Formação Do Técnico Em Música Em Nível Médio Na Visão de Professores de Instrumento Musical

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    REVISTA DAABEM | Londrina | v.20 | n.29 | 103-115 | jul.dez 2012 103

    abstract

    Este artigo relata resultados de pesquisa qualitativa com grupo focal, realizado com

    docentes da rea instrumental de um centro de educao profissional de msica acerca

    da formao do tcnico em msica em nvel mdio. Apresenta-se a viso docente

    sobre caractersticas dos cursos oferecidos, a premncia por ajustes curriculares e as

    possibilidades de insero de egressos, as contradies percebidas e a procura por

    solues. A amostra foi de convenincia, n=5, sendo a categorizao das falas realizada

    com osoftwareN-Vivo, verso 8, e posterior anlise. Os achados pontuam discrepncias

    entre a formao dada, em geral de cunho mais tradicional e propedutico, e as reais

    possibilidades de trabalho para o tcnico em msica. So sinalizadas necessidades

    de pesquisa com os distintos atores da educao profissional em msica, de forma a

    subsidiar aes e decises consistentes para a efetividade da rea.

    PALAVRAS-CHAVE: educao profissional em msica, tcnico de nvel mdio,professores de instrumento musical

    CRISTINA PORTO COSTA Universidade de Braslia (UnB) [email protected]

    This paper reports the results of a qualitative research using focus group, conducted

    with instrumental teachers at a Vocational Education Music Center, focusing on

    music students training at high school level. It presents the teachers points of view

    on the characteristics of courses, the urgent need for curricular adjustments and work

    possibilities for graduates, the perceived contradictions and pursuit of solutions. The

    sample was taken by convenience, n = 5. The statements categorization was donewith N-Vivo software, version 8, and subsequent analysis. The findings suggest

    discrepancies between the training given. based on a traditional way, and the real work

    possibilities for the music technician. The need for research with different actors of music

    vocational education is flagged in order to support consistent decisions and actions for

    the effectiveness of the area.

    KEYWORDS: music vocational education, high school technical level, instrumentalteachers

    resumo

    A formao do tcnico em msica em

    nvel mdio na viso de professores

    de instrumento musical

    VOCATIONAL EDUCATION IN MUSIC AT HIGH SCHOOL TECHNICAL LEVEL FROM THE PERSPECTIVE

    OF INSTRUMENTAL TEACHERS

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    COSTA, Cristina Porto

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    O

    cenrio atual da educao profissional apresenta impulsos quanto formao do tcnico

    de nvel mdio, seja pela expanso dos Institutos Federais (Rede Federal de Educao

    Profissional e Tecnolgica) ou pela formulao de programas como o Programa Nacional deAcesso ao Ensino Tcnico e Emprego (Pronatec), que conjuga a atuao do Sistema S formado

    pelo Senai e Senac, entre outros, concesso de bolsas-formao e ao Fundo de Financiamento

    Estudantil. Tem-se a ampliao do Brasil profissionalizado na esfera estadual e, em menor

    escala, a atuao da Rede Nacional de Certificao Profissional e Formao Inicial e Continuada

    (Rede Certific), voltada ao reconhecimento de saberes com aumento de escolaridade. Nessas

    iniciativas, a msica est contemplada com cursos de formao inicial e continuada, com os

    vrios cursos tcnicos constantes do Catlogo Nacional em seu eixo Produo Cultural e Design

    e com licenciaturas no nvel tecnolgico. O papel das escolas pblicas especializadas em

    msica, federais, estaduais ou municipais, e o da formao do tcnico em nvel mdio esto

    a ser repensados frente s discusses para as novas Diretrizes Curriculares Nacionais para os

    cursos tcnicos, enquanto o novo Plano Nacional de Educao, referente ao perodo 2011-2020,Projeto de Lei 8035/2010, traa entre suas metas a duplicao de oferta de vagas para formao

    profissional em nvel mdio, assegurando sua qualidade (Brasil, 2011).

    Tais aes no campo das polticas pblicas educacionais so confrontadas a uma realidade

    pouco adentrada por pesquisas empricas que tragam tona os desafios e solues que o

    campo da msica apresenta quanto formao do tcnico de nvel mdio. Uma prospeco nos

    atuais cursos, nos dados divulgados pelas instituies especializadas e na produo acadmica

    sobre o assunto, traz evidncias minimamente contraditrias. Tem-se a permanncia do modelo

    conservatorial, institudo no sculo XVIII, baseado na reproduo de msica erudita e escrita,

    direcionado carreira solista virtuosstica, para a qual se conjuga um determinado tipo de ensino

    (Penna, 2007), o discurso da cidadania e da autonomia na formao para o trabalho, presente na

    legislao pertinente educao profissional, a grande procura por cursos livres, o alto ndicede evaso (Pimentel, 2011), o baixo nmero de formandos nos cursos tcnicos e a expressiva

    procura por ingresso nas instituies especializadas. Convive-se com o desconhecimento das

    intenes dos alunos em formao e com a desconexo frente s possibilidades de insero

    laboral, crivada por forte reestruturao produtiva no trabalho formal em msica (Segnini, 2006,

    2011).

