FINANCIAMENTO PARA CADEIAS DESMATAMENTO · – principalmente o desmatamento ilegal. Agora em sua...

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Maio 2017 | Ano 10 | Edição 51 FINANCIAMENTO PARA CADEIAS PRODUTIVAS LIVRES DE DESMATAMENTO

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Maio 2017 | Ano 10 | Edição 51

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FINANCIAMENTO PARA CADEIAS PRODUTIVAS LIVRES DE DESMATAMENTO

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32 Apresentação | Café com Sustentabilidade

O desenvolvimento e o financiamento

de cadeias produtivas livres de desmatamento é

atualmente uma grande preocupação do setor

bancário no Brasil. Não à toa, este foi o tema da 51ª

edição do Café com Sustentabilidade da FEBRABAN

e é também alvo de um estudo em parceria com o

Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação

Getúlio Vargas (GVces), que agora está em sua segunda

etapa. Nele, estão mapeadas as práticas de combate

ao desmatamento adotadas por empresas de diversos

elosdascadeiasdesoja,pecuáriaeprodutosflorestais,

e identificadosos avanços eprincipais desafiospara

que estas cadeias se tornem livres de desmatamento

– principalmente o desmatamento ilegal.

Agora em sua segunda fase, o projeto vai

aprofundar a pesquisa e recomendar elementos a

serem considerados pelos bancos na concessão de

financiamento,visandoàgestãodorisconosprojetos

financiados.Esteassuntotorna-seaindamaisrelevante

se considerarmos o aumento do desmatamento

observado no Brasil nos últimos três anos. A retomada

dos elevados índices de corte de florestas, alémde

ameaçar a imagem e competitividade do agronegócio

brasileiro no mercado global, pode colocar em xeque a

capacidade do país em cumprir os compromissos

climáticos assumidos no âmbito do Acordo de Paris.

Nesta 51ª edição do Café com Sustentabilidade,

também foram apresentados novos parceiros: além

da cooperação técnica com o GVces nesse projeto, que

terá continuidade, este ano contaremos com o apoio

do Carbon Disclosure Project (CDP) e sua experiência

na divulgação de informações ambientais; e também

comacooperaçãodaWWF-Brasil,pormeiodeuma

parceria técnica e executiva que unirá esforços para

promover o desenvolvimento e o compartilhamento

de ferramentas que auxiliem as instituições

financeirasaincorporaroriscodedesmatamentoem

seus negócios, além de identificarmecanismos que

incentivem a produção agropecuária sustentável.

Duas iniciativas importantes nesse sentido

já estão em curso, e foram apresentadas neste

Café: são os programas Colaboração para Florestas

e Agricultura (CFA) e Conservação e Mercados

Financeiros (CFMI). Ambos são liderados pela WWF

e por outras organizações internacionais, que se

propõem a definir incentivos para a produção sem

desmatamento nas cadeias da soja e da carne bovina.

APRESENTAÇÃO

Boa leitura!

Mario Sérgio Vasconcelos

Diretor de Relações Institucionais da FEBRABAN

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Apresentação

Finanças sustentáveis em cadeias agropecuáriaseflorestais:oestadoda arte

A hora de agir

União de forças para novos padrões de produção

Do risco à oportunidade

SUMÁRIO

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Mario Sérgio Vasconcelos

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NOVOS PASSOS PARA CADEIAS SUSTENTÁVEIS

CRÉDITOS

Coordenação

Mário Sérgio Vasconcelos

Diretor de Relações Institucionais

Redação

Andrea Vialli Jornalista | MtB 29.798

Projeto gráfico

Agência Mantra

Fotografias

Cibele Barreto

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54 União de forças para novos padrões de produção | Café com SustentabilidadeUnião de forças para novos padrões de produção | Café com Sustentabilidade

UNIÃO DE FORÇAS PARA

NOVOS PADRÕES DE PRODUÇÃO

FEBRABAN e WWF-Brasil anunciam parceria para

reduzir o risco de desmatamento nas operações financeiras com

as cadeias da soja e da carne

Raj Kudra

O Brasil tem à sua frente o desafio

de contribuir com a redução das emissões

de gases de efeito estufa, frear as mudanças

climáticas e a perda da biodiversidade.

O combate ao desmatamento e

a conversão de ecossistemas naturais é

fundamental para alcançar esses objetivos.

A 51ª edição do Café com Sustentabilidade

da FEBRABAN, realizado no dia 17 de maio

de 2017 no auditório da entidade, em São

Paulo, promoveu debates sobre como o setor

financeiro pode contribuir para fomentar

cadeias produtivas livres de desmatamento

e divulgou a recente parceria com a ONG

WWF-Brasil,umadasmaisantigaseatuantes

organizações ambientais do mundo.

O acordo prevê a cooperação

técnica entre FEBRABAN e WWF-Brasil

com o propósito de unir esforços para

desenvolver e compartilhar ferramentas

que auxiliem os bancos a identificar e

incorporar o desmatamento na análise de

risco socioambiental em suas operações

financeiras, comumespecial focona gestão

do risco de desmatamento.

Outra vertente da parceria é

desenvolver mecanismos de incentivo ao

agronegócio sustentável. No evento, foram

apresentadas duas iniciativas lideradas pela

WWF e outras organizações internacionais que

caminham nessa direção: são os programas

Colaboração para Florestas e Agricultura (CFA),

que busca tornar a produção de carne bovina e

soja sem desmatamento em um padrão global

para estes bens de consumo; e a iniciativa para

Conservação e Mercados Financeiros (CFMI),

cujoobjetivoéaliaromercadofinanceiroeo

setor de alimentos no combate às práticas que

degradam os ecossistemas naturais. Os dois

programas chegam à América do Sul unindo

diversas organizações internacionais e locais

com uma proposta colaborativa, de busca e

desenho conjunto de soluções.

RajKundra,vice-presidentedeFinanças

Sustentáveis e Commodities do WWF-EUA,

apresentou as iniciativas CFA e CFMI. Ambas

estão sendo realizadas por um pool de

organizações internacionais - além doWWF,

estão presentes a Gordon and Betty Moore

Foundation (GBMF), The Nature Conservancy

(TNC), National Wildlife Federation (NWF),

World Business for Sustainable Development

(WBCSD) e Ceres.

Segundo Kundra, os projetos foram

desenhados envolvendo múltiplos atores

porque o cenário atual pede uma abordagem

conjunta do setor financeiro, empresas,

O setor agropecuário é importante para a economia global, mas responde por 30% das emissões globais de gases de efeito estufa e ocupa 40% das terras disponíveis do planeta

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76 União de forças para novos padrões de produção | Café com Sustentabilidade União de forças para novos padrões de produção | Café com Sustentabilidade

Com a iniciativa CFMI, a estratégia é

aumentar o acesso dos produtores a capital

e meios de financiamento que possam dar

suporte à transição para modos de produzir

sem desmatamento. Além disso, apontou

Kundra, as duas iniciativas terão um forte

componente de acesso a informação.

“Estamos investindo no desenvolvimento de

ferramentas técnicas para os mercados locais,

pois a ausência dessas ferramentas é uma

barreira para que empresas se comprometam

com a redução do desmatamento. Queremos

tornar os dados disponíveis e conectar os elos

das cadeias produtivas em um mesmo sistema”,

afirmou Kundra. As duas iniciativas são

complementares e as soluções serão criadas

de forma colaborativa em nível global e local –

por isso as parcerias locais são fundamentais,

pois cada país possui suas peculiaridades em

termos de biomas e mercados.

mercado de capitais e organizações

ambientalistas na busca por soluções de

forma colaborativa. No decorrer das próximas

décadas, pelo menos três bilhões de pessoas

se juntarão a um padrão de consumo de

classe média em todo o mundo, com dietas

mais ricas em proteína animal.

“Sabemos que a população global

está crescendo, o que gera também aumento

da demanda por alimentos e da pressão que

a produção agropecuária coloca sobre os

ecossistemas”, disse Kundra.

Embora seja um setor importante

para a economia global, a agropecuária cobra

um preço ambiental alto, pois responde

por 30% das emissões globais de gases de

efeito estufa, por 70% do consumo de água

doce, ocupa 40% das terras disponíveis e

é responsável direta por 50% das perdas

de florestas e conversão de ecossistemas

naturais.

Segundo Kundra, as cadeias produtivas

da soja, da carne e do óleo de palma são, de

forma global, as que apresentam impactos

mais significativos em termos de perda de

biodiversidade e mudanças climáticas.

No caso da América do Sul, os três

biomas contemplados na iniciativa CFA –

Amazônico, Cerrado e Chaco – ocupam um

terço do território do continente (cerca de 670

milhões de hectares) e estão expostos e muito

vulneráveis ao avanço das fronteiras agrícolas

para a produção de carne bovina e soja.

O diferencial dos dois programas, de

acordocomoespecialistadaWWF-EUA,éque

estão sendo estruturados com o objetivo de

direcionar a oferta de capital (tanto público

quando privado) para as boas práticas de

produção. A ideia, com o CFA, é fomentar a

liderança em práticas agrícolas de menor

impacto ambiental entre produtores, traders

de commodities e compradores finais, de

modo que assumam compromissos que

possam ser disseminados ao longo de toda a

cadeia de valor.

Outro objetivo é encorajar as

empresas a ampliar a transparência

(disclosure) dos seus progressos, de modo

que suas iniciativas possam ser conhecidas,

e também seguidas, pelos pares do setor.

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De acordo com Rachel Biderman,

conselheira doWWF-Brasil, as iniciativas CFA

e CFMI estão alinhadas com a missão da Rede

WWF no mundo e também no Brasil, que é

contribuir para que a sociedade conserve a

natureza, harmonizando a atividade humana

com a conservação da biodiversidade e

uso racional dos recursos naturais. A WWF

está presente em mais de 100 países em

seis continentes e conta com uma rede de

mais de 5 milhões de apoiadores. No Brasil,

a organização atua há duas décadas e tem

programas de conservação em biomas como

o Cerrado, Amazônico e Mata Atlântica, e tem

sidoumatorimportantenadefiniçãodepolíticas

públicas, implementação e monitoramento

dessas políticas, e no combate ao desmatamento,

um dos temas críticos para a organização.

A cooperação estabelecida com a

FEBRABAN traz um aliado importante para

o cumprimento de sua missão, que é o setor

financeiro atuante no combate à conversão

de ecossistemas naturais e à perda da

biodiversidade.

“Finalmente vamos trabalhar na junção dos

fatores que ameaçam a biodiversidade. Vamos

trazer o melhor da inteligência, da ciência

e da atuação do terceiro setor para juntos

FinançasSustentáveisemcadeiasagropecuáriaseflorestais:OEstadodaArte|CafécomSustentabilidade FinançasSustentáveisemcadeiasagropecuáriaseflorestais:OEstadodaArte|CafécomSustentabilidade

encontrarmos soluções nas cadeias da soja e

dacarne”afirmouBiderman,naaberturado

51º Café com Sustentabilidade.

Biderman destacou alguns dados do

relatório Living Planet Report, em especial o

Living Planet Index, produzido pelo WWF, que

aponta os crescentes impactos da humanidade

sobre a vida silvestre em todo o mundo.

Em 2012 o estudo apontava a perda

de58%dasespéciesdefaunaefloraglobais,

e se o atual ritmo for mantido em 2020 a perda

atingirá 67% das espécies. “Se continuarmos

no business as usual, o aumento da perda

da biodiversidade será muito rápido, pois

estamos chegando próximos a um limiar muito

perigoso”,afirmou.Parareverteressacurvade

tendência, segundo Biderman, será preciso

trabalhar simultaneamente em diversas frentes

e mobilizar vários setores para objetivos como

cortar as emissões de gases de efeito estufa

em 50%, reduzir o impacto da produção de

alimentos, dobrar a pesca sustentável, manter

o fluxo dos rios, combater o desmatamento,

eliminar a caça predatória e proteger os

ecossistemas terrestres e oceânicos. “É por isso

que a WWF se envolve em um projeto como

esse”,concluiuaconselheiradoWWF-Brasil.

Em 2012, o estudo apontava a perda de 58% da biodiversidade global, e se continuarmos no ritmo atual em 2020 a perda será de 67%, segundo o relatório Living Planet Index, do WWF

Rachel Biderman

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FINANÇAS SUSTENTÁVEIS

EM CADEIAS AGROPECUÁRIAS E

FLORESTAIS: O ESTADO DA

ARTE

Brasil têm à frente o desafio de se manter como grande produtor agrícola e ao mesmo tempo frear emissões e a perda da

biodiversidade

Annelise Vendramini

A apresentação das iniciativas CFA e

CFMI foi seguida de uma palestra de Annelise

Vendramini, coordenadora do Programa de

Finanças Sustentáveis do GVces.

Em sua apresentação, a pesquisadora

abordou o estado da arte das finanças

sustentáveis em cadeias agropecuárias e

florestais e as razões econômicas dessa

aproximação entre o setor financeiro e

as discussões de cunho socioambiental.

Umdosdesafiosmaisimportantesque

a espécie humana enfrenta são as mudanças

climáticas, e para que não se ultrapasse o

patamar de 2º C de aumento da temperatura,

serão necessárias medidas efetivas para a

chamada descarbonização da economia, o que

significa emitirmenos gases de efeito estufa

por unidade de Produto Interno Bruto (PIB) –

ou seja, os países devem crescer mantendo ao

mesmo tempo emissões baixas de gases de

efeito estufa.

Vendramini apresentou dados da

consultoria PricewaterhouseCoopers (PwC)

que apontam que será preciso descarbonizar

a economia global a uma taxa de 6,5% ao ano

até 2100.

Nos últimos 15 anos, a taxa de

descarbonização global foi em média 1,3%

ao ano, sendo que em 2015 essa taxa foi

recorde: 2,8%. O que se observa no cenário

internacional é que destinos comerciais de

produtos do agronegócio brasileiro como

Reino Unido, China, Rússia e EUA já vem

mostrando tendência de descarbonização.

No acumulado do período de 2000 a 2015, o

Reino Unido descarbonizou sua economia em

torno de 3,5% ao ano; a China, em torno de 2%,

sendo que no último ano a taxa foi de 6,5%.

“A partir da Revolução Industrial,

criamos um modelo econômico focado em

energias fósseis. Mas a pressão das mudanças

climáticas está nos dizendo que teremos

de criar outros modelos econômicos, ou

aperfeiçoar o atual de tal forma que se possa

crescer mantendo o equilíbrio ecológico”,

afirmouVendramini.

Segundo a pesquisadora do GVces, já

éconsensonaeconomiadequeodesafiode

manter o crescimento econômico sem maiores

impactos à biodiversidade e ao clima global só

será resolvido com a ajuda dos mercados.

“Não será possível pensar em soluções

para os problemas ecológicos, sociais e ambientais

do nosso século e do próximo olhando só para

política pública de comando e controle. Vamos ter

de usar o mercado para nos ajudar nas soluções

econômicas para os problemas ambientais”,

afirmou.

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Um exemplo são os EUA. A despeito

da recente decisão do presidente Donald

Trump de sair do Acordo de Paris, o país

vem desenvolvendo uma série de mercados

para temas de natureza ambiental, que

transacionaram US$ 3 bilhões no ano passado.

São mercados ligados a áreas alagadas,

espécies ameaçadas, bacias hidrográficas,

emissões de carbono e mudança do uso do

solo. Estados americanos como a Califórnia

contam com mecanismos próprios, assim

como outros países, entre eles Austrália, Nova

Zelândia e Costa Rica.

Aliado a isso, é crescente o movimento

de investidores do mercado de capitais

que olham liquidez, risco e retorno - a

tríade fundamental de qualquer análise de

investimento –, mas incluem aspectos de

ambientais, sociais e de governança, (ESG,

na sigla em inglês) em suas análises de

investimentos e processo de tomada de

decisão.SegundoVendramini,trata-sedeum

mercado superior a US$ 20 trilhões de ativos

sobgestão,formadoporumtipoespecíficode

investidor que já está canalizando recursos e

montando carteiras de investimentos voltados

para a sustentabilidade.

Outro indício de que esses temas

invadiramaagendafinanceiraéopromissor

mercado dos títulos verdes de renda fixa,

os chamados green bonds, que começaram

a ser emitidos no início dos anos 2000 para

financiarprojetosde reduçãodeemissãode

gases de efeito estufa e energias renováveis

e hoje atendem a vários tipos de iniciativas de

natureza socioambiental.

Em 2007, os green bonds movimentaram

em torno de US$ 800 milhões e em 2016 esse

montante chegou a US$ 81 bilhões em emissões,

um mercado nitidamente em ebulição.

Para Vendramini, a sustentabilidade

também já está presente na agenda de órgãos

reguladores e organismos internacionais

do porte do G20, que abriga um grupo de

trabalhosobreo temafinançassustentáveis;

na Basileia, há uma força tarefa no âmbito

do Financial Stability Board (FSB) que visa

promover o avanço do reporte de empresas

listadas em mercado de capitais com relação

a emissões de gases de efeito estufa; e o

Programa das Nações Unidas para o Meio

Ambiente (UNEP) tem um grupo que vem

trabalhando com bancos centrais, tesouro,

ministérios da fazenda de diversos países

do mundo para que o tema das finanças

sustentáveis avance. O contexto está colocado

– as discussões sobre sustentabilidade,

mudança do clima, biodiversidade e limites

Mercados de natureza ambiental já são realidade em países como Austrália, Nova Zelândia e Costa Rica. Nos EUA, já movimentam US$ 3 bilhões

ecológicos já são entendidos como temas de

natureza econômica. Por essa razão e pela sua

própria vocação, o Brasil precisa estar no centro

dessa agenda global.

Com uma agroindústria que representa

mais de 20% do PIB e 30% da balança comercial

e metas no âmbito do Acordo de Paris que

atingem diretamente o setor, o crédito

agrícola é um elemento importante para seu

desenvolvimento. Desde o início do Plano Real,

o montante destinado ao crédito rural saltou de

R$ 7 bilhões em 1995 para R$ 154 bilhões em

2015 e, a partir de 2010, foi criada uma linha

específica para fomentar práticas agrícolas

de baixa emissão de carbono, o Plano ABC –

Agricultura de Baixo Carbono, considerado um

marco importantíssimo para a competitividade

do agronegócio brasileiro no futuro. O Plano

ABC é um programa do governo federal e trouxe

ao mercado uma linha de crédito com juros

abaixo das demais linhas de mercado, voltado

a incentivar o agricultor a utilizar tecnologias de

baixo carbono e implementar a recuperação

ambiental nas propriedades.

No entanto, há alguns desafios para

sua incorporação. Desde a safra 2010/11,

quando começou a ser ofertado, até a última

safra fechada, que foi 2015/16, os recursos

contratados sempre estiveram abaixo do

montante disponível. Na safra 2015/16, foram

contratados R$ 2 bilhões no Plano ABC, do total

de R$ 3 bilhões disponíveis. Há um desequilíbrio

entre a demanda e a oferta por recursos, e

há vários motivos que justificam o fato de

o produtor rural não estar buscando esse

recurso. Embora a agenda ambiental esteja

avançando em alguns setores do agronegócio

– especialmente para a recuperação de

pastagens e áreas degradadas – o volume de

crédito voltado para a recuperação de áreas

de preservação permanente (APP) e reserva

legal (RL), os dois instrumentos de conservação

previstos no Código Florestal (Lei Nº 12.651/12)

ainda é muito pequeno.

Por outro lado, a mesma legislação

criou mecanismos inovadores, como as Cotas

de Reserva Ambiental (CRA), que ainda não

estão sendo utilizadas, mas podem ser um

balão de ensaio para um amplo mercado de

serviços ecossistêmicos no Brasil. Todas essas

alternativas são alvo de estudos no âmbito da

parceria do GVces com a FEBRABAN. “Buscamos

identificar onde estão as oportunidades para

que a produção agrícola brasileira capitalize a

vantagem comparativa que temos e avance

na agenda de proteção ambiental. Olhando 30

anos para frente, é onde o Brasil pode nadar

de braçada e se destacar de fato”, afirmou a

pesquisadora.

“O crédito é fundamental quando se fala em colocar a agroindústria e o setor florestal no centro da agenda ambiental, das mudanças climáticas e da produtividade” – Annelise Vendramini, GVces

FinançasSustentáveisemcadeiasagropecuáriaseflorestais:OEstadodaArte|CafécomSustentabilidade FinançasSustentáveisemcadeiasagropecuáriaseflorestais:OEstadodaArte|CafécomSustentabilidade

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1514 Do risco a Oportunidade | Café com Sustentabilidade Do risco a Oportunidade | Café com Sustentabilidade

DO RISCO À OPORTUNIDADE

Para bancos e empresas, próximos passos são destravar o crédito rural de baixo carbono e auxiliar produtores

a cumprir o Código Florestal

“A Declaração de Collevecchio foi um

instrumento para promover essa discussão,

colocou os bancos para pensar em seu

papel na promoção da sustentabilidade, na

consideração de seus impactos indiretos,

corresponsabilidade, transparência, prestação

de contas e governança”, afirmou Simonetti.

Segundo ela, uma das heranças do compromisso

foi o reconhecimento de que os problemas

socioambientais são complexos e a busca por

soluções requer trabalho conjunto entre setor

privado, bancos, ONGs, academia e governos.

O tema central do debate foi como

incentivar práticas mais sustentáveis na

agropecuária por meio do crédito rural e

destravar o Plano ABC, que enfrenta um

desequilíbrio entre oferta e demanda.

André Nassar, fundador e diretor da

consultoria Agroicone, abordou a questão

com propriedade – além de trabalhar

diretamente com produtores rurais,

Nassar também passou pelo Ministério

da Agricultura, Abastecimento e Pecuária

(MAPA), onde foi secretário de Política

Agrícola entre março de 2015 e maio de

2016. Enquanto estava no governo, Nassar

já identificavaopleitodosbancosdequeo

Plano ABC era uma linha de crédito difícil de

ser trabalhada – seja pelo spread baixo, seja

pela natureza das operações que o programa

busca financiar. “O Plano ABC é diferente

de conceder crédito para a compra de uma

máquina, ele vende um sistema produtivo.

Tanto o banco quanto o governo querem

saber se aquele sistema produtivo será, de

fato, implementado”, explicou Nassar.

Além disso, existem outros programas

de crédito rural que competem com o Plano

ABC, mas que acabam sendo mais viáveis

comercialmente. Uma das possíveis soluções

para destravar a linha de baixo carbono seria

vincular o crédito rural ligado a custeio ou

investimento a uma contrapartida ambiental

– o produtor rural que tomar empréstimo para

comprar animais, por exemplo, financiaria

também recuperação de suas pastagens.

Roberta Simonetti

Após a apresentação de Annelise

Vendramini, o 51º Café com Sustentabilidade

FEBRABAN abriu espaço para um debate

envolvendo executivos dos bancos Itaú

BBA, Banco do Brasil, Santander e de duas

empresas ligadas à cadeia do agronegócio –

Cargill e Agroicone.

Roberta Simonetti, especialista de

FinançasparaSustentabilidadedoWWF-Brasil,

foi a moderadora do painel e destacou avanços na

interlocuçãocomosetorfinanceironosúltimos

anos. Muita coisa mudou desde a Declaração

de Collevecchio, a primeira declaração

da sociedade civil sobre o papel do setor

financeiro na agenda da sustentabilidade,

assinada por mais de 100 organizações.

De algum jeito, temos que juntar o capital de giro que está sendo dado para o produtor e dar estímulos para que ele tome uma decisão de empréstimo de longo prazo para financiar também a recuperação ambiental” – André Nassar

“Sabemos que o diálogo com o pecuarista em cima do desmatamento zero é muito difícil. Agora falar de melhores práticas no campo tem melhor aceitação por parte do produtor” – Christopher Wells, Santander

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Do ponto de vista dos bancos, algumas

particularidades tornam o Plano ABC uma linha

mais difícil de ser administrada – uma delas é

o custo por transação, que acaba não sendo

rentávelparaasinstituiçõesfinanceirasporque

cada operação requer uma análise minuciosa

da documentação do tomador.

Christopher Wells, superintendente de

Risco Socioambiental do Santander, explicou

que em muitos casos, analisar a situação de

um produtor com pendências fundiárias ou

ambientais é quase tão complexo quanto

analisar um projeto de hidrelétrica.

"Trabalho há alguns anos com risco

socioambiental e já analisei milhares de

empresas e dezenas de projetos. Mas a análise

de um produtor no Mato Grosso com área

embargada ou problema com terra indígena

é tão complexa quanto uma hidrelétrica na

Amazônia”, disse Wells. Segundo ele, o tempo

gasto para olhar operações com esse perfil

acaba sendo o mesmo de uma operação de

centenas de milhares de reais.

Carlos Ortiz, diretor de Clientes

Produtores Rurais do Itaú BBA, tem opinião

semelhante. “A receita que se tira de cada

operação do Plano ABC não compensa o custo

nem para o produtor, nem para o banco. É difícil

de colocar em prática porque se perde dinheiro

na operação”, disse. Uma possível solução,

segundo Ortiz, seria a linha migrar do crédito

por CPF do produtor para um crédito por

projeto, o que permitiria maior escala e daria

à instituição financeira uma condiçãomelhor

para verificar se determinado projeto tem

impacto real e se haveria benefícios ambientais

derivadosdofinanciamento.

Além disso, ressaltou Ortiz, o custo

do crédito ABC não está ligado apenas à sua

complexidade e às minúcias da análise do

tomador e do seu projeto, mas também está

relacionado à quantidade de documentos e

licenças requeridas e à baixa escala de cada

operação. Outro aspecto que impacta os

processos é a insegurança jurídica, uma vez

que o Código Florestal sofre com quatro ADINs

(Ação Direta de Inconstitucionalidade) por parte

deprocuradores;muitaslicençasecertificados

demandados não são emitidos e os processos

administrativos que buscam corrigir distorções

de ações contra produtores levam anos.

Principal aplicador das linhas que evitam

ou reduzem emissões de gases de efeito estufa

(ABC, Inovagro, Pronaf Florestal, Pronaf Eco),

o Banco do Brasil tem mais de R$ 20 bilhões em

carteira destinados a plantio direto, que é uma

das técnicas de baixo carbono mais utilizadas

pelos agricultores. De acordo com Carlos Tuma

Delbin, gerente geral de Assessoramento

Técnico ao Agronegócio do Banco do Brasil,

a linha ABC chegou a registrar alta demanda

até 2015, mas fatores macroeconômicos

influenciaramnaatratividadedalinha.

“Alguns fatores coincidiram e levaram

a uma queda na procura. A crise financeira

deixou o produtor mais receoso em investir e

Do risco a Oportunidade | Café com Sustentabilidade Do risco a Oportunidade | Café com Sustentabilidade

a taxa de juros deixou de ser tão atrativa em

relação às demais linhas: hoje está com 0,5% de

diferença”,afirmouDelbin.

Apesar disso, o executivo acredita que

atecnologiaeassistênciatécnicaqualificadaao

produtor são aliadas para frear o desmatamento

ilegal. Hoje o Banco do Brasil possui ferramentas

específicas, como o GeoMapa Rural, um

aplicativo para celular que já armazena mais

de 200 mil polígonos cadastrados, além de

uma rede de assessoramento técnico com

239 técnicos espalhados pelo Brasil e 3.000

empresas conveniadas que dão suporte aos

clientes. “A transferência de tecnologia é um

fator importante para a diminuição de risco de

desmatamento. Vamos ter mais produtividade

por área sem necessidade de desmatar novas

frentes”, disse.

Fazer com que o produtor rural

enxergue oportunidades nos mecanismos

previstos no Código Florestal é um dos grandes

desafiosdoagronegócionopaís.OBrasiltem

uma das mais avançadas leis ambientais do

mundo, mas o produtor rural ainda não está se

beneficiandodela,naavaliaçãodeYuri Feres,

gerente de Sustentabilidade da Cargill.

“Odesafioé sair dos grandesplayers,

como os bancos, as traders e os grandes

produtores, que já estão convencidos dos

benefícios ambientais, e colocar isso no chão,

na prática, entre os milhões de produtores que

temosnopaís”,afirmou.SegundoFeres,ofato

de o Brasil estar entre os maiores produtores

mundiais de soja, carne bovina e aves e ao

mesmo tempo abrigar a complexidade de

seromaioremnúmerodeflorestasnativase

espécies de biodiversidade coloca uma grande

responsabilidade sobre os ombros do setor

agropecuário e florestal. Mesmo assim, a

resposta do produtor ao Código Florestal foi

mais rápida do que a ação do governo – um

exemplo é o Cadastro Ambiental Rural (CAR),

que alcançou mais de quatro milhões de

produtores em pouco mais de dois anos, mas

menos de 1% dos cadastros já foram validados

pelos órgãos públicos.

Moderadora Roberta Simonetti, especialista de Finanças para Sustentabilidade do WWF-Brasil.

André Nassar, Fundador e diretor da Agroicone. Carlos Ortiz, Diretor de Clientes Produtores

Rurais do Itaú BBA. Carlos Tuma Delbin, Gerente Geral de Assessoramento Técnico ao Agronegócio do Banco do Brasil.

Christopher Wells, Superintendente de Risco Socioambiental, Banco Santander. Yuri Feres, Gerente de Sustentabilidade da

Cargill Brasil.

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Entender a cadeia agropecuária

inteira – do produtor que engorda o bezerro

até a rede de fast food que vende a carne

em seus hambúrgueres – e seus diferentes

níveis de risco em cada etapa é uma das

tarefas que o trabalho da FEBRABAN e seus

parceiros pretende entregar até o final do

ano. Com mais informações nas mãos, cada

instituição financeira terá mais elementos

para a tomada de decisão. A 51ª Edição

do Café com Sustentabilidade FEBRABAN

proporcionou mais uma oportunidade

de discussão, de compartilhamento de

diferentes visões e posicionamentos que

enriquecem a forma de trabalhar e de

encaminhar soluções.

Mário Sérgio Vasconcelos, diretor

de Relações Institucionais da FEBRABAN,

encerrou o evento conclamando os

brasileiros a serem mais ativos politicamente,

levando suas opiniões para os legisladores

locais e o Congresso.

“O Brasil é um país muito curioso: é tão

rico, tão beneficiado nos seus recursos

que se dá ao luxo, muitas vezes, de perder

oportunidades e vai mais devagar do que

poderiaoudeveriair”,afirmouVasconcelos.

Segundo ele, o país começa a ter

sinais mais positivos na economia, como a

queda de taxa de juros e da inflação,mas

é preciso discutir com mais profundidade

as questões importantes para o futuro

do país, como os temas ambientais.

“Precisamos, cada um de nós, influenciar

essas decisões, nos comunicar melhor com

nossos legisladores, nossos congressistas,

mostrar nossas opiniões. No fundo, o país

é o que nós construímos. Para o diretor

da FEBRABAN, o que está no Congresso é

uma representação, de fato, da sociedade

brasileira. "Não adianta só jogar pedras,

vamos fazer nosso papel”.

HORA DE AGIR

A Hora de Agir | Café com Sustentabilidade

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