na dissolução da Irmandade do Santíssimo

Sacramento.

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A pesquisa de informação em diferentes fontes permitiu verificar que a

informação produzida pelos diferentes protagonistas (confrades da Irmandade, padre

capelão João Ramos do Rosário, pároco de Loures Joaquim José Pombo,

administração do Concelho, Governo Civil, Comissão de Administração dos Bens

Eclesiásticos do Concelho de Loures e Junta de Paróquia de Loures) não

correspondia ao mesmo entendimento quanto à interpretação da referida Lei, o que

condicionou o funcionamento da Irmandade e o entendimento sobre a liberdade de

culto.

A questão da aprovação dos estatutos da Irmandade, harmonizados ao abrigo

da nova legislação, foi o principal embate para os anos que se viveram entre 1912 e

1921, protagonizados pela Irmandade para o seu reconhecimento legal e a

manutenção da capela aberta ao culto, em oposição às autoridades político-

administrativas do Concelho.

O conhecimento do ambiente religioso vivido em Caneças, na paróquia de

Loures e noutras paróquias do concelho de Loures, à luz da visão republicana, é-nos

dado pelos periódicos de Loures. Nos jornais são emitidas opiniões e relatados

acontecimentos, de forma irónica, no âmbito da vida religiosa e sociabilidades

religiosas (Irmandades e Ordem Terceira de São Francisco de Loures), que mostram

a animosidade pelo clero, mas também pelas manifestações de piedade e de caridade

das populações.

O último subcapítulo trata a questão da constituição de um agrupamento

cultual em Caneças, ao abrigo do artigo 19º da Lei da Separação, para compreender

até que ponto, mais uma vez, diferentes interpretações da Lei pela autoridade

competente, condicionou a atividade da Irmandade e implicou que a capela

continuasse encerrada.

Depois da análise de alguns artigos da Lei da Separação e da observação das

repercussões dos mesmos na vitalidade da Irmandade do Santíssimo Sacramento, o

terceiro capítulo apresenta a irmandade como rede de sociabilidade.

O primeiro subcapítulo aborda a dimensão social da Irmandade, tendo em

conta a sua composição social para se perceber até que ponto os seus membros

geraram a dinâmica da Irmandade ou dos seus irmãos na vida religiosa, social,

cultural, económica e política, no período de transição política em estudo.

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Pretende-se ainda abordar o papel de alguns cidadãos na vida política e

cultural local, no sentido de se aprofundar o seu papel enquanto elite que se

reorganizou em termos cívicos, no momento em que a Irmandade deixou de exercer

esse papel. Embora os membros da Irmandade não estivessem afastados da vida

política, como se verifica em 25 de Dezembro de 1922 numa declaração conjunta dos

membros da Junta de Freguesia de Caneças (irmãos e mesários da Irmandade) e da

Irmandade do Santíssimo Sacramento.

O segundo subcapítulo estuda a relação da Irmandade com o poder político,

após a criação da freguesia de Caneças, em 10 de Setembro de 1915. No contexto das

mudanças políticas que se foram observando ao nível da política nacional,

designadamente, a influência das medidas legislativas (como o Decreto nº

3856/1918, D.G. I série. Nº 24, de 22 de Fevereiro de 1918) do Governo sidonista na

Irmandade. Alterações que se traduziram na reabertura da capela ao culto e na

aprovação legal da Irmandade do Santíssimo Sacramento.

O terceiro subcapítulo refere-se às manifestações das sociabilidades

quotidianas em Caneças (as festas, as procissões, as feiras, o acompanhamento de

defuntos nos enterros) para se percepcionar as redes de sociabilidade que se

construíram ou prevaleceram no momento de transição política, as quais se

desintegram com o encerramento da capela ao culto. Em termos das vivências

religiosas em comunidade, articular a influência do fecho da capela e do não

reconhecimento legal da Irmandade no quotidiano da povoação.

Na conclusão do trabalho sublinha-se o papel da Irmandade do Santíssimo

Sacramento de Caneças, enquanto rede de sociabilidade, no período em estudo,

perante o impacte dos normativos publicados. Se bem que as redes de sociabilidade

tenham sofrido um interregno, os fiéis não perderam a sua devoção. As

manifestações das tradições religiosas perduraram até aos nossos dias. A Irmandade

enquanto organização foi afetada, mas não o sentimento religioso dos crentes.

A cronologia enquadra os acontecimentos da vida local e nacional com a

indicação de normativos jurídicos.

O anexo documental deste trabalho encontra-se organizado por ordem

cronológica, à excepção da reprodução de algumas figuras. A maioria é cópia dos

documentos originais. As figuras, incluídas no anexo documental, têm como objetivo

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enquadrar os acontecimentos no espaço e divulgar aspetos das vivências religiosas da

época.

Na pesquisa da documentação uma das dificuldades prendeu-se com a falta de

referências específicas ao tema em estudo “Irmandades”, em alguns arquivos, e o

espólio documental da Irmandade ser constituído, apenas, por três livros,

desconhecendo-se o paradeiro dos restantes livros. Em relação à documentação

produzida pela Irmandade do Santíssimo Sacramento, somente, se registam a

existência dos livros presentes no Arquivo Histórico do Patriarcado de Lisboa: Livro

nº 1 dos acórdãos da Irmandade do Santíssimo Sacramento de Caneças (atas de 1763

a 1825, mas com hiatos temporais significativos nos finais do séc. XVIII e durante o

séc. XIX); Livro de deliberações da Irmandade de São Pedro de Caneças (atas de

1903 a 30 de Junho de 1912 sobre aprovação das contas e orçamentos, eleição de

mesas administrativas, excepto das mesas eleitas em 28 de Janeiro e 1 Julho de

1912); Livro das contas da Irmandade de S. Pedro (mapas das contas do ano

económico de 1902-1903 ao ano 1911-1912; o último mapa refere-se a 30 de Junho

de 1912).

Por simpatia, uma pessoa da terra trouxe ao meu conhecimento cópias de

cinco documentos originais, referentes ao pagamento da côngrua paroquial (ano 1890

-1891) e recibos do pagamento da quota anual de um irmão da Irmandade do

Santíssimo Sacramento (1870, 1885, 1887, 1891).

Registo ainda as fontes orais que são mencionadas que fornecem informações

que ajudam a compreender as vivências locais, apesar da impossibilidade em serem

corroboradas pela documentação escrita.

Para a reunião de informação, a consulta de documentos foi realizada em

diversos locais, tais como: Arquivo Municipal de Loures, Arquivo Nacional da Torre

do Tombo, Arquivo Histórico do Patriarcado de Lisboa, Arquivo Contemporâneo do

Ministério das Finanças, Arquivo da Igreja de S. Pedro de Caneças, Arquivo da Junta

de Freguesia de Caneças, Arquivo Histórico Parlamentar, Arquivo do Governo Civil

de Lisboa e Centro de Documentação Anselmo Braamcamp Freire de Loures.

Para a compreensão do papel religioso, social, económico da Irmandade

foram fundamentais os livros da Irmandade, no Arquivo Histórico do Patriarcado, a

partir dos quais a pesquisa foi orientada para outras fontes documentais noutros

arquivos.

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Destaco os processos de contas de gerência no Arquivo Nacional da Torre

Tombo. Estes processos constituem um auxílio fundamental para a construção das

vivências religiosas na comunidade de Caneças e a percepção do estabelecimento de

redes de sociabilidade.

Os fundos do Arquivo Municipal de Loures contribuíram para a recolha de

informação, no âmbito da história local. A documentação proporcionou cruzar

informações entre os fundos documentais da Administração do Concelho, Câmara

Municipal de Loures, Governo Civil de Lisboa, Junta da Paróquia de Loures e

elementos do Arquivo da Junta de Freguesia de Caneças. Os documentos

apresentam-se essenciais para a compreensão das sociabilidades religiosas no

concelho de Loures no momento de transição política da monarquia constitucional

para a república.

A documentação presente no Arquivo Contemporâneo do Ministério das

Finanças foi crucial para investigar e compreender os procedimentos da Irmandade,

após as determinações do decreto separatista, e sua relação com o poder político

local e central: o processo de arrolamento de bens da Irmandade (17 de Junho de

1911), as questões que levaram ao encerramento da capela, à dissolução da

Irmandade e aos processos de reabertura da capela e reconhecimento legal da

Irmandade.

No Arquivo do Governo Civil de Lisboa, consultei o processo da Irmandade

que resultou na aprovação do alvará de 29 de Setembro de 1921, o qual contém os

projetos de estatutos de 1912 e 1921.

O Arquivo Histórico Parlamentar permitiu a consulta do processo de criação

da freguesia de Caneças e do caderno de recenseamento de eleitores da assembleia da

freguesia de Loures. O caderno do recenseamento eleitoral possibilitou investigar as

profissões de alguns dos cidadãos que fizeram parte da Irmandade e observar a

participação dos cidadãos recenseados de Caneças, na primeira eleição de deputados

para a assembleia parlamentar, em 28 de Maio de 1911.

Para a bibliografia de carácter geral, recorri à Biblioteca Nacional e à

Biblioteca da Faculdade de Letras.

O Centro de Documentação Anselmo Braamcamp Freire permitiu a consulta

de periódicos sobre o concelho de Loures, fonte documental importante utilizada

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22

neste trabalho. No seu espólio, o Centro reserva livros antigos sobre Loures e

reproduções digitais de lugares e pormenores do quotidiano.

Para o esclarecimento de alguns aspectos dos ambientes religioso, social,

político, económico e cultural, vividos no concelho de Loures, distingo as obras de

Joaquim José da Silva Mendes Leal – Admirável igreja matriz de Loures. Edição do

autor, de 1909; e do padre Álvaro Proença – Subsídios para a história do concelho

de Loures. Lisboa, 1940.Vol. 1. Estas obras podem ser consultadas no Centro acima

referido.

O texto do trabalho foi escrito seguindo o acordo ortográfico. Na transcrição

de documentos, a pontuação foi mantida mas a ortografia foi atualizada. Também as

indicações bibliográficas em notas de rodapé, em cada capítulo, quando surgem pela

primeira vez aparecem completas, e apresentam-se de modo abreviado nas restantes.

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Capítulo 1

O AMBIENTE ECLESIÁSTICO-RELIGIOSO EM CANEÇAS

NO INÍCIO DA REPÚBLICA

A relação Estado-Igreja, vivida com a implantação da República, determinada

pelo propósito da separação26

das esferas temporal e religiosa e consignada nos

diplomas legais, trouxe à discussão a problemática “questão religiosa” associada à

“questão política”, influenciando os ambientes de então.

No contexto legislativo do regime republicano, o ambiente eclesiástico e

religioso em Caneças foram determinados pela interpretação e aplicação da Lei da

Separação do Estado das Igrejas e legislação subsequente, pois condicionou as

vivências religiosas perante o encerramento da capela ao culto e a dissolução da

Irmandade do Santíssimo Sacramento.

A Irmandade do Santíssimo Sacramento de Caneças viu-se confrontada com a

posição da administração concelhia que considerou, e informou a Comissão de

Administração dos Bens Eclesiásticos do Concelho de Loures, de que a corporação

não tinha harmonizado os estatutos, de acordo com as determinações no decreto de

20 de Abril de 1911. Como a Irmandade não se constituiu como associação cultual

implicou o encerramento da capela ao culto.

As posições assumidas pelos órgãos políticos e administrativos (Câmara

Municipal e Administração do Concelho) e pela comunidade, caracterizaram-se por

divergências e contradições várias. A extinção da Irmandade do Santíssimo

Sacramento de Caneças e o encerramento da capela de S. Pedro ao culto público

resultaram da informação produzida pelos órgãos concelhios (Administração do

Concelho e Comissão dos Bens Eclesiásticos do Concelho de Loures), sem atender à

veracidade das situações.

Além destes factos, a Irmandade viu os seus bens imobiliários arrolados em

17 de Junho de 1911, os domínios de foro direto e as propriedades Quinta das Lages

e Fonte da Verdelha, ulteriormente confiscadas.

No contexto político da implantação republicana de então, os habitantes de

Caneças, o padre capelão da capela de São Pedro, a Irmandade do Santíssimo

26 Cf. Sérgio Pinto – Separação religiosa como modernidade: decreto-lei de 20 de Abril de 1911 e

modelos alternativos. Lisboa: Centro de Estudos de História Religiosa – UCP, 2009, p. 21-30.

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Sacramento e a paróquia de Loures viveram a questão religiosa com a intensidade

própria dos momentos que caracterizaram o início do República.

Localmente, a ação dos que defendiam a manutenção da capela ao culto, e ao

mesmo tempo reivindicavam a legalidade da constituição da Irmandade do

Santíssimo Sacramento, protestaram contra a posse administrativa dos bens

imobiliários da Irmandade27

. Mas, nenhuma das situações foi atendida

favoravelmente pelo poder administrativo e político.

A questão da expropriação dos bens das corporações e das Igrejas, pelo

Estado republicano, foi também motivo de forte contestação por todo país e nos

debates parlamentares, principalmente o confisco dos passais dos párocos e de outros

imóveis, muitos deles deixados em doação como legados pios e outros adquiridos

pela Igreja. A Irmandade do Santíssimo Sacramento de Caneças tentou fazer valer os

seus direitos, mas sem obter o efeito pretendido.

A consulta da documentação da Administração do Concelho e a do Patriarca

de Lisboa, D. António Mendes Belo, referente à correspondência com os párocos do

concelho de Loures, mostra que a expropriação de bens foi um assunto delicado e

controverso entre as partes envolvidas, gerando na hierarquia eclesiástica e nos

párocos o sentimento de incompreensão e injustiça face à apropriação desses bens

pelo Estado28

. O pároco de Loures Joaquim José Pombo29

também mostrou o seu

desagrado pela expropriação da residência paroquial por considerar ter sido:

27 Leia-se sobre o direito de posse de bens pela Igreja o discurso do padre Casimiro Rodrigues de Sá,

na sessão da Câmara dos Deputados, em 29 de Junho de 1914, lembrando que, somente em dois

momentos da História de Portugal, se tinha procedido à confiscação de bens eclesiásticos: no período

pombalino (leis de 3 de Setembro de 1759 e de 28 de Agosto de 1767) e no governo liberal do

príncipe D. Pedro (decreto de 18 de Agosto de 1834 de Joaquim António de Aguiar). Cf. Sérgio Pinto

– Separação religiosa como modernidade: decreto-lei de 20 de Abril de 1911 e modelos alternativos,

p. 211-240. Como refere Casimiro de Sá no seu discurso, em caso da extinção das corporações

religiosas, os bens na sua posse eram «[…] destinados para a manutenção doutros estabelecimentos de

piedade ou instrução, e para a sustentação do culto e do clero […] salvo a aplicação dada aos bens no

acto da fundação ou doação […]». Cit. por Sérgio Pinto – Separação religiosa como modernidade:

decreto-lei de 20 de Abril de 1911 e modelos alternativos, p. 236. 28 Ao pároco de Bucelas foi comunicado pelo senhor Patriarca que tinha sido solicitado ao governador

Civil as medidas necessárias para não ser retirada a residência paroquial (AHPL – Livro 2º do Registo

da Correspondência Oficial de Sua Eminência o Senhor D. António I com os Vigários e Párocos,

1910-1913. U.I. 112). 29 Pároco colado da paróquia de Loures, nomeado em 12 de Janeiro de 1887 (AML – Livro de registo

de juramentos e autos de posse de párocos de Loures (1869-1887). Padre pensionista do Estado

republicano que em carta ao Vigário-Geral do Patriarcado afirmou que não contribuiu para a «reforma

ou uniformização dos estatutos de qualquer das irmandades existentes na freguesia» de Loures.

(AHPL – Carta de 12 de Janeiro de 1912. In Vários documentos sobre cultuais. U.I. 2332).

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«[…] injustamente apreendida em fins de 1912, pela autoridade

administrativa do concelho de Loures, a residência paroquial que me era

concedida na lei da separação das igrejas do Estado, tenho a honra de rogar a

V. Ex.ª se digne ordenar que pela Comissão executiva da referida lei me seja

restituída a dita residência como é de justiça.30

»

Perante as diferentes questões, foram protagonistas, simultaneamente, os

confrades e moradores de Caneças, o padre capelão31

e o pároco de Loures na defesa

da sua liberdade culto32

, no que respeitou às manifestações exteriores de crença -

prática de sacramentos, procissões e formas de caridade, expressões do religioso, do

social e da cultura de uma comunidade.

Em relação à piedade popular dos católicos de Caneças, o pároco de Loures,

Joaquim José Pombo, considerou «na sua maneira são católicos» e, por isso, eram

necessárias condições «a fim de poderem continuar […] os seus deveres

religiosos»33

.

30Ofício do pároco de Loures de 26 de Fevereiro de 1918 ao Ministro da Justiça. (ACMF – Processo

CJBC/LIS/LOU/ADMIN/076). O seu pedido foi indeferido pela Comissão Central da Execução da

Lei da Separação porque ao pároco tinham concedido o aumento da pensão, por não utilizar a residência paroquial. 31 Padre capelão João Ramos do Rosário «exerceu ordens» de 1903 a 1912, conforme indicam as

contas de gerência da Irmandade do Santíssimo Sacramento (ANTT), isto é, realizou funções

sacramentais. 32Segundo um artigo do jornal Quatro de Outubro, assinado por Frei António, um pseudónimo,

intitulado A Missa: «Algumas pessoas, umas ingénuas, outras ainda fanatizadas pelos padres

reacionários, e, portanto, pela igreja, porque entendem, pela sua ingenuidade ou fanatismo religioso,

que só na igreja é que se encontra remédio para todos os males e achaques, lamentam-se de não

poderem ouvir missa, pelo facto de algumas das igrejas estarem fechadas.

Ouvir missa dizem; ver missa, ou ver o padre fazer momices no altar, direi eu. […] As orações que o

padre lê no missal e que constituem a missa, qualquer pessoa temente a Deus as podem ler ou rezar em casa.» In Quatro de Outubro. Lisboa. Nº 64 (6 de Julho de 1913) 1. 33Ofício do pároco de Loures Joaquim José Pombo, datado 23 de Agosto de 1914, remetido ao

Ministro da Justiça, que o enviou à Comissão Central de Execução da Lei da Separação (ACMF –

CJBC/LIS/LOU/CEDEN/001 - Processo 2782, L.7, Fl. 80).

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1.1-AS IRMANDADES NA CAPELA DE SÃO PEDRO DE CANEÇAS

A capela de São Pedro34

era a igreja e, portanto, o lugar de culto que, modesta

na sua decoração35

e construção, constitui um testemunho importante da vida

religiosa das gentes de Caneças, sendo a sua edificação anterior ao séc. XVIII. Na

capela constituíram-se duas Irmandades: a Irmandade do Apóstolo São Pedro36

e a

Irmandade do Santíssimo Sacramento37

, constatando-se que a confraria sacramental

34 ANTT – Memórias paroquiais: dicionário geográfico. Vol. XXI, 12 de Maio de 1758, fl. 1255. Cf.

Anexo I. 35 A capela tem um púlpito simples com baldaquino, decorado com palmas e rosas pintadas a ouro,

símbolos cristãos relacionados com a paixão e a ressurreição de Cristo, as palmas, e as rosas

possivelmente com o culto mariano. A base do púlpito é de mármore, enquanto os outros elementos

são de madeira com as decorações descritas. A nave principal tem um painel de azulejo azul e branco

a revestir as paredes, com motivos naturalistas e aves. O baptistério é um espaço pequeno com a

devida pia batismal encerrada por portas de ferro. A capela tem coro. A disposição de algumas das imagens não correspondem à sua posição inicial e algumas das imagens não são as originais. 36 Conforme indica a provisão de D. João V de 22 de Novembro de 1745, dada ao Juiz e mais irmãos

da Irmandade de São Pedro de Caneças, autorizando o aforamento de casas legadas por Francisco

Valentim para cumprimento de duas missas rezadas anualmente (ANTT – Provisão Régia in

Chancelaria de D. João V (Comuns B-C). Livro nº 112, fls. 43 verso). A Irmandade era

administradora da capela instituída por João Francisco Valentim em 27 de Agosto de 1720 (AML –

Autos de Contas, capela de João Francisco, de 04-09-1756 a 08-03-1912). Por este documento, podemos considerar a possibilidade da Irmandade de S. Pedro de Caneças se ter constituído no séc.

XVII, tomando também como referência a obra de Joaquim José da Silva Mendes Leal – Admirável

igreja matriz de Loures. Lisboa: ed. do autor, 1909. O autor, na p. 333 do livro supracitado, menciona

a existência de uma «tábua de 1672, existente na sacristia» da Igreja Matriz, segundo a qual se

realizava uma festividade no dia 29 de Junho, em Caneças, dia festivo de S. Pedro. Por Provisão régia

de 20 de Abril de 1762, passada em 4 de Fevereiro de 1763, foi aprovado novo compromisso à

Irmandade do Apóstolo S. Pedro de Caneças, cujos irmãos tinham recebido da autoridade episcopal

autorização para terem sacrário pelo que eram responsáveis pelo culto do Santíssimo Sacramento

(ANTT – Desembargo do Paço - repartição da Corte, Estremadura e Ilhas, maço 2080, doc. 48. Cf.

Anexo V). No entanto, de acordo com o pedido ao rei D. José para mercê de uma feira franca, em

1759 (Cf. Anexo III), este foi feito pelos mordomos do Santíssimo Sacramento, cuja Irmandade teve compromisso aprovado em 7 de Fevereiro de 1762. Em 21 de Junho de 1762 foi passada a provisão de

aprovação do compromisso (ANTT – Desembargo do Paço - repartição da Corte, Estremadura e Ilhas,

maço 2079, cx 1918, doc. 7. Cf. Anexo IV). Possivelmente, alguns dos irmãos prestavam auxílio nas

duas Irmandades. 37Provisão Régia de D. José I de 7 de Fevereiro de 1762 autorizou a criação da nova confraria,

aprovando o compromisso de oito capítulos. Segundo o teor do documento, a Irmandade funcionava

sem «regime». O Procurador da Coroa achava que não se devia confirmar o primeiro parágrafo do

capítulo segundo por não distinguirem «pessoas, ou famílias»; considerou também que não devia

assistir às mesas administrativas padre «[…] pois estes actos eram livres, e independentes deles […];

que a confraria «[…] era, e seria sempre sujeita a jurisdição real […]»; e que nenhum clérigo, mesmo

que fosse irmão, devia fazer parte das mesas administrativas. O parecer do Procurador considerava que após os seus considerandos não havia dúvidas quanto à aprovação do compromisso. No entanto, o

compromisso foi aprovado, com a autorização dos clérigos puderem fazer parte das mesas, «[…] em

razão do clericato, cuja nobre qualidade os não faz menos dignos daqueles empregos.» (ANTT –

Desembargo do Paço - repartição da Corte, Estremadura e Ilhas. Maço 2079, cx 1918, doc. 7). Cf.

Anexo IV. A Irmandade do SSº, em 1759, antes da confirmação régia do seu compromisso, solicitara

a provisão para a criação de uma feira franca. Anteriormente à aprovação do compromisso da

Irmandade, a administração do SSº Sacramento era uma das preocupações dos fiéis. De acordo com a

resposta ao inquérito do pe. Teotónio José de Brito Barros da paróquia de Loures ao arcebispo da

Lacedemónia D. José Dantas Barbosa, o terramoto de 1755 destruiu a ermida, pelo que andavam a

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27

alcançou preponderância sobre a consagrada ao apóstolo S. Pedro, na vida da

comunidade local38

.

Segundo a tradição oral, a capela foi consagrada a São Pedro por ter

protegido o sítio de Caneças de febres epidémicas que afetaram as povoações dos

arredores de Lisboa, no séc. XVI. A referência documental mais antiga à festividade

em honra do padroeiro é o ano de 1672, e manteve-se até 29 de Junho de 190939

. A

celebração da festa religiosa em honra do Padroeiro40

era uma expressão de

sociabilidade em que o povo exprime a sua união coletiva através da devoção

comunitária, símbolo de pertença, de identidade de um povo, que se relaciona e

interage pela fé.

A Irmandade do Santíssimo Sacramento de Caneças obteve da autoridade

eclesiástica, «do ordinário» (autoridade episcopal), autorização para administrar o

Santíssimo Sacramento, isto é, a comunhão. De acordo com o conteúdo41

da provisão

de D. José I de 7 de Fevereiro de 1762 à Irmandade do Santíssimo:

«[…] o Juiz e mais mordomos do Santíssimo Sacramento da Igreja de São

Pedro, do lugar de Caneças, termo desta cidade, freguesia de Santa Maria de

Loures, me representarem por sua petição, que a eles suplicantes lhe fora

concedido pelo ordinário o poderem ter o sacrário para se dar o Santíssimo

por viático aos enfermos e o sacramento da extrema unção, e se poderem

sepultar na dita Igreja os ditos moradores que falecerem […]» 42

.

A administração do Santíssimo constituiu uma das preocupações dos

habitantes de Caneças, os quais pediram ao Cardeal Patriarca de Lisboa licença para

«erigirem nova paróquia para socorro espiritual de suas almas»43

, em virtude de

recuperar a capela-mor, na qual se pretendia colocar sacrário para a «conservação do SSº Sacramento»

(In Memórias paroquiais: dicionário geográfico. Vol XXI, 12 de Maio de 1758, fl. 1255). 38 Cf. Anexo III. 39 A festa sofreu depois um longo período de interregno. As celebrações reiniciaram-se na década de 90 do século passado. 40Citando Pinharanda Gomes «A virtude da piedade determina, entre o mais, o respeito, o amor e o

cumprimento dos actos religiosos externos, por isso a Liturgia é uma das suas melhores fontes, e

fundamenta a festa como parte integrante da vida comunitária, sem prejuízo da vida individual de

piedade.» In J. Pinharanda Gomes – Povo e religião no termo de Loures. Braga: Câmara Municipal

de Loures, 1982, p. 155. 41Provisão de D. José I confirmando o compromisso de «uma nova Confraria», de 5 de Fevereiro de

1762 (ANTT – Desembargo do Paço - repartição da Corte, Estremadura e Ilhas. Maço nº 2079, cx.

1918, doc. 7). Cf. Anexo IV. 42ANTT – Desembargo do Paço - repartição da Corte, Estremadura e Ilhas, Maço nº 304, doc. 4. 43AHPL – Cópia da Provisão do Cardeal Patriarca de Lisboa D. José de 26 de Maio de 1757, in

Registo Geral da Câmara Patriarcal (1756-1760), Ms. 555, fls. 53 e 53 verso. Cf. Anexo II. D. José

Manoel da Câmara foi o 2º Cardeal Patriarca de Lisboa (1754-1758), in Os Patriarcas de Lisboa.

Coordenação D. Carlos Azevedo, Sandra Saldanha, António Oliveira, Lisboa: Centro Cultural do

Patriarcado de Lisboa e Alêtheia Editores, 2009, p. 23-32. In João Raymundo Alves – Almanaque do

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alguns enfermos falecerem sem lhes ser administrado o viático face à distância da

paróquia de Loures, agravada pelas más condições dos caminhos. A autorização para

a criação da paróquia religiosa de Caneças não foi considerada, mas foi concedida

provisão para erigir sacrário na ermida e administrar os sacramentos da extrema-

unção pelo capelão com a anuência do pároco de Loures44

e licença para a sepultura

na ermida. A celebração dos batismos e dos matrimónios continuava a ser realizada

na Igreja paroquial45

.

Os batismos passaram a realizar-se na capela, após a construção do

baptistério, condição satisfeita pela Irmandade do Santíssimo Sacramento46

. Para a

realização dos batismos, devia existir «capela e pia baptismal decente47

», sacerdote

habilitado e autorizado pelo pároco de Loures. O sacramento do batismo só podia ser

ministrado, por provisão do Patriarca de Lisboa, com conhecimento do pároco da

Igreja Matriz de Loures48

. Por exemplo, a pastoral de 19 de Maio de 1900, do

patriarca D. José III49

, concedeu, por três anos, licença para se administrarem

batismos, devido à distância entre Caneças e a Matriz e às despesas que acarretava, o

que implicava que este sacramento fosse recebido tardiamente pelas crianças. A

provisão foi também renovada pelo patriarca D. António Mendes Belo50

em 22 de

Novembro de 1909, a pedido da Irmandade.

concelho de Loures para 1912, refere que, em 1751, o arcebispo da Lacedemónia D. José aprovou o

Santíssimo na capela e deu licença ao capelão para ministrar os sacramentos, à exceção do batismo e

do matrimónio que continuavam a ser recebidos na Igreja de Loures. Pela documentação consultada

da Câmara Patriarcal entre 1751 e 1757 não se encontrou provisão que comprove esta informação

(João Raymundo Alves – Almanaque do concelho de Loures para 1912. Lisboa: Instituto Geral das

Artes Gráficas, 1911, p. 56). Nesta data o arcebispo da Lacedemónia era realmente D. José Dantas Barbosa, mas a provisão foi concedida pelo Cardeal Patriarca D. José no ano de 1757. 44Cf. Anexo II. 45

Cf. Anexo II. 46 Ordem de pagamento nº 3 ao pedreiro que realizou a obra de reconstrução de uma casa pequena

para aí ser colocada a pia batismal, cuja despesa consta no respetivo mapa de contas (ANTT –

Governo Civil: Irmandades – contas de gerência, ano económico 1900-1901. Cota 806-B, cx. 5). Cf.

Anexo X. 47 Joaquim José Mendes Leal – Admirável igreja matriz de Loures. Lisboa: edição do autor, 1909, p.

379. 48 A capela de S. Pedro de Caneças esteve ligada à Igreja Matriz de Loures até 1964. Em 16 de Julho

de 1989, o Senhor Patriarca D. António Ribeiro celebrou, em Caneças no lugar das Fontainhas, uma missa campal para comemorar o 25º aniversário da Paróquia. D. António Ribeiro, 15º Patriarca de

Lisboa (1971-1998). Cf. António Matos Ferreira – D. António Ribeiro. In Os Patriarcas de Lisboa.

Coordenação D. Carlos Azevedo; Sandra Saldanha; António Pedro Oliveira, p. 161-171. 49D. Frei José Sebastião Neto, 12º Patriarca de Lisboa (1883-1907). Cf. Henrique Pinto Rema, O.F.M.

– D. Frei José Sebastião Neto. In Os Patriarcas de Lisboa. Coordenação D. Carlos Azevedo; Sandra

Saldanha; António Pedro Oliveira, p. 119-128. 50 Portaria nº 209, de 22 de Novembro de 1909, em que o Patriarca informa aos interessados que

devem efetuar o pagamento do imposto de selo à Fazenda Nacional, do qual não podia dispensar os

batizados por não ser assunto da sua competência. Esta última consideração parece ter sido pedida

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A Irmandade do Santíssimo Sacramento da capela de São Pedro, com

compromisso reformulado e aprovado pelo rei D. José I51

, acabou por se unir no seu

papel religioso, cultural e social, à Irmandade de S. Pedro, como aconteceu noutras

capelas e igrejas. Na primeira página do Livro nº 1 dos acórdãos da Irmandade da

Irmandade do Santíssimo Sacramento lê-se:

«Neste livro se há-de escrever os Acórdãos que as mesas que servirem ao

Apóstolo de São Pedro e Santíssimo Sacramento fizerem juntos e o que por

eles for acordado terá força de lei que senão pode revogar senão por outra

Junta Grande, na forma que dispõe o nosso compromisso. Ano de 1763»52

A Irmandade do Santíssimo Sacramento era composta por homens e

mulheres (fazendeiros, foreiros, trabalhadores braçais, lavadeiras53

), mas apenas os

homens faziam parte das mesas administrativas. Mesas que se comprometiam em

incrementar e assegurar o culto público, o viático aos doentes e promover os atos

solenes (missas, procissões, enterro digno dos fiéis) e a caridade, zelando pelos mais

carenciados. Conforme declararam, no seu compromisso, «para assim os fiéis com

mais zelo e fervor servirem ao mesmo Senhor e fizeram o compromisso que

ofereciam e para este ter a sua devida observância […]»54

.

pelo requerente (AHPL – Decretos e Portarias do Patriarca desde 1 de Março de 1908 a 19 de Julho de 1911. U.I. 170). D. António Mendes Belo, 13º Patriarca de Lisboa (1908-1929). Cf. Maria Lúcia

Brito de Moura – D. António Mendes Belo. In Os Patriarcas de Lisboa. Coordenação D. Carlos

Azevedo; Sandra Saldanha; António Pedro Oliveira. p. 129-141. 51 A partir do século XVIII, a coroa atribuiu a si a aprovação dos compromissos das Irmandades que

não tivessem estatutos aprovados, prerrogativa que pertencera exclusivamente à autoridade

eclesiástica, exceptuando as misericórdias, cujos compromissos dependiam da confirmação régia. 52 APHL – Livro nº 1 dos acórdãos da Irmandade do Santíssimo Sacramento. U.I. 662. Irmandade ou

Confraria é a designação que surge na documentação consultada quanto à Irmandade do Santíssimo

Sacramento da capela de São Pedro de Caneças, que acabou por assumir um lugar de maior relevo na

vida religiosa da comunidade. No período de transição em estudo verifica-se que, alguns processos

das contas de gerência ou a correspondência enviada à Administração do Concelho de Loures ora se

referem à Irmandade de São Pedro, ora à Irmandade do Santíssimo Sacramento, o que demonstra a associação das duas Irmandades em reunião magna, tal como se encontra também manuscrito no livro

de deliberações da Irmandade. No entanto, após a implantação da República, em determinado

momento, o assunto foi tratado pela Administração do Concelho de Loures como se existissem duas

Irmandades distintas, tendo a referida administração proposto ao Governo Civil de Lisboa a extinção

de ambas, porque não possuíam estatutos aprovados e não tinham irmãos em número suficiente. 53 Cf. Petição dos moradores face ao aforamento do terreno do rossio (ANTT – Desembargo do Paço -

repartição da Corte, Estremadura e Ilhas. Maço nº 228, doc. 29). 54Provisão de D. José I confirmando o compromisso da Irmandade do Santíssimo Sacramento, de 5 de

Fevereiro de 1762 (ANTT – Desembargo do Paço - repartição da Corte, Estremadura e Ilhas. Maço

2079, 1 fl.). O motivo principal da formação da Irmandade era a administração do Santíssimo

Sacramento aos enfermos e a celebração da Eucaristia, em torno da qual se organizava o culto público

e eram mantidas as vivências religiosas, testemunhos de fé dos elementos da comunidade. Questões

abordadas no Concílio Tridentino (1545-1563) quanto à doutrina, foi proclamada a existência do

purgatório, a legitimidade das indulgências, da invocação dos santos, do culto das relíquias e das

imagens. Devido ao Concílio Tridentino, a partir do séc. XVI, aumentou o número de irmandades

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As receitas da Irmandade provinham de quotas anuais dos irmãos e irmãs,

casados ou solteiros, os quais obrigavam-se a contribuir com uma jóia e esmola para

os pobres para se associarem. Os mais novos deviam apresentar uma petição para

serem aceites na Irmandade. Os donativos e demais receitas garantiam o pagamento

de salário aos padres capelães da capela e das despesas relacionadas com a

manutenção do culto, conservação da capela e auxílio aos necessitados.

A Irmandade do Santíssimo Sacramento além da sua dimensão religiosa,

assumiu um papel regulador nas relações interpessoais no seio da comunidade local,

na sua relação com as autoridades civis e religiosas, constituindo-se redes de

sociabilidade distintas, em que o propósito era assegurar o culto público, o viático

aos enfermos e prestar ações de beneficência como se procurará demonstrar no

presente estudo. Esta função religiosa pela forma de enquadrar e dar sentido à vida

das pessoas e da comunidade apresentava uma identificação entre a pertença

religiosa e social.

O terramoto de 1755 afetou também Caneças e, nomeadamente, o edifício da

capela de São Pedro55

, que necessitou da construção de nova capela-mor. As

despesas de reconstrução do altar-mor, para aí colocar o sacrário para a conservação

do Santíssimo Sacramento, e dos serviços religiosos prestados à comunidade foram

custeadas pelos moradores e pelos irmãos da Irmandade do Santíssimo Sacramento.

Perante as dificuldades financeiras sentidas, a Irmandade solicitou ao rei D.

José I autorização para a realização de uma feira franca e livre sobre todos os géneros

vendidos no Rossio (Largo Vieira Caldas). O produto do aluguer do terrado

assegurava o culto do Santíssimo, permitia apoiar os moradores do lugar, na doença e

na morte, pagar os serviços religiosos celebrados pelo padre capelão e garantir os

melhoramentos necessários na capela. Analisado o pedido da Irmandade, D. José I

concedeu a provisão real56

, em 25 de Janeiro de 1760, em que autorizava a realização

da feira no Domingo seguinte depois da Pascoela, durante três dias57

.

sacramentais que promoveram o culto do Santíssimo, devendo em cada paróquia existir a Irmandade

do Santíssimo. Pedro Penteado refere o aparecimento de inúmeras confrarias e irmandades do

Santíssimo Sacramento, das Almas do Purgatório e de Nossa Senhora do Rosário na maioria das

paróquias portuguesas, entre os séculos XVI e XVIII. Cf. Pedro Penteado – Confrarias. In Dicionário

de História Religiosa de Portugal. Vol.1, p. 459-470. 55 ANTT – Memórias paroquiais: dicionário geográfico. Vol. XXI, 12 de Maio de 1758, fl. 1255. 56Chancelaria de D. José I (Comuns). Livro 52, fl. 183 e verso (ANTT – Desembargo do Paço -

repartição da Corte, Estremadura e Ilhas, Maço nº 304, doc. 4, fls. 3-4). 57 Cf. Anexo III.

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Assim, à festa da Páscoa da Ressurreição, associou-se a feira franca e livre,

como meio de ajuda financeira para as celebrações religiosas e também para a

manutenção do espaço religioso.

Alguns anos depois, por nova solicitação da Irmandade do Apóstolo São

Pedro e Santíssimo Sacramento, D. José I concedeu provisão58

, em 9 de Março de

1768, para a mudança da feira para a 1ª oitava da Páscoa da Ressurreição, por a

anterior coincidir com a feira da Agualva-Cacém. Mercê confirmada pela rainha D.

Maria em 5 de Junho de 178059

.

A Irmandade continuou a influenciar a dinâmica económica da comunidade,

pois apresentou nova petição ao Rei, à época D. João VI, para ser concedida

autorização para que a feira franca de três dias da Páscoa da Ressurreição fosse

repartida entre a Festa da Páscoa e a Festa de São Pedro. Os irmãos da Irmandade

justificaram o pedido por os moradores e forasteiros acorrerem ao primeiro dia de

feira e, nos restantes, escassearem por não poderem abandonar o trabalho do

campo60

. A solicitação obteve a provisão favorável de D. João VI61

.

Constata-se que a Irmandade do Santíssimo Sacramento assumiu, além do seu

papel religioso e social, um papel importante na dinamização da vida económica da

comunidade com o propósito de garantir a sua ação religiosa e social. A Irmandade

desenvolveu diferentes redes sociais de solidariedade entre os confrades

(solidariedade horizontal) e entre os irmãos e os moradores, neste caso indo ao

encontro também dos interesses locais, no que respeitava à comercialização dos

produtos fabricados no lugar e arredores. Relações de sociabilidade que se

58ANTT – Desembargo do Paço - repartição da Corte, Estremadura e Ilhas. Maço nº 304, doc. 4, fls.

6-8. Cf. Anexo VI. 59 Provisão de D. Maria I de 5 de Junho de 1780. O pedido foi feito pelo Juiz e oficiais da Irmandade

de S. Pedro e Santíssimo Sacramento (ANTT – Registo Geral de Mercês de D, Maria I. Liv. 9, fl.

1899). Cf. Anexo VII. 60Termo de conferência do Acórdão da Junta Grande das mesas que serviram ao apóstolo S. Pedro e

Santíssimo Sacramento, datado de 2 de Agosto de 1818, deliberando para a mudança de dois dias da

feira da Páscoa para os dias 29 e 30 de Junho. O termo de 2 de Agosto de 1818 estava registado na

folha 16 do dito livro (ANTT – Desembargo do Paço - repartição da Corte, Estremadura e Ilhas. Maço

nº 204, doc. 4, fl. 12). O escrivão, proprietário encartado dos ofícios do Juízo da Correição do Cível do termo da cidade de Lisboa, refere que os mesários apresentaram um livro «encadernado em

Pergaminho», em cujo título se lê: «Neste livro somente nele se há - de escrever os Acórdãos que as

Mesas que servirem ao Apostolo São Pedro, Santíssimo Sacramento deste Lugar de Caneças fizerem

juntos com a definição, e o que por eles for acordado, ficará tendo força de Lei que senão pode

revogar por outra Junta Grande na forma que dispõem o nosso compromisso. Ano de mil sete centos e

sessenta e três.» (ANTT – Desembargo do Paço - repartição da Corte, Estremadura e Ilhas. Maço nº

304, doc. 4, fl. 12). Cf. Anexo VIII. 61 A petição foi atendida, concedendo D. João VI esta mercê por provisão de 28 de Novembro de 1818

(ANTT – Chancelaria D. João VI – Comuns. Liv. 22, fls. 372 verso e 373). Cf. Anexo IX.

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mantiveram até à implantação da República, pois a Irmandade interveio na sociedade

como reguladora das relações sociais e também como mecanismo de poder, por

exemplo junto da autoridade real para a obtenção das mercês e também do poder

diocesano para a criação da paróquia de Caneças.

A implantação da República, como aconteceu na paróquia de Loures e

noutras paróquias do concelho, condicionou o papel da Irmandade porque esta não se

constituiu como cultual ao abrigo do artigo 17º da Lei da Separação, registando-se

inúmeras informações contraditórias.

Perante o facto do encerramento da capela, da expropriação dos bens

imobiliários da Irmandade62

, cujas rendas passaram a ser administradas pelo Estado,

e a ausência da aprovação dos estatutos da Irmandade do Santíssimo Sacramento

pelo Governo Civil de Lisboa63

, ao abrigo da Lei da Separação do Estado das

Igrejas64

, os mesários e confrades da Irmandade do Santíssimo da Sacramento

apelam ao Ministro da Justiça.

Na petição65

de Janeiro de 1913, os confrades referem a sua surpresa pelo

arrendamento de propriedades da Irmandade «única entidade legítima para

administrar os bens da corporação […]»66

, pela proibição do culto na capela e

inexistência de aprovação dos estatutos harmonizados de acordo com a lei, pelo que

pedem a intervenção do Ministro.

Dos bens arrolados e transferidos para o Ministério das Finanças constavam:

o edifício da capela, cinco domínios diretos de foros em Caneças, Vale de Nogueira e

Odivelas, e as propriedades da Quinta das Lages, em Caneças, e da Fonte da

62 O arrolamento bens da Irmandade do SSº Sacramento e da capela de São Pedro foi realizado em 17

de Junho de 1911 (ACMF – CJBC/LIS/LOU/ARROL/006). Cf. Anexo XIV. 63 A questão envolvendo a aprovação do projeto de estatutos em que a Irmandade do Santíssimo

Sacramento reafirma o seu envio às autoridades competentes em Junho de 1912, juntamente com a

declaração ao abrigo da portaria de 18 de Novembro de 1911, constituiu o cerne do problema, porque

o fundamento da extinção da Irmandade e consequente encerramento da capela foi a alegação das

autoridades competentes de que a corporação não tinha apresentado o referido compromisso em

harmonia com ao decreto de 20 de Abril de 1911. Mas, como veremos no capítulo seguinte, o Governo Civil, em ofício 17 de Fevereiro de 1916, confirma a recepção do projeto de estatutos em

Setembro de 1912 e da dita declaração. 64 Decreto de 20 de Abril de 1911. D.G. nº 92 (21 de Abril de 1911). 65Petição dos mesários e confrades da Irmandade do Santíssimo Sacramento de Caneças ao Ministro

da Justiça Álvaro de Castro (Governo democrático), datada de 27 de Janeiro de 1913 (ACMF –

CJBC/LIS/LOU/CEDEN/001 - Processo 8530, L. 12, fl. 109). A expropriação de bens, já referida no

início do presente capítulo, foi sentida com injustiça pelos confrades e irmãos subscritores do

requerimento. Cf. Anexo XXIV. 66Idem.

