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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE HUMANIDADES MESTRADO ACADÊMICO DE FILOSOFIA Benedito Augusto da Silva Neto A FORMAÇÃO DO HOMEM PARA A SOBERANIA POPULAR COMO PRINCÍPIO DE DIREITO POLÍTICO EM JEAN-JACQUES ROUSSEAU Fortaleza 2011

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ

CENTRO DE HUMANIDADES

MESTRADO ACADÊMICO DE FILOSOFIA

Benedito Augusto da Silva Neto

A FORMAÇÃO DO HOMEM PARA A SOBERANIA POPULAR COMO

PRINCÍPIO DE DIREITO POLÍTICO EM JEAN-JACQUES ROUSSEAU

Fortaleza

2011

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BENEDITO AUGUSTO DA SILVA NETO

A FORMAÇÃO DO HOMEM PARA A SOBERANIA POPULAR COMO

PRINCÍPIO DE DIREITO POLÍTICO EM JEAN-JACQUES ROUSSEAU

Dissertação apresentada ao Curso de

Mestrado Acadêmico de Filosofia do Centro

de Humanidades-CH da Universidade

Estadual do Ceará-UECE, como requisito

para a obtenção do título de Mestre em

Filosofia.

Orientador: Prof. Dr. Regenaldo Rodrigues

da Costa.

Fortaleza – Ceará

2011

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Título A Formação do Homem para a Soberania Popular como

Princípio de Direito Político em Jean-Jacques Rousseau

Autor Benedito Augusto da Silva Neto

Professor Orientador Prof.Dr. Regenaldo Rodrigues da Costa

Exame de Qualificação 23 de fevereiro de 2011

Defesa da Dissertação 29 de abril de 2011

Conceito obtido Satisfatório

Nota 8,5

Banca Examinadora

Presidente Prof.Dr. Regenaldo Rodrigues da Costa (UECE)

______________________________________

1º Examinador Prof.Dr. Odilio Alves Aguiar (UFC)

_______________________________________

2º Examinador Prof.Dr.João Emiliano Fortaleza de Aquino (UECE)

_______________________________________

Fortaleza, Ceará

29 de abril de 2011

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In Memoriam:

Raimundo Iberalto da Silva;

Raimundo Ramos de Liro;

Raimundo Iberalto da Silva Neto;

Anízio Martins de Liro Neto.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus, como o grande arquiteto do universo, por toda a inspiração.

À minha família, pela compreensão e o incentivo ao longo de toda a minha

pesquisa.

Aos professores do Mestrado, em especial ao meu orientador o Prof. Dr.

Regenaldo Rodrigues da Costa, pela valiosa orientação.

Aos meus colegas e a todos os colaboradores do Curso, pelo companheirismo.

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O homem nasce livre, e por toda a parte

encontra-se a ferros. O que se crê senhor

dos demais não deixa de ser mais escravo

do que eles.

Jean-Jacques Rousseau.

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RESUMO

Como exórdio da antropologia política de Rousseau, apontamos na sua obra, “Discurso

sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens”, um problema

geral e grave que o homem adquiriu para si, através do processo civilizatório, que foi

tornar-se um ser corrompido. Com a proposta educacional de Rousseau, através da

sua obra o “Emílio, ou Da Educação”, percebemos que a intenção do autor é de formar

o homem através de etapas, ou seja, um tipo de educação para cada fase de sua vida,

iniciando-se com o desenvolvimento natural dos sentidos, partindo-se em seguida para

a formação moral, e logo após a educação política que autorizará o homem a viver em

sociedade. A redenção para o problema do homem civilizado, denunciado a partir da

obra o “Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens”,

começa a ser solucionado com a formação do homem no “Emílio”, para exercer a sua

cidadania a partir do projeto de Estado ideal planejado por Rousseau na sua obra o

“Contrato Social”, em que busca a solução viável através da construção de uma

sociedade justa por meio do pacto social, elaborado pelo povo soberano. Demonstrada

a interligação entre essas três obras de Rousseau como fontes preponderantes do seu

projeto político, concluímos que Rousseau pretendeu formar o homem para a cidadania

para viver no jugo de suas próprias leis, provenientes da vontade geral soberana,

fundamentadas no seu “Contrato Social”, que busca gerar no âmago da sociedade a

liberdade a partir da igualdade, como forma de aplicação da justiça social.

Palavras-chave: Corrompido. Educação política. Pacto Social. Soberano. Liberdade.

Igualdade.

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RÉSUMÉ

En s‟appuyant sur l‟antropologie politique de Rousseau, on remarque dans son oeuvre

“Discours sur l'origine et les fondements de l'inégalité parmi les hommes”, celle-ci parmi

les hommes, une situation grave, um procès de civilizateur qui a corrompu les hommes.

Rousseau a eu une proposition de l‟éducation dans son oeuvre “Émile” dont l‟objectif

était de former l‟homme par les trois étapes, c‟est-à-dire, une sorte d‟éducation à

chaque moment de sa vie, au début, le développement naturel des sens, ensuite une

formation morale , enfin, l‟éducation politique par laquelle l‟homme est devenu un Être

sociable. Le résultaf en ce qui concerne l‟homme civilisé a été présenté dans l‟oeuvre

“Discours sur l'origine et les fondements de l'inégalité parmi les hommes”, la solution

pour la formation de l‟homme dans “Émile” pour exercer la citoyenneté à partir du projet

de l‟État, selon Rousseau, idéal dans son oeuvre, “Le Contrat Social” dans laquelle il

cherche la vraie solution pour la construction d‟une société équitable pour le peuple

souverain. Les trois oeuvies de Rousseau étraient reliées par des sources

préponderantes de son projet politique. On admet que Rousseau avait l‟intention de

former l‟homme pour la citoyenneté, pour assujettissement de ses propres lois qui

préviennent de la volonté souveraine, présentées avec profondeur dans le “Contrat

Social” qui recherche au plus profond de la société, la liberté à partir de l‟égalité

comme une manière d‟application de la justice sociale.

Mots-clé: Corrompu. Éducation politique. Pacte social. Souverain. Liberté. Égalité.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 9

1 A GENEALOGIA MÍTICA DO HOMEM EM ROUSSEAU. ........................................... 13

1.1 Estado de natureza ou estado pré-cívico ............................................................. 13

1.2 Estado cívico ........................................................................................................ 21

1.3 O abismo entre o homem natural e o homem civilizado – o significado da

desigualdade .............................................................................................................. 28

2 A FORMAÇÃO DO HOMEM PARA A SOBERANIA POPULAR. ................................. 35

2.1 As relações físicas com os outros seres .............................................................. 36

2.2 Relações morais com os outros homens .............................................................. 44

2.3 Relações civis com os outros concidadãos .......................................................... 47

3 O PACTO SOCIAL LIBERTÁRIO E A FORMAÇÃO DA SOCIEDADE LEGÍTIMA ...... 58

3.1 A formação como resgate do corpo social............................................................ 59

3.2 A transformação moral e política da sociedade capitaneada pela soberania

popular ........................................................................................................................ 65

3.3 Razão normativa: justiça e liberdade como possibilidades para a justiça social . 73

CONCLUSÃO ................................................................................................................. 80

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................... 85

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INTRODUÇÃO

Cumpre destacar, preliminarmente, que o presente trabalho de pesquisa é

embasado na teoria social e política do pensador suíço erradicado na França, Jean-

Jacques Rousseau.

Nomeamos como matrizes de pesquisa as suas obras de escol, na seguinte

sequência: o “Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os

homens”, “Emílio, ou Da Educação”, e a sua obra de direito político, o “Contrato

Social”.

Buscamos, com isso, elaborar, da forma mais clara possível, a interligação das

três obras, sem esquecermos, contudo, o pensamento político do autor expresso nas

suas outras obras de igual interesse: “Projeto de constituição para a Córsega” e suas

“Considerações sobre o governo da Polônia e sua reforma projetada.”.

Alavancamos a ideia de que Rousseau pretende, a partir das obras: “Discurso

sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens”, “Emílio, ou Da

Educação”, e o “Contrato Social”, elaborar o seu projeto político de formação do

homem para exercer o status de cidadão no seu Estado ideal.

Em primeiro lugar, com o “Discurso sobre a origem e os fundamentos da

desigualdade entre os homens”, Rousseau encetou uma leitura da civilização que se

formou ao longo dos tempos, através de uma análise histórico-descritiva e hipotética,

inclusive servindo-se da narrativa de viajantes e descobridores, da época, de terras

além-mar. Com isso, revelou que os homens em um determinado estágio da civilização

viviam num estado de natureza predispostos à virtude, porém, com o advento do

progresso, surgiu o estado cívico, que tornou a corrupção a marca do caráter desse

homem. A partir desse diagnóstico, que aponta o mal-estar da civilização e, portanto, a

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guerra de todos contra todos no seio dessa sociedade corrompida, é que Rousseau

apresenta o seu projeto pedagógico para a salvação do homem na sociedade.

Assim, é no “Emílio, ou Da Educação”, que Rousseau traça de forma detalhada a

formação moral e política do homem, para transformá-lo em cidadão, sujeito de direitos

e deveres. Nessa obra é ressaltada a predisposição da bondade original do homem

para servir de base para a educação negativa de Rousseau1, que privilegia nos

primeiros anos de vida o desenvolvimento dos sentidos de seu educando. Dividindo em

etapas etárias o seu projeto pedagógico, Rousseau assinala que a educação negativa

termina com o início da formação moral, e finalmente conclui o seu projeto com a

educação política, ao apresentar um compêndio da sua obra, o “Contrato Social”.

Finalmente, com o “Contrato Social”, o ciclo se fecha, para que Rousseau

apresente a sua solução para os infortúnios da sociedade, já que o seu educando está

preparado para viver no seu Estado ideal. Essa assertiva se concretiza perfeitamente,

pois Rousseau dirá – como demonstraremos no decorrer do trabalho – que essas

obras se interligam.

1 De acordo com Marques (2005), Rousseau explicou a sua “educação negativa” em particularidade ao

Arcebispo de Paris, Christophe d‟Beaumont (um dos seus mais ferrenhos críticos da época), através de sua famosa “Carta à Beaumont”: “Se o homem é bom por sua natureza, como creio haver demonstrado, segue-se que assim permanece enquanto nada que lhe seja estranho o altere. E se os homens são maus, como se deram ao trabalho de me ensinar, segue-se que sua maldade chega-lhes de outro lugar; cerre-se, pois, a entrada ao vício e o coração humano será sempre bom. Com base nesse princípio, estabeleço a educação negativa como a melhor, ou antes, a única educação boa; faço ver como toda educação positiva, não importa como seja conduzida, segue um caminho oposto a seu objetivo, e mostro como se tende para o mesmo objetivo e como se chega a ele pelo caminho que tracei. Denomino educação positiva aquela que pretende formar o espírito antes da idade e dar à criança um conhecimento dos deveres do homem. Chamo de educação negativa aquela que procura aperfeiçoar os órgãos, instrumentos de nosso conhecimento, antes de nos dar esses próprios conhecimentos e nos preparar para a razão pelo exercício dos sentidos. A educação negativa não é ociosa, muito ao contrário. Não produz virtudes, mas evita os vícios; não ensina a verdade, mas protege do erro. Ela prepara a criança para tudo o que pode conduzi-la à verdade, quando estiver em condições de entendê-la, e ao bem, quando estiver em condições de amá-lo” (ROUSSEAU apud MARQUES, 2005, p. 57).

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O Estado idealizado por Rousseau é constituído a partir de um pacto social que

surge através da vontade geral e representa o interesse comum do povo. Em razão

disso, a Soberania é exercida de forma restrita por esse mesmo povo, que vai traçar os

destinos do Estado. Por acreditar apenas na democracia direta e, portanto, ser contra a

representatividade política, Rousseau compreende que o poder soberano deve ser

exercido apenas pelos cidadãos que elaborarão as suas próprias leis. Para o autor, a

liberdade e a igualdade estão presentes na estrutura política de seu Estado, e,

portanto, surge como a finalidade de todo o sistema de legislação.

Em razão de tudo isso, na busca de perquirir de forma mais profunda o

conhecimento das obras em destaque, observando sempre o seu cunho político,

desenvolvemos a presente dissertação. Nessa esteira de raciocínio, dividimos o

estudo em três capítulos:

No primeiro capítulo, trataremos da tese hipotética de Rousseau acerca da

genealogia do homem – uma antropologia política –, que testifica as origens do

indivíduo, partindo do estado de natureza, onde prevalece a bondade natural humana,

até a formação do homem social, o qual foi de forma artificial moldado pela sociedade

civil emergente. Destacaremos também nesse ponto o abismo que se formou entre o

homem natural e o homem civilizado contaminado pela corrupção, e o significado da

desigualdade resultante dessa transformação, que se apresenta com um caráter social

nocivo.

No segundo capítulo, apresentaremos a obra pedagógica de Rousseau, voltada

para a formação do homem para a soberania popular. Demonstraremos que, na sua

obra o “Emílio”, o autor, ao privilegiar inicialmente o desenvolvimento dos sentidos do

educando, permite ao seu pupilo uma relação direta com tudo o que acontece ao seu

redor, relegando nesse momento a educação tradicional, em nome de um

desenvolvimento natural, sem que haja qualquer interferência do educador. A

formação moral será também objeto de ênfase, a partir do aprendizado dos princípios

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éticos que devem nortear a sociedade idealizada pelo autor. Finalizaremos esse

capítulo delineando a educação política como preparação do educando e/ou do homem

para a proposta do Estado ideal rousseauniano.

No terceiro capítulo, descreveremos o Estado ideal de Rousseau, a partir do

pacto social, que acolherá o individuo instruído a partir da sua proposta pedagógica,

como forma de resgate do copo social. Abordaremos os conceitos de soberania,

liberdade, igualdade, e de justiça social, como peças fundamentais, pertencentes à

base da estrutura política do Estado ideal de Jean-Jacques Rousseau.

Por fim, concluímos o trabalho enfatizando que as obras ora estudadas fazem

parte do projeto político de Rousseau para a aplicação da justiça social, posto que seu

objetivo seja construir uma sociedade justa e igualitária.

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1 A GENEALOGIA MÍTICA DO HOMEM EM ROUSSEAU

Com base na ideia da evolução da civilização, Rousseau buscou explicar a

origem da desigualdade entre os homens. Assim, para ele, no abismo existente entre o

estado natural, ou pré-cívico, e o cívico, está a raiz dos males que afligem a

humanidade.

Pela ilação, podemos afirmar que o autor pretende, por meio de conclusões

hipotéticas e bem elaboradas acerca da evolução da sociedade ao longo dos tempos,

desnudar a natureza humana, permitindo-nos encarar o grotesco caos de interações

heterogêneas que foram produzidas pela civilização.

Isso nos leva a presumir de forma enfática que o homem criou para si, diga-se de

passagem, uma nova morada pífia, à custa de algo que poderíamos chamar de

escassez gerada no absoluto, em nome de um consumismo desenfreado de bens

finitos. Nesse desiderato, a partir da leitura de Rousseau, somos levados a pensar que

os bens infinitos, dentre eles a compaixão, que caracteriza o estado de natureza, ou

pré-cívico, teriam sido sufocados em nome da civilização.

1.1 Estado de natureza ou estado pré-cívico

Com base no estudo desenvolvido, podemos perceber que um dos principais

elementos da estrutura da teoria política normativa, e dos princípios filosóficos do

direito político moderno em Rousseau, reside inicialmente nas relações entre natureza

e sociedade. Reputamos presente a raiz de todo o pensamento do autor em suas

primeiras obras de escol, que lançaram luzes na formação do seu ideal político, como

seu discurso “Sobre as Ciências e as Artes”, denominado de Primeiro Discurso, e

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“Sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade entre os Homens”, intitulado de

Segundo Discurso.

A partir da leitura do “Segundo Discurso”, que será a fonte primordial de estudo

nesse primeiro capítulo, podemos perceber a influência das ciências naturais e

históricas na formação das ideias de Rousseau, que traçou, de forma hipotética, uma

verdadeira antropologia política do homem.

Rousseau (1978b, p. 243) afirma que a natureza “manda em todos os animais”, e

eles lhe obedecem. Porém, o homem “considera-se livre para concordar ou resistir” ao

que dita essa mesma natureza. E é, sobretudo, na consciência dessa liberdade que,

segundo o autor, se mostra a espiritualidade da alma humana, uma vez que a força

física não responde por todos os atos humanos:

[...] a força física de certo modo explica o mecanismo dos sentidos e a

formação das ideias, mas no poder de querer, ou antes, de escolher e

no sentimento desse poder só se encontram atos puramente espirituais

que de modo algum serão explicados pelas leis mecânicas.

Tomando por base as notas de Rousseau, em especial a inserida na letra “b” no

final do seu Segundo Discurso, é possível percebermos o quanto o pensador valoriza a

natureza e a considera como fonte inesgotável e inspiradora de sabedoria que, se bem

direcionada, pode proporcionar o autoconhecimento. Portanto, o homem, enquanto um

ser natural, deveria voltar esse saber dado pela natureza, para a sua própria

interioridade e descobri-se a partir dele:

[...] raramente nos utilizamos desse sentido interior que nos reduz às

nossas verdadeiras dimensões e que distingue de nós tudo que não

nos pertence. No entanto, é desse sentido que devemos utilizar-nos se

desejarmos conhecer-nos; somente por ele poderemos julgar-nos

(ROUSSEAU, 1978b, p. 286).

Para Rousseau (1978b), a personalidade do homem foi alterada ao longo dos

tempos por uma série de causas sempre renovadas, que influenciaram na

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descaracterização de sua personalidade simples, dando lugar a uma delirante. Sendo

assim, destaca o autor no prefácio do “Segundo Discurso”, para se conhecer os

homens é necessário saber como ele era na sua forma original e sua odisseia através

dos tempos, para no momento seguinte detectarmos a fonte das desigualdades entre

eles.

A figura do “homem selvagem” ou “natural”, idealizada por Rousseau, é a

tentativa desesperada de encontrar uma saída para as mazelas criadas pelo ser

humano no seio da sociedade emergente. O exemplo do “bom selvagem” é posto

nessa perspectiva como um instrumento de salvação através da utilização das forças

da natureza, aproveitando-se do modelo do que é divino, natural, piedoso e apático na

existência do homem natural.2

2 Só, desocupado e sempre próximo do perigo, o homem selvagem deve gostar de dormir e ter o sono

leve, como os animais que, pensando pouco, dormem, por assim dizer, todo o tempo em que não estão pensando. Constituindo a própria conservação quase sua única preocupação, as faculdades mais exercitadas deverão ser aquelas cujo objetivo principal seja o ataque e a defesa, quer para subjugar a presa, quer para defender-se de tornar-se a de um outro animal; os órgãos que só se aperfeiçoam pela lassidão e pela sensualidade devem, ao contrário, permanecer num estado de grosseria que deles excluirá qualquer delicadeza; ficando seus sentidos, nessa direção, divididos, terá o tato e o gosto de uma rudez extrema, e a vista, a audição e o olfato de uma enorme sutileza. É esse o estado animal em geral e também, de acordo com os relatos dos viajantes, o da maioria dos povos selvagens. O homem selvagem, abandonado pela natureza unicamente ao instinto, ou ainda, talvez, compensado do que lhe falta por faculdades capazes de a princípio supri-lo e depois elevá-lo muito acima disso, começará, pois, pelas funções puramente animais. Perceber e sentir será seu primeiro estado, que terá em comum com todos os outros animais; querer e não querer, desejar e temer, serão as primeiras e quase as únicas operações de sua alma, até que novas circunstâncias nela determinem novos desenvolvimentos. Apesar do que dizem os moralistas, o entendimento humano muito deve às paixões, que, segundo uma opinião geral, lhe devem também muito. É pela sua atividade que nossa razão se aperfeiçoa; só procuramos conhecer porque desejamos usufruir e é impossível conceber por que aquele, que não tem desejos ou temores, dar-se-ia a pena de raciocinar. As paixões, por sua vez, encontram sua origem em nossas necessidades e seu progresso em nossos conhecimentos, pois só se pode desejar ou temer as coisas segundo as ideias que delas se possa fazer ou pelo simples impulso da natureza; o homem selvagem, privado de toda espécie de luzes, só experimenta as paixões desta última espécie, não ultrapassando, pois, seus desejos a suas necessidades físicas. Os únicos bens que conhece no universo são a alimentação, uma fêmea e o repouso; os únicos males que teme, a dor e a fome. Digo a dor e não a morte, pois jamais o animal saberá o que é morrer, sendo o conhecimento da morte e de seus terrores uma das primeiras aquisições feitas pelo homem ao distanciar-se da condição animal (ROUSSEAU, 1978b, p. 242 - 244).

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Na sua descrição do “homem selvagem”, Rousseau assevera inexistir uma

vontade premeditada de abandonar essa condição. De acordo com o pensador, o

“homem natural” vive em sintonia plena com a natureza, e não sente necessidade de

mudar seus hábitos simples. Segundo Rousseau (1978b, p. 245), nesse estado nada

agita a alma humana, e ele “entrega-se unicamente ao sentimento da existência atual

sem qualquer ideia do futuro, ainda que próximo, e seus projetos, limitados como suas

vistas, dificilmente se estendem até o fim do dia”. De forma um tanto quanto romântica,

ele descreve a simplicidade uníssona entre homem e natureza.

Para Rousseau (1978b, p. 251), o coração do “homem selvagem” sempre está em

paz, pois as faculdades que possui potencialmente não lhe permitem viver em lamúria.

Assim, o “homem natural” encontra unicamente no instinto toda a condição necessária

para viver. Nele, não existe qualquer espécie de relação moral ou de deveres comuns

entre os homens. Dessa forma, esses homens não poderiam ser “nem bons nem maus

ou possuir vícios e virtudes”.

A piedade, de acordo com o pensador, é um traço característico do homem no

estado de natureza, sendo, pois, um sentimento inato. Posto que o ser humano seja

afeito à piedade, ele não vive em estado de guerra, mas de bondade. Destarte, o

homem nasce bom, e a compaixão caracteriza-se como a sua única virtude natural. Ela

é o “movimento puro da natureza, anterior a qualquer reflexão” (ROUSSEAU, 1978b, p.

253). Sendo assim, a misericórdia natural do homem não necessita da razão para se

manifestar; ela é algo que exsurge naturalmente.

Por representar um sentimento natural, que, “no estado de natureza, ocupa o

lugar das leis, dos costumes e da virtude”, a piedade, segundo Rousseau (1978b, p.

254) concorre para a conservação de toda a espécie, uma vez que, pela atuação desse

sentimento, ninguém se sentirá tentado a subtrair do mais fraco algo que é essencial

para o seu sustento. Nesse seara destaca o pensador:

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Ela nos faz, sem reflexão, socorrer aqueles que vemos sofrer; [...]

ninguém sentir-se tentado a desobedecer à sua doce voz; ela impedirá

qualquer selvagem robusto de tirar a uma criança fraca ou a um velho

enfermo a subsistência adquirida com dificuldade, desde que ele

mesmo possa encontrar a sua em outra parte; ela, em lugar dessa

máxima sublime da justiça raciocinada – Faze a outrem o que desejas

que façam a ti -, inspira a todos os homens esta outra máxima de

bondade natural, bem menos perfeita, mas talvez mais útil do que a

precedente – Alcança teu bem com o menor mal possível para outrem.

(Destaque original).

Concluindo a saga do “homem selvagem”, Rousseau finalmente nos apresenta

um quadro geral da vivência do homem natural, ao dispor que, no estado de natureza,

com as paixões caracterizadas de forma imperceptível, os homens eram mais

tendenciosos a se defender do mal que poderiam receber do que tentados a fazê-lo ao

seu próximo. Não conheciam a vaidade, a consideração, a estima ou o desprezo.

Também não possuíam a noção do teu e do meu, nem tampouco qualquer noção de

justiça. A imaginação que vinga gloriosa na alma do homem social está ausente no

coração selvagem.

A natureza produz a leveza dos impulsos humanos de forma singular, e o “homem

natural” entrega-se a ela com prazer, sem qualquer escolha ou resistência. Bastando-

se a si mesmo, condutor de luzes desse estado, só sentia suas verdadeiras

necessidades a partir daquilo que acreditava ter interesse de perceber. Sem educação

e nem progresso, a criatura confunde-se com o criador.

Segundo Rousseau (1978b, p. 255-258), a desigualdade é quase nula no estado

de natureza, pois estão presentes nesta a simplicidade e a uniformidade da vida animal

– os homens vivem da mesma maneira e reproduzem exatamente as mesmas ações.

Estão, portanto, expurgados os laços de servidão do estado de natureza, pois que a

dependência mútua dos homens e a necessidade recíproca que os unificam são

fatores alheios ao “homem natural”. O autor concilia a “bondade natural” com o que ele

resolveu chamar de “amor de si mesmo”.

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O “amor de si mesmo” (amor de soi) é um conceito que tem a finalidade de

explicar o comportamento das criaturas animadas, em especial os seres humanos. No

“Segundo Discurso”, Rousseau explica que o “amor-próprio” difere do “amor de si

mesmo”, vez que este representa um verdadeiro sentimento natural, como o amor, a

gentileza e a beneficência, que obriga a todos os animais a cuidar de sua própria

preservação e que, em decorrência disso, cria no homem humanidade e virtude. Nas

notas no final do “Segundo Discurso”, especificamente na letra “o”, Rousseau (1978b,

p. 306-307) torna manifesto o conceito de “amor de si mesmo”:

Não se deve confundir o amor-próprio com o amor de si mesmo; são

duas paixões bastante diferentes tanto pela sua natureza quanto pelos

seus efeitos. O amor de si mesmo é um sentimento natural que leva

todo animal a velar pela própria conservação e que, no homem dirigido

pela razão e modificado pela piedade, produz a humanidade e a

virtude.

Na obra Emílio, ou Da Educação, Rousseau testifica que o “amor de si mesmo”

corresponde à fonte de nossas paixões e à origem de todas as outras. O pensador a

classifica como uma: “paixão primitiva, inata, anterior a todas as outras e de que todas

as outras não passam, em certo sentido, de modificações” (ROUSSEAU, 2004, p. 288).

O “amor de si mesmo”, de acordo com ele, nasce com o homem, que o carregará por

toda a sua vida.

Rousseau (2004, p. 288) destaca que a maioria das modificações que ocorrem

nesse sentimento têm causas estranhas, “sem as quais elas jamais ocorreriam”. Essas

mudanças são nocivas ao homem, pois diante delas ele se vê fora da natureza e entra

em contradição consigo mesmo. O amor de si, ao contrário, é sempre bom, está dentro

da ordem e zela por ela continuamente. Nesse contexto, diz o pensador: “é preciso,

portanto, que nos amemos para nos conservarmos, é preciso que nos amemos mais do

que qualquer outra coisa, e, por uma consequência imediata do mesmo sentimento,

amamos o que nos conserva”.

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Dessumimos que, para Rousseau (2004), as paixões doces e afetuosas nascem

completamente do “amor de si”. Logo, se o “amor de si mesmo” de uma criatura a

coloca em confronto com outra, esse conflito seria necessariamente breve, pois não

serviria para fins de retaliação, já que estaria presente nesse aspecto a compaixão,

que é uma característica inata no homem natural, servindo de suporte para uma melhor

convivência com os outros. O “amor de si mesmo” não pretende sobrepor-se a outrem,

como forma de superioridade pessoal.

Dent (1996), ao analisar o tema, assevera que para Rousseau fazem parte do

“amor de si mesmo” duas outras faculdades benéficas que distinguem os seres

humanos dos animais: o livre-arbítrio e a perfectibilidade. O livre-arbítrio é posto como

algo para controlar os impulsos considerados nocivos, a fim de resguardar a conduta

humana. A perfectibilidade contribui para a evolução do homem, ou seja, para um

aperfeiçoamento pessoal, no momento em que este toma consciência que pode

manipular o seu meio ambiente com a finalidade do progresso da humanidade.

Segundo Dent (1996), Rousseau também louva o sentimento de autoestima do

indivíduo a partir do “amor de si mesmo”, sem, contudo, enfatizar o sentimento de

ascendência de um homem sobre o outro.

No “Segundo Discurso” Rousseau (1978b, p. 243) alerta que a perfectibilidade é

também uma maldição, fonte de nossos vícios, na medida em que o homem tem a

possibilidade de sustentar condições sociais que são nocivas para si mesmo, tornando-

o com o tempo um tirano de si e da natureza. Nesse duplo aspecto da perfectibilidade,

ela pode abrir caminhos para o vício e o erro, embora sem ela tampouco possa existir

virtude ou sabedoria. Com essas considerações, o autor pretende criar, a partir do

sentimento de consciência de si – através da construção do ser moral –, o fundamento

para que o homem venha a praticar ações virtuosas, com a finalidade do

reconhecimento do outro como um ser livre e isonômico.

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Para Dent (1996, p. 37-39), o estado de natureza foi uma condição imaginada

pela maioria dos filósofos políticos como um marco inicial na tentativa de justificar a

criação de um Estado ideal, com um mínimo de garantia para a convivência

harmoniosa dos homens. Porém, segundo o autor, não há um consenso em torno do

conceito desse estado de natureza, sob o ponto de vista da doutrina política do

contratualismo.

Nesse contexto, Dent (1996) observa que Rousseau, assim como os demais

pensadores de seu tempo, também fundamentou o seu pensamento político-jurídico a

partir do seu conceito de “estado de natureza”, para servir de base para o resgate das

virtudes naturais do homem e como subsídio em prol de uma sociedade ideal.

Assim, de acordo com Dent (1996, p. 130), é em Rousseau que o “estado de

natureza”, como podemos observar nas passagens supra, refere-se a uma condição

pré-social do homem (condição hipotética), em que este manteria as suas

características originais de um ser pacífico, de vida simples, a partir da influência

primordial do seu meio ambiente.

Segundo o comentador supracitado, no “Segundo Discurso” de Rousseau, o “bom

selvagem” é aquele homem que habita o “estado de natureza”, que é imaginado como

um ser dócil, inocente, estranho à vaidade, deferência, estima e desdém. Não possuía

a ideia de “meu” e “teu”, não almejava o sentimento de vingança, pois não o conhecia,

nem tinha a noção de justiça; antes, possuía como principal característica a inclinação

para a virtude.

Dent (1996), no entanto, faz um alerta sobre a intenção de Rousseau no que se

refere ao “homem natural”, pois não pretende transformá-lo num verdadeiro homem

selvagem, ou restringi-lo no seio de uma floresta, ao contrário, a partir dessa origem

natural e razoável do homem, busca verdadeiramente que ele se torne um ser sensato

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21

nas cidades, já que é possível viver em sociedade, desde que fiel a essa natureza

humana tão dignificante.

Com isso, no entendimento de Dent (1996, p. 131-132), Rousseau quer registrar a

sua marca teórica com a bondade natural do homem, e sua perversão e corrupção pela

sociedade. Assim, a tese do “amor de si mesmo”, considerado o amor primordial de

que defluem todas as outras paixões com certas modificações, está inserido, como já

foi visto, no decantado “estado de natureza” proposto pela teoria rousseauniana.

Nesse pensar, o homem no “estado de natureza” é não só motivado pelo “amor de

si mesmo”, mas também é piedoso, tem capacidade para a perfectibilidade e exercício

do livre-arbítrio. Em sua essência, o “homem natural” é dotado de uma integridade

básica que, segundo Rousseau, produz uma disposição inata para fazer o bem,

produzindo de forma consequente o seu bem-estar, o qual resplandece interagindo no

trato com os outros indivíduos (DENT, 1996).

1.2 Estado cívico

Para atingir o “estado cívico”, o homem, segundo Rousseau (1978b, p. 230),

passou por algumas adversidades, e até fatos alheios à sua vontade, que o

transformaram ao longo dos tempos no “homem artificial ou social”. A proposta original

do autor é que deixemos de lado todos os trabalhos científicos a respeito da evolução

humana para, a partir de uma meditação sobre as primeiras e mais simples operações

acerca da alma, chegarmos, como já foi visto, a dois princípios anteriores à razão: a

perfectibilidade e a compaixão.

A perfectibilidade, que no “estado de natureza” se colocava a favor do bem-estar

e da conservação do homem, no estado cívico produz outro efeito. Aqui, ela desponta

como algo maléfico. É a partir da tese sobre os efeitos maléficos da perfectibilidade no

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22

“estado cívico”, que Rousseau define o quadro moral do homem civil, conforme

podemos depreender na letra “i” das notas no final do “Segundo Discurso”.

Para o pensador, o homem em sociedade, diferentemente do “homem natural”,

busca primeiramente atender a suas necessidades, e depois que consegue satisfazê-

las, passa a buscar o supérfluo, as delícias, as riquezas, os súditos e os escravos.

Nesse contexto, ele vive numa procura sem fim, na qual acaba por degradar-se. Não

há nesse estado, segundo Rousseau (1978b, p. 291-292), “um momento de descanso”.

Na segunda parte da obra “Discurso sobre a origem e os fundamentos da

desigualdade entre os homens”, Rousseau passa a analisar a história do declínio do

homem. Para o autor, esse aspecto decadencial e corrupto da natureza humana se

deu a partir do progresso, no contexto das necessidades mais emergentes dos

indivíduos, que se transmitiram de geração em geração, até se chegar à última fase do

“estado de natureza”, que é a propriedade privada, fundadora da sociedade civil.

Para Rousseau (1978b), o primeiro olhar lançado sobre si mesmo, a produção de

ferramentas, a fabricação de utensílios e a articulação de uma linguagem comum, foi

condicionante para o progresso humano. Porém, na medida em que houve um aumento

populacional, multiplicaram-se também os trabalhos, culminando com a primeira

revolução, que estabeleceu o surgimento da família como uma pequena sociedade.

Com a fixação dos grupos de famílias na terra, os homens aproximaram-se para

formarem, em cada região, uma nação particular, com os mesmos costumes, porém

sem regulamentos e leis, mas apenas contando com o mesmo modo de vida. A

passagem do “estado de natureza” para o “estado cívico” causou uma grande

transformação no agir humano, ocasionando uma verdadeira evolução da sociedade.

Nessa ocasião, ressalta o autor, aparecem os primeiros deveres de civilidade e os

vícios da corrupção social. (ROUSSEAU, 1978b).

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Porém, para Rousseau (1978b, p. 264), essa evolução se deu de forma

escalonada, posto que no período de desenvolvimento do homem ocorreu uma posição

média (juventude do mundo) entre o “estado de natureza” e o “estado cívico” (que

suporta o “amor próprio”), reputada pelo autor como a época mais feliz e a mais

duradoura, a exemplo dos selvagens, que foram encontrados quase todos nesse

período.

Com o surgimento da propriedade e do trabalho, uma nova revolução se iniciou, e

os frutos do labor conduziram inevitavelmente o homem ao estado cívico. Segundo

Rousseau (1978b), isso aconteceu a partir do aparecimento da metalurgia e da

agricultura, no entanto, esses elementos deram causa à degradação humana, in verbis:

“Para o poeta foram o ouro e a prata, mas para o filósofo foram o ferro e o trigo que

civilizaram os homens e perderam o gênero humano.” (ROUSSEAU, 1978b, p. 265).

A partir do “estado cívico”, Rousseau traça um novo perfil do homem social, já

com todas as suas faculdades desenvolvidas3:

Aí estão todas as qualidades naturais postas em ação, estabelecidos a

posição e o destino de cada homem, não somente quanto à quantidade

dos bens e o poder de servir ou de ofender, mas também quanto ao

espírito, à beleza, à força e à habilidade, quanto aos méritos e aos

talentos e, sendo tais qualidades as únicas que poderiam merecer

consideração, precisou desde logo tê-las ou afetar possuí-las. Para

proveito próprio, foi preciso mostrar-se diferente do que na realidade se

era. Ser e parecer tornaram-se duas coisas totalmente diferentes.

Dessa distinção resultaram o fausto majestoso, a astúcia enganadora e

todos os vícios que lhes formam o cortejo. Por outro lado, o homem, de

livre e independente que antes era, devido a uma multidão de novas

necessidades, passou a estar sujeito, por assim dizer, a toda a

natureza e, sobretudo, a seus semelhantes dos quais num certo sentido

se torna escravo, mesmo quando se torna senhor: rico, tem

necessidade de seus serviços; pobre, precisa de seu socorro, e a

mediocridade não o coloca em situação de viver sem eles. É preciso,

3 Eis, pois, todas as nossas faculdades desenvolvidas, a memória e a imaginação em ação, o amor-

próprio interessado, a razão em atividade, alcançando o espírito quase que o termo da perfectibilidade de que é suscetível. (ROUSSEAU, 1978b, p. 267).

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pois, que incessantemente procure interessá-los pelo seu destino e

fazer com que achem, real ou aparentemente, residir o lucro deles em

trabalharem para o seu próprio. Isso faz com que seja falso e artificioso

para com uns, e, para com outros, imperativo e duro, e o coloca na

contingência de iludir a todos aqueles de que necessita, quando não

pode fazer-se temer por eles ou não considera de seu interesse ser-

lhes útil. Por fim, a ambição devoradora, o ardor de elevar sua fortuna

relativa, menos por verdadeira necessidade do que para colocar-se

acima dos outros, inspira a todos os homens uma negra tendência a

prejudicarem-se mutuamente, uma inveja secreta tanto mais perigosa

quanto, para dar seu golpe com maior segurança, frequentemente usa

a máscara da bondade; em uma palavra, há, de um lado, concorrência

e rivalidade, de outro, oposição de interesses e, de ambos, o desejo

oculto de alcançar lucros a expensas de outrem. Todos esses males

constituem o primeiro efeito da propriedade e o cortejo inseparável da

desigualdade nascente (ROUSSEAU, 1978b, p. 267).

O “amor-próprio” (amour-propre), a que alude Rousseau no trecho de sua obra

supra, tem um significado importante na medida em que a explicação mais aceita do

termo reside no fato de que, logo que um ser humano estabelece qualquer tipo de

relação ou associação com o seu semelhante, isso provoca imediatamente nele um

sentimento de superioridade, que pode ser entendido como poder arbitrário e

despótico, no sentido de impor submissão ao outro, cuja injunção provoca uma

sensação de prazer e condição de primazia nesses relacionamentos (DENT, 1996).

Nesse aspecto, essa relação humana é permeada por desejos de dominação,

alimentada pela deferência e subordinação. A contraposição entre o “amor próprio” e o

“amor de si mesmo” é óbvia segundo o pensamento do autor, uma vez que o primeiro

apresenta-se como enganoso e ilusório e o segundo contribui para a serenidade do

homem. Assim, o “amor próprio” é fonte de corrupção e sofrimento pessoais, e também

de perversidade social. Rousseau conclui que a maldade moral é antinatural

(crueldade, rancor, e a cobiça) e se origina a partir de influências externas (DENT,

1996).

Vemos que a ideia de Rousseau, de que o homem é bom por natureza (amor de

si mesmo), realça a sua perspectiva de que, em contato com a sociedade, ou seja, em

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25

associação com os outros, esse mesmo homem se corrompe, na medida em que

coloca obrigatoriamente em destaque o “amor-próprio”, louvando a sua influência. Isso

se deflui a partir da afirmação de que o ser humano moderno4, ou seja, o homem

social, vive em profundo conflito consigo mesmo e com os seus semelhantes (DENT,

1996).

De acordo com Dent (1996), apesar de o “amor próprio” surgir a partir da

associação humana, Rousseau nos apresenta quase que um antídoto a essa situação

calamitosa do homem social, pretendendo resgatá-lo dessa condição de predador

artificial, com uma proposta de sociedade construída a partir do benefício de todos –

transformando cada indivíduo numa parte de um todo maior – sustentada, como

veremos logo mais, por uma “vontade geral” que gera liberdade e igualdade,

habilitando-os a agirem harmonicamente no seio social, através da proposta contida na

perspectiva de suas obras Emilio, ou Da Educação, e Contrato Social.

