Fisica e Psi

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XVIII S IMPÓSIO N ACIONAL DE E NSINO DE F ÍSICA 1 F ÍSICA E P SICOLOGIA: UM DIÁLOGO INTERDISCIPLINAR Anderson Lupo Nunes a [[email protected] ] Cláudia Helena Santiago Lisboa Nunes b [[email protected]] a CEFET Química – Unidade Duque de Caxias - RJ b Universidade Celso Lisboa – RJ R ESUMO - É feita uma introdução, que trata de maneira breve, sobre as origens da Física e da Psicologia, onde é citado o fato de ambas terem vínculos fortes com a Filosofia. É traçado um paralelo entre o surgimento da Física Clássica a partir de Isaac Newton e Galileu Galilei e o desenvolvimento do chamado método científico. A aplicação do método científico ao estudo do comportamento humano é o ponto de partida para o nascimento da Ciência chamada de Psicologia através do laboratório criado em 1879 por Wundt para o estudo dos processos mentais. Novos paralelos entre a Física e a Psicologia são traçados desta vez entre o desenvolvimento das Teoria da Relatividade Restrita e Teoria da Relatividade Geral ambas desenvolvidas por Albert Einstein com a também igualmente famosa Teoria Psicanalítica de Sigmund Freud. É apresentado o trabalho de Beatriz Breves Ramos que relaciona a Relatividade Geral com o conceito de Inconsciente postulado por Freud, postulando ela própria a existência de um Inconsciente Relativístico, ou seja, um inconsciente que seria suscetível a efeitos relativísticos. Por fim temos a apresentação dos conceitos básicos de Física Quântica, segundo a interpretação de Copenhague, que é a mais amplamente aceita na literatura. É apresentada uma possibilidade de aplicação da Física Quântica na plena explicação do funcionamento do cérebro. É feita uma breve relação entre aspectos da Física Quântica com a Psicologia Analítica de Jung e também com uma visão fenomenológica da mente humana apresentada por Wilson. Conclui-se com a constatação de que Física e Psicologia sempre andaram juntas na árdua tarefa de compreender o Homem e o Universo que o cerca. 1. I NTRODUÇÃO As raízes da Física, como toda a ciência ocidental, podem ser encontradas no período inicial da filosofia grega do século VI a.C. A palavra Física tem sua origem da palavra grega Physis que pode ser traduzida grosseiramente como Natureza. Pode-se definir a Física como o estudo das Leis da Natureza 1 . Esta definição, porém, é bastante frouxa, pois também serviria para outras Ciências, como, por exemplo, a Biologia e a Química. O que caracteriza a Física como ela se apresenta nos dias de hoje é o fato dela buscar representar a Natureza através de equações matemáticas que permitam uma verificação experimental. As raízes da Psicologia também podem ser estabelecidas na mesma filosofia grega 2 . A palavra psicologia tem sua origem na combinação das palavras gregas psique (alma) e logos (estudo). Assim literalmente Psicologia é o estudo da alma. Pode ser definida como a ciência que estuda os processos mentais e o comportamento do ser humano e também dos animais (para fins de pesquisa). Ambas as Ciências, Física e Psicologia, tiveram que romper com a Filosofia, a fim de que pudessem se desenvolver. A Física foi a primeira surgir a partir do desenvolvimento do Método Científico. Ele se constitui de Observação, Razão e Experiência 3 . Observa-se um fenômeno específico da Natureza. Cria-se uma hipótese, o mais racional possível para se explicar o fenômeno.

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FÍSICA E PSICOLOGIA: UM DIÁLOGO INTERDISCIPLINAR

Anderson Lupo Nunesa [[email protected] ] Cláudia Helena Santiago Lisboa Nunesb [[email protected]]

a CEFET Química – Unidade Duque de Caxias - RJ

b Universidade Celso Lisboa – RJ

RESUMO - É feita uma introdução, que trata de maneira breve, sobre as origens da Física e da Psicologia, onde é citado o fato de ambas terem vínculos fortes com a Filosofia. É traçado um paralelo entre o surgimento da Física Clássica a partir de Isaac Newton e Galileu Galilei e o desenvolvimento do chamado método científico. A aplicação do método científico ao estudo do comportamento humano é o ponto de partida para o nascimento da Ciência chamada de Psicologia através do laboratório criado em 1879 por Wundt para o estudo dos processos mentais. Novos paralelos entre a Física e a Psicologia são traçados desta vez entre o desenvolvimento das Teoria da Relatividade Restrita e Teoria da Relatividade Geral ambas desenvolvidas por Albert Einstein com a também igualmente famosa Teoria Psicanalítica de Sigmund Freud. É apresentado o trabalho de Beatriz Breves Ramos que relaciona a Relatividade Geral com o conceito de Inconsciente postulado por Freud, postulando ela própria a existência de um Inconsciente Relativístico, ou seja, um inconsciente que seria suscetível a efeitos relativísticos. Por fim temos a apresentação dos conceitos básicos de Física Quântica, segundo a interpretação de Copenhague, que é a mais amplamente aceita na literatura. É apresentada uma possibilidade de aplicação da Física Quântica na plena explicação do funcionamento do cérebro. É feita uma breve relação entre aspectos da Física Quântica com a Psicologia Analítica de Jung e também com uma visão fenomenológica da mente humana apresentada por Wilson. Conclui-se com a constatação de que Física e Psicologia sempre andaram juntas na árdua tarefa de compreender o Homem e o Universo que o cerca.

1. INTRODUÇÃO

As raízes da Física, como toda a ciência ocidental, podem ser encontradas no período inicial da filosofia grega do século VI a.C. A palavra Física tem sua origem da palavra grega Physis que pode ser traduzida grosseiramente como Natureza. Pode-se definir a Física como o estudo das Leis da Natureza 1. Esta definição, porém, é bastante frouxa, pois também serviria para outras Ciências, como, por exemplo , a Biologia e a Química. O que caracteriza a Física como ela se apresenta nos dias de hoje é o fato dela buscar representar a Natureza através de equações matemáticas que permitam uma verificação experimental.

As raízes da Psicologia também podem ser estabelecidas na mesma filosofia grega2. A palavra psicologia tem sua origem na combinação das palavras gregas psique (alma) e logos (estudo). Assim literalmente Psicologia é o estudo da alma. Pode ser definida como a ciência que estuda os processos mentais e o comportamento do ser humano e também dos animais (para fins de pesquisa).

Ambas as Ciências, Física e Psicologia, tiveram que romper com a Filosofia, a fim de que pudessem se desenvolver. A Física foi a primeira surgir a partir do desenvolvimento do Método Científico. Ele se constitui de Observação, Razão e Experiência3. Observa-se um fenômeno específico da Natureza. Cria-se uma hipótese, o mais racional possível para se explicar o fenômeno.

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X V I I I S I M P Ó S I O N A C I O N A L D E E N S I N O D E F Í S I C A 2 Realiza-se um experime nto para testar a hipótese. Se o resultado do experimento confirma a hipótese, cria -se outro experimento para se testar a hipótese de modo mais abrangente. Se o resultado não confirma a hipótese deve -se modificá -la e em seguida testar novamente para ver se confirma4. As hipóteses confirmadas vão formar um modelo simplificado do fenômeno da Natureza e um conjunto de modelos que se relacionam a um tipo de fenômeno formam uma teoria. Historicamente pode-se considerar a origem do método científico a partir dos trabalhos do físico italiano Galileu Galilei (1564-1642) e pela sua fundamentação na obra “O Discurso sobre o Método” do filósofo e matemático francês René Descartes (1596-1650).

Foi o próprio Descartes que lançou as bases para o surgimento da psicologia no século XIX quando buscou tentar resolver o problema da mente -corpo. Ao longo dos tempos, os filósofos haviam indagado como a mente, ou suas qualidades puramente mentais, poderia distinguir-se do corpo e de todas as outras qualidades físicas. A mente e o corpo são duas essências ou naturezas totalmente diferentes? A posição sustentada por Descartes confirma o dualismo e acrescenta que a mente influenciava o corpo, mas também era influenciada por ele 2. É a chamada teoria do interacionismo mente-corpo.

