filosofia das ciências e da matemática - CAPES
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Ministério da Educação - MEC
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
Universidade Aberta do Brasi l
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
Universidade Aberta do Brasil
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará
Diretoria de Educação a Distância
Fortaleza, CE2011
Licenciatura em Matemática
Filosofia das Ciências e da Matemática
Francisco Régis Vieira Alves
CréditosPresidenteDilma Vana Rousseff
Ministro da EducaçãoFernando Haddad
Presidentes da CAPESJoao Carlos Teatine Climaco
Diretor de EaD - CAPESCarlos Eduardo Bielschowsky
Reitor do IFCECláudio Ricardo Gomes de Lima
Pró-Reitor de EnsinoGilmar Lopes Ribeiro
Diretora de EAD/IFCE e Coordenadora UAB/IFCECassandra Ribeiro Joye
Vice-Coordenadora UAB Régia Talina Silva Araújo
Coordenador do Curso de Tecnologia em HotelariaJosé Solon Sales e Silva
Coordenador do Curso de Licenciatura em MatemáticaPriscila Rodrigues de Alcântara
Elaboração do conteúdoFrancisco Régis Vieira Alves
ColaboradorMarília Maia Moreira
Equipe Pedagógica e Design InstrucionalAna Claúdia Uchôa AraújoAndréa Maria Rocha RodriguesCarla Anaíle Moreira de OliveiraCristiane Borges BragaEliana Alves MoreiraGina Maria Porto de Aguiar VieiraGlória Monteiro MacedoIraci Moraes SchmidlinIrene Moura SilvaIsabel Cristina Pereira da CostaJane Fontes GuedesKarine Nascimento PortelaLívia Maria de Lima SantiagoLourdes Losane Rocha de SousaLuciana Andrade Rodrigues
Maria Irene Silva de MouraMarília Maia MoreiraMaria Luiza MaiaSaskia Natália BrígidoMaria Vanda Silvino da Silva
Equipe Arte, Criação e Produção VisualÁbner Di Cavalcanti MedeirosBenghson da Silveira DantasGermano José Barros PinheiroGilvandenys Leite Sales JúniorJosé Albério Beserra José Stelio Sampaio Bastos NetoLucas de Brito ArrudaMarco Augusto M. Oliveira Júnior Navar de Medeiros Mendonça e NascimentoRoland Gabriel Nogueira MolinaSamuel da Silva Bezerra
Equipe WebBenghson da Silveira Dantas Fabrice Marc JoyeLuiz Bezerra de Andrade FIlhoLucas do Amaral SaboyaRicardo Werlang Samantha Onofre Lóssio Tibério Bezerra Soares
Revisão TextualAurea Suely ZavamNukácia Meyre Araújo de Almeida
Revisão WebAntônio Carlos Marques JúniorDébora Liberato Arruda HissaSaulo Garcia
LogísticaFrancisco Roberto Dias de AguiarVirgínia Ferreira Moreira
SecretáriosBreno Giovanni Silva AraújoFrancisca Venâncio da Silva
AuxiliarAna Paula Gomes CorreiaBernardo Matias de CarvalhoIsabella de Castro BrittoWagner Souto Fernandes
Alves, Francisco Régis Vieira. Filosofia das Ciências e da Matemática / Francisco Régis Vieira Alves; Coordenação Cassandra Ribeiro Joye. - Fortaleza: UAB/IFCE, 2011. 166p.: il.; 27cm.
ISBN 978-85-475-0008-5
1. FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS 2. FILOSOFIA DA MATEMÁTICA. 3. MATEMÁTICA I. Joye, Cassandra Ribeiro (Coord.). II. Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará – IFCE. III. Universidade Aberta do Brasil – UAB. IV. Título.
CDD – 510.1
V657f
Catalogação na Fonte: Islânia Fernandes Araújo (CRB 3 - Nº 917)
SUMÁRIO
AULA 2
AULA 3
AULA 4
Apresentação 7Referências 164
Tópico 1
Tópico 2
Tópico 3
Tópico 1
Tópico 2
Tópico 1
Tópico 2
Tópico 3
Tópico 1
Tópico 2
Tópico 3
Currículo 167
Filosofia das Ciências e da Matemática 8Relações entre filosofia das ciências e filosofia da
matemática e o ensino de matemática 9A natureza do conhecimento matemático 18Os precursores da filosofia 23
AULA 1
Filosofia da Matemática 35As correntes filosóficas da matemática 36O construtivismo na matemática e o construtivismo
piagetiano 50
Arquimedes e a Noção de Demonstração 58Sobre a natureza das definições matemáticas 59As influências das correntes filosóficas no
ensino atual 68As características de uma definição matemática e
o ensino de álgebra 80
As dimensões filosóficas da intuição, seupapel da atividade do matemático e alguns
paradoxos 84As dimensões filosóficas da intuição matemática 85O papel da intuição da atividade do matemático 91Os paradoxos relacionadosà intuição matemática 98
AULA 6
Tópico 1
Tópico 2
Tópico 3
Tópico 1
Tópico 2
Tópico 3
AULA 5 A construção axiomática dos números naturais, inteiros e
racionais 107Relações entre filosofia das ciências e filosofia da matemática e o
ensino de matemática 108As dimensões filosóficas dos fundamentos da matemática II 116As dimensões filosóficas dos fundamentos da matemática III 125
A construção dos números reais, complexos e
considerações finais 134As dimensões filosóficas dos fundamentos da matemática III 135As dimensões filosóficas dos fundamentos da matemática IV 149Uma aplicação de sequência metodológica de ensino por meio de
sua história 156
7APRESENTAÇÃO
APRESENTAÇÃOCaro(a) estudante, apresentamos o material referente à disciplina de Filosofia das Ciências
e da Matemática. De início, recordamos um ensinamento pertinente, atribuído ao filósofo
da ciência Karl Popper, e ao matemático Imre Lakatos. O primeiro investigou a Lógica da
Descoberta Científica – LDC, enquanto o segundo, em sua vida acadêmica, analisou a Lógica
da Descoberta Matemática – LDM. Sustentamos a “impossibilidade”, do ponto de vista
filosófico, de compreensão da LDC, por parte do futuro professor, sem um entendimento
razoável da LDM, embora muitos defendam o contrário. Para tanto, traçamos, nas aulas
iniciais, o cenário filosófico, epistemológico e político, pelo qual identificamos a evolução e a
revolução dos paradigmas da Matemática. Nosso objetivo é a busca de um pensamento, de
um olhar, de um sentimento filosófico do professor com relação à sua disciplina que, aos olhos
dos incipientes, lhes parece uma “ciência dos números”. Acrescentamos que a Matemática é
bem mais do que isso, bem mais do que a aplicação tácita de fórmulas. Por fim, trazemos a
filosofia pessoal de Bertrand Russell, Henri Poincaré e Morris Kline, com a intenção de inspirar
a pedagogia do futuro docente.
Francisco Regis Vieira Alves
8 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica
AULA 1 Filosofia das Ciências e da Matemática
Nesta parte inicial discutiremos algumas noções introdutórias relacionadas aos
campos de investigação da Filosofia da Matemática e das Ciências. Vamos nos
deter inicialmente na demarcação e no interesse de cada uma das áreas e em
seguida na discussão dos elementos mais interessantes com respeito ao ensino
de Matemática. Nesta aula inicial apresentaremos algumas noções fundamentais
no âmbito da Filosofia das Ciências e da Filosofia da Matemática, introduziremos
também, a partir desta primeira aula e de modo sistemático nas subseqüentes,
alguns termos particulares e específicos destas áreas de investigação.
Objetivos
• Descrever os pressupostos básicos da Filosofia da Matemática comparando-a com Filosofia das Ciências
• Discutir a natureza do saber matemático e alguns exemplos de ordem lógica formal
• Conhecer os principais pensadores que estabeleceram o terreno fértil para a Filosofia da Matemática
9AULA 1 TÓPICO 1
TÓPICO 1 Relações entre filosofia das ciências e filosofia da matemática e o ensino de matemáticaObjetivO
• Descrever os pressupostos básicos da Filosofia da
Matemática comparando-a com Filosofia das Ciências
Na perspectiva do professor de matemática em formação, o que
podemos tomar como mais significativo a compreensão da
evolução do saber científico ou a compreensão do saber matemático
científico? Neste sentido, é surpreendente encontrarmos pessoas no ambiente
acadêmico que se apoiam na crença segundo a qual “é possível compreender o
movimento interno impulsionador e de evolução da Matemática a partir da
compreensão dos movimentos e da evolução que marcaram determinados períodos
históricos num contexto mais amplo e geral”, como o contexto das Ciências. De
modo inquestionável, encontramos na literatura vários pensadores e epistemólogos
(JAPIASSU, 1988) que fornecem um depoimento
que assegura o papel de modelo deste paradigma
para várias outras áreas do saber científico.
Neste sentido, para compreendermos
o pensamento filosófico, necessitamos,
em grande parte, nos apropriarmos do
pensamento epistemológico. A respeito da
epistemologia, Japiassu (1988) faz a seguinte
distinção:
a. Epistemologia, no sentido bem amplo do termo, pode ser considerada
o estudo metódico e reflexivo do saber, de sua organização, de sua
formação, de seu desenvolvimento, de seu funcionamento e de seus
produtos intelectuais;
s a i b a m a i s !
Epistemologia: Diz respeito ao estudo da
gênese, da estrutura, da organização/evolução
dos métodos e a validade/confiabilidade do
conhecimento científico.
10 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica
b. Epistemologia global (geral), quando trata do saber globalmente
considerado, com a virtualidade e os problemas do conjunto de sua
organização, quer sejam especulativos, quer científicos;
c. Epistemologia particular, quando trata de levar em consideração um
campo particular de saber, quer especulativo, quer científico;
d. Epistemologia específica, quando trata de levar em conta uma
disciplina intelectualmente constituída em unidade bem definida
do saber, e de estudá-la de modo próximo, detalhado e técnico,
mostrando sua organização, seu funcionamento e as possíveis relações
que ela mantém com as demais disciplinas.
Depois dessas caracterizações, torna-se necessário sublinharmos a
ênfase que daremos ao longo destas aulas à Epistemologia Específica e, de modo
particular, à Epistemologia da Matemática, que possui de modo intrínseco um
seu viés filosófico. Assim, defendemos a compreensão do movimento filosófico
da Matemática na medida em que identificamos mudanças e substituições de
paradigmas epistemológicos.
Defendemos, assim, a impossibilidade de compreendermos a Filosofia da
Matemática, muito menos diversos fenômenos que evoluem no universo didático,
histórico, lógico e metodológico (Figura 1), recorrendo-se apenas à Filosofia
das Ciências. Deste modo, daremos ênfase aos elementos apresentados abaixo,
identificados no item (2):
Figura 1: Aspectos do saber matemático (ALVES; BORGES NETO, 2010, p. 2)
O diagrama da Figura 2, reproduzida a seguir, nos ajuda a defender que
determinados fenômenos característicos do âmbito das Ciências não explicam/
caracterizam ou significam determinadas dimensões do saber matemático, apesar
de possuírem uma região de interface comum, todavia tal interface ou região de
11AULA 1 TÓPICO 1
interseção é observada graças à necessidade e insuficiência que muitas áreas do
conhecimento científico apresentam; deste modo, necessitam se apoiar, “importar”
e se ‘apropriar’ de determinados paradigmas e métodos próprios da Matemática
para seu próprio interior, como garantia de rigor e cientificidade.
Figura 2: Relações entre Ciências e Matemática (elaboração própria)
Por outro lado, destacamos, também na Figura 2, uma região pertencente ainda
à Filosofia da Matemática que possui vigor próprio, que indicamos por (?), a qual
não é encontrada e/ou identificada em mais nenhuma outra área do conhecimento
científico. Sua importância se explicita na medida em que desenvolvermos nossas
considerações acerca do ensino de Matemática que não pode desprezar a dimensão
filosófica do saber matemático.
Para exemplificar, são esclarecedoras as considerações do professor Jairo
José da Silva, quando, em seu livro intitulado Filosofias da Matemática, destaca:
A matemática entrou na cultura primeiramente como uma técnica, a de fazer
cálculos aritméticos e geométricos elementares, e suas origens perdem-se
nos primórdios da história. Dentre os povos antigos, os egípcios foram bons
matemáticos, como suas realizações técnicas o atestam, mas os babilônios
foram ainda melhores. Mas, ainda que essas culturas tenham produzido uma
matemática reconhecível como tal, faltava a ela o caráter sistemático, rigoroso,
puro – isto é, não empírico – e, em grande medida, a indiferença com respeito
a aplicações práticas e imediatas que caracterizam o conhecimento matemático,
tal como entendemos hoje (SILVA, 2007, p. 31).
Identificamos em suas palavras uma passagem e transição de um saber
matemático especulativo, empírico e desinteressado, apontado e produzido por
algumas civilizações mais antigas para um saber matemático de caráter “rigoroso”,
“sistemático” e “puro”, como o próprio autor acentua. Ora, este movimento de
12 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica
transição, encontrado em determinadas fases históricas mais proeminentes, como
as fases históricas discutidas por Silva, são objeto de estudo do que Hilton Japiassu
chamou acima da epistemologia específica da Matemática.
A Filosofia da Matemática que por ora discutimos se interessa por questões
desta natureza. Além disso, vamos discutir, ainda, outros interesses que podem ser
identificados apenas nesta área e em mais nenhuma outra área do conhecimento
científico (Figura 2).
Destacamos outro trecho de Silva (2007, p.34) com a intenção de ilustrar, em
nossa discussão filosófica inicial, a significação do termo Filosofia da Matemática.
O gênio de Euclides, porém, estava no modo como ele fez isso. A partir de
um sistema mínimo e supostamente completo de verdades não-demonstradas
e indemonstráveis – axiomas e postulados (posteriormente verificou-se
que faltavam pressupostos substituídos pela intuição espacial) -, Euclides,
demonstrava racionalmente todos os enunciados de Os elementos. Estava assim
criado o método axiomático-dedutivo que viria a servir de modelo para toda
a matemática a partir de então: a redução racional (preferivelmente lógica) de
todas as verdades de uma teoria e uma base mínima e completa de verdades
evidentes ou simplesmente pressupostas. Não havia nada de remotamente
similar na matemática não grega.
Nas palavras do autor, observamos um dos
elementos peculiares ao pensamento matemático
que influenciou, séculos mais tarde, várias
áreas do conhecimento científico. Note-se que a
dimensão epistêmica é sempre exigida para que
possamos compreender o caráter filosófico dos
saberes científicos constituídos até nossos dias.
De fato, Silva (2007) fez menção explicita ao
método axiomático-dedutivo, inaugurado pela
civilização jônica. Sua função naquela época
assumiu um papel fundamental do ponto de
vista epistemológico, principalmente quando
adotamos a seguinte significação:
A epistemologia pode, então ser definida como o ‘estudo da constituição dos
conhecimentos válidos’. O termo ‘constituição’ recobre ao mesmo tempo as
‘condições de acesso’, isto é, os processos de aquisição dos conhecimentos, e
s a i b a m a i s !
O Método axiomático–dedutivo foi sistematizado
a partir dos gregos evoluiu e se aperfeiçoou,
alcançando seu apogeu com o grupo Bourbaki.
A intenção principal consiste em formalizar e
descrever o conhecimento matemático por meio
de estruturas gerais e abstratas.
13AULA 1 TÓPICO 1
as ‘condições propriamente constitutivas, quer dizer, as condições formais ou
experimentais que dizem respeito à validade dos conhecimentos, e as condições
que dizem respeito, quer às contribuições do sujeito, que às do objeto no
processo de estruturação do conhecimento. Portanto, para Piaget, só há ciência
quando estiverem reunidos esse três elementos: (1) elaboração de fatos; (2)
formalização lógico-matemática; (3) controle experimental (JAPIASSU, 1988,
p. 44).
Notamos no trecho acima o registro de um grande pensador recordado pelo
epistemólogo Hilton Japiassu, trata-se do epistemólogo geneticista Jean Willian
Fritz Piaget (1896-1980) . Destacamos o grande pesquisador Piaget não só por sua
importância no campo científico, mas, sobretudo pelo valor de seu estudo sobre
a análise e os processos de reformulação de certos conceitos científicos por meio
de uma análise lógica (JAPIASSU, 1988, p. 44). A Matemática para Piaget assumiu
um papel imprescindível para a explicação e previsão de inúmeros fenômenos
observados no âmago do conhecimento científico moderno.
Antes, porém, de discutirmos um pouco mais a respeito do caráter
epistemológico do saber matemático e sua função no interior de Filosofia da
Matemática, sublinhamos a explicação do pesquisador inglês Paul Ernest (1991,
p. 3):
A filosofia da Matemática é um ramo da filosofia cuja tarefa se reflete ao
tomar em consideração a natureza da Matemática. Esta é um caso especial
de epistemologia que leva em consideração o conhecimento humano em
geral. A filosofia da Matemática se orienta no sentido de responder algumas
questões: Qual é a base do conhecimento matemático? Qual é a natureza da
verdade matemática? O que caracteriza a verdade em matemática? O que é
uma afirmação e sua justificação? Por que as verdades em matemática são
necessariamente verdades?
Ernest confirma a presença e necessidade da adoção de vários pressupostos
epistemológicos, corroborando com o que mencionamos nos parágrafos anteriores,
quando menciona que, ao adotarmos largamente uma abordagem epistemológica,
assumimos que conhecimento é qualquer área representada por um conjunto de
proposições, aliado a um conjunto de procedimentos capazes de realizar verificação
e assegurar sua confiabilidade (ERNEST, 1991, p. 4).
Na citação anterior, observamos alguns questionamentos intrínsecos ao que
chamamos de Filosofia da Matemática, que se apresenta como um campo distinto
14 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica
da Filosofia das Ciências. Retomando a Figura
2, lembramos que a Filosofia da Matemática é
marcada por elementos particulares que não são
encontrados nas outras áreas do conhecimento
científico humano. No início sublinhamos
uma “crença” equivocada segundo a qual
muitos ainda acreditam na possibilidade de se
compreender o particular partindo-se do geral ().
Assumimos que este ponto de vista encontrado
no locus acadêmico é completamente equivocado e interpretamos esta atitude
e posicionamento epistemológico como uma espécie de “miopia acadêmica”.
Adotamos, por outro lado, o percurso inverso () por acreditarmos que assim
poderemos proporcionar melhor entendimento.
Figura 3: Relação entre o caráter particular e o geral dos saberes científicos (elaboração própria)
Para exemplificar de que modo os sintomas da “miopia” e mesmo, em
terminados casos, cegueira acadêmica pode ocorrer, recordamos a seguinte
caracterização fornecida por Bicudo & Guarnica (2001, p. 19), ao defenderem a
supremacia da Filosofia da Educação sobre a Filosofia da Matemática:
A Filosofia da Educação, por proceder de modo analítico, crítico e abrangente,
volta-se para questões que tratam de como fazer educação, de aspectos básicos
presentes ao ato do educador como é o caso do ensino, da aprendizagem, de
propostas político-pedagógicas, do local onde a educação se dá e, de maneira
sistemática e abrangente, as analisa, buscando estender seu significado para o
mundo e para o próprio homem.
De modo semelhante, os mesmos autores definem a Filosofia da Matemática
como uma área em que:
Proceder conforme o pensar filosófico, ou seja, mediante a análise critica,
reflexiva, sistemática e universal, ao tratar de temas concernentes à região
s a i b a m a i s !
Para conhecer um pouco mais sobre a Filosofia
das Ciências, acesse o site:
http://www.lusosofia.net/textos/serra_paulo_
filosofia_e_ciencia.pdf
15AULA 1 TÓPICO 1
de inquérito da matemática, diferencia-se da matemática, pois não se dispõe
a fazer matemática, construindo o conhecimento desta ciência, mas dedica-
se a entender o seu significado no mundo, o sentido que faz para o homem,
de uma perspectiva antropológica e psicológica, a lógica da construção do
seu conhecimento, os modos de expressão pelos quais aparece e materializa-
se, cultural e historicamente, a realidade dos seus objetos, a gênese do seu
conhecimento (BICUDO; GUARNICA, 2001, p. 27).
Neste ponto registramos que a “miopia” acadêmica acontece quando
pensamos que, de um ponto de vista prático e utilitarista, seria mais importante
para o professor de matemática um razoável conhecimento em Filosofia da Educação
em detrimento da Filosofia da Matemática. Tal patologia intelectual pode ocorrer
também quando acreditamos de modo ingênuo que, compreendendo a Filosofia da
Educação, consequentemente, o professor compreenderá a Filosofia da Matemática.
E, por fim, com vistas finais ao ensino de matemática propriamente dito, qual das
duas se apresenta de maior relevância para o futuro professor de matemática?
Recordamos um pressuposto simples e recorrentemente descuidado por
profissionais que desconhecem o real e o concreto efetivo significado da regência
numa aula de Matemática, que se refere ao fato de que a maior parte do tempo
despendido pelo professor na escola é dedicada à ação de dar aula de Matemática.
Assim, a retórica que identificamos na definição fornecida por Bicudo & Guarnica
(2001) relativa à Filosofia da Educação, em termos práticos, em nada melhorará ou
aperfeiçoará a ação que mencionamos. Nesse sentido, destacamos a relevância de
um saber vinculado e determinado pelo saber matemático que poderá proporcionar
o aperfeiçoamento da ação docente, de acordo com o que exibimos na Figura 1.
Antes de apresentarmos nosso argumento final, discutiremos outras questões
levantadas por Bicudo & Guarnica (2001, p. 27) quando afirmam que:
As perguntas básicas da filosofia – “O que existe?”, “O que é o conhecimento?”,
“O que vale?” -, são trabalhadas pela filosofia da matemática, focalizando-se
especificamente nos objetos da matemática. Desdobram-se em termos de “Qual
a realidade dos objetos da matemática?”, “Como são conhecidos os objetos
matemáticos e quais os critérios que sustentam a veracidade das afirmações
matemáticas?”, “Os objetos e as leis matemáticas são inventadas (construídas)
ou descobertas?”.
Mais adiante os autores destacam que o tratamento destas questões é
relevante para a autocompreensão da Matemática e necessário para a definição de
16 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica
propostas curriculares, por determinar escolhas de conteúdos, atitudes de ensino,
expectativas de aprendizagem, indicadores de avaliação (BICUDO; GUARNICA,
2001, p. 27).
Depois destas ponderações, acreditamos ser insustentável a crença de que a
formação em Filosofia da Educação deve anteceder qualquer formação e informação
relativa à Filosofia da Matemática. Além da maior importância da Filosofia da
Matemática, no que diz respeito à instrumentalização efetiva do futuro mestre,
assumir este posicionamento implica aceitar o diagrama que propomos (Figura 3),
ou melhor, significa compreender o particular, para depois compreender o geral.
Vários epistemólogos nos fornecem esta lição, entre eles podemos citar Karl Popper
e Thomas Khun.
Como tencionamos nesta primeira parte descrever os pressupostos
iniciais que adotaremos neste curso, inclusive suas implicações para o ensino
de Matemática, recordamos ainda que a Filosofia da Matemática interessa-se por
questões de caráter: (i) ontológico: o que existe em Matemática; (ii) epistemológico:
como se conhece o que existe em Matemática e o que pode ser considerado
conhecimento matemático; (iii) axiológico: quando um conhecimento matemático
pode ser considerado como verdadeiro. Estes questionamentos podem nos fornecer
elementos para compreender os processos necessários que tornam nossas crenças
matemáticas em conhecimento matemático válido.
Figura 4: Relações entre conhecimento e crença matemática
Muitas destas questões serão discutidas e significadas dentro da própria
Matemática, uma vez que esta é, em tese, a área de maior interesse do futuro
professor de Matemática.