Na visão de Rousseau, com a sociedade nascente, a partir dos avanços já

colacionados, surge a guerra de todos contra todos, de usurpações apoiadas

unicamente num direito precário e abusivo, adquirido apenas pela força. Com isso, o

homem foi conduzido inevitavelmente ao seio da sociedade civil, passando a conviver

numa luta entre ricos e pobres.

Nesse contexto, segundo Rousseau (1978b, p. 268), nasceram a dominação de

uns sobre os outros, a servidão, a violência e os roubos. Os ricos utilizavam-se do

braço escravo para subjulgar e dominar seus vizinhos, numa busca incessante pelo

poder. O pensador assim se expressa sobre esse momento:

Os ricos, de sua parte, nem bem experimentaram o prazer de dominar,

logo desdenharam todos os outros e, utilizando seus antigos escravos

para submeter outros, só pensaram em subjugar e dominar seus

4 No contexto desse trabalho, o homem moderno está inserido dentro da proposta do Iluminismo.

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vizinhos, como aqueles lobos famintos que, uma vez comendo carne

humana, recusam qualquer outro alimento e só querem devorar

homens.

Essa dominação, no entanto, não tinha como suporte apenas o poder financeiro,

mas sustentava-se também na força física ou na necessidade. Assim, esses elementos

serviam de justificativa para o rompimento da igualdade reinante no estado natural e

afirmação do estado cívico, no qual a incipiente justiça era insuficiente para controlar a

desordem instalada, in verbis:

Assim, os mais poderosos ou os mais miseráveis, fazendo de suas

forças ou de suas necessidades uma espécie de direito ao bem alheio,

equivalente, segundo eles, ao de propriedade, seguiu-se à rompida

igualdade a pior desordem; assim as usurpações dos ricos, as

extorsões dos pobres, as paixões desenfreadas de todos, abafando a

piedade natural e a voz ainda fraca da justiça, tornaram os homens

avaros, ambiciosos e maus (ROUSSEAU, 1978b, p. 268).

Diante da inércia da justiça, destaca o pensador, “ergueu-se entre o direito do

mais forte e o do primeiro ocupante um conflito perpétuo que terminava em combate e

assassinatos”. Nesse contexto, a embrionária sociedade foi colocada em estado de

guerra. A incapacidade de retroceder ao estado natural e renunciar aos males

advindos com as novas conquistas levou o homem “às portas da ruína por não

trabalhar senão para sua vergonha, abusando das faculdades que o dignificam”

(ROUSSEAU, 1978b, p. 268).

Conforme Rousseau (1978b), na tentativa de se remediar tal situação, foi

encetado entre os homens um pacto social, que garantisse certa estabilidade na

incipiente sociedade. Na assertiva do autor, o homem foi ao encontro de seus grilhões

ao aderir a um pacto aparentemente libertário, porém, de cunho tendencioso. Com

isso, ele não se desvencilhou de seu jugo, ao tempo em que promoveu a paz social,

legitimou a propriedade privada, e na sequência ratificou as desigualdades já

existentes. Portanto, esse Estado emergente de aparência libertária foi fruto de um

pacto social enganoso.

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27

A sociedade, a princípio, constituiu-se somente de algumas convenções

gerais que todos os particulares se comprometeram a observar e das

quais a comunidade se tornou fiadora perante cada um deles. Foi

necessário que a experiência demonstrasse como uma tal constituição

era fraca e como os infratores podiam facilmente evitar a acusação ou

o castigo das faltas, das quais somente o público deveria ser

testemunha e juiz; foi preciso que se iludisse a lei de mil modos, que os

inconvenientes e as desordens se multiplicassem continuamente para

que, por fim, se pensasse em confiar a particulares a perigosa custódia

da autoridade pública e se delegasse a magistrados o cuidado de fazer

observar as deliberações do povo (ROUSSEAU, 1978b, p. 271).

Em um pequeno comentário acerca da formação do corpo político, Rousseau

descreve no final do seu “Segundo Discurso” o que seria o prenúncio da tese esboçada

em sua obra, Contrato Social:

Sem entrar, nesse momento, nas pesquisas que ainda restam por fazer

sobre a natureza fundamental de qualquer governo, limito-me, seguindo

a opinião comum, a considerar aqui o estabelecimento do corpo político

como um verdadeiro contrato entre o povo e os chefes que escolhe,

contrato pelo qual as duas partes se obrigam à observância das leis

nele estipuladas e que formam os liames de sua união. Tendo o povo,

quanto às relações sociais, reunido todas as suas vontades numa só,

tornam-se todos os assuntos, sobre os quais essa vontade se exprime,

outras tantas leis fundamentais que obrigam todos os membros do

Estado sem exceção, regulamentando uma delas a escolha e o poder

dos magistrados encarregados de zelar pela execução das outras.

Esse poder se estende a quanto possa manter a constituição, sem

chegar a mudá-la (ROUSSEAU, 1978b, p. 275).

A obra de Rousseau não é apenas de cunho político, mas também moral, pois,

conforme já foi visto, o autor entende que a moral só se revelará no “estado cívico”.

Com isso, é evidente que a política está intrinsecamente ligada à moral. Ele apregoa

na obra Emílio: “É preciso estudar a sociedade pelos homens, e os homens pela

sociedade; quem quiser tratar separadamente a política e a moral nada entenderá de

nenhuma das duas.” (ROUSSEAU, 2004, p. 325).

O projeto de Rousseau reflete a sua busca pela natureza e/ou essência humana a

partir de uma reforma pedagógica e política, com a finalidade de revolucionar a

sociedade.

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1.3 O abismo entre o homem natural e o homem civilizado – o

significado da desigualdade5

Antes de retornarmos a análise do “Segundo Discurso” no aspecto da

desigualdade, queremos apontar outras características encontradas sobre o tema a

partir do “Primeiro Discurso”. A tese de Rousseau nessa obra é tanto política quanto

moral, e denuncia o comprometimento interior dos homens com a aparência quando

destaca que as necessidades são o “fundamento da sociedade, [...] constituem seu

deleite”. Nessa seara, destaca o pensador, o amor sincero à condição de escravos se

sobrepõe ao sentimento de liberdade original:

Enquanto o Governo e as leis atendem à segurança e ao bem-estar

dos homens reunidos, as ciências, as letras e as artes, menos

despóticas e talvez mais poderosas, estendem guirlandas de flores

sobre as cadeias de ferro de que estão eles carregados, afogam-lhes o

sentimento dessa liberdade original para a qual pareciam ter nascido,

5 A desigualdade entre os homens é um tema bastante presente no pensamento ético e político de

Rousseau. Na gênese de suas ideias, segundo Dent (1996), podemos destacar como a primeira obra importante da sua maturidade, que aborda também o tema político, o ensaio denominado “Discurso sobre as ciências e as artes”, ou “Primeiro Discurso”, redigido em 1749, e publicado no ano seguinte (Un discours sur les sciences et les arts), com o qual obteve o primeiro lugar do concurso proposto pela Academia de Dijon, com a seguinte indagação: “O restabelecimento das ciências e das artes terá contribuído para aprimorar os costumes?”. De acordo com Dent (1996) Rousseau responde de forma negativa ao investigar a essência da infelicidade humana na vida social. Aponta a sociabilidade como a grande causa da corrupção entre os homens, que ao mesmo tempo, produzia injustiças e sofrimentos. Defende que as artes e as ciências prosperaram com frequência em sociedades que estavam na linha do declínio moral. Ao contrário, a moral mantinha o seu vigor em sociedades com pouca erudição. Ele vê, como fatores que incorporam a substância do vigor moral, a lealdade para com a pátria, a coragem para a sua defesa e a aplicação à vocações úteis. Ainda segundo Dent (1996), Rousseau reafirma que, nas sociedades mais avançadas, em que prospera a ociosidade, as pessoas obstinadas pelos seus méritos sentem a necessidade premente de exibir-se, e ao mesmo tempo impressionar os outros. Nessas sociedades, o aprendizado não tem por finalidade a busca do amor à verdade, mas apenas para adquirir notoriedade. Porém, Rousseau não repudia as produções dos verdadeiros gênios, como Newton e Descartes, vez que, segundo ele, esses mestres não buscavam a reputação e/ou exibicionismo em detrimento da verdade. Assim, os temas centrais do pensamento rousseauniano, como: a virtude republicana, o amor à pátria, o desejo de servir ao seu semelhante, a repulsa ao luxo, à ostentação e ao exibicionismo, bem como a perversão de atividades em nome da vontade de obter reputação e odiosa distinção, serão sempre abordados com realce como a base para o desenvolvimento de suas ideias nas principais obras (DENT, 1996).

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fazem com que amem sua escravidão e formam assim o que se chama

povos policiados (ROUSSEAU, 1978a, p. 334).

O pensador deixa evidente a importância do cultivo da aparência quando tece

considerações acerca das prisões erguidas pelo homem para dar resposta às

necessidades que ele próprio criou:

A necessidade levantou os tronos; as ciências e as artes os

fortaleceram. Potências da terra, amai os talentos e protegei aqueles

que os cultivam. Povos policiados, cultivai-os; escravos felizes, vós

lhes deveis esse gosto delicado e fino com que vos excitais, essa

doçura de caráter e essa urbanidade de costumes, que tornam tão

afável o comércio entre vós, em uma palavra: a aparência de todas as

virtudes, sem que se possua nenhuma delas (ROUSSEAU, 1978a, p.

335).

O tema da desigualdade já começa a despontar no “Primeiro Discurso”6 de

Rousseau, quando ele denuncia que tal instituto foi incorporado entre os homens pela

supervalorização dos talentos, em detrimento das virtudes: “De onde nascem todos

esses abusos senão da funesta desigualdade introduzida entre os homens pelo

privilégio dos talentos e pelo aviltamento das virtudes?”. Nessa seara aduz o

pensador:

6 De acordo Falabretti (2009) o “Primeiro Discurso” guarda também sua importância, sobretudo, ao

considerar a crítica à alienação involuntária e à moralidade da aparência. Rousseau, segundo o autor em tela, comparece com censuras ferrenhas às instituições políticas de sua época, em especial ao sistema de educação, artes e ciências e ao comportamento moral vigente naqueles tempos. É a partir da análise de um grande número de acontecimentos históricos com o timbre da dissimulação e a consequente ausência da igualdade, e da liberdade, que deságuam na falta de transparência nas relações humanas, é que Rousseau vai repelir a conduta dos homens em sociedade, e a corrupção nas instituições, com essa visão pessimista da história (FALABRETTI, 2009). Dando importância a esses fatos, Rousseau constata que a história da humanidade está predestinada à degeneração, pois que é a própria história da corrupção dos homens – é o movimento negativo da história em que se destaca a aparência, ou seja, a moral da aparência. É necessário, alerta Falabretti (2009), destacar, porém, que o pensador não pretende afirmar que os homens em si são maus. A pedra de toque para a solução dessa questão estaria no exame da natureza dessa corrupção, em termos de se aquilatar se seria algo inerente ao próprio homem, ou um processo de transformação. Quanto a esse detalhe, Rousseau somente formulará o seu ideal de natureza humana, a partir do seu “Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens” (Segundo Discurso). O “Primeiro Discurso” não pretende testemunhar como os homens eram ou deviam ser, mas apenas mostrar com clareza o que atualmente eles são e como vivem – como estão moldados internamente ao vício da sua sociabilidade abjeta (FALABRETTI, 2009).

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Aí está o efeito mais evidente de todos os nossos estudos, a mais

perigosa de suas consequências. Não se pergunta mais a um homem

se ele tem probidade, mas se tem talento; nem de um livro se é útil,

mas se é bem escrito. As recompensas são prodigalizadas ao engenho

e fica sem glórias a virtude. Há mil prêmios para os belos discursos,

nenhum para as belas ações (ROUSSEAU, 1978a, p. 348).

Como um prenúncio das teses do “Segundo Discurso”, reportamo-nos a uma das

respostas dadas por Rousseau às objeções dirigidas a seu “Primeiro Discurso”, em

especial à refutação feita pelo rei da Polônia, o Duque de Lorena: Estanislau I

Leszczinsk (1682-1766), que, dentre muitos comentários, afirmara que o autor em tela

não havia sido claro quanto à ordem dos elos da corrente da causalidade em face da

cultura intelectual e do declínio moral da sociedade. Ao que este respondeu:

Eis como apresentaria essa genealogia. A primeira fonte do mal é a

desigualdade: da desigualdade saíram as riquezas, uma vez que as

palavras rico e pobre são relativas e em todas as partes em que os

homens forem iguais não haverá ricos nem pobres. Das riquezas

nasceram o luxo e a ociosidade; do luxo nasceram as belas-artes e, da

ociosidade, as ciências (ROUSSEAU, 1978a, p. 386).

Na obra “Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os

homens”, Rousseau amplia a perspectiva histórica, aprofundando a sua análise

hipotética sobre o tema da antropologia política. Sendo assim, o pensador dá vazão,

conforme ele mesmo deixa claro, a certa misantropia ao narrar o progresso da

humanidade.

Com esse aporte à sua teoria política, não podemos deixar de registrar uma das

passagens da sua última obra, totalmente biográfica, denominada “Os devaneios do

caminhante solitário”, com o formato de dez “caminhadas”, em que Rousseau descreve

seus pensamentos e sentimentos, sem farisaísmo, com o toque de melancolia, em que

assim descreveu na “sétima caminhada”:

Enquanto os homens foram meus irmãos, fiz projetos de felicidade

terrena; sendo esses projetos sempre relativos ao todo, eu só podia ser

feliz com a felicidade pública; a ideia de uma alegria particular apenas

tocou meu coração quando vi meus irmãos procurando a sua em minha

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desgraça. Para não odiá-los, foi preciso fugir-lhes; assim, me

refugiando junto à mãe comum, procurei em seus braços escapar dos

golpes de seus filhos, me tornei solitário ou, como dizem, insociável e

misantropo, porque a mais selvagem solidão me parece preferível à

companhia dos maus, que só se alimentam de traições e de ódio

(ROUSSEAU, 2008a, p. 93).

Feitos esses esclarecimentos, lembramos que, no prefácio do “Segundo

Discurso”, Rousseau admite que o mais útil e o menos avançado de todos os

conhecimentos humanos parece ser a ciência que o homem tem sobre si mesmo. Com

isso, reafirma o elemento fundador de sua tese sobre o “estado de natureza”, qual seja:

que se prime pelas informações acerca da saga humana. Percebemos, pois, que,

através de conjecturas, o pensador tende a demonstrar que o homem sofreu ao longo

do tempo grandes influências externas, que interferiram na sua bondade natural,

transformando-o em mentor das desigualdades que construiu para si. Assim, não é

sem surpresa que denota que o homem transformou-se no flagelo do próprio homem:

Como a estátua de Glauco, que o tempo, o mar e as intempéries

tinham desfigurado de tal modo que se assemelhava mais a um animal

feroz do que a um deus, a alma humana, alterada no seio da sociedade

por milhares de causas sempre renovadas, pela aquisição de uma

multidão de conhecimentos e de erros, pelas mudanças que se dão na

constituição dos corpos e pelo choque contínuo das paixões, por assim

dizer, mudou de aparência a ponto de tornar-se quase irreconhecível e,

em lugar de um ser agindo sempre por princípios certos e invariáveis,

em lugar dessa simplicidade celeste e majestosa com a qual seu autor

a tinha marcado, não se encontra senão o contraste disforme entre a

paixão que crê raciocinar e o entendimento delirante (ROUSSEAU,

1978b, p. 227).

Explorando a essência desse indivíduo quase incognoscível, e a espiritualidade

desse ser, defendendo os critérios éticos acima de todos os valores, com o firme

propósito da busca da verdadeira lei natural, separando o que há de original e de

artificial na natureza do homem, Rousseau então verbaliza:

O que há de mais cruel ainda é que, todos os progressos da espécie

humana distanciando-a incessantemente de seu estado primitivo,

quanto mais acumulamos novos conhecimentos, tanto mais afastamos

os meios de adquirir o mais importante de todos: é que, num certo

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sentido, à força de estudar o homem, tornamo-nos incapazes de

conhecê-lo (ROUSSEAU, 1978b, p. 227).

Rousseau (1978b, p. 228) alerta que através dessas mudanças sucessivas da

constituição humana, é que devemos procurar a gênese da desigualdade entre os

homens:

É fácil de ver que nessas mudanças sucessivas da constituição

humana é que se deve procurar a origem primeira das diferenças que

distinguem os homens, os quais, na opinião comum, naturalmente tão

iguais entre si quanto o eram os animais de cada espécie antes que

várias causas físicas tivessem introduzido em algumas espécies as

variedades que nelas notamos.

Essas mudanças, para o pensador, nem se deram a um só tempo e nem de

maneira semelhante em todos os indivíduos. Segundo Rousseau (1978b, p. 228), cada

pessoa, a seu tempo, foi “se aperfeiçoando” ou “se deteriorando” e “adquirindo várias

qualidades, boas ou más, que de modo algum eram inerentes à sua natureza”. Eis,

portanto, o “que determinou entre os homens a primeira fonte de desigualdade.”

Rousseau (1978b, p. 225) admite na espécie humana dois tipos de desigualdade,

quais sejam: a desigualdade natural ou física e a desigualdade moral ou política. A

primeira “consiste na diferença das idades, da saúde, das forças do corpo e das

qualidades do espírito e da alma”; a segunda, “pode-se chamar de desigualdade moral

ou política, porque depende de uma espécie de convenção e que é estabelecida ou,

pelo menos, autorizada pelo consentimento dos homens”.

Para o autor, é inútil questionar qual a fonte da desigualdade natural, posto que

“a resposta estaria enunciada na simples definição da palavra”. Também é

inconcebível se buscar uma ligação entre ambas, pois seria levantar questões que

envolvem juízos de valores (ROUSSEAU, 1978b, p. 225).

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33

Fortes (1989) destaca que, para Rousseau, a desigualdade é a primeira fonte do

mal na civilização. Ele lembra que o pensador a considera como um fato não natural,

ou seja, “ela não é autorizada pela lei natural”, mas fruto da evolução da sociedade.

Assim, é correto afirmar que, no “estado de natureza”, o homem não mantém relações

de desigualdade com o seu próximo.

Destarte, tomando por base o pensamento de Rousseau, Fortes (1989, p. 43)

destaca que a desigualdade foi socialmente produzida no percurso da evolução

histórica da civilização. Segundo o comentador, a partir da leitura de Rousseau, “é até

possível marcar o momento de sua aparição e determinar sua causa com precisão”.

Para Fortes (1989), o que fez Rousseau no seu “Segundo Discurso” foi um

esboço da gênese da desigualdade, mostrando como, pouco a pouco, ela se formou e

se incorporou na sociedade, dessecando suas diferentes etapas, desde a sua origem,

perpassando por suas diversas fases, e mostrando “como tudo isso se relaciona com

os demais fatos e fenômenos característicos da vida em sociedade” (FORTES, 1989, p.

43).

Rousseau (1978b, p. 263) destaca que a estima pública foi o primeiro passo tanto

para a desigualdade quanto para o vício, pois, na medida em que a sociedade evoluiu,

a cobiça também cresceu e o homem começou a olhar o outro “e a desejar ser ele”.

Esse fenômeno desencadeou a valorização da estima pública. Com isso, nascem de

um lado a vaidade e o desprezo, e, de outro, a vergonha e a inveja.

Rousseau, em seu empenho de conhecer as raízes da desigualdade traça, pari

passu, a marcha de sua institucionalização na civilização. Segundo o pensador,

podemos encontrar nas leis o primeiro termo que institui as diferenças entre os

homens, uma vez que elas se fizeram presentes para conservar suas aquisições ao

longo do tempo. O segundo foi a criação dos magistrados, dando para os homens um

Page 35: Formação do homem para sabedoria popular como princípio de ...

