Francisco Campos: um ideólogo para o Estado Novo

18
Francisco Campos: um ideólogo para o Estado Novo Francisco Campos: an ideologue for Brazilian "Estado Novo" [New State] Marco Antonio Cabral dos Santos 1 Artigo recebido e aprovado em novembro de 2007 Resumo: Francisco Campos foi um dos maiores ideólogos autoritários da história republicana brasileira. Este artigo analisa a importância de sua obra na tarefa de justificar o regime de força implantado por Getúlio Vargas a partir de 1937. Palavras-chave: Francisco Campos, Autoritarismo, Ideologia, Pensamento político brasileiro Abstract: Francisco Campos was one of the most greatest authoritarian ideologists of the Brazilian republican history. This article analyzes the importance of his work in the task of justify the regime of force implanted by Getúlio Vargas in 1937. Keywords: Francisco Campos, Authoritarianism, Ideology, Brazilian political thought Dificilmente poder-se-ia analisar a emergência do Estado Novo sem se considerar a atuação política e as reflexões teóricas do advogado e jurista Francisco Campos (1891-1968). Seu pensamento político esteve fortemente comprometido com a justificação de práticas autoritárias, conferindo-lhes pretensa legitimidade. Trata-se aqui, portanto, de abordar brevemente sua controversa produção intelectual empenhada na elaboração de uma teoria de Estado que justificasse a centralização promovida por Vargas em 1937, bem como analisar sua atividade política nos quadros do regime de força sobre o qual teorizou. 1 Doutor em História pela FFLCH-USP e Professor Adjunto no Programa de Mestrado em História da USS-Vassouras.

description

Francisco Campos: um ideólogopara o Estado NovoMarco Antonio Cabral dos Santos 1Artigo recebido e aprovado em novembro de 2007

Transcript of Francisco Campos: um ideólogo para o Estado Novo

Francisco Campos: um idelogopara o Estado NovoFrancisco Campos: an ideologue for Brazilian "Estado Novo"[New State]Marco Antonio Cabral dos Santos 1Artigo recebido e aprovado em novembro de 2007Resumo:Francisco Campos foi um dos maiores idelogos autoritriosdahistriarepublicanabrasileira.Esteartigoanalisaaimportnciadesuaobranatarefadejustificaroregimedefora implantado por Getlio Vargas a partir de 1937.Palavras-chave:FranciscoCampos,Autoritarismo,Ideologia,Pensamentopoltico brasileiroAbstract:Francisco Campos was one ofthe most greatest authoritarianideologistsof theBrazilianrepublicanhistory.Thisarticleanalyzes the importance ofhis work in the task ofjustify theregime offorce implanted by Getlio Vargas in 1937.Keywords:FranciscoCampos,Authoritarianism,Ideology,Brazilianpolitical thoughtDificilmente poder-se-ia analisar a emergncia do Estado Novosem se considerar a atuao poltica e as reflexes tericas do advogadoe jurista Francisco Campos (1891-1968). Seu pensamento poltico estevefortementecomprometidocomajustificaodeprticasautoritrias,conferindo-lhes pretensa legitimidade. Trata-se aqui, portanto, de abordarbrevementesuacontroversaproduointelectualempenhadanaelaboraodeumateoriadeEstadoquejustificasseacentralizaopromovida por Vargas em 1937, bem como analisar sua atividade polticanos quadros do regime de fora sobre o qual teorizou.1 Doutor em Histria pela FFLCH-USP e Professor Adjunto no Programa de Mestradoem Histria da USS-Vassouras.Marco AntnioCabral dos Santos32Locus:revistadehistria,Juiz de Fora,v. 13, n. 2,p.31-48,2007DosgrandesidelogosquetrabalharamparaoEstadoNovo,nenhum foi efetivamente mais influente junto mquina estatal que FranciscoCampos. Dessa constatao surge a perplexidade frente ao fato de que athoje poucos estudos lhe foram tributados. Tal escassez talvez se expliquepelacaractersticadesuaobra,marcadapelapoucasistematizao2.Noentanto, isto no deveria representar empecilho, considerando a importnciado personagem em questo nos quadros do regime de fora que se instaurouemnovembrode1937.Bastalembrarquenombitodasduasgrandesguinadasconservadorasdahistriarepublicana,FranciscoCamposdesempenhou papel de destaque. Alm de ser praticamente o autor nicoda Constituio de 1937, esteve envolvido na redao dos Atos Institucionaisnmeros 1 e 2 - consolidando o golpe de 1964 - , alm de tecer importantessugestes para a Constituio de 1967. Frases clebres como "governar prender" ou "o povo no precisa de governo, precisa de curatela"3, marcaramsua trajetria intelectual e sua vida pblica, alocando seu pensamento nosquadros do chamado "pensamento autoritrio". Seguindo uma definiobastante usual, entendemos "autoritarismo" como a adjetivao daquelessistemas polticos que "privilegiam a autoridade governamental e diminuemde forma mais ou menos radical o consenso, concentrando o poder polticonas mos de uma s pessoa ou de um s rgo e colocando em posiosecundria as instituies representativas", de modo que "a oposio e aautonomia dos subsistemas polticos so reduzidas expresso mnima e asinstituies destinadas a representar a autoridade de baixo para cima ou soaniquiladas ou substancialmente esvaziadas".42Nomaisdavezes,aobradeFranciscoCamposanalisadaemconjuntocomopensamento de outros intelectuais autoritrios, como no j clssico OLIVEIRA, LciaLippi;VELLOSO,MnicaPimenta;GOMES,ngelaMariadeCastro.EstadoNovo:ideologia poder. Rio Janeiro: Zahar Ed., 1982. ou em BEIRED, Jos Lus. Sob o signo danova ordem: intelectuais autoritrios no Brasil e naArgentina. So Paulo, Loyola, 1999.DaspoucasobrasdedicadasexclusivamenteaopensamentodeFranciscoCampos,destacamos VIEIRA, Maria Rosa. Francisco Campos: pensamento poltico. Dissertaode mestrado em Histria, FFLCH-USP, So Paulo, 1990; MONTEIRO, Norma de Ges."FranciscoCampos:trajetriapoltica".In:RevistaBrasileiradeEstudosPolticos,BeloHorizonte,junho,1981eSANTOS,RogerioDutrados."FranciscoCamposesfundamentos do constitucionalismo antiliberal no Brasil" DADOS: revista de CinciasSociais, Rio de Janeiro, vol. 50., n.2, 2007, pp. 281-323. Os textos de Francisco Campos,quase todos originalmente produzidos na forma de artigos ou discursos, foram reunidosnassegui ntesedi es: BONAVIDES, Paul o(org). Franci scoCampos: di scursosparlamentares (Perfis parlamentares 6). Rio de Janeiro/Braslia, Cmara dos Deputados/Jos Olympio, 1979; CAMPOS, Francisco. O Estado nacional. Sua estrutura, seu contedoideolgico. Rio de Janeiro: Jos Olmpio, 1940; CAMPOS, Francisco. Problemas do Brasil.Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1938; CAMPOS, Francisco. Poltica e as caractersticasespirituais do nosso tempo. Rio de Janeiro, Nacional, 1959; CAMPOS, Francisco. Educao ecultura, Rio de Janeiro, Jose Olympio, 1940.3 Frases citadas por Pedro Nava em seu livro de memrias Ba de Ossos, apud. CARONE,Edgard. O Estado Novo (1937-1945). So Paulo, Difel, 1976, p. 265.4 STOPPINO, Mario. "Autoritarismo" in BOBBIO, MATTEUCI e PASQUINO (orgs). Dicionriode Poltica. 5.ed. Braslia: Edunb. So Paulo: Imprenso Oficial, 2000, vol 1, pp.94-104.Francisco Campos: umidelogo para o EstadoNovo33Locus:revistadehistria,Juiz de Fora,v. 13, n. 2,p.31-48,2007Ainda que o projeto poltico esposado por Campos estabelecessea busca de legitimidade por meio de recursos plebiscitrios - como aquelesprevistos nas disposies transitrias da carta constitucional de 1937 -, aslinhas gerais de seu pensamento apontam para uma identificao bastanteacentuada com o que convencionou chamar - no campo do pensamentopoltico-de"autoritarismo".OideriopolticodeCampos,pelaimportnciadesuatrajetrianavidapblicabrasileira,nodeveserentendidoemdissociaocomsuasprticasparlamentares,jurdicaseministeriais.SeapropensodacartaconstitucionaldoEstadoNovobuscoulegitimidadenaprevisodeconsultasplebiscitrias,seuvisautoritriosaiufortalecido,umavezqueestasconsultasnuncaserealizaram, convertendo-se em elementos discursivos e retricos vazios.5A nova Constituio vinha assinada por Getlio Vargas, FranciscoCampos, A. de Souza Costa, Eurico G. Dutra, Henrique A. Guilhem,MarquesdosReis,M.dePimentelBrando,GustavoCapanemaeAgamemnon Magalhes. Sabe-se, no entanto, que a inferncia de Vargasno texto constitucional foi bastante limitada, surgindo a nova carta comoobra quase exclusiva de Francisco Campos. Posteriormente o prprioVargas admitiria que limitou-se a "fixar o objetivo que precisava atingirfundamentalmenteatravsdaestruturadonovoregime",visando"instituirumgovernodeautoridadeelibertodaspeiasdachamadademocracia liberal, que inspirou a Constituio de 1934". Sobre o trabalhodesenvolvido por Campos, categrico: "dei apenas algumas indicaesquantodistribuiodospoderesesuasatribuiesespecficas".6Aextenso do alcance do Estado, no entanto, no colocava em risco osdois pilares em que se sustentavam a economia brasileira: a propriedadeprivada e a livre iniciativa capitalista. O artigo 135 da nova Constituioreproduzia quase literalmente os artigos VII e IX da Carta Del Lavoroitaliana.Oartigo136daconstituiodoEstadoNovoconsagravaotrabalho como "dever social".5Note-sequeemartigorecente,RogrioDutraSantosafir maenxergar"certadificuldade"emclassificaropensamentodeFranciscoCamposcomo"autoritrio".Para ele, "a preocupao com as massas e a tenso temporal entre passado e futuro soidias originais em relao s quais a classificao realizada pela tradio dos intrpretesbrasileiros do autoritarismo torna-se problemtica". O que causa estranheza no (bemconstrudo) texto de Dutra Santos no o seu carter revisionista ou o fato de considerarFranciscoCampos"umdosmaisimportantespensadoresbrasileirosdosculoXX",mas sua nfase conclusiva em lhe atribuir um lugar como "um intrprete central para oBrasil atual". SANTOS, Rogerio Dutra dos. "Francisco Campos e os fundamentos doconstitucionalismoantiliberalnoBrasil"DADOS:revistadeCinciasSociais,RiodeJaneiro, vol. 50., n.2, 2007, pp. 281-323. Para uma viso alternativa, veja-se DUTRA, Elianade Freitas. O ardil totalitrio: imaginrio poltico no Brasil dos anos 30. Rio de Janeiro:Editora UFRJ, Belo Horizonte: Editora UFMG, 1997.6 Apud CARONE, Edgard. O Estado Novo (1937-1945). So Paulo, Difel, 1976, p. 157.Marco AntnioCabral dos Santos34Locus:revistadehistria,Juiz de Fora,v. 13, n. 2,p.31-48,2007 fato notrio e bem conhecido o apoio requisitado por FranciscoCampos junto s fileira mais conservadoras da sociedade brasileira porocasiodogolpequelevouaoEstadoNovo.EmcartaendereadaaGetlio Vargas, Plnio Salgado revelou tais assertivas, informando queCamposlhepediu"apoioparaogolpedeEstado"easua"opiniosobreaConstituio",dando-lhe"24horasparaaresposta",recomendando por fim o "mais absoluto sigilo".7 Nada mais lgico, jqueCamposfigurouentreosfundadoresdaLegiodeOutubroemMinas Gerais, j como ministro do governo Vargas.O golpe empreendido em 10 de novembro de 1937 revestiu-sedeumaauralegitimadora,amparadaemdiscursosquetrataramdenaturalizar o lance poltico como decorrncia dos anseios populares frenteaos rumos que tomara o pas nos ltimos anos sujeito que estava aosplanos desestabilizadores de comunistas e integralistas. Frente s supostasameaas de golpe, a democracia liberal mostrava-se frgil, no oferecendoos instrumentos necessrios para a manuteno da ordem. Na retricacampista,ogolpede1937figuracomoumamedidapreventiva,noapenasparasanaros"equvocos"daConstituiode1934-excessivamente liberal - mas para afastar os perigos que a inadequaodaquele regime suscitavam. Ajustando a poltica nacional aos imperativosda chamada "moderna sociedade de massas", que em todo o mundo - eespecialmente na Europa - vinha mostrando a inoperncia e a fragilidadedas democracias tal como eram praticadas, era preciso re-fundar o regimedemocrtico,livrando-odosinfrutferosdebatesparlamentares,queobstacularizavam a natural relao entre o lder da nao e seu povo.Para Alcir Lenharo, o movimento nem sequer careceu trabalharposteriormente sua memorizao, pois "o fato nasceu mesmo pronto,acabado, no ato mesmo de sua fundao. O Estado Novo se apresentacomo o nico sujeito histrico adequado ao pas para aquele momentoe, ao mesmo tempo, o corredor da sua linha de evoluo histrica. Daa utilizao do fato mtico da Revoluo de 1930, da qual 37 se apresentarcomo revoluo acabada e da qual tomar de emprstimo sua origemmtica de fundao".8 O problema central, para Campos, residia no fato7CartadePlnioSalgadoaGetulioVargasapudSILVA,Hlio.1938:terrorismoemcampoverde.RiodeJaneiro,CivilizaoBrasileira,1971,p.367.Aanunciadosintegralistas ao golpe de 10 de novembro no se restringiu a esta consulta. Em 05 demaro de 1938, Vargas anotaria nas pginas de seu dirio: "Perguntei ao ministro Camposse j havia conversado com Plnio Salgado, conforme eu o encarregara. Respondeu-mequeno,porqueesteestavaausente.Reiterei-lhearecomendao,porumdeverdelealdade. Ou ele vinha colaborar, ou teria de adotar medidas de represso contra seuspartidrios que estavam conspirando".8 LENHARO, Alcir. Sacralizao da poltica. Campinas, Papirus, 1986, p. 14.Francisco Campos: umidelogo para o EstadoNovo35Locus:revistadehistria,Juiz de Fora,v. 13, n. 2,p.31-48,2007incontestedequenamodernasociedadedemassaademocraciaapresentava-secomocorpoextico,ultrapassadoeobsoleto,dadaamorosidadequeconferiasdecisespolticas,contrastantescomaurgncia que os novos tempos exigiam. Assim, os arroubos totalitriosquesedavamnaEuropaeramtributriosdaprpriainadequaodademocracia liberal sociedade de massas.ApsainstauraodoEstadoNovo,aretricadeCamposdestina-se tarefa de refutar qualquer associao com regimes totalitrios,reforandoaidiadequeumgovernoforteecentralizadoestariaaserviodapreservaodademocracia.Paraele,exatamentenafragilidadedojogodemocrticoquenascemostotalitarismos,conseqncia que a instaurao do Estado Novo veio evitar. Assim, namodernasociedadedemassas,eraanoodedemocraciaedeparticipao poltica que deveriam ser redimensionadas. Nesse sentido,cabia-lhe dotar a nova carta constitucional de legitimidade:A essncia da democracia reside em que o Estado constitudopelavontadedaquelesqueseachamsubmetidos ao mesmo Estado: reside na vontade dopovo, comodecl ara, l ogodei n ci o, aat ualConsti tui o. Aafi r maodequeoEstadoproduzi dopel avontadepopul arnoi mpl i caaconcluso de que o sufrgio universal seja um sistemanecessrio de escolha, nem a de que o Presidente daRepblicadevaexerceroseucargoporumcurtoperododetempo, nopodendoserreeleito. absurdotirardeumanoomeramenteformaldedemocracia concluses que a prtica repele9.Para Campos, a consulta plebiscitria tal como prevista (mas nuncaaplicada) nas disposies transitrias da Constituio, conformavam-sea maneira ideal de participao popular no jogo poltico, segundo seuentendimentodedemocracia.Caberiaaopovoopapelderatificarasdecisestomadaspeloldercarismtico-assessoradoporseucorpotcnico-conferindoassimlegitimidadeaonovoregime.SegundoCampos, "os meios pelos quais a vontade popular se pode fazer sentirtem de ser estabelecidos de acordo com a realidade social e no com osensinamentosmeramentedialticos"10.Da a noo de que esta sociedade de massas exigia um modelopolticomaisgil,ancoradonafiguradeumalideranapositiva,identificada com os anseios da nao:9 CAMPOS, F. "Problemas do Brasil e solues do regime"(1938) in O Estado Nacional,op.cit., p. 7510 idem, p. 75Marco AntnioCabral dos Santos36Locus:revistadehistria,Juiz de Fora,v. 13, n. 2,p.31-48,2007Asmassasencont ram-sesobafasci naodapersonal i dadecari smti ca. Estaocentrodaintegrao poltica. Quanto mais volumosas e ativasas massas, tanto mais a integrao poltica s se tornapossvel mediante o ditado de uma vontade pessoal.O regime poltico das massas o da ditadura. A nicaforma natural de expresso da vontade das massas o plebiscito, isto , voto-aclamao,apelo, antes doque a escolha"11.Nessesentido,apolticaparlamentarmostrava-seinoperante,idia sintetizada em sua famosa frase de 1935, segundo a qual "para asdecises polticas uma sala de parlamento tem hoje a mesma importnciaque uma sala de museu"12. No entanto, a defesa do reforo da autoridadefrente s fragilidades prprias da democracia e da poltica parlamentarno era idia nova. Num discurso em 1913, quando cursava o ltimoano da Faculdade de Direito, Francisco Campos proferiria aquela queseria lembrada uma das mais clebres frases de sua lavra: "o futuro dademocracia depende do futuro da autoridade"13. Crtico da democracia,exortavaseuscolegasdecursoaocumprimentodeseusdeveres,conclamando: "reprimir os excessos da democracia pelo desenvolvimentoda autoridade ser o papel poltico de numerosas geraes".14 SubjaziaemsuafalaaconvicodequequelesjovensestudantesdeDireitocaberiacontrolarasrdeasdapoltica,livrando-adosperigosdademocracia, capaz de alar ao poder elementos destitudos do preparotcnico necessrio ao exerccio da poltica.Assim,aretricadeCamposoperaumesvaziamentodarepresentao parlamentar, atribuindo-lhe fragilidades e instabilidades queem conjunto retiravam-lhe legitimidade. Esterelidade e ineficincia: estasso as duas caractersticas que na viso de Campos marcam o parlamento,cujas origens remetem ao fato de que a poltica na moderna sociedade demassas marcada por seus elementos irracionais, onde, segundo Campos,"a irracionalidade do processo poltico, que o liberalismo tenta dissimularcomosseuspostuladosotimistas,torna-seumaevidncialapidar".Oexemploperfeitodaoposioentreaesterelidadeparlamentareaefetividadedapolticaguiadapelaemotividade,FranciscoCamposvaibusca na Alemanha nazista. Enquanto os debates parlamentares logravam11 CAMPOS, F. "A poltica e o nosso tempo"(1935) in O Estado Nacional. op.cit., p.16.12 idem, p.28.13 CAMPOS, F. "Democracia e unidade nacional"(1914). In: Antecipaes a reforma poltica,op.cit, p.12.14 texto publicado no jornal Minas Gerais um 05 de dezembro de 1913, e posteriormenteincludo na coletnea Antecipaes reforma poltica, 1940.Francisco Campos: umidelogo para o EstadoNovo37Locus:revistadehistria,Juiz de Fora,v. 13, n. 2,p.31-48,2007fracassos, Hitler vai buscar entre o povo, nas ruas, "da nebulosa mentaldas massas, uma fria, dura e lcida substncia poltica, o controle do podere da nao". Completando:Quem quiser saber qual o processo pelo qual se formamefetivamente, hoje em dia, as decises polticas, contemplea massa alem, medusa sob a ao carismtica do Feher,e em cuja mscara os traos de tenso, de ansiedade e deangstia traem o estado de fascinao e de hipnose15.Desde seu mandato como deputado estadual na dcada de 1920,Campos sustentava a noo de que as funes de governo deveriam serreservadasaosmaiscapacitadostecnicamente,numaretricaqueprocurava despolitizar o campo poltico. Para Campos, o problema centraldas democracias como praticadas, residiria no fato de que atravs dospleitos alcanariam o poder indivduos tecnicamente incapazes de legislarou governar, atividades que deveriam ficar a cargo dos mais capacitados.J em 1914 propugnava que a soluo estaria em reservar as decises ao"governodoslegistas",queseesforariamnatarefade"adaptarconstantementeaconstruolegaldostextossvariaesestransformaes de estrutura do organismo poltico". Dessa forma, poder-se-ia "corrigir os vcios e os excessos do temperamento democrtico"16.A partir de 1921, quando foi eleito deputado federal por Minas Gerais,Camposvairepresentarimportantepontodeapoioaotumultuadogoverno de Arthur Bernardes, sustentando a necessidade da manutenodo Estado de Stio que caracterizou aquele conturbado perodo da histriarepublicanabrasileira.Nacmara,confronta-secomaoposio,sustentando a necessidade de "delegao de plenos poderes" a Bernardes,com o fito de "exercer durante o tempo que fosse preciso, uma aodiscricionria".17Enfrentandoumaoposioenraivecidapeloprolongamento do estado de stio, sustentou a poltica oligrquica emnomedamanutenodaordemameaadapeloslevantestenentistas.Naquele contexto, portou-se como defensor da ordem, um poltico paraquem a lei representava "a mais significativa expresso da cultura humanaem toda a sua escala de valores". Dever-se-ia preserv-la de "instintosprimitivos", de "mentalidade elementar e primitiva", das "desordens" edas "fatalidades da natureza traioeira e hostil".1815 CAMPOS, F. "A poltica e o nosso tempo"(1935). In: O Estado Nacional. op.cit., p.28.16 CAMPOS, F. "Democracia e unidade nacional"(1914). In: Antecipaes a reforma poltica,op.cit, p 8-1017 CAMPOS, Discursos parlamentares. BONAVIDES, Paulo (org).Francisco Campos: discursosparlamentares (Perfis parlamentares 6). Rio de Janeiro/Braslia, Cmara dos Deputados/Jos Olympio, 1979, p 76.18 CAMPOS, Discursos parlamentares. opcit., p 83 e 84.Marco AntnioCabral dos Santos38Locus:revistadehistria,Juiz de Fora,v. 13, n. 2,p.31-48,2007Na dcada de 1930, a democracia lhe figurava como instncia degestao de regimes temerrios; totalitrios ou comunistas. A ao deforaedecentralizaodoEstadoseriaempregadaemnomedapreservao da democracia, que como vinha sendo praticada em diversospases,apresentava-secomoelementodesencadeadorderegimesnefastos. Para Campos, "a crise do liberalismo no seio da democracia que suscitou os regimes totalitrios, e no estes aquela crise"19. Assim,em1935Camposretomaanoodequeoempregodaforacentralizadoradar-se-iaemdefesaedapreservaodaprpriademocracia, to afeita aos arroubos totalitrios.O discurso irradiado na noite de 10 de novembro de 1937 - escritopor Francisco Campos e lido por Vargas - representa um arrazoado doiderio campista mobilizado para justificar a guinada autoritria que seempreendia. O texto deixava claro que "o sufrgio universal passa (...) a serinstrumento dos mais audazes e mscara que mal dissimula o conluiodos apetites pessoais e de corrilhos".20 Alm disso, o tema da democraciacomo um sistema poltico frgil, vulnervel aos arroubos e instabilidadesdoparlamento,retornariacomjustificativaparaacentralizaopretendida. Justificava-se o fechamento do parlamento apelando-se aosperigos inerentes ao jogo democrtico: "as novas formaes partidriassurgidasemtodoomundo,porsuaprprianaturezarefratriasaosprocessos democrticos, oferecem perigo imediato para as instituies,exigindo,demaneiraurgenteeproporcionalvirulnciadosantagonismos,oreforodopodercentral".21Tratava-se,portantodeummovimentoquepermitisse"reajustaroorganismopolticosnecessidadeseconmicas do pas e garantir as medidas apontadas, [em que] no seofereciaoutraalternativaalmdaquefoitomada,instaurando-seumregime forte, de paz, de justia e de trabalho. (...) A Constituio hojepromulgada criou uma nova estrutura legal, sem alterar o que se considerasubstancial nos sistemas de opinio: manteve a forma democrtica, o processorepresentativo e a autonomia dos Estados, dentro das linhas tradicionaisda federao orgnica".22 Por fim, procurava-se evidenciar a inadequao19 CAMPOS, F. "A poltica e o nosso tempo"(1935) in O Estado Nacional. op.cit., p. 35.20 "Proclamao ao povo brasileiro", lida no Palcio Guanabara e irradiada para todo opas,nanoitede10denovembrode1937.InVARGAS,Getulio.ANovaPolticadoBrasil, volume V. Rio de Janeiro, Jos Olympio, 1941, p. 21.21 "Proclamao ao povo brasileiro", lida no Palcio Guanabara e irradiada para todo opas,nanoitede10denovembrode1937.InVARGAS,Getulio.ANovaPolticadoBrasil, volume V. Rio de Janeiro, Jos Olympio, 1941, p. 22 e 23.22 "Proclamao ao povo brasileiro", lida no Palcio Guanabara e irradiada para todo opas,nanoitede10denovembrode1937.InVARGAS,Getulio.ANovaPolticadoBrasil, volume V. Rio de Janeiro, Jos Olympio, 1941, p. 28.Francisco Campos: umidelogo para o EstadoNovo39Locus:revistadehistria,Juiz de Fora,v. 13, n. 2,p.31-48,2007da carta constitucional de 1934, a qual, segundo Campos, por ser "vazadanosmoldesclssicosdoliberalismoedosistemarepresentativo",evidenciava"falhaslamentveis,sobesseeoutrosaspectos.AConstituioestava,evidentemente,antedatadaemrelaoaoespritodotempo".23Tomada em seu conjunto, portanto, a obra de Francisco Camposarticulatrsvetoresqueorientarosuaatuaopoltica;primeiro,aidiadequeoparlamentoseconfiguraumobstculo,campodediscusses estreis, reflexo da irracionalidade humana; donde decorreo segundo trusmo, a defesa da noo de que a governana cabe aostecnicamente mais capazes, num processo que visa a despolitizao dapoltica; e por ltimo, o destacado papel da liderana em lidar com osirrefreveisinstintosirracionaisdasmassas,consubstanciandoseusdesejos e anseios, corporificando a nao. Nessa tarefa, os modernosmeios de comunicao ocupariam lugar de centralidade.Mito e lideranaOideriocampistaguardarialugardedestaqueao"mito"mobilizador das massas - papel desempenhado pelo Chefe de Estado -e aos meios de comunicao no s na mobilizao dessas massas, masna importante tarefa de controlar e arrefecer seus mpetos irracionais,prpriosdasgrandescoletividades24.Aidiadequeomandatriodanao gozava de legitimidade no apenas como o chefe do povo, mascomo seu representante legtimo, produto de suas aspiraes, impregnavadiscursosetextosoficiais,constandoatmesmodepublicaesdestinadasaopblicoinfantil.NacartilhaintituladaCatecismocvicodoBrasilNovo,opapeldeVargaserajustificadopeloapeloaochamado"princpio da autoridade", segundo o qual,emumregi medemocrt i cocomooquefoiestabelecido no Brasil pela Constituio de novembro, o expoente do povo, o seu representante direto (...)23 "Proclamao ao povo brasileiro", lida no Palcio Guanabara e irradiada para todo opas, na noite de 10 de novembro de 1937. In VARGAS, Getulio. A Nova Poltica do Brasil,volume V. Rio de Janeiro, Jos Olympio, 1941, p. 23.24 Reforava, dessa forma, aquilo que Raoul Girardet qualificou como o "processo deidentificao de um destino individual e de um destino coletivo, de um povo inteiro edo intrprete proftico de sua histria, que com toda evidncia encontra sua realizaoexemplarnacortebastantealucinantedessesgrandeschefesditatoriaisdequenossosculo viu multiplicar-se as imagens". GIRARDET, Raoul. Mitos e mitologias polticas. SoPaulo, Companhia das Letras, 1987,p.79Marco AntnioCabral dos Santos40Locus:revistadehistria,Juiz de Fora,v. 13, n. 2,p.31-48,2007Obedecendo, portanto, ao Chefe que o representa, opovo, apenas, se conforma com aquilo que ele prpriodesej aeexecutadopel odeposi tri odeumaautoridade por ele conferida. 25Segundo Campos, a prtica poltica contempornea no poderiapassar ao largo da constatao de que "as massas encontram-se sob afascinao da personalidade carismtica". Para Campos, a adequao dequalquerregime"modernasociedadedemassa",dar-se-iapelasubstituio do "mito da nao" pelo mito do lder, apresentado como"corporificao do seu povo" porque " uma parte desse povo". Segundoele, "o mito na nao, que constitua o dogma central da teoria poltica(...) j se encontra abaixo da linha do horizonte enquanto assistimos ascenso do mito solar da personalidade, em cuja mscara de Gorgonaas massas procuram ler os decretos do destino".26 Da a explorao exaustodaimagemdeVargas,expostanoapenasnasrepartiespblicas, mas nas paredes dos botequins e em casas de famlia. Em 1942,ornariaatmesmoascdulasemoedasdeCruzeiro,marcandoindelevelmente seu lugar no panteo de personalidades fundadoras danacionalidade. Nesse sentido, as poderosas aes de difuso da imagemde Vargas encontraram nos textos de Francisco Campos frtil campode teorizao e reflexo.Em 10 de novembro de 1939, o segundo aniversrio do EstadoNovo assume francos contornos de festa cvica. Pela noite, aps longodia comemorativo, com inauguraes e discursos, no conforto do palcio,VargaspdeouviraspalavrasdeFranciscoCampos,queparaseuregozijo, se iniciaram evocando os dizeres do lder do regime:Encontramos na Constituio de dez de novembro osentidorenovadordarevoluo, naqualtodosdevemos colaborar, porque a no h vencedores nemvenci dos. Nest aspal avras, hpoucosdi aspronunci adaspel oPresi dent edaRepbl i ca,encontram-se definido o clima do novo regime27.25Catecismo cvico do Brasil Novo Apud CAPELATO, Maria Helena. "O Estado Novo: oquetrouxedenovo?"inDELGADO,LucliaNeveseFERREIRA,Jorge.OBrasilRepublicano volume 2: o tempo do nacional-estatismo. Rio de Janeiro, Civilizao Brasileira,2003, p. 124.26 CAMPOS, O Estado Nacional, op.cit., p. 15 e 1627 Segundo aniversrio do Estado Novo. Discurso proferido no Palcio Monroe, em 10denovembrode1939.CAMPOS,Francisco.OEstadoNacional:suaestrutura,seucontedo ideolgico. 3.ed., Rio de Janeiro, liv. Jos Olympio, 1941, p. 227.Francisco Campos: umidelogo para o EstadoNovo41Locus:revistadehistria,Juiz de Fora,v. 13, n. 2,p.31-48,2007O auto-elogio contido na citao fala de Vargas esconde maisqueasimplesconvicodequeacartaconstitucionalpelaqualeraresponsvel colocou o pas no bom caminho. Acerca do papel de Vargas,emmeioquelaexperinciaqueCamposatribuacomoobradacoletividade, mais uma vez seu discurso ressalta a figura do lder e seuimportantepapelnamodernasociedadedemassas,ondeapolticaparlamentar inoperante e obsoleta:Construdaparaatempestade,anautemqueserforte, o seu comando h de ser concentrado nas mosde um homem de tmpera serena, firme, resoluta, e,principalmente,habituadosintimidadescomodestino,atripulaocorajosaeamantedoperigo,unidaporumnicopensamentoedisciplinadaporuma s vontade.28Da por diante, o discurso persegue a trilha do reforo da imagemde Vargas como a liderana natural e necessria aos destinos da nao:Humarelaomisteriosaentreascoletividadeshumanaseapersonalidadeque,emcadapoca,odestino lhes reserva como chefe. As instituies so,em parte, o homem que as modelou e que as animadoseuespritoedasuavontade.Pode-sedizer,portanto, que o Estado Novo o Sr. Getlio Vargas,equesemele,semoseutemperamentoeassuasvirtudes, o Estado Novo teria outro sentido e outraexpresso. O que a posteridade reconhecer como umdos traos definidores da sua fisionomia singular dehomempblicoafelizalianadequalidadesqueandam ordinariamenteseparadas:retido,fortaleza,serenidade, compreenso, humanidade.29Para Francisco Campos, o domnio dos meios de comunicao ea ativa atuao do Estado em reter e modelar os desejos da coletividadepor intermdio da formao de uma "opinio pblica" era uma das maismarcantes caractersticas da poltica moderna, fato que no deveria serignorado na conduo do novo quadro poltico brasileiro.possvelhoje,comefeito,eoqueacontece,transformaratranqilaopiniopblicadosculopassadoemumestadodedelriooudealucinao28 idem, p. 229.29 idem, p.230-231.Marco AntnioCabral dos Santos42Locus:revistadehistria,Juiz de Fora,v. 13, n. 2,p.31-48,2007coletiva, mediante os instrumentos de propagao, deintensificaoedecontgiodeemoes,tornadospossveis precisamente graas ao progresso que nosdeu a imprensa de grande tiragem, a radiodifuso, ocinema,osrecentesprocessosdecomunicaoqueconferemaohomemumdomaproximadoaodaubiqidade.30AdeificaodeVargascomolderpoltico,dotando-odecaractersticasextra-humanas,ancorou-seamplamentenosmeiosdecomunicao. No por acaso a mquina de propaganda varguista passoupor importante fortalecimento a partir do golpe de 10 de novembro. Acriao do DIP (Departamento de Propaganda e Imprensa) em 1939,comodesdobramentoeevoluodeoutrosrgosdedicadoscomunicao, foi o ponto culminante desse processo, pelo grande relevoque a instituio assumiria nos quadros do Estado Novo dali por diante.Na medida em que o domnio dos meios de comunicao era componentede destaque na retrica poltica de Francisco Campos, no seria insensatosupor que sua influncia fora decisiva tambm nesta matria, uma vezque o surgimento do DIP deu-se num momento em que seu campo deinfluncia dentro do governo Vargas chegava ao limite mximo.Na obra de Campos, o apelo aos meios de comunicao comoinstrumento delineador das vontades e da opinio relaciona-se ao fatode que as coletividades humanas ostentam elementos de irracionalidade,aos quais s se pode alcanar pela via da emotividade. Em A Poltica e asCaractersticas Espirituais do Nosso Tempo esta associao fica clara:Soapelosforasirracionaisousforaselementaresdasolidariedadehumanatornarpossvelaintegraototaldasmassashumanas em regime de Estado. O Estado no mais do que a projeosimblica da unidade da Nao e essa unidade compe-se, atravs dostempos,nodeelementosracionaisovoluntrios,masdeumaacumulao de resduos de natureza inteiramente irracional.A poltica surge, portanto, como um campo em que a racionalidadenotemlugar,comprometendo,porconseguinte,ainteligibilidade.Apoltica torna-se o campo das sensaes, das emoes e do inexato. ParaCampos, tratava-se de despojar a poltica de suas caractersticas racionais,tornando-a teolgica: "a integrao poltica pelas foras irracionais umaintegraototal,porqueoabsolutoumacategoriaarcaicadoespritohumano. A poltica transforma-se dessa maneira em teologia". AssertivascomoestavoinformaratesedeAlcirLenharosobreaquiloquedenominou de "sacralizao da poltica". Segundo ele, Francisco Campos,30 CAMPOS, O Estado Nacional, op.cit., p. 25.Francisco Campos: umidelogo para o EstadoNovo43Locus:revistadehistria,Juiz de Fora,v. 13, n. 2,p.31-48,2007"ao invs de tomar a ordem funcionando naturalmente, ou reiter-la comoretrica de poder, Campos funda-a e a repe incessantemente no cotidiano,atravs dos valores discriminados, fundamentos da ordem desejada". Estanova ordem surge imantada de valores de perenidade, aparentando fortee definitiva, quanto mais que figura amparada e subsidiada numa outraordem: "a ordem sobrenatural".31Retrica campista no discurso varguistaAlm de dotar o Estado Novo de um corpo legal capaz de justificareefetivararadicalcentralizaopolticapretendidaporVargas-idealcorporificadonanovacartaconstitucional-aretricacampistaestevefortemente empenhada em justificar a guinada autoritria que teve lugar apartir de 1937. Uma rpida aproximao com os discursos de Vargas noperodoimediatamenteposterioraogolpedeestado,nospermitevislumbraraextensodainflunciadeFranciscoCamposedeseuvocabulrio poltico na busca de imagens legitimadoras das novas feiesque o regime assumia. Em discurso aos militares do primeiro batalho decaadores de Petrpolis, em dezembro de 1938, Vargas demonstrava como"a nova Constituio, colocando a realidade acima dos formalismos jurdicos,guarda fidelidade s nossas tradies e mantm a coeso nacional, com apaz necessria ao desenvolvimento orgnico de todas as energias do pas".32No reveillon de 1937 para 1938, Vargas se valeria mais uma vezdas ondas do rdio para difundir um discurso onde explicava a urgnciaque imps o novo regime salvador necessidades do pas. Justificandoo fim dos partidos polticos, o texto procura demonstrar a inadequaodoparlamentonaprticapolticacontempornea,expressomaisacabadadopensamentodeCampos:"oEstado,segundoaordemnova, a Nao, e deve prescindir, por isso, dos intermedirios polticos,paramantercontatocomopovoeconsultarassuasaspiraesenecessidades".33Em visita ao Rio Grande do Sul, em janeiro de 1938, diante de"grande manifestao popular", o tema novamente veio a baila:31 LENHARO, Alcir. Op.cit., p. 203-204.32 "A ao conjunta do poder pblico e das foras armadas na defesa da ordem", discursopronunciadonasededoPrimeiroBatalhodeCaadores,emPetrpolis,a18dedezembrode1937inVARGAS,Getulio.ANovaPolticadoBrasil,volumeV.RiodeJaneiro, Jos Olympio, 1941, p114.33 "No limiar do ano de 1938", saudao aos brasileiros, pronunciada no Palcio Guanabaraeirradiadaparatodoopas,meianoitede31dedezembrode1937.InVARGAS,Getulio. A Nova Poltica do Brasil, volume V. Rio de Janeiro, Jos Olympio, 1941, p. 123.Marco AntnioCabral dos Santos44Locus:revistadehistria,Juiz de Fora,v. 13, n. 2,p.31-48,2007Hoje, o governo no tem mais intermedirios entre ele e opovo.Nomaismandatriosepartidos.Nohmaisrepresentantes de grupos e no h mais representantesde interesses partidrios. H sim o povo no seu conjuntoeogovernantedirigindo-sediretamenteaele,afimdeque, auscultando os interesses coletivos, possa ampar-loserealiz-los,demodoqueopovo,sentindo-seamparado nas suas aspiraes e nas suas convenincias,no tenha necessidade de recorrer a intermedirios parachegar ao Chefe do Estado.34Em visita a Petrpolis em fevereiro de 1938, numa coletiva deimprensa, o esforo era fazer ver que o regime em nada se assemelhavaaostotalitarismos,umavezqueoespritoquelheguiavaeraodademocracia, no aquela marcada por prticas obtusas e obsoletas, mas anova democracia, onde o lder da nao, no dizer de Francisco Campos,fazia frente aos "obsoletos" ritos impostos pela poltica parlamentar:Oregimeinstitudoa10denovembrodemocrtico,mantendo os elementos essenciais ao sistema: permanecemaformarepublicanapresidencialistaeocarterrepresentativo. O reforo de autoridade do Chefe da Nao tendncia normal das organizaes polticas modernas.35Digna de nota a percepo de que a influncia de FranciscoCampos na retrica poltica de Getlio Vargas extrapola o campo dosdiscursos oficiais - muitos dos quais elaborados pelo prprio Campos-masinvadeeimpregnaodiscursodeVargasmesmonaquelesmomentos de expresso mais espontnea. Nos discursos improvisados,aretricaeovocabulriopolticodeCamposemergemcomforasignificativa. Em julho de 1938, em visita a So Paulo, Vargas dirigiu-se ao povo aglomerado na Avenida So Joo nos seguintes termos: "oEstadoNovonoreconhecedireitosdeindivduoscontraacoletividade. Os indivduos no tm direitos, tm deveres! Os direitospertencem coletividade".3634 "A solidariedade dos rio-grandenses e a libertao do Rio Grande", discurso pronunciadonoPalciodogovernodoRioGrande,emPortoAlegre,respondendoeagradecendoamanifestao popular de 07 de janeiro de 1938. In VARGAS, Getulio. A Nova Poltica do Brasil,volume V. Rio de Janeiro, Jos Olympio, 1941, p. 134. Grifos nossos.35 "Problemas e realizaes do Estado Novo" entrevistas imprensa do pas, dadas emPetrpolis, a 19 de fevereiro e, em So Loureno, a 22 de abril de 1938. In: VARGAS,Getulio. A Nova Poltica do Brasil, volume V. Rio de Janeiro, Jos Olympio, 1941, p. 187.Grifos nossos.36 "Os trabalhadores de So Paulo e o Governo" improviso, em agradecimento pela grandemanifestao trabalhista da tarde de 23 de julho de 1938, na Avenida So Joo. In: VARGAS,Getulio. A Nova Poltica do Brasil, volume V. Rio de Janeiro: Jos Olympio, 1941, p 311.Francisco Campos: umidelogo para o EstadoNovo45Locus:revistadehistria,Juiz de Fora,v. 13, n. 2,p.31-48,2007Naquelamesmaviagem,falandodeimprovisonoPalciodeCampos Elseos em So Paulo, Vargas ressaltaria que com o novo regime,"desapareceram os prestidigitadores da opinio pblica, os manipuladoresde uma democracia de fico".37 Dessa forma, fazia eco ao vocabulriopoltico de Francisco Campos, que num discurso no Congresso de DireitoJudicirio, em julho de 1936, fazia ver aos seus colegas juristas a urgentenecessidadedasreformasjurdicas,observandoqueos"jogosincompreensveis" que caracterizavam a obsolescncia da justia faziam-naassemelhar-sea"ummundodemistrios,deprestidigitaesedemgicas". Naquele mesmo ano de 1938, no aniversrio do Estado Novo,Camposafirmariaque"odezdenovembropstermoaojogo,aospasses e s encantaes, e confiscou os instrumentos de prestidigitao com queos especuladores do regime operavam sobre a boa f do povo".Em julho de 1938, no "banquete no edifcio da feira permanentede amostras" em Belo Horizonte, Vargas retomaria o tema da democraciacomo doutrina "ultrapassada", numa tentativa de fazer frente s crticasqueonovoregimesuscitava,asquais,paraelerepresentavam"umfenmeno de incompreenso". Dessa forma, localizava seus crticos no"limite de um mundo novo, entre a realidade, que surge e o passado, quedesaparece. No puderam compreender a transio. Ficam nesse limite,perplexos e vacilantes, apegados s estratificaes fsseis de uma sriede princpios e doutrinas que j desapareceram".38Num discurso proferido no Minas Tennis Club em maio de 1940,Vargasexaltavaaadequaodoregime,peladesobstacularizaoquepromoveunavidapolticadopasaofecharoCongressoNacional.Segundo ele, vivemos "sob um regime que deixa aos homens de Estadoas mos livres para a prtica do bem".39 Em entrevista ao Lokal Anzeiger,de Berlim, em 20 de dezembro de 1938, Vargas reafirmava esta noo,explicando que o novo regime correspondia aos anseios para "adaptaodosistemapolticosrealidadesprpriasdoBrasil".40Apoltica37"Palavrasdeafetoereconhecimento"improviso,pelomicrofonedeumaemissorapaulista, no salo nobre do Palcio dos Campos Elseos, s 23:30 horas de 25 de julho de1938.In:VARGAS,Getulio.ANovaPolticadoBrasil,volumeV.RiodeJaneiro,JosOlympio, 1941, p 326.38 "Minas Gerais - milagre de f" improviso, em banquete no edifcio da feira permanentedeamostras,a17dejulhode1938.In:VARGAS,Getulio.ANovaPolticadoBrasil,volume V. Rio de Janeiro: Jos Olympio, 1941, p. 269, grifos nossos.39DiscursopronunciadonoMinasTennisClub,agradecendoobanqueteoferecidopelogovernadordoestado,a13demaiode1940.VARGAS,G.ANovaPolticadoBrasil, volume 7, Rio de Janeiro: Jos Olympio, 1940, p. 318.40 entrevista ao Lokal Anzeiger, publicada em Berlim, a 20 de dezembro de 1938 e, noRio,a21domesmoms.InVARGAS,G.ANovaPolticadoBrasil,volume6,RiodeJaneiro: Jos Olympio, 1940, p.153.Marco AntnioCabral dos Santos46Locus:revistadehistria,Juiz de Fora,v. 13, n. 2,p.31-48,2007parlamentar, vista como atrasada, lenta e retrgrada, era representadacomo a causa principal da ineficcia do estado brasileiro. Em entrevistaao CorriereDellaSera,Vargasbrindavaanovarealidadepoltica,maisadequada, visto que livre das imperfeies parlamentares. Segundo ele,"o governo era obrigado, continuamente, a lutar contra um Parlamentoque, embora lhe concedesse, a intervalos, os meios de enfrentar situaesdifceis,nodeixavadeserofomentadordadispersodeenergiaspatriticas. A democracia existia em teoria mas no em ato".41Ainadequaodosregimesdemocrticosaosditamesdos"temposmodernos"apontadanaobradeFranciscoCamposigualmentefiguranasfalasdeVargas,numarenitenteoperaodejustificativa do novo regime de poder vigente no pas desde 1937. Ovelho lema campista de que "o futuro da democracia depender dofuturo da autoridade" ressurgiria nas falas de Vargas como recursodepersuaso.EmentrevistaaojornalElMercuriodeSantiagodoChile,Vargasdemonstravacomo"ademocracia,parasobreviver,necessita de se adaptar aos novos tempos, na procura de um equilbriodinmicoentreasconcepespolticasqueanegamouqueremsubvert-la". Vargas afirma ainda que ao grande poltico cabe colocar"em prtica mtodos originais ou solues fora de srie"42.Isso posto, poderamos propor refletir sobre a possibilidade depensar o Estado Novo como obra campista, ao menos em seus aspectosdeconformaoterica.OfatoqueopensamentoautoritriodeFrancisco Campos no foi fruto das circunstncias do cenrio polticoqueantecederamogolpede1937.Muitoaocontrrio,desdeseusprimeirostextosdatadosaindadadcadade1910,passandoporsuaatuao como deputado estadual e federal, e mais tarde como ministroda Educao e da Justia.Observa-se em sua prtica discursiva elementos que nortearamsuatrajetriapolticaeintelectual,osquaismostraram-seinequivocamente adequados aos intentos golpistas em meados da dcadade 1930. As justificativas elaboradas por Campos para o golpe de 1937no so decorrncias apenas daquele momento poltico, mas configuram-se a expresso de um pensamento poltico autoritrio que finalmenteencontrara ocasio de fazer-se efetivo,41 entrevista ao Corriere Della Sera. Publicada, em Milo, a 23 de dezembro de 1938 e, noRio, a 24 do mesmo ms. VARGAS, G. A Nova Poltica do Brasil, volume 6, Rio de Janeiro:Jos Olympio, 1940, p.16442entrevistaaElMercurio,deSantiago,Chile.Publicadaa11dejunhode1939e,noBrasil,a13domesmoms.VARGAS,G.ANovaPolticadoBrasil,volume6,RiodeJaneiro: Jos Olympio, 1940, p. 235-236.Francisco Campos: umidelogo para o EstadoNovo47Locus:revistadehistria,Juiz de Fora,v. 13, n. 2,p.31-48,2007Trata-seaqui,portanto,deinverterostermosdessaequaocristalizadapelahistoriografia.FranciscoCamposnofigurousimplesmente como um idelogo circunstancial para o Estado Novo.Muito ao contrrio, a forma tomada pelo regime em larga medida refletiuseu pensamento poltico e suas convices ideolgicas. Se, como bemobservaMariaHelenaCapelato43,afiguradeVargassobreviveuaoEstadoNovo,devemosacrescentarqueomesmonoocorrecomFranciscoCampos,quesucumbepoliticamentejuntamentecomsuaobra,oquenosdmargemparaespecularatquepontooEstadoNovo no teria sido, em parte, uma obra campista.43 CAPELATO, op.cit., p. 107-143.Marco AntnioCabral dos Santos48Locus:revistadehistria,Juiz de Fora,v. 13, n. 2,p.31-48,2007