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Verdelha, em Loures67

. Estas duas últimas propriedades foram legadas à Irmandade

do Santíssimo Sacramento em testamento, por José Maria Lourenço Júnior68

. A

Irmandade ainda reclamou junto do Administrador do Concelho o direito de receber

as rendas de algumas das propriedades entregues à sua administração, mas sem surtir

o resultado esperado69

. A propriedade da Quinta das Lages70

, deixada em testamento

à Irmandade, foi inicialmente arrendada e, posteriormente, vendida por arrematação

em 6 de Março de 191471

.

Os procedimentos tomados pela Irmandade em exercício não tiveram o

acolhimento esperado, face às posições assumidas pela administração do Concelho72

.

O seu propósito era o encerramento da capela ao culto (encerrada no final de

Dezembro de 1912) e a dissolução da Irmandade (despacho do Governador Civil de

5 de Setembro de 1913). O Administrador do Concelho emitiu pareceres, reveladores

de falta de imparcialidade pela natureza das alegações produzidas.

A publicação do decreto da Separação, ao qual acresce o anúncio de novas

medidas legislativas pelo poder político, influenciou o ambiente religioso e

eclesiástico vivido em Caneças. A informação da administração do Concelho de que

a Irmandade não procedera à reformulação do compromisso73

, a aprovação do

67 Freguesia de Loures. 68 Testamento de José Maria Lourenço Junior, de 27 de Abril de 1903 (ACMF – DGCI-LIS-LIS 3-IS -

02786, 4 fls.). Cf. Anexo XI. 69Quatro de Outubro, semanário do concelho de Loures, publicou o seu nº1 em Abril de 1912. Jornal

republicano de apoio às medidas políticas do regime, assumiu críticas radicais contra a religião

católica e o clero, nomeadamente os jesuítas. Este jornal manteve a publicação até 1938. Segundo

notícia do Quatro de Outubro, o Administrador do Concelho recebeu os mesários da Irmandade, que

lhe explicaram como tinha sido realizado o arrendamento da Quinta das Lages e doutras casas. O Administrador concluiu que as ditas propriedades só seriam arrematadas, terminado o ano de contrato.

In Quatro de Outubro. Lisboa. Nº 21 (19 de Novembro de 1911) 1. A notícia do ofício, remetido pela

Irmandade ao Administrador do Concelho, foi divulgada em O Cinco de Outubro. Com ironia refere a

ignorância da lei da Separação e que o dito ofício teria sido, certamente, redigido pelo padre da capela.

In O Cinco de Outubro. Lisboa. Nº 30 (21 de Janeiro de 1912) 2. 70 Segundo queixa apresentada pela Comissão Paroquial Republicana de Loures e Junta da Paróquia

de Loures à Comissão Central de Execução da lei da Separação, em 4 de Março de 1916, as rendas do

aluguer da Quinta das Lages não contavam no cofre da Tesouraria da Fazenda Pública, desde os anos

anteriores a 1914 (ACMF – CJBC/LIS/LOU/ADMIN/030). 71Cópia do ofício da Comissão Concelhia de Administração dos Bens Eclesiásticos de Loures ao

Administrador do Concelho, de 24 de Outubro de 1914. O ofício refere ainda os domínios diretos que eram administrados pela Irmandade (AGCL – Confraria do Santíssimo Sacramento de Caneças.

Processo nº 1353, cx 51, cópia nº 15). Cf. Anexo XLV. 72 Na proposta de extinção da Irmandade, o Administrador do Concelho dá pareceres relativos à

Irmandade de S. Pedro e à Irmandade do Santíssimo Sacramento, negligenciando que as duas se

tinham associado (ACMF – CJBC/LIS/LOU/ADMIN/028 - Processo 2101, cópias dos pareceres,

números 2 e 3, remetidas pelo Governo Civil à Comissão Central de Execução da Lei da Separação,

fls. 7 e 8). Cf. Anexos XXIX e XXX. 73 Informação que não é corroborada pela documentação oficial. Em 31 de Agosto de 1912, o

Administrador do Concelho António Sá Nogueira, remeteu ao Governo Civil de Lisboa: a ata de 10 de

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orçamento do ano económico 1911-1912 pelo Governo Civil de Lisboa74

, o

arrolamento de bens e posterior expropriação face à dissolução75

da Irmandade, o

encerramento da capela76

foram as razões da insistência da Irmandade e moradores

de Caneças e pároco de Loures para a restauração da Irmandade e do culto público na

capela de S. Pedro.

1.2- O LUGAR E AS GENTES DE CANEÇAS

Caneças é um povoado antigo, cuja presença humana pode ser comprovada

desde o tempo da Pré-História através dos vestígios arqueológicos, como a anta das

Pedras Grandes. Foi aldeia da «província da Estremadura, Patriarcado e Termo da

cidade de Lisboa77

», integrada na freguesia de N. Sr.ª da Assunção de Loures.

As condições naturais do lugar favoreceram a prática da atividade agrícola,

com destaque para o cultivo de legumes, cereais e árvores de fruto de boa

qualidade78

, a par da pastorícia. Oliveira Marques refere em Introdução à história da

agricultura em Portugal que as herdades de Caneças abasteciam de pão de trigo e

cevada o Mosteiro de Santo Elói, em Lisboa79

.

Dezembro de 1911 em que os confrades deliberaram reformar os estatutos ao abrigo do art. 38º da Lei

da Separação; a declaração de 10 de Dezembro de 1911; a ata da Irmandade do Santíssimo

Sacramento em que os irmãos, em reunião magna, tinham aprovado os estatutos, em 25 de Junho de

1912; o projeto de estatutos aprovado em assembleia de 1 de Junho de 1912 (AGCL - Processo nº

1353, cx 51). O Governador Civil de Lisboa em carta à Comissão Central de Execução da Lei da

Separação, em 17 de Fevereiro de 1916, confirma a recepção do projeto de estatutos em Setembro de

1912, da declaração ao abrigo da portaria de 18 de Novembro de 1911, e das petições de 27 de Janeiro

e de Abril de 1913, esta contém 300 subscritores (cf. Anexo XXVI) para a restauração do culto da

capela (ACMF – CJBC/LIS/LOU/ADMIN/028 - Processo 2101, L. 9, fl. 22, ofício fls. 4-5). 74 Ofício do Governo Civil de Lisboa de 13 de Fevereiro de 1912 (AML – Administração do Concelho

de Loures. Ofício do Governo Civil de Lisboa de 13 de Fevereiro de 1912). 75Despacho de 5 de Setembro de 1913 do Governador Civil de Lisboa (ACMF –

CJBC/LIS/LOU/ADMIN/028). Cf. Anexo XXXI. Outro Governador Civil deu continuidade ao

processo de aprovação dos estatutos da Irmandade, remetidos em Setembro de 1912, considerando

que o despacho de extinção da Irmandade não fora cumprido e também que o mesmo não devia ter

sido cumprido, porque a Irmandade apresentou o referido projeto no tempo legal, que os irmãos não

foram intimados para legalizar a situação da Irmandade e não se tinha provado que a Irmandade

estivesse abandonada (ACMF – CJBC/LIS/LOU/ADMIN/028 - Processo 2101. Despacho de 9 de

Abril de 1915, cópia nº 5, fl.10). Cf. Anexo XLVIII. 76Inicialmente, encerrada pela administração do Concelho e, formalmente, com a cedência do edifício

religioso à Câmara Municipal de Loures para aí instalar uma escola. Decreto nº 1648/1915. D.G. I

série. 113 (15 de Junho de 1915). Cf. XLIX. 77 ANTT – Pe. Luís Cardoso - Dicionário Geográfico ou Notícia História. Lisboa: Oficina Sylviana e

Academia Real (1747-1751), Tomo II, fl. 413. 78 ANTT – Memórias paroquiais: dicionário geográfico. Vol. XXI, 12 de Maio de 1758, p. 1250-

1251. 79 Oliveira Marques – Introdução à história da agricultura em Portugal. Lisboa: Cosmos, 1978, p.

76-77.

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Além dos produtos agrícolas, chegavam à capital do reino também o leite, os

queijos e pão. O trabalho agrícola e a pastorícia caracterizaram a forma de

sobrevivência da população até meados do século XX, aos quais se associaram as

trocas comerciais e atividades artesanais relacionadas com as principais actividades

económicas, a venda de água de Caneças em Lisboa e arredores e o laborioso

trabalho das lavadeiras80

.

Cedo o lugar de Caneças passou a ser procurado para a cura de maleitas,

levando a burguesia de Lisboa a celebrar contratos de aforamento com o Senado da

Câmara de Lisboa, como informam documentos datados do século XVIII.

Caneças, sem perder o seu carácter de espaço rural, pela proximidade com

Lisboa, pese o facto das más redes viárias e de transporte, tinha com a capital uma

relação privilegiada, pois ambas dependiam entre si para a sobrevivência.

Em meados do século XIX, começam a surgir casas particulares arrendadas

na época de veraneio e, simultaneamente, os primeiros hotéis, face à procura de

pessoas oriundas da capital que, atraídas pelas qualidades do ar, procuravam aqui o

simples repouso, ou então, a cura para algumas doenças, designadamente, a

tuberculose81

.

Associada às magníficas condições propiciadas pelo ar, também a água

tornou Caneças um lugar conhecido, pelas qualidades terapêuticas da água que

brotava das suas inúmeras nascentes, permitindo o desenvolvimento do comércio da

água, sem menosprezarem o trabalho da terra. Remonta ao século XVIII a construção

de vários aquedutos82

, em Caneças, que integram o Aqueduto das Águas Livres.

80 A atividade das lavadeiras é referenciada em documentos do século XVIII, sendo este também um

elemento de proximidade entre Lisboa e Caneças, com referência à produção do linho (ANTT –

Desembargo do Paço - repartição da Corte, Estremadura e Ilhas. Maço nº 228). 81 Na esperança de cura para o filho, os pais do poeta Cesário Verde alugaram casa em Caneças:

«A minha nova pequena casa […] Não fica na Caneças oficial e consagrada, dos Hintzes e dos hotéis;

fica longe, do outro lado das ribeiras e dos pomares, no sítio a que chamam O Lugar d’ Além». Carta

de Cesário Verde ao conde de Monsaraz, de 16 de Junho de 1886, in O livro de Cesário Verde e poesias dispersas. 3ª ed. Mem Martins: Publicações Europa – América, s.d. p. 225-226. Também

Ernesto Hintze Ribeiro veraneava em Caneças, e aqui teria concebido o «plano de Caneças» sobre o

lançamento de impostos ao país (pautas aduaneiras), em 1886. In Diário da Câmara dos Deputados

(apêndice à sessão de 8 de Agosto de 1890) nº 65. Sessão 28, sessão legislativa 1, nº 65 S (8 de

Agosto de 1890), p. 1. As aprazíveis condições levaram, ainda nesses tempos, à organização de

carreiras especiais ao fim de semana entre a Capital e Caneças, para que os forasteiros acorressem aos

pinhais para o convívio familiar. 82Aquedutos do Olival do Santíssimo, Poço da Bomba, Vale da Moura e do Carvalheiro, percorrem a

parte norte da atual freguesia.

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As características naturais de Caneças fomentaram, desde o século XVIII83

e,

nomeadamente, no século XIX, a vinda da burguesia lisboeta que, em alguns casos,

chegou a adquirir propriedades e a fixar aqui residência.

Em Caneças viveram ou veranearam escritores, músicos, militares, artistas,

famílias burguesas com ligações a políticos da época, com experiências de vida

diferentes, que contribuíram, por certo, na divulgação da cultura, das tradicionais e

novas posições políticas e realização de melhoramentos na localidade através de

ações de beneficência84

.

Por outro lado, o produtor agrícola era, simultaneamente, o intermediário na

troca de produtos, convivendo fora do seu meio natural com os ambientes de Lisboa

e de outros lugares dos arredores.

Ao observarmos estas redes sociais de influência, podemos constatar que

conviviam em Caneças, no período de transição do final da Monarquia

Constitucional para a República, por ventura apoiantes de fações políticas

antagónicas, monárquicos e republicanos.

Caneças pertencia, civil e religiosamente, à paróquia de Loures85

, pelo que os

episódios de intolerância vividos na paróquia, após o 5 de Outubro de 1910, quanto à

expressão do sentimento religioso e respetivas vivências, foram sentidos na Igreja

Matriz e demais capelas, sob a sua autoridade. Setores da população manifestaram

também apoio ao novo regime. A subcomissão republicana de Caneças homenageou

o primeiro Presidente da República, propondo à Comissão Administrativa do

Concelho de Loures, a atribuição do seu nome ao largo principal de Caneças:

83Contrato de enfiteuta celebrado entre o Senado de Lisboa e o mestre pasteleiro de Lisboa Manuel da

Maia, no séc. XVIII, que construiu casa em Caneças para que um genro beneficiasse da qualidade

salutar do ar (ANTT – Desembargo do Paço - repartição da Corte, Estremadura e Ilhas. Maço nº 228). 84 Como José Maria Lourenço Junior e sua esposa, proprietários da Quinta das Lages, residentes em

Lisboa onde eram proprietários de uma oficina de Caldeireiro. O casal contribuiu para o

embelezamento de um largo e a esposa seria a maestrina da filarmónica Avante Canecense. José

Lourenço apresentou à Câmara Municipal dos Olivais uma petição, para à sua custa, arborizar e fechar

um espaço de 19 m2 no largo do Lugar de Caneças (Largo Vieira Caldas), para construir um coreto

para a «sociedade Avante Filarmónica Canecense». Pretendia divertir «os moradores e residentes». A

petição foi deliberada, em sessão de Câmara de 10 de Novembro de 1881 (AML – Câmara Municipal

dos Olivais, doc. 17). Segundo a tradição oral, a música foi expressão, em parte, de posições políticas divergentes, entre a Real Fanfarra de Caneças (apoiante da monarquia) e a Avante Canecense

(apoiante das ideias republicanas). Bordalo Pinheiro numa das suas litografias humorísticas,

ridicularizando estas últimas, publicada em O António Maria (3 de Janeiro de 1884) uma intitulada

«A Árvore da Liberdade». 85 Administrativamente, Caneças pertenceu à freguesia de Loures e esta, por sua vez, ao termo de

Lisboa até à criação do concelho dos Olivais em 11 de Setembro de 1852. Em 22 de Julho de 1886,

foi aprovada a extinção do concelho dos Olivais e criado o concelho de Loures (decreto publicado em

27 de Agosto de 1886), passando a freguesia de Loures, a que pertencia Caneças, a fazer parte do

concelho de Loures, condição em que se encontrava em 5 de Outubro de 1910.

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«[…] Excelência, permita-nos a sua alma bondosa e sonhadora de poeta

delicado, que nós habitantes desta simples plebe saloia possamos assim

perpetuar na memória de nossos filhos o nome glorioso do primeiro

presidente da República Portuguesa […] »86

.

Em relação à vida inicial da nova filarmónica, o confronto político entre

republicanos também foi aceso, face a uma carta anónima publicada no Quatro de

Outubro87

. O autor da missiva denunciou a existência de «um grande quadro com o

retrato de todos os reis de Portugal»88

, na sede, pelo que a nova filarmónica devia

continuar a chamar-se Real fanfarra de Caneças. Em resposta, a Direção afirmou que

«apenas teve em vista efetivar um dos melhoramentos há muito reclamados pelo

povo de Caneças, varrendo do seu seio, sistemática e energicamente, todos aqueles

que dela se aproximarem com intuitos políticos […]»89

.

Estas considerações demonstram que não se pretendia associar as questões

políticas à dinâmica cultural da povoação, nem tão pouco prejudicar os interesses

favoráveis ao bem-estar da população90

, ainda que a maioria dos elementos da

direção da filarmónica pertencessem ao Partido Republicano Português.

86Homenagem ao sr. Presidente da República. Quatro de Outubro. Lisboa. Nº 7 (19 de Maio de 1912)

1. Carta enviada em 8 de Maio de 1912 ao Dr. Manuel de Arriaga. Domingos Afonso Fernandes

(subscreveu a petição de 30 de Agosto de 1914 para o reconhecimento legal da Irmandade e abertura

da capela ao culto); António Maria Leal (Farmacêutico em Caneças, com estabelecimento no Largo

Vieira Caldas, exerceu os cargo de regedor e Presidente da Junta de Freguesia de Caneças, em 1918),

Luis Rodrigues Simões (?). 87Filarmónica de Caneças. Quatro de Outubro. Lisboa. Nº 50 (30 de Março de 1913) 1. 88Filarmónica de Caneças. Quatro de Outubro. Lisboa. Nº 51 (6 de Abril de 1913) 1-2. 89Filarmónica de Caneças. Quatro de Outubro. Lisboa. Nº 51 (6 de Abril de 1913) 1. A carta anónima foi refutada sob a forma de protesto, resultado da reunião magna de associados. A Direção assumia ser

republicana e justificou a presença do quadro real, que já existia na Sociedade há oito anos, sem os

retratos dos reis D. Carlos e D. Manuel II, por serem considerados «as duas mais odiosas figuras dos

últimos tempos». Realçaram a presença do filho do fundador da antiga fanfarra, o músico Augusto

Castro. A Direcção deliberou ainda registar no livro de atas uma moção, assinada pelo sócio nº 119,

António Duarte Silva, da qual transcrevemos o excerto: «Considerando que a Sociedade Musical de

Caneças, no uso legítimo de um direito que ninguém bem-intencionado lhe pode contestar, se permite

o luxo de, dentro das salas da sua sede, ter, como ornamento, os quadros que muito bem entenda,

inclusive o de 32 cabeças coroadas […] se reserva o direito de convidar de, para as suas festas íntimas,

convidar só aqueles que o seu modo de sentir lhes apontar». In Quatro de Outubro. Lisboa. Nº 51 (6

de Abril de 1913) 1. 90Destacamos o pormenor curioso de A Portuguesa ser tocada, apenas, em atos oficiais ou festas

nacionais, como Dia da Árvore. Segundo a Direção da filarmónica dava «[…] mau resultado o

tocar-se a Portuguesa [...] ». A maneira do hino ser respeitado seria a sua execução nos momentos

oficialmente considerados, tal como o ministério da Guerra determinara. In Filarmonica de Caneças.

Quatro de Outubro. Lisboa. Nº 51 (6 de Abril de 1913) 1. Prova de instabilidade social causada pelo

toque do hino nacional, em Caneças deu-se um episódio que envolveu um cidadão que não tirou o

chapéu enquanto A Portuguesa era tocada pela filarmónica, em festejos do dia 8 de Agosto de 1912. O

cidadão teve de apresentar queixa contra o cabo de polícia por agressão. O queixoso lamentou ainda a

recusa do referido cabo em prestar-lhe auxílio após as agressões, tendo recebido curativo do médico

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Em Caneças, o ambiente religioso caracterizava-se pelas práticas religiosas

tradicionais. A manutenção do culto de acordo com o calendário litúrgico, o

acompanhamento de funerais de irmãos e não irmãos, as celebrações festivas em

honra se São Pedro e de Nossa Senhora do Rosário. Momentos em que se realizavam

as procissões com o esplendor próprio de uma comunidade rural, em que as bandas

de música e os foguetes anunciavam e abrilhantavam os solenes festejos91

.

Realizações que estavam a cargo da Irmandade do Santíssimo Sacramento, a

quem cabia a organização das contas (mapas de despesas e receitas e elaboração dos

orçamentos), conservação dos bens imóveis e da capela e dos bens imobiliários92

.

Sendo Caneças dependente de Loures administrativa e religiosamente, o

ambiente eclesiástico-religioso foi também influenciado e determinado pela relação

entre o padre capelão da capela de S. Pedro de Caneças, João Ramos do Rosário, o

pároco de Loures Joaquim José Pombo e a Junta de Paróquia e Administração do

Concelho de Loures.

Além da abordagem ao relacionamento entre a Irmandade do Santíssimo

Sacramento e órgãos político-administrativos, temos de considerar o relacionamento

entre a Irmandade, o padre capelão da capela e o pároco de Loures, durante o período

de transição política, do final da monarquia constitucional até à implantação da

República. Constata-se que a relação entre a irmandade, o padre capelão e o pároco

de Loures não indicia problemas de convivência ou de oposição à autoridade e

hierarquia eclesiásticas, durante a fase final da monarquia constitucional93

e os

primórdios da República. Todos vão ser interventivos na defesa da liberdade

religiosa.

A situação de estabilidade social altera-se com a publicação da Lei da

Separação do Estado das Igrejas, principalmente, pelo ambiente anticlerical e

antirreligioso vivido em Loures e que se refletiu em Caneças. Anticlericalismo

da povoação (AML – Administração do Concelho de Loures - Correspondência recebida, ano de

1912). 91 A H PL – Livro de contas da Irmandade de São Pedro de Caneças (1902 a 1912). U.I. 1930. 92 Idem. 93 Embora da documentação consultada, conste um conflito com o padre capelão João Francisco

Rodrigues, em 1804. Os mesários da Irmandade consideraram que o padre não cumpria as suas

obrigações, pelo que exigiam a entrega da chave da casa onde residia para ser entregue a outro padre.

A defesa do padre alegava que o despedimento do padre era injusto e se devia à recusa do mesmo em

deslocar-se a pé de Loures e a outras partes distantes, porque no seu contrato tinha ficado registado

que a Irmandade lhe «aprontaria besta» (ANTT – Governo Civil de Lisboa: Mesários da Irmandade

Santíssimo Sacramento de S. Pedro de Caneças. Cx. J, doc. 1006.)

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manifestado em relação ao padre João Ramos de Rosário, em Caneças, e ao pároco

de Loures Joaquim José Pombo.

O teor dos documentos de protesto apresentados, em nome da Irmandade e

dos habitantes de Caneças e do padre capelão João Ramos do Rosário, encaravam a

determinação em encerrar a capela ao culto e o reconhecimento da ilegalidade da

Irmandade como resultado da ação do Administrador do Concelho João Raymundo

Alves.

Além das informações contraditórias sobre o envio do projeto de estatutos a

reformar e a eleição dos corpos gerentes da Irmandade do Santíssimo Sacramento,

em torno dos quais se baseou a discussão para a dissolução da Irmandade em virtude

da constituição da associação cultual não se ter verificado, afere-se também a

manifestação de atitudes radicais de intolerância religiosa. Estes comportamentos

repercutiram-se em ameaças ao padre João Ramos do Rosário, que o levaram a

apresentar queixa ao Administrador do Concelho e ao Governador Civil de Lisboa,

em 16 de Dezembro de 191294

.

Na descrição das ocorrências, o padre João Ramos do Rosário denunciou que

tinha sido ameaçado por alguns indivíduos que não queriam nenhum padre no

Concelho; por outro lado manifestou a sua preocupação pela notícia que corria em

Caneças, sobre o encerramento da capela, apesar de a Irmandade ter os estatutos

reformados em harmonia com a Lei e, somente, aguardar a sua aprovação do

Governo Civil. Na situação descrita, o padre João Ramos do Rosário acusa: «Todo

este jogo parte do cidadão Raimundo Alves»95

, o Administrador do Concelho.

Perante o requerimento do padre João Ramos do Rosário, a secretaria-geral

do Governo Civil de Lisboa solicitou ao Administrador do Concelho de Loures que

se tomassem as medidas legais convenientes e se informasse o Governo Civil das

mesmas96

.

O sentimento anticlerical e antirreligioso sentido em Caneças teve expressão

na imprensa escrita concelhia, nos periódicos O Cinco de Outubro e Quatro de

94Queixa apresentada ao Governador Civil de Lisboa, de 16 de Dezembro de 1912 (AML –

Administração do Concelho de Loures - Correspondência recebida, ano de 1912). Cf. Anexo XXIII. 95Idem. 96No entanto, a resposta da Administração do Concelho à solicitação não foi possível comprovar na

documentação consultada. Em 16 de Dezembro de 1912, o Administrador do Concelho era José Maria

da Silveira Mesquita, nomeado em 13 de Novembro de 1912, em substituição de António Francisco P.

Sá de Nogueira, nomeado em 31 de Julho de 1912. João Raymundo Alves tinha sido exonerado do

cargo em 25 de Julho de 1912, por problemas relacionados com abusos cometidos contra párocos do

concelho de Loures, porém foi renomeado em Janeiro de 1913 para exercer o mesmo cargo.

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Outubro. No suplemento de 24 de Novembro de 1912 do Quatro de Outubro,

podemos ler:

«[…] enquanto não se der cumprimento cabal à lei da separação sobre a

capela de Caneças, onde faz prédicas um bem conhecido padre reacionário,

nós não largaremos de mão a resolução que se impõe, de se fechar aquela

casa.

Se Raimundo Alves não tem força necessária para fazer cumprir a lei,

declare-o para que nós perante a comissão central reclamemos contra mais

esta afronta, evitando também um susto ao padre, como aquele que apanhou

quando alguns bons republicanos lhe foram fazer uma visita […]»97

.

No mesmo jornal, acusavam o padre capelão João Ramos do Rosário de

reacionário já que, por ocasião da morte do rei D. Carlos, pretendeu «levantar as

populações destes sítios»98

. Ironizam também contra o Administrador do Concelho,

José Maria da Silveira Mesquita, chamando-lhe «general inválido»99

, cuja presença

constituía uma provocação aos «republicanos e liberais do concelho». Expressões

usadas nos artigos do jornal Quatro de Outubro, para manifestar o descontentamento

da nomeação do novo Administrador para a qual os órgãos concelhios não foram

consultados. A nomeação de Silveira Mesquita resultou do afastamento de João

Raymundo Alves pelos abusos cometidos contra os párocos de Fanhões, Loures e

Bucelas. Os autores dos referidos artigos consideravam uma ingerência do poder

central (Ministério do Interior e Governo Civil de Lisboa) nos assuntos do Concelho,

tanto mais consideraram que a situação fora motivada pela intriga. Raymundo Alves

salvara os padres «das iras populares e poupando-os tanto quanto foi possível, às

mãos deles ia morrendo.»100

A determinação da administração do Concelho, apoiada por alguns

republicanos que, nos jornais101

, concelhios expressavam posições anticlericais,

antirreligiosas e anticatólicas, em dissolver a Irmandade e encerrar a capela ao culto,

foi motivo de contestação de fiéis católicos, confrades, padre capelão, pároco de

Loures, e moradores de Caneças, a partir de 1912. Posições antagónicas que se foram

97Quatro de Outubro. Lisboa. Nº 33 (24 de Novembro de 1912) 2. Nesta data, João Raymundo Alves não era o Administrador do Concelho. José Maria Mesquita Silveira ocupava o cargo de

Administrador. 98Quatro de Outubro. Lisboa. Nº 17 (7 de Agosto de 1912) 1. 99Quatro de Outubro. Lisboa. Nº 33 (24 de Novembro de 1912) p.1 verso. Consideraram que a

nomeação do General (13 de Novembro de 1912) era uma afronta por não terem sido consultados os

republicanos de Loures. Chamavam ao general inválido por estar reformado. Chegou mesmo a ser

utilizada a força para manter a ordem em Loures, por desacatos provocados pela nomeação. 100Idem. 101 Cf. Anexo XXXII.

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observando, malgrado as contradições entre os fundamentos e os documentos

estudados.

Sobre a polémica do encerramento dos espaços de culto, constata-se que num

ofício-circular datado de 30 de Abril de 1913, expedido pela Secretaria do Ministério

do Interior para o Governo Civil e arquivado na correspondência da administração do

Concelho, se alertava para o fecho precipitado das igrejas por algumas Juntas de

Paróquia. Das igrejas só deviam passar para a posse do Estado, as paroquiais, quando

existisse interesse social, caso não se tivessem constituído cultuais. Ao Ministério da

Justiça cabia o encerramento definitivo das igrejas paroquiais102

.

Todavia, Caneças não era paróquia civil nem religiosa, mas o despacho

superior determinou o encerramento da capela, publicado em 15 de Junho de 1915,

no Diário do Governo, sob proposta do Ministro da Justiça e dos Cultos. A capela de

S. Pedro devia ser transformada em escola, de acordo com o parecer da Câmara

Municipal de Loures.

É nesta disputa que se vão nortear as vivências religiosas em Caneças, a

piedade do povo, a liberdade de consciência dos cidadãos para a prática da sua

religião, e da própria instituição Igreja, para que fosse permitida a continuidade do

culto e reconhecida a legalidade da Irmandade do Santíssimo Sacramento, na capela

de São Pedro de Caneças.

Em defesa da religião e da sua prática, neste caso a católica, foram realizadas

várias petições em nome da Irmandade e dos moradores de Caneças em 1913 e 1914

e, simultaneamente, cidadãos ligados à Irmandade vão surgir na vida política da

localidade.

102 AML – Administração do Concelho de Loures - Correspondência recebida, ano de 1913.

Ofício-circular de 30 de Abril de 1913.

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1.3-A PARÓQUIA DE LOURES E AS IRMANDADES EM 1910 NO

CONTEXTO DO CONCELHO DE LOURES

Por ocasião da implantação da República, existiam quinze103

Juntas de

Paróquia, no concelho de Loures: Santa Maria de Loures104

, São Saturnino de

Fanhões, Nossa Senhora da Purificação de Bucelas, Santíssimo Nome de Jesus de

Odivelas, São Tiago de Camarate, Senhora da Purificação de Sacavém, São Julião do

Tojal, Santo Antão do Tojal, São João da Talha, Santa Iria d’Azóia, Póvoa de Santo

Adrião, São Pedro de Lousa, São Julião de Frielas, São Silvestre de Unhos e Nossa

Senhora da Encarnação da Apelação. Em cada paróquia estavam eretas Irmandades

ou Confrarias, considerando as igrejas, ermidas e capelas, sob a autoridade eclesial

paroquial respectiva.

O ambiente religioso e as vivências religiosas, após a implantação da

República, começam a ser afetados com o processo de arrolamento dos edifícios de

culto, bens imobiliários e objetos, realizado em Junho de 1911 na freguesia de

Loures.

As capelas, sob a dependência da Igreja Paroquial de Loures eram: capela de

São Pedro de Caneças; capela de Santa Ana105

, em Loures; capela de Nossa Senhora

103 Esteves Pereira; Guilherme Rodrigues – Loures. In Portugal: dicionário histórico, corográfico,

biográfico, bibliográfico, numismático e artístico. Vol. 4. Lisboa: João Romano Torres, 1909, p. 543-

544. Mapa do concelho de Loures adaptado. In Loures tradição e mudança I centenário da formação

do concelho (1886-1986). Loures: Câmara Municipal de Loures, 1986, vol. 1, p. 33-44. O mapa

contém imagens das ermidas e Matriz da paróquia de Loures (cf. Anexo XXVII). 104 Os achados arqueológicos em Loures remontam o povoamento desta região ao Paleolítico. Joaquim

José Mendes Leal refere o povoamento de Loures desde os romanos, a edificação da Igreja situa entre

1190 e 1220 e a visitação do bispo de Lisboa D. Ayres Vasques à Igreja que elevou a matriz, em 1250

(In Mendes Leal – Admirável igreja matriz de Loures, p. 99). A fundação da povoação e o seu

fundador são desconhecidos, mas no século XII, o nome da povoação de Loures surge numa das

visitações realizadas pelo bispo da diocese de Lisboa D. Aires Vasques. A povoação foi comenda da

Ordem de Cristo e, possivelmente, pertenceria aos Templários. Foi vigairaria da apresentação da

mitra, «tendo passado a reitoria.» Loures pertenceu ao termo de Lisboa e passou a fazer parte do

concelho dos Olivais com a sua criação em 11 de Setembro de 1832. Em 27 de Julho de 1886, a

freguesia de Loures integrou o concelho de Loures. O orago de Loures é Santa Maria. (Loures, in

Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira. Lisboa: Editorial Enciclopédia, Limitada, s.d., vol. 15, p. 506-507). A religiosidade na freguesia de Loures era significativa, tendo em conta as ermidas

públicas e privadas existentes, sob a dependência da Igreja Paroquial de Loures, e as manifestações de

piedade popular, como as romarias e as procissões, pelo menos até ao Liberalismo. Cf. Joaquim

Mendes Leal – Admirável igreja matriz de Loures, 1909. 105 A capela de Santa Ana foi cedida à C. M. L. para a construção de um hospital ou de uma escola

(Decreto nº 5959. D.G. nº 138, I série (15 de Julho de 1919). Os móveis, utensílios e alfaias foram

vendidos em hasta pública em 19 de Maio de 1923 pela Segunda Comissão de Administração dos

Bens das Igrejas de Lisboa (ACMF/Arquivo/CJBC/Lis/LOU/ARROL/006, p. 49).

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da Saúde106

, em Montemor; capela de Santo Amaro107

(São Filipe) em A-dos-Cãos;

capela de Santa Petronila, na Murteira; ermida de Senhor Jesus dos Desamparados108

,

no Tojalinho109

; todas elas foram alvo do processo de arrolamento, encerramento dos

templos e, posteriormente, alguns dos seus bens110

foram vendidos em hasta pública.

Estes acontecimentos condicionaram e impediram a liberdade de culto, uma

vez que incluíam, além dos edifícios, os objetos de culto.

O advento da República alterou a organização religiosa nas paróquias do

concelho de Loures, após a publicação do decreto de 20 de Abril de 1911, em que se

106 A capela de N. Sr.ª da Saúde foi entregue à Fábrica da Igreja em 8 de Maio de 1944, pelo auto de

entrega, assim como uma oliveira no adro. Dois terrenos e uma morada de casas foram transferidos para o Ministério das Finanças em 14 de Março de 1917. Os móveis, utensílios e alfaias foram

vendidos em hasta pública em 2 de Agosto de 1924, na sede da 2ª Comissão de Lisboa. Quatro painéis

de milagres foram restaurados pelo Conselho de Arte e Arqueologia para o Museu Nacional de arte

Antiga. (ACMF/ Arquivo/CJBC/Lis/LOU/ARROL/006, p. 50-51). 107ANTT – Memórias paroquiais: dicionário geográfico. Vol. XXI, 12 de Maio de 1758, fl. 1255. Na

capela de S. Filipe, as imagens, os paramentos, as alfaias e os móveis foram vendidos em hasta

pública, em 6 de Dezembro de 1923, autorizada pela Comissão. O edifício da capela, uma parcela de

terra em redor do templo e sete oliveiras num terreno municipal foram devolvidos à Fábrica da Igreja

em 8 de Maio de 1944 pelo auto de entrega (ACMF/ Arquivo/CJBC/Lis/LOU/ARROL/006, p. 45-46).

As capelas de S. Filipe e de Stª Ana foram as únicas arrendadas na paróquia de Loures, segundo uma

relação de imóveis da Comissão de Inquérito a que se refere o Decreto de 21 de Janeiro de 1918, em

circular de 27 de Fevereiro de 1918 (ACMF/CJBC/LIS/LOU/ADMIN/089. Cx. 274, fls. 2-3). O jornal Quatro de Outubro publicitou um edital da Comissão Concelhia de Administração dos Bens

Eclesiásticos em que anunciava a arrematação, para arrendamento, da capela de Stº Amaro (S. Filipe),

ermida de «Santana», e ainda da ermida do Espírito Santo em Ponte de Lousa, capela de S. Roque

perto de Stº Antão do Tojal, capela de S. Sebastião em S. Julião do Tojal e da Quinta da Mitra, Palácio

dos Arcebispos, em Stº Antão do Tojal. In Quatro de Outubro. Nº 128 (11 de Novembro de 1914) 3.

Em 29 de Novembro foi comunicada a arrematação, para arrendamento, da ermida de S. Roque da

paróquia de Bucelas. In Quatro de Outubro. Lisboa. Nº 132 (11 de Novembro de 1914) 3. 108O edifício e pertences da Ermida do Senhor Jesus dos Desamparados foram entregues à Fábrica da

Igreja pelo auto de entrega de 8 de Maio de 1944 (ACMF/ ARQUIVO/CJBC/LIS/LOU/ARROL/006,

p. 52). 109ACMF/ Arquivo/CJBC/LIS/LOU/ARROL/006. Processo de arrolamento da Igreja Matriz e capelas sob a sua dependência da Paróquia de Loures, na presença do Administrador do Concelho, João

Raymundo Alves; do representante da Câmara Municipal, António Saraiva, e do funcionário da

repartição das Finanças de Loures, Valentim Augusto da Costa. Após um longo processo de pedido de

reabertura da capela de São Pedro de Caneças ao culto, com muitas contradições como se verá, a

incorporação do edifício da capela na fazenda nacional foi declarada sem efeito em 2 de Outubro de

1923. Dos bens arrolados, foram vendidos em hasta pública terrenos de cultivo e quintas. O edifício e

seus pertences foram entregues à Fábrica da Igreja pelo auto de entrega de 8 de Maio de 1944. Em de

28 de Julho de 1943, as casas que pertenciam à capela foram arroladas e, em 9 de Outubro de 1946, as

ditas casas foram entregue ao Benefício Paroquial. Com a República, numa das casas foi estabelecida

a primeira sede da freguesia de Caneças e também aí se realizaram os atos do registo civil (casa

situada na Rua 20 de Dezembro, em Caneças, junto ao antigo Largo do Pião, cf. Anexo LV). 110Na Igreja Matriz de Loures, «móveis, utensílios, paramentos e alfaias da antiga igreja de santa

Maria de Loures foram vendidos em hasta pública, efectuada em 19 de Maio de 1921 pela 2ª

Comissão de Administração dos Bens das Igrejas de Lisboa, processo nº 2956

(ACMF/Arquivo/CJBC/LIS/LOU/ARROL/006, p. 33). No mesmo processo de arrolamento, outros

bens foram arrematados em 7 de Fevereiro de 1924 (p. 3 verso). A cedência do passal, de uma morada

de casas e de uma courela de oliveiras à Câmara Municipal de Loures foi anulada para a instalação do

quartel da Guarda Republicana (D.G. nº 18, I série, 1 de Fevereiro de 1917). A Igreja matriz foi

entregue à Fábrica da Igreja com seus pertences, pelo auto de entrega de 8 de Maio de 1944 (ACMF/

Arquivo/CJBC/LIS/LOU/ARROL/006, p. 33-40).

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registou o encerramento das igrejas ao culto e apropriação dos respectivos bens:

Loures, incluindo a capela de Caneças, Lousa, Bucelas, Fanhões, Santo Antão e São

Julião do Tojal, Póvoa de Santo Adrião, Frielas, Odivelas111

. Algumas das

Irmandades destas paróquias harmonizaram os estatutos, ao abrigo do artigo 17º da

Lei da Separação, transformando-se em associações cultuais112

. Outras reformaram

os seus compromissos ao abrigo do artigo 38º da mesma lei113

.

As Irmandades que reformassem o seu compromisso ao abrigo do art. 17º

teriam de contribuir para as despesas de culto, desde que destinadas à assistência e

beneficência. Segundo o art. 32º, as corporações com o encargo de culto deviam

aplicar «um terço de quanto receberem para fins cultuais a atos de assistência e

beneficência»114

. Se a corporação fosse encarregue do sustento e habitação do

ministro da religião, aplicaria «a sexta parte»115

do que recebia em ações de

beneficência e assistência, conforme o art. 33º. Entendia-se que as Irmandades que

harmonizassem os seus estatutos ao abrigo do art. 38º diferiam das associações

cultuais criadas de acordo com os anteriores artigos. As corporações que

reformassem o seu compromisso segundo a disposição do art. 38º, além de

contribuírem para as despesas do culto, só podiam aplicar ao culto uma quantia que

não excedesse «a terça parte dos seus rendimentos totais e dois terços da quantia»

que tinham dispendido com o culto «em média, nos últimos cinco anos»116

. Para a

autoridade eclesiástica, as corporações que harmonizassem os estatutos ao abrigo dos

artigos 17º, 32º e 33º transformavam-se em associações cultuais, em que a

111 Lista do Governo Civil de Lisboa produzida entre 24 de Janeiro e 3 de Março de 1914 (ACMF/

ARQUIVO/CJBC/INVEN/016. Cx. 667). 112

Nas Igrejas de Apelação, Camarate e Sacavém, as respetivas Irmandades do Santíssimo Sacramento

constituíram-se em cultuais. Despacho da Direção Geral dos Eclesiásticos do Ministério da Justiça, de

25 de Novembro de 1912, publicado no D.G. nº 278 (26 Novembro 1912), aprovou «os estatutos da

associação cultual, denominada Instrução, Beneficência e Culto, com sede na freguesia de Camarate»

e da «associação cultual denominada Instrução, Beneficência e Culto, com sede na freguesia de

Sacavém». 113As Irmandades do SSº da Póvoa de Santo Adrião e de Bucelas chegaram a ser denominadas de

Comissão de Assistência e Beneficência, em 1913, e a Ordem Terceira de S. Francisco de Loures, em

1918. As Irmandades do Santíssimo de Odivelas e de Fanhões também tomaram conhecimento dos estatutos aprovados, respetivamente em 3 Setembro e 8 de Outubro de 1913 (AML – Administração

do Concelho, anos de 1913 e 1918). Embora os estatutos das Irmandades do SSº Sacramento de

Odivelas e de Fanhões tivessem sido aprovados, as igrejas foram encerradas. 114 Art. 32º - Lei da Separação de 20 de Abril de 1911, publicada no D.G. nº 92, de 21de Abril de

1911. 115 Art. 33º - Lei da Separação de 20 de Abril de 1911, publicada no D.G. nº 92, de 21de Abril de

1911. 116 Art. 38º - Lei da Separação de 20 de Abril de 1911, publicada no D.G. nº 92, de 21de Abril de

1911.

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organização e gestão do culto ficavam na dependência de leigos117

, assim como o

sustento do clero. O culto era exercido por associações de assistência e beneficência

e não por associações cultuais118

. As Irmandades eram aconselhadas a reformarem os

estatutos ao abrigo do art. 38º, para a manutenção da sua autonomia em relação ao

poder temporal e da sua dependência da autoridade eclesiástica.

Posições estremadas que, ao longo do tempo, influenciaram a vida religiosa, a

relação entre os poderes da Igreja e do Estado e, simultaneamente, o relacionamento

entre a sociedade laica e a Igreja e a autoridade eclesiástica e os leigos ao nível

nacional e local.

Ao Estado laico, sem confissão religiosa, caberia «a formação moral e cívica

dos indivíduos»119

e tudo o que se relacionasse com a religião pertencia à esfera

privada. Todavia, o novo projeto cultural republicano estava a implicar o desrespeito

pela autonomia dos cidadãos na sua liberdade de consciência e religiosa, pretendendo

anular a influência secular da Igreja Católica na sociedade, com todas as limitações

já mencionadas após a publicação do decreto de 20 de Abril de 1911.

No concelho de Loures, ocorreram em algumas paróquias manifestações

populares contrárias à liberdade religiosa, negando o direito de cidadania apregoado

pela República.

Na sequência de atos praticados nas localidades do Concelho, que

contrariavam a própria lei120

, quanto à “defendida” liberdade religiosa, o Governador

Civil de Lisboa, confrontado com as reclamações, devidas à expulsão dos párocos de

Loures, Fanhões e Bucelas, emitiu o seguinte despacho para a Administração do

Concelho, em ofício de 17 de Julho de 1912, em data anterior ao sucedido com o

padre capelão de Caneças:

117 Representação coletiva dos Bispos portugueses de 15 de Março de 1913 (ACMF – CJBC-LEGIS-

045). Cf. Anexo XXV. 118 Cf. Luís Salgado de Matos – A separação do Estado e da Igreja, p. 164, refere-se à posição do

Cardeal Merry del Val (Secretário de Estado da Santa Sé, no pontificado de Pio X). 119 Fernando Catroga – O republicanismo em Portugal: da formação ao 5 de Outubro de 1910. 3ª ed.

Alfragide: Casa das Letras, 1910, p. 214. 120Lei da Separação do Estado das Igrejas, 20 de Abril de 1911, artigos 1º e 3º - Artigo 1º - «A

República reconhece e garante a plena liberdade de consciência a todos os cidadãos portugueses e

ainda aos estrangeiros que habitarem o território português»; Artigo 3º - «Dentro do território da

República ninguém pode ser perseguido por motivos de religião, nem por perguntado por autoridade

alguma acerca da religião que professa.» Perante as acções que violentaram a liberdade religiosa, o

Ministro do Interior, Duarte Pereira da Silva, divulga pelos concelhos o Edital de 17 de Julho de 1912,

sobre os abusos cometidos, contrários à lei.

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«Diga-se à autoridade Administrativa que todos os cidadãos portugueses têm

direitos consignados na lei, que só por lei podem sofrer restrição e que não é

admissível que cada qual tome para si atribuições que exclusivamente às

autoridades constituídas pertencem.

Nestes termos deverá dos factos que neste ofício relaciona levantar o

necessário auto, procedendo às investigações necessárias afim de se lhe dar o

devido destino visto que existe alguém a queixar-se como lesado.»121

Observando a documentação relativa à correspondência entre o Governo Civil

e a Administração do Concelho, constatamos a preocupação da primeira entidade em

que a lei fosse cumprida e não servisse de justificação a atos menos lícitos, dos quais

chegavam reclamações ao Governo Civil. Por este motivo, o Governador Civil122

de

Lisboa reforçou o pedido de informação sobre o papel dos regedores e dos

administradores do Concelho na questão da expulsão dos párocos de Loures,

Fanhões, e Bucelas.

Do mesmo modo, o pároco de Loures, Joaquim José Pombo, confrontado

com delações de republicanos não católicos que o acusavam de ter fugido, redige

uma carta ao administrador do Concelho, datada de 10 de Agosto de 1912,

mencionando que se ausentara de Loures por motivo de saúde, há mais de ano e

meio, conforme atestado médico enviado ao Ministro da Justiça123

. A sua saúde

impediu-o de continuar a exercer ordens em Loures, pelo que não devia constituir

motivo para o encerramento da Matriz, nem para ficar impedido de beneficiar da

pensão do estado. Embora o pároco de Loures se tenha declarado pensionista124

do

Estado não significa que fosse apoiante do regime vigente. A pensão era o seu

sustento, tanto mais que o passal acabou por ser cedido à Câmara Municipal de

Loures e, por outro lado, continuava a ser considerado «o clero como parte integrante

do funcionalismo público.125

»

121AML – Administração do Concelho de Loures - Correspondência recebida, ano 1910. 122AML – Administração do Concelho de Loures - Correspondência recebida, ano 1912. Ofício de 17

de Agosto de 1912. 123 AML – Administração do Concelho de Loures - Correspondência recebida, ano 1912. 124Carta enviada ao Administrador do Concelho, em Outubro de 1910, em que se comprometia a

acatar as novas instituições. O pároco Augusto José Marques Soares da Igreja da Póvoa de Santo

Adrião também redigiu uma carta em que se comprometeu respeitar «as novas instituições […] e com

elas colaborar na nossa amada Pátria.» Carta datada de 31 de Outubro de 1910 (AML – Administração

do Concelho de Loures - Correspondência recebida, ano 1910). A Irmandade do SSº Sacramento da

Póvoa de Stº Adrião transformou-se em Comissão de Assistência e Beneficência da freguesia (AML –

Administração do Concelho de Loures - Correspondência recebida, ano 1913. Ofício do Governo

Civil de Lisboa para a alteração dos estatutos, 8 de Julho de 1913). 125Cf. Luís Salgado de Matos – A separação do Estado e da Igreja, p. 221.

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O ofício remetido ao Diretor dos Negócios Eclesiásticos, em 25 de Maio de

1914, pelo pároco Joaquim José Pombo mostra que a celebração dos atos religiosos

tinha sido interrompida abruptamente na Igreja Paroquial, o padre refere a «expulsão

arbitrária do padre que o substituía, privando-o também dos benefícios materiais do

estado»126

. Segundo o pe. Álvaro Proença, o padre António Martins da Silva

substituiu o pároco Joaquim Pombo e, no decorrer dos acontecimentos políticos em

Loures, teria estado preso em Lousa e depois conduzido para Lisboa, juntamente

com os padres de Bucelas e Fanhões127

. O padre de Bucelas foi preso por bucelenses

«por suspeita de conspirador»128

. O padre de Fanhões apresentou queixa contra um

cidadão por ter retirado da Igreja objetos de culto129

.

Mas, os protestos continuavam a chegar ao Governo Civil de Lisboa, face a

abusos cometidos contra os locais de culto, cruzeiros, pelourinhos, párocos e fiéis.

Situações que originaram vários telegramas de Lisboa para a administração

concelhia130

, pedindo o respeito pela liberdade de culto.

Estes acontecimentos condicionaram as manifestações de piedade popular e o

culto religioso no Concelho e, designadamente, na paróquia de Loures à qual

Caneças pertencia.

As ocorrências no concelho de Loures para limitar ou impedir o culto católico

nos templos também se manifestaram na realização de procissões. O pároco de

126ACMF/ CJBC/LIS/LOU/CEDEN/001 - Processo 2782, L.7, fl. 80. No mesmo ofício, o padre Joaquim José Pombo deu o seu parecer desfavorável à utilização da Igreja Matriz de Santa Maria de

Loures para outros fins que não os religiosos. 127

Álvaro Proença – Subsídios para a história do concelho de Loures. Lisboa: União Gráfica, 1940,

vol. 1, p. 46. O pároco teria exercido ordens entre 1910 e 1912. Mas, em 14 de Outubro de 1912, o

Patriarca D. Mendes Belo encarregou o padre de Stº Estevão das Galés, Manuel Pereira, de paroquiar

a Igreja de Loures, por ausência do pároco de Loures. Na carta afirma que o Santíssimo se encontra

«há muito por renovar, e no caso das espécies já estarem corrompidas» o padre devia «queimá-las e

lançar as cinzas no sumidouro.» (AHPL – Livro 2º do registo de correspondência oficial de Sua

Eminência Reverendíssima Senhor D. António com vigários e párocos (1910 a 1913) U.I. 112. Carta

nº 245, de 14 de Outubro de 1912). 128 Ofício do regedor de Bucelas Júlio Dias da Conceição, de 16 de Julho de 1912, ao Administrador

do Concelho (AML – Administração do Concelho de Loures - Correspondência recebida, ano 1912).

Nesta data, João Raymundo Alves era o Administrador que, posteriormente, foi afastado do cargo para que o inquérito apurasse, ou não, a sua responsabilidade nos atos cometidos contra os párocos

(Exoneração em 25 de Julho de 1912 pelo Governador Civil de Lisboa. AML – Administração do

Concelho de Loures - Correspondência recebida, ano 1912). 129 Ofício da Comissão Central da Execução da Lei da Separação ao Administrador do Concelho de

Loures para que se averiguasse o sucedido, de 19 de Julho de 1912 (AML – Administração do

Concelho de Loures - Correspondência recebida, ano 1912). 130AML – Administração do Concelho de Loures - Correspondência recebida, ano 1910. Ofício de 15

de Outubro e o telegrama de 24 de Outubro de 1910 em que se pedia a presença do Administrador do

Concelho no Governo Civil.

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Fanhões, em ofício de 23 de Maio de 1912131

, comunica ao Administrador do

Concelho que tinha autorização do Governo Civil para a presença de dois polícias

cívicos132

na festa religiosa, que ocorreria no dia 26 de Maio de 1912. No entanto,

faltava a confirmação oficial da Administração.

A continuidade das associações laicas religiosas e a liberdade de culto nas

igrejas ou capelas onde tinham sido eretas passaram a estar comprometidas. Com o

encerramento dos locais de culto, a falta de aprovação dos estatutos de algumas

irmandades, a perseguição e expulsão de párocos, o arrolamento de bens, a vida

religiosa no concelho de Loures viveu momentos conturbados, nos primeiros anos do

regime republicano. No entanto, a prática e vivência da religião expressava-se com

fraca mobilização da comunidade na paróquia de Loures, já no período da monarquia

liberal. Para Mendes Leal, as Irmandades evidenciavam um fraco dinamismo na

Igreja de Loures, no final do séc. XIX e início do séc. XX:

«Em 1889 vindo nós morar para Loures, vendo o desleixo das quatro

Irmandades da Igreja, que arrogavam existência - Irmandade do Santíssimo -

das Almas - Santo Nome de Jesus e Conceição (que nem a festa do Orago da

freguesia já se fazia) […]133

».

O autor refere ainda que a tradicional festa do Orago da freguesia, em louvor

de Santa Maria, conhecera um intervalo e que foi retomada em 1901, por uma

comissão, da qual fez parte. Segundo o povo nunca mais tornariam «a ver nesta

Igreja festejo assim, nem iluminações nos arraiais com luz elétrica»134

. Pelo menos

até 1909 a festa não se tornou a realizar135

.

Em 1909136

, na Igreja paroquial de Loures137

, existiam, apenas, as Irmandades

do Santíssimo Sacramento138

, Almas, Santo Nome de Jesus e de N. Sr.ª. da

Conceição e a Ordem dos Terceiros de S. Francisco139

.

131

Na mesma carta, o pároco de Fanhões manifesta a sua preocupação pelo facto da administração

concelhia não ter enviado a ata da eleição da Irmandade do Santíssimo Sacramento de Fanhões às

instâncias superiores. 132Na sequência da implantação da República, a Polícia Civil de Lisboa passa a designar-se Polícia

Cívica (Decreto de 17 de Outubro de 1910). 133 Cf. Joaquim Mendes Leal - Admirável igreja matriz de Loures, p. 137. 134

Op. cit. p. 138. 135Op. cit. p. 138. 136

Op. cit. p. 138. 137 Em 1758, na Igreja Matriz de Loures existiam as Irmandades do Santíssimo Sacramento, de Nossa

Senhora da Conceição, das Almas e a Confraria de Nossa Sr.ª. do Rosário (ANTT - Memórias

paroquiais: dicionário geográfico. Vol. XXI, 12 de Maio de 1758, fl. 1253). O nº de Irmandades foi

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49

Da análise da documentação da administração do concelho de Loures140

,

constatamos que, até à revolução republicana, eram enviados, anualmente, os

orçamentos gerais e as contas das Irmandades das paróquias do concelho de Loures

ao administrador do concelho que depois os remetiam ao Governo Civil de Lisboa,

para a respetiva aprovação. Facto que demonstra e permite também compreender as

vivências religiosas das comunidades do Concelho.

ultrapassado em 1781: Santíssimo Sacramento, N. Senhora da Conceição, N. Senhora do Rosário,

Santo André, São Sebastião, São Miguel, Almas, Santo Nome de Jesus e oito corporações de oblatos:

Stº. António, S. Braz, S. João Baptista, S. Marçal, Stª. Catarina, Stª. Maria Madalena, Stª. Luzia e Stº

Amaro. Cada uma das associações tinha rendimentos próprios e celebrava as festas religiosas,

sobretudo as da sua invocação. A importância das Irmandades foi decrescendo com o advento do

liberalismo. Cf. Joaquim Mendes Leal – Admirável igreja matriz de Loures; Álvaro Proença -

Subsídios para a história do concelho de Loures. Vol. 1, p. 46-54. 138

A Irmandade do Santíssimo Sacramento resultou da associação das Irmandades de Nossa Senhora

da Assunção e dos Louvados, em 1675, e tinha a seu cargo as festas do Santíssimo, as do Orago e as

da Semana Santa. A Irmandade possuía grande vitalidade económica antes de 1820, tendo ajudado à

realização de obras de mosaico e de talha na capela-mor. Após 1876, a corporação mostrava

dificuldades financeiras. Segundo o padre Álvaro Proença, a Irmandade foi restaurada em 1931. A

história da Irmandade foi abordada por Subsídios para a história do concelho de Loures. Vol. 1, p. 59-

69 e em Admirável igreja matriz de Loures, p. 25-31. 139

A Ordem de São Francisco de Assis fundou em Loures, entre os anos 1200-1300, o convento de

franciscanos, denominado Divino Espírito Santo que prestava assistência aos pobres. Mas os

terramotos de 1531 provocaram a destruição do convento e da igreja, surgindo a Irmandade do Divino

Espírito Santo, entre 1541 e 1543, que construiu o hospital, o albergue e a ermida do Espírito Santo,

em Loures. A Ordem Terceira de Loures é restaurada pelo benfeitor, Luiz Castro do Rio, em 1574,

sendo edificado novo convento para os frades franciscanos, em terrenos do benfeitor, no lugar da

Mealhada. Aí construíram o convento, hospício e uma ermida. O convento recebeu o nome de Divino

Espírito Santo. Durante 52 anos teve lugar a «procissão da cinza» entre a ermida e a Igreja Matriz.

Após a edificação da capela de Santa Ana e de S. Joaquim, no lugar de Alvogas, a Ordem pediu licença para funcionar nesta capela. Em 1746, quando a Ordem se instala na ermida do Espírito Santo,

a Irmandade do Divino Espírito Santo deixou de funcionar. Cf. Admirável igreja matriz de Loures, p.

149-156. Em 1838, a Ordem e a Irmandade dos Escravos do Santíssimo (ereta a partir do assalto à

ermida da Mealhada em 1826) foram extintas devido a grande cheia que afetou Loures, provocando a

derrocada da ermida. Cf. Admirável igreja matriz de Loures, p. 156-165. A Ordem tinha presidentes

ou representantes em vários lugares da freguesia de Loures: Caneças, Loures, Pinheiro, Murteira,

Montemor, A- dos - Cãos; A-dos-Calvos, Guerreiros, Mealhada, Ponte de Frielas e Ponte de Lousa.

Os Terceiros de São Francisco deviam assistir os irmãos pobres com médico, cirurgião, botica; visitar,

socorrer, acompanhar os irmãos falecidos, e sufragar-lhes a alma; Aos irmãos mais pobres pagavam as

despesas com os enterros (Cf. Álvaro Proença – Subsídios para a história do concelho de Loures.

Vol. 1, p. 59-69). A Ordem dos Terceiros de S. Francisco recebeu, em 1873, por testamento, o legado

de Luís Pereira da Mota, composto por valor monetário e a propriedade Casal da Murteira para que a

Ordem se reorganizasse, o que aconteceu apenas em 1896. Entre os membros diretivos da Ordem

estava Joaquim José Mendes Leal como 1º secretário. Em 1898, a Ordem possuía hospital e albergue.

A corporação funcionava na matriz, realizou obras na Igreja, e erigiu uma capela-santuário em Maio

de 1899. Na Quaresma e na Páscoa realizava as procissões e festejava anualmente o dia da sua

protetora, a rainha Santa Isabel. Cf. Joaquim Mendes Leal – Admirável igreja matriz de Loures, p.

165 e sg.). Sobre a história do Convento do Espírito Santo e da Ordem Franciscana em Loures, existe

a publicação recente editada pela Câmara Municipal de Loures – De Convento a conventinho:

biografia de um espaço, 2009. 140

O Administrador do Concelho era o elo de ligação administrativo entre as Irmandades e o Governo

Civil. Cabia à entidade representativa local transmitir a informação do e para o órgão fiscalizador

central sobre as Irmandades (AML – Administração do Concelho - Correspondência recebida e ANTT

– Governo Civil – Irmandades, contas de gerência).

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Da observação dos orçamentos da Irmandade do Santíssimo Sacramento de

Caneças, verificamos que as despesas inscritas referem-se ao culto, ao pagamento

aos ministros do culto, às festividades religiosas em louvor do santo padroeiro, a

obras de natureza assistencial a irmãos e à conservação dos espaços de culto141

.

Pese ainda o facto de a devoção religiosa ter conhecido um decréscimo pós-

liberalismo142

, somente, em duas Irmandades do concelho de Loures, nos anos que

antecederam a revolução de Outubro, o número reduzido de irmãos impediu a eleição

de novos corpos gerentes.

A Irmandade do Santo Nome de Jesus de Loures comunicou ao

Administrador do Concelho que não tinha sido possível eleger a nova mesa gerente

em 31 de Maio de 1908143

, por não ter havido quórum, apenas compareceram seis

irmãos. Nesse mesmo ano, a Irmandade do Santo Nome de Jesus de Odivelas, em

ofício de 5 de Julho144

, informou também que o número de confrades tinha sido

insuficiente para a eleição de nova mesa. Porém, ambas as corporações superaram os

problemas e mantiveram a sua função após 5 de Outubro de 1910.

O ambiente antirreligioso e anticlerical, após a revolução republicana,

valorizado e enaltecido pelos órgãos de comunicação locais, lê-se numa das notícias

referente às eleições para a mesa da Ordem Terceira de São Francisco de Loures:

«Realizou-se […] esta eleição com grande concorrência de irmãos,

conseguindo vencer a lista republicana, apesar da valente galopinagem feita

pela lista contrária junto dos irmãos moradores em vários casais, espíritos

ainda ignorantes, que para mais facilmente os convencerem lhes diziam que

os republicanos se queriam introduzir na Irmandade para se apossarem do

dinheiro que devia ser para os pobres […]

Vai finalmente entrar o espírito republicano dentro da mais importante

irmandade do concelho.»145

141AHPL – Livro de contas da Irmandade de São Pedro de Caneças (de 1902 a 1912). U.I. 1930.

E ANTT – Governo Civil: Processo de contas de gerência da Irmandade do Santíssimo Sacramento de

Caneças, ano de 1903-1904. Cf. Anexo XIII. 142A obra de Mendes Leal, que tomamos como referência para o conhecimento da religiosidade na

paróquia de Loures, escreveu que a freguesia de Loures foi «modelo de religiosidade», entre os anos

de 1640 e 1840. Na Igreja Matriz e suas ermidas realizavam -se inúmeras festividades que incluíam as

procissões, destacando a festa em honra de N. Sr.ª do Cabo que se realizava de 26 em 26 anos,

conhecida pelo Círio dos Saloios (1838-1839; 1863-1864; 1888-1889). Cf. Admirável igreja matriz de

Loures, p. 31-33. 143 AML – Administração do Concelho de Loures - Correspondência recebida, ano 1908. Ofício

datado de 3 Junho de 1908. 144 AML – Administração do Concelho de Loures - Correspondência recebida, ano 1908. 145Eleição da nova mesa para a Irmandade dos Terceiros de Loures. Quatro de Outubro. Lisboa. Nº

116 (26 de Julho de 1914) 1.

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Esta passagem no periódico mostra, em parte, o contexto em que se

confrontaram os valores religiosos, morais e políticos, durante os anos da I

República, em torno dos quais se desenvolveu a questão religiosa e a questão

política.

O ambiente religioso vivido no concelho foi propiciado pelas influências

republicanas que remontavam aos finais do século XIX146

, que se faziam sentir nas

associações filarmónicas, na imprensa, como exemplo, Lápis e Penna e A Economia.

Imprensa que criticava o governo monárquico e manifestava o seu apoio à República.

Do ano 1883, existe referência ao candidato republicano, Dr. António Carvalho de

Figueiredo, às eleições camarárias147

de Loures. Surgem também os Centros

Escolares Republicanos em Loures148

, uma vez que a instrução era o meio para se

atingir o progresso e o desenvolvimento.

A proximidade com a capital e as relações económicas mantidas entre Lisboa

e Loures, à semelhança do que aconteceu em Caneças, foi preponderante para o

crescimento e afirmação da ideologia republicana junto de comerciantes,

funcionários do estado e profissionais liberais. Essas influências ajudam a

compreender o sentimento anticlerical e antirreligioso que marcaram a I República,

alterando as sociabilidades e práticas religiosas do concelho, nas suas diferentes

representações.

A Irmandade do Santíssimo Sacramento da Igreja Matriz de Loures, antes da

sua dissolução administrativa, procedeu em conformidade com as orientações do

Patriarcado e harmonizou os estatutos ao abrigo do artigo 38º do Decreto de 20 de

Abril. A Irmandade remeteu ao Patriarcado149

cópia de um requerimento enviado ao

146 Cf. Ana Paula Assunção [et al.] – Loures na memória da República: 4 de Outubro de 1910.

Loures: Câmara Municipal de Loures, 1985, p. 22-37. 147

Cf. Ana Paula Assunção [et al.] – Loures na memória da República: 4 de Outubro de 1910, p. 28.

À excepção da freguesia de Fanhões, em 1913, as restantes tinham Comissões Paroquiais do Partido

Republicano: Apelação, Bucelas, Camarate, Frielas, Loures, Lousa, Odivelas, Póvoa de Stº Adrião,

Santo Antão do Tojal, S. João da Talha, S. Julião do Tojal, Unhos, e Caneças tinha uma Subcomissão

Paroquial. A Comissão Municipal, constituída por representantes das outras Comissões, estava

representada em Loures. 148Centro Escolar Republicano de Camarate, fundado em Agosto de 1908; Centro Escolar

Republicano de Sacavém, fundado no 1º semestre de 1909; Centro Escolar Republicano de Loures,

criado em 31 de Janeiro de 1909; Centro Escolar Republicano Tenente Valdez, na Pontinha, fundado

em 3 de Fevereiro de 1911. In catálogo da exposição Loures no despertar da República. Loures:

Câmara Municipal de Loures, Outubro 1910, p. 61. 149 AHPL – Vários documentos sobre cultuais. U.I. 2332. Estes documentos incluem o compromisso

reformado da Irmandade para aprovação da autoridade eclesiástica, com a indicação que a Irmandade

do Santíssimo Sacramento de Loures foi criada em 1677 e os seus estatutos aprovados pelo arcebispo

de Lisboa D. Luiz de Sousa.

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Governo Civil de Lisboa, datado de 24 de Dezembro de 1911, para o exame dos

estatutos reformados. Na ata da reunião de assembleia geral, de 24 de Dezembro de

1911, foram mencionadas as escassas receitas, as quais não impediriam, todavia, a

manutenção do culto na Igreja. Solicitavam ainda, que a Igreja fosse considerada

monumento nacional, pois era muito visitada por nacionais e estrangeiros, devido aos

mármores embutidos e ao trabalho de talha150

.

Por seu lado, o pároco de Loures Joaquim José Pombo, em missiva ao

Vigário geral do Patriarcado, reforçou o seu assentimento às orientações superiores

eclesiásticas na questão da constituição das cultuais. Afirmou que era padre colado e

que em tempo algum contribuiu para a «reforma ou uniformização dos estatutos de

qualquer das Irmandades existentes na freguesia»151

. Todavia, a sociabilidade

religiosa na Igreja Paroquial de Loures sofreu contrariedades.

A Irmandade do Santíssimo Sacramento de Loures apresentou os estatutos

para aprovação do Governo Civil em 8 de Fevereiro de 1912, os quais foram

aprovados por alvará de 27 de Março de 1915. Os orçamentos e contas da corporação

foram aprovados até ao ano económico de 1912-1913.

No entanto, o arrolamento dos seus bens e entrega ao Estado resultou de

decisão da Comissão Concelhia de Administração dos Bens Eclesiásticos, por

considerar a Irmandade extinta por não ter apresentado orçamento e estatutos

aprovados152

.

A versão oficial da Irmandade à Administração do Concelho foi de que a

associação se encontrava abandonada, por falta de mesários e irmãos, em 26 de Maio

de 1913153

, antes da aprovação do projeto de estatutos e do orçamento pelo Governo

Civil.

Em Maio de 1915, a Irmandade do Santíssimo Sacramento de Loures

requereu a entrega das chaves da Igreja e das alfaias e outros pertences arrolados

para reiniciar o culto católico, uma vez que os estatutos e o orçamento tinham obtido

150 Idem. 151

Ofício do pároco ao Vigário Geral do Patriarcado, de 12 de Janeiro de 1912 (AHPL – Vários Documentos sobre cultuais. U.I. 2332). 152 Ofício da Comissão Concelhia de Administração dos Bens Eclesiásticos do Concelho de Loures ao

Administrador do Concelho de Loures, de 27 de Abril de 1915 (ACMF/CJBC/LIS/LOU/ADMIN/033.

Cópia de uma cópia do original datada de 5 de Maio de 1915). 153 A Irmandade do Santíssimo de Loures comunicou à Administração do Concelho que a associação

se encontrava abandonada por falta de mesários e irmãos, em 26 Maio de 1913. A rogo do juiz,

assinou a carta António Sebastião d’ Almeida. No entanto, o orçamento, do ano 1912-1913, foi

aprovado pelo Governo Civil de Lisboa (AML – Administração do Concelho de Loures -

Correspondência recebida, ano de 1913).

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aprovação do Governo Civil. A sua pretensão estava dependente da autorização do

Ministro da Justiça e dos Cultos154

, mas a Igreja só foi restaurada ao culto em

1931155

.

Além da Irmandade do Santíssimo Sacramento de Loures ter harmonizado os

seus estatutos, ao abrigo do artigo 38º do decreto da Separação e o respectivo

orçamento para o ano 1912-1913, o mesmo sucedeu à Irmandade de Santo André e

Almas de Loures. A Irmandade, em ata156

, datada também de 24 de Dezembro de

1911, declarou que cumpriria as determinações legais e apresentaria os orçamentos

ao abrigo do artigo 38º do decreto de 20 de Abril de 1911. Reiterava também a

intenção de «apresentar à aprovação superior o seu orçamento e conta nos prazos

legais e incluir uma verba para beneficência de harmonia com as leis vigentes»157

.

Embora as situações se apresentassem favoráveis à continuidade da

Irmandade, o Juiz comunicou que a corporação estava abandonada há cerca de dois

anos, por falta de irmãos e mesários158

, em 26 de Maio de 1913.

Ao contrário das Irmandades da Igreja de Loures mencionadas, o

representante da Irmandade do Santo Nome de Jesus de Loures159

, comunicou ao

Administrador do Concelho que o juiz falecera e a falta de comparência de irmãos

não permitiu eleger nova mesa. Informou também que a Irmandade não estava

legalmente erecta e que não possuía rendimentos, pelo que deveria ser extinta160

.

Comparando os acontecimentos envolvendo os interesses da Irmandade do

Santíssimo Sacramento de Caneças e dos moradores, com a mobilização dos

católicos de Loures, ligados às três Irmandades (Santíssimo Sacramento, Santo

154 Ofício do Governador Civil de Lisboa ao Presidente da Comissão Central de Execução da Lei da

Separação, participando a pretensão da Irmandade do Santíssimo Sacramento de Loures (ACMF/

CJBC/LIS/LOU/ADMIN/033. Cópia de uma cópia do original datada de 5 de Maio de 1915). Será

interessante estudar a mobilização da população perante o encerramento da Igreja, a extinção das

Irmandades. Sobre o arrolamento dos bens, indicámos em nota de rodapé parte do seu destino. 155 Cf. Álvaro Proença – Subsídios para a história do concelho de Loures. Vol. 1, p. 46. 156 A Irmandade declarou a impossibilidade em reformar os estatutos, porque se tinham extraviado e

organizar um novo compromisso implicava despesas superiores à Irmandade. Na mesma ata afirma

que os gastos a manter são com os encargos obrigatórios – legados pios, aprovação das contas, verbas

para alienados e tuberculosos, cera para o altar. A sua principal receita provinha dos enterros católicos, situação que o decreto de Abril alterara. (AHPL – Vários documentos sobre cultuais. U.I.

2332). 157AHPL - Vários documentos sobre cultuais. U.I. 2332. 158 Ofício da Irmandade de 26 de Maio de 1913 (AML – Administração do Concelho -

Correspondência recebida, ano de 1913). 159Luiz de Jesus Gomes, em 22 de Maio de 1913, em resposta às circulares nº 176 e nº 177 do

Administrador do Concelho (AML – Administração do Concelho de Loures - Correspondência

recebida, ano de 1913). 160 AML – Administração do Concelho de Loures - Correspondência recebida, ano de 1913.

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Nome de Jesus e Santo André e Almas), à excepção da Ordem Terceira de S.

Francisco, constatamos que as sociabilidades e sensibilidades religiosas foram

vividas com diferente intensidade e empenho na defesa da autonomia da liberdade

religiosa dos cidadãos, de acordo com a documentação estudada.

Em Caneças, os católicos e moradores uniram-se na defesa da autonomia

religiosa e administrativa da povoação, da liberdade de expressarem o seu culto em

comunidade e pelo reconhecimento legal da Irmandade do Santíssimo Sacramento.

Defendiam a criação da paróquia religiosa ou da freguesia para a independência civil

e religiosa de Loures. Nesse sentido, mobilizaram-se para a aprovação da freguesia

de Caneças e apresentaram petições apelando ao direito de expressarem a sua crença,

sem usarem da violência argumentaram contra as decisões das autoridades

competentes, conseguindo provar a entrega do projeto de estatutos da Irmandade do

Santíssimo Sacramento em 1912.

Em contrapartida, as Irmandades da Igreja de Loures com os estatutos a

aprovados não reuniram o número suficiente de irmãos para subsistirem. Donde, o

tipo de resistência em Caneças parece manifestar também uma afirmação da

comunidade local.

A questão religiosa vivida no contexto da freguesia de Loures levanta a

problemática no que se refere ao relacionamento entre os poderes temporais e o

eclesiástico, como também a relação entre as pessoas que os representavam,

portanto, esta conflituosidade, sendo marcada pela componente religiosa, envolvia

também as disputas de influência de poder no município.

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CAPÍTULO 2

A IRMANDADE DO SANTÍSSIMO SACRAMENTO

E A LEI DA SEPARAÇÃO

A separação161

, promulgada pelo decreto de 20 de Abril de 1911, pôs em

causa a autonomia da Igreja e a liberdade religiosa dos cidadãos, face à intervenção

do Estado no domínio do religioso, como a organização do culto, a apropriação de

bens, a dependência da hierarquia católica do poder civil/político na produção e

divulgação de documentos eclesiásticos, na utilização dos espaços de culto, nas

manifestações religiosas populares, na ação sócio-caritativa da Igreja (a católica

romana, neste estudo de caso).

Problemáticas que têm suscitado reflexões sobre o modelo expresso no

decreto de 20 de Abril, tendo como ponto de partida a questão da separação ou

integração dos poderes temporal e religioso. E em torno desta reflexão, consideramos

a determinação da lei no que concerne à constituição das associações cultuais e ao

papel das associações laicas de fiéis, as Irmandades de tradição secular. Constituição

que fomentou, nas primeiras décadas do séc. XX, confronto de ideias e de práticas

sociais de cariz religioso, condicionando o ambiente político-religioso de então.

Considerando estes pressupostos, procurar-se-á demonstrar como a Lei da

Separação das Igrejas do Estado influenciou a liberdade de culto e as funções de

natureza assistencial e de beneficência que caracterizavam a ação da Irmandade do

Santíssimo Sacramento de Caneças. Até que ponto o culto foi comprometido face às

novas orientações?

O Estado laico princípio orientador da ação republicana, que pretendia

afirmar a autonomia dos indivíduos na sociedade, a sua liberdade de consciência e

liberdade religiosa, nem sempre esses princípios foram entendidos pelos seus

agentes. Através da Lei da Separação e de outros diplomas aplicados ainda nos

últimos meses de 1910, pareceu pretender a descristianização forçada para a

161 Lei da Separação, de 20 de Abril de 1911, publicada no D.G. nº 92 (21 de Abril de 1911). Cf.

Sérgio Pinto – Separação religiosa como modernidade: decreto-lei de 20 de Abril de 1911 e modelos

alternativos, p. 253. A Lei da Separação deu início à política laicizadora do regime republicano:

laicizava o estado, promovia a constituição de associações cultuais para controlo da vida religiosa nas

comunidades, desprestigiando o papel do clero e respetivas hierarquias, expropriava as igrejas e suas

corporações religiosas, reforçava a dependência do clero do poder temporal enquanto funcionários

públicos. Cf. Vitor Neto – O Estado, a Igreja e a Sociedade em Portugal (1822-1911). Lisboa:

Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1998, p. 272.

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afirmação da separação do mundo político do mundo religioso, não respeitando a

cultura e a vontade dos cidadãos162

.

Para que as mudanças culturais, defendidas para a sociedade, acontecessem,

foi necessário produzir leis, como a Lei da Separação do Estado e das Igrejas, de

Afonso Costa mas assumida pelo Governo provisório, para que se assistisse a uma

nova ordem social e a um novo modelo cultural.

Para o regime republicano, o novo paradigma cultural era a base do progresso

social, assente na instrução e na valorização de práticas sem o pendor da religião.

Nessa linha de pensamento, assistiu-se à substituição dos feriados religiosos

nacionais pelos feriados cívicos163

. O Estado pretendia separar o poder civil e o

poder religioso através de uma ação em que subestimou a autonomia das instituições

religiosas e respetivas hierarquias164

.

Nesse sentido, a interpretação da Lei de 20 de Abril de 1911,nomeadamente,

os seus artigos 17º, 19º, 32º e 38º, motivou críticas e versões distintas quanto ao teor

e objetivos dos referidos artigos, considerando que o Estado estava interferir na

organização e gestão do culto público e, simultaneamente, na constituição das

associações religiosas laicas.

162 Cf. António Matos Ferreira – Laicidade. In Dicionário de História Religiosa. Dir. Carlos Azevedo.

Lisboa: Círculo de Leitores Sa e Centro de Estudos de História Religiosa – UCP, 2000. Vol. 3, p. 59-

65. 163 Dia 1 de Janeiro – dia da Fraternidade Universal; Dia 31 de Janeiro – em memória dos Precursores

e Mártires da República; 5 de Outubro - homenagear os Heróis da República; 1 de Dezembro –

comemorara Autonomia da Pátria Portuguesa; 25 de Dezembro – dia da Festa da Família Portuguesa. 164 A separação não era refutada pela hierarquia católica. Em 1885, Leão XIII, na sua encíclica

Immortale Dei distinguiu na sociedade cristã a coexistência do poder eclesiástico e do poder civil,

ambos autónomos, de acordo com o seu múnus. O Papa procura conciliar os dois poderes, defendendo

a legitimidade de cada um, dando início à política do Ralliement. A Igreja aceitava as alterações

políticas e procurava agir através da união dos fiéis em defesa da cristianização da sociedade. Cf. João

Ameal – História da Europa. Lisboa/São Paulo: Editorial Verbo, 1984. Vol. 5, p. 379-384.

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2.1- A SUA RELAÇÃO COM O PODER LOCAL E O PODER

ECLESIÁSTICO

Após o ano de 1912, a vida religiosa dos moradores de Caneças foi

condicionada pelo encerramento da capela ao culto.

A Irmandade do Santíssimo Sacramento de Caneças, em assembleia geral de

confrades de 10 de Dezembro de 1911, redigiu a ata165

em que os presentes

admitiram a reforma dos estatutos, os quais deviam ser apresentados em nova

reunião para a respetiva aprovação. Os confrades decidiram, por unanimidade,

«continuar com o culto e beneficência em harmonia e conforme o artigo trinta e oito

da lei da separação»166

. Na declaração167

, os mesários obrigavam-se a reformular os

estatutos «nos prazos, que ulteriormente» lhes fossem indicados e «a empregar no

serviço do culto» quantia que não excedesse «a terça parte dos seus rendimentos

totais e dois terços da quantia que tem dispendido com o mesmo em média nos

últimos cinco anos». A Irmandade podia apresentar os estatutos ulteriormente e,

assim, evitava a sua extinção e o encerramento da capela ao culto, e agia conforme as

orientações do Patriarcado ao harmonizar os estatutos ao abrigo do art. 38º da Lei da

Separação.

A Igreja Católica considerava que a reformulação dos estatutos, ao abrigo do

artigo 38º, não implicava a formação de cultual168

:

«[…] em obediência às Instruções e determinações comunicadas pela Santa

Sé, reformarem os seus Estatutos de harmonia com prescrito no artigo 38º e

165 Portaria de 18 de Novembro de 1911,do Ministério da Justiça, publicada no D.G. nº 271, de 20 de

Novembro de 1911. O diploma instruía as irmandades a entregarem a ata da assembleia geral em que

os irmãos se comprometiam a reformar os estatutos ao abrigo do decreto da Separação e a declaração

em que os mesários anunciavam que o orçamento seria organizado e apresentado «dentro dos limites

do artigo 38º», do mesmo decreto, bem como a apresentação dos estatutos reformados «no prazo que

ulteriormente for designado». A portaria prorrogava o prazo para a apresentação dos estatutos das

irmandades que não os reformassem até 31 de Dezembro de 1911, caso não cumprissem o preceituado

nos artigos 39º e 169º da Lei da Separação. Evitava a extinção das irmandades. 166 Cópia da ata autenticada da Confraria do Santíssimo Sacramento de Caneças para resolver sobre a

continuação com o culto e beneficência, de 10 de Dezembro de 1911 (AGCL – Confraria do Santíssimo Sacramento de Caneças. Processo nº 1353, cx 51). Cf. Anexo XV. 167 Declaração dos mesários da Irmandade do Santíssimo Sacramento de Caneças, de 10 de Dezembro

de 1911 (AHPL – Livro de deliberações da Irmandade, fl. 14. U.I. 1885). A declaração faz também

parte do processo remetido ao Administrador do Concelho de Loures, em 25 de Junho de 1912, que,

por sua vez o enviou ao Governo Civil de Lisboa em 31 de Agosto de 1912 (AGCL – Confraria do

Santíssimo Sacramento de Caneças. Processo nº 1353, cx 51). Cf. Anexo XVI. 168Também as Irmandades do Santíssimo Sacramento e das Almas de Loures apresentaram ao

Patriarcado cópia das atas com o mesmo conteúdo, datadas de 24 de Dezembro de 1911, como

mencionámos no capítulo anterior (AHPL – Vários documentos sobre cultuais. U.I. 2332).

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não com o que se mostra consignado nos artigos 17 e seguintes do decreto de

20 de Abril. »169

A hierarquia católica aconselhava também os párocos170

a não promoverem a

constituição das associações «dentro das bases fixadas pelo decreto de 20 de Abril de

1911»171

, e a não reconhecerem a natureza das corporações cultuais.

O aparecimento de cultuais verificou-se por todo o país172

, excepto nos

distritos da Horta, Funchal e Ponta Delgada173

, embora não constituíssem a maioria

de associações de fiéis. Toda a questão em torno das cultuais caracteriza-se pela

dependência dos assuntos da esfera espiritual, incluindo o próprio clero, da sociedade

civil. O clero não podia intervir nas corporações e na organização e gestão do culto,

ficava subordinado às decisões dos leigos em matérias da sua competência.

Por outro lado, as receitas que promoviam o sustento do culto, como as

doações e legados em testamentos foram proibidos; caso se observassem essas

situações e não fossem reclamadas pelos sucessores, os bens revertiam para a Junta

de Paróquia que os aplicaria em ações de beneficência e assistência174

.

O ambiente de instabilidade social, em parte fruto da questão política e

religiosa, não impediu que a associação de fiéis em Caneças, a Irmandade do

Santíssimo Sacramento, agisse na salvaguarda do culto em relação à sua manutenção.

Considero que, pelas fontes consultadas, não foram ações mitigadas pelo ideário

republicano, as pessoas mobilizaram-se independentemente das suas preferências

políticas, distinguindo o espiritual do político.

Enquanto cidadãos (homens e mulheres de Caneças) procuraram defender a

sua liberdade de consciência e de culto, anunciada no artigo 1º da polémica Lei da

Separação, através de representações apresentadas às autoridades superiores em

169AHPL – Provisões, Portarias: correspondência oficial durante a residência do Sr. Patriarca em

Santarém: de 3 de Fevereiro de 1912 a 21 de Outubro de 1916, fl. 26 verso. U.I. 174. 170 Orientações dirigidas aos párocos sobre cultuais para que dêem informações sobre corporações

cultuais (AHPL – Vários documentos sobre cultuais, fl. 2. U.I. 2332). 171Orientações escritas transmitidas às Irmandades, aos párocos e às Juntas de Paróquia. As

Irmandades deviam lavrar o seu protesto em como eram corporações eclesiásticas a quem competia a

guarda e administração dos bens móveis e imobiliários destinados ao exercício do culto, conforme os seus estatutos. Também as Juntas de Paróquia deviam reafirmar a sua legitimidade, enquanto Fábricas

da Igreja, para a guarda e administração de bens e alfaias destinadas ao culto (AHPL – Vários

documentos sobre cultuais, fl. 2. U.I. 2332). 172Maria Lúcia Brito Moura – A «Guerra Religiosa» na I República. 2ª ed. Lisboa: Centro de Estudos

de História Religiosa - UCP, 2010, p. 288. 173Op.cit. p. 288. 174 Artigo 29º da Lei da Separação de 20 de Abril de 1911, publicada no D.G. nº 92, de 21de Abril de

1911.

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favor da manutenção da capela para o exercício do culto público e do

reconhecimento da existência legal da Irmandade do Santíssimo.

Considerava um Edital175

da Comissão Concelhia de Administração dos Bens

Eclesiásticos de Loures, de 15 de Novembro de 1914, que não existia espírito

religioso no Concelho que mostrasse a «necessidade da conservação destes templos

com todos os seus objetos de culto». A Comissão Concelhia, ao declarar que o povo

não professava a religião católica, condicionou a prática religiosa em relação à

utilização dos objetos de culto, aos espaços de culto e à administração de bens

imobiliários que contribuíam para sustentar as despesas.

O Edital informava que «todas as igrejas, capelas e ermidas do concelho de

Loures», à excepção da igreja de Santa Iria d’Azóia, se encontravam encerradas há

três anos, pelo que propunha a venda, em hasta pública, de inúmeros bens

imobiliários, mobiliários e objetos de culto, ressalvando os de valor artístico ou

histórico. Justificavam também a venda pelas reclamações contra o mau estado dos

edifícios e das alfaias de culto e dos furtos de que eram alvo. A venda dos bens, por

arrematação, da paróquia de Loures176

sucedeu, principalmente, nos anos 20 do

século XX, de acordo com as anotações constantes no processo de arrolamento.

Quanto à informação sobre o encerramento de todas as igrejas e ermidas, à

excepção da Igreja de Santa Iria d’Azóia177

, esta contraria o que já referimos sobre a

situação da capela de São Pedro de Caneças que, em 1911, se encontrava aberta ao

culto como outras Igrejas do Concelho, inclusive a Matriz de Loures.

Esclarece ainda o Edital, que até à data da emissão do referido documento,

não se tinham registado reclamações ou pedidos para a reabertura de qualquer das

igrejas e capelas do concelho de Loures. A comprovar pela documentação em estudo,

esta consideração não corresponde à verdade dos factos e tomemos como exemplo as

ocorrências na capela de Caneças. A Irmandade será dissolvida e a capela encerrada

ao culto público, após as petições.

De acordo com os pressupostos anteriores, constata-se que o relacionamento

com os poderes locais não foi fácil, designadamente, com a Comissão Concelhia de

175 Edital de 15 de Novembro de 1914, assinado pelo Presidente da Comissão João Raimundo Alves.

(ACMF/ CJBC/LIS/LOU/CEDEN/001. Processo nº 2782, Fl. 29). Quatro de Outubro. Lisboa. Nº 131.

(22 de Novembro de 1914) 3. Cf. Anexo XLVII. 176 ACMF/ARQUIVO/CJBC/LIS/LOU/006. 177 Embora o Regedor tenha comunicado ao Administrador do Concelho que na freguesia não existia

associação religiosa, mas que outrora existiu uma Irmandade na ermida, em 3 de Setembro de 1912

(AML – Administração do Concelho de Loures - Correspondência recebida, ano 1912).