A história do pensamento continuou a evoluir até o nascimento da Psicologia num dia de dezembro de 1879. O professor Wilhelm Wundt e seus alunos de pós -graduação da Universidade de Leipzig, na Alemanha, criaram o primeiro laboratório de psicologia com o objetivo de estudar os processos mentais5. Era a aplicação do método científico às questões filosóficas envolvendo a mente. Note que a Física surgiu com a aplicação do método científico às questões filosóficas envolvendo a matéria.

Será que o traço que as une está apenas em suas origens? Ao longo deste trabalho iremos demonstrar como a Física e a Psicologia estão interligadas e como o estudo de uma disciplina enriquece a outra. Será demonstrado também como elas tem se influenciado ao longo da história e nas modernas pesquisas sobre a mente humana.

2. A FÍSICA CLÁSSICA E A PSICOLO GIA “CLÁSSICA”

A chamada física clássica ou física newtoniana trouxe uma profunda transformação que se iniciou no campo da ciência e se espalhou por diversas ordens do pensamento humano. Na filosofia surgiu o iluminismo, na sociologia houve Marx, etc. A física de Newton interferiu e ainda interfere em muito do que é a humanidade de hoje.

O universo é concebido de maneira Mecanicista, ou seja, se possuo informações sobre a posição de uma partícula em um determinado instante de tempo e se conheço a resultante de todas as forças que atuam sobre esta partícula, poderei determinar sua posição em qualquer instante de tempo6.

O reflexo desse pensamento na Filosofia foi a visão do Homem como Máquina. É famosa a busca de Descartes pela sede da Alma, chegando até mesmo a realizar a localização de um ponto do cérebro que seria, no seu entendimento, a sede da “alma racional” que seria a glândula pineal.

Se o universo consiste simplesmente em átomos em movimento, então todo efeito físico (o movimento de cada partícula) resultava de uma causa direta (o movimento do átomo que colidiu com ele) e, portanto estaria sujeito a leis de medição e cálculo – logo passível de previsão.

Esse “jogo de bilhar”, portanto, o universo físico, era ordenado, sistemático, regido por leis e previsível – como um relógio ou qualquer outra boa máquina. O universo físico era planejado por Deus com perfeição absoluta (no século XVII ainda era possível atribuir causa e perfeição a Deus,

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X V I I I S I M P Ó S I O N A C I O N A L D E E N S I N O D E F Í S I C A 3 mesmo para os cientistas) e, desde que se conhecessem as leis que presidiam ao seu funcionamento, era possível saber como ele se comportaria no futuro2.

Os métodos e as descobertas da ciência cresciam vertiginosamente com a tecnologia durante esse período e as duas combinavam-se com extrema eficácia. Observação e experimentação passaram a ser as marcas distintivas da ciência e eram seguidas de perto pela medição.

E assim é que, dos séculos XVII a XIX, vemos crescer a imagem do homem como uma máquina, assim como o método pelo qual a sua natureza podia ser investigada: o método científico. Os seres humanos tornaram-se máquinas, o mundo moderno passou a estar dominado pela perspectiva científica e todos os aspectos da humanidade eram considerados sujeitos a leis mecânicas.

É através do alemão Wilhelm Wundt (1832-1920) que surge a Ciência conhecida como Psicologia2. Enquanto realizava pesquisas em Fisiologia em Heidelberg, começou se desenhando a concepção de Wundt da Psicologia como ciência independente e experimental. Sua proposta inicial para uma nova ciência da Psicologia apareceu no livro intitulado Contribuições para a Teoria da Percepção sensorial, várias seções do qual foram publicadas entre 1858 e 1862. Além de descrever os próprios experimentos originais, ele expressou seus pontos de vista sobre os métodos da nova Psicologia. Nesse livro, Wundt aludiu pela primeira vez a “psicologia experimental”. A par dos Elemente de Fechner (1860), essa obra assinala o nascimento literário da nova ciência.

Em 1875, quando se tornou professor em Leipzig, Wundt iniciou a mais importante fase de sua carreira instalando o seu laboratório e em 1881 deu início à revista Philosophische Studien [Estudos Filosóficos], o órgão oficial do novo laboratório e da nova ciência.

Uma vez que, segundo Wundt, a Psicologia é a ciência da experiência, o método da Psicologia deve envolver portanto, a observação da experiência. Como ninguém pode observar uma experiência, exceto a pessoa que a tem, o método deve envolver a auto-observação ou introspecção. O uso da introspecção não era novo com Wundt, pois mesmo uma recapitulação superficial pode remontar a Sócrates (“Conhece -te a ti mesmo”). O que constituiu uma importante inovação foi a aplicação por Wundt de um controle experimental preciso às condições de introspecção.

O emprego da introspecção em Psicologia derivou da Física, onde ela tinha sido usada para estudar a luz e o som, e da Fisiologia, onde tinha sido usada para estudar os órgãos sensoriais. Wundt estabeleceu regras muito explícitas para o uso correto da introspecção no seu laboratório: (1) o observador deve estar apto a determinar quando o processo pode ser introduzido; (2) deve estar num estado de prontidão ou “atenção concentrada”; (3) deve ser possível repetir a observação numerosas vezes; e (4) as condições experimentais devem ser capazes de variações em termos de manipulação controlada dos estímulos. Esta última condição invoca a essência do método experimental; variar as condições da situação de estímulo e observar as mudanças nas experiências do sujeito.

3. A FÍSICA RELATIVÍSTICA E A PS ICOLOGIA “RELATIVÍSTICA”

O Mundo de nossa experiência cotidiana sempre nos pareceu dotado de uma realidade própria ou intrínseca que é especificada pelas características dos objetos que a constituem. Uma estrela vista da Terra ou de um planeta distante terá as mesmas características físicas. É neste conceito de invariância que se basearam Aristóteles e Newton, e por assim dizer, a chamada Física Clássica. Um carro de corrida com tais e tais dimensões apresentará exatamente as mesmas dimensões em relação ao piloto que o conduz, como também em relação a qualquer espectador da arquibancada; assim como o tempo transcorrido em uma determinada volta será rigorosamente o

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X V I I I S I M P Ó S I O N A C I O N A L D E E N S I N O D E F Í S I C A 4 mesmo, para qualquer cronômetro (do piloto ou do espectador). Isso é a visão estritamente Clássica e Newtoniana, para ser mais exato.

Mas e se o carro de corrida pudesse viajar na velocidade da luz? A luz emitida das redondezas do carro teria velocidade nula em relação ao próprio carro? Como seria isso possível? Albert Einstein (1879-1955) em 1905 mostrou que a luz vista de qualquer referencial inercial (em repouso ou movendo-se com velocidade constante) tem a mesma velocidade em um determinado meio material. Para luz se propagando no vácuo o seu valor é sempre 300.000 km/s, não importando se você está parado ou se movendo com uma velocidade de 250.000 km/s, a velocidade da luz é sempre a mesma 7.

Através dessa nova Física, surge uma interessante constatação. As dimensões de um carro de corrida, movendo-se com uma velocidade próxima da velocidade da luz, vistas do espectador e do piloto não são mais as mesmas. Bem como os seus respectivos tempos registrados nos cronômetros também não são os mesmos. Ocorre a contração do espaço e a dilatação do tempo. O Mundo Objetivo, determinado de modo exato através de nossos sentidos objetivos, começa a desaparecer. Para que eu possa dizer que um objeto possui tais dimensões, devo deixar claro quais as condições (a velocidade) do observador que inferiu as medidas. Estas são as conclusões da Teoria da Relatividade Restrita. Por que restrita? Porque não havia como associar a Teoria da Gravitação Universal de Newton com a Teoria da Relatividade Restrita de Einstein. Por isso foi necessário o desenvolvimento da Teoria da Relatividade Geral onde a gravidade passa a ser uma conseqüência da curvatura do Espaço-Tempo. Definitivamente o Mundo real não era mais o mundo percebido pelos nossos sentidos humanos.

A Relatividade Geral foi exaustivamente confirmada através de diversas observações e experimentos. No entanto permanece inacessível à nossa percepção sensorial. Isso porque no mundo cotidiano não temos a possibilidade de pilotar um carro de corrida com velocidade próxima da velocidade luz e assim experienciar a percepção de um Mundo Relativístico. Por outro lado, surge o conceito de que o mundo é de uma determinada forma para cada observador.

É interessante notar, que ao passo que Einstein revolucionava a Física com a sua Teoria da Relatividade indo além dos limites da Física Clássica, Sigmund Freud (1856-1939) revolucionava a Psicologia com o surgimento da Psicanálise indo além dos limites da Psicologia Clássica, conforme exposta no capítulo anterior.

O ponto de partida da Psicanálise é considerado como sendo a publicação do livro Estudos Sobre Histeria , onde Freud contou com a parceria de Josef Breuer (1842-1925). Freud decide estudar os sonhos e publica A Interpretação dos Sonhos (1900), considerada a sua obra mais importante e uma série de obras que consolidam o estabelecimento da Psicanálise como importante vertente da Psicologia 2.

Freud expressou a convicção de que a vida psíquica do homem consistia em duas partes: o consciente e o inconsciente. A parte consciente, pequena e insignificante, apresenta apenas um aspecto superficial da personalidade total, enquanto que o vasto e poderoso inconsciente continha as forças ocultas que constituem a força impulsora subjacente em todo o comportamento humano. Freud também postulou a existência do pré-consciente, intermediário entre o inconsciente e o consciente5.

Note que a Psicanálise surgiu alguns anos antes da publicação do artigo de Einstein sobre a Teoria da Relatividade Restrita, ficando difícil estabelecer uma relação causal entre ambos, como havíamos delineado entre a Psicologia Experimental sendo fortemente influenciada pela Física Clássica. Apesar disso, existem algumas semelhanças, principalmente no que tange ao fim da visão mecanicista do Homem e do Universo. Apesar de Freud e Einstein ainda terem uma visão

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X V I I I S I M P Ó S I O N A C I O N A L D E E N S I N O D E F Í S I C A 5 determinista, eles apontam para ampliação além do Objetivo. Einstein demonstra a existência de um Mundo Relativístico enquanto Freud, baseado em seus estudos, postula a existência do Inconsciente.

Segundo Breves Ramos 8, o ser humano habita um Mundo quadridimensional, onde o espaço-tempo, não sendo visível, interfere nos processos mentais subjacentes. Deste modo, ocupando um lugar nesta linha da evolução cósmica, o ser humano se torna uma criatura na fluidez do espaço-tempo, condição que torna cada um de nós seres pontuais dos instantes cósmicos da linha evolutiva do universo. A autora propõe a existência de um Inconsciente Relativístico, ou seja, o Inconsciente postulado por Freud teria um tempo dilatado se comparando ao tempo do nosso cotidiano. Uma justificativa para tal seria o fato das correntes elétricas do cérebro fluírem em velocidades próximas da velocidade da luz, justificando os efeitos relativísticos associados ao Inconsciente.

4. A FÍSICA QUÂNTICA E A PSICOLOGIA “QUÂNTICA”

A física quântica é a transformação mais profunda pela qual a física passou desde a época de Newton. Pode-se considerar que a Relatividade marca o apogeu da chamada física clássica, mas a física quântica representa uma alteração muito mais radical das idéias fundamenta is da física9.

A física quântica também tem influenciado diversas áreas desde que surgiu no início do século XX. O seu surgimento foi gradual da mesma forma que a sua influência, mas será demonstrado que ela é absolutamente relevante.

Os fenômenos que ocorrem em escala atômica e as suas repercussões ao nível macroscópico são plenamente explicados pela física quântica. Como não conseguimos perceber com nossos sentidos, o que ocorre em escala atômica, não é possível descrever esse “novo” mundo com os conceitos da física clássica. Foi necessário desenvolver uma teoria completamente nova e diferente do que existia até então. Segundo as palavras de Hawking10.

Na verdade, foi uma teoria extremamente bem-sucedida e sustenta quase toda a ciência e a tecnologia modernas.

Tudo começou quando Max Planck postulou em 1900 que a troca de energia entre a radiação emitida por um corpo aquecido e os átomos da parede ocorria de forma quantizada, ou seja, através de múltiplos inteiros de um “quantum” de energia. Era como se a energia, até então considerada como algo contínuo, se apresente em escala atômica, como pequenos “pacotes” indivisíveis. Esse postulado conseguiu explicar os resultados experimentais da distribuição espectral da radiação térmica. Cada “quantum” de energia foi definido como: E = h f, onde f é a freqüência da radiação e h é uma constante universal que ficou conhecida como constante de Planck.

O postulado de quantização de Planck é inteiramente incompreensível na física clássica, onde a energia de uma oscilação não tem qualquer relação com a sua freqüência. O próprio Planck trabalhou durante anos em busca de uma explicação que pudesse reconciliar o seu postulado com a física clássica. Foi um trabalho árduo, mas infrutífero, porque o seu postulado era na verdade o início de uma verdadeira revolução na física.

Albert Einstein, em um trabalho publicado em 1905, propôs uma teoria que explicava satisfatoriamente o efeito fotoelétrico, baseada em uma extensão bastante audaciosa das idéias de Planck sobre a quantização. Sua idéia era de que a radiação eletromagnética de uma determinada freqüência consiste em um quantum de energia e que cada quantum transfere toda a sua energia a um único elétron. Esse quantum de energia da luz foi posteriormente chamado de fóton.

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Experimentos a seguir caracterizaram de forma bastante inequívoca as propriedades corpusculares da luz, como os realizados por Millikan em 1915 e Compton em 1919 e 1923. Em 1909 com um dos mais importantes experimentos da história da ciência, Rutherford descobriu que o átomo era constituído por um reduzidíssimo núcleo positivo com diversos elétrons ao redor, de modo similar a um sistema planetário. Ele pode chegar a esta conclusão observando o espalhamento de partículas alfa por uma fina lâmina de ouro. Segundo os relatos de Rutherford em 1910 sobre os resultados do experimento:

Era quase tão incrível como se você disparasse um obus de 15 polegadas contra um lenço de papel e ele fosse defletido para trás atingindo você6.

O físico dinamarquês Niels Bohr elaborou um modelo para o átomo de hidrogênio levando em conta regras de quantização e aspectos da física clássica. Esse modelo, porém, não funcionou bem para os outros átomos, mas serviu para indicar que a física quântica era o caminho para explicar os átomos.

Cons iderando os postulados de Bohr e de Einstein, o físico francês Louis de Broglie formulou a hipótese de que se luz, que é uma onda, tem um comportamento corpuscular então o elétron teria um comportamento ondulatório. Assim surgiu a idéia da dualidade onda-partícula. Experimento realizado por Davisson detectou a difração de elétrons e confirmou a hipótese de Louis de Broglie.

Na busca por uma teoria capaz de explicar satisfatoriamente a existência dos átomos e todos esses estranhos fenômenos que envolvem o comportamento dos elétrons e da luz, Bohr reuniu em torno de si em Copenhague dois talentosos jovens físicos, Heisenberg e Pauli. De modo independente, Schroedinger buscava a equação de onda das ondas de matéria propostas por de Broglie. Ambos chegaram ao que hoje é conhecido como Mecânica Quântica, em formulações independentes, mas totalmente compatíveis. Em conversa com Einstein11, Heisenberg disse:

(...) não temos idéia da linguagem que devemos usar para falar dos processos no interior do átomo. É fato que temos uma linguagem matemática, ou seja, um esquema matemático para determinar os estados estacionários do átomo ou as probabilidades de transição de um estado para outro, (...)

Os elétrons e outras entidades subatômicas não são nem totalmente ondas e nem totalmente partículas, são uma espécie de mistura de ambas as coisas que em um momento apresentam o aspecto onda e em outro apresentam o aspecto de partícula. Heisenberg argumenta que a realidade fundamental em si é indeterminada. Tudo da realidade é e continua sendo uma questão de probabilidades. No seu princípio da Incerteza é estabelecido que nunca é possível saber exatamente a posição e o momentum de uma dessas “entidades” subatômicas. A física determinista de Newton dá lugar a uma física de probabilidades. Essas probabilidades são calculadas de modo exato e conseguem descrever com extrema precisão o comportamento da Natureza. Experimentos foram exaustivamente realizados e comprovaram a validade da teoria.

Antes de se medir a posição de um elétron, existe uma nuvem de possibilidades de se encontrar o elétron, cada uma com a sua probabilidade calculada através da física quântica. Mas ao se efetuar a medida apenas uma possibilidade se confirma. Repetindo-se a medida diversas vezes os resultados experimentais coincidem com as probabilidades calculadas.

Note que o comportamento ondulatório ou corpuscular depende do experimento que é realizado (o observador). Amplitudes de probabilidade associadas a duas possibilidades diferentes interferem quando não é possível saber qual das duas foi seguida, e não interferem quando é possível distingui-las. Caminhos indistinguíveis interferem. Assim, o processo de observação influencia de forma decisiva o resultado observado1.

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Na mecânica quântica, podemos correlacionar objetos, de tal modo que eles permanecem conectados, mesmo se separados por grandes distâncias. Quando observados, os objetos quânticos correlacionados tornam-se realidades, separam-se, mas a natureza interligada de seu colapso mostra, sem dúvida, que eles estavam interligados.

Um dos grandes mistérios que desafia o ser humano é a compreensão de como funciona a mente humana. O pensamento que algumas vezes é puramente lógico e racional, capaz de ser imitado pela lógica computacional, outras tantas vezes é imprevisível e incontrolável. Há momentos em que nosso pensamento divaga entre diversas possibilidades, mas se tentamos focar em algum ponto perde-se totalmente conexão. Como pode a mente humana ser ao mesmo tempo racional e dispersa, mecânica e criativa? Se gundo as palavras de David Bohm12:

Já é o momento de nos perguntarmos se a estreita analogia entre os processos quânticos e nossas experiências interiores e processo de pensamento é mera coincidência (...) a impressionante analogia ponto por ponto entre processo de pensamento e processo quântico sugeriria que uma hipótese ligando esses dois pode muito bem resultar frutífera. Se tal hipótese puder algum dia ser comprovada, explicaria de forma natural muitos aspectos de nosso pensar.

Para que seja possível fazer uma conexão da consciência com a física quântica é necessário algum resultado experimental que indique para este caminho. De fato esses resultados existem e serão apresentados a seguir.

A primeira evidência substancial de que existe ao menos um canal de comunicação entre o mundo da física quântica e nossa percepção da realidade foi encontrada a cerca de cinqüenta anos. Naquela época, biofísicos que trabalhavam com a retina descobriram que as células nervosas do cérebro humano são sensíveis o suficiente para registrar a absorção de um único fóton e, portanto, suficientemente sensíveis para serem influenciadas pelo seu comportamento mecânico-quântico13.

Foi verificado que cerca de 10 milhões de neurônios dos 10 bilhões existentes no cérebro são sensíveis o suficiente para registrar fenômenos do nível quântico a qualquer momento. No entanto o disparo de neurônios isolados não é suficiente para explicar os complexos processos associados às atividades conscientes do cérebro.

Muitos sugeriram que a consciênc ia talvez dependa do fato de o cérebro assumir, de algum modo, as características de um superfluido ou supercondutor. Se a física das fases condensadas for realmente relevante para a consciência, então deveria existir um mecanismo desse tipo que funcionasse à temperatura normal do corpo. O sistema descrito pela primeira vez pelo prof. Herbert Fröhlich há cerca de vinte anos, e sabidamente encontrado em tecidos biológicos, parece satisfazer todos os critérios necessários.

O sistema de Fröhlich é simplesmente um sistema de moléculas eletricamente carregadas e que vibram, ao qual se acrescenta energia. Os dipolos vibráteis (moléculas nas paredes celulares de tecido vivo) emitem vibrações eletromagnéticas, exatamente como radiotransmissores em miniatura. Fröhlich demonstrou que, além de certo limite, qualquer energia a mais introduzida no sistema faz com que as moléculas daquele tipo vibrem em uníssono. Elas o fazem cada vez mais até chegarem à forma mais ordenada possível de fase condensada: um condensado de Bose-Einstein14.

Esse modelo quântico da consciência, uma vez que esteja efetivamente comprovado, pode abrir um grande leque de possibilidades de aperfeiçoamento da psicologia. A perfeita compreensão do cérebro deixa de ser um sonho inatingível e passa a se tornar possível com a contribuição da física quântica. As diversas nuances do comportamento humano passam a ter uma possibilidade de ser compreendidas como um reflexo dos processos quânticos que ocorrem nos neurônios.

A Física Quântica também parece ter influenciado o trabalho de Carl Gustav Jung (1875-1961). Primeiro pelo fato dele ter sido amigo pessoal de Wolfgang Pauli, um dos físicos que

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X V I I I S I M P Ó S I O N A C I O N A L D E E N S I N O D E F Í S I C A 8 construíram a Física Quântica. Em segundo lugar, a idéia de Jung da existência do Inconsciente coletivo parece ter algum embasamento na correlação não-local, abordada acima. Se alguma informação pode ser transmitida de forma instantânea, como no exemplo de dois fótons correlacionados, onde é possível alterar o estado de um deles, alterando-se o estado do outro e de modo instantâneo, então seria possível haver uma correlação não-local entre os Inconscientes de todos os seres humanos, o que resultaria no Inconsciente Coletivo de Jung2 e na sua Psicologia Analítica.

Robert Anton Wilson15 relaciona os conceitos da Física Quâ ntica com a idéia de um software cerebral onde o Mundo em que você vive é o Mundo que você programa. Em síntese ele afirma que , quando a moderna Neurociência descreve como nossos cérebros funcionam, forçosamente ela invoca o mesmo tipo de paradoxos e lógica estatística encontrada no domínio da Física Quântica.

5. CONCLUSÃO

Nota-se que as diversas áreas da Física, a saber, Física Clássica, Física Relativística e Física Quântica tem relações com diversas áreas e pensadores da Psicologia. Estas áreas do conhecimento humano que de modo aparente não possuem nenhum ponto de contato, em uma análise mais aprofundada apresentam correlações que, se não denotam um vínculo causal, pelo menos indicam uma possibilidade da existência de pesquisas interdisciplinares envolvendo Física e Psicologia a fim de que uma e outra se apóiem na exaustiva tarefa de compreender o ser humano e o Universo. Talvez ambas se influenciem e juntas possam permitir estudos de natureza filosófica para que os processos mentais possam ser melhor compreendidos e o ser humano possa dar um grande passo no processo de auto-conhecimento . Não poderíamos encerrar nosso estudo sem citar a frase atribuída ao filósofo grego Sócrates para que seja um resumo da idéia de interdisciplinaridade entre Física e Psicologia: “Conhece-te a ti mesmo e conhecerás o universo dos deuses.”

6. REFERÊNCIAS

[1] CHASSOT, Attico. A Ciência Através dos Tempos. Editora Moderna, 2ª edição, 2004. [2] SCHULTZ, Duane. A História da Psicologia Moderna. Editora Cultrix, 2ª edição, 1975. [3] FEYNMAN, Richard. Física em 12 Lições. Ediouro, 2005. [4] WYNN, Charles M. e WIGGINS, Arthur. As Cinco Maiores Idéias da Ciência. Ediouro, 2002. [5] MYERS, David. Introdução à Psicologia Geral, LTC Editora, 5a edição, 1999. [6] NUSSENZVEIG, H. Moysés. Curso de Física Básica. Ed. Edgar Blücher. 2003. [7] VIDEIRA, Antonio Luciano Leite. A(s) Relatividade(s) de Einstein. Ciência & Ambiente 30. páginas 63 até 82. Edição SBF, 2005. [8] RAMOS, Maria Beatriz Breves. Macromicro, A Ciência do Sentir , RJ: Maua d. 1998. [9] CHAVES, A. e Shellard, R. C. Física para o Brasil: pensando o futuro. SBF. 2005. [10] HAWKING, S. Uma Breve história do tempo. Ed. Gradiva, 1988. [11] HEISENBERG, W. A Parte e o Todo. Ed. Contraponto. 1996. [12] BOHM, David. Quantum Theory. P. 169. [13] PENROSE, Roger. In Mindwaves. P. 274 [14] FRÖHLICH, H. Long-Range Coherence and Energy Storage in Biological Systems. Ed. Gutman. Modern Bioelectrochemistry. [15] WILSON, Robert Anton. Psicologia Quântica. Madras Editora. 2007.