FONOLOGIA - Apostila 2012-01 p1-39

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Fonologia

Apostila de textos didticos (Uso restrito)

2012.01

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Unidade I Fontica e Fonologia

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A FALA E SEUS SONS

A emisso vocal, de que resulta a lngua, foi considerada, por muito tempo um fenmeno puramente fsico-biolgico e, portanto, objeto apenas das cincias naturais, e no de cincias antropolgicas como a lingustica. A fontica, entendida como uma cincia natural da emisso vocal que constitui a fala, depreendeu nessa emisso os sons vocais, ou da fala, que vm a ser as vogais e consoantes de uma dada lngua. Apesar de tudo, entretanto, a fontica com essa depreenso j no uma cincia natural pura. Fora da compreenso lingustica, ns no temos na emisso vocal aqueles sons elementares, mas um contnuo sonoro. Desta forma, os aparelhos que se usam na chamada fontica experimental no distinguem, no separam os sons vocais em elementos, apenas nos apresentam uma linha de registro em continuidade (por exemplo, no quimgrafo, que um aparelho registrador tradicional nas experincias fonticas). A separao dos sons vocais em elementos j , portanto, uma parte cultural da lngua. Podemos fazer uma ideia do que vem a ser essa separao de sons vocais elementares, como costumamos cham-los, por meio de uma analogia. Tracemos uma linha irregular:

Essa linha um contnuo, mas possvel a, dentro de um critrio qualquer, estabelecer divises, que nos daro uma srie de unidades. Assim:

Tais unidades no resultam espontaneamente do dito traado linear. Resultam de um trabalho mental meu, de uma elaborao da minha mente sobre a

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linha que tenho diante de mim. a mesma coisa que as pessoas fazem com o contnuo sonoro: uma elaborao mental, por meio da qual se depreende nesse contnuo uma srie de elementos discretos, quer dizer, separados, que so os sons elementares da fala. A temos, ento, um trabalho de configurao formal feito sobre o material snico. Conclui-se, desta maneira, que os foneticistas, embora faam cincia natural, elaboram a realidade dos dados naturais para obter um produto de cultura, visto que partem de uma separao executada de maneira psquica. Essa primeira anlise mental, porm, ainda no estabelece a verdadeira natureza do elemento snico da lngua, aquele que desempenha uma funo lingustica propriamente dita. Os sons vocais elementares, que so assim destacados, apresentam, uma grande diversidade, de um momento para outro. uma diversidade que depende do contexto, depende de certas situaes (urgncia, displicncia, emoo) em que o indivduo est falando, e depende de uma prpria falta de segurana rigorosa na articulao. Por isso, os foneticistas, no seu esforo de captarem o som vocal tal como ele se realiza, chegaram concluso de que os falantes espontneos de uma lngua utilizam muito mais sons do que pensam. Na sua ignorncia [inocncia, laicidade], imaginam,por exemplo, que s tm um [t] na sua lngua, mas tm vrios ([t1], [t2] etc.); que s dispem de um [a], mas lhes passam despercebidos vrios outros ([a1], [a2] etc.); e assim por diante. Gonalves Viana (1892), que foi o grande representante desse foneticismo em Portugal, descobriu que a lngua portuguesa, tal como falada em Lisboa, apresenta noventa e tantos sons elementares, quando as gramticas do apenas vinte e poucos. Um discpulo seu, Rodrigo de S Nogueira (1938), firmou um quadro de vogais das mais variadas, inclusive um [a] que, como ele declara, se ouve das peixeiras em Lisboa quando anunciam o carapau. Ora, isso o resultado de uma incompreenso da funo lingustica dos sons vocais. Era preciso dar um passo adiante, para o enquadramento do material snico na configurao formal da lngua. Esse passo, que estava mais ou menos e vagamente esboado em todas as comunidades falantes, que no fazem a maior diferena nas pequenas variedades de sons que utilizam, foi teoricamente executado nos princpios do sculo XX, simultaneamente na Europa, por um grupo de linguistas associados no Crculo Lingustico de Praga, e nos Estados Unidos, principalmente com os trabalhos de Sapir (1925, 1933) e Bloomfield (1933). No fundo, Saussure j tinha firmado o novo conceito quando declarou que um som elementar de uma lngua no vale pelo que ele , mas pelo que ele no , pela sua diferena fundamental dos outros sons. E exemplificava isto com a letra (1922, p. 165). Na letra com efeito, a questo se torna de mais fcil compreenso, porque se trata de uma coisa visual e toda a nossa civilizao baseada na lngua escrita, na letra (antes que no som), e de tal modo que temos at a tendncia a deformar completamente a compreenso fontica na base da lngua escrita. Por isso, para

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melhor se apresentar o conceito em relao lngua oral, til citar o caso paralelo da letra. Dizia Saussure: Tomemos a letra t. Posso escrev-la:

e tambm posso escrev-la:

ou:

ou ainda:

Mesmo com todos estes desenhos diferentes sero sempre um t. Isto , a diferena fsica, digamos, muito grande, mas seria absurdo acharmos que se trata de letras diferentes, visto que para uma mesma palavra posso empregar qualquer figura para ser lida do mesmo jeito. S o que no posso fazer, ou criar confuso se o fizer, omitir certas partes da letra sem as quais se leria uma outra letra. Por exemplo, escrevendo t assim:

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sem lhe dar o corte transversal, j no estou fazendo um t, mas um l; o t perdeu sua caracterizao.

Adaptado a partir de CMARA, Jr. (1977)

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LINGUSTICA, LINGUAGEM E LNGUA

A LINGUSTICA: UMA DISCIPLINA NO PRESCRITIVA

A Lingustica o estudo cientfico da linguagem humana. Diz-se que em estudo cientfico quando se baseia na observao dos fatos e se abstm de propor qualquer escolha entre tais fatos, em nome de certos princpios estticos ou morais. Cientfico ope-se, portanto, a prescritivo. No caso da lingustica, importa especialmente insistir no carter cientfico e no prescritivo do estudo: como o objeto desta cincia constitui uma atividade humana, grande a tentao de abandonar o domnio da observao imparcial para recomendar determinado comportamento, de deixar de notar o que realmente se diz para passar a recomendar o que se deve dizer. A dificuldade de distinguir a lingustica cientfica da gramtica normativa lembra a de extrair da moral uma autntica cincia dos costumes. Mostra-nos a histria que at h pouco a maioria dos autores que se ocupam da linguagem ou das lnguas o fez com intenes prescritivas, declaradas ou evidentes. Ainda hoje, a maioria das prprias pessoas cultas quase ignora que existe uma cincia da linguagem distinta da gramtica escolar e da atividade normativa exercida, por exemplo na imprensa, por cronistas puristas. Mas, perante casos como os de vende-se casas, haviam muitos alunos, a pessoa que eu falei o nome dela etc., o linguista contemporneo ignora tanto a indignao do purista conservador como o jbilo do iconoclasta revolucionrio. Casos como esses representam para ele simples fatos a serem observados e explicados dentro dos usos em que aparecem. O seu papel no o inibe de apontar as censuras ou avaliaes feitas por alguns a tais barbarismos ou solecismos, nem a indiferena expressa por outros; mas ele se abstm de tomar partido a favor ou contra, porque no esse o seu papel. O CARTER VOCAL DA LINGUAGEM A linguagem que o linguista estuda a do homem. Seria at desnecessrio precis-lo, dado o valor, quase sempre metafrico dos outros usos da palavra linguagem: a linguagem dos animais inveno dos fabulistas, a linguagem das formigas mais hiptese que resultado da observao, a linguagem das flores um cdigo como tantos outros. Na fala corrente, linguagem designa propriamente a faculdade de que os homens dispem para se compreenderem por meio de signos vocais. Detenhamo-nos um pouco neste carter vocal da linguagem. H milhares de anos que nos pases civilizados se usam com frequncia signos pictoriais ou grficos correspondentes ao os sinos vocais da linguagem: a chamada escrita. Antes de inventado o fongrafo, qualquer signo vocal ou era

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imediatamente ouvido ou se perdia para sempre. Pelo contrrio, o signo escrito conservava-se enquanto se conservassem o seu suporte pedra, pergaminho, papel e os traos nele deixados pelo bisturi, pelo estilete ou pela pena: da o adgio uerba uolant, scripta manent. O carcter definitivo da coisa escrita deu-lhe considerado o prestgio, e foi nessa forma que nos chegaram, e ainda hoje no, as obras literrias (assim chamadas graas exatamente escrita), em que assenta a nossa cultura. As escritas alfabticas representam os signos por sucesses de letras, bem separadas umas das outras nos textos impressos. Aprendemos na escola a reconhec-las, e quem quer que a frequentou sabe de que letras se compe o signo escrito tambm; distinguir os componentes do signo vocal que representa j lhe ser no entanto mais difcil, seno impossvel. que, na realidade, tudo o contribui para que os alfabetizados identifiquem o signo vocal e o seu equivalente grfico e para lhes impor ao esprito o ltimo como sendo o nico representante vlido complexo. Mais no esqueamos que os signos da linguagem humana so precipuamente vocais, que foram exclusivamente vocais durante centenas de milhares de anos, e que ainda hoje a maioria dos homens sabe falar sem saber escrever nem ler. Ns aprendemos andar antes de aprender a ler: a leitura que vem acrescentar-se; sobrepor-se fala, e no esta quela. Embora, na prtica, lhe seja anexo o, o estudo da escrita constitui disciplina distinta da lingustica, e por isso o linguista abstrai, em princpio, da grafia: s a leva em linha de conta na medida em que ela influencia a forma dos signos vocais o que afinal poucas vezes acontece.

A LINGUAGEM, INSTITUIO HUMANA Ouve-se por vezes falar da linguagem como duma faculdade humana, e ns prprios j acima empregamos este termo, sem no entanto havermos lhe atribudo valor rigoroso. Talvez as relaes entre o homem e a linguagem de que lhe se serve sejam demasiado especficas para que possamos integrar deliberadamente a linguagem num tipo mais vasto de funes definidas. O que no pode dizer-se que ela resulte do exerccio natural de algum rgo, como por exemplo a respirao ou a marcha que constituem, por assim dizer, a razo de ser dos pulmes e das pernas. certo que se fala de rgos da fala, de aparelho fumador, mas logo se acrescenta, em geral, ser outra funo primria de cada um daqueles rgos, de cada um dos elementos deste aparelho: a boca serve para ingerir os alimentos, as fossas nasais para respirar etc. possvel que a circunvoluo cerebral em que se pretendeu localizar o centro da fala (em virtude de terem relao com a afasia as leses que nela intervm) se relacione com o exerccio da linguagem. Mas nada prova que tal seja a sua funo primeira e essencial. Somos assim levados a situar a linguagem entre as INSTITUIES humanas, maneira de ver que apresenta inegveis vantagens:as instituies humanas resultam da vida em sociedade e o mesmo sucede com uma linguagem, que essencialmente

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um instrumento de comunicao. As instituies humanas supem o exerccio das mais diversas faculdades, podem encontrar-se muito espalhadas e ser at, como a linguagem, universais, sem se identificarem nas vrias comunidades. A famlia, por exemplo, caracteriza talvez todos os grupos humanos, mais apresenta-se dum ponto para outro com diferentes caractersticas. Assim tambm a linguagem, idntica nas suas funes, difere de comunidade para comunidade, de maneira que s pode funcionar entre os membros de determinado grupo. Como no constituem dados primrios, essenciais, mais sim produtos da vida em sociedade, as instituies no so imutveis, mas suscetveis de variar sob a presso de necessidades diversas e a influncia de outras como unidades: havemos de ver que as coisas no se passam doutro modo com as diferentes modalidades da linguagem que as lnguas representam. AS FUNES A LINGUAGEM A natureza do fenmeno lingustico no fica com tudo inteiramente e esclarecida quando consideramos a linguagem como uma instituio. Dizer que uma lngua um instrumento ou um utenslio utilizar uma designao que, apesar de metafrico tem a vantagem de chamar a ateno para o que distingue a linguagem de muitas outras instituies. A funo essencial do INSTRUMENTO que a lngua reside na COMUNICAO: por exemplo, o portugus , antes de tudo, um utenslio que permite aos indivduos de lngua portuguesa entrarem em relao uns com os outros. Se as lnguas se modificam ao longo dos tempos, veremos que essencialmente para se adaptarem da maneira mais econmica satisfao das necessidades comunicativas dos grupos que as falam. No se esquea todavia que, alm de assegurar a compreenso mtua, a linguagem exerce ainda outras funes. Em primeiro lugar, serve ela, por assim dizer, de suporte o pensamento, e tanto que podemos at perguntar se mereceria propriamente o nome de pensamento uma atividade mental que se no exercesse no mbito duma lngua; mas ao psiclogo e no ao linguista que compete a responder a tal pergunta. Por outro lado, muitas vezes o homem se serve da lngua para SE EXPRIMIR, ou seja, parar analisar o que sente, sem se preocupar grandemente com as reaes de eventuais ouvintes, e assim encontra ao mesmo tempo um processo de se afirmar a os seus olhos e aos dos outros, sem pretenses de comunicar que quer que seja tambm poderamos falar de uma funo esttica da linguagem, tanto mais difcil de analisar quanto verdade que se confunde de perto com as funes comunicativa e expressiva. Em ltima anlise, realmente na comunicao, isto , na compreenso mtua, que temos de reconhecer a funo central do instrumento que a lngua. No por acaso que se caoa dos indivduos que falem sozinhos e do solilquio, ou seja, d utilizao da linguagem para fins puramente expressivos. Para no se expor a censuras, quem quiser exprimir-se deve procurar um pblico, diante do qual representar a comdia do comrcio lingustico. Alis, tudo indica que a lngua de cada um se corromperia rapidamente

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se no fosse a necessidade de se fazer compreender, e esta necessidade permanente que conserva em bom estado o utenslio. SERO AS LNGUAS NOMENCLATURAS? De acordo com um conceito ingnuo mais muito espalhado, a lngua seria um repertrio de palavras, quer dizer, de produes vocais (ou grficas), cada uma delas correspondente alguma coisa: a determinado animal, digamos o cavalo, corresponderia no repertrio particular conhecido como a lngua portuguesa a determinado produto vocal, ortograficamente representado por cavalo. As diferenas entre as lnguas reduzir-se-iam a diferenas de designao o cavalo diz-se em francs cheval, em ingls horse, em alemo Pferd e assim, aprender uma segunda lngua consistiria em aprender nova nomenclatura apenas, ponto por ponto paralela anteriormente conhecida, com exceo de alguns idiotismos, isto , de casos em que no funcionaria, ou funcionaria mal, tal paralelismo. As prprias produes vocais compor-se-iam normalmente, em todas as lnguas, dos mesmos sons, e as nicas diferenas de lngua para lngua residiriam, neste domnio, na simples escolha dos sons e na maneira de os combinar em cada palavra. Confirma este ponto de vista, quando pensamos nas letras e no nos sons, o emprego do mesmo alfabeto nas mais diversas lnguas: cavalo, cheval, horse, Pferd escrevem se efetivamente com letras de um s alfabeto c, a, v e l em cavalo e cheval, o em cavalo e horse, e em cheval, horse e Pferd, h em cheval e horse, r em horse e Pferd. Como uma vez pronunciadas as palavras, o ouvidos se d conta de diferenas que no so apenas de escolha e disposio de elementos idnticos, fala-se dos chamado sotaque que seria algo de bastante marginal, sobreposto articulao normal dos sons da linguagem, cuja imitao, ao aprender-se uma lngua estrangeira, poderia parecer, seno indecente, pelo menos ridcula.

Adaptado a partir de MARTINET (1965)

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FONOLOGIA E FONTICA

Lngua e fala O linguista suo Ferdinand de Saussure diferenciou dois aspectos fundamentais na linguagem: a lngua e a fala. A lngua um modelo geral e constante que est na conscincia de todos os membros uma comunidade lingustica. o sistema supraindividual, uma abstrao que determina o processo de comunicao humana. A fala a realizao concreta da, em um momento e em um lugar determinados em cada um dos membros dessa comunidade lingustica. A lngua , portanto, no fenmeno social enquanto que a fala individual. Quando dois indivduos conversam, comunicando seus pensamentos entre si, porque existe algo que lhes comum, ou seja, se compreendem porque existe a lngua, modelo lingustico comum a ambos, o sistema que estabelece certas regras s quais se submetem quando falam, e no momento em que expressam suas idias oralmente, esto realizando, materializando a lngua em cada um deles: esto praticando um ato de fala. Sem atos concretos de fala, a lngua no existiria, e os atos concretos de fala no serviriam para a comunicao e para o entendimento mtuo se no existisse a lngua, que estabelece as normas pelas quais a fala regida. Estes dois aspectos esto unidos inseparavelmente e constituem o que conhecemos como linguagem. Lngua: modelo geral e constante para todos os membros de uma comunidade lingustica. Fala: realizao desse modelo em cada membro da comunidade lingustica.

Linguagem

O signo lingustico Todo o que pertence linguagem, ou seja, tanto lngua como fala, tem duas facetas: o significante (a expresso) e o significado (o contedo, o conceito, a ideia); ambos constituem o signo lingustico. Signo lingustico = Significante + Significado Um signo lingustico, como mesa, formado por um significante, que seria: /m/+/e/+/z/+/a/, isto , pela soma de certos elementos fnicos e por um significado, que seria a ideia ou conceito que ns temos do que seja uma mesa. Cada um destes dois componentes do signo lingustico tem a sua funo no plano da lngua e no plano da fala.

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O significante, no plano da fala, um contnuo sonoro, um fenmeno fsico capaz de ser percebido pelo ouvido. No plano da lngua, um sistema de regras que ordenam o aspecto fnico do plano da fala. O significado no plano da fala sempre uma comunicao concreta, que tem sentido unicamente na sua totalidade. No plano da lngua, pelo contrrio, est representado por regras abstratas (sintticas, fraseolgicas, morfolgicas e lexicais). Tudo o que foi dito at aqui justifica o fato de a disciplina que se ocupa do estudo dos sons da linguagem esteja dividida em: a) Fonologia, que estuda o significante na Lngua e b) Fontica, que estuda o significante no fala. Podemos defini-las da seguinte maneira: A fonologia estuda os elementos fnicos de uma lngua do ponto de vista da sua funo no sistema da comunicao lingustica. A fontica e estuda os elementos fnicos de uma lngua do ponto de vista de sua produo, de sua constituio acstica e de sua percepo. Ao falar, um indivduo emite sons, no entanto devemos ter em mente que os sons no so realizados de maneira igual por todos os indivduos de uma mesma como unidade lingustica, e que nem todos os sons so sempre os mesmos porque muitas vezes encontram-se modificados pelo contexto fnico que os rodeia No passado, alguns linguistas tencionaram fazer da fonologia e da fontica cincias independentes e trat-las em separado, porm, j h muitos anos voltou ser a enxergar nestes dois aspectos fnicos da linguagem um todo, algo tal como uma montanha de duas vertentes inseparveis que requerem um mtuo apoio para a sua existncia. O valor e o desenvolvimento da fonologia e da fontica se condicionam mutuamente. Da a razo pela qual certos linguistas tenham dado fonologia a denominao de fontica funcional.

Adaptado a partir de QUILIS (2010)

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Unidade II Fontica

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OS RAMOS DA FONTICA A fontica a cincia que apresenta os mtodos para a descrio, classificao e transcrio dos sons da fala, principalmente aqueles sons utilizados na linguagem humana. As principais reas de interesse da fontica so: Fontica articulatria - Compreende o estudo da produo da fala do ponto de vista fisiolgico e articulatrio. Em fontica articulatria, portanto, parte-se do falante (fonte), examinando-se o que se passa no aparelho fonador. Fontica acstica - Compreende o estudo das propriedades fsicas dos sons da fala a partir de sua transmisso do falante ao ouvinte. Em fontica acstica, focalizam-se os efeitos da onda sonora produzida pela corrente de ar em sua passagem pelo aparelho fonador. Fontica auditiva - Compreende o estudo da percepo da fala. Em fontica auditiva ou perceptual, examina-se o processamento auditivo e a percepo da onda sonora pelo ouvinte, isto , suas interpretaes no processo de decodificao da fala. Cada um destes ramos pode ser estudado de maneira instrumental, (fontica instrumental) atravs do estudo das propriedades fsicas, articulatrias, auditivas e perceptuais da fala, com o apoio de instrumentos laboratoriais. Neste curso, investigaremos aspectos fonticos (principalmente do portugus brasileiro) do ponto de vista articulatrio com o objetivo de entendermos a produo dos sons que utilizamos em nossa fala.

Adaptado a partir de CRISTFARO SILVA (2010)

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FASES DA FALA A fala a exteriorizao da capacidade humana para a linguagem: desde os processos de codificao da mensagem pelo falante, at sua decodificao pelo ouvinte encontram-se dentro dos domnios da fontica. Cabe a ela estudar a fala desde o inicio da programao neurolgica que se d no sistema nervoso central com vistas a ativar o sistema motor para a produo de sons da linguagem at a fase final de identificao neurolingustica. Ao todo, o ato de falar envolve sete fases, que passamos a descrever a seguir: a) programao neurolingustica: responsvel pela seleo de todos os eventos subsequentes, sua ordenao e sincronia; determina, portanto, a natureza e ordem de ocorrncia de todos os procedimentos seguintes; b) neuromuscular: quando ocorre a transmisso de comandos motores da qual resultam as contraes musculares; c) orgnica: quando os rgos aos quais se relacionam os msculos que sofreram as contraes assumem determinadas posies ou realizam movimentos especficos, como os das pregas vocais para fechar a glote, ou dos lbios, projetando-se para produzir vogais arredondadas, por exemplo; d) aerodinmica: responsvel pela expanso, compresso e fluxo do ar ao longo de todo o trato vocal; estas modificaes da corrente de ar so decorrentes da movimentao dos rgos na fase orgnica; e) acstica: refere-se propagao das ondas sonoras produzidas na fase aerodinmica em seu trajeto do emissor ate o receptor, f) neuroreceptiva: quando a onda sonora atinge o tmpano, a vibrao resultante, que varia conforme o formato da onda, e transmitida pelos ossos do ouvido mdio ao ouvido interno (cclea), onde estimula os sensores do nervo auditivo que, por sua vez, levam a informao ao crebro; g) identificao neurolingustica: a ltima etapa, quando os sinais resultantes da transmisso dos impulsos auditivos so captados, diferenciados e a identificao do som especfico processada. Esta fase no totalmente consciente, embora possa haver j uma leve noo de som. O ato de falar envolve ainda um feedback cinestsico, que se manifesta atravs de sensaes tteis e proprioceptivas, referentes a contrao e tenso muscular, bem comum outro, auditivo, na medida em que, ao falar, podemos ouvir a ns mesmos, ou sem a onda sonora nos alcana tanto externa quanto internamente. O treinamento fontico consiste, em grande pane, em tornar conscientes estes estmulos sensoriais. A classificao fontica tradicional e toda baseada na fase orgnica e recebe a denominao de articulatria, embora a articulao propriamente dita seja, apenas, um dos mecanismos da fala; a fontica acstica, por sua vez, s pode desenvolverse plenamente com o auxilio de aparelhos eletrnicos tais como o osciloscpio e o

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espectrgrafo que foram desenvolvidos nas dcadas de 30 e 40 do sculo passado. Recentemente, comeou a se desenvolver, com apoio instrumental, uma fontica aerodinmica, paralela a acstica.

Adaptado a partir de CATFORD (2001) e de FREITAS (2003)

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A FISIOLOGIA DA FALA Sistemas fisiolgicos A funo biolgica natural dos rgos hoje denominados de vocais no a fala, mas, antes, a respirao, a mastigao e a deglutio. O ser humano, ao viver em sociedade, desenvolveu a capacidade de se expressar adaptando esses rgos para a comunicao verbal. Trata-se de um sistema complexo de rgos e articuladores capazes de produzir os cdigos sonoros da linguagem, a partir da energia geralmente ativada pelos pulmes. As lnguas faladas do mundo inteiro estabelecem, isoladamente ou em grupos, padres prprios de linguagem e, portanto, de produo de sons, fazendo com que os rgos da fala se adaptem a esses diversos sistemas fonolgicos. H aspectos fonticos comuns na fisiologia da fala, como a produo de sons a partir da emisso de ar dos pulmes, e outros considerados incomuns em relao a maioria das lnguas faladas no mundo, como a fala realizada atravs da aspirao do ar. O falante normal exerce domnio das configuraes dos seus rgos vocais para produo fontica na sua lngua nativa, pois so formas aprendidas desde quando muito pequeno e constantemente exercitadas; entretanto, este domnio pode no existir de imediato quando se trata de modos de articulao nunca por ele experimentados na comunicao, como, por exemplo, para um brasileiro, um francs ou um americano a realizao de alguns tipos de cliques produzidos por lnguas africanas, por meio do bloqueio do tubo vocal em dois pontos, restringindo o ar no compartimento entre estes dois pontos, seguido de aspirao de ar de fora para dentro do conduto vocal. s vezes, o modo de articulao pode ser simples e frequentemente exercitado por um indivduo, mas parecer uma estranha forma de comunicao verbal, se este procedimento no for normalmente realizado na fala; como, para ns brasileiros, parece esquisito um tipo de clique com configurao articulatria e resultado sonoro semelhante a um beijo que, entretanto, utilizado em algumas lnguas e interpretado como uma consoante. Os lbios, a mandbula e, de certa forma, a lngua e os dentes so as partes do aparelho fonador visveis do exterior. Estas partes aparentes colaboram para a produo da fala e para a melhoria da inteligibilidade da informao transmitida, na medida em que o ouvinte acompanha as alteraes faciais do falante e associa os movimentos a sons da linguagem. Este procedimento bastante til numa conversa, por exemplo, em local de muito barulho ou para pessoas com deficincia auditiva, por intermdio da chamada leitura labial. Entretanto, lbios, mandbula, lngua e dentes no so as nicas partes que compem o aparelho fonador, mas todos os rgos que representam um tubo com incio nos pulmes e final ramificando-se para a boca e o nariz. So eles: os pulmes, a traquia, a laringe com as cordas vocais, a faringe ou garganta, o nariz e a boca (Figura 1).

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Figura 1

Do ponto de vista fisiolgico, quanto aos rgos e suas funes para a Fontica, a produo da fala ocorre segundo trs sistemas atuando de modo sucessivo, cada qual contribuindo especificamente para o resultado final, estando descritos simplificadamente a seguir (Veja Figura 1): I. respiratrio, ou subgltico: h a emisso de corrente de ar dos pulmes, que a fonte de energia aerodinmica da fala, percorrendo a traquia e alcanando a laringe; II. fonatrio ou gltico: na laringe, a corrente de ar atravessa as pregas vocais, podendo ou no esta corrente transformar-se em pulsos de ar com a vibrao das cordas vocais; e III. articulatrio ou supragltico: os pulsos ou a corrente contnua de ar, aps atravessarem a laringe e alcanarem a faringe, podero sofrer as mais diversas obstrues ou constries sua passagem, em vrios pontos de articulao desse sistema, at serem irradiados pelos lbios ou o nariz, formando o som desejado pelo falante e completando a cadeia da produo da fala. I. Sistema subgltico Na fisiologia da fala, o sistema sugltico ou respiratrio tem a funo de fornecer a energia aerodinmica para os sistemas fonatrio e articulatrio na forma de uma corrente de ar egressa dos pulmes. 18

Para a composio dessa energia aerodinmica da fala, devem-se considerar os seguintes parmetros fsicos do ar: volume, fluxo, presso e a resistncia sua passagem. Considerando que a fala ocorre durante a expirao, o ser humano, visando ajustar a respirao s necessidades da velocidade de fala, controla o volume do ar egresso dos pulmes e pode, tambm, reduzir o tempo de inspirao a cerca de 15% do ciclo total da respirao. Para que ocorra fluxo de ar na sada do conduto vocal, necessrio que haja um desequilbrio em favor da presso interna, bastando ser um pouco superior presso atmosfrica, para haver expirao, e de cerca de 1kPa, para que haja a fala normal. Em situao de repouso, os pulmes de um homem adulto contm aproximadamente trs litros de ar, e, durante a respirao, este volume varia de cerca de meio litro. Assim, o grau de atividade muscular para regular a presso de ar s exigncias aerodinmicas da fala depender do volume de ar contido nos pulmes durante a expirao e da resistncia passagem desse ar pelo conduto vocal devido a obstrues e constries de valor fontico. A expirao ocorre de forma ativa quando controlada por msculos do trax, do abdmen e tambm por ao do diafragma, que, durante a fala, distende-se, e a contrao do abdmen estabelece a compresso de seus rgos internos sobre os pulmes para expulsar o ar nele contido. O ar expelido pelos pulmes percorre a traquia e alcana a laringe, podendo sofrer alteraes neste rgo, at chegar boca e ao nariz, para passar por outras transformaes, quando finalmente se apresentar como fala. II. Sistema fonatrio Seguindo a cadeia da produo da fala, o ar egresso dos pulmes atravessa a traquia e alcana a laringe, rgo responsvel pelo sistema fonatrio ou gltico, podendo sofrer, no interior deste rgo, a primeira grande transformao: a corrente de ar poder deixar de ser um fluxo contnuo e transformar-se em pulsos de ar que so percebidos como uma vibrao. O fato de ocorrer ou no esta transformao vibratria ser determinado pelo falante, que decidir, de acordo com a realizao fontica desejada, a forma da configurao de sua laringe. possvel observar em si mesmo esta capacidade, encostando-se os dedos na parte anterior do pescoo e produzindo qualquer vogal: ser percebida uma vibrao, que no ocorreria se fosse articulada a consoante s, por exemplo. Este fenmeno vibratrio que acontece em alguns sons ocorre no interior da laringe, precisamente na regio das pregas vocais, quando prximas uma da outra e ao serem atravessadas por uma corrente de ar. A laringe est situada no alto da traqueia e corresponde a um conjunto de msculos, cartilagens e ligamentos, formando um anel de cerca de 7,5cm de altura e 5cm de largura, num homem mdio, adulto, podendo ser localizada ao se tocar na regio do pescoo popularmente denominada de pomo de Ado, que , na verdade uma proeminncia da cartilagem tireide, localizada na laringe (Ver figura 2 a seguir).

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Figura 2 A laringe regula a passagem do ar egresso dos pulmes em direo boca e ao nariz, ao abrir-se ou fechar-se, e esta funo controlada em parte pelas cordas vocais. As cordas vocais correspondem a pregas de ligamentos, que se estendem transversalmente na laringe, fixadas na parte anterior pela cartilagem tireoide e, na parte posterior, pelas cartilagens aritenoides. As pregas vocais so movimentadas sobretudo pelas cartilagens aritenoides, que se deslocam em vrias direes, enquanto a tireoide no proporciona movimentos de abertura, fazendo com que, na parte anterior, as extremidades das pregas vocais permaneam unidas; ocorrendo, ento, o formato de V, quando as aritenoides abrem as pregas vocais. A regio de abertura entre as pregas vocais chamada de glote. Na respirao, as cartilagens aritenoides atuam abrindo a glote, e o seu fechamento resulta na obstruo da passagem do ar egresso dos pulmes.

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A fonao a realizao de som vibrante durante a passagem de ar atravs da glote e depende da interao deste fluxo de ar com as tenses musculares e elsticas das pregas vocais. Para realizao da fonao, as aritenoides unem as pregas vocais, bloqueando o fluxo de ar egresso da traqueia, enquanto a presso subgltica aumenta at vencer a tenso de fechamento das pregas vocais. Neste momento, a glote abre-se numa pequena fenda, proporcionando passagem de ar, dando incio ao ciclo vibratrio de aproximao e afastamento contnuo das pregas vocais. A vibrao durante a fonao acontece de forma to rpida que no possvel para o olho humano, sem o uso de equipamentos, perceber nitidamente o movimento das pregas vocais. H eventos em que possvel verificar que a glote est fechada durante a fonao. Um deles, quando se faz um esforo muito grande, durante o levantamento de um peso, por exemplo. Ao levantar-se um peso, a estrutura muscular dos braos busca apoio no trax rgido, com os pulmes plenos de ar, o que necessita da obstruo das pregas vocais passagem desse ar, ou seja, o fechamento da glote. A elevao do esforo resulta na compresso dos pulmes e consequente fluxo de ar atravs da glote, quando, ento, um som vibrante como um grunhido pode ser ouvido. Este mesmo evento se observa na mulher, durante o parto, com a compresso dos pulmes pelos rgos do abdmen, forando a passagem de ar atravs da glote. O fenmeno da fonao inicia-se devido presso subgltica, que abre uma fenda a partir das bordas inferiores das pregas vocais, passando uma pequena corrente de ar. Com a manuteno da presso, o fluxo de ar aumenta gradualmente, forando uma maior separao das pregas, e provocando uma crescente abertura da fenda na glote. Este mecanismo pode ser descrito como um sistema elstico, existindo, num senti do, as foras separadoras aplicadas pelo fluxo de ar sobre as pregas vocais e, no outro sentido, as tenses elsticas restauradoras das pregas. O crescente deslocamento separando as pregas proporciona um aumento dinmico das suas tenses elsticas restauradoras at a posio de equilbrio com as foras aplicadas devido presso do ar. Na posio de equilbrio, ocorrem os mximos valores de abertura da glote e de fluxo de ar. Nesta posio, a energia cintica acumulada durante a fase de separao transformada em energia potencial elstica, que suficiente para superar a fora separadora do ar e iniciar o movimento de fechamento da glote a partir da regio de maior abertura, que so as bordas inferiores das pregas vocais. Aps iniciado o movimento de aproximao, as pregas vocais adquirem cada vez mais quantidade de movimento. Nessa fase de aproximao, quando a abertura da glote se torna muito pequena, as partculas de ar em movimento na laringe tm sua velocidade aumentada no trecho da pequena fenda da glote, causando um efeito de suco, que acarreta um incremento na velocidade de fechamento das pregas. Este efeito de suco denominado fora de Bernoulli. Este fenmeno fsico ocorre quando h variao na seo transversal de um duto por onde passa um fluxo de ar, determinando uma diferena de presso para que a energia de fluxo se mantenha constante. A energia de fluxo, nestes casos, depende da presso e da velocidade das partculas de ar num dado setor do duto. Assim, num ponto de constrio de um duto, local onde h maior velocidade das partculas de ar que o atravessam, ocorre uma reduo da presso, em relao s partes adjacentes de maior dimetro, para que a energia de fluxo total se mantenha constante, ocorrendo, ento, a fora de Bernoulli, de aproximao. As foras elsticas restauradoras e a fora de Bernoulli so responsveis, ento, pelo fechamento das pregas vocais. A atuao das foras de Bernoulli ocorre

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quando as pregas vocais esto bastante prximas, sendo submetidas a uma abrupta fora de suco, encerrando o fluxo de ar atravs da glote pelo seu completo fechamento. Imediatamente aps a coliso das pregas vocais, as foras elsticas restauradoras atuam em sentido contrrio e, somadas presso subgltica, provocam a abertura, outra vez, da fenda entre as pregas, proporcionando a passagem da pequena corrente de ar e reiniciando o ciclo da fonao. As foras de Bernoulli, embora participem na fase de fechamento da glote, apenas aceleram num dado momento a aproximao das pregas vocais, mas no so essenciais para a manuteno da fonao. Enquanto existir presso subgltica em um nvel suficientemente alto e as cartilagens aritenides permanecerem aproximadas, tendendo a unir e tensionando as pregas vocais, a fonao persiste e a glote continua a emitir uma srie de pulsos, percebidos como uma vibrao. Ocorre a emisso de um pulso de ar a cada ciclo de abertura e fechamento da glote (Figura 3).

Figura 3 Um fenmeno de vibrao envolvendo outros tipos de pregas elsticas, de resultado semelhante ao que ocorre durante a fonao, pode ser observado pelo leitor ao tensionar as bordas unidas da extremidade de sada de ar de um balo de borracha, quando cheio de ar. O som produzido corresponde aos pulsos de ar que fluem atravs das bordas. Alm do movimento geral de afastamento e aproximao das pregas vocais durante a fonao, existe um outro movimento, que descrito a partir de um pulso denominado de mucosal wave, que se desloca superficialmente na camada externa de cada prega vocal. O corpo interno da prega vocal constitudo de massa muscular e, portanto, pouco deformvel e de inrcia relativamente grande, enquanto a cobertura externa macia e flexvel, proporcionando o deslocamento da onda mucosa (i.e. o movimento da membrana mucosa de cada uma das pregas vocais durante a fonao). Durante o seu deslocamento, a onda mucosa deve ocupar posio simtrica em relao a cada prega vocal para que no ocorram falhas durante a fonao, pois esses pulsos de superfcie contribuem para o perfeito e sincronizado movimento das pregas vocais. Algumas anormalidades nas pregas podem impedir o movimento da onda mucosa, e provocar irregularidades de voz. Um exemplo de anormalidade seria um cisto numa prega vocal, exercendo uma barreira propagao da onda mucosa (Figura 4).

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Figura 4 III. Sistema supralarngeo O trem de pulsos de ar, no caso de vibrao das pregas vocais, egresso da laringe, ou a contnua corrente de ar, quando no ocorre a fonao, alcana o sistema supralarngeo para finalmente passar pelas transformaes definitivas que resultam nos sons da fala. o que ocorre quando o falante posiciona seus lbios, lngua e demais partes do conduto vocal, por onde passar o ar egresso da laringe, para pronunciar qualquer palavra, como um simples l, por exemplo. O falante configura os rgos e articuladores do conduto para modificar sua geometria, comprimento e outras dimenses, com o objetivo de produzir os mais diversos sons da linguagem. Eventos da mesma natureza ocorrem em alguns instrumentos musicais de sopro, como o pistom, por exemplo, pois os pulsos de ar produzidos pela vibrao dos lbios no bocal do instrumento so conduzidos por canais cuja geometria e dimenses so modificadas com o posicionamento dos pistons do teclado de acordo com a nota musical desejada. O sistema supralarngeo estende-se desde a faringe, logo aps a laringe, at os lbios e nariz, aberturas por onde o ar pode escoar (Figura 5).

Figura 5 23

As regies da boca e do nariz representam cavidades por onde o ar passa, sendo a cavidade oral a principal responsvel pelas diversas configuraes geomtricas para o tratamento fontico do ar egresso da laringe e, por esse motivo, junto com a cavidade farngea, denominada trato vocal; enquanto a cavidade nasal chamada trato nasal. So os articuladores, como a lngua, lbios, dentes, mandbula e palato, as estruturas mveis ou com movimentos relativos que estabelecem as formas e comprimentos do conduto vocal, obstruindo ou apenas reduzindo a seo por onde passa o ar para as diversas realizaes fonticas. A faringe um tubo que faz a ligao da laringe com a boca e o nariz, sendo a sua parte superior mais larga. Este rgo muda de configurao mediante movimentos prprios ou da lngua e, at mesmo, devido a movimentos da laringe. Na extremidade superior da faringe, alm de existir a boca, est a cavidade nasal, estendendo-se at as narinas e com cerca de 12,5cm de comprimento, num homem mdio, adulto. Esta cavidade apresenta sinuosidades que se opem passagem do ar e dividida longitudinalmente, pelo septo, em duas fossas nasais. O vu palatino movimenta-se com a funo de acoplar ou isolar a cavidade nasal em relao faringe e parte posterior da boca por meio de movimentos de abaixamento e elevao. No possvel a alterao da geometria da cavidade nasal por meio de articuladores, entretanto algumas anormalidades nesta cavidade podem provocar a modificao do som normal da fala, como a presena de secrees no seu interior, devido a uma infeco, alterando o seu volume, geometria e textura, ou devido ao aumento de volume das amgdalas prximas faringe, quando, neste ltimo caso, a voz assume a caracterstica denominada de adenoidiana. A mandbula, a lngua, os lbios, os dentes e o palato so os articuladores responsveis pelas configuraes que ocorrem diretamente na cavidade oral. A mandbula corresponde ao maxilar inferior e uma estrutura mvel capaz de alterar o volume da cavidade oral. Durante a fala, a mandbula movimenta-se para baixo e para cima, para frente e para trs, conforme a necessidade articulatria para produo do som desejado. A lngua o articulador que apresenta a maior flexibilidade, podendo curvar-se em vrias posies e pontos, na ponta, no dorso ou nas bordas, alm de movimentar-se em todas as direes. Assim, a lngua exerce papel fundamental no resultado final dos sons da fala, podendo obstruir ou causar constries em qualquer ponto ou pontos da cavidade oral, seja, por exemplo, aproximando-se dos dentes, do palato duro ou do vu palatino. Os lbios so estruturas que permitem modificaes de comprimento e formato do conduto vocal; por exemplo, alongando e arredondando o conduto para a articulao da vogal u, ou obstruindo a passagem do ar durante a produo da consoante p. Os dentes so importantes estruturas que tambm colaboram para a articulao fontica, seja atravs da produo do som durante a passagem do ar por entre eles ou devido s alteraes da forma do conduto vocal por sua 24

combinao com outros articuladores, como a lngua ou os lbios. Durante a articulao da consoante t, por exemplo, h a integrao sobretudo de dentes e lngua, enquanto que na configurao bucal de v, combinam-se incisivos superiores e lbio inferior. O palato est localizado internamente boca e tambm parte do trato vocal. Este rgo pode ser dividido em trs regies: os alvolos, parte ssea que sustenta os dentes e recoberta pelas gengivas; o palato duro ou cu da boca, parte ssea superior da cavidade oral; e o palato mole ou vu palatino, parte mvel do palato, de textura muscular, localizado na regio posterior da cavidade oral, que, quando abaixado, permite a passagem do ar egresso da laringe para a cavidade nasal e, quando levantado, obstrui esta passagem. O palato mole, portanto, tem tarefa fundamental na nasalizao dos sons. A vula um apndice do palato mole e pode ser vista prxima entrada da faringe. A fala a produo em cadeia de vrios eventos fonticos que so o resultado da combinao dos rgos e articuladores do aparelho fonador, portanto a debilidade, a inexistncia ou a incorreta utilizao de qualquer dessas partes acarreta deficincia no ato de falar. A ausncia de unidades dentrias, por exemplo, pode interferir na qualidade do som produzido pelo falante, principalmente quando se tratar dos incisivos, superiores e inferiores. Estes articuladores so partes fundamentais para a produo padro de todos os sons que necessitem de interao efetiva entre eles e outros articuladores, como a lngua e os lbios. Os sons produzidos por um indivduo em situao de edentado podem parecer satisfatrios para o ouvinte, mas, como o som da fala depende da configurao geomtrica do aparato vocal, diferenas acsticas podem ser observadas e estabelecidas objetivamente por meio de uma anlise instrumental.

Adaptado a partir de BRAID (2003)

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FONTICA ARTICULATRIA: DESCRIO E TRANSCRIO

1. Os sons da fala As ondas sonoras produzidas pelo aparelho fonador so contnuas, no esto efetivamente divididas em sons individuais, mas o ouvinte, ao escut-las, no apenas as ouve, mas tambm as interpreta, percebendo-as como signos fonticos discretos, produzidos em sequncia. Estes elementos fonticos correspondem a smbolos linguisticamente relevantes que se combinam criteriosamente para veicular a informao desejada pelo falante. Cada lngua falada no mundo formada pela combinao de 30 a 50 smbolos fonticos que, compostos, representam a linguagem. Esses elementos da fala so classificados no apenas pelos traos sonoros que os distinguem, mas sobretudo pelos contrastes de significado que apresentam numa lngua. Os sons segmentais da fala podem ser representados por smbolos grficos e colecionados em alfabetos fonticos, de modo a serem transcritos e documentados na forma escrita. Alm disso, podem-se analisar os traos distintivos desses sons, observando-se suas propriedades acsticas e articulatrias. A descrio das caractersticas articulatrias ocorre de vrias maneiras, como a indicao do local do trato vocal onde ocorre a articulao ou a acusao de ocorrncia de nasalidade durante a sua produo, por exemplo. 2. Representaes grficas dos sons da fala A comunicao entre as pessoas assume as mais diversas modalidades, sendo as mais comuns a falada e a escrita. As expresses escritas podem representar, ou no, os sons da fala; os nmeros, assim como os ideogramas chineses, so expresses escritas que no representam fonemas. Entretanto, uma letra do alfabeto padro de uma determinada lngua pode representar vrios fonemas e, portanto, sons diferentes, como acontece no portugus: a letra t pode representar sons distintos, como em tia e tatu; a letra s, em sal e casa; a letra x, em xarope, prximo, txi e exame; ou como na vogal e, observando-se os sons em beber, reto e idade. Assim, as letras de um alfabeto no representam todos os sons que ocorrem numa determinada lngua; antes, apenas a eles se relacionam. Para que um som seja fielmente documentado atravs da escrita, necessrio que sua representao corresponda aos sons correlatos, pois a simbologia por letras insuficiente. Para a representao escrita de um som da fala, deve-se utilizar formatao padronizada. A formatao tipicamente atribuda ao som da fala corresponde sua escrita entre colchetes: [s]. Cada lngua do mundo possui seu inventrio prprio de sons da fala, linguisticamente relevantes, cuja simbologia reunida no seu alfabeto fontico particular. Alguns smbolos que existem num determinado alfabeto no necessariamente existiro em outro, pois as realizaes fonticas das lnguas do mundo todo no so as mesmas.

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A simbologia utilizada para a representao escrita de todos os sons de relevncia lingustica em todas as lnguas conhecidas do mundo o Alfabeto Fontico Internacional, abreviado AFI ou IPA (International Phonetic Alphabet). Este alfabeto fontico est organizado de acordo com as caractersticas comuns a grupos de sons, como os referentes s consoantes pulmnicas e s no-pulmnicas, s vogais e a outros smbolos, alm de padronizar elementos diacrticos e marcos supra-segmentais, de modo a contemplar, por meio da representao grfica, todos os sons da fala conhecidos. A Revista da Associao Fontica Internacional (Journal of the International Phonetic Association) divulga edies atualizando o IPA e, alm da simbologia dos sons, descreve, tambm, o ponto e modo de articulao para cada um desses sons. O Alfabeto Fontico Internacional, correspondente edio revisada do ano de 2005, est apresentado na figura a seguir. Deve-se observar que, no quadro das consoantes, alguns smbolos aparecem em pares, indicando que o elemento da direita representa uma consoante vozeada e o da esquerda, uma consoante desvozeada; e que existem reas sombreadas, denotando articulaes julgadas impossveis. No quadro das vogais, algumas aparecem em pares. esquerda do ponto () esto as vogais no arredondadas. direita, esto as suas contrapartes arredondadas.

Figura 1

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3. Articulao dos sons da fala Os sons da fala podem ser classificados a partir da diviso em dois grandes grupos segmentais: vogais e consoantes. A realizao do som difere de um grupo para o outro devido, principalmente, configurao do trato vocal e ao da fonte produtora do som. Na produo de consoantes, o trato vocal configura-se de modo a apresentar uma constrio, em algum ponto. Na produo das vogais, o trato vocal encontra-se totalmente desobstrudo. Enquanto na descrio articulatria das consoantes leva-se em considerao o lugar, no trato vocal, em que ocorre a constrio e de que maneira, efetivamente ocorre, na diferenciao das vogais, observam-se os diferentes formatos assumidos pela cavidade oral, sobretudo em razo de diversos posicionamentos da lngua e dos lbios. 3.1 Articulao de consoantes A produo de consoantes descrita a partir das caractersticas de ponto e modo de articulao e da ocorrncia ou no de vozeamento. O ponto de articulao o elemento descritivo que indica o local do aparelho fonador onde o som da consoante efetivamente produzido, ou seja, onde se estabelece a constrio. Para a produo da consoante [p], por exemplo, o ponto de constrio est nos lbios (bilabial). O modo de articulao refere-se a modificaes da corrente de ar durante a produo do som, isto , a que tipo de alteraes submetida a livre corrente de ar que ingressa no trato vocal. Assim, pode-se notar que, durante a articulao de [p], a corrente de ar momentaneamente bloqueada para logo liberada abruptamente (oclusiva). O vozeamento diz respeito ocorrncia ou no de vibrao das pregas vocais durante a produo da consoante; no caso da consoante [p], no ocorre vibrao das pregas vocais at o instante da liberao do ar (desvozeada).

3.1.1 Pontos de articulao das consoantes O ponto de articulao para a produo de uma consoante determinado pelo local do aparelho fonador, desde a glote at os lbios, onde ocorre a maior constrio passagem do ar. Assim, esse elemento descritivo apenas indica as partes do aparato vocal que se aproximam ou at mesmo se tocam proporcionando estreitamento ou fechamento da seo por onde passa o fluxo de ar. Abaixo esto apresentados alguns dos pontos de articulao, que so citados no quadro de consoantes do Alfabeto Fontico Internacional (Figura 1): bilabial: o termo bilabial significa relativo aos dois lbios, portanto indica que a constrio no trato vocal ocorre por meio da aproximao ou toque dos lbios. A zona bilabial corresponde ao ponto de articulao mais anterior do aparelho fonador. Tm ponto de articulao bilabial os seguintes sons consonantais: [a], [o], [l], [A] e []; labiodental: este ponto refere-se ao lbio inferior e aos incisivos superiores. As articulaes das consoantes labiodentais so realizadas por meio 28

da aproximao e contato do lbio inferior nos incisivos superiores, enquanto por entre eles percorre uma corrente de ar. Tm ponto de articulao labiodental os seguintes sons consonantais: [e], [u], [O]; dental: este ponto refere-se lngua e aos incisivos centrais superiores. As consoantes dentais (ou interdentais) so produzidas com o contato da lngua nos incisivos centrais superiores, enquanto por entre esta zona articulatria passa uma corrente de ar. So exemplos de sons consonantais linguodentais: [S] e [C]. Este tipo de articulao no ocorre na lngua portuguesa, mas, sim, no ingls, por exemplo. A falta de familiaridade com o som e o ponto de articulao para sua produo faz com que alguns iniciantes brasileiros no aprendizado da lngua inglesa produzam de forma equivocada estes fones. comum a troca de [S], que ocorre na palavra think (do verbo pensar), por [s], o que resulta em sink (do verbo afundar), ou por [f], resultando em fink (fura-greve, informante etc.) O som [C] se realiza na produo da palavra inglesa this; alveolar: este termo refere-se aos alvolos, que so a base ssea que sustenta os dentes. Em fontica articulatria, a regio alveolar corresponde ao incio do palato duro, logo atrs dos dentes superiores. As consoantes alveolares so produzidas com a aproximao ou o toque da lngua nos alvolos. So consoantes alveolares: [s], [c], [r], [y], [m] e [k]. alveopalatal: o ponto alveopalatal, tambm chamado ps-alveolar, refere-se regio do palato duro logo atrs dos alvolos. As consoantes psalveolares so produzidas por meio da aproximao ou toque do dorso da lngua na parte anterior do palato duro, enquanto por entre esta regio passa a corrente de ar. So consoantes alveopalatais: [R] e [Y]; retroflexo: a nomenclatura dada a este ponto deve-se ao fato de a ponta lngua projetar-se para trs, criando uma rea retrofexa em que passa a corrente de ar durante a realizao da consoante. So retroflexas as consoantes: [], [], [], e []; palatal: o ponto de articulao denominado palatal corresponde regio do palato duro posterior alveopalatal. A realizao palatal ocorre com a aproximao ou contato do dorso da lngua nesse setor do palato duro. So consoantes palatais: [B], [b], [I], [K]; velar: este ponto refere-se ao vu palatino (ou palato mole), portanto todas as consoantes articuladas neste ponto so denominadas velares. A produo da consoante velar ocorre com a aproximao ou o toque da parte posterior da lngua ao palato mole. Correspondem a consoantes velares: [j], [f], [w], [M], e []; uvular: o nome deste ponto relaciona-se regio da vula. Os sons so produzidos com a aproximao ou o contato da lngua neste ponto. So consoantes uvulares: [p], [], [] e [x]; faringal: este ponto tem como localizao a faringe. So consoantes faringais: [] e [];

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glotal: este termo refere-se glote, o ponto de articulao mais posterior do aparelho fonador. Correspondem a consoantes glotais: [g], [] e [>].

3.1.2 Modos de articulao das consoantes O modo de articulao de uma consoante corresponde maneira como o seu som produzido, ou seja, uma descrio das alteraes sofridas pela corrente de ar no seu trajeto pelo trato vocal. Os modos de articulao indicam o grau e o tipo de estreitamento do trato por onde passa o fluxo de ar para a produo do som das consoantes, variando desde um fechamento completo at um trato vocal muito aberto. Abaixo esto descritos alguns dos modos de articulao das consoantes, que so citados no quadro do IPA: oclusivas: a produo de consoantes oclusivas (tambm chamadas plosivas) ocorre em duas fases: primeiro, produzida uma ocluso, ou seja, o trato vocal completamente bloqueado passagem de ar, por obstruo causada pela lngua ou pelos lbios na cavidade oral e pelo fechamento velofarngeo, impedindo a passagem de ar para a cavidade nasal, de modo a formar uma razovel presso de ar atrs do ponto de fechamento; em seguida, ocorre a fase plosiva da produo consonantal, quando a corrente de ar abruptamente liberada causando uma sensao auditiva semelhante a uma exploso. Isto acontece na produo das seguintes consoantes [o], [a], [s], [c], [j] e [f]; fricativas: as consoantes fricativas (ou contnuas) so produzidas pela canalizao da corrente de ar por uma estreita constrio formada num ponto do trato vocal e com o fechamento velofarngeo para impedir que o fluxo de ar escoe para a cavidade nasal. Dessa forma, com a passagem forada da corrente de ar atravs da estreita seo no ponto de articulao, ocorre uma forte agitao das partculas de ar com as paredes dos articuladores, resultando numa turbulncia que percebida como o som da consoante. So consoantes fricativas: [e], [u], [r], [y], [g], [R], [S] e [C]; africadas: este modo de articulao ocorre em duas fases: primeiro, realizada uma ocluso e, em seguida, a ocluso desfeita e ocorre um modo fricativo no mesmo ponto da ocluso. As africadas so tambm denominadas metstase retardada, pois tm duas fases contrastantes: uma primeira que oclusiva (no-contnua) e uma segunda fricativa (ou contnua). Na segunda fase, ento, criada uma turbulncia no trato vocal, de modo que a liberao da africada muito parecida com a fricativa produzida por um nico rgo. As africadas so representadas pela combinao dos dois sons que as compem. So exemplos de sons consonantais de africadas: [sR], [sr] e [cy]; nasais: as consoantes nasais so produzidas a partir da combinao de dois movimentos articulatrios: primeiro, h o movimento de lngua ou lbios para ocluso completa do trato oral; em seguida, acontece o abaixamento do vu palatino, liberando a passagem do ar atravs da cavidade nasal. O abaixamento do palato mole proporciona uma abertura denominada velofarngea (tambm chamada nasofaringe), que estabelece a conexo direta da

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faringe com a cavidade nasal. O evento oclusivo que ocorre no trato oral, durante a nasalizao, anlogo ao que acontece na articulao de [a], [c] e [f], pelo rpido movimento dos lbios ou lngua para obstruir completamente a passagem do ar. Por este motivo, alguns foneticistas classificam o modo nasal como oclusivo com caracterstica de nasalizao. So consoantes com qualidade sonora nasal: [l], [m] e [I]; lquidas: as consoantes lquidas so produzidas por meio de uma abertura bastante grande do trato vocal, de modo semelhante a algumas vogais, ocorrendo, entretanto, uma constrio em algum ponto. As lquidas so compostas pelas laterais e vibrantes. Nas lquidas vibrantes, o articulador mantm-se em movimento vibratrio, sustentado pela corrente de ar, enquanto durar a produo da consoante, como em: [q] e []. As lquidas laterais so produzidas com um abaixamento dos lados da lngua, por onde se d a passagem da corrente de ar pela a cavidade oral entre a lngua e as bochechas. As lquidas laterais podem subdividir-se em laterais fricativas e laterais aproximantes. So laterais fricativas: [J] e []. So exemplos de laterais aproximantes: [k], [], [K] e []; obstruintes: as consoantes obstruintes so definidas como todas aquelas que so produzidas com um grau maior de obstruo do trato vocal do que ocorre na produo de vogais e de semivogais. Assim, obstruintes representam a classe de sons constituda pelas consoantes oclusivas, fricativas e africadas. Existem, ainda, outras classificaes, que definem sons de consoantes, como: aproximantes: compreendem as lquidas e os glides; estridente: o som estridente marcado pelo forte rudo acstico, resultado da passagem do ar por uma superfcie spera. Os sons [e], [u], [r], [y], [R] e [sR] apresentam traos estridentes na sua produo; coronal: os sons coronais so realizados com a parte anterior (pice e/ou lmina) da lngua elevada em relao posio neutra. Este trao est associado apenas a consoantes; sibilante: sons sibilantes so aqueles cujo fluxo de ar cria uma turbulncia de alta frequncia. So consideradas consoantes sibilantes: [r], [y], [R] e [sR]; 3.1.3 Vozeamento das consoantes O vozeamento (antigamente chamado sonoridade) na classificao de consoantes refere-se ocorrncia ou no de movimento vibratrio das pregas vocais durante a produo do seu som. Nas consoantes vozeadas (antigamente denominadas sonoras), a vibrao das pregas vocais est presente; conforme podemos verificar tocando a parte anterior do pescoo, na regio da laringe, ao pronunciar a consoante vozeada [], por exemplo. As consoantes que no apresentam fonao vozeada durante a sua produo so denominadas desvozeadas (antigamente eram chamadas surdas). exemplo de consoante desvozeada: [r].

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No portugus brasileiro, as consoantes nasais, lquidas e glides so todas vozeadas. Durante a ocluso do trato oral para a produo das consoantes nasais, a vibrao realizada pela fonao se propaga atravs da abertura velofarngea (= nasofraringe) alcanando a cavidade nasal, at atravessar as narinas. Este som egresso das narinas recebe o nome de murmrio nasal. As consoantes oclusivas, fricativas e africadas podem ser classificadas em vozeadas ou desvozeadas, dependendo da vibrao ou no das pregas vocais no momento da sua produo. A consoante [p] do tipo oclusiva desvozeada, pois, at a abrupta liberao do ar contido na cavidade oral, ou seja, durante a produo completa da consoante em todas as suas fases, no h vibrao das pregas vocais. Entretanto, para a produo da consoante oclusiva [b], durante a fase de obstruo da passagem do ar, h vozeamento, portanto esta consoante denominada oclusiva vozeada. Nas consoantes oclusivas, durante a fase de ocluso, o fenmeno da vibrao permanece, emitindo pulsos para a cavidade oral, at que a presso supralarngea seja suficiente para encerrar a fonao a menos que, antes, ocorra a ploso (liberao da corrente de ar). A sensao vibratria irradiada do trato vocal durante a fase de ocluso denominada murmrio de constrio e tem intensidade menor do que o murmrio nasal das consoantes nasais. As consoantes africadas e fricativas podem ser vozeadas ou desvozeadas, como [s] (fricativa desvozeada) e [z] (fricativa vozeada). H consoantes que apresentam os pontos e modos de articulao idnticos, diferindo apenas no vozeamento, sendo estes pares de sons denominados cognatos de vozeamento, como [s] e [z], [p] e [b], [t] e [d]. A produo do som de uma consoante, portanto, pode ser descrita a partir do ponto e do modo de articulao do trato vocal e da ocorrncia ou no de vozeamento. Alguns desenhos esquemticos esto apresentados abaixo, como forma de ilustrar estes elementos descritivos da produo dos sons consonantais.

Figura 2

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3.2 Articulao de vogais

Como j dissemos, a articulao das vogais se d em funo dos formatos assumidos pela cavidade oral sem que haja nela qualquer obstruo ou constrio da corrente de ar. Estes formatos variam conforme a posio do corpo da lngua e dos lbios. Na descrio dos sons voclicos, utilizamos graus de altura e de anteriorizao do corpo da lngua, bem como a posio dos lbios para diferenciar os timbres de cada vogal. A seguir, veremos cada uma destas caractersticas da articulao voclica.

3.2.1 Altura Quanto altura, ou a variao da posio da lngua na dimenso vertical, o corpo da lngua pode estar em posio alta, com o dorso da lngua bem prximo ao palato duro ou com a parte posterior da lngua prxima ao palato mole; mdia, isto , na altura normal de repouso; ou baixa, com o dorso da lngua abaixado, medida que a mandbula se abaixa, abrindo a cavidade oral. Na articulao de [h] (cica), o dorso da lngua est alteado em direo ao palato duro. J em [t] (suco), a parte posterior da lngua est alteada em direo ao palato mole. Em [d] (cera), [D] (seta), [n] (poo) e [N] (posso), o dorso da lngua est em altura mdia. Pelo fato de a lngua estar mais alta em [d] e [n] do que em [D] e [N], utilizamos a denominao mdia-alta para [e] e [o] e a denominao mdia-baixa para [D] e [N]. Na produo da vogal [`], nota-se que a boca est mais aberta, pois a mandbula est mais baixa e, consequentemente, o dorso da lngua est em posio baixa.

3.2.2 Anteriorizao Quanto anteriorizao, ou variao da posio da lngua na dimenso horizontal, o corpo da lngua pode estar em posio anterior, central ou posterior. Em vogais como [h](cica), [d](cera) e [D](tela) (anteriores), a mandbula est projetada para frente e o corpo da lngua, igualmente projetado de forma a alinhar o seu ponto mais alto com o palato duro. Na pronncia de [`](gua) e de [?](gua) (centrais), a lngua est em posio central: nem anteriorizada, nem posteriorizada. Em [N](p), [n](soco), [t](suco) (posteriores), o corpo da lngua est em posio posteriorizada, isto , a mandbula est retrada e o central da lngua est alinhado com o palato mole. Observe o esquema a seguir, que mostra possibilidades de posicionamento da lngua que configuram uma srie de vogais. Confira, tambm, o quadro de vogais do Alfabeto Fontico Internacional (Figura 1).

Figura 3

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3.2.3 Arredondamento O arredondamento uma caracterstica descritiva dos lbios na produo de sons vogais. A vogal denominada arredondada se os lbios assumem esta configurao durante a sua produo e no-arredondada se este evento no acontece. Se compararmos o comportamento dos lbios na pronncia do [h] (cica) e do [t] (suco), notaremos que neste, os lbios esto arredondados, e naquele, estirados. Na descrio articulatria, portanto, dizemos que [h] uma vogal no arredondada e que [t] uma vogal arredondada. A articulao para a produo de uma vogal pode combinar qualquer configurao dos lbios com qualquer posio da lngua, entretanto cada lngua apresenta suas peculiaridades articulatrias. Na lngua inglesa, por exemplo, apenas as vogais posteriores so pronunciadas com os lbios avanados, enquanto somente as vogais anteriores so articuladas com o recuo dos lbios. Portanto, o falante da lngua inglesa, assim como o da portuguesa, considera difcil pronunciar vogais anteriores com os lbios avanados, como acontece no francs. Apresentamos alguns desenhos esquemticos a seguir, como forma de ilustrar estes elementos descritivos da produo dos sons das vogais.

Figura 4

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3.2.1 Articulao de ditongos As vogais so tambm chamadas de monotongos, significando que so sons produzidos por uma nica realizao vozeada e uma s configurao do trato vocal. Entretanto, existe uma outra classe de sons que tem relao com as vogais, pois so produzidos com o trato vocal relativamente aberto, mas cuja qualidade vocal muda consideravelmente durante a sua produo completa. Esta classe de sons denomina-se ditongo. O ditongo uma combinao de dois sons vogais que se realizam dinamicamente e em sequncia, de modo que o trato configura-se para produzir um primeiro som vogal e, durante a realizao, modifica-se para concluir produzindo um segundo som vogal. Um ditongo composto por um onglide + ncleo (ditongos crescentes, como em suave, [!rv`uH]) ou por um ncleo + offglide (ditongos decrescentes, como em pai [o`i]).

4. Co-articulao As classificaes articulatrias apresentadas corresponderam a anlises para realizaes discretas, isoladas, portanto representam modelos ideais de configurao do trato vocal para a produo dos sons. En tretanto, os sons isolados da fala so, na verdade, aproximaes do que realmente acontece quando o falante pronuncia uma slaba, uma palavra ou uma frase. As descries de configurao do conduto vocal para realizaes individuais ignoram os efeitos de contexto, quando um som ocorre em combinao com outro antecedente ou subsequente. A fala normalmente acontece como uma cadeia de sons produzidos de modo dinmico, de maneira que cada som individualmente pode perder algumas de suas caractersticas distintivas devido influncia deformante de um som sobre o outro, ou seja, por causa do fenmeno da co-articulao. Se tomarmos as descries de sons isolados como ideais de produo dos sons, a co-articulao resultar em desvios da fidelidade articulatria, pois as fronteiras entre os sons se confundem. A consoante [k], por exemplo, tipicamente velar na palavra casa , mas realiza-se de forma palatal na palavra quinho. Este fenmeno se deve ao fato de a articulao da vogal [a], em casa, e da vogal [i], em quinho, interferirem na consoante, antecipando o posicionamento da lngua. Outro fenmeno da co-articulao ainda observado na palavra quinho, porque, durante a sua produo normal, a vogal [i] sofre uma nasalizao exagerada devido abertura velofarngea antecipada por influncia de [I]. Na palavra susto a consoante [s] afetada pela vogal [u], forando um arredondamento dos lbios, o que no acontece na palavra sapo. Assim, percebese que os segmentos da fala interagem quando realizados em contexto com outros sons, e em decorrncia desta interao d-se a co-articulao. A co-articulao tem como consequncia um outro fenmeno importante: o ajuste temporal na fala. Um som da fala realizado isoladamente, em geral, demanda um tempo maior para sua produo do que quando este mesmo som est integrado num contexto. A taxa de velocidade de produo isolada das consoantes [p] e [s] e da vogal [i] menor do que quando estes mesmos sons

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ocorrem em psicologia. Tambm, quanto mais elementos sonoros estiverem integrados num momento de fala, menor ser o tempo de produo desses elementos, mesmo que o falante tente executar o momento numa taxa de velocidade constante. Assim, por exemplo, os segmentos da palavra varivel so realizados mais lentamente do que na palavra invarivel e, mais ainda, na palavra invariavelmente. tambm consequncia da co-articulao, o tempo maior de durao para uma vogal que antecede uma consoante sonora, em relao a uma consoante surda. Desse modo, a vogal [a] da palavra cabo tem tempo maior de durao, se comparado com a mesma vogal na palavra capo.

_________________ Notas Na terminologia tradicional, em vez de (on)glide e (off)glide, utiliza-se semivogal. Optamos pelo termo glide, pois estes sons possuem caractersticas ambguas articulatoriamente so sons vogais, porm funcionalmente agem como consoantes. Parece-nos, portanto, pouco prtico (e pouco coerente) utilizar a nomenclatura da escola francesa, que nos d os termos semivogal e semiconsoante.

Adaptado a partir de BRAID (2003)

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TRANSCRIO FONTICA

Alfabeto Fontico Internacional

Na pgina 27, temos os dois principais quadros do IPA: o quadro de consoantes pulmnicas e o trapzio voclico para a sua referncia.

Como utilizar a fonte fontica em seu computador

H, atualmente diversas fontes fonticas disponveis para o uso em processadores de texto. H diferentes formatos de tipos serifados e no serifados, tanto gratuitos como pagos. Sugerimos o uso das fontes da famlia IPA Sam, disponvel gratuitamente no site da University College London. O endereo da pgina de downloads http://www.phon.ucl.ac.uk/home/wells/fonts.htm Nesta pgina, pode-se escolher a fonte que se quer baixar ou baixar um arquivo executvel que instala automaticamente as trs fontes no computador. As trs fontes do pacote so: - Ipa-samd Uclphon1 SILDoulosL, semelhante fonte Times New Roman; - Ipa-samm Uclphon1 SILManuscript, semelhante fonte Courier New e - Ipa-sams Uclphon1 SILSophiaL, semelhante fonte Arial. O endereo que aponta diretamente para este arquivo executvel contendo as trs fontes http://www.phon.ucl.ac.uk/home/wells/IPASAMFonts.exe A seguir, indicamos como digitar transcries fonticas com as fontes da famlia IPA-Sam. Ao contrrio de outras fontes antigamente disponveis como as SIL IPA 93, por exemplo, as fontes IPA-Sam so bem intuitivas em seu uso, possibilitando uma digitao muito mais facilitada, sem a necessidade de se recorrer funo Inserir smbolo do editor de textos. Os smbolos utilizados correspondem, em sua maioria, s prprias letras do teclado, digitadas com ou sem pressionar a tecla Shift. Vejamos os smbolos e sua digitao:

Smbolo fontico Zo\ Za\

Tecla(s) a pressionar P B

Digitando... p b

Aparecer... o a

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Zs\ Zc\ Zj\ Zf\ Zl\ Zm\ ZI\ Ze\ Zu\ Zr\ Zy\ ZR\ ZY\ ZsR\ ZcY\ Zg\ Z\ Z3\ Zv\ Zi\ Zk\ ZK\ Z>\ Zb\ Z\ Zw\ ZF\ ZE\ ZM\ Zq\ Z\ Zh\ Zd\ ZD\ Z`\ ZN\ Zn\ Zt\ ZH\ Z5\ ZT\ Z?\

T D K G M N Shift+J F V S Z Shift+S Shift+Z T, Shift+S D, Shift+Z H Alt+377 4 W J L Shift+L ? C Alt+352 X Shift+G Shift+F Shift+N R Alt+30 ou AltGr+2 I E Shift+E A Shift+O O U Shift+I 6 Shift+U Shift+2

t d k g m n J f v s z S Z tS dZ h Alt+377 4 w j l L ? c x G F N r Alt+30 ou AltGr+2 i e E a O o u I 6 U @

s c j f l m I e u r y R Y sR cY g 3 v i k K > b w F E M q nt h d D ` N n t H 5 T ?

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Smbolos fonticos utilizados na transcrio do portugus brasileiro (nfase na variedade carioca) CONSOANTES Zo+a+s+c+j+f+b++l+E+m+3+e+u+r+y+R+Y+sR+cY+g++w+F+q++v+i+k+K+I+>+M\

oa

sc

jf

lmI

eu

ry

RY

sRcY

g

3vikK

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b

wF

EM

qVOGAIS [h+d+D+`+N+n+t+

H+5+T+

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