Para finalizar, destacamos uma área de investigação, internacionalmente
firmada e reconhecida, chamada Filosofia da Educação Matemática. Tal área de
inquérito investigativo é assim caracterizada:
17AULA 1 TÓPICO 1
Por focalizar a matemática no contexto da educação, a Filosofia da Educação
Matemática também se coloca questões sobre o conteúdo a ser ensinado e a
ser apreendido e, desse modo, necessita de análises e reflexões da filosofia
da matemática sobre a natureza dos objetos matemáticos, da veracidade do
conhecimento matemático, do valor da matemática (BICUDO; GUARNICA,
2001, p. 30).
Esta área de investigação será retomada por nós no final de nossos estudos.
Assim, para prosseguir de acordo com o que acreditamos ser o mais compreensível
para o leitor (Figura 3), detalharemos a partir deste ponto outras questões
relacionadas ao saber matemático.
Nesta aula, discutimos e demarcamos alguns elementos essenciais
relacionados com a Filosofia das Ciências e Filosofia das Matemáticas. No próximo
tópico introduziremos outros elementos que diferenciam e distinguem a evolução
do saber matemático no contexto científico de qualquer outro saber acadêmico.
18 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica
Como mencionamos sem maiores detalhes na seção anterior, a
Matemática, tradicionalmente, foi vista como paradigma para certos
conhecimentos, desde que foi erigida há 2500 anos com Euclides,
como bem atesta Ernest (1991, p. 4). Nos séculos subsequentes, sua influência
continuou a se mostrar promissora e frutífera
para inúmeros campos do saber. De fato, Ernest
(1991, p. 4) recorda que:
Desde a época de Euclides até o final
do século XIX, seu paradigma foi
explorado para estabelecer a verdade e a
certeza. Newton usou alguns elementos
no seu Principia encontrados ainda nos
Elementos de Euclides; Spinoza em sua
estética [...] A matemática desde muito
tempo tem sido tomada como fonte de
muitos saberes da raça humana.
Ernest adverte que conhecimento é a base
na qual assentamos todas nossas afirmações.
Explica ainda que conhecimento a priori consiste
em proposições que são produzidas unicamente
assentadas ou sustentadas pela razão, sem o
TÓPICO 2 A natureza do conhecimento matemáticoObjetivO
• Discutir a natureza do saber matemático e alguns
exemplos de ordem lógica formal
v o c ê s a b i a?
Conhecimento a priori: a priori (do latim, «
partindo daquilo que vem antes »), expressão
do âmbito filosófico que designa uma etapa
para se chegar ao conhecimeto válido, que
consiste o pensamento dedutivo. Note-se que
o conhecimento proposicional não pode ser
adquirido, incorporado por meio da percepção,
introspecção, memória ou testemunho. É,
deste modo, uma anterioridade lógica e não
cronológica que é designada na noção “a
priori”. Tal conhecimento se complementa com
o conhecimento a posteriori, que designa aquele
que adquirimos com a experiência mundana.
19AULA 1 TÓPICO 2
recurso da observação do mundo real (ERNEST, 1991, p.4). Aqui, a razão empregada
pelo autor consiste no recurso de lógica dedutiva e significados de termos,
tipicamente encontrados em definições. Em oposição, conhecimento a posteriori ou
conhecimento empírico consiste em proposições produzidas com respeito a uma base
de experimentos e observações do mundo real.
Mais adiante, Ernest (1991, p.4) esclarece:
O conhecimento matemático é classificado como conhecimento a priori, desde
que consista de proposições e seja fundamentado a partir da razão. Razão que
inclui lógica dedutiva e definições que são usadas em conjunção de axiomas e
postulados, como base para a obtenção de inferências. Todavia, a fundação do
conhecimento matemático consiste em investigar a verdade nas proposições
matemáticas, consiste no método dedutivo.
Vamos trazer para ilustrar nossa discussão o problema relacionado ao
princípio de indução matemática abordado pelo matemático Giuseppe Peano (1858-
1932). Para tanto, é importante recordarmos o conjunto ={1,2,3,.....,....,...} , que
é chamado de conjunto dos números naturais que estão relacionados de modo íntimo
com a noção de conjunto enumerável (LIMA, 2004). Lima (2004, p. 32) explica que
os axiomas de Peano exibem os números naturais como “números ordinais”, isto é,
objetos que ocupam lugares determinados numa sequência ordenada. O axioma de
Peano é enunciado do seguinte modo:
Existe uma função injetiva ®:s . A imagem ( )s n de cada número
natural În chama-se o sucessor de ‘n’;
Existe um único número natural Î1 tal que ¹1 ( )s n para todo În ;
Se um conjunto ÌX é tal que Î1 X e Ì( )s X X , isto é, se Î ® Î( )n X s n X ,
então =X .
Tais condições podem ser reformuladas do seguinte modo:
(i’) Todo número natural tem um sucessor, que ainda é um número natural;
números diferentes têm sucessores diferentes;
(ii’) Existe um único número natural ‘1’ que não é sucessor de nenhum outro;
(iii’) Se um conjunto de números naturais contém o número ‘1’ e contém
também o sucessor de cada um dos seus elementos, então esse número contém
todos os números naturais.
Lima (2004, p. 33) principia uma discussão filosófica ao declarar que:
20 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica
Do ponto de vista de Peano, os números naturais não são definidos. É
apresentada uma lista de propriedades gozadas por eles (os axiomas) e tudo
decorre daí. Não interessa i que os números são; (isto seria mais um problema
filosófico) o que interessa é como eles se comportam. Embora os axiomas por
ele adotados já fossem conhecidos por Dedekind, tudo indica que Peano
trabalhou independentemente. O mais importante não são quais os axiomas
ele escolheu e sim qual a atitude que ele adotou, a qual veio a prevalecer na
Matemática atual, sob o nome de método axiomático.
Por outro lado, o que destacamos há pouco nada possui ou apresenta de
filosófico, todavia a descrição que fizemos acima, com destaque para o item (iii),
que caracteriza o princípio de indução matemática, é pura Filosofia da Matemática.
Caraça (1951, p. 4) referenda nosso posicionamento quando comenta que:
A ideia de numero natural não é um produto puro do pensamento humano,
independentemente da experiência; os homens não adquirem primeiro os
números naturais para depois contarem; pelo contrário, os números naturais
foram-se formando lentamente pela prática diária de contagens. A imagem
do homem criando de uma maneira completa a ideia de número, para depois
aplicar à prática da contagem, é cômoda, mas falsa.
Note-se que, dependendo do
sistema matemático formal, o conjunto
={0,1,2,3,.....,.....} ou ={1,2,3,.....,.....} .
De fato, quando consideramos a teoria aritmética
dos números, o primeiro conjunto é assumido, e
quando estudamos os conteúdos de Análise Real,
o conjunto é assumido sem o zero ‘0’. Lima
(2004, p. 150) se manifesta do seguinte modo:
Sim e não. Incluir ou não o número 0
no conjunto dos números naturais é
uma questão de preferência pessoal ou,
mais objetivamente, de conveniência. O
mesmo professor ou autor pode, em diferentes circunstâncias, escrever Î0
ou Ï0 . Como assim? Consultemos um tratado de Álgebra. Praticamente
em todos eles encontramos ={0,1,2,3,.....,.....} . Vejamos um livro de
Análise. Lá achamos quase sempre ={1,2,3,.....,.....} .
s a i b a m a i s !
A criação de um símbolo para representar o
nada constitui um dos atos mais audazes do
pensamento, uma das maiores aventuras da razão.
Essa criação é relativamente recente (talvez pelos
primeiros séculos da era cristã) e foi devida às
exigências da numeração escrita. (CARAÇA,
1951, p. 6).
21AULA 1 TÓPICO 2
Ernest (1991) discute o exemplo da verificação que de fato + =1 1 2 , segundo
o sistema axiomático de Peano. Para tanto, assumimos os axiomas que garantem
que podemos escrever que =(0) 1s e =(1) 2s . Também a partir da Aritmética
de Peano, sabemos que + = = +0 0x x x , para todo Îx . Temos também que
+ = +( ) ( )x s y s x y , onde Î,x y . Na sequência, o fato banal simbolizado por
+ =1 1 2 , é verificado formalmente por Ernest (1991, p. 5), após executar dez
passos de inferências lógicas como vemos na Figura 5.
Figura 5: Passos de inferências lógicas (ERNEST, 1991, p. 5)
Alguns dos elementos discutidos anteriormente apontam para a direção de
considerar o conhecimento matemático dotado de verdades universais, infalível e
não questionável. Essencialmente construído a partir de verdades estabelecidas a
priori. Tal perspectiva é o que Ernest (1991, p. 7) chama de visão absolutista da
matemática. De acordo com tal visão, o conhecimento matemático fornece o único
modo de alcançarmos a verdade.
O autor explica ainda que parte deste poder e caráter absolutista é fortalecido
por meio do método dedutivo formal. Tal terreno é construído a partir da lógica e
pode fornecer absoluta certeza ao conhecimento. Ernest (1991, p. 7- 8) salienta ainda
que, no primeiro momento, todos os pressupostos básicos são assumidos a partir da
exploração de suas provas e demonstrações. Ademais, os axiomas matemáticos são
assumidos como verdade e, a partir da necessidade de considerações anteriores, as
definições formais matemáticas são construídas assumindo também valores lógicos
verdadeiros.
No segundo momento, as regras lógicas e modelos de inferência devem
preservar a verdade e conduzir também à verdade. E, verdade deve ser obtida a
partir de verdades, por meio do emprego destes modelos lógicos. Ernest (1991, p.
22 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica
8) acrescenta ainda que toda afirmação ou proposição estabelecida num sistema
dedutivo deverá conter suas conclusões e, uma vez estabelecido um teorema por
meio do método dedutivo, o conhecimento extraído deste teorema deve ser sempre
verdadeiro.
A visão absolutista da matemática encontrou e enfrentou vários problemas
(ERNEST, 1991, p. 8) séculos mais tarde, todavia nos deteremos neste assunto,
de modo pormenorizado, nas próximas aulas. Para concluir, destacamos algumas
características do saber matemático, fornecidas por Morris Kline:
Outro uso básico da matemática, sobretudo nestes tempos modernos, tem
sido fornecer uma organização racional para a natureza dos fenômenos. Os
conceitos, os métodos e conclusões a respeito de que a matemática constitui o
substratum das ciências físicas. (KLINE, 1964, p. 5).
Em outro trecho, Kline (1964, p. 6-7) enaltece algumas características da
beleza do conhecimento matemático ao declarar que:
Além da beleza da estrutura concluída, o uso indispensável da intuição,
imaginação árida na criação de provas e conclusões oferece satisfação estética
de alta para o criador. Se a percepção e a imaginação, simetria e proporção, a
falta de superfluidade, e adaptação exata entre meios e fins são compreendidas
em beleza e são características das obras de arte, então a matemática é uma arte
com uma beleza própria [...] Grandes pensadores cedem às modas intelectuais
do seu tempo como as mulheres fazem a moda no vestuário. Mesmo os gênios
criativos para quem a matemática era puramente um hobby prosseguido
os problemas que agitavam os matemáticos e cientistas profissionais. No
entanto, esses “amadores” e matemáticos em geral, não têm se preocupado
principalmente com a utilidade do seu trabalho.
Vários autores discutem a natureza do conhecimento matemático. Neste
âmbito de reflexão, podemos perceber que determinadas facetas filosóficas
dificilmente seriam percebidas por um estudante que não apresente uma formação
em Matemática além da escolar. Este assunto será retomado por nós adiante, por
ora, apresentamos, na seção seguinte, alguns dos precursores do pensamento
matemático filosófico ocidental.
23AULA 1 TÓPICO 3
TÓPICO 3 Os precursores da filosofia
ObjetivO
• Conhecer os principais pensadores que estabeleceram o
terreno fértil para a Filosofia da Matemática
Nesta parte discutiremos alguns
dos principais pensadores
gregos que mais contribuíram
para o estabelecimento inicial de algumas
doutrinas na Matemática, com destaque para
Platão e Aristóteles.
A primeira figura ilustre a ser lembrada
quando falamos de Filosofia da Matemática
é Platão. No que diz respeito ao período de
formação de Platão, Barbosa (2009, p. 27) explica:
É muito provável que Platão, em torno de seus vinte
anos, tenha conhecido Sócrates e freqüentado o seu
círculo, não com o intuito de se tornar um filósofo, mas
com o propósito de, mediante o estudo da filosofia,
aprimorar seus conhecimentos para a vida política.
Todavia, o destino, sempre caprichoso, mudaria por
completo os rumos de seus objetivos.
v o c ê s a b i a?
Platão é sempre lembrado pelas ideias e concepções
que influenciou os românticos da matemática.
Nasceu em 428/427 a.C. e foi descendente de uma
família ateniense de classe alta.
s a i b a m a i s !
Platão sustenta que há ideias eternas e
independentes dos sentidos, como o um, o dois,
etc., ou seja, as Formas Aritméticas e outras
como o ponto, a reta, plano, que são as Formas
Geométricas. Quando enunciamos propriedades
ou relações entre esses entes, estamos descrevendo
relações entre as Formas (CURY, 1994, p. 42).
24 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica
Platão identifica, nas discussões de sua
época, a dicotomia instalada entre a retórica
e a filosofia. Neste contexto, os sofistas que
tinham como objetivo a formação do espírito e
a multiplicidade de métodos determinam esta
discussão. Neste sentido, Barbosa (2009, p. 28)
declara:
Enquanto matemática e filosofia se
animam mutuamente na ampliação dos
horizontes especulativos da realidade
circundante, a sofística vem a preencher,
no contexto do conhecimento, um
espaço outrora vazio, visto que, ao contrário das duas primeiras, não tem
como escopo um saber teórico ou científico, mas trata de uma exigência de
ordem estritamente prática.
O resultado desta discussão foi a primazia do conhecimento enciclopédico
e intelectualizante que herdamos até nossos dias; assim sendo, esse novo “saber
enciclopédico” (polimathia) e estruturado passou a representar um fenômeno que veio
a formular os conceitos ocidentais da educação como difusão do saber (BARBOSA,
2009, p. 28). No que se refere à contribuição específica de Platão com respeito
à Filosofia da Matemática, Barbosa (2009, p. 37)
adverte:
Quando nos referimos ao platonismo na
esfera da filosofia da matemática, não
podemos atribuir uma doutrina a Platão
da mesma forma como associamos, por
exemplo, o logicismo a Frege e Russell,
isto é, como um corpo de preceitos,
um sistema filosófico em sua acepção
moderna. E isso ocorre justamente
porque não era essa a intenção de
Platão. Ele estaria mais preocupado em
estimular as pessoas a pensar, colocando
deste modo as almas no caminho certo
do conhecimento puro e desinteressado, que outrora vislumbraram antes de
serem condenadas ao devir mundano, a esse doloroso vir-a-ser, e sofrer as
tribulações do corpo e a ignorância da mente.
at e n ç ã o !
Platonismo: Corrente filosófica baseada no
pensamento do seu precursor, Platão, talvez
a mais conhecida, recordada e de implicações
ainda hoje discutida por estudos acadêmicos. Sua
escola, dos séculos IV até I a.C. foi responsável
pela sistematização e aprofundamento de suas
concepções.
at e n ç ã o !
Sofistas: constituíram de grupos de mestres que
viajavam pelas cidades realizando aparições
e eventos públicos para distrair curiosos e
estudantes. Os mesmos cobravam taxas pelo
serviço fornecido. Seu foco principal concentrou-
se no logos ou no discurso, com preocupação nas
estratégias de argumentação.
25AULA 1 TÓPICO 3
Barbosa (2009), no excerto acima, faz referência a uma corrente filosófica
absolutista da Matemática conhecida como logicismo. Discutiremos as principais
características desta corrente nas próximas aulas. De qualquer modo, são
esclarecedoras suas palavras na medida em que explicam as intenções iniciais
do antigo filósofo, e é interessante conhecer as consequências que tiveram e as
implicações desta ideologia ou doutrina do platonismo com relação ao saber
matemático. Neste contexto, Barbosa (2009, p. 37) acrescenta ainda:
Uma boa parte do platonismo, assim como nós o conhecemos hoje, é, portanto,
uma criação posterior a Platão. O platonismo na moderna filosofia matemática é
descrito como uma teoria que trata das verdades das proposições matemáticas,
sendo “usualmente tomado como um tipo de realismo, equivalente a crença
de que os objetos da matemática tais como os números literalmente existem
independentes de nós e de nossos pensamentos a respeito deles”.
Segundo Silva (2007, p. 37), para Platão, as entidades matemáticas constituem
um domínio objetivo independente e auto-suficiente, ao qual temos acesso pelo
entendimento. Para outro importante personagem grego, Aristóteles, os entes
matemáticos têm uma existência parasitária dos objetos reais – uma vez que os
objetos matemáticos só existem encarnados em objetos reais – e só nos são revelados
com o concurso, ao menos em parte, dos sentidos. Silva (2007, p. 37-38) diferencia
de modo eficiente as duas perspectivas desenvolvidas por estes dois pensadores ao
declarar que:
Para Platão, o mundo real apenas reflete imperfeitamente um mundo puro
de entidades perfeitas, imutáveis e eternas – os conceitos matemáticos entre
elas. Para Aristóteles, o mundo sensível é a realidade fundamental, os entes
matemáticos são ‘extraídos’ dos objetos sensíveis por meio de operações do
pensamento, e os conceitos matemáticos são apenas modos de tratar o mundo
real. [...] De um lado o racionalismo de Platão, que atribui à razão humana o
poder de penetrar nos domínios supra-sensíveis da matemática, e o seu realismo
ontológico transcendente, que afirma que a existência independente dos entes
matemáticos num reino fora deste mundo; de outro, o empirismo de Aristóteles,
que se recusa a dar morada aos entes matemáticos em qualquer outro reino que
não o deste mundo, e o seu realismo ontológico imanente, que garante, ele
também, uma existência dos objetos matemáticos independentemente de um
sujeito [...].
26 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica
Silva (2007, p. 40) sublinha que, para Platão, existe uma pluralidade de
números matemáticos. Para ele, não existem vários números ‘2’, e sim a ideia de
dois. Se existisse no mundo ideal apenas um número 2, que sentido teria a identidade
+ =2 2 4 , na qual comparecem duas instâncias da ideia de ‘2’ (SILVA, 2007, p. 40).
Essa identidade não pode ser uma relação entre Ideias numéricas – sendo entidades
singulares elas não admitem cópias de si próprias – mas entre números, que
precisam então existir em abundância. Platão teve assim que admitir a existência,
além da perfeita Ideia de 2, das várias instâncias perfeitas desta Ideia (SILVA, 2007,
p. 40).
Outros conceitos estudados por Platão que merecem atenção são os
conceitos de números pares e números ímpares. Barbosa (2009, p. 48) acrescenta
que os conceitos de par e ímpar permeiam toda a
aritmética platônica, sendo eles capazes de gerar
todos os outros números. Esta dualidade pode
indicar certa concordância com o pitagorismo. E
ainda, Platão teria utilizado os números dois e
três precisamente por se tratarem dos primeiros
par e ímpar, respectivamente. Na Antiguidade,
em geral, não se considerava o um como número
(BARBOSA, 2009, p. 48).
Não podemos esquecer as preocupações
de Platão com o ensino e, com respeito a isto,
Barbosa (2009, p. 49) ilustra:
Voltando ao método da hipótese, ele é também utilizado no Mênon. Nesse
diálogo, Platão faz uma brilhante exposição do método socrático como
instrumento de ensino, quando primeiramente leva o escravo a reconhecer o
próprio erro, e depois o induz ao conhecimento certo. O problema colocado
para o escravo é o de calcular a área de um quadrado de lado 2. Feito isso,
Sócrates questiona o jovem escravo sobre o que aconteceria com cada linha
deste quadrado se a sua área fosse duplicada [...] Sócrates constrói com o
escravo um novo quadrado sobre aquele inicialmente dado, o que tem lados
com medida de 2 pés, prolongando os seus lados até que atinjam a medida 4
pés. O escravo parece estarrecido ao notar que o quadrado construído com as
linhas duplicadas do quadrado original tem o quádruplo de sua área.
at e n ç ã o !
A filosofia da Matemática de Aristóteles foi
desenvolvida, em parte, em oposição a de Platão,
pois ele critica a Teoria das Formas, dizendo que
ela não é racional. Para Aristóteles, cada objeto
empírico, cada ser existente, é uma unidade e não
existe separado de sua forma ou essência (CURY,
1994, p. 47).
27AULA 1 TÓPICO 3
O discípulo de Platão, Aristóteles (384 – 322 a. C.), permitia-se discordar
do mestre. Em primeiro lugar, Aristóteles não admitia a existência de um reino
transcendente de Ideias e formas matemáticas. As formas geométricas e numéricas
existem, para Aristóteles, apenas como aspectos de objetos e coleções de objetos reais
(SILVA, 2007, p. 43).
Para Aristóteles, os objetos matemáticos são uma abstração apenas ou, na pior
das hipóteses, uma ficção útil (SILVA, 2007, p. 44). Eles não têm existência separada
dos objetos empíricos, são apenas aspectos delas, e se por vezes pensamos como
independentes, isto é, não tem maiores consequências. Um objeto empírico é um
objeto matemático na medida em que nós podemos considerá-lo do ponto de vista de
seu aspecto matemático, ou seja, como um objeto matemático (SILVA, 2007, p. 44).
Machado (1994, p. 21) fornece uma distinção interessante quando declara:
Enquanto que para Platão, os enunciados matemáticos eram verdadeiros por
serem descrições de, ou relações entre, formas matemáticas de existência
objetiva. Aristóteles reabilita o mundo empírico bem como o trabalho do
matemático. E recoloca a questão de os objetos matemáticos e os enunciados
serem verdadeiros ou falsos não em termos absolutos, mas por serem mais ou
menos adequados à representação do mundo empírico, adequação esta relativa
a algum fim que se objetiva.
Diferentemente de Platão, Aristóteles se volta à estrutura das teorias
matemáticas, aos sistemas de proposições. Aristóteles vislumbra a necessidade
e o método que identificamos até nossos dias que diz respeito à organização
das proposições nas hipóteses iniciais, logicamente necessárias e nas proposições
dedutíveis a partir delas, tratando especificamente de estruturar as possíveis deduções
(MACHADO, 1994, p. 21). Suas concepções podem ser consideradas as precursoras
do pensamento que motivou os princípios que passaram a regular e caracterizar
as subdivisões sucessivas da matemática em várias ramificações (no caso das
geometrias: Geometria Euclidiana, Geometria Diferencia, Geometria Hiperbólica,
Geometria Riemanniana, etc).
Silva (2007, p. 45) diferencia o pensamento aristotélico do seguinte modo:
Analogamente, para Aristóteles, a matemática estuda objetos sob certos
aspectos apenas, uma bola como uma esfera, um par de dois livros como dois.
Ao fazer isso, abstraímos da bola a sua forma geométrica e da coleção de livros
sua forma aritmética. Visto assim, Aristóteles, é um empirista em ontologia,
28 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica
pois, para ele, apenas os objetos dos sentidos existem realmente, com um
sentido pleno de existência.
Mas o posicionamento aristotélico produziu respostas inclusive para
os limites da abstração humana. Neste sentido, Silva (2007, p. 45) questiona:
poderíamos, porém, perguntar, e os números tão grandes que não podem numerar
nenhuma coleção real, e as formas geométricas tão esdrúxulas que não podem dar
forma a nenhum objeto real (como o miriágono, o polígono de dez mil lados)?
O autor acrescenta que a saída vislumbrada por Aristóteles foi admitir que
entre os objetos matemáticos também encontramos formas fictícias. Essas, no
entanto, por serem construtíveis a partir de certas formas reais, são possíveis na
realidade (SILVA, 2007, p. 45). De fato:
Um número muito grande pode ser construído, por adição sucessiva de
unidades, a partir de qualquer número pequeno dado, e o miriágono pode ser
construído a partir de figuras geométricas reais, como círculos e segmentos
de reta. Assim, numa compreensão mais ampla, a matemática, segundo
Aristóteles, trata não apenas de formas abstratas atuais, mas também de formas
abstratas possíveis (SILVA, 2007, p. 45).
