Formação continuada no cotidiano escolar : uma ação ... · Assim, a atividade pedagógica do...

26
1 Formação continuada no cotidiano escolar: uma ação fundamental para o profissional da educação Márcia Augusta Flóride 1 Marlizete Cristina Bonafini Steinle 2 RESUMO O presente artigo relata a experiência que tivemos na implementação do projeto de intervenção desenvolvido durante nossa participação no Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE), proposta de formação continuada ofertada aos professores da Rede Estadual de Educação do Estado do Paraná, por se acreditar que a formação continuada, realizadas nas escolas, seja um dos caminhos necessários para a efetivação de uma escola pública com qualidade. Deste modo, o objetivo dessa pesquisa foi oferecer aos professores de uma escola no município de Jacarezinho, uma proposta de formação continuada em serviço caracterizada pela ação coletiva de levantar os problemas educacionais existentes, bem como, pela busca de caminhos possíveis para minimizar os mesmos. A fim de objetivar o proposto, utilizou-se como metodologia a pesquisa qualitativa na modalidade de estudo de caso com intervenção. Para a coleta de dados, aplicou-se questionários semi-estruturados para trinta e três professores, sujeitos desta pesquisa. Assim, mediante os resultados obtidos na presente pesquisa é possível inferir que dar voz e vez aos professores, levantando suas necessidades e ainda reconhecendo seus medos, seja um dos caminhos fundamentais para a consolidação dos benefícios da formação continuada, expressos na prática docente com qualidade. Palavras Chave: formação continuada. cotidiano escolar. profissional da educação. grupo de estudo 1 Professora Pedagoga da Rede Estadual de Educação do Paraná, mestranda em Educação na Universidade Estadual de Londrina. E-mail: [email protected] 2 Docente do curso de Pedagogia da Universidade Estadual do Norte do Paraná/Campus FAFICOP, mestre em Educação pela Universidade Estadual de Londrina. E-mail: [email protected] .

Transcript of Formação continuada no cotidiano escolar : uma ação ... · Assim, a atividade pedagógica do...

Page 1: Formação continuada no cotidiano escolar : uma ação ... · Assim, a atividade pedagógica do professor é um conjunto de ações intencionais, conscientes, dirigidas para um fim

1

Formação continuada no cotidiano escolar: uma ação fundamental para o profissional da educação

Márcia Augusta Flóride1

Marlizete Cristina Bonafini Steinle2

RESUMO

O presente artigo relata a experiência que tivemos na implementação do projeto de intervenção desenvolvido durante nossa participação no Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE), proposta de formação continuada ofertada aos professores da Rede Estadual de Educação do Estado do Paraná, por se acreditar que a formação continuada, realizadas nas escolas, seja um dos caminhos necessários para a efetivação de uma escola pública com qualidade. Deste modo, o objetivo dessa pesquisa foi oferecer aos professores de uma escola no município de Jacarezinho, uma proposta de formação continuada em serviço caracterizada pela ação coletiva de levantar os problemas educacionais existentes, bem como, pela busca de caminhos possíveis para minimizar os mesmos. A fim de objetivar o proposto, utilizou-se como metodologia a pesquisa qualitativa na modalidade de estudo de caso com intervenção. Para a coleta de dados, aplicou-se questionários semi-estruturados para trinta e três professores, sujeitos desta pesquisa. Assim, mediante os resultados obtidos na presente pesquisa é possível inferir que dar voz e vez aos professores, levantando suas necessidades e ainda reconhecendo seus medos, seja um dos caminhos fundamentais para a consolidação dos benefícios da formação continuada, expressos na prática docente com qualidade.

Palavras Chave: formação continuada. cotidiano escolar. profissional da educação. grupo de estudo

1 Professora Pedagoga da Rede Estadual de Educação do Paraná, mestranda em Educação na Universidade

Estadual de Londrina. E-mail: [email protected] 2 Docente do curso de Pedagogia da Universidade Estadual do Norte do Paraná/Campus FAFICOP, mestre em

Educação pela Universidade Estadual de Londrina.

E-mail: [email protected].

Page 2: Formação continuada no cotidiano escolar : uma ação ... · Assim, a atividade pedagógica do professor é um conjunto de ações intencionais, conscientes, dirigidas para um fim

2

ABSTRACT

This essay reports the experience we had in implementing the intervention project, developed during our participation in the Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE), for a continuing education offered to the public school teachers of Paraná State, so that, it had been believed that continuing education, held at schools, are one of the necessary pathways that leads to a high quality public school. Moreover, the aim of this research was to offer teachers from a school in the municipality of Jacarezinho, a continuing education purpose in workplace characterized by the collective action, which raises the existing educational matters, as well as the attempt in finding the possible ways to minimize this matters. In order to aim what was proposed, it was used as methodology the qualitative research, in study with intervention case modality. For collecting the information, semi-structured questionnaires were applied to thirty-three teachers, who participated in the research. Thus, according to the results achieved in this research it is possible to remark that giving opportunities to teachers, taking into account their needs and realizing their fears, is one of the fundamental paths to the continuing education benefits consolidation, expressed in high standard teaching praxis.

Keywords: continuing education. everyday school. educational professional. study group

Page 3: Formação continuada no cotidiano escolar : uma ação ... · Assim, a atividade pedagógica do professor é um conjunto de ações intencionais, conscientes, dirigidas para um fim

3

INTRODUÇÃO

Quando iniciamos nossa participação no Programa de

Desenvolvimento Educacional (PDE) tínhamos, desde o princípio, a intenção de

investigar os motivos que levavam muitos dos profissionais da educação do

município de Jacarezinho a terem restrições à maioria das propostas de formação

continuada oferecidas pela Secretaria de Estado da Educação (SEED) e/ou pelo

Núcleo Regional de Educação (NRE).

Estas restrições foram observadas ao longo de nossa caminhada

docente e/ou como pedagoga. Ficávamos intrigados, pois sabemos que atualmente

são muitos os problemas enfrentados pela educação contemporânea e se seus

profissionais não tiverem a todo o momento buscando novos caminhos, visando

melhorar sua prática para assim, poder enfrentar com maior sucesso esses

problemas, correm o risco de não darem conta das demandas exigidas pela

sociedade atual.

Corroborando com este pensamento, Ghedin (2000) afirma que, “O

profissional que trabalha com ensino não pode jamais abrir mão da reflexão,

enquanto processo que pensa o próprio pensamento, portanto uma tomada de

consciência de si mesmo”.

Desse modo, após várias leituras e reflexões optamos por oferecer

aos profissionais da Escola Estadual Imaculada Conceição, uma proposta de

formação continuada que aconteceria no cotidiano escolar, através de grupo de

estudo, onde trabalharíamos a partir dos problemas levantados por eles e de acordo

com as necessidades desses profissionais e das demandas da escola. Pensamos

nessa proposta por entendermos que o interesse e o comprometimento poderiam

ser melhores, visto que os conteúdos abordados no grupo e a metodologia utilizada

partiriam da realidade da comunidade escolar.

