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    PRIMEIRA SINFONIA DE CMARA OP.9, DE ARNOLD SCHOENBERG: NAS FRONTEIRAS DA TONALIDADE

    autor: Carlos de Lemos Almada1

    e-mail: [email protected] orientadora: Prof. D. Vnia Dantas leite

    Esta comunicao tem por objetivo apresentar a pesquisa em andamento de minha

    dissertao de mestrado em msica, que consiste numa detalhada anlise da Primeira Sinfonia

    de Cmara op.9, em Mi maior, do compositor austraco Arnold Schoenberg (1874-1951),

    escrita em 1906.2 particularmente relevante para o desenvolvimento desta pesquisa o fato de

    que a obra representa um dos pontos culminantes do perodo tonal do compositor (1893-1908)

    que, por sua vez, situa-se historicamente como vrtice no processo de abandono da tonalidade

    como nica forma de expresso musical. A Sinfonia tambm exemplifica, de forma

    especialmente clara, aquela que pode ser considerada uma das principais caractersticas do

    pensamento criativo de Schoenberg: a sntese entre a busca incessante pelo novo e a

    manuteno da tradio, especificamente germnica, qual o compositor se julgava

    intimamente ligado como seu mais fiel continuador nos anos finais do sculo XIX e a

    primeira metade do sculo XX.

    A Sinfonia de Cmara de Schoenberg , de fato, diante da dicotomia tradio e inovao,

    um caso singular: ao mesmo tempo que se torna um formidvel campo de provas de novas

    experimentaes a maioria delas apresentadas de maneira ainda incipiente em obras

    anteriores do compositor , por outro lado, solidamente enraizada nas bases harmnicas e

    formais do Classicismo, o que, contudo, revela-se somente mediante uma anlise minuciosa,

    dada a enorme complexidade da obra.

    Os principais aspectos inovadores apresentados pelo op.9 so:

    a) Forma compactada estrutura-se como um nico movimento que, no entanto, apresenta-

    se subdividido em cinco longas sees Exposio (em forma-sonata), Scherzo,

    Desenvolvimento (do material temtico da Exposio), Adgio e Finale (reexposio dos

    1 Bolsista pela CAPES. 2 A Sinfonia de Cmara foi composta para quinze solistas: flauta, obo, corne ingls, requinta, clarineta, clarone, fagote, contrafagote, 2 trompas, dois violinos, viola, violoncelo e contrabaixo.

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    temas da primeira seo em ordem invertida e coda).3 A forma compactada, cuja

    inspirao inicial Schoenberg atribui a Beethoven, Liszt, Brckner e Mahler,4 resulta de

    sua incessante busca pela conciso na apresentao da idia musical. Empregada por ele

    tambm nos op.4 (o Sexteto de Cordas Noite Transfigurada), 5 (o Poema Sinfnico

    Pelleas und Melisande) e 7 (o Primeiro Quarteto de Cordas), na Sinfonia que a

    compactao formal alcana sua mxima eficcia.5

    b) Elementos no-tonais so empregados pela primeira vez com sentido estrutural acordes

    quartais e a escala de tons inteiros. Tais elementos se apresentam ora funcionalizados (isto

    , subordinados harmonicamente tnica), ora no (ou impressionisticamente, segundo

    as palavras do compositor).6 Representam um considervel incremento no processo de

    expanso da tonalidade, que chega no op.9 a uma latitude extrema.

    c) Dissonncias emancipadas com origem, na verdade, na msica de Wagner, Hugo Wolf e

    Richard Strauss, e tendo sido empregadas por Schoenberg desde suas primeiras obras, as

    dissonncias desobrigadas da necessidade de resoluo tm, entretanto, no op.9 um papel

    mais destacado, atravs de um uso sistemtico (como que aperfeioando suas prticas

    anteriores). Ao criar relaes entre linha meldica e harmonia alm das habituais isto ,

    como notas do acorde ou notas estranhas ao acorde7 as dissonncias emancipadas

    contribuem para o enorme grau complexidade da superfcie musical da obra.

    d) Relao napolitana representa no op.9 uma de suas principais foras estruturais. O

    relacionamento entre o centro tonal mi e o plo gerado pela nota f estende-se em todos os

    desdobramentos possveis do discurso harmnico (nos nveis de notas, acordes e regies),

    perpassando toda a obra como um crucial fio condutor de sua histria.

    e) Inter-relacionamento horizontal x vertical em estado embrionrio nas primeiras obras

    tonais schoenberguianas,8 a concepo do espao musical9 como um desdobramento em

    3 A pea possui 596 compassos e dura cerca de 21 minutos. 4 Brinkmann, Reinhold. The compressed symphony: on the historical content of Schoenbergs op.9. In: Frisch, Walter (Ed.). Schoenberg and his world. Nova Jersey: Princeton University Press, 1999, p.141-61, p.152. 5 Schoenberg, Arnold. 1949. Comentrio em anexo do disco: The Kammersymphonie. Brentwood Heights: Dial Records. 520W.50. 6 Schoenberg, Arnold. Harmonia. (Marden Maluf, trad.). So Paulo: Editora Unesp, 2001, p.541. 7 Ver Ibid., p.435-82, para uma interessante e reveladora explanao do pensamento schoenberguiano a respeito do assunto. 8 o caso, por exemplo, das canes Erwartung, op.2 / n 1 e Traumleben, op.6 / n 7, bem como do Quarteto op.7. 9 Ver definio em Schoenberg, Arnold. Style and idea: selected writings of Arnold Schoenberg. (Leonard Stein, ed.). Londres: Faber & Faber, 1984, p.220.

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    duas dimenses horizontal / melodia x vertical / harmonia , no op.9, pela primeira vez

    empregado com consistncia e assumidamente como um dos principais elementos

    construtivos de sua estrutura. A interpenetrao desses dois aspectos da mesma natureza

    sonora tornar-se-ia uma das principais caractersticas da msica composta por Schoenberg

    nos seus perodos subseqentes o atonal (a partir de 1908) e o dodecafnico (a partir de

    1923). Temos aqui no op.9, portanto, um teste ainda tonal em larga escala e talvez

    definitivo antes do decisivo passo.

    Por outro lado, podemos enumerar os seguintes aspectos bsicos quanto aos procedimentos

    tradicionais que caracterizam a Sinfonia:

    a) Estrutura macroformal (isto , em relao s grandes sees da obra) firmemente

    alicerada em formas clssicas, respeitando suas respectivas subdivises: sonata, scherzo,

    rond-lied, etc.10

    b) Quanto estrutura microformal do op.9, os temas principais se apresentam em

    configuraes tradicionais (ou, quando variantes, claramente nelas baseados): pequenas

    formas ternrias (a-b-a), sentenas e perodos.11 Seguindo padres beethovenianos e

    brahmsianos, o trabalho motvico-temtico intenso e envolve contnua elaborao, com

    as idias sendo recombinadas e progressivamente variadas (na Sinfonia o processo da

    variao em desenvolvimento, consagrado por Schoenberg, parece ser levado a inditas

    conseqncias).

    c) Embora alguns trechos sejam construdos em textura de melodia acompanhada, o discurso

    do op.9 essencialmente polifnico. Alm do contraponto livre que domina quase todo

    seu territrio, tendo a imitao como seu principal veculo, as tcnicas tradicionais de

    contraponto invertvel e de construo de cnones (alguns estritos e a trs vozes) so

    tambm empregadas em diversos pontos.

    d) Apesar da intensa complexidade harmnica decorrente da freqente e rpida troca de

    regies,12 a relao entre harmonia e forma clara e consistemente articulada por diversas

    10 importante acrescentar que a prpria estrutura do Desenvolvimento apresenta-se compartimentada em sees bem definidas, maneira do desenvolvimento de uma sonata clssica. 11 Segundo as definies apresentadas em Schoenberg, Arnold. Fundamentals of musical composition. (Gerald Strang, ed.) Londres: Faber & Faber, 1990, p.20-136. 12 Na maioria das vezes envolvendo regies mutuamente remotas, o que , alis, tambm caracterstico da linguagem harmnica de Wagner (principalmente em Tristo e Isolda) e das obras de Schoenberg anteriores ao op.9.

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    pontuaes cadenciais, que funcionam como precisos elementos de organizao sinttica.

    Nada alm, portanto guardadas as devidas propores do que as mesmas ferramentas

    de articulao entre forma e harmonia empregadas durante a chamada common practice.

    e) Atuando tambm com funo organizadora do discurso harmnico, como elemento

    primordial no equilbrio entre tradio e inovao, uma espcie de alicerce (ou eixo) tonal

    subterrneo estabelece as regies-pilares sobre as quais se erguem as fronteiras formais

    bsicas: assim, cada uma das cinco grandes sees da obra est firmemeente associada a

    uma regio que, por sua vez, subordina-se diretamente regio central, tnica, num

    planejamento que, ao mesmo tempo, relaciona-se a esquemas tradicionais13 e ilustra

    perfeitamente o schoenberguiano princpio da monotonalidade.14

    A metodologia utizada neste trabalho consiste em quatro etapas, algumas delas j

    concludas na data desta comunicao. So as seguintes:

    1. Inicialmente, com o intuito de facilitar o trabalho analtico, foi preparada uma verso

    reduzida15 da grade orquestral. Na reduo foram omitidos, apenas por motivos de clareza,

    a maioria dos sinais de dinmica, expresso, andamento e articulao, bem como

    referncias aos instrumentos que executam as diversas linhas.

    2. Foi realizada em seguida a anlise de toda a obra, a partir da verso preparada. Para isso

    foi adotada a metodologia analtica do prprio Schoenberg, sintetizada principalmente em

    seus livros Fundamentals of musical composition (para forma), Harmonia e Structural

    functions of harmony (harmonia),16 com suas respectivas terminologias e procedimentos.

    Na partitura reduzida foram identificados os elementos morfolgicos: motivos, temas,

    sees, subsees, etc. A anlise harmnica, com a identificao de graus e regies, foi

    feita sobre uma cpia da reduo.

    13 Ver, por exemplo, o eixo tonal que sustenta a estrutura formal da Exposio (grupo temtico principal: regio tnica; grupo secundrio: regio subdominante) comparado sua reexposio (grupo principal: regio tnica; grupo secundrio: regio tnica). Se desconsiderarmos a pequena subverso realizada (regio subdominante no lugar da dominante na exposio do grupo secundrio) observaremos um tpico planejamento tonal de forma-sonata. 14 Ver definio em Schoenberg, Arnold. Structural functions of harmony. (Leonard Stein, ed.) Nova York: W.W. Norton & Company, 1969, p.19. 15 Isto , apresentada com um nmero menor de pautas em relao ao original, porm completa. Encontra-se entre os anexos da dissertao. 16 Obras j citadas em notas de rodap anteriores.

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    3. Os dados coletados em ambas as anlises foram ento cotejadas com interpretaes de

    trabalhos anteriores, de outros autores, que tambm abordaram analiticamente a obra.17

    As semelhanas e diferenas encontradas (seja na terminologia, seja no vis

    interpretativo) foram ento destacadas e devidamente comentadas no texto.

    4. Na redao definitiva do texto, o passo seguinte do processo, surgiu um obstculo:

    justamente a j alegada complexidade da Sinfonia (tanto no aspecto formal quanto no

    harmnico). A compreenso da intrincada rede de referncias musicais evidenciadas pela

    anlise (motvicas, temticas, regies harmnicas, etc.), no processo habitual de

    apresentao de seus dados, que aborda a pea-objeto de acordo com seu fluxo temporal

    linear, exigiria do leitor uma ntima familiaridade com a obra, num grau de envolvimento

    que talvez s pudesse ser alcanado atravs de um profundo mergulho em sua essncia

    como o que foi empreendida por mim durante a elaborao deste trabalho. Na tentativa de

    buscar uma alternativa, foi elaborado um mtodo para a apresentao gradual dos dados

    analticos, seguindo uma trajetria no linear, mas espiralada, de modo com que a

    familiaridade com os acontecimentos formais e harmnicos pudesse ser conquistada aos

    poucos e consistentemente, do mais simples ao mais complexo, atravs de abordagens

    cada vez mais detalhadas dos mesmos territrios. Embora possuam particularidades

    derivadas de questes obviamente especficas, o mesmo mtodo , em essncia, aplicado

    na apresentao dos dados da anlise formal (captulo II) e da anlise harmnica (captulo

    III).18

    A dissertao estruturar-se- em trs captulos: a contextualizao histrica da Sinfonia de

    Cmara, sua anlise morfolgica e sua anlise harmnica. O trabalho conta ainda com quatro

    anexos: (1) quadros comparativos em relao aos trabalhos de outros analistas e as rvores

    genealgicas dos motivos e dos temas; (2) acompanhamento evolutivo das transformaes

    sofridas pelos principais temas no decorrer da obra; (3) quadro com a associao entre as

    17 So os seguintes: Berg, Alban. Arnold Schoenberg: Chamber Symphony. (Mark DeVoto, trad.). Journal of the Arnold Schoenberg Institute, Los Angeles, vol. XVI, numbers 1 & 2, p. 236-68, 1993; Brinkmann, Reinhold, op. cit., p.141-61; . Dale, Catherine. Schoenbergs chamber symphonies: the ctystalliation and rediscovery of a style. Aldershot: Aschgate Publishing Limited, 2000; Frisch, Walter. The early works of Arnold Schoenberg (1893-1908). Los Angeles: University of California Press, 1993. Foram tambm considerados dois breves comentrios de autoria do prprio Schoenberg, a respeito da estrutura bsica formal: na introduo da partitura orquestral (Schoenberg, Arnold. Kammersymphonie: op.9. Viena: Universal, 1924. I partitura (144 p.). Orquestra de cmara) e nas notas da contracapa de sua primeira gravao comercial (Id, op.cit.). 18 Os detalhamentos dessas variantes do mtodo de apresentao dos dados analticos encontram-se no corpo do texto dos respectivos captulos.

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    estruturas harmnica e formal e (4) reduo da partitura orquestral, analisada

    morfologicamente.