FLIGSTEIN, Neil. Mercado como política-cultural
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Texto: FLIGSTEIN, Neil. Mercado como política: uma abordagem político-cultural das instituições de mercado. Contemporaneidade e Educação. Ano VI, nº 9, 1° sem/2001b, p. 26-55.
MERCADO COMO POLÍTICA: UMA ABORDAGEM POLÍTICO-CULTURAL DAS
INSTITUIÇOES DE MERCADO
Neil Fligstein1
RESUMO: Utilizo a metáfora "mercado como política" para criar uma visão
sociológica da ação no mercado. Desenvolvo uma visão conceitual das instituições
sociais que constituem o mercado, discuto um modelo sociológico de ação na qual
os participantes do mercado tentam criar mundos estáveis e encontrar soluções
sociais para a concorrência e como o mercado e o Estado estão intimamente
ligados. A partir dessas bases, crio proposições sobre como funciona a política nos
mercados durante os seus diversos estágios de desenvolvimento - formação,
estabilidade e transformação. Durante a formação dos mercados, quando os atores
nas empresas estão tentando criar uma hierarquia de status que assegure formas
não-competitivas de concorrência, a ação política se assemelha a movimentos
sociais. Nos mercados estáveis, as empresas estabelecidas defendem suas
posições contra concorrentes e empresas Invasoras. Durante os períodos de
transformação do mercado, empresas invasoras podem reintroduzir condições mais
fluídas de mobilização social.
PALAVRAS-CHAVE: Mercado, Política, Economia, Empresas, Atores, Concorrência.
Grande parte dos principais insights da sociologia do mercado estruturarem-
se como reações às visões econômicas neoclássicas sobre seu funcionamento.
White (1981) sugeriu que mercados de produção estáveis só eram possíveis se os
atores levassem em conta reciprocamente seus comportamentos, ao contrário da
suposição básica da visão econômica neoclássica que enfatiza o anonimato dos
atores. Granovetter (1985) estendeu esse argumento, sugerindo que todas as
formas de interação econômica eram centradas nas relações sociais, o que ele
1 Professor de Sociologia na Universidade da Califórnia, Berkeley
chamou de inserção social dos mercados. Vários acadêmicos apresentaram
evidências de que a inserção social do mercado produzia efeitos que os modelos
econômicos não poderiam prever (Burt,1983; Zelizar,1983; Baker,1984; Rigstein,
1990).
A literatura empírica não conseguiu tornar clara a natureza precisa da
inserção social dos mercados. Granovetter (1985) argumentou que as relações em
rede seriam o constructo mais importante. Burt (1983) propôs que as redes
substituíssem a dependência dos recursos. Podolny (1993) utilizou as redes como
causa e consequência da criação de uma hierarquia de status. Fligstein (1990) e
Fligstein e Brantley (1992) argumentaram que as relações sociais internas e
externas à empresa e suas relações mais formais com o Estado são determinantes
para entender a emergência de mercados estáveis. Campbell e Lindberg (1990) e
Campbell, Hollingsworth e Lindberg (1991) desenvolveram uma abordagem
26
similar e enfocaram a emergência do que chamaram estruturas de governança nas
indústrias. A teoria institucional na literatura organizacional defendeu que os
empreendedores institucionais criam novos arranjos sociais em campos
organizacionais com a ajuda de poderosos interesses organizados, tanto dentro
como fora do Estado (DiMaggio, 1989; DiMaggio e Powell, 1991),
Essas últimas perspectivas têm sido apoiadas por estudos em organização
industrial comparativa (Hamilton e Biggart, 1988; Chandler, 1990; Gerlach, 1992)
que revelam como as interações entre Estado e empresa em diferentes sociedades
produziram culturas de produção únicas. Os países industrializados não estão
convergindo para uma única forma (Fligstein e Freeland, 1995). Ao contrário, uma
pluralidade de relações sociais tem sido observada, estruturando mercados dentro e
através de sociedades. Essas observações desafiaram a visão dos economistas
neoclássicos de que os mercados selecionam formas eficientes que, ao longo do
tempo, convergiriam para uma forma única2.
2 A economia financeira, a teoria da agência e a teoria dos ciclos de transação são tentativas de
especificar a forma como as relações sociais maximizadoras de lucro se desenvolvem até orientar as empresas e as indústrias. Alguns autores argumentam que todas as empresas, em todos os mercados (definidos em termos de produto ou de área geográfica), convergirão em última instância (Jensen, 1 080), enquanto outros reconhecem que relações sociais pré-existentes poderiam prover
Para fazer avançar essa discussão, os sociólogos devem ir além da simples
enumeração das deficiências do paradigma neoclássico. Assim, neste artigo,
começo a estruturar uma nova visão a partir da literatura existente. A questão
principal as estruturas sociais dos mercados e a organização interna das empresas
são melhor apreendidas quando tomadas como tentativas de atenuar os efeitos da
concorrência com outras empresas. Esboço uma abordagem político-cultural e uso a
metáfora "mercado como política" para discutir como essas estruturas sociais se
tornem realidade, produzem mundos estáveis e se transformam.
Há nesta metáfora duas dimensões. A primeira é a de que a formação do
mercado faz parte da formação do Estado. Os Estados modernos de economia
capitalista criaram as condições institucionais para que os mercados se tornassem
estáveis. Identifico quais instituições estão em jogo e vejo sua construção como
projetos políticos empreendidos por atores poderosos. Grandes crises societais
como guerras, depressões ou a entrada de uma nação no desenvolvimento moderno
são determinantes para entender o progresso econômico de uma sociedade. Uma
vez estabelecidas, essas "regras" de construção dos mercados e de intervenção nos
mesmos, são chaves para a compreensão de como os novos mercados se
desenvolvem numa sociedade.
Em segundo lugar, argumento que os processos internos ao mercado
refletem dois tipos de projetos políticos: lutas de poder no interior das empresas
27
e entre as empresas, objetivando o controle do mercado (White, 1992). As lutas de
poder internas se dão em torno de quem controlará a organização, como esta se
organizará e como as situações serão analisadas e resolvidas. Os vencedores das
lutas internas de poder serão os que possuírem uma visão convincente de como
fazer a empresa funcionar internamente e como interagir com os principais
concorrentes. Utilizo a metáfora de "movimento social" para caracterizar a ação nos
mercados durante sua criação ou durante crises.
alguma eficiência adicional (Williamson, 1985, 1991). A teoria evolucionista (Nelson e Winter, 1982) e os argumentos do tipo path dependence (Arthur, 1989) podem ser usados de modo semelhante para dar conta da dinâmica real dos mercados.
A produção de instituições de mercado pode ser considerada um projeto
cultural de diferentes maneiras. Direitos e propriedade, estruturas e governança,
concepções de controle e regras de troca são as instituições necessárias para
construir um mercado. Mundos econômicos são mundos sociais. Atores engajam-se
em ações políticas vis-à-vis outros atores, construindo culturas locais para guiar
essa interação (Geertz, 1983).
Um propósito importante deste artigo é comparar as versões da sociologia
econômica que enfatizam as instituições, com as que enfatizam as redes e a
ecologia populacional. Emprego a metáfora "mercado como política" como o
constructo unificador que focaliza a forma como as estruturas sociais são produzidas
para controlar a concorrência e organizar a empresa. Minha abordagem combina
características chave das outras perspectivas, mas preenche lacunas dessas teorias
que considero importantes. Na literatura sobre organizações, a teoria institucional
detém-se sobre a construção de regras, mas falta-lhe uma aborda em da política e
da agência. As redes estão no cerne dos mercados até o ponto em que refletem
relações sociais entre os atores. A principal limitação das abordagens baseadas no
conceito de redes é que elas são estruturas sociais esparsas, sendo difícil perceber
como podem dar conta do que observamos nos mercados. Dito de outra forma,
essas abordagens não têm um modelo de política, nem pré-condições sociais para
as instituições econômicas em questão e tampouco, apresentam uma maneira de
conceitualizar como os atores constroem seus mundos (Powell e Smith Doerr, 1994).
A ecologia populacional tem geralmente tomado a existência de nichos de mercado
como um dado. O que pareceria antiético em relação a uma abordagem mais afeita
à ideia de construção social. Hannah e Freeman (1985), no entanto, argumentaram
que os nichos são construções sociais e políticas, além de discutirem como formam
as fronteiras entre eles. Eu aperfeiçoo esta perspectiva, mas o faço com um modelo
político mais explícito.
Instituições de mercado: algumas definições
Meu foco recai sobre a organização dos mercados modernos de produção
(White, 1981). Os mercados se referem a situações em que bens ou serviços são
vendidos a clientes por um preço pago em dinheiro (um meio de
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troca generalizado). O primeiro problema no sentido de desenvolver uma sociologia
dos mercados é apresentar teoricamente as condições sociais necessárias como
precondições para a existência de tais mercados. Instituições referem-se a regras
compartilhas, que podem ser leis ou entendimentos coletivos, mantidos pelo
costume, por um acordo explícito ou implícito. São essas instituições - que podem
ser chamadas de direitos de propriedade, estruturas de governança, concepções de
controle e regras de troca - que permitem que os atores no mercado se organizem
para competir, cooperar e trocar.
Direitos de propriedade são relações sociais que definem quem pode
reivindicar os lucros das empresas, como o que os teóricos da agência3 denominam
"reivindicações residuais do fluxo de dinheiro livre das empresas" (Jensen e
Mec1ing, 1-974; Fama, 1980). Isso deixa em aberto questões que dizem respeito a
formas legais; as relações entre os acionistas e empregados, comunidades locais,
fornecedores e consumidores; e ao papel do Estado em orientar o investimento,
possuir empresas e proteger os trabalhadores. Ao contrário dos teóricos de agência,
eu argumento que a constituição dos direitos de propriedade é um processo político
contínuo e contestável, e não o resultado de um processo eficiente (Roe, 1994).
Grupos organizados de empresários, trabalhadores, agências governamentais e
partidos políticos tentarão afetar a constituição desses direitos de propriedade.
Estruturas de governança referem-se às leis gerais de uma sociedade que
delimitam as relações de concorrência, cooperação e definições específicas do
mercado a respeito de como as empresas devem se organizar. Essas regras
estabelecem formas legais e ilegais de como as empresas podem controlar a
concorrência e apresentam-se sob duas formas: (1) leis e (2) práticas institucionais
informais.
As leis, denominadas leis antitruste, de competição ou leis anticartel, existem
em todas as sociedades industriais avançadas. Sua aprovação, aplicação e a
interpretação judicial é contestável (Fligstein, 1990) e seu conteúdo varia bastante
através das sociedades, desde aquelas leis que permitem a cooperação ou fusão
entre concorrentes, até aquelas que buscam assegurar a concorrência.
3 NT. O termo se refere à agência encarregada das negociações entre sindicatos e empregadores.
As sociedades de mercado também desenvolvem práticas institucionais mais
informais que estão presentes nas organizações sob a forma de rotinas e
disponíveis para os atores em outras organizações. Alguns dos mecanismos de
transmissão destas práticas podem ser associações profissionais, consultores e
intercâmbio de executivos (DiMaggio e Powell, 1983). Essas práticas informais
incluem como organizar o trabalho (a forma multidivisional), como
29
escrever contratos de trabalho e de gerência e onde definir as fronteiras da
empresa. Abrangem também visões correntes do que constitui comportamentos
legais e ilegais das empresas.
O propósito da ação em um dado mercado é criar, e manter mundos estáveis
no interior e através das empresas, o que Ihes permite a sobrevivência. Concepções
de controle dizem respeito aos entendimentos que estruturam percepções sobre
como funciona um mercado, permitindo que os atores interpretem seu mundo e ajam
no sentido de controlar as situações. Uma concepção de controle é simultaneamente
uma visão de mundo que permite aos atores interpretar as ações de outros atores e
um reflexo da forma como o mercado está estruturado. As concepções de controle
refletem os acordos entre atores da empresa que são específicos aos mercados, a
respeito de princípios de organização interna (ou seja, formas de hierarquia), táticas
de competição e cooperação, e a hierarquia ou a ordem de status das empresas
num dado mercado. Uma concepção de controle pode ser pensada como uma forma
de "saber local" (Geertz, 1980). O Estado deve ratificar, ajudar a criar ou, no mínimo,
não se opor à concepção de controle.
As regras de troca definem quem pode negociar com quem e as condições
nas quais tais negociações são levadas a diante. As regras devem ser estabelecidas
com relação ao transporte, cobrança, seguro, circulação de dinheiro (isto é, bancos)
e à garantia dos contratos. Tais regras tornam-se ainda mais importantes em
transações entre sociedades. Do mesmo modo que nos direitos de propriedade, nas
estruturas de governança e nas concepções de controle, o Estado é essencial para
a criação e a garantia das regras de troca.
O modelo de ação
A questão principal da perspectiva que proponho é que há dois tipos de fontes
potenciais de instabilidade nos mercados: (1) a tendência das empresas a competir
entre si, reduzindo os preços e (2) o problema de manter a empresa unida como
uma coalizão política (March, 1961). Os atores do mercado tentam controlar ambas
as fontes de instabilidade a fim de promover a sobrevivência de suas empresas. O
objetivo de uma concepção de controle é estabelecer entendimentos sociais através
dos quais as empresas possam evitar uma concorrência de preço direta e resolver
seus problemas políticos internos4. Esses problemas estão relacionados e a solução
para um será parte da solução para o outro.
O potencial que a concorrência de preços tem para minar as estruturas do
mercado está sempre presente. Mercados estáveis podem durar por poucos
30
anos ou por décadas. Em alguns mercados competitivos clássicos, tais como
restaurantes e barbearias, a estabilidade nunca emergiu. Até mesmo neles, os
atores tentam diferenciar seus produtos a fim de formar nichos para se protegerem
da concorrência de preços (como, por exemplo, os restaurantes que servem a cara
cuisine californiana). O que reivindico não é que os atores nas empresas sejam
sempre bem sucedidos na criação de refúgios estáveis para a concorrência de
preço, mas sim que a política dos mercados e a organização social dos mercados
envolvem tentativas para tanto.
Os atores de mercado habitam um mundo obscuro em que nunca está claro
quais ações terão quais consequências. No entanto, eles devem dar conta do
mundo de forma a interpretar essa obscuridade, motivando e determinando os
rumos da ação justificando-a. Nos mercados, o objetivo da ação é assegurar a
sobrevivência da empresa. Nenhum ator pode determinar que comportamentos
maximizarão os lucros (nem a priori ou post hoc). A ação é, portanto, direcionada no
sentido da criação de mundos estáveis.
4 No modelo de White (1981), isto é feito pelas empresas que prestam atenção ao preço uma das
outras e ao comportamento da produção para, então, decidir diferenciar seus produtos dos de seus competidores.
As questões de organização interna giram em torno da produção de relações
sociais estáveis (reproduzíveis). A luta de poder intraorganizacional é uma questão
de atores dentro da organização reivindicando a solução dos problemas
organizacionais "críticos" (March, 1961; Pfeffer, 1981). Os atores necessitam de uma
visão coerente da organização que Ihes permita simplificar os processos de tomada
de decisões. Os atores que convencem ou derrotam os demais serão capazes de
definir, analisar e resolver os problemas nos seus próprios termos. Eles também
serão os líderes da organização (Fligstein, 1987). Uma vez estabelecida, a
concepção de controle específica da empresa opera como uma cultura corporativa.
Quais são algumas das estratégias mais comuns, dentre aquelas orientadas
pelos concorrentes, usadas para controlar á concorrência de preços? Os atores
frequentemente tentam cooperar com os concorrentes a fim de dividir os mercados.
Cartéis, controle de preços, a criação de barreiras de entrada, limitação da
produção, patentes, acordos de Iicenciamento e uso compartilhado de unidades
produtivas são táticas que as empresas utilizam com este objetivo. Uma outra tática
é o envolvimento do Estado na produção de leis de regulação ou proteção que
aumentem as chances de sobrevivência da empresa.
Os atores utilizam simultaneamente dois princípios internos e organização
para controlar a competição indiretamente: (1) integração e (2) diversificação, o que
é frequentemente acompanhado pela produção de múltiplas divisões na
organização. A integração pode ser vertical (a fusão de fornecedores ou
consumidores) ou horizontal (a fusão com concorrentes). A integração vertical
impede os demais de ameaçar investimentos e produtos valorizados. A integração
ou fusão de grande parte de uma indústria significa que poucas
31
empresas podem controlar o mercado, admitindo-se tacitamente que uma não
ameaçará a posição da outra através de uma guerra de preços. Com frequência,
elas anunciam publicamente as decisões sobre preço e produção para que as outras
empresas possam acompanhá-Ias.
Diversificação implica entrar em novos mercados para aumentar a
probabilidade de sobrevivência da empresa. Começa com a diferenciação de um
único produto na base de qualidade ou preço (White, 1981). Até o ponto em que as
empresas não estão competindo porque seus produtos são diferentes, a
concorrência de preços não ameaçará a existência da empresa5. Através da
diversificação, a empresa pode reduzir sua dependência em relação a um produto
específico, e daí aumentar a sua probabilidade de sobrevivência. Isto permite que a
empresa cresça, o que aumenta também a sua estabilidade. As empresas procuram
novos mercados porque o primeiro a conquistá-Ios pode auferir maiores lucros. Tais
lucros ajudam a empresa a se estabilizar. Se os mercados não conseguirem
materializar-se, ou se as condições do mercado se deteriorarem, uma empresa
diversificada pode abandonar um mercado falido sem ameaçar o grupo corporativo
como um todo. A diversificação de produtos introduz problemas de controle interno e
ás atores reorganizam-se constantemente através de variações da holding company
e da forma multidivisional (Fligstein, 1985; Prechel, 1994).
As ações para controlar a concorrência podem ser pensadas como uma caixa
de ferramentas cultural (Swidler, 1986). Os atores estão preparados para fazer uso
do que for possível, e trabalhar na busca de uma situação de mercado mais estável.
Desta forma, as concepções de controle são soluções baseadas no pragmatismo da
experiência (Padgett e Ansell, 1992).
As concepções de controle referem-se a concepções culturais mais amplas
nas quais essas táticas de "caixa de ferramentas" estão inseridas. Atores em dois
mercados diferentes podem usar a diversificação da produção, mas um poderia
visualizá-la como uma diversificação do portfólio financeiro (uma perspectiva
financeira), enquanto o outro como significando uma linha completa de produtos
(uma perspectiva de marketing) (Fligstein, 1990). As concepções de controle
também permitem que os atores interpretem o que um movimento estratégico
particular de seus concorrentes pode significar.
Os atores se atêm à concepção que acreditam funcionar. Decorrido algum
tempo, outros reconhecerão conjuntos decisivos de fatores e começarão a imitá-los.
Mas esses fatores são raramente articulados antes do fato; tornam-se
32
5 O modelo de White (1981) é multo parecido com o que os teóricos da ecologia populacional
chamariam de empresas procurando criar um "nicho". A busca por um nicho é uma tentativa de evitar a concorrência direta através da diferenciação do seu produto em relação aos dos seus concorrentes.
aceitos ou de conhecimento comum só após conseguirem produzir estabilidade para
algumas empresas. Tais táticas e concepções criam representações culturais que
podem ser usadas repetidamente a fim de justificar uma ação ou produzir uma nova.
State-building como market-building
Uma implicação da metáfora "mercado como política" é que o Estado
desempenha um papel importante na construção das instituições de mercado. Por
que o Estado é tão importante? As organizações, os grupos e as instituições que
compreendem o Estado na sociedade capitalista moderna reivindicam que se faça
assegurar as leis que regulamentam a interação econômica numa dada área
geográfica (Krasner, 1988)6. As empresas capitalistas não poderiam operar sem um
conjunto de regras coletivas regulamentando a interação. Enquanto a maior parte
das discussões modernas acerca do state-building enfocaram o welfare e o warfare,
os Estados capitalistas modernos foram construídos em interação com o
desenvolvimento das suas economias, assim como as estruturas de governança
destas economias estão no cerne do state-building (Fligstein, 1990; Hooks, 1990;
Campbell et aI., 1991; Dobbin, 1994; Evans, 1995)7.
Os direitos de propriedade, as estruturas de governança e as regras de troca
são arenas nas quais os Estados modernos estabelecem regras para os atores
econômicos. O Estado fornece as condições estáveis e confiáveis nas quais as
empresas se organizam, competem, cooperam e trocam. A aplicação dessas leis
afeta a definição das concepções de controle que podem produzir mercados
estáveis. Há disputas políticas a respeito do conteúdo das leis, de sua aplicabilidade
para certas empresas e mercados, e da extensão e direção da intervenção do
Estado na economia. Tais leis nunca são neutras, pois favorecem certos grupos de
empresas.
6 Pode-se argumentar que também se desenvolvem mercados de bens ilegais, o que nega os
argumentos sobre o papel do Estado no desenvolvimento dos mercados. Minha opinião é que os mercados ilegais também dependem do Estado de várias maneiras. Por exemplo, mercados ilegais utilizam bastante dos canais comerciais estabelecidos previamente por mercados legais (por exemplo, transporte e banco). A definição de um mercado como sendo ilegal diz muito sobre a forma como está provavelmente organizado. Portanto, a concepção de controle que governa os mercados ilegais não é ratificada pelo Estado, mas é uma reação contra ele. 7 Grande parte dessa discussão é inspirada na literatura recente em Ciência Política que se define
como institucionalismo histórico (March e Olsen, 1989; Hall, 1989; Steinmo, Thelen e Longstreth, 1992).
Argumento ser provável que o Estado é importante para a formação e
manutenção da estabilidade dos mercados. Como e em que grau, é uma questão de
contexto. Alguns Estados têm mais capacidade de intervenção que outros
33
e a probabilidade de fazê-lo depende da natureza da situação e de suas histórias
institucionais (Evans, Skocpol e Rueschmeyer, 1985; Laumann e Knoke, 1989)8.
Os direitos de propriedade definem a relação entre uma elite econômica e o
Estado. As elites empresariais lutam para que o Estado não seja um Estado-
empresário, mais querem que lhes assegure os direitos de propriedade. Os Estados
diferem com relação a suas regras de cooperação e competição: alguns permitem
uma ampla cooperação entre as empresas, particularmente nos mercados de
exportação (por exemplo, Alemanha), enquanto outros restringem-na a indústrias
similares (por exemplo, Estados Unidos). Todos os Estados restringem a competição
de alguma forma, ao não permitir certas formas de concorrência predatória ou ao
restringir o ingresso de certas indústrias usando barreiras de comércio (tarifárias ou
não) e instrumentos de regulação. Os processos políticos que geram tais regras
refletem frequentemente os interesses organizados de um dado conjunto de
empresas num mercado. Uma boa hipótese de trabalho seria que uma maneira de
produzir mercados estáveis é fazer com que o Estado intervenha a fim de restringir a
concorrência. Essa é uma estratégia "normal" da empresa.
Uma importante dimensão do envolvimento do Estado nos mercados é
capturada pela distinção entre intervenção direta e regulação. Os Estados
intervencionistas (por exemplo, França) se envolvem na tomada de decisões
substantivas em vários mercados. Podem possuir empresas, direcionar o
investimento e regular intensamente a entrada, a saída e a competição nos
mercados. Já os Estados reguladores (por exemplo, Estados Unidos) criam
agências para fazer cumprir as regras gerais nos mercados, mas não decidem quem
pode possuir o quê e como os investimentos são feitos. Ambas as estratégias de
intervenção podem ser capturadas pelas empresas. Os Estados podem,
8 Essa perspectiva não implica que o Estado seja determinante para cada processo econômico.
Mesmo em sociedades onde o Estado possui um histórico de intervenção, o envolvimento é variável, bem como seus eleitos. O papel do Estado depende de qual mercado está sendo discutido e das condições nele correntes ou em outros relacionados.
intencionalmente ou não, modificar o status quo de um dado mercado ao mudar
suas regras.
Sugiro a seguir, algumas proposições sobre a interação entre Estado e outros
grupos sociais organizados sob diferentes condições sociais. Essas proposições
implicam agendas de pesquisa que foram apenas parcialmente exploradas.
1ª proposição: A entrada de países na ordem capitalista força os Estados a
desenvolver regras de direito de propriedade, estruturas de governança e regras de
troca para estabilizar o mercado para as empresas maiores.
O ritmo da inserção dos países na ordem capitalista teve um grande efeito
nas trajetórias das sociedades (Westney, 1980; Chandler, 1990; Fligstein, 1990;
Dobbin, 1994). Para os países que estão ainda estabelecendo mercados
34
capitalistas modernos, a criação de concepções de controle estáveis torna-se mais
difícil visto que os direitos de propriedade, as estruturas de governança e as regras
de troca ainda não se encontram bem especificadas. As empresas ficam expostas
aos riscos da concorrência predatória e demandam que o Estado estabeleça regras
sobre os direitos de propriedade, estruturas de governança e regras de troca. Criar
estas instituições requer a interação das empresas, dos partidos políticos, Estados e
concepções novas de regulação.
2ª proposição: As instituições reguladoras iniciais dão forma ao desenvolvimento de
novos mercados porque produzem um padrão cultural que afeta a forma de
organização.
A forma dessas instituições reguladoras iniciais produz um efeito profundo no
desenvolvimento capitalista subsequente. De fato, qualquer novo mercado assim o
faz sob um dado conjunto de instituições. Pode-se observar que conforme os países
sé industrializam, a demanda por leis e acordos asseguráveis é alta e que, uma vez
produzidos, tornam-se estáveis e a demanda por leis diminui.
Novas regras são criadas no contexto das antigas conforme novas indústrias
emergem ou antigas se transformam. Dobbin (1994) afirmou que as sociedades
criam "estilos regulatórios", estilos estes que estão inseridos nas organizações
regulatórias e nos estatutos que Ihes dão sustentação. As novas regras seguem os
contornos elas antigas. O Estado é muitas vezes o foco das crises do mercado,
porém os atores continuam usando um conjunto de leis e práticas existentes para
resolvê-Ias.