Acreditamos que os profissionais da escola quando reunidos e

organizados no seu espaço de trabalho, tem maiores condições de decidirem pelos

melhores meios, pelos melhores métodos e pelas melhores formas de assegurar

Page 4: Formação continuada no cotidiano escolar : uma ação ... · Assim, a atividade pedagógica do professor é um conjunto de ações intencionais, conscientes, dirigidas para um fim

4

esta formação continuada. Com isto, não queremos dizer que não seja muito

importante o trabalho de especialistas, o trabalho das universidades, da SEED e do

NRE. Mas a lógica da formação continuada deve ser centrada nas escolas e deve

estar centrada numa organização dos próprios professores e profissionais que nela

trabalham.

Portanto, a presente pesquisa tem a intenção de provocar uma

reflexão sobre a importância da formação continuada em serviço, bem como relatar

a experiência que tivemos durante a implementação do projeto de intervenção que

desenvolvemos durante a nossa participação no PDE. O objetivo maior desse

trabalho foi oferecer aos profissionais da Escola Estadual Imaculada Conceição, do

município de Jacarezinho, mais especificamente aos professores, uma proposta de

formação continuada em serviço, onde discutimos os problemas por eles

enfrentados na escola, na tentativa de trabalhar o mais próximo possível da

realidade dessa comunidade escolar, buscando coletivamente, caminhos possíveis

para minimizar esses problemas, através da interação nos grupos de estudo.

Para melhor compreender o assunto em questão será apresentado

inicialmente o conceito de formação continuada em serviço, como aconteceu o

processo de implantação do projeto na escola, bem como a maneira como os

professores e a escola avaliaram essa proposta de capacitação. Apresentaremos

também, através da análise dos dados obtidos a partir dos relatos dos professores,

sujeitos dessa pesquisa, os pontos positivos da formação continuada em serviço e

suas contribuições para a prática pedagógica dos participantes.

1 FORMAÇÃO CONTINUADA EM SERVIÇO

Ao analisar a história da formação docente, é possível inferir que as

inúmeras modificações sociais demonstram serem os fatores que mais contribuíram

para o aumento da exigência na formação educacional do professor, bem como, o

seu exercício de reflexão na ação acerca de sua prática pedagógica. Esta exigência

emergiu a partir do momento que a escola pública percebeu-se interagindo com uma

Page 5: Formação continuada no cotidiano escolar : uma ação ... · Assim, a atividade pedagógica do professor é um conjunto de ações intencionais, conscientes, dirigidas para um fim

5

clientela heterogênea, pertencente na maioria das vezes, às classes populares, além

das mudanças sociais, econômicas e culturais ocorridas nas últimas décadas.

Sabemos que muitos são os desafios postos pela educação

contemporânea, e que grande é a insatisfação e insegurança do professor frente a

eles. Por este motivo, parafraseando Nóvoa (1991), Freire (1991) e Mello (1994) é

que acreditamos ser a formação contínua do professor, a saída possível para a

melhoria da qualidade do ensino. Diante deste contexto, a formação continuada

constitui-se em uma tentativa de resgatar a figura do professor, que está carente de

respeito, devido a sua profissão, tão desgastada atualmente.

Desta forma, “Ninguém nasce educador ou marcado para ser

educador. A gente se faz educador, a gente se forma como educador,

permanentemente, na prática e na reflexão da prática” (FREIRE, 1991, p. 589). Para

o autor, a formação permanente é uma conquista da maturidade, diz respeito à

consciência do ser. Assim, quando a reflexão permear a prática docente e a prática

da vida, a formação continuada será exigência “sine qua non” para que o homem se

mantenha vivo, energizado, atuante no seu espaço histórico, crescendo no saber e

na responsabilidade profissional e pessoal de cidadão.

É sabido a todos que o homem, ao longo da vida, apropria-se da

cultura acumulada pelas gerações anteriores, ao mesmo tempo em que cria novas

objetivações correspondentes às suas ideias e aos desafios de seu tempo. Sendo

assim, a educação é um processo fundamental, pois é por meio dela que tal

apropriação ocorre e que o indivíduo adquire instrumentos para criar essas novas

objetivações.

A apropriação do conhecimento, socialmente construído pela

humanidade, efetiva-se na interação entre membros representantes da cultura e no

interior de práticas sociais. Em nossa sociedade, essa apropriação se dá nas

esferas do cotidiano e em instituições criadas para este fim, como a escola.

A escola, como instituição social, que tem como função a

democratização dos conhecimentos produzidos historicamente pela humanidade, é

um espaço de mediação entre sujeito e sociedade. Compreender a escola como

mediação significa entender o conhecimento como fonte para efetivação de um

processo de emancipação humana e, logo, de transformação social.

Neste contexto, é necessário desvendar qual é o papel político da

escola, bem como o seu papel pedagógico, além de dimensionar a prática

Page 6: Formação continuada no cotidiano escolar : uma ação ... · Assim, a atividade pedagógica do professor é um conjunto de ações intencionais, conscientes, dirigidas para um fim

6

pedagógica em todas as suas características e determinantes, com intencionalidade

e coerência, o que transparece um compromisso político ao garantir que o processo

de ensino - aprendizagem esteja a serviço da mudança necessária.

Assim, a atividade pedagógica do professor é um conjunto de ações

intencionais, conscientes, dirigidas para um fim específico. Desse modo,

compreender a natureza da escola e da atividade docente, nesta perspectiva,

implica articular a aprendizagem do aluno à formação continuada do professor e,

ainda, conforme Lima (2001), compreender que a formação contínua deve estar “a

serviço da reflexão e da produção de um conhecimento sistematizado, que possa

oferecer a fundamentação teórica necessária para articulação com a prática criativa

do professor em relação ao aluno, à escola e à sociedade” (LIMA, 2001:32).

Ao conceituar a formação continuada, é necessário compreender

que é um processo de formação profissional para quem já concluiu sua formação

inicial e exerce sua profissão. Assim, a formação continuada é voltada para o

profissional que está inserido em um contexto profissional sócio-histórico, e tem

como finalidade mediar o conhecimento socialmente acumulado em uma perspectiva

transformadora da realidade.

Para realizar seu trabalho docente, é preciso que o professor se

aproprie constantemente dos avanços das ciências e das teorias pedagógicas. Há,

ainda, uma razão muito mais premente, mais profunda, como apontam Barbieri,

Carvalho e Ulhe (1995) que é a própria natureza do fazer pedagógico, que, sendo

domínio da práxis é, portanto, histórico e inacabado.

Lima (2001) traz uma contribuição importante nesse sentido, ao

elaborar um conceito de formação continuada que parte de dois princípios de

perspectiva marxista: o trabalho como categoria fundante da vida humana e a práxis

da atividade docente.

Diante destes princípios marxistas, pode-se inferir que a formação

contínua é a articulação entre o trabalho docente, o conhecimento e o

desenvolvimento profissional do professor, com a possibilidade de postura reflexiva

dinamizada pela práxis (LIMA, 2001). Segundo a mesma autora, a formação

continuada não pode se efetivar se não estiver conectada com os sonhos, a vida e o

trabalho do professor.