34

Governo. A cristalização das desigualdades se dá, por fim, com o despotismo, que

assegura o surgimento do senhor e do escravo:

Se seguirmos o processo da desigualdade nessas diferentes

revoluções, verificaremos ter constituído seu primeiro termo o

estabelecimento da lei e do direito de propriedade; a instituição da

magistratura, o segundo; sendo o terceiro e último a transformação do

poder legítimo em poder arbitrário. Assim, o estado de rico e de pobre

foi autorizado pela primeira época; o de poderoso e de fraco pela

segunda; e, pela terceira, o de senhor e escravo, que é o último grau

da desigualdade e o termo em que todos os outros se resolvem, até

que novas revoluções dissolvam completamente o Governo ou o

aproximem da instituição legítima (ROUSSEAU, 1978b, p. 277).

Portanto, segundo o pensador, o último grau da desigualdade ergue-se a partir da

desordem da sociedade artificial e/ou civil criada pelo homem.

Passada a etapa do segundo Discurso, em que Rousseau diagnostica o indivíduo

como um animal celerado no seio da sociedade civil que ele criou para si mesmo, é

chegada a hora de transformar o homem. Essa transformação se dá através da

proposta de educação para a formação do novo cidadão, o qual ficará imune à

perversão, conforme é mostrado no Contrato Social. Nessa perspectiva, o autor

privilegia a soberania como fonte inesgotável da igualdade e liberdade do ser.

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2 A FORMAÇÃO DO HOMEM PARA A SOBERANIA POPULAR

Nesse capítulo analisaremos, de forma sucinta a obra Emílio, ou Da Educação

(Émile, ou De l‟éducation), por entendermos que ela, à medida que prima pela

preparação do homem para exercer a sua soberania no seio da novel sociedade, se

constitui numa base para a compreensão do Contrato Social. Nessa perspectiva,

Rousseau considerou, principalmente: as relações físicas com os outros seres, as

morais com os homens e as civis com os concidadãos. Esse entendimento pode ser

depreendido da leitura do Livro V, que trata das viagens de Emílio7. Nele, o pensador

revela de forma clara o método que deve ser empregado para a formação do homem

para a soberania popular.

Na doutrina rousseauniana, de acordo com Bervique (2004, p. 1), existem três

fontes de educação: a natureza, os homens e as coisas. A primeira consiste no

desenvolvimento interno das faculdades e dos órgãos – “a educação vem de dentro

para fora; a educação dos homens consiste em ensinar o uso desse desenvolvimento;

e a educação das coisas é o ganho da própria experiência sobre os objetos que afetam

cada indivíduo”. Segundo a autora:

[...] as três educações são necessárias para levar à perfeição; mas,

como a educação dos homens depende de nós, a das coisas depende

7 Emílio é um menino rico, sadio, robusto, órfão (ou entregue pelos pais a um preceptor, porque eles só

poderiam educar o filho dentro da ordem vigente, justamente o que se queria evitar), de inteligência comum e que, bem orientado por Jean-Jacques, iria promover a reforma da sociedade. Rousseau orientou a educação de Emílio no sentido de fazê-lo, antes de tudo, um homem. O estado ideal, pretendido por Rousseau, não poderá ser atingido, entretanto, se Emílio ficar exposto às más influências da sociedade corrupta, pois, vivendo no meio do vício, não haverá possibilidade de seu coração conservar-se puro. Impossível levá-lo da bondade natural à prática da virtude, se ficar exposto à maldade adquirida pelos homens no contato com a coletividade injusta, dominada pelo intelectualismo, pela política e pela moral convencionais. Além disso, não há liberdade verdadeira na sociedade; ela só existe na natureza. Para evitar o cercear da liberdade humana, que anula qualquer tentativa de desenvolvimento harmonioso do homem, pois faz com que se desintegrem e degenerem suas tendências primitivamente boas, faz-se necessário separar o discípulo da sociedade e fazer da natureza sua única educadora e mestra. (BERVIQUE, 2004, p.1).

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36

em parte e a da natureza é independente, o preceptor tem a obrigação

de orientar as duas primeiras para esta última (ROUSSEAU, 1968, p.

11 apud BERVIQUE, 2004, p.1).

De acordo com Bervique (2004, p.1), pela leitura da obra, podemos observar que

“há nessa concepção de educação geral uma profunda diferença da educação da

época”. Dessa forma, cada capítulo do “Emílio”, que se divide no total de 05 (cinco)

Livros, nomeará as respectivas idades que farão parte de determinadas etapas de

desenvolvimento do homem. Veja-se de forma detalhada cada uma dessas fases de

formação.

2.1 As relações físicas com os outros seres

Rousseau (2004) afirma que as primeiras condições do homem ao nascer são a

miséria e a fraqueza. Com isso, seus primeiros sons reduzem-se à queixa e ao choro.

Desse choro nasce a primeira relação do homem com tudo o que o cerca. Nesse

sentido, assegura o pensador, é que se inicia o primeiro elo da longa cadeia de que é

formada a ordem social, tendo início o processo de interação homem/mundo.

Para Rousseau (2004, p. 15), na construção desse processo de interação do

homem com o mundo, a educação ocupa um lugar de destaque; por isso, a instrução

da criança se inicia já nos primeiros dias de seu nascimento, quando ela começa a

agir, a fazer uso de seus órgãos, e dos seus sentidos. Nesse sentido, aduz:

“Começamos a nos instruir quando começamos a viver; nossa educação começa junto

conosco; nosso primeiro preceptor é a nossa ama de leite”. Porém, essa educação

segue etapas determinadas pela idade, e cada momento da vida da criança

corresponde a um ciclo educativo.

Cabral (2011, p.1), analisando o projeto educacional de Rousseau, classifica a

educação proposta pelo pensador em quatro períodos, a saber:

Page 38: Formação do homem para sabedoria popular como princípio de ...

37

1. O primeiro período vai de 0 a 5 (zero a cinco) anos, correspondendo

a uma vida puramente física, apta a fortificar o corpo sem forçá-lo;

período espontâneo e orientado graças, notadamente, ao aleitamento

materno;

2. O segundo período vai de 5 aos 12 (cinco a doze) anos e é aquele

no qual a criança desenvolve seu corpo e seu caráter no contato com

as realidades naturais, sem intervenção ativa de seu preceptor;

3. O preceptor intervém mais diretamente no terceiro período, que vai

de 12 a 15 (doze a quinze) anos, período no qual o jovem se inicia,

essencialmente pela experiência, à geografia e à física, ao mesmo

tempo em que aprende uma profissão manual ou ofício;

4. Dos 15 aos 20 (quinze aos vinte) anos compreende-se o quarto

período, em que o homem floresce para a vida moral, religiosa e social.

De acordo com Cabral (2011), este é o modelo básico de educação que

Rousseau propõe para substituir a educação tradicional que, em nome da civilização e

do progresso, obriga os homens a desenvolverem na criança a formação apenas do

intelecto em detrimento da educação física, do caráter moral e da natureza própria de

cada indivíduo. Porém, no contexto do trabalho ora desenvolvido, adotaremos apenas

três períodos educacionais: o primeiro, que vai de 0 a 5 anos; o segundo, de 5 aos 12

anos; e, o terceiro, a partir dos 12 anos até a idade adulta, quando o educando já se

tornou um homem e passa a viver em sociedade.

O primeiro ciclo, ou período, da educação tem início no âmbito familiar, numa

educação doméstica, seguindo sempre a marcha da natureza, visando à formação de

um homem virtuoso, preservando o máximo possível suas qualidades naturais, para

que ele não transgrida seus princípios em nome dos vícios e da imoralidade da

sociedade corrompida. À medida que a criança cresce e aumentam suas capacidades

físicas e intelectuais, aumentará também seu nível do conhecimento.

Assim, à medida que o ser sensitivo se torna ativo, desenvolve seu sentido

sinestésico e “passa a ter discernimento proporcional às suas forças; e é somente com

a força que excede aquela de que precisa para conservar-se que se desenvolve nele a

faculdade especulativa própria para empregar esse excesso de força em outros usos”.

Nesse contexto, tem-se o exercício contínuo do corpo e dos sentidos, os quais são

Page 39: Formação do homem para sabedoria popular como princípio de ...

38

instrumentos da inteligência e devem fazer parte da formação da criança, com a

finalidade de ensiná-la a pensar. Nesse sentido aduz o pensador:

Quereis, então, cultivar a inteligência de vosso aluno; cultivai as forças

que ela deve governar. Exercitai de contínuo seu corpo; tornai-o

robusto e sadio, para torná-lo sábio e razoável; que ele trabalhe, aja,

corra e grite, esteja sempre em movimento; que seja homem pelo vigor,

e logo o será pela razão. (ROUSSEAU, 2004, p. 137)

Essa formação, porém, não é encontrada nos livros; ela é fruto das experiências

diárias da criança. Nesse contexto, Rousseau (2004, p. 148) alerta para a necessidade

de se dispensar especial atenção aos aprendizados adquiridos pelos sentidos, pois,

“como tudo o que entra no entendimento humano vem pelos sentidos, a primeira razão

do homem é sensitiva; é ela que serve de base para a intelectual”; e, no momento

seguinte, destaca: “nossos primeiros mestres de filosofia são nossos pés, nossas

mãos, nossos olhos”. Dessa forma, “as primeiras faculdades que se formam e se

aperfeiçoam no indivíduo são os sentidos”. Portanto, ressalta o pensador, deveríamos

cultivá-las, pois “são elas que nos ensinam a bem julgar.” (ROUSSEAU, 2004, p. 160).

Portanto, para Rousseau (2004, p. 127-128), nessa fase, o uso de leitura pelo

educando pode, perfeitamente, ser descartado, a fim de que ele obtenha uma formação

prática. Nesse sentido, destaca:

Sem estudar nos livros, a espécie de memória que uma criança pode

ter não permanece por isso ociosa. Tudo o que ela vê, tudo o que ouve

a impressiona e ela lembra; guarda em si mesma o registro das ações e

das palavras dos homens, e tudo o que a rodeia é o livro no qual, sem

perceber, ela enriquece continuamente sua memória, enquanto espera

que seu juízo possa aproveitá-lo.

Nesse contexto, Rousseau (2004, p. 72-73) defende a humanização da educação

da criança sem as superficialidades da tradicional, que quer torná-la adulta antes do

tempo. Na verdade, ele clama pelo amor à infância e pela preservação da natureza do

infante, na medida em que alerta para a necessidade de se “favorecer as brincadeiras,

seus prazeres, seu amável instinto” e “amar a infância”:

Page 40: Formação do homem para sabedoria popular como princípio de ...

39

Quem de vós não teve alguma vez saudade dessa época em que o riso

está sempre nos lábios, e a alma está sempre em paz? Por que quereis

retirar desses pequenos inocentes o gozo de um tempo tão curto que

se lhes foge, e de um bem tão precioso, de que não poderiam abusar?

Por que quereis encher de amargura e de dores esses primeiros anos

tão velozes, que não mais voltarão para eles, assim como não voltarão

para vós? Não fabriqueis remorsos para vós mesmos retirando os

poucos instantes que a natureza lhes dá. Assim que eles puderem

sentir o prazer de existir, fazei com que o gozem; fazei com que, a

qualquer hora que Deus os chamar, não morram sem ter saboreado a

vida.

Destarte, nessa segunda fase da vida, embora ela ofereça muitos perigos e as

experiências marquem o homem para sempre, de acordo com o pensador, ainda deve

vigorar a educação natural. Esse é o momento em que a criança começa a falar e

acaba a infância. Aqui, ela deve tomar as primeiras lições de coragem, para suportar

as dores do corpo e aprender o significado do sofrimento. Nesse sentido, aduz

Rousseau (2004, p. 70):

É nessa idade que se tomam as primeiras lições de coragem e,

suportando sem pavor as dores leves, aprende-se aos poucos a

suportar as grandes.

Longe de estar atento a evitar que Emílio se machuque, eu ficaria muito

aborrecido se ele nunca se ferisse e crescesse sem conhecer a dor.

Sofrer é a primeira coisa que ele deverá, e a que ele terá maior

necessidade de saber.

Para além de uma filosofia do sofrimento, o que o pensador busca com essa

afirmativa é nos despertar para a importância das experiências vividas pela criança,

que resultarão em conquistas adquiridas a partir de sua formação natural, que, por

intermédio da “educação negativa”, a tornarão um novo ser humano, um novo sujeito

social, que deve se relacionar em paz com a sociedade. Bervique (2004, p. 1), tecendo

considerações acerca do que Rousseau convencionou chamar de “educação negativa”,

aduz:

Deve-se entender a concepção rousseauniana de educação negativa,

não como uma ociosidade perniciosa, mas como o aproveitamento das

ocasiões e do tempo para evitar que os vícios se implantem na criança,

que ela adquira maus hábitos, ou conceitos e noções falsas.

Page 41: Formação do homem para sabedoria popular como princípio de ...

40

O que caracteriza a “educação negativa”, portanto, é a formação natural do

homem. Uma educação que deve oferecer as bases do amplo processo formativo,

capaz de preparar a criança para tornar-se progressivamente um futuro homem,

livremente submetido à vontade geral republicana. Nesse sentido, afirma no Livro I, do

Emílio: “Para formar esse homem raro, que temos de fazer? Muito, sem dúvida: impedir

que algo seja feito” (ROUSSEAU, 2004, p. 14).

Assim, não se deve ensinar a virtude ou a verdade, mas preservar o coração do

vício e o espírito do erro. Os ensinamentos apreendidos nessa fase, segundo o

pensador, exercerão influência até bem próximo ao início da vida adulta, quando só

nesta ocasião o homem aprenderá a viver em sociedade, com base nos princípios de

Direito Político.

Destarte, no início do Livro I, a fim de guiar a primeira educação do seu

educando, Rousseau evidencia o uso da bondade natural da criança a partir de um

ensinamento de acordo com a “natureza”. É o começo da “educação negativa”, que

rechaça a tradicional com os seus vícios sociais, que não respeita etapas.

Numa importante passagem do Livro I, Rousseau demonstra claramente o mérito

da natureza e da educação para a formação da criança e, consequentemente, do

homem. No entanto, ele lembra que a educação é um hábito advindo da natureza

humana, que é comandada pela razão. Sendo assim, ao se fazer referência ao

processo educacional de Emílio, questões pertinentes à natureza humana e à

sociedade não poderiam ser afastadas.

Deste modo, a questão do “homem natural” é de extrema relevância quando se

pensa numa educação de acordo com a natureza. Até porque seu objetivo maior é

formar um homem civil, que viverá numa sociedade na qual a liberdade e a igualdade

serão uma constante, ou seja, ela não pretende lançar no mundo um cidadão

corompido pelas instituições. Nesse sentido, aduz Bervique (2004, p. 1):

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41

Rousseau considera impossível formar o homem e o cidadão ao

mesmo tempo, porque as instituições formais da sociedade são

incompatíveis com a natureza e o cidadão é um indivíduo artificial. Por

isso, Emílio será educado para ser homem e não cidadão, para viver na

humanidade e não nesta ou naquela sociedade. Ou, em outras

palavras, Emílio será um homem natural preparado para viver em

estado social. Depois de ser educado de maneira correta pela natureza,

Emílio será levado a viver em sociedade, para receber dela o que lhe

faltar e para agir no sentido de restaurá-la.

Ao nos depararmos com a afirmação rousseauniana de que “é preciso optar entre

fazer um homem ou um cidadão, pois não se podem fazer os dois ao mesmo tempo”,

percebemos que o pensador resgata mais uma vez seu programa de educação, o qual

enfatiza que ela deve seguir, conforme já apontamos anteriormente, as diversas fases

da vida do educando (de acordo com a sua idade), sem suprimir nem antepor etapas,

sob pena de tornar o ser um mero instrumento da educação tradicional, que o torna

antecipadamente num adulto com os vícios da sociedade que o corrompe. Portanto, a

educação de acordo com a natureza terá o seu limite quando o ente estiver pronto para

a vida adulta, momento em que será também desde logo inserido na formação política.

(ROUSSEAU, 2004, p. 11).

Nesse ponto, mister que se ressalte, entendemos que as etapas de formação

proposta por Rousseau, ao definir e, portanto, diferençar o homem natural do homem

civil, são uma antecipação de sua tese acerca do contrato social na teoria do Direito

Político. Senão, vejamos:

O homem natural é tudo para si mesmo; é a unidade numérica, o inteiro

absoluto, que só se relaciona consigo mesmo ou com seu semelhante.

O homem civil é apenas uma unidade fracionária que se liga ao

denominador, e cujo valor está em sua relação com o todo, que é o

corpo social. As boas instituições sociais são as que melhor sabem

desnaturar o homem, retirar-lhe sua existência absoluta para dar-lhe

uma relativa, e transferir o eu para a unidade comum, de sorte que

cada particular já não se julgue como tal, e sim como uma parte da

unidade, e só seja perceptível no todo. (ROUSSEAU, 2004, p. 11-12).

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42

Dito isto, retornemos à questão anterior, na qual Rousseau (2004, p. 32) assevera

que é a partir da educação natural que o homem se prepara para enfrentar as

adversidades da vida. De acordo com o pensador, “a educação natural deve tornar um

homem próprio para todas as condições humanas”, e essa formação só é conseguida

no campo, longe das cidades, abismos da espécie humana.

A socialização, assim, desponta como algo pernicioso, pois, para o pensador,

quanto mais os homens se reúnem, mais eles se corrompem. Rousseau (2004, p. 43)

assevera que: “de todos os animais, o homem é aquele que menos pode viver em

rebanho”; por tal motivo, “as doenças do corpo, assim como os vícios da alma, são o

efeito infalível dessa associação muito numerosa”. A perniciosidade dessa convivência

consiste no fato de que, ao comparar-se demasiadamente com os outros e ao deixar-se

guiar pela representação e fingimento dos sentimentos, o ser humano constrói uma

pseudoautenticidade, perdendo-se a si mesmo.

Essa análise reforça o papel da educação que, neste contexto, torna-se

indispensável para prevenir, no coração humano, a depravação que nasce do alto

índice de artificialidade das novas necessidades gestadas pela sua sociabilidade.

Porém, somente a educação natural tem a capacidade de evitar esse caos. Assim,

mais tarde, quando já houver a formação do indivíduo, ou a consolidação de uma

espécie de alicerce educacional, deve-se inseri-lo na vida em sociedade, momento em

que, supostamente, ele estará pronto para conviver com a degeneração e a corrupção

próprias do estado civil, sem se deixar contaminar. É o momento da terceira fase da

educação.

A terceira fase do ciclo da educação trata prioritariamente da relação entre as

pessoas e, de modo especial, de suas questões morais. Portanto, uma educação

propriamente moral começa mais tarde, só no período da adolescência. Nessa fase,

Rousseau (2004, p. 211) aponta a chegada da força na criança, que consegue

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43

ultrapassar os seus desejos. É dessa forma que ele apresenta o terceiro estado da

infância:

Embora até a adolescência todo o curso da vida seja um tempo de

fraqueza, há um momento na duração desta primeira idade em que,

tendo o progresso das forças ultrapassado o das necessidades, o

animal que cresce, ainda absolutamente fraco, torna-se relativamente

forte. Nem todas as suas necessidades estando desenvolvidas, suas

forças atuais são mais do que suficientes para satisfazer as que possui.

Como homem, ele seria fraquíssimo; como criança, é muito forte.

Rousseau esclarece que essa fase “é o tempo dos trabalhos, da instrução, dos

estudos”. Esse fato, no entanto, advém da necessidade da própria natureza da criança,

não sendo, portanto, uma imposição do preceptor. Nesse aprendizado, não se trata de

saber o que existe, mas apenas o que é útil para o educando; firma-se a fase da

educação útil. Passa-se da lei da necessidade para a utilidade (ROUSSEAU, 2004, p.

213).

Embora nessa fase se valorize a educação útil, caracterizada pelo contato com a

ciência através das experiências, dos estudos especulativos (com o uso de aparelhos

inventados para facilitar o desenvolvimento das pesquisas cientificas), Rousseau

(2004) não descuida da importância da educação de acordo com a natureza. Afinal,

fazendo uso de um dos sentidos, através da observação generalizada dos fatos, em

conjunto com o conhecimento científico, o educando obtém o sucesso almejado.

