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FORMAÇÃO DO PEDAGOGO NO BRASIL CONTEMPORÂNEO:
CONTRADIÇÕES EM EVIDÊNCIA?
Adriana Machado Penna1
Lorene Figueiredo2
Jéssica Angelo Pereira3
Marcilene Rodrigues4
Introdução
A universidade pública brasileira vem sofrendo reformas que se articulam com
os ditames do grande capital internacional. Atentos a esta conjuntura temos por objetivo
neste artigo chamar a atenção para a formação do pedagogo sob as circunstâncias
experimentadas pela universidade pública contemporânea. À universidade são impostos
limites que dificultam a promoção de uma ‘formação omnilateral’5 na qual o saber
científico, acumulado pelos homens durante a sua história, possa ser socializado. Nesse
sentido, questionamos: Como a atual dinâmica produzida pelas relações entre trabalho e
educação tem se expressado na formação do pedagogo? Quais os impactos dessas
relações na práxis do futuro pedagogo?
Inicialmente faremos um breve resgate da concepção original de universidade
implementada no Brasil. Nossa intensão será identificar as principais transformações
experimentadas por este modelo de universidade e suas consequências sobre a realidade
atual.
1 Doutora pelo Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da UERJ; Professora do curso de
pedagogia da Universidade Federal Fluminense – INFES - Instituto Noroeste Fluminense de Educação
Superior, Campus Santo Antônio de Pádua – RJ; Lider do Grupo de Pesquisa Centro de Pesquisa
Marxismo, Educação e Emancipação Humana – CPMEEH – CNPq. 2 Doutora pelo Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas e Formação Humana da UERJ;
Professora do curso de pedagogia do INFES; pesquisadora do CPMEEH. 3 Pedagoga pelo INFES, pesquisadora do CPMEEH.
4 Graduanda no curso de pedagogia do INFES; Monitora das disciplinas do campo Trabalho e Educação;
pesquisadora do CPMEEH. 5 Educação omnilateral entendida aqui, segundo a herança marxista nas palavras do professor Mário
Manacorda* (1964, apud. Saviani, 2003, p. 145), como uma concepção de formação humana que busca
unificar “teória e prática, opõe-se à divisão originária entre trabalho intelectual e manual, que a fábrica
moderna exacerba”. SAVIANI, D. O choque teórico da politecnia. In: Trabalho, Educação e Saúde, 2003.
Disponível em: http://www.revista.epsjv.fiocruz.br/upload/revistas/r41.pdf
*MANACORDA, M. A. 1964. Il marxismoe l’educazione. Roma. Armando.
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Num segundo momento defenderemos a concepção de ‘formação humana’ e de
‘formação omnilateral’ como sendo o ideal para os interesses da classe trabalhadora de
modo geral, e para a formação do pedagogo de forma específica. Por fim indicaremos
alguns aspectos da reforma da universidade pública brasileira, destacando seus impactos
sobre a formação do pedagogo.
1- Universidade Pública sob a influência da expansão do capital
A universidade pública vive uma conjuntura, sobretudo a partir de 19946, na
qual o Banco Mundial (BM) passou a disseminar mais intensamente suas políticas para
o ensino superior em muitos países latino-americanos. Dando sequência a suas
investidas o Banco lança um documento intitulado “Higher Education: the Lessons of
Experience” no qual, entre outras questões, afirma que “Nações situadas na classe de
renda baixa ou médio-baixa [...] devem se limitar a desenvolver a capacidade para
acessar e assimilar novos conhecimentos. (World Bank: La Educación Superior en los
países en desarrollo: peligros y promesas, 2000, p.38, apud. LEHER, 2011 grifos do
autor). Tal documento demonstra sua harmonia com a nova lógica de gestão do
trabalho, esta última submetida à reestruturação produtiva mundialmente hegemônica a
partir dos anos de 1980. Decorre daí a exigência de um novo tipo de trabalhador que,
dotado de subjetividades impostas pelo mercado, sejam capazes de adaptar-se às
condições de flexibilidade e imprevisibilidade presentes na divisão internacional do
trabalho contemporânea. Assumir um perfil emprendedor passa a ser a nova senha que,
segundo o discurso pós-moderno, supostamente garante as condições de acesso ao
trabalho. Tudo isso sem que se revele a raíz das crises capitalistas, do desemprego
estrutural nem, tampouco os mecanismos de acréscimo de extração de mais-valia
(absoluta e relativa).
6 Roberto Leher chama a atenção para o ano de 1994 tendo em vista o documento publicado pelo Banco
Mundial sob o título “Educação Superior: lições derivadas da experiência” que, em síntese, já anunciava a
necessidade de políticas voltadas à educação superior em muitos países latino-americanos, em perfeita
harmonia com as suas frações burguesas dominantes. Nesse sentido, o objetivo maior daquele documento
seria o de iniciar a empreitada de desconstrução do chamado “modelo europeu” de universidade.