Por outro lado, ao refletir sobre a atividade humana, é possível

verificar que a prática pedagógica constitui-se em uma atividade prática, a partir de

Page 7: Formação continuada no cotidiano escolar : uma ação ... · Assim, a atividade pedagógica do professor é um conjunto de ações intencionais, conscientes, dirigidas para um fim

7

uma visão utilitarista, ativista e espontaneísta de prática pedagógica ou, ainda,

constitui-se em uma atividade práxis guiada por intenções conscientes. Dessa

forma, de um lado, podemos dizer que temos uma prática pedagógica repetitiva e,

de outro, uma prática reflexiva.

No primeiro caso, o da prática pedagógica repetitiva, a prática do

professor vai se efetivando num marasmo respaldado pela rígida burocracia e

controle escolares. Já, no segundo caso, o da prática pedagógica reflexiva, a prática

esta marcada por uma opção consciente, pelo desejo de mudanças e pela busca e

implementação de novos valores que venham a dar uma nova direção à prática

social.

Assim, é possível inferir que a prática pedagógica só é reflexiva

quando pressupõe uma relação teórico-prático, pois a teoria e a prática encontram-

se em indissolúvel unidade e só por um processo de abstração é que podemos

separá-las.

Para reafirmar esta posição, Ribeiro (1991, p. 30), diz:

Em toda forma específica de práxis e na prática tomada em seu conjunto, enquanto práxis total humana, está contida a teoria por se tratar de uma prática de um ser consciente - o que equivale a dizer que se trata de uma prática dirigida por finalidades que são produtos da consciência; finalidades estas que para se efetivarem exigem um mínimo de conhecimento.

Ao refletir sobre teoria e prática, faz-se necessário que o

professor compreenda as afirmações de Christov (apud. GUIMARÃES et. al. 2007,

p. 32), quando diz que:

[...] é importante sabermos que elas andam sempre juntas, mesmo que não tenhamos muita clareza sobre as teorias que estão influenciando nossa prática, pois, toda ação humana é marcada por uma intenção, consciente ou inconsciente. Desta forma, ressalta a autora, sempre podemos encontrar aspectos teóricos em nossas ações, ou seja, aspectos de vontade, de desejo, de imaginação e finalidades.

No entanto, segundo Christov (apud. GUIMARÃES et. al. 2007, p.

32), sempre podemos analisar nossas ações perguntando-nos pelas intenções que

as cercam. Para que haja, porém, uma relação refletida, consciente, entre teoria e

prática é preciso de um esforço intelectual, um esforço do pensamento e da reflexão,

Page 8: Formação continuada no cotidiano escolar : uma ação ... · Assim, a atividade pedagógica do professor é um conjunto de ações intencionais, conscientes, dirigidas para um fim

8

para planejarmos as etapas previstas nas teorias ou na teoria que desejamos

assumir e para avaliarmos se as práticas por nós implementadas estão adequadas

às nossas intenções teóricas.

Mediante este fato, deixa de ter sentido a expressão “quero mais

prática e menos teoria” já que toda prática possui aspectos teóricos e toda teoria é

referenciada em alguma prática. Talvez o que esteja por trás dessa queixa seja a

dificuldade de identificar as intenções e os problemas de determinada ação ou as

possíveis relações entre as reflexões de certos autores e a nossa experiência

profissional. Trata-se, portanto, de adotarmos um caminho, um método adequado

para superarmos essas dificuldades e não de negarmos a teoria.

Assim, com o esforço intelectual e os métodos necessários à

explicitação das teorias presentes em certas práticas, estaremos tentando construir

uma teoria nossa, capaz de favorecer o diálogo entre nossa experiência prática e

discurso dos autores.

Segundo Christov (apud. GUIMARÃES et. al. 2007. p. 33):

[...] construímos nossa teoria ao aprendermos a ler nossa experiência propriamente dita e as experiências em geral. Construímos nossa teoria quando fizermos perguntas às experiências e aos autores; quando não nos satisfazemos com as primeiras respostas e com as aparências e começamos a nos perguntar sobre as relações, os motivos, as conseqüências, as dúvidas, os problemas de cada ação ou de cada contribuição teórica.

A mesma autora afirma que, a construção de nossa teoria exige que

coloquemos perguntas à nossa prática. Quanto maior for nossa habilidade para ler

nossa experiência, maior será nossa habilidade para compreender os autores.

Assim, conhecimento e experiência auxiliam nossa compreensão sobre nossa

prática.

Essas afirmações parecem muito simples e muito fáceis de ser

colocadas em prática. Na verdade não as são, pois, do contrário não teríamos tantas

queixas e tão freqüentes sobre o tema em discussão. O fato é que não vivemos num

ambiente educacional que nos prepare para construirmos boas relações com as

teorias nossa e/ou as alheias. Assim, o desenvolvimento da habilidade de lermos a

Page 9: Formação continuada no cotidiano escolar : uma ação ... · Assim, a atividade pedagógica do professor é um conjunto de ações intencionais, conscientes, dirigidas para um fim

9

própria experiência, e as experiências alheias, ler o mundo e os autores não são

privilegiados pelas escolas de formação no Brasil.

Deste modo, leitores do mundo como bem caracteriza Paulo Freire,

não aprendemos a ser. Quando lemos o mundo é por acaso, por sorte, por situações

casuísticas. Nunca por uma ação da escola que esteja aliada a uma teoria criadora

de leitores e autores. (CHRISTOV apud. GUIMARÃES et. al. 2007)

Nesse sentido, é necessário que nos processos de formação de

professores, sejam apresentadas as condições mínimas para que se relacione teoria

e prática, e estamos sugerindo a construção e a formação do leitor/autor da própria

experiência. Experiência que se percebe em si mesmo como teórica porque

refletida, avaliada e recriada.

Parafraseando Candau (2007) podemos dizer que se o

conhecimento é um processo contínuo de construção, é construção, desconstrução

e reconstrução. Deste modo, vale questionarmos: estes processos também não se

dão na prática cotidiana reflexiva e crítica? Por trás da visão “clássica” de formação

que conhecemos até então, como seminários, simpósios, cursos específicos, entre

outros, não está ainda muito presente uma concepção dicotômica entre teoria e

prática, entre os que produzem conhecimento e o estão continuamente atualizando

e os agentes sociais responsáveis pela socialização destes conhecimentos?

Reagindo a essa concepção “clássica”, segundo a mesma autora, foi

se desenvolvendo, principalmente nos últimos tempos, uma série de buscas,

reflexões e pesquisas orientadas a construir uma nova concepção de formação

continuada.

Em relação aos caminhos de construção de uma nova perspectiva

de formação continuada de professores, Candau focaliza três teses que, segundo

ela, cada vez vão conquistando maior consenso entre os profissionais da educação.

Trata-se de repensar a formação continuada, tendo por base as seguintes

afirmações: a escola como lócus da formação continuada; a valorização do saber

docente e o ciclo de vida dos professores (Candau, 1997, p.57).

Page 10: Formação continuada no cotidiano escolar : uma ação ... · Assim, a atividade pedagógica do professor é um conjunto de ações intencionais, conscientes, dirigidas para um fim

10

Sobre a questão de a escola ser “lócus de formação continuada”,

Candau (1997, p.57) afirma:

Neste sentido, considerar a escola como lócus de formação continuada passa a ser uma afirmação fundamental na busca de superar o modelo clássico de formação continuada e construir uma nova perspectiva na área de formação continuada de professores. Mas este objetivo não se alcança de uma maneira espontânea, não é o simples fato de estar na escola e de desenvolver uma prática escolar concreta que garante a presença das condições mobilizadoras de um processo formativo. Uma prática repetitiva, uma prática mecânica não favorece esse processo. Para que ele se dê, é importante que essa prática seja uma prática reflexiva, uma prática capaz de identificar os problemas, de resolvê-los, e cada vez as pesquisas são mais confluentes, que seja uma prática coletiva, uma prática construída conjuntamente por grupos de professores ou por todo o corpo docente de uma determinada instituição escolar.

Para que consigamos esses espaços de efetivação da formação

continuada no cotidiano da escola, é preciso que colaboremos, conscientemente,

para que a gestão democrática seja uma prática diária em nossa escola. Mas temos

que ter ciência de que só conseguiremos a efetivação da autonomia, se nos

comprometermos coletivamente com a mudança de paradigmas, com o nosso novo

papel de professor exigido pela contemporaneidade e, ainda, deixarmos de apontar

culpados para o fracasso da educação para buscarmos coletivamente soluções aos

problemas de nossa escola.

É importante ressaltarmos a responsabilidade de cada educador

nesse processo, em que cada um deverá ter o compromisso de lutar para a

efetivação de uma gestão democrática na escola, tão necessária para a aquisição

da autonomia, pois, acreditamos que somente através da gestão democrática que

conquistaremos espaços e tempos para a formação continuada na escola. E se não

conseguirmos efetivar este desejo, com certeza, iremos nos frustrar diante de

nossos fracassos e, certamente, continuaremos sofrendo as consequências, até nos

conscientizarmos do direito e do dever de lutarmos pela qualidade de nosso trabalho

e pela qualidade da educação.

Além disso, é preciso focar a excelência do nosso dever de

professor, que é, entre outros, de formar o aluno para ser um cidadão transformador

da realidade que o cerca, que sabemos, o acolhe, na maioria das vezes, pela

marginalidade.

Page 11: Formação continuada no cotidiano escolar : uma ação ... · Assim, a atividade pedagógica do professor é um conjunto de ações intencionais, conscientes, dirigidas para um fim

11

Sobre esta questão Alonso (1994, p.6) afirma:

Tornar um profissional efetivo, em contraposição ao tarefeiro burocrático; Esse profissional terá que ser visto como alguém que não está pronto, acabado, mas em constante formação; Um profissional com autonomia para decidir sobre o seu trabalho e suas necessidades; Alguém que está sempre em busca de novas respostas, novos encaminhamentos para seu trabalho e não simplesmente um cumpridor de tarefas e executor mecânico de ordens superiores e, finalmente, alguém que tem os olhos para o futuro e não para o passado.

Acerca da valorização do saber docente, Candau (1997) considera

fundamental ressaltar a importância do reconhecimento e valorização do saber

docente no âmbito das práticas de formação continuada, de modo especial dos

saberes da experiência, núcleo vital do saber docente, e a partir do qual o professor

dialoga com as disciplinas e os saberes curriculares.

Para a autora, os saberes da experiência se fundam no trabalho

cotidiano e no conhecimento de seu meio. São saberes que brotam e são por ela

validados. É através desses saberes que os professores julgam a formação que

adquirem, a pertinência ou o realismo dos planos e das reformas que lhe são

propostas e concebem os modelos de excelência profissional.

Mas, não devem pensar que eles, por si só, darão conta de sua

formação, nem tampouco dos enfrentamentos do dia a dia de sala de aula, pois “A

formação continuada deve alicerçar-se numa [...] reflexão na prática e sobre a

prática, através de dinâmicas de investigação-ação e de investigação-formação,

valorizando os saberes de que os professores são portadores” (NÓVOA, 1991, p.

30).

A respeito do ciclo de vida dos professores, Candau (1997) diz que o

importante para o nosso tema é reconhecer que se trata de um processo

heterogêneo. Tomar consciência de que as necessidades, os problemas, as buscas

dos professores não são as mesmas nos diferentes momentos de seu exercício

profissional e que muitos dos esquemas de formação continuada ignoram esse fato.

Ainda segundo a mesma autora, as necessidades e os problemas

dos professores são os mesmos, seja para o professor iniciante, seja para o

professor que já tem certa estabilidade profissional, seja para o professor numa

Page 12: Formação continuada no cotidiano escolar : uma ação ... · Assim, a atividade pedagógica do professor é um conjunto de ações intencionais, conscientes, dirigidas para um fim

12

etapa de enorme questionamento de sua opção profissional, seja para o professor

que já está próximo da aposentadoria.

Estas preocupações com o ciclo de vida profissional dos professores

apresentam, para a formação continuada, o desafio de romper com modelos

padronizados e a criação de sistemas diferenciados que permitam aos professores

explorar e trabalhar os diferentes momentos de seu desenvolvimento profissional de

acordo com suas necessidades específicas.

Mas, isto não quer dizer que ele deva se negar a todo tipo de

formação ofertada pela mantenedora com a justificativa de que não lhe é

interessante ou ainda por não concordar com a política educacional proposta por

ela.

O homem ‘culto’ é, em primeiro lugar, o homem do espírito aberto e livre que sabe compreender as idéias e as crenças do próximo ainda quando não pode aceita-las ou reconhece-las válidas. Em segundo lugar, e por conseqüência, uma cultura viva e formativa deve ser aberta ao futuro, mas ancorada no passado. Neste sentido, o homem culto é aquele que não desarvora diante do novo nem lhe foge, mas sabe considerar no seu justo valor, vinculando-o ao passado e iluminando-lhe as semelhanças e disparate. Em terceiro lugar, a cultura é fundada (...) na capacidade de efetuar escolhas ou abstrações que permitam confrontos, avaliações de conjunto e, portanto, orientações de natureza relativamente estável. (ABBAGNANO, 1982, p. 212)

A formação continuada não pode ser concebida como um meio de

acumulação (de cursos, palestras, seminários, etc., de conhecimentos ou de

técnicas), mas sim, através de um trabalho de refletividade crítica sobre a prática e

de (re) construção permanente de uma identidade pessoal e profissional, em

interação mútua. E é nessa perspectiva que a renovação da formação continuada

vem procurando caminhos novos de desenvolvimento.

Por estes motivos, e por muitos outros, é que nos propusemos,

dentro das possibilidades e necessidades dos professores, alunos e de toda

comunidade escolar, eleger a formação continuada realizada no cotidiano da escola

ou “em serviço” como uma das mais eficientes, por ser esta concebida e

desenvolvida de acordo com a realidade da escola e necessidades levantadas por

todos que dela fazem parte.

Page 13: Formação continuada no cotidiano escolar : uma ação ... · Assim, a atividade pedagógica do professor é um conjunto de ações intencionais, conscientes, dirigidas para um fim

13

Acreditamos que através de leitura, de reflexão e avaliação de suas

práticas pedagógicas, o professor individualmente e principalmente através do

trabalho coletivo como, grupo de estudos, realizado na hora atividade e/ou em

outros momentos definidos por toda a comunidade escolar, possa ter a oportunidade

de (re) organizar sua prática docente a partir do exercício da ação-reflexão-ação,

valorizando a sua prática docente como uma possibilidade de êxito para aplicar

criativamente a racionalidade técnica obtida no processo de aquisição de

competências escolares.

Deste modo, esta formação pode ser o início de uma formação

continuada com comprometimento, onde os profissionais da educação possam

juntos construir uma gestão democrática, a fim de que sejam reconhecidos e

respeitados pelo saber adquirido coletivamente e, através deste saber, venham a

conquistar a “autoridade” tão almejada por todos os professores, sem utilizarem de

autoritarismo e, tampouco se frustrarem.

Vale destacar que entendemos que existe uma relação indissociável

entre a gestão democrática e a formação continuada. Isso não quer dizer que

desconsideramos a co-responsabilidade do professor com sua formação continuada,

mas que entendemos que existe uma relação de parceria entre o educador, o gestor

e as instituições públicas. Assim, o gestor pode ser um incentivador da formação

continuada quando estimula e valoriza esta atitude por parte do educador, como por

outro lado, pode ser um empecilho ao negar ao professor o espaço de estudo e

reflexão, tanto dentro como fora da instituição educacional.

Durante os estudos realizados para desenvolver este trabalho, foi

possível percebermos muitas contribuições oferecidas pela formação em serviço,

entre elas podemos relacionar as seguintes para reflexão:

• nas estratégias de formação em serviço, os professores constituem-se em

sujeitos do próprio processo de conhecimento onde ora são professores

“ensinantes” ora professores “aprendentes”;

• esta modalidade de formação, por estar mais centrada no espaço escolar

acaba oferecendo ao professor plena autonomia, decorrência natural da

condição de sujeito do próprio conhecimento;

• por estar centrada nos reais problemas da escola, a probabilidade de

adesão e de comprometimento coletivo, com certeza, será maior;

Page 14: Formação continuada no cotidiano escolar : uma ação ... · Assim, a atividade pedagógica do professor é um conjunto de ações intencionais, conscientes, dirigidas para um fim

14

• favorecendo o envolvimento coletivo alunos e professores só terão a

ganhar, pois professores conscientes de sua ação, através da prática

pedagógica refletida, consequëntemente, alunos aprendendo mais e

melhor e professores mais satisfeitos.

Consideramos neste momento oportuno, transcrever a adaptação

que Nóvoa (1991. apud. MARY-LOUISE HOLLY E CAVEN MCLOUGHLIN, 1989, p.

31), resumindo o desenvolvimento da reflexão sobre a formação continuada de

professores vividos nos últimos anos, apresenta:

• Já começamos, mas estamos longe do fim. Começamos por realizar ações pontuais de formação continuada, mas evoluímos no sentido de enquadrá-las num contexto mais vasto do desenvolvimento profissional e organizacional.

• Começamos por encarar os professores isolados e a título individual, mas evoluímos no sentido de os considerar integrados em redes de cooperação e de colaboração profissional.

• Passamos de uma formação por catálogo para uma reflexão na prática e sobre a prática.

• Modificamos a nossa perspectiva de um modelo de formação de nossos professores para programas diversificados e alternativos de formação contínua.

• Mudamos as nossas práticas de investigação sobre os professores para uma investigação com os professores e até para uma investigação pelos professores.

• Estamos evoluindo no sentido de uma profissão que desenvolve os seus próprios sistemas e saberes, através de percursos de renovação permanente que a definem como uma profissão reflexiva e científica.

O epílogo acima tem a intenção de mostrar como a concepção de

formação continuada evoluiu nos últimos anos, deixando-nos explícito que não

podemos esperar que a solução de muitos dos problemas da escola, sejam

resolvidos por leis ou decretos, muito menos aceitar tudo o que nos é imposto, sem

questionamentos, mas apresenta-nos, de forma implícita, que não devemos nos

acomodar diante da situação posta.

É possível, ainda, visualizarmos o autor, reafirmando o que foi

desvendado durante este trabalho, “o refletir” sobre o que, como e com que objetivos

realizamos nossa função ou o nosso papel de educador. Ressalta ainda que tenham

sempre que ser investigadores dos assuntos que nos incomodam e, que todas estas

ações serão conquistadas se for efetivadas no âmbito do trabalho coletivo, do querer

de cada um, do comprometimento e do “acreditar” que é possível, sempre levando

Page 15: Formação continuada no cotidiano escolar : uma ação ... · Assim, a atividade pedagógica do professor é um conjunto de ações intencionais, conscientes, dirigidas para um fim

15

em consideração os limites e possibilidades de cada sujeito que faz parte deste

processo.

2 IMPLEMENTAÇÃO: DO SONHO A REALIDADE

Com o objetivo de re-significar concepções docentes e práticas

utilizadas nos cursos de formação continuada, a presente pesquisa teve como

caminho metodológico a pesquisa qualitativa, na modalidade de estudo de caso com

intervenção.

Participaram como sujeitos desta pesquisa, trinta e três professores

que atuam nos anos finais do ensino fundamental, pertencentes a uma escola

pública no município de Jacarezinho, Estado do Paraná. A fim de levantar os dados

necessários, utilizou-se um questionário semi-estruturado que após a leitura e

compreensão, foi possível fazer uma análise dos dados coletados.

Após o levantamento de dados, propusemos aos profissionais

consultados a criação de um Grupo de Estudos, que, apesar do interesse ser

grande, nem todos puderam participar devido aos encontros acontecerem em

período/horário que muitos tinham aula em outra escola ou já terem assumido grupo

de estudos, ofertados pela SEED, aos sábados.

Nesses encontros fizemos leituras e reflexões sobre vários textos,

assistimos documentários sobre os problemas enfrentados pela escola

contemporânea e filmes sobre relacionamento professor/aluno. Discutimos também,

temas do projeto tais como: Gestão Democrática, Formação Continuada e Trabalho

Coletivo, e os relacionados ao dia-a-dia da escola como o Plano de Trabalho

Docente, Projeto Político Pedagógico e processo ensino-aprendizagem.

Outros temas sugeridos pelo grupo versavam também sobre os

problemas levantados por vários professores da escola como: indisciplina, falta de

interesse dos alunos, participação da família, bem como a falta de experiência dos

professores novos. Trabalhamos, com os demais professores, que não participavam

do Grupo de Estudos nas Reuniões Pedagógicas, Conselho de Classe e em todos

os momentos que foram necessários e/ou possíveis.

Concomitantemente ao Grupo de Estudos constituímos, também,

com profissionais da escola, um grupo de apoio à implementação do projeto de

intervenção. Ele tinha por objetivo discutir o nosso trabalho com o Grupo de Estudos

Page 16: Formação continuada no cotidiano escolar : uma ação ... · Assim, a atividade pedagógica do professor é um conjunto de ações intencionais, conscientes, dirigidas para um fim

16

e sugerir encaminhamentos. Esse grupo foi constituído por dez profissionais da

educação, todos da escola já mencionada, sendo dois funcionários dos serviços

gerais, três do setor administrativo e cinco professores.

O Grupo de Apoio à implementação foi organizado em oito encontros

de quatro horas, sempre nas segundas-feiras, no período noturno. Nesses encontros

discutíamos e definíamos os encaminhamentos dos trabalhos com o Grupo de

Estudos, bem como sobre temas referentes à Gestão Democrática, Formação

Continuada, Trabalho Coletivo, entre outros. Acompanhávamos como estava

acontecendo o processo de implementação, o que era viável, bem como em que

precisávamos modificar em relação a conteúdos e metodologia. Foram dadas

sugestões dos temas que precisavam ser priorizados e fizemos o levantamento dos

problemas que estavam, no momento, dificultando o processo de ensino e

aprendizagem e os que estavam impedindo o trabalho dos professores. Também

contribuíram com sugestões de “como trabalhar com os professores” para minimizar

estes problemas. No Grupo de apoio pensávamos sempre na escola como um todo

e, também, nos professores que não participavam dos Grupos, para que

pudéssemos atingir a maioria dos professores.

Nesse grupo pudemos verificar que é possível a efetivação de grupo

de estudos, como proposta de formação continuada da escola. Sendo necessário,

apenas, o querer coletivo, o comprometimento com a educação e, acima de tudo, a

valorização das necessidades reais dos professores, dos funcionários e da escola

como um todo.

3 ANÁLISE DOS DADOS

Refletir sobre a formação continuada tem sido um grande desafio

para os teóricos e pesquisadores da educação, uma vez que inúmeras são as

justificativas que convalidam a sua efetivação e em igual proporção as justificativas

que inviabilizam o seu processo.

Vencer este dualismo de concepções levou-nos a compreender

quais são aquelas que fundamentam a ação do professor perante aos cursos de

formação continuada. Para desbravar este universo de reações, inicialmente

Page 17: Formação continuada no cotidiano escolar : uma ação ... · Assim, a atividade pedagógica do professor é um conjunto de ações intencionais, conscientes, dirigidas para um fim

17

indagamos os professores perguntando como eles avaliam a Formação Continuada,

proposta pela SEED e obtivemos as seguintes respostas:

“Na maioria das vezes não atinge as expectativas e a realidade do ensino”

P1.

“Nunca vem ao encontro de nossas necessidades” P2.

“Nem todos satisfazem os nossos anseios” P3.

Pudemos observar na fala dos professores P1, P2 e P3 que os

modelos dos cursos ofertados pela SEED, como proposta de formação continuada,

em sua maioria, não vem ao encontro das expectativas dos professores, o que faz

com que eles, permaneçam com as mesmas dúvidas e angústias. Esta atitude

governamental retira do professor o papel de agente do processo de formação e

delega-o papel de integrante passivo ou mero ouvinte.

Candau (1997) corroborando com a posição de que o envolvimento

do educador nas propostas de formação continuada é imprescindível na medida em

que se valoriza o saber docente, destaca que, considera fundamental ressaltar a

importância do reconhecimento e valorização do saber docente no âmbito das

práticas de formação continuada, de modo especial dos saberes da experiência,

núcleo vital do saber docente, e a partir do qual o professor dialoga com as

disciplinas e os saberes curriculares.

Para a autora, os saberes da experiência se fundam no trabalho

cotidiano e no conhecimento de seu meio. Para ela, esses saberes são os que

brotam e são por ela validados. Através desses saberes, os professores julgam a

formação que adquirem, a pertinência ou o realismo dos planos e das reformas que

lhe são propostas e concebem os modelos de excelência profissional.

Page 18: Formação continuada no cotidiano escolar : uma ação ... · Assim, a atividade pedagógica do professor é um conjunto de ações intencionais, conscientes, dirigidas para um fim

18

No entanto, não é nossa intenção defender que por si só, os saberes

cotidianos dos professores darão conta de sua formação e nem afirmar que eles

sozinhos superarão os enfrentamentos do dia-a-dia de sala de aula pois, se acredita

conforme destaca Nóvoa (1991),

A formação continuada deve alicerçar-se numa [...] reflexão na prática e sobre a prática, através de dinâmicas de investigação-ação e de investigação-formação, valorizando os saberes de que os professores são portadores (NÓVOA, 1991, p. 30).

Ainda, segundo a avaliação que os professores fazem dos cursos de

formação continuada ofertados pela SEED, seis dos sujeitos deste estudo, afirmam

que gostariam que os cursos fossem mais práticos e menos teóricos, conforme as

respostas a baixo.

“Sentimos necessidade de oficinas de capacitação e não de textos

extensos para leitura”P1

“Pode ser melhor, com aulas práticas sobre as disciplinas e algumas

técnicas para despertar a atenção e o interesse dos alunos” P2

“ Gostaria que fosse com aulas práticas, onde pudesse usar no nosso dia

a dia, ou seja, aulas concretas com materiais concretos e não só falar dos

documentos que já foram feitos” P3

“ Necessitamos de assuntos práticos para o dia a dia do aluno e do

professor” P4

“A formação continuada deveria proporcionar aos professores mais

sugestões práticas para trabalhar com os alunos no dia a dia” P5

“Gostaria que fosse aulas práticas, nas quais usaríamos em nossa sala de

aula, abrangendo os conteúdos de cada série” P6

A partir dessas respostas pudemos perceber que muitos professores

não compreenderam ainda a importância da indissociabilidade entre teoria e prática

Page 19: Formação continuada no cotidiano escolar : uma ação ... · Assim, a atividade pedagógica do professor é um conjunto de ações intencionais, conscientes, dirigidas para um fim

19

e tampouco percebem necessidade da teoria para subsidiar a prática e a prática

para validar a teoria.

Sobre teoria e prática, concordamos com Christov quando diz que:

[...] é importante sabermos que elas andam sempre juntas, mesmo que não tenhamos muita clareza sobre as teorias que estão influenciando nossa prática, pois, toda ação humana é marcada por uma intenção, consciente ou inconsciente. Desta forma, ressalta a autora, sempre podemos encontrar aspectos teóricos em nossas ações, ou seja, aspectos de vontade, de desejo, de imaginação e finalidades.

Ainda segundo Christov (apud. GUIMARÃES et. al. 2007, p. 32),

sempre podemos analisar nossas ações perguntando-nos pelas intenções que as

cercam. Para que haja, porém, uma relação refletida, consciente, entre teoria e

prática é preciso um esforço intelectual, um esforço do pensamento e da reflexão,

para planejarmos as etapas previstas nas teorias ou na teoria que desejamos

assumir e para avaliarmos se as práticas por nós implementadas estão adequadas

às nossas intenções teóricas.

Mediante este fato, deixa de ter sentido a expressão “quero mais

prática e menos teoria” já que toda prática possui aspectos teóricos e toda teoria é

referenciada em alguma prática. Talvez o que esteja por trás dessa queixa seja a

dificuldade de identificar as intenções e os problemas de determinada ação ou as

possíveis relações entre as reflexões de certos autores e a nossa experiência

profissional. Trata-se, portanto, de adotarmos um caminho, um método adequado

para superarmos essas dificuldades e não de negarmos a teoria.

Assim, com o esforço intelectual e os métodos necessários à

explicitação das teorias presentes em certas práticas, estaremos tentando construir

uma teoria nossa, capaz de favorecer o diálogo entre nossa experiência prática e o

discurso dos autores.

Dando continuidade ao levantamento de dados, sentimos a

necessidade de perguntar para os professores sujeitos desta pesquisa, quais são os

motivos que os levam a frequentar os cursos de formação continuada ofertados pela

SEED, e obtivemos as seguintes respostas.

Page 20: Formação continuada no cotidiano escolar : uma ação ... · Assim, a atividade pedagógica do professor é um conjunto de ações intencionais, conscientes, dirigidas para um fim

20

“Frequento para ampliar os meus conhecimentos” P7

“Participo para acrescentar algo em meu conhecimento” P8

“Participo com a finalidade de adquirir mais conhecimento dentro da

disciplina que atuo” P9

“O motivo que me leva a freqüentar os cursos de formação continuada é

procurar estar sempre atualizado” P10

“Para estar sempre informada e, consequentemente, estar

preparada e preparando os alunos para a vida futura”, P11

“Necessidade de novos conhecimentos” P12

“Para melhorar a prática pedagógica” P13

Ao analisar essas respostas, percebe-se que para os professores

sujeitos desta pesquisa, os cursos de formação continuada têm um significado

relevante, além de cumprirem com o objetivo almejado pela proposta de formação

continuada proposto pelos órgãos governamentais. No entanto, este significado de

aperfeiçoamento profissional, não corresponde a uma grande parcela dos seus

frequentadores, o que muitas vezes, faz com que os cursos seja um fracasso.

A esse respeito, Candau (1997), diz que em relação aos caminhos

de construção de uma nova perspectiva de formação continuada de professores, é

importante repensar a formação continuada, tendo por base os seguintes enfoques:

“a escola como lócus da formação continuada; a valorização do saber docente e o

ciclo de vida dos professores” (p.57).

Ao enfocar o “ciclo de vida dos professores”, Candau (1997), diz que

é importante reconhecer que o ciclo de vida profissional docente, caracteriza-se por

um processo heterogêneo. Neste contexto, torna-se extremamente necessário que

os organizadores dos cursos compreendam que as necessidades, os problemas e

Page 21: Formação continuada no cotidiano escolar : uma ação ... · Assim, a atividade pedagógica do professor é um conjunto de ações intencionais, conscientes, dirigidas para um fim

21

as buscas dos professores não são as mesmas nos diferentes momentos de seu

exercício profissional, pois, normalmente acabam ignorando esse fato e

homogeneízam os interesses dos professores oferecendo a mesma formação para

todos, sem levar em consideração este aspecto fundamental.

Vale destacar que as preocupações com o ciclo de vida profissional

dos professores representam para os cursos de formação continuada, o desafio de

romper com modelos padronizados e adentrar a criação de sistemas diferenciados

que permitam aos professores explorar e trabalhar os diferentes momentos de seu

desenvolvimento profissional de acordo com suas necessidades específicas.

Por outro lado, desconsiderar o ciclo de vida dos professores, não

justifica a falta de interesse e a negação por parte dos professores a todo tipo de

formação continuada ofertada pela sua mantenedora, como justificativa de que não

lhe é interessante ou de que ele não concorda com a política educacional proposta

por ela.

É sabido a todos que a proposta de formação continuada docente

tem seus objetivos, deste modo, a presente pesquisa procurou desvendar qual era o

grau de importância dada pelo professor a esta prática governamental. Entre as

respostas obtidas destacaremos as seguintes.

“Necessidade de novos conhecimentos”,

“Crescimento e atualização”

“Melhorar a atuação”,

“Subsidiar a prática pedagógica”,

“Proporcionar aos professores o contado com as novas produções

acadêmicas”

“Para a reflexão sobre nosso trabalho”.

Page 22: Formação continuada no cotidiano escolar : uma ação ... · Assim, a atividade pedagógica do professor é um conjunto de ações intencionais, conscientes, dirigidas para um fim

22

Observar-se que em sua maioria, os professores percebem a

importância e a necessidade da formação continuada, porém apontam que seria

mais produtiva se fosse ofertada de outra maneira, de modo a satisfazer as

necessidades imediatas do cotidiano escolar.

Neste contexto os professores destacaram como falha dos cursos

de formação continuada a carga horária extensa, os textos longos, cansativo, sem

motivação e fora da realidade da escola. E como vantagens observaram a

atualização, a troca de experiências, a certificação, o encontro com os colegas, o

momento de reflexão, de leitura, de debate e a aquisição de novos conhecimentos.

Essas respostas levaram-nos conhecer qual o juízo de valores atribuídos pelos

professores consultados para podermos inferir que apesar de compreenderem a

importância da formação continuada, a maioria não está satisfeita com a forma que

ela está organizada, pois, infelizmente ainda conservam a supervalorização na

prática e não dão a devida importância para a teoria, a isso chamamos de síndrome

das oficinas – fazer, fazer sem saber para que.

Entendendo a importância da formação continuada como uma ação

necessária para o professor enfrentar com maior competência e segurança as

exigências da escola contemporânea, bem como, para assegurar o direito da

mantenedora em continuar ofertando para seus profissionais está formação,

pedimos para eles descreverem como a escola se organiza para os momentos de

estudo e qual é a forma que a escola deveria se organizar para oportunizar a eles a

formação continuada em serviço.

Dos trinta e três professores consultados, quinze afirmaram que a

escola não tem um espaço para a formação continuada, que esporadicamente se

reúnem na hora atividade. E apenas nas reuniões pedagógicas e no Conselho de

Classe que se reúnem para discutirem coletivamente os problemas da escola e,

somente dez deram sugestão de como deveria a escola se organizar para estudar,

refletir e discutir sobre os problemas enfrentados por ela.

A respeito das sugestões quanto à forma de organização da escola

para ofertar a formação continuada, todos os que responderam sugerem que a

escola deve favorecer um tempo para que eles possam ter a oportunidade de se

capacitar no horário de trabalho e que esses encontros aconteçam a partir da

Page 23: Formação continuada no cotidiano escolar : uma ação ... · Assim, a atividade pedagógica do professor é um conjunto de ações intencionais, conscientes, dirigidas para um fim

23

realidade e da necessidade que os professores percebem em sala de aula, pois só

assim poderá atender à suas expectativas e realmente contribuir para a melhoria da

prática pedagógica de cada um e, consequentemente, contribuir para a melhoria do

processo de ensino-aprendizagem nessa escola.

TECENDO CONSIDERAÇÕES

Ao término desta pesquisa foi possível verificar as contribuições

efetivas que a proposta de formação continuada em contexto traz para o processo

de reflexão do professor em relação a sua prática diária, bem como a sua

atualização teórica. Tais contribuições se somaram ainda a valorização dos saberes

docente, a efetivação do trabalho coletivo e a democratização da escola, enquanto

espaço de formação contínua.

Evidenciamos com este trabalho que o professor e o coletivo da

escola podem produzir conhecimento a partir da prática de sua realidade escolar,

desde que tenha intencionalidade, ou seja, que saiba aonde querem chegar e ainda

consigam identificar o que precisam para alcançar seus objetivos. Só assim,

acreditamos que poderão reivindicar espaços e tempo para a formação continuada

em serviço, fazendo dessa conquista, momentos ricos e produtivos para a sua práxis

educativa.

No decorrer da pesquisa, foi possível constatar que a grande

resistência evidenciada na atitude do professor com relação à formação continuada,

ocorre por preconceitos historicamente construídos pelos próprios profissionais da

educação, quando afirmam que os cursos promovidos pela SEED não contribuem

em nada com a sua formação, pois, estão longe da realidade das escolas

paranaenses, uma vez que não possuem prática.

Desconstruir paradigmas, não é algo tão fácil, no entanto não é

impossível, mas demanda convencimento teórico. Deste modo, pretende-se neste

Page 24: Formação continuada no cotidiano escolar : uma ação ... · Assim, a atividade pedagógica do professor é um conjunto de ações intencionais, conscientes, dirigidas para um fim

24

momento sugerir algumas ações que consideramos favoráveis na busca deste

horizonte:

1. Incluir o professor como personagem ativo dos cursos de

formação continuada, atribuindo-o funções, assim, ele

também se sentirá responsável pelo processo;

2. Dar voz e vez aos professores, levantando quais são suas

dúvidas, suas dificuldades, suas necessidades emergentes no

processo ensino aprendizagem;

3. Criar vários grupos de formação continuada, onde os

professores se agruparão segundo seus interesses e

necessidades;

4. Fazer um planejamento coletivo de formação continuada,

incluindo nele grupos de estudos, palestras, aquisição de

material de estudo; troca de experiências entre outras

escolas, além de parcerias com as Instituições de Ensino

Superior.

Analisando os resultados obtidos no plano de implementação da

escola campo deste projeto, observa-se que frutos já estão sendo colhidos,

conforme as ações abaixo acordadas pelos professores:

• Os professores solicitaram a continuidade dos grupos de

estudo para o próximo ano;

• Já levantaram os temas que gostariam de discutir;

• Elencaram as suas necessidades teóricas;

• Ficou acordado que quinzenalmente utilizarão a hora-

atividade para fazerem grupo de estudos.

Assim, através das ações desenvolvidas durante o processo de

implementação foi evidenciado o que pensávamos a respeito da formação

continuada em serviço e percebermos que através desse trabalho, de

implementação do projeto na escola e da nossa produção didático-pedagógica,

pudemos contribuir, mesmo que de forma singela, para a reflexão sobre a

Page 25: Formação continuada no cotidiano escolar : uma ação ... · Assim, a atividade pedagógica do professor é um conjunto de ações intencionais, conscientes, dirigidas para um fim

25

importância da Formação Continuada para a vida profissional dos professores e dos

demais profissionais da escola a qual fizemos a intervenção.

Por meio da nossa experiência com essa proposta de formação

continuada, aonde observamos a participação efetiva dos professores, pelo

interesse demonstrado por eles em continuar com esse grupo no próximo ano e

pelos relatos que estes fizeram ao final dos encontros, pudemos perceber o quanto

esta formação realizada na escola, com os profissionais que dela fazem parte, pode

ser um caminho eficiente e seguro para que assim consiga o seu objetivo, pois como

já dissemos anteriormente, quando ela é realizada a partir da realidade da escola e

da demanda dos professores e funcionários que dela fazem parte, o interesse é

maior e, consequentemente, o seu sucesso.

Desse modo, a escola estará cumprindo a sua função de ofertar a

Formação Continuada para seus professores e funcionários. E acreditamos que a

partir das discussões, das leituras e reflexões efetuadas, o professor venha a

compreender o objetivo de muitos cursos ofertados pela mantenedora, pois criará o

hábito de estudar, percebendo a relevância destes para a sua atuação, bem como

sairá do senso comum quando tiver que argumentar de forma negativa ou positiva

quando da sua insatisfação ou apreciação de um determinado modelo de formação

continuada proposto.

REFERÊNCIA

ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Mestre JOU, 1982. (O Trabalho Docente)

ALONSO, Myrtes. Uma tentativa de redefinição do trabalho docente. São Paulo, 1994.

BARBIERI, Marisa Ramos; Carvalho, Célia Pezzolo; ULHE, Águeda Bernadete. Formação Continuada dos Profissionais de Ensino: Algumas considerações. Caderno Cedes, n. 36. Campinas: Papirus, 1995. pp. 29 -35

CANDAU, Vera Maria (org). Magistério: construção cotidiana. Petrópolis, RJ: Vozes, 1997. pp. 51-68.

Page 26: Formação continuada no cotidiano escolar : uma ação ... · Assim, a atividade pedagógica do professor é um conjunto de ações intencionais, conscientes, dirigidas para um fim

26

CHRISTOV, Luiza Helena da Silva. Apud. GUIMARÃES, Cecília Hanna Mate, et. al.. O Coordenador pedagógico e a educação continuada. São Paulo: Loyola, 2007, pp. 32-34.

FREIRE, Madalena. A Formação Permanente. In: Freire, Paulo: Trabalho, Comentário, Reflexão. Petrópolis, RJ: Vozes, 1991.

LIMA, Maria Socorro Lucena. A formação contínua do professor nos caminhos e descaminhos do desenvolvimento. (Tese de doutorado). Faculdade de Educação - USP, 2000.

MELLO, Guiomar Namo de. Cidadania e competividade – desafios educacionais do terceiro milênio. São Paulo: Cortez, 1994.

NÓVOA, António. Concepções e práticas de formação contínua de professores, in Formação Contínua de Professores: realidades e perspectivas. Portugal: Universidade de Aveiro, 1991.

_________. (org.). Profissão Professor. Porto: Porto Editora, 1991.

RIBEIRO, Maria L. S. Educação escolar e práxis. São Paulo: Iglu, 1991.