3ª proposição: Os atores do Estado estão sempre se defrontando com alguma crise
no mercado. Isto se dá porque o mercado está sempre sendo organizado ou
desestabilizado, e as empresas pressionam sempre por uma intervenção estatal.
Em tempos normais, a mudança no mercado é paulatina e depende da
construção de interesses dos atores dentro e em torno do Estado9. Ter regras
estáveis é com frequência mais importante do que o próprio conteúdo das leis.
Entretanto, as regras de fato incorporam os interesses dos grupos dominantes, e os
atores do Estado não transformarão as regras intencionalmente ao menos que os
grupos dominantes estejam em crise. Por seu papel central na criação e
manutenção das instituições de mercado, o Estado se tornará o foco da crise em
qualquer mercado importante. Devido ao tumulto constante inerente aos mercados,
pode-se esperar que o Estado esteja constantemente esperando algum tipo de crise
do mercado.
35
A pressão nos Estados pode ter origem em duas fontes: outros Estados (e,
consequentemente, de suas empresas) e mercados existentes que podem ser
construídos localmente (dentro da geografia do Estado) ou globalmente (através dos
Estados). Conforme vem crescendo a interdependência econômica entre os
Estados, houve uma explosão de acordos entre eles sobre direitos de propriedade,
estruturas de governança e regras de troca.
4ª proposição: As leis e práticas aceitas refletem frequentemente os interesses das
forças mais organizadas na sociedade. Esses grupos apoiam uma transformação
9 O propósito aqui não é desenvolver uma teoria das formas do Estado, mas apenas apontar sua
influência potencial sobre a formação dos mercados através de seu poder para fazer as regras que governam todas as formas de atividade social numa dada área geográfica.
profunda das instituições apenas em circunstâncias de crise como guerra,
depressão ou colapso do Estado.
A possibilidade de transformação ocorre quando as regras falham na
economia em geral. As guerras, a depressão e uma possível competição econômica
internacional podem minar os amplos acordos da sociedade. As grandes crises
econômicas produzirão demandas políticas por mudanças nas regras.
Essas proposições iluminam os tipos de problemas com que se confrontam os
países de capitalismo tardio no leste europeu. A existência de uma organização
internacional dos mercados significa que as empresas atuando em mercados
produtores desenvolvidos tendem a invadir essas sociedades e assumir os
mercados produtores locais. Além disso, existem poucas instituições de mercado
como direitos de propriedade, estruturas de governança ou regras de troca para
guiar os atores em novas empresas (Stark, 1992, 1996; Burawoy e Krotov, 1992).
É interessante considerar o caso da Hungria. Stark (1992, 1996) descobriu
que neste país os atores de Estado transformaram estatais em corporações. O
governo detém um volume de ações nessas corporações, embora o controle
aparentemente tenha sido entregue aos seus dirigentes. Eventualmente, os atores
de Estado parecem dispostos a vender as empresas aos grupos privados.
Desenvolveram-se padrões complicados de participação acionária pelos quais o
Estado passou a deter o poder total sobre algumas empresas e parcial sobre outras.
O que é particularmente interessante é a forma como os dirigentes responderam ao
problema da concorrência.
Stark (1996) dá conta de que os gerentes reorganizaram as empresas criando
estruturas complexas nas quais as maiores incorporam as menores, através de
participação acionária. As empresas lançaram mão de duas táticas. Primeiro,
obtiveram participação majoritária em empresas de produtos similares, e tentaram
controlar tanto os insumos quanto a produção. Em segundo, grupos de empresas
com produtos relacionados ou não, se juntaram. Estas duas táticas, integração e
diversificação, foram mencionadas anteriormente como sendo usadas pelas
empresas para evitar a concorrência direta.
Alguns problemas foram gerados por esta combinação particular entre direitos
de propriedade e concepções de controle nascentes. Os atores de
36
Estado recentemente forçaram a adoção de padrões ocidentais de contabilidade
para atrair o investimento ocidental, o que acarretou várias falências (Stark, 1996).
Como resultado, o Estado é pressionado a amparar as empresas. Além disso, o
Estado é um acionista, e ao tornar a sua situação financeira mais precária, fica mais
difícil apelar aos investidores ocidentais. Não está claro se a integração e a
diversificação produzirão resultados estáveis. O problema é que essas estratégias
talvez possam não ser capazes de fazer frente à invasão de empresas ocidentais,
particularmente devido aos problemas financeiros que enfrentam.
Embora minha abordagem não permita antecipar como será o desfecho
dessas transformações no leste europeu, ela pode sugerir como esses processos
devem ser analisados. Pode-se começar pela localização de um conjunto de
mudanças nas políticas referentes aos direitos de propriedade, nas estruturas de
governança ou nas regras de troca e, posteriormente, descobrir como essas
políticas reestruturam as relações sociais nos mercados. Isso incluiria detectar as
concepções de controle emergentes e se elas produzem ou não resultados
satisfatórios para as empresas. Se as empresas fracassarem, haverá demandas por
novas mudanças institucionais.
Uma provável objeção ao meu enfoque sobre o Estado é que ele deixa de
lado o fato de que a economia mundial é agora verdadeiramente global. Acredito
porém que esta abordagem centrada no Estado é bastante útil à análise dos
chamados mercados globais. Um mercado é "globalizado" caso haja um pequeno
número de participantes que se conheça e opere através dos países com uma
concepção de controle comum. As empresas produtoras de automóveis,
computadores, softwares e as farmacêuticas talvez se encaixem nessa definição. A
emergência desses mercados depende da cooperação entre empresas e Estado
para produzir regras de troca e fornecer garantias de que as empresas possam
competir e extrair lucros.
Uma hipótese é a de que o aumento no comércio mundial produz uma
demanda por mais acordos desse tipo, e por uma maior extensibilidade desses
acordos. A União Europeia, o NAFTA e o recente GATI podem ser analisados de
acordo com o fato de eles levarem em consideração ou não questões sobre direitos
de propriedade, estruturas de governança e regras de troca. Eles também podem
ser divididos em setores que envolvem ou não exportadores, para ver se as regras
tendem a dizer respeito mais ou menos exclusivamente a esses setores (Fligstein e
Mara-Drita, 1996).
Uma arena onde não ocorreram acordos é a da criação de um mercado
mundial de controle corporativo. É muito difícil engajar-se em aquisições hostis em
qualquer sociedade, à exceção dos EUA e da Grã-Bretanha. Sugeri anteriormente
que os direitos de propriedade encontram-se no cerne das relações
37
entre as elites nacionais e o Estado. A maior parte das elites nacionais resistiram a
ter seus direitos de propriedade transferidos àqueles capazes de fazer as melhores
ofertas, já que elas perderiam poder. O Estado permanece sendo um player na
criação da economia global porque suas elites dependem dele para preservar seu
poder e garantir a entrada nos mercados globais.
O problema da mudança e da estabilidade nos mercados
Existem três fases no processo de formação dos mercados: emergência,
estabilidade e crise10. Minha preocupação é especificar a forma como as percepções
dos atores sobre a estrutura social corrente afeta as táticas que eles usam em busca
da estabilidade para suas empresas. É aqui que entra em jogo a segunda parte da
minha metáfora do "mercado como política".
Em qualquer mercado, os participantes podem ser distinguidos de acordo
com o seu tamanho em relação aos seus mercados. As empresas maiores
controlam mais os recursos externos do que as menores, incluindo a fixação de
preços dos fornecedores, apoio financeiro e legitimidade. Além disso, podem exercer
controle sobre as principais tecnologias ou sobre clientes importantes (Pfeffer e
Salancik, 1978; Burt, 1983). Como resultado, faz sentido diferenciar os participantes
do mercado como estabelecidos e desafiadores (Garnbson, 1975). As empresas
estabelecidas são grandes e seus atores conhecem seus principais concorrentes,
estruturando suas ações de acordo com outros grandes concorrentes. As empresas 10
Minha visão do mercado aproxima-se da ideia de campos organizacionais, na qual um mercado consiste de empresas que orientam suas ações reciprocamente (DiMaggio e Powell, 1983). Elaborei essa visão considerando como os mercados são construídos e o papel desempenhado pelas concepções de controle e pela política nesse processo.
desafiadoras são menores e estruturam suas ações baseadas nas maiores,
enfrentando, porém, o mundo como algo dado e que está fora de seu controle.
As diferentes condições da estabilidade no mercado produzem diferentes
tipos de política. Um mercado estável é aquele no qual as identidades e a hierarquia
de status das empresas (estabelecidas e desafiadoras) são bem conhecidas e a
concepção de controle que guia os atores que a conduzem. As empresas se
parecem em suas táticas e estrutura organizacional. A política reproduzirá a posição
dos grupos que exercerem a liderança.