Para concluir nossas considerações sobre Aristóteles, vale destacar as
ponderações devidas a Machado (1994, p. 22) quando destaca:
Em resumo, poderíamos dizer que a posição de Aristóteles no que se refere
à relação da Matemática com a realidade pode ser situada, simultaneamente,
na origem tanto do realismo como do idealismo modernos, na medida em
que, por um lado, reabilita o mundo empírico e, por outro lado, o trabalho do
matemático deixa de ser um mero caçador de borboletas no mundo perfeito
das Formas, vislumbrando a possibilidade dele mesmo ser um ‘fabricante’ de
borboletas.
O posicionamento assumido por Aristóteles em relação à Matemática pode
ser compreendido também nas palavras de Silva (2007, p. 46), quando explica:
Como a entendo, a abstração aristotélica, a operação pela qual consideramos
objetos e coleções de objetos empíricos como objetos matemáticos, comporta
também um elemento de idealização. Tratar uma bola como uma esfera é uma
operação complexa: abstrair-se da bola a sua forma mais ou menos esférica e,
simultaneamente, idealiza-se essa forma, isto é, desconsideram-se as diferenças
29AULA 1 TÓPICO 3
entre ela e a esfera matemática perfeita (determinada pela sua definição como o
lugar geométrico dos pontos espaciais eqüidistantes de um centro). Uma esfera
matemática é, assim, a idealização de um aspecto da bola, e só assim ela existe.
A Matemática como a conhecemos hoje é o exemplo mais puro e clássico de
ciência dedutiva, e várias outras áreas do conhecimento buscaram e adaptaram,
na medida do possível, alguns de seus pressupostos e paradigmas de rigor. De
fato, é relevante a influencia do pensamento aristotélico no desenvolvimento da ciência
em geral (SILVA, 2007, p. 50). Aristóteles entendia a Matemática como um edifício
logicamente estruturado de verdades encadeadas em relações de conseqüência lógica a
partir de pressupostos fundamentais não demonstrados (2007, p. 50).
Aristóteles contribuiu também com relação às noções metamatemáticas
(propriedades elementares da metodologia das ciências dedutivas) fundamentais,
como as de axioma, definição, hipótese e demonstração. Aristóteles critica o modelo
de demonstrações em Matemática que conhecemos por redução ao absurdo. O mesmo
considera-as não explicativas, isto é, sabe-se que algo é verdadeiro sem saber por que é
verdadeiro (SILVA, 2007, p. 52). A este respeito, Silva (2007, p. 52) comenta:
Demonstrações por redução ao absurdo (para se demonstrar que uma asserção
qualquer A, supõe-se a falsidade de A e obtêm-
se como conseqüência uma falsidade qualquer ou,
equivalentemente uma contradição. O que mostra que
A não pode ser falsa, sendo, portanto, verdadeira)
ocorrem com freqüência na matemática grega, em
particular no método da exaustão de Arquimedes, que
envolve uma dupla redução ao absurdo. A introdução
de métodos infinitarios na matemática do século
XVII, em especial por Cavalieri, visava em grande
medida substituir demonstrações por exaustão por
demonstrações diretas, causais, respondendo assim às
demandas aristotélicas.
Em vários aspectos podemos dizer que os
germes da ideia da importância de uma ciência
dedutiva e o poder da lógica puramente formal
encontram-se nas concepções aristotélicas. Nesta
perspectiva, à matemática formal não importa o
significado nem a veracidade das asserções, mas
v o c ê s a b i a?
Zenão de Eléia foi um filósofo pré-socrático
e foi discípulo de Parmênides. Das suas
descobertas, destacamos a dialética clássica, o
modo de argumentar que consiste em derivar
contradições das teses do opositor ao seu
discurso. Zenão utilizou o método na defesa das
ideias de Parmênides acerca da unidade do ente
e da impossibilidade do movimento, propondo
algumas contradições ou aporias, que desafiaram
os seus contemporâneos e intrigam até nossos
dias. Ver sua descrição no curso de História da
Matemática.
30 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica
apenas as relações formais entre elas (SILVA, 2007, p. 51). Mas isto quer dizer que
podemos tomá-la apenas como um jogo formal sem nenhuma intenção cognitiva?
Este questionamento, fruto de intensas querelas e embates políticos entre os
matemáticos, será retomado nas próximas aulas, uma vez que não se tem uma
resposta de argumentação satisfatória.
Outro aspecto que merece ser destacado diz respeito às contribuições de
Aristóteles com relação a algumas noções que funcionam até nossos dias como
pedras angulares para o saber matemático. Um destes exemplos e que foi objeto de
reflexão para Aristóteles diz respeito à noção de infinito.
Em virtude das ponderações aristotélicas, desenvolveram-se as noções de
infinito atual e infinito potencial, entretanto,
no que diz respeito ao aspecto matemático
desta noção, Georg Cantor (1845-1918)
forneceu o acabamento final, acrescentando
alguns elementos descuidados por Aristóteles.
Com relação a tais noções, Silva (2007, p. 51)
acrescenta:
Devemo-lhes a distinção fundamental
entre o infinito atual e o infinito
potencial, ou seja, entre a noção de
uma totalidade finita em que sempre
cabe mais um indefinidamente – o
infinito potencial – e uma totalidade infinita acabada. Segundo Aristóteles,
aos matemáticos bastava a noção de infinito potencial. Se bem que esta ideia
não corresponde à realidade da prática matemática, uma vez que a noção de
infinito atual é essencial a muitas teorias matemáticas, uma vez que a noção de
infinito atual é essencial a muitas teorias matemáticas, ela foi, e ainda é, aceita
por muitos matemáticos, que não vêem na matemática do infinito senão uma
fonte de absurdos e contradições.
Nas próximas aulas, nos deteremos um pouco mais nestas duas noções
importantes para a Matemática. Para concluir esta seção, discutiremos ainda parte
das contribuições devidas à Gottfried Wilhelm von Leibniz (1646-1716) e Immanuel
Kant (1724-1804) . Machado (1994) explica que cerca de dois mil anos se passaram
para que a obra aristotélica, enquanto Lógica, fosse retomada e desenvolvida.
Segundo Machado (1994, p. 22), Leibniz fornece uma intensa contribuição
ao aceitar a pressuposição aristotélica da forma sujeito-predicado de todas as
at e n ç ã o !
Acreditamos que a radical mudança na abordagem
sobre o infinito promovida por Cantor no final do
século XIX pode ser melhor destacada com uma
análise sob três ângulos, que interpretamos como
três pontos de vista sobre o infinito: o histórico, o
filosófico e o matemático.
31AULA 1 TÓPICO 3
proposições. E vai além, ao afirmar que o predicado de uma proposição sempre está
contido, em algum sentido, no sujeito. Machado (1994, p. 22) esclarece que:
Para Leibniz há duas classes de verdades: as verdades da razão e as verdades
dos fatos. As verdades da razão são necessárias e sua negação não faz sentido.
A necessidade se exprime através da análise e da conseqüente decomposição
em proposições mais simples até que se chegue a um ponto em que a
necessidade lógica seja transparente. O princípio que regula a análise é o da
não-contradição, que engloba o da não identidade e o do terceiro excluído.
Acrescenta ainda que não só as tautologias como também os axiomas, os
postulados e os teoremas são verdades da razão, ou seja, são verdades cuja negação é
impossível de sustentar sem incorrer em contradições (MACHADO, 1994, p. 23). As
verdades da razão enunciam que uma coisa é necessária e universal, não podendo
de modo algum ser diferente do que é e de como é.
Um exemplo evidente das verdades da razão são as ideias matemáticas. É
inquestionável que o triângulo não possua três lados e que a soma dos seus ângulos
seja diferente de dois ângulos retos. Outro exemplo interessante de verdade da
razão é que um circulo não tenha todos os pontos eqüidistantes do centro. Outra
verdade da razão é que não se pode contradizer o que 2+2 seja diferente de 4; é
impossível questionar que o todo é maior do que suas partes constituintes.
As verdades de fato, por outro lado, são as que dependem de nossa experiência
captada no mundo em que vivemos. De fato, elas são obtidas através da sensação,
da percepção e da memória. Elas são empíricas e se referem a coisas que poderiam
ser diferentes do que são, mas podemos identificar causas que sejam assim. Quando
dizemos que uma rosa é branca, nada impede que ela possa ser vermelha ou amarela,
mas se ela é branca é porque alguma causa a fez deste modo e aparência. Mas não
é acidental ou contingente que ela tenha cor e é a “cor” que possui e envolve uma
causa necessária.
As verdades de fato são verdades porque para elas funciona e empregamos
o principio da razão suficiente, segundo o qual tudo o que existe, tudo o que
percebemos e identificamos, e tudo aquilo que temos experiência possui uma causa
determinada e identificável e conhecida. Pelo princípio da razão suficiente – isto
é, pelo conhecimento das causas – toda a verdade de fato pode tornar-se verdades
necessárias e serem consideradas verdades da razão, ainda que para conhecê-las
dependamos da experiência mundana.
32 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica
Machado (1994, p. 23) explica ainda que as verdades dos fatos são proposições
empíricas cuja negação não encontra óbices do ponto de vista lógico. É uma verdade
da razão que minha caneta é uma caneta ou que + =2 2 23 4 5 . É uma verdade de fato
que minha caneta é preta ou que um corpo, abandonado em uma certa altura da Torre
de Pisa, cairá até o solo. Machado (1994, p. 23) fornece uma importante distinção:
Diferentemente de Platão, para quem diagramas, figuras, cálculo simbólico,
foram elementos auxiliares ocasionais, Leibniz acreditava que a representação
concreta do pensamento em símbolos adequados era, segundo suas próprias
palavras, o “fio de Ariadne” que conduz a mente. E o desenvolvimento que ele
imprime à Lógica decorre do seu propósito de criar um método de representar
o pensamento através de signos, de características relacionadas com o que se
está pensando.
Para concluir este tópico, destacamos
a figura emblemática da Imanuel Kant. Sua
proposta inicial consiste na distinção de duas
classes de proposições. As proposições sintéticas:
as que são empíricas, ou as sintéticas a posteriori
e as que não são empíricas, ou sintéticas a priori.
As proposições sintéticas a posteriori dependem,
segundo Kant, da experiência sensível, para
sua verificação, para sua validação e aceitação.
Ou ainda de modo indireto, uma vez que são
consequências de inferências proposicionais
passíveis de alguma verificação experimental.
Por outro lado, Machado (1994, p. 24)
explica que:
Já as proposições sintéticas a priori
não dependem da percepção sensorial
para sua validação, nem são analíticas,
isto é, nem a sua negação conduz
a contradições. São proposições
necessárias por constituírem a base, a
condição de possibilidade da ciência, da
experiência objetiva.
s a i b a m a i s !
Experiência sensível: Este termo possui dupla
raiz etimológica. A palavra latina experientia de
onde deriva a palavra experiência, é originária
da expressão grega. Deriva-se também de um uso
específico da palavra empírico.
s a i b a m a i s !
Validação: Este termo aqui é empregado no
sentido restrito ao âmbito da investigação em
Matemática Pura, assim, diz respeito à aplicação
de paradigmas de testagem e verificação da
confiabilidade dos conteúdos matemáticos
obtidos.
33AULA 1 TÓPICO 3
Para Kant, todas as proposições da
Matemática são sintéticas a priori. Machado
(1994, p. 25) explica este posicionamento ao
mencionar que:
Os objetos do mundo empírico situam-se no espaço
e no tempo. Não é possível estudá-los, conhecê-los,
investigá-los, percebê-los sensorialmente, sem uma
concepção inicial do espaço e do tempo. A estrutura
conceitual do par espaço-tempo é que determina
o modo como o mundo empírico é apreendido. Esta
estruturação é, a uma só vez, sintética e a priori.
Ao descrever o tempo e o espaço, descrevemos não
impressões sensíveis de algo situado fora de nós, do
mundo empírico, mas sim as matrizes permanentes,
invariantes, de tais conceitos, que existem em nós,
independentemente das impressões sensíveis e que
são a condição de possibilidade de atuar no mundo
empírico. E a matemática, enquanto se refere ao
espaço e ao tempo, é constituída de proposições
sintéticas a priori e não analíticas, como anteriormente
era considerada.
Para concluir, ressaltamos que Kant destacou que os
matemáticos são os indivíduos “eleitos” para desvendar os segredos do
harmônico universo platônico preexistente, de perquiridores de tal mundo
perfeito universo, ou de criadores de abstrações, de conceitos gerais para
explicar o mundo, a partir do imperfeito material empírico (MACHADO, 1994,
p. 25).
O principal mecanismo de acesso a tais entes não se dá mais por meios dos
órgãos sensoriais, e sim, por meio da razão introspectiva.
As ideias repercutidas por estes personagens emblemáticos receberam
séculos mais tarde uma enorme atenção de matemáticos e filósofos modernos. O
interessante será reservado a uma análise da forma como tais ideologias ainda se
manifestam e condicionam as formas de veiculação e ensino do saber matemático.
Na próxima aula, discutiremos as implicações deste pensamento filosófico antigo.
s a i b a m a i s !
Para a Geometria, o espaço puro é um dos
primeiros pressupostos. A Geometria supõe o
espaço sob os seus conceitos de polígonos. Por
exemplo, a linha reta é a distância mais curta entre
dois pontos (qualquer linha reta = universalidade,
em quaisquer condições = necessidade). Embora
não tenha em si o princípio de não contradição,
e dependa da intuição de espaço e, portanto é
sintética, essa afirmação é conhecimento puro ou
a priori porque a intuição do espaço está em nossa
mente. E uma vez concebida, não depende mais
da experiência sensível captada por nossos órgãos
sensórios.
34 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica
AT I V I D A D E S D E A P R O F U N D A M E N T O
1. Pesquisar exemplos de infinito atual e infinito potencial dentro da Matemática.
2. Pesquisar exemplos de verdades da razão e de verdades dos fatos.
3. Pesquisar exemplos de conhecimentos que não derivam da experiência empírica.
35AULA 2
AULA 2 Filosofia da Matemática
Nos próximos tópicos, nos deteremos em alguns dos pressupostos fundamentais
assumidos pelas principais correntes filosóficas da Matemática. Uma das
implicações mais importantes diz respeito à identificação de distorções e
incongruências relacionadas ao ensino de Matemática. Tais distorções se referem
à interpretação dos fenômenos relacionados a este ensino sob o viés de teorias
pedagógicas de campos de saberes não aplicáveis e insuficientes ao saber
matemático. Assim, o conhecimento das correntes filosóficas da Matemática
poderá instrumentalizar o futuro professor no sentido de proporcionar uma leitura
filosófica de sua própria prática docente.
Objetivos
• Conhecer as principais correntes absolutistas da Matemática• Conhecer aspectos do “construtivismo” matemático e os fundamentos da
teorização de Piaget e suas implicações para o ensino
36 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica
Nesta aula discutiremos as principais correntes filosóficas da
Matemática. Alguns dos autores escolhidos e consultados ao
longo do texto as denominam de correntes absolutistas, pelo fato
de não conceber o caráter falível do saber matemático. Um comentário introdutório
sobre tais correntes podem ser encontradas em Machado (1994, p. 26) quando
esclarece que:
As principais concepções a respeito da natureza da Matemática, de sua relação
com a realidade, a despeito de suas várias raízes e dos inúmeros filósofos
envolvidos, convergiram a partir da segunda metade do século XIX, para três
grandes troncos. Estas três grandes correntes do pensamento matemático,
cada uma das quais pretendendo fundamentar a Matemática, sua produção,
seu ensino, são o Logicismo, o Formalismo e o Intuicionismo.
Certamente que a classificação fornecida por Machado (1994) é de caráter
esquemático e pedagógico, uma vez que é impossível enquadrar de modo indiscutível
todas as concepções nesta camisa-de-força (MACHADO, 1994, p. 26). No contexto
histórico, identificamos que, no final do século passado, a Matemática havia-se
desenvolvido enormemente, com os trabalhos de Leonhard Euler, Johann Carl
Friedrich Gauss (no século XVIII) e as contribuições, principalmente os resultados
obtidos por Georg Cantor (no século XIX).
TÓPICO 1 As correntes filosóficas da matemáticaObjetivO
• Conhecer as principais correntes absolutistas da
Matemática
37AULA 2 TÓPICO 1
Cury (1994, p. 53) destaca que alguns filósofos matemáticos, no entanto,
estavam preocupados com o surgimento de paradoxos e contradições na Lógica e na
Teoria dos Conjuntos. Assim, com a intenção de identificar critérios mais rigorosos
e confiáveis no sentido de fundamentar a Matemática, desenvolveram-se três escolas
de filosofia, cuja influência se faz sentir até os dias atuais: o Logicismo, o Intuicionismo
e o Formalismo (CURY, 1994, p. 53).
Ao declarar que seus efeitos ainda podem ser identificados nos dias de
hoje, Cury faz um parêntese importante que nos auxiliará no aprofundamento
com respeito à atividade avaliativa em Matemática. Muitos tentam compreender
e descrever este fenômeno específico por meio de teorias “importadas” de outros
campos do saber, o que resulta em uma leitura
e significação de caráter retórico, pouco
operacional no que diz respeito à sua aplicação
no ensino efetivo de Matemática.
Iniciamos nossa discussão com uma
reflexão de Russell (1920, p. 18) quando alerta
que:
Matemática e lógica, historicamente, têm sidoestudos inteiramente distintos
[...] Mas ambos têm se desenvolvido em tempos modernos; a lógica tornou-se
mais matemática e matemática tornou-se mais lógica. A conseqüência é que
agora se tornou completamente impossível traçar uma linha entre os dois, na
verdade os dois são um só [..] A prova da sua identidade é, naturalmente, uma
questão de detalhe.
No excerto acima identificamos a dificuldade de traçarmos uma linha
divisória entre Matemática e Lógica. De fato, até mesmo mentes brilhantes,
como a de Bertrand Russell (1872-1970), destacavam tal empecilho. Mas já que
introduzimos a polêmica em torno da Lógica, discutiremos inicialmente alguns
aspectos relacionados ao Logicismo. Para falar do Logicismo, é necessário falar de
Gottlob Frege (1848-1925).
Silva (2007, p. 127) acentua que a estratégia logicista de Frege começa com uma
releitura das distinções kantianas. Frege nos alerta de saída para nunca confundirmos
o lógico com o psicológico. Em sua concepção:
A razão é simples, representações são “cópias” das coisas em nossa mente, elas
são objetos mentais, e qualquer tentativa de definir analiticidade em termos
v o c ê s a b i a?
Bertrand Russell foi um matemático, filósofo,
lógico e historiador matemático inglês.
38 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica
de representações mentais corre o risco de ser contaminada pelo psicologismo.
Para Frege, essa distinção entre o a priori e o posteriori, é puramente lógica
[...] (SILVA, 2007, p. 127).
No trecho acima, Silva expõe a crítica de Frege ao Psicologismo que manifesta
preocupação com a interpretação que possamos dar às nossas representações
mentais que construímos no decorrer de nossa existência finita no mundo.
Seu posicionamento do valor da Lógica é identificado por Silva (2007, p.
126-127) quando menciona:
Apesar de concordar com Kant quanto à Geometria, Frege acreditava que a
aritmética é analítica, porém em um sentido de analiticidade diferente de Kant.
Mais precisamente, para Frege, a aritmética é redutível à lógica, ela nada mais
é do que pura lógica. Para fazer prevalecer esse ponto de vista, Frege engajou-
se numa luta sem quartel contra as filosofias que, segundo ele, comprometiam
o caráter da verdade aritmética em particular os empiristas, para os quais a
verdade aritmética é uma generalização da experiência, fundada em sólida
base indutiva; e os psicologistas, para os quais os números são entidades
mentais e as verdades aritméticas dependem de leis empíricas que regulam
nossos processos mentais; isto é, leis da psicologia.
Para Frege, uma proposição matemática pode apresentar duas naturezas
distintas. De fato, temos uma proposição analítica quando a demonstração desta
proposição envolve apenas leis lógicas gerais e definições formais. Se, pelo
contrário, qualquer demonstração de uma
proposição recorre ao emprego de verdades de
escopo limitado (como os axiomas da geometria),
ela será uma proposição sintética. Ademais,
quando a mesma proposição utiliza verdades
particulares, embora não demonstráveis (como as
asserções que expressam os dados imediatos dos
sentidos), ela será uma proposição a posteriori. E
quando em tal proposição observamos que sua
demonstração se fundamenta em fatos e verdades
gerais, ela será a priori (SILVA, 2007, p. 127). De
modo resumido, temos o quadro sistemático de
classificação segundo as concepções de Frege.
s a i b a m a i s !
O Empirismo é descrito e caracterizado pelo
conhecimento científico, a sabedoria é adquirida
por intermédio da apreensão perceptual, pela
origem das ideias por onde captamos e percebemos
as coisas, de modo independe de seus objetivos
e significados. E pela relação de causa-efeito por
onde fixamos nossa mente, o que é percebido/
identificado atribui à percepção causas e efeitos.
39AULA 2 TÓPICO 1
Proposições Características Quanto à demonstração
Proposição sintética
Emprega verdades de escopo limitado para assegurar sua
validade
Quando recorre apenas a verdades gerais (a priori)
Proposição analítica
Sua verificação envolve o recurso de leis gerais da
lógica e definições formais
Quando se fundamenta em verdades particulares, não
demonstráveis (a posteriori)
Quadro 1: Propriedades das proposições (SILVA, 2007, p. 133)
Dando continuidade ao pensamento da corrente Logicista, encontramos o
matemático e filósofo Bertrand Russell. Silva (2007, p. 134) diz que Russell não foi
tão pessimista quanto Frege sobre o destino do programa logicista. Seu pensamento
pode ser contemplado no seguinte trecho:
A matemática é um estudo que, quando iniciado de suas partes mais
familiares, pode ser levado a efeito em duas direções opostas. A mais comum
é construtivista, no sentido da complexidade gradativamente crescente: dos
inteiros para as frações, os números reais, os números complexos, da adição
e multiplicação para a diferenciação e integração e daí para a matemática
superior. A outra direção, que é menos familiar, avança, pela análise, para a
abstração e a simplicidade lógica sempre maiores; em vez de indagar o que
pode ser definido e deduzido daquilo que se admita para começar, indaga-se
que mais ideias e princípios gerais podem ser encontrados, em função dos
quais o que fora o ponto de partida possa ser definido ou deduzido. É o fato
de seguir essa direção oposta é que caracteriza a Filosofia da Matemática, em
contraste comum com a matemática (RUSSELL, 1981, p. 9, apud SILVA, 2007,
p. 135).
Note-se que, no trecho acima, apesar de extenso, há espaço para a inspiração
adequada para nossa discussão. Observamos a distinção do termo construtivismo
em Matemática. Russell faz indicações concretas a respeito da necessidade de
construção progressiva dos conceitos matemáticos, passo a passo. Neste sentido,
destaca o papel da abstração humana como a capacidade ontológica do indivíduo
que proporciona determinados saltos, avanços e retrocessos qualitativos do
indivíduo.
Nesse sentido, Russell (1981, p. 9) salienta que os antigos geômetras gregos
ao passarem das regras de agrimensura empíricas egípcias e proposições gerais pelas
40 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica
quais se constatou estarem aquelas regras justificadas, e daí para os axiomas e
postulados de Euclides, estavam praticando a Filosofia da Matemática. Por outro
lado, uma vez atingido os axiomas e postulados, o seu emprego dedutivo, como
testemunhamos em Euclides, pertencia à matemática no sentido comum. A
distinção entre matemática e filosofia da matemática depende do interesse que inspire
a pesquisa e da etapa por esta atingida e não das proposições às quais a investigação
esteja afetada (RUSSELL, 1981, p. 9).