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Estudos que datam dos anos de 19907 são enfáticos ao demonstrar que a
intervenção dos organismos internacionais na educação superior passou a primar pela
desconstrução do chamado “modelo europeu de universidade”, o mesmo que serviu de
base à implementação da universidade brasileira e que, pelo menos nas últimas três
décadas, têm sido demolido pelos governos brasileiros. Tal fato ensaiou seus primeiros
passos desde Collor de Mello, sendo alavancado pelos governos FHC e seguidamente
aprofundado pelos governos Lula/Dilma. Esses governos, adeptos fieis às orientações
dos organismos internacionais também no setor da educação, criam as condições
objetivas para a efetivação daquilo que para o BM é fundamental. Ou seja, o fato de que
“a indissociabilidade entre ensino e pesquisa e a gratuidade das instituições públicas, os
traços mais distintivos deste modelo [modelo europeu de universidade], seriam
anacrônicas com a realidade latino-americana” (LEHER, 2011). Nesta linha de
pensamento, vale destacar ainda que o “modelo europeu de universidade” nasce e ganha
força ao ser propalado pelo próprio discurso liberal desde finais do século XVIII e todo
o século XIX. A universidade moderna foi um instrumento funcional à solidificação do
Estado-nação e, portanto, necessária à consolidação de uma nova sociedade contratual.
Deste modo, o “modelo europeu de universidade” apregoado por Humboldt8 entendia a
busca do conhecimento como um fim em si mesmo. Tratava-se, portanto, da produção
do conhecimento desinteressado.
Para Sguissardi (2005, 2008) já é bastante visível algumas mudanças
experimentadas pelas maiores universidades brasileiras; mudanças impostas ao modelo
7 Entre eles podemos destacar estudos de alguns autores brasileiros (apenas a título da relevância de suas
análises sem, contudo, descaracterizar outras pesquisas de viés crítico e que têm contribuído para o
aprofundamento do tema). Chamamos a atenção aqui para trabalhos publicados por: CHAUI, M. A
universidade em ruínas. In: TRINDADE, H. (Org.). Universidade em ruínas na república dos professores.
Petrópolis: Vozes; Porto Alegre: CIPEDES, 1999; CUNHA, L.A. Crise e reforma do sistema
universitário: debate. Novos Estudos CEBRAP. São Paulo, n. 46, 1996; CUNHA, L.A. Nova reforma do
ensino superior: a lógica reconstruída. Cadernos de Pesquisa. São Paulo: Fundação Carlos Chagas, n. 101;
GENTILI, P. A. falsificação do consenso: simulacro e imposição na reforma educacional do
neoliberalismo. Petrópolis: Vozes, 1998; LEHER, R. Da ideologia do desenvolvimento à ideologia da
globalização: a educação como estratégia do Banco Mundial para o “alívio” da pobreza. Tese de
Doutorado, USP, 1998; LIMA, K. Reforma da Educação Superior nos anos de contra-revolução
neoliberal: de Fernando Henrique Cardoso a Luiz Inácio Lula da Silva. Tese de Doutorado defendida na
Universidade Federal Fluminense – Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação, 2005;
NEVES, Lúcia M.W., FERNANDES, Romildo Raposo. Política neoliberal e educação superior. In: O
empresariamento da educação: novos contornos do ensino superior no Brasil dos anos 1990. São Paulo:
Xamã 2002. 8 Modelo de universidade propagado por von Humboldt (Alemão que viveu entre 1769-1859).
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humboldtiano e que têm reflexos sobre o ensino-pesquisa-extensão. A implicação desse
processo resulta numa educação superior “pública e privada, neoprofissional,
heterônoma e competitiva”.
Saviani (PERSPECTIVA, 2008, p. 643) nos mostra que a universidade brasileira já
em meados dos anos de 1960 passava por uma forte alteração, introduzindo mudanças
de fundo em sua estrutura organizacional. No caso do ensino superior, diz Saviani, “nós
temos a regulamentação de 1969, decorrente da Lei 5540, de 19689”. Essa
regulamentação provocou a alteração no ensino superior, adotando um modelo com
fortes características que buscavam adaptar-se ao “modelo americano” de universidade,
priorizando suas concepções de investimento e organização científica e tecnológica.
Abre-se as portas da universidade brasileira para a priorização das análises pragmáticas
e cada vez mais funcionais às conjunturas políticas, econômicas e ideológicas
dominantes.
Foi sob este contexto que entra em vigor o sistema de créditos, a matrícula por
disciplina, os cursos semestrais, a departamentalização, além da separação entre ensino
e pesquisa. Essas são, argumenta Saviani, “consequências sérias que dizem respeito à
qualidade, negativas a meu ver, do ensino superior” (SAVIANI, 2008).
Ainda, segundo Saviani (Ibid.), a questão da precarização atual do ensino
superior concentra-se, sobretudo, nessa estrutura assimilada pela universidade brasileira.
Ora, fez-se o tempo toda a crítica ao modelo implantado pela reforma
universitária de 1968, fez-se a crítica às universidades, ao tecnicismo e
tudo mais. Depois vieram outras propostas, como a do Grupo
Executivo para a Reformulação do Ensino Superior (GERES) criado
em 1986, pelo então Ministro da Educação, Marco Maciel, que
introduziu a distinção entre universidades de pesquisa e universidades
de ensino. Mas não se modificou a estrutura, não se discutiu a
estrutura. Então, fala-se em reforma universitária, em reforma
curricular, mas mantém-se a estrutura atual, sendo que essa
estrutura é um óbice sério para uma educação mais qualitativa e
para o encaminhamento da formação para uma outra direção (SAVIANI, 2008, p.643-644, grifo nosso)
9 Aqui Saviani remete-nos ao Decreto-lei 477, de fevereiro de 1969 e suas portarias 149-A e 3524, que
como nos mostra Shiroma (2000, p. 35) “se aplicavam a todo o corpo docente, discente e administrativo
das escolas, proibindo quaisquer manifestações políticas nas universidades”.
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Sobre esse aspecto, vale lembrar do próprio movimento pela reformulação da
formação de educadores que, segundo as afirmações de Saviani (2008), avançou em
relação a determinadas questões, mas “nunca se aprofundou sobre questões ligadas a
própria estrutura da universidade enquanto instituição”.
No entanto, é preciso ficar claro que embora na segunda metade do século XX a
universidade tenha expressado suas contradições, ao produzir “majoritariamente
conhecimento funcional ao modelo dependente”, também foi neste mesmo período que
produziu – tanto em quantidade, quanto em qualidade – conhecimento crítico e
emancipatório “embora de forma minoritária” (LEHER, 2011). Cabe aqui destacar, por
exemplo, a emergência da pós-graduação em várias áreas do conhecimento. É fato que o
regime militar trouxe uma expansão da oferta de vagas públicas nas universidades, além
de sua proliferação em vários estados do país. Mas, ao mesmo tempo, também passou a
viabilizar “a transferência de recursos públicos para as instituições privadas de ensino
superior”, beneficiando seu crescimento em todo o país e com o controle débil por parte
do governo. O resultado disso, como nos alerta Shiroma (2000, p. 37), é que ao
retomarmos a década de 1990 fica visível a marcha ascendente do ensino superior
privado no qual “a rede particular de ensino superior atendia a 66,97% dos alunos,
restando à oficial 33,03%”.
Para efeitos de nossos estudos, as consequências de todo esse processo –
especificamente sobre sua expressão contraditória na educação e na formulação dos
cursos de graduação e pós-graduação – está na perigosa ameaça no que diz respeito à
produção do conhecimento de futuros educadores e de suas atividades político-
pedagógicas. Esta questão ganha um novo redirecionamento a partir dos anos de 1990
ao ser conduzida pelos organismos internacionais. Novos obstáculos são materializados,
inviabilizando a adoção de uma concepção de educação e de formação humana
emancipadoras.
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2 – ‘Educação omnilateral’ e ‘Formação Humana’
A educação enquanto processo de ‘formação humana’, se faz determinada por
ações que envolvem o próprio homem e a sua atividade através do trabalho; categoria
que funda o homem enquanto gênero humano e produtor de cultura. Assim, o ser social
se apropria do máximo de humanização produzido pela ação e pela interação dos
homens, concretizando-se nesse processo de apropriação/objetivação da cultura a
condição para a criação e recriação de novos conhecimentos, obras e produtos, valores e
normas, padrões e projetos sociais (NETTO e BRAZ, 2007).
Cabe-nos aqui explicitar algumas considerações acerca da transmissão do
conhecimento e sua relação com a formação do pedagogo e seu papel frente ao
“trabalho educativo”10
para a formação humana emancipada.
Chamamos a atenção, porém, para as relações entre trabalho, educação e a
‘formação humana’ que encontram-se submetidas aos padrões hedonistas de
competitividade e individualidade, perdendo a sua especificidade humanizadora. Sob
tais condições, a ‘formação humana’ tem sofrido fortes interferências que emergem dos
interesses das classes dominantes, aprofundando a alienação da humanidade e, ao
mesmo tempo, adiando a transformação humana tantos nos seus aspectos quantitativos,
quanto nos qualitativos. Nesse contexto, o conhecimento produzido ao longo da
história da humanidade mantem-se sob o controle da lógica da propriedade privada,
favorecendo as formas pragmático-cotidianas de transmissão do saber.
A lógica acima se faz cada vez mais presente na escola da classe trabalhadora, na
escola pública. No entanto, aparentemente, ao mesmo tempo em que o conhecimento é
negado na escola, tem-se a ilusão de que nunca esteve tão acessível a “todos”,
independentemente das circunstâncias marcadas pelas relações de classes antagônicas.
Cabe jogar luz nesta contradição, além de questionar: a que tipo de ‘formação humana’
esse modelo efêmero de conhecimento tem-se associado?
10
“Trabalho Educativo” entendido na perspectiva de Dermeval Saviani (2003*), como o ato de produzir
direta e intencionalmente, em cada indivíduo a humanidade produzida histórica e coletivamente pelo
conjunto dos homens.
*SAVIANI, Dermeval. Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações. Campinas: Autores
Associados, 2003.
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Duarte e Saviani (2012) destacam que a situação atual da ‘formação humana’ está
caracterizada de forma genérica por uma crise de referenciais teóricos. Sob este aspecto,
cabe àqueles que atuam na formação do educador priorizar o seu processo de
humanização levado a efeito pela educação. Desta forma, os autores acima defendem
que à filosofia da educação cumpre o papel preliminar de estabelecer a própria
identidade da educação, pois sua tarefa consiste em uma “reflexão radical, rigorosa e de
conjunto sobre os problemas que a realidade apresenta”. Daí a defesa da concepção
omnilateral de educação.
Ao contrário da defesa acima, constata-se o crescente fenômeno do aligeiramento
e da simplificação do real rumo ao conhecimento pragmático, espontâneo e imediato.
