Freda, Hugo - Da Droga Ao Inconsciente

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DA DROGA AO INCONSCIENTE Por Francisco Hugo Freda “ Nós denegrimos facilmente as coisas as quais não compreendemos nada. Um excelente meio de facilitar nossa tarefa.” S.Freud ( In: O Pequeno Hans). Essas palavras de preâmbulo, eu as endereço àquele que escreveu o artigo, então à Francisco Hugo Freda. A tentação era grande de ordenar senhor K, toxicômano há muitos anos, dentro das concepções clássicas da toxicomania. Há a possibilidade de apresentar o caso deste paciente fazendo desaparecer todas as dificuldades que ele coloca. Há alguns anos, o tratamento dos toxicômanos foi objeto de muitas generalizações que, pela maioria, são reconhecidas como incertas. Elas dão uma visão pseudo teórica do problema para chegar a impasses, nos quais a especificidade do sujeito desaparece, inevitavelmente dando lugar a uma tipologia standart do paciente, deixando sempre a sombra a função do terapeuta no ato clínico. Existe uma outra orientação, que afirma suas concepções e seus resultados a partir da colocação em evidência da ação do terapeuta junto a um paciente em particular. Trata-se efetivamente de fazer valer que não existe caso clínico sem impacto, sem o selo daquele que toma a responsabilidade da direção do tratamento. O caso clínico não é somente a apresentação de um paciente, de seus progressos ou de seus impasses, dos resultados obtidos ou de suas falhas, ele se completa com o lugar e com a intenção do terapeuta, no nosso caso do psicanalista.

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DA DROGA AO INCONSCIENTE

Por Francisco Hugo Freda

“ Nós denegrimos facilmente as coisas as quais não compreendemos nada. Um excelente meio de facilitar nossa tarefa.”

S.Freud ( In: O Pequeno Hans).

Essas palavras de preâmbulo, eu as endereço àquele que escreveu o artigo, então à Francisco Hugo Freda. A tentação era grande de ordenar senhor K, toxicômano há muitos anos, dentro das concepções clássicas da toxicomania. Há a possibilidade de apresentar o caso deste paciente fazendo desaparecer todas as dificuldades que ele coloca.

Há alguns anos, o tratamento dos toxicômanos foi objeto de muitas generalizações que, pela maioria, são reconhecidas como incertas. Elas dão uma visão pseudo teórica do problema para chegar a impasses, nos quais a especificidade do sujeito desaparece, inevitavelmente dando lugar a uma tipologia standart do paciente, deixando sempre a sombra a função do terapeuta no ato clínico. Existe uma outra orientação, que afirma suas concepções e seus resultados a partir da colocação em evidência da ação do terapeuta junto a um paciente em particular. Trata-se efetivamente de fazer valer que não existe caso clínico sem impacto, sem o selo daquele que toma a responsabilidade da direção do tratamento.

O caso clínico não é somente a apresentação de um paciente, de seus progressos ou de seus impasses, dos resultados obtidos ou de suas falhas, ele se completa com o lugar e com a intenção do terapeuta, no nosso caso do psicanalista.

No trabalho junto aos toxicômanos, este lugar e esta intenção tomam modalidades diferentes a partir da idéia que se faz do valor da droga para o psicanalista. À esta idéia, o toxicômano opõe a sua, de um jeito direto ou mascarado. Nesta confrontação, longe de querer emitir uma definição precisa da droga, o paciente quer antes de tudo saber qual é a definição que o psicanalista tem dela, na medida em que é por esta definição e por causa dela, que o toxicômano faz apelo a ele.

Esta idéia, de início, não é histórica, sociológica, jurídica, médica ou política, mas profundamente ética. Sem cometer nenhuma falha ou pecado de exageração dizer hoje que este preâmbulo é exclusivamente ético, é o mínimo que podemos oferecer àquele que propõe seu dizer à alguém que é suposto escutar.

Mais que nunca se impõe definir o que é droga. A menor experiência clínica, a mais ínfima atenção que dispensamos aos toxicômanos, nos joga na cara uma enorme verdade: a droga é a felicidade. Eis aí o nome do preâmbulo que se precisa aceitar, apesar da camada de

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sofrimento que pode acompanhar a demanda do toxicômano. A posição ética diante desse ponto de partida é, e permite, devolver a luva da felicidade pela via do ato psicanalítico e propor ao toxicômano o que ele rejeita, um outro nome, um dos mais modernos dos nomes: o Inconsciente.

Antes de continuar, é necessário indicar que esta oferta feita ao toxicômano não se inscreve na lista das propostas terapêuticas.

Existe uma diferença que coloca a psicanálise “fora de série”. Refere-se à natureza do ato psicanalítico de se ordenar sobre algumas coordenadas bem precisas.

O ato analítico orienta o sujeito para a realização de seu desejo, fazendo-lhe saber que a droga não leva nenhuma felicidade. Esta realização deixa entrever ao sujeito sua verdadeira condição:

- É ao desaparecer como pessoa que ele se realiza como sujeito,- A sua busca da verdade, ele terá de fazer pelas leis da linguagem então há um impossível: porque o significante para explicar o todo não existe.

- Quando ele sonha com um gozo sem sexo, o corpo do Outro lhe faz signo para lembrar-lhe que só a relação com a castração faz dele um mamífero diferente do resto dos animais.

Três orientações que trazem cada uma um nome: a morte, o significante e o sexo.

Essas três coordenadas próprias ao ato analítico não são estranhas à problemática que apresenta o toxicômano, nem principalmente à significação da droga. É efetivamente no interior dessas coordenadas que a droga encontra seu verdadeiro esplendor. Ela faz sentido nelas, um sentido que não lhe é próprio, mas criado pelo toxicômano. Este centraliza a droga em um ponto preciso a fim de anular a palpitação dessas três dimensões essenciais a todo sujeito. Ele se liberta assim de suas obrigações no que concerne a esses pontos essenciais próprios a todo ser falante.

Esta afirmação é produzida na prática, e nada vem a contradizê-la: todos os toxicômanos gritam à voz alta que é por acaso que foram conduzidos para a toxicomania, que nada no passado deles, nada na infância deles, deixou entrever uma saída.

Precisa se tomar essa apresentação com todo seu valor de verdade. Ela não é pura forma, não faz jorrar uma ignorância qualquer, ela não coloca em cena uma estranheza do comportamento, mas bem indica uma intenção do sujeito, aquela de excluir, das leis universais da determinação, seu próprio fazer.

O alcance dessa intenção que, em geral, não está colocada em evidência, encontra uma resposta dentro de um certo “discurso social”, que consiste na tentativa de dar à droga um estatuto novo, seja na realização de suas leis (droga legal/droga ilegal), seja numa gestão da consumação. A resposta do social à toxicomania deve seus limites aquilo que ela ignora deliberadamente, às leis que fixam a decisão do sujeito frente do seu ato. O que nós já definimos anteriormente assim: fazer do seu ato um “fazer” sem determinação. A ilusão

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social consiste em querer apagar “este fazer”, novidade clínica, para forçar a entrada do ato toxicomaníaco dentro das leis bestas do mercado, dentro das leis da oferta e da procura, sem levar em conta que o toxicômano não se interessa por estas leis, o que exclui seu ato do registro da transgressão.

Diante deste fato, diante desta determinação do toxicômano, é necessário deslocar o problema e devolver à droga seu verdadeiro estatuto. Nesta via, a definição da droga proposta por Jacques Lacan é a bússola que permite a saída das trevas da mixórdia ideológica, onde se embaraça a noção da toxicomania.

À questão “o que é a droga” Jacques Lacan responde: “não tem nenhuma outra definição da droga, que aquela: O que permite romper o casamento com o pequeno pipi”.

Esta definição encontra sua densidade a partir das recomendações que a precedem e a assentam . Jacques Lacan convida o leitor a tirar todas as conseqüências, todos os aprendizados do caso de Freud: “O Pequeno Hans”.

Nossa leitura nos permitiu colocar em evidência aspectos éticos necessários ao esclarecimento de nossa questão. Precisa-se inicialmente colocar em tensão uma clínica da determinação com uma clínica da escolha. Este termo de escolha é bastante enigmático. Observamos que o pequeno Hans, como Freud o indica, e como Lacan o sublinha, poderia ter escolhido a perversão no lugar da fobia. A este movimento deve ser dado um valor, pois ele indica que diante do problema da falta, e mais concretamente, do problema colocado pela diferença anatômica dos sexos, o pequeno Hans apostou no gozo fálico, mesmo se isto lhe custou um momento de fobia. Escolher o gozo fálico é antes de tudo aceitar ser afligido por um pênis, estar casado com o pequeno pipi. Trata-se então de um casamento altamente determinado. O pequeno Hans - e aí um dos ensinos morais - poderia, porque ele tinha todo os elementos entre as mãos, parar o seu olhar, debaixo da calcinha de sua mãe e postular um “Eu sou homossexual” e então “não há diferença anatômica dos sexos”. Como diz Lacan, “precisa que se acomode nisso, a saber que ele seja casado com este falo”.

Ele acomoda-se neste casamento graças a uma formação de compromisso, então um sintoma. Aquele que lhe permite de uma certa forma se reservar um mínimo de gozo, para em seguida olhar as mulheres com um olhar doce, sendo que a primeira mulher do homem não é outra que não o falo - assim Lacan indica no seminário RSI : “não há outra mulher que isso”. O isso significando o falo.

Extraímos um outro aprendizado do pequeno Hans. O casamento com seu pênis, casamento não querido, fonte de angústia, é esquecido quando o pequeno Hans encontra nos cavalos o agente, quer dizer o pai, que pode lhe infligir o pior dos castigos. Existe dois casamentos com o pênis: o primeiro por onde o sujeito pode se imaginar Um e o segundo, que pelo trabalho do significante sobre o gozo original, reduz o pênis à sua pequena expressão operacional. Este segundo casamento confina o ser humano a se bater para encontrar no outro o que ele perdeu definitivamente.

Temos aí um dos aprendizados de nossa leitura d’O Pequenos Hans: na sua relação com a escolha e com a angústia, o pequeno Hans opta pelo falo. Ele não tenta escapar deste

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casamento. Falo e casamento que lhe deixam mais vivente que nunca, ao ponto de abrir a passagem que leva do gozo fálico à função fálica.

Esta passagem é fundamental e leva em parte um nome: sublimação. Esta passagem à sublimação se acompanha dessa pequena gota que é a intencionalidade do sujeito. O que em “Sobre a Psicologia do Estudante” ou em “Moisés de Michelângelo”, Freud põe em evidência e descreve como “proeza psíquica, a mais formidável que homem é capaz”, e que consiste,diz ele, em “vencer sua própria paixão em nome de uma missão a qual ele se devotou”.

É a passagem da paixão para missão, quer dizer do gozo para o saber que está colocado em relevo.

Trata-se então de elevar o falo à função de operador lógico, operação a partir da qual o homem humaniza a realidade ao preço de se tornar escravo da palavra.

No fundo o pequeno Hans adora o gozo, mas ele vai negociar por um pouco de saber.

Voltamos à questão da droga. É necessário situar a droga no interior dos aprendizados que acabam de ser descritos a partir do caso do pequeno Hans. Trata-se de seguir com rigor as indicações de Lacan: “tudo o que permite escapar a este casamento” é evidentemente bem vindo, daí o sucesso da droga, por exemplo; não há outra definição da droga que aquela: “o que permite romper o casamento com o pequeno pipi”.

Já observamos que a droga é tomada no texto a título de exemplo, o quê deixa pensar que ela pode fazer parte de uma série. Além disto, os efeitos ditos fisiológicos não foram evocados.

Lacan descreve um sujeito afligido, angustiado, como era o pequeno Hans, por este casamento que qualifiquei anteriormente de imposto, por sua ligação com o pênis.

Há uma questão a qual se deve responder. Por que o casamento se apóia sobre o pênis e não sobre uma outra parte do corpo? A resposta é a seguinte: o pênis é a parte do corpo que se presta melhor a presentificar o falo, o que faz dele a sede do gozo e também do sentido, sendo que é com esse pouco de sentido que se cola ao corpo, sob forma de ameaça ou de inveja - outro lado da ameaça - que o homem ordena o mundo.

Há que se interrogar sobre este ponto: a ligação entre o gozo e o sentido, mais precisamente, o problema da parte de gozo que existe no interior do sentido.

É no interior desta problemática que se encontra a definição da “droga”. Para se fazê-la, voltamos ao nosso sujeito “afligido”, então abatido pelo gozo fálico entrelaçado com o sentido; ou seja “afligido” pela impossibilidade de dar resposta ao que emana de seu corpo, de uma parte de seu corpo. É desta situação que o sujeito quer escapar.

A partir dessa constatação, aliás confirmada pela experiência, é necessário se interrogar sobre dois aspectos, tendo sempre como referência e ponto de comparação o pequeno Hans.

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O primeiro aspecto concerne a questão da idade: o pequeno Hans é tomado pela angústia desde a mais tenra infância. Nós não temos dentro de nossa prática, toxicômanos de 3 a 4 anos. A irrupção da toxicomania é bem mais tardia, o que abre a interrogação seguinte: o sujeito “afligido” o era desde sempre, ou trata-se de um estado que faz irrupção numa idade mais adiantada, talvez no momento do despertar da sexualidade? Momento bem preciso que faz chamado aos atributos fálicos, a um despertar onde pessoas indecisas não faltam e as impressões do corpo se fazem sentir. Frank Wedeking era sensível a este momento e o colocou no palco, no “Despertar da primavera”.

Estas considerações sobre o momento de irrupção da toxicomania não pretendem atrair a intenção dos estatísticos e se endereçam exclusivamente aos terapeutas em geral, e aos psicanalistas em particular.

Não há toxicomania infantil. É um fato. A toxicomania faz sua irrupção durante a adolescência. Esta constatação deve ser colocada em concorrência com uma outra: encontramos na criança e no adulto o mesmo leque de sintomas neuróticos e psicóticos.

Esta constatação definitiva permite questionar o caráter de sintoma da toxicomania, e postular que a toxicomania é “uma nova forma de sintoma”.

Estas pistas devem ser exploradas uma a uma.

Continuamos, por um instante, nossa pesquisa a partir da tese Lacaniana.

A leitura atenta da fórmula desenha um sujeito não somente “afligido”, mas à procura de uma solução. Existe uma: àquela do pequeno Hans, que consiste em elevar o cavalo à categoria de objeto de angústia, e em construir um sintoma fóbico.

O processo de solução se decompõe em dois tempos. Eu vou me reter na escolha de objeto. Trata-se principalmente de um objeto animado, que se reproduz, que faz pequenos, então um objeto que pode aceitar uma inscrição do gozo fálico, com algo mais: a interrogação sobre a diferença anatômica dos sexos se faz presente com toda sua crueza e o lugar do pai é elevado com todo seu valor. A problemática é então deslocada e se ordena segundo a aposta em questão: o cavalo se faz dia, brilha, o peso da causa do sujeito: uma escolha real e sem escapatória ; o que faz que o cavalo “é bem vindo”. Mas ele não adquire - exceto nos hipódromos - nenhum sucesso. Depois da fobia, o cavalo de Hans retoma de novo o estatuto da besta.

Ao contrário do pequeno Hans, o toxicômano, ligado na mesma situação, toma o caminho exatamente oposto, daí o “sucesso da droga”. Entretanto não é porque se proclama tal coisa que o problema é resolvido. Ao contrário, mais que nunca ele se torna obscuro. Analisaremos agora a posição do toxicômano pegando como ponto de partida, o motivo desse texto, “a droga”.

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O que está de novo em jogo, é a relação do sujeito com o gozo, é nesta relação que a escolha do toxicômano é fundamental. Trata-se precisamente da categoria de objeto eleito. É sobre esse ponto preciso que a teoria analítica vai criar uma nova episteme .Freud ordenou os objetos que respondem aos imperativos do gozo em duas categorias:

- Aqueles com que se pode fazer um “casamento feliz”, por exemplo o álcool, dado que com eles a realização erótica é assegurada. A relação entre os dois parceiros é por demais estreita, e a harmonia mais pura reina entre eles.

- Aqueles com os quais a relação sexual não se realiza - dissemo-lo , entre os seres humanos. O objeto da satisfação sexual “normal” é marcado pelo caráter da “inconstância” o que produz o casamento com a razão.

O outro lado da moeda do casamento feliz é o casamento com a razão.

A sexualidade é um fracasso para todos, mas toma para cada um, uma forma única. Que o fracasso seja fundamental se esclarece assim: o sexo chama à satisfação, o consentimento do outro, do outro do Outro sexo. Mas para os seres humanos, e à diferença do cavalo, a pulsão sexual é marcada pela linguagem.

Sobre esse ponto, a questão da toxicomania toma um sentido novo e totalmente diferente daquilo que se compreende até agora.

A escolha do toxicômano é a seguinte: ou um casamento com o pequeno pipi e um sintoma, ou um “casamento feliz” sem sintoma, ele escolhe a “felicidade”. O toxicômano consegue essa façanha inédita de colocar a satisfação sobre um objeto inanimado, tornando-o vivo tratando-o como se ele fosse uma pessoa. É exatamente o contrário do que faz o pequeno Hans: ele toma o cavalo pelo que ele é , um cavalo, e o inscreve na constelação edipiana, então no nome do pai.

O toxicômano se subtrai ao imperativo do gozo afim de nunca encontrar este horror que é a marca da castração no Outro. Ele chega a produzir uma formação de ruptura, mais do que de compromisso, com o gozo fálico. Esta conclusão é somente o resultado do que o Sr. K nos entrega, quando falando da droga, ele a define como “a mais fiel das fieis, aquela que está sempre ali, em silêncio, ao alcance da mão para me causar a satisfação mais perfeita”.

“É ela, a droga, que nos permite a nós dois estarmos juntos”, dizia Sr. Z, “porque se por acaso eu paro, meu parceiro, como os estatísticos o comprovam, se vai com a desintoxicação”.

Esta formação de ruptura cujas vantagens acabam de ser descritas é possível unicamente quando um objeto, um produto pode ser tratado como uma pessoa; quer dizer não como um objeto da pulsão, mas como objeto de uma escolha. A escolha do toxicômano é eliminar a força da pulsão para fazer viver a esperança de um mundo onde a reprodução é sem sexo. Assim, o toxicômano torna-se o paradigma do que quer a civilização - a saber, transformar

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todo o gozo fálico em força de produção. Ele encarna o ideal da sociedade de consumo, aquele que transforma todo o gozo fálico em força de produção e realiza o sonho da civilização moderna, de querer apagar, em nome do gozo Um, a insatisfação que nasce em todo ser falante, quando ele tenta reencontrar os fundamentos de seu ser. Porque as raízes daquele se encontram dentro do recalque originário onde o sujeito jamais terá acesso.

Um ponto falta ainda. No interior deste quadro, o psicanalista tem um papel a cumprir, cuja definição encontra seu sentido nos postulados seguintes.

O psicanalista não é a favor do gozo louco, ele não é também a favor de fazer do gozo e de sua realização a finalização do ser - porque se o gozo consegue o que ele quer, é a morte que toma a forma cada vez mais em voga do racismo, da exterminação, de exclusão. A psicanálise é para fazer viver o gozo, enquadrando-o por este transformador que é o significante, sem portanto o reduzir a nada. No que concerne ao toxicômano, a psicanálise lhe propõe um ato único que visa fazê-lo sair de sua felicidade, para que ele possa encontrar na sua intimidade os contornos da causa que o determina, e deixar de ser o objeto da razão cega do social. É preciso que o toxicômano saiba que quando ele se perturba, se encarna, afim de pendurar a medalha do mundo feliz diante de todos, o social não lhe priva de meios. O toxicômano é hoje um tubo de ensaio no qual se vê girar um mundo onde se inscreve a ruptura com o gozo fálico. É exatamente o que visa todas as medidas de despenalização e de substituição. Para os que se dizem normais, ou seja, para todos os outros, a resposta já existe: a mulher inflável para os homens e o progresso da ciência para as mulheres.

Que as senhoras e os senhores funcionários não se esqueçam o quão precioso é o lugar da psicanálise para colocar em evidência o caráter de seu ato. É em nome de sua ética que ela se permite fazê-lo.

Tradução: Fernando Teixeira Grossi e Gerard Emile RauberRevisão: Fernando Teixeira Grossi e Ana Regina Machado

Tradução e publicação autorizados pelo autor.