Russell, considerado um filósofo logicista, ressaltava alguns aspectos que
deveriam ser tomados com vigilância pelos próprios logicistas. Em suas palavras,
percebemos alguma destas ressalvas:
Uma vez toda a matemática pura e tradicional reduzida à teoria dos números
naturais, o passo seguinte na análise lógica, foi reduzir essa própria teoria ao
menor conjunto de premissas e termos não definidos dos quais se pudesse
ser derivada. Esse trabalho foi realizado por Peano. Ele mostrou que toda a
teoria dos números naturais podia ser derivada de três ideias primitivas e
cinco proposições primitivas, além daquelas da Lógica pura. Essas três ideias
e cinco proposições tornaram-se, desse modo, por assim dizer, as garantias de
toda a matemática pura. Seu “peso” lógico, caso se possa usar tal expressão, é
igual ao de toda a série de ciências deduzidas da teoria dos números naturais; a
verdade das cinco proposições primitivas, desde que, naturalmente, nada haja
de errôneo no aparato lógico também envolvido (1981, p. 12).
A principal tese logicista foi defendida por Russell, Whitehead, na
fundamental obra Principia Mathematica. O autor pretendia derivar as leias da
Aritmética e, de resto, toda a Matemática, das leis da Lógica normativa elementar.
Muito cedo, porém, a Lógica aristotélica, mesmo incorporando os desenvolvimentos
de Leibniz, bem como os que seguiram, mostrou-se pequena demais para tal tarefa
(MACHADO, 1994, p. 27). Neste sentido, Machado (1994) aponta os seguintes
objetivos propostos pelos logicistas:
a) todas as proposições matemáticas podem ser expressas na terminologia
lógica;
b) todas as proposições matemáticas verdadeiras são expressões de verdades
lógicas.
Cury (1994, p. 54) menciona que alguns dos logicistas mereceram destaque,
como Russell e Whitehead. Cury chama atenção para o coroamento das pesquisas
de vários matemáticos que antecederam os logicistas. Neste sentido, destacamos
41AULA 2 TÓPICO 1
o simbolismo exagerado e a formalização presentes na obra escrita por Russell
intitulada Principia Mathematica mostram que, para os seus autores, a matemática
existe em um “céu platônico”, desligada dos problemas humanos.
Cury (1994, p. 54) destaca, no entanto que:
[...] a tentativa de Russell e Whitehead de mostrar que a matemática clássica
pode ser reduzida à Lógica não estava completa. Para evitar os paradoxos e as
críticas que surgiam à sua obra, Russell teve que edificar a teoria dos tipos e
assumir o axioma do infinito, que não tem caráter lógico estrito, pois é uma
hipótese sobre o mundo real. Assim, o programa logicista não teve êxito em
sua tentativa de assegurar a visão absolutista da matemática.
No final de sua vida, Russell abandonou a visão platônica em que se apoiara
nos seus trabalhos iniciais, talvez pelo desencanto em relação às possibilidades de
fundamentar a matemática (CURY, 1994, p. 54). Machado (1994, p. 27) salienta que:
A Lógica elementar contém regras de quantificação que provêem a matemática
de instrumental eficiente quando se trata de frases onde esteja bem-estabelecida
a caracterização do indivíduo e do atributo, distinção essa que sabemos de
raízes aristotélicas. Entretanto, ela não admite, sem enfrentar dificuldades,
regras de quantificação para expressões bem-formadas onde atributos são
tratados como indivíduos. Assim, frases do tipo “todos os indivíduos i têm
o atributo A” ou “existe um indivíduo i que tem o atributo A” não oferecem
problemas; mas frases como “todos os atributos A têm o atributo B” ou “existe
um atributo A que tem o atributo B” conduziriam a dificuldades lógicas.
Machado (1994) discute o Paradoxo de Russell, que consiste em uma situação
contraditória descoberta por Bertrand Russell em 1901 e que prova que a teoria
de conjuntos de Cantor e Frege é contraditória. Consideramos então o conjunto M
como definido “conjunto de todos os conjuntos que não se contêm a si próprio como
membro. Empregando a notação matemática, escrevemos A é elemento pertencente
de M se, e somente se, A não é elemento de A, ou seja, : { ; A A}M A= Ï .
No sistema concebido por George Cantor, M é um conjunto bem definido. A
questão que se apresenta diz respeito da possibilidade de M conter-se a si mesmo?
Ora, se as resposta é sim, não é membro de M, de acordo com a definição
estabelecida há pouco. Por outro lado, supondo que M não se contém a si mesmo,
tem de ser membro de M, de acordo mais uma vez com a definição de M. Deste modo,
as afirmações “M é membro de M” e “M não é membro de M” conduzem ambas
42 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica
a inconsistências e contradições. Já no sistema devido a Frege, M corresponde ao
conceito e não recai no conceito de sua definição. O sistema de Frege conduz ainda
a outras contradições.
Para concluir, vamos recordar o Paradoxo do Barbeiro de Sevilha. Tal
paradoxo é explicado a partir da Lógica e da Teoria dos Conjuntos. O paradoxo
envolve uma aldeia onde, todos os dias um barbeiro faz a barba de todos os homens
que não se barbeiam a si próprios e a mais ninguém. Ora, tal aldeia pode existir?
O raciocínio nos conduz a duas possibilidades: i) se o barbeiro não se barbeia a si
mesmo, então terá de fazer a barba de si mesmo; (ii) se o barbeiro se barbear a si
mesmo, de acordo com a regra estabelecida, ele não pode se barbear a si mesmo.
A regra anterior caracteriza uma situação indecidível. O paradoxo costuma
ser atribuído a Bertrand Russell, um matemático britânico que no ano de
1901 elaborou este paradoxo para demonstrar a natureza auto-contraditória e
inconsistente da teoria dos conjuntos estruturada por Cantor. Não nos deteremos
de modo aprofundado nestas questões que exigem um conhecimento aprofundado
de lógica e noções e programação.
Machado (1994, p. 27) discute outro paradoxo:
Consideremos o conjunto cujos elementos são os catálogos de livros
(indivíduos). Diremos que um catálogo é normal (atributo) se ele não se incluir
entre os livros que cita; se ele se incluir, será anormal. Consideremos, agora, o
conjunto de todos os catálogos normais e organizemos o catálogo de todos os
catálogos normais (indivíduo?). Este catálogo será normal ou anormal? Se ele
for normal, ele não se incluirá, por definição deste atributo e, portanto, deverá
se incluir uma vez que é o catálogo de todos os catálogos normais, sendo,
consequentemente, anormal. Se ele for anormal, ele se incluirá e, portanto,
será normal, uma vez que só inclui os normais. E agora?.
Por oposição de superação destes e outros entraves, identificamos na
história o surgimento de outra corrente filosófica que, em determinados aspectos,
sustentava a superação dos entraves logicistas. Assim, observamos o surgimento
do formalismo, uma das correntes que mais repercutiu no ensino de Matemática
(CURY, 1994).
Segundo Ernest (1991, p. 10), o formalismo é uma visão da matemática como
um jogo formal sem sentido, constituído de marcas no papel, seguindo regras. O seu
maior proponente foi David Hilbert. A corrente formalista teve em Kant profunda
inspiração, assim como em Leibniz, que na sua lógica fundou o logicismo. Para
43AULA 2 TÓPICO 1
Kant, o papel que a lógica desempenha é semelhante ao papel em qualquer outro
setor do conhecimento. Podemos caracterizar um pressuposto formalista a partir
das considerações de Machado (1994, p. 29) quando observa que tal corrente:
Considera que, sem dúvida, em matemática, os teoremas decorrem de axiomas,
de acordo com as leis da lógica. Nega, no entanto, que os axiomas constituem
eles mesmos princípios lógicos ou consequências, de tais princípios. Admite,
isto sim, que eles sejam descritivos da estrutura dos dados da percepção
sensível, em particular, do espaço e tempo.
Seu maior ícone foi David Hilbert (1862 — 1943), um matemático alemão
que contribuiu a matemática com ideais inovadoras que se espalharam em diversas
áreas da matemática. Nasceu na cidade de Könisberg, atualmente Kaliningrado,
onde teve seu período de estudos acadêmicos na Universidade de Könisberg. No
ano de 1895 foi nomeado para a universidade de Göttingen, onde lecionou até sua
aposentadoria, em1930. David Hilbert é frequentemente considerado como um dos
maiores matemáticos do século XXX, no nível comparado do de Henri Poincaré.
Devemos a ele a lista famosa de 23 problemas, alguns dos mesmos sem solução até
os dias de hoje, que Hilbert apresentou em 1900 no Congresso Internacional de
Matemáticos em Paris.
Hilbert adotou as ideias de Kant em seu ambicioso programa prático que
caracterizou o formalismo. Grosso modo, fundamentava-se da seguinte forma:
a. A Matemática compreende descrições de objetos e construções
concretas, extra-lógicas;
b. Tais construções e estes objetos deve ser enlaçados em teorias formais em
que a Lógica é o instrumento fundamental;
c. O trabalho do matemático deve consistir no estabelecimento de teorias
formais consistentes, cada vez mais abrangentes até que se alcance a
formalização completa da Matemática. (MACHADO, 1994, p. 29)
Mais adiante, Machado (1994) levanta as seguintes questões:
• Em que consiste uma teoria formal?
• A que objetos ou construções se referem às teorias formais?
• O que significa ser uma teoria formal consistente?
• O que significa formalização completa?
Machado (1994, p. 30) responde que uma teoria formal consta de termos
primitivos, regras de formação de fórmulas a partir delas, axiomas ou postulados,
44 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica
regras de inferências e teoremas. De modo esquemático, vemos o diagrama proposto
na Figura 1, em que o autor descreve a organização epistemológica de uma teoria.
Figura 1: Teoria formal segundo Machado (1994, p. 30)
Machado (1994, p. 30) explica o diagrama acima ao esclarecer que:
Os termos primitivos descrevem os objetos concretos de que trata a teoria. As
regras de formação de fórmulas organizam o discurso a respeito destes objetos,
distinguem as fórmulas bem-formadas das que carecem de significado. Os
axiomas são as verdades básicas, iniciais, que devem se apoiar na evidência
empírica. As regras de inferência determinam as inferências legítimas e
distinguem, dentre as fórmulas bem-formadas, as que constituem os teoremas,
que são verdades demonstráveis a partir dos axiomas, em última análise.
Como se sabe, o sistema formal elaborado por Euclides para a Geometria,
durante mais de dois mil anos, permaneceu soberano como descritivo da estrutura
perceptual do espaço. Tendo como termos primitivos as noções de ponto, reta e
plano, Euclides enunciou os cinco postulados para este sistema formal:
1P : É possível traçar uma linha reta de qualquer ponto a qualquer ponto;
2P : Qualquer segmento de reta finito pode ser prolongado indefinidamente
para constituir uma linha reta;
3P : Dados um ponto qualquer e uma distância qualquer, pode-se traçar um
círculo de centro naquele ponto e raio igual à distância dada;
4P : Todos os ângulos retos são iguais entre si;
5P : Se uma reta cortar duas outras de modo que os dois ângulos interiores de
um mesmo lado tenham soma menor que dois ângulos retos, então as duas outras
45AULA 2 TÓPICO 1
retas se cruzarão, se prolongadas indefinidamente, do lado da primeira reta em que
se encontram os dois ângulos citados.
Figura 2: Interpretação do 5º postulado euclidiano por Machado (1994, p. 31)
Ainda com referência ao trabalho erigido por Euclides, destacamos o trecho
interessante do trabalho de Machado (1993, p. 103) quando explica que:
Machado (1994, p. 32) explica ainda que Euclides assumiu outros cinco
princípios de caráter mais geral, de natureza que julgava lógica e que seriam
utilizados em todas as matérias. Estes princípios ele chamou de axiomas:
1A : Duas coisas iguais a uma terceira coisa são iguais entre si;
2A : Se parcelas iguais forem somadas a quantias iguais os resultados obtidos
serão iguais;
3A : Se quantias iguais forem subtraídas de quantias iguais, os restos obtidos
serão iguais;
4A : Coisas que coincidem umas com as outras são iguais entre si;
46 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica
5A : O todo é maior do que cada uma das partes.
Machado (1994, p. 32) sublinha que a ideia subjacente à fixação dos postulados
e axiomas é que eles sejam de tal modo evidentes que ninguém deles duvide. E a
partir deles que todos os fatos geométricos, todos os teoremas são demonstrados. Por
outro lado, um problema profundo de natureza filosófica diz respeito ao caráter de
“evidência” atribuído aos axiomas e postulados. Neste sentido, Machado (1994, p.
32) sublinha que:
A análise da afirmação do 5º postulado perturbou a muitos matemáticos desde
o início, uma vez que ele parecia menos evidente que os demais, anômalo
em algum sentido que não era explicitamente percebido. Na verdade, o 5º
postulado parecia um teorema como os inúmeros demonstrados por Euclides
e não faltaram candidatos, ao longo dos séculos, a tentarem demonstrá-lo a
partir dos outros quatro.
O problema maior apontado no trecho acima diz respeito ao caráter não tão
evidente do 5º postulado. Como consequência deste caráter de incredibilidade e
falta de consenso da comunidade, não faltaram candidatos, ao longo dos séculos, a
tentarem demonstrá-lo partir dos outros quatro (MACHADO, 1994, p. 32). Como essa
ideia se mostrou impraticável e tratou-se de uma tarefa não trivial, os esforços se
modificaram na tentativa de substituição do 5º postulado por outro enunciado de
natureza mais simples ou evidente. Todavia, tais iniciativas mostraram que existem
muitos outros princípios geométricos capazes de substituir o 5º postulado, sem que o
sistema formal (Figura 1) perca qualquer de seus teoremas (MACHADO, 1994, p. 32).
A partir daí, a História da Matemática descreve o advento das Geometrias
Não Euclidianas. Nestas novas geometrias, coisas estranhas e propriedades
que contrariam nossos sentidos, erigidos a partir dos modelos euclidianos, são
exploradas. Por exemplo, podemos recordar o problema que descreve que partindo
de um ponto da Terra, um caçador andou 10 km para Sul, 10 km para Leste e 10 km
para Norte, voltando assim ao ponto de partida. Aí encontrou um urso. Qual a cor
do urso?
À primeira vista, podemos imaginar que esta situação problema não possui
solução e, portanto, o caçador não retornaria ao ponto de partida, como mostra o
esquema da figura 3. No entanto, não podemos esquecer o fato de que a Terra não
é uma superfície plana, mas curva. Assim, a solução está à vista: andando 10Km
segundo aquelas três direções perpendiculares, o caçador só voltará ao ponto
inicial de partida se iniciar sua caminhada no Pólo Norte. Mas enquanto ao urso?
47AULA 2 TÓPICO 1
Com a história toda se desenvolve no Pólo Norte, só pode ser um urso polar
e por isso um urso de cor branca. Toda a dificuldade na solução deste problema
passa pelo fato de pensarmos na Geometria sobre um plano. Note-se que desde o
século passado, com o aparecimento de Geometria Não Euclidiana, surge uma nova
solução para este problema.
Figura 3: O problema do urso polar envolvendo noções de geometrias não euclidianas
Vamos pensar ainda que o caçador está no Pólo Sul e a Terra possui círculos
concêntricos, com comprimentos distintos. Um desses círculos terá 10 km de
comprimento então, qualquer que seja o ponto, situado a 10km para a direção
norte desse círculo, satisfará as condições e exigências do problema inicial. De
fato, o caçador anda 10 km para a direção Sul e chega a esse circulo; em seguida
anda 10km para a direção Leste e dá uma volta completa; ao andar 10km para a
direção Norte, retorna ao mesmo ponto de origem. Nesta nova solução esta ainda o
urso, todavia, não existem ursos no Pólo Sul. Se bem que os ursos não tem relação
alguma com a Matemática, tem?
No século XVIII, o matemático italiano Sachieri fez outro tipo de tentativa: em
vez de demonstrar o 5º postulado de Euclides, a partir dos demais postulados ou de
propor um substituto mais evidente, ele investigou a independência deste postulado
em relação aos outros quatro (MACHADO, 1994, p. 33). Seu plano é descrito por
Machado (1994, p. 33) do seguinte modo:
[...] era admitir os quatro primeiros postulados e negar o 5º postulado,
para efeito de discussão, considerando o novo sistema formal resultante.
48 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica
Naturalmente ele [Sachieri] esperava, com este novo sistema, chegar a
absurdos, a contradições que revelassem a necessidade formal do 5º postulado.
No entanto, curiosamente, Sachieri não obteve o que esperava, não deparou
com nenhuma inconsistência, tendo, isto sim, demonstrado muitos resultados
considerados “estranhos” e que se caracterizariam, mais tarde, como os
teoremas de uma nova Geometria.
Na sequência, exibimos a Figura 4, na qual visualizamos alguns dos
resultados emblemáticos da Geometria euclidiana que podem não ser esperados
nas Geometrias não euclidianas, como a propriedade que diz que a soma dos
ângulos internos de um triângulo vale dois ângulos retos conforme demonstrada por
Euclides.
Figura 4: Um triângulo nas geometrias não euclidianas
Assim como o formalismo, o intuicionismo tem raízes em Kant e Brouwer.
Nesta corrente filosófica, a intuição resultante da introspecção resulta em evidenciar
a verdade das proposições matemáticas e não a observação direta de objetos externos
(MACHADO, 1994, p. 39). Em relação ao intuicionismo, encontramos na literatura
que essa escola:
[...] parte do pressuposto contrário ao dos logicistas, pois considera que há
algo errado com a matemática clássica. Pensavam, então, os intuicionistas, em
reconstruí-la desde os alicerces e, para isso, só aceitavam a parte da matemática
construída a partir dos números naturais (CURY, 1994, p. 55).
Machado (1994, p. 39) esclarece que, para os intuicionistas, a Matemática é
uma atividade totalmente autônoma, autossuficiente. A pretensão dos logicistas de
49AULA 2 TÓPICO 1
reduzi-la à logica ou dos formalistas de alcançar uma formalização rigorosa resulta
em mal entendidos fundamentais sobre a natureza da matemática. Para Brouwer, os
formalistas concebiam a Matemática como constituída de duas partes: um conteúdo
específico, autônomo e uma linguagem que dependia, para o seu crédito, da Lógica.
Por outro lado, o ponto de vista do intuicionismo, é:
[...] o de que a matemática é uma construção de entidades abstratas, a partir
da intuição do matemático, e tal construção prescinde de uma redução à
linguagem especial que é a lógica ou de uma formalização rigorosa em um
sistema dedutivo. Admitem os intuicionistas a utilidade dos sistemas formais,
mas os consideram produtos acessórios resultantes de uma atividade autônoma,
construtiva. E, com certo desprezo, atribuem à linguagem matemática uma
função essencialmente pedagógica (MACHADO, 1994, p. 40).
Para concluir esta seção, destacamos que esta corrente filosófica sofreu vários
reveses, parte deles foram assentados em fatos matemáticos que aparentemente
resultavam de contradições em relação às informações obtidas por intermédio da
intuição matemática. Em outras aulas, nos deteremos um pouco mais na compreensão
de uma habilidade cognitiva que chamamos de intuição, e que proporciona uma
atitude filosófica na Matemática. No próximo tópico, diferenciaremos e traçaremos
algumas críticas e distorções ao ensino de Matemática que assume o pressuposto
construtivista.
50 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica
TÓPICO 2O construtivismo na matemática e o construtivismo piagetianoObjetivO
• Conhecer aspectos do “construtivismo” matemático e os
fundamentos da teorização de Piaget e suas implicações
para o ensino
Nesta aula abordaremos uma palavra recorrentemente explorada
e aplicado em situações e domínio epistêmicos completamente
distintos dos quais efetivamente se originou. De fato, o termo
“construtivismo” se espalhou com tanto vigor que na atualidade não se encontra
ninguém não se autodenomine um construtivista. O equívoco acadêmico diz
respeito ao desconhecimento de dois pressupostos filosóficos. O primeiro é o
construtivismo no seio da própria Matemática e o segundo, mais popularizado,
o construtivismo piagetiano. Para compreender-mos um pouco mais do primeiro
a ponto de distingui-lo do segundo, destacamos Machado (1994, p. 41) quando
comenta os principais elementos inconsistentes e que receberam críticas das
correntes absolutistas da Matemática do seguinte modo:
O logicismo pretendeu fundar a matemática nas leis gerais do pensamento
sem que nunca penetrasse nas características específicas, na gênese dessas leis
lógicas. O formalismo pregou que os sistemas formais, que utilizavam essas
mesmas leis, constituiriam em si o objeto da matemática, independentemente
de suas interpretações. Mas também não deu grandes passos no sentido de
investigar o mecanismo que possibilita a concordância, mais cedo ou mais
tarde, destes sistemas abstratos com o real através das interpretações. O
intuicionismo deixou em permanente penumbra a dinâmica das intuições
que conduziam os matemáticos à criação de seu mundo autônomo. Nunca
esclareceu o modo como se mesclavam as concepções a priori sobre o espaço e
o tempo e as construções dos matemáticos.
51AULA 2 TÓPICO 2
De modo semelhante ao discutido por Ermest (1991), neste trecho acima
Machado aponta de modo consistente os pontos mais delicados das correntes que
discutimos na seção anterior. Ademais, Machado (1994) insere nesta discussão as
formulações de Piaget, todavia, antes de discutirmos seu ponto de vista, torna-
se imperioso compreendermos a corrente filosófica construtivista pertencente à
Filosofia da Matemática, que se diferencia de modo substancial do construtivismo
piagetiano.
Neste sentido, Ernest (1991, p. 11) declara que o programa construtivista
diz respeito à reconstrução do conhecimento matemático (e reformulação da prática
matemática). Seu objetivo caracterizou-se por
rejeitar argumentos não construtivistas, tais
como os argumentos de Cantor relacionados a
não enumerabilidade do conjunto dos números
reais, e as leis da lógica relacionada ao Princípio
do Terceiro Excluído. Os construtivistas da
Matemática mais conhecidos foram Brouwer
e Arend Heyting (1898-1980) que foi um
matemático holandês. Ademais variadas
dimensões do construtivismo podem ser identificas hoje em dia (ERNEST, 1991, p. 11).
Esta corrente filosófica reúne matemáticos que acreditam que a Matemática
clássica necessita ser reconstruída a partir de métodos e raciocínio adequado. Os
construtivistas assumem que tanto as verdades matemáticas como os objetos existentes
da matemática precisam ser estabelecidos por meio de métodos construtivos (ERNEST,
1991, p. 11).
Ernest (1991, p. 12) explica que, considerando a clássica demonstração de
existência matemática em demonstrações, deve-se de modo similar demonstrar a
necessidade lógica da existência, e uma prova construtiva da existência pode mostrar
como construir o objeto matemático cuja existência é defendida. Por outro lado, os
construtivistas não demonstraram que existem problemas inescapáveis diante de
problemas clássicos de matemática (ERNEST, 1991, p. 12).
Todavia, de modo semelhante às outras correntes filosóficas absolutistas,
a perspectiva construtivista na Matemática, em alguns resultados, mostrou-se
inconsistente em relação a alguns resultados da Matemática clássica. Com respeito
a esta tendência verificada, Jairo (2007, p. 143) esclarece:
at e n ç ã o !
O princípio do Terceiro Excluído diz que uma
proposição pode ser verdadeira se não for falsa e
só pode ser falsa se não for verdadeira.
52 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica
Considerando a linguagem e os métodos caracteristicamente construtivos
da matemática grega, o construtivismo remonta à Antiguidade Clássica.
Mas como uma filosofia da matemática, em particular uma ontologia e uma
epistemologia, ele é mais moderno; Kepler foi talvez o primeiro a dizer
explicitamente que uma figura geométrica não construída não existe. Mas o
pioneiro na elaboração de uma filosofia construtivista da matemática foi Kant
e, de um modo ou de outro, todos os filósofos da matemática de orientação
construtivista são seus herdeiros.