Assim, a busca por instrumentos que nos levem para além da aparência do objeto a ser
apreendido exigirá um elevado nível de pensamento abstrato, o qual se dá no campo das
ideias. Resumindo podemos afirmar que esse movimento “ideal” passa a exigir novos
questionamentos que negam a realidade imediata e fragmentada, levando-nos ao
conhecimento da realidade concreta, rica de suas múltiplas determinações. Este caminho
de produção do conhecimento, em busca da totalidade do objeto e da compreensão de
sua síntese, tem por principal objetivo desvendar a essência que constitui as relações
sociais capitalistas e suas formas de dominação do homem sobre o homem.
No entanto há limites que se impõem e que dificultam este percurso de apreensão
do real. Limites entre os quais se destaca a educação dominante enquanto processo de
‘formação humana’, pois ao mesmo tempo em que o capital precisa educar a classe
trabalhadora tem que fazê-lo de forma ponderada, “em doses homeopáticas”. Como se
vê, a educação enquanto instrumento da ideologia dominante não escapa de suas
próprias contradições. Destaca-se, assim, a empreitada do capitalismo em fragmentar e
aligeirar a formação daquele que exerce a função educativa. A constatação que se faz
aqui é a seguinte: uma formação deficiente dos conteúdos inerentes ao conhecimento
universal, aos clássicos, às artes, à filosofia, às ciências de um modo geral, acaba por
contribuir para a formação de um sujeito alienado e imerso no cotidiano. Sendo assim, a
educação de futuros pedagogos como instrumento da ‘formação humana’,
fundamentada pela concepção omnilateral vem sendo recorrentemente descaracteriza e
negada pela escola capitalista.
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Se não há, do ponto de vista capitalista, a necessidade de sujeitos humanizados, ou
seja, se não há a necessidade da formação do “indivíduo em si” (DUARTE, 2013), por
que, então, investir em uma formação do pedagogo, ou do docente voltada para
emancipação humana? Inserida nesta lógica, a universidade vem perdendo a ênfase na
transmissão das ciências, da cultura etc., nos cursos de formação de pedagogos.
Não está em questão nesta nova lógica, por exemplo, o grau de complexidade
dos conhecimentos apropriados pelo sujeito. Portanto, se existe a necessidade de um
novo sujeito, forjado pela atual fase do capitalismo, há também uma investida do capital
no sentido de reestruturar a formação dos educadores. Estes ocupam um papel
fundamental na transmissão dos conhecimentos e na construção do horizonte ético e
político da classe trabalhadora. O que se percebe nessa breve análise é a presença da
desvalorização do conhecimento, atingindo tanto a formação do pedagogo e do
educador de modo geral, refletindo na sua ação pedagógica. Diante desta lógica e sob a
sua imposição, Martins (2011, p. 27) argumenta:
Os professores já não mais precisarão aprender o conhecimento
historicamente acumulado, pois, já não precisarão ensiná-lo aos seus
alunos, e ambos, professores e alunos, cada vez mais empobrecidos de
conhecimentos pelos quais possam compreender e intervir na
realidade, com maior facilidade, se adaptarão a ela pela primazia da
alienação.
Os imperativos ideológicos, políticos e econômicos que emergem da dinâmica
liberal, tais como o consumismo, o individualismo e a competitividade, têm assumido
um lugar de destaque nas propostas e políticas para a educação superior, como vimos
acima. Não é de forma desinteressada que há tempos vem se empreendendo uma
campanha ideológica a favor da educação para “todos”.
O “trabalho educativo” constitui-se como processo humanizador – e aqui reside
a contradição da escola capitalista referida acima – entretanto, como pondera Saviani
(2008, p. 69), “acreditar que estão dadas, nesta sociedade, as condições para o exercício
pleno da prática educativa é assumir uma atitude idealista”. O capitalismo, sobretudo na
sua atual fase, não pode permitir sua investida na escola da classe trabalhadora.
Nesse sentido, Saviani afirma que o alcance da “plena prática educativa”
entendida como “plenitude humana” para uma formação emancipada, só será alcançada
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com a superação do antagonismo inerente à sociedade de classes. “Ser idealista em
educação” insiste Saviani, “significa justamente agir como se esse tipo de sociedade já
fosse realidade. Ser realista, inversamente, significa reconhece-la como um ideal que
buscamos atingir” (Ibid, p. 70).
3 - O Banco Mundial como educador dos países em desenvolvimento: um banco
que educa?
Em 1944 os EUA e o Reino Unido dão origem o Banco Mundial11
. Tal fato se
deu durante as então denominadas Conferências de Bretton Woods, as quais passam a
estabelecer as regras para as relações de mercado entre os países mais industrializados
do mundo e sua política internacional. O BM tinha por objetivo inicial reconstruir a
Europa após a Segunda Guerra Mundial. Posteriormente, em função de suas ações junto
à conjuntura mundial da época, passou também a atuar como instrumento central
também frente às formulações das políticas educacionais, sobretudo junto aos países
ditos em processo de desenvolvimento. Em sua origem o banco tinha como foco de ação
a relação entre a pobreza de inúmeros países periféricos e a instabilidade econômica em
curso em função da relação entre os EUA e grande parte do mundo. Sob esta
perspectiva a pobreza colocaria os países em perigo de segurança, fazendo, deste modo,
que parte da atenção do banco fosse voltada, sobretudo, para programas desenvolvidos
em países que atendessem diretamente “populações possivelmente sensíveis ao
‘comunismo’” (LEHER, p. 22)
As convulsões internas em quase toda a metade sul de nosso planeta,
nesta última década [anos 60 e 70], tem estado ligadas diretamente às
tensões explosivas engendradas pela pobreza (...). A pobreza no
exterior conduz à intranquilidade, a convulsões internas, a violências e
11
O Banco Mundial teve sua origem com a criação do Banco Internacional de Reconstrução e
Desenvolvimento (BIRD) nas Conferências de Bretton Woods, em 1945, junto com o Fundo Monetário
Internacional (FMI) e o Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT). Inicialmente cabia ao Banco
Mundial promover o financiamento e reconstrução dos países destruídos pela Segunda Guerra Mundial.