    Nota-se uma revitalizao dos questionamentos sobre a formao para o trabalho em

    escolas especializadas de msica e sobre os educadores que nelas atuam, luz dos clssicos

    estudos de Penna (1995, 2007), Lima (2003) e Vieira (2003, 2004), entre outros. Relatos de histrias

    e dilemas de escolas pblicas de msica dedicadas ao ensino tcnico em nvel mdio trazem

    ngulos que se somam, em diferentes enfoques epistemolgicos. Pontuaes crticas sobre

    esse espao de trabalho abrangem a formao docente e as escolhas preferenciais por essa

    colocao em detrimento do ensino na educao bsica (Penna, 2003). Discusses como a de

    Contente (2011) sobre questes curriculares e a de Pimentel (2011) sobre perfil e perspectivas de

    egressos denotam a amplitude de recentes pesquisas sobre educao profissional em msica.

    Por sua vez, a funo do tcnico no campo das artes e da msica, em especfico, requer

    melhor compreenso e mesmo delimitao. A forte tradio propedutica, que objetiva o

    acesso ao curso superior, soma-se histrica desvalorizao desse estrato formativo, o que

    parece acentuar a disjuno entre formao em nvel mdio e as possibilidades de trabalho e

    de profissionalizao existentes, intensificada pelo desconhecimento da realidade dos arranjos

    produtivos locais. As relaes da msica como trabalho com a educao formal a ele voltada

    introduo

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    A formao do tcnico em msica em nvel mdio na viso de professores de instrumento musical

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    a viso

    docente

    captada: o

    grupo focal

    configuram um campo de investigao que solicita maiores interlocues com seus atores

    de forma a gerar conhecimento, favorecendo, por meio da pesquisa, um substrato efetivo a

    decises que podem impactar em prticas pedaggicas, na estruturao de cursos tcnicos enas decises de seus gestores.

    Oobjetivo deste estudo conhecer a viso de docentes da rea instrumental que atuam naeducao profissional em msica em nvel mdio acerca da formao promovida em um centro

    de educao profissional localizado no Distrito Federal, os ajustes que consideram essenciais, a

    funo que esse nvel pode ter para os que o procuram e as possibilidades de insero laboral

    de seus egressos. Esta uma pesquisa exploratria que integra um estudo de caso mltiplo em

    escolas especializadas, numa abordagem qualiquantitativa.Dias (2000) entende o grupo focal como tcnica investigativa alternativa para coleta de

    dados em pesquisas qualitativas, intermediria entre a observao participante e as entrevistas

    em profundidade. Baseia-se em interao de grupo sobre tpico especfico por meio de discusso

    mediada. Dessa forma, possvel acessar na intersubjetividade atitudes, valores, sentimentos e

    avaliaes de impacto. Como unidade de anlise, possibilita o surgimento de respostas mais

    completas e detalhadas, interaes, propostas inovadoras, fornecendo quantidade expressiva

    de informaes em menor tempo, embora possa haver presses intragrupo e contaminao

    de ideias. Questes referentes diretividade do moderador, a variaes interpretativas e a no

    generalizao dos resultados precisam ser ponderadas na escolha dessa tcnica.

    Em relao pesquisa qualitativa, por seu intermdio e flexibilidade que se adentra um

    modelo de adaptao contnua, o qual permite retroao na explorao dos dados em face da

    possvel repetitividade no tratamento da codificao e na categorizao dos achados. Nesse

    sentido, Deslauriers e Krisit (2010, p. 148) tecem uma analogia:

    [] a pesquisa tradicional se assemelharia msica europeia, em que o compositorapresenta um tema sobre o qual ele tece, ao inventar variaes meldicas. A pesquisaqualitativa se compararia preferencialmente ao jazz, em que o msico, a partir de umalinha meldica comportando um conjunto de acordes determinados, lana-se numaimprovisao trazendo seu toque pessoal. Certamente, o msico no pode se permitirtudo, pois ele permanece, de qualquer modo, limitado pelos acordes que apoiam seutema, mas ele dispe, entretanto, de uma grande margem de manobra.

    A amostra foi selecionada por convenincia mediante convite e protocolo de anuncia emtomar parte do encontro, o qual durou uma hora e trinta minutos. Os cinco participantes, dois

    homens e trs mulheres, so professores de instrumento musical, sendo um clarinetista, um

    obosta, um trompista, um percussionista e um violoncelista, com diferentes formaes. O tempo

    de docncia como professores efetivos da Secretaria de Educao do Distrito Federal varia entre

    um e 24 anos. Os trs mais jovens trabalharam anteriormente como professores temporrios

    nesse centro de educao profissional de msica por no mnimo quatro semestres. Para fins

    de acompanhamento e preservao das suas identidades, foram usadas as letras de A a E no

    decorrer da anlise.

