FRANCISCO AVILLEZ, COORDENADOR Somos bipolares com a agricultura … · 2013. 10. 30. · FRANCISCO...
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FRANCISCO AVILLEZ, COORDENADOR DO GRUPODE PERITOS PARA A REFORMA DA PAC
"Somos bipolarescom a agricultura eem risco de euforia"
A actual visão eufórica, como anterior visão depressiva, comque Portugal olha para a sua agricultura é negativa para quemquer tirar rendimento da terra, alerta Francisco AvillezISABEL AVEIRO
Énovaloracrescentadodaproduçãoagrícola nacional, não no défice ali-mentar ou no aumento das exporta-ções, que deve estar centrado o deba-te sobre o futuro do sector, defendeFrancisco AvOlez, coordenador do
grupo de peritos para a reforma daPolítica Agrícola Comum (PAC) pós--2013 .0 Governo apresenta hoje aslinhas mestras do Programa de Des-envolvimento Rural do Continente
para 2014-2020.
Há dias, numa conferência, defendeu
que somos bipolares na Agricultura e
que estamos numa fase eufórica. Por-
quê eufórica, porque não corresponde à
realidade?
Nós, os portugueses, somos umbocadinho bipolares, em tudo, masem relação à agricultura há muitoesse comportamento. Na altura emque as coisas não estão a correr tãobem, entra-se numa depressão to-tal. Quando as coisas começam a tersinais mais positivos de repente cor-re-se o risco de se ficar numa com-pleta euforia. Quando se começa aentrar numa fase, que é um bocadi-nho a fase actual, em que a agricul-tura está melhor que os outros sec-tores, temos um bocadinho tendên-cia para exagerar no sentido contrá-rio. E tenho vindo a alertar para es-sas exageradas expectativas que secriou em torno do sector, porque
tanto um como outro são muito ne-gativos para os agricultores - tão de-pressa os enterram e dão-lhes caboda auto-estima, como criam expec-tativas que não são reais.
Estaríamos melhor ou pior sem os fun-
dos comunitários?
Não tenho dúvidas que estaría-mos pior. Porque dificilmente tería-mos conseguido apoiar um conjun-to de transformações que a nossaagricultura necessitava Agora, se fo-ram as transformações, todas elas, asmais adequadas... eu, neste momen-to, estou convencido que, no que diz
respeito ao crescimento do valoracrescentado agrícola [VAB], podía-mos ter feito melhor do que fizemos.
Alertou recentemente que o contributo
do VAB da agricultura para o PIB teve
evolução negativa desde os anos 90.O contributo em si não é muito es-
tranho ter vindo a diminuir, porquefelizmente o resto da economia cres-ceu. Aquestão não é tanto o peso quetem, é mais que ao olhar para a evo-
lução do valor acrescentado do sec-tor agrícola - enquanto ele, sobretu-do numa primeira fase, foi muito po-sitivo, a preços correntes - foi sem-pre decrescente em preços constan-tes. Ou seja, em valor melhorámos anossa situação, sobretudo até mea-dos dos anos 90, depois começou adecrescer. Mas chegámos ao fim, ain-
da assim, com um resultado mais po-sitivo do que tínhamos à partida. Apreços constantes, em volume, vi-mos o nosso valor acrescentado pra-ticamente sempre a decrescer, comtendência sempre, sempre negativa
E a que é que se deve isso?
Essa é a questão. Em termos decontas é fácil dizermos que isto re-sultou de ter diminuído muito a nos-sa superfície agrícola cultivada Poroutro lado, nas áreas que intensificá-
mos, intensificámo-las fazendo cres-cer mais os "inputs" (fertilizantes, fi -
tofármacos, sementes -que são fun-damentais, têm é de ser utilizadoscom conta, peso e medida) que utili-zamos face ao valor da produção ob-tida Houve, uma extensificação exa-gerada e, por outro lado, uma inten-
sificação que teve uma base poucoeficiente do ponto de vista do uso dosfactores. Enquanto não conseguir-mos melhorar o fundo de fertilidadedos solos, não conseguirmos aumen-tar a sua capacidade de retenção deágua, não conseguirmos melhorar asua estrutura, não podemos depoister resultados.
E isso faz-se como?
Tem que ver com o modelo tec-nológico. Até agora temos estado
sempre a dizer que o nosso proble-ma é de preço, de mercados ou de es-truturas. Também é, obviamente.