Com o tempo sua missão evoluiu para a de financiar o desenvolvimento dos países mais pobres.
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à expansão do extremismo e provoca o mesmo dentro de nossas
fronteiras (MCNAMARA, apud PEREIRA 2010, p. 179).
Assim, a pobreza ganha relevância e é a partir deste momento que o BM passa a
intervir massivamente no campo da educação: “Por meio de escolas técnicas, programas
de saúde e controle da natalidade, ao mesmo tempo em que promove mudanças
estruturais na economia desses países, como a transposição da “revolução verde” para o
chamado Terceiro Mundo” (LEHER, p. 22).
Observa-se, ao mesmo tempo, que entre 1968-1970 os empréstimos na área da
educação eram de US$ 62 milhões e passaram para US$ 194 milhões em 1971-1973. “A
justificativa oficial para os desembolsos em educação continuava a ser,
irredutivelmente, a sua contribuição ao aumento da produtividade da economia”
(PEREIRA, 2010, pg 197). A partir deste período a educação passa a ser vista como
uma forma de lutar contra a pobreza ao ponto que ela se torna um elemento central no
ideal do capital humano.
A partir de 1981, sob as circunstâncias de reestruturação da produção mundial, o
banco secundariza o programa de redução da pobreza e assume um programa político
neoliberal. Leher (1999), ao analisar a mudança de política do banco descreve que
muitos “fatores concorreram para o esgotamento da estratégia centrada na conexão
segurança-pobreza. O principal deles, sem dúvida, foi a crise estrutural do capitalismo
que pôde ser evidenciada no início da década de 1970 (LEHER, p. 5).
A crise dos anos de 197012
, destacada acima por Leher fez com que os países em
desenvolvimento aumentassem as suas dívidas com o banco, aumentando seu poder e
12
Crise esta que repercutiu em todo o mundo e mostra seu peso ainda na atualidade por, de certa forma,
ter colaborado para a transição do Estado de Bem-Estar para o Estado neoliberal, sem que se
identificassem maiores resistências da classe trabalhadora. Esta crise teve no ano de 1973, o período que
marca o fim do processo de crescimento que fora estabelecido desde o final da segunda Guerra Mundial.
Foi no ano seguinte, em 1974, que despontou o início de mais uma grande crise histórica na qual as
contradições se tornaram cada vez mais evidentes, expressando-se na forma de recessão generalizada
sobre todas as grandes potências capitalistas simultaneamente, porém, especialmente sobre os Estados
Unidos da América, o Japão e o Reino Unido. Sob as circunstâncias da crise estrutural do capital, aberta
nos anos de 1970 e prolongando-se até a abertura do novo século, assiste-se ao acirramento da opressão e
de superdimensionamento dos artifícios que tentam justificar o desemprego estrutural, ou seja, o crescente
contingente de trabalhadores que compõem o exército de reserva ao redor do mundo. A resposta
dominante sempre apontou como sendo o grande culpado o trabalhador despreparado, inapto a lidar com
o arsenal tecnológico e informatizado que passou a integrar um mundo mais veloz e mais compacto.
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estimulando a investida de seus programas de ajustes estruturais “que se baseavam na
contenção do consumo interno, no arrocho salarial, no corte de gastos sociais e na
redução do investimento público, tudo para assegurar o pagamento do serviço da
dívida” (PEREIRA 2010, p 250).
Centralizando-nos mais pelas questões relativas às políticas do banco para a
Educação Superior, temos em 1994 o lançamento do documento La Enseñanza Superior
– Lãs Lecciones derivadas de La Experiência, que traz recomendações para este nível
de ensino. O documento faz uma consideração ao modelo europeu de instituição de
ensino superior, afirmando que:
O modelo tradicional de universidade europeia de pesquisa, com sua estrutura
de programa de um só nível, tem demonstrado ser custoso e pouco apropriado
no mundo em desenvolvimento. A maior diferenciação na educação superior, o
desenvolvimento de instituições não universitárias e o fomento de
estabelecimentos privados, pode contribuir para satisfazer a crescente demanda
social por educação pós-secundária e fazer os sistemas de nível terciário serem
mais sensíveis às necessidades mutantes do mercado de trabalho (BANCO
MUNDIAL, apud. GREGÓRIO 2012, p. 9).
Tal documento demonstra sua harmonia com a nova lógica da gestão do
trabalho, hegemônica a partir dos anos de 1980. Decorre daí a exigência de um novo
tipo de trabalhador que, dotado de subjetividades impostas pelo mercado, seja capaz de
se adaptar às mudanças contínuas tais como flexibilidade e a imprevisibilidade
presentes nas atuais circunstâncias da divisão internacional do trabalho. Portanto,
assumir um perfil empreendedor passar a ser a nova senha que segundo o discurso pós-
moderno, supostamente garantirá as condições de acesso ao mundo do trabalho. Tudo
isso sem que se revele a raiz das crises capitalistas, do desemprego estrutural e o
avançado processo de exploração do trabalho.
No tocante às especificidades brasileiras, vale relembrar aspectos gerais da reforma
jurídico-administrativa efetivada no governo FHC, que preparou o terreno para a
entrada das grandes corporações internacionais no país. Além das ameaças de
privatização das instituições públicas (que em determinados contextos, ultrapassaram o
campo da mera ameaça) que passam a se submeter ao projeto neoliberal. É importante
ressaltar que se este modelo de Estado (neoliberal) teve seus primeiros passos ensaiados
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nos dois governos FHC, obtendo avanços significativos, foi nos governos Lula/Dilma,
que tal modelo teve suas características amplamente aplicadas e aprofundadas.
As intervenções cada vez mais diretas dos organismos internacionais na educação
dos países da periferia da economia mundo buscam justificativas no discurso da
educação como um dos principais instrumentos para a minimização da pobreza entre os
povos e seu desenvolvimento econômico. É nessa perspectiva que os organismos
internacionais e seus programas de alívio à pobreza elegem a educação como alavanca
econômica para países da periferia do mundo, a exemplo do Brasil. Ou seja, assistimos
a retomada da ‘Teoria do Capital Humano’13
sob outra concentricidade, determinada
pelo aprofundamento de mais uma crise cíclica do capitalismo, buscando sustentação na
ideologia de um mundo supostamente globalizado e na ilusória ‘sociedade do
conhecimento’14
.
O discurso dominante busca sua justificativa na integração das universidades às
transformações e às significativas exigências, cada vez maiores, das ciências e das
tecnologias de ponta, adequadas às novas formas de produção mundial. Neste contexto,
a acusação mais comum é que as “universidades públicas são burocráticas,
conservadoras, elitistas e vivem protegidas por uma redoma de vidro que impede que se
tornem instituições ‘integradas’ com a sociedade, como se pudesse existir instituição
social fora da sociedade!” (LEHER, 2011).
Assim, os governos brasileiros, desde meados dos anos de 1990 têm adotado um
perfil aligeirado e massificado de educação superior, descaracterizando e fragmentando
aquele que tem sido historicamente o modelo da universidade clássica, sustentado sob o
tripé: ensino, pesquisa e extensão. Tal modelo tornou-se, segundo seus críticos,
13
A concepção de Capital Humano sob a perspectiva de Gaudêncio Frigotto (2001) em “A Produtividade
da Escola Improdutiva” ressalta que tal teoria “incute a crença de que as desigualdades regionais, a
concentração e a centralização do capital não são decorrência da própria forma de organização e das
relações capitalistas de produção, mas apenas de desequilíbrios determinados por diferentes fatores. A
diferença entre as classes reduz-se, como vimos, a uma diferença de estratos socioeconômicos, explicada
pela forma racional de utilização dos recursos (poupança, privação, etc.), pelo esforço e pelo mérito. [...]
Conceito que traduz a ideia de que a forma de ascender na vida é mediante a hierarquia dos postos de
trabalho nas diferentes escalas profissionais, onde o fator educação ou treinamento é determinante” (p
220-221). 14
Para uma análise mais aprofundada, consultar: DUARTE, Newton. Sociedade do Conhecimento ou
Sociedade das Ilusões? quatro ensaios críticos-dialéticos em filosofia da educação. Campinas, SP:
Autores Associados, 2008
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ultrapassado frente a um mercado soberano e versátil que, como afirma a professora
Acácia Kuenzer, teve a sua vinculação fragmentada
(...) entre formação escolar e exercício profissional, o que significa
dizer que a função certificadora de competências até então exercida
pelas agências formadoras, inclusive Universidades, passa a ser
desempenhada pelo mercado, que vai dizer que competências precisa
para cada situação, em que quantidade, e por quanto tempo
(KUENZER, 2003, o grifo é nosso).
Adepto da lógica mercantilista, pragmática e instrumental, tanto os cursos de
graduação, como os de mestrado (especificamente aqueles que atendem à modalidade
profissional), têm sido instrumentalizados e reestruturados com a finalidade de
responder diretamente às necessidades dos serviços oferecidos no mercado. Yolanda
Guerra (2012) afirma que ao se realizar a análise dos Planos Nacionais de Pós-
Graduação dos últimos 20 anos é possível verificar o aprofundamento de uma histórica
política de fomento, voltada a atender aos interesses meramente produtivistas da
indústria brasileira. Nesta perspectiva a autora demonstra que tal operação se dá na
direção de formar recursos humanos para o mercado, através de parcerias com
empresas.
Nesta mesma direção Roberto Leher (2011) vai mais longe ao afirmar que a
universidade brasileira foi construída a duras penas e em intervalo de tempo muito
pequeno, sendo o Brasil o último país da América Latina a ter instituições propriamente
universitárias. Na contemporaneidade, o modelo brasileiro de universidade é
“considerado um estorvo a ser reformulado inteiramente para atender às necessidades de
um mercado capitalista dependente que já não estaria demandando formação
acadêmico-profissional sólida e longa”. É daí, portanto, diz ele, que ganha relevo as
“fórmulas bancomundialistas”.
3.1 - Reforma Universitária brasileira: avanço ou recuo na formação dos
pedagogos?
Discutir a questão da identidade do curso de Pedagogia e a definição de suas
diretrizes curriculares nos impõe o resgate do longo caminho político e intelectual que
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fora aberto desde a LDB 9.394/1996 aos dias atuais. Trata-se, também, como nos
mostra Saviani (2008), de destacar um dos movimentos mais importantes de resistência
à política marcadamente economicista e mercadológica do Ensino Superior: o
movimento pela reformulação da formação de educadores.
Saviani (2009, p. 148) chama a atenção para a introdução dos cursos de
pedagogia e licenciatura nos institutos superiores de educação e nas Escolas Normais
Superiores, pelos quais a LDB materializou uma política educacional que promoveu um
“nivelamento por baixo” na medida em que:
(...) os institutos superiores de educação emergem como instituições
de nível superior de segunda categoria, provendo uma formação mais
aligeirada, mais barata, por meio de cursos de curta duração (Saviani,
2008c15
, p. 218-221). A essas características não ficaram imunes as
novas diretrizes curriculares do curso de pedagogia homologadas em
abril de 2006.
O amplo movimento que emerge das universidades federais em defesa da
formação do professor para as etapas iniciais do processo de escolarização em nível
superior, no curso de Pedagogia, foi embarreirado em função da política de formação
após a aprovação da LDB n. 9.394/1996. Esta que, “por meio de diversos dispositivos
legais tentou promover esta formação em outra instância e em outro curso, no Curso
Normal Superior a ser realizado nos Institutos Superiores de Educação (LIMONTA,
2011, p. 332).
No decorrer desse processo, e com o debate sobre a identidade do curso de
Pedagogia acirrado, abrem-se espaços para as discussões para a elaboração de Diretrizes
Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia. Vale lembrar que a primeira
proposta do Conselho Nacional de Educação (CNE/CP n. 05/200516
) (BRASIL, 2005, p.
7), indicava que o curso de Pedagogia formaria professores para exercer funções de
magistério na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, nos cursos
de Ensino Médio, na modalidade Normal, de Educação Profissional na área de serviços
15
SAVIANI, DERMEVAL. A nova lei da educação (LDB): trajetória, limites e perspectivas. 11. ed.
Campinas: Autores Associados, 2008c. 16
Esse parecer foi reexaminado pelo parecer CNE/CP nº 3/2006.
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e apoio escolar e em outras áreas nas quais sejam previstos conhecimentos pedagógicos.
Esta resolução trazia em seu contexto uma clara separação entre a teoria e a prática,
além admitir em seu artigo 14 a formação do pedagogo somente em pós-graduação,
deixando para a graduação em pedagogia a formação do professor. Desta forma entra
em contradição com o artigo 64 da LDB n°. 9394/96 que abre possibilidade para a
formação do pedagogo também em pós-graduação, e não exclusivamente. Para Saviani
(2008) este parecer acabava por reduzir o curso de pedagogia ao normal superior.
Em abril de 2006 o Conselho Pleno do Conselho Nacional de Educação aprovou
a Resolução nº 1/06 (BRASIL. CNE, 2006), homologando assim as Diretrizes
Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia. A resolução define:
Art. 4º O curso de Licenciatura em Pedagogia destina-se à formação
de professores para exercer funções de magistério na Educação
Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, nos cursos de
Ensino Médio, na modalidade Normal, de Educação Profissional na
área de serviços e apoio escolar e em outras áreas nas quais sejam
previstos conhecimentos pedagógicos (BRASIL, 2006, p. 2).
Importante notar que as atuais condições objetivas como já abordamos acima,
tem inviabilizado o surgimento de alternativas mais progressistas no que se refere à
formação do educador (professores de modo geral, e os pedagogos em particular).
Assim, mesmo trazendo a alteração no artigo 14 em relação ao Parecer CNE/CP n°
05/2005, a Resolução nº 1/06 ainda apresenta “muitas imprecisões teóricas e não parece
expressar a elaboração coletiva da academia que vinha sendo feita ao longo de toda a
história do curso de Pedagogia” (SOARES E BETTEGA, 2008 p. 2894).
Para Soares e Bettega (2008) foi a partir da LDB n° 9394/96, culminando com a
publicação das DCNs de pedagogia, que fica clara a intenção de colocar a formação do
professor no centro do processo, deixando a formação do pedagogo para outro espaço.
Deste modo, as autoras inferem que:
(...) o poder legislativo determinou o modelo de curso que melhor
atende aos interesses do mercado mundial, deixando de lado a opinião
de importantes pesquisadores da área. As Diretrizes Curriculares
Nacionais para o Curso de Pedagogia são a expressão e legitimação de
um modelo mercantilista de educação, elas direcionam ao
esvaziamento do currículo do curso, valorizando a prática em
detrimento da teoria.
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Assim, cabe ainda problematizar o fato de que “a ênfase das DCNs de pedagogia
na docência para crianças de 0 a 10 anos” (SOARES e BETTEGA, 2008), é a expressão
da secundarização da
(...) formação de professores intelectuais que atuarão com consciência
e criticidade na educação básica, na elaboração de políticas públicas;
deixa-se de lado também a formação dos pedagogos que atuarão como
organizadores do trabalho pedagógico nas escolas e em instituições
não escolares, que atuarão como professores universitários e
pesquisadores. O campo da pedagogia é amplo e reduzi-lo, como fez a
Resolução CNE/CP n° 01/2006, é no mínimo um equívoco (SOARES
e BETTEGA, 200817
, p. 18, apud. SOARES e BETTEGA, 2008, p.
2894 ).
Voltando ao contexto da LDB 9.694/1996, está previsto no seu artigo 64 aquilo
que seria entendido como a “base comum nacional de formação de professores”, ou
seja, o fato de que o educador será formado ou no curso de pedagogia ou em nível de
pós-graduação, passando a ser confirmado pelo artigo 14 das DCNs. A luta por uma
“base comum nacional”, que era uma palavra de ordem na luta nos movimentos de
resistência, nas diretrizes fora “transformada em base docente e a licenciatura e o
bacharelado transformaram-se em uma coisa só (SAVIANI, 2008, p. 644). Sobre isso
vale acrescentar que:
(...) a queda da base comum nacional talvez tenha se dado porque
nunca conseguimos uma definição positiva dela. Sabíamos que não
era sinônimo da parte comum do currículo e nem de currículo
mínimo; que não seria obtida por definição de algum colegiado; e que
também não resultaria da elaboração de intelectuais que supostamente
fossem especialistas na área e reconhecidos como tais. Ela deveria
surgir do movimento, quer dizer do coletivo.
Deste modo, a concepção de “base comum nacional” permaneceu em suspenso
mantendo-se, objetivamente, a mesma estrutura do curso. Formar para a docência
passou a ser entendida como a base comum, ou seja, formar professores para a
17
SOARES, S.T.; BETTEGA, M. O. de P. Políticas Públicas de Formação Docente e a Ação Pedagógica
no Ensino Superior. In: VII Seminário de la Red Latinoamericana de Estudios sobre Trabajo Docente:
Nuevas Regulaciones em América Latina, Anais. Buenos Aires: Redestrado, 2008.
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Educação Infantil e para os anos iniciais do Ensino Fundamental em detrimento da
formação do pedagogo. Reforça-se desta forma a fragmentação do futuro educador.
Saviani (2008, p. 644) fala da necessidade de insistirmos que “o curso de
pedagogia deveria ser um ambiente rico, intenso e exigente de estímulo intelectual, que
retomasse os clássicos, acolhesse os jovens e os colocasse em processo de formação”.
Para tanto, diz ele, faz-se necessário negar a formação do especialista no professor, ou
seja, negar a ideia de que para ser educador primeiro tem que ser professor. Ao
contrário, defende Saviani, “em lugar de formar o especialista no professor eu propunha
formar seja o especialista seja o professor no educador”. Vale dizer, formar o “professor
naquele sentido forte da palavra, não apenas de transmissor do conhecimento” (2008, p.
645).
Nessa perspectiva, cabe às Faculdades de Educação “em lugar de dissuadir os
jovens interessados na educação, acolhê-los imediatamente e colocá-los num ambiente
rico e estimulante, envolvendo-os diretamente nas atividades de ensino, estudos e pes-
quisas” (645).
Parece que o caos presente nessa tese da docência como base da formação do
pedagogo é, segundo Saviani, “a ideia de que a educação é um processo multifacetado
que consiste na docência, mas a docência está ligada a um aspecto da visão majoritária,
da educação formal, da educação escolar”.
Defendemos, portanto, a necessária integração entre a formação do pedagogo
enquanto especialista, e a formação do professor. Tal posição admite que o princípio da
omnilateralidade se faça presente também na sua formação, ocorrendo no mesmo curso,
o de pedagogia. Mas, para tanto, assevera Saviani (2008), torna-se urgente que o curso
de pedagogia se paute pela organização e pelo funcionamento escolar e sua relação com
as contradições da sociedade contemporânea.
Considerações provisórias
Como uma síntese provisória do presente artigo, identificamos que o discurso
em defesa das concepções trazidas pelas diretrizes da pedagogia acabou criando um
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curso para formar profissionais diferentes (professor e pedagogo). Por esse motivo
torna-se uma tarefa impossível sob tais condições e, portanto, deve ser negada e
superada. Ao contrário, seguindo na linha de entendimento desenvolvido por Saviani,
defendemos uma formação na qual o pedagogo ou o especialista da educação tenha
acesso aos conhecimentos necessários ao domínio sobre as condições objetivas que
determinam a escola. “Assim, o pedagogo, ao dominar o modo como a escola funciona,
estaria, sem dúvida, capacitado tanto para ministrar o ensino, como para coordenar as
atividades didático-pedagógicas ou gerir o funcionamento da escola” (2008). Partindo
dessa concepção de docência, percebe-se a possibilidade para que no curso de
pedagogia se ofereça tanto a formação do professor, do gestor, bem como do
pesquisador. É nesse sentido que explicitamos a nossa defesa por uma educação
omnilateral, na busca por integrar essas três dimensões no processo formativo do
pedagogo, contribuindo para a definição da identidade do curso. No entanto, Saviani
chama a atenção para o fato de que há que se tomar cuidado para que esta concepção de
docência não seja deturpada no campo das relações entre capital e trabalho, onde quase
sempre os conceitos são indevidamente apropriados e distorcidos para gerar ainda mais
exploração do trabalhador.
Grande parte das contradições acima é resultante das políticas adotadas para a
educação superior, e que têm se configurado num quadro geral cujas características
principais são a flexibilidade de postos e contratos de trabalho, o congelamento de
salários de todos os professores (neste caso, não apenas dos docentes em nível superior),
além da redução do repasse de recursos públicos. Amalgamando todos esses elementos,
há a ameaça constante (que sob muitos aspectos já se tornou realidade) da privatização
da universidade pública.
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