Kant não hesitou em negar como matemática tudo aquilo que não fosse atual
ou potencialmente construído, neste sentido, as raízes quadradas de números
negativos foram seriamente evitados. Segundo o próprio Kant, essas raízes são
pseudonúmeros, por não admitirem exemplificação intuitiva (SILVA, 2007, p. 143).
No entanto, foi no final do século XIX, primeiras décadas do século XX, que o
construtivismo ganhou maior vigor na comunidade de matemáticos. Jairo (2007, p.
145) comenta ainda que:
Construtivistas, como Poincaré e Brouwer, preferiam deixar Deus e a lógica
para apelar para a intuição humana. Eles acreditavam que é no interior da
consciência humana e suas vivências que os números naturais se constituem
e suas verdades se fundamentam. Não há, segundo eles, como definir esses
números em termos mais elementares. Poincaré, além de ridicularizar todo
o projeto logicista, criticou, como mencionamos há pouco, as tentativas de
Dedekind de definir o conceito de número natural. São esses os herdeiros
legítimos de Kant.
Até o momento já dispomos de elementos teóricos que nos permitirão
comparar o construtivismo piagetiano com o construtivismo na Matemática.
Provavelmente o que ambos possuem de comum é a identificação de elementos
essenciais pertencentes à cognição humana que precisam ser ativados e estimulados
de modo conveniente (MAIO, 2002) para que possamos esperar uma razoável
aprendizagem. O construtivismo piagetiano apresenta várias distorções no contexto
de ensino aprendizagem, apesar de seus pressupostos iniciais indicarem elementos
diferenciados de natureza epistemológica e filosófica.
Seu principal expoente foi Jean Piaget (1896-1980), que sempre manifestou
profundas inspirações no conhecimento matemático. Para ele, as soluções clássicas
do problema da relação da Matemática com a realidade se encerravam no dilema: ou
a matemática se impõe, a priori, à realidade empírica, ou a matemática é construída
53AULA 2 TÓPICO 2
a partir de construções abstratas que emergem da realidade (MACHADO, 1994, p.
42). Machado (1994, p. 42) explica o dilema piagetiano ressaltando:
Em outras palavras, as soluções clássicas do problema da relação da
matemática com a realidade se encerram no dilema: ou a matemática se
impõe, a priori, à realidade empírica, ou a matemática é construída a partir
de construções abstratas que emergem desta realidade. Em outras palavras, as
soluções caracterizam ou uma proeminência do sujeito do conhecimento ou
uma proeminência do objeto do conhecimento, permanecendo presas a esta
dicotomia.
Piaget, diferentemente de muitos pontos de vista passados, propôs que a
relação da Matemática com a realidade não possa se fundar no sujeito pensante
(apriorismo) e nem apenas no objeto pensado (empirismo), mas numa interação
intensa entre sujeito e objeto. Todavia, não podemos destacar esta atitude como
original, afinal todas as soluções anteriores, poderiam, pelo menos enquanto discurso,
se pretender captando tal interação (MACHADO, 1994, p. 42).
Machado (1994, p. 42) acrescenta que:
A originalidade da posição de Piaget consiste na situação da interação sujeito-
objeto no interior do sujeito. Por esta via, elege, naturalmente, a Psicologia
como seu fundamental instrumento para as explicitações desta interação. Não
uma psicologia qualquer, mas a Psicologia Genética [...].
A utilização da Matemática em todos os seus estudos é muito marcante.
Observamos a relevância dessa área do conhecimento, a partir das próprias palavras
de Piaget, que caracteriza os objetivos de uma pesquisa ao mencionar que:
O objetivo desta nota não se trata de elaborar um novo procedimento de cálculo
logístico, mas unicamente de pesquisar se as operações de adição e subtração,
próprias da Álgebra e da Lógica, são suscetíveis, uma vez colocadas sob forma
de igualdade, de fabricar um verdadeiro grupo. A única novidade, do ponto
de vista do cálculo lógico, é de ter generalizado a operação inversa da adição:
a “subtração lógica”, interpretando o que os logicista chamam de “negação”
(PIAGET, 1937, p. 99, tradução nossa.)
No excerto acima, identificamos o vocábulo conhecido na Matemática como
“grupo”. Mais adiante no mesmo artigo, o próprio Jean Piaget discute propriedades
especificas relacionadas com a noção de grupo quando menciona:
54 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica
Cremos ter encontrado analogias de
estruturas do que concerne a composição,
a associatividade e inversas. Quanto
à operação idêntica, uma diferença
fundamental se opõe ao grupo lógico
com respeito aos grupos aritméticos:
cada igualdade desempenha um papel
idêntico com respeito à igualdade de
ordem inferior. Esta oposição, que se
relaciona com respeito ao bloqueio de
classes umas sobre as outras na ausência
de interação na lógica mostra que muito
diferente possível entre os dois tipos de
grupos, e destacamos outras (PIAGET,
1937, p. 100, tradução nossa).
É patente o emprego constante de Piaget
de estruturas matemáticas para a descrição/
compreensão de várias operações cognitivas de pensamento da criança. Parece-nos
um ponto de vista bastante equivocado tentar apresentar a teoria elaborada por este
pensador ao futuro professor de Matemática sem falar/relacioná-la com a própria
Matemática. Neste sentido, destacamos um trecho de um artigo de Jean Piaget
relacionado com as relações de igualdade algébrica estabelecidas pela criança.
Para concluir, Machado (1994, p. 43) destaca as profundas preocupações de
Piaget com a Matemática ao declarar que:
at e n ç ã o !
Em Matemática o conceito de Grupo é dado
como um conjunto de elementos associados
a uma operação que combina dois elementos
quaisquer para formar um terceiro elemento Para
se qualificar um grupo, o conjunto e a operação
devem satisfazer algumas condições chamadas de
axiomas de grupo: associatividade, identidade e
existência de elementos inversos. A ubiquidade
dos grupos em inúmeras áreas – dentro e fora da
matemática – os tornam um princípio central nas
ciências.
55AULA 2 TÓPICO 2
Grosso modo, sua proposta é de fundar a lógica nessa moderna Psicologia,
científica e objetiva. Ele pretende que, em sua origem, as operações lógico-
matemáticas procedam diretamente das ações mais gerais que podemos
exercer sobre objetos ou grupos de objetos. Elas consistem em estabelecer
correspondências contar, reunir, associar, dissociar, ordenar, etc. A gênese das
operações lógico-matemáticas deve ser buscada, segundo ele, neste aspecto de
atividade coordenadora das ações físicas mais elementares.
Deste modo, a perspectiva filosófica de Piaget pode ser descrita do seguinte
modo, no que diz respeito ao desenvolvimento da Matemática:
1) os entes matemáticos originam-se da coordenação das ações físicas mais
gerais que o sujeito exerce sobre o objeto;
2) desta ligação, tais entes se distanciam mais e mais do objeto concreto,
entretanto, conservam o poder de reunirem ao objeto, de se reencontrarem com
a realidade imediata em todos os níveis, de dizerem respeito à realidade, por mais
alto que seja o vôo alcançado.
Mais adiante, Machado (1994, p. 43) levanta algumas questões de ordem
filosófica:
a) Como, apesar deste afastamento da realidade, o pensamento matemático
segue fecundo?
b) O que possibilita este constante acordo com a realidade? Qual a condição
de possibilidade de tal compatibilidade?
Piaget responde alguns destes questionamentos quando declara que o
pensamento matemático é fecundo porque, ao ser uma assimilação do real às
coordenadas gerais da ação, é, essencialmente, operatório (PIAGET, 1978, apud
MACHADO, 1994, p. 44). Assim, alguns de seus pressupostos envolvem a intenção
de explicar as operações de composição das ações básicas em novas ações mais
complexas que se estabelecem e se sobrepõem às anteriores, na dependência de um
caráter de operacionalidade.
Para Piaget, é inexato dizer que os entes matemáticos e as estruturas
matemáticas se formam a partir do objeto isolado. Para ele, o pensamento matemático
em relação à realidade física:
É criação e agrega a ela em lugar de abstrair algo ou de extrair sua matéria...
antecipa experiências, em alguns casos, antes que se produzam, e lhes
proporciona marcos antes que a idéia de tais experiências haja germinado no
pensamento (PIAGET, 1978, apud, MACHADO, 1994, p. 44).
56 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica
Na Figura 5 abaixo, descrevemos as relações que podem ser estabelecidas
entre o sujeito do conhecimento (indivíduo) e um objeto matemático. Note-se que
vários pensadores discutem as formas (dimensão filosófica) e maneiras da ocorrência
de um fenômeno (dimensão cognitiva) que conhecemos por abstração matemática,
que, depois da perspectiva piagetiana, passou a ser melhor compreendido.
Figura 5: Relações estabelecidas entre sujeito e objeto matemático diante à realidade
Machado (1994, p. 46) exalta o ponto de vista original piagetiano quando
declara que:
O fato de Piaget ter concentrado seus esforços na Psicologia teve como
conseqüência uma aparência de maior aproximação de seu trabalho da
prática docente o que conduziu a diversas tentativas de fundamentação de
uma didática para a matemática. Entretanto, o superdimensionamento da
componente psicológica da atividade didática, em detrimento de outros
fatores, frequentemente mais proeminentes, é um dado que compromete tais
tentativas, por não ser circunstancial, mas sim inteiramente decorrente da
visão piagetiana da relação da matemática com a realidade.
Para concluir esta aula, destacamos que, no ambiente da formação de
professores, muito se fala a respeito do construtivismo piagetiano e nada se comenta
ou se discute a respeito do construtivismo na Matemática. Com relação a este fato é
necessário estabelecer alguns pontos de vigilância.
Com relação ao primeiro ponto, evidenciamos com preocupação o discurso
retórico a respeito do construtivismo piagetiano no ambiente de formação, todavia,
como vimos em alguns exemplos, Piaget apoiou fortemente sua teoria na Matemática
e desenvolveu raciocínio metafóricos e analogias entre as operações cognitivas e as
57AULA 2 TÓPICO 2
estruturas algébricas matemáticas (MAIO, 2002). Desse modo, sem dispor de uma
formação razoável em Matemática. não se pode esperar compreender Piaget.
Ademais, as pessoas costumam valorizar a face visível da Matemática, e neste
sentido, a dimensão lúdica recebe destaque, entretanto a beleza ou curiosidade
realçada por um educador adquire sentido na medida em que compreendemos
também o modelo lógico-matemático que reside nestas aplicações, alias, observamos
com frequência exemplos de aplicações supérfluas que, no final das contas, em
nada acrescentam ao conhecimento do futuro professor de Matemática.
O segundo ponto que requer vigilância se refere à necessidade de adquirirmos
um “olhar filosófico” do conhecimento matemático. De fato, observamos vários
exemplos de pensadores que destacam a ‘beleza’ do saber matemático quando
vislumbrado por meio de uma perspectiva filosófica, embora o domínio do conteúdo
seja ainda uma condição imprescindível para esta visão filosófica.
O terceiro ponto que requer vigilância se relaciona com os desdobramentos
e consequências das correntes filosóficas (formalismo, logicismo e intuicionismo) que
discutimos nas seções anteriores. Veremos que algumas delas mostraram-se mais
marcantes do que outras e conseguiram um espaço maior de influência, tanto no
que diz respeito à atitude do professor, quanto ao que pode ser relacionado à sua
práxis em sala de aula. Algumas destas “distorções” e “incongruências” no ensino
de Matemática são determinadas, em maior ou menor parte, por algumas dessas
correntes filosóficas. Nesse ponto, identificamos um discurso acadêmico, ancorado
em conhecimentos que apresentam campos epistêmicos distintos da própria
Matemática, todavia empregados de modo inadequado e superficial para explicar/
significar/compreender as distorções no ensino desta ciência.
Para encerrar, salientamos nesta aula a discussão em torno das correntes
filosóficas absolutistas da Matemática. Neste rol de posicionamentos filosóficos,
discutimos o construtivismo na Matemática e o distinguimos do construtivismo
de Piaget. Com relação a um observador mais atento, as consequências destas
tendências podem ser observadas no ambiente escolar em nossos dias e não
podem ser confundidas com movimentos pedagógicos inerentes às outras áreas do
conhecimento.
58 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica
Na aula passada, estudamos as correntes absolutistas da Matemática,
conhecidas como formalismo, logicismo e intuicionismo. Nesta aula, mostraremos
outras correntes filosóficas que, embora tenham apresentado uma origem não
necessariamente no seio da Matemática, influenciaram diretamente os matemáticos
de vários séculos passados. Duas delas serão destacadas, o nominalismo e o
essencialismo. O interessante será a compreensão da práxis do professor que
pode se enquadrar numa destas correntes filosóficas.
Objetivos
• Reconhecer os aspectos filosóficos relacionados às definições matemáticas• Identificar as influências das correntes filosóficas no ensino atual de
Matemática• Identificar as características de uma definição matemática vinculando-as ao
ensino
AULA 3 Arquimedes e a Noção de Demonstração
59AULA 3 TÓPICO 1
TÓPICO 1 Sobre a natureza das definições matemáticasObjetivO
• Reconhecer os aspectos filosóficos relacionados às
definições matemáticas
Nesta aula abordaremos aspectos específicos relacionados ao ensino
da Matemática. Fatores que para um observador descuidado
podem parecer naturais e de caráter neutro, todavia, recebem
ainda influencia das correntes filosóficas.
Assim, recordamos que uma das dificuldades que os alunos enfrentam
no estudo da Matemática diz respeito à exigência das operações de pensamento
realizadas sobre objetos conceituais idealizados, as quais, em muitos casos, são
regidas por propriedades extraídas das demonstrações. Parte destes condicionantes
é indicada por Maroger (1908, p. 67) ao declarar que:
Não é suficiente conhecer os primeiros princípios da especulação matemática
e a natureza das demonstrações, é necessário também preocupar-se com as
noções, os objetos do pensamento que formam a matéria do raciocínio. Estes
objetos matemáticos são criados por meio das definições.
As definições matemáticas, como Maroger explica, assumem um papel
essencial para a compreensão dos objetos da Matemática. E não se pode perder de
vista que a compreensão de tais objetos depende do seu caráter sintático, semântico
e das propriedades intrínsecas condicionadas pelas suas regras formais explicitadas
a priori ou a posteriori, com referência ao momento do estabelecimento de suas
respectivas definições formais dentro de uma teoria.
Em muitos casos, teoremas, corolários e regras caracterizarão o modo de
manipular, calcular, empregar e, de modo essencial, de compreender e raciocinar
com determinados objetos. Uma definição matemática condiciona uma determinada
60 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica
manipulação e/ou operação mental. De fato,
Maroger (1908, p. 67) explica que a definição
tem precisamente por objetivo assegurar uma
especificação semelhante, de fornecer uma
realidade, subjetiva ao menos, no sentido filosófico
da palavra, a um objeto do pensamento.
Quando definimos axiomaticamente um
objeto matemático ou realizamos formalmente
a sua construção, adquirimos a possibilidade
de distinguir/diferenciar este objeto definido
dos demais. Adquirimos a possibilidade de
raciocinar e conjecturar sobre tal objeto, que
agora passa a ser um objeto de nosso pensamento,
de nossa reflexão. Neste sentido, Buffet (2003, p.
20) recorda que D´Alembert atribuía importância às definições pois elas abreviam
o discurso, e a inexatitude de uma definição pode impedir a obtenção da verdadeira
significação da palavra. Por outro lado, em Matemática, não se pode perder de vista
que estamos numa espécie de camisa de força, dentro de um sistema teórico formal.
Assim, seu uso constante a todo o momento é exigido.
Em virtude deste fato, devemos ficar atentos no sentido de respeitar as
propriedades previamente existentes ao objeto definido. Acrescentamos que uma
única condição, mais absoluta, será requerida para a validade de uma definição:
que esta não implica numa contradição, em outros termos, que o objeto definido seja
possível (MAROGER, 1908, p. 67).
Maroger adverte que a criação/estabelecimento de uma definição matemática,
por um lado, não pode ser abusiva, e, por outro, não pode ser comparada à
liberdade de um poeta. Ela esta condicionada e amarrada ao sistema teórico em que
determinado objeto matemático é definido. Por exemplo, quando nos referimos ao
Cálculo Diferencial e Integral, estamos sujeitos a determinadas regras particulares
que se diferenciam das regras peculiares à Álgebra baseada em modelos finitos.
Maroger (1908, p. 68) discute uma questão fundamental formulada do
seguinte modo: Todos os objetos, todas as noções
de especulação matemática, podem ser definidos?
Dito de outro modo, não existem noções que
sabemos caracterizar o mais claro possível e
que, portanto, podem permanecer indefiníveis,
de forma rigorosa? Maroger acrescenta que,
depois de Pascal, não se pode mais conceber tal
idéia (1908, p. 68), uma vez que Blaise Pascal
s a i b a m a i s !
Blaise Pascal foi um matemático francês que
contribuiu para a sistematização do método
científico e a pesquisa em Matemática.
s a i b a m a i s !
Heráclito, filósofo grego que viveu há cerca de
600 a. C., afirmava que o mundo se caracterizava
pela mudança e que tudo mudava. O rio que
observamos muda a cada instante, pois as águas
que correm nunca são as mesmas. Para ele, a única
constante do mundo que habitamos é a mudança.
Este pensamento tornou-se célebre como metáfora
da mudança.
61AULA 3 TÓPICO 1
(1623-1662) foi um matemático que se destacou, entre outros motivos, pela sua
preocupação demasiada com o papel das definições em Matemática.
Com o intuito de enriquecer nossa discussão e extrair algumas implicações
relacionadas aos objetos da Matemática, adotamos provisoriamente as distinções
assumidas por Maroger. Assim, diremos resumidamente que existem dois tipos de
definições matemáticas. A saber:
Definições matemáticas que necessitam das propriedades características do
objeto matemático definido, as quais podemos demonstrar sua existência;
Definições matemáticas que prescindem do objeto definido, sem demonstrar
sua existência.
Maroger assinala que a diferença entre as duas caracterizações remonta
a episódios sobre a história do pensamento matemático e acrescenta ainda que
as definições do primeiro tipo definem o objeto, enquanto a segunda somente
caracteriza-o e são chamadas apenas por caracterizações. Resumidamente, as
definições, de fato, são as primeiras e, em termos filosóficos, são chamadas de:
definições reais, causais, por generação ou genéticas.
Veremos que no primeiro caso, em que as definições requerem a verificação
do objeto definido, podem ocorrer dificuldades, sobretudo de compreensão, nas
situações ordinárias do seu ensino. Por outro lado, um aspecto mencionado pelo
autor é que uma definição é a melhor possível, quando podemos legitimá-la de uma
forma mais simples possível (MAROGER, 1908, p. 71).
Neste contexto de discussão, vale lembrar que não existe somente uma
única forma de se definir um objeto que lhe é submetido (MAROGER, 1908, p. 71).
Assim, dependendo de nossos objetivos, no caso do matemático profissional são
investigativos, mas, também, podem ser objetivos com vistas ao ensino, temos a
possibilidade de escolher a definição que melhor nos apraz e/ou a definição que
proporciona melhores condições ao entendimento.
O matemático Jules-Henri Poincaré
(1854-1912) manifesta em sua obra profunda
preocupação com a compreensão e entendimento
dos iniciantes. Dentre os vários aspectos que
foram objeto de análise por parte de Poincaré
(1904), destacam-se suas preocupações
relacionadas à intuição matemática e as definições
matemáticas. Poincaré questiona sobre o papel
das demonstrações em Matemática, interroga
se a compreensão de uma demonstração de um
teorema se limita a examinar sucessivamente cada silogismo e constatar que são
corretos. Pergunta ainda se no caso de compreendermos uma definição matemática,
se seria suficiente constatar que não se obteria uma contradição com o seu emprego
v o c ê s a b i a?
Henri Poincaré foi considerado por muitos como
um matemático universal. Com trabalhos nas
áreas de Matemática e Física Teórica.
62 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica
(POINCARÉ, 1904, p. 258).
Mais adiante ele sublinha que, para cada palavra, é necessário se acrescentar
uma imagem sensível; é necessário que a definição matemática evoque tal imagem
e que a cada passo da demonstração pode-se observar sua evolução. Somente nesta
condição ocorrerá a compreensão. (POINCARÉ, 1904, p. 259).
Poincaré questiona a posição tradicional de seus contemporâneos ao declarar
que para compreender as propriedades que geraram uma definição, é necessário apelar
à experiência ou a intuição, sem o que os teoremas seriam perfeitamente rigorosos,
mas perfeitamente inúteis (POINCARÉ, 1904, p. 263). Entretanto, como encontrar
um enunciado conciso que satisfaça ao mesmo tempo as regras da lógica e ao nosso
desejo de compreender o local novo de uma noção dentro da ciência matemática, e
a necessidade de pensar por meio de imagens?
Poincaré destaca a importância do
raciocínio intuitivo na produção das definições
matemáticas que não podem ser meramente
arbitrárias e baseadas puramente em argumentos
lógicos. Finaliza dizendo que grande parte das
definições matemáticas, como demonstrou Louis
Liard, são verdadeiras construções edificadas
sobre noções mais simples (POINCARÉ, 1904, p.
268).
Na tese de doutorado Des définitions géométriques et des définitions
empiriques, Louis Liard (1846-1917) desenvolve uma profunda reflexão sobre os
elementos essenciais que constituem as definições matemáticas. Logo no início
do seu trabalho, o referido autor explica que descrevemos as representações e
definimos as ideias. Descrever é determinar a circunscrição de um indivíduo; definir é
determinar a circunscrição de uma idéia. A descrição se faz por acidente, e a definição
por meio de essência (LIARD, 1873, p. 7).
Liard discute a origem das noções geométricas que derivam da experiência,
como podemos observar no seguinte trecho:
Em toda figura existem elementos, os quais se podem encontrar sua origem na
experiência, a saber: o conteúdo, o limite e a forma do conteúdo, a exterioridade
da figura com respeito ao pensamento. Um teorema enuncia a relação entre
uma figura e uma propriedade geométrica; a definição nos faz conhecer a
essência de uma forma determinada. Quando dizemos que a definição é uma
generalização de nossa experiência, queremos dizer generalização entre as
noções que compreendem a figura e sua forma (LIARD, 1873, p. 31)
Talvez o matemático mais famoso pela criação de “boas” notações tenha sido,
v o c ê s a b i a?
Louis Liard foi Professor da École Normal de
Paris, lecionava Filosofia e Letras. Foi diretor do
ensino superior em um ministério francês.
63AULA 3 TÓPICO 1
segundo Cajori (1929, p. 181), G. W. Leibniz. Num de seus manuscritos, comentados
por Couturat (1901, p. 86), Florian Cajori esclarece que os algarismos árabes possuem
sobre os algarismos romanos a vantagem de melhor expressar a “gênese” dos números,
e em seguida sua definição, de sorte que sejam mais cômodos, não somente pela forma
de escrevê-los, mas também pelo cálculo mental. Cajori recorda que Leibniz mostrou
a importância atribuída aos signos e as condições de sua utilidade.
A invenção do Cálculo Infinitesimal procede da pesquisa de símbolos os mais
apropriados (COUTURAT, 1901, p 87). O matemático confirma a perspectiva de
Leibniz sobre a importância capital e a proficuidade vantajosa de um símbolo bem
escolhido. Veremos agora de que maneira a notação relacionada a uma definição pode
interferir diretamente na aprendizagem e no ensino do Cálculo quando nos atemos
a uma análise pormenorizada de natureza filosófica. Por exemplo, já comentamos
em textos passados que Cauchy e D´Alembert grafavam o símbolo de limites como
( )Limf x , enquanto em notação moderna os livros adotam a notação lim ( )x a f x® .
A vertente filosófica essencialista exaltava a dimensão construtiva dos objetos
matemáticos. Aristóteles, por exemplo, se refere às definições matemáticas como
uma espécie de discurso, que deve exprimir a essência das coisas. Em sua tese,
Buffet (2003, p. 29), valendo-se das palavras de Aristóteles, ilustra assim seu ponto
de vista: Para conhecer a essência, é necessário encontrar o gênero ao qual pertence à
coisa e seu tratamento particular que diferencia esta coisa das outras.
Observando este último excerto, quando analisamos um objeto cuja natureza
é essencialmente algébrica, identificamos aspectos que não se mostram ausentes
em relação a outro objeto de natureza essencialmente geométrica. Em relação a
esta última categoria de objetos, Bonnel (1870, p. 28) aponta como uma qualidade
essencial de uma definição geométrica é que a figura, que deve ser definida, seja
possível. E acrescenta que, para demonstrar que uma construção é possível, é
suficiente explicitar o meio de executá-la. Na Figura 1, destacamos alguns elementos
relacionados ao ensino.
64 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica
Figura 1: Relações identificadas no ensino de Matemática (elaboração própria).
Como consequência da discussão anterior, perspectivamos duas vias possíveis
de serem adotadas no ensino. Na primeira via, o professor de Matemática apresenta
uma preocupação maior em discutir os principais aspectos e propriedades (essência)
de um objeto matemático particular, só então passará a discutir as condições
epistemológicas que propiciam assegurar a existência e unicidade do objeto. Na
segunda via, aparentemente a maior preocupação do professor reside em assegurar
a existência de um objeto, mesmo que possa ou não contar com a compreensão dos
seus estudantes. Em seguida, o professor passa a preocupar-se com a essência do
objeto.
Nota-se que, no ensino acadêmico, identificamos, na maioria dos casos, a
predominância da segunda trajetória. De fato, aparentemente, para o professor
do locus acadêmico, é mais “cômodo” ou eficiente, explorar existência essência® .
Entretanto, vale recordar que os alunos deste nível de ensino possuem uma
flexibilidade cognitiva bem mais elaborada do que estudantes comuns do nível
escolar.
Lima (2004, p. 44) faz uma reflexão interessante quando comenta:
Isto explica (embora não justifique) a definição dada no dicionário mais
vendido do país. Em algumas situações, ocorrem em matemática definições do
tipo seguinte: um vetor é o conjunto de todos os segmentos de reta do plano
que são eqüipolentes a um segmento dado. (definição por abstração). Nessa
mesma veia, poder-se-ia tentar dizer que: “numero cardinal de um conjunto é
o conjunto de todos os conjuntos equivalentes a esse conjunto”.
Ademais, parece-nos importante lembrar que a atividade demonstrativa,
seja ela auxiliada por uma construção geométrica ou não, se estabelece e adquire o
caráter de validade dentro de um sistema simbólico. Couturat (1901, p. 88), por sua
vez, comentou que para Leibniz tais sistemas devem ser concisos: eles são destinados
a abreviar o trabalho do espírito, condensando qualquer tipo de raciocínio. A partir
daí, vemos a utilidade ou a necessidade em Matemática, na qual os teoremas são,
segundo a expressão francesa de Couturat (1901, p. 88), “abregés de pensée”.
Leibniz, citado por Couturat (1901, p. 89) forneceu uma profunda reflexão
que não pode ser esquecida pelo professor de Matemática quando sublinhou que a
fraca capacidade do espírito não pode abranger e nem ser exposto ao mesmo tempo
além do que um pequeno número de ideias, nem efetuar de uma única vez mais do
que uma dedução imediata e simples.
O matemático alemão desenvolveu uma verdadeira teoria da definição, pois
os únicos princípios primeiros para Leibniz são as definições. Uma demonstração,
65AULA 3 TÓPICO 1
para ele, parece um encadeamento de definições e distingue, na arte de demonstrar,
duas outras artes: a arte de definir (l´art de definir) e a arte de combinar definições
(l´art de combiner les définitions) (BUFFET, 2003, p. 31).
Como vimos, vários matemáticos e filósofos destacam e caracterizam o
papel das definições matemáticas. Outro aspecto que pode ser encarado como
uma consequência imediata desta preocupação diz respeito à compreensão que
o professor de Matemática precisa possuir para antever os aspectos positivos e
os aspectos negativos, com relação ao entendimento dos estudantes, vinculados à
natureza de uma definição matemática. Ou de outra forma, existem definições mais
adaptadas ao ensino do que outras? Existem definições matemáticas formais mais
intuitivas do que outras? No que se refere à caracterização lógica de uma definição,
qual a melhor e mais acessível ao entendimento dos aprendizes?
Questionamentos desta natureza são incongruentes com teorias generalistas
para o ensino. Por outro lado, quando assumimos desde o início a importância do
estudo da filosofia própria da Matemática, nos instrumentalizamos com mecanismos
mais precisos para a análise de nossa realidade, para compreender a esfera de
práticas do professor de Matemática. Vejamos um exemplo no qual evidenciamos
de que modo a natureza de uma definição matemática pode intervir diretamente no
ensino de Matemática.
No ensino ordinário, os estudantes aprendem o conceito e são apresentados
à definição formal de função bijetora, quando existe uma aplicação :f A B® ,
de modo que (i) , , com x y f(x) f(y)x y A" Î ¹ ® ¹ ; (ii) ( )f A B= . A primeira é
conhecida como injetividade e a segunda propriedade diz respeito à sobrejetividade.
Por outro lado, do ponto de vista da lógica, temos outra formulação equivalente
a que descrevemos em (i), declarando que: (iii) ,x y A" Î , se ( ) ( )f x f y x y= ® = .
Se admitirmos (i) como inferência direta, o que descrevemos em (iii) é sua
contrarrecíproca. E sabemos que ( ) ~ ~ (contra-recíproca)p q direta q p® Û ® .
O problema metodológico é: Qual das duas formas de definir uma propriedade
da função :f A B® é mais viável para o ensino do que a outra.? Qual das duas
definições envolve uma melhor interpretação geométrica?
Por exemplo, se consideramos a definição (i), dados , , com x yx y A" Î ¹ ,
digamos x y< , poderemos determinar os elementos no plano ´ . Notamos
na Figura 2-I que podemos representar suas imagens no gráfico. A dificuldade
é conseguir condições formais de verificar que f(x) f(y)¹ . Muitos matemáticos
formalistas desacreditavam o raciocínio matemático apoiado em figuras e desenhos.
Por outro lado, para verificar a condição equivalente (iii), necessitamos da
condição geométrica descrita algebricamente por ( ) ( )f x f y= . Note-se que na
Figura 2 do lado direito, necessitaríamos verificar que não pode acontecer x y< e
também que x y> . Nota-se que, no primeiro caso, nossa preocupação metodológica
66 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica
recairá sobre a necessidade de verificar, do ponto de vista lógico, que ( ) ( )f x f y<
ou ( ) ( )f x f y> . Por outro lado, no caso de (iii), o esforço didático recai sobre a
necessidade de verificação que não pode ocorrer a condição x y< e também a
outra possibilidade x y> . Deste modo, dependendo da definição de injetividade
adotada, o professor enfrentará maiores ou menores dificuldades metodológicas.
Figura 2: Representação de funções injetoras (elaboração própria).
De modo semelhante, podemos descrever a condição (ii) ( )f A B= por (iv)
y B" Î , existe x AÎ tal que ( )y f x= . Neste caso, a definição formal de função
sobrejetora trata de uma questão pouco trivial e de conteúdo indiscutivelmente
filosófica, conhecida como existência de um objeto x AÎ , de modo que sua imagem
realiza o valor numérico, por meio da regra formal característica da função geral
:f A B® . Sua negação pode ser mais complicada ainda, de fato, na Figura 3,
lado esquerdo: Como investigar um possível elemento que nunca poderá realizar a
propriedade desejada que declara a igualdade ( )f A B= ?
Figura 3: Representação de funções sobrejetoras (elaboração própria).
Antes de concluir esta seção, destacamos algumas ponderações de cunho
filosóficas devidas a Lima (2004, p. 60) quando desenvolve as seguintes declarações
sobre o conjunto dos números reais intimamente ligadas à noção de existência:
Um espírito mais crítico indagaria sobre a existência dos números reais, ou
67AULA 3 TÓPICO 1
seja, se realmente se conhece algum exemplo de corpo ordenado completo.
Em outras palavras: partindo-se dos números naturais (digamos, apresentados
através dos axiomas de Peano) seria possível, por meio de extensões sucessivas
do conceito de número, chegar à construção dos números reais? A resposta é
afirmativa. Isto pode ser feito de varias maneiras. A passagem crucial é dos
racionais para os reais, a qual pode ser o método de cortes de Dedekind ou
das sequencias de Cauchy (devido a Cantor), para citar apenas os dois mais
populares.
Nota-se ainda que, dependendo da vertente filosófica assumida, determinados
argumentos indicados por Lima (2004) não são aceitos como confiáveis. Na seção
seguinte estabeleceremos alguns ambientes de atuação do professor nos quais
identificamos os condicionantes, os entraves e as concepções herdadas a partir das
correntes absolutistas da Matemática.
68 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica
TÓPICO 2 As influências das correntes filosóficas no ensino atualObjetivO
• Identificar as influências das correntes filosóficas no
ensino atual de Matemática
Como comentamos nas aulas anteriores, pessoas que carregam consigo
apenas uma aprendizagem e único contato com a Matemática a partir
do cenário escolar, como estudantes, dificilmente conseguem perceber,
descrever, identificar e compreender os condicionantes demarcados ao longo dos séculos
provenientes das correntes filosóficas que apresentam um caráter epistemológico de
raízes profundas no saber matemático.
Tal fato pode ser observado na postura pedagógica do ensino escolar e, de modo
especial, nas práticas avaliativas que se desenvolvem em torno do saber matemático.
Como já descrevemos na disciplina de Didática da Matemática, o maior problema
enfrentado pela maioria dos cursos de graduação no Estado do Ceará diz respeito à
situação em que o futuro professor de Matemática não estuda na graduação aquilo que
vai ensinar. Ademais, parte do que se estuda na graduação compõe-se de disciplinas que
veiculam saberes de natureza epistemológica de outras áreas do conhecimento, distintas
da Matemática, portanto nem sempre são aplicáveis, adequadas e suficientes para a
explicação/predição de fenômenos intrínsecos da Matemática.
De modo particular, reforçamos nossa última argumentação nos valendo das
palavras de Souza e Fernandes (2010, p. 28):
Por isto, é necessário que, na prática avaliativa, para que esta realmente
seja desenvolvida de forma qualitativa, é necessário que o professor tenha
compreensão das concepções e princípios de avaliação. A partir daí, ao tomar
conhecimento de conceitos avaliativos, das referidas metodologias e dos
instrumentos de avaliação, tal prática provavelmente se tornará mais eficaz.
69AULA 3 TÓPICO 2
No que diz respeito à atividade avaliativa do professor de Matemática, quando
lemos o excerto acima, obteríamos uma resposta pelo menos provisória das seguintes
questões: O que significa uma prática avaliativa em Matemática de natureza qualitativa?
Que concepções condicionam/determinam e modelam as relações que são travadas em
torno do saber escolar? De onde são provenientes e/ou originados, do ponto de vista
epistemológico, os conceitos avaliativos? A que metodologias específicas os autores Souza
e Fernandes (2010) se referem ou mesmo fazem menção? O que caracteriza a “eficacidade”
de uma prática avaliativa para os autores Souza e Fernandes (2010)? Em relação a que
campo ou esfera de práticas fazem referência? E conhecendo-a, como operacionalizá-la
de fato, em sala de aula, no ensino de Matemática?
Em nossa realidade, encontramos professores recém formados, com pouca
maturidade e limitada eficiência prático-operacional, repletos de teorias desconexas,
e que são obrigados a responder estes e outros questionamentos de forma solitária,
desamparados pela universidade.
Diante de nossos objetivos e da limitação de espaço deste material, não nos
deteremos em cada uma destas questões, entretanto algumas delas merecem uma
maior atenção. Neste sentido, assumimos não ser muito produtivo para o professor de
Matemática adquirir toda uma retórica a respeito do “processo avaliativo” se ele mesmo
não consegue elaborar um instrumento de avaliação que diferencie o caráter quantitativo
e qualitativo de entendimento do saber matemático. Ademais, com relação aos saberes
e raciocínios mobilizados num instrumento de avaliação do conhecimento matemático
do estudante, o professor deve identificar raciocínios intuitivos e raciocínios lógicos-
formais empregados pelo mesmo.
Outros elementos que merecem atenção dizem respeito ao ato de avaliar a
aprendizagem em relação a um conceito de Matemática ou à definição vinculada ao
referido conceito. Embora o aprofundamento destas questões tenha sido realizado na
disciplina de Didática da Matemática, é oportuno destacar a sugestão fornecida por
Souza e Fernandes (2010, p. 28) quando aconselham:
Todavia, a avaliação é um processo que deve ser realizado a partir dos resultados
obtidos das atitudes tomadas pelo educando diante do saber escolar. Diante da
atividade do aluno, o professor deve analisar não apenas o resultado como
também os saberes mobilizados pelo aluno para chegar a resposta final. Assim,
o professor poderá perceber o nível de conhecimento do aluno e analisar se ele
necessita ou não de acompanhamento, bem como quais ações pedagógicas são
necessárias para que o aluno continue o processo de aprendizagem.
70 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica
O motivo diz respeito basicamente ao fato de que estes autores se apóiam em
fundamentações teóricas erigidas a partir de outra esfera de práticas, distinta do campo
de atuação do professor de Matemática, e que se mostram insuficientes neste âmbito
particular. Por outro lado, em sua tese, Cury (1994) desenvolve sua argumentação
relativa ao fenômeno avaliativo na medida em que analisa e identifica as influências das
correntes filosóficas da Matemática no ensino. Em relação a este fato, Cury (1994, p. 69)
conclui:
Parece-nos que a visão absolutista da matemática está presente nesse
procedimento dos professores: ele acreditam que, efetivamente, na existência,
em matemática, de uma verdade absoluta que não pode ser sujeita a criticas
e correções e, por extensão, de uma maneira de fazer, uma resolução certa
que deveria ser seguida por todos [...] Quando os professores de matemática
constroem um gabarito, já estão estabelecendo uma verdade única, isolada para
os alunos. Outro agravante pode ser citado: ao avaliar a prova separadamente
das outras atividades desenvolvidas durante o período de aprendizagem, ou
seja, do próprio trabalho da sala de aula, do estudo individual ou dos trabalhos
de casa, o professor isola o processo de aprendizagem de seu produto.
Mais adiante acrescenta um interessante ponto de vista quando comenta:
Na correção de cada questão, surge, em nossa opinião, novamente o laivo
absolutista, agora em sua versão formalista, quando o professor considera que
as regras formais de uso do conteúdo são mais importantes do que o significado
que é atribuído a esse conteúdo. E são as regras que contam na avaliação,
uma vez que ela é feita com base no uso das mesmas regras em uma prova.
Mesmo quando o professor salienta sua preocupação com o desenvolvimento
da questão, essa observação se refere ao encadeamento lógico dos raciocínios,
à elegância, à correção, ao rigor das provas apresentadas, ou seja, àqueles
elementos valorizados pela comunidade matemática, segundo os quais
um trabalho na área pode ou não habilitar-se a ser lido pelos membros da
comunidade (CURY, 1994, p. 69).
Cury (1994) faz referência às concepções, práticas de ensino, rituais introjetados,
cristalizados e condicionados pelas correntes absolutistas ou por seus prolongamentos.
Tais concepções e visões sobre o conteúdo e seu ensino dificilmente podem ser explicados
por teorias oriundas de outros campos epistêmicos, nomeadamente as teorias do campo
pedagógico das ciências humanas. Basta evidenciar, por exemplo, que, se um educador
observar que quando o professor considera que as regras formais de uso do conteúdo
71AULA 3 TÓPICO 2
são mais importantes do que o significado que é atribuído a esse conteúdo, esse educador
interpretará tal fenômeno a partir da corrente pedagógica tecnicista, o que nos parece um
equívoco e desconhecimento gritante. Mas se um matemático observar o mesmo fato
interpretará e identificará as influências diretas da corrente filosófica formalista, devida
a David Hilbert.
Outra influência considerável das correntes filosóficas é observada nas
determinações curriculares na Matemática. Nota-se que não nos referimos a um currículo
qualquer, de uma área do conhecimento geral e, sim, de modo específico, ao currículo de
Matemática. Uma obra que merece destaque e que foi amplamente divulgada nos Estados
Unidos, no final da década de 60, é O fracasso da Matemática Moderna, do matemático
norte-americano Morris Kline, um protagonista da reforma do ensino da Matemática
que ocorreu na segunda metade do século XX, um período que inclui os programas
da Nova Matemática. Em 1956, Professor de Matemática, revista publicada por Kline,
responsabiliza os professores pelos fracassos dos alunos. Kline (1976, p. 34) escreveu: Há
um problema estudantil, mas também existem três outros fatores que são responsáveis pelo
estado atual da aprendizagem matemática, ou seja, os currículos, os textos, e os professores.
O discurso tocou um nervo, e as mudanças começaram a acontecer. Reproduzimos abaixo
um trecho do livro no qual o autor descreve o estado e as características equivocadas do
currículo de Matemática daquela época.
Embora o currículo tradicional tenha sido algo afetado nos últimos anos pelo
espírito de reforma, suas características básicas são facilmente descritas. Os
primeiros seis graus da escola elementar são dedicados à aritmética. No sétimo
e oitavo graus, os alunos aprendem um pouco de álgebra e os fatos simples
de geometria, tais como fórmulas para a área e o volume de figuras comuns.
O primeiro ano de escola secundária preocupa-se com álgebra elementar, o
segundo com geometria dedutiva e o terceiro com mais álgebra (geralmente
denominada álgebra intermediária) e com trigonometria. O quarto ano de
escola secundária geralmente abrange geometria sólida e álgebra adiantada [...]
Houve, frequentemente, várias criticas sérias que se aplicam ao currículo. A
primeira critica diz respeito à álgebra presente no mesmo que força o aluno a
memorização em detrimento da compreensão (KLINE, 1976, p. 19).
Vale destacar que a predominância ainda nos dias de hoje do pensamento
algébrico é observada quando encontramos pessoas, com conhecimento limitado em
Matemática que a concebem como a “ciência dos números”. Esta visão constitui, dentro
dos pensamentos do senso comum, o mais limitado e equivocado ponto de vista. Mas o
72 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica
que merece ser observado é que o currículo criticado por Kline foi o resultado de pressões
de grupos políticos de matemáticos, em determinada época histórica, que determinaram
e apontaram os paradigmas mais importantes do saber matemático naquela época.
Ainda nos deteremos nestes e outros aspectos, principalmente na identificação dos
fatores filosóficos, mas antes disso, em outro trecho abaixo, observamos as determinações
do currículo sobre a práxis do professor, identificadas e caracterizadas por Kline (1976,
p. 20) de modo eficiente ao mencionar que:
Uma boa professora sem dúvida esforçar-se-ia por auxiliar os alunos a
compreender o fundamento lógico deste processo, mas, via de regra, o
currículo tradicional não dá muita atenção à compreensão. Confia em exercícios
para fazer com que os alunos sigam facilmente o processo. Após aprenderem a
somar as frações numéricas, os alunos enfrentam a somar frações onde letras se
acham envolvidas. Conquanto se empregue o mesmo processo para calcular? 3 2
x a x a+
+ + os passos individuais são mais complicados. Novamente
o currículo confia em que os exercícios transmitam a lição. É solicitado ao
aluno que faça as somas em inúmeros exercícios até que as possa realizar com
facilidade.
Kline, como constamos a seguir, descreve de modo melancólico a análise
do currículo com relação aos conceitos de Álgebra e de Geometria e aponta um dos
conhecimentos que são menos aprofundados nos cursos de graduação. Tal conhecimento
diz respeito à Geometria Plana e Espacial herdada de Euclides. E o mais curioso em
nossos dias é que se perguntarmos a um aluno da escola regular suas preferências,
ele exclamará sem pestanejar que prefere Álgebra em vez de Geometria. O que ocorre
de mais irônico, para não dizer trágico, é que se fizermos a mesma pergunta para um
professor de Matemática recém formado, ele dirá também que prefere ensinar Álgebra,
em detrimento da Geometria dedutiva. Com respeito a tal cenário, Kline (1976) observa:
Após um ano deste estudo de álgebra, o currículo tradicional passa para a
geometria euclidiana. Nela a matemática torna-se subitamente dedutiva, isto
é, o texto começa com definições das figuras geométricas e com axiomas ou
asserções que presumivelmente são “obviamente verdadeiras” acerca das
figuras. Eles provam depois teoremas aplicando o raciocínio dedutivo aos
axiomas. Os teoremas seguem um ao outro numa sequência lógica; quer
dizer, as demonstrações dos teoremas posteriores dependem das conclusões
já estabelecidas nos anteriores. Esta mudança repentina de álgebra mecânica
para a geometria dedutiva certamente transtorna a maioria dos alunos. Até
73AULA 3 TÓPICO 2
então, em seu estudo de Matemática, não aprenderam o que “demonstração”
é e tem que estar senhor deste conceito além, da aprendizagem da própria
matéria (p. 22).
Por fim, Kline aponta um problema que depende da visão e das concepções que
o professor de Matemática constrói, ao longo de sua carreira, sobre a Matemática. Neste
sentido, se o docente não consegue identificar e compreender a “beleza” do conhecimento
matemático, nunca conseguirá transmitir tal sensação para seus educandos, sem falar nos
casos em que o professor leciona Matemática por que não encontrou outra maneira de
garantir sua subsistência material ou por que está a espera de uma outra oportunidade
profissional. Com respeito a isto, Kline (1976, p. 23) declara no trecho abaixo:
Além de poucas falhas que já descrevemos, o currículo tradicional sofre do
defeito mais grave que se pode lançar sobre qualquer currículo: falta da
motivação. A própria matemática – para empregarmos as palavras do famoso
matemático do século vinte, Hermann Weyl, - tem a qualidade não humana da
luz estelar, brilhante e nítida, porém, fria. É também abstrata. Trata de conceitos
mentais embora alguns, como os geométricos, possam ser visualizados. Dadas
ambas as considerações, de sua qualidade fria e caráter abstrato, muito poucos
são os estudantes que se sentem atraídos por esta matéria de ensino (p. 23).
No trecho acima, o matemático acentua a importância do desenvolvimento de
mecanismos que instigam e motivam os estudantes a estudar Matemática. Antes de
discutirmos alguns pontos mais próximos de nossa discussão filosófica, destacamos
oportunamente trecho de um pensamento dos autores Moreira e Silva (1995, p. 7).
O currículo há muito tempo deixou de ser apenas uma área meramente
técnica, voltada para questões relativas a procedimentos, técnicas e métodos.
Já se pode falar agora em uma tradição crítica do currículo, guiada por
questões sociológicas, epistemológicas. Embora questões relativas ao “como”
do currículo continuem importantes, elas adquirem sentido dentro de uma
perspectiva que as considere em sua relação com questões que perguntem pelo
“por quê” das formas de organização do conhecimento escolar.
O trecho acima nos serve de modo eficiente para discutir linhas de pensamento
que em nada explicam, caracterizam ou prevêem as mudanças ocorridas ao longo
dos séculos no currículo de Matemática. Nossa posição é clara no sentido de que não
adianta buscar formar o futuro professor para a cidadania, no sentido de desenvolver
um ensino inclusivo, prazeroso, “lúdico”, se ele mesmo não consegue fazer seus alunos
74 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica
compreenderem o motivo e a justificativa pela qual multiplicamos as linhas pelas colunas
de uma matriz.
Em outras palavras, antes de tomar consciência de que o campo curricular não
constitui apenas uma técnica, o futuro professor deve compreender que a constituição
do currículo de Matemática sempre foi o resultado do embate e do jogo de poder entre
matemáticos, num determinado período histórico em que o saber matemático sempre
serviu de paradigma para a evolução das sociedades e para a fundamentação de outras
áreas do saber, e não o contrário.
Neste sentido, Santos (2008, p. 176) recorda as ideias diferenciadas do físico
teórico e epistemólogo Thomas Khun (1922-1996), quando comenta que:
Muitos dos opositores da idéia de revolução em matemática argumentam que
as verdades nesse campo são sempre preservadas, mesmo com o aparecimento
de novas teorias. Por esse motivo, o uso do conceito de revolução nestes casos
é um erro, já que esse conceito traz consigo aquilo que foi chamado a pouco de
princípio de destituição do antigo regime.
Mais adiante, Santos (2008) diferencia o campo epistêmico do saber matemático
de outros campos do saber. A partir de suas palavras referendamos nossas posições de
crítica com respeito à aplicação de “teorias pedagógicas” para explicar/caracterizar os
movimentos próprios de evolução do saber matemático. Santos (2008, p. 177) indica
elementos que não encontramos e/ou identificamos nestas teorias quando declara:
E de fato as verdades matemáticas são, pelo menos em algum nível de
consideração, preservadas com o aparecimento de totalmente novas teorias.
No entanto, para que essas verdades sejam preservadas, e para que continuem
a ter uma aplicação efetiva dentro da matemática, surge à necessidade de serem
reavaliadas e remodeladas dentro dos parâmetros indicados pelas novas escolas
e teorias matemáticas.
Santos (2008, p. 177) indica ainda o locus científico onde devemos nos acomodar
para o desenvolvimento de uma análise filosófica adequada ao acrescentar que:
As revoluções em matemática se parecem com certos eventos que, por vezes,
também percebemos ocorrer nas ciências naturais. A teoria da relatividade
de Einstein é, sem dúvida, um marco na história da física e da astronomia
contemporânea. Depois de Einstein componentes curriculares em cursos de
graduação e de pós-graduação tiveram que ser revistos, novos campos de
pesquisa foram abertos, livros escolares se tornaram ultrapassados. Em suma,
75AULA 3 TÓPICO 2
a física e a astronomia do século XX em diante não pode mais ser considerada
a mesma desde então.
As tradições no currículo de Matemática são guiadas por questões de ordem
particular da própria Matemática e uma epistemologia também particular. E antes de
explorar de modo equivocado a necessidade de compreensão do porquê da constituição do
conhecimento matemático escolar, o professor deve compreender a própria constituição
do seu currículo de graduação, a constituição do currículo escolar de Matemática, e o
motivo pelo qual estuda mais Cálculo Diferencial e Integral em detrimento de Geometria
Plana.
Dois equívocos precisam ser apontados aqui. O primeiro diz respeito à sensação
de que o professor, ainda nos cursos de graduação, acha que “sabe” Geometria Plana,
entretanto não sabe. De fato, encontramos vários trabalhos acadêmicos dando conta
da precária atenção dos formadores de professores no ambiente de graduação. Assim,
admite-se que o professor sabe este conteúdo e priorizam-se tópicos de Matemática
avançada.
Neste contexto de discussão é que a Filosofia da Matemática pode fornecer um
viés de análise privilegiada para o professor. Nesse sentido, seria auspicioso para o
professor saber identificar os desdobramentos e condicionantes das antigas correntes
filosóficas da Matemática em sua sala de aula, na própria maneira de conceber, assim
como saber explicar o significado do conhecimento matemático.
A título de exemplo, Cury (1994, p. 44) discute um condicionante interessante ao
afirmar que:
Vemos, aqui, germe da seleção pela matemática, pois ela servirá para os eleitos.
Quando estudada em profundidade, propicia-lhe chegar à verdade. O seu uso
para os cálculos cotidianos é considerado desprezível, assim como eram os
mercadores e negociantes frente aos guerreiros. Está estabelecida a separação
entre a matemática pura e a aplicada, com a evidente valorização da primeira.
Assim, o futuro professor precisa ser formado no sentido de compreender estes
condicionantes,que agem e condicionam, de modo velado e com pouca nitidez, a
aprendizagem dos estudantes, escolhendo e selecionando os “eleitos”, os que possuem
mais habilidade com a Matemática. Esse tipo de função social, esse tipo de “funil social”,
assumido há séculos pela Matemática, precisa ser compreendido pelo professor e não
será a partir de teorias gestadas numa esfera de práticas completamente distantes da
esfera de prática do professor que o docente tornará sua ação mais eficaz.
Esta função de “seleção” é reforçada pela herança e hegemonia de concepções
76 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica
absolutistas no ambiente de ensino/aprendizagem, como a descrita por Santos (2008, p.
98):
Frege se refere aos axiomas como aquelas verdades irrefutáveis, para as quais,
contudo, não é possível nenhuma prova. Trata-se, portanto, de um contra-
senso tentar fornecer uma prova para uma verdade auto-evidente, seja devido
à natureza dessa verdade, que não admite, em princípio, uma refutação, seja
devido ao teor extremamente primitivo do conteúdo do que é expresso na
proposição. Os dois casos, muitas vezes, se identificam numa única e mesma
condição, aquela que determina se uma afirmação pode ou não ser considerada
um axioma do ponto de vista clássico, uma verdade imediata e inabalável.
Em outro fragmento, Santos (2008, p. 99) destaca que:
O conhecimento legítimo é um dado irrefutável, visto que é auto-evidente ou é
obtido por meio de uma demonstração. Um conhecimento se identifica sempre
com uma afirmação verdadeira sobre algo. Isto é, um conhecimento é sempre
a compreensão de uma verdade. Não é possível, portanto, um conhecimento
sobre algo que não exista, dado que nenhuma verdade, assim como nenhuma
falsidade, pode ser afirmada sobre o que não existe.
Para concluir esta seção, destacaremos de modo breve alguns pensamentos de
Imre Lakatos (1922 – 1974), que se graduou em Matemática, Física e Filosofia, e então
iniciou suas pesquisas em Filosofia da Matemática. Também se dedicou à Filosofia da
Ciência. Ele foi ativo em Filosofia da Matemática entre os anos de 1950 e 1967, com algum
trabalho retomado em torno de 1973. Seu maior trabalho em Filosofia da Matemática foi
Provas e Refutações, republicado postumamente em
1976.
Com respeito a Lakatos, Jesus (2002, p. 75)
comenta que o matemático húngaro é considerado
falibilista devido à influência do falseacionismo e
do falibilismo de Popper. Wittgenstein, por sua vez,
ora é considerado o mais estrito finitista, ora um
convencionalista. Mas o que o caracterizou mesmo
foi a sua singularidade na tradição filosófica. Jesus
(2002, p. 78) esclarece que:
at e n ç ã o !
Falibilismo é a doutrina filosófica segundo a qual
não podemos ter a certeza de qualquer forma de
conhecimento.
77AULA 3 TÓPICO 2
Lakatos considera que a ciência constitui um dos jogos lingüísticos legítimos. A
filosofia da ciência, não. Segundo ele, o principal crime dos filósofos da ciência
de antanho – e dos filósofos da matemática e da lógica – foi tentar erigir-se a
si mesmos em um novo jogo de linguagem, autônomo com respeito à ciência.
Além disso, continua Lakatos, os filósofos tradicionais queriam estabelecer
um jogo de linguagem incorreto com regras explícitas – os wittgensteinianos
dizem mecânicas – que separassem a ciência da pseudociência, e com critérios
explícitos de progresso e degeneração dentro da ciência.
Mais adiante, Jesus (2002, p. 80-81) diferencia o olhar e a análise generalista de
Karl Popper com o olhar e o posicionamento filosófico de Lakatos quando declara:
Paul Ernest situa as raízes da filosofia da matemática de Lakatos em Hegel, em
Polya e em Popper. Seguramente este último fora uma das maiores influências
no pensamento de Lakatos. Alguns paralelos dão conta dessa influência:
a metodologia de Popper é chamada de lógica da descoberta científica; a
metodologia de Lakatos: lógica da descoberta matemática (LDM), o que é
uma transposição direta, segundo Ernest. Outro exemplo é o nome do maior
trabalho de Lakatos, Provas e refutações é um jogo direto sobre Conjecturas e
refutações de Popper.
A partir de Lakatos, a LDM passa a ser objeto de estudo filosófico nas ciências da
Matemática. De modo sistemático, Jesus (2002) propõe a seguinte tabela explicativa que
distingue o pensamento generalista de Popper (LDC – Lógica da Descoberta Científica)
da visão específica e particular de Lakatos (LDM – Lógica da Descoberta da Matemática),
conforme figuras 4 e 5.
Figura 4: Diferença entre LDC e LDM (JESUS,2002, p. 81)
Figura 5: Comparação entre LDC e LDM (JESUS, 2002, p. 81)
78 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica
Mais adiante, Jesus estabelece importantes diferenças entre posicionamentos
filosóficos assumidos por Popper e Lakatos. Jesus (2002, p. 81) recorre à análise do neo
filósofo Paul Ernest ao sublinhar que:
Além dessas semelhanças, Ernest chama a atenção para uma diferença
importante. Para Popper, não haveria conexão necessária entre o novo problema
ou nova conjectura e a conjectura original (refutada) e na sua metodologia
nada poderia ser dito sobre a gênese de conjecturas porque esta pertenceria
ao contexto da descoberta, e não à filosofia da ciência. Para Lakatos, ao
contrário, existiria uma continuidade essencial entre a conjectura primitiva e
a conjectura melhorada. A conexão é que a crítica, a análise e o fortalecimento
da prova da conjectura primitiva é o que levariam à nova conjectura. Portanto,
os contextos da descoberta e da justificação são mantidos juntos, ao passo que,
para Popper, eles são separados.
E prossegue afirmando que
Em Provas e refutações, Lakatos propõe uma teoria da criação do conhecimento
em matemática que Ernest considera que pode ser representada como segue:
Dado um problema matemático (P) e uma teoria matemática informal (T) um
passo inicial na gênese de novo conhecimento é a proposta de uma conjectura
(C). O método de provas e refutações é aplicado a essa conjectura, e uma prova
informal da conjectura é construída e então submetida à crítica, levando a uma
refutação informal. Em resposta a essa refutação, a conjectura, e possivelmente
também a teoria informal e o problema original, são modificados ou trocados
em uma nova síntese, completando o ciclo (JESUS, 2002, p. 91).
O posicionamento falibilista, a partir de Lakatos, proporcionou um grande avanço
no que diz respeito às doutrinas absolutistas do passado. Jesus (2002, p. 124) desenvolve
uma comparação interessante que pode iluminar nosso entendimento ao afirmar:
Uma área central da controvérsia entre absolutismo e falibilismo na filosofia
da matemática trata da distinção entre os contextos da descoberta e da
justificação. Para os absolutistas, o contexto da justificação e o da descoberta
dizem respeito a domínios distintos do conhecimento; por isso, devem ser
mantidos separados. O contexto da justificação lidaria com condições objetivas
e lógicas do conhecimento, com a atividade racional da avaliação e da validação
do conhecimento constituído; portanto, lidaria com um objeto pertencente
ao domínio da epistemologia e da filosofia da matemática. O contexto da
descoberta trataria de circunstâncias contingentes da invenção humana ou
79AULA 3 TÓPICO 2
histórica, e por não ser um processo racional, não poderia ser tratado lógica e
objetivamente, constituindo, portanto, um objeto pertencente ao domínio da
psicologia ou da história da matemática.
Certamente esta discussão requer páginas e páginas para que possamos
compreender o pensamento de Imre Lakatos, entretanto não poemos deixar de ressaltar
que este posicionamento de Lakatos adquiriu vigor tanto na Filosofia da Matemática
como na Filosofia das Ciências. Como já discutimos na seção passada, é improvável a
compreensão do aprendiz por meio da seguinte trajetória geral particular® . Assim
compreendendo, a Lógica da Descoberta Matemática (LDM), por exemplo, se tornará
mais acessível ao entendimento do movimento proposto por Popper, denominado pelo
próprio de Lógica da Descoberta Científica (LDC), que se caracteriza pela trajetória
particular geral® .
No próximo tópico veremos alguns exemplos específicos do ensino de Álgebra,
que recorre de modo frequente às definições matemáticas formais.
80 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica
TÓPICO 3As características de uma definição matemática e o ensino de álgebraObjetivO
• Identificar as características de uma definição
matemática vinculando-as ao ensino
Nas próximas aulas introduziremos a discussão de outras correntes
filosóficas que se ocuparam pela investigação científica filosófica
acerca da natureza das definições matemáticas. O consenso nesta
seara de perquirição não é preponderante e regra entre os pensadores, todavia,
antes de discutirmos suas vertentes de modo individualizado, vale recordar que
Kluth (2005, p. 12) explicita o papel das definições matemáticas e dos teoremas
que funcionam como guias construtores de definições na atividade algébrica do
alunos, quando menciona:
A apresentação das estruturas da Álgebra nos livros de Matemática dá-
se por meio de definições. Espera-se que, lendo-as e possuindo um prévio
conhecimento de outras definições e teoremas, os significados das estruturas
da Álgebra possam vir à tona, como uma articulação de resultados plenos de
sentido matemático, dos quais possam ser deduzidas asserções que constituirão
a teoria num processo lógico-dedutivo, caracterizando-se como o estudo das
estruturas. Esse é o movimento do pensar que se mostra na construção do
conhecimento das estruturas da álgebra nos livros de Álgebra em geral e, em
particular, no livro que vinha sendo adotado no programa da disciplina de
Álgebra Abstrata que eu ministrava.
Kluth (2005, p. 175), em determinado momento, indica as consequências
e condicionamentos impostos pelas correntes filosóficas absolutistas quando
comenta:
81AULA 3 TÓPICO 3
ao educar-se, tendo como material de apoio a Matemática, evidencia-se, na
maioria das vezes, o pensar técnico, prático e utilitário em detrimento dos
aspectos essenciais da Matemática como uma Modulação de mundo. [...] o
conhecimento aprofundado e amplificado dos objetos da Matemática, que
englobam técnicas, teorias, análises e reflexões sobre essa Modulação, possam
auxiliar os Educadores Matemáticos a exercerem sua professoralidade, até
mesmo nas ações cotidianas mais comuns, como por exemplo, ao decidir qual
definição vai apresentar aos seus alunos. [...] As definições podem, ou não,
apresentar a priori sintético e a priori estrutural.
Observamos no trecho uma reflexão feita pela autora, uma professora de
Matemática. Destaca-se sua preocupação com respeito ao domínio aprofundado
do conhecimento que se tenciona explicar/ensinar. Sem tal aprofundamento, um
ensino “lúdico” e apoiado em atividades “prazerosas”, como muitos desavisados
defendem, torna-se um episódio rápido e passageiro, uma vez que, no momento
da avaliação, por meio de condicionantes absolutistas, é bem mais fácil ater-se ao
gabarito das provas. Principalmente no caso da Álgebra em que a linguagem, e,
portanto, o domínio sintático, em detrimento do domínio semântico, é priorizada.
De fato, neste contexto, o domínio sintático encobre muitos significados
dos conceitos. No final, resta ao aluno apenas as habilidades algorítmicas que
funcionam, embora não forneçam ou construam um significado do que se
esperava ser aprendido. Por exemplo, quando se toma 21 ........S a a= + + + , logo
o professor de Matemática, multiplica a expressão: 2 3 ........a S a a a× = + + + .
Portanto, temos 21 ( ........) 1 1 (1 ) 1S a a a S S a S a S= + + + = + × Þ = + × Û - × = .
Ou seja, 11
Sa
=-
. Neste tipo de “malabarismo algébrico”, não nos atemos de
modo recorrente ao significado dos elementos pertencentes às inferências lógicas
empregadas, e sim à própria simbologia. Mas quando refletimos a respeito do que
foi obtido, vemos que a soma de parcelas infinita 21 ........a a+ + + é equivalente
à execução de duas operações apenas. A primeira, uma subtração da unidade por
“a”, em seguida a divisão da unidade “1” por “1-a”. Isto foi motivo de desconfiança
para muitos matemáticos do passado.
Exemplos como estes e outros são discutidos por Otte (1991) quando descreve
o raciocínio algorítmico. Tal raciocínio proporciona, na maioria dos casos, a resolução
e a obtenção da resposta esperada pelo professor, todavia, qual o significado dos
valores encontrados?
82 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica
Na figura abaixo, vemos a ilustração de um labirinto. Por meio de uma
instrução ou por meio de um conjunto de regras a priori conhecidas (Figura 5),
um estudante perdido dentro deste labirinto certamente conseguirá sair e se livrar
desta situação periclitante. Entretanto, Otte (1991) questiona se o estudante se
torna mais sábio ou inteligente pelo fato de conseguir lograr êxito na situação.
Figura 6: A metáfora do Labirinto desenvolvida por Otte (1991, p. 286).
1. Escolha uma direção inicial arbitrária, chame-a de “norte” e vire-se para
essa direção;
2. Vá em direção ao “norte” em linha reta até encontrar um obstáculo;
3. Vire à esquerda até que esse obstáculo esteja à sua direita;
4. Contorne o obstáculo, mantendo-o à sua direita até que a volta total
(incluindo a volta inicial do passo 3) seja igual a zero.
De modo semelhante, vemos isto ocorrer no ensino de Álgebra. Os
estudantes aprendem rotinas que envolvem “malabarismos algébricos” descritos
e estabelecidos de modo arbitrário pelo professor. Tais rotinas “funcionam”,
adquirem status de conduzir os estudantes sempre a um resultado. Basta entrarmos
com os dados iniciais e obteremos uma resposta. As próprias regras encerram o
caráter de verdade e justificam e determinam toda a aprendizagem.
Na História da Matemática, estes condicionamentos e obstáculos filosóficos
são apontados num trecho de um livro de Caraça (1951, p. 166), que denuncia:
De todas as surpresas que a história das Matemáticas nos apresenta, a menor
não é certamente esta – que, antes de os números negativos serem considerados
como verdadeiros números, já eram conhecidas e praticadas quase todas as
regras operatórias sobre os números complexos, coisa que parece simplesmente
83AULA 3 TÓPICO 3
absurda, uma vez que, os números complexos resultam de raízes quadradas
de números negativos. A razão é esta – que os matemáticos se resignavam
ao formalismo, consentindo em criar e usar aquelas regras convenientes
para efetuar um calculo que fornecesse um resultado desejado; mas daí a
considerarem todos os símbolos sobre que operavam como números, isto é,
uma grande distancia, aquela distancia que separa um simples expediente de
manipulação, do cuidado, mais profundo, da compreensão.
Os elementos apontados acima podem ser registrados facilmente em sala
de aula, a partir da práxis do professor de Matemática, entretanto seria ingênuo
entendê-los como elementos isolados em uma esfera de práticas específicas do nosso
professor. Assim, preferimos um posicionamento crítico e filosófico no sentido de
interpretar estes e outros condicionantes como herança das visões filosóficas de
matemáticos dos séculos passados.
Na próxima aula, abordaremos outro tema polêmico e de natureza filosófica.
Assim como no caso das definições matemáticas formais, esta futura temática apresenta
um caráter de neutralidade, todavia veremos que está condicionada à dependência da
corrente filosófica predominante do momento histórico em que está inserida.
84 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica
A capacidade ontológica humana, característica de uma habilidade cognitiva que
chamamos de intuição, revelou enorme importância tanto para a pesquisa como
para a atividade do matemático, e consequentemente do professor. Nesta aula,
discutiremos alguns elementos epistemológicos e filosóficos relacionados a uma
temática que recebeu atenção e reflexão de matemáticos, filósofos, epistemólogos,
psicólogos, entre outros estudiosos interessados na capacidade do homem
produzir conhecimento.
Objetivos
• Reconhecer as características e os aspectos filosóficos da intuição matemática
• Descrever o papel da intuição na atividade investigativa• Identificar paradoxos e situações em que o raciocínio intuitivo conduz a
falsas concepções
AULA 4 As dimensões filosóficas da intuição, seu papel da atividade do matemático e alguns paradoxos
85AULA 4 TÓPICO 1
TÓPICO 1 As dimensões filosóficas da intuição matemáticaObjetivO
• Reconhecer as características e os aspectos
filosóficos da intuição matemática
Nas aulas passadas discutimos as filosofias absolutistas da
Matemática. Destacamos também algumas de suas consequências
no ensino atual e suas condicionantes com respeito à práxis do
professor de Matemática. Nesta aula, detalharemos uma discussão relacionada
à intuição matemática. Veremos que matemáticos, epistemólogos, filósofos e
outros pensadores, se detiveram à busca de compreender tal faculdade psíquica
que intervém em todo momento na criação matemática. Mas não se pode falar
de intuição sem mencionarmos outra característica ontológica do ser humano
conhecida por percepção.
De fato, o interesse pela percepção que nos permite captar, entender e
interpretar o mundo que nos cerca remonta à história dos povos antigos. A
civilização helênica, de modo insuperável, foi a que deu a maior contribuição, o
que permitiu distingui-la de outras civilizações. De fato, os gregos, desde cedo,
refletiram sobre a relação entre homem e objeto e sobre os elementos da relação
estabelecida que permitem compreender e investigar propriedades intrínsecas do
objeto.
Entendemos bem esse posicionamento dos antigos gregos quando observamos
as afirmações de Aristóteles, presentes no texto Boutroux (1908) quando declarava
que:
86 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica
Querer conhecer os fatos, não apenas do modo como se apresentam mas,
também, do modo como devem ser é querer resolver o contingente e o
necessário. É necessário, todavia, investigar as condições pelas quais o espírito
concebe algo como necessário; em outras palavras, é necessário inicialmente
encarar a ciência em sua forma, abstração feita do seu conteúdo: é o objeto da
lógica (BOUTROUX, 1908, p. 116, tradução nossa).
Étienne Émile Marie Boutroux (1845-
1921), filósofo e historiador francês, descreveu
a preocupação de Aristóteles em conhecer e
sistematizar os dados pesquisados. Boutroux
destaca, ainda, como vemos no final do excerto
acima, que um dos elementos que podem
promover o entendimento na investigação do
espírito é a Lógica.
Um dos povos da Grécia Antiga, os
jônicos atribuíam papel de relevo às ciências
matemáticas que recorrem à Lógica para o
estabelecimento de diversos fundamentos,
apesar de, em sua origem, a Matemática não ter
obedecido a regras explícitas e fórmulas bem
formadas que explicassem sua gênese. Desse
modo, a contribuição desse povo helênico,
no sentido da sistematização e depuração das
crenças e concepções que, em alguns casos,
formamos a partir dos nossos sentidos, é inigualável. Recorremos mais uma vez a
Boutroux, que extrai um ensinamento influenciado pela tradição helênica, quando
afirma que:
No que concerne à inteligência, uma boa educação aprimora e dirige as
faculdades, mais do que força a memória. Existem dois exercícios da faculdade:
um é livre, é o jogo; o outro imposto é o trabalho. Este último é obrigatório por
si mesmo e no ensino não é substituído pelo primeiro. A faculdade da intuição
deve ser formada antes do entendimento. Todo ensino será inicialmente
intuitivo, representativo e técnico (BOUTROUX, 1908, p. 394, tradução nossa.)
No final do excerto, vemos claramente a orientação e valorização de um
ensino intuitivo, entretanto, se desconhecemos a natureza, a fonte, o propósito e as
possibilidades alcançadas pelo entendimento humano ao fazer uso da habilidade ou
faculdade intuitiva, caminharemos por uma via infrutífera que torna inexequível
seguir o ensinamento de Boutroux.
v o c ê s a b i a?
Os jônios, ou jônicos, representavam um povo
indo-europeu e ficaram conhecidos pela grande
organização social e tradição militar. Participaram
ativamente da expansão grega e colaboraram
significativamente com o desenvolvimento da
cultura na Grécia Antiga, principalmente, da
ciência e do racionalismo. Os jônios foram um dos
quatro povos que formaram o povo grego, junto
com os aqueus, eólios e dórios.
(Disponível em: <www.suapesquisa.com/grecia/
jonios.htm>)
87AULA 4 TÓPICO 1
A intuição mereceu atenção de Immanuel Kant (1724-1804). Kant assegurava
que um conceito permanecia vazio a menos que o mesmo se correspondesse com a
intuição; intuição é necessária para o estabelecimento de uma realidade objetiva do
conceito, isto é, a possibilidade de uma instância (KANT, apud PARSONS, 2008, p. 8).
Kant se interessou de modo especial pelas figuras geométricas na Matemática,
as quais denominava formas (empíricas) ou objetos. Nas provas, tais objetos são
construídos intuitivamente (no sentido de que podem ser intuídos). Representações
intuitivas surgem também na Matemática a partir de outros objetos, embora para os
números de modo particular estas surgem a partir de uma intuição mais indireta do
que as formas geométricas (KANT apud PARSONS, 2008, p. 8).
Parsons (2008, p. 8) dedica algumas páginas de sua obra para explicar o
termo em inglês “intuitability”, que traduziremos por a capacidade de aprender
por intuição. Parsons caracteriza o mencionado termo na acepção de uma condição
geral dos objetos. O autor recorda que Kant empregava o termo intuição (intuition)
como uma representação imediata de um objeto individual (PARSONS, 2008, p.8).
Por outro lado, que significado atribuímos ao termo “imediato” (immediate)?
Conforme o autor, este termo foi fruto de intensa polêmica. Retornando à discussão
do termo intuitability e o papel da intuição, observamos que seu conceito ocupa
um lugar não trivial de discussão entre diferentes noções que merecem atenção por
parte de filósofos e matemáticos.
Na Matemática, a importância do seu papel foi defendida por alguns e
atacada por outros, como recorda Parsons (2008, p. 139). Num âmbito filosófico,
intuição é mencionada em ambas as relações estabelecidas com objetos e relações
com proposições. Parsons usa as expressões “intuition of” e “intuition that” para
marcar as duas relações possíveis na perspectiva de alguns filósofos.
Para compreender o significado do termo “intuition of” e “intuition that” e o
seu emprego no âmbito filosófico, recorremos as suas ponderações:
O que fornece à “intuition of” um importante local na filosofia é provavelmente o
fato de que Kant´s Anschauung é intuição de objetos. Todavia, Kant certamente
confere ao conhecimento intuitivo uma indicação do que seria uma espécie de
“intuition of”. Eu penso ser bastante claro que Kant possuía tal concepção,
porém não as designou pelo termo Anschauung ou igualmente usado como na
frase anschauliche Erknntnis (PARSONS, 2008, p. 140, tradução nossa).
Pode-se falar, seguindo-se esta tradição de influencia kantiana, em intuição
de objetos e intuição de verdades, embora, neste último caso, alguns dilemas e
ambiguidades de âmbito filosófico precisem ser esclarecidos. Parsons (2008, p. 140)
diz que quando temos uma intuição sobre à (proposição), isto significa que seguimos
tal proposição. Por exemplo, quando um filósofo fala sobre suas ou sobre as intuições
88 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica
dos outros, isto frequentemente significa que a pessoa em questão está inclinada a
acreditar, pelo menos no início da inquirição, ou apenas como uma matéria do senso
comum.
Nesse sentido, as intuições não precisam ser sempre verdadeiras. Elas podem
ser guias bastante falíveis para o alcance da verdade. Parsons analisa as concepções
e os sentidos atribuídos por figuras ilustres ao termo intuição. Quando menciona
Descartes, explica que o filósofo e matemático francês diferenciava intuição de
dedução. Em sua acepção, a conclusão de uma inferência poderia não ser intuição.
Na discussão das fontes de conhecimento, não apenas a intuição seria
distinguível dos resultados dos argumentos envolvendo inferências, porém
tais resultados poderiam não se tratar de intuição, embora possivelmente uma
proposição possa ser ou não conhecida por intuição (PARSONS, 2008, p. 142).
Mais adiante, o autor destaca que a explicação de Descartes de intuitio
apresentada na Regras (Rules) fornece uma analogia com percepção. E é claro que
se refere a intuition that nos exemplos que Descarte fornece na Regra Terceira para
todo proposição (PARSONS, 2008, p. 144). Já em relação a Leibniz, Parsons afirma
que o filósofo e matemático alemão não usa tais analogias como Descartes, em
suas explicações acerca do conhecimento claro e distinto na obra “Meditations
on Knowledge, truth and ideas” (1684). E existe um contraste comparativo entre
intuitivo (intuitive) e o conhecimento cego ou simbólico. Nesse sentido, conhecimento
de uma noção é intuitivo quando podemos considerar todos os seus componentes ao
mesmo tempo (PARSONS, 2008, p. 145).
Outra figura emblemática discutida por
Parsons é Edmund Husserl, para quem a noção
de intuição assume uma posição de significância
geral. Na sua teoria, equivale aos atos ou
experiências intencionais que constituem nossa
consciência e às relações com o objeto. Tal
relação é realizada ou cumprida se o objeto se
apresenta à intuição (ou ao menos representado
na imaginação); no caso da intuição atual (actual intuition) (PARSONS, 2008, p.
145).
Por outro lado, pode-se identificar uma estreita conexão dos pensamentos
kantianos e husserlianos, como destaca Parsons, no que diz respeito à noção de
intuition that e intuition of. De acordo com Kant, intuition (que nós temos observado
como intuition of) em Matemática confere evidência ao que é imediato, como, por
exemplo, o caso dos axiomas. Mas, evidentemente, a imediaticidade de um julgamento
origina-se da construção da intuição sobre um objeto (PARSONS, 2008, p. 146).
s a i b a m a i s !
Quer saber um pouco mais sobre Edmund
Husserl, acesse http://educacao.uol.com.br/
biografias/edmund-husserl.jhtm
89AULA 4 TÓPICO 1
Parsons (2008, p. 146) explica ainda que:
Tipicamente, uma proposição envolve referências aos objetos, evidência
envolverá a intuição destes objetos, porém eles fazem parte dos constituintes
de estágio de acontecimentos que são intuitivamente presentes, pelos menos
no caso ideal (tradução nossa).
Parsons analisa também a perspectiva de
Gödel, matemático austríaco, para quem deve
existir algo semelhante à percepção na teoria dos
conjuntos. Ele recorda que em virtude da clareza
de determinadas proposições e declarações na
teoria dos conjuntos, pode-se contar neste caso
com a intuition that. Certamente que
esta possui um estrito vínculo com a intuition of e, neste sentido, vale observar
que a intuition that permanece de algum modo vinculada a intuition of. E
intuition of é algo que se pode esperar quando a intuition that é análoga à
percepção, desde que um dos elementos centrais da percepção seja a própria
presença do objeto percebido. Por exemplo, sabemos por percepção que minha
bicicleta é azul ao vê-la. Alguém que nunca viu minha bicicleta nunca saberá
algo sobre a mesma por meio da percepção num sentido mais direto (PARSONS,
2008, p. 147).
As palavras de Parsons são promissoras no âmbito do ensino de Cálculo
Diferencial e Integral. De fato, quando comparamos os estudantes submetidos ao
ensino tradicional desta matéria, que privilegia a formalização e o estabelecimento
da verdade de enunciados a respeito da derivada parcial, com os estudantes que
são levados a conhecer o referido objeto por intermédio de crenças perceptuais
adequadas, depreendemos, a partir da diferença estabelecida por Parsons, que os
primeiros conhecem o objeto derivada por intermédio da intuition that e nunca
construirão nenhuma crença por meio da percepção. No segundo caso, os estudantes
contam com a própria presença (na tela do computador) do objeto que chamamos
de derivada parcial.
Retomando nossa discussão filosófica, sublinhamos que debilidade da
intuição sensível, segundo Bunge (1996, p. 21) é a fonte de nossos juízos de percepção.
Deste modo, sempre corremos algum risco ao desenvolver raciocínios rápidos e
breves, alicerçados por crenças perceptuais e, neste patamar, não se pode contar
com o alcance da verdade matemática.
s a i b a m a i s !
Acesse http://im.ufrj.br/~risk/diversos/godel.
html.
90 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica
De fato, Bunge (1996, p. 60) comenta que hoje se compreende que nem todas
as entidades, relações e operações se originam na intuição sensível e se reconhece que
a evidência não serve de critério de verdade e que as provas não podem se apresentar
somente por figuras, pois os raciocínios são invisíveis. Desse modo, com o fracasso
das intuições sensíveis e espaciais (ou geométricas) como guia para a construção da
Matemática, observamos o surgimento de concepções matemático-filosóficas que
caracterizariam a intuição pura.
Nesse contexto, uma corrente de pensamento matemático denominada
intuicionismo matemático (discutida na aula 2) se caracterizou como: a) uma reação
contra os exageros do logicismo e do formalismo; b) uma tentativa de resgatar a
Matemática do naufrágio que parecia ameaçar no início do século, como o resultado
do descobrimento dos paradoxos na teoria dos conjuntos; c) um produto menor da
filosofia kantiana (BUNGE, 1996, p. 61).
No próximo tópico discutiremos a relevância e a função da intuição na
atividade do matemático profissional.
91AULA 4 TÓPICO 2
TÓPICO 2 O papel da intuição da atividade do matemáticoObjetivO
• Descrever o papel da intuição na atividade
investigativa
Decididamente, quando nos atemos ao fenômeno do ensino de
Matemática, questionamos até que ponto esta claro para o
entendimento do professor de Matemática, o papel e as formas
de manifestação do raciocínio intuitivo. Para compreender tal função inerente
à atividade matemática, torna-se imprescindível que entendamos o caráter de
ubiqüidade da intuição matemática, tanto no contexto escolar como no contexto
acadêmico. O matemático Jean Dieudonné (1906-1992) descreve uma maneira
particular na qual a intuição exerce seu papel coercitivo, ao declarar que:
Semelhantemente a vida da maioria dos sábios, a vida do matemático é
dominada por uma curiosidade insaciável, uma vontade de resolver os
problemas estudados que confirmam sua paixão e que conduzem à realização
de uma abstração quase total da realidade do ambiente; as distrações ou
excentricidades matemáticas célebres não possuem outra origem. É que a
descoberta de uma demonstração não se obtém em geral sem o auxílio de
períodos de concentração intenso que se renovam possivelmente por meses
ou anos até que o resultado pretendido seja alcançado (DIEUDONNÉ, 1987, p.
19, tradução nossa.)
A intuição matemática sempre despertou o interesse de muitos filósofos.
Parte desses interesses se caracterizava pela compreensão do tipo de ligação que
a intuição permite, especialmente, com a verdade ou, pelo menos, com a ausência
92 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica
do erro. Observamos uma reflexão particular do filósofo inglês John Locke (1632-
1704), sobre o conhecimento geométrico presente na Matemática. Stewart (1821, p.
23) destaca este episódio ao lembrar que:
Há muito tempo Locke destacou, à respeito dos axiomas da Geometria,
estabelecidos por Euclides, que embora a proposição seja inicialmente enunciada
em termos gerais, e posteriormente fazendo recurso na particularidade de suas
aplicações, como o princípio previamente examinado e admitido, todavia a
verdade não é menos evidente neste último caso do que no padrão inicial. Ele
observou mais adiante que em algumas de suas aplicações que a verdade de
cada axioma é percebida pela mente e, todavia, a proposição geral, distante do
local onde foi assentada e da verdade que encerra, é apenas uma generalização
verbal do que, em instâncias particulares, foi aceito como verdade (tradução
nossa).
Stewart aponta a preocupação manifesta por Locke a respeito da origem
ou a fonte da verdade matemática. A verdade deste tipo de saber é originada nos
enunciados mais gerais e distanciados das aplicações ou nos casos particulares em
que vemos suas aplicações? Em situações mais perceptíveis e menos abstratas a
verdade matemática está mais próxima do nosso entendimento?
Um elemento que merece atenção diante da situação pouco complexa
observada por Locke que é exemplificada por Mill (1869) diz respeito à possibilidade
de que enquanto tal verdade não se estabelece, enquanto a incerteza sobre o que
conhecemos da Geometria e como conhecemos não for reduzida a zero, a intuição
desempenhará um papel importante.
Mas é possível reduzir a zero nossas incertezas com a intenção de atingirmos
a verdade durante a investigação? Qual ou quais verdades podemos identificar no
saber matemático? E na condição de se atingi-la, de onde partimos e como saber se a
alcançamos? Algumas destes questionamentos não constituem simples tarefas para
se responder em poucos parágrafos, entretanto destacamos os que se aproximam da
nossa temática. Por exemplo, existe uma verdade única na Matemática? Guerrier
(2005, p. 12), por exemplo, destaca que:
A questão de saber se a verdade vincula-se ao domínio da Matemática ou
ao domínio da Lógica é uma questão bem antiga. Aristóteles distinguia
as verdades de fato (vérités de facto) e as verdades necessárias (vérités
nécessaires). Aquelas obtidas como conclusão de um silogismo concluído a
partir de premissas verdadeiras; e as últimas são os objetos da Lógica (tradução
nossa).
93AULA 4 TÓPICO 2
E enquanto buscamos e ainda
não alcançamos uma verdade necessária,
como chamava Aristóteles, raciocinamos
intuitivamente? E nesta condição, ou seja, por
meio da intuição, obteremos tal verdade?
Vale lembrar que Frege considera que não
se pode sempre confiar na intuição (GUERRIER,
2005, p. 13). Todavia, para que haja a
compreensão e a certeza de estarmos fazendo uso
da intuição, mesmo no caso em que buscamos
uma verdade necessária, como na prática comum
do matemático, necessitamos definir o vocábulo
“intuição matemática”.
Neste momento nos deparamos com outro entrave histórico e filosófico. De
fato, Boutroux (1920, p. 224) lembra que:
Pascal, melhor do que Descartes caracterizou a intuição. E o mesmo escreveu
uma vez: Nós conhecemos a verdade, não somente pela razão, mais, sobretudo
pelo coração; e é por esta última sorte que nós conhecemos os princípios
primeiros, e é neste terreno que raciocinamos, e não existe outro ponto de
partida, outra sorte de combater... E é sobre este conhecimento do coração e
do instinto que a razão se apóia e fundamenta todo o seu discurso (tradução
nossa).
Mais adiante Boutroux adverte que:
Os intelectuais modernos, contudo, não buscam eles mesmos explicar, eles não
pretendem compreender completamente em que consiste e em que condições
podem agir por intuição. As definições que eles fornecem permanecem na
maioria das vezes negativas. As verdades matemática, dizem eles, não são
nem conseqüência de fatos experimentais e nem resultado de construções
ou deduções lógicas. Portanto, eles supõem um modo de percepção que não
se confunde, nem com a experiência dos sentidos, nem com o raciocínio.
Temos consciência deste modo de percepção por alguns instantes de pratica
(no trabalho de descoberta), e nos parece que ele não se assemelha a nenhum
conhecimento demonstrativo (BOUTROUX, 1920, p. 225, tradução nossa).
Ficam patentes nas afirmações de Boutroux duas dimensões a considerar:
a primeira relaciona o caráter afetivo/motivacional, enquanto a segundo diz
respeito ao campo epistêmico. Sublinhamos o termo afetivo/motivacional, uma vez
que, na atividade do matemático, apesar de nem sempre ser claro para o próprio
s a i b a m a i s !
A História da Ciência evidencia o recurso ao
apelo intuitivo para a edificação posterior de
várias teorias. Na Física, Almaraz (1997, p. 11)
recorda que Einstein obteve, por meio de imagens
mentais, indícios intuitivos que o serviram para
elaborar a Teoria da Relatividade.
94 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica
investigador, a busca pela estética se relaciona de modo íntimo com a ação de
descoberta e invenção.
Burton (2004, p. 66) desenvolveu um interessante estudo que fornece certos
indícios promissores. Ele caracterizou três características da estética: a função
generativa, a função avaliativa e a função motivacional. Com referência às três
características mencionadas, explica:
A função generativa foca no papel da estética na invenção e descoberta
matemática; a avaliativa tipicamente se manifesta nos próprios julgamentos
de um produto matemático, tal como um teorema; a função motivacional
relaciona-se com o papel da estética na medida em que induz ou inspira a
atividade matemática. Outra igualmente importante dimensão que se deve
considerar é a epistemológia baseada na estética deve apresentar uma função
de: De que modo opera ou funciona a estética como um modo de conhecer?
(BURTON, 2004, p. 66, tradução nossa).
No trecho acima observamos a relação entre a função generativa da estética
com a invenção e descoberta. Note-se que, nesses momentos, o matemático, sob
um ponto de vista psicológico, habita um mundo de incertezas, inseguranças e
dúvidas. Situação bem diferente da execução de uma prova matemática que requer
exatidão, generalidade, conexões lógicas e o conhecimento da estrutura matemática
com a qual está lidando.
Burton ressalva que, no âmbito de obtenção de um caminho para a
aquisição de conhecimento, a função generativa da estética adquire, na opinião dos
matemáticos participantes do seu estudo, um caráter de acessibilidade, interesse,
satisfação, simetria, transparência e surpresa. Burton (2004, p. 71) relata, em seu
estudo empírico que envolveu a participação de cerca de 80 participantes, que os
matemáticos não falaram a respeito do papel da imaginação.
A estética, para a maioria dos entrevistados, era concebida como um
produto da cultura dos matemáticos, dentro desta, a comunidade a constitui como:
estrutura, compacidade, conexão ou qualquer outra categoria funcional para a
obtenção de conhecimento, particularmente, na relação com o produto matemático,
provas e teoremas. Por outro lado, é importante distinguir o cognitivo do afetivo.
E no caso destes dois modelos componentes, a estética e a intuição parecem ser
inexplicavelmente interconectadas (BURTON, 2004, p. 72).
Burton (2004, p. 72) acrescenta ainda que a intuição fornece, para muitos,
a energia convincente que motiva e justifica o trabalho necessário na produção de
estética a qual um número de matemáticos chama de “euphoria” que acompanha a
resolução de problema. Embora para muitos, ainda que nem todos destes matemáticos
tenham sido consultados no seu estudo, a estética e a intuição parecem preencher
95AULA 4 TÓPICO 2
diferentes funções psicológicas, evidenciamos
uma exaltação no reconhecimento da ligação da
estética mais conectada com a prova.
Hadamard (1945, p. 41) nos fornece uma
interessante explicação a respeito da noção de
estética e prova ao mencionar que:
Pode ser surpreendente ver a sensibilidade emocional
evocada nas demonstrações matemáticas que,
aparentemente, interessam apenas ao intelecto. [...]
Esta é a verdadeira estética do sentimento que todos
os matemáticos conhecem, e certamente pertence à
sensibilidade emocional (tradução nossa).
Assim como outros pensadores, Jacques
Salomon Hadamard (1865-1963) comenta o papel
do elemento afetivo, tanto na descoberta como na
invenção matemática, que o mesmo faz questão de diferenciar. Hadamard discute
também outros elementos nem sempre explícitos na atividade do matemático que
se relacionam de algum modo com a faculdade intuitiva. Com esta perspectiva,
Hadamard discute os momentos em que o matemático trabalha de modo consciente
na atividade solucionadora de problemas e outros momentos em que ocorrem
determinados fenômenos mentais sem o controle intencional e um pensamento
sistemático.
Hadarmard discute alguns pontos de vista fornecidos por Henri Poincaré.
Recorda que Poincaré salientava a importância da intervenção de uma atividade
consciente, após uma atividade mental inconsciente, não apenas para o emprego
de uma linguagem conveniente, mas também para verificar e precisar os resultados
finais, uma vez que é flagrante a insistência de Poincaré na atribuição de uma
significação geométrica antes mesmo de possuir uma demonstração (ROBADEY, 2006,
p. 1999). No que diz respeito à verificação dos resultados, Hadarmard (1945, p.
64) esclarece que o sentimento de certeza absoluta que acompanha a inspiração
geralmente corresponde à verdade; porém, este pode nos enganar.
Em todo caso, seja num momento de esforço mental consciente ou estágio
mental inconsciente em que se encontre o matemático, as imagens mentais e
representações que alicerçam uma ideia particular proporcionam o terreno para a
atividade intuitiva. Neste sentido, Souriau (1881, p. 12) explica:
As imagens que concebemos a cada momento não surgem do caos, mas de
um pensamento anterior. Antes que nossas ideias se combinem numa ordem
s a i b a m a i s !
Sauriau (1881, p. 121) diz que quando
mencionamos, por exemplo, a palavra ‘triângulo’,
ou se a vemos escrita, imaginamos imediatamente
a figura geométrica que aprendemos associar a este
som ou letras. E de modo similar, se pronuncio ou
escrevo esta palavra, sabemos que a mesma não
faltará em me sugerir uma concepção semelhante.
Assim, as palavras possuem a propriedade de
despertar em nossos espíritos certas imagens, que
são o que denomino de significação.
96 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica
presente, elas possuíam já certa ordem,
ou nosso espírito já apresentava
determinada organização. Na medida
em que em concebemos um pensamento
novo, consideramos certo tipo de
inteligência adquirida, e tal inteligência
determinará, pelo menos em parte, o
tipo de pensamento que conceberemos
(tradução nossa).
Hadamard discute algumas das ideias de
Paul Souriau, como a que destacamos no trecho
acima. A expressão “pensar de lado” teve origem
com Paul Souriau (1852 – 1926), com seu livro “Théorie de L’Invention”, de 1881.
Tal atividade mental requer o emprego da intuição, na medida em que o indivíduo
percebe a necessidade de relacionar as ideias objetivadas quando ‘pensava de
lado’, e as ideias principais que buscava compreender. Notamos que, em todo caso,
as ideias se combinam na dependência das imagens que formamos.
Por outro lado, quando falamos do aluno ou do indivíduo que tenta
compreender um raciocínio empregado por um matemático profissional,
identificamos dificuldades consideráveis, uma vez que:
Na procura de se abstrair ao máximo, o matemático se priva de uma determinada
sorte de intuição e priva de modo similar o leitor que não compreende mais o
porquê das definições e acredita se perder numa nuvem escura (QUENNEAU,
1978, p. 23).
Quenneau aponta um hábito peculiar na frente investigativa que em
muitos casos se manifesta na sala de aula do locus acadêmico. Paradoxalmente,
observamos uma mudança do modus operandi do matemático. De fato, enquanto,
em sua pesquisa, as imagens mentais e representações provisórias auxiliavam
seu raciocínio, na sala de aula, figuras ou representações que fornecem ideias
particulares podiam ser evitadas, em detrimento do alcance das ideias mais gerais
que explicam os teoremas que devem ser discutidos. Além disso, no âmbito de
sua pesquisa, os problemas são atacados, em muitos casos de modo indireto e de
modo sistemático; entretanto, no seu ensino, apresenta argumentações diretas para
a resolução definitiva de situações-problema.
Acrescentamos que, em muitos casos, o tempo didático não permite o
exercício da ‘incubação’ das ideias que, para Hadamard, possibilitava a combinação
e recombinação das ideias, de modo consciente ou não, com a expectativa do
s a i b a m a i s !
Sauriau (1881, p. 128) explica que a linguagem é
capaz de substituir o pensamento, uma vez que
as palavras podem substituir as ideias, ao menos
provisoriamente, e ver de que modo pode ser feito
o emprego de signos no trabalho da invenção.
97AULA 4 TÓPICO 2
alcance, de modo individual, de uma solução. Com isto temos a oportunidade de
proporcionar que o estudante vivencie situações de euforia e contentamento em
virtude do alcance de um objetivo.
Com consequência, o estudante não alcança o prazer de uma descoberta
matemática, como consequência do exercício de sua imaginação; e assim, não
compreende o que significa fazer Ciência. Hadamard (1945) comenta de modo
pitoresco o papel de imaginação quando considera que:
Imaginação, por si só, não possibilita fazer Ciência, entretanto, em certos
casos, devemos explorá-la. Primeiramente, focando o objeto que desejamos
considerar, prevenimos os desvios de percurso [...] Imaginação pode ser
essencial na solução de problemas por meio de várias deduções, e os resultados
precisam ser coordenados após uma completa enumeração (p. 86, tradução
nossa.)
Em sentido contrário, não fazemos Ciência e, de modo particