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FOTOGRAFIAS DE CASAMENTO:
IMAGENS NEGOCIADAS NO SÉCULO XX
CARMEM ADRIANE RIBEIRO1
RESUMO: Este texto reflete sobre os diversos momentos que envolvem a negociação para a
produção das imagens fotográficas do estúdio Foto Klos. O estúdio está estabelecido desde
1913 em Panambi (região noroeste do Estado do Rio Grande do Sul), fundado por uma
família de imigrantes/migrantes alemães e que permanece no ramo fotográfico até os dias
atuais. A partir da análise de um conjunto de imagens que retratam casamentos do século XX,
busca-se entender como ocorriam as negociações para pose, cenário, vestimentas e acessórios,
além de analisar o fotógrafo envolvido, os equipamentos utilizados e o número de fotografias
encomendadas. Ainda, se estas constituiriam um álbum ou seriam apenas fotografias avulsas
para dar de lembrança aos presentes e ausentes na cerimônia do enlace matrimonial. Os
retoques feitos nos negativos em vidro e o suporte das imagens produzidas (tipo de papel,
gramatura e tamanho) perfazem a investigação. As imagens utilizadas para esta análise foram
reproduzidas a partir de negativos em vidro que constituem o acervo particular do estúdio
Foto Klos. Além das imagens fotográficas, foram feitas entrevistas orais gravadas em áudio e
transcritas com alguns fotógrafos do estúdio, e também foi realizada a consulta aos
documentos que constituem o acervo.
Palavras-Chave: fotografias de casamento, estúdio fotográfico, negativos.
ABSTRACT: This paper demonstrates the many moments involving the negotiation for the
production of photographic images of the photo studio Klos. The studio is established since
1913 in Panambi (northwestern of Rio Grande do Sul State), founded by a family of German
immigrants/migrants and still today acting in the photographic market. From the analysis of a
series of images that depict weddings on the twentieth century, we looking up to understand
how happened the negotiations on pose, scenery, clothing and accessories, in addition to
analyze the photographer involving, the equipment used and the number of photos
commissioned at that time. We also analyze if these constitute a photo album or were just
1 Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em História da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande
do Sul. Orientador: Prof. Dr. Charles Monteiro. Bolsa Flexível: Capes. E-mail: [email protected]
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loose photographs to give as a reminder to those present and absent at the ceremony of
matrimonial union. The retouched negatives made on glass and backing from images
produced (type, weight and paper size) make up the research. The images used for this
analysis were reproduced as from glass negatives of the own photo studio Klos archive. In
addition to photographic images, oral interviews were made with some photographers of the
studio, and further research was made in the documents constituting the collection.
Keywords: wedding photography, photographic studio, photo negatives.
Não há como ignorar as fontes visuais nas pesquisas historiográficas. Mesmo que
ainda sejam pouco exploradas pelos historiadores, os diversos vestígios imagéticos presentes
nas sociedades desde a pré-história – bidimensionais (pinturas, fotografias...) ou
tridimensionais (esculturas, relevos, estátuas...) – têm papel de destaque social, bem como os
usos públicos que se fazem destas imagens. Elas são acessíveis à maioria das populações, não
são restritas e não demandam conhecimento apurado dos códigos (escrita), mesmo que muitas
vezes não sejam compreendidas plenamente.
Com o advento da escrita, as imagens não deixaram de ser utilizadas, pois a forma de
expressão escrita não substituiu a forma de expressão visual; ambas convivem socialmente e
historicamente. Enquanto alguns grupos se estabelecem através da escrita, outros se firmam
pela oralidade e visualidade. Porém, as imagens alcançam uma diversidade social e exibem
uma pluralidade humana ampla, permitindo analisar, desde o cotidiano de classes de
trabalhadores, até a vida das elites – através dos álbuns de famílias.
Paulo Knauss argumenta que as imagens têm um potencial de comunicação
universal, pois ultrapassam fronteiras sociais através da visão, permitindo a identificação e o
reconhecimento social que nem sempre ocorrem através da escrita. Pelo alcance
comunicativo, a imagem foi e continua sendo utilizada pelo Estado de diversos tempos e
espaços para manter e legitimar seu poder, exemplo, “as imagens dos reis na história europeia
moderna sempre foram recursos importantes para afirmação política da monarquia pelo seu
grande alcance e poder de comunicação, ainda que o Estado dessa época tenha sido
controlado pela hegemonia da escrita” (KNAUSS, 2006:99). Assim, as imagens são utilizadas
pelo Estado para legitimar determinadas ações ou pela sociedade para questioná-las. Porém, é
preciso entender que a sociedade se organiza a partir do confronto de discursos e leituras de
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textos (escritos, orais ou visuais) e que os significados destes “não são tomados como dados,
mas como construção cultural” (KNAUSS, 2006:100).
E, apesar de a tradição histórica ter privilegiado as pesquisas com fontes escritas e os
documentos terem sido validados como fontes incontestáveis e provas factuais, afirmando a
objetividade do conhecimento como dado e desprezando as demais fontes, elas – as imagens –
foram utilizadas pela historiografia “nos campos em que as fontes escritas não se
evidenciavam suficientes” (KNAUSS, 2006:102). Mas suas interpretações se mostraram
estáticas e não valorizaram a diversidade de experiências sociais e a multiplicidade do
processo histórico. De tal modo, críticas foram feitas não apenas referentes à forma como as
imagens eram utilizadas, mas também a respeito da utilização dos registros históricos e
documentais que são frutos de seleções de informações da sociedade. Neste sentido, a revisão
da definição de documento e a revalorização das imagens como fontes de representações
sociais e culturais foram necessárias, envolvendo, além da historiografia contemporânea,
outras áreas das humanidades e das ciências sociais, como a antropologia, a sociologia e a
arte, entre outras, constituindo através da interdisciplinaridade e do estudo das imagens a
cultura visual.
Neste sentido, a partir dos diferentes estudos em torno da cultura visual e dos
diferentes conceitos e abordagens, ocorre o debate sobre a definição do novo campo
disciplinar, mas com caráter interdisciplinar, possibilitando às diferentes áreas do
conhecimento refletir em torno da cultura visual.
Rosana Horio Monteiro afirma que no contexto da cultura visual “a imagem, além de
representação, pode ser entendida como um artefato cultural; por isso ela permite a
reconstituição da história cultural de grupos sociais, contribuindo também para um melhor
entendimento de processos de mudança social, do impacto da economia e da dinâmica das
relações interculturais” (MONTEIRO, 2008:133). Para ela, a imagem dialoga com os modos
de vida típicos da sociedade que a produz. Nesse diálogo estão as questões culturais e
políticas, que expressam a diversidade de grupos e ideologias presentes em determinados
momentos históricos.
A partir destas reflexões, entende-se que o presente trabalho se insere na cultura
visual, por abordar uma determinada sociedade através de imagens fotográficas produzidas
pelo Estúdio Foto Klos em Panambi (RS), no século XX.
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O Estúdio Foto Klos foi fundado em 27 de setembro de 1913, pelo imigrante alemão
Adam Klos, sob a denominação “Atelier Fotográfico”. Inicialmente o proprietário “alugou um
imóvel residencial, de propriedade do senhor Adolfo Kepler, no marco central da cidade (...).
Posteriormente, o estabelecimento mudou para outros dois endereços e no ano de 1.919
transferiu-se definitivamente para a Rua Gaspar Martins, local em que continua funcionando a
empresa” (KLOS, 2008:2). O estúdio está no mesmo endereço há 94 anos, em uma rua que
era lócus industrial, comercial e de serviços, no início do século XX, o centro da colônia.
No início do século XX Panambi era uma colônia recém-formada, fundada em 1898
pela Empresa de Colonização Dr. Herrmann Meyer, no município de Cruz Alta e denominada
Colônia Neu-Württemberg. Ela fazia parte de uma zona de colonização particular na região
Norte, Noroeste e Missões do estado do Rio Grande do Sul, que tinha por objetivo preencher
as lacunas deixadas pela colonização pública, visto que o Estado havia reduzido os
investimentos em imigração e colonização. Foram instaladas por “sociedades de colonização,
empresas, indivíduos, estrangeiros ou nacionais, étnicas ou mistas, confessionais ou
aconfessionais”(NEUMANN, 2009: 577), que aproveitaram a situação favorável do mercado.
Nesta conjuntura das chamadas “colônias novas”, ela atraiu tanto imigrantes provindos da
Alemanha, quanto migrantes das “colônias velhas” (Estrela, Santa Cruz, Teutônia e
Montenegro).
Adam Klos chegou na colônia Neu-Württemberg em 31 de janeiro de 1.913. Nos
primeiros meses trabalhou com o irmão Phillip Klos, que já estava “estabelecido no ramo de
cervejaria. Animado pelo irmão e pelas recentes amizades, clicou a primeira foto em terras
brasileiras no dia 20 de fevereiro, utilizando uma câmera 18 X 24 cm, com negativo em
lâmina de vidro”(KLOS, 2008:1). A câmera Carl Armster e a lente Triplonar F 2,7 que ele
trouxe da Alemanha estão conservadas e fazem parte do acervo particular da família Klos.
Kossoy (2001) afirma que a fotografia é o resultado da ação do homem, de um
recorte no tempo e no espaço, e que, para chegar ao produto final (a fotografia), utilizou
recursos técnicos disponíveis. No caso do estúdio Foto Klos, além de utilizar os recursos
técnicos disponíveis, o imigrante Adam Klos também contou com a criatividade e a
inventibilidade para criar os aparatos técnicos que não eram acessíveis a ele, seja pelo custo
elevado ou pelas dificuldades de importação, visto que seus equipamentos eram em grande
parte importados da Alemanha. Assim, ao estudar uma fotografia ou uma coleção, constata-se
que ela “não é apenas um documento por aquilo que mostra da cena passada, irreversível e
congelada na imagem, faz saber também de seu autor, o fotógrafo, e da tecnologia que lhe
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proporcionou uma configuração característica e viabilizou seu conteúdo” (KOSSOY,
2001:75), refletindo o contexto em que foi produzida.
Com a popularização da fotografia em Panambi a partir da década de 1940 e o
aumento demográfico da população, observa-se maior demanda por fotografias no estúdio.
Soma-se a isso o desenvolvimento material da Vila, conforme esta crescia e os colonos
melhoravam de vida, sobrava mais dinheiro para investir em artigos de luxo, como a
fotografia.
Outro fator que contribuía para manter os clientes do estúdio Foto Klos era o valor
cobrado pelas fotografias. Apesar de ainda ser um artefato de valor elevado e da exclusividade
do estúdio, estas eram de menor valor se comparadas às fotografias de outros estúdios da
região, como argumenta a esposa do fotógrafo: “o Ottmar nunca se aproveitou da situação que
ele era sozinho aqui [único fotógrafo no município por longo período], nunca cobrou demais,
sempre era justo com as pessoas, tanto é que de Cruz Alta as pessoas vinham aqui para fazer
fotos até de documentos”. (KLOS, 2010).
Na entrevista, observa-se que o estúdio atendia a uma demanda regional e não apenas
local, sendo responsável pelo vasto registro imagético. Dentre as imagens produzidas pelo
estúdio destacam-se casamentos, crianças, festividades, retratos individuais e de grupos, ritos
religiosos (batizados, primeira eucaristia, crisma, confirmação), empresas e grupo de
colaboradores, entre outras. Nessa diversidade de imagens, percebe-se que o estúdio foi o
responsável por longo período pelo registro dos eventos privados e públicos, fossem eles do
cotidiano ou de momentos “especiais”.
Várias fotografias produzidas pelo estúdio Foto Klos podem ser localizadas no
Museu e Arquivo Histórico Professor Hermann Wegermann em Panambi. Porém, devido à
falta de identificação, tanto de autoria quanto de período, fez-se a opção por trabalhar com os
negativos do acervo particular da família. A maioria das imagens está registrada em negativos
de vidro de diversos tamanhos e formatos do início do século XX até a década de 1960; após
este período foram utilizados outros suportes flexíveis. Há no acervo particular da família
diversos equipamentos fotográficos e laboratoriais, negativos de inúmeros formatos e suportes
(vidro, acetato, filme 120 mm e 35 mm), livros de registros de 1913 a 1981, manuais e
revistas.
Quanto à organização do acervo imagético, parte dele estava organizado por
categorias definidas pelos fotógrafos do estúdio, entre elas: crianças, casamentos, retratos
individuais, famílias e paisagens. Outra parte estava organizada pelo número do negativo, este
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número foi escrito a lápis preto no verso do negativo – no caso dos negativos em vidro – no
lado emulsionado e acondicionados nas próprias caixas (embalagens) em que foram
comprados. Várias destas embalagens foram danificadas pela ação do tempo e pelas
periculosidades da guarda em local inapropriado à conservação.
Grande parte dos negativos analisados possui retoques feitos pelos fotógrafos do
estúdio. A intervenção tinha por objetivo melhorar, suavizar a nitidez na imagem. Com o
retoque feito com lápis grafite no lado emulsionado do negativo, a passagem de luz durante a
revelação analógica da fotografia era bloqueada ou suavizada, deixando as regiões retocadas
mais claras. Neste sentido, Susan Sontag (2004:17) afirma que a foto é uma interpretação do
mundo, assim como as pinturas e desenhos. Pois, o fotógrafo (amador ou profissional) impõe
seus padrões e temas, explorando a luz, a textura, a geometria, o recorte. Assim, além da
câmera capturar um espaço e tempo de realidade, ela também captura uma interpretação.
Charles Monteiro (2007:160), afirma que a fotografia é “uma imagem ambígua e
polissêmica, passível de múltiplas interpretações de acordo com o meio que a veicula, seu
intérprete, os cotextos e os tempos de sua produção e recepção”. No caso das fotografias
abordadas neste texto, a produção delas foi destinada aos álbuns de famílias ou caixinhas de
lembranças, assim como para envio a familiares e amigos distantes, visto que no século XX a
maior parte dos migrantes e imigrantes havia deixado, nas colônias velhas (Teutônia, Estrela,
São Leopoldo) ou na Alemanha, familiares e amigos, e para estes enviavam os registros
imagéticos como forma de ainda participar dos circulos familiares, fazendo-se presentes
mesmo que estivessem ausentes. Desta forma, a fotografia registra e documenta as mudanças
do corpo social familiar e reforça os ritos de passagens (batismo, crisma, primeira eucaristia,
casamentos e morte), anunciam nascimentos, propostas de casamento. A circulação da
imagem fotográfica substitui ausências entre parentes e amigos, contribuindo para a
construção da memória familiar por meio de narrativas visuais, seja através dos álbuns de
famílias ou de retratos avulsos.
De acordo com Solange Ferraz de Lima e Vânia Carneiro de Carvalho, a fotografia é
uma invenção burguesa que popularizou o retrato e “levou aos recantos mais distantes do
mundo essa ‘caixa de pandora’, contendo paisagens de lugares exóticos, de monumentos”,
além de possibilitar às diferentes classes sociais o “hábito de retratar-se a si, ao casal, aos
filhos e à família” (LIMA; CARVALHO, 2005:30-31) devido aos custos mais baixos de
produção. Antes da fotografia, o retrato, era um privilégio restrito à nobreza e aos
comerciantes ricos através da pintura.
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Assim, a fotografia e sua diversidade de informações permitem registrar “distintas
situações de vivência dos atores individuais e coletivos, possibilitam o entendimento das
diferenças sociais dos grupos, revelando questões que dizem respeito à sua atuação em um
determinado contexto histórico” (CANABARRO, 2005:24). Ela “pode servir como uma
alternativa a mais de leitura da realidade. Enquanto produto cultural, é uma construção feita
por um sujeito mediador, o fotógrafo, que seleciona pessoas e elementos e os enquadra na
bidimensionalidade de um espaço a ser recortado” (CANABARRO, 2008:1). Entre o
fotógrafo e o retratado existe a tecnologia que permite este “recorte da realidade”, pois,
considerado como produto cultural, faz parte de um contexto histórico, o qual influencia na
“construção do olhar do fotógrafo, nas representações sociais impressas e no equipamento
tecnológico empregado para a tomada da imagem” (CANABARRO, 2008:2).
Ao analisar as imagens registradas nos negativos em vidro do estúdio, buscou-se
compreender essas relações que envolvem o fotógrafo, tecnologia, contexto e padrões de
visualidade expressos e diálogos (culturais, econômicos, políticos e sociais) presentes,
considerando que fotografias têm uma variedade de informações que, aliadas ao contexto de
sua produção e recepção, permite o entendimento de um determinado contexto histórico. O
grupo de imagens selecionado foi constituído por fotografias de casamento porque estas
aparecem em maior número no acervo do estúdio.
Observa-se que o registro imagético do casamento era importante na comunidade
local, exercendo o papel de “prova” da cerimônia matrimonial, registro significativo da
família que se formava, simbolizando o compromisso familiar e social de estabilidade entre o
contexto privado e o público, em que a mulher é apresentada à sociedade como senhora e o
homem como provedor da família que ora se inicia. Esta afirmativa é justificada pela leitura
nos livros de registros do estúdio, onde estão listados por ordem cronológica e numérica os
negativos das fotografias produzidas. Nestes registros, geralmente foi mencionado o nome
completo do noivo e apenas o sobrenome da noiva precedida pela palavra “noiva”, visto que
após o casamento a maioria das noivas alterava o sobrenome (da família) pelo sobrenome do
noivo, poucas vezes é relacionado o nome completo da noiva. Além de “dar a ver” a nova
família, o registro imagético do casamento também tinha por objetivo demonstrar a fé através
do sacramento do casamento, porém, o símbolo religioso do matrimônio – as alianças – não
foram evidenciadas na maioria das imagens. Isto também é constatado por Gregory (2010)
nas fotografias de casamento registradas pelo Estúdio Kaefer em Marechal Candido Rondon
(PR), em que a autora comenta que, nas imagens analisadas por ela, o enquadramento não
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privilegiou as alianças e sim o conjunto de ornamentos, a vestimenta e o cenário. Embora a
imagem registrasse o sacramento religioso, destacando a fé do casal de noivos “um dos
símbolos maiores, as alianças, não tenham sido enquadradas na quase totalidade dos registros
sobre esse tema”. Na imagem 1 e na imagem 2, as mãos das noivas estão sob o ramalhete de
flores e os noivos também não estão com as mãos à mostra, sendo imperceptível as alianças
no registro fotográfico. Neste contexto, a fotografia é a forma de legalizar, tornar público um
ato da vida privada, sendo o “retrato o último ato de publicidade da união, que já foi
testemunhada pelos que viram os proclamas, os convites...”(LEITE, 1993:112).
Assim, mais do que um rito religioso, o casamento é apresentado imageticamente
como um rito social, como define Miriam Moreira Leite (1993:67), de que o casamento atua
“como um dos principais ritos de passagem, o casamento encontra-se em quase todas as
sociedades e simboliza uma alteração irreversível da situação social do casal que, proveniente
de duas famílias ou de dois ramos de família, une-se para formar uma terceira”.
Para a apresentação deste rito, as vestimentas dos noivos e a ornamentação do
cenário são fatores importantes. Observando as imagens 1 e 2, nota-se que as vestimentas das
noivas das imagens apresentam algumas especificidades que as diferenciam, como o tipo de
tecido usado nos vestidos das noivas. O tecido do vestido da imagem 2 parece ser mais
sofisticado, pois apresenta um brilho que o outro não tem, demonstrando ser um tecido
especial. Porém, há várias semelhanças nos modelos dos vestidos. Ambos são longos, com
gola e decote discretos, mangas compridas justas ou “bufantes”, uma tendência da moda, e
também apresentam poucos bordados. Deve-se lembrar que na década de 1950 os efeitos da
guerra e da recessão ainda afetavam a sociedade em geral, por isso, os vestidos de noiva,
apesar de apresentarem modelos sofisticados, não continham muitos bordados e nem muitas
rendas, devido à escassez destes materiais. As indústrias têxteis e estilistas de moda
retomavam o cenário europeu, especialmente Paris, já os Estados Unidos aprimoravam a
indústria têxtil desenvolvida na década anterior durante o período da guerra, em que foram os
principais fornecedores de diversos artefatos e suprimentos, incluindo-se tecidos e roupas2.
2 Mais detalhes em: MENDES, Valerie; HAYE, Amy de la. A moda do século XX. Tradução de Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
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Observa-se ainda nos modelos, que o vestido da imagem 1 apresenta modelagem mais
simples, sem marcar muito a cintura, e, apesar de ser longo, não cobre totalmente os pés da
noiva. Porém o véu é longo e remete ao romantismo e à nobreza –“princesas” – que se
buscava transpor nas imagens. O vestido da noiva da imagem 2 também segue esta tendência
do período pós-guerra que requeria modelos de felicidade, por isso, os vestidos de noiva
seguem a linha romântica e de “princesa” com vestidos apresentando a parte de cima e a
cintura marcada, além da saia que tinha a parte de trás mais longa, formando uma cauda.
Pesquisando modelos de vestidos de noiva do período, nota-se que esta era uma tendência
entre as décadas de 1940 e 1960, o que demonstra que, apesar de ser um distrito pleiteando a
emancipação administrativa (ainda não era um município) e distante 395 km da capital Porto
Alegre, havia disposição em seguir as tendências e modelos dos grandes centros.
Baseados nessas tendências, os vestidos eram comprados prontos nos grandes centros,
confeccionados por costureiras ou produzidos pela própria noiva e/ou a mãe dela. Em
conversas informais, algumas mulheres relataram que, até a década de 1950, essa era uma
prática frequente, visto que muitas mulheres aprendiam cedo o oficio do corte e costura,
porque, devido às dificuldades financeiras, era inviável comprar o vestido pronto e o aluguel
ainda não era uma prática.
Os acessórios utilizados pelas noivas eram constituídos de grinalda – semelhante a
uma coroa –, véu longo, joias discretas e buquê de flores. Na imagem 1, a noiva está usando
brincos e um véu muito longo. Na imagem 2, a noiva está usando um cordão/colar, não se
visualiza brincos, o véu é um pouco mais curto, porém, tem detalhes que parecem ser
bordados no entorno de todo o véu, dando a ver a sofisticação e o requinte do modelo,
provavelmente acessível a grupos em melhores condições financeiras. Os artefatos que
envolvem a noiva, como o véu, a grinalda e as flores, estão associados a uma simbologia que
reconstitui através do ritual fotográfico o próprio rito religioso, visto que as fotografias eram
produzidas no estúdio e não na igreja. Assim, as flores simbolizam, além do romantismo e da
delicadeza da mulher, também a fertilidade.
A decoração do cenário para as fotografias também é um ponto que diferencia os
retratados. O cenário da imagem 1 é recorrente em muitas fotografias do acervo, constituído
de mesinhas de apoio, pequenos arranjos florais, guardanapos em renda ou crochê, tapete e
painel de fundo. Os arranjos florais são de lírios e margaridas que florescem no período em
que o casamento ocorreu, geralmente estas flores eram cultivadas pelas famílias dos noivos.
Já o cenário para a imagem 2 tem decoração diferenciada, apesar das folhagens que estão
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mais altas se repetirem em outros cenários de outras fotografias, as cestas de vime
ornamentadas com fitas e constituídas de flores que se destacam por serem rosas.
A quantidade de fotos e poses solicitadas pelos noivos e pelas respectivas famílias
também demonstra o status social e econômico dos noivos e suas famílias. Como exemplo, a
imagem número 1, reproduzida a partir do negativo em vidro n. 6.555 de 25 de outubro de
1952, em que os noivos fizeram o registro de uma pose – o casal de noivos – sem familiares
ou testemunhos. Os noivos fotografados nesta imagem eram filhos de pequenos agricultores
que residiam na zona rural de Panambi, é provável que o fato de terem feito uma foto (uma
pose com seis cópias) deva-se à situação econômica familiar, porém, não deixaram de fazer o
registro imagético, corroborando para a legitimação do ato social. Como define Feliciano
(2007:3.241), “a fotografia de casamento, como um ato social, vem auxiliar na manutenção de
valores antigos e na criação de novos”.
O casal retratado nas imagens 2 e 3 tem quatro poses diferentes relacionadas no livro
de registro de número 4, que abrange o período de 1942 a 1954, nas páginas 265 e 266. De
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acordo com um dos fotógrafos do estúdio que foi entrevistado, ter várias poses registradas de
um mesmo casamento significava que a família tinha estrutura econômica para investir em
artefatos de luxo, como era a fotografia, pois, mesmo com a popularização deste artefato, ela
ainda era considerada de custo elevado para a maior parte da população de Panambi – ainda
era a Colônia Neu-Württemberg, 8º Distrito de Cruz Alta, pleiteando a emancipação –
constituída de pequenos agricultores e proprietários de pequenas indústrias, oficinas, ferrarias
e pequenos artesãos3.
Solange Ferraz de Lima e Vânia Carneiro de Carvalho destacam que a ambientação
cênica remonta à tradição retratística de séculos passados, em que a ornamentação clássica
remete às noções de ‘requinte’ e ‘bom gosto’ cultivados pela aristocracia europeia, porém,
“no retrato fotográfico, esses ornamentos permanecem como significantes (elementos
plásticos, formas), cumprindo, no entanto, outras funções e sendo resignificados por novas
práticas” (LIMA; CARVALHO:2009). Neste sentido, convém pensar a proximidade entre a
residência e o Ateliê Fotográfico – que eram anexados um ao outro –, pois a mobília que 3 Sobre a colonização de Panambi ver: NEUMANN, Rosane Márcia. Uma Alemanha em miniatura: o projeto de imigração e colonização étnico particular da Colonizadora Meyer no noroeste do Rio Grande do Sul (1897-1932). Porto Alegre (RS), 2009. Tese [Doutorado]. Programa de Pós-Graduação em História da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, PUCRS, 2009.
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compõe o cenário provavelmente migrou da residência, assim como os ornamentos que
assumem outras funções e significados, impregnados de valores morais e sociais, transferindo
para o espaço público as características e símbolos da vida privada.
Ao analisar os livros de registros do estúdio, observou-se que mesmo famílias que
teriam condições financeiras de se dirigir a localidades vizinhas como Ijuí (Atelier Beck) de
propriedade da família Beck, ou para Cruz Alta, onde havia diversos estúdios fotográficos,
estes não o faziam. É provável que não se dirigissem a Ijuí pela distância e nem a Cruz Alta
porque a maioria da população da colônia falava em língua alemã, o que dificultaria muito o
contato com os estúdios de Cruz Alta. Neste sentido, o fator de que os fotógrafos teuto-
brasileiros falavam a língua alemã facilitava a comunicação com a população e a procura pelo
estúdio. Destaca-se, porém, que os clientes do estúdio não eram apenas os imigrantes e
migrantes, visto que havia uma quantidade considerável de lusos brasileiros na localidade e
imigrantes de outras etnias.
Também se deve considerar que até a década de 1950 a comunidade era constituída
de uma grande parcela de protestantes, e estes precisavam ir até o centro da vila onde estava
localizada a igreja, em que o pastor realizava várias cerimônias no mesmo dia, o que facilitava
também para que os noivos fossem da igreja ao estúdio para a solenidade do registro
fotográfico, que nem sempre era realizado no dia do casamento. Ocorria também de alguns
casais se dirigirem ao estúdio depois da cerimonia religiosa para fazer o registro fotográfico.
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As fotografias de casamentos externas eram nas residências, em frente à Igreja ou salões de
baile, geralmente produzidos com toda a família, os testemunhos e os convidados, como na
Imagem 4, em que, além dos convidados, há uma banda musical. Também se observa a
demonstração de certo poder econômico ao exibir junto à foto bens de consumo, como dois
automóveis. Este “espetáculo” corrobora com a afirmação de Miriam Moreira Leite
(2001:125), de que há a preocupação das famílias dos noivos de que o casamento seja um
“espetáculo para ser apreciado por todos os conhecidos, parentes ou não, para reafirmar que
se realizou um ‘bom casamento’”, e de que este foi “aprovado” por todos.
Apesar das mudanças sociais, econômicas e históricas que perpassam a sociedade, o
ritual de fotografar o casamento continua sendo realizado de diferentes formas e utilizando
diversas e inovadoras tecnologias, sendo ainda para muitos fotógrafos “fonte de inspiração, de
beleza e encantamento” (LEITE, 2001:127), tornando público um ato privado.
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IV Encontro Nacional de Estudos da Imagem I Encontro Internacional de Estudos da Imagem
07 a 10 de maio de 2013 – Londrina-PR
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