Frederico de Marco - Revista Planeta Julho/1975

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Reportagem sobre Frederico de Marco na Revista Planeta de Julho/1975. Ilustre araraquarense, Frederico foi um cientista à frente de seu tempo.

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Nesl'e nú.nero

Os akpalos: extraterrestres? 6

Animais obedecem a símbolos 18

L , Zt· {22

36

~~v \,v.. 40 I A

O gênio maldito de Araraquara

Humor gaúcho

Em busca do mundo invisível

Fuga (conto) ( 48

Só os deuses são filhos de virgens

O gigante que não podia se casar 66

Planeta informações 86

Especial

O DIREITO ESPACIAL 72

.Jornal

Televisão educativa I Ecologia controlada I Desenhis­tas brasileiros na Europa I Turbulência -1 Venusianos interessados em arte I Choque de culturas I Proteção à fauna / Compor como Mozart I Estação no pólo sul I Congelamento de fetos I Guerra de rãs I A derrota de Júlio Cesar I Fluido do amor I Nova partícula ele­mentar I Mariner 10 I Televisão de bolso I Terra es­fria I Vôo soviético I Queima .das estrelas I Caneta que traduz I Pioner 11 I Vulcões I Desenho de Tania

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Ele mesmo construía seus aparelhos, com o .próprio dinheiro, ou com a doação do reduzido grupo de

amigos que acreditavam na sua obra

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O genio maldito de Araraquara Frederico De Marco fazia chover, quando queria. Bastava provocar as

nuvens com substâncias por ele inventadas. Antes de Marconi

previu o telégrafo sem fios e a transmissão de energia a distância. Foi

o primeiro brasileiro a pesquisar a parabiose, ou seja

ligar cirurgicamente dois seres para estudar reações e equilíbrios.

Quinze anos após sua morte, é possível fazer um balanço de

sua obra, concluindo que ele foi um incansável pesquisador paralelo, de

valor inestimável. Incompreendido na sua terra e na sua época,

agora é tempo de se reavaliar sua obra, à luz do progresso científico.

Por José Maria Brandão

Fotos do arquivo particular de {oão Evangelista Ferraz

o consultório modesto instalado num porão da rua Gonçalves Dias, em Araraquara, assentava bem com a figura simples do dr. Frederico De

Marco. Paredes rabiscadas de alto a baixo, mostravam fórmulas, símbolos e equações. Mesas repletas de objetos estranhos, prove­tas, ferramentas, cadernos e um mundo de coisas. Em meio a essa aparente desordem, Frederico vivia seus melhores momentos em constantes buscas, realizando pesquisas e ex­periências. Contava apenas com o estímulo e a simpatia de alguns amigos e sofria pro­fundamente diante da incompreensão da maioria do povo de sua terra. Assim, iso­lado, percorreu o mundo das ciências, no­tadamente da física, desde Galileu até Eins­tein, criando, teórica e praticamente os mais variados inventos. Tachado constantemente de louco e visionário, por muitos, recebeu, entretanto, o apoio de inúmeros cientistas de

renome internacional. Frederico De Marco era seguidamente criti­cado por ser médico e dedicar-se a pesqui­sas em outros campos da ciência. A despeito dessas críticas, continuava pesquisando. Sen­tia irresistível fascínio pela física-matemática, principalmente pela eletricidade. Encontrava nesse trabalho uma derivação física. Uma válvula de escape. Galileo Ferraris, o inven­tor do campo magnético rodante, descansava o espírito lendo uma partitura de Beethoven. Einstein tocava violino. Roberto Meyer, sen­do médico, criou a lei da conservação da energia. É, portanto comum, a prática da higiene mental em trabalho diferente daquele que habitualmente se faz . Fascinado pela eletricidade desde criança, De Marco encontrou teoricamente, a possi­bilidade da telefonia sem fios, antes de Mar­coni, segundo depoimentos dos professores Slater, do Mackenzie College e Shouders, da

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Escola Politécnica. Aos oito anos já conhe­cia a física de Touilet e publicou trabalho sobre a teoria de Otto von Schron, acompa­nhado de 25 clichês, na revista Progresso, do Mackenzie CoJlege. Por ser apenas um garoto não acreditaram que fosse ele o au­tor. O professor Barreto achava impossível uma criança compreender coisas tão abstra­tas e somente submetendo o menino a um exame, de surpresa, ficou convencido. Completados os primeiros estudos, Frede­rico foi para a Europa onde travou conhe­cimento com os maiores nomes da ciência. Dedicou-se à medicina mas continuou a to­car o "violino de Ingres", as ciências físicas. Buscando incessantemente, De Marco inven­tou inúmeros aparelhos e entre eles a pilha termelétrica com galvanômetro de Wledmain. Esse aparelho foi utilizado no gabinete de tsydrologia experimental de Bolonha para sondar os recessos da retina e suas modifi­cações correspondentes às atividades cere­brais. Criou ainda a teoria da maré eletro­telúrica; a teoria da consciência como inten­sidade e a microscopia luminescente. Em 1940 a Imprensa brasileira destacava a descoberta de Frederico De Marco relativa­mente à transmissão da energia a distância. Sabendo que Marconi tinha feito declara­ções a respeito desse assunto e que até então permanecia em segredo, na Itália, os estudos do cientista brasileiro deviam vir a público. Muitas vezes ocorreu a Frederico iniciar um estudo, mantendo-se em silêncio e posterior­mente surgir um outro estudioso que reali­zava idêntico trabalho. Dessa vez, instado por amigos, aquiesceu em sair do anonimato para publicar seu trabalho começado bem antes de Marconi. A solução encontrada por Frederico De Marco, na transmissão de energia a distân­cia, tinha como base o emprego de ondas

ultracurtas concentradas em trens, intermi­tentes, etc. Utilizou também uma fonte de emissão rodante, já usada para outros fins, por Majoranna, com bom resultado. Tinha dessa forma, enormes possibilidades eletro­dinâmicas. Para a captação usou um ressoa­dor de Hertz, bimetálico com um conden­sador oscilatório eletrônico inventado por ele. Espelhos magnéticos e campos de ioni­zação serviam de barragem às ondas a se­rem captadas, como na zona de reversão da atmosfera. O paralelismo entre campo ele­tromagnético dinâmico e motor, levado à esfera das ondas intermitentes concentradas etc., agindo a distância sobre um dispositivo especial, resolveria, industrialmente, o pro­blema. Todavia, na época, a construção des­se dispositivo, no Brasil, era quase impos­sível. Idealizou assim, dois aparelhos para transformação de energia ondulatória em energia eletrodinâmica: um de ordem foto­elétrica e outro de ordem fotoquímica, que o professor Mingolà. prontificou-se a cons­truí-los. Pensava também num ciclotron poderoso lançando no espaço partículas elétricas com velocidades espantosas e concentradas, em direções estabelecidas. Tesla já tinha feito algo similar. A General Electric com seu motor a luz, tinha também dado grande pas­so nesse sentido. Contudo não foram além disso, mantendo-se apenas no terreno cien­tífico e não prático. A energia intra-atômica nuclear resolveria o problema da energia va­zia, mas noutro sentido. Segundo afirmava, "o homem precisa ter o poder de mandar muito longe de si essa energia. Meus estudos e experiências visam exatamente a esse ob­jetivo". Para demonstrar experimentalmente sua descoberta, tinha dois métodos ao seu al­cance e ambos altamente convincentes. Bas­tava deixar o terreno científico e entrar no

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industrial. Finalmente, em 1941, obteve o êxito esperado, conseguindo transmitir a energia a uma distância superior a quinhen­tos metros, na presença do povo perplexo e ainda descrente, da cidade de Araraquara.

Novos conceitos aos métodos de rejuvenescimento

O processo de rejuvenescimento através de cirurgia - enxerto de glândulas - revo­lucionou o mundo, quando difundido por Sergio Voronov, médico russo, naturalizado francês e diretor do Laboratório de Cirurgia Experimental na Escola de Altos Estudos e no Colégio de França. Voronov baseava-se nos métodos de Carrel (Aleixo Carrel, ci­rurgião e fisiologista francês, Prêmio Nobel - 1912 com o livro O Homem, Esse Des­conhecido), na prática da transplantação ou enxertos de tecidos. Em 1928, os jornais do Brasil anunciavam que Frederico De Marco, médico formado na Europa, assistente durante três anos, do consagrado clínico italiano, professor Augus­to Murri, apresentava novos métodos à ope­ração do rejuvenescimento. Suas experiências o levavam a adotar a parabiose. Como objeto de pesquisas, serviu a para­biose para muitas finalidades fisiológicas e biológicas. Dentre os estudiosos mais no­táveis, destacám-se: Morpurgo, na Itália; Ehrlich e Saurbrucj, na Alemanha e Talles, no Brasil. De Marco também realizou inú­meros trabalhos sobre esse assunto, tanto no Brasil, como na Itália e Alemanha. Quando se fala em parabiose é natural lem­brar-se de simbiose (vida conjunta que re­presenta um intercâmbio de necessidades e interesses comuns. A simbiose é mais evi­dente na vida vegetal, especialmente nos lí­quens, cogumelos (Bary, 1879), até a enxer-

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tia simbiótica nas plantas mais desenvolvidas. O conceito de simbiose abrange vasto cam­po da fisiologia comparada e é quase uni­versal na sinfonia econômica dos seres vivos e até mesmo entre vivos e mortos (vermes). O parasitismo utilitário é outro aspecto des­sas estranhas associações biológicas. Muito conhecido é o caso de irmãos siameses (dois seres ligados um ao outro, por qualquer par­te do corpo), ficando célebre a cirurgia pra­ticada por Doyen, na França e· por Chapot­Prevost, no Brasil, procedendo o desliga­mento. A operação inversa é designada por parabiose. As conclusões de Frederico De Marco se apoiavam, de modo especial, na vida sim­biótica dos xifópagos. O caso considerado teratológico pela natureza, seria transfor­mado pela ciência em método preparatório de enxerto do órgão são, no órgão decaden­te para depois se processar a separação das duas vidas. Esse processo eliminaria as difi­culdades encontradas por Voronov quanto aos enxertos de órgãos humanos. O cientista francês (naturalizado) procurou contornar tais obstáculos valendo-se de macacos que mais se aproximam da morfologia humana. Porém, como os orangotangos são raros e de elevado preço, a solução se afigurava in­viável. Aplicando o novo método, De Marco utilizou cobaias e obteve pleno êxito. Uma cobaia velha rejuvenesceu, ficou mais bonita recoberta de pêlos luzidios e espantosamente desenvolvida. Inicialmente a nova emagre­ceu um pouco, recobrando contudo, logo depois, o seu vigor primitivo. Frederico De Marco comunicou sua desco­berta a Voronov e este desestimulou-o, afir­mando que tal experiência poderia ter valor fisiológico de curiosidade, nunca porém, na prática humana. Mais tarde, entretanto, re­tratou-se, reconhecendo que as experiências

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com animais poderiam oferecer excelentes resultados nos casos da terapêutica humana.

Negada permissão para experiências humanas

A parabiose, como se sabe, não é um fato natural. f: produto do homem, criando um artefato experimental. Ligar dois seres cirur­gicamente corresponde a realizar uma sim­biose experimental. Alexandre Volta sobre­pôs discos metálicos para construir a pilha elétrica. Os cientistas ligaram seres com se­res para estudar os efeitos e obtiveram re­sultados fecundos. Quando se ligam cirur­gicamente dois animais, pode-se verificar relativo equilíbrio entre as partes, havendo, geralmente, benefício recíproco. Às vezes um se torna a esponja do outro, mas a en­tropia sempre rege os intercâmbios, por mais desequilibrados que sejam. Quando surgem incompatibilidades, torna-se indispensável a separação, porém esses casos ocorrem ra­ramente. Após realizar várias experiências com ani­mais e ter ouvido as opiniões de Voronov (enxertia parabiótica); Stinach; Houssay e Carlos Foá, Frederico De Marco tentou in­troduzir o método no campo humano. Os maiores expoentes no assunto não viam óbi­ces de ordem científica para essa experiên­da. Outros, contudo, interpunham obstá­culos de toda espécie. A priori, opôs-se Fernando Magalhães ( médi~o, escritor e professor da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro - membro de inúmeras associa­ções científicas, no Brasil e outros países), entretanto, verificando uma prova concreta, ficou vivamente impressionado. Frederico se propôs a realizar uma prova humana, no hospital da Faculdade de Medicina, ligado à Santa Casa de Curitib_a, onde lecionava. Es-

tando tudo acertado, o magnífico reitor pro­fessor Vítor do Amaral telegrafou ao pro- . fessor Miguel Couto solicitando sua opinião. O grande médico respondeu que desconhecia a parabiose. Sabendo-se da probidade de Mi­guel Couto, foi fácil interpretar que ele en­tendia o fato como à margem da órbita mé­dica. Diante disso não foi dada continuidade à experiência. Mais tarde De Marco sentiu que em Arara­quara tinha condições de realizar a expe­riência. Expondo a questão ao desembarga­dor Manoel Carlos, registrado em São Paulo, este sugeriu fosse encaminhado relatório à Sociedade de Medicina Legal e Criminolo­gia, solicitando, não apenas opinião, mas, sobretudo, permissão para executar a expe­riência no homem. A resposta foi negativa, mais por motivos jurídicos que propriamen­te científicos, embora Carlos Foá, na ocasião em São Paulo, aprovasse a idéia. De Marco mantinha fixa essa idéia e sempre que apre­sentava oportunidade retornava ao assunto. Foi assim que em Paris insistiu no tema (Press Medicale). Na realidade, nesse jogo de "pode não po­de", o Brasil perdeu a oportunidade de as­sumir o pioneirismo nesse campo. Os russos tomaram a dianteira e puseram a questão no prato da medicina extrema. O cientista brasileiro lamentava profundamente esse fato e quando entrevistado, dizia: "f: necessária a abertura de campo, em nosso Brasil, para quem esteja aparelhado e com mais auto­ridade para aplicàr no homem a parabiose, seja como método de estudos preliminares, seja como técnica de aplicação clínica. Só assim será possível a competição com os russos". A aplicação da parabiose pode ser tempo­rária, isto é, pode-se ligar e desligar, ocor­rendo com isso perigo relativo. A ligação

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Brasil perdeu ocasião de ser pioneiro

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O homem De Marco era. às vezes. alegre e extrovertido. O relax das duras experiências era obtido

através de um bom jogo debochas

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permanente só deverá servir para os casos irreversíveis. Se Salomão ao invés de inge­rir sangue de crianças, pudesse enxertar um bebê em seu corpo, por algum tempo, os resultados teriam sido mais palpáveis e me­nos sangrentos.

Fótons que se materializam em elétrons

Pesquisando os mais variados campos da ciência, Frederico De Marco realizou em Araraquani, em 1944, importante experiên­cia sobre o efeito da colisão de fótons. Essa experiência despertou, inclusive, o interesse de Einstein, demonstrado através de carta enviada ao cientista brasileiro. Conseguindo bons resultados nesse trabalho, De Marco remeteu nota prévia à Academia Brasileira de Ciências; à Science Academy, de Wash­ington e também à entidade congênere, de Buenos Aires, salientando que embora de­pendendo de experiências de suma precisão, "trata-se de uma nova tentativa experimen­tal , que talvez encerre um vasto e promissor programa de indagações sobre a natureza da luz (fótons). Dizia ainda, que "a interdependência entre a matéria e a luz, entre corpúsculos e radia­ções propriamente ditas, está bem definida pela teoria e pela experiência, formando um dos mais fascinantes capítulos da física de nossos dias que confina no princípio da identidade da-matéria e da energia. Há uma equivalência entre elétrons que se transfor­mam em fótons e fótons que se materializam em elétrons". O próprio cientista admite considerações di­versas, resultantes dessas experiências. Ob­jeções vagas não eliminam as dúvidas de que na realidade a formação dessas enti­dades necessita de fatores heterogêneos. Se,

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por exemplo, a matéria for bombardeada com raios gama, não se pode afirmar que esses raios se transformem, fatalmente, pois tem-se a JTiatéria bombardeada, contendo esses elementos corpusculares. Parece existir na física certa contradição entre a interpreta­ção dada à materialização dos fótons por raios gama e aquela oferecida por Einstein em efeito fotelétrico. Na primeira, o fóton com raios gama se materializa, enquanto na segunda, a luz simplesmente desloca um elé­tron. Citando Broglie, De Marco diz que o cientista não esconde seu pensamento a esse respeito, quando afirma: "Parece provável que se algum dia surgir uma teoria ampla­mente satisfatória sobre a natureza do fóton se construir, ela se baseará nos pontos de­fendidos pelo cientista brasileiro"

Energias desiguais em conflito

Segundo afirmações de Frederico De Marco. depois do fastígio da mecânica ondulatória, qualquer teoria puramente corpuscular não pode conter nenhum fator capaz de definir sua freqüência, e daí a razão de se associar a idéia da periodicidade. Se, realmente, en­tre ondas e corpúsculos não há senão a dife­rença das "duas caras complementares, de uma realidade igual", por que não experi­mentar com os fótons, livremente, e fazê-los chocar, cruzar, etc., entre si, respeitando-se, porém, as leis das transformações energé­ticas mencionadas por Einstein? A materialização dos raios gama, que são fótons, pode ocorrer independentemente do processo dos relativos níveis de energia e do princípio de correspondência. Raman, físico indiano, já tinha se aproximado um pouco nesse sentido. O mesmo pode acontecer com outros fótons, sem que haja, necessariamen-

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te, impactos com matéria, deixando assim, a dúvida de que não houve a conversão puni, direta e absoluta, do fóton em matéria pre­existente. Prosseguindo em seus estudos, Frederico acreditava em nova perspectiva, segundo a qual , certos fótons poderão condensar-se em massa e em eletricidade, obedecendo ao dua­lismo da física , não sendo sempre necessário respeitar o formalismo real já conhecido. Um fóton poderá ter um antifóton que não será, obrigatoriamente, um ente conhecido, podendo mesmo diluir-se pelas paragens por onde andaram Pauli e Fermi e muitos ou­tros roedores de átomos, dos tempos mo­dernos. Não deve ficar implícito, entretanto, que cada fóton possa voltar a ser uma uni­dade de matéria atômica. Poderá ser uma fração que escapará por muito tempo ao po­der de apreensão experimental. Tal idéia, puramente conceituai, não influi sobre este assunto cardial que é o de rever­ter o fenômeno de materialização sem inter­ferência de matéria golpeada pelos fótons. Admitem-se fótons de maior massa, isto é, de diferentes grandezas. É claro que o fóton produzido pela destruição de posítron seja maior que o do fóton de um elétron . É pos­sível que no impacto (colisão) de fótons contra fótons para fazer recuar um raio pre­mido pelo outro, tenha necessidade de ener­gias desiguais em conflito e talvez predeter­minadas. Na lâmpada comum de luz elé­trica, qual seria a inversão do processo? Não pode haver outro caminho: o impacto de luz contra luz, pois a cobra não pode engolir a si mesma. O choque dos fótons deve operar-se em am­biente neutro incapaz de reagir e modificm a clareza ou a evidência da demonstração a dar. Talvez a solução do dispositivo ideal esteja na combinação de aparelhos e, sobre·

tudo, na manobra estratégica necessária pa­ra produzir o efeito desejado no vácuo, em tubo hermeticamente fechado , procedendo depois a operação de removê-lo, recolocan­do-o em um ambiente onde se possa iden­tificar o efeito ou medir a energia das "ca­ras" (contadores proporcionais)

Usina de energia cósmica no Brasil

É evidente que uma câmara de expansão de Wilson, contendo ar, não poderia ser di­retamente utilizada para esse fim, esclarece o cientista Frederico De ,Marco. Como nu­ma cidade do interior (Araraquara), não se pode competir com os grandes centros cien­tíficos, De Marco apelou para Raman, Eins­tein, Dempster, Dirac, Thibaut, B!ackett, Fermi e outros e recorreu à Academia Bra~ sileira de Ciências, sem preocupações de vencer ou ser vencido. Sua experiência com dois tubos de raios X contrapostos, focali­zados em tubo de vácuo, distante de metais e blindado com chumbo, é bastante interes­sante, pois o choque de dois raios aumenta a carga do tubo, não na mesma proporção da soma de duas cargas, aplicada sucessiva­mente e isolada pelo tempo não convergente, porém, iguais. Frederico De Marco insistia em afirmar que todos os esforços de ordem experimental ainda exigiam controle rigoroso de experimentação mais perfeita. Quando em 1946, alguns jornais de São Paulo estamparam manchete na primeira página: "Bomba atômica em São Paulo", muita gente ficou espantada. O fato entre­tanto colocava novamente em evidência o nome e a capacidade do cientista Frederico De Marco. Por determinação do presidente da República e através do Estado-maior do Exército e Serviço Nacional de Defesa, Fre-

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Seus estudos sobre raios cósmicos eram arrojados

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derico De Marco e Mauro Ricardo Lehmann foram incumbidos de apresentar seus estu­dos sobre energia nuclear, aos militares res­ponsáveis pelo comando dos. órgãos de de­fesa. Recomendou ainda, o presidente da República, a continuação desses estudos, considerados"como a mais arrojada iniç.ia­tiva, no terreno da física atomística", pelos professores L Lopes, lente de física teórica da Faculdade Nacional de Filosofia, João Cardoso, catedrático de física-química e Costa Ribeiro, lente de física superior, da mesma faculdade. A exploração do campo relativo à produção de força cósmica, no Brasil, apresentava as­pectos altamente positivos diante da facili­dade de se encontrar urânio e tório, em gran­de quantidade, em inúmeras regiões brasi­leiras, a ponto de provocar a cobiça por parte de grandes potências. Um geólogo e mineralogista destacou a existência de enor­me jazida de pechblenda com alto teor de urânio, entre Ubá e Pomba, no Estado de Minas. Avaliou tais depósitos em cerca de trinta mil toneladas de minério bruto. Ou­tra jazida foi assinalada na ilha de Bananal. Esta porém, contendo pouca quantidade de mineral. A pechblenda tem sido encontrada seguidamente em todo o Estado de Goiás e Minas, principalmente na região do rio Ara­guaia. O tório também é descoberto com freqüência, misturado com as areias das praias, no Norte do país. Segundo demonstração feita pelos cientistas brasileiros, em torno da produção de ener­gia cósmica, o processo representava uma síntese dos métodos utilizados pelos norte­americanos, ingleses e franceses, porém, já corrigidos os defeitos, bastante conhecidos dos estudiosos brasileiros. Dessa forma não haveria perda de te~po e tampouco gastos inúteis. Afirmavam ainda De Marco e Leh-

mano que o Brasil tinha condições para pro­duzir a energia atômica com um custo cem vezes menor que nos Estados Unidos. Destacavam também os jornais da época (outubro de 1946), que o plano completo para a instalação de grandes laboratórios, numa capital do Brasil, estava quase pronto para ser entregue ao Estado-maior do Exér­cito e que a planta vinha sendo elaborada por técnicos de gabarito. Nesse plano pre­viam a mobilização geral. dos cientistas e es­tudiosos de todo o país para um trabalho conjugado. Garantiam os noticiaristas que aproximadamente mil pessoas já estavam colaborando ativamente, na consecução do programa preconizado pelas Forças Arma­das. Dentre essas pessoas, três ocupavam po­sição de destaque: Frederico De Marco, R. Argentiéri e Mauro Ricardo Lehmann.

Fabricação de chuvas

Com essa gigantesca usina de energia cós­mica, o Brasil pretendia transformar-se nnm dos países vanguardeiros da civilização con­temporânea, igualando-se às grandes potên­cias. Aliás, em 13 de novembro de 1937, R. Argentiéri, em artigo publicado em di­versos jornais, antevia a possibilidade do Brasil se projetar no campo da energia cós­mica. O texto original desse artigo sofreu profundos cortes por parte da censura insta­lada pelo movimento getulista. Fabricar chuvas tem sido uma constante preocupação de inúmeros cientistas. Nos Estados Unidos, por exemplo, destacaram-se Schaeffer e Langmuir. No Brasil quando se fala em chuva artificial, imediatamente ocor­re o nome de J anot Pacheco, popularmente conhecido por "Manda-chuva" . Todavia, poucas pessoas sabem que o pioneiro nesse

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campo foi Frederico De Marco. Aliás, essa prioridade foi proclamada, inclusive, pelo professor italiano, Luiz Santomauro, meteo­rologista do Observatório Astronômico de Brera (Milão), em conferência pronunciada no Instituto Lombardo de Ciência Facy e Rouleau. Desde 1914 De Marco vinha cogitando de fazer chover e, em 191 7, estando em Bue­nos Aires, realizou os primeiros ensaios, com ar líquido. Somente em 1940 voltou a efetuar novas ex­periências, procurando aperfeiçoar seus mé­todos, nesse espaço de tempo. Inicialmente utilizou aviões teco-teco para lançar subs­tâncias especiais, sobre as nuvens carrega­das. Essa prática foi adotada também pelos norte-americanos, em 1946, havendo assim, coincidência com os métodos de Frederico.

Rojão para provocar as nuvens

Apenas os processos eram diferentes. Lang­muir usou anidrido carbônico solidificado a 79 graus abaixo de zero, ou seja o conhe­cido gelo seco. Como nessa ocasião De Mar­co não conseguia o gelo seco, em São Paulo, lançou mão de outras substâncias: ar líqui­do, iodeto de prata, nitrato de sódio etc. Em­bora não contasse com os recursos dos ame­ricanos e até enfrentando sérios problemas, Frederico De Marco fabricou chuva. Prosseguindo, De Marco concluiu que ata­car as nuvens por meio de aviões não pro­duzia resultados amplamente satisfatórios e oferecia perigo. :b normal o piloto fugir das nuvens escuras, porque geralmente estão em turbulência. Atravessá-las é tarefa difícil e muito çerigosa. Em 1947, um piloto da RAF que acompanhava Frederico no ataque às nuvens, ficou em apuros para escapar de

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uma tempestade causada pela provocação da chuva. Um ano mais tarde, outro piloto ati­rou inadvertidamente, sobre as nuvens, to­da a substância utilizada para provocá-las (o processo deveria ser realizado em eta­pas) e, em conseqüência, desabou sobre São Paulo violenta chuva de pedras com blocos de até dois quilos. Segundo esclarecimentos de De Marco, o ataque às nuvens, em meios térmicos, produz melhores resultados. Desse ataque, segue violenta reação adiabática e desta nasce a chuva. O processo sob o pon­to de vista físico se afigura simples, entre­tanto, a prática é complexa e sujeita a fa­tores instáveis. Além desses problemas, Frederico se ressen­tia, também, da falta de maiores recursos fi­nanceiros e, principalmente de apoio. Quan­tas vezes ele lembrava do apelo que lhe fizera, certa ocasião, um prefeito do interior paulista, no sentido de debelar a seca que assolava a região, não sendo atendido. De Marco tinha a solução científica, porém, ne­cessitava de um avião para aplicá-la e esse aparelho tão simples lhe foi negado. Esbar­rou no desinteresse total demonstrado pelos aeroclubes e inclusive pelo próprio Governo do Estado. Diante desses problemas, Frederico abando­nou a idéia do avião, planificando e criando um foguete, relativamente simples e de baixo custo. O foguete funcionava à base de hi­drogênio e em sua chama ( 1 3 70°C), in­jetava 300 g de iodeto de prata. Essa subs­tância, passando ao estado de vapor, tem a capacidade de se elevar ao ar e de conden­sar-se instantaneamente, num fluxo de partí­culas submicroscópicas. Tais partículas che­gam até as nuvens e se comportam como núcleos de condensação, formando pesadís­simos cristais de gelo que vão caindo e se desmanchando e atingem o solo sob forma

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No alto desta torre (hoje derrubada) estavam as caixas negras que captavam os raios cósmicos

Eu era criança e De Marco era Ull• mito em mi­nha terra, Araraquara. Estranho mito. Vinte e cinco anos atrás, uma cidade dC> interior era uma ilha isolada do mundo. Telefones de manil•e/a, um ou dois jornais que chegavam diariamente, as pou­cas re1•istas existentes, o rádio. Transporte: dois trens diários para São Paulo. Fechada em si mes­ma, a cidade, como todas as outras, era um poço de preconceitos. Natural que De Marco fosse olha­do estranhamente. Lembro-me bem de sua figura: baixo, gordo, cabelos compridos, grisalhos, sempre arrepiados. O que interessa a aparência? De Mar­co era médico, mas sua clientela era particular, apenas os que confiavam nele. Grande parte da população o via como um bruxo, louco, alguém para ser mantido a distância. Com o tempo, o mito De Marco atet:uou. A imprensa paulista, carioca e estrangeira dando intensa cobertura ao cientista serviu para mostrar o valor daquele pesquisador isolado, lutando com os próprios recursos e contra a incompreensão geral. Criança ainda, eu era co­roinha na matriz. Um dia, o vigário me deu a cha-

ve da torre e pediu que "acompanhasse o doutO/ De Marco", para ajudá-lo. Subimos à torre da igreja. Era um dos pontos mais altos da cidade. Na torre (a igreja não existe mais, foi destruída pelo progresso, para construírem uma matriz moder­nosa) havia uma cúpula de zinco. Ali, De Marco instalou uma caixa preta, fechada. Era parte de sua pesquisa sobre raios cósmicos, trabalho tam­bém pioneiro no Brasil. Eu o encontrei anos mais tarde, fins de 59, começo de 60. Eu já era então repórter do jornal última Hora e fui encarregado de fazer uma entrevista com um cientista. Quando cheguei ao hotel, era De Marco. Foi a última en­trevista que ele deu a um jornal de São Paulo. Me­ses depois, morria. Para mim, De Marco foi um gênio maldito. É necessário compreender aqui o sentido em que usamos maldito, em Planeta. É o de inteligência à margem, homem fora do comum, incompreendido. Um homem· do futuro, vivendo no presente.

Ignácio de Loyola

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de chuva. Experiências realizadas no Novo México, nos Estados Unidos e em Araraquara, Bra­sil, mostraram resultados positivos, "indi­cando que muito em breve o homem terá a chuva quando desejar, através de um enge­nho e de substâncias de preços acessíveis".

Aplicando a medicina na Itália

As andanças de Frederico pelos caminhos da ciência física não faziam interromper seus avanços dentro do campo biológ1co. Cada paciente era sempre um caso novo a merecer especial dedicação e profunda aná­lise. Daí, o acerto de seus diagnósticos. Na própria Itália ele demonstrou sua capacidade como médico, cuidando de "Gabrielino", fi­lho do notável poeta Gabriel d'Annunzio. O moço estava desenganado. Restava a tenta­tiva de uma intervenção cirúrgica, recomen­dada por uma junta médica. Os diagnósticos e exames indicavam um tumor no cérebro e mesmo com a operação, eram remotas as esperanças de s-alvá-lo. Gabriel d' Annunzio desesperado lembrou-se de Frederico De Marco que nessa ocasião se encontrava na Itália. Sabia ter sido ele um dos mais re­nomados assistentes de Augusto Murri, fa­moso clínico italiano_. Imediatamente man­dou buscá-lo em seu hidroavião. De Marco examinou o rapaz e entendeu desnecessária a intervenção cirúrgica e sem perda de tem­po deu início a intenso tratamento clínico e poucos dias depois, "Gabrielino" estava completamente restabelecido. D' Annunzio exultante agradeceu publicamente o médico brasileiro, dizendo entre outras coisas: "Pa­receu-me, pelo nome, filho del mio Abruzzo. Esguio e acerbo. Duro e leal". Esse fato teve enorme repercussão na Itália, a ponto de

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ser convidado para dirigir um dos mais im­portantes hospitais de Bolonha. Frederico não aceitou, unicamente para não perder sua condição de brasileiro, pois embora não fos­se compreendido no Brasil, ele amava esse país, acima de tudo. E amou até a morte, ocorrida no dia 23 de junho de 1960. Mor­reu pobre, cumprindo sua nobre missão den­tro do lema que ele mesmo traçou: "Jamais) usufruirei vantagens financeiras dos meus in­ventos e descobertas. Sou um intérprete de Deus. Um intermediário entre Ele e a huma­nidade. O resto não importa" . ~%;