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Mas é muito um problema tecnoló-
gico. No caso da agricultura há ummodelo tecnológico que parece estarerrado: as quantidades de "inputs"que são necessárias para produziruma unidade de produto final sãocada vez maiores. O valor acrescen-tado que se gera por cada unidade fi-nal tem sido cada vez menor. Comoé que agente consegue produzir maisutilizando menos "inputs'? Como é
que se consegue aumentar o valoracrescentado? Não tem umarespos-ta imediata Há que esperar, seis, oitoou 10 anos para a resposta E, hoje emdia, quer os empresários, quer os po-líticos têm sempre um raciocínio demuito curto prazo. A resposta é maisfácil, em certa medida, abandonan-do, porque essas coisas demoramtempo. E também porque demosuma resposta que contrariou isto,que foi apoiar a pecuária extensiva
E isso foi errado?
Em parte percebe-se, porque nofundo se ela não existisse então oabandono ainda era muito maior.Mas o facto de nós termos prémiosàs vacas aleitantes, aos ovinos e ca-prinos, levou a que as pessoas resol-vessem esta questão optando poristo. Acabámos por cair numa situa-
ção completamente irracional -transformámos na principal receita
aquilo que devia ser a principal des-
pesa Porque a principal despesa é avaca as receitas são os vitelos e os no-vilhos. Como subsidiámos a vacaaquilo que interessa ao produtor é ter
o maior número de vacas possível.Houve uma redução grande da pro-dução, o que é um absurdo, quandoagente devia transpor isto numa aju-da à produção. Mas não foi uma aju-da à produção.
Operíodode 2007-2013 criou, também
por causa da alta das matérias-primas,um foco grande na agicultura como re-dutoractodéficealimentardo pais. Des-
se ponto de vista, estamos melhor?
Primeira coisa: a nossa dita de-pendência alimentar não é muitodaquilo que a comunicação social ealguns comentadores dizem nas te-levisões, que temos uma dependên-cia a 70% - é exactamente o contrá-rio. Temos um grau de auto-sufi-ciência alimentar no conjunto daagricultura, da floresta e das agro-in-dústrias de 80% e tal. E no caso dosector agro-alimentar quase 80%. Etem vindo a melhorar. Essas coisasnão melhoram de um dia para o ou-tro. São uma evolução. Há sectoresonde temos de pensar que nunca va-mos conseguir ter melhorias deauto-suficiência
Os cereais, por exemplo?Os cereais, porque não temos con-
diçõesparaisso. Teríamos condiçõespara isso se tivéssemos completa-mente protegidos - que é muitas ve-zes o que as pessoas argumentamporestarmos na Europa Nós deixámosde poder ter os preços necessáriospara rentabilizar a produção de ce-reais. Mas nessa altura não estáva-mos na Europa nem estávamos em
lugar nenhum. O objectivo de garan-tiraauto-suficiênciaalimentar no fi-nal deste próximo período é um ob-jectivo que nãodiz nada Agente temde ter por objectivo fazer crescer ovalor acrescentado nacional de umaforma sustentável.
Temos um graude auto-suficiênciaalimentar noconjunto daagricultura,da floresta e dasagro- indústriasde 80%.A perspectivaempresarialaumentouextraordinaria-mente [no sector].As pessoas hojeem dia conhecemos mercados,as cotações, jogamno mercadode futuros.
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"Temos apostado muito no 'hardware',temos agora de apostar no 'software'"Houve desperdício no investimento em capacidade instalada a mais em certossectores. E o apoio ao rendimento pode "acomodar"
0 período de 2007-2013 foi perdido? 0único ministro da Agricultura que criti-
cou publicamente foi Jaime Silva.
Mas por motivos diferentes. Nãoteve tanto que ver [com o ProDer]. Aapreciação que se faz do ProDer mui-tas vezes é um bocado viciada pelasrelações muito difíceis que se cria-ram entre o ministro e as organiza-ções de produtores, com muita cul-
pa por parte do ministro. Eu até o co-nhecia bem, o que eu achei é que ele
teve uma atitude errada relativa-mente à maneira como abordou osector, as organizações, a reformula-ção do ministério, etc.
Mas o que aconteceu com o ProDer.
E que atrasou-se muito. O Pro-
Der, com pretensões que eram lou-
váveis, de ter uma visão muito mais
integrada das componentes econó-
mica, social e ambiental, tornou-se
complicado na sua avaliação, porque
obrigou a muitos critérios. Houveuma série de coisas que depois, como António Serrano, foram alteradas- porque também alterou muito a li-gação com os agricultores, com umtipo de atitude completamente dife-
rente, e porque procurou simplificarao máximo muitas coisas. Não sepode dizer que há coisas perdidas,neste período fizemos um investi-mento muito significativo em ade-
gas, lagares de azeite, na instalaçãode estufas, em olivais, etc, que são coi-sas que ficam. Hoje, o desempenhodas fileiras olivícola e horto-frutíco-la é notável. Isso tem que ver com os
próprios empresários e iniciativas
empresariais, mas houve muitos
apoios muito significativos sem osquais se calhar essas decisões não ti-nham sido tomadas, ou não com a di-mensão que foram. Se calhar, depois,também houve alguns exageros nes-sa área- criámos mais capacidade ins-
talada de adegas e lagares, etc, etc,que se calhar era escusado. Nunca se
pode evitar que um investidor deci-da que quer fazer uma adega na sua
exploração, se calhar pode-se é evi-tar apoiar, no sentido de dinheirospúblicos, aquelas que já têm capaci-dade instalada a mais.
Houve desperdícios?É capaz de ter havido algum. Mas
se olharmos à nossa volta foi isso quese fez em todos os sectores. Fazemosauto-estradas e rotundas a mais,gimnodesportivos em todo o lado, e
piscinas muito simpáticas - se ca-lhar, olhando agora para trás, tínha-mos outras formas de utilizar aque-le dinheiro.
Muito mais radonais?
E muito mais produtivas. Isso foifeito também um bocadinho na agri-cultura. E com o mesmo tipo de ví-
cios: continuarmos a apoiar muitas
vezes investimentos que não eram
propriamente inovadores, nem deaumento de eficiência. Eram de
substituição aos que já existiam, oque é um subsídio. E as agro-ambien-tais acabaram muitas vezes por terformulações em que em última aná-lise o efeito que tinham era melho-
rar o rendimento dessacultura, e nãotanto aquestão ambiental. O proble-ma é que isso leva a que aspessoasseacomodem naquilo que estão a fazer.
Ou que não mudem ou não procu-rem constantemente conseguir fa-zer as mesmas coisas com cada vezmaior eficiência
Há menos lógica de rentabilidade do ne-
gócio na agricultura por haver esse gé-
nero de apoios?Há É mais fácil as pessoas acomo-
darem-se. Se bem que aperspectivado ponto de vista empresarial au-
mentou extraordinariamente. As
pessoas hoje em dia conhecem osmercados, as cotações, jogam nomercado de futuros. Têm um tipo deatitude completamente diferente.Quando falo contra a euforia não énada porque tenha uma visão nega-tiva do que aconteceu ou do que ve-nha a acontecer. Acho é que temos
apostado muito no "hardware", noapoio ao rendimento. Temos agoraé de apostar claramente no "softwa-re" e a levar a que tudo aquilo que se-
jam ganhos de rendimento seja so-bretudo porque há ganhos de eficiên-cia e não porque é dado dinheiro. Cla-ro que o dinheiro é relativamente fá-cil quando vem de Bruxelas a 85% ouaté a 100%. Só que já percebemosque eles a certa altura pegam numarégua e dão-nos uma reguada por-que agente usa mal. E neste momen-to estamos a levar reguadas em todoo lado.
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PERFIL
O ECONOMISTA AGRÁRIO
QUE TAMBÉM É AGRICULTOR
Se o sector da agricultura fosse tão
propenso a títulos de "gurus" e
"oráculos", como a gestão empresa-rial e os mercados financeiros,Francisco Avillez já teria recebido um
cognome desse género há muito.
Professor do departamento de
Economia Agrária e Sociologia Rural
do Instituto Superior de Agronomia
(ISA), onde foi professor entre 1993 e
2008, coordenador do grupo de
peritos para a reforma da PAC pós--2013 e coordenador científico e sócio
fundador da Agro.ges - Sociedade deEstudos e Projectos, além de
consultor de várias entidades
públicas e privadas, Francisco Avillez
especializou-se no estudo da
agricultura nas últimas três décadas.
Nascido em 1945, licenciou-se em
Engenharia Agronómica, tem pós-graduação em Economia
e Desenvolvimento Rural edoutoramento em Economia Agrária.Quando fala sobre a evolução das
ajudas da PAC e da distorção que ossubsídios causaram na lógica da
rentabilidade económica, apressa-sena salvaguarda: "Não tenho nada
contra o rendimento dos agricultores- aliás, eu também sou agricultor".