Assim, segundo Rousseau (2004, p. 265), o limitado conhecimento político que a

criança possui permite que o educador o direcione para uma profissão:

Quero absolutamente que Emílio aprenda uma profissão. Uma

profissão honesta, pelo menos, direis? O que significa essa expressão?

Não é honesta toda profissão que seja útil ao público? Não quero que

ele seja bordador, nem dourador, nem envernizador, como o fidalgo de

Locke; não quero que ele seja nem músico, nem comerciante, nem

fazedor de livros. Com exceção dessas profissões e das outras que se

lhes assemelham, escolha a que quiser; não pretendo incomodá-lo em

nada. Prefiro que seja sapateiro a poeta; prefiro que pavimente as

estradas a que faça flores de porcelana. Mas, direis, os arqueiros, os

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44

espiões, os carrascos são pessoas úteis. Só depende do governo que

não o sejam.

Outro aspecto que deve dirigir a vida do educando é o pertinente à previdência.

Rousseau (2004, p. 232) explica que a lei da necessidade, sempre renascente no

coração humano, “cedo ensina o homem a fazer o que não gosta para prevenir um mal

que lhe desagradaria ainda mais. Este é o uso da previdência, e da previdência bem

ou mal ordenada nasce toda a sabedoria ou toda miséria humana”.

Finalmente, terminadas as etapas da aprendizagem, é hora do educando viver em

sociedade:

Dir-me-ão que estou saindo da natureza, mas não creio. Ela escolhe os

seus instrumentos e os afina, não pela opinião, mas pela necessidade.

Ora, as necessidades mudam conforme a situação dos homens. Há

muita diferença entre o homem natural que vive no estado de natureza

e o homem natural que vive no estado de sociedade. Emílio não é um

selvagem ao ser relegado aos desertos: é um selvagem feito para

morar nas cidades. É preciso que saiba encontrar nelas o necessário,

tirar partido dos habitantes e viver, senão como eles, pelo menos com

eles (ROUSSEAU, 2004, p. 277-278).

Porém, segundo Rousseau (2004), as fases do aprendizado não se encerram

aqui, posto que o homem seja um ser social e, portanto, deva aprender viver em

sociedade. Inicia-se, pois, um novo momento, no qual o programa de formação

proposto pelo pensador retém como supedâneo a idade da razão e das paixões. É o

período em que o homem sai da infância por obra da própria natureza.

2.2 Relações morais com os outros homens

É a partir do estudo do “amor de si” e do “amor-próprio”, que Rousseau (2004)

adentra na análise do “ser moral”, ou seja, pensa as relações humanas tendo como

base as paixões. No entanto, adverte o pensador, elas são limitadas, e instrumentos de

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45

nossa liberdade. Surgem, entretanto, por apropriação dos homens, outras paixões que

subjugam e destroem a natureza humana.

O tema das paixões é igualmente ampliado para o “amor-próprio”, conceito já

aventado por Rousseau no “segundo Discurso”. Ao nosso deslinde, percebemos que o

amor-próprio exsurge a partir do contato do educando com a sociedade, quando ele

começa a se comparar com os outros e a se escravizar por força de necessidades

emergentes dessa influência social.

Nesse contexto, Rousseau (2004, p.289-290) deixa claro que a influência do meio

social produz nos homens as paixões odientas e irascíveis, que principiam com o “amor

próprio”. Assim, de acordo com o pensador, “o que torna o homem essencialmente bom

é ter poucas necessidades e pouco se comparar com os outros; o que o torna

essencialmente mau é ter muitas necessidades e dar muita atenção à opinião.”

Desse processo, começam a aflorar os sentimentos, e logo em seguida as noções

do bem e do mal. Ele pretende, com isso, conduzir a sensibilidade do educando a fim

de mantê-lo em contato com as paixões próprias da sociabilidade, como o amor, a

amizade e as primeiras sementes da humanidade.

Dessa forma, Rousseau (2004, p. 303) afirma que o sentimento de compaixão

nasce a partir do desenvolvimento dos sentidos, em que o educando começa a “sentir-

se em seus semelhantes, a comover-se com suas queixas e a sofrer com as suas

dores”.

Assim a compaixão (piedade), para Rousseau (2004, p.304), é o primeiro

sentimento relativo que sensibiliza o coração humano a partir dos ditames da natureza,

o qual deverá guiar a criança por toda a sua jornada junto à sociedade. Nesse sentido,

é preciso sensibilizar o educando de que existem pessoas semelhantes a ele que

sofrem o que ele sofreu, e outras que também podem passar pelos mesmos percalços.

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A proposta é a saída de si para identificar-se com o outro que sofre. Para alimentar

essa inclinação nascente e natural, o autor aconselha que se estimulem no educando

“a bondade, a humanidade, a comiseração, a beneficência, todas as paixões atraentes

e doces que agradam naturalmente os homens.”, impedindo “que nasçam a inveja, a

cobiça, o ódio, todas as paixões repugnantes e cruéis, que, por assim dizer, tornam a

sensibilidade não somente nula, mas negativa, e fazem o tormento de quem as

experimenta.”

Dent (1996), comentando a compaixão em Rousseau, ressalta que o pensador a

coloca como uma das formas benéficas de convivência em sociedade. Assim,

diferentemente das relações movidas por combatividade, competitividade e

agressividade, as decorrentes da compaixão são pacíficas e primam pela ajuda mútua.

Para o comentador, o tema é essencial no pensamento de Rousseau, pois pretende

fundamentar a possibilidade de relações cooperativas no seio da sociedade.

Nessa fase da formação, Rousseau (2004) ministra as lições fundamentais que o

seu educando deve seguir, a fim de conviver melhor com os homens. Fiel a sua

vocação humanista, o autor afirma que a primeira delas é o respeito à própria espécie

humana. O educando deve aprender a amar todos os homens, mesmo aqueles que de

alguma forma o menosprezam. Convém estimular no coração do jovem a bondade,

como um dos primeiros movimentos da natureza, para que ela possa se expandir até

seus semelhantes. Também deve prevalecer o desinteresse de se afirmar em

determinada classe social, pois é recomendável que ele se reconheça em todas. A

todos esses movimentos, deve-se acrescentar o mínimo possível de interesse pessoal,

rechaçando toda a forma de rivalidade, glória e sentimentos de comparação que

nutrem no indivíduo o sentimento de ódio.

Dimana também do programa educativo de Rousseau (2004) privilegiar a

formação do educando a partir da observação da experiência dos homens em suas

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interações ao longo dos tempos. Com o estudo da história, ressalta, ele aprenderá a ler

o coração do homem.

É a partir da história que as ações dos homens são reveladas, o que permite a

sua análise através dos fatos. O pensador (2004, p.328) assinala que “para conhecer

os homens, é preciso vê-los agir. Suas próprias palavras ajudam-nos a apreciá-los,

pois, comparando o que fazem com o que dizem, vemos ao mesmo tempo o que são e

o que querem parecer; quanto mais se disfarçam, melhor os conhecemos”.

Portanto, é necessário, ao ser em formação, aprender em primeiro lugar a

conhecer os homens, depois lhe será apresentado o mundo, pois, caso contrário,

estaríamos corrompendo-o: “Mostrar-lhe o mundo antes que ele conheça os homens

não é formá-lo, é corrompê-lo; não é instruí-lo, é enganá-lo“ (ROUSSEAU, 2004, p.

302).

Esse conhecimento, ressaltamos, se dará na observação. O educando conhecerá

os homens de longe, como mero espectador, observando-os de forma imparcial, em

outros tempos nos meandros da história. Portanto, não precisará do auxilio da ciência

para perceber os movimentos do homem em seu habitat natural.

No entanto, Rousseau adverte, isso se daria apontando as falhas e a previdência

que se deve ter nesse tipo de aprendizado, dada a observação falível do historiador

e/ou observador.

Nesse passo, o educando deve observar os fatos históricos, como já se disse,

com imparcialidade. Rousseau (2004), por isso, alerta que esse tipo de estudo tem

seus inconvenientes. A primeira dificuldade começa em poder julgar os nossos

semelhantes com equidade. Outra reside no interesse da história em mostrar os

homens mais pelo lado mau do que pelo bom. Isso acontece particularmente ao se

enfatizarem as revoluções, as catástrofes e a saga dos povos que se destroem. De

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acordo com o autor, os governos mais prósperos são aqueles de que menos se fala.

Nesse padrão, “só sabemos o mal; dificilmente o bem marca época. Só os maus são

célebres, os bons são esquecidos ou ridicularizados: eis como a história, assim como a

filosofia , calunia sem cessar o gênero humano.” (ROUSSEAU, 2004, p.328).

Continua o autor, em digressão sobre o tema, acenando que os fatos, tais como

descritos pelos historiadores, mudam de acordo com os seus interesses, assumem as

formas dos seus preconceitos. A ignorância ou a parcialidade destroem o rumo da

verdade real dos fatos. Isso acontece, em especial, em virtude do ponto de vista que

assume cada historiador ao ampliar ou limitar algumas circunstâncias que se

relacionam a ele. Nessa perspectiva, para Rousseau (2004), os piores historiadores

são aqueles que julgam através dos olhos dos outros.

Com o estudo da história, o educando terá igualmente a oportunidade de

deparar-se com diversas culturas e com isso perceberá o homem em seu intento na

sociedade. Rousseau (2004, p.331-332) acrescenta que a história mostra muito mais

as ações do que propriamente os homens. Por isso é preciso perquirir, quando da

análise dos fatos, não só o caráter do homem em particular, mas “examiná-lo também

na multidão”.

Após a formação moral do educando, segundo Rousseau (2004), é preciso

orientá-lo para compreender o significado da religião. Tratando-se de dogma religioso,

não deve haver qualquer interferência do preceptor quanto à opção da crença. No

entanto, o jovem deve ser inspirado a escolher aquela a que seja conduzido pelo

melhor emprego da razão.

Rousseau (2004) expressa algumas reflexões sobre a religião através do que

resolveu denominar de “Profissão de Fé do Vigário Saboiano”. Nela, o pensador

aconselha a tomar como norte, para um melhor entendimento da religião, que o

educando consulte a sua própria luz interior a partir das convicções do coração.

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No entanto, na compreensão do pensador, é plausível aceitar que uma vontade

move o Universo e ainda a natureza. É assim que Rousseau (2004, p.384) apresenta o

seu primeiro e exemplar artigo de fé, professando que, apesar de assistirmos à ação e

à reação das forças da natureza interagirem entre si, devemos sempre volver a uma

espécie de “vontade como primeira causa.”

Na passagem seguinte, Rousseau (2004, p. 390) expõe os seus sentimentos

acerca do significado de Deus:

Lembra sempre que não estou ensinando meu sentimento, mas estou

expondo-o. Que a matéria seja eterna ou criada, que haja um princípio

passivo ou não, sempre é certo que o todo é uno e anuncia uma

inteligência única; pois nada vejo que não esteja ordenado ao mesmo

sistema e que não concorra para o mesmo fim, qual seja, a

conservação do todo na ordem estabelecida. O ser que quer e que

pode, o ser ativo por si mesmo, o ser, enfim, qualquer que seja ele, que

move o universo e ordena todas as coisas, chamo-o Deus. Junto a

esse nome as ideias de inteligência, de potência, de vontade, que

reúne, e mais a de bondade, que é uma consequência necessária das

primeiras; mas nem por isso conheço melhor o ser a que dei esse

nome; ele se furta igualmente aos meus sentidos e ao meu

entendimento; quanto mais penso nele, mais me confundo; sei com

toda a certeza que ele existe, e que existe por si mesmo; sei que minha

existência é subordinada à sua e que todas as coisas que conheço

estão absolutamente no mesmo caso. Percebo Deus por toda parte em

suas obras; sinto-o em mim, vejo-o por toda parte ao meu redor; mas

assim que quero contemplá-lo em si mesmo, assim que quero procurar

onde ele está, o que ele é, qual a sua substância, ele me escapa e meu

espírito perturbado nada mais percebe.

Huisman (2002, p. 160), analisando a questão religiosa em Rousseau, destaca

que, para o pensador: “Deus é anunciado por um „sentimento interior‟ e manifesta-se

„em suas obras‟”.

Rousseau (2004, p. 396) explica que o homem é o senhor do seu destino; ele é

livre em suas ações: “Se o homem é ativo e livre, ele age por si mesmo. Tudo o que faz

livremente não entra no sistema ordenado da providência e não lhe pode ser

imputado.” Com isso, o bem e o mal são de autoria do próprio homem, e a sua

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consciência é que deve orientá-lo para as virtudes. Nessa visão do autor, a

providência, portanto, não é a responsável pelos atos dos homens aqui na terra, já que

estes são possuidores do livre-arbítrio.

Também nesse contexto, o educando aprenderá o significado de justiça.

Rousseau (2004, p. 353-398) já havia enfatizado que “de todas as virtudes a justiça é a

que mais concorre para o bem comum dos homens.” Reafirmando essa asserção, ele

ratifica que: “Onde tudo está bem, nada é injusto. A justiça é inseparável da bondade;

ora, a bondade é o efeito necessário de uma potência sem limite e do amor de si,

essencial a todo ser que sente”.

Já que a consciência deve orientar o homem para a prática das virtudes a partir

da sua vontade racional, Rousseau (2004) deixa claro que ela é a voz da alma. Nunca

engana, pois possui a vocação natural de nortear o homem em suas decisões.

Segundo o autor, isso ocorre porque existe um princípio inato de justiça no fundo das

almas, com a qual julgamos todas as ações mundanas como boas ou más.

A partir dessa ótica, Rousseau (2004, p.406) adiciona ao seu sistema educacional

um tipo de moral da consciência, que consiste em formar um juízo analítico sobre todas

as ações que são praticadas pelo homem. Diz o autor que “se a bondade moral é

conforme a nossa natureza, o homem só pode ser são de espírito ou bem constituído

na medida em que é bom”.

Aponta Rousseau (2004, p. 411) que a razão é a chave para o conhecimento do

bem: “Conhecer o bem não é amá-lo; o homem não tem um conhecimento inato do

bem; mas assim que a sua razão faz com que o conheça, sua consciência leva-o a

amá-lo: é este sentimento que é inato”.

Com essas questões sobre a teologia, incluindo uma crença na bondade natural

do homem, na justiça e na moral da consciência, Rousseau (2004) professa a religião

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natural a partir do significado desses temas, que são a tônica de suas obras sobre

educação e política. O autor preleciona que as maiores ideias da divindade são

provenientes apenas da razão. Compreender a religião natural é observar o espetáculo

da natureza, ouvir a voz interior que emana do coração.

Obedecendo ao ciclo pedagógico proposto por Rousseau (2004, p.483), é o

momento do educando pautar as suas relações com os indivíduos através da ética,

tendo em mente a igualdade e a justiça. Ele esclarece que a primeira violação tolerada

leva à prática de outra, e esse consentimento só termina na ruína de toda a ordem

estabelecida. O pensador adverte que “é pela desordem da primeira idade que os

homens degeneram e que os vemos tornarem-se o que hoje são. Vis e covardes em

seus próprios vícios, têm somente almas pequenas, porque seus corpos gastos cedo

se corromperam.”

Pelos comentários de Simpson (2009), quando em contato com a sociedade, o

educando terá a oportunidade de aprimorar os seus conhecimentos a partir da

aquisição de uma educação mais sofisticada. Assim, ele deve desenvolver o gosto pela

arte, seu exame das condutas morais se torna mais perspicaz, aprende sobre os

clássicos da literatura e a escrever com desenvoltura.

Como foi bem observado pelo referido comentador, neste estágio, o educando

também terá contato mais direto com a leitura, em especial dos livros agradáveis, que

lhe proporcionará a análise do discurso mundano.

Observamos, até o momento, que Rousseau privilegiou a sua “educação

negativa” desde a mais tenra idade do educando. Chega, portanto, o momento da

formação política do ser.

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2.3 Relações civis com os outros concidadãos

O último ciclo da educação proposto por Rousseau faz referência à formação

política que leva em conta a convivência do indivíduo no seio de uma família. Nesse

contexto, o autor ressalta a importância da criação do núcleo familiar para o surgimento

de uma nova sociedade, idealizada a partir do Contrato Social.

Fiel à tese da formação moral, o autor constitui o caráter do educando e discorre

sobre a educação de sua companheira tendo como base a natureza virtuosa. Os

arroubos da convivência familiar colocam o jovem aprendiz exposto aos riscos da

perda de autocontrole.

Nessa fase do aprendizado, Rousseau entende ser essencial que o educando

mantenha a formação sobre a natureza, que o acompanhará por toda a sua vida, e

acrescenta a isso os conhecimentos sobre a base da ordem civil.

Diante do exposto, percebemos que o autor parte do pressuposto de que a

natureza trabalha em prol da constituição do bom cidadão, contribuindo com a

formação de laços familiares visando a uma correta convenção social.

Rousseau (2004, p. 556) reitera a sua convicção de consolidar a integridade

moral e pessoal do educando, ao tratar igualmente sobre a formação religiosa da

mulher, a partir do sentimento interior. Esse sentimento deve pautar a conduta “que

nos manda sermos todos justos, que nos amemos uns aos outros, que sejamos bons e

misericordiosos, que honremos nossos compromissos com todos, mesmo com nossos

inimigos e os seus.” Esses dogmas, e outros semelhantes inspirados na voz do

coração, segundo o autor, são os que importa ensinar à juventude, e persuadir todos

os cidadãos.

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No contexto da educação, segundo Rousseau (2004, p.655), o autodomínio sobre

os desejos e, portanto, o controle dos afetos, é essencial para a convivência em

sociedade, uma das mais ardentes provas de superação para se estabelecer relações

com outros indivíduos. Nessa ótica, o autor esclarece que, apesar de a formação do

educando ter sido pautada a partir de fundamentos morais, ela não é invulnerável por

inteiro. Preso às afeições que adquiriu ao longo da formação, o jovem deve aprender o

significado da superação e do autodomínio:

Sabes sofrer e morrer; sabes suportar a lei da necessidade no que diz

respeito aos males físicos, mas ainda não impuseste leis aos apetites

do teu coração, e é de nossos afetos, bem mais do que de nossas

necessidades, que nasce a perturbação de nossa vida. Nossos desejos

são amplos, nossa força é quase nula. Por seus desejos, o homem

depende de mil coisas, e por si mesmo de nada depende, nem mesmo

de sua própria vida; quanto mais aumenta suas afeições, mais

multiplica seus sofrimentos. Tudo apenas passa pela terra; tudo o que

amamos mais cedo ou mais tarde nos deixará, ligamo-nos a tudo o que

amamos como se devesse durar eternamente.

Porém, o autor reafirma que é sempre necessário obedecer à formação de cada

uma das etapas da vida do educando, ou seja, da infância, passando pela

adolescência, até a idade adulta, já que uma maneira de viver não exclui a outra, pois

que “cada idade tem suas molas que a fazem mover-se, mas o homem é sempre o

mesmo” (ROUSSEAU, 2004, p. 636).

Como um primeiro passo para a formação política do educando, Rousseau (2004)

prioriza a importância das viagens, como forma de se obter conhecimento sobre a

cultura de outros países. O pensador esclarece que, antes que o seu educando se

torne chefe de família e, portanto, membro do Estado como um verdadeiro cidadão

cônscio dos seus deveres na ordem civil, ele deve conhecer todos os lugares em que

se pode habitar, para que tire suas conclusões e escolha o lugar para viver de forma

mais adequada.

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Rousseau (2004, p. 672-673) acrescenta que o educando deve “começar por

estudar a natureza do governo em geral, as diversas formas de governo e finalmente o

governo particular sob o qual nasceu, para saber se lhe convém viver nele.” Para se

conhecer melhor os governos tal como existem, Rousseau ensina que deve haver uma

conjunção de estudos dos princípios do direito político com o direito positivo dos

governos estabelecidos.

Dando seguimento aos ensinamentos políticos ao educando, Rousseau (2004, p.

680) vai afirmar a sua concepção de contrato social. Para o autor, esse contrato é a

base para a formação de toda a sociedade civil. É nas suas condições que se deve

procurar entender a natureza da sociedade que ele forma. O seu conteúdo é definido

pelo pensador da seguinte maneira: “Cada um de nós põe em comum seus bens, sua

pessoa, sua vida e toda a sua potência, sob a suprema direção da vontade geral, e

recebemos em bloco cada membro como parte indivisível do todo.” (Destaque original).

Na lição do autor, com esse modo de ser, forma-se um corpo moral e coletivo no

lugar da pessoa particular de cada contratante. Rousseau (2004) então define essa

pessoa pública como corpo político, que também é chamado de Estado. Esse

organismo político, quando em atividade, é o poder soberano. No que se refere aos

seus membros, quando considerados de forma coletiva, recebem o nome de povo. E

chamam-se em particular de cidadãos, quando participantes da autoridade soberana.

O pensador ratifica a sua ideia de contrato social, asseverando que o ato de

associação traz em seu bojo um compromisso recíproco entre todos os participantes,

na medida em que cada indivíduo, também estabelecendo um contrato consigo mesmo,

torna-se duplamente vinculado ao pacto. Dessume-se, dessa condição, que não pode

haver outra lei fundamental, além daquela estipulada através do pacto social.

O conceito de pacto social é ampliado em Rousseau (2004, p.682), ao afirmar que

nele encontramos a causa de todo o funcionamento da máquina política. Isso ocorre

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porque o povo em bloco como soberano é o mentor de toda a destreza para o

funcionamento do corpo político. Sem essa condição, replica o autor, os compromissos

assumidos seriam tirânicos e sujeitos aos maiores abusos. Assim, “tendo os

particulares se submetido apenas ao soberano e não passando a autoridade soberana

da vontade geral, veremos como cada homem, ao obedecer ao soberano, só obedece

a si e como somos mais livres no pacto social do que no estado de natureza”.

O direito de propriedade e o direito de soberania têm suas características próprias

no âmbito do contrato social. Quanto à propriedade, Rousseau (2004) assegura que o

fundamento desse direito exsurge a partir da própria autoridade soberana. Portanto, o

direito de propriedade é considerado inviolável e sagrado enquanto direito individual.

Tornando-se, no entanto, comum, a todos os cidadãos, ele fica submetido à vontade

geral, que tem o poder de anulá-lo.

Atinente à elaboração das leis no campo de ação do contrato social, Rousseau

(2004, p. 683) certifica que todo o povo deve legislar sobre todo o povo, sem nenhuma

divisão nesse ponto de vista. Assim, “o objeto sobre o qual se legisla é geral e a

vontade que legisla também é geral”.

Portanto, já que o povo representa a própria soberania, os atos do soberano

significam os atos da vontade geral. Nesse passo, ela só pode manifestar-se através

de leis que possuem um objeto geral, que deve se referir a todos os membros do

Estado. Rousseau (2004, p. 683) também alerta que o soberano (povo) “nunca tem o

poder de estabelecer algo sobre um objeto particular”.

Nesse aspecto, dada a importância do Estado, em que se devem também decidir

coisas particulares, Rousseau (2004) esclarece que todos os atos do soberano só

podem corresponder a atos da vontade geral, que são leis. As decisões acerca das

questões particulares são resolvidas através de atos determinantes ou de governo com

fundamento naquelas leis já estabelecidas pela vontade geral.

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Rousseau (2004) demonstra a necessidade de o Estado possuir uma espécie de

corpo intermediário entre os súditos e o soberano, para que não degenere em

despotismo ou anarquia. Esse grupo de pessoas atuaria no sentido de dinamizar o

pacto, ficando encarregado da administração pública, da execução das leis e da

conservação da liberdade civil e política.

Segundo o autor, os membros do corpo intermediário são denominados de

magistrados ou reis, e também governadores. A todo o corpo composto pelas pessoas

reunidas, chama-se príncipe, e quando em ação, tomando decisões políticas,

caracteriza-se como governo.

O pensador explica que, a partir desse corpo intermediário, o magistrado deve

receber as ordens provenientes do soberano, e em seguida transmiti-las ao povo.

Rousseau (2004) alerta, porém, que, na hipótese de surgir uma desordem nessa regra,

o Estado arruinado cairá na anarquia.

Para orientar melhor o seu educando, Rousseau (2004, p. 688) lhe apresenta

algumas formas de governo, como a democracia, a aristocracia e a monarquia,

conforme seu particular conceito:

Para fixar a seguir essa diversidade de formas em denominações mais

precisas, observaremos em primeiro lugar que o soberano pode confiar

a guarda do governo a todo o povo ou à maior parte do povo, de modo

que haja mais cidadãos magistrados do que cidadãos simples

particulares.

Dá-se o nome de democracia a essa forma de governo.

Ou então ele pode encerrar o governo nas mãos de um menor número

de cidadãos, havendo assim mais simples cidadãos do que

magistrados, e essa forma tem o nome de aristocracia.

Finalmente, ele pode concentrar todo o governo nas mãos de um único

magistrado. Essa terceira forma é a mais comum e se chama

monarquia ou governo real.

Discorrendo ainda sobre o tema, destaca o autor (2004, p.688) que a democracia

pode abranger todo o povo ou mesmo limitar-se à sua metade. Quanto à aristocracia,

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ela “pode limitar-se da metade do povo até os menores grupos”. Rousseau defende,

porém, que existe um ponto em comum entre as formas de governo, em que cada uma

confunde-se com a seguinte, justificando com isso que, sob as três formas,

democracia, aristocracia e monarquia, o governo será capaz de tantas formas quantos

forem os cidadãos que o Estado possuir. Com isso, se as referidas formas forem

combinadas, um grande número de formas mistas surgirá, podendo, ainda, na

sequência, ser multiplicadas. Ao nosso aporte, o pensador pretende com essas

considerações dizer que as formas de governo devem seguir a vocação de cada povo,

a depender da administração de cada Estado.

Rousseau (2004, p. 692) enfatiza que, para um melhor aprendizado sobre o gênio

e os costumes de uma nação, é necessário se estudar as províncias mais afastadas.

Segundo o pensador, é lá que os bons e os maus efeitos do governo revelam-se de

forma mais evidente. Nesse sentido, ressalta: “É nas províncias afastadas, onde há

menos movimento e menos comércio, onde os estrangeiros viajam menos, cujos

habitantes deslocam-se menos, mudam menos de riqueza e de condição, que devemos

ir estudar o gênio e os costumes de uma nação”.

Rousseau (2004) deduz ao seu educando que, em geral, existem duas regras

simples para avaliar a boa qualidade relativa dos governos. A primeira delas, ele

qualifica pelo povoamento do Estado. Nessa condição, o mais pobre dos Estados será

o mais governado. A segunda exigência reside na regular distribuição da população,

quando os habitantes devem estar espalhados de forma uniforme por todo o território.

Depreendemos da leitura do programa pedagógico de Rousseau, que ele

pretende em primeiro lugar formar o homem, para em seguida cultivar a sua educação

política, preparando-o para a proposta constante de sua obra, Contrato Social,

conforme veremos a seguir.

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3 O PACTO SOCIAL LIBERTÁRIO E A FORMAÇÃO DA SOCIEDADE

LEGÍTIMA

Antes de adentrarmos no tema da vida política do “Contrato Social” de Rousseau,

reputamos ser de necessidade premente lembrar que, de acordo com Derathé (2009),

a formação intelectual e moral do homem, na perspectiva rousseauniana, é uma

consequência da vida social.

Do ponto de vista do referido comentador, na obra Contrato Social, Rousseau

denomina de Estado a sociedade política organizada, chama de Soberania a

autoridade suprema no Estado ou o poder Legislativo, de Soberano o povo, ou seja,

aquele que detém essa autoridade, e de Governo todos aqueles que estão investidos

no poder executivo, na obrigação de cumprir as diretrizes do poder soberano.

Derathé (2009, p.554) testifica que a concepção de Soberano em Rousseau

adquire um sentido mais preciso do que em seus antecessores:

Rousseau dá à palavra soberano um sentido mais preciso e mais

restrito do que seus predecessores. Sua Concepção da soberania o

leva a fazer uma diferença entre o soberano, que é o autor das leis, e o

magistrado ou o príncipe, que assegura sua execução. (Destaques

originais).

Segundo Camus et al (2010), Rousseau defende o princípio de soberania popular

como fundamento do estado de direito. Portanto, de acordo com a linha contratualista

rousseauniana, a soberania tem origem puramente humana, já que a autoridade

política é proveniente unicamente de uma convenção. Com isso, no seu modelo

político, ele atribui a soberania ao povo, que o exerce através da vontade geral. Nessa

linha de raciocínio, o Contrato Social é uma reflexão sobre o direito político.

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3.1 A formação como resgate do corpo social

No “Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os

homens”, ficou evidenciado que na evolução humana ocorreram transformações que se

ampliaram com as necessidades prementes de sobrevivência e a convivência de todos

no meio social. Com isso, o homem produziu para si a desigualdade, e a corrupção civil

foi algo inevitável.

Rousseau concluiu que a vontade individual teria perdido a sua credibilidade, ao

fornecer o produto de uma sociedade que escraviza o próximo em benefício de poucos.

Assim, já no “Segundo Discurso”, conforme anteriormente analisado, encontramos

certo fragmento do que seria a sua obra de direito político, o prenúncio da sua tese no

Contrato Social, que fundamenta como algo superior a vontade geral ou o pacto social.

A expressão “vontade geral” foi usada pela primeira vez no artigo Da economia

política que é um desdobramento da tese mestra da “soberania”, analisada com

particularidade no Contrato Social. Rousseau (1958, p. 288) discorre desde logo sobre

a importância da “vontade geral”, que no interior da sociedade é a fonte das leis, a

regra do justo e do injusto. O enunciado testifica o seguinte:

O corpo político é, pois, também, um ser moral que possui uma

vontade; essa vontade geral, que tende sempre à conservação e ao

bem-estar do todo e de cada parte, e que constitui a fonte das leis, é

para todos os membros do Estado, em relação a si próprios e a ele, a

regra do justo e do injusto.

É ainda proposto no artigo Da economia política o dever de se investir na

constituição do homem virtuoso para a formação do cidadão, visando a fortalecer o

poder social:

Não é suficiente dizer aos cidadãos – sede bons; é preciso ensiná-los a

ser. O próprio exemplo, que a esse respeito constitui a primeira lição,

não representa o único meio a empregar-se; o amor à pátria constitui o

meio mais eficaz, pois, como já disse, todo o homem é virtuoso quando

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sua vontade particular em tudo se encontra de acordo com a vontade

geral e de bom grado desejamos aquilo que desejam as pessoas que

amamos (ROUSSEAU, 1958, p. 296).

A educação pública é também uma preocupação central na obra de Rousseau,

segundo o comentador Vieira (1997, p.108). O projeto político do pensador é, antes de

tudo, pedagógico. Destacamos essa proposição ao analisarmos suas obras Emilio, o

Projeto de Constituição para a Córsega e as suas Considerações sobre o Governo da

Polônia e sua Reforma Projetada, em que o autor ressalta como aspecto fundamental a

formação do cidadão de qualquer República.

No torque entre educação e política, a sequência das intenções do pensador é

clara. Isso ocorre especialmente ao observarmos a obra Emílio, ou Da Educação, na

qual notamos um compêndio de algumas ideias contidas no Contrato Social.

Nessa obra, conforme anteriormente salientado, Rousseau fundamentou a defesa

da natureza como início da formação do homem, através de sua proposta de

“educação negativa”, que privilegia o dom natural existente em cada ser, possibilitando

o seu desenvolvimento espontâneo apenas pela razão. É em suas relações com os

outros indivíduos que, segundo o pensador, o educando terá a oportunidade de

conhecer o seu ser moral, que estará também em formação. Nessa linha, a constituição

do homem é privilegiada a partir das virtudes naturais, como a compaixão.

Fazendo certa ponte para a formação política, a obra em comento anuncia um

homem probo e que por isso deverá adquirir conhecimentos nessa área para viver de

forma digna em sociedade, com respeito ao próximo. Nesse contexto, a constituição do

educando figura como um tipo de educação doméstica e/ou individual, a fim de garantir

a igualdade e a liberdade no seio do estado civil, anunciado por Rousseau no seu

Contrato Social.

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O Emílio, segundo Simpson (2009), reacendeu a chama do pensamento de

Rousseau, dando expressão mais completa à tese essencial sobre a “bondade natural

do homem”. De acordo com o comentador, o pensador imprime na obra um objetivo

mais abstrato e filosófico, com a preocupação de mostrar como a sua composição da

bondade natural pode ser harmonizada com a imoralidade de muitos, o que significaria

dizer que Rousseau defende uma teoria da natureza humana e da sociedade.

Simpson (2009), analisando a obra supracitada, destaca que ela segue a análise

do desenvolvimento do caráter humano, demonstrando que os problemas do homem

são causados pelas próprias instituições humanas, e não por algo no mundo natural ou

mesmo um inevitável defeito na própria natureza humana. Na linha da bondade natural,

o Emílio descreve uma educação de acordo com a natureza, com o objetivo de cultivar

a bondade natural do educando, para torná-lo uma pessoa feliz, boa para si e para os

outros.

No seu Projeto de Constituição para a Córsega (Projet de constitution pour la

Corse), redigido em 1764, a educação, respeitante à formação do homem para exercer

o seu status de cidadão, não deixa de ser igualmente uma prioridade. Ao final da

guerra dos Trinta Anos, a Europa estava loteada em Estados, dependências e

domínios, e essa condição política da época favoreceu o que caracterizaria a Era do

Absolutismo (ROUSSEAU, 1962).

A ilha de Córsega, colocada sob o domínio da República de Gênova, sem a

outorga da sua população, era a imagem de tantos outros territórios europeus que não

toleravam o poder de seus governantes impostos por tratados. A vocação da liberdade

falou mais alto aos corsos com aspiração ao autogoverno, na oportunidade em que o

seu chefe nacional Pasquale Paoli autorizou o seu enviado especial, Matteo

Buttafuoco, a pedir a Rousseau que elaborasse um projeto de Constituição

(ROUSSEAU, 1962). O seu Projeto de Constituição para a Córsega, entretanto, nunca

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foi concluído, e o seu fragmento foi encontrado entre os papéis inéditos à data da

morte do pensador.

Encontramos, na obra, um Prólogo seguido por cinco parágrafos fragmentários

que encerram a Primeira Parte, anunciando a Segunda, denominada fragmentos

esparsos, que não permite uma análise bem sistemática, contudo, não tira a

importância dessa porção final do manuscrito.

O Prólogo inicia discorrendo acerca da formação da nação, tema que interessa ao

presente trabalho. Nesse sentido, ressalta o autor:

Tudo resulta de separar-se demasiado duas coisas inseparáveis: o

corpo que governa e o corpo que é governado. Na instituição primitiva,

esses dois corpos não são mais que um; só pelo abuso da instituição

separam-se.

Os mais sábios, atendendo em tal caso às relações de conveniência,

formam o governo para a nação. Há, no entanto, algo melhor a fazer –

formar a nação para o governo (ROUSSEAU, 1962, p. 191).

Rousseau (1962, p. 232) finaliza a sua obra política para a Córsega, através das

ideias defendidas no seu Contrato Social: “Nobre povo, não desejo dar-vos leis

artificiais e sistemáticas inventadas por homens, mas tão-só conduzir-vos às leis da

natureza e da ordem, que governam o coração e de modo algum tiranizam as

vontades.”

Segundo Fortes (1982), na obra de Rousseau Considerações sobre o Governo da

Polônia e sua Reforma Projetada (considérations sur le gouvernement de Pologne), o

pensador propõe a governantes e governados como se deve intervir politicamente nas

sociedades historicamente organizadas para incorporarem os ideais do seu Contrato

Social. Veremos, entre outras sugestões ao povo polonês, a preocupação de Rousseau

com a formação do homem, para a cidadania, com atenção destacada para a educação

pública.

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De acordo com Fortes (1982), a Polônia do Século XVIII, que ainda mantinha uma

estrutura feudal, era uma nação de grandes dimensões, na qual os burgueses e

camponeses não possuíam participação na vida política. Já contando com o apoio das

autoridades francesas, o conde polonês Wielhorski, representante dos nobres

insurretos poloneses da “Confederação” de Bar, que mantinham uma revolta armada

contra o próprio rei da Polônia – Stanislas Poniatowski, vem ao encontro de Rousseau,

que ao término de seis meses apresenta ao seu interlocutor o projeto de reforma para a

Polônia em quinze pequenos capítulos.

Nesse contexto, assegura Fortes (1982), nasce uma nova obra-prima de política,

diferente das especulações abstratas, já que o ensaio fora elaborado a partir de uma

conjuntura real e específica. Essas Considerações, destaca o comentador, obra de

circunstância, apresenta-se como um complemento indispensável ao pensamento

político contido no Contrato Social.

Ao lado da proposta de transformação das estruturas políticas da Polônia, outra

proposição de Rousseau (1982, p. 36) que nos interessa no momento é o aspecto

fundamental da educação, sem a qual nenhuma reforma da legislação teria a

competente efetividade. O objetivo central é formar cidadãos que se identifiquem com

o todo político a partir da elaboração de suas próprias leis, colocando-as acima dos

interesses que possuem na condição de indivíduos naturais:

Eis aqui o artigo importante. É a educação que deve dar às almas a

forma nacional e dirigir de tal forma suas opiniões e seus gostos, que

elas sejam patriotas por inclinação, por paixão, por necessidade. Uma

criança, abrindo os olhos, deve ver a pátria e até à morte não deve ver

mais nada além dela. Todo verdadeiro republicano sugou com o leite

de sua mãe o amor de sua pátria, isto é, das leis e da liberdade. Esse

amor faz toda sua existência; ele não vê nada além da pátria e só vive

para ela; assim que está só, é nulo; a partir do momento em que não

tem mais pátria, não existe mais; e se não está morto, é pior do que

isso.

Page 65: Formação do homem para sabedoria popular como princípio de ...

64

A educação nacional só cabe aos homens livres; só eles têm uma

existência comum e estão verdadeiramente ligados pela Lei.8

Rousseau (1978c) reafirma a necessidade da educação para a formação política

ao elaborar a divisão das leis no seu Contrato Social, pois no momento em que

relaciona a categoria final destas, aponta uma espécie de instância da lei lato sensu,

como ele mesmo afirma, uma “quarta espécie”.

A “quarta espécie de lei” é a mais importante de todas na ótica do pensador, pois

está gravada nos corações dos cidadãos. Ela dá forma ao caráter e atitude dos

indivíduos através dos usos e costumes como aspecto habitual, e da opinião, como

condição racional da moral praticada de forma intensa pelos homens no trato diário:

A essas três espécies de leis, junta-se uma quarta, a mais importante

de todas, que não se grava nem no mármore, nem no bronze, mas nos

corações dos cidadãos; que faz a verdadeira constituição do Estado;

que todos os dias ganha novas forças; que, quando as outras leis

envelhecem ou se extinguem, as reanima ou as supre, conserva um

povo no espírito de sua instituição e insensivelmente substitui a força

da autoridade pela do hábito.

Refiro-me aos usos e costumes e, sobretudo, à opinião, essa parte

desconhecida por nossos políticos, mas da qual depende o sucesso de

todas as outras; parte de que se ocupa em segredo o grande

Legislador, enquanto parece limitar-se a regulamentos particulares que

não são senão o arco da abóbada, da qual os costumes, mais lentos

para nascerem, formam por fim a chave indestrutível (ROUSSEAU,

1978c, p. 69).

8 “C‟est ici l‟article important. C‟est l‟éducation qui doit donner aux âmes la forme nationale, et diriger

tellement leurs opinions et lurs gouts, qu‟elles soient patriotes par inclination, par passion, par nécessité. Un enfant, en ouvrant les yeux, doit voir la patrie, et jusqu‟à la mort ne doit plus voir qu‟elle. Tout vrai républicain suça avec le lait de sa mère l‟amour de sa patrie, c‟est-à-dire, des lois et de la liberté. Cet amour fait toute son existence; il ne voit que la patrie, il ne vit que pour elle; sitôt qu‟il est seul, il est nul; sitôt qu‟il n‟a plus de patrie, il n‟est plus, et s‟il n‟est pas mort, il est pis.L‟éducation nationale n‟appartient qu‟aux hommes libres; il n‟y a qu‟eux qui aient une existence commune et qui soient vraiment liés par la Loi.” (ROUSSEAU, Jean-Jacques. Considerações sobre o Governo da Polônia e sua Reforma Projetada. Opus citatum, p.133).

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65

Portanto, na opinião de comentadores como Dent (1996), o programa educacional

de Rousseau visa enfatizar os meios pelos quais as pessoas poderiam viver a melhor

vida para si mesmos, em total harmonia com o seu próximo, em sociedade e no Estado.

Sobressai da obra Emílio uma preleção do modo como uma pessoa pode encontrar, ou

obter, um lugar na sociedade sem sofrer a alienação ou a corrupção9 pessoal que isso

envolve.

Com essas considerações, demonstramos a influência da educação política na

consciência do homem, na proposta rousseauniana, visando à formação de uma nova

sociedade com respeito à igualdade e à liberdade.

3.2 A transformação moral e política da sociedade capitaneada pela

soberania popular

Rousseau demonstrou, através do Discurso sobre a origem e os fundamentos da

desigualdade entre os homens, os percalços de um “estado civil” que se originou do

“estado de natureza” e evoluiu para a desigualdade entre os indivíduos, em nome da

corrupção que se instalou no seio daquela sociedade.

Com a obra Emílio, tendo como pano de fundo o sentimento de piedade e da

perfectibilidade irmanada com uma moral adquirida através da formação, o limite final

para a instrução do homem estaria focado na formação política para a consecução de

um novo “ser”, liberto de todo o preconceito e corrupção, participando da liberdade civil

9 “Do ponto de vista da teoria política, a corrupção já era um tema tratado pelos escritos dos primeiros

filósofos gregos. Mas, antes destes, já temos relatos de corrupção política nos primórdios da civilização. “As tentativas de compreendê-la e buscar as suas causas também vêm de longa data. Na verdade, a reflexão sobre a corrupção política está presente em todos os autores que trataram da mudança das formas de governo.” (MARTINS, José Antônio. Corrupção. São Paulo: Globo, 2008, p.25).

Page 67: Formação do homem para sabedoria popular como princípio de ...

66

com o seu próximo. O ideal político de Rousseau está, portanto, nessa proposta de

uma nova sociedade, através do pacto social de indivíduos livres e iguais.

Com essas considerações, é o momento de entendermos como funciona o projeto

político ideal de Rousseau, a partir dos seus princípios de direito político. Vale

lembrarmos que o direito natural é repudiado pelo pensador a partir do momento em

que ele defende que o Estado só pode surgir através da vontade geral, dos integrantes

do pacto social.

O capítulo I, do Livro Primeiro do Contrato Social, traz uma expressão vinculada

ao segundo Discurso, que demonstra no pensador a firme convicção da importância

capital do conhecimento da vida política no estudo do homem: “O homem nasce livre, e

por toda a parte encontra-se a ferros. O que se crê senhor dos demais, não deixa de

ser mais escravo do que eles.” (ROUSSEAU, 1978c, p, 22).

Como já alertamos anteriormente, Rousseau (1978c, p. 22-23) nega o direito

natural como fundador do Estado, ao asseverar que: “A ordem social, porém, é um

direito sagrado que serve de base a todos os outros. Tal direito, no entanto, não se

origina da natureza: funda-se, portanto, em convenções”. Esses acordos, conforme

deduzimos da leitura do Contrato Social, nada mais são senão a proposta de Rousseau

da sociedade organizada, através da permissão de todos que se unem para a

realização do bem comum.

A ideia de núcleo familiar proposta no Emílio é fortificada por Rousseau no

Contrato Social, ao abordar o tema das primeiras sociedades. Ele apresenta a família

como um núcleo convencional que serve de uma espécie de gênese para a sua

proposta de uma nova sociedade, visando a garantir os seus atributos naturais de

amor, conservação e o cuidado que se deve ter com o próximo:

Page 68: Formação do homem para sabedoria popular como princípio de ...

67

A mais antiga de todas as sociedades, e a única natural, é a família;

ainda assim só se prendem os filhos ao pai enquanto dele necessitam

para a própria conservação. Desde que tal necessidade cessa, desfaz-

se o liame natural. Os filhos, isentos da obediência que devem ao pai, e

este, isento dos cuidados que deve aos filhos, voltam todos a ser

igualmente independentes. Se continuam unidos, já não é natural, mas

voluntariamente, e a própria família só se mantém por convenção.

Essa liberdade comum é uma consequência da natureza do homem.

Sua primeira lei consiste em zelar pela própria conservação, seus

primeiros cuidados são aqueles que se deve a si mesmo, e, assim que

alcança a idade da razão, sendo o único juiz dos meios adequados

para conservar-se, torna-se, por isso, senhor de si.

A família é, pois, se assim se quiser, o primeiro modelo das sociedades

políticas: o chefe é a imagem do pai; o povo, a dos filhos, e todos,

tendo nascido iguais e livres, só alienam sua liberdade em proveito

próprio (ROUSSEAU, 1978c, p. 23-24).

A fim de construir a sua concepção de convenção voltada para a formação do

Estado, Rousseau (1978c, p. 25-26) repudia “o direito do mais forte”, afirmando com

isso que a relação entre os homens se torna impura ao se admitir a transformação da

força em direito e a obediência em dever. A escravidão é, assim, repelida pelo

pensador, que sustenta que nenhum homem tem o poder de mando sobre os seus

semelhantes, já que a força não pode produzir qualquer direito entre eles. Atento a

essas convicções, Rousseau de forma conclusiva enuncia que as convenções são o

alicerce de toda a autoridade legítima existente entre os homens.

Vemos que a ideia do indivíduo isolado dos outros, com interesse privado, de

mando sobre os seus semelhantes, é recusada por Rousseau através da sua teoria

política. Em nossa compreensão, o “estado civil” ideal de Rousseau deve sobrevir de

uma organização social plena e convicta de seus direitos individuais.

Para entendermos melhor a perspectiva rousseauniana sobre a convenção e/ou

contrato, tomaremos como base Dent (1996), que localiza nas obras, Emílio e Contrato

Social, dois contextos diferentes sobre o assunto: o primeiro, menos significativo,

contém a ideia de troca contratual como estrutura para regular e coordenar a atividade

humana; o segundo, mais significativo, advém do próprio “Contrato Social”, como elo

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68

que reúne várias pessoas num corpo civil, como o vínculo de união comum adstrito a

um corpo de leis. (1996, p.83).

A ideia de uma liberdade convencional através do pacto social é a raiz, podemos

assim dizer, da proposta de Rousseau (1978c) para a formação de uma sociedade

mais justa.

Dessa forma, com o implemento da convenção, ocorre apenas a transformação da

liberdade natural irrestrita em liberdade convencional. Com isso, Rousseau (1978c, p.

31-32) deseja legitimar a sociedade política, preservando a igualdade e a liberdade

entre todos, especialmente na tomada de decisões do corpo político:

Suponhamos os homens chegando àquele ponto em que os obstáculos

prejudiciais à sua conservação no estado de natureza sobrepujam, pela

sua resistência, as forças de que cada indivíduo dispõe para manter-se

nesse estado. Então, esse estado primitivo já não pode subsistir, e o

gênero humano, se não mudasse de modo de vida, pereceria.

Ora, como os homens não podem engendrar novas forças, mas

somente unir e orientar as já existentes, não têm eles outro meio de

conservar-se senão formando, por agregação, um conjunto de forças,

que possa sobrepujar a resistência, impelindo-as para um só móvel,

levando-as a operar em concerto.

Essa soma de forças só pode nascer do concurso de muitos; sendo,

porém, a força e a liberdade de cada indivíduo os instrumentos

primordiais de sua conservação, como poderia ele empenhá-los sem

prejudicar e sem negligenciar os cuidados que a si mesmo deve? Essa

dificuldade, reconduzindo ao meu assunto, poderá ser enunciada como

segue:

„Encontrar uma forma de associação que defenda e proteja a pessoa e

os bens de cada associado com toda a força comum, e pela qual cada

um, unindo-se a todos, só obedece, contudo a si mesmo,

permanecendo assim tão livre quanto antes‟. Esse, o problema

fundamental cuja solução o contrato social oferece (Destaque original).

E continua o autor:

Enfim, cada um dando-se a todos não se dá a ninguém e, não existindo

um associado sobre o qual não se adquira o mesmo direito que se lhe

cede sobre si mesmo, ganha-se o equivalente de tudo que se perde, e

maior força para conservar o que se tem.

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69

Se separar-se, pois, do pacto social aquilo que não pertence à sua

essência, ver-se-á que ele se reduz aos seguintes termos: „Cada um de

nós põe em comum sua pessoa e todo o seu poder sob a direção

suprema da vontade geral, e recebemos, enquanto corpo, cada

membro como parte indivisível do todo‟ (ROUSSEAU, 1978c, p. 33)

(Destaque original).

Nessa linha do pensamento, a passagem do “estado de natureza” para o “estado

civil” ocasiona uma mudança no homem, substituindo na sua conduta o instinto pela

justiça, momento em que também dá às suas ações uma moralidade que antes não

existia. A razão nesse ponto também venceria as suas inclinações naturais. Com isso,

o que se ganha com o contrato social é a liberdade civil e a propriedade de tudo o que

se possui (ROUSSEAU, 1978c).

Rousseau esclarece no bojo do seu Contrato Social que essa pessoa pública, que

se forma pela união de todas as outras, recebe o nome de república ou de corpo

político, o qual é chamado por seus membros de Estado quando passivo, e soberano

quando ativo. Ainda nessa seara, destaca o autor: “Quanto aos associados, recebem

eles, coletivamente, o nome de povo e se chamam, em particular, cidadãos, enquanto

partícipes da autoridade soberana, e súditos enquanto submetidos às leis do Estado”

(ROUSSEAU, 1978c, p. 33-34).

Portanto, o soberano é o corpo político investido no poder que lhe conferiu o

pacto social:

Ora, o soberano, sendo formado tão-só pelos particulares que o

compõem, não visa nem pode visar a interesse contrário ao deles, e,

consequentemente, o poder soberano não necessita de qualquer

garantia em face de seus súditos, por ser impossível ao corpo desejar

prejudicar a todos os seus membros, e veremos, logo a seguir, que não

pode também prejudicar a nenhum deles em particular. O soberano,

somente por sê-lo, é sempre aquilo que deve ser.

[...]

Considerando a pessoa moral que constitui o estado como um ente de

razão, porquanto não é um homem, ele desfrutará dos direitos do

cidadão sem querer desempenhar os deveres de súdito – injustiça cujo

progresso determinaria a ruína do corpo político.

Page 71: Formação do homem para sabedoria popular como princípio de ...

70

A fim de que o pacto social não represente, pois, um formulário vão,

compreende ele tacitamente este compromisso, o único que poderá dar

força aos outros: aquele que recusar obedecer à vontade geral a tanto

será constrangido por todo um corpo, o que não significa senão que o

forçarão a ser livre, pois é essa a condição que, entregando cada

cidadão à pátria, o garante contra qualquer dependência pessoal. Essa

condição constitui o artifício e o jogo de toda a máquina política, e é a

única a legitimar os compromissos civis, os quais, sem isso, se

tornariam absurdos, tirânicos e sujeitos aos maiores abusos

(ROUSSEAU,1978c, p. 35-36).

Nesse ponto, pretendemos ressaltar algumas considerações sobre a soberania,

conforme passamos a expender.

Segundo Rousseau (1978c, p. 46-47), a vontade geral é algo intrínseco à

soberania popular e legitima os compromissos civis, ao passo que a vontade de todos

diz respeito ao interesse privado, e é o somatório das vontades particulares: “Há

comumente muita diferença entre a vontade de todos e a vontade geral. Esta se prende

somente ao interesse comum; a outra, ao interesse privado e não passa de uma soma

das vontades particulares”.

A soberania, sendo o exercício da vontade geral, não pode ser alienada, ou seja,

o soberano como um ser coletivo só pode ser representado por si mesmo. Dessa

forma, a vontade geral não pode ser transmitida:

A primeira e a mais importante consequência decorrente dos princípios

até aqui estabelecidos é que só a vontade geral pode dirigir as forças

do Estado de acordo com a finalidade de sua instituição, que é o bem

comum, porque, se a oposição dos interesses particulares tornou

necessário o estabelecimento das sociedades, foi o acordo desses

mesmos interesses que o possibilitou. O que existe de comum nesses

vários interesses forma o liame social e, se não houvesse um ponto em

que todos os interesses concordassem, nenhuma sociedade poderia

existir. Ora, somente com base nesse interesse comum é que a

sociedade deve ser governada.

Afirmo, pois, que a soberania, não sendo senão o exercício da vontade

geral, jamais pode alienar-se, e que o soberano, que nada é senão um

ser coletivo, só pode ser representado por si mesmo. O poder pode

transmitir-se; não porém a vontade (ROUSSEAU,1978c, p. 43-44).

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A partir dessas colocações de Rousseau, é correto afirmarmos que a vontade

geral surge como a mais transcendente questão do Contrato Social. pois que ela serve

para validar toda a legislação produzida a partir do corpo político. Sua importância se

faz notar no quarto e último livro do Contrato Social: “O cidadão consente todas as leis,

mesmo as aprovadas contra sua vontade e até aquelas que o punem quando ousa

violar uma delas. A vontade constante de todos os membros do Estado é a vontade

geral: por ela é que são cidadãos e livres” (ROUSSEAU,1978c, p. 120).

Outro aspecto importante da soberania, segundo o pensador, consiste em ela ser

indivisível, pelo fato de já ser inalienável. Sua indivisibilidade resulta do próprio

conceito de vontade geral, que é transmitida por todo o corpo político. Uma vontade

que parte de todos e se aplica a todos. Assim, para Rousseau (1978c), é o poder

soberano que produz a lei.

Rousseau (1978c), com base na tese da bondade natural, portanto, na condição

de que o homem nasce bom, afirma que a vontade geral é sempre certa e tem uma

tendência incessante para promover o bem comum. Para o pensador, a vontade geral

tem o firme propósito de sempre acertar. Assim, jamais se pode corromper o povo,

porém, é frequente que o enganem, e só nessa condição é que seria passível de erro.

Acerca dos limites da soberania, Rousseau (1978c) partiu do mesmo traço

conceitual desse poder supremo, para o fim de justificar os seus limites. Como sói

acontecer no pensamento político do pensador, o pacto social, realizado com a

finalidade de formar o corpo político, dá a este um poder absoluto sobre todos os seus

membros e a condição de elaborar a legislação que direcionará os rumos da sociedade

civil. O soberano é que determinará qual a parte que cada um de seus membros

alienará de seu poder, de seus bens e da própria liberdade, cujo uso será de interesse

da comunidade. Com isso, afirma Rousseau (1978c, p. 48-50) que o poder soberano

não pode ultrapassar os limites das convenções gerais:

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72

Relativamente a quanto, pelo pacto social, cada um aliena de seu

poder, de seus bens e da própria liberdade, convém-se em que

representa tão-só aquela parte de tudo isso cujo uso interessa à

comunidade. É preciso convir, também, em que só o soberano pode

julgar dessa importância.

[...] Enquanto os súditos só estiverem submetidos a tais convenções,

não obedecem a ninguém, mas somente à própria vontade, e perguntar

até onde se estendem os direitos respectivos do soberano e dos

cidadãos é perguntar até que ponto estes podem comprometer-se

consigo mesmos, cada um perante todos e todos perante cada um.

Continua o autor:

Vê-se por aí que o poder soberano, por mais absoluto, sagrado e

inviolável que seja, não passa nem pode passar dos limites das

convenções gerais, e que todo o homem pode dispor plenamente do

que lhe foi deixado, por essas convenções, de seus bens e de sua

liberdade, de sorte que o soberano jamais tem o direito de onerar mais

a um cidadão do que a outro, porque, então, tornando-se particular a

questão, seu poder não é mais competente. (ROUSSEAU, 1978c, p.

50-51).

Rousseau defende uma questão interessante no seu Contrato Social, que ainda

hoje é motivo de polêmica: o direito de vida e de morte que possui o Estado sobre o

cidadão. Por defender essa condição, ele reafirma que pelo fato de o contrato social ter

a finalidade de conservar todos os contratantes: “Quem deseja conservar sua vida à

custa dos outros, também deve dá-la por eles quando necessário” (ROUSSEAU,

1978c, p. 51).

O pensador também assume uma característica radical quando assegura que, se

o Estado determina que o cidadão deve morrer, essa vontade deve ser concretizada,

vez que a vida passa a ser um dom condicional desse mesmo Estado. Rousseau

(1978c) tem o mesmo ponto de vista em relação à pena de morte aos criminosos

condenados, pois que estes deixam de ser membros do Estado, podendo ser isolados

pelo exílio como infratores do pacto social, ou pela pena de morte, como inimigos

públicos. Poderá ocorrer, no entanto, uma rara exceção quando se tratar da aplicação

de graça ou isentar um culpado da pena através da mão do soberano.

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73

Finalmente, sobre as características da soberania, Rousseau afirma que há uma

espécie de exceção, em que se faz necessário suspender a autoridade do soberano

por determinado período de tempo. O pensador acredita que, dada a inflexibilidade das

leis que as impedem de acompanhar o ritmo dos acontecimentos sociais, em certos

casos, elas podem se tornar nocivas ao corpo político, causando sérios riscos de

perecimento do Estado.

Nessa linha, só a gravidade dos fatos é que pode autorizar a alteração da ordem

pública, podendo-se suspender a eficácia da lei quando se tratar unicamente do caso

de salvação da pátria. Para esse fim, Rousseau (1978c) admite a figura do “ditador”,

que é uma espécie de chefe supremo e administrador temporário, que não se

assemelha em nada com a figura do ditador da modernidade. Rousseau alerta, porém,

que a suspensão da autoridade do soberano (ou autoridade legislativa) não implica a

eliminação da vontade geral.

3.3 Razão normativa: justiça e liberdade como possibilidades para a

justiça social

Os temas da justiça e da liberdade serão analisados na perspectiva do

pensamento político de Rousseau, levando em conta a moldura da tríade que até então

serviu de espeque para a nossa argumentação filosófico-política: Discurso sobre a

origem e os fundamentos das desigualdades entre os homens, Emílio e, em especial,

Contrato Social. Como apoio didático fundamental, retornamos obrigatoriamente ao

conceito de soberania, para justificar a razão normativa do Estado como ente moral

formado para a obtenção do bem comum.

Como já visto, em Rousseau (1978c), a vida do Estado consiste na união de todos

os seus membros com a finalidade de sua própria conservação, sendo este revestido

de uma força universal voltada para mover e dispor os seus participantes da maneira

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mais proveitosa a todos. Portanto, o Estado ideal de Rousseau surge a partir do pacto

social, que forma o corpo político com poder absoluto sobre todos os seus membros, e

que, quando dirigido pela vontade geral, ganha o nome de soberania. Dessa forma, o

pensador expõe a origem do Estado e o fundamento do seu poder político.

Dent (1996, p. 149), comentando sobre a justiça em Rousseau, afirma que não é

encontrado um conceito geral sobre esse instituto nas obras do pensador. Porém, é

perceptível em seus trabalhos literários o que ele entendia serem os requisitos básicos

de justiça. Assim, as regras de justiça são provenientes de Deus e estão inseridas na

consciência de cada indivíduo, podendo-se admitir a criação do direito positivo para

submissão à vontade desses requisitos. Segundo o comentador em foco, esses

requisitos pedem: “que ninguém seja prejudicado em sua vida, liberdade, posses ou

personalidade moral, seja por deliberada má vontade, ou por negligência ou

indiferença”.

Ainda de acordo com o Dent (1996), para Rousseau, granjear justiça para todos

os participantes do pacto social é a finalidade principal da associação civil. A vontade

geral, ao atuar de forma abrangente, propicia justiça para todos, tendo em vista a sua

competência para a elaboração das leis e a participação de cada indivíduo como

partícipe do poder soberano. Rousseau (1978c, p. 53-54) declara que toda justiça vem

de Deus, e que existe uma justiça universal vinda da razão que deve ser aplicada de

forma isonômica. No entanto, admite que deve haver uma lei elaborada pela sociedade

civil para o cumprimento dos deveres dos cidadãos:

Toda a justiça vem de Deus, que é a sua única fonte; se soubéssemos,

porém, recebê-la de tão alto, não teríamos necessidade nem de

governo, nem de leis. Há, sem dúvida, uma justiça universal emanada

somente da razão; tal justiça, porém, deve ser recíproca para ser

admitida entre nós.

Considerando-se humanamente as coisas, as leis da justiça, dada a

falta de sanção natural, tornam-se vãs para os homens; só fazem o

bem do mau e o mal do justo, pois este as observa com todos, sem que

ninguém as observe com ele. São, pois, necessárias convenções e leis

para unir os direitos aos deveres, e conduzir a justiça a seu objetivo.

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No estado de natureza, no qual tudo é comum, nada devo àqueles a

quem nada prometi; só reconheço como de outrem aquilo que me é

inútil. Isso não acontece no estado civil, no qual todos os direitos são

fixados pela Lei.

A justiça social em Rousseau (1978c) é algo intrínseco ao seu “Contrato Social”.

Esse fato é percebido ao analisarmos que a vontade de cada componente do pacto

social, ao revelar-se como vontade geral, mantido o seu nível de igualdade, busca a

efetivar o interesse comum, para formar um corpo livre e soberano em suas decisões

para o benefício de todos.

O tema da justiça em Rousseau (1978c, p. 53) também é circundado pela questão

da legislação, ou seja, a elaboração e a atuação da Lei no âmbito do Contrato Social.

Para o pensador, deve-se dar movimento e vontade ao corpo político através da

legislação:

Pelo pacto social demos existência e vida ao corpo político. Trata-se,

agora, de lhe dar, pela legislação, movimento e vontade, porque o ato

primitivo, pelo qual esse corpo se forma e se une, nada determina

ainda daquilo que deverá fazer para conservar-se.

O conceito de Lei em Rousseau (1978c, p. 55) é bastante amplo, vez que reúne a

universalidade da vontade como fonte do poder soberano:

Baseando-se nessa idéia, vê-se logo que não se deve mais perguntar a

quem cabe fazer as leis, pois são atos da vontade geral, nem se o

príncipe está acima das leis, visto que é membro do Estado; ou se a Lei

poderá ser injusta, pois ninguém é injusto consigo mesmo, ou como se

pode ser livre e estar sujeito às leis, desde que estas não passam de

registros de nossas vontades.

[...].

As leis não são, propriamente, mais do que as condições da

associação civil. O povo, submetido às leis, deve ser o seu autor. Só

àqueles que se associam cabe regulamentar as condições da

sociedade.

Para Rousseau (1978c, p.66), o maior de todos os bens consiste da estrutura

Estatal, e reside na finalidade dos sistemas de legislação, resumindo-se em dois

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76

objetivos principais, que são a liberdade e a igualdade. “A liberdade, porque qualquer

dependência particular corresponde a outro tanto de força tomada ao corpo do Estado,

e a igualdade, porque a liberdade não pode subsistir sem ela.”

Com a finalidade de dar a melhor forma possível ao ordenamento jurídico do

Estado, Rousseau (1978c, p. 68-69) estabelece uma divisão das Leis, distinguindo-as

em quatro classes: a) a primeira classe é composta pelas leis políticas, ou

fundamentais, que se caracterizam pela ação do corpo político “agindo sobre si

mesmo, isto é, a relação do todo com o todo, ou do soberano com o Estado”; b) a

segunda são as leis civis, que correspondem à relação “dos membros entre si ou com o

corpo inteiro”10

; c) a terceira são as leis criminais, que se caracterizam pela

desobediência à pena e “instituem menos uma espécie particular de leis do que a

sanção de todas as outras”; e, d) as leis consuetudinárias, que compõem a quarta

espécie de leis e faz a verdadeira constituição do Estado.

Ao tratar sobre os poderes do Estado, Rousseau (1978c) descreve as funções do

legislativo e do executivo. Como já visto, de acordo com o pensador, o poder legislativo

pertence ao povo, que em seu nome elabora as leis, através da vontade geral como ato

de soberania popular. O poder executivo, que só desempenha atos particulares, não

pode exercer uma ação generalizada como legislador ou soberano, não possuindo por

isso mesmo a alçada da lei.

Rousseau (1978c) denomina de Governo o agente instituído para o fim de servir

de comunicação entre o Estado e o soberano, e que reúna e ponha em prática as

determinações da vontade geral. Nesse aspecto, por possuir o exercício legítimo do

10

No primeiro caso, deverá ser pequena, e, no segundo, “tão grande quanto possível, de modo que cada cidadão se encontre em perfeita independência de todos os outros e em uma excessiva dependência da pólis”. (ROUSSEAU, 1978c, p. 68-69).

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77

poder executivo, faz o papel de intermediário entre os súditos e o soberano, com o

encargo de execução das leis, e cuidando para que as liberdades civil e política não se

degenerem. De forma bem peculiar, o pensador denomina os membros desse corpo

governamental de magistrados, reis ou governantes. E o corpo, em sua totalidade,

encarregado dessa administração, qualifica de príncipe.

Com o poder soberano exercido diretamente pelo povo, e na qualidade de ser o

único a elaborar as leis do Estado, Rousseau (1978c) deixa claro que é contra a

representatividade política. Com isso, o pensador defende de forma fundamentada e

radical, à luz da soberania popular, a democracia direta, afastando os riscos da

representatividade. Se a representatividade adquirisse maior fôlego como condição

para o funcionamento do Estado, na visão de Rousseau (1978c, p. 106-109),

estaríamos diante do declínio do homem público:

A soberania não pode ser representada pela mesma razão por que não

pode ser alienada, consiste essencialmente na vontade geral e a

vontade absolutamente não se representa. É ela mesma ou é outra,

não há meio-termo. Os deputados do povo não são, nem podem ser

seus representantes; não passam de comissários seus, nada podendo

concluir definitivamente. É nula toda lei que o povo diretamente não

ratificar; em absoluto não é lei.

[...].

Não sendo a Lei mais do que a declaração da vontade geral, claro é

que, no poder legislativo, o povo não possa ser representado, mas tal

coisa pode e deve acontecer no poder executivo, que não passa da

força aplicada à Lei.

Rousseau (1978c, p. 114) é bastante preciso em sua fundamentação política, ao

esquadrinhar acerca da legislação, afirmando que todas as leis elaboradas pelo poder

soberano estão passiveis de revogação, inclusive a que firmou o pacto social, “se

todos os cidadãos se reunissem para, de comum acordo, romper esse pacto”.

O pensador cria em seu arcabouço legislativo duas figuras interessantes e bem

distintas uma da outra, a saber: o Legislador e o Tribunato. O Legislador não possui

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78

similitude com a soberania popular, ou seja, não tem a competência para efetivar as

leis. Nem pratica atos de magistratura.

Rousseau (1978c) traça inicialmente os atributos do Legislador como um “ser”

quase sobrenatural, devendo ser uma pessoa que tenha o dom de captar as melhores

regras para o bom desenvolvimento das sociedades, com uma inteligência superior e

que conhecesse bem todas as paixões humanas, porém, sem obter contato com as

mesmas. Alguém que percebesse com clareza todos os problemas comuns do homem

em sociedade. A sua finalidade é atuar como uma espécie de guia para fazer aflorar na

consciência de todos os indivíduos o espírito social. Ele pode servir, ainda, como um

orientador para a elaboração das leis.

Depreende-se, pela leitura do “Contrato Social”, que o Tribunato é uma espécie

de Ministério Público hodierno. Rousseau (1978c) o qualifica como uma magistratura

particular independente, que não participa de qualquer outro corpo político do Estado.

Não pertence ao poder legislativo ou executivo. Dessa forma, a necessidade da

existência do Tribunato, reside inicialmente quando estão de certa forma abaladas as

partes constitutivas do Estado.

O Tribunato figura, pois, como um defensor das leis e do poder legislativo. Serve

igualmente para proteger o soberano contra o Governo, e também para sustentar o

Governo contra o povo. Finalmente, destaca o pensador: “o tribunato sabiamente

equilibrado representa o mais firme apoio de uma boa constituição”. Outra questão

diretamente vinculada à teoria política de Rousseau, e que chama a atenção para a

força que contrato social exerce sobre o indivíduo em torná-lo totalmente dependente

do Estado, é a sua ideia de religião civil. Vejamos como Rousseau a define:

Deixando de parte, porém, as considerações políticas, voltemos ao

direito e fixemos os princípios sobre este importante ponto. O direito,

que o pacto social dá ao soberano sobre os seus súditos, não

ultrapassa, como já o disse, os limites da utilidade pública. Os súditos,

portanto, só devem ao soberano contas de suas opiniões enquanto

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elas interessam à comunidade. Ora, importa ao Estado que cada

cidadão tenha uma religião que o faça amar seus deveres; os dogmas

dessa religião, porém, não interessam nem ao Estado nem a seus

membros, a não ser enquanto se ligam à moral e aos deveres que

aquele que a professa é obrigado a obedecer em relação a outrem.

Quanto ao mais, cada um pode ter as opiniões que lhe aprouver, sem

que o soberano possa tomar conhecimento delas, pois, como não

chega sua competência ao outro mundo, nada tem a ver com o destino

dos súditos na vida futura, desde que sejam bons cidadãos nesta vida.

(ROUSSEAU, 1978c, p. 143).

Essa profissão de fé, entretanto, está para além de dogmas religiosos; é, no dizer

do pensador, algo “puramente civil”, que se destina a fins sociais. Senão, vejamos:

Há, pois, uma profissão de fé puramente civil, cujos artigos o soberano

tem de fixar, não precisamente como dogmas de religião, mas como

sentimentos de sociabilidade sem os quais é impossível ser bom

cidadão ou súdito fiel. Sem poder obrigar ninguém a crer neles, pode

banir do Estado todos os que neles não acreditarem, pode bani-los não

como ímpios, mas como insociáveis, como incapazes de amar

sinceramente as leis, a justiça, e de imolar, sempre que necessário, sua

vida a seu dever. Se alguém, depois de ter reconhecido esses dogmas,

conduzir-se como se não cresse neles, deve ser punido com a morte,

pois cometeu o maior de todos os crimes – mentiu às leis.

Os dogmas da religião civil devem ser simples, em pequeno número,

enunciados com precisão, sem explicações ou comentários. A

existência da Divindade poderosa, inteligente, benfazeja, previdente e

provisora; a vida futura; a felicidade dos justos; o castigo dos maus; a

santidade do contrato social e das leis – eis os dogmas positivos.

Quanto aos dogmas negativos, limito-os a um só: a intolerância, que

pertence aos cultos que excluímos (ROUSSEAU, 1978c, p. 143-144).

Rousseau (1978c, p. 27) declara textualmente ter estabelecido os verdadeiros

princípios do direito político e fundado o Estado em sua base, sendo recorrente por

isso, e central na sua obra, a homogeneidade existente entre igualdade e liberdade.

É significante quando ele anuncia que “renunciar à liberdade é renunciar à qualidade

de homem, aos direitos da humanidade, e até aos próprios deveres.” Daí a sua

preocupação em idealizar um Estado em que todos fossem iguais perante a Lei, e

livres, na medida em que renunciam o seu poder individual em prol de todos os que

compõem o poder soberano.

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CONCLUSÃO

A partir de seus dois primeiros Discursos: Discurso sobre as ciências e as artes e

o Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens,

Rousseau efetua uma crítica severa da sociedade desigual e injusta de seu tempo.

Com isso, podemos afirmar que essa forte tendência está vinculada aos ideais

iluministas, numa época em que a França era um país de predominância agrícola, com

pouca atividade industrial, cujo quadro de miséria entre artesãos e pequenos

proprietários rurais (camponeses) foi aumentando na medida em que a burguesia

caminhava para um quadro de ascensão econômica, refletida pelos seus interesses na

agricultura, com a compra de terras, com a participação dos nobres, que

aperfeiçoavam a exploração de suas propriedades, e dos intelectuais desejosos de

mudanças radicais. É fato, também, que este quadro injusto tinha amparo na

legislação, em cuja promulgação os camponeses não tiveram qualquer participação.

Esse panorama do processo civilizatório, da propriedade privada, legislação

tendenciosa com a formação dos governos despóticos, seria a matriz inicial do discurso

de Rousseau.

A visão que Rousseau tem da história humana, pensamos, é marcada por certo

pessimismo, ou seja, os benefícios do progresso sempre atraem alguma perda

inevitável. Assim, há quem o denomine de misantropo.

Pela análise prática do seu pensamento, percebemos que, quanto mais os

homens se distanciam de suas origens, mais infelizes se tornam. Desde os seus

primeiros textos, Rousseau tenta guiar os homens na busca da compreensão do que é

a verdadeira natureza humana.

A sua obra de importância no aspecto pedagógico-político, Emílio, ou Da

Educação, serviu como uma espécie de alicerce que contribuiu para a formação moral

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e política do homem, a fim de justificar a sociedade ideal criada por Rousseau a partir

da sua obra política, Contrato Social.

Rousseau considerou o estado de natureza uma condição pré-social do homem,

que é refletida em seu próprio caráter. Assim sendo, as características do meio

ambiente causariam grande influência em sua personalidade. Outro aspecto abordado

pelo pensador é o de que o homem no estado de natureza é motivado pelo amor de si

mesmo; é suscetível de piedade, e tem a capacidade para a perfectibilidade e para o

exercício do livre-arbítrio. Nesse estado, o homem manteria suas características mais

puras em contato com o seu habitat, que é a natureza. O estado cívico apontado no

Discurso da desigualdade é aquele em que o homem caminhou para a sua própria

decadência, sendo a causa principal da desigualdade entre os homens.

Ao analisarmos o pensamento rousseauniano, entendemos que o pensador

admite que sejam utilizados, na consecução do estado cívico ideal, valores

compreendidos no estado de natureza (paixões naturais), a fim de aperfeiçoar a

sociedade emergente.

Nessa altura, é preciso alertarmos que o Discurso sobre a desigualdade é uma

obra que foi elaborada a partir das conjecturas do autor, quiçá baseada na observação

da sociedade de seu tempo.

Como um segundo tipo de fundamento, por assim dizer, em obediência à ordem

cronológica em que foram publicadas as obras de Rousseau, com o fito de alcançar a

completude de nossas pesquisas, Emílio, ou Da Educação aponta em Rousseau a

preparação do indivíduo desde a sua mais tenra idade até atingir a maioridade

(maturidade), culminando com a formação moral e política do homem.

Desvendamos pontos positivos na pedagogia de Rousseau, como a formação

moral para o respeito da dignidade humana, a preparação para a vida política e o

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núcleo familiar entre Emílio e Sofia, como supedâneo para fortalecer os vínculos

sociais. Porém, discordamos da sua proposta de “educação negativa”, ao pretender

que a criança seja guiada, em sua formação inicial, apenas pelos seus sentidos, até os

catorze anos de idade.

Justificamos nosso posicionamento, fundamentando no fato de que o homem não

pode ser tratado como uma máquina, ou colocado dentro de uma fórmula matemática,

como um ser limitado em suas emoções, e também não pode ser adestrado como se

fosse um animal irracional, ou seja, elevado à categoria de mero indivíduo autômato.

Os fatos psíquicos são uma construção em que todos participam, em uma

ambiência em que a subjetividade vai sendo construída a partir das experiências, mas

que pode muito bem ser complementada com a chamada “educação positiva”

(educação tradicional), tão bem definida por Rousseau na carta ao Arcebispo de Paris

Christophe de Beaumont.

Aportando no Contrato Social, de Rousseau, podemos afirmar que a noção de

liberdade é central no seu pensamento. Em sua teoria, ela representa algo inato no

indivíduo. A liberdade ideal almejada por Rousseau é aquela que nasce

verdadeiramente a partir de uma sociedade em que os homens estão dispostos a abrir

mão do direito de agir de forma individual em troca dessa liberdade ideal, que estaria

conforme as leis que os convenentes impõem a si mesmos, em nome do interesse

comum.

A partir da noção dessa liberdade, Rousseau enfatiza a importância da

elaboração de um pacto social, que é firmado pela vontade geral, que, como já foi dito,

corresponde ao interesse comum voltado para a legitimação da origem da lei justa e

eficiente para a formação do Estado ideal. A soberania, nessa estrutura, avulta dessa

vontade geral que emana do povo, a qual corresponde ao poder legislativo,

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responsável pela elaboração das leis. Dessa forma, Rousseau defende a democracia

direta, relegando a representatividade política.

Nesse ponto, o pensador não explica de forma clara quais são todas as cláusulas

de sua convenção coletiva, logo, já seria muito difícil obrigar e/ou forçar o cidadão a

obedecer à vontade geral. Acreditamos também ser bastante inviável reunir uma

multidão de pessoas a fim de legislar em causa própria sem que isso interferisse na

vida pessoal e familiar do citadino.

É questionável, igualmente, a sua proposta radical de religião civil, ou profissão

de fé puramente civil, elaborada pelo soberano sem fixar precisamente dogmas de

religião, mas tão-somente para representar sentimentos de sociabilidade. Entendemos

ser contraditória com alguns de seus posicionamentos humanistas.

Ora, Rousseau busca uma sociedade igualitária, fundada nos sentimentos

naturais mais sublimes, como o respeito ao próximo, e a compaixão que desperta em

nós a solidariedade com a infelicidade e o sofrimento de outrem. Mas, a contrario

sensu, defende uma religião civil criada a partir do seu Estado ideal, que deve banir da

sociedade todo aquele que não acreditar nos ditos artigos de fé.

Encontramos uma maior gravidade acerca do assunto, quando Rousseau diz

textualmente que se, depois de ter reconhecido esses artigos, alguém se comporta

como se não cresse neles, deve ser punido com a morte.

Porém, é necessário que se diga que Rousseau, ao contrário do seu Discurso

sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens, não pretende

discutir no Contrato Social uma antropologia política, ou a origem histórica da

sociedade humana. A sua produção política não corresponde a uma realidade aferível

empiricamente. Consiste na elaboração de um Estado democrático ideal, por isso, com

base igualitária, que de forma incontestável serviu para embasar constituições de

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democracias futuras. Hodiernamente, justifica-se revisitar o pensamento de Rousseau

para compreender melhor a vida social e política humana, que é a que se propõe essa

produção.

Torna-se perceptível que Rousseau, no seu Discurso sobre a origem e os

fundamentos da desigualdade entre os homens, aponta o mal social causado pelo

progresso da civilização, e a partir do Emilio, ou Da Educação, dá a sua contribuição

para a formação do homem, visando constituí-lo como cidadão para habitar a sua

sociedade ideal, a partir dos princípios do direito político estabelecidos pelo Contrato

Social. Assim, a vontade geral é uma verdadeira catarse do estado cívico descrito no

seu Segundo Discurso, em que os homens são escravos de suas próprias

dissimulações, sob o manto perpétuo da aparência.

Rousseau, em busca da transparência e como um dos precursores do

romantismo, privilegia a voz do coração através dos sentimentos, da consciência e da

compaixão, encadeados num alicerce firme para fortalecer a razão moral. No entanto,

diante do obstáculo do pernicioso movimento humano que identificou e ao mesmo

tempo diagnosticou de forma conjectural, não traiu os seus sentimentos mais sublimes

de esperança para o redimensionamento da sociedade dos homens. Ele nos faz um

convite, e ao mesmo tempo nos irmana através da providência, no sentido de que a

compaixão é um exercício espiritual, uma energia dinâmica, e quem a pratica coloca

em movimento as forças da natureza (do universo).

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