Nos novos mercados, a política se assemelha a movimentos sociais. Os
atores em diferentes empresas tentam convencer as demais a concordarem com
sua concepção de mercado. Se forem poderosos o bastante, tentarão impor seu
ponto de vista. Caso haja diferentes empresas de tamanhos equivalentes, tornam-se
possíveis alianças em torno das concepções de controle.
38
As concepções de controle podem vir a se tornar acordos políticos que trazem
estabilidade de mercado às empresas.
Os mercados em crise são susceptíveis a transformações. Em raras ocasiões,
a reivindicação por mudanças pode partir das próprias empresas em - um mercado.
Com mais frequência, as empresas invadem o mercado e transformam a concepção
de controle. Isso se assemelha a um movimento social no sentido de que as
empresas invasoras tentam estabelecer uma nova concepção de controle e, ao fazê-
lo, provavelmente buscam alianças com alguns dos desafiadores ou dos
estabelecidos existentes.
O período mais fluido em um mercado se dá durante a sua emergência. Os
papéis dos desafiadores e dos estabelecidos ainda não foram definidos e não há um
conjunto de relações sociais aceito. É útil explorar a metáfora de um movimento
social e sua aplicação para um mercado emergente. A habilidade dos grupos num
movimento social em atingir o sucesso, depende de fatores similares àqueles das
empresas tentando produzir um mercado estável: o tamanho dos grupos, seus
recursos, a existência de uma oportunidade política para agir, atores de Estado
dispostos a negociar e a habilidade em construir uma coalizão política em tomo de
uma identidade coletiva (Snow et 'aI., 1986; McAdam, 1982; Tarrow, 1994).
Um novo mercado proporciona o crescimento de novas empresas, bem como
a entrada daquelas operando em outros mercados, da mesma forma que uma
oportunidade política cria novas organizações de movimento social. As empresas
tentam aproveitar-se de um mercado do mesmo modo que os movimentos sociais
tentam aproveitar-se de uma oportunidade política. Em um novo mercado, a
situação é fluida e Caracterizada por múltiplas concepções de controle propostas
pelos atores de várias empresas. Um mercado estável requer a construção de uma
concepção de controle que promova formas não predatórias de concorrência com a
qual todos possam lidar e sejam aceitas pelos atores de Estado. Uma concepção de
controle opera como um tipo de identidade coletiva com a qual muitos grupos podem
identificar- se para que se produza um mercado bem-sucedido.
5ª proposição: Na fase inicial de um novo mercado, as maiores empresas são as
que mais provavelmente poderão criar uma concepção de controle e uma coalizão
política para controlar a concorrência.
Na organização de um mercado todas as relações interorganizacionais têm
que ser construídas. Os mercados são o resultado de um projeto e
institucionalização que é o equivalente à descoberta de uma concepção de controle
(DiMaggio, 1998). Neste sentido, os mercados são construções sociais. Fazer com
que estes projetos institucionais sejam bem-sucedidos é um projeto inerentemente
político. Os atores precisam encontrar concepções de
39
controle para sinalizar suas intenções a outras empresas no momento da formação
do mercado. Pode-se prever que em um mercado emergente, as maiores empresas,
devido às vantagens implicadas em seu porte, criem uma concepção de controle e
convençam as demais à concordância.
6ª proposição: As lutas de poder internas às empresas se dão em torno de quem
pode resolver o problema da melhor forma de organizá-Ias para dar conta da
concorrência. Os vencedores da luta vão impor sua cultura e projeto organizacional
sobre a empresa.
A luta de poder interna depende de os atores proporem concepções de
controle coerentes que possam impor aos demais membros da empresa. É provável
que esta luta seja mais intensa durante a emergência dos mercados. Grupos
diferentes acreditam possuir a solução do problema de como organizar a empresa
para melhor lidar com a concorrência. Os atores que ganham, impõem seu projeto e
cultura organizacional sobre a empresa. A definição sobre a estrutura interna da
empresa e quem a controla, resulta da concepção de controle que lida com o
problema da concorrência no mercado. As concepções de controle estão disponíveis
para as demais e ajudam a produzir uma hierarquia de status das empresas estável.
7ª proposição: Através de ações intencionais e não-intencionais, o Estado pode levar
as empresas a agirem no sentido de criar concepções estáveis de controle.
Todas as concepções de controle são construídas em torno de acordos
correntes a respeito do que seja um comportamento legal e ilegal de mercado. As
empresas evitam concepções de controle ilegais, mas ocasionalmente se vêm
examinadas de forma minuciosa por fiscais do governo. Com mais frequência, a
regulação estatal das atividades econômicas muda o equilíbrio de poder em um
mercado, distanciando-o de uma concepção de controle e aproximando-o de outra.
Isso ocorre em mercados regulados como os de medicamentos, alimentos,
telecomunicações, serviços públicos, bancos e mídia.
8ª proposição: A “responsabilidade da inovação" em um novo mercado reflete, em
parte, a falta de estrutura social ou concepção de controle do mercado (ou seja,
reflete a incapacidade dos participantes de controlar a concorrência).
É durante a emergência dos mercados que a concorrência e o mecanismo de
preços se afinam. Sem uma concepção de controle estabelecida para estrutura
formas não-predatórias de concorrência, o preço tem seu efeito mais forte
(Stinchcombe, 1965; Hannan e Freemar, 1977). Há uma tendência por a culpa do
fracasso nos negócios na falta de recursos ou na incapacidade dos gerentes em
construir organizações que entreguem produtos de maneira confiável. Eu defendo
que parte do que está acontecendo se deve
40
à falta de uma estrutura social que controle a competição. Os mercados nos quais
nunca emerge uma concepção e controle continuam a ter uma taxa relativamente
alta de falências, enquanto os que são capazes de produzir concepções de controle,
estabilizam-se com taxas baixas de falência.
9ª proposição: Os novos mercados tomam emprestadas concepções de controle de
mercados vizinhos, particularmente quando as empresas de outros mercados
escolhem entrar no novo mercado.
Os novos mercados nascem socialmente próximos dos preexistentes.
Primeiramente, argumentei que a diversificação de produtos é uma forma de
produzir empresas mais estáveis. Entrar em novos mercados não requer o confronto
com interesses estabelecidos e não ameaça diretamente a estabilidade da empresa.
Se os novos mercados tiverem êxito, então a estabilidade da empresa é aumentada.
A diferenciação e criação de novos produtos é mais frequentemente um subproduto
de produtos existentes. O início de um novo mercado não é fortuito, mas sim
definido pelas concepções de controle existentes, pelas concepções legais de
propriedade e concorrência e pela organização de mercados correlatos existentes.
É útil considerar alguns exemplos a fim de ilustrar esses princípios. A criação
da indústria de aço dos EUA é um caso claro de empresas lutando para criar uma
estrutura social que controle a competição11. No século XIX, a indústria de aço foi
suscetível a enormes oscilações de preço devido ao seu papel na construção de
estradas e na criação de negócios. Essas oscilações de preço eram devastadoras
para as empresas industriais, pois estas haviam investido uma grande quantidade
de capital fixo. Houve, assim, um grande incentivo para achar mecanismos legais
para a estabilização de preços (Hogan, 1970).
O problema básico para a indústria do aço foi descobrir uma concepção de
controle que desse conta da concorrência já que os cartéis e monopólios eram
ilegais nos Estados Unidos (Thorelli, 1955). A escolha remanescente era integrar as
11
Não quero dizer que os mercados e as indústrias são a mesma coisa. Os mercados envolvem compradores e vendedores de uma mercadoria, enquanto as indústrias referem-se a produtores de mercadorias similares. Outra questão é que grande parte das empresas participa de muitos mercados. Por exemplo, há um número de mercados onde o aço é vendido. As empresas que o produzem frequentemente vendem para mercados diferentes. É mister falar da Indústria de aço, pois o produto básico é similar em todo o mercado (apesar de variar a sua finalidade, ou seja, estradas, automóveis, pontes) e os participantes nesses mercados levam em conta as ações uns dos outros. A dinâmica geral abstrata discutida dentro dos mercados pode ser desenvolvida através dos produtores de algum produto ou conjunto de produtos relacionados.
empresas para controlar o mercado. Neste Caso, minha proposição de que as
maiores empresas no mercado são aquelas que lideram tais esforços, é
historicamente precisa (Hogan, 1970).
41
Durante o movimento de fusões na virada do século XIX para o XX, a maior
corporação Industrial do mundo surgiu a U. S. Steel Corporation que controlava a
entrada de investimentos na produção do aço, bem como as divisões que
fabricavam produtos para cada segmento do mercado. A companhia detinha mais de
65% das reservas de minério de ferro da indústria (Hogan, 1970). Apesar de ocupar
uma posição forte, a empresa confrontou- se com oscilações violentas na demanda
pelo produto e com preços instáveis ao longo do século XX. Enfrentou um dilema ao
procurar garantir sua posição contra seus concorrentes. Se a empresa perseguisse
vigorosamente a redução de preços para ganhar o monopólio sobre a indústria, ver-
se-ia alvo das autoridades antitruste; se nada fizesse, teria ameaçado seu alto
investimento.
A U. S. Steel começou a buscar uma alternativa tática. Anunciou seu
calendário de preços e de produção e os defendeu diminuindo a produção quando
em face de concorrentes agressivos (Fligstein, 1990). A U. S. Steel tentou convencer
as demais empresas a concordar com seus preços ameaçando usar seu controle
sobre os investimentos e sua alta capacidade de produção. Caso todos se
comportassem de maneira razoável, poderia haver alguma estabilidade de preços,
estratégia que funcionou de 1904 até a crise de 1929 (Kolko, 1963).
A estratégia da U. S. Steel de integrar à produção, estabelecer preços e
desafiar os concorrentes a vender por menos, foi ratificada como uma forma legal de
controlar a competição quando a empresa ganhou a ação judicial de antitruste em
1920. Essa concepção de controle difundiu-se à maneira de um movimento social
durante o período de fusões dos anos 20, quando as estruturas de oligopólio
emergiram no núcleo das indústrias de petróleo e metalurgia (Eis, 1978). Essa
estrutura provou- se duradoura na indústria de aço dos Estados Unidos, tendo
permanecido até a década de 1960 (Hogan, 1970).
É válido examinar uma indústria emergente na qual ainda não haja uma
concepção de controle e aplicar a perspectiva aqui discutida a fim de prever um
resultado. A indústria de biotecnologia surgiu a partir de tecnologias comuns
desenvolvidas em importantes universidades. Para descobrir quais concepções de
controle são candidatas a organizar a indústria, pode-se questionar: "que problema
de concorrência um estrutura social precisaria resolver?" Uma forma de controlar a
concorrência são as leis de patente. As empresas que descobrirem um produto
primeiro, podem receber pagamentos relativos aos direitos de patente, evitando,
assim, a concorrência. O importante é encontrar novos produtos que possam ser
patenteados. Duas concepções de controle em disputa podem ser identificadas para
se obter vantagem das leis de patente.
Powell e Brantley (1992) argumentaram que o grande problema para as
empresas de biotecnologia é controlar o fluxo de cientistas que possuem
42
conhecimento sobre os produtos. Eles veem a organização em rede como uma
concepção de controle estável porque implica um compromisso político no qual os
cientistas podem deixar a empresa com conhecimentos de produtos. Por sua vez, as
empresas possuem amplos laços organizacionais para que não venham a depender
de apenas um ou dois cientistas em termos de informação ou produção. Se os
acordos que uma empresa tem com outras são alianças, então o colapso de
qualquer uma dessas alianças não conduzirá necessariamente ao colapso de uma
dada empresa, seja por recusar seus produtos, seja por negar informação. Se um
dado cientista abandonar a empresa, esta provavelmente terá outros cientistas ou
outras alianças que poderão suprir a falta. Com isto, uma empresa em rede
orientada para produzir patentes para controlar a concorrência pode se provar
estável.
Duas outras características da industria biotecnológica implicam uma
concepção de controle alternativa (Barley, Freeman e Hybels, 1992; Powell e
Brantley, 1992). A maior parte dos produtos desta indústria deve ser submetida a
longos testes realizados pela FDA (Food and Drugs Administration). As empresas
precisam de dinheiro para sobreviver durante este período de testes antes de levar
os produtos ao mercado. Dessa maneira, o Estado, através da regulação do
mercado feita pela FDA, modifica as condições de concorrência desde o momento
da descoberta de novos produtos até a capacidade de sobreviver ao processo de
aprovação. Uma vez passada a fase de testes, as empresas terão que produzir de
forma segura, comercializar e distribuir o produto, o que cria uma segunda arena de
concorrência que depende das habilidades de produção e comercialização.
Esses dois problemas de concorrência implicam o aparecimento de uma
concepção de controle diferente. Sugeri anteriormente que os mercados vizinhos
são fontes de concepções de controle. A indústria farmacêutica possui uma ampla
experiência com o mesmo processo de teste e produção usado pela indústria
biotecnológica, e ela se constituiu a partir da criação, produção e controle de
medicamentos. Prevejo que, enquanto sobreviver o processo de testes, produzir e
comercializar o produto, são aspectos determinantes, as empresas de biotecnologia
serão tentadas a formar alianças com a indústria farmacêutica. Além disso, as
empresas da indústria farmacêutica tenderiam a comprar as empresas de
biotecnologia melhor sucedidas. A concepção de controle das empresas
farmacêuticas (integradas, que produzem remédios com monopólio sobre direitos de
patente para eliminar a concorrência de forma a recuperar o custo de produção do
medicamento) seria a dominante.
Poderia emergir uma forma mais híbrida com foco na manutenção das
organizações em rede e separando a descoberta de produtos da produção e
distribuição destes. Isso traz vantagens tanto para a indústria farmacêutica,
43
quanto para empresas de biotecnologia. Estas últimas detêm algum controle,
enquanto a primeiras diminuem seus riscos.
Há evidências de que as três concepções de controle são praticadas (Barley
et. aI., 1992; Powell e Brantley, 1992). A discussão anterior poderia prever como
resultado mais provável uma fusão entre as duas indústrias, através da qual grandes
companhias biotecnológicas tomar-se-iam em empresas produtoras de
medicamentos ou divisões estas. As empresas a indústria farmacêutica são os
principais players no mercado; a sua concepção de controle resolve os problemas
de concorrência no setor; elas já haviam negociado a legitimidade dessa solução
com o Estado. O problema de controlar a deserção de cientistas seria mais efêmero
se comparado à necessidade de solucionar o problema envolvido no processo de
regularização da patente dos produtos.
10ª proposição: Nos mercados com concepções de controle estáveis, há um amplo
acordo por parte de seus integrantes no que se refere à concepção de controle e à
hierarquia de status, bem como às estratégias envolvidas.
Os papéis dos estabelecidos e desafiadores estarão definidos, uma vez que
um mercado estável apareça e a estrutura de poder do mercado se torne aparente.
Os atores nas empresas por todo o mercado serão capazes de dizer aos
observadores quem ocupa qual posição e quais são suas táticas centrais. Serão
capazes de tornar suas ações contingentes em relação à sua interpretação destas
táticas .
11ª proposição: As empresas estabelecidas observam as ações de outras empresas
estabelecidas, e não as empresas desafiadoras, enquanto as empresas
desafiadoras observam o comportamento das empresas estabelecidas. Um mundo
estável depende das relações sociais entre as maiores empresas. Na maior parte
das vezes, os principais players em geral ignorarão as organizações desafiadoras,
uma vez que estas oferecem pouca ameaça à estabilidade total do mercado. Se
estas organizações vingarem e começarem a desafiar a ordem existente, as
organizações estabelecidas as enfrentarão e tentarão reforçar a concepção de
controle em vigor.
12ª proposição: As empresas em mercados estáveis continuam usando a concepção
de controle vigente, mesmo quando confrontadas com ataques da concorrência ou
crises econômicas gerais.
A força principal que mantém um mercado coeso por um período de tempo é
a habilidade das empresas estabelecidas em continuar assegurando uma
concepção de controle vis-à-vis as demais. As estabelecidas estão constantemente
tentando tomar as fatias de mercado das demais (e também das desafiadoras), mas
evitam um confronto direto que possa provocar a ruína de todas. Essas ações serão
guiadas pela concepção de controle existente (ou seja, a concepção do que constitui
uma ação razoável). Isso requer que os
44
atores estruturem a ação para suas empresas na disputa com a concorrência e
tenham recursos (poder) para fazer com que isso perdure. Conhecem a identidade
das empresas importantes no mercado, tentam atribuir sentido à ação destas, e
respondem a elas.
Isso explica a estabilidade relativa de mercados estabelecidos, tanto no que
diz respeito à identidade dos participantes, quanto às suas táticas. Produzir uma
ordem estável que permita a sobrevivência das empresas, constitui problema
relativamente difícil. Uma vez alcançada a estabilidade, os atores nas empresas
evitam engajar-se em ações que possam minar-lhes a posição. Se os desafiadores
modificam as táticas ou se empresas invasoras aparecem no mercado, as em
presas estabelecidas continuam a engajar-se nos mesmos tipos de ações que
produziram a ordem estável em primeiro lugar. As empresas estabelecidas podem
permitir alguma redefinição de quem é estabelecido e de quem é desafiador, mas
elas permanecerão comprometidas com a concepção de controle total que diminui a
concorrência. Pôr fim à ordem estável poderia trazer potencialmente mais caos do
que assegurar a forma "como as coisas são feitas". Os atores também são
cognitivamente limitados pela concepção de controle. Suas análises de uma crise
serão estruturadas pela concepção de controle vigente, e suas tentativas de aliviar a
crise serão baseadas na aplicação da "sabedoria convencional".
O caso do modelo japonês de empresa keiretsu ilustra como uma concepção
de controle estável resistiu a sobressaltos políticos e econômicos. O keiretsu é uma
espécie de conjunto de famílias de empresas em indústrias diferentes que dividem
laços de propriedade. A estrutura geral do keiretsu pretende cimentar
interdependências importantes e permitir aos seus vários membros sobreviver a
crises econômicas. Frequentemente os bancos são o centro do keiretsu e funcionam
como um mercado de capital interno para as empresas.
O keiretsu mostra um alto crescimento, alto investimento e um lucro
relativamente baixo, mas estável (Aoki, 1988). Nas crises econômicas, as estruturas
do tipo keiretsu permitem aos trabalhadores a transferência através das empresas,
ao invés de serem demitidos (lincoln, Gerlach e Takehashi, 1992), o que exerce uma
pressão para baixo nos lucros, mas assegura a lealdade do empregado. Quando as
empresas participantes da estrutura enfrentam problemas econômicos, os diretores
em outras respondem ajudando a reorganizar aquelas que enfrentam problemas
(Gerlach, 1992).
Os keiretsu surgiram após a Segunda Guerra Mundial, com a reforma dos
conglomerados econômicos anteriores ao conflito (zaibatsu), controlados por
famílias. Os zaibatsu foram quebrados durante a ocupação norte-americana, mas
começaram lento e gradual processo de reforma (Hadley, 1970). Desde a Segunda
Guerra Mundial, foram incentivados por atores do Estado a entrar em novos
mercados, mostrando-se competentes na fabricação de novos produtos (Johnson,
1981).
45
A estrutura dos keiretsu contém empresas com atividades que abrangem um
Iargo espectro de Indústrias e mercados. A estrutura dos keiretsu, como uma
concepção de controle, não controla diretamente a concorrência num dado mercado.
Sua vantagem é a maneira pela qual estabiliza a concorrência através dos
mercados. Notou-se que em determinados mercados de produto, as empresas de
diferentes keiretsu concorrem vigorosamente (Aoki, 1988).
A estrutura dos keiretsu opera para atenuar a concorrência de várias formas.
Em primeiro lugar, as empresas tendem a comprar bens e serviços no interior do
keiretsu, o que significa que alguns mercados são cativos e a concorrência de
preços se mantém baixa. Em segundo lugar, se uma dada empresa enfrenta uma
crise econômica, as outras tentarão apoiá-Ia. Expertise administrativa, capital e
habilidade em alocar os trabalhadores em outras empresas durante os períodos de
depressão econômica, são fatores que atenuam a concorrência a curto prazo. Em
terceiro lugar, a ênfase na divisão do mercado significa que as empresas investem a
longo prazo e as expectativas de lucro a curto prazo não são altas. O que dá aos
gerentes espaço para negociar em condições competitivas. Em quarto lugar, devido
às relações de propriedade entre empresas e bancos, o custo do capital tende a ser
menor12. Pode-se perceber a conexão íntima entre o problema implicado na
necessidade de tentar controlar a concorrência externa e o trabalho da organização
social interna que a solução desse problema acarreta.
Recentemente, duas forças começaram a pressionar os keiretsu. Primeiro, o
governo norte-americano forçou a abertura do mercado japonês, em parte contra as
12
Para uma revisão da literatura, ver Gerlach, 1992.
estruturas de keiretsu (Gerlach, 1992). Os Estados Unidos queriam quebrar os
acordos em torno dos keiretsu, assim como exigiam que o Japão abrisse seus
mercados financeiros e permitisse o desenvolvimento de um mercado de controle
corporativo. Segundo, a crise econômica do início da década de 90 pressionou o
sistema permanente de emprego do keiretsu, tornando-se mais difícil remanejar os
trabalhadores para outras empresas. Os dirigentes dos keiretsu foram capazes de
usar métodos tradicionais para enfrentar esses ataques. Estavam suficientemente
interligados politicamente para enfrentar as reformas dentro do Japão e
economicamente aptos a suportar uma longa recessão (Gerlach, 1992).
13ª proposição: A crise do mercado é observada quando as organizações
estabelecidas começam a falhar.
As crises do mercado aparecem quando as maiores empresas são incapazes
de se reproduzir ao longo do tempo, o que pode ser causado por três tipos de
eventos: (1) a diminuição da demanda pelos produtos da empresa
46
pode resultar de condições econômicas desfavoráveis ou de mudança nas
preferências dos compradores. (2) uma invasão por outras empresas pode
atrapalhar a concepção de controle e introduzir procedimentos que forcem a
reorganização do mercado ou (3) o Estado pode minar o mercado, intencionalmente
ou não, ao mudar suas regras.
Os estabelecidos raramente tornam-se inovadores porque estão sempre
ocupados em defender o status quo; a transformação do mercado é precipitada
pelas empresas invasoras. A reorganização de um mercado em torno de uma nova
concepção de controle se assemelha a um movimento social como o que ocorre
durante a formação dos mercados. As empresas invasoras podem formar alianças
com as já existentes em torno da nova concepção de controle, ou chegarem a um
meio termo acerca da concepção de controle, o que torna a reorganização dos
mercados mais previsível do que durante a formação do mercado13.
13
As organizações invasoras, ou novas ações pelas organizações desafiadoras, não necessariamente produzem uma nova concepção de controle. As ações podem ser orientadas no sentido de mudar as identidades dos desafiadores e estabelecidos dentro do mercado, preservando
14ª proposição: A transformação dos mercados existentes resulta de forças
exógenas: invasão, crise econômica ou intervenção política por parte do Estado.
Uma das principais características da sociedade capitalista é a interação
dinâmica dos mercados através da qual alguns emergem, outros se estabilizam e
outros ainda se encontram em crise e sofrendo transformação. Proponho uma teoria
exógena da transformação do mercado que percebe a causa básica de mudanças
nas estruturas do mercado como resultado de forças alheias ao controle dos
produtores, devido tanto a mudanças na demanda, invasão por outras empresas,
quanto a ações do Estado. As empresas estabelecidas responderão a essas forças
desestabilizadoras tentando reforçar o status quo. Os mercados são conectados de
amplas e variadas formas. As empresas dependem de fornecedores, mercado de
capital, mercado de trabalho e clientes bem como do Estado para sua estabilidade.
Além isso, as forças de mercado e de Estado estão sempre interagindo, produzindo
assim problemas potenciais para uma concepção de controle existente num dado
mercado. As crises nas relações entre mercados podem minar os acordos existentes
ao ameaçar o bem-estar de todas as empresas, tanto ao negar recursos-chave ou
através da invasão direta de empresas de mercados próximos.
15ª proposição: Os invasores do mercado são mais provavelmente oriundos de
mercados próximos do que de distantes.
47
Esse argumento é paralelo àquele sobre a origem dos mercados. As
empresas buscam estabilidade ao procurar novos mercados. A invasão de um
mercado existente pode ocorrer de algumas formas. Primeiro, em mercados
intimamente relacionados, as empresas entram nos mercados existentes onde
podem introduzir, com êxito, uma nova concepção de controle para aumentar sua
vantagem. Segundo, as empresas podem entrar dentro de um mercado de um
assim as bases da ordem não-competitiva. Somente quando a situação é fluida (isto é, quando o mercado está em crise) é possível criar um "movimento social" em torno da nova concepção de controle.
mesmo produto em áreas geográficas diferentes, minando assim a ordem estável
local.
16ª proposição: Quando empresas começam a fracassar, as lutas de poder internas
à organização ganham força, levando à maior mudança entre os dirigentes e a um
maior ativismo por parte dos diretores e acionistas. Novos grupos de atores
organizacionais tentam reconstruir a empresa de acordo com a linha dos
"invasores".
As concepções de controle são usadas pelos atores nas empresas
estabelecidas para evitar crises de mercado. A luta de poder interna à empresa
tomar-se-a mais intensa à medida que as crises do mercado se tornarem mais
evidentes e a concepção de controle dominante se provar inadequada para lidar
com a crise.
Considere-se o exemplo da transformação da concepção financeira de
controle como o principio orientador do mercado de controle corporativo nos EUA,
durante a década de 1980. Essa concepção dominou as ações de muitas grandes
empresas norte-americanas entre 1950 e 1970 (Fligstein, 1990), sustentando a ideia
de que elas eram compostas de bens que poderiam ser disponibilizados por seus
atores financeiros a fim de promover-lhes o crescimento. As principais táticas dessa
concepção eram o uso de ferramentas financeiras para controlar internamente a
performance das divisões e de fusões para comprar e vender divisões garantindo a
diversificação da empresa (Fligstein, 1990). Essas táticas resolveram os problemas
de concorrência das grandes empresas ao permitir que saíssem e entrassem nos
negócios e estabilizassem a estrutura corporativa geral. As empresas eram os atores
decisivos no mercado de controle corporativo na medida em que procuraram usar a
bolsa de valores para adicionar ou subtrair seus portfólios.
Que crise tornou essa concepção de controle inviável para as grandes
corporações? Os altos índices de inflação durante a década de 1970 significaram
que as taxas de juro eram altas, o preço das ações baixo e os valores dos bens
inflacionados, o que levou a um baixo retorno nos investimentos (Friedman, 1985). A
concepção financeira da empresa, com seu foco na lucratividade das linhas de
produtos e na diversificação do mercado, sugeriu que "bons" gerentes lidariam com
esses problemas, mantendo o débito baixo e financiando os investimentos com
dinheiro gerado internamente. O mercado de controle corporativo
48
encontrava-se em crise porque os dirigentes não estavam reorganizando seus bens,
embora os lucros corporativos fossem baixos. Isto ofereceu aos atores uma nova
oportunidade de buscarem uma nova racionalidade para orientar a reorganização do
mercado de controle corporativo.
O que foi essa "nova" concepção de controle e quem eram seus
proponentes? Davis e Thompson (1994) argumentaram que a linguagem do
"shareholder value" e o discurso que culpava os gerentes por serem ineficazes,
disseminou-se entre os investidores institucionais à maneira de um movimento social
do começo da década de 1980. A estratégia financeira de não se desfazer dos bens
desvalorizados, financiar internamente os investimentos e manter o débito baixo, foi
vista como um problema. Esta linguagem aliou-se à "teoria da agência" proveniente
da economia (Jensen, 1989) para enfatizar que se os dirigentes não maximizassem
o valor acionário da empresa, deveriam ser substituídos por grupos que o fizessem.
Os investidores institucionais constituíam um grupo heterogêneo que incluía
banqueiros, representantes de fundos de pensão, fundos de investimento e
companhias de seguro. Eram oriundos de uma indústria intimamente relacionada, a
de serviços financeiros, e invadiram a seara dos dirigentes financeiros que
controlavam as maiores corporações norte-americanas. Seu objetivo era forçar
esses dirigentes a redistribuir o patrimônio na tentativa de refletir como a década de
1970 afetou o balanço geral das empresas. Estes investidores queriam dirigentes
para liquidar os bens super valorizados, assumir o débito para manter as empresas
disciplinadas e remover os níveis de gerência a fim de economizar dinheiro.
Também forçaram os dirigentes a concentrar suas atividades na compra de
concorrentes e na liquidação de seus bens mais diversificados (Davis, Diekmann e
Tinsley, 1994). Obviamente, beneficiaram-se ao gerar dinheiro, organizando e
executando fusões.
Pesquisas mostram que as empresas que foram alvo de fusões tenderam a
ignorar o processo de reorganização financeira destinado a aumentar o valor
acionário (Davis e Stout, 1992; Fligstein e Markowitz, 1993). Useem (1993) mostrou
como os gerentes adotaram esta linguagem e os comportamentos que ela
prescrevia. O movimento de fusão dos anos 80 se pareceu com um movimento
social pelo qual alguns executivos financeiros e os vários atores dentro da indústria
de serviços financeiros descobriram uma linguagem comum e produziram uma
concepção de controle para reorganizar o mercado de controle corporativo.
O governo exerceu, ao mesmo tempo um papel direto e indireto. O governo
Reagan promoveu um grande corte nos impostos, produzindo um golpe de sorte
para as corporações norte-americanas no ano de 1981. Esperou que as empresas
reinvestissem o capital em novas máquinas e equipamentos,
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mas, ao contrário, as empresas compraram outras empresas. Anunciou também que
não aplicaria de forma vigorosa as leis antitruste (Fligstein e Markowitz, 1993). Davis
e Stout (1992) argumentaram que o governo Reagan tornou-se um forte promotor da
concepção de controle baseada no shareholder value que se relaciona com a
concepção financeira da empresa, mas utiliza um discurso claro que reconhece
apenas os direitos de um grupo: o dos acionistas. Todas as outras questões estão
subordinadas à maximização do retorno dos acionistas. A atenção dos altos
dirigentes é focada na avaliação dos produtos de mercado, porém, o mais
importante é a forma como o mercado financeiro avalia o preço de suas ações.
Como esta nova concepção de controle afeta a competição no mercado de
controle corporativo? Se os gerentes se ativerem ao shareholder value num sentido
restrito, menos provavelmente serão alvos de fusões. Na medida em que o "jogo" é
evitar tornar-se objeto de aquisição (isto é, fusões), os dirigentes com um foco
restrito, provavelmente serão os controladores da empresa. Minha hipótese é que os
dirigentes que ganham a luta de poder interna são aqueles que podem reivindicar a
maximização do valor acionário. Esse processo explica a difusão dessas táticas para
a maior parte das grandes empresas durante os anos 80.
Conclusões
Os mercados são construções sociais que refletem a construção político-
cultural singular de suas empresas e nações. A criação dos mercados implica
soluções sociais aos problemas de direitos de propriedade, estrutura de governança,
concepções de controle e regras de troca. Há muitos caminhos para tais soluções e
cada um poderá promover, à sua maneira, a sobrevivência das empresas. Esbocei
como Estado e mercado estão interconectados e quais ações produzem resultados
variados. Extraí princípios gerais pelos quais esses - resultados podem ser
entendidos. Relaciono este quadro de referência com as perspectivas correntes da
sociologia econômica, quais sejam: redes, ecologia populacional, teoria institucional
e o problema da construção da ação. Ao mesmo tempo em que essas perspectivas
diferem entre si, acredito que a abordagem político-cultural aqui desenvolvida é
capaz de unir muitas das características positivas de cada uma.
As perspectivas de rede foram usadas para documentar um grande número
de relações sociais nos mercados. Estas perspectivas interligaram a dependência de
recursos, a hierarquia de status, o mercado de ações, os canais de informação e as
relações de confiança. Argumentei que os mercados estáveis refletem hierarquias
de status que definem os papéis de estabelecidos e desafiadores, e também que os
líderes do mercado asseguram a ordem
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social do mercado e sinalizam como as crises devem ser tratadas. Essa estrutura
complexa de papéis nos mercados é operada através de redes. Minha visão dos
mercados leva em consideração os problemas de como o Estado interage com o
mercado para produzir normas gerais pelas quais as estruturas sociais podem ser
formadas. Isso também faz com que as estruturas de mercado sejam mais
facilmente observadas, que se leve em conta o papel das intenções dos atores na
produção das estruturas de mercado e dá mais sentido à maneira como as
empresas provavelmente se comportarão sob condições de mercado diferentes.
As abordagens ecológicas enfocaram o problema de como as empresas
estabelecem um nicho, a dinâmica populacional das empresas e o processo de
legitimação das empresas num nicho. Uma leitura política desses processos é
consistente com a abordagem desenvolvida neste artigo. A responsabilidade pela
inovação resulta, ao menos parcialmente, da falta de estrutura social num mercado e
da busca, à maneira de um movimento social, por tal estrutura. A legitimidade é
outorgada pelos Estados aos mercados. Um mercado "estável", segundo a teoria
ecológica, é aquele no qual a concepção de controle é partilhada. Assim como na
ecologia, a transformação dos mercados resulta de fontes externas de mudança.
Muito da perspectiva aqui desenvolvida é latente nas teorias institucionalistas
e nas teorias organizacionais em que aquelas se baseiam. Minha abordagem enfoca
os processos políticos mais do que a maior parte das teorias institucionalistas, tanto
na estruturação formal das instituições pelo Estado, quanto na formação,
estabilidade e transformação dos mercados. Mas o objetivo da ação é construir
mercados estáveis, uma visão que adotei da teoria institucionalista e da
organizacional.
Tentei considerar seriamente o problema da agência e prever como as
escolhas dos atores dependem das estruturas de mercado e de conjuntos de
normas. Argumentei que o que está em jogo nessas escolhas, encontra-se mais
aberto à contestação em condições de mercado mais fluidas, e que a concepção de
ação robusta de Padgett e Ansell (1992) captura como os atores se aproveitam de
tais situações. Para isso, acrescentei a noção mais ampla de que concepções de
controle capturam um aspecto importante da forma como os atores estruturam a
ação uns em relação aos outros. As concepções de controle são estruturas
cognitivas partilhadas no interior e através de organizações que têm um profundo
efeito sobre o desenho organizacional e a concorrência.
A metáfora do "mercado como política" é o mote usado para unir tais ideias.
Mostrei como essa visão torna possível uma abordagem unificada para o estudo dos
mercados - uma abordagem que enfoca os processos políticos,
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a base das interações no mercado. Entretanto e por último, a utilidade de qualquer
metáfora está na pesquisa que gera e nos insights que cria.
Tradução de Fernanda Fonseca Monteiro