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Administração dos Bens Eclesiásticos de Loures e administração do Concelho178

e

com alguns republicanos que assumiram posições anticlericais e anticatólicas, como

as ameaças proferidas contra o capelão João Ramos do Rosário da capela de Caneças

e os párocos de Bucelas, Fanhões e Loures.

Mas, é preciso ter em consideração que, em Caneças, também havia

republicanos católicos que não se constrangeram em agir em prol do seu credo,

participavam na vida da Irmandade do Santíssimo Sacramento, subscreveram as

petições e participavam na vida política local. Ser republicano podia significar ser

católico ou não, da mesma forma que ser partidário da monarquia não correspondia,

necessariamente, professar o catolicismo.

Manifestações pró-república aconteciam no concelho de Loures e em

Caneças, como a moção179

de apoio ao Governo e ao Partido Republicano Português,

aprovada por um grupo de republicanos de Caneças, por ocasião da preparação da

eleição de uma comissão local partidária que contribuísse para o «desenvolvimento e

progresso da localidade». Em Caneças, teve ainda lugar uma conferência

patriótica180

, em 29 de novembro de 1914, presidida por Herculano Moreira Feyo

(secretário da Câmara Municipal de Loures), em que o orador proferiu o discurso

sobre «Verdadeiros e falsos patriotas» para abordar a questão I Guerra Mundial.

Nessa abordagem, considerou os opositores à participação no conflito apoiantes da

monarquia, designando-os de «falsos patriotas», enquanto os republicanos eram os

178 O republicano João Raymundo Alves exerceu as funções de taquígrafo da Câmara dos Deputados

(ainda no tempo da monarquia) e, posteriormente a de Oficial do Registo Civil. Cidadão que se

mostrou favorável à causa republicana em artigos de opinião nos jornais Lápis e Penna (surge em 1907, propriedade Raymundo Alves & Companhia) e A Economia (criado em 17 de janeiro de 1908).

Após 1912, as suas mensagens tiveram voz em O Cinco de Outubro e Quatro de Outubro, de cujo

periódico será proprietário. Exerceu os cargos de Administrador do Concelho de Loures e de

Presidente da Comissão Concelhia de Administração dos Bens Eclesiásticos de Loures. Durante as

suas administrações no Concelho de Loures, ocorreram os conflitos mais significativos com os fiéis de

Caneças, ao nível de contradições da informação declarada. Ao compararmos a informação com as de

outras fontes, observa-se que revela parcialidade de pareceres, quanto à situação da Irmandade do

Santíssimo Sacramento e da capela. O padre João Ramos do Rosário chega a acusar o Administrador

de ser o causador das ameaças que sofreu. A presença dos democráticos no funcionalismo estatal,

associações, clubes, centros escolares, e grupos secretos (Formiga Branca) fomentou o «centralismo

burocrático, subalternizando a dinâmica de partido em relação à dinâmica do estado» o que contribuiu para o desenvolvimento de «um partido de cartel» ao serviço «das companhias públicas e das

sociedades económicas e financeiras». Cf. Ernesto Castro Leal – Partidos e Programas: o campo

partidário republicano português (1910-1926). Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra,

2008, p. 46-47. 179Quatro de Outubro. Lisboa. Nº 64 (6 de Julho de 1913) 1. 180Quatro de Outubro. Lisboa. Nº 132 (de 29 de Novembro de 1914) 1; Quatro de Outubro. Lisboa.

Nº 133 (de 13 de Dezembro de 1914) 3. A Conferência realizou-se a pedido da Comissão Municipal

Republicana do concelho de Loures e ocorreu numa sala cedida por António Raimundo Martins,

comerciante em Caneças e membro da subcomissão republicana paroquial de Caneças.

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«verdadeiros patriotas». Para alguns republicanos, aqueles que defendessem opiniões

divergentes de um determinado grupo eram associados à causa monárquica. No que

se referiu à Lei da Separação, o conferencista comparou o autor da mesma a Marquês

de Pombal, de forma elogiosa.

No entanto, estes acontecimentos não podem ser tomados como exemplos de

apoio ou de repúdio ao poder instituído, pelos cidadãos da pequena comunidade.

Estas ações permitem conhecer comportamentos e, consequentemente, as dinâmicas

sociais que se foram estabelecendo face aos condicionalismos que foram surgindo no

contexto político-religioso, enquadrando os católicos e confrades da Irmandade a sua

ação na sociedade.

Os mesários da Irmandade não contestavam o poder político instituído. Na

petição de 27 de Janeiro de 1913, remetida à Direcção Geral dos Negócios

Eclesiásticos, afirmaram que eram «todos cidadãos pacíficos alheios a política e

sempre respeitadores dos mandados da autoridade legitimamente […]»181

.

Por este motivo consideravam não haver razão que levasse ao encerramento

da capela, tanto mais que a Irmandade e o capelão tinham apresentado as declarações

previstas na lei, e reformulado os estatutos os quais foram aprovados em assembleia

geral de 1 de Junho de 1912182

. O compromisso da Irmandade encontrava-se «há

meses» no Governo Civil de Lisboa «a fim de ser aprovado»183

. Estatutos184

que

tinham sido remetidos ao Administrador do Concelho em 25 de Junho de 1912185

e,

por este, ao Governo Civil em 31 de Agosto de 1912186

.

Como referimos, a mesa da Irmandade, na declaração de 1911,

comprometeu-se a apresentar os orçamentos e contas nos prazos legais e a despender

no serviço de culto a quantia que não excedesse a terça parte dos seus rendimentos

totais e dois terços da quantia despendida nos últimos cinco anos, conforme o artigo

181 Petição dos mesários e confrades da Irmandade do Santíssimo Sacramento de Caneças, de 27 de

Janeiro de 1913, face ao encerramento da capela de S. Pedro e à inexistência de aprovação dos seus

estatutos (ACFM/CJBC/LIS/LOU/CEDEN/001). Cf. Anexo XXIV. D. António Mendes Belo,

Patriarca de Lisboa, defendia a necessidade das forças católicas unirem esforços, na defesa do

interesse da religião católica, desenvolvendo ações religiosas e sociais (Carta de D. António ao Secretário de Estado Cardeal de Sua Santidade, 30 de Junho de 1913. AHPL – Provisões, Portarias:

correspondência oficial durante a residência do Sr. Patriarca em Santarém: de 3 de Fevereiro de

1912 a 21 de Outubro de 1916. Carta nº 16. U.I. 174). 182Cf. Anexo XVII. 183 Petição de 13 de Janeiro de 1913 dos mesários e confrades da Irmandade do SSº de Caneças

(ACFM/CJBC/LIS/LOU/CEDEN/001. Fls. 3-5). 184Cf. Anexo XVIII. 185Cf. Anexo XIX. 186Cf. Anexo XXI.

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38º da Lei da Separação. Além de garantirem o culto, continuavam a dedicar-se ao

socorro de irmãos em necessidade. As receitas para isso provinham,

maioritariamente, das quotas de irmãos e de esmolas voluntárias, como já referimos.

Declaração que também foi remetida ao Patriarcado A Irmandade ao tomar esta

posição, correspondia às orientações do Patriarcado, que considerava «lamentável» a

existência das:

«associações cultuais, como ficam sendo as Irmandades regidas por estatutos

aprovados em conformidade com o artigo 17º e seguintes do decreto da

Separação; associações anti-canónicas, condenadas e reprovadas na

sapientíssima Encíclica Iamdudum in Lusitania de 24 de Maio de 1911

[…]»187

.

Pretendia-se que fosse «respeitada a hierarquia e fiquem ressalvados os

direitos espirituais dos párocos»188

. O que estava em causa era a organização e a

gestão do culto, o qual devia estar sob a dependência da hierarquia (prelados e/ou

párocos) e não dos leigos, «ressalvando os legítimos direitos dos párocos, quanto à

presidência e direção do mesmo culto, ao ensino religioso e, geralmente, em tudo o

que pertence à esfera espiritual»189

.

A ação da Irmandade para a manutenção do culto na capela tornar-se-á

infrutífera, como se verá. A problemática envolverá a transformação da Irmandade

187 Carta de D. António Mendes Belo ao Sr. Cardeal de Estado de Sua Santidade, no seguimento da

mensagem da Representação das Irmandades do Santíssimo da cidade de Lisboa, e Ofício-Circular do

Patriarca, de 20 de Agosto de 1913 (Carta nº 50, de 1 de Dezembro de 1913. AHPL – Provisões,

Portarias: correspondência oficial durante a residência do Sr. Patriarca em Santarém: de 3 de

Fevereiro de 1912 a 21 de Outubro de 1916. U.I.174). A encíclica Iamdudum in Lusitania do Papa

Pio X, publicada em 24 de Maio de 1911, criticava a Lei republicana, no que se referia à religião; apoiava a Pastoral Coletiva dos Bispos portugueses em defesa da religião e da Igreja católica e da

união dos católicos (divulgada pelos padres a partir de 1911, em que se condenava a legislação

republicana em matéria religiosa, a perseguição de que a religião estava a ser alvo em termos de poder

espiritual); criticava o afastamento dos Bispos do Porto e de Beja (D. António Barroso e D. Sebastião

Leite de Vasconcelos); considerava que o decreto espoliava à Igreja os seus bens materiais; criticava

as associações cultuais porque o objetivo era afastar o clero da organização do culto e a intervenção

do Estado na esfera eclesiástica; criticava a ruptura pretendida com a Santa Sé, no que respeitava ao

exercício da sua autoridade sobre matérias religiosas em Portugal. Cf. Vitor Neto - O Estado, a Igreja

e a Sociedade em Portugal (1822-1911), p. 278-285. 188 Carta de D. António Mendes Belo ao Sr. Cardeal de Estado de Sua Santidade, no seguimento da

mensagem da Representação das Irmandades do Santíssimo da cidade e Lisboa e Ofício-Circular do Patriarca, de 20 de Agosto de 1913. (Carta nº 50, de 1 de Dezembro de 1913. AHPL – Provisões,

Portarias: correspondência oficial durante a residência do Sr. Patriarca em Santarém: de 3 de

Fevereiro de 1912 a 21 de Outubro de 1916. U.I. 174). 189 Idem. Segundo a carta coletiva dos Bispos Portugueses, de 15 de Março de 1913, «O Papa, com a

plenitude do poder, governa superiormente toda a Igreja, o Bispo governa a diocese; o pároco

administra espiritualmente a paróquia. O pároco exerce, ou qualquer sacerdote, exerce o seu múnus na

dependência do Bispo, assim como o Bispo o exerce na dependência do Papa.» (ACMF – CJBC-

LEGIS- 045 - Carta dos Bispos, p. 22). Cf. Anexo XXV.

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em associação cultual ao abrigo do artigo 17º da Lei da Separação. Transformação

que não é aceite pela associação que declara a reformulação do seu compromisso ao

abrigo do artigo 38º, seguindo as orientações do Patriarcado. Posteriormente, ao

abrigo do artigo 19º da mesma Lei, solicita autorização para a constituição do

agrupamento cultual transitório, com o apoio do pároco de Loures Joaquim José

Pombo.

Neste contexto político-religioso, os fiéis e habitantes de Caneças, como nos

são apresentados os signatários das petições, solicitam a reabertura da capela de São

Pedro ao culto. A população tenta agir, fazendo valer os direitos de manifestar a

liberdade de crença, perante um regime republicano defensor dos princípios da

liberdade, da igualdade, e do direito à segurança e propriedade. Essa liberdade

deveria ter como desiderato manter as suas vivências religiosas, em comunidade, sem

as condicionantes da interpretação de uma lei que abriu caminhos a atos de

intolerância e subjugou, neste caso, as manifestações de fé seculares.

De um momento para o outro, os costumes, a tradição era como que

“coagida” a dar lugar a uma nova ordem cultural e moral, em que os princípios da

liberdade e da tolerância eram entendidos como vontades de um novo regime que

definia o caminho que cada um devia tomar, mas sujeita a interpretações locais que

aumentavam as inimizades e situações de confronto.

Em Caneças, a “questão religiosa” fez-se sentir quanto ao entendimento sobre

a separação dos poderes temporal e espiritual e a intervenção do poder político sobre

o poder eclesiástico e, simultaneamente, sobre as vivências religiosas e a liberdade

de escolha dos cidadãos, a partir das interpretações às leis vigentes190

. O ambiente

religioso vivido no Concelho foi influenciado pelo encerramento das Igrejas ao culto,

as perseguições e violência191

usadas contra os párocos do Concelho, a venda de bens

em hasta pública e a dissolução de algumas das Irmandades, como se referiu no

anterior capítulo.

190 Cf. João Seabra - O Estado e a Igreja em Portugal no início do século XX: a Lei da Separação de

1911. Cascais: Principia Editora, Lda. 2009, p. 97. 191O Governador Civil de Lisboa indagou sobre o autor da expulsão dos padres e o papel dos

regedores e do administrador perante os incidentes, solicitando em 14 de Julho de 1912, ao

Administrador do Concelho de Loures esclarecimentos pela expulsão dos párocos de Loures, Fanhões

e Bucelas. Este último preso pelo «povo da freguesia de Bucelas», por suspeita de conspiração. O

Governador Civil emitiu o seguinte despacho: «não é admissível que cada qual tome para si

atribuições que exclusivamente às autoridades constituídas pertencem […]» (AML – Administração

do Concelho - Correspondência recebida, ano de 1912).

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Neste sentido, os leigos agiram na proteção da sua liberdade religiosa, daí o

seu papel nesta pequena comunidade onde procuraram mover-se perante uma

interpretação “excessiva da lei” e as inúmeras contradições, face aos documentos

remetidos para as autoridades competentes e que pareciam não chegar ao destino. A

instabilidade vivida e sentida motivou a defesa dos valores cristãos em que

acreditavam.

A Irmandade do Santíssimo Sacramento de Caneças atuou na salvaguarda da

liberdade de culto, globalmente pela defesa da religião com direito à identidade. Esse

comportamento traduzia-se na organização do culto e ao seu papel religioso, social,

cultural e até económico192

, mas não foi uma força de oposição ao poder político

instituído. Tanto mais, como afirmou D. António Mendes Belo, «a situação das

Irmandades quanto à sua dependência do poder civil em tudo o que se relaciona com

a administração dos seus bens e rendimentos»193

era anterior ao regime republicano.

Dependência consignada na lei com a obrigação do pagamento de contribuições

sobre os seus bens e para a assistência de obras de beneficência e de instrução.

Não obstante existir em Caneças uma subcomissão do Partido Republicano

Português, não se verificou a existência de pressões, pelo menos expressas e

assumidas, para manter a Igreja aberta ao culto nem para a constituição de cultual,

nem o oposto. Alguns destes republicanos, e respetivas famílias, estão entre os

signatários das petições, apresentadas para a reabertura da capela ao culto, para o

reconhecimento da legalidade da Irmandade do Santíssimo Sacramento,

posteriormente, para a constituição do agrupamento cultual transitório e,

simultaneamente, constituíam a elite política local194

.

192 A feira na 2ª feira da Páscoa deixou de realizar-se como costume, pelo que os habitantes

apresentaram uma petição (16 de Março de 1911) para que a feira se realizasse no Domingo de Páscoa

(AML- Câmara Municipal de Loures: Representações e requerimentos, de 1911 a 1914). A dinâmica

económica do lugar em torno da vida religiosa foi uma realidade, por ocasião dos festejos da Páscoa e

do Dia do santo Padroeiro (AML – Câmara Municipal de Loures: Requerimentos e representações, de

1911 a 1914.) 193 Carta do Sr. Patriarca ao Sr. Cardeal de Estado de Sua Santidade, de 1 de Dezembro de 1913 (Carta

nº 50, de 1 de Dezembro de 1913. AHPL – Provisões, Portarias: correspondência oficial durante a residência do Sr. Patriarca em Santarém: de 3 de Fevereiro de 1912 a 21 de Outubro de 1916. U.I.

174). 194António Duarte Sacavém foi barbeiro em Caneças e guarda do cemitério municipal de Caneças.

Após o 5 de Outubro de 1910, tornou-se presidente da filarmónica «Sociedade Musical de Caneças»,

membro da Subcomissão Paroquial do Partido Republicano Português de Caneças e da Comissão

Paroquial Municipal do mesmo Partido (cf. Loures na Memória da República: 4 de Outubro de 1910,

p. 29), não assinou qualquer das petições. Também não se verificaram, da sua parte, declarações,

expressas ou implícitas, de oposição à abertura da capela ao culto ou à legalidade da Irmandade do

SSº na documentação estudada. António Duarte Sacavém foi uma das vítimas da pneumónica em 1 de

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Da análise da documentação, observamos a existência de informações que se

contradizem, quanto aos procedimentos realizados pela Irmandade do Santíssimo

Sacramento de Caneças, em cumprimento da legislação em vigor, e a administração

do concelho de Loures. Tais posições levaram à dissolução da Irmandade e ao

encerramento da capela ao culto, durante a administração do Concelho por João

Raymundo Alves195

, que esclareceu sobre a inexistência de «qualquer espécie de

reclamação» ou «pedido para a reabertura de qualquer das referidas igrejas ou

capelas.»196

As diligências tomadas pela Irmandade do Santíssimo Sacramento, com o

apoio dos habitantes e dos párocos, contrariam a afirmação transcrita, presente no

Edital. Todavia, como expusemos no capítulo anterior, por ocasião do arrolamento

de bens da capela de São Pedro de Caneças, em 17 de Junho de 1911, o jornal O

Cinco de Outubro197

, refere uma reunião entre o Administrador do Concelho e a

Irmandade de São Pedro de Caneças (Santíssimo Sacramento) sobre o arrendamento

da Quinta das Lages, pertencente à capela de São Pedro. A Quinta das Lages tinha

sido doada à confraria como prova o testamento de José Maria Lourenço Junior,

lavrado em 27 de Abril de 1903. O legado foi aceite pelos mesários para que

pudessem socorrer aos inválidos e enfermos pobres de Caneças, pelo que procederam

à realização das diligências legais para a concessão da licença régia sobre a referida

doação198

. No entanto, o Administrador do Concelho informou os mesários que,

terminado o ano de arrendamento, o imóvel passava para a posse do Estado.

Outubro de 1918. Embora não tenha subscrito nenhuma das petições para a reabertura da capela ao culto, membros da sua família assim procederam, como sua mãe Matilde do Nascimento. Segundo o

testemunho oral de uma familiar, por ocasião do encerramento da capela, deu calma aos habitantes. O

seu espólio manuscrito continha informações sobre os acontecimentos da época, mas foram doados ao

antigo Arquivo de Loures, desconhecendo-se até à data o seu paradeiro. Outros confrades

desempenharam cargos políticos na Câmara Municipal de Loures e na Junta de freguesia de Caneças,

criada em 10 de Setembro de 1915, como se refere no 3º capítulo. 195Administrador do Concelho de Loures, de 1911 a 25 de Julho de 1912, renomeado em Janeiro de

1913. 196 Edital de 15 de Novembro de 1914, publicado em Quatro de Outubro. Lisboa. Nº 131 (22 de

Novembro de 1914) 3. A cópia do mesmo Edital consta no processo da Comissão Central de

Execução da Lei da Separação ACMF/CJBC/LIS/LOUCEDEN/001. Processo 2782, fl. 29.) 197O Cinco de Outubro. Lisboa. Nº 21 (19 de Novembro de 1911) 1. Jornal semanário republicano,

cujo proprietário foi António Ribas d’ Avelar, solicitador, que se candidatou pelo Círculo 36 (a que

pertencia o concelho de Loures) nas eleições de 28 de maio de 1911 para a Assembleia, mas não foi

eleito. Protestou contra o resultado eleitoral no Círculo e propôs a repetição de votação nas

assembleias de voto de Bucelas, Cadafais, Cadaval, Loures, Meca, Sacavém, Stª Ana da Carnota

(AHP – Secção IX, cx. 46-A). Ribas d’ Avelar foi Presidente da Câmara dos Solicitadores entre 1933-

1934. 198AHPL – Livro de deliberações da Irmandade de São Pedro de Caneças. U.I. 1885. Ata de 10 de

maio de 1905, p. 5-5 verso. Informação comprovada pelo testamento do testador, lavrado em 27 de

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Por outro lado, a Irmandade realizava os normais procedimentos

administrativos, os quais pareciam decorrer sem problemas, não fossem as

dificuldades de comunicação entre a Irmandade e a Administração do Concelho. A

mesa reeleita da Irmandade do Santíssimo Sacramento, em 28 de Janeiro de 1912199

enviou ao Administrador do Concelho cópia da ata da eleição dos novos membros da

mesa que serviriam no ano 1912-1913.

Em 10 de Março do mesmo ano, o secretário da Irmandade, solicitou à

mesma entidade, o envio do orçamento aprovado superiormente, referente ao ano

económico 1911-1912, decisão que era do seu conhecimento200

. A falta do

orçamento estava «causando grande transtorno ao regular andamento dos negócios»

da corporação, uma vez que era necessário adquirir cera, azeite, vinho e hóstias para

o culto, assegurar as esmolas aos pobres, pagar ao padre capelão, ao sacristão e a

limpeza da igreja. De facto, o Governo Civil de Lisboa comunicara em ofício de 13

de Fevereiro de 1912, a aprovação do orçamento201

, o qual devia ser entregue à

Irmandade do Santíssimo Sacramento.

Além da elaboração do orçamento, a mesa enviou ao Administrador do

Concelho202

, em 25 de Junho, os três exemplares dos estatutos, em cumprimento da

deliberação da confraria em assembleia geral e do estabelecido na Lei da Separação.

Documentos que provam que a Irmandade apresentou os Estatutos reformados para

aprovação superior e contrariam a argumentação da administração concelhia203

e até

do Governo Civil, num dado momento, de que a Irmandade não reunia, desde 1909,

era administradora de «umas propriedades que pertenciam à capela que passaram

Abril de 1903 (ACMF – DGCI -LIS - LIS 3- IS -02786). Depois do arrendamento da Quinta, esta foi

vendida por arrematação a Constâncio Vigoço. Mais tarde, a Quinta passou a ser gerida pela Obra de

N. Sr.ª do Amparo e foi abrigo para enfermos do sexo masculino. Há poucos anos, a Quinta foi doada

à Província Portuguesa da Ordem Franciscana, sendo um espaço em que o Movimento Emaús exerce

a sua atividade sócio-caritativa. Anexo XII. 199 Os mesários foram reeleitos para os seguintes cargos: Juiz, Francisco Fernandes Lapa; Tesoureiro,

Manuel Nunes; Procurador, António Rodrigues Rolim; Secretário, José Temo Rodrigues; Irmãos: José

Bento Luís Cardoso e José Martiniano Sarreira (AML – Administração do Concelho de Loures -

Correspondência recebida, ano de 1912). 200AML – Administração do Concelho de Loures - Correspondência recebida, ano de 1912. 201AML – Administração do Concelho de Loures - Correspondência recebida, ano de 1912. 202Ofício da Irmandade do Santíssimo Sacramento de Caneças, de 25 de Junho de 1912 (AML –

Administração do Concelho de Loures - Correspondência recebida, ano de 1912. Ofício presente

também no Arquivo do Governo Civil de Lisboa - processo nº 1353, cx 51. Comprovado pelo ofício

da 3ª Repartição do Governo Civil ao Presidente da Comissão Central da Execução da Lei da

Separação, datado de 17 de Fevereiro de 1916 (ACMF/ CJBC/LIS/LOU/ ADMIN/028 - Processo

2101, L. 9, fl. 22). 203 Cópia da resposta do Administrador do Concelho sobre a Irmandade do SSº de Caneças, ao

Governo Civil de Lisboa, em 2 de Junho de 1913 (ACMF – CJBC/LIS/LOU/ADMIN/028 - Processo

nº 2101, fl. 7, cópia nº 2). Cf. Anexo XXX.

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para a posse do estado» e não tinha o projeto de estatutos aprovados. Mas as

autoridades competentes não intimaram a corporação para a correção de eventuais

irregularidades no projeto de estatutos.

Contrariando a argumentação de que a mesa da Irmandade não reunia, desde

1909, além das outras atas anteriormente indicadas, considere-se a última ata

redigida pela Irmandade do Santíssimo Sacramento, no livro de deliberações, em 30

de Junho de 1912. A ata refere-se ao exame do orçamento e das contas do ano

económico 1911-1912, cujos mapas estão presentes no Livro das contas da

Irmandade de São Pedro de Caneças204

, o que demonstra que a Irmandade mantinha

as suas tarefas.

O Juiz da Confraria à época205

, Jacinto José de Carvalho, ao tomar

conhecimento «extra oficialmente que se pretendia fechar a capela de Caneças»206

,

por não haver administração que assumisse tal responsabilidade, enviou uma segunda

cópia da ata, autenticada, da eleição para a gerência no ano 1912-1913. Da eleição

mencionada, informa que, em devido tempo, foi dado conhecimento, o que realmente

se comprova pelo ofício de 27 de Julho de 1912. Se a informação não chegou à

administração concelhia foi por «motivo de extravio» escreveu o Juiz. Neste ofício,

relembra também o envio de três cópias dos estatutos à administração do Concelho

para serem aprovados pela «estação competente»207

.

Pelos motivos descritos no ofício, o Juiz considerou que não podia alegar-se

que a confraria estava «fora da lei» porque se encontrava «em igualdade de

circunstâncias dos suas congéneres que esperam aprovação dos estatutos.»208

204 AHPL – Livro das contas da Irmandade de São Pedro de Caneças. U.I. 1930. 205Em ofício de 26 de Julho de 1912, a Irmandade comunica à administração do Concelho, a decisão,

em reunião magna, de eleger os seus corpos gerentes. No livro de deliberações não houve registo de atas, além do dia 30 de Junho de 1912. A nova mesa foi eleita em 1 de Julho de 1912. Todavia,

podemos especular sobre motivos pessoais que possam estar na origem desta mudança, antes de findar

o ano de gerência da mesa eleita em Janeiro de 1912. De toda a maneira, a mesa eleita em 1 de Julho

de 1912, dirigirá a vida da Irmandade do Santíssimo Sacramento de Caneças, tendo remetido à

administração concelhia cópia da ata da sua eleição, em 24 de Novembro do mesmo ano. Também foi

esta mesa que promoveu a petição de mesários e confrades de 27 de Janeiro de 1913. 206A nova mesa foi eleita em reunião magna, sob a presidência de Manuel Fernandes Lapa, José

Telmo Rodrigues Gouveia secretariou a reunião e Manuel Nunes foi o escrutinador. Foram eleitos

Jacinto José de Carvalho, Juiz; José dos Santos Paisana, Tesoureiro; Sebastião da Silva Caliça ou

Caliço (?), Procurador; Joaquim da Silva Galucho, Secretário. Os novos membros tomaram posse dos

cargos, os quais foram conferidos pelo Juiz da mesa cessante, Francisco Fernandes Lapa e restantes

confrades (AML – Administração do Concelho de Loures - Correspondência recebida, ano de 1912).

Cf. Anexo XX. 207 Idem. 208 Idem.

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De acordo com as cópias documentais209

, a Irmandade apresentou no

Governo Civil, em Setembro de 1912, «o projecto dos seus novos estatutos, assinado

por 24 irmãos, tendo antes, em Fevereiro do dito ano, apresentado a declaração

exigida pela portaria de 18 de Novembro de 1911»210

.

O ofício, acima referido, menciona também um requerimento apresentado por

proprietários e habitantes de Caneças, trezentos signatários, em que solicitam a

abertura da capela ao culto, pois esta tinha sido «encerrada com o fundamento de não

ter a cultual»211

e que os estatutos estavam «devidamente reformados conforme a

lei»212

. Informação corroborada pela documentação presente no Arquivo do Governo

Civil de Lisboa, remetida em 31 de Agosto de 1912 pela administração do Concelho,

mas sobre a mesma não existe referências documentais quanto ao seu envio por esta

entidade.

Esta informação é muito importante, porque contraria as versões da

administração do Concelho e reforça a posição sempre defendida pela Irmandade no

que se refere ao envio dos documentos.

A Irmandade tinha de facto harmonizado os estatutos, somente, aguardava a

sua aprovação pelo Governo Civil. Pesem as informações contraditórias sobre o

projeto de estatutos a harmonizar, a eleição dos corpos gerentes da Irmandade, o

número de irmãos que serviam a Irmandade e os comportamentos anticlericais contra

o padre João Ramos do Rosário que confirmou a preocupação pela notícia que corria

em Caneças sobre o encerramento da capela, em finais de 1912213

.

O sentimento antirreligioso, no sentido de não considerar válida a prática

religiosa e o anticlericalismo, teve ecos na imprensa escrita concelhia que elogiava as

medidas do Governo Provisório e a Lei da Separação na questão das cultuais. E, no

209 Ofício do Governo Civil à Comissão Central de Execução da Lei da Separação, de 17 de Fevereiro

de 1916, sobre o envio da declaração de 10 de Dezembro de 1911 e do projeto de estatutos de 25 de

Junho de 1912 da Irmandade do Santíssimo Sacramento de Caneças (ACMF – CJBC/LIS/LOU/

ADMIN/028 - Processo nº 2101, L. 9, Fl. 22). Cf. Anexo L. 210 Idem. 211 Requerimento dirigido ao Governador Civil de Lisboa, datado de 12 de Abril de 1913 (AGCL -

Processo nº 1353, cx 51). Cf. Anexo XXVI. Confirmado pelo ofício do Governador Civil ao

Presidente da Comissão Central da Execução da Lei da Separação, de 17 de Fevereiro de 1916: «em

Abril de 1913, deu também entrada nesta secretaria, uma representação, assinada por cerca de 300

moradores do referido lugar de Caneças, e sobre a qual se mandou ouvir o respectivo administrador do

concelho do concelho, pedindo para a reabertura ao culto da Capela de S. Pedro […] visto a

Irmandade ter apresentado os seus estatutos em devido tempo.» (ACMF – CJBC/LIS/LOU/

ADMIN/028 - Processo 2101). 212 Idem. 213Cf. Anexo XXIII.

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caso da capela de S. Pedro de Caneças, esta tinha de ser encerrada para o

cumprimento da Lei da Separação214

.

A contestação dos fiéis, confrades e moradores de Caneças, do padre capelão,

posteriormente, do pároco de Loures Joaquim José Pombo, não bastou para evitar a

dissolução da Irmandade do Santíssimo Sacramento e o encerramento da capela ao

culto, nem impediu a mobilização da comunidade para atingir os seus intentos, num

contexto político adverso no Concelho.

As petições dos fiéis e moradores (os dois requerimentos datados de Janeiro e

Abril de 1913, posteriormente, os requerimentos de 1914 e 1918) vão ser os

mecanismos de lutas pacíficas utilizados, sempre enunciando os mesmos motivos: a

necessidade da reabertura da capela ao culto público e a Irmandade harmonizara os

estatutos e declarara o seu propósito de os reformar ao abrigo do artigo 38º da Lei da

Separação, por conseguinte solicitava que a capela fosse reaberta ao culto.

Para os signatários das petições, o encerramento da capela era contrária à Lei

da Separação, pelo que solicitavam a reabertura da capela e a entrega do dinheiro das

rendas à mesa administrativa da Irmandade, pois em sua defesa alegavam a entrega

dos documentos exigidos. As incoerências surgem entre as alegações da

administração do Concelho e os mesários. Senão observemos o comportamento do

administrador do Concelho, em 15 de Maio de 1913215

.

Nessa data, o Administrador do Concelho informou o Governo Civil que a

capela estava encerrada há dez meses, por inexistência de pároco que, em tempos,

tinha existido a Irmandade de São Pedro; que a Irmandade não possuía bens e

rendimentos próprios; que a Irmandade não tinha reformado os seus Estatutos e tinha

somente cinco irmãos, cujo número era ilegal, que a capela não tinha rendimentos e

que os bens arrolados não tinham sido reclamados, pelo que era de parecer que a

Irmandade fosse extinta.

Quanto há informação de que a Capela se encontrava encerrada «há dez

meses» não constituiu um esclarecimento imparcial, porque o padre capelão ainda

exercia aí o culto. As ameaças ao padre começaram em Agosto de 1912 e a julgar

pela sua exposição de 16 de Dezembro desse ano, corria o boato que queriam

214Quatro de Outubro. Lisboa. Nº 1 (24 de Novembro de 1912) 2. 215 Ofício da 3ª Repartição do Governo Civil ao Presidente da Comissão Central da Execução da Lei

da Separação, datado de 17 de Fevereiro de 1916 (ACMF – CJBC/LIS/LOU/ ADMIN/028 - Processo

2101, L. 9, Fl. 22). Cf. Anexo L.

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encerrar a capela. Tanto mais que a Comissão Concelhia de Administração de Bens

Eclesiásticos de Loures deliberou guardar as chaves da capela, em reunião de 30 de

Dezembro de 1912216

, alegando que o culto era realizado ilegalmente e

desconheciam o padre que o praticava. Portanto, na capela era exercido o culto

público.

Em resposta ao inquérito217

sobre a Irmandade do Santíssimo Sacramento, o

Administrador do Concelho, João Raymundo Alves218

, propôs a extinção da

Irmandade, em 14 de Junho de 1913, a cuja proposta juntou um auto de inquérito em

que, apenas, foram ouvidas quatro testemunhas sobre a situação da corporação.

Quanto à Irmandade de S. Pedro de Caneças, as duas Irmandades estavam reunidas

por decisão em assembleia magna; os livros de deliberações (atas) e das contas, bem

como os orçamentos aprovados pela estação competente mostram que a Irmandade

tinha vitalidade: garantia as despesas do culto, a conservação da capela, pagava as

contribuições respetivas, assegurava o socorro aos irmãos carenciados e promovia as

festividades em honra de N. Sr.ª. do Rosário219

, por ocasião da Páscoa e realizava a

festa do santo Padroeiro, louvado em procissão e missa cantada.

A documentação, além de demonstrar a atividade da Irmandade, fornece-nos

contributos importantes para compreendermos a vivência religiosa da comunidade,

desde os finais da monarquia constitucional até ao advento da República. O sentido

de pertença comunitária também é revelado pelos registos paroquiais, pois dão-nos a

conhecer os matrimónios, os batismos e óbitos, na medida em que não havia registo

civil autónomo220

.

Considerando as objeções e as contestações dos confrades nas petições e os

seus esclarecimentos, em 1913, estas não foram suficientes, pois o Governador

216 Ata de 30 de Outubro de 1912 da Comissão Concelhia de bens Eclesiásticos. (ACMF – Livro de

atas da Comissão Concelhia de Loures, nº 1, de 1912 a 1925.) 217Após ofício da 3ª Repartição de 21 de Maio de 1913, foi remetido o Ofício inquirindo sobre a

Irmandade do Santíssimo Sacramento de Caneças. Documento referido no ofício da 3ª Repartição do

Governo Civil ao Presidente da Comissão Central da Execução da Lei da Separação, datado de 17 de

Fevereiro de 1916 (ACMF – CJBC/LIS/LOU/ ADMIN/028 - Processo 2101, L. 9, Fl. 22.) 218 Novamente, nomeado Administrador do Concelho, desde Janeiro de 1913, após exoneração em 25

de Julho de 1912. 219 ANTT – Governo Civil: Irmandades – Contas de gerência. 220 O Código do Registo Civil obrigatório foi publicado a 18 de Fevereiro de 1911. O nascimento da

filha Sara de António Duarte Sacavém e de Maria Henriqueta Pedroso foi registado pelo oficial João

Raimundo Alves na repartição do Registo Civil de Loures, em 30 de Março de 1911 (Registo de

nascimento, nº 13, p. 44-45). O padrinho António Mateus dos Santos, natural de Caneças, de profissão

proprietário, morador em Lisboa, foi mordomo da Irmandade do SSº de Caneças entre 1907-1908,

desempenhou a função de regedor nos anos 20 do século passado.

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Civil221

acabou por emitir o despacho da dissolução da Irmandade, em 9 de Setembro

de 1913.

Os fundamentos de suporte à extinção da Irmandade e à adjudicação222

dos

seus bens ao Estado não corresponderam, de todo, à realidade: funcionava

irregularmente, mas não intimaram a Irmandade sobre eventuais correções ao projeto

de estatutos, considerando que os estatutos se encontravam no Governo Civil; os

irmãos não realizavam as suas contribuições e o seu número era insuficiente para a

constituição dos corpos gerentes, contradiz a mobilização de pessoas que

subscreveram as petições e os orçamentos e contas apresentados.

Por outro lado, tendo solicitado informação sobre as duas Irmandade, no ato

de dissolução o Governador Civil não se refere a nenhuma das Irmandades em

concreto, à de São Pedro ou à do Santíssimo Sacramento.

A ação dos católicos não esmoreceu e, em 1914, procuram a aproximação ao

poder político-administrativo.

2.2- INTERRUPÇÃO DA LIBERDADE DE CULTO

A Lei da Separação223

no seu artigo 1º pretende salvaguardar e legitimar aos

cidadãos o direito de escolha de credo e passamos a citar: «A República reconhece e

garante a plena liberdade de consciência a todos os cidadãos portugueses e ainda aos

estrangeiros que habitarem o território português.» Desta forma, artigo contemplou

este princípio de liberdade de consciência, mas não impediu a discórdia entre a esfera

do religioso e a esfera da política. A separação pôs em causa a comunhão de

interesses pela forma como foi interpretada e legitimada na lei. A questão religiosa

continuava a estar associada à questão política.

221 Cópia do despacho do Governo Civil de Lisboa enviado à 2ª Comissão Central de Execução da Lei

da Separação (ACMF – CJBC/LIS/LOU/ADMIN/028 - Processo nº 2101). Cf. Anexo XXXI. 222A Comissão Concelhia de Administração dos Bens Eclesiásticos de Loures, em reunião de 31 de

Dezembro de 1912, decidiu arrendar a Quinta das Lages e duas casas pertencentes, no seu entender à Capela. (ACMF – Livro de atas da Comissão Concelhia de Loures, nº 1, de 1912 a 1925). As casas

eram legados pios administrados pela Irmandade e a Quinta das Lages, como já referimos, tinha sido

legada em testamento à Irmandade para cumprir fins caritativos. Missão que, nos nossos dias, cumpre

ligada ao Movimento Emaús. A mesma Comissão deliberou a venda da azeitona, das oliveiras no

Largo fronteiro à Capela de S. Pedro, em reunião de 8 de Agosto de 1913 (ACMF – Livro de atas da

Comissão Concelhia de Loures, nº 1, de 1912 a 1925). Da deliberação resultou o respetivo Edital,

publicitado no Quatro de Outubro. Lisboa. Nº 130 (15 de Novembro de 1914) 3. O produto da venda

das azeitonas, antes da revolução, revertia para a capela de S. Pedro. 223 Lei da Separação de 20 de Abril de 1911. D.G. nº 92 (21 de Abril de 1911).

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A Igreja Católica era reconhecida pela monarquia constitucional mas, na

República, perdeu a sua personalidade jurídica enquanto instituição, a qual só era

reconhecida caso se constituíssem as cultuais224

. A Lei da Separação retirou à

hierarquia católica o direito de decidir sobre a gestão do culto. A livre escolha de

credo estava contemplada no artigo 1º do normativo, o mesmo não aconteceu quanto

à forma de o manifestar ou de gerir a sua religião, desde o culto ao uso do hábito

talar pelos ministros da religião.

Os leigos teriam de assumir um novo papel, no que se referia à gestão do

culto, passando este a ser da sua responsabilidade, uma vez que a Lei determinava a

criação de associações cultuais que deviam ter como principal propósito a assistência

e a beneficência225

. Embora o artigo 19º da Lei ressalvasse a formação de

agrupamentos cultuais transitórios de fiéis (face à impossibilidade de se formarem as

cultuais, de acordo com os artigos anteriores), em que os mesmos contribuíssem para

o culto público, sob iniciativa particular, devendo o ministro da religião organizar a

contabilidade.

A hierarquia católica vê diminuído o poder de ação naquilo que considera ser

do âmbito da sua esfera. A Igreja Católica, enquanto instituição/organização, assistiu

à secundarização do seu papel na sociedade durante a I República, nomeadamente na

gestão dos assuntos que constituíam o seu múnus, ainda que, na monarquia, várias

ações tenham subordinado o poder da Igreja ao poder político226

.

Este conflito de interesses, provocado pela Lei da Separação, guiou o modo

de atuar de leigos e Igreja/instituição, em que os intervenientes procuraram legitimar

as suas ações e mobilizar-se para atuarem nos ambientes mais adversos. O patriarca

D. António Mendes Belo apelou ao Presidente da República, para que não se

levantassem «[…] embaraços à igreja nos assuntos que são da sua exclusiva

competência e atribuições e fazem parte dos seus direitos espirituais».227 D. Mendes

Belo, na mesma carta, reconhece a autoridade do Estado e tudo o que pertence ao

domínio temporal.

224Cf. Como refere Luís Salgado de Matos: «Segundo a Lei da Separação, a Igreja só tinha

personalidade jurídica face ao Estado português por meio das associações cultuais». In Luís Salgado

de Matos - A Separação do Estado e da Igreja. Alfragide: Publicações D. Quixote, 2011, p. 43. 225 Artigos 17º e 18º da Lei da Separação de 20 de Abril de 1911. D.G. nº 92 (21 de Abril de 1911). 226 Cf. Vitor Neto - O Estado, a Igreja e a Sociedade em Portugal (1832-1911), p. 31 e sg. 227Carta datada de 8 de Janeiro de 1913 (AHPL – Provisões, Portarias: correspondência oficial

durante a residência do Sr. Patriarca em Santarém: de 3 de Fevereiro de 1912 a 21 de Outubro de

1916. U.I. 174).

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Neste ambiente desfavorável quanto ao modo de ser assegurado o culto pela

esfera do religioso, a Irmandade do Santíssimo Sacramento de Caneças procurou

reagir na tentativa de ser respeitada a liberdade religiosa quanto ao culto público228

.

Foi necessário unir esforços para promover a liberdade de culto sem que a Irmandade

se tornasse uma cultual.

Todavia, foram anos complicados para alcançarem os seus propósitos, da

parte do Patriarcado não houve uma posição de contestação quanto aos caminhos

escolhidos para a reabertura da capela ao culto, mesmo após a insistência da

Irmandade em reformar os estatutos ao abrigo do artigo 38º. Intenção expressa no

artigo 11º do projeto de estatutos de 1 de Junho de 1912229

. Ao contrário do sucedido

à cultual de Sacavém (constituída ao abrigo do artigo 17º da Lei da Separação), cujo

interdito à mesma Irmandade foi anulado após os pedidos dos mesários que

pretendiam ser reconhecidos pelo Patriarcado e Santa Sé230

.

Malgrado o pedido para a manutenção da capela de São Pedro aberta ao culto,

junto das autoridades políticas, este não foi atendido e a Irmandade também não viu

reconhecida legalmente a sua constituição. A Irmandade evocou a sua antiguidade

«com estatutos do tempo do Marquez de Pombal»231

e que, após a Lei da Separação,

os mesários e o capelão apresentaram as declarações consignadas na Lei, assim como

procederam à reforma dos estatutos. Sobre os estatutos aguardavam a aprovação dos

mesmos pelo Governo Civil, mas os seus argumentos não foram tidos em

consideração.

Para os signatários, como já referimos, o encerramento da capela era contrária

à Lei da Separação, pelo que solicitavam a reabertura da capela e a entrega do

dinheiro das rendas à mesa administrativa da Irmandade.

Perante o encerramento da capela, o Administrador do Concelho e o

Presidente da Câmara Municipal de Loures solicitaram a concessão do arrendamento

do edifício232

para a instalação de uma escola do ensino primário (16 de Fevereiro de

228 Agiram sem afrontar a legitimidade do poder político instituído em 5 de Outubro de 1910. 229Cf. Anexo XVIII. 230 Portaria de 25 de Agosto de 1922 (AHPL – Decretos, Portarias e Provisões: anos de 1916-1930.

U.I. 172). 231Petição dos mesários e confrades da Irmandade do Santíssimo Sacramento de Caneças ao Ministro

da Justiça, datada de 27 de Janeiro de 1913 (ACMF/ CJBC/LIS/LOU/CEDEN/001 - Processo 2782,

fls. 3-5). Requerimento de 12 de Abril de 1913 de moradores e proprietários de Caneças (AGCL –

Confraria do Santíssimo Sacramento de Caneças. Processo nº1353, cx. 51). 232Em sessão de Câmara de 4 de Março de 1914, foi dado a conhecer o ofício da Comissão Central da

Execução da Lei da Separação que questionava a Câmara sobre o valor das rendas que esta proporia

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1914), à Comissão Central de Execução da Lei da Separação, conforme a Lei da

Separação233

.

A Junta de Paróquia de Loures reforçou a informação, em 5 de Março de

1914, ao comunicar que, na capela de São Pedro de Caneças, não era exercido o

culto, desde Junho de 1912 «por falta de concorrência de fiéis e pela ausência do

respetivo pároco.»234

O argumento não corresponde à verdade dos factos pelo que se apurou, como

demonstrámos no capítulo anterior. Por outro lado, os novos requerimentos do

pároco de Loures, dos fiéis e habitantes de Caneças, em 1914, contrariam os

fundamentos das autoridades políticas administrativas do Concelho.

Os habitantes do lugar de Caneças e Vale de Nogueira continuaram a

defender a coesão e autonomia religiosa em relação ao poder civil, no que respeitou à

abertura da capela ao exercício do culto público, não aceitando as decisões políticas e

tão pouco compreendiam os motivos. Apresentaram então a nova petição235

ao

Ministro da Justiça Sousa Monteiro236

, em 30 de Agosto de 1914, pois pretendiam

que fosse concedida autorização para se «continuar a cumprir os seus deveres

religiosos na Capela de São Pedro»237

.

Os signatários solicitavam que fosse tida em consideração a existência de

baptistério na capela e cemitério privativo238

, e que o pároco tinha «sempre exercido

pelas igrejas de Caneças, Frielas, Póvoa de Santo Adrião e Loures. A Câmara informa, nesse

documento, que tinha pedido a cedência de edifícios onde não era exercido o culto: sugeriu a renda

anual de 20 escudos para a capela de São Pedro; para a Igreja da Póvoa de Santo Adrião, propôs a

renda anual de 26 escudos; de 12 escudos para a capela de Santa Ana, a qual estava em situação de

ruína; para na Igreja de Frielas, onde funcionava há um ano uma escola provisória, por não haver

outra casa no lugar, propôs o arrendamento anual de vinte e quatro escudos (ACMF –

Arquivo/CJBC/LIS/LOU/ESTAT/002 e CJBC/LIS/LOU/CEDEN/001). De facto, a Junta de Paróquia

de Loures pediu o encerramento da capela. Além da capela de São Pedro de Caneças, também as

igrejas paroquiais de Frielas, Loures, Póvoa de Santo Adrião e de Odivelas foram propostas para cedência dos edifícios. Como referimos no capítulo 1, estas igrejas foram encerradas, por não se

realizar o exercício do culto, pelo que «as respectivas Juntas de Paroquias» pediam a cedência destes

edifícios para serem adaptados a escolas (ACMF – CJBC/LIS/LOU/CEDEN/001 - Ofício da

Administração do Concelho de Loures, datado de 16 de Fevereiro de 1914, dirigido ao Presidente da

Comissão Central de Execução da Lei da Separação (assina o ofício João Raymundo Alves). 233Artigos 90º e 91º da Lei da Separação de 20 de Abril de 1911. D.G. nº 92 (21 de Abril de 1911). 234 ACMF – Arquivo/CJBC/LIS/LOU/ESTAT/002. 235 Petição dos habitantes do lugar de Caneças e Vale de Nogueira, de 30 de Agosto de 1914

(ACMF – CJBC/LIS/LOU/CEDEN/001 - Processo 2782, L. 7, fl. 80). Cf. Anexo XXXVII. 236Eduardo Augusto de Sousa Monteiro ocupou a pasta da Justiça de 22 de Julho a 12 de Dezembro de

1914, no Ministério de Bernardino Machado (9 de Fevereiro a 12 de Dezembro de 1914). 237O novo pedido deu também entrada na mesma Direcção em 2 de Setembro de 1914

(ACMF – Arquivo/CJBC/LIS/LOU/ESTAT/002). 238Cemitério existente antes de 1819 anexo à capela de S. Pedro de Caneças. O cemitério Municipal

foi criado em 1885, no tempo da Câmara Municipal dos Olivais.

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as suas funções paroquiais»239

e que na povoação não existia outra capela pública.

Fundamentos apoiados pelo pároco de Loures240

, Joaquim José Pombo, que

mencionou que sempre se tinha exercido culto público, na capela. Os «habitantes

daquele importante e populoso lugar» necessitavam da capela para o exercício do

culto público. O pároco valorizou as necessidades espirituais dos crentes.

Na petição, os requerentes não mencionam os argumentos utilizados nos

pedidos anteriores, nem se referem em concreto à Lei da Separação. Atendendo aos

motivos apresentados, pediam os 103 signatários que a capela fosse aberta ao culto

católico. Assinam o requerimento homens e mulheres241

, de diferente estatuto social

e ocupação profissional (como nas petições de 27 de Janeiro e de 12 de Abril de

1913).

O pároco de Loures mencionou ainda o desejo dos habitantes de Caneças em

que fosse criada a freguesia, conforme projeto apresentado à Câmara Municipal de

Loures. Caso a capela fosse encerrada ao culto, os habitantes ficariam

impossibilitados do culto católico a que tinham direito.

Para o pároco de Loures a ordem de reabertura da capela ao culto dependia da

autoridade administrativa correspondente, pelo que era de justiça a devida

autorização para o exercício livre do culto católico e do capelão, nos termos dos

artigos 94º242

e 95º243

da Lei da Separação. O pároco também se mostrou contrário ao

239ACMF – CJBC/LIS/LOU/CEDEN/001 - Processo 2782, L. 7, fl. 80. 240Ofício do pároco de Loures Joaquim José Pombo remetido ao Ministro da Justiça, datado 16 de

Junho de 1914, que o enviou à Comissão Central de Execução da Lei da Separação.

(ACMF – CJBC/LIS/LOU/CEDEN/001 - Processo 2782, L. 7, Fl. 80). Cf. Anexo XXXV. 241Comerciantes, trabalhadores, antigos mesários, proprietários - Família Appleton (Família de

proprietários de terra que se dedicava à agricultura, com prémios de produção), Família Vieira Caldas

(Homens da família ocuparam cargos na vereação na Câmara Municipal dos Olivais. Um dos largos

principais de Caneças, o Rossio, é denominado Largo Vieira Caldas. José Manuel da Silva de Passos

refere-se a «António Vieira Caldas, capitalista e importantíssimo proprietário em Caneças, que

empregou toda a sua influência política, como particular amigo do estadista António Maria Fontes

Pereira de Melo, e sacrificou grande parte da sua fortuna a beneficiar e melhorar esta localidade.» In

O bilhete postal ilustrado e a história urbana da Grande Lisboa. Lisboa: Editora Caminho, 1997, p.

29. 242 Artigo 94º- «Nos edifícios referidos nos artigos anteriores só poderão tomar parte nas cerimónias cultuais, principal ou acessoriamente, os ministros da religião católica, que forem cidadãos

portugueses, tiverem feitos os seus estudos teológicos em estabelecimentos de ensino nacionais e não

tiverem incorrido nem incorrerem na perda dos benefícios materiais do Estado.» 243 Artigo 95º- «Nas catedrais e igrejas, que até agora têm sido paroquiais, os ministros da religião

encarregados de presidir às cerimónias do culto poderão ser os mesmos que actualmente

desempenham essas funções, salvo se não satisfizerem aos requisitos do antecedente artigo; e, quando

por qualquer causa houverem de ser substituídos por outros, estes, sob pena de desobediência, não

poderão funcionar enquanto o Estado, por intermédio do Ministério da Justiça, não verificar, sobre

requerimento dos próprios, que reúnem as condições do artigo anterior […]».

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encerramento da Igreja de Loures e à possibilidade da Igreja ser utilizada para fins

diferentes da sua natureza244

.

O pároco reiterou ainda as suas considerações manifestadas em novo

ofício245

, mais uma vez pedia que fossem atendidos os factos de a capela de S. Pedro

ser a única na povoação, que nela existia baptistério e cemitério privativo e que aí se

faziam as encomendações dos falecidos. Pelos factos apresentados, o pároco reforçou

a necessidade da capela ser aberta ao culto católico paroquial, tecendo a seguinte

consideração sobre os habitantes «que na sua maneira são católicos» de que o pároco

dava o seu «testemunho, a fim de poderem continuar […] os seus deveres

religiosos», mas também era importante «o pároco ou o substituto poder também

desempenhar as suas funções paroquiais na dita capela, como sempre fez.»246

Em Setembro de 1914, um grupo de quatro pessoas247

apresentou nova

declaração, propondo a constituição de um agrupamento cultual transitório de fiéis,

de acordo com o artigo 19º da Lei da Separação. Os peticionários pediam o

reconhecimento do referido agrupamento e declaravam que se obrigavam a

contribuir para as despesas do culto, «na conformidade da circular de 23 de Junho de

1911».

Todavia, a aspiração para a reabertura da capela de São Pedro para o

exercício do culto público não foi atendida favoravelmente, pela Comissão

Central248

. A Comissão reconheceu a autenticidade dos documentos entregues, bem

como o seu conteúdo e as assinaturas, mas entendeu que os argumentos não

comprovavam a necessidade de afetar a capela ao exercício do culto público; que o

244 Ofício do pároco de Loures José Joaquim Pombo, datado 25 de Maio de 1914, remetido ao

Director dos Negócios Eclesiásticos, que o enviou à Comissão Central de Execução da Lei da

Separação (ACMF – CJBC/LIS/LOU/CEDEN/001 - Processo 2782). Parecer desfavorável do pároco

de Loures sobre a utilização da Igreja Matriz de Santa Maria de Loures para outros fins que não os

religiosos. Refere que a celebração dos atos religiosos foi interrompida pela «expulsão arbitrária» do

padre que o substituía, privando-o também dos benefícios materiais do Estado. Cf. Anexo XXXIV. 245Ofício do pároco de Loures Joaquim José Pombo, datado 23 de Agosto de 1914, remetido ao

Ministro da Justiça, que o enviou à Comissão Central de Execução da Lei da Separação (ACMF –CJBC/LIS/LOU/CEDEN/001-Processo 2782, L.7, fl. 80). Cf. Anexo XXXVI. 246 Idem. 247Adelaide Vieira Caldas, Christina Maria, António dos Santos, Evaristo da Silva, em nome do

Agrupamento de Fiéis do Lugar de Caneças, subscreveram uma nova petição em 28 de Setembro de

1914. Cf. Anexo XXXVIII. 248Parecer da Comissão Central de Execução da Lei da Separação, de 3 de Outubro de 1914. A

Comissão refere os requerimentos acima apresentados por diversos indivíduos, mesários e confrades

da Irmandade do Santíssimo Sacramento de Caneças e de habitantes do lugar ao Ministro da Justiça,

em 27 de Janeiro de 1913, e os três ofícios do padre Joaquim José Pombo de 25 de Maio, 16 de Junho

e 23 de Agosto de 1914 (ACMF – CJBC/LIS/LOU/CEDEN/001- Processo 2782, L.7, Fl. 80, ofício nº

1703). Cf. Anexo XLI.

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inventário não tinha sido contestado e declarou que os peticionários não foram

reconhecidos legalmente como entidade competente para receber o edifício, nos

termos da lei «quer a título gratuito e precário, quer por uso antigo e direito próprio,

pois que não representam qualquer confraria, corporação ou agrupamento cultual»249

.

Nem poderiam, porque estavam a solicitar licença para constituírem o agrupamento

cultual transitório.

A Comissão considerou a informação do presidente da Junta da Paróquia de

Loures (5 de Março de 1914) em como o edifício se encontrava encerrado, desde

Julho de 1912, por falta de fiéis e ausência do ministro da religião. Esta última

consideração contradiz os requerimentos dos habitantes e também as notícias no

jornal Quatro de Outubro, bem como as queixas do capelão, apresentadas depois de

Julho de 1912. O mesmo jornal faz referência à celebração de missa em Agosto de

1912 pelo padre João Ramos do Rosário. Por outro lado, a Confraria enviou novos

documentos à administração Concelhia, nomeadamente os Estatutos reformados em

1 de Junho de 1912.

Foi neste contexto que a liberdade de exercer o culto público foi condicionada

e interrompida, pesem as ações da comunidade e dos padres unidos em torno de um

objetivo comum – continuar a praticar o culto público.

Para a Igreja Católica era necessário «criar e garantir um espaço para a sua

acção religiosa entre o inconsciente colectivo simbólico e a prática ritual […]»250

.

Cabia aos católicos participarem na vida social pública, no sentido de garantirem a

liberdade e a autonomia «plena da prática religiosa»251

. Em consonância com estes

princípios, os católicos em Caneças procuraram reorganizar-se para garantirem a sua

liberdade de atuação e, portanto, de afirmação pública, o respeito pelo seu credo e as

práticas rituais que lhe estavam associadas. Não foi, no entanto, uma tarefa fácil

perante os acontecimentos já descritos.

O reconhecimento da liberdade e tolerância religiosa foi condicionado pelas

decisões políticas e administrativas, a partir das suas apreciações quanto às

sensibilidades religiosas do povo. Como se pode ler no despacho da Comissão era

«desnecessário para o culto e da categoria daqueles bens que os artigos 90º e 104º da

249 Parecer da Comissão Central de Execução da Lei da Separação, de 3 de Outubro de 1914.

(ACMF – CJBC/LIS/LOU/CEDEN/001-Processo 2782, L.7, fl. 80, ofício nº 1703). 250 Cf. António Matos Ferreira - Um católico militante diante da crise nacional: Manuel Isaías

Abúndio da Silva (1874-1914). Lisboa: Centro de Estudos Religiosa Católica – UCP, 2007, p. 317. 251 Idem

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Lei da Separação mandam aplicar preferentemente a serviços de assistência e

beneficência ou educação e instrução.»252

O fundamento religioso não bastou para fazer respeitar os direitos de posse

sobre os bens religiosos e a capela de São Pedro de Caneças. Sob proposta do

Ministro da Justiça e dos Cultos, a capela foi cedida à Câmara Municipal de

Loures253

para a instalação de uma escola do ensino primário, mediante o pagamento

de uma renda anual.

A interrupção da liberdade de culto motivou o pedido dos católicos e

moradores de Caneças para a constituição de um agrupamento cultual transitório na

Igreja, apoiado pelo pároco de Loures254

, ainda que a hierarquia eclesiástica255

condenasse estas corporações.

As Irmandades, caso desobedecessem quer às orientações do poder civil quer

às do poder eclesiástico, o exercício do culto público estaria comprometido. Todavia,

em Caneças procurar-se-á garantir o culto público no espaço de sempre, em vez de

combater o novo regime, reagindo, assim, às posições tomadas por alguns

republicanos de intolerância para com a religião católica, a Igreja Católica e o clero.

Nesta análise, devemos contemplar o facto de que os católicos não apoiariam

as mesmas ideologias e práticas políticas e, mesmo no seio dos republicanos, nem

todos estariam de acordo com as imposições da Lei da Separação do Estado das

Igrejas, ainda que pudessem considerar a necessidade em alterar as estruturas

políticas, económicas, sociais e culturais monárquicas, de forma a definir novas

formas de sociabilidade no Estado laico preconizado pelo projeto republicano256

.

252 Parecer da Comissão Central de Execução da Lei da Separação, de 3 de Outubro de 1914 (ACMF/

CJBC/LIS/LOU/CEDEN/001-Processo 2782, L. 7, fl. 80, ofício nº 1703). 253Decreto nº 1648/1915. D.G. I Série. 113 (15 de Junho de 1915). A Câmara Municipal de Loures

não conseguiu a cedência gratuita do edifício, como desejava, mas o arrendamento, de acordo com o

art. 111º da Lei da Separação e art. 7º, nº 1 do Regimento de 22 de Agosto de 1911. Cf. Anexo XLIX. 254 Ofício do pároco de Loures ao Presidente da Câmara Central de Execução da Lei da Separação, em

10 de Outubro de 1914 (ACMF – CJBC/LIS/LOU/CEDEN/001). Cf. Anexo XLII. 255Encíclica do Papa Pio X, Iamdudum in Lusitania, 24 de Maio de 1911, condenando a Lei da

Separação e, entre outros documentos, o Protesto Coletivo dos Bispos, redigido em Dezembro de

1910, mas distribuído nas dioceses em Fevereiro de 1911. 256Cf. Fernando Catroga – O republicanismo em Portugal: da formação ao 5 de Outubro de 1910, p.

220-sgg. O autor considera que «a libertação política e social passava pela emancipação cultural e esta

exigia não a secularização externa e institucional da sociedade, mas também uma profunda

secularização interior das consciências.» Op.cit. p. 221.

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79

2.3 - CONSTITUIÇÃO DE UMA CULTUAL?

Após as petições dos mesários, confrades, habitantes e padres em 1912, 1913

e 1914, verifica-se que o apelo para a manutenção da capela aberta ao culto e o

reconhecimento da legalidade da Irmandade não foi atendido superiormente.

Consumaram a extinção257

da Irmandade, em 5 de Setembro de 1913, e cedência da

capela à Câmara Municipal de Loures para a instalação de uma escola, por decreto de

15 de Junho de 1915. Perante as duas realidades, os fiéis, mesários, pároco,

moradores dinamizaram um conjunto de ações para a reabertura da capela ao culto,

nos anos que se seguiram, considerando as hipóteses que permitiriam alcançar o

objetivo, ao abrigo da Lei da Separação.

Em 1914, os protagonistas foram o pároco de Loures, Joaquim José Pombo e

os habitantes de Caneças e Vale de Nogueira (entre os quais se encontravam antigos

mesários e confrades). Como se abordou no anterior subcapítulo, o pároco de Loures

em missivas de 16258

de Junho e 23259

de Agosto de 1914, solicitou superiormente a

abertura da capela, uma vez que a mesma tinha baptistério, cemitério privativo e que

o pároco tinha «sempre exercido os actos de culto». Por sua vez, os habitantes

necessitavam de garantir a assistência espiritual.

Em 30 de Agosto de 1914, os fiéis solicitaram, ao Ministro da Justiça, a

reabertura da capela de São Pedro ao culto, com os fundamentos, já referidos. Não é

de estranhar a afirmação sobre o exercício de culto pelo pároco de Loures, o que

reforçou o teor da sua carta, pois este podia ser realizado noutro lugar da localidade,

até em casa de um dos fiéis. Situação que se verificou ter acontecido pelo país260

e as

orientações do Patriarcado apontavam esse caminho. Permitia-se que os crentes

conservassem a prática dos rituais litúrgicos e constituía uma forma de protesto e de

resistência ativa à constituição de associações cultuais261

.

257Despacho do Governador Civil de Lisboa de 5 de Setembro de 1913 (ACMF –

CJBC/LIS/LOU/ADMIN/028 - Processo 2101, Fl. 9). 258ACMF – CJBC/LIS/LOU/CEDEN/001- Processo 2782, fls. 7-8. 259 ACMF – CJBC/LIS/LOU/CEDEN/001- Processo 2782, fl. 9. 260 CF. Maria Lúcia Brito - A «Guerra Religiosa» na I República, p. 230-234. 261 Segundo Vítor Neto, entre 1911-1918, foram constituídas 255 cultuais, sendo o nº total de

freguesias em Portugal de 3923, pelo que se pode concluir que os republicanos não conseguiram

controlar o culto. Junto ao Litoral português, formaram-se as cultuais e, no caso de Lisboa e áreas

limítrofes, estas foram influenciadas pela ideologia republicana pela proximidade com a Capital e pela

ação da maçonaria (em Lisboa existiam 61 lojas maçónicas). Cf. Vitor Neto - O Estado, a Igreja e a

Sociedade em Portugal (1822-1911), p. 291.

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80

Como discursou Casimiro de Sá262

e passamos a citar: «Entre Irmandades e

cultuais não há ponto algum de contacto», as Irmandades estavam sujeitas à

autoridade eclesiástica e «à sua jurisdição no exercício do culto». Esta era a principal

fonte de discórdia causada pela Lei da Separação, pois o «culto que elas promovem e

sustentam exerce-se sob a dependência jurisdicional e sob a fiscalização efetiva dos

párocos e dos bispos.» Esse controlo não competia à autoridade civil.

A Lei da Separação, nos artigos 17º e seguintes do seu capítulo II, retira aos

prelados a sua missão de gerirem o culto, as associações cultuais através dos leigos

organizavam-no, passando os párocos a dependerem dos leigos em matéria da sua

competência. Por outro lado, o exercício do culto só podia ser mantido caso estas

corporações se destinassem à assistência e à beneficência.

De acordo com estas considerações, que retiravam à Igreja católica

prerrogativas seculares e pretendiam reduzir o seu espaço público, a Irmandade do

Santíssimo Sacramento de Caneças seguiu outra orientação e reformulou os estatutos

em 1912 ao abrigo do artigo 38º da Lei da Separação, tendo redigido a declaração ao

abrigo da portaria de 18 Novembro de 1911263

. Em cumprimento da «lei da

separação»264

, a Irmandade do Santíssimo Sacramento de Caneças passava a

«denominar-se = Associação de Beneficência e Assistência Pública da mesma

invocação»265

, mantinha o culto, a festa do orago, continuava a assistir os irmãos em

caso de necessidade, com alimentos e medicamentos, administrava o legado de José

Maria Lourenço e contribuía para o Hospital de S. José, como responsável pelo

cumprimento do legado de Francisco Valentim, do séc. XVIII266

.

Mas como se apurou, a Irmandade do Santíssimo de Caneças não recebeu

qualquer informação do Governo Civil sobre a aprovação do seu compromisso ou

notificação para os regularizar, ao contrário das duas congéneres de Loures (Stº

André e Almas e SSº Sacramento de Loures). O que parece significar uma distinção

entre os procedimentos com a sede do município e uma localidade a ela subordinada.

262Discurso de Casimiro Rodrigues de Sá, de 29 de Junho de 1914, na 136ª Sessão Ordinária. Cit. por Sérgio Pinto – Separação religiosa como modernidade: decreto-lei de 20 de Abril de 1911 e modelos

alternativos, p. 195. 263 Do mesmo modo, procederam das Irmandades do Santíssimo Sacramento e de Santo André e

Almas da Igreja Matriz de Loures. 264 Artigo 1º - Projeto de estatutos reformados, em 1 de Junho de 1912 (AGCL. Processo nº 1353, cx

51). Cf. Anexo XVIII. 265 Idem. 266 Artigos 2º, 3º, 11º - Projeto de estatutos reformados, em 1 de Junho de 1912 (AGCL. Processo nº

1353, cx 51). Cf. Anexo XVIII.

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81

Era necessário continuar a resistir com argumentações teóricas e fidedignas.

Da representação de 30 de Agosto de 1914, emergiu um grupo constituído por

católicos «em nome do agrupamento dos fiéis do lugar de Caneças»267

. O grupo,

formado por duas senhoras e dois senhores, dirigiu ao Ministro da Justiça, em 28 de

Setembro de 1914, uma carta em que se obrigavam «a contribuir para as despesas do

culto público» na capela de S. Pedro, «na conformidade da circular de 23 de Junho

de 1911».

A Circular268

de 23 de Junho de 1911 da Comissão Central de Execução da

Lei da Separação, de Francisco José Medeiros, determinava que as Irmandades que

não quisessem constituir-se como cultuais, podiam formar-se como agrupamento

cultual transitório, ao abrigo do artigo 19º269

da Lei da Separação. Por este artigo, os

párocos podiam participar na sua organização. Este procedimento parecia ser uma

solução para o exercício do culto público na capela de S. Pedro, e assim também

considerou o pároco de Loures que comunicou ao Ministro da Justiça270

e ao

Presidente da Comissão Central de Execução da Lei da Separação271

as intenções dos

paroquianos.

Porém, o requerimento, em nome do agrupamento de fiéis, não mereceu a

atenção pretendida, o Governador Civil entendeu que «só coletivamente constituídos

em associação de assistência e beneficência com autorização do Ministério da

Justiça» podiam «contribuir para as despesas de culto»272

. Para a constituição desta

corporação, os fiéis tinham de constituir-se em associação de assistência e

beneficência ao abrigo do polémico artigo 17º da Lei da Separação, e contribuir para

as despesas do culto, devendo organizar três exemplares dos estatutos, escritos em

papel selado e assinados pelos associados e remeter os compromissos ao Ministério.

267Cf. Anexo XXXVIII. 268 Cf. Luís Salgado de Matos - A Separação do Estado e da Igreja, p. 217. 269Artigo 19º: «Não existindo nos limites de uma paróquia, nem podendo constituir-se desde já,

qualquer das corporações a que se referem os artigos anteriores, essa paróquia poderá agregar-se, para

os efeitos cultuais, a uma paróquia vizinha, onde exista ou possa formar-se qualquer dessas

corporações; e se nem isso for realizável, os fiéis da mesma ou de diversas paróquias poderão

transitoriamente contribuir para o culto público em suas reuniões efectuadas por iniciativa particular, mas o ministro do culto deverá organizar a contabilidade da receita e despesa e tê-la sempre em dia, à

disposição de qualquer dos fiéis contribuintes e da Junta de Paróquia, sob pena de desobediência, e de

poder ser proibido o respectivo culto.» 270 Cópia da carta enviada pelo pároco ao Administrador do Concelho em 25 de Setembro de 1914

(ACMF – CJBC/LIS/LOU/CEDEN/001- Processo 2782, fl. 18). Cf. XXXIX. 271 Cópia da carta enviada pelo pároco em 10 de Outubro de 1914 (ACMF –

CJBC/LIS/LOU/CEDEN/001- Processo 2782, fl. 18). Cf. Anexo XLII. 272Cópia da carta do Governador Civil de Lisboa ao Administrador do Concelho de Loures, de 2 de

Outubro de 1914 (ACMF – CJBC/LIS/LOU/CEDEN/001- Processo 2782, fl. 19). Cf. Anexo XL.

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82

Contrariando o parecer desfavorável de 2 de Outubro de 1914, o pároco de

Loures comunicou ao Presidente da Comissão Central de Execução da Lei da

Separação, em 13 de Outubro de 1914, que «não tendo ainda sido possível aos fiéis

do culto católico […] a constituição d’ uma associação de assistência e beneficência

[…] por iniciativa particular fundados no artigo 19 da lei da separação formaram o

agrupamento cultual transitório a que se referem as declarações […]»273

. Declarações

que se referiam somente à formação do agrupamento cultual transitório, em

conformidade com a Circular nº 5 de 23 de Junho de 1911.

Ao contrário do Presidente da Câmara Municipal de Loures274

, do Presidente

da Junta de Paróquia de Loures275

e do Presidente da Comissão Concelhia de

Administração dos Bens Eclesiásticos276

, somente, o Administrador do Concelho de

Loures, Félix Anastácio Soeiro, transmitiu o seu parecer277

favorável às pretensões

dos peticionários. Os signatários tinham que se habilitar «segundo a lei em vigor»,

pois considerava «ser atendível» o pedido formulado.

Na verdade, este parecer não estava em conformidade com os defensores do

encerramento da capela ao exercício do culto que, através do periódico local também

manifestavam o seu repúdio:

«O sr. Administrador do concelho informando uma petição de dois ou três

carolas de Caneças em que pediam a abertura da capela, informou ser

atendível, a referida petição. […] a tal petição não é nada atendível… Ainda

que isso contrarie o sr. administrador do concelho a capela não será

aberta.»278.

A opinião noticiada no jornal, estava em consonância com as propostas das

restantes autoridades político-administrativas que, durante o mês de Novembro de

1914, as expuseram, mas eram divergentes da posição assumida pelo Administrador

do Concelho.

273Cópia da carta enviada pelo pároco de Loures ao Administrador do Concelho (ACMF –

CJBC/LIS/LOU/CEDEN/001- Processo 2782, fl. 80). Cf. Anexo XLIII. 274José Duarte Junior. 275Francisco Barbante. 276João Raymundo Alves. 277 Ofício de 20 de Outubro de 1914 (resposta com carácter urgente) remetido pelo Administrador do

Concelho de Loures ao Diretor da Direção Geral dos Eclesiásticos (ACMF –

CJBC/LIS/LOU/CEDEN/001- Processo 2782, fl. 15). Cf. Anexo XLIV. 278Quatro de Outubro. Lisboa. Nº 131 (22 de Novembro de 1914) 1.

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O Presidente da Junta de Paróquia de Loures279

informou que, em sessão da

Junta, decidiram ser desnecessária a abertura da capela de São Pedro ao culto, pois a

mesma encontrava-se encerrada há vários anos para o exercício de culto por «falta de

fiéis e pela ausência do pároco que há mais de seis anos» não residia «nesta

freguesia»280

. Este argumento, como já se observou, contradiz a informação da

Comissão Concelhia de Loures que comunica a sua determinação em guardar as

chaves da capela de São Pedro de Caneças, porque aí se realizava o exercício do

culto e nem sabiam qual o pároco que ministrava as cerimónias281

. Por outro lado, a

ausência, do pároco Joaquim José Pombo era do conhecimento do Ministério da

Justiça282

.

A Comissão Concelhia de Administração dos Bens Eclesiásticos283

do

concelho de Loures emitiu também parecer desfavorável para a reabertura da capela

ao exercício do culto, justificando que se tal verificasse a ordem pública podia ser

comprometida, pois «o povo […] deseja que a referida capela seja cedida por meio

de arrendamento à Câmara Municipal que ali deseja instalar uma nova escola».

Desejo que não foi comprovado por outra fonte documental.

Os elementos que nos permitem corroborar a vontade de que a capela fosse

encerrada ao culto, por uma fação radical quanto ao sentimento religioso, são as

veiculadas pelos periódicos284

concelhios, emitindo opiniões pessoais dos seus

responsáveis, que evidenciaram posições anticlericais, antijesuíticas, anticatólicas e

279 Ofício do Presidente de Freguesia de Loures, 10 de Novembro de 1914, ao Presidente da Comissão

Central de Execução da Lei da Separação (ACMF – CJBC/LIS/LOU/CEDEN/001- Processo 2782, fl. 27). 280 Ofício do Presidente da Junta de Freguesia de Loures, 10 de Novembro de 1914, ao Presidente da

Comissão Central de Execução da Lei da Separação (ACMF – CJBC/LIS/LOU/CEDEN/001-

Processo 2782, fl. 27). 281 Como já referimos, à semelhança de outras localidades, o exercício do culto era realizado na semi-

clandestinidade e também que somente em 30 de Outubro de 1912, a Comissão Concelhia de

Administração de Bens Eclesiásticos decidiu guardar as chaves (ACMF - Livro de atas da Comissão

Concelhia de Loures, nº 1, de 1912 a 1924. Ata de 30 de Outubro de 1912). 282 O pároco, no seu ofício ao Administrador do Concelho, 10 de Agosto de 1912, informava que

estava impossibilitado de paroquiar «há mais de um ano» por motivo de doença, conforme o atestado

enviado ao Ministro da Justiça (AML – Administração do Concelho de Loures – Correspondência recebida, ano de 1912). Mais tarde, o pároco redigiu um pedido à Comissão Central de Execução da

Lei da Separação, em 26 de Fevereiro de 1918, solicitando a restituição da residência paroquial. Tal

pretensão não foi atendida, porque era padre pensionista e a sua pensão tinha sido aumentada por «não

utilizar a residência» (ACMF – CJBC/LIS/LOU/ADMIN/076). 283 Ofício da Comissão Concelhia de Administração dos Bens Eclesiásticos pertencente ao Estado do

Concelho de Loures, 10 de Novembro de 1914, ao Presidente da Comissão Central da Lei da

Separação (ACMF – CJBC/LIS/LOU/CEDEN/001- Processo 2782, fl. 28). Esta consideração de o

povo desejar a Igreja para a instalação da escola, não foi comprovada por documentação escrita. 284Cf. Anexo XXXII.

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antiultramontanas, e ainda as decisões controversas das autoridades políticas e

administrativas.

Por seu lado, a Câmara Municipal de Loures285

continuou a insistir na

cedência da capela de Caneças para a instalação da uma escola para o sexo feminino,

em virtude de existir um elevado número de alunos, pelo que era preciso fazer o

desdobramento da escola mista286

.

A Câmara considerava também que a Igreja Matriz de Loures era suficiente

para o culto287

e que a abertura da capela de São Pedro ao seu exercício representava

«uma provocação aos sentimentos liberais daquele lugar, visto que ali não existe

espírito religioso, podendo por isso dar origem a qualquer alteração da ordem

pública.»

As afirmações do Presidente da Câmara Municipal de Loures demonstram as

posições políticas que os indivíduos foram assumindo, em todo o processo que

relacionou com a liberdade religiosa dos cidadãos em Loures e, particularmente, em

Caneças.

As considerações dos vários representantes do poder político concelhio em

que negam a religiosidade da comunidade, refutando as dinâmicas religiosas das

gentes do lugar, iam mais além da questão da constituição da cultual. A liberdade

religiosa e a crença popular foram postas em causa, sem se observarem os costumes e

práticas tradicionais, em suma a vontade individual e a liberdade de expressão do

sentimento religioso.

285 Ofício da Câmara Municipal de Loures, 17 de Novembro de 1914, ao Presidente da Comissão

Central de Execução da Lei da Separação (ACMF – CJBC/LIS/LOU/CEDEN/001- Processo 2782, fl.

26). 286 A professora oficial da Escola mista, Júlia Escrivanis de Carvalho, assinou as petições de 27 de

Janeiro e 12 Abril de 1913, em que mesários e confrades solicitavam a reabertura da capela e a

entrega do dinheiro das rendas à mesa administrativa da Irmandade. Petição dos habitantes para que a

capela fosse cedida para instalação de uma escola também não foi encontrada. 287 Todavia, na Igreja Matriz de Santa Maria de Loures não se realizava o exercício de culto, ainda que

a Irmandade do Santíssimo Sacramento da Igreja tivesse solicitado as chaves do templo e as respetivas

alfaias de culto, em 5 de Maio de 1915 ao Governo Civil. No ofício, declaram que a Irmandade estava legalmente constituída, situação que confirmamos pela documentação presente no fundo da

Administração do Concelho e que observámos no subcapítulo 1.3. Mas, a informação é negada pelo

Presidente da Comissão Concelhia dos Bens Eclesiásticos, em 27 de Abril de 1915. A Igreja Matriz

encontrava-se fechada ao culto desde 1910 e os objetos deteriorados, pelo que a Comissão Concelhia

decidiu pedir à Comissão Central a avaliação dos objetos existentes para que os mesmos fossem

vendidos em hasta pública (ACMF – Ata nº 1 da Segunda Comissão de Lisboa, de 4 de Maio de 1921,

in Livro de atas da Comissão Concelhia de Loures, nº 1, de 1912 a 1924). O relógio e o sino da Igreja

foram também cedidos à Câmara Municipal de Loures, por decreto publicado no D. G. I Série, nº 264

(28 de Dezembro de 1921), (ACMF – CJBC/LIS/LOU/ADMIN/003).

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85

Da análise do Edital de 15 de Novembro de 1914288

, extraem-se diversas e

contraditórias informações sobre a questão religiosa no Concelho, o que evidencia as

dificuldades em constituir o agrupamento cultual transitório em Caneças. Se nas

freguesias do Concelho se constituíssem associações cultuais de acordo com a lei da

Separação, o Edital determinava que «qualquer outra associação» que quisesse

«restabelecer o culto religioso» podia «declará-lo a esta Comissão Concelhia, no

prazo de um mês a contar da data deste edital, para que tal seja tomado em

consideração, para os efeitos da resolução tomada da venda dos objectos acima

mencionados.»

É interessante observar o pormenor da data para conferir legalidade ao ato de

constituição de associação cultual ou outra corporação. Por este Edital, o

agrupamento cultual transitório de Caneças não tinha cabimento legal, pois o pedido

tinha sido feito anteriormente, em Setembro de 1914.

Um documento289

não datado, da Comissão Central de Execução da Lei da

Separação, contendo cinco assinaturas, reforçou o indeferimento, de 3 de Outubro de

1914, à constituição do agrupamento cultual transitório, na capela de Caneças.

Segundo os fundamentos para o indeferimento, consideraram que os fiéis,

apenas, se propunham contribuir para o culto do lugar de Caneças e não se

destinavam «a manter o culto paroquial». As corporações deviam assumir «o encargo

do culto da respectiva religião em uma freguesia pelo menos», de acordo com a

interpretação do artigo 17º e seguintes da Lei da Separação. Sendo assim, não se

podia constituir «uma associação cultual ou um agrupamento transitório só para

prover ao culto privativo de um número restrito de paroquianos ou de uma devoção

particular».

Mas, de acordo com a Lei da Separação, constata-se que a formação do

agrupamento cultual transitório estava consignada no artigo 19º da mesma Lei.

Também podemos especular sobre a intenção do pároco de Loures em querer agrupar

os fiéis da paróquia de Loures, tendo pedido permissão para o exercício do culto na

Matriz em Maio de 1914 ou fundamentar a formação do agrupamento com a criação

da freguesia de Caneças.

288Cf. Anexo XLVII. 289Parecer de indeferimento da Comissão Central de execução da Lei da Separação à constituição do

agrupamento cultual transitório na capela de Caneças (ACMF – CJBC/LIS/LOU/CEDEN/001-

Processo 2782, fl. 30, documento não datado). Cf. Anexo XLVI.

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86

No documento290

em análise ainda existem os fundamentos de que o pároco

de Loures não residia na freguesia de Loures «há 6 anos», embora os peticionários

refiram que o exercício do culto foi mantido. Consideraram que a cedência gratuita

da capela aconteceria se o agrupamento se tivesse constituído até 31 de Dezembro de

1912 e, por fim, que a capela estava encerrada «há mais de dois anos» e, por isso,

devia ser destinada «a qualquer fim de interesse social». De facto, a Irmandade podia

ter beneficiado da lei de Julho de 1912291

, para regularizar os estatutos, ao abrigo do

art. 38º da Lei da Separação, mas motivos alheios à vontade dos peticionários

impediram essa contemplação. A mesa enviou a declaração ao abrigo da portaria de

18 de Novembro de 1911, em Fevereiro de 1912, posteriormente remeteu o projeto

de estatutos aprovados, em 25 de Junho do mesmo ano, elaboraram o orçamento para

o ano económico 1911-1912, o qual foi aprovado pagaram as contribuições

devidas292

.

A petição de quatro signatários para a formação do agrupamento cultual

transitório, apoiado pelo pároco de Loures, constituiu uma alternativa à formação de

uma corporação que não seguisse o artigo 17º da Lei da Separação.

A interpretação da Lei da Separação, nomeadamente os seus artigos 17º e 19º,

condicionou a constituição do agrupamento cultual transitório para garantir do culto

público e a reabertura da capela para o exercício do mesmo com o apoio do pároco

de Loures. Pelos motivos invocados, a Comissão Central confirmou «integralmente o

anterior parecer de 3-10-1914»293

, negando a pretensão para a constituição do

agrupamento cultual transitório.

A questão religiosa em torno das cultuais afetou as práticas e as

sociabilidades religiosas que se desenvolviam através das Irmandades, pondo em

causa o lugar da religião na sociedade e dos seus legítimos representantes, o clero, e

a devoção dos leigos, porque para se associarem não bastava a natureza espiritual

que os movia, estavam dependentes do controlo do Estado e das suas específicas

290Cf. Anexo XLVI. 291 Lei de 10 de Julho de 1912. D.G. nº 178 (23de Julho de 1912). Artigo 1º - prorrogava até 31 de

Outubro o prazo estabelecido nos artigos 39º e 169º da lei de 20 de Abril de 1911 para que as

irmandades harmonizassem os seus estatutos. A lei contemplava as irmandades que cumpriram a

portaria de 18 de Novembro de 1911, desde que «por motivo atendível». 292 Como para o Fundo Especial destinado à defesa contra a tuberculose – Mapa demonstrativo das

receitas arrecadadas pela Caixa Geral de Depósitos, durante o ano económico de 1911-1912, in D.G.

nº 288 (9 de Dezembro de 1912). Cf. Anexo XXII. 293Cf. Anexo XLVI.

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determinações, tinham de se associar para fins de assistência e beneficência, caso

contrário a associação motivada pela crença religiosa não era permitida.

A nova Lei determinava as condições em que o culto público devia ser

realizado e organizado, por isso impunha a constituição das associações cultuais.

Condição que os crentes não compreendiam, nem aceitavam, porque a separação da

esfera religiosa do campo político, consignada na nova Lei, condicionava a liberdade

religiosa quanto às suas representações e expressões religiosas e motivaram querelas

graves294

.

As obrigações, em contribuir para entidades de beneficência, já eram práticas

do tempo da monarquia295

, pelo que este não seria o verdadeiro problema. O

problema era que a nova Lei determinava a quantia a despender com o culto, tida

como uma ingerência da esfera política no universo religioso, retirava ao clero as

suas competências e mesmos os leigos estavam condicionados em termos

associativos.

A extinção296

da Irmandade do Santíssimo Sacramento e o encerramento da

capela de S. Pedro ao culto foram motivadas por não se ter constituído a associação

cultual ao abrigo do artigo 17º do decreto de Abril, pesem as alegações da Irmandade

para a harmonização dos estatutos ao abrigo do artigo 38º e, posteriormente, para a

294 Cf. Ernesto Castro Leal - Partidos e programas: o campo partidário republicano português 1910-

1926, p. 19 e sgg. O autor cita Sampaio Bruno, que considera a República como «a causa pública, é o

bem comum, a causa e o bem de todos os portugueses». A república era a pátria de todos os cidadãos,

onde devia existir tolerância e respeito pelas diferenças. 295No processo do ano económico de 1900-1901 da Irmandade do Santíssimo Sacramento constam os

seguintes documentos: Recibo de despesa do pagamento ao Fundo Especial da Beneficência Pública

(verba depositada na Caixa Geral de Depósitos e Instituições de Previdência, destinada a combater a

tuberculose); Recibo da Câmara Municipal de Loures referente ao pagamento da contribuição

Municipal Directa pela Irmandade do SSº; Recibo do pagamento da contribuição predial pela

Irmandade do SSº; Ordens de pagamento pelo fornecimento de vinho, azeite, carvão, hóstias, incenso,

cera para sustento do culto religioso; Ordem de pagamento pela lavagem e limpeza da capela; Ordens de pagamento pelo aluguer da armação da capela da Irmandade do SSº, durante a festividade de São

Pedro, nos dias 29 e 30 de Junho, e a um fogueteiro pela venda de fogo solto para a mesma

festividade; ata da reunião em que as contas de 1900-1901 foram aprovadas; Cópia do edital,

comunicando que as contas de 1900-1901 podiam ser examinadas pelos irmãos. O edital era exposto

na sacristia da capela para que, no prazo de oito dias, os irmãos pudessem apresentar reclamação, por

escrito; Mapa da média da receita que inclui as subscrições para a missa, esmolas extraordinárias,

enterros de irmãos, anuais (quotas) dos irmãos; Ordens de pagamento, por exemplo, ao padre capelão

e sacristão; Ordem de pagamento por uma empreitada à Irmandade do SSº, para reconstrução de uma

casa pequena para servir de baptistério da capela; Alvará do Administrador do Concelho concedendo

licença para o lançamento do fogo; Recibo do pagamento à Comissão Distrital Lisboa pelo julgamento

da conta da Irmandade do ano 1898-1899 (ANTT – Irmandades, Governo Civil, Contas de Gerência

1900-1901, cx. 5, cota 806-B). 296As informações contraditórias, face à legalização da aprovação dos estatutos, originaram, em 5 de

Setembro de 1913, a dissolução da Irmandade, por Despacho do Governador Civil Daniel Rodrigues e

o consequente encerramento formal da capela ao culto, em 15 de Junho de 1913.

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constituição do agrupamento cultual transitório, recorrendo ao artigo 19º do mesmo

normativo.

Apesar da resolução de 9 de Abril de 1915297

do Governador Civil de Lisboa

determinar a continuidade do processo, relacionado com a aprovação dos estatutos da

Irmandade e que se considerasse o anterior despacho nulo, esta decisão não

influenciou o rumo dos acontecimentos em favor dos interesses da Irmandade e do

pároco de Loures.

A resolução de 9 de Abril não perde importância no contexto dos factos. Pelo

contrário comprova as alegações dos confrades, mesários, capelão João Ramos do

Rosário e pároco Joaquim Pombo. O projeto de Estatutos tinha sido entregue no

prazo legal e os irmãos não tinham sido intimados para legalizar a Irmandade, nem

tão pouco tinha sido comprovado que a Irmandade estava abandonada298

.

Todos estes elementos, analisados a partir da realidade local, sugerem

claramente a articulação da problemática religiosa e a gestão da sua conflituosidade

com o que na I República ocorreu em termos de recomposição dos poderes e das

influências locais.

297Cf. Anexo XLVIII. 298 Ofício da 3ª Repartição do Governo Civil ao Presidente da Comissão Central da Execução da Lei

da Separação, datado de 17 de Fevereiro de 1916 (ACMF – CJBC/LIS/LOU/ ADMIN/028- Processo

2101, Fls. 4-5). Cedência da capela de S. Pedro de Caneças à Câmara Municipal de Loures (Decreto

nº 1648, de 15 de Junho de 1915).

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CAPÍTULO 3

A IRMANDADE COMO REDE DE SOCIABILIDADE

A Igreja defendia a sua independência face ao poder civil, pretendia encontrar

mecanismos que não condicionassem a sua ação religiosa e evangelizadora, mais do

que combater os poderes políticos constituídos. As lutas e divergências políticas

entre monárquicos e republicanos não deviam ser confundidas com as crenças e

devoções religiosas de cada cidadão; como já referimos o que estava em causa era a

defesa da liberdade de consciência de cada indivíduo, a sua liberdade religiosa. E, em

Caneças, os fiéis e restantes habitantes tentaram que essas premissas de culto fossem

respeitadas. Todavia, as dificuldades repercutiram-se nas vivências religiosas durante

os primeiros anos de regime republicano.

Durante a I República, a legislação condicionou o relacionamento dos

indivíduos e a reorganização das instituições quanto ao seu papel na sociedade.

Relacionamentos que se manifestaram na vida religiosa do concelho de Loures e

influenciaram a dinâmica e as posições assumidas pelas Irmandades das diferentes

paróquias, designadamente na paróquia de Loures, à qual Caneças estava ligada.

A problemática religiosa, associada à questão política, foi propagandeada na

luta que visava o reconhecimento do regime republicano, cujo projeto299

era político,

social, cultural, moral e espiritual, em que ao combate contra a monarquia era

associado o anticlericalismo300

. O ideário republicano pretendia regenerar a

sociedade, de acordo com os seus princípios doutrinários, entendiam que a religião e

as suas instituições condicionavam a evolução e o progresso da sociedade301

. E, em

299 Uma sociedade que se pretendia laica, liberta da influência do catolicismo, para tal era necessário

promover na sociedade uma profunda transformação cultural. A política laicizadora da sociedade

passou pelo decreto da Separação do Estado das Igrejas, de 20 de Abril de 1911. 300 Cf. António Matos Ferreira – Aspetos da ação da Igreja no contexto da I República. In História

Contemporânea de Portugal. Dir. João Medina. Genève: Edições Ferni, s.d. Tomo I, p. 207-269. 301 Desse modo, leis monárquicas, limitadoras da ação da Igreja, foram consideradas em vigência: as

leis de 3 de Setembro de 1759 e de 28 de Agosto de 1767 sobre a expulsão dos jesuítas de Portugal e

seus domínios; a lei de 28 de Maio de 1834 decretou a extinção das ordens religiosas e levou à aplicação do decreto de 18 de Abril de 1901 de Hintze Ribeiro, que autorizava a constituição de

associações religiosas para fins de beneficência, instrução ou de “propaganda missionária”. Com a

legislação republicana acresce a lei do divórcio, a lei do registo civil obrigatório, o juramento de

carácter religioso foi substituído pela declaração de honra, os dias da semana, à exceção do Domingo,

são considerados dias de trabalho, proibição das forças armadas em participarem em solenidades

religiosas, as leis da família decretadas no dia 25 de Dezembro de 1910, proibição do ensino da

doutrina cristã nas escolas, extinção da Faculdade de Teologia e da cadeira de Direito Canónico no

curso de Direito e ainda a atribuição aos Governadores Civis de poderem substituir as irmandades e

confrarias por novas comissões. Cf. António Matos Ferreira – Aspetos da ação da Igreja no contexto

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relação à religião católica romana e respectivas hierarquias, consideravam que era a

responsável pelo atraso do país.

Pretendiam retirar ao catolicismo «o seu poder político e cultural»302

.

Manifestando-se o poder cultural da religião católica no ensino, no culto, nas

procissões e romarias e nos registos paroquiais de batismo, matrimónio e óbito.

Segundo Catroga, «expulsava as procissões das ruas para que estas fossem

transformadas em espaços exclusivos do espectáculo político»303

, pelo que era

necessário romper com os rituais quotidianos das vivências religiosas,

«manifestações externas do culto»304

.

3.1 – A DIMENSÃO SOCIAL DA IRMANDADE

O fenómeno religioso, neste caso a religião católica, fazia parte da formação

ideológica das comunidades, nas suas vertentes moral, cultural, social e económica,

expressa através de símbolos e rituais durante séculos. Aspetos que constituíram

condições de sociabilidade, tendo como elemento de união a crença na mesma

doutrina religiosa - o catolicismo. As práticas e devoções religiosas faziam parte das

vivências quotidianas das comunidades.

Neste sentido, os homens tiveram necessidade de aglutinar interesses para

defesa dos seus valores, constituindo, no plano do religioso, associações de fiéis que

garantissem e, de certo modo, valorizassem a sua visão da vida, mas também da

morte. A quotização confere o sentido de pertença, de identidade, assim como a

participação nas procissões.

A Irmandade do Santíssimo Sacramento da capela de S. Pedro de Caneças,

como as suas congéneres, assumiu uma dimensão religiosa mas também social e

cultural. A caridade (amor ao próximo) e a piedade (devoção) foram os alicerces para

a sua ação na comunidade.

Como forma de sociabilidade, as dimensões espiritual, cultural e social da

Irmandade só podiam ser cumpridas através de práticas materiais e simbólicas.

da I República. In História Contemporânea de Portugal. Dir. João Medina. Genève: Edições Ferni,

s.d. Tomo I, p. 207-269. 302Fernando Catroga – O republicanismo em Portugal: da formação ao 5 de Outubro de 1910, p. 209

sgg. 303Op.cit. P. 209. 304 Cf. Rui Cascão – Vida quotidiana e sociabilidade. In História de Portugal. Dir. José Mattoso. 1ª

ed. Lisboa: Círculo de Leitores, 1993. Vol. V, p. 517 sgg.

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Sustentar o culto público como a celebração das missas, o enterro dos irmãos, a ajuda

aos mais necessitados (auxílio médico e alimentar), promover o ritual religioso

ligado às festividades litúrgicas, designadamente a festa da Páscoa e em honra do

santo padroeiro305

, assegurar os registos paroquiais eram dinâmicas que garantiam a

cristianização da sociedade e influenciavam as relações na comunidade.

As mesas da Irmandade que se constituíram, desde os finais do século XIX

até 1912 e, posteriormente, em 1918 e 1921, estabeleceram relações entre os seus

membros e a comunidade, pelo que se procura compreender, neste capítulo, se a

Irmandade foi um instrumento de poder de uma elite local capaz de influenciar e

compor diferentes redes de sociabilidade, de acordo com as necessidades da

povoação. Observa-se a importância social dos seus membros na comunidade através

da sua participação na vida religiosa, económica, cultural e política da localidade e as

suas ocupações profissionais.

Como se constatou no capítulo anterior, a revolução republicana condicionou

a vida religiosa em Caneças e foi motivo da interrupção do culto público na capela de

São Pedro, por não se ter constituído a associação cultual nem o agrupamento cultual

transitório, ao abrigo dos artigos 17º, 19º ou do artigo 38º da Lei da Separação como

defendia a hierarquia católica.

Todavia, antes do final do ano de 1912 corre a notícia de que a capela ia ser

encerrada e o reconhecimento legal da Irmandade do Santíssimo passa a não ser

considerado pelas autoridades competentes de maneira a garantir o exercício do culto

público. A última mesa da Irmandade, antes do encerramento da capela, foi eleita em

1 de Julho de 1912, para servir no ano 1912-1913, tendo o orçamento do ano

económico 1911-1912306

sido aprovado.

Apesar dos condicionantes às práticas religiosas, as pessoas reorganizaram-

se, em busca de espaço para a sua ação, não como contra - poder à ideologia

republicana, mas na tentativa de harmonizar o seu modo de agir para garantir a sua

liberdade religiosa, sem se tornarem instrumentos do poder político republicano. A

partir de 1913, os confrades e moradores de Caneças intervieram em defesa da

liberdade religiosa, conseguindo a abertura ao culto público na capela de S. Pedro,

em 1918, e a aprovação do alvará da Irmandade em 29 de Setembro de 1921.

305Procissão em honra de S. Pedro. Cf. Anexo LI. 306Ofício do Governo Civil de 13 de Fevereiro de 1912 (AML – Administração do Concelho de

Loures - Correspondência recebida, ano de 1912.)

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Os elementos ligados à Irmandade, e em nome desta, desenvolveram redes

sociais em vários domínios, desde a sua constituição no século XVIII. Além de

criarem e manterem elos de ligação ao nível da vida religiosa comunitária, no que

respeita ao domínio da espiritualidade, para garantir a prática da sua religiosidade, a

Irmandade assumiu também um papel preponderante na vida económica da

povoação, através da obtenção de ajudas financeiras à sustentação do culto.

Para esse fim, desenvolveu diversas diligências para conseguir a mercê régia

de uma feira franca307

. Feira que se realizava na primeira oitava da Páscoa mas, nos

primórdios da República, irmãos da Irmandade assinaram uma petição, em 16 de

Março de 1911, para que a feira realizada na segunda-feira da Páscoa passasse para o

domingo de Páscoa308

.

Paralelamente, no seio organizativo da Irmandade constituíram-se teias

familiares, pois membros da mesma família integravam as mesas da Irmandade,

desde o tempo da monarquia constitucional. Na sua relação com as autoridades

eclesiásticas, o pároco de Loures e o Patriarcado, não se observaram, nos

documentos estudados, relações de animosidade, no período da I República.

No entanto, o acervo documental consultado, não nos permite ter uma ideia

precisa do número de republicanos ou de monárquicos que existia em Caneças, nem

tão pouco o número de canecenses inscritos no Partido Republicano Português (ou

posteriormente, noutra organização partidária), embora tivesse sido constituída a

subcomissão republicana de Caneças. De acordo com a informação do Quatro de

Outubro, era a única subcomissão nas eleições para as comissões paroquiais

republicanas309

no concelho de Loures, no ano de 1913.

No recenseamento para as eleições para a assembleia nacional constituinte de

28 de Maio de 1911, dos cento e setenta e oito cidadãos recenseados de Caneças,

exerceram o direito devoto trinta e três, dos cinquenta e quatro310

cidadãos

alfabetizados, e vinte e sete chefes de família, ou seja, cerca de 34% do total de

cidadãos recenseados. Possivelmente, o interesse em participar na vida política não

seria motivador para os cidadãos, em parte. Alguns dos cidadãos recenseados

307 ANTT – Provisão D. José I de 25 de Janeiro de 1760. 308 AML – Câmara Municipal de Loures: Requerimentos e Representações, ano de 1911. Cx 15. 309As Próximas Eleições. Quatro de Outubro. Lisboa. Nº 51 (de 6 de Abril de 1913) 1. 310 Entre os cidadãos recenseados consta o padre João Ramos do Rosário, sem ser elegível. O padre

não exerceu o direito de voto. Segundo o caderno de recenseamento da freguesia de Loures, o nº total

de cidadãos recenseados é de 1035, ou seja, somente 17% residiam em Caneças (AHP – Caderno de

recenseamento da freguesia de Loures. Secção IX, cx. 47).

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integravam há vários anos a Irmandade, mas não se pode pressupor se eram, na

maioria, apoiantes da matriz ideológica republicana ou o oposto. Eram católicos e

cidadãos a usufruírem do direito de participar na vida política do país, à semelhança

dos seus anseios em manifestarem livremente o seu credo na sua capela.

É certo que, antes da implantação do novo regime, Caneças dava mostras da

simpatia pela monarquia, o nome da Real Fanfarra311

, fundada em 19 de Março de

1880. Também a Padaria Primavera312

, no centro da localidade, fazia propaganda à

sua casa exibindo uma bandeira monárquica numa janela do estabelecimento, assim

como o Hotel Progresso tinha a insígnia pintada em terrinas decorativas.

A tradição oral foi transmitindo a notícia de que em Caneças republicanos

residentes e forasteiros reuniam-se na Botica para troca de ideias, desde o séc. XIX.

Embora a distância entre Caneças, a sede de paróquia e Lisboa fosse significativa

para a época, tendo em conta as condições viárias e os meios de transporte, não

podemos menosprezar as ligações aos fervorosos republicanos de Loures e às

influências de Lisboa.

«Em Caneças, bonita localidade, muito frequentada por lisboetas, trata-se de

publicar um jornal, sem cor política, e, segundo nos informam de feição

literária.»313

Esta frase demonstra a proximidade de contactos estabelecidos entre os

moradores e os vindos da capital, os quais remontavam aos séculos passados.

Forasteiros procuravam Caneças para veranear e, por sua vez os canecenses

deslocavam-se diariamente a Lisboa para venderem os seus produtos agrícolas, a

água e a roupa cuidada pelas lavadeiras. Além do mais, o jornal não trataria de

assuntos da política, mas de cariz literário.

Instaurada a República as relações mantinham-se, principalmente, com os

republicanos (democráticos) que utilizavam os periódicos locais para ridicularizem o

catolicismo, os jesuítas, os padres, as Irmandades, as festividades religiosas (como as

311 Participou no concurso de filarmónicas, juntamente com oito bandas, realizado Real Tapada da Ajuda, no dia 12 de Julho de 1884. Pela sua prestação recebeu um galardão bordado a ouro (existente

na coletividade) das mãos da rainha D. Maria Pia de Sabóia, segundo a tradição oral. No entanto, a

Fanfarra inicialmente não teria o nome de Real. Como já se referiu, havia também no lugar a

filarmónica Avante Canecense, regida por uma senhora que estaria próxima das ideias republicanas,

mas não significa que os seus membros fossem anticatólicos ou anticlericais. 312A Fortuna: jornal hebdomadario de propaganda do comércio e da indústria- magasine ilustrado e

recreativo. Lisboa: A. Affonso D’ Oliveira, (14 de Outubro de 1909). 313 Esta notícia foi editada pelo Quatro de Outubro. Lisboa. Nº 45 (23 de Fevereiro de 1912) 1. Mostra

a proximidade de contactos estabelecidos com os moradores da capital.

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procissões), servindo-se de acontecimentos pontuais em todo o concelho de Loures.

Quanto às cultuais, apoiavam as determinações legais e defendiam que o culto não

existia nas igrejas do Concelho porque não se tinham constituído cultuais ou que o

patriarcado tinha ordenado o encerramento das igrejas.

Por vezes, verificaram-se ainda atitudes individuais ambíguas ou declaradas

quanto às preferências políticas. Era o caso da professora da Escola Oficial Mista de

Caneças, Júlia Augusta dos Anjos Escrivanis de Carvalho314

. A professora

subscreveu a petição dos mesários e confrades da Irmandade do SSº Sacramento de

Caneças de 27 de Janeiro de e a de moradores em 12 de Abril de 1913, pelo que se

pode inferir que a professora era católica e membro da Irmandade, mas nas petições

subsequentes não consta a sua participação.

Destacou-se como professora no Concelho315

pelos resultados obtidos pelos

alunos nos exames do 1º e 2ºgraus. Este feito valeu-lhe, e a outros professores do

Concelho, o voto de louvor da Câmara Municipal de Loures, aprovado em sessão

camarária316

. Atenta ao que se passava à sua volta, denunciou uma senhora

veraneante em Caneças que afastava as crianças da escola, sob o pretexto de atrair

«as crianças para as ensinar a ler e a rezar recompensando-as depois com bolos e

outras dádivas […]»317

.

Da mesma forma, a professora mostrou ser reivindicativa na defesa dos

direitos da sua classe, designadamente no pedido de aumento dos ordenados dos

314A professora faleceu em 25 de Maio de 1920, em Caneças. Não deixou ascendentes nem

descendentes segundo a sua certidão de óbito. 315Boa Professora. Quatro de Outubro. Lisboa. Nº 129 (8 de Novembro de 1914) 1. No exame do 1º

grau, nove alunos passaram com distinção, e no exame do 2º grau um aluno obteve distinção e outro,

aprovação. 316Quatro de Outubro. Lisboa. Nº 128 (11 de Novembro de 1914) 1. Receberam o voto de louvor os

professores de Bucelas, Camarate, Frielas, Loures, Odivelas, Pinheiro de Loures, Povoa Stª Iria, Stª

Iria, Stº Antão do Tojal, S. Julião, Unhos e Zambujal. 317A professora considerou que esta atitude provocou o afastamento de alunos da escola, à semelhança

do que acontecera nos anos anteriores. (AML – A.C.M.L. - Correspondência e requerimentos de

professores -Educação, Ensino Primário e Básico, cx. 1915 a 1916, carta de 19 de Outubro de 1914).

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professores318

. Mas, simultaneamente, felicitou a Câmara concelhia pelo seu

heroísmo e pelo triunfo do movimento que restabeleceu a Constituição319

.

Através da leitura dos jornais do Concelho320

, foi possível identificar cidadãos

que pertenciam ao Partido Republicano Português e constavam da lista

subcomissão321

republicana de Caneças, desempenharam cargos na direção322

da

filarmónica da terra, a qual ajudaram a reorganizar e, simultaneamente, faziam parte

dos corpos gerentes da Sociedade de Instrução Militar Preparatória323

e ocuparam

cargos políticos324

.

Alguns destes cidadãos eram católicos, ligados à vida da Irmandade e da

Igreja, desde a segunda metade do século XIX e os seus ascendentes, desde tempos

muito recuados, tinham integrado o corpo de irmãos ou de gerência da Irmandade do

Santíssimo Sacramento.

318 A professora Júlia de Carvalho fez parte da Comissão delegada de professores do concelho de

Loures. No documento, requerem o reconhecimento da atividade docente através do aumento dos

ordenados. Enaltecem o empenho e dedicação dos professores e o interesse de outros povos pela

educação: «[…]se não fora a abnegação dos nossos professores que, apesar de escassamente

remunerados têm cumprido regularmente os seus deveres oficiais […] Outros povos têm

compreendido que a instrução é a alavanca do progresso. » (AML – C.M.L. - Correspondência e

requerimentos de professores -Educação, Ensino Primário e Básico, cx. 1915 a 1916.) 319 A informação encontra-se num pequeno documento não datado (AML – C.M.L.- Correspondência e requerimentos de professores -Educação, Ensino Primário e Básico, cx. 1915 a 1916). Talvez a

professora se estivesse a referir ao movimento de 14 de Maio de 1915 que pôs fim à ditadura de

Pimenta de Castro. 320 Periódicos concelhios - Quatro de Outubro e O Cinco de Outubro. 321 Filiados no Partido Republicano Português e que participaram nas eleições para a Comissão

Municipal Republicana de Loures, in Quatro de Outubro. Lisboa. Nº 62 (22 de Junho de 1912) 1. 322 Faziam parte da Direção: António Raimundo Martins, Presidente (comerciante, Diretor da

Sociedade Musical de Caneças e membro do PRP - Partido Republicano Português); Leonardo José

Fernandes, Tesoureiro (comerciante; confrade da Irmandade do Santíssimo Sacramento, subscreveu a

petição para o reconhecimento legal da Irmandade e abertura da capela ao culto, vogal da Junta de

Freguesia de Caneças em 1922); António Duarte Sacavém, 1º Secretário (barbeiro, membro do PRP, Presidente da Câmara Municipal de Loures triénio 1915-1917); Francisco dos Santos Paisana, 2º

Secretário (proprietário e comerciante, antigo mesário, membro do PRP, Presidente da Câmara

Municipal de Loures de 2 de Janeiro a 11 de Abril de 1923 e, posteriormente, Presidente da Junta de

freguesia de Caneças). In Quatro de Outubro. Lisboa. Nº 51 (6 de Abril de 1913) 1. 323 Fundada em Dezembro de 1914. Corpos gerentes: José Eduardo dos Santos (empregado público,

mordomo da Irmandade do Santíssimo Sacramento em 1903,1904-1905 e entre 28 de Abril de 1910 a

28 de Janeiro de 1912). Segundo a informação oral de suas netas, foi educado por D. Adelaide Vieira

Caldas, sua madrinha, subscritora das petições e do agrupamento cultual transitório para a reabertura

da capela ao culto. A mãe e padrasto de José dos Santos eram trabalhadores da família Caldas); António Duarte Sacavém; Joaquim Pedro Nunes (escrivão da Irmandade do Santíssimo Sacramento

em 1903 e entre 21de Abril de 1907 a 28 de Abril de 1910. Mordomo no ano 1904-1905, funcionário

da Junta de Freguesia de Caneças e, posteriormente, do Registo Civil); António Raimundo Martins

(comerciante, filiado no P.R.P.); Domingos Afonso Fernandes (comerciante, já o mencionámos como

antigo confrade); Alfredo Simões Roussado (proprietário industrial); Raimundo Alves; Casimiro

Martins Claro (trabalhador e desempenhou a função de cabo de polícia, escrivão da Irmandade entre

28 de Abril de 1910 e 30 de Junho de 1911); António dos Santos Abade (?). 324 No anexo referente às mesas administrativas faz-se a devida observação, embora alguns dos

republicanos já tenham sido referenciados em notas do capítulo 2. Cf. Anexo LXXIV.

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Por outro lado, nem todos os antigos elementos da Irmandade, simpatizantes

ou militantes do Partido Republicano Português, subscreveram as petições para a

reabertura da capela ao culto e para o reconhecimento legal da Irmandade, mas foi

um número minoritário. Como por exemplo, um membro da Irmandade, Juiz entre 21

de Abril de 1907 a 28 de Abril de 1910325

, tomou parte na subcomissão republicana

de Caneças (1913), integrou a direção da Sociedade Musical de Caneças, assumiu os

cargos de vereador e de Presidente da Câmara Municipal de Loures e da Junta de

Freguesia de Caneças326

, após o 5 de Outubro de 1910.

Do mesmo modo, também não nos é possível demonstrar se a maioria dos

signatários das petições para a reabertura da capela ao culto eram apoiantes dos

regimes monárquico ou republicano, mas sendo republicanos não significava que não

fossem católicos.

As expressões do republicanismo, em termos políticos, surgem, após a

revolução, relacionadas à filarmónica da Sociedade Musical de Caneças, à

toponímia, e à constituição das subcomissões republicanas, enquanto a Irmandade do

Santíssimo Sacramento lutava pela reabertura da capela ao culto e pelo seu

reconhecimento legal.

Das petições, para a reabertura da capela ao exercício do culto público e

reconhecimento legal da Irmandade do Santíssimo Sacramento, não constam alguns

dos nomes dos elementos que fizeram parte da Comissão Municipal e da

Subcomissão Paroquial do Partido Republicano Português e, ao mesmo tempo, da

direção da coletividade musical e do exercício de cargos políticos. Mas também não

se encontraram documentos que demonstrassem posições desfavoráveis às

pretensões dos requerimentos, como a alegação do Presidente da Junta de paróquia

de Loures.

325 Francisco dos Santos Paisana, carroceiro, proprietário agrícola e comerciante, batizado em 9 de

agosto de 1886, na Igreja de Santa Maria de Loures, filho de José Santos Paisana, fazendeiro, e de

Maria Joaquina Bernardina. Teve como padrinho Francisco Bernardino, empregado na Nunciatura e morador em Lisboa e madrinha Rita Razo (?) também residente em Lisboa. O seu pai pertenceu à

mesa da Irmandade e subscreveu as petições. 326A freguesia de Caneças foi criada pela Lei nº 413/1915. D. G. I série. Nº 182 (10 de Setembro de

1915) 1. Em relação à criação da freguesia de Caneças, os 111 signatários, do sexo masculino, eram

moradores de Caneças e Vale de Nogueira, dos quais cerca de 25 subscreveram as petições de Janeiro

e de Abril de 1913 e de Agosto de 1914 para a reabertura da capela ao culto. Entre os mesmos

subscritores, estes ocuparam cargos políticos na Câmara Municipal de Loures e, posteriormente, na

Junta de Freguesia de Caneças, assim como ao nível da associação cultural Sociedade Musical de

Caneças.

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Constata-se também que mesários da Irmandade, desde o tempo da

monarquia constitucional, vão manter-se fiéis aos propósitos de reabrir a capela ao

culto público e protestar em favor da aceitação legal da Irmandade pelas autoridades

administrativas competentes. Ao subscreverem as petições, assim como elementos da

respetivas famílias, estavam a insistir na defesa da legitimidade do exercício do culto

católico. Alguns destes cidadãos aparecem também, após 1915, a desempenhar

cargos políticos ao nível da Junta de Freguesia de Caneças.

A Irmandade era composta por elementos masculinos e femininos, mas as

mulheres não ocupavam funções nas mesas administrativas327

. As mesas eram eleitas

«segundo domingo depois do São Pedro»328

. Pela análise da composição das mesas

administrativas da Irmandade, constata-se que alguns dos cidadãos desempenharam

funções culturais e políticas, constituindo a elite social, económica, cultural e política

da comunidade329

. A Irmandade foi um mecanismo de poder, de influência nas

relações e vivências da povoação, da qual faziam parte proprietários agrícolas que

também se dedicavam ao comércio dos produtos que produziam, irmãos com

atividade ligada ao comércio, pequenos artesãos como o ferreiro, ferrador e sapateiro

e trabalhadores por conta de outrem330

.

Os confrades pertencendo à mesma ordem social estabelecem entre si

relações de solidariedade horizontal, ligados ao culto do Santíssimo Sacramento e à

prática da caridade através da assistência aos mais carenciados. Em vida com a

atribuição de esmolas aos pobres inabilitados (géneros alimentares e medicamentos),

garantiam aos doentes o recebimento dos sacramentos e, na morte, acompanhavam

os enterros de irmãos ou não. A Irmandade embora fosse uma associação laica, os

327 Artigos números 4º a 7º do projeto de estatutos, aprovado em reunião magna em 1 de Junho de

1912 (cf. Anexo XVIII) e artigos 1º e 8º dos estatutos aprovados por alvará em 29 de Setembro de

1921 (cf. Anexo LXVI). No estatuto de 1921, art. 8º, os menores tinham de ter licença «de seus pais

ou tutores» e as mulheres casadas «autorização do marido». 328 Artigo nº 7º do projeto de estatutos, aprovado em reunião magna em 1 de Junho de 1912 (cf.

Anexo XVIII). 329Mesas administrativas da Irmandade do SSº Sacramento de Caneças. Cf. Anexo LXXIV. 330 Cf. Pedro Penteado – Confrarias. In História Religiosa de Portugal. Vol. 2, p. 323-334. O autor

refere-se às Irmandades e Confrarias no quadro da sociedade portuguesa na época moderna. Também

no caso da Irmandade do SSº Sacramento de Caneças, constata-se que a forma de agir, as

sociabilidades criadas, e o papel da Irmandade remontam ao século XVIII, como se verificam nos

documentos estudados. As práticas, as representações e a natureza das suas atribuições mantiveram-se

até 1912. Nos nossos dias, não existem Irmandades na paróquia de Caneças, mas os rituais e as festas

religiosas permanecem como formas de manifestação da crença, e para a sua prossecução os fiéis

organizam-se em colaboração com o pároco.

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padres capelães eram membros presentes nas suas reuniões331

, cabendo à Irmandade

conseguir as receitas necessárias ao culto, ao enterro de fiéis e à realização das festas

do Santo Padroeiro, de Nossa Sr.ª do Rosário e de S. Sebastião.

Podemos depreender que os membros da Irmandade e os subscritores

(homens e mulheres) das petições para a reabertura da capela ao culto, não

questionavam a separação da política da religião, somente procuraram fazer

prevalecer a prática da sua crença, sendo as suas fundamentações sempre recusadas

até Maio de 1918.

O sentimento religioso das pessoas da pequena povoação foi atingido na

essência quanto à liberdade de expressarem o seu credo e, assim, de o praticarem em

comunidade e, sem serem contra poder, procuraram agir em defesa da sua liberdade

religiosa.

A separação do Estado e das Igrejas, de acordo com o consignado na Lei da

Separação, de 20 de Abril de 1911, pretendia remeter o culto para a esfera privada,

pois o culto público só poderia existir se fosse formada associação cultual.

As Irmandades tinham uma natureza religiosa e espiritual à qual se deve

associar a sua dimensão cultural, preservando e divulgando rituais, usos e costumes

ligados à cristianização da sociedade e fazem parte da cultura e mentalidade das

populações desde há séculos, como o acompanhamento dos enterros, a celebração

das procissões, as missas332

.

A dimensão social das Irmandades manifestou-se enquanto agentes

promotores dos valores cristãos através da caridade (amor ao próximo) e da piedade,

mas também eram formas de distinção ou agregação social em relação aos membros

que delas faziam parte, uma vez que a composição social era formada essencialmente

por elementos da pequena burguesia. Pequena burguesia que também exercia a sua

rede de influências na vida política e cultural local.

A dimensão económica das Irmandades, enquanto gerentes de receitas e

despesas, tinha como principal propósito assegurar o culto público e, por esse

motivo, foram geradoras de práticas que ajudavam a superar as suas dificuldades,

331 AHPL – Livro nº 1 dos acórdãos. U.I. 662. O padre capelão João Ramos do Rosário também

subscreveu a ata lavrada em 10 de Dezembro de 1911 e o projeto de estatutos aprovado em 1 de Junho

de 1912, conforme os documentos no Arquivo do Governo Civil de Lisboa. CF. Anexos XV e XVIII. 332 António Camões Gouveia [et al.] – O Deus de todos os dias: espaços, sociabilidade e práticas

religiosas. História Religiosa de Portugal. Dir. Carlos Azevedo. Vol. 2. Mem Martins: Círculo de

Leitores SA e Autores, 2000, p. 317-596.

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como aconteceu com a Irmandade do Santíssimo Sacramento de Caneças ao

conseguir provisões régias para a realização das feiras francas, em datas próximas da

celebração religiosa da Festa da Páscoa da Ressurreição e no dia do santo padroeiro

da povoação.

Considerando as dimensões enunciadas, a Irmandade do Santíssimo

Sacramento de Caneças criou diferentes redes de sociabilidade que se foram

relacionando, a partir do elemento fundamental que é o religioso, o motivo nuclear

da sua constituição e da sua expressão. Em torno da comunhão de interesses

espirituais, religiosos e caritativos, os membros que compunham a Irmandade agiram

em defesa da sua crença e de valores comuns, os valores cristãos, valorizando o

sentido de pertença à comunidade.

3.2- A SUA RELAÇÃO COM O PODER POLÍTICO LOCAL APÓS 10

DE SETEMBRO DE 1915

A Irmandade do Santíssimo Sacramento de Caneças, após o despacho da sua

extinção de 5 de Setembro de 1913 e adjudicação dos seus bens à Comissão

Concelhia de Administração dos Bens Eclesiásticos, continuou a apelar às mais altas

instâncias políticas, ao Ministro da Justiça, na esperança de que as suas alegações

fossem atendidas favoravelmente.

Como se analisou no capítulo anterior, o processo que conduziu à dissolução

da Irmandade e ao encerramento da capela foi estudado, pediram-se pareceres às

entidades concelhias, após novos pedidos de reabertura da capela ao culto e a

comunicação da constituição do agrupamento cultual transitório, em 1914 (ano em

que os moradores de Caneças e Vale de Nogueira apresentaram a representação, em

28 de Janeiro para a criação da paróquia civil de Caneças).

Porém, um despacho de indeferimento às pretensões referidas, de 3 de

Outubro de 1914, do Governador Civil, e reafirmado por um documento assinado,

mas não datado, afastou a possibilidade de reiniciar o exercício do culto público na

capela.

Para alguns autores, o ano de 1914 «marcou a grande viragem para o

confronto doutrinal com o regime»333

, devido à discussão gerada em torno da Lei da

Separação (neste estudo já se apresentou algumas das problemáticas suscitadas por

333 Cf. Joaquim Veríssimo Serrão – Igreja portuguesa. In História de Portugal. 2ª ed. Lisboa: Editorial

Verbo, 2011, vol. 12, p. 135.

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Casimiro de Sá no parlamento) «apresentava-se como um marco decisivo para a

compreensão de um caminho que se aproximava do fim, o da “guerra religiosa”»334

.

Realizou-se o II Congresso da Federação das Juventudes Católicas (2 e 3 de

Maio de 1914, na Igreja de N. Sr.ª do Carmo, no Porto). No ano seguinte,

aconteceram o I Congresso dos Médicos Católicos (Porto) e o III Congresso das

Juventudes Católicas (Braga). Foi fundado o Centro Católico Português335

(1917).

Em 30 de Janeiro de 1921, ocorreu o I Congresso do Centro Católico Português

(Lisboa).

As mudanças políticas, no que concerne à discussão do modelo da Lei da

Separação de 20 de Abril de 1911, entre os deputados republicanos, alertavam para a

necessidade da sua reformulação, pois a Lei era geradora da discórdia entre a Igreja e

o Estado. Estava em causa a estabilidade social e os princípios da liberdade

individual, mas também das instituições, particularmente da Igreja Católica.

Possivelmente, o ambiente político então vivido, tenha sido propício aos

católicos e habitantes de Caneças, apoiados pelo pároco de Loures Joaquim Pombo,

para alcançarem seus intentos, malgrado o despacho de 3 de Outubro de 1914.

Entretanto, o Governador Civil, Cassiano Nunes, chamou a si o processo da

aprovação do projeto de estatutos e anulou o despacho de 5 de Setembro de 1913,

pelos motivos mencionados no capítulo 1, ordenando que o processo seguisse «com

urgência, os seus trâmites legais»336

, de acordo com as orientações do Ministério da

334 Cf. Sérgio Pinto - Separação religiosa como modernidade: decreto-lei de 20 de Abril de 1911 e

modelos alternativos, p. 103. 335 Fundado em 8 de Agosto de 1917, em Braga, com o apoio da hierarquia católica portuguesa.

Destacou-se pela sua intervenção na vida parlamentar portuguesa. Grupo representativo da Igreja Católica desenvolveu a sua ação em defesa da religião católica, da religiosidade do povo, dos valores

humanos e cristãos. Antes da fundação do Centro, os católicos elegeram dois eclesiásticos, em 1915,

um para a Câmara dos Deputados e outro para o Senado. Cf. Manuel Braga da Cruz – Partidos

Políticos Confessionais. In Dicionário de História Religiosa de Portugal. Dir. Carlos Azevedo. Mem

Martins: Círculo de Leitores S. A. e Centro de Estudos da História Religiosa – UCP, 2000. Vol 3, p.

380-384. Sobre as intervenções de António Lino Neto, um dos quatro deputados eleitos pelo Centro,

nas eleições de Abril de 1918, leia-se: António Matos Ferreira; João Miguel Almeida - António Lino

Neto: intervenções parlamentares (1918-1926). Lisboa: Divisão de Edições da Assembleia da

República e Textos Editores Lda. 2009, p. 407. 336 Cópia do despacho do Governador Civil de Lisboa Cassiano Nunes, denominado Resolução de 9

de Abril de 1915 (ACMF – CJBC/LIS/LOU/ADMIN/028- Processo 2101, fl. 10, cópia nº 5. O

Governo Civil reiterou a informação de que a Irmandade do Santíssimo Sacramento, erecta na capela

de São Pedro, não tinha sido extinta nem o projeto de estatutos aprovado, o qual foi apresentado no

prazo legal, não obstante os dois despachos exarados, em que o primeiro mandava extinguir a

Irmandade e o segundo anulava o primeiro despacho e ordenava a aprovação dos referidos estatutos.

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Justiça. A resolução de 9 de Abril de 1915337

permitiu o prosseguimento da

aprovação dos estatutos, que a Irmandade tanto reclamou.

Todavia, as decisões pareciam não ser unânimes entre os órgãos

administrativos, resultando o encerramento formal da capela de S. Pedro de Caneças

por decreto de 15 de Junho de 1915, pois a Comissão Concelhia de Administração

dos Bens Eclesiásticos considerara a cedência da capela338

à Câmara Municipal de

Loures.

Cerca de três meses depois, Caneças é elevada a paróquia civil, em 10 de

Setembro. O testemunho do pároco Joaquim José Pombo, expresso na sua carta de 16

de Junho de 1914, cumpria-se, pois no seu entendimento era um dos motivos

importantes para a abertura da capela ao culto.

Os habitantes consideravam a criação da freguesia uma questão importante

para a resolução dos problemas da localidade339

, tendo em conta a distância a que se

encontravam de Loures, situação agravada pelas más condições viárias, prejudicial

também às práticas religiosas.

A solidariedade demonstrada, no processo de criação da freguesia340

, pela

Junta de Paróquia de Loures e Câmara Municipal de Loures, não se verificou para

com a Irmandade, fiéis e moradores de Caneças quando solicitaram a capela aberta

ao culto público. Refira-se que alguns dos peticionários subscreveram os

requerimentos em nome da liberdade de culto ou para a criação da freguesia.

Face a protestos quanto à legalidade da resolução de 9 de Abril de 1915, o

Governador Civil de Lisboa, João d’ Oliveira da Costa Gonçalves, respondeu341

ao

Presidente da Comissão Central de Execução da Lei da Separação que, de acordo

com o ponto único do artigo 189º do Código Administrativo de 1878, a resolução de

337 Idem. 338 Em 3 de Abril de 1914, esta Comissão informou a Comissão Central de Execução da Lei da

Separação que a capela tinha sido assaltada, tendo sido furtadas três coroas de prata e «vários outros

objectos» (ACMF – CJBC/LIS/LOU/ADMIN/095. Cx. 274). 339«Sete casas e Caneças; povoação esta muito importante, e há anos a querer desligar-se da freguesia.

[…]». Cf. José Joaquim da Silva Mendes Leal – Admirável igreja matriz de Loures, p. 218. 340 Requerimento para a criação da freguesia de Caneças. Cf. Anexo XXXIII. 341 Ofício da 3ª Repartição do Governo Civil de Lisboa, de 24 de Março de 1916, ao Presidente da

Comissão Central de Execução da Lei da Separação. No mesmo ofício, informa que os bens da

Irmandade arrolados foram vendidos (ACMF – CJBC/LIS/LOU/ ADMIN/028 - Processo 2101, fl.11).

Cf. Anexo LIV.

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9 de Abril de 1915 só podia ser anulada por recurso, interposto para o Supremo

Tribunal Administrativo342

.

A Comissão Central considerou que não tinha competência para interpor

recurso ao despacho do Governo Civil de 9 de Abril de 1915343

, e informou, em

Fevereiro, que esperava a atenção do Governador Civil «para a situação anómala da

referida irmandade»344

. A Comissão aguardava «a douta resolução»345

do

Governador. Pelo documento, a Comissão instava o Governador a anular a resolução

de 9 de Abril, com os fundamentos de ter sido proferida durante a ditadura de

Pimenta de Castro e que os seus bens tinham sido transferidos e a declaração ao

abrigo do artigo 38º tinha sido entregue fora de prazo. A capela de São Pedro

permaneceu encerrada ao culto pelo que, juridicamente, a Irmandade não tinha

constituição legal346

. Parece, contudo, que as determinações da Comissão Central de

342 Código Administrativo de 1878: «Artigo 189º - As resoluções tomadas pelo governador civil

podem, em todos os casos e a todo o tempo, ser revogados pelo governo. Ponto único: Das resoluções

tomadas pelo governador civil há recurso para o supremo tribunal administrativo nos casos de

incompetência, excesso de poder, violação e ofensa de direitos.» 343Despacho do Governo Civil de 9 de Abril de 1915, transcrito a fl. 10 que anulou o do mesmo

Governo Civil, transcrito a fl. 9, de acordo com a lei em vigor (ACMF – CJBC/LIS/LOU/

ADMIN/028 - Processo 2101, Fl. 10, cópia nº 5). A Comissão Central de Execução da Lei da

Separação, na sua Resolução nº 3196, de 22 de Maio de 1918, decidiu deslindar o processo de

extinção da Irmandade, e devolveu-o volveu ao Governo Civil, argumentando que o despacho de 9 de

Abril ofendeu os interesses da Provedoria Central da Assistência de Lisboa. No mesmo documento,

informa que não tinha competência para interpor recurso do despacho de 9 de Abril (ACMF –

LIS/LOU/ADMIN/028 - Processo 2101, cx. 274.) 344 Ofício da Comissão central de execução da Lei da Separação ao Governador Civil, de 28 de

Fevereiro de 1916 (AGCL - Processo nº 1353, cx. 51). Cf. Anexo LII. 345 Idem. 346 Faltava o alvará do Governador Civil, órgão que determinava a aprovação dos estatutos. Desde o

tempo da monarquia liberal, esta era uma das competências dos Governadores Civis bem como a aprovação do orçamento e contas. Durante o regime monárquico (desde o século XVIII), o poder

político não superintendia o culto, as suas práticas, nem tão pouco determinava as despesas para

assegurar o mesmo, conferia, com especial atenção o cumprimento das contribuições prediais, a

décima (imposto aplicado sobre os rendimentos das corporações em favor de atos de beneficência, no

Concelho, e do ensino primário na respetiva freguesia (Código Administrativo Português de 17 de

Julho de 1886, art. 220 - ponto 4º) e, posteriormente, foi instituída a dádiva para assistência aos

tuberculosos. Já pelo decreto-lei de 18 de Julho de 1835, art. 43º, as confrarias não podiam gastar os

seus rendimentos ou alienar propriedades sem autorização do Governo Civil, mas «conservarão a ação

primária da sua administração interna»; o produto das confrarias em excesso podia ainda auxiliar os

estabelecimentos congéneres mais necessitados «usando sempre de maior circunspecção e prudência»

(Decreto-lei de 18 de Julho de 1835, art. 43º - ponto 2º). O Código Administrativo de 1836 admitia a dissolução de mesas caso as contas não estivessem em ordem; ao Administrador Geral competia

aprovar as contas das Irmandades, após fiscalização do Conselho de Distrito (art. 108º - ponto 2º). O

Código de 18 de Março de 1842 conferia ao Governador Civil a competência de auxiliar com as

sobras das rendas das Irmandades os estabelecimentos pios mais necessitados «ou mais úteis, ouvindo

as Juntas de Paróquia e as câmaras respectivas (art. 229º- ponto VI); ao Administrador do Concelho

competia receber as contas das Irmandades na 1ª quinzena de julho (art. 248º - ponto III). Em suma

até 1910, os restantes Códigos Administrativos (de 21 de Julho de 1870; 13 de Maio de 1878; 17 de

Julho de 1886; 6 de Agosto de 1892; 2 Março de 1894; 21 de Junho de 1900; e ainda o Código Civil

de 1867), atribuem ao Governador Civil as competências seguintes: fiscalizar e aprovar as contas;

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Execução de Execução tiveram preponderância na orientação dos acontecimentos.

Registe -se a cedência de espaços, pertencentes à capela de São Pedro, à Junta de

Freguesia, em 1 de Maio de 1918347

, sitos no Largo do Pião da localidade.

A conjuntura política nacional de instabilidade, após 1911, desencadeou nos

partidos políticos diferentes atitudes e perspetivas na chamada “questão religiosa”,

face à Lei da Separação. Também o ambiente político-administrativo local sofreu

alterações com a criação da Freguesia de Caneças, em 10 de Setembro de 1915. A

Circular de 23 de Junho de 1911 de Francisco de Medeiros348

procurou esclarecer a

interpretação dos artigos da Lei da Separação em relação à constituição das cultuais,

mas os anos que se seguiram não foram consensuais para o cumprimento das

disposições políticas.

Mais tarde, o governo ditatorial de Sidónio Pais que «encarava o fenómeno

religioso de forma diferente do radicalismo»349

provocado pela Lei da Separação,

considerou imperioso resolver o mal-estar causado pela Lei de Abril, para evitar

conflitos e defender a liberdade e tolerância religiosas, conforme o preâmbulo do

decreto nº 3856350

, promulgado em 22 de Fevereiro de 1918.

superintender na aplicação dos fundos de legados pios, doações e heranças e na alienação ou aquisição

de bens imóveis, para que não contrariassem o fundo que os criou; verificar se as corporações

cumpriam os regulamentos governamentais; aprovar os estatutos das corporações e podiam propor a

dissolução de mesas administrativas ou de Irmandades que não tivessem o nº de irmãos suficientes

para comporem a mesa ou os estatutos aprovados. O regime republicano revogou o Código

Administrativo de 4 de Maio de 1896 e repôs o Código de 1878, por o considerarem de orientação liberal e democrática, na defesa da descentralização e da autonomia administrativa. O Código foi

aprovado pelo Decreto com Força de Lei em 13 de Outubro de 1910, sob a tutela do Ministro do

Interior António José de Almeida. 347 Resolução número 3047, de 1 de Maio de 1918 (ACMF – CJBC/LIS/LOU/ADMIN/045 - Processo

3020, cx. 274). Nesta data, o Presidente da Junta de Freguesia de Caneças era António Maria Leal. O

pedido do espaço tinha sido apresentado pelo Presidente da Junta de Freguesia de Caneças Policarpo

Domingos Pedroso, em 5 de Abril de 1916, porque a Junta estava instalada provisoriamente em sua

casa, por falta de recursos. Na nova dependência, a Junta de Freguesia podia realizar as suas sessões e

guardar aí o seu arquivo. Deste processo, constam os pareceres favoráveis da Administração do

Concelho de 24 de Julho de 1916 à Comissão Central de Execução da Lei da Separação, para a

cedência de dependências da capela à Junta de Freguesia; e da Comissão Concelhia dos Bens Eclesiásticos, sob a presidência de João Raymundo Alves. Como esses espaços estavam em estado de

ruína, a Junta comprometia-se a realizar as obras necessárias à sua recuperação. Nesta morada de

casas funcionou o registo civil, como consta do auto de posse de entrega das ditas casas ao Benefício

Paroquial, em 9 de Outubro de 1946, p. 54 e 54 verso, Anexo XIV. 348 Cf. João Seabra - O Estado e a Igreja em Portugal no início do século XX: a Lei da Separação de

1911, p. 107-109. 349 Sérgio Pinto – Separação religiosa como modernidade: decreto-lei de 20 de Abril de 1911 e

modelos alternativo, p. 115. 350 Decreto nº 3856/1918. D. G. Nº 34 – I série (22 de Fevereiro de 1918).

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Neste contexto político, em 9 de Abril de 1918, reaparece um grupo de

fiéis351

(antigos confrades e mesários), em nome da Irmandade do Santíssimo

Sacramento de Caneças, signatários de um abaixo-assinado, em que solicitavam, ao

Ministro da Justiça352

, a reabertura da capela de São Pedro de Caneças ao culto.

Invocavam na representação a inexistência de motivo originado pela Irmandade e

que a mesma não tinha sido dissolvida legalmente. Em 2 de Maio de 1918353

,

insistem no pedido, evocando os mesmos motivos do anterior e, finalmente,

conseguem a abertura da capela ao culto.

Sob proposta do Ministro da Justiça, foi publicada a portaria nº 1.354354

, de

10 de Maio de 1918, mas publicada em 13 de Maio, determinando que a Igreja de

São Pedro de Caneças fosse afeta ao culto público, por se provar «a necessidade para

o exercício do culto público católico, na freguesia e concelho de Loures» de Caneças.

Para tal, a igreja tinha de ser entregue à corporação religiosa355

que se regularizasse,

de acordo com o decreto nº 3.856356

, de 22 de Fevereiro de 1918 e a portaria

nº1244357

de 4 de Março de 1918.

Antes de a Irmandade regularizar358

a sua situação, a capela foi aberta ao

exercício do culto público, realizando-se «a primeira missa […] pelas 12 horas»359

,

351 Francisco Fernandes Lapa, Miguel Silvestre Cruz Sobrinho, Jacinto Francisco Raposo, José Martiniano Sarreira, Domingos Fernandes Coelho. 352 ACMF – CJBC/LIS/LOU/ADMIN/079 - Processo 5189, L. 10, fl. 240. Cf. Anexo LVI. 353ACMF – CJBC/LIS/LOU/ADMIN/079 - Processo 5189, L. 10, fl. 240. Cf. Anexo LVII. 354Portaria nº 1.354/1918. D. G. nº 103. I Série (13 de Maio de 1918). Portaria do Ministro da Justiça e

dos Cultos Martinho Nobre de Melo (ACMF – CJBC/LIS/LOU/ADMIN/079 - Processo 1269, L. 5, fl.

18). Cf. Anexo LVIII. 355 O exercício do culto continuava a depender das corporações, segundo o “decreto de Moura Pinto”. A “questão religiosa” atenuada com o decreto, de certa forma com outras desobrigações, como o fim

da proibição de uso vestes talares (revogação do art. 176º da Lei da Separação de 20 de Abril de

1911), mas a problemática da autonomia da Igreja, em relação à organização e gestão do culto e ao

direito de posse de bens materiais, continuava a ser o motivo de contestação da hierarquia católica. Cf.

Luís Salgado de Matos – A Separação do Estado e da Igreja, p. 453-469. Leia-se a carta do Bispo do

Porto sobre o decreto de Moura Pinto, remetida a António Lino Neto, em 18 de Fevereiro de 1923.

Sobre as Irmandades considera que estas funcionam de acordo com as leis civis, o que revela o

desprezo pela hierarquia católica, e as submete à tutela do Estado e, por outro lado, a sustentação do

culto público continua a depender das corporações. Refere-se ainda ao direito da Igreja sobre os seus

bens imobiliários, dos quais tinham sido espoliados e às obrigações pecuniárias da Igreja em relação

ao estado. Cit. por António Matos Ferreira; João Miguel Almeida – António Lino Neto: intervenções parlamentares (1918-1926), p. 379-381. 356Decreto nº 3856/1922. D.G. nº 34. I Série (22 de Fevereiro de 1918) (ACMF –

CJBC/LIS/LOU/ADMIN/079 - Processo 1269, L. 5, fl. 18). 357A portaria nº 1244 regulamentava a entrega de bens às corporações religiosas do culto público

católico, a guarda, conservação e seguro dos bens cedidos (ACMF – CJBC/LIS/LOU/ADMIN/079 -

Processo 1269, L. 5, fl. 18). Portaria nº 1244/1918. D.G. nº 46. I Série (4 de Março de 1918). 358 O Administrador do Concelho de Loures, Calixto Morgado, intimou a Irmandade, em 25 de

Novembro de 1918, a declarar o seu propósito em solicitar a aprovação do projeto dos seus estatutos,

anteriormente apresentados à 3ª Repartição do Governo Civil, conforme orientações do Governo Civil

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105

no dia 29 de Junho, dia do Padroeiro S. Pedro. Por pedido dos habitantes de Caneças

ao Patriarca D. Mendes Belo foi autorizada a celebração do batismo e matrimónio na

capela360

. A missa aconteceu sem o despacho de nulidade da dissolução da

Irmandade em 5 de Setembro de 1913. O referido despacho foi proferido pelo

Secretário de Estado do Trabalho, em 11 de Novembro de 1918:

«Declaro nulo e insubsistente o despacho que mandou extinguir a

irmandade do Santíssimo Sacramento, de S. Pedro de Caneças, para o efeito

de ficar subsistindo, e mando se proceda à aprovação dos seus estatutos.»361

A Irmandade do SSº Sacramento de Caneças confirmou ao Governador

Civil o seu propósito em «solicitar a aprovação da reforma dos seus estatutos»362

,

após indicação do Governo Civil à Administração do Concelho363

. Contudo,

somente, em 1 de Janeiro de 1921364

, em reunião magna de quarenta e três irmãos, na

Casa de Despacho da capela de S. Pedro, foi aprovado o projeto de estatutos365

, ao

abrigo do decreto 3856, de 22 de Fevereiro de 1918, e eleita a mesa administrativa da

Irmandade366

. Após as alterações introduzidas por sugestão do Governador Civil e o

pagamento dos direitos de mercê e do imposto especial367

, à Irmandade foi concedido

alvará em 29 de Setembro de 1921368

.

de Lisboa. Estariam a referir-se ao projeto remetido em Setembro de 1912 (AML – Administração do

Concelho de Loures, ano 1918). 359 Ofício do Juiz da Irmandade do Santíssimo Sacramento de Caneças à Junta de Freguesia de

Caneças, de 25 de Junho de 1918, comunicando a abertura da capela ao culto (AJFC – Livro 1º de

registo da correspondência recebida). O Presidente da Junta de Freguesia comunicou a situação ao

Administrador do Concelho, no mesmo dia. Cf. Anexo LX. 360

Ofício do Patriarca ao pároco da Ameixoeira autorizando as respetivas celebrações até à colocação

do pároco de Loures e após a «reconciliação» da capela, de 25 de Junho de 1918 (AHPL – Registo da

Correspondência com os Vigários da Vara e Párocos, 1917-1929, p. 11. U.I.114). Cf. Anexo LIX. A

«reconciliação» pode ser entendida como a autorização formal da abertura da capela ao culto público

com a devolução do espaço de culto e objetos de culto aos paroquianos, o que aconteceu somente em

25 de Dezembro de 1922. O pároco da Ameixoeira ficou também encarregue do culto na Igreja

Paroquial de Bucelas, em 23 de Maio de 1918 (AHPL – Registo da Correspondência com os Vigários

da Vara e Párocos, 1917-1929, p. 59. U.I. 114). Entre 1915 e 1925, o pároco colado da Igreja de N.

Sr.ª da Encarnação da Ameixoeira foi Delfim Simões Amaro que também participo em 1904 na festa

religiosa de S. Pedro. (AHPL – Registo cronológico paroquial. U.I. 69). 361 AGCL – Processo nº 1353, cx 51. Cf. Anexo LXIII. 362 Ofício de 3 de Dezembro de 1918 enviado ao Administrador do Concelho que o remeteu na mesma

data ao Governo Civil (AGCL – Processo nº 1353, cx. 51). Cf. Anexo LXII. 363 Cf. Anexo LXIV. 364 Cf. Anexo LXV. 365Cf. Anexo LXVI. 366 AGCL – Processo nº 1353, cx. 51. Cf. Anexo LXV. 367Cf. Anexos LXVII. 368Cf. Anexos LXVIII.

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106

Em Novembro de 1922, o decreto369

de 13 de Novembro, anulou o de 12 de

Junho de 1915, o qual cedia à Câmara Municipal de Loures a capela de São Pedro de

Caneças para a instalação de uma escola. O mesmo decreto determinou que a capela

«com todos os seus anexos» fosse «definitivamente incorporada na Fazenda

Nacional». Este despacho significava que não existia corporação constituída, e por

esse motivo os bens eram incorporados na Fazenda Nacional.

Provavelmente, a informação da Câmara Municipal de Loures, ao

Presidente da Comissão Central de Execução da Lei da Separação, de que na capela

de São Pedro de Caneças exercia-se o culto público católico, mas «sem nenhum

título», visto que não existia «qualquer comissão encarregada para tal fim»370

, em

Agosto de 1922, tenha influenciado a promulgação do despacho de 13 de Novembro.

A ambiguidade desta informação tem a ver com a data de produção da

mesma, o dia 17 de Agosto de 1922, que contraria o teor do ofício371

da Irmandade

do Santíssimo Sacramento, de 9 de Fevereiro de 1922. Nesta data, foi comunicada à

Comissão Central a constituição legal da Irmandade do Santíssimo Sacramento de

Caneças por alvará do Governador Civil de Lisboa. Pelo mesmo ofício, a Irmandade

solicitava a entrega de todos os bens móveis e imóveis, papéis de crédito e respetivos

juros acumulados e de tudo o que constasse «no respectivo inventário existente na

Comissão»372

.

Perante as informações divergentes, que se prolongam ao ano de 1923,

sobre os bens da Capela, a Comissão Central373

faz saber ao Ministério das Finanças

que a situação provinha de «uma irregularidade que se praticou durante a ditadura

«dezembrista»374

, ao afetar a capela de Caneças ao culto pela portaria nº 1354, de 13

de Maio de 1918. Mas, a questão era delicada e não convinha alterar para que não

369Decreto nº 8481/1918. D. G. nº 235. I Série (13 de Novembro de 1922). 370Resposta do Presidente da Comissão Central à Segunda Comissão de Administração dos Bens das

Igrejas de Lisboa (desde 4 de Maio de 1921 passou a exercer as funções da Comissão Concelhia de

Loures), segundo resposta da Câmara Municipal de Loures de 17 de Agosto de 1922 à Segunda

Comissão (ACMF – CJBC/LIS/LOU/CEDEN/001- Processo 8530, L. 12, fl. 109). Cf. Anexo LXX. 371 Ofício de 9 de Fevereiro de 1922 do Juiz da Irmandade (ACMF – CJBC/LIS/LOU/ADMIN/066 -

Processo 8197, L. 12, fl. 43). Cf. Anexo LXXIX. Portugal estava sob o governo de António Granjo,

assassinado na “Noite Sangrenta” juntamente com outros políticos. 372Idem. 373 Cópia do ofício do Presidente da Comissão Central ao Diretor Geral da Fazenda Pública para

esclarecimento quanto à capela de S. Pedro e seus bens imóveis, de Outubro de 1923. A resposta

deriva da solicitação da Fazenda Pública, em Setembro de 1923 (ACMF –

CJBC/LIS/LOU/CEDEN/001 -Processo 8530, L. 12, fl. 109). Cf. Anexo LXXIII. 374 Idem.

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servisse «de pretexto de ataque aos inimigos do Regimen.»375

Evitou-se assim

«despesas inúteis com o praceamento da capela»376

.

Além de se evitarem as despesas inúteis, não convinha alterar a ordem

pública para evitar ataques à república democrática, por «irregularidades» cometidas

durante o governo de Sidónio Pais, pois Portugal vivia um período de relativa

estabilidade governativa, sob a presidência de António José de Almeida e o

ministério de António Maria da Silva377

.

A par das condições políticas favoráveis, a Irmandade do Santíssimo

Sacramento de Caneças, e todos os que acreditaram e se uniram em defesa da

liberdade religiosa, conseguiram que a capela de S. Pedro cumprisse a sua missão de

“altar” e o reconhecimento legal da corporação.

Em Dezembro de 1922, a Junta de Freguesia de Caneças entregou à

Irmandade o edifício da «Igreja Paroquial, bem como os paramentos, alfaias e

demais objectos destinados ao culto […]»378

e a Irmandade379

comprometeu-se a

inscrever no orçamento anual uma verba destinada às obras, conservação e segurança

375Idem (ACMF – CJBC/LIS/LOU/ADMIN/066 - Processo 8197, L. 12, fl. 43). O edifício religioso e

os seus pertences foi entregue à Fábrica da Igreja, conforme o auto de entrega de 8 de Maio de 1944 e

a casa, sede provisória da Junta de Freguesia e, posteriormente, Casa do Registo Civil como já

referenciámos (ACMF – ARQUIVO/CJBC/LIS/LOU/ARROL/006). 376 Ofício da Direção geral da Fazenda Pública solicitando esclarecimento quanto à situação da capela de S. Pedro de Caneças e seus bens, em 29 de Setembro de 1923. Em resposta a Comissão considera

que a situação deve ser mantida (ACMF – CJBC/LIS/LOU/CEDEN/001- Processo 8530, L. 12, fl.

109). Esta situação levou o professor Manuel Pina d’ Almeida a sugerir a entrega da capela à Junta ou

à Câmara para ser transformada numa escola. Três habitantes resolveram, perante tal sugestão,

ameaçar o professor e insultar a esposa, que apresentou queixa ao Administrador do Concelho (AML

– Correspondência recebida, ano 1923). No processo de arrolamento de Loures sobre a capela de S.

Pedro de Caneças, existe o seguinte registo, datado de 27 de Dezembro de 1933: «Ficou sem efeito a

sua incorporação na Fazenda Nacional, em 2 de Outubro de 1923, como consta do ofício nº 8538

daquela data, da Comissão Central de Execução da Lei da Separação.» 377 O Partido Democrático ganhara as eleições de 29 de Janeiro de 1922. A Presidência do Ministério

foi ocupada pelo Eng.º. António Maria da Silva, de 7 de Fevereiro de 1922 a 15 de Novembro de

1923. Segundo João Bonifácio Serra «Há […] pôr em destaque o facto de essa estabilidade relativa, verificada ao longo do ano de 1923, assentar na reprodução do quadro de hegemonia do Partido

Democrático, o que realça, ainda mais as descontinuidades governativas de 1919-1921 se reportarem a

uma situação de contestação e ameaça a essa hegemonia.» João Bonifácio Serra – Do 5 de Outubro ao

28 de Maio: instabilidade permanente. In Portugal Contemporâneo, Dir. António Reis. Lisboa:

Publicações Alfa, 1990, vol. 3, p. 79. 378Ata da reunião, em 25 de Dezembro de 1922, entre os elementos da Junta de Freguesia de Caneças

e da Irmandade do SSº Sacramento enviada ao Administrador do Concelho, em conformidade com o

disposto na portaria nº 1353, de 13 de Maio de 1921, e da portaria nº 1244, de 4 de Março de 1918,e

nº 3092, de 18 de Fevereiro de 1922, com referência ao art. 89º da lei de 20 de Abril de 1911. Foi

anexo à ata o inventário dos bens entregues à Irmandade. (ACMF – CJBC/LIS/LOU/ADMIN/079 -

Processo1269, L.6, fls. 2). Cf. Anexo LXXII. 379Assinaram a ata e o ofício o Presidente da Junta e Vogais, respectivamente, Manuel Nunes, Alfredo

Francisco Nunes da Silva e Leonardo José Fernandes; e da Irmandade, Francisco Fernandes Lapa,

presidente da Mesa Administrativa; o Tesoureiro, Joaquim Diniz Morgado; o Secretário, António dos

Santos Abadesso Junior; o Vogal, Jacinto Francisco Raposo. Cf. Anexo LXXII.

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da Igreja e dos objetos de culto. Compromisso legal assumido entre antigos e atuais

mesários e confrades da Irmandade, após reclamação da Irmandade em 20 de

Setembro por não estar na posse «de seus bens»380

.

O conflito de interesses vivido em Caneças perante o encerramento da

capela de São Pedro de Caneças e o não reconhecimento legal da Irmandade, disputa

gerada pela interpretação e aplicação do decreto de 20 de Abril de 1911, à

semelhança do que se passou por todo o país, gerou na Irmandade a capacidade de se

organizar e de agir, no sentido de garantir a liberdade religiosa dos católicos.

A Irmandade assumiu um papel importante na mobilização da

comunidade local, criando redes sociais que não se circunscreveram somente ao

espaço eclesial, no período de transição da monarquia constitucional para a

República. A Irmandade contribuiu para a conservação das sociabilidades religiosas,

unidas pelos valores cristãos, ao nível das representações e vivências religiosas,

perante a nova recomposição social e cultural gerada pela República, de que se

tratará no próximo subcapítulo.

3.3- MANIFESTAÇÕES DE SOCIABILIDADE NO QUOTIDIANO

As sociabilidades religiosas na capela de S. Pedro de Caneças tinham diversas

expressões, representadas pelas práticas devocionais e de caridade para a salvação

eterna e promover, em simultâneo, louvar a vida através das ações quotidianas.

A Irmandade do Santíssimo Sacramento assegurava a assistência aos mais

pobres, pelo que os novos mordomos tinham de pagar a inscrição como mordomos e

contribuir com esmola para os pobres (solidariedade vertical), cumprir as obrigações

dos legados pios e como Irmandade sacramental tinha de incrementar e conservar o

culto do Santíssimo Sacramento.

Para satisfazer a sua principal missão, o culto do Santíssimo, devia prover a

capela de cera para os altares (a compra era realizada anualmente), vinho, incenso,

hóstias e azeite para as lanternas. Também relacionado com o culto, era necessário

contar com os emolumentos do capelão e do sacristão, a aquisição de «livros

impressos»381

(possivelmente livros doutrinários), observar também os cuidados de

380Cf. Anexo LXXI. 381AHPL – Livro das contas da Irmandade de S. Pedro (de 1902 a 1912). U.I. 1930. E contas de

gerência da Irmandade: anos 1897-1898; 1899-1900; 1900-1901; 1903-1904; 1906-1907; 1909-1910

(ANTT – Governo Civil - Irmandades: contas de gerência).

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limpeza do espaço de culto e realizar obras para a sua conservação e a «lavagem de

roupas» (relacionadas com vestes do padre capelão e adornos da capela).

Segundo seu compromisso do século XVIII e as despesas e receitas das

contas de gerência estudadas, o padre capelão devia promover as missas dominicais e

as dos dias santos. Celebrar o dia do apóstolo São Pedro com «missa cantada com

seu sermão»382

. No dia de Natal, o padre comprometia-se a celebrar uma missa à

meia-noite e duas durante o dia «por intenção dos irmãos vivos e defuntos»383

e

devia dar «o menino de Jesus a beijar»384

; na Quaresma385

, celebrar sermões nos

domingos da Quaresma «de tarde» e as missas e, no domingo (possivelmente de

Ramos), «benzerá as palmas»386

; no Jubileu387

, os fiéis assistiam ao sermão e missa

na quinta-feira santa e a sexta-feira da paixão era dedicada à solenidade do Santo

Sudário. Tinham também lugar as «festas de senhor exposto e procissão»388

.

O padre capelão devia confessar389

os irmãos doentes, ministrar-lhes os

sacramentos, e assistir aos enterros390

devendo os irmãos da Irmandade «acompanhar

aos seus irmãos defuntos e juntamente com o Santíssimo Sacramento», caso não

cumprissem esta obrigação eram «obrigados a pagar em pena de sua missão meio

latão de cera para a mesa do Santíssimo Sacramento»391

. As práticas rituais de apoio

aos enfermos, o acompanhamento dos defuntos nos enterros, a missa eram

manifestações coletivas de fé, que obedeciam a determinadas regras.

382Ata redigida pelos mesários da Irmandade de 28 de Junho de 1767 (AHPL – Livro nº 1 dos

acórdãos das mesas que serviram ao Apóstolo S. Pedro e Santíssimo Sacramento, ano de 1763. U.I.

662). 383 Idem 384 Idem. 385 Ata redigida pelos mesários da Irmandade de 16 de Novembro de 1794 (AHPL – Livro nº 1 dos

acórdãos das mesas que serviram ao Apóstolo S. Pedro e Santíssimo Sacramento, ano de 1763. U.I.

662). Na capela havia também um confessionário (ACMF –ARQUIVO/CJBC/LIS/LOU/ARROL/006,

p. 43). 386 Idem. 387 Idem. 388 Idem. 389 Idem. 390Ata redigida pelos mesários da Irmandade de 11 de Março de 1804. (AHPL – Livro nº 1 dos

acórdãos das mesas que serviram ao Apóstolo S. Pedro e Santíssimo Sacramento, ano de 1763. U.I.

662). 391Ata redigida pelos mesários da Irmandade de 26 de Dezembro de 1775 (AHPL – Livro nº 1 dos

acórdãos das mesas que serviram ao Apóstolo S. Pedro e Santíssimo Sacramento, ano de 1763. U.I.

662).

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O pároco de Loures Joaquim José Pombo recordou à Irmandade, em 1900,

que o capelão da ermida de Caneças devia prestar «os socorros espirituais aos

enfermos que acidentalmente residem em Caneças»392

.

A devoção popular não se restringia às manifestações religiosas no espaço de

culto, realizavam-se as romarias e as procissões, cujas festas, desde o século XVIII,

em Caneças, acabam por ter a sua dimensão profana com o aparecimento das feiras,

promovendo outras expressões de sociabilidade.

Na primeira oitava da Páscoa tinha lugar no largo (o Rossio), junto da Igreja,

a feira franca, cujo produto se destinava a assegurar o culto e a conservar a capela.

Depois, a feira foi repartida pelo dia de S. Pedro.

Conciliava-se a festa religiosa com as manifestações de cariz profano. Na

feira eram vendidos produtos hortícolas, gado, fazendas, árvores de fruto, tecidos,

alfaias agrícolas, utensílios de barro, quinquilharias. À festa associavam ainda os

divertimentos como os bailaricos e as músicas de concertina. Além de se engalanar o

espaço religioso também o espaço profano tinha apontamentos que assinalavam a

festa, como as bandeiras.

A comunidade relacionava-se no ato mais solene, em que se associava à

missa e à procissão, onde exteriorizava a sua fé, e no espaço da feira, em que

adquiria ou vendia produtos, e nos momentos em que desfrutava dos divertimentos.

Desde o século XVII, celebrava-se o dia do Santo padroeiro com «missa

festiva ofertada e sermão»393

e procissão.

Segundo um registo existente na matriz, as festas religiosas estendiam - se a

toda a freguesia de Loures394

, durante o ano, com a celebração de missas; ladainhas;

392

«Ordem do Prior de Loures para os gerentes da Ermida de Caneças sobre emolumentos. Registada

a fl. 4 do Livro de Termo e Posses.» In Joaquim José da Silva Mendes Leal – Admirável igreja matriz

de Loures, p. 381. No mesmo documento, consta os emolumentos que a Irmandade devia pagar ao

pároco de Loures no acompanhamento dos enterros para Lisboa, com o pormenor de «sendo de

coche», e «nos outros casos», mas com o propósito de auxiliar as «despezas de pagamento do

ordenado do seu capelão». Com o mesmo intento, metade da verba pertencente ao tesoureiro paroquial

«nos enterros dos adultos que são sepultados no Cemitério de Caneças». Podemos considerar que os emolumentos devidos ao pároco por acompanhamento de defuntos e ao tesoureiro paroquial

pretendiam ajudar a Irmandade a gratificar o capelão. 393

Joaquim José da Silva Mendes Leal – Admirável igreja matriz de Loures, p. 331-336. 394

A capela de Santa Ana, no lugar de Alvogas, em Loures, foi dedicada a Santa Ana e São Joaquim.

Das festas religiosas e profanas anuais, destaca-se a provisão de D. José I que concedeu privilégios à

feira anual de Loures, isentando os que nela participavam de impostos, por ocasião do dia de Santa

Ana (dia 26 de Julho). Os bens (móveis, utensílios e alfaias) da capela foram vendidos em hasta

pública em 19 de Maio de 1921, pensa-se que no lugar da ermida foi construída uma escola

(atualmente usada para atividades com adultos). Na capela de Santa Petronila, realizavam -se,

anualmente, as festas dedicadas a Santa Petronila e a S. Pedro, em 31 de Maio, festejando o dia de

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111

visitas pascais395

do pároco de Loures para a bênção das casas dos fregueses,

acompanhado pelos Irmãos do Santíssimo de Loures, recebendo uma determinada

prenda, folar ou dinheiro; romarias; procissões (do orago, Quaresma, Páscoa);

sermões; festas dedicadas ao orago das ermidas e da matriz.

Em Setembro, realizavam-se as romarias a Montemor396

(desde o século

XVII), em louvor de N. Sr.ª da Saúde, que juntava populares de Lisboa e Loures.

Organizando-se, já no século XIX, uma procissão em homenagem a N. Sr.ª da Saúde,

de Montemor à Matriz de Loures, onde a imagem ficou em exposição397

. Outra

manifestação de piedade popular era a realização do Círio a N. Sr.ª do Cabo

Espichel, que criava uma rede de solidariedade e fraternidade entre as freguesias do

termo de Lisboa, «26 paróquias da zona saloia»398

acolhiam o Círio, e Loures

participou nesta expressão de sociabilidade religiosa.

A Irmandade do Santíssimo Sacramento de Caneças tinha sob a sua

responsabilidade a organização das procissões em louvor de São Pedro, N. Sr.ª do

Rosário e S. Sebastião. Dias de festa em que os andores eram engalanados, as

bandeiras, as lanternas e o palio preparados, para percorrerem as ruas próximas da

capela.

A par destes preparativos, era necessário acordar com o padre capelão ou

padres a celebração da missa, por exemplo em honra do apóstolo, que devia ser

Santo António, em Setembro. A capela de Nossa Senhora da Saúde foi erguida para agradecer a Nossa

Senhora por ter protegido o lugar de Montemor do flagelo da peste que atingiu Lisboa, em 1598. Por

esse facto, realizavam-se, anualmente, romarias às quais acorriam inúmeros forasteiros. A capela foi edificada em 1621 por Miguel Tostado. A Irmandade do Santíssimo Sacramento de Loures tinha a seu

cargo as festas do Santíssimo, as do Orago e as da Semana Santa.

Cf. Álvaro Proença – Subsídios para a história do concelho de Loures, vol. I, p 118. 395 Cf. Joaquim José da Silva Mendes Leal – Admirável igreja matriz de Loures, p. 101-102. Álvaro

Proença refere que o vigário, durante três dias, «saía a cavalo, de sobrepeliz e estola, acompanhado de

três irmãos do Santíssimo, a pé». In Subsídios para a história do concelho de Loures, vol. I, p. 38. O

Quatro de Outubro, num dos seus artigos, refere-se, ironicamente, ao padre João Ramos do Rosário

que tinha sido proibido de vestir o hábito talar «à procura do folar da Páscoa». Retirando a ironia da

notícia, mostra a probabilidade de a visita pascal se realizar no lugar de Caneças, todavia a

documentação em estudo não faz referência a este costume no início do século XX. 396Joaquim José da Silva Mendes Leal – Admirável igreja matriz de Loures, p. 211-212. 397 O Padre Francisco Borja Ferreira, a pedido dos fiéis, organizou a procissão para que a imagem

fosse adorada na Igreja, para proteção contra uma grave epidemia que assolou Lisboa e arredores de

1832 a 1834. Passada a ameaça da epidemia, N. Sr.ª regressou à ermida onde, anualmente, se

realizavam festejos para agradecer a proteção. Cf. Joaquim Mendes Leal – Admirável igreja matriz de

Loures, p. 211-212. 398 Sara Silva, Santuário de Nossa Senhora do Cabo Espichel: Raízes de um Culto. In Nossa Senhora

do Cabo em Odivelas (2003) p. 23-26. Leia-se também J. Pinharanda Gomes – Povo e religião no

termo de Loures, p. 159-160. E Joaquim José da Silva Mendes Leal – Admirável igreja matriz de

Loures, p. 206-209.

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«rezada e cantada»399

. Mas a festa era ainda abrilhantada com bandas de música

(filarmónicas)400

que acompanhavam o desfile processional, o qual era anunciado

pelo «fogo»401

, cuja licença era concedida pela Câmara.

A organização da procissão obedecia a rituais que uniam os confrades e a

população. Podemos deduzir que os fiéis com as bandeiras402

abririam o cortejo,

seguindo-se depois os andores com as imagens dos santos, e a julgar pelo

arrolamento de bens, pelo menos sete andores403

ostentariam as imagens das doze

inventariadas404

, os fiéis exibiriam as lanternas405

e insígnias. Alguns dos andores

eram acompanhados pelos crentes devotos da imagem exposta para pagamento de

promessas.

Os irmãos da Irmandade, envergando as suas capas, acompanhavam a

procissão, o Juiz precederia o andor com a imagem do santo louvado, envergando a

vara de juiz406

. O padre sob o palio (de damasco branco e encarnado407

) fechava o

cortejo, como alta dignidade representante dos desígnios de Deus. Atrás, seguia a

banda filarmónica e os católicos que se associavam à representação simbólica da fé.

Além destas festividades, eram concedidas autorizações para outras festas

religiosas, pelo Patriarcado, como as celebrações em honra de S. Sebastião em

Caneças408

para exposição do Santíssimo Sacramento e procissão409

.

A Irmandade no estatuto, aprovado por alvará de 29 de Setembro de 1921,

comprometeu-se através da sua mesa administrativa continuar a assegurar o culto,

realizar a festa de S. Pedro, celebrar missas «por alma dos seus irmãos» e satisfazer

os legados pios410

. Quando as condições financeiras o permitissem, celebraria as

festas de «Nossa Senhora do Rosário em 2ª feira da Páscoa e de S. Sebastião em

399 Orçamento Ordinário de receita e despesa da Irmandade, ano 1903-1904 (ANTT – Governo Civil

de Lisboa: Irmandades – contas de gerência. Cota 829 B). 400 Orçamento Ordinário de receita e despesa da Irmandade, ano 1909-1910 (ANTT – Governo Civil de Lisboa: Irmandades – contas de gerência. Cota 1039 B, cx. 71, doc. 97). 401 Idem. 402 Existiam 4 bandeiras em damasco e 4 varas de bandeiras. Cf. Anexo XIV. 403Cf. Anexo XIV, p. 4. 404 Imagens: S. Francisco, S. Miguel, S. Braz (pequeno), Sr.ª da Conceição, S. José, Sr.ª do Rosário

com o menino, Sr.ª do Carmo (pequena), Sr.ª das Dores (pequena), Stº António, S. Sebastião, S. Pedro

e S. João, 4 Jesus Crucificados. Cf. Anexo XIV, p. 41 verso-42. 405 Existiam 8 lanternas e três insígnias. Cf. Anexo XIV, p. 42. 406Cf. Anexo LI. 407 Cf. Anexo XIV, p. 42 verso. 408

AHPL – Provisões de licenças para Festas, 1858-1865, (U.I. 148). Esta festa, mais tarde, passou a

ser chamada de Festa dos Veraneantes, porque assinalava o fim da época estival com um baile, mas

mantinha a realização da procissão. 409 Idem. 410Art. 2º - Estatutos aprovados em 29 de Setembro de 1921. Cf. Anexo LXVI.

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setembro»411

. Anualmente, nomeariam «pessoas de reconhecidos sentimentos

religiosos, mordomos especiais para a celebração das festividades de culto»412

. Por

ocasião dos funerais de irmãos defuntos, os confrades deviam acompanhar o

funeral413

e, em Novembro, por intenção dos irmãos falecidos deviam prover nove

missas, além das comemorações dos fiéis defuntos414

. A Irmandade continuava a

prestar auxílio aos paroquianos necessitados e quando houvesse recursos subsidiaria

o «ensino primário»415

. A beneficência era exercida nos dias da festa de S. Pedro,

Páscoa, dia de Todos os Santos e Natal416

. Embora, os estatutos não refiram a

obrigação de sustentar padre capelão, tinham de preservar as alfaias do culto,

adquirir cera, paramentos e conservar o espaço de culto417

. As mesas eram eleitas por

três anos em Junta Grande418

.

Estas festas atraíam o povo e forasteiros pelo simbolismo que representavam

para os crentes, envoltas em alguma espectacularidade, também elas forma de

evangelização, bem como as representações simbólicas presentes na decoração das

igrejas, junto de uma população que era, maioritariamente, analfabeta. Estas

expressões do social religioso mostram a dimensão religiosa no contexto

comunitário, que leva à formação de redes de sociabilidade unidas pela crença

religiosa, nas suas diversas manifestações.

Graças aos espaços de sociabilidade que se foram criando, os usos e costumes

tradicionais, vão-se consolidando e recompondo à medida dos desafios de cada

tempo histórico419

.

411Art. 2º - Ponto 1º dos Estatutos aprovados em 29 de Setembro de 1921. Cf. Anexo LXVI. 412

Art. 3º - Estatutos aprovados em 29 de Setembro de 1921. Cf. Anexo LXVI. Para a realização das

festividades consideravam a necessidade em obter receitas extraordinárias. A Irmandade tinha de

satisfazer ainda os impostos consignados na lei (art. 2º dos estatutos). 413Art. 16º- Estatutos aprovados em 29 de Setembro de 1921. Cf. Anexo LXVI. 414Art. 17º- Estatutos aprovados em 29 de Setembro de 1921. Cf. Anexo LXVI. 415 Artigos 3º e 4º dos Estatutos aprovados em 29 de Setembro de 1921. Cf. Anexo LXVI. 416Art. 43º- Estatutos aprovados em 29 de Setembro de 1921. Cf. Anexo LXVI. 417Art. 44º - Estatutos aprovados em 29 de Setembro de 1921. Cf. Anexo LXVVI. 418 Art. 25º - Elegiam o Juiz, o 1º e 2º escrivão, Procurador, 1º Mordomo e 2º Mordomo. Cada um tinha funções específicas de acordo com os artigos 33º a 40ºdos Estatutos aprovados em 29 de

Setembro de 1921. Cf. Anexo LXVI. 419«[…] o Estado […] é a representação superior de um povo inteiro, com os seus diversíssimos

hábitos, costumes tendências, opiniões e crenças, nunca deve resolver-se pela prática dos actos que

ofendam ou susceptibilizem nenhuma classe, grupo ou associação, porque em manifestações do

pensamento ou em convicções da consciência divirjam daqueles que num dado instante da História

governam uma nação e têm a responsabilidade dos seus destinos.» Discurso do padre Casimiro

Rodrigues de Sá. In Sérgio Pinto – Separação religiosa como modernidade: decreto-lei de 20 de Abril

de 1911 e modelos alternativos, p. 185.

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No caso das sociabilidades religiosas em Caneças, no tempo de transição da

Monarquia Constitucional para a República, as tradições em torno da religiosidade

do povo, prevaleceram mesmo com o interregno forçado da I República420

. Exemplos

desse facto, é acontecerem ainda as festas religiosas, dedicadas a N. Sr.ª do Rosário e

S. Pedro, neste caso com reinício somente na década de 90 do século passado.

A devoção religiosa promovida pela Irmandade do Santíssimo Sacramento

manteve-se e ressurgiu mesmo com o encerramento da capela ao culto, constituindo

um elemento de unidade na comunidade através da comunhão dos valores cristãos. A

Irmandade421

foi uma das formas de sociabilidade mais antiga na povoação, por ter

sido a sua única forma de vida associativa durante mais de um século, em que

fomentou os laços de solidariedade e de partilha da fé.

420As contas de gerência referentes aos anos económicos 1910-1911 e 1911-1912 não fazem

referências às festas de S. Pedro ou de N. Sr.ª do Rosário. Registam despesas com os emolumentos do

capelão e do sacristão, aquisição de cera, vinho e hóstias para o culto, cera, contribuições prediais, contas dos legados pios, contribuição para a assistência de doentes com tuberculose, consertos na

capela e na Quinta das Lages. No que respeita às despesas, na parte das contribuições anuais e das

jóias verifica-se uma diminuição. Após a aprovação dos estatutos da Irmandade em 1921, as contas de

gerência, dos anos 1923-1924 e 1924-1925, foram aprovadas pela autoridade competente. Embora o

alvará date de 1921, somente, em 25 de Dezembro de 1922, foi assinado o termo de responsabilidade

entre a corporação e a Junta de freguesia, que incluiu a cedência da capela e alfaias de culto (Anexo

LXXII). 421 Mesas administrativas de 1897 a 1921. Cf. Anexo LXXIV.

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CONCLUSÃO

A implantação da República trouxe ao lugar de Caneças momentos

atribulados pela atuação de movimentos anticlericais, antirreligiosos e anticatólicos,

após a publicação do decreto da Separação do Estado das Igrejas, pelo governo

provisório.

A nova recomposição social, cultural e mental, pensada pelos defensores da

República, pôs em causa duas mundividências - as visões do mundo e de Deus, pelo

que a “questão religiosa” surge devido ao embate entre modelos societários. O novo

regime defendia a construção de uma nova sociedade, orientada pelos princípios da

igualdade, fraternidade, liberdade, segurança, a qual devia caminhar no sentido da

secularização, mesmo nas suas formas radicais de laicização sem a influência de

religiões, para o progresso da Humanidade.

A crença e as expressões do catolicismo, ritualizadas há séculos, tinham sido

atingidas pela Lei da Separação que limitava a sua expressão coletiva e pretendia

recompor a sua prática, mais do que uma Separação foi uma imposição da esfera

temporal sobre a espiritual.

A Separação para alguns setores do catolicismo não constituía o problema,

significava também maior autonomia e afirmação do mundo religioso em relação

poder temporal, o problema consistiu no modo como a Separação foi concebida pelo

poder político durante o Governo Provisório.

Ao compararmos a vitalidade da Irmandade do Santíssimo Sacramento, na

capela de São Pedro, com a das outras Irmandades da paróquia de Loures, da qual

dependia, e também com a das restantes paróquias do concelho de Loures,

constatamos ao nível local uma forte influência da imposição legislativa do governo

republicano central, designadamente, a Lei da Separação do Estado das Igrejas, de 20

de Abril de 1911, cujo zelo pelo seu cumprimento era reservado à Administração do

Concelho e Comissão dos Bens Eclesiásticos do Concelho, como acontecia por todo o

país.

A ação e manutenção das irmandades, bem como a continuação das capelas e

Igrejas abertas ao culto público foram dificultadas face às exigências da autoridade

civil, que comprometeu a liberdade religiosa católica e a autonomia da Igreja e,

consequentemente, do associativismo laico que se tinha constituído e organizado,

desde a Idade Moderna, no seio da sua comunidade rural.

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Em Caneças, o reconhecimento administrativo da ilegalidade da Irmandade

do Santíssimo Sacramento de Caneças, quanto à sua constituição jurídica, num

processo com muitas contradições e ambiguidades, o facto de não se ter transformado

em associação cultual, e o encerramento da capela de São Pedro, por não haver

corporação que garantisse o culto, caracterizaram o ambiente religioso e eclesiástico

vivido em Caneças nos primeiros anos da I República.

Esta conjuntura difícil, assinalada pela intolerância e falência prática da

liberdade de culto, afetou a vida religiosa do lugar de Caneças e da paróquia a que

pertencia.

Todavia, as dificuldades não foram impedimentos à ação dos que defendiam a

sua religiosidade ou dos que apregoavam a tolerância e liberdade religiosas dos

crentes. Querendo fazer prevalecer a liberdade religiosa, a Irmandade, o padre capelão,

o pároco de Loures Joaquim José Pombo e demais habitantes, tentaram refutar os

argumentos que levaram ao encerramento da capela ao culto público e à dissolução da

Irmandade do Santíssimo Sacramento. Entre 1911 e 1918, tentaram fazer valer as suas

razões, as quais só teriam eco no governo de Sidónio Pais.

A instabilidade religiosa vivida em Caneças pelos católicos, face ao

arrolamento dos bens, encerramento da capela ao culto e à não constituição de

associação cultual, abalaram as vivências religiosas, porque o culto público foi

proibido e as sociabilidades religiosas que se constituíam em torno das vivências

religiosas, como as festas de S. Pedro, N. Sr.ª do Rosário, S. Sebastião, deixaram de

acontecer.

A Irmandade do Santíssimo Sacramento da capela de S. Pedro de Caneças,

promoveu as relações confraternais e sociais e as dinâmicas que se estabeleceram a

partir da crença religiosa. A Irmandade, enquanto forma de sociabilidade, fomentou a

piedade religiosa e a caridade popular, e desenvolveu junto dos crentes da pequena

comunidade rural, por excelência, o sentido de identidade e de pertença.

As sociabilidades religiosas eram (e são) expressões de valores, tradições,

sentimentos e crença das sociedades, elementos fundamentais no quotidiano dos

povos. A nova ordem política, que também pretendia ser social, moral e até

espiritual, entrou em confronto com a maneira de pensar, de sentir e de estar, isto é

com a mentalidade e a cultura do povo português.

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Os constrangimentos sentidos pelos crentes deram-lhes a força e o sentido de

união para se organizarem e, assim, lutaram pacificamente pela sua liberdade

religiosa e pelos valores em que acreditavam. Em Caneças, os crentes não desistiram

perante as adversidades que iam surgindo, a Irmandade enquanto expressão

associativa resistiu e sensibilizou a comunidade, conseguindo a sua mobilização para

subscreverem as representações em defesa da abertura do lugar de culto local. Este

processo foi longo e complexo, estendeu-se por mais de uma década, para se alcançar

a licença para reabrir a capela ao culto (29 de Junho de 1918), a atribuição de alvará

à Irmandade (29 de Setembro de 1921) e a devolução do edifício e das respetivas

alfaias para o culto apenas aconteceu em 25 de Dezembro de 1922.

Não obstante as dificuldades sentidas pelos católicos de Caneças, em

expressarem coletivamente a sua crença, o facto é que os valores, os sentimentos e as

tradições, relacionados com o fenómeno religioso, prevaleceram até aos nossos dias

como elemento de unidade comunitária.

Observa-se também que alguns dos cidadãos da povoação constituíam a elite

local e de âmbito concelhio e participavam nas várias instituições (Irmandade,

associação da banda filarmónica, membros do Partido Republicano Português e

desempenharam cargos de influência política no município de Loures e Junta de

Freguesia de Caneças). O seu envolvimento na vida religiosa e política local

contribuiu para a sua afirmação social na comunidade daquele grupo, o que

manifesta a complexidade em termos locais entre pertença confessional, partidária e

defesa dos interesses da comunidade.

Assim, constata-se que a ação dos fiéis e moradores do lugar foi também uma

forma de afirmação dos interesses da comunidade ao nível religioso e político. O

desejo pela autonomia religiosa e administrativa da povoação em relação a Loures

envolveu a população na prossecução de tais objetivos, para além das fronteiras de

pertença partidária, donde resulta mais tarde na criação da freguesia de Caneças.

Ainda que a paróquia religiosa fosse somente criada em 1964, os membros da

Irmandade, fiéis e moradores assumiram um papel importante na reivindicação para

a sua autonomia em relação à paróquia de Loures, em defesa da administração dos

sacramentos à população local, isto é, reivindica uma jurisdição canónica própria.

A emancipação política e religiosa de Caneças de Loures pode ser entendida

como forma de afirmação da identidade e sentido de pertença da comunidade, que

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considerava também ser o caminho mais favorável à resolução das suas dificuldades

quotidianas, onde se inscreve a problemática “questão religiosa” durante a I

República como elemento relevante.

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FONTES E BIBLIOGRAFIA

1.FUNDOS DOCUMENTAIS:

ARQUIVO HISTÓRICO DO PATRIARCADO DE LISBOA (AHPL):

Livro 1º dos Acórdãos das mesas das Irmandades do Apóstolo S. Pedro e Santíssimo

Sacramento de Caneças, 1763-1841, (Ms. 662).

Livro das deliberações da Irmandade de S. Pedro de Caneças, erecta na capela do

mesmo lugar, 1903-1912, (U.I. 1885).

Livro das contas da Irmandade de S. Pedro de Caneças, erecta na capela do mesmo

lugar, 1902-1912, (U.I. 1930).

Câmara Patriarcal

Cópia da Provisão do Senhor Cardeal Patriarca de Lisboa D. José, 1757, (Ms.554).

Registo Cronológico dos Párocos, 1890-1947, (U.I. 69).

Registo da Correspondência com os Vigários da Vara e Párocos, 1898-1900, (U.I.

107).

Registo da Correspondência com os Vigários da Vara e Párocos, 1900-1903, (U.I.

108).

Registo da Correspondência com os Vigários da Vara e Párocos, 1908-1910, (U.I.

111).

Livro 2º do Registo da Correspondência Oficial de Sua Eminência o Senhor D.

António I com os Vigários e Párocos, 1910-1913, (U.I. 112).

Registo de Correspondência oficial durante a residência do Senhor Patriarca em

Santarém, 1912-1916, (U.I. 174).

Registo da Correspondência com os Vigários da Vara e Párocos, 1917-1929, (U.I.

114).

Correspondência dirigida ao presidente da Comissão do Inventário dos bens

eclesiásticos, ao vigário-geral e ao governador civil sobre cultuais, 1911-1912, (U.I.

2332).

Decretos, Portarias e Provisões, 1908-1911, (U.I. 170).

Decretos, Portarias e Provisões, 1915-1929, (U.I. 172).

Licenças a Presbíteros, 1918-1945, (U.I. 19).

ARQUIVO NACIONAL DA TORRE DO TOMBO (ANTT):

Memórias paroquiais: dicionário geográfico. VOL. XXI, de 12 de Maio de 1758.

Dicionário Geográfico ou Notícia Histórica: 1741-1751. Obra oferecida ao Rei D.

João V pelo padre Luís Cardoso. Lisboa: Oficina Sylviana e Academia Real. Tomo

2, fl. 433 (Caneças).

CARDOSO, Luis - Portugal sacro-profano: 1767-1768. Lisboa: Oficina de Miguel

Manescal da Costa. Tomos I – II (Santa Maria de Loures).

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DESEMBARGO DO PAÇO

Repartição da Corte, Estremadura e Ilhas

Maço 2080, Documento 48.

Maço 2079, Documento 7.

Maço 909, Documento 82.

Maço 304, Documento 4.

Maço 228, Documento 29.

CHANCELARIA RÉGIA

Chancelaria D. João V – Comuns B e C, Livro 112. Fl. 43 e verso.

Chancelaria D. José – Comuns B e C, Livro 52. Fl. 183 verso.

Chancelaria D. João VI, Livro 22. Fls. 372 verso e 373.

Registo Geral de Mercês: D. Maria I, Liv.9. Fl. 189.

MINISTÉRIO DOS NEGÓCIOS ECLESIÁSTICOS E DA JUSTIÇA

Estatutos e compromissos de Irmandades

Maço 419 (1821-1824) e maço 420 (1825-1833).

MINISTÉRIO DO REINO

Compromissos e estatutos de Irmandades e Confrarias

Maço 2011 (1835-1840; 1841-1843).

Registo de estatutos e compromissos: 1838-1864.

Assuntos de carácter local – Confrarias e Irmandades: Livro 1177 (1862-1864);

Livro 1178 (1864- 1867); Livro 1179 (1867-1880).

MINISTÉRIO DAS OBRAS PÚBLICAS

Processo nº 1038. Caixa 221, NP - 461/ Procº. 27. Maço 461. Inspeção dos Serviços

de Obras Públicas do distrito de Lisboa.

FEITOS FINDOS, FUNDO GERAL

Maço1006, Letras I e J.

ARQUIVO DISTRITAL DE LISBOA:

Freguesia de Santa Maria de Loures - Assentos de batismo, óbito, casamentos da

(séculos XIX e XX).

Governo Civil de Lisboa

Contas de gerência de Irmandades

Ano 1897-1898. Caixa 26, cota 898-B.

Ano 1899-1900. Cota 816 B.

Ano 1900-1901. Caixa 5, cota 806-B.

Ano 1903-1904. Caixa 829-B

Ano 1906-1907.Caixa 236.

Ano 1909-1910. Caixa 236, cota 1039-B.

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ARQUIVO DO GOVERNO CIVIL DE LISBOA (AGCL):

Confraria Santíssimo Sacramento de Caneças. Processo nº 1353, caixa 51.

ARQUIVO MUNICIPAL DE LOURES (AML):

Câmara Municipal de Loures

Livro das sessões da Junta da Paróquia da Freguesia de Santa Maria de Loures

(anos 1836 a 1851; 1852 a 1866).

Livro de cópias de ofícios da Junta de Paroquia de Loures (1882-1887).

Livro de registo de juramentos e autos de posse de párocos de Loures (1869 -1887).

Livros de contribuições: mapas.

Registo de óbitos: receitas e despesas do cemitério municipal de Caneças (1905-

1913).

Auto de entrega do cemitério à Junta Paroquial de Caneças: ata de 4 de Maio de

1916.

Educação, Ensino Primário e Básico: correspondência e requerimentos de

professores à Câmara Municipal de Loures (1908-1914).

Educação, Ensino Primário e Básico: correspondência e requerimentos de

professores à Câmara Municipal de Loures (1915-1916).

Educação, Ensino Primário e Básico: correspondência e requerimentos de

professores à Câmara Municipal de Loures (1917-1918).

Requerimentos e representações à Câmara Municipal de Loures (1881-1915).

Administração do Concelho de Loures

Autos de Conta da Capela de João Francisco Valentim (Processo de cumprimento

do legado Pio de 4.9.1756 a 8.3.1912).

Correspondência recebida (1907 a 1925).

Livro de correspondência para fora do concelho (1913-1915).

Livro dos eleitores inscritos no recenseamento político (ano de 1926).

Livros de recenseamento militar (1880 a 1911; de 1912 a 1917; de 1912 a 1917).

ARQUIVO DA JUNTA DE FREGUESIA DE CANEÇAS (AJFC):

Livros de atas da Junta de Freguesia de Caneças (1915-1930).

Livro de registo de correspondência enviada e recebida (1915-1930).

Livro de registo de óbitos, receitas e despesas do cemitério municipal de Caneças

(1905- 1913).

ARQUIVO CONTEMPORÂNEO DO MINISTÉRIO DAS FINANÇAS

(ACMF):

ACMF/ARQUIVO/CJBC/LIS/LOU/ATAS/001- Livro 1º de atas da Comissão

Concelhia de Loures (1912-07-18 / 1925-07-23).

ACMF/ARQUIVO/CJBC/LIS/LOU/ARROL/006 - Loures (1911- 06-06 / 1943-02-

09).

ACMF/ARQUIVO/CJBC/INVEN/016 - Igrejas encerradas no concelho de Loures

pela aplicação da Lei da Separação (1914-01-24/1914-03-03), caixa 667.

ACMF/ARQUIVO/CJBC/LIS/LOU/ESTAT/002 - Irmandade do Santíssimo

Sacramento de Caneças (1914), caixa 358.

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ACMF/ARQUIVO/CJBC/INVEN/012 - Processos do ano de 1918, produzidos pela

Comissão Jurisdicional dos Bens Cultuais, permitindo a abertura de vários templos

ao culto público, com referência à capela de S. Pedro de Caneças (1918), caixa 667.

ACMF/CJBC/LIS/LOU/CEDEN/001 - Anulação da cedência da capela de S. Pedro

de Caneças à Câmara Municipal de Loures; Constituição do agrupamento cultual

transitório; Cedência da capela de S. Pedro de Caneças para a instalação de uma

escola. Processo 8530, L. 12, Fl. 109; Processo 2782, L. 7, Fl. 80 (1915-06-12 /

1923-10-02), caixa 34.

ACMF/CJBC/LIS/LOU/CEDEN/002 - Cedência a título precário do relógio e sino

da Igreja Matriz de Loures à Câmara Municipal de Loures. Processo 7721, L. 11, Fl.

346 (1921-05-07 / 1921-12-29), caixa 35.

ACMF/CJBC/ADMIN/005 - Esclarecimento quanto à aplicação das verbas de

receitas e despesas das corporações para fins cultuais, tendo em conta a lei da

separação (1916), caixa 441.

ACMF/CJBC/LIS/LOU/ADMIN/028 - Extinção da Irmandade do Santíssimo

Sacramento de S. Pedro de Caneças. Processo 2101, L. 9, Fl. 22 (1916-01-17 / 1918-

05-22), caixa 274.

ACMF/CJBC/LIS/LOU/ADMIN/030 - Queixa apresentada pela Junta de paróquia de

Loures contra a Comissão Concelhia de Loures. Processo 2131, L. 9, Fl. 28 (1916-

01-23/ 1916-03-04), caixa 274.

ACMF/CJBC/LIS/LOU/ADMIN/033- Requerimento da Irmandade do Santíssimo

Sacramento da freguesia de Loures pedindo a entrega das chaves da igreja e de

outros bens. Processo 766, L. 8, Fl. 154 (1915-05-05 / 1916-10-12), caixa 274.

ACMF/CJBC/LIS/LOU/ADMIN/045-Cedência de sala para sessões e arquivo da

capela de S. Pedro de Caneças. Processo 3020, L. 9, Fl. 205 (1916-04-19 / 1918-05-

01), caixa 274.

ACMF/CJBC/LIS/LOU/ADMIN/049 - Sobre a incorporação de um foro de que era

senhoria direta a capela de S. Pedro de Caneças (1924-01-18 / 1929-03-09), caixa

274.

ACMF/CJBC/LIS/LOU/ADMIN/064 - Pedido de exoneração dos membros da

Comissão Concelhia de Loures. Processo 3902, L. 9, Fl. 382 (1917- 01-15 / 1917-01-

26), caixa 274.

ACMF/CJBC/LIS/LOU/ADMIN/066 - Pedido de entrega de todos os bens móveis e

imóveis à Irmandade do Santíssimo Sacramento de Caneças. Processo 8197, L. 12,

Fl. 43 (1922-02-09 / 1922-02-21), caixa 274.

ACMF/CJBC/LIS/LOU/ADMIN/070 - Relação de objetos provenientes das igrejas

da Apelação e de Loures que deram entrada no Museu de Arte Antiga. Processo

3949, L. 9, Fl. 391 (1911-12-16 / 1912-08-20), caixa 274.

ACMF/CJBC/LIS/LOU/ADMIN/072 - Inscrições e títulos pertencentes à Irmandade

do Santíssimo Sacramento de Caneças. Processo 3332, L. 9, Fl. 268 (1916-07-10),

caixa 274.

ACMF/CJBC/LIS/LOU/ADMIN/076 - Pedido de restituição da residência paroquial

pelo pároco Joaquim José Pombo. Processo 284, L. 8, Fl. 57 (1911-12-16 / 1912-08-

20), caixa 274.

ACMF/CJBC/LIS/LOU/ADMIN/078 - Cópias dos ofícios enviados à Câmara

Municipal de Loures pelas juntas de paróquia sobre a venda dos bens das igrejas do

concelho de Loures (1916-06-13 / 1916-06-21), caixa 274.

ACMF/CJBC/LIS/LOU/ADMIN/079 - Requerimentos da Irmandade do Santíssimo

Sacramento de Caneças para a afetação da capela ao culto público. Processo 5189, L.

10, Fl. 240; Processo 1269, L. 6, Fl. 2 (1918-04-09 / 1922-12-30), caixa 274.

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123

ACMF/CJBC/LIS/LOU/ADMIN/087 - Cedência à Câmara Municipal de Loures, a

título de arrendamento, da capela de S. Pedro de Caneças (1915-06-15), caixa 274.

ACMF/CJBC/LIS/LOU/ADMIN/089 - Relação de todos os imóveis que passaram

par o estado em resultado da aplicação da Lei da Separação (1911-12-16 / 1912-08-

20), caixa 274.

ACMF/CJBC/LIS/LOU/ADMIN/095 - Participação de assalto na capela de S. Pedro

de Caneças (1914-04-03), caixa 274.

ACMF/CJBC/LIS/LOU/ADMIN/097 - proposta de nomes e instalação da Comissão

Concelhia de Loures (1911-12-16 / 1912-08-20), caixa 274.

ACMF/CJBC/LIS/LOU/ADMIN/107 - Incorporação de um foro em Vale de

Nogueira, freguesia de Caneças, na Fazenda Nacional (1920-08-26), caixa. 663.

ACMF/CJBC/LIS/LOU/ADMIN/110 - Resolução da Comissão Central de Execução

da Lei da Separação autorizando a Junta de freguesia de Caneças a realizar as suas

sessões e a guardar o seu arquivo em dependências da capela de S. Pedro de Caneças.

Processo 3020, L. 9, Fl. 205 (1918-05-14), caixa 663.

ACMF/CJBC/LIS/LOU/LCORR/004 - Livro de registo de correspondência recebida

pela Comissão Concelhia de Administração dos Bens das Igrejas no concelho de

Loures (1917- 02-11 / 1921-04-01), caixa. 669.

ACMF/CJBC/LIS/LOU/LCORR/005 - Receitas e despesas produzidas pelos bens

sob a administração da Comissão Concelhia de Loures (1917-06-30 / 1925-07-10),

caixa 669.

ACMF/CJBC/LIS/LOU/LCORR/001 - Receitas e despesas produzidas pelos bens

sob a administração da Comissão Concelhia de Loures. Processo 6769, L. 11, Fl.

155; Processo 5117, L. 10, Fl. 226; Processo 5701, L. 10, Fl. 341 (1918-08-09 /

1921-03-31), caixa 669.

ACMF/CJBC- LEGIS- 045- Carta dos Bispos portugueses (15 Março 1913).

ACMF/CJBC- LEGIS- 016 - Interpretação do art. 38º do decreto de 20 de Abril de

1911.

ACMF/CJBC- LIS- LIS- PROCD-009 - Processo disciplinar ao senhor Patriarca D.

António Mendes Belo (23 de Agosto de 1917).

Direção Geral de Contribuições e Impostos

DGCI-LIS-LIS 3-IS-02786 -Testamento de José Maria Lourenço Junior, de 27 de

Abril de 1903, 4 fls.

ARQUIVO HISTÓRICO PARLAMENTAR (AHP):

Caderno de recenseamentos da assembleia de Loures – freguesia de Loures. Secção

IX, cx. 47.

Caderno de recenseamentos da assembleia de Odivelas – freguesia de Odivelas.

Secção IX, cx. 47.

Pareceres da mesa e das comissões de verificação. Secção IX, cx. 46-A.

Processo da criação da freguesia de Caneças. S.IV, cx. 70.

Diário da sessão da Câmara dos Deputados, sessão nº 82 (24 de Abril de 1914), p.

20-21.

Diário da sessão da Câmara dos Deputados, sessão nº 83 (27 de Abril de 1914), p.

3-5.

Diário da sessão da Câmara dos Deputados, sessão, nº 34 (9 de Agosto de 1915), p.

23.

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124

Diário da sessão da Câmara dos Deputados, sessão nº 68 (1 de Setembro de 1915),

p. 15.

Diário da sessão da Câmara dos Deputados, sessão nº 52 (2 de Setembro de 1915),

p. 6-7.

CENTRO DE DOCUMENTAÇÃO ANSELMO BRAAMCAMP FREIRE

(LOURES):

Arquivo Fotográfico

Fotografias e bilhetes postais referentes aos lugares do concelho de Loures.

2.LEGISLAÇÃO:

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Disponível em: www.fd.unl.pt/Anexos/Investigacao/1803.

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linha]. Disponível em: www.fd.unl.pt/Anexos/Investigacao/1814.

CARTA de Lei de 29 de Outubro de 1840 (alterou e revogou partes do Código

Administrativo de 1836) [em linha]. Disponível em:

www.fd.unl.pt/Anexos/Investigacao/1819.

DECRETO de 18 de Março de 1842 (Código Administrativo) [em linha].

Disponível em: www.fd.unl.pt/Anexos/Investigacao/1823.

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linha].

Disponível em: www.fd.unl.pt/Anexos/Investigacao/1839.

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Disponível em: www.fd.unl.pt/Anexos/Investigacao/1126.

CÓDIGO Administrativo de 1878, aprovado por Carta de Lei de 5 de Maio de 1878

[em linha]. Disponível em: www.fd.unl.pt/Anexos/Investigacao/1127.

CÓDIGO Administrativo Português de 1886, aprovado por Decreto de 17 de Julho

de 1886 [em linha]. Disponível em: www.fd.unl.pt/Anexos/Investigacao/1176.

NOVA Reforma Administrativa de 1892, aprovado por Lei de 6 de Agosto de 1892

[em linha]. Disponível em: www.fd.unl.pt/Anexos/Investigacao/1178.

CÓDIGO Administrativo de 1894, aprovado por Decreto de 2 de Março de 1894 [em

linha]. Disponível em: www.fd.unl.pt/Anexos/Investigacao/1180.

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www.fd.unl.pt/Anexos/Investigacao/1860.

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PORTARIA de 18 de Novembro de 1911. D.G. nº 271 (20 de Novembro de 1911).

LEI de 10 de Julho de 1912. D. G. nº 171 (23 de Julho de 1912).

DESPACHO da Direção Geral dos Eclesiásticos, de 25 de Novembro. D.G. nº 278

(26 de Novembro de 1912).

ESCLARECIMENTO da Direção geral dos Eclesiásticos sobre os edifícios

religiosos e o exercício do culto público de 30 de Dezembro de 1912. D.G. nº 5 (7 de

Janeiro de 1913).

PORTARIA nº 82/1914. D.G. I Série. 8 (14 de Janeiro de 1914).

PORTARIA nº 306/1915. D. G. I Série. 32 (18 de Fevereiro de 1915).

DECRETO nº 1648/1915. D.G. I Série. 113 (15 de Junho de 1915) – Cedência à

C.M.L. do edifício da capela de S. Pedro.

LEI nº 413/1915. D.G. I Série. 182 (10 de Setembro de 1915) – Criação da paróquia

civil de Caneças.

LEI nº 420/1915. D.G. I Série. 183 (11 de Setembro de 1915).

PORTARIA nº 510, de 21 de Outubro de 1915. D.G. I Série. 222 (1 de Novembro de

1915).

PORTARIA nº 1055/1917. D.G. I Série. 142 (24 de Agosto de 1917).

DECRETO nº 3728/1918. D.G. I Série 5 (7 de Janeiro de 1918).

PORTARIA nº 3092/1918. D.G. I Série. 36 (18 de Fevereiro de 1918).

DECRETO nº 3856/1918. D.G. I Série. 34 (22 de Fevereiro de 1918).

PORTARIA nº 1244/1918. D.G. I Série. 46 (4 de Março de 1918).

PORTARIA nº 1354/1918. D.G. I Série.103 (10 de Maio de 1918).

DECRETO nº 8481/1922. D.G. I Série. 235 (13 de Novembro de 1922).

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126

3. PERIÓDICOS:

A Economia

O Quatro de Outubro

O Cinco de Outubro

O Regionalista

Jornal de Caneças

A Fortuna: jornal hebdomadário de propaganda e reclamo do comércio e indústria,

magasine ilustrado e recreativo. Nº 1 (14 de Outubro de 1909) – Lisboa: A. Affonso

d’ Oliveira.

O BEIRÃO: jornal semanal. Nº 248; nº 251, nº 255, nº 276, nº 293, nº 294 (anos

1912-1913), Mangualde.

4.BIBLIOGRAFIA GERAL:

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136

CRONOLOGIA

A cronologia inclui os acontecimentos e legislação mais significativos

relacionados com a Irmandade do Santíssimo Sacramento de Caneças,

designadamente do período em estudo, enquadrada nos acontecimentos nacionais.

1757

26 de Maio - Provisão do Senhor Cardeal Patriarca de Lisboa D. José aos moradores

de Caneças para terem sacrário, âmbula da santa unção e sepulturas na Igreja de S.

Pedro.

1760

25 de Janeiro - Provisão de D. José I autorizando a criação de feira franca em

Caneças por pedido da Irmandade do SSº Sacramento de Caneças.

1762

5 de Fevereiro - Confirmação dos estatutos da Irmandade do Santíssimo Sacramento

por provisão D. José I .

1763

9 de Fevereiro - Confirmação dos estatutos da Irmandade de Apóstolo S. Pedro da I

por provisão D. José I .

1768

9 de Março - Provisão de D. José I autorizando a mudança de feira em Caneças.

1780

6 de Outubro - Provisão de D. Maria I da feira franca em favor da Irmandade do SSº

Sacramento de Caneças.

1818

2 de Agosto - Pedido da Irmandade do Santíssimo Sacramento de Caneças para a

realização de feira nos dias 29 e 30 de Junho (Festa de S. Pedro).

28 de Novembro - Provisão de D. João VI de à Irmandade do Santíssimo Sacramento

de Caneças para a realização de feira em Junho.

1903

27 de Abril - Testamento de José Maria Lourenço Junior.

20 de Julho - Morte do Papa Leão XIII. Sucede-lhe Pio X (eleito em 4 de Agosto).

1910

4/5 de Outubro - Implantação das República em Loures. Ocupação dos Paços do

Concelho.

5 de Outubro - Implantação da República em Lisboa.

Governo provisório presidido por Teófilo Braga

Expulsão dos jesuítas e das outras ordens religiosas

Decretos determinam que as leis de 3 de Setembro de 1759, 28 de Agosto de 1767 e

28 de Maio de 1834 continuem em vigor.

Proibição do ensino religioso das escolas.

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137

Proibição do juramento religioso.

Extinção da Faculdade de Teologia e do ensino de Direito Canónico.

13 de Outubro -Restabelecimento de parte do Código Administrativo de 1878.

25 de Dezembro - Publicação das leis da família.

1911

Fevereiro - Divulgação da Pastoral coletiva dos Bispos portugueses aos fiéis.

18 de Fevereiro - Instituição do registo civil obrigatório.

18 de Maio - Criação da Comissão Central de Execução da Lei da Separação.

21 de Abril - Publicação da Lei da Separação do Estado das Igrejas de 20 de Abril.

23 de Maio - Publicação do protesto coletivo dos Bispos portugueses contra a Lei da

Separação.

24 de Maio - Encíclica Iamdudum in Lusitania, do Papa Pio X.

25 de Maio – Recenseamento dos cidadãos da freguesia de Santa Maria de Loures.

28 de Maio – Eleições para a Assembleia Nacional Constituinte.

23 de Junho - Circular de da Comissão Central de Execução da Lei da Separação.

10 de Junho - Arrolamento de bens da capela de S. Filipe, A-dos-Cãos.

10 de Junho - Arrolamento de bens da ermida de Senhor Jesus dos Desamparados,

Tojalinho .

11 de Junho - Arrolamento de bens da Igreja Paroquial de Loures.

10 de Junho - Arrolamento de bens da capela de Santa Ana, Loures.

15 de Junho - Arrolamento de bens da capela de Santa Petronila, Murteira.

16 de Junho - Arrolamento de bens da capela de N. Sr.ª da Saúde, Montemor.

17 de Junho - Arrolamento de bens da capela de S. Pedro de Caneças.

21 de Agosto - Promulgação da Constituição Republicana de 1911.

24 de Agosto - Eleição do 1º Presidente da República Dr. Manuel de Arriaga.

3 de Setembro - Fim do Governo provisório. 1º Governo Constitucional, presidido

por João Chagas.

18 de Novembro - Portaria do Ministério da Justiça sobre a reformulação dos

compromissos das Irmandades (D. G. nº 271, de 20 de Novembro de 1911).

Novembro de 1911 - Orientações emanadas da Santa Sé sobre a reforma dos

estatutos das Irmandades e Confrarias.

10 de Dezembro - Declaração dos mesários da Irmandade do SSº Sacramento de

Caneças em cumprimento da portaria de 18 de Novembro de 1911, elaborada em

reunião magna. Elaboração da ata em que se comprometem a manter o culto e a

beneficência e em reformar os estatutos para aprovação em futura reunião magna.

1912

Fevereiro - Recepção da declaração dos mesários da Irmandade do Santíssimo

Sacramento de 10 de Dezembro de 1911 no Governo Civil.

24 de Fevereiro - Fundação do Partido Evolucionista, liderado por António José d’

Almeida.

26 de Fevereiro - Fundação do Partido Unionista, liderado por Brito Camacho.

1 de Junho - Reunião magna da Irmandade do SSº Sacramento de Caneças em que

aprovaram o projeto de estatutos reformados.

25 de Junho - Envio do projeto dos estatutos da Irmandade ao Governo Civil.

1 de Julho - Ata da eleição da mesa da Irmandade do Santíssimo Sacramento de

Caneças para o ano 1912-1913.

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138

10 de Julho - Publicação da Lei que prorrogava o prazo para a entrega do estatutos

pelas Irmandades ( D. G. nº 171, do Ministério da Justiça, de 23 de Julho de 1912).

25 de Julho - Exoneração do Administrador do Concelho de Loures João Raymundo

Alves.

31 de Julho - Nomeação do Administrador do Concelho, interino, António Francisco

Faustino P. Sá de Nogueira.

31 de Agosto - Envio do projeto de estatutos e da ata da reunião magna de 1 de

Junho de 1912 da Irmandade do SSº Sacramento de Caneças, pela administração do

Concelho de Loures ao Governo Civil de Lisboa.

13 de Novembro - Exoneração do Administrador do Concelho António Sá Nogueira

e nomeação de José Maria da Silveira Mesquita.

25 de Novembro - Irmandades do SSº Sacramento de Sacavém e de Camarate

reformadas como cultuais (Despacho do Ministro da Justiça, D.G. nº 278, de 26 de

Novembro de 1912).

16 de Dezembro - Queixa do padre capelão João Ramos do Rosário ao

Administrador do Concelho de Loures.

28 de Dezembro – O patriarca D. António Mendes Belo é expulso e desterrado do

Patriarcado, durante dois anos.

30 de Dezembro - Esclarecimento sobre o exercício do culto público nos templos

propriedades do Estado .

Os Bispos portugueses partem para o exílio.

1913

9 de Janeiro -1º governo do Partido Democrático, presidido por Afonso Costa.

Janeiro - Exoneração do Administrador do Concelho José Maria da Silveira

Mesquita e nomeação de João Raymundo Alves.

27 de Janeiro - Petição dos mesários e confrades da Irmandade do SSº Sacramento

de Caneças ao Ministro da Justiça.

9 de Fevereiro - Governo de Bernardino Machado.

15 de Março - Carta dos Bispos portugueses ao Presidente da República.

12 de Abril - Representação de 300 subscritores, proprietários e moradores de

Caneças, pedindo a abertura da capela ao culto.

15 de Maio - Informação do Administrador do Concelho de que a capela de S. Pedro

de Caneças se encontrava encerrada ao público.

2 de Junho - Proposta do Governador Civil para a extinção da Irmandade do SSº

Sacramento.

14 de Junho - Proposta do Governador Civil para a extinção da Irmandade de S.

Pedro.

19 e 20 de Agosto - Orientações do Patriarcado às Irmandades para a reforma dos

estatutos ao abrigo do art. 38º da Lei da Separação de 20 de Abril de 1911.

5 de Setembro - Extinção da Irmandade do Santíssimo de Caneças pelo Governador

Civil de Lisboa e adjudicação dos seus bens.

Irmandades no concelho de Loures reformadas como Comissão de Assistência e

Beneficência - Apelação, Bucelas, Póvoa de Stº Adrião.

10 de Novembro - Representação das Irmandades do SSº Sacramento de Lisboa ao

Papa sobre a reforma dos seus estatutos, ao abrigo do art. 17º da Lei da Separação.

9 de Dezembro - Publicação do mapa demonstrativo das receitas arrecadadas pela

Caixa Geral de Depósitos, durante o ano económico de 1911-1912, referente ao

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139

fundo especial de beneficência pública destinado à defesa contra a tuberculose. A

Irmandade do SSº Sacramento de Caneças efetuou o pagamento.

1914

14 de Janeiro - Publicação da portaria nº 82, do Ministério da Justiça, esclarecendo

sobre a interpretação do artigo 38º da Lei da Separação (D.G. - I série. 8 (14 de

Janeiro de 1914).

28 de Janeiro - Petição dos habitantes de Caneças e Vale de Nogueira à Câmara

Municipal de Loures para a criação da freguesia de Caneças.

6 de Março - Venda, por arrematação, da Quinta da Lages.

19 de Abril - Representação dos habitantes de Caneças e Vale de Nogueira à Câmara

dos Deputados para a criação da freguesia.

25 de Maio - Carta do pároco Joaquim José Pombo de para a abertura da Igreja

Matriz ao exercício do culto.

16 de Junho - Ofício do pároco de Loures Joaquim José Pombo à Comissão Central

de Execução da Lei da Separação, de indicando três razões para a abertura da capela

de Caneças ao culto.

4 de Agosto - Início da I Guerra Mundial.

20 de Agosto - Morte do Papa Pio X. Sucede-lhe Bento XV (eleito em 3 de

Setembro).

23 de Agosto - Ofício do pároco de Loures Joaquim José Pombo à Comissão Central

de Execução da Lei da Separação, em que reforça a importância da capela para o

culto católico (existência de baptistério, realização das encomendações dos falecidos,

existência de cemitério privativo).

30 de Agosto - Representação de habitantes de Caneças e Vale de Nogueira ao

Ministro da Justiça com os mesmos fundamentos do ofício anterior para o exercício

do culto público na capela.

28 de Setembro - Declaração em nome do agrupamento de fiéis de Caneças que se

comprometia a sustentar o culto na capela de S. Pedro de Caneças pelo que pediam a

cedência da capela.

2 de Outubro - Ofício do Governo Civil de Lisboa à administração do concelho

comunicando que o agrupamento só terá validade ao abrigo do art.º17º da Lei da

Separação, formando uma associação de assistência e beneficência.

10 de Outubro - Ofício do pároco de Loures comunica à Comissão Central que os

fiéis de Caneças enviaram uma declaração ao Ministro da Justiça para a formação do

agrupamento cultual transitório.

Parecer da Comissão Central de Execução da Lei da Separação indeferindo os

pedidos para a abertura da capela ao culto, mantendo o indeferimento de um

despacho de 3 de Outubro de 1914.

13 de Outubro - Carta do pároco Joaquim Pombo ao Administrador do Concelho

sobre a formação do agrupamento cultual transitório de Caneças.

15 de Novembro - Edital da Comissão Concelhia de Administração dos Bens

Eclesiásticos, pertencentes ao Estado sobre a situação dos espaços de culto e dos

bens no Concelho.

- Edital da Comissão Concelhia de Administração dos Bens

Eclesiásticos, publicitando a venda, por arrematação, da azeitona da

capela de S. Pedro à Junta de Freguesia de Caneças.

12 de Dezembro - Governo de Vitor Hugo de Azevedo Coutinho.

Administrador do Concelho Félix Anastácio Soeiro.

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140

1915

25 de Janeiro - Governo ditatorial de Pimenta de Castro.

18 de Fevereiro - Publicação da Portaria nº 306, do Ministério da Justiça e dos

Cultos, com disposições sobre a constituição de cultuais (D.G. nº 32 – I série, de 18

de Fevereiro).

4 de Março - Congresso «clandestino» do Partido Republicano Português, liderado

por Afonso Costa no palácio da Mitra, Stº Antão do Tojal – Manifesto contra a

ditadura.

14 de Maio - revolução contra o governo de Pimenta de castro, liderada pelos

Democráticos.

17 de Maio - Governo Democrático, presidido por José Ribeiro de Castro.

29 de Maio - Teófilo Braga assume as funções de Presidente da República após

renúncia de Manuel de Arriaga.

9 de Abril - Resolução do Governador Civil de Lisboa para que o processo de

aprovação do projeto de estatutos da Irmandade do Santíssimo Sacramento de

Caneças prosseguisse nos termos da lei.

15 de Junho - Cedência à C.M.L. do edifício da capela de S. Pedro de Caneças.

19 de Junho - Governo Democrático, presidido por José Ribeiro de Castro.

10 de Setembro - Criação da paróquia civil de Caneças.

11 de Setembro - Publicação da Lei nº 420, do Ministério da Justiça e dos Cultos,

restituindo às corporações administrativas os bens que estavam sob a sua

administração e cujo arrolamento fora ordenado para os efeitos da Lei da Separação

(D. G. nº 183 – I série, de 11 de Setembro).

8 de Dezembro - Comunicação do Governador Civil de Lisboa sobre os 6 cidadãos

eleitos para a Junta de Paróquia Civil de Caneças.

29 de Dezembro - 1ª sessão ordinária referente à instalação dos Junta de Paróquia

Civil de Caneças.

30 de Dezembro - Aprovação dos estatutos da Associação Luiz Pereira da Mota «

que se denominava Irmandade da Ordem 3ª de S. Francisco».

5 de Abril - A Junta de Freguesia de Caneças decidiu pedir uma casa, pertencente à

capela de S. Pedro, à Comissão Concelhia de Administração dos Bens Eclesiásticos

de Loures.

3 de Maio - Informação da entrega das oliveiras da capela de S. Pedro à Junta de

Freguesia de Caneças.

22 de Julho - Governo Democrático, presidido por José Ribeiro de Castro.

6 de Agosto - Bernardino Machado eleito Presidente da República.

29 de Novembro - Afonso Costa preside a novo governo.

1916

15 de Março - Constituição do governo da União Sagrada com Afonso Costa e

António José de Almeida.

17 de Fevereiro - Ofício do Governo Civil de Lisboa à Comissão Central de

Execução da Lei da Separação, explicando os procedimentos da Irmandade do SSº

Sacramento de Caneças (1912-1915).

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141

1917

31 de Julho - Provisão de D. Mendes Belo sobre a situação das corporações

encarregadas do culto católico na diocese de Lisboa.

8 de Agosto - Criação do Centro Católico Português.

23 de Agosto - Expulsão do Senhor Cardeal Patriarca do distrito de Lisboa e distritos

limítrofes.

24 de Agosto - Publicação da Portaria nº 1055, do Ministério da Justiça e dos Cultos,

sobre as corporações que reformaram os estatutos ao abrigo do art. 17º da Lei da

Separação e que requereram a aprovação posterior ao abrigo do art. 38º da mesma lei

(D.G. nº 142 – I série, suplemento publicado a 24 de Agosto de 1917).

5 de Dezembro - Sidónio Pais toma o poder, depois de demitir o Presidente

Bernardino Machado e mandar prender Afonso Costa.

Aparições de Fátima.

Regresso de D. António Mendes Belo a Lisboa.

1918

3 de Janeiro - Dissolução da Comissão Central de Execução da Lei da Separação

pelo decreto nº 3728.

23 de Janeiro - Beatificação de D. Nuno Álvares Pereira.

22 de Fevereiro - Publicação do Decreto nº 3856 (Decreto de Moura Pinto).

4 de Março - Publicação da Portaria nº 1244/1918, esclarecendo sobre a entrega de

bens às corporações religiosas do culto público deve ser acompanhada de inventário

e o compromisso destas em conservar esses bens.

9 de Abril - Petição em nome da Irmandade do Santíssimo Sacramento de Caneças

para licença da abertura da capela ao público, dirigida ao Ministro da Justiça.

- Batalha de la Lys.

2 de Maio - Nova subscrição, em nome da Irmandade do Santíssimo Sacramento,

para licença da abertura da capela ao público, dirigida ao Ministro da Justiça.

10 de Maio - Publicação da Portaria nº 1354/1918 para afetação da capela de S.

Pedro ao culto público e determinação da sua entrega à corporação religiosa que para

o efeito se regularizasse.

29 de Junho - Celebração da 1ª missa na capela, após o seu encerramento no fim de

1912 e início de 1913.

10 de Julho - Restabelecimento das relações diplomáticas com a Santa Sé.

11 de Novembro - Assinatura do Armistício. Fim da I Guerra Mundial

3 de Dezembro - Declaração dos mesários da Irmandade do SSº Sacramento de

Caneças sobre o seu propósito em solicitar a aprovação do projeto de estatutos,

enviados em 1912, ao Governador Civil de Lisboa.

11 de Dezembro - Despacho do Secretário de Estado do Trabalho em que mandou

anular o despacho de 5 de Setembro de 1913 que extinguiu a Irmandade do SSº

Sacramento de Caneças e se procedesse à aprovação dos seus estatutos.

14 de Dezembro - Assassinato de Sidónio Pais.

16 de Dezembro - João Canto e Castro é eleito Presidente da República.

23 de Dezembro - Governo de Tamagini Barbosa.

Administrador do Concelho Calixto Morgado.

Caneças é afetada pela pneumónica que causou grande mortalidade infantil.

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142

1919

7 de Janeiro - Novo Governo de Tamagini Barbosa.

27 de Janeiro - Governo de José Relvas.

30 de Março - Governo do democrático Domingos Pereira.

29 de Junho - Governo democrático de Sá Cardoso, após vitória nas eleições.

6 de Agosto - António José de Almeida é eleito Presidente da República.

1920

10 de Janeiro - Governo de Francisco José Fernandes Costa. Sucedendo-lhe Sá

Cardoso.

21 de Janeiro - Governo de Domingos Pereira.

8 de Março - Governo de António Maria Baptista.

6 de Junho - José Ramos Preto chefia governo.

26 de Junho - Governo de António Maria da Silva.

19 de Julho - Governo de António Granjo.

20 de Novembro - Governo de Álvaro de Castro.

30 de Novembro - Governo do tenente-coronel Liberato Pinto.

1921

1 de Janeiro - Reunião geral para a aprovação dos estatutos reformados e eleição da

mesa administrativa da Irmandade do SSº Sacramento de Caneças.

2 de Março - Governo de Bernardino Machado.

18 de Março - Administração do Concelho informa o Governo Civil de Lisboa que

devolveu os estatutos com as notas para alterações à Irmandade.

Maio - Exoneração da Comissão Concelhia de Administração dos Bens Eclesiásticos

de Loures, competências atribuídas à Segunda Comissão de Administração dos Bens

das Igrejas de Lisboa.

29 de Setembro - Aprovação dos estatutos da Irmandade do SSº Sacramento de

Caneças por alvará do Governador Civil de Lisboa.

17 de Outubro - Comunicação do Governo Civil de Lisboa da aprovação dos

estatutos da Irmandade do SSº Sacramento de Caneças e respetiva entrega,

juntamente com o alvará, à mesma Irmandade.

19 / 20 de Outubro - Noite Sangrenta, assassínio de António Granjo, Carlos da Maia

e Joaquim Machado Santos.

5 de Novembro - Governo de Carlos da Maia Pinto.

16 de Dezembro - Governo de Joaquim Cunha Leal.

1922

22 de Janeiro - Morte do Papa Bento XV. Sucede-lhe Pio XI (eleito em 6 de

Fevereiro).

29 de Janeiro - Democráticos vencem eleições.

6 de Fevereiro - Governo de António Maria da Silva.

9 de Fevereiro - A Irmandade do SSº Sacramento de Caneças informa a Comissão

Central da Execução da Lei da Separação que estava legalmente constituída, pelo que

pedia a devolução dos bens móveis e imóveis, dos papeis de crédito e respetivos

juros acumulados.

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17 de Fevereiro - Publicação da Portaria nº 3092, do Ministério da Justiça e Cultos,

que regulou a atribuição legal da entrega dos bens arrolados às corporações

encarregadas do culto público (D.G. nº 36 – I série, de 18 de Fevereiro).

13 de Novembro - Anulação da cedência do edifício da antiga capela de S. Pedro à

Câmara Municipal de Loures (Decreto nº 8481/1922).

30 de Novembro - Novo Governo de António Maria da Silva.

7 de Dezembro - António Maria da Silva chefia novo Governo.

25 de Dezembro - A Irmandade do SSº Sacramento de Caneças comunicou à

administração do concelho que tomou posse dos bens da capela , em reunião

conjunta com a Junta de Freguesia, conforme o termo de responsabilidade.

1923

6 de Agosto - Manuel Teixeira Gomes é eleito Presidente da República.

2 de Outubro - A Comissão Central de Execução da Lei da Separação declara sem

efeito a incorporação da capela de S. Pedro de Caneças na Fazenda Nacional.

15 de Novembro - Governo de Ginestal Machado.

18 de Dezembro - Governo de Álvaro Xavier de Castro.