    O registro foi realizado em udio, com posterior degravao. Foram selecionados temas

    previamente para confeco de roteiro e orientao dos trabalhos. Os eixos que serviram de

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    fio condutor discusso foram: educao profissional em msica em nvel mdio, formao

    dada e necessidade de mudanas nos cursos tcnicos, seguimento de carreira e continuidade

    de estudos, mercado de trabalho e insero de egressos. A moderao do grupo foi feitapelo pesquisador. A riqueza das interaes trouxe novas nfases e desdobramentos, os quais

    tambm integram a anlise. Realizou-se categorizao inicial das falas com o softwareN-Vivo,

    verso 8. A partir das primeiras anlises, subcategorias emergiram das trocas estabelecidas

    pelos professores, sendo apresentadas em itlico no decorrer deste texto. Entende-se que as

    falas constituem-se referenciais empricos aqui expostos para sustentar a interpretao realizada.

    Aeducao profissional em msica em nvel mdio (nvel tcnico) compreendida pelosintegrantes do grupo focal como uma formao que apresenta diferenciais em relao aos demais

    cursos tcnicos pela natureza do que se ensina. Esse posicionamento enfatiza o processo de

    ensino para alm do domnio das tcnicas especficas dos instrumentos. Ressalta-se que, por se

    tratar de msica, um olhar tcnico parece dissociar-se da complexidade intrnseca ao objeto, a

    ser pensada em termos pedaggicos e artsticos, como revelada na fala do professor E:

    Existe um probleminha se eu for transportar essa ideia que tenho do curso de tcnico, dotcnico em edificaes, do tcnico em panificao e transportar uma mesma estrutura,um mesmo conceito, a mesma ideia de tcnico para a rea da msica. Por qu? Se eutransporto essa ideia tal qual, se perde a especificidade da msica, transforma-se o cursotcnico em msica apenas num monto de recursos para to somente execuo.

    O conceito de tcnico parece, dessa forma, estar ligado a um conhecimento parcial

    ou estanque, inadequado ao msico em formao na medida em que pode referir-se meramecnica de execuo instrumental, ao ensino de tcnicas que no aambarcam, por si, a

    natureza da arte que se quer ensinar. De forma mais radical, o mesmo professor indica que a falta

    deste entendimento no apenas desvirtua o ensino, mas descaracteriza o prprio fazer musical.

    Ento tem que dominar tcnicas a, b ou c, e a o que faz acontecer a msica [mesmo] impedido no curso tcnico.[]Se a gente for olhar para a origem do termo, a raiz grega do termo arte. No tinhadistino entre tcnico e arte, era a mesma coisa. Com o passar do tempo se separa ehoje a gente fica nesta discusso: cad a arte neste curso tcnico?

    Essa diferenciao do que ensinar msica leva o professor a apresentar no somente a

    origem do termo tcnico, mas a sinalizar a presena de incompreenses na caracterizao doque ensinado, da especificidade da educao em arte, quando fala da troca de ideias entre os

    docentes acerca dessa questo.

    Tcnica e arte precisam ser conjugadas para dar conta da realizao artstica e para a

    preparao daqueles que iro se dedicar profissionalmente a ela. Nesse tocante, as preocupaes

    mais abstratas so postas de lado, visto que o entendimento do que umprofissional em nvel

    tcnicoparece convergir para o saber-fazer com base na resoluo de problemas que se revelam

    nas situaes complexas deperformance, o que exige aquisio de certas competncias.

    Vocs lembram que na poca da msica de rdio os msicos chegavam e no tinhampartitura. s vezes tinha s um roteiro, e, dependendo do cantor, ele tocava em d, em l:

    a anlise

    das falas dosdocentes

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    A formao do tcnico em msica em nvel mdio na viso de professores de instrumento musical

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    qual o tom? e o msico tocava. Esse o msico realmente tcnico. E a gente que

    tem a formao do tcnico no consegue formar esse tipo de msico! (A).

    Esta colocao tambm sinaliza reflexo acerca da prpria atuao como docente,

    sugerindo reelaborao de suas prticas pedaggicas e mesmo reviso de sua formao, bem

    como a alternativa de um modelo de educao profissional diferente do vigente. O msico tcnico

    precisa ter, no entender dos professores, competncias que no parecem ser desenvolvidas

    de maneira sistemtica e suficiente nos cursos tcnicos oferecidos. Isso se deve, em parte,

    ineficcia das discusses docentes que abordam priorizao das tcnicas a serem unificadas, e

    que se concretizam no programa, conforme nos aponta o professor E:

    A ideia do tcnico o cara que chega, vai l e resolve. S que muitas das vezes essa ideiadessa formao do msico, o que chega e resolve, que rena condies para resolveruma situao, nos cursos se perde em discusses [sobre] quais tcnicas adotar Seperdem nisso, e quando chega o tcnico para resolver, ele no resolve.

    As desconexes parciais no entendimento entre o que seja um msico tcnico, ou um

    tcnico em msica, as diferentes concepes e os pesos a elas atribudos tambm se revelam no

    preparo dos alunos, predominando a formao do msico artista, embora a realidade de atuao

    no corresponda a esse perfil bastante idealizado.

    Fica aquele ideal de msico, o de altaperformance. Mesmo para estes o mercado no [grande] e estes vivem da docncia. O mercado principal para o que o programa prepara o artista de palco, [isto] bem reforado no ensino tcnico O modelo de estgiocontinua no modelo preparador do artista [de palco]. (D).

    Ao mesmo tempo em que repassam comportamentos que caracterizam um msico de

    palco, especialmente no vis erudito, sabem que as situaes reais tm graus de imprevisibilidadee que essa no a provvel ocupao que os alunos tero no mercado de trabalho. O mito do

    artista de palco parece ainda nortear a formao dada, a ponto de profissionais e alunos que j

    trabalham esporadicamente em eventos esconderem tal fato, ou pelo menos no o alardearem

    junto aos pares. A crtica a essa situao passa pela compreenso da funo do trabalho com

    msica.

    Esconder que toca em evento acho que est muito ligado com esse mito do artista, que da mdia. Tem este purismo. Se nos concertos batem palma e no a hora, o msicolevanta o nariz, finge que nada est acontecendo. Na verdade a nossa funo incluidivertir os outros. Esta postura calem-se porque estou tocando precisaria mudar. (A).

    O entendimento da prpria profisso, deser msico, parece envolver um lado romantizado,

    mas tambm o lado da preparao e dos desafios do trabalho.

    Ser msico ralar mesmo. Quem quer ser msico tem que encarar e carregar seuinstrumento. (D).

    A nossa profisso um ofcio, inclusive. Tem o topo, a arte, mas mais uma relaoque voc tem com a msica do que a imagem que o prprio msico faz dele, da msicainacessvel, para entendidos, educados e eruditos. (A).

    interessante levar em conta como o professor A estabelece a relao entre o msico e

    o seu fazer como um arteso no seu ofcio e como a arte construda nessa ligao passvel

    de desarticulaes na medida em que se tenha uma compreenso equivocada da msica mais

    elaborada como arte para poucos. O mesmo professor ressalta que o preparo para incertezas

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    e condies dinmicas de trabalho integra as competncias exigidas para a formao de umprofissional em msica, tendo em vista a imprevisibilidade da reao do pblico e o fato de tocar

    em diferentes situaes, no somente no palco das salas de concerto:Um coquetel pode virar um recital, porque todo mundo se vira e fica ouvindo. imprevisvel, uma arte complexa porque voc no sabe em que momento h esse encontro do artistamsico com o pblico. No cabe nervosismo. Precisa estar preparado para isto. (A).

    Os relatos das experincias dos professores como instrumentistas reforam tais exigncias,

    mesmo em trabalhos no remunerados ou pouco sistemticos. Ao falarem sobre suasatividades

    profissionais, todos os professores relataram que, alm da docncia, integram grupos de cmera

    e conjuntos que se dedicam ao repertrio popular, atuando no mercado paralelo, tpico este

    que foi muito discutido na medida em que os alunos tambm esto presentes nesse nicho.

    Transita-se aqui na pluralidade de atuaes do msico-docente, a qual bem enfocada nas

    anlises de Segnini (2011) ao caracterizar a informalidade e a intermitncia do trabalho commsica no atual cenrio brasileiro.

    Fao cach em orquestras, e viajo bastante como convidado em orquestras, em outrosestados. Fiz bastante cach na orquestra aqui tambm, no fao mais. E casamentos,eventos diversos. Toco bastante em igreja Toco trabalhando, toco como convidado setem um amigo [que chama]. (C).

    Alm de competncias fundamentais, parece ser importante ter uma rede de contatos que

    facilite sua participao, como assinala o professor C. J o professor E explicita a importncia de

    trabalhos com msica popular, o que tambm foi enfatizado pelos demais frente s solicitaes

    do mercado.

    Atuo fora da escola; tenho um duo com outro professor, um duo de marimba e vibrafone,s tocamos popular, s popular, est proibido qualquer repertrio mais clssico Enfim,toco bateria e com outros professores a gente tem os trios de jazzpor a. E participo domercado paralelo, casamento, sempre. (E).

    Em relao ao mercado de trabalho e insero dos egressos, a docncia aparece como

    opo imediata.

    O msico tcnico vai ser aproveitado em eventos, em academias de msica. Ento huma necessidade tambm sobre a didtica do instrumento. Acontece que o ensino no s o regular. Tem as academias de msica, as aulas particulares, este sim um mercadobem grande. (D).

    Boa parte dos meus alunos de igreja, ento eles querem aprender para tocar na

    igreja. E l mesmo eles j viram professores. (C).

    As falas dos professores D e C evidenciam que, mesmo sem ter noes de pedagogia

    do instrumento, os tcnicos em msica em nvel mdio integram um concorrido mercado de

    aulas informais em diferentes nveis, da iniciao musical s aulas de instrumento especfico.

    Muitos dos alunos j trabalham com msica antes de frequentarem os cursos tcnicos, havendo

    insero precoce devido demanda por alguns instrumentos e a necessidades econmicas

    imediatas.

    Dentre as possveis ocupaes para os novos tcnicos, as falas assinalaram fortemente

    omercado de eventos, que no parece ser valorizado artisticamente e que funciona como um

    mercado paralelo do qual pouco se fala, mas onde muito se toca, sejam docentes ou discentes.

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    A formao do tcnico em msica em nvel mdio na viso de professores de instrumento musical

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    Interessante que esse segmento, do qual todos participam e que complementa o salrio de alguns,

    amplo o suficiente para comportar msicos em formao. Observa-se que h profissionais

    que trabalham exclusivamente em eventos, mercado este em franca expanso e para o qual oscursos tcnicos oferecidos no esto direcionados. Como prevalece a valorizao do msico de

    palco, apontada anteriormente, a incluso nesse espao em que alunos, professores e outros

    profissionais da msica convivem pode se configurar como condio deprecivel.

    Os alunos evitam falar que tocam em casamento, [sobre] a msica que eles tocam,porque um mercado paralelo. inferior, embora ele ganhe at dinheiro, mas no certo tocar, s um bico Fica noutro status. (A).

    algo velado, no valorizado [tocar em eventos]. (D).

    A gente tem que tocar em casamento. O mercado mais presente este. A orquestraque tem aqui exige nvel superior em qualquer formao. O aluno nem precisaria fazer otcnico. E nem graduao em msica. (D)

    A informalidade parece predominar nas relaes de trabalho, j que os postos mais

    convencionais ou com vnculo empregatcio, a exemplo de orquestras profissionais e bandas de

    corporaes, so poucos. Para postos de trabalho que requerem concursos pblicos, exigido

    curso de graduao em qualquer rea, no estritamente em msica, e muito menos a certificao

    de tcnico em msica. A observao do professor D deixa transparecer a discrepncia entre

    formao, certificao e oportunidade de trabalho.

    As caractersticas do mercado, suas consequncias sobre o ensino formal e sobre os

    egressos tambm foram abordadas.

    Se a gente estivesse num contexto igual a So Paulo, teria outro sentido. L voc tem vrias

    orquestras, tem vrias bandas, sejam jovens ou de profissionais, mas essas profissionaisnem sempre exigem nvel superior, ento elas iriam comportar nossos alunos. Aqui agente tem uma orquestra apenas que trabalha com projetos, esporadicamente, cachs, eacho que esse ponto muito srio de a gente pensar, o que o contexto da nossa cidademesmo. (B).

    Um dos maiores desafios aos que terminam sua formao tcnica em mbito escolar

    exatamente concorrer com os profissionais que procuram se manter em um mercado bastante

    restrito, especialmente para o egresso com formao exclusivamente erudita. Contudo, outras

    atividades tambm foram elencadas, requerendo distintas competncias, especialmente em face

    da separao entre popular e erudito, existente nos programas de curso.

    Em relao msica para lazer, para diverso, na clarineta, vejo que um campo muitobom msica em restaurante, por causa do choro, at por causa do jazztambm, masvejo que o pessoal acaba indo muito para o choro. Tenho alguns alunos de clarineta que

    eu vejo que estudaram no tcnico e se direcionaram para o choro por causa disso. (B).

    Em relao formao dada na escola e necessidades de mudana nos cursos tcnicos,ressaltam-se as seguintes observaes:

    Eu acho que l no ncleo da gente o ensino bem dissociado das necessidades domsico que vai tocar mesmo. (D).

    Na nossa prpria formao isto j aparece, esta distncia entre vivncia e formao. Se agente no toma cuidado, vai s reproduzindo. (E).

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    Os sujeitos fazem referncia a um distanciamento perceptvel entre o que ensinado

    e o que o mercado de trabalho solicita, mas tambm uma divergncia entre as prprias

    expectativas dos alunos e o que lhes oferecido a ttulo de formao. Isso em parte se deve prpria formao dos professores, aos modelos que predominam na escola e no ensino de

    instrumento. A tendncia reprodutivista aparece fortemente, embora os participantes pontuem

    estar conscientes de tal fato.

    Por sua vez, o academicismo e o tradicionalismono ensino parecem preponderar, embora

    sejam criticados pelos docentes:

    A formao erudita nas cordas tende para o academicismo. Acontece que quem vaise profissionalizar no necessariamente acadmico e mesmo o acadmico vai parao mercado mais presente, que o de eventos. E a universidade no vai suprir asnecessidades destas habilidades. Nem o ensino tcnico, porque se presume que omsico vai continuar sempre acadmico! [H] o foco na tcnica e um repertrio especfico

    erudito. O aluno nesta formao raramente tem ouvido e geralmente precisa da partiturana frente. Ele no desenvolve os outros atalhos das suas habilidades. O foco : Fulanasegue o programa? o espelho do conservatrio do sculo XIX. A gente continuou eainda se imagina que a sociedade seja a mesma! (D).

    Fica estagnado, no prepara [para situao de trabalho real]. Voc pode ter umagravao, uma situao de improviso e o cara no sabe o que fazer muito estreitaa formao. Ele tem que aprender isto [o tradicional] e continuar se atualizando. Minhacrtica a essa estagnao do conhecimento. (A).

    Tais pontuaes sugerem a predominncia da juno entre tcnicas instrumentais e mtodos

    consagrados em detrimento de uma formao mais ampla que concilie possibilidades reais de

    trabalho. A questo de o aluno no conseguir tocar de ouvido, o que muitas vezes integrava

    suas competncias anteriores ao ingresso na escola, e limitar-se leitura do cdigo impressoem partitura faz emergir outro tpico para discusso. Ser este mais um estreitamento ao qual

    se refere o primeiro item aqui abordado, a aprendizagem de tcnicas que, ao serem priorizadas,

    parcializadas e desconectadas em programas que sequenciam contedos de forma rgida,

    descaracterizam o principal a que se destinam? O primado da cobrana por excelncia em

    moldes mecanicistas parece vincular-se a outras limitaes como o desconhecimento ou a

    desconsiderao das exigncias s quais os alunos sero confrontados em possveis situaes

    de trabalho. O que se critica parece no ser a eficincia dos mtodos em si, mas a inflexibilidade

    na sua aplicao e a desconexo com as novas demandas e com a realidade dos alunos.

    Os professores manifestaram que, no seu entender, a bagagem cultural dos alunos no

    parece ser suficientemente levada em conta na formao musical escolarizada:

    O contedo, a gente tem que dar; pro meu aluno acho que importante dar essa escala,ensinar as sonatas, ele fazer a prtica dele na festa, fazer a prtica dele com o piano, maso que acho errado a gente cortar tudo o que ele traz de fora ou ignorar o que ele vempedir para a gente. Eu acho que a gente precisa levar em considerao a prtica dele forada escola e as necessidades dele fora da escola, tentar um equilbrio com essas duascoisas: o contedo e essa coisa extracurricular. (B).

    O pressuposto de que o conhecimento anterior do aluno inexiste ou no lhe servir para

    nada e tampouco deve ser aproveitado, por revelar-se diferente dos moldes do que oferecido e

    priorizado na escola, leva ideia do aluno como tbula rasa, a ser preenchido pelo saber culto.

    As exigncias incidentes sobre o aluno precisam ser vistas com ateno, segundo o professor

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    A formao do tcnico em msica em nvel mdio na viso de professores de instrumento musical

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    B. Nesse contexto, as caractersticas fsicas e psicoafetivas dos discentes tambm podem serdesconsideradas, como pondera o professor E:

    Esse sujeito que est no curso tcnico, que est aqui aprendendo, [se] esquece que um sujeito de carne e osso, que sente, que tem problema. s vezes eu esqueo isso emnome de uma escola [metodologia] e falo: Voc vai ficar assim, assim, assado. Ento atcnica uma formao tcnica em que se esquece daquele que se est formando! (E).

    Opapel do professorfoi referenciado pelos professores A e D:

    O primeiro tpico de qualquer discusso o aluno, o aluno e a necessidade do aluno.Acho que ns estamos a servio do aluno A expectativa dele que faz a diferena e anecessidade de a gente existir como professor. (A).

    Ficamos brigando: voc no usa o mtodo tal e qual? A gente tem que ficar em funodisto [programa] ou isso tem de nos servir? A gente briga por uma aula prtica maispresente, por uma orquestra mais de acordo com o perfil dos alunos, mas muito difcil

    o dilogo com os colegas, anos a fio batendo na mesma tecla. (D).

    Tem-se o docente como acolhedor das inquietaes e solicitaes dos alunos, sinalizado pelo

    professor A, embora parea predominar a exigncia de adaptao ao programa dos diferentes

    ncleos instrumentais. As dissenses entre os professores sobre as distintas concepes acerca

    de contedos e propsito dos cursos parecem prolongar-se sem que se chegue a um resultado

    satisfatrio, levando a desgastes entre o professorado.

    O professor D revela que, no seu entender, as mudanas necessrias passam por

    adequaes de carga horria, por concepes mais abrangentes das prticas musicais que

    envolvam intersees e uma maior aproximao com as pretenses do alunado. A atual durao

    dos cursos e a articulao das disciplinas j existentes parecem ser foco de conflitos:

    A escola [de msica] tem tanta demanda de carga horria que chega a atrapalhar,especialmente os alunos da faixa etria de nvel mdio. Os alunos que vo entrar nauniversidade ficam sufocados de tanta demanda, aqui e no nvel mdio. A gente temdiscutido muito essa reduo de carga horria, mas h uma resistncia muito grande dasreas, os da terica, do coral (D).

    As exposies dos professores permitem elencar competncias tidas por relevantes para a

    incluso no mundo do trabalho e que no so, no seu entender, contempladas suficientemente

    pelos itinerrios formativos e pelas atividades realizadas na escola. Uma questo essencial

    parece ser a dicotomia entre os estilos erudito e popular, havendo maior procura por este ltimo,

    pouco trabalhado por vrios dos programas das reas instrumentais, exceto as que se dedicam

    especificamente msica popular.

    O curso de percusso popular no existe na escola, s existe curso de percusso erudita,e a gente tem discutido essa guerra, esse bl, bl, bl, erudito, popular, e fazer um cursode percusso, e acabar com esse negcio Porque a gente no est entendendo mais opercussionista como percussionista de orquestra, ele percussionista. (E).

    No que o fulano que erudito vai se transformar em popular No forar oudesvirtuar, somente ter uma postura aberta para o aluno. falar: sim, voc quer aprenderisso, ento vamos. (A).

    Os problemas levantados pelos docentes vo alm da polarizao popular-erudito, ainda

    bastante presente, e no se circunscrevem apenas a certos instrumentos, perpassando as aes

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    que os professores empreendem para dar conta das solicitaes de seus alunos. Os entraves

    que essa questo traz so relevantes para os professores E e A, e requerem solues.

    As alternativas para mudana dos cursos passam por novas posturas pedaggicasconstrudas coletivamente, o que traz desafios aos docentes e prpria instituio.

    Precisamos aprender como o autodidata aprende, como o msico popular aprende, ir lnas metodologias delesVer at onde a gente competente e encarar que no se temessa competncia e que, se quiser desenvolv-la, vai ter de aprender. Acho que a escolatem espao, tem gente bastante preparada, com vrios perfis, seno pela formao, maspela atuao Mesmo ns dos instrumentos tradicionalmente eruditos podemos atendera necessidade do aluno de fazer repertrio popular, fazer a prtica necessria para atuar.Acho que possvel, com [este] corpo docente, abrir diversificao de currculo aqui. (D).

    Os professores entendem que h recursos humanos altamente qualificados para reverter

    distanciamentos estilsticos que no se sustentam e preciosismos que no mais cabem no

    espao escolar, mormente se confrontados realidade de trabalho. Torna-se imprescindvel

    ampliar a compreenso do que a educao profissional tcnica em msica em nvel mdio,

    na medida em que preciso buscar novas metodologias e aprender com quem sabe fazer,

    sem restringir-se aos modelos j estabelecidos na educao formal. Vieira (2004) assinala que

    a necessidade de mudanas nas escolas coexiste com a resistncia, dividindo os docentes

    quanto sua capacitao e atualizao. Os valores estabelecidos na sua formao passam por

    acomodaes frente s experincias de cada um, convergindo para ruptura ou reafirmao do

    j modelizado. Segundo o professor D, os docentes da prpria escola possuem condies para

    realizar adaptaes, especialmente nas atividades prticas.

    Um espao para aplicao de uma viso mais comprometida com as demandas dos alunos

    e com as possveis inseres no mercado de trabalho parece ser o das prticas de conjunto,podendo favorecer a autonomia dos discentes e fortalecer a aplicao do aprendido, sendo

    estas funes da escola, conforme o mesmo professor.

    Acho que ideias e experincias existem, e a gente pode atender as especificidades demercado e de atuao, ou, no ps-tcnico, o aluno pode concluir o tcnico tradicionale vir depois fazer essa formao em dois semestres, ou mesmo no choro ou no samba,o que seja. E pode se abrir disciplinas prticas, que so as convergentes. Acho que aproposta cabe muito bem para essas disciplinas, onde o aluno que construiu uma tcnicabsica com o instrumento a partir de tcnicas especficas de repertrio venha a usar essatcnica em funo da sua atuao musical, e no ao contrrio. O que eu constru detcnica bsica vai me servir para eu escolher aonde eu quero ir, aonde eu posso ir, aonded para eu ir. Acho que papel da escola. (D).

    Quanto ao seguimento de carreira e continuidade de estudos, o professor C assinala:

    De um ideal tcnico, [o aluno] talvez devesse sair profissional daqui. Profissional mesmo,ainda no. Est bem preparado para entrar numa universidade, no mximo Precisa,acho que precisa passar pela graduao [O aluno segue para a graduao] por umaexigncia do mercado, para o concurso do Corpo de Bombeiros do DF [por exemplo].No acho que [com a formao tcnica de nvel mdio] est completo, ou que completoo curso superior aqui. Acho at [que tem] diversas falhas, mas o momento em que oaluno escolhe: agora vou ser profissional.

    Parece ser predominante a viso do curso tcnico como intermedirio na formao,

    sendo a graduao uma alternativa para alguns e um imperativo para outros como momento

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    A formao do tcnico em msica em nvel mdio na viso de professores de instrumento musical

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    decisivo para opo profissional. As contingncias locais do mercado de trabalho reforam a

    tendncia de ingresso no curso superior, em parte por ser entendido como sequncia natural

    para aprimoramento dos estudos, em parte por no haver colocao imediata no mercado formalpara o tcnico em msica de formao instrumental, de maneira a assegurar economicamente

    sua permanncia nesse estrato. Alie-se a essa viso a solicitao de curso superior de qualquer

    natureza para ingresso na carreira de msico em entidades pblicas, j explicitado em falas

    anteriores. O percebimento de maior remunerao por meio de um plano de carreira que exija

    essa escolaridade tambm contribui para o relativo enfraquecimento do papel do curso tcnico

    como meta formativa.

    Ao traar o perfil dos alunos nos cursos tcnicos dessa escola, mediante anlise dos

    dados administrativos disponibilizados, nota-se uma superposio entre a frequncia ao curso

    tcnico em msica em nvel mdio e graduao. Isso se deve em parte pelo incio tardio do

    alunado, em parte pela durao dos cursos tcnicos que em sua maioria perfaziam, quando

    dessa coleta de dados, oito semestres precedidos de um curso bsico varivel. A dificuldade emobter um trabalho mais estvel e a cultura propedutica do nvel mdio, sendo o curso superior

    uma continuidade vista como natural, parecem limitar a formao exclusiva em msica em nvel

    tcnico, pesando tambm a noo de contnuo aprimoramento que a profisso de msico traz,

    constitutivamente.

    A exigncia de licenciatura em msica para realizao de concursos para o ensino regular

    tem fomentado a procura por cursos superiores. Pontua-se ainda que alguns cursos tcnicos

    de nvel mdio em msica, ministrados nos Institutos Federais, incorporam em seu currculo a

    pedagogia do instrumento, especialmente em flauta doce e violo, instrumentos frequentemente

    utilizados em aulas e atividades de msica nos cursos regulares na educao bsica. Remete-se

    aqui s consideraes de Penna (2007) sobre a necessidade de formao pedaggica especfica

    para todos os nveis de atendimento em msica, o que se contrape herana tradicionalista

    j apontada por Vieira (2004). Essas questes foram trazidas pelo grupo focal, sendo que a

    sequncia ao nvel superior tambm entendida como lgica frente s solicitaes de certificao

    para concursos pblicos em msica, mesmo que no obtida nesse campo de conhecimento.

    De forma sinttica, pode-se afirmar que, no entendimento dos professores que participaramdo grupo focal, h um distanciamento entre a formao proposta e a possibilidade de integraoefetiva ao mercado de trabalho, especialmente o local, no qual predominam o mercado deeventos e as aulas informais como colocaes mais imediatas para egressos dos cursostcnicos. Nesse tocante, como prevalece o programa e no h enfoque no preparo pedaggicoespecfico, o despreparo dos novos tcnicos parece ser duplo. A falta de interao entre o eruditoe o popular tnica comum, sendo o ensino baseado em repertrio erudito e nos mtodostcnicos consagrados. Frente ao elencado pelos professores quanto atualizao dos cursos eos propsitos discentes, a efetividade do programa foco de grandes questionamentos.

    Constatou-se que as noes de competncias para consecuo da atividade permearamvrias falas dos participantes. A alta carga horria ainda existente no curso tcnico foi postaem cheque, visto que as disciplinas e os contedos esto sendo discutidos para reformulaodos itinerrios formativos. As indagaes dos participantes sobre o termo curso tcnicoexplicitam que, no seu entender, h uma diferenciao ao ser aplicado rea de msica e

    guisa de

    concluso

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    qualificao em arte. A formao oferecida referencia-se em moldes tradicionais e enfatiza o

    artista de palco, cuja insero laboral bastante limitada. Apesar das formaes singulares,

    chamam ateno as expresses comuns entre os docentes em carter de no conformidade situao. Os participantes assinalam suas tentativas de reverso de um modelo que se apresenta

    restritivo como formao para o trabalho, corroborados por suas experincias, nas suas aes

    pedaggicas e nas suas atuaes como msicos performticos.

    A formao erudita predomina, havendo uma busca por denominadores comuns com as

    prticas populares como modo de aproximao realidade dos alunos, s solicitaes do mundo

    do trabalho e s adequaes pedaggicas que tais interaes trazem. Os professores sinalizam

    urgncia por reconfiguraes dos cursos tcnicos em funo desses quesitos e a carncia de

    outros enfoques na formao de docentes que atuem na educao profissional, convergindo

    para um olhar reflexivo sobre as prprias prticas.

    Para alguns, o programa traz benefcios tcnicos com diferentes possibilidades de uso,

    tratando-se apenas de redirecionar uma base nica adquirida mediante estrito seguimento

    programtico. Para outros, o programa se sustenta apenas para um tipo de qualificao. O

    espao formativo visto como til ao que pretende ser msico de palco, sendo entendido que

    esse no o nico objetivo da instituio. Apesar do forte ensino tradicional neste meio, onde a

    concepo do curso tcnico de nvel mdio como preparao para o seguimento de estudos tem

    preponderado, a posio dos professores de abertura, conscientizao e comprometimento

    com mudanas que pensam imprescindveis. Transparecem tambm inquietaes frente

    lentido desse processo e s negociaes coletivas que ele acarreta, apesar dos direcionamentos

    postos na documentao normativa especfica.

    Ressalva-se que a ausncia de representantes de outras reas instrumentais pode levar

    a vieses. Contudo, o surgimento de problemticas comuns no decorrer do grupo focal permitehipotetizar divergncias entre as finalidades dos cursos, a sua consecuo re al e sua efetividade

    como formao para o trabalho.

    A viso docente aqui analisada provoca reflexes e impulsiona a necessidade de conhecer

    o que pensam os demais atores no espao da educao profissional tcnica em nvel mdio.

    Coloca-se, assim, agenda de pesquisas empricas que elucidem a atuao das escolas tcnicas

    especializadas frente s demandas sociais presentes, enfocando as relaes entre msica,

    educao e trabalho.

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    A formao do tcnico em msica em nvel mdio na viso de professores de instrumento musical

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    referncias

    Recebido em29/04/2012

    Aprovado em03/06/2012