Meu Caju, Meu Cajueiro - Intercaju: Desenvolvendo a Cajucultura no Ceará
FRANCIVALDO DOS SANTOS ALBUQUERQUE · 2019. 5. 26. · Tecnologia social para autogestão: um...
Transcript of FRANCIVALDO DOS SANTOS ALBUQUERQUE · 2019. 5. 26. · Tecnologia social para autogestão: um...
-
0
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO
FRANCIVALDO DOS SANTOS ALBUQUERQUE
TECNOLOGIA SOCIAL PARA AUTOGESTÃO:
UM ESTUDO EM EMPREENDIMENTO ECONÔMICO SOLIDÁRIO DA CADEIA
PRODUTIVA DA CAJUCULTURA NO RIO GRANDE DO NORTE
NATAL
2013
-
1
FRANCIVALDO DOS SANTOS ALBUQUERQUE
TECNOLOGIA SOCIAL PARA AUTOGESTÃO:
UM ESTUDO EM EMPREENDIMENTOS ECONÔMICO SOLIDÁRIO DA CADEIA
PRODUTIVA DA CAJUCULTURA NO RIO GRANDE DO NORTE
Dissertação submetida ao Programa de Pós-
Graduação em Administração da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte como
requisito parcial para obtenção do título de
mestre em Administração.
Orientadora: Anatália Saraiva Martins Ramos,
Dra.
NATAL
2013
-
2
Catalogação da Publicação na Fonte. UFRN / Biblioteca Setorial do CCSA
Albuquerque, Francivaldo dos Santos.
Tecnologia social para autogestão: um estudo em empreendimento econômico solidário da cadeia produtiva da cajucultura no Rio Grande do Norte / Francivaldo dos Santos Albuquerque – Natal, RN, 2013. xxx f.
Orientador: Profª. Drª Anatália Saiva Martins Ramos. Dissertação (Mestrado em Administração) – Universidade Federal do Rio
Grande do Norte. Centro de Ciências Sociais Aplicadas. Programa de Pós-Graduação em Administração.
1. Administração – Dissertação. 2 RN/BS/CCSA CDU
-
3
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS ADMINISTRATIVAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO
TECNOLOGIA SOCIAL PARA AUTOGESTÃO: um estudo em empreendimento
econômico solidário da cadeia produtiva da cajucultura no Rio Grande do Norte
________________________________________ FRANCIVALDO DOS SANTOS ALBUQUERQUE
(autor)
Dissertação de Mestrado apresentada e aprovada em 06/ 11/ 2013 pela Banca Examinadora composta pelos seguintes membros:
BANCA EXAMINADORA
______________________________________ Profº Anatália Saraiva Martins Ramos, Drª.
Orientadora - UFRN
_______________________________________ Profª Márcia Cristina Alves, Drª
Examinador Interno - UFRN
_______________________________________ Profº Armando Lírio de Souza, Drº
Examinadora Externa - UFPA
Natal, 06 de novembro de 2013
-
4
AGRADECIMENTOS
Primeiramente a Deus, autor e consumador da fé daqueles que n’Ele
acreditam.
Aos meus pais Antonio Albuquerque e Francisca Pereira de Albuquerque (in
memorian), esta é, sem dúvida, meu maior referencial de solidariedade.
Aos meus irmãos, Francinete, Benaia e Daniel, obrigado por suas orações e
apoio.
À professora Anatália Ramos que, num gesto de solidariedade, decidiu
colaborar comigo, presidindo minha banca de defesa.
Aos professores do PPGA/UFRN, pelos valiosos ensinamentos que
contribuíram significativamente para minha formação. Em especial ao prof°
Washington Souza pela oportunidade de conhecer a realidade do RN e por me
aceitar como seu orientando, parceria estabelecida na relação entre incubadoras de
empreendimentos solidários do Pará e do Rio Grande do Norte.
Ao amigo para a vida toda Marcos Adller, com o qual pude compartilhar
espaço de sala de aula e moradia, discussões acaloradas e conhecimentos obtidos
nas conversas e debates e sem o qual a defesa desta dissertação não seria viável.
Aos amigos da FACICON/UFPA Anderson Pires, Evaldo José, José Wilson,
pelo apoio e grande colaboração na cobertura de disciplinas de minha
responsabilidade.
Aos amigos do PITCPES/UFPA, especialmente ao Drº Armando Lírio de
Souza e a Drª Maria José Barbosa, Nilza e Adebaro Reis, pelo constante incentivo.
Aos amigos da incubadora OASIS/UFRN, Abdon, Bruno, Clarice, Denise,
especialmente a Juarez Paiva, sujeito dotado de gentileza e simplicidade raros na
atualidade, pelo apoio e confiança em mim depositada nas várias atividades de
campo, e à amiga Ruziany pelas incontáveis colaborações, exercício soberbo de
solidariedade.
Aos funcionários do PPGA, Thiago e Elizabete, sempre dispostos a nos
ajudar no que foi preciso.
Aos sujeitos principais deste estudo, os empreendedores da APABV, Sr.
Arimatéia, presidente da Associação, pelo apoio, colaboração e paciência; aos Srs.
Eduardo, Júnior e Bastos e às Sras. Eliane, Maria da Conceição, Maria Mônica pelos
debates e às muitas informações a mim prestadas, sem suas participações esta
dissertação não seria possível.
-
5
À minha mãe Francisca Pereira de Albuquerque (in memorian).
Meu maior exemplo de dedicação, honestidade e perseverança,
dedico-lhe esta homenagem.
-
6
RESUMO
ALBUQUERQUE, Francivaldo dos Santos. Tecnologia social para autogestão: um estudo em empreendimento econômico solidário da Cadeia Produtiva da Cajucultura no Rio Grande do Norte. Dissertação. Natal: UFRN, 2013.
O tema desta dissertação é tecnologia social para autogestão: um estudo em empreendimento
econômico solidário do Rio Grande do Norte. A pesquisa teve como objetivo obter evidências
de que a reaplicação de tecnologias de gestão, de base econômico-financeira e da formação de
preço, a partir dos custos de produção, tem o potencial de contribuir para a autogestão da
Associação dos Produtores Agrícolas de Bebida Velha (APABV). A tecnologia social e a
autogestão são referenciais teóricos utilizados e nos quais os trabalhadores são figuras
centrais, tanto na geração ou reaplicação de tecnologias que sejam compatíveis com suas
realidades, como na conduta e forma de gestão adotada por eles em seu empreendimento, pois
são os tomadores de decisões. Para o alcance do objetivo proposto foi realizada pesquisa
participante, na qual se utilizou além da análise documental, metodologias participativas
como a construção do DRP, entrevista grupal, vivência no ambiente produtivo e familiar dos
empreendedores da APABV. A pesquisa possibilitou concluir que as tecnologias de gestão,
como as planilhas de controles de base econômico-financeiros e de custos de produção,
quando socializadas e compreendidas pelos trabalhadores tem potencial informacional e
passam a fazer parte de seu cotidiano no processo decisório do empreendimento, tornando-se
tecnologia social.
Palavras-chave: Tecnologia social. Autogestão. Controles financeiros. Custos.
-
7
ABSTRACT
ALBUQUERQUE, Francivaldo dos Santos. Tecnology for social self-management: a study in economic development solidary in Rio Grande do Norte. Dissertação. Natal: UFRN, 2013.
The theme of this dissertation is social technology for self-management: a study in economic
enterprise supportive of Rio Grande do Norte. The research aimed to obtain evidence that the
reapplication of technology management, basic economic-financial and pricing, as production
costs, has the potential to contribute to the self-management of APABV. The social
technology and self-management are theoretical frameworks used and where workers are
central figures in both the generation and replication of technologies that are compatible with
their realities, as in the conduct and management approach adopted by them in their venture,
they are makers decisions. To achieve the proposed objective was accomplished participatory
research, which was used in addition to document analysis, participatory methodologies such
as the construction of the DRP, group interview, experience in the production environment
and family of entrepreneurs APABV. This research allowed the management technologies
such as spreadsheets controls basic economic and financial costs, when socialized and
understood by workers has the potential informational and become part of their daily
decision-making process of the project, making up social technology.
Keywords: Technology Social. Self-management. Financial controls. Costs.
-
8
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Layout da fábrica ............................................................................ 48
Figura 2 – Árvore de problemas....................................................................... 53
Figura 3 – Árvore de soluções ou objetivos..................................................... 62
Figura 4 – Ficha de controle de caixa.............................................................. 70
Figura 5 – Ficha de controle da conta corrente bancária................................ 71
Figura 6 – Ficha de controle de contas a receber........................................... 71
Figura 7 – Ficha de controle de contas a pagar.............................................. 72
-
9
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 – Listagem de prioridades da APABV.............................................. 67
Quadro 2 – Gastos gerais da fábrica............................................................... 72
Quadro 3 – Quantidade produzida x faturamento estimado............................ 78
-
10
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 – Evolução do volume anula de produção da APABV........................ 45
Tabela 2 – Custos totais e unitário.................................................................... 77
-
11
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ACC...................... Amêndoa da Castanha de Caju
AG........................ Assembleia Geral
APABV................. Associação dos Produtores Agrícolas de Bebida Velha
APL...................... Arranjos Produtivos Locais
BNB......................
BNDES................
CNPq....................
Banco do Nordeste Brasileiro
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
CONAB................ Companhia Nacional de Abastecimento
COOPABV........... Cooperativa dos Produtores Agrícolas de Bebida Velha
CPR-estoque.........
CT & I..................
Certificado de Produtor Rural
Ciência Tecnologia e Inovação
DAP.....................
DIPJ.....................
Documento de Aptidão ao PRONAF
Declaração de Imposto de Renda de Pessoa Jurídica
DIRF.................... Declaração de Imposto de Renda Retido na Fonte
DRP...................... Diagnóstico Rápido Participativo
DRS...................... Desenvolvimento Regional Sustentável
EES..................... Empreendimento Econômico Solidário
EMATER............ Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural
EMBRAPA........... Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
EMPARN............. Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Rio Grande do Norte
FBB............ Fundação Banco do Brasil
FBES………….... Fórum Brasileiro de Economia Solidária
GGF…………….
IBGE……………
Gastos Gerais de Fabricação
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IFRN………….... Instituto Federal do Rio Grande do Norte
IPEA…………… Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
ITR……………..
ITS.......................
Imposto Territorial
Instituto de Tecnologia Social
LCC…………….. Líquido da Castanha de Caju
MDA…………… Ministério do Desenvolvimento Agrário
-
12
MDS…………… Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome
MTE………...... Ministério do Trabalho e Emprego
MCT ………......... Ministério da Ciência e Tecnologia
MOD.....................
OASIS...................
Mão de Obra Direta
Organização de Aprendizagens e Saberes em Iniciativas Solidárias
PAA...................... Programa de Aquisição de Alimento
PNAE…………… Programa Nacional de alimentação Escolar
PNMPO……..... Programa Nacional de Microcrédito ao Produtor
PRONAF……..
RAIS………….
Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar
Relação Anual de Informações Sociais
RN.................... Rio Grande do Norte
RTS.................. Rede de Tecnologia Social
SEBRAE……….. Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas
SECIS…………
SENAES………
Secretaria de inclusão Social
Secretaria Nacional de Economia Solidária
SENAR.............
SESCOOP........
SIES…………..
TA…………….
TS……………..
UFPA…………
UFRN……...….
Serviço Nacional de Aprendizagem Rural
Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo
Sistema de Informações da Economia Solidária
Tecnologia Apropriada
Tecnologia Social
Universidade Federal do Pará
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
USP……….…... Universidade de São Paulo
TC……………… Tecnologia Convencional
-
13
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 14
1.1 PROBLEMA ............................................................................................................ 14
1.2 JUSTIFICATIVA ..................................................................................................... 17
1.3 OBJETIVOS ............................................................................................................. 18
1.3.1 Geral ..................................................................................................................... 19
1.3.2 Específicos ............................................................................................................ 19
2 REFERENCIAL TEÓRICO .................................................................................... 20
2.1 TECNOLOGIA SOCIAL ........................................................................................ 20
2.2 AUTOGESTÃO ....................................................................................................... 30
2.3 TECNOLOGIA SOCIAL DE GESTÃO .................................................................. 36
2.3.1 Os controles econômico-financeiros ................................................................... 37
2.3.2 Os controles de custos ......................................................................................... 41
2.3.2.1 O método de custeio por absorção e a precificação ........................................... 42
3 METODOLOGIA........................................................... 44
3.1 CARACTERÍSTICAS E EVOLUÇÃO DO EMPREENDIMENTO ..................... 44
3.2 MÉTODOS .............................................................................................................. 45
4. ANÁLISE DOS DADOS E RESULTADOS..........................................................
4.1 - FASE 1 - Visitas Exploratórias .............................................................................
48
4.2 - FASE 2 – Aplicação da Técnica de Diagnóstico Rápido Participativo (DRP) 53
4.3 - FASE 3 – Intervenção ......................................................................................... 69
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 82
REFERÊNCIAS ........................................................................................................... 85
-
14
1 INTRODUÇÃO
1.1 PROBLEMA
A busca de alternativas de geração de trabalho e renda, no Brasil, é um fenômeno que
vem ganhando adesão de múltiplos atores. O poder público, em seus três níveis, federal,
estadual e municipal, universidades, organizações privadas não governamentais, movimentos
sociais, dentre outros, vêm se dedicando ao estudo, à articulação e à formulação de políticas
com essa finalidade. Muito se tem avançado nessa direção, todavia, há muito a se alcançar,
pois, o fechamento de postos de trabalho é fenômeno de caráter mundial, ancorado no
capitalismo e suas crises, muito embora o Brasil, nos últimos anos, experimente crescimento
de vagas no mercado formal de trabalho, com taxa de aproximadamente 6% de desemprego,
conforme estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (2012), destoando do restante
do mundo ocidental desenvolvido que, sob sucessivas crises, desde o ano de 2008, convive
com médias de desemprego, na zona do Euro, acima de 11% (EUROSTAT, 2013).
É nesse cenário que várias experiências exitosas têm ocorrido na criação de
empreendimentos populares de caráter coletivo, cuja gestão é realizada pelos próprios
trabalhadores, na forma de economia solidária, como ficou conhecido o modo renovado de
produzir, vender, comprar e trocar aquilo que é necessário para se viver, sem a exploração do
homem pelo homem e mediante a preservação ambiental. Isso ocorre por intermédio da
socialização dos meios de produção e da distribuição de produtos e serviços por grupos de
trabalhadores marginalizados do mercado de trabalho (SENAES, 2010).
A quantidade de Empreendimentos Econômicos Solidários (EES) identificados no
Brasil era, em 2007, de 21.859, envolvendo cerca de 2 milhões de pessoas e gerando volume
de recursos aproximados de 8 bilhões de reais anualmente (SENAES/MTE, 2010). O
Mapeamento da Economia Solidária, realizado entre 2010 e 2012, ainda não consolidado,
apresentou dados preliminares, divulgados pela Secretaria Nacional de Economia Solidaria -
SENAES (2012), de que esse número já alcançou 33.518 empreendimentos, dos quais 40%
estão localizados no Nordeste brasileiro. Esse contingente de empreendimentos tem merecido
atenção mediante esforços de várias frentes que visam à promoção da inclusão social.
A cajucultura insere-se nessa perspectiva de geração de trabalho e renda por se tratar
de cultura de elevada importância para o Nordeste brasileiro. A atividade ocupa uma área de
aproximadamente 700 mil hectares e produziu mais de 200 mil toneladas de castanha de caju,
no ano de 2010, gerando algo em torno de 200 milhões de dólares ao Brasil, conforme dados
-
15
do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2010) e da Fundação Banco do Brasil
(2010).
O estado do Rio Grande do Norte é o terceiro maior produtor de caju da região
Nordeste, produziu em 2011 mais de 54 mil toneladas de castanha de caju que geraram ao
Estado R$ 63.885 milhões de reais. As exportações de castanha de caju representaram 13% de
todas as exportações realizadas pelo estado no referido ano, de acordo com dados do IBGE
(2011).
Tendo em vista a relevância dessa cultura, organizações públicas e não
governamentais a elegeram como uma das cadeias prioritárias para investimentos. A Empresa
Brasileira de Pesquisas Agropecuária (EMBRAPA), em 2000, apresentou o Projeto
“Minifábricas de castanha de caju – módulo agroindustrial de processamento e
comercialização de amêndoa de castanha de caju” para concorrer ao Prêmio Tecnologia
Social da Fundação Banco do Brasil (FBB). O referido Projeto almejou solucionar um dos
maiores problemas da produção de castanha de caju: a quebra de 40% a 50% do volume de
amêndoas processadas pela indústria tradicional, o que acarretava sérios prejuízos, uma vez
que o valor de mercado para exportação da castanha quebrada corresponde a 50% do valor da
amêndoa de castanha inteira. Além disso, havia a perspectiva de gerar maior quantidade de
postos de trabalho e ampliação da renda dos produtores.
O Projeto da EMBRAPA obteve reconhecimento da FBB e conquistou parceiros como
o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE), que, juntos,
efetivaram ações a partir de 2004 e cujos investimentos alcançaram até 2011,
aproximadamente R$ 17 milhões (RTS, 2011). Nesse Projeto, a FBB ficou responsável pelos
investimentos em máquinas, equipamentos e construção de instalações. O SEBRAE ficou
responsável pela capacitação e consultoria com ênfase em cooperativismo, gestão e
comercialização (SEBRAE, 2007).
O estado do Rio Grande do Norte (RN) foi contemplado com sete minifábricas de
processamento de castanha de caju, doravante, neste estudo, serão tratadas apenas como
fábricas, e uma central de comercialização. Dentre os municípios da ação no RN, encontra-se
Pureza, contemplado com uma fábrica, sob a responsabilidade da Associação dos Produtores
Agrícolas de Bebida Velha (APABV), empreendimento gerido pelos próprios trabalhadores
associados, conforme preceitos da economia solidária.
A inserção de empreendimentos na Economia Solidária é caracterizada por uma série
de fatores, dentre os quais, se destaca a autogestão, que, segundo Albuquerque (2003, p. 20-
21), “não se trata simplesmente de uma modalidade de gestão, ela possui um caráter
-
16
multidimensional, envolvendo caráter social, econômico, político e técnico”. O caráter
multidimensional é divisor de águas em relação a outros empreendimentos de caráter coletivo,
pois, há organizações solidárias, cooperativas, que não chegam a ser autogestionários,
especialmente em virtude de restrições em atributos sociopolíticos, como a disputa entre
indivíduos e grupos no âmbito dessas organizações, que tem potencial de interferir nos seus
desempenhos econômico e técnico. Dito de outra forma, a autogestão configura-se como o
fundamento político da cooperação que confere identidade de EES (BARRETO, 2003).
Vários são os estudos em autogestão, dentre os quais, se destacam Misoczky, Oliveira e
Passos (2004), Cruz (2006) e Ferraz e Dias (2011), que abordaram o tema a partir de vários
prismas com destaque para o sociológico e o econômico.
A gestão realizada pelos próprios trabalhadores requer elementos informacionais,
como em todo e qualquer empreendimento, porém, com características específicas. Dessa
forma, para a manutenção desses empreendimentos existe a necessidade de aglutinar uma
série de fatores, dentre os quais, a tecnologia que, em função da característica e do contexto
apresentados pelo EES, deve contemplar participação e modelo cognitivo que permita
envolver vários atores, especialmente os beneficiários diretos, no caso, trabalhadores.
Por esse motivo, a Tecnologia Social (TS) surge como proposta de articulação entre
demandas de trabalhadores, conhecimentos científicos, em geral produzidos nas
universidades, e políticas públicas direcionadas à inclusão socioprodutiva. A proposta da TS é
integrar vários atores, fazendo com que beneficiários participem e interajam na qualidade de
elementos centrais (RODRIGUES; BARBIERI, 2008). Dentre os estudos dessa temática
destacam-se Dagnino (2004; 2009); Rodrigues e Barbieri (2008); Dias e Novaes (2009);
Thomas (2009) e Correa (2010).
Considerando que este estudo se concentra em tecnologia social de gestão e tem como
objeto a APABV, pertencente à cadeia produtiva da cajucultura localizada no município de
Pureza/RN, é oportuna a adoção da definição da Rede de Tecnologias Sociais (RTS, 2010)
para o termo “reaplicação”, que é entendido como a recriação de uma tecnologia a partir do
momento que ela está sendo difundida num território, por meio da interação com
comunidades. Mesmo que dado território tenha características semelhantes com outro onde
uma tecnologia já tenha sido desenvolvida e aplicada, as pessoas, organizações, parcerias
locais e os processos são diferentes. Portanto, a forma como o conhecimento é utilizado gera
novo conhecimento, e, portanto, nova tecnologia.
O termo Empreendimento Econômico Solidário é utilizado neste estudo como sendo
organização coletiva, supra familiar, singular e complexa, instituída como associação,
-
17
cooperativa, empresa autogestionária, grupo de produção, clube de troca, rede e central de
cooperativas, cujos participantes são trabalhadores dos meios urbano e rural que exercem
coletivamente a gestão das atividades, bem como, a alocação dos resultados. Os EES’s
exercem, em geral, atividades econômicas de produção de bens, serviços, fundos de crédito,
de comercialização e de consumo solidário (SENAES, 2006).
Nesta dissertação, o termo cajucultura refere-se às atividades do cultivo, ao
beneficiamento e à comercialização da fruta do caju (especialmente, Amêndoas de Castanha
de Caju – ACC; pedúnculo ou falso fruto, de onde se extrai o suco; Líquido de Castanha de
Caju – LCC) em toda sua cadeia.
Considerando que em todo e qualquer empreendimento há necessidade de
implementação e utilização de tecnologias de caráter técnico e social de registro e controle,
por exemplo, de operações e recursos econômicos utilizados, gerados e distribuídos,
investiga-se a seguinte questão: de que modo a reaplicação de tecnologia social de gestão,
de base econômico-financeiras, contribui para a autogestão de empreendimento da
cadeia produtiva da cajucultura no Rio Grande do Norte?
1.2 JUSTIFICATIVA
Em estudo recente sobre a cadeia produtiva da cajucultura no Rio Grande do Norte,
Paiva (2010) apresenta como um dos resultados de sua pesquisa as dificuldades de
conhecimento e habilidades para gestão e comercialização. Essa pesquisa foi realizada junto
ao Comitê Gestor da Cadeia Produtiva da Cajucultura no RN, que conta com representantes
de todos os empreendimentos, no total de oito, contemplados no projeto de construção de
fábricas de beneficiamento de castanha de caju no RN, bem como com a participação de
representantes da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Sebrae, Fundação
Banco do Brasil (FBB), Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB), entre outros.
Tendo em vista os resultados obtidos por Paiva (2010), a Incubadora Organização de
Aprendizagens e Saberes em Iniciativas Sociais e Solidárias (OASIS/UFRN) submeteu e teve
aprovado o projeto “Formação Sociopolítica e Técnica no Arranjo Produtivo Local da
Cajucultura: aplicação de estratégias da pedagogia da alternância no Rio Grande do Norte”,
Edital CNPq nº 58/2010”, para apoiar a referida cadeia. Dessa forma, a proposta deste estudo,
também se apoia no seguinte objetivo específico do projeto ora citado: “promover, através da
interação entre saber popular e saber científico, a construção de tecnologias sociais e de
conhecimentos aplicados à realidade dos territórios”.
-
18
Portanto, este estudo se justifica em função da relevância social e econômica, dentre
outras, da cajucultura para o estado do RN, especialmente considerando as comunidades
rurais como as do município de Pureza/RN, contemplada com a instalação de uma fábrica de
beneficiamento da castanha de caju, na comunidade de Bebida Velha e cuja gestão do
empreendimento é feita pelos próprios trabalhadores da comunidade, bem como a atuação do
autor do estudo na Incubadora de Cooperativas Populares na Universidade Federal do Pará –
UFPA e, mais recentemente, na Incubadora Organização de Aprendizagens e Saberes em
Iniciativas Solidárias - OASIS/UFRN nas quais se busca desenvolver a prática da extensão,
do ensino e da pesquisa junto ao público em tela, contribuindo para assegurar atividades
autônomas dos sujeitos, na medida em que as discussões provocam avanços na condição
sócio-política e técnica de jovens e adultos para o exercício da autogestão.
A escolha do tema, do ponto de vista da dimensão acadêmica, se justifica pelos poucos
estudos até o momento realizados e que tenham a autogestão como princípio de conduta de
trabalhadores em EES, e mais ainda como processo de gestão do empreendimento,
considerando a tecnologia social nesse processo. Há estudos relevantes envolvendo a temática
da autogestão como os já citados: Misoczky, Oliveira e Passos (2004), Cruz (2006) e Ferraz e
Dias (2011), que a discutem sob a perspectiva econômica e sociológica. Há, ainda estudos
sobre tecnologia social como Dagnino (2004; 2009); Rodrigues e Barbieri (2008); Dias e
Novaes (2009); Thomas (2009) e Correa (2010). Tais estudos discutem tecnologia social em
ambientes diversos do empreendimento coletivo autogestionário, apesar de mencionar sua
potencialidade nesse tipo de empreendimento.
A relevância teórica desta proposta está na incursão de estudos sobre gestão de
empreendimentos coletivos, pautados por uma racionalidade diferente da racionalidade
positivista, que privilegia apenas o aspecto econômico. Pensar a gestão a partir de uma noção
de coletividade de decisões, utilização de tecnologias construídas com e para os trabalhadores
se insere, portanto, nesta proposta e aí também residem as contribuições do estudo.
A escolha da pesquisa participante como estratégia desta pesquisa se dá em função
desse tipo de pesquisa se ancorar na integração entre pesquisador e grupo pesquisado, e se
concretizar na coleta e análise de dados primários empíricos necessários ao aprofundamento
dos estudos de Paiva (2010), de forma particular, na gestão da APABV.
Este estudo, no entanto, não pretende esgotar o assunto, detendo-se à tecnologia social
e sua reaplicação na gestão da APABV, no município de Pureza/RN, e no qual a incubadora
OASIS/UFRN realize intervenções por meio de cursos, oficinas, palestras e assistências
técnicas no campo da gestão social.
-
19
1.3 OBJETIVOS
No intuito de solucionar o problema levantado têm-se os objetivos geral e específicos,
como segue:
1.3.1 Geral
Obter evidências de que a reaplicação de Tecnologias Sociais de gestão, de base
econômico-financeira e formação de preço a partir dos custos de produção, tem o potencial de
contribuir para a autogestão da Associação dos Produtores Agrícolas de Bebida Velha -
APABV.
1.3.2 Específicos
a) Identificar elementos de TS de gestão, de base econômico-financeira da gestão
coletiva na APBV antes da intervenção;
b) Descrever como a implantação dos controles de base econômico-financeira e da
formação de preço, a partir dos custos de produção, tem contribuído com informações para
decisões coletivas na APABV.
-
20
2 REFERENCIAL TEÓRICO
2.1 TECNOLOGIA SOCIAL
O percurso até se chegar à tecnologia social (TS) requer passagem pelo entendimento
do que sejam técnica e tecnologia. Dessa forma, torna-se relevante consultar estudiosos como
Martin Heiddeger, José Ortega y Gasset, Álvaro Vieira Pinto, Mário Bunge e Renato
Dagnino. Para Heidegger (2007) técnica significa “desocultamento”, ou seja, fazer brotar,
trazer à tona. Heidegger utiliza o termo grego “alethéia” para explicar a abrangência desse
significado. No sentido grego, a “alethéia” é constituída pela poesia, em seu sentido
intrínseco, natural, em que não há intervenção humana. Heidegger exemplifica a poesia a
partir do florescer de uma árvore. O que ele demonstra é que um dos tipos de técnica existente
se dá sem que haja a interferência humana; a própria natureza se encarrega de fazê-la. Outro
item constitutivo da “alethéia” é representado pelo termo grego “techné”, que se aproxima da
técnica como se conhece atualmente e em cuja acepção reside a intervenção humana no
sentido de requerer da natureza aquilo que será utilizado e consumido pelo homem.
Heidegger (2007) dá indícios de que o surgimento da tecnologia ocorre por meio de
conhecimento sobre a poesia e a técnica. O termo grego que ele utiliza para representar o
conhecimento, referente à produção natural ou técnica, é “episteme”. O entendimento de
Heidegger é que a técnica existe, mesmo sem a existência humana, mas, a interferência
humana potencializa evoluções por via do conhecimento sobre a natureza (“poiesis”) e sobre a
técnica (“techné”).
Percurso similar ao de Heidegger sobre técnica, e que o influenciou, é dado por Ortega
Y Gasset (1963) que a apresenta a partir dos seguintes estágios: (1) técnica do acaso, envolve
os atos técnicos, que seriam realizados por todos os indivíduos de uma mesma comunidade,
sem noção de que a técnica transforma a natureza. Esse é o estágio primitivo da humanidade;
(2) técnica do artesanato ou do artesão, estágio no qual os atos técnicos são repassados,
ensinados, de geração a geração. Nesse estágio, o ser humano já tem consciência de que a
técnica ajuda a produzir algo; (3) técnica dos técnicos, estágio no qual há a passagem da
técnica artesanal para a máquina que atua por si mesma, ou seja, a máquina é ajudada pelo
homem, este passa a ser operário, mas, também, surge aquele que projeta, constrói e conserva
a máquina. Além disso, percebe-se que o percurso da técnica se refere à relação do homem
com a natureza. Em que este midiatiza uma relação de afastamento, através de dominação e
domínio entre ambos e si próprio. Neste sentido, nada domina em essência o homem a não ser
-
21
leis da natureza e, acidentalmente outro homem. Do lado da natureza situam-se forças físicas,
enquanto, do lado humano, entram em ação forças culturais, conhecimento racional
(BANDEIRA, 2011). Verifica-se, portanto, que os estudos de Heidegger e Ortega y Gasset se
complementam e evidenciam a evolução do conhecimento em termos de técnica, desde a ideia
do desocultamento natural, até a utilização do conhecimento sistematizado sobre esse
desocultamento alcançando a tecnologia, inaugurada com a Revolução Industrial.
Desde o advento da Revolução Industrial a tecnologia incorporou conhecimento
sistematizado e testado (conhecimentos científico), técnica e vultosos investimentos
financeiros em busca de dominar a natureza e a sociedade (CORRÊA, 2010) e se transformou
num marco do capitalismo como se conhece atualmente. A tecnologia tem sido foco de vários
estudos e abordagens (BUNGE, 1985; SILVA, 2002; MARTIN, 2003; PINTO, 2005;
DAGNINO, 2002; 2009), que a relacionam ou a empregam no campo de estudos de ciências e
sociedades.
A respeito de tecnologia, Pinto (2005) apresenta quatro acepções, tratadas aqui de
forma sintética. A primeira considera a tecnologia como teoria ou ciência; a segunda
considera a tecnologia simplesmente como técnica; a terceira, ligada à segunda, mas,
ampliada ao conjunto de todas as técnicas existentes em dada sociedade; a quarta, que leva em
consideração o viés ideológico da tecnologia e seu papel em relação à natureza, à história e ao
subdesenvolvimento.
O avanço dos estudos em tecnologia e sua interação na sociedade é evidenciado nas
breves acepções de Pinto, acima. Nelas, o que chama atenção é que há a indicação do
entendimento da tecnologia a partir de sua contextualização sociocultural, política e
econômica, tendo em vista a produção e o consumo, mas, também, em relação à
sistematização do conhecimento, a abordagem científica.
No sentido de conhecimento sistematizado Bunge (1985b, p. 231) define a tecnologia
como: “o campo de conhecimento relativo ao desenho de artefatos e à planificação da sua
realização, operação, ajuste, manutenção e monitoramento à luz do conhecimento científico
[...]”.
Em Bunge (1985b, p. 226), o caráter deliberativo da intervenção técnica é reforçado na
tecnologia, que supõe o desenho e a planificação metódicos do artefato a ser produzido. O
desenho tecnológico é “a representação antecipada de um artefato com o auxílio de algum
conhecimento científico”. Objetivamente, a tecnologia deveria criar sistemas funcionais,
“sistemas que desempenhem efetiva e eficientemente certas funções úteis para determinadas
pessoas”. Em relação à planificação, ela consiste em articular uma sequência de tarefas
-
22
destinadas a alcançar o objetivo proposto, que pode ser visto como a modificação introduzida
num determinado estado, de dado sistema, para que alcance outro estado desejado. Contudo,
tanto o desenho quanto a planificação tecnológicos repousam no conhecimento científico.
Para Bunge (1969, p. 684; 1985, p. 239) a tecnologia tem grande valor, pois, se a
técnica encarna a ação racional endereçada a garantir seu próprio sucesso, a tecnologia pode
ser vista como a concretização da ação plenamente racional, e quanto mais racionais forem o
pensamento e a ação humanos, melhor poderá ser a vida. Bunge classifica como tecnologias
atividades tais como a medicina, a administração ou a pedagogia, confiando em que todos os
problemas práticos humanos possam ser formulados tecnologicamente, ou, solução adequada
que se fundamente na ciência e na tecnologia.
Nesse sentido, Bunge chega a supor possível uma “engenharia social”, base de
políticas sociais progressistas. Tal engenharia consistiria em colocar todos os recursos
científicos possíveis (científico-sociais) ao serviço de problemas tais como a escassez de
recursos, a fome, a superpopulação, a criminalidade, o militarismo (BUNGE, 1985, p. 286). A
“engenharia social”, para ser efetiva, deveria ser sistêmica, produzida por equipes
interdisciplinares e discutida democraticamente. Pode-se, a partir da ideia proposta por
Bunge, observar semelhanças entre “engenharia social” e “tecnologia social”. No entanto,
sabe-se que esta, da forma como está exposta neste estudo, não se enquadra no campo de
estudo de Bunge.
A tecnologia, como vista até aqui, representa a evolução da técnica no sentido de
incorporar conhecimentos científicos. Então, o homem, por meio do trabalho e do uso da
tecnologia, inevitavelmente provoca transformação de realidades materiais com o intuito de
gerar condições de vida e cria, como efeito disso, novos vínculos produtivos com forças e
substâncias da natureza (BANDEIRA, 2011).
Corroborando com a definição de tecnologia enunciada por Bunge, anteriormente,
Dagnino (2009, p. 102) diz que:
Tecnologia é o resultado da ação de um ator social sobre um processo de trabalho
que ele controla e que, em função das características do contexto socioeconômico,
do acordo social, e do ambiente produtivo em que ele atua, permite uma
modificação no produto gerado passível de ser apropriada segundo o seu interesse.
A acepção do enunciado acima é adotada como central no presente estudo uma vez
que este parte do entendimento de que os fenômenos que ocorrem no ambiente produtivo, em
função do processo de trabalho, são fatores abrangentes e determinantes das formas de
produzir e promover o relacionamento entre pessoas e instituições, gerando conhecimento e
tudo o que é dominante em uma sociedade. Inclusive, há a utilização de conhecimentos
-
23
científicos juntamente com conhecimentos não científicos, ou populares, desenvolvidos por
trabalhadores nas suas práticas cotidianas.
Para Dagnino (2009), o processo de trabalho é a combinação de trabalho vivo (ou
força de trabalho do produtor direto) e trabalho morto (matérias-primas, instalações
ferramentas, resultantes de processos anteriores) com o objetivo de produzir um produto (bem
ou serviço). O proprietário do trabalho vivo é sempre o trabalhador direto, e, quando ele
também é o proprietário dos meios de produção (trabalho morto), a produção do bem ou
serviço se dá de forma individual ou coletiva. No entanto, quando o trabalho morto é de
propriedade de ator social, diferente do produtor direto, a produção só poderá ocorrer se os
dois atores sociais entrarem em processo de cooperação, que, segundo o autor, “é uma
condição imprescindível para o trabalho coletivo”.
Outro elemento importante na definição de tecnologia dada por Dagnino é o controle,
que decorre do conhecimento, da aprendizagem, e que significa a habilidade relativa ao uso
de um conhecimento intangível ou incorporado a artefatos tecnológicos. Sendo assim,
qualquer que seja o processo de trabalho, independentemente das condições sócio-históricas,
implica a existência de algum tipo de controle (DAGNINO, 2009). Dos elementos
anteriormente citados há, ainda, o tempo de trabalho socialmente necessário, que depende da
escassez relativa da matéria-prima e da dificuldade ou da habilidade requerida para a
produção do produto.
A análise desse conceito, então, expõe o direcionamento que se quer neste estudo,
pois, o exame do processo produtivo ao considerar todos esses elementos quer, ao fim,
explicitar a importância do sentido de tecnologia e como se chegar à tecnologia social. Dito
de outra forma, o aumento ou a redução do tempo de trabalho necessário para obtenção de
dado produto implica na forma como se realiza o trabalho vivo ou como se realizou o trabalho
morto e a forma como eles se relacionam. Por exemplo, quando o processo de trabalho
envolve um coletivo voluntário de trabalhadores diretos, proprietários do trabalho morto, o
controle necessário para enfrentar condições especiais passa a ser também coletivo. Esse
controle, então, é decorrência de acordo entre trabalhadores diretos iguais, que envolve laços
de solidariedade e que se dão em função do contexto social, político, cultural e econômico,
mas, continua existindo sobre o processo de trabalho que se dá no interior do ambiente de
trabalho, de forma autogerida. A isso se dá o nome de economia solidária, que será comentada
posteriormente, ambiente no qual a tecnologia social pode ter campo fértil para se
desenvolver, e que, é o foco deste estudo.
-
24
No entanto, quando atores sociais diferentes são donos do trabalho vivo e trabalho
morto, a cooperação tende a ser de nível mais complexo, pois, pode envolver posse desigual
de riqueza e de renda, o que exigirá controle num grau igualmente elevado. Tal controle supõe
coerção, ideologicamente legitimada e consolidada, no ambiente produtivo. Nesse ambiente, o
valor de troca do produto produzido é formado pelo valor do trabalho morto, o valor do
trabalho vivo e a capacidade do capitalista de organizar a produção. Dito de outra forma,
relacionam-se os valores relativos à remuneração dos meios de produção, os salários e os
lucros. Este é o ambiente comum da economia capitalista e, nesse contexto, se desenvolve
naturalmente a tecnologia convencional (TC), assim denominada por Dagnino (2004), que é
caracterizada pelo tipo de controle que ela exerce.
O desenvolvimento e a difusão da tecnologia na sociedade estão, portanto, vinculados
à forma de controle do trabalho vivo e do trabalho morto. Nesse aspecto, a carga ideológica se
torna de extrema relevância para os fins que se pretende para a tecnologia, e, assim, a relação
entre política, ciência e tecnologia (e economia) entram na pauta de estudos mundo a fora.
Há estudos que revelam aspectos ideológicos que envolvem a relação acima referida.
Corrêa (2010), Feenberg (2010), Fraga (2009) e Dagnino (2004) demonstram não existirem
duas dimensões que, por muito tempo, foram utilizadas no desenvolvimento tecnológico, e
que, não serão aprofundadas neste estudo: a neutralidade da ciência e o determinismo
tecnológico. Para esses autores, tanto a ciência, quanto a tecnologia e a política são
construções sociais que incorporam valores e interesses do contexto no qual são criados.
Corrêa (2010, p. 39), ao estudar a perspectiva histórica do desenvolvimento da ciência
e da tecnologia, na relação fundamental destas com a sociedade, destaca a ideia de que o viés
da neutralidade se desenvolve junto com a ciência moderna, ganha força com o positivismo e
surge como forma de oposição à religião e suas crenças, que interferiam diretamente na
realidade social dos fiéis e, por conseguinte, na forma de condução da sociedade medieval. O
que se pretendia, à época, era buscar a evidência da verdade ou falsidade dos fatos. Na
religião, a verdade se dava pelos postulados divinos, já, a ciência, estabeleceu o juízo por
meio de argumentos racionais e procedimentos empíricos, que lhe garantem métodos de
certificação por meio de procedimentos racionais de justificação. Porém, para a autora, a
evolução histórica e o contexto são capazes de demonstrar que o que se apresenta como
neutro é, na verdade, carregado de ideologia. Ou seja, a ciência e a tecnologia, além de
englobarem condicionamentos econômicos, também se relacionam ao caráter ético de
determinada sociedade, sendo, portanto, permeadas por valores.
-
25
A tecnologia, no Brasil, insere-se num campo de estudo que a relaciona com a ciência
e a sociedade e se pauta, segundo Cândido (2010), por uma agenda de política científica e
tecnológica, que tem sido definida, ao longo dos anos, pelos próprios pesquisadores de
maneira auto-referenciada, partindo da ideia de que a única forma de o conhecimento
científico e tecnológico beneficiar a sociedade é que ele seja apropriado por atores privados, e
transformado em mercadoria, com inovação empresarial.
Os estudos de Jesus (2010) seguem a mesma linha e corroboram com Cândido quando
destacam, de forma mais contundente, as ideias que permeiam a agenda de política científica
e tecnológica brasileira a partir do Plano de Ação do Ministério de Ciência e Tecnologia
(MCT) para o período de 2007 – 2010, cujo objetivo foi “investir e inovar para crescer”. Esse
objetivo teve como prioridade ampliar a inovação nas empresas e consolidar o sistema
nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I) e cujas áreas estratégicas consideradas
foram “portadoras de futuro”, a exemplo de biotecnologia, nanotecnologia, tecnologias de
informação e comunicação, biocombustível, hidrogênio e energias renováveis, petróleo, gás e
carvão mineral e agronegócio (MCT, 2008). Dito de outra forma, o Plano tratou de
investimentos públicos e privados direcionados às empresas, que passaram a ser responsáveis
pelo desenvolvimento de toda sociedade brasileira. Ou seja, as empresas são responsáveis
exclusivas pela organização do modo de produção e, por conseguinte, proporcionam o
desenvolvimento da sociedade.
A lógica adotada direciona a sociedade, particularmente a brasileira, a viver uma
racionalidade que obedece à razão instrumental, que se coloca a serviço da tecnocracia,
pregando o desenvolvimento da ciência e da tecnologia como força motora do
desenvolvimento da sociedade. No sentido da aquisição da tecnologia tratada por Cândido
(2010), como “mercadoria à venda”, as demandas de grupos sociais, que não dispõem de
renda para consumir, são esquecidas pela comunidade científica. Nesse sentido, a TS surge
num contexto de exclusão social e busca atender grupos sociais marginalizados, inserindo-os
na agenda de ciência e tecnologia. A TS, tendo em vista o que se passou a conhecer sobre
técnica e tecnologia, apresenta-se como inovação na medida em que, em sua elaboração,
vislumbra o envolvimento dos beneficiários, prioritariamente, mas, também, grupos de
trabalhadores sem acesso às TC. Para Novaes e Dias (2009) uma das formas de compreender
TS é por meio da tecnologia apropriada (TA).
A TA tem seu surgimento na Índia de Gandhi, nos anos de 1920, tendo como proposta
a luta contra as desigualdades sociais, representadas pelo sistema de castas lá existentes. A
ideia central foi a proteção dos artesanatos das aldeias, buscando o melhoramento das técnicas
-
26
locais, a adaptação da tecnologia moderna ao meio ambiente e às condições do país, além do
fomento à pesquisa científica e tecnológica com vistas a resolver os problemas importantes da
Índia (DAGNINO; BRANDÃO; NOVAES, 2004, p. 20). A difusão da TA no mundo
ocidental se deu por intermédio de Ernst Friedrich Schumacher (1911 – 1977), pesquisador
alemão que, após conhecer as iniciativas de Gandhi, criou o Grupo de Desenvolvimento de
Tecnologia Apropriada, em 1973, com vistas a desenvolver tecnologias de baixo custo de
capital, pequena escala, simplicidade e respeito à dimensão ambiental, direcionadas a países
pobres.
A TA proliferou entre as décadas de 1970 e 1980 por intermédio de pesquisadores nos
países avançados, que tinham como objetivo central minimizar a pobreza nos países
subdesenvolvidos, pois, possuía como características o uso intensivo de mão-de-obra,
insumos naturais, simplicidade de implantação e manutenção, respeito à cultura e à
capacitação locais, dentre outras. Essas características seriam, então, capazes de diminuir a
dependência dos países pobres em relação aos seus fornecedores usuais, nos países
desenvolvidos (DIAS; NOVAES, 2009).
Segundo Dagnino, Brandão e Novaes (2004) a TA, apesar de objetivar o
desenvolvimento social, era defensiva, adaptativa e não-questionadora das estruturas de poder
dominantes nos planos internacional e nacional. Recebeu por essas razões muitas críticas,
formuladas a partir de uma posição fundamentada nas ideias de neutralidade da ciência e do
determinismo tecnológico. Dentre as críticas, a suspeita de que a TA contribuiria para
congelar as diferenças entre países pobres e ricos (RODRIGUES; BARBIERI, 2008).
Novaes e Dias (2009) destacam a percepção de que a principal debilidade da TA tenha
sido o pressuposto de que o simples alargamento do leque de alternativas tecnológicas, à
disposição dos chamados países periféricos, poderia alterar a forma de adoção de tecnologia.
Assim, o movimento de TA apontou elementos para o processo de elaboração de marco-
analítico-conceitual, tendo em vista a elaboração de conceitos de tecnologia social adequados
à realidade brasileira (DAGNINO; BRANDÃO; NOVAES, 2004)
A expansão do pensamento neoliberal, em todo o mundo, fez diminuir o espaço da
TA. No entanto, proporcionou o surgimento, especialmente no Brasil, de temáticas ligadas ao
que se passou a conhecer como tecnologia social. Tal surgimento está vinculado a duas
tendências:
Por um lado o cenário político que, em nível internacional, manifestou-se por um
processo de globalização unipolar que favorece os detentores do capital nas
economias avançadas e penaliza os países periféricos, e, em nível nacional, por um
projeto de integração subordinada e excludente que agrava nosso particularmente
desigual e predatório estilo de desenvolvimento. Nesse cenário, e talvez porque
-
27
muitos que começam a por em prática um outro projeto, já esteja clara a sua
inviabilidade, é natural que se difundisse a preocupação com as bases tecnológicas
de um processo que permita a recuperação de cidadania dos segmentos mais
penalizados, a interrupção da trajetória de fragmentação social e de estrangulamento
econômico interno no país e a construção de um estilo de desenvolvimento mais
sustentável (DAGNINO; BRANDÃO; NOVAES, 2004, p. 30).
Dentre os vários atores sociais que passam a se somar aos movimentos de busca por
alternativas de desenvolvimento sustentável e de inclusão social, como o citado acima, estão
os partidários da economia solidária, que têm na autogestão seu princípio identificador.
Portanto, a TS surge como movimento alternativo à matriz tecnológica em curso no país.
Várias são as entidades e os atores sociais que buscam definir ou conceituar TS, dentre os
quais, a Fundação Banco do Brasil (FBB), a Rede de Tecnologia Sociais (RTS), o Instituto de
Tecnologia Social (ITS), a Secretaria de Inclusão Social (Secis) do Ministério da Ciência e
Tecnologia. No entanto, optou-se, neste estudo, pelo conceito elaborado por Dagnino (2009,
p. 103):
Ela seria o resultado da ação de um coletivo de produtores sobre um processo de
trabalho que, em função de um contexto socioeconômico (que engendra a
propriedade coletiva dos meios de produção) e de um acordo social (que legitima o
associativismo), os quais ensejam, no ambiente produtivo, um controle
(autogestionário) e uma cooperação (de um tipo voluntário e participativo), que
permite uma modificação no produto gerado passível de ser apropriada segundo a
decisão do coletivo.
Essa definição procura abarcar todos os elementos discutidos anteriormente (relação
entre trabalho vivo e trabalho morto, cooperação, controle, ambiente de trabalho) e enseja o
protagonismo das formas associativas e autogestionárias na produção material e, quem sabe,
na organização da sociedade, uma vez que a proposição de decisão coletiva reafirma a
possibilidade de uma democracia não apenas representativa, mas, participativa. Uma vez que
se constitui como processo de inovação a ser alcançado, de forma coletiva e participativa,
pelos atores interessados na construção do cenário desejável, a TS se apoia em conceitos
como “inovação social” e “adequação sociotécnica”.
A inovação social pode ser entendida como:
Um conjunto de atividades que podem englobar desde a pesquisa e desenvolvimento
tecnológico até a introdução de novos métodos de gestão de força de trabalho, e que tem
como objetivo a disponibilização por uma unidade produtiva de um novo bem ou serviço
para a sociedade (DAGNINO; GOMES, 2000).
A TS vai buscar na teoria da inovação contribuições que lhe garantam entender que só
se constitui como tal quando tiver lugar um processo de inovação do qual emerja
conhecimento criado para atender problemas que enfrentam organizações ou grupos de atores
envolvidos. Nesse aspecto, a inovação social tem por objetivo o aumento da efetividade de
processos, serviços e produtos relacionados à satisfação de necessidades sociais por meio do
-
28
conhecimento incorporado a pessoas ou equipamentos (DAGNINO; BRANDÃO; NOVAES,
2004).
Outro elemento importante para a TS é o conceito de adequação sociotécnica, que
segundo Fraga (2011, p. 114), pode ser assim definida:
A Adequação Sociotécnica é um processo coletivo (entre técnicos, pesquisadores,
engenheiros e trabalhadores e trabalhadoras) de reprojetamento das tecnologias
existentes ou de desenvolvimento de novas tecnologias segundo os valores e
interesses dos coletivos de trabalhadores.
Então, a ideia de adequação social e técnica parte da noção de que tecnologia é
construção social, que se situa num determinado contexto sociopolítico, no qual há relação de
forças entre grupos envolvidos. Nesse contexto, o ambiente social influencia a tecnologia e é
por ela influenciado. A TS, portanto, não pode ser pensada como algo que é feito num lugar
para ser usado em outro, mas, como processo desenvolvido no lugar onde vai ser utilizada,
pelos atores que vão utiliza-la. Importante destacar que faz parte do contexto da adequação
sóciotécnica a reaplicação de tecnologias já elaboradas, pois, devem ser repensadas
criticamente e em conjunto com as coletividades envolvidas cada vez que aplicadas num novo
contexto. É nessa conjuntura que as tecnologias sociais de gestão, como as que são abordadas
em momentos posteriores neste estudo, são inseridas.
A TS é, acima de tudo, movimento que vislumbra a inclusão social, e para tanto, parte
da reflexão de incorporar da concepção à aplicação, a intencionalidade de inclusão social,
bem como do desenvolvimento econômico-social e ambientalmente sustentável. Por isso,
cada TS deve ser definida de acordo com o contexto. Como movimento, a TS tem se
desenvolvido por meio da articulação de organizações não-governamentais com instituições
públicas. Um dos marcos desse movimento foi o surgimento da Rede de Tecnologias Sociais
(RTS), em 2005, da qual fazem parte o Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), empresas
como a Petrobrás, a Fundação Banco do Brasil (FBB), Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e
Pequenas Empresas (SEBRAE), universidades. Em 2011, existiam mais de 900 instituições
adesas, com volume de recursos financeiros captados e aplicados na ordem de R$ 440
milhões, dos quais, mais de 80% foram investidos na “Reaplicação de TS com foco na
geração de trabalho e renda” (RTS, 2012).
Como exemplo de reaplicação de TS, com foco na geração de trabalho e renda, estão
as fábricas de beneficiamento de castanha de caju no Nordeste brasileiro, escolhidas como
prioritárias por dois membros da RTS, financiadores de projetos: a FBB e o SEBRAE. Nesse
projeto, até o ano de 2011, foram investidos mais de R$ 17 milhões (RTS, 2012). Somente no
estado do Rio Grande do Norte (RN) o projeto criou 7 (sete) fábricas e uma central de
-
29
comercialização. Uma dessas fábricas, localizada no município de Pureza/RN, e estudada,
mais à frente, como objeto empírico desta dissertação. Resta evidente que um dos principais
objetivos da TS é dotar dado espaço socioeconômico de aparatos tecnológicos (produtos,
equipamentos, etc.) ou organizacionais (processos, mecanismos de gestão, relações, valores)
que permitam interferir positivamente na produção de bens e serviços e, assim, na qualidade
de vida de seus membros, gerando resultados sustentáveis no tempo e reprodutíveis em
configurações semelhantes (FONSECA, 2010).
Nesse contexto, a proposta da TS significa, em lugar da busca de resultado
estritamente econômico, do processo de produção do conhecimento, um deslocamento de
orientação diretamente para o resultado social, percebido como melhoria no plano coletivo
(qualidade de vida, em seus diversos aspectos) ou, em uma maior eficiência, na gestão pública
com finalidades sociais. Em lugar da apropriação privada do resultado, com ganhos privados,
a TS preconiza a apropriação coletiva dos resultados, propiciando um modo radicalmente
distinto de conformação do espaço socioeconômico. Não se trata, pois, de agir apenas no
espaço social, entendido como de natureza posterior ao espaço econômico a ser satisfeito com
precedência, como antagônico e excludente em relação àquele. Trata-se de agir no espaço
socioeconômico de forma que privilegie resultados que possam ser apropriados
coletivamente, seja em termos econômicos e tangíveis, seja em termos sociais e intangíveis.
É importante ressaltar que essa forma pensa a TS, não apenas como movimento que
busca minimizar os efeitos do capitalismo, como fez a TA, mas, como oposição à TC, uma
vez que esta resguarda aspectos como: poupar mão-de-obra; hierarquizar relações sociais de
produção, garantindo o controle do processo produtivo àquele que possui os meios de
produção, que, quase nunca, é o produtor direto.
O efeito inovador da TS não reside necessariamente no ineditismo. Ele está associado
às condições locais de seu desenvolvimento e aplicação (binômio denominado pela Economia
da Tecnologia de Inovação). É por isso provável, e desejável, que uma determinada TS, que já
foi aplicada em determinado contexto ou espaço, suscite soluções e processos de reinvenção e
inovação distintos dos convencionais. Assim, repetir (ou reaplicar) experiências exitosas
tenderá a ser processo profundamente inovador com resultados também inovadores.
No espaço da TS, o resultado positivo da inovação é coletivo, pois decorre,
precisamente, da capacidade do empreendimento de natureza social conter, como elemento
constitutivo, a capacidade de reproduzir-se coletivamente e difundir-se coletivamente. Uma
TS não gera mais riqueza por ser inédita e restringir a abrangência de seu uso a poucos. Ao
-
30
contrário, ela cumpre seu objetivo se consegue, a partir de seus elementos constitutivos,
reproduzir-se e difundir-se (FONSECA, 2010).
Portanto, pensar em tecnologia social, significa pensar em projeto de sociedade, com o
envolvimento, a participação do usuário-produtor, com o objetivo de gerar tecnologias que
sejam compatíveis com o engajamento tecnológico. É nesse sentido que o movimento da
Economia Solidária se coloca como ambiente potencial para o desenvolvimento da TS, tendo
em vista que ela (a Economia Solidária) evidencia necessidades concretas de desenvolvimento
tecnológico para grupos populares autogestionários, pois, além de demandas concretas, tem-se
que a autogestão aponta caminhos para engajamento sociotécnico.
Contudo, não se quer afirmar que a TS é, por si só, solução de todos os problemas dos
grupos excluídos e sem acesso à TC, mesmo porque, se percebe que o movimento de TS, com
seus múltiplos atores, guarda divergências conceituais e que ainda fazem parte dos debates
sobre o que se pretende com ela: seria minimizar os efeitos do capitalismo, abrigando os
valores desse sistema nas relações sociais? Ou, problematizar e buscar uma forma de
racionalidade substantiva que se oponha à TC e suas formas de relações na sociedade? Esta
dissertação, em função da opção por realizar uma pesquisa participante em EES, no qual os
pontos de referência são a autogestão e a democracia nas decisões, se insere mais no segundo
questionamento. No entanto, estas questões estão longe de ser resolvidas, por isso, a
importância do debate.
2.3AUTOGESTÃO
A abordagem da autogestão está intimamente vinculada à economia solidária. Neste
estudo, o pano de fundo é a percepção da possibilidade de inclusão social de trabalhadoras e
trabalhadores a partir da gestão dos empreendimentos econômicos solidários (EES),
proporcionados pela autogestão. Sendo assim, torna-se relevante o entendimento do papel da
economia solidária nesse contexto.
No Brasil, muitos autores têm se ocupado no estudo da economia solidária, dentre os
quais Singer (2002; 2008), Laville e França Filho (2004). No entanto, o entendimento de
Gaiger (2003) está alinhado às pretensões deste estudo.
O papel possível da economia solidária, a ser inquirido, é o de dar prova palpável de
que a autogestão não é inferior à gestão capitalista no desenvolvimento das forças
produtivas, por dispor de vantagens comparativas, derivadas de sua forma social de
produção específica [...] (SINGER, 2003, p. 202)
A temática da economia solidária (ES) ressurge a parir dos anos de 1980, em função
da crise estrutural do capitalismo, desindustrialização em escala mundial, e o fechamento em
-
31
massa de postos de trabalho. Esse ressurgimento traz consigo valores como a solidariedade, a
autogestão, a autonomia, etc., que fazem parte da cultura do movimento operário surgido no
século XIX. Na definição acima, destaca-se, dentre outros elementos importantes, a
autogestão, que para Nascimento (2011) está tão intimamente ligada à ES que, sem uma não
há a outra.
Das várias correntes da ES existentes no Brasil, na atualidade, Fraga (2011) destaca a
que inscreve a ES na luta histórica dos trabalhadores, na qual a autogestão se apresenta como
meio e fim de luta. A ES, por meio da autogestão, torna possível a inscrição de um projeto de
sociedade na prática cotidiana nas diversas esferas de produção e da reprodução da vida.
A autogestão foi objeto de estudo de autores como Misoczky, Oliveira e Passos
(2004), Cruz (2006) e Ferraz e Dias (2011) e, que a abordaram a partir de vários prismas com
destaque para o sociológico e o econômico, destacando o surgimento de duas vertentes de
pensamentos que discutiram e ainda hoje divergem sobre o assunto.
Em meio ao desenvolvimento do capitalismo industrial, à emergência do movimento
operário na cena política europeia, Pierre Proudhon (1809 – 1865) de um lado, e Karl Marx
(1818 – 1883) e Friedrich Engels (1820 – 1895) de outro, travaram intensas discussões sobre
os limites e possibilidades de sobrevivência das iniciativas de caráter associativo, mas que o
extrapola, pois vai buscar definir que objetivo deveria ser perseguido pelo movimento
operário, tendo em vista alcançar as condições necessárias para uma revolução operária de
caráter socialista na Europa do século XIX (CRUZ, 2006).
A autogestão sob o enfoque proudhoniano se direcionava às associações mútuas e
entendia as cooperativas como a base fundadora da sociedade socialista. Para Proudhon a
autogestão é perfeitamente viável em função de uma dada capacidade que a sociedade tem de
governar-se e de organizar-se (para a produção), destacando com isso os aspectos: econômico
e político. Para ele a organização da sociedade é a organização dos trabalhadores (FERRAZ e
DIAS, 2011, p. 101).
Segundo Cruz (2006):
A ideia central de Proudhon para a superação do capitalismo podia ser sintetizado numa
consigna: a abolição do trabalho assalariado (e, por conseguinte, de qualquer forma de
trabalho subordinado), sendo que as cooperativas e outras formas de iniciativa econômica
associativa cumpririam um papel central nesse processo, uma vez que se constituíam como
embrião da nova sociedade socialista em meio à sociedade capitalista, preparando e educando
os trabalhadores para a nova sociedade; após a revolução, por outro lado, as empresas
autogestionárias representariam a unidade fundamental de produção econômica e de
reprodução da vida social (idem, p. 10)
Sob o enfoque marxista, a autogestão aparece como o autogoverno dos produtores
associados. Marx acreditava que a extinção da oposição de classes só seria possível com a
eliminação da classe burguesa e sua cultura hierarquizada e, por conseguinte, a heterogestão.
-
32
Por meio da revolução do proletariado, surge a possibilidade de uma associação em que o
livre desenvolvimento de cada um é o desenvolvimento de todos (FERRAZ; DIAS, 2011).
Em Marx, a autogestão se torna uma mudança radical que eliminaria todo e qualquer
tipo de propriedade, as classes sociais e levaria o Estado a perecer. Sendo assim, a autogestão
representa relação social, e toda relação social, segundo Marx, é condicionada por sua história
e, também, condicionante da mesma. E a busca pela superação das contradições presentes nas
práticas sociais é uma tarefa a ser realizada pelos operários, os sujeitos históricos (FERRAZ;
DIAS, 2011, p. 104)
Como forma de sintetizar as abordagens acima, e levando em consideração as
concepções atuais dessa temática relacionada à ES, adota-se neste estudo a definição de
Misoczky, Oliveira e Passos (2004):
Autogestão consiste na gestão dos meios de produção e organização social em que
todas as entidades de base (indivíduos, grupos, movimentos populares) têm direitos
e participações iguais, pautando-se nos princípios da liberdade e igualdade (p. 186).
As abordagens acima apontam que a postura de Marx tem um viés revolucionário e a
de Proudhon um viés reformista. No entanto, ambos convergem para o mesmo objetivo, qual
seja de eliminar a subordinação do homem ao capital por meio de uma organização social
autogerida que garanta igualdade de direitos e de participações efetiva dos sujeitos. Tais
concepções estão contidas nos princípios norteadores da ES.
Ora, o período histórico atual é diferente daquele estudado por Proudhon e Marx.
Vive-se hoje no período denominado por Castells (1999) de a “Era da Informação”, cujos
principais elementos constitutivos da estrutura social desse tempo são: globalização,
reestruturação do capitalismo, formação de redes organizacionais, cultura da virtualidade real
e primazia da tecnologia a serviço da tecnologia. Para esse autor, tais elementos são os
causadores da crise do Estado e da sociedade civil desenvolvidos nos moldes da era industrial.
A ES recoloca os trabalhadores, a exemplo do que fizeram Marx e Proudhon, como
sujeitos fundamentais de transformação social, por meio da resistência em se subordinarem ao
sistema vigente, ou por outro lado, por estarem marginalizados pelo sistema. Nesse aspecto, o
trabalho coletivo proporciona a criação de identidade.
No que diz respeito a atores sociais, entendo por identidade o processo de
construção de significado com base em um atributo cultural, ou ainda um conjunto
de atributos culturais inter-relacionados, o(s) qual (is) prevalece (m) sobre outras
fontes de significado. Para um determinado indivíduo ou ainda um ator coletivo,
pode haver identidades múltiplas. No entanto, essa pluralidade é fonte de tensão e
contradição tanto na auto-representação quanto na ação social [...]. Não é difícil
concordar com o fato de que, do ponto de vista sociológico, toda e qualquer
identidade é construída [...] A construção de identidade vale-se da matéria-prima
fornecida pela história, geografia, biologia, instituições produtivas e reprodutivas,
pela memória coletiva e por fantasias pessoais, pelos aparatos de poder e revelações
-
33
de cunho religioso. Porém, todos esses materiais são processados pelos indivíduos,
grupos sociais e sociedades, que reorganizam seu significado em função de
tendências sociais e projetos culturais enraizados em sua estrutura social, bem como
em sua visão de tempo/espaço”. (CASTELLS, 1999, p. 22 e 23).
A cooperação, a solidariedade, a autogestão dentre outras características proporcionam
a identificação dos trabalhadores da ES. Essa identificação do sujeito-trabalhador com seu
grupo social, ambiente natural, etc., pressupõe possibilidades de inserção no trabalho coletivo
autogestionário e, nesse aspecto, o coloca em contato com o movimento da economia
solidária.
O movimento da economia solidária se põe nesse campo de resistência e o faz por
vários meios, por esse motivo é importante retomar a definição de ES feita por Singer (2008),
anteriormente citada, pois está alinhada com as concepções de Marx, Proudhon e Castells no
sentido de que o trabalhador, como ator social, deve ser o protagonista histórico das mudanças
sociais necessárias na sociedade. Esse protagonismo se materializa por meio da autogestão,
que na atualidade se dá, no entendimento de Singer (2008), a partir dos empreendimentos
econômicos solidários (EES). No âmbito do Sistema Nacional de Informações em Economia
Solidária (SIES), os EES são:
Organizações coletivas, suprafamiliares, singulares e complexas: cooperativas,
associações, empresas autogestionárias, grupos de produção, clubes de trocas, redes
e centrais, cujos participantes ou sócios são trabalhadores(as) do meio urbano e
rural que exercem coletivamente a gestão das atividades, bem como a distribuição
dos resultados. Tem caráter permanente e apresentam diversos graus de
formalização. Inclui-se também, além dos empreendimentos que estão em
funcionamento, aqueles que estão em processo de implantação, com o grupo de
participantes constituído e com as atividades econômicas definidas (SENAES, 2005,
p. 11 – 12).
No contexto brasileiro da atualidade os EES vêm se destacando por envolverem
contingentes expressivos de trabalhadores e trabalhadoras, movimentarem somas expressivas
de recursos e concorrerem para a inclusão social de sujeitos marginalizados do mercado
formal de trabalho.
Entre os anos de 2005 e 2007 a Secretaria Nacional de Economia Solidária (SENAES)
do Ministério do Trabalho e Emprego (TEM) promoveu o mapeamento da economia solidária
no Brasil. Nesse mapeamento, foram identificados 21.859 empreendimento, com número
aproximado de participantes de 1,7 milhão de pessoas e movimentação financeira perto de R$
8 bilhões de reais anuais (SENAES, 2010). Ainda em fase de finalização, o mapeamento da
economia solidária 2009 – 2011 tem a expectativa de ampliação desses números em 100%
(cem por cento).
-
34
Tendo em vista todo esse contingente, suas especificidades, e o caráter social que
representa, e, também, levando em consideração o que foi tratado até este ponto no estudo,
torna-se relevante a compreensão do processo de gestão dos EES.
A gestão nos EES tem como elemento imprescindível a democracia como forma de
participação direta de seus membros nas decisões. As assembleias se configuram como a
integração democrática de todos trabalhadores, nas quais cada membro representa um voto.
Além de representarem o exercício democrático, as assembleias também têm um viés
educativo, uma vez que permitem que os membros se informem sobre todo o processo de
gestão do EES (LECHAT et.al., 2007, p. 184).
A gestão feita pelos próprios trabalhadores no EES engloba os aspectos politico,
econômico e social, portanto vai além de uma ferramenta de gestão. Então, a forma
autogestionária adotada pelo EES propõe a eliminação das hierarquias, a apropriação total dos
meios de produção e dos conhecimentos para produzir, bem como com o envolvimento de
todos os membros no processo decisório do empreendimento (FERRAZ; DIAS, 2008, p.
105). No entanto, existe a representatividade por meio da escolha (quase sempre por votação)
de uma diretoria e de conselhos.
Como visto na parte inicial deste estudo, um dos itens essenciais para a identificação
do caráter do empreendimento é o processo de trabalho, e nele a forma de controle dos
trabalhos vivo e morto. Também, aventou-se que quando o trabalhador é dono desses dois
tipos de trabalho o empreendimento pode ser coletivo ou individual. O primeiro é que
interessa a este estudo.
A regulação das atividades coletivas, segundo Srour (1994) “é eminentemente política
e não se dá a esmo”. Nos EES a lógica que orienta a forma de gestão é a democrática,
conforme visto, na qual cada sujeito-trabalhador tem direito de opinar sobre os rumos do
empreendimento, a autogestão. O processo decisório, portanto, é coletivo e deve se basear em
informações que todos os decisores tenham acesso. Tais decisões, implicitamente, carregam
consigo aspectos de responsabilidade dos sujeitos entre si e com a sociedade na qual o
empreendimento está inserido.
Informações de caráter econômico-financeiro, de produção, dentre outras exige
processo de registro e acompanhamento, sendo o controle elemento fundamental, não como
forma de opressão, mas como reforço ao empoderamento dos trabalhadores. Tal controle,
quando relacionado à gestão evidencia a accountability como princípio de controle social.
O termo accountability, segundo autores como Campos (1990), Arato (2002), Maciel
(2005), Pinho e Sacramento (2009) e Maria (2010), não possui uma palavra única que o
-
35
expresse em português. Para esses autores, o significado desse termo é muito próximo, guarda
características semelhantes, mas ainda está em construção.
Para Campos (1990) accountability é sinônimo de responsabilidade objetiva, que
remete à responsabilidade de uma pessoa ou organização perante outra, fora de si e cujas
consequências implicam em prêmio, pelo seu cumprimento, ou castigo quando isso não
ocorre. Já no entendimento de Pinho e Sacramento (2009) accountability traz implícita a ideia
de responsabilização pessoal pelos atos praticados e explicitamente a exigente prontidão para
a prestação de contas, seja no âmbito público ou privado. A USP (2009) em seu editorial
afirma que etimologicamente accountability tem o significado de confiabilidade e
epistemologicamente, surge como o resultado de um adequado nível de evidenciação. Tais
significados, apesar de pensados de forma geral para a sociedade em termos de política, são
perfeitamente aplicados aos EES. Neste trabalho accountability:
Encerra a responsabilidade, a obrigação e a responsabilização de quem ocupa um
cargo em prestar contas segundo os parâmetros da lei, estando envolvida a
possibilidade de ônus, o que seria a pena para o não cumprimento dessa diretiva
(PINHO; SACRAMENTO, 2009, p. 1.348).
A participação dos trabalhadores em todas as dimensões do EES por meio de decisões
diretas e por seus representantes, em casos específicos, pressupõe a existência da democracia
e da autogestão, como elementos fundamentais desse tipo de organização. Portanto, levando
em consideração essas características, bem como os aspectos sociais envolvidos, tem-se que a
accountability é de alta relevância para os EESs, pois visa dar conhecimento de todo processo
de trabalho, assim como dos resultados alcançados pelo empreendimento aos seus membros.
Isto fica a cargo da diretoria do empreendimento. Do ponto de vista externo, o EES deve levar
em conta as demandas do seu entorno, prestando contas do que foi realizado e do quanto essas
demandas foram atendidas.
Accountability, portanto, está baseada em forças interativas, em cujo foco está o poder
e uma base moral. Esta última advém de valores internalizados pela organização e se
configura como ético, legal e justo. Para atingir esse nível de internalização a accountability
tem que ser tratada como um processo educativo, no qual acontecem coalizões que se
mobilizam para alcançar o que é desejado (MACIEL, 2005, p. 24).
Para Maciel (2005, p. 25), uma organização será mais accountable à medida que as
relações internas e externas estiverem baseadas em princípios e valores, produto de um misto
da ética, da responsabilidade e convicção. Os EES’s nos aspectos econômicos, sociais,
ambientais, culturais, políticos que desenvolvem se inserem no contexto das sociedades onde
estão localizados. Essa inserção cria responsabilidade objetiva interna e externamente para os
-
36
empreendimentos. Então, a accountability passa a ser um elemento importante para
autogestão e, por conseguinte, um valor buscado pelos EES.
A sociedade baseado no mercado também deseja a accoutability, no entanto seus
valores estão inscritos numa racionalidade instrumental cuja lógica é a de consumo, no
individualismo, na concorrência.
Os EES’s buscam se desenvolver a partir da solidariedade, da cooperação, da
democracia, da autogestão, portanto, a partir de uma lógica diferente daquela buscada pela
sociedade baseada no mercado. Ramos (1989, p. 135) enfatiza que para superar o
estreitamento teórico que tratam apenas das organizações formais convencionais é necessário
um enfoque substantivo da organização, sendo assim ele elabora algumas considerações,
dentre as quais:
A organização econômica é apenas um caso particular de diversos tipos de sistemas
microssociais, em que as funções econômicas são desempenhadas de acordo com
diferentes escalas de prioridades. A importância do comportamento administrativo
diminui, quando se parte de sistemas sociais planejados para a obtenção do lucro e
se caminham no sentido de sistemas sociais mais adequados à atualização humana.
A autogestão, portanto, quando vivenciada pelos sujeitos-trabalhadores, torna-se
princípio de conduta, busca eliminar a subordinação do homem ao capital, proporciona sua
inclusão social, serve como forma de identificação do empreendimento como pertencente ao
movimento da ES e, mais do que isso, possibilita a adoção de uma concepção substantiva da
sociedade. No EES, a autogestão, além de conduta, é a forma de gestão adotada para o
cumprimento dos objetivos do empreendimento e necessita de informações para o processo
decisório e, o fato de ser empreendimento de caráter econômico (além de social), tem no
controle realizado por todos os associados meio para a transparência na gestão.
2.3 TECNOLOGIA SOCIAL DE GESTÃO
Abordar TS de gestão requer a retomada de itens anteriormente discutidos neste
estudo, dessa forma, compreende-se que o processo de gestão envolve, de forma essencial, a
decisão. O planejamento, a organização e o direcionamento que se pretende dos rumos da
organização, passam pela decisão. Esta, não prescinde da informação e, em se tratando de
EES, a decisão tem caráter coletivo e necessita de informações inteligíveis à totalidade dos
membros do empreendimento.
Um dos elementos imprescindíveis à gestão de todo e qualquer empreendimento é o
controle, que na autogestão representa a totalidade dos controles realizados por todos os
membros do empreendimento. Envolve, portanto, o controle da gestão produtiva (da fábrica),
-
37
o controle da gestão administrativa, o controle da gestão econômico-financeira, o controle da
gestão de pessoas, etc.. Nesta sessão, serão tratadas as TS de gestão a partir do enfoque do
controle de caráter econômico-financeiro que as organizações podem realizar.
2.3.1 Os controles econômico-financeiros
O tipo de controle que a organização utilizará, conforme visto anteriormente,
dependerá da relação entre trabalho vivo e trabalho morto. Dessa forma, quando os
proprietários do trabalho vivo e do trabalho morto são diferentes, a forma de controle tende a
ser hierarquizada, coercitiva, como é típico da heterogestão, ou seja, a gestão feita por
desiguais, na qual o dono do trabalho morto decide os rumos da organização e os métodos de
controle que serão exercidos, incluindo aí o trabalho vivo. Nessas formas heterônomas de
gestão, é assegurada a presença de gestores no controle do processo de produção, então, os
trabalhos de concepção e controle ficam a cargo desses especialistas, restando aos demais
trabalhadores apenas e tão somente a execução (FALCÃO, 2010).
Nos empreendimentos coletivos autogestionários a regulação das atividades dessa
coletividade é tão necessária quanto em outra organização qualquer, no entanto, não se trata
do exercício de livre arbítrio. Essa regulação se dá num campo de possibilidades balizadas
pelas relações de propriedade, ou melhor, opera segundo a lógica que o sistema de
apropriação dos excedentes define. No caso de EES’s, a realização da apropriação dos
excedentes gerados se dá por meio de mecanismos políticos ou simbólicos (FALCÃO, 2010),
no qual não há maiores direitos de uns, em detrimento de outros. Dito de outra forma, quando
os proprietários dos trabalhos e vivo e morto são as mesmas pessoas, o controle tende a ser
coletivo. Esse controle, elemento essencial de gestão, decorre da aprendizagem e significa a
habilidade de usar conhecimento incorporado a determinado artefato tecnológico (já
comentado anteriormente).
Nesse caso, o controle coletivo é decorrência de acordo entre iguais e passa a fazer
parte do processo de trabalho, no ambiente de trabalho. Portanto, conhecimentos sobre
produção, comercialização e consumo de bens e serviços, tornam-se imprescindíveis para o
empreendimento. Nesse tocante, surgem necessidades de dominar conhecimentos sobre
questões financeiras, comerciais, administrativas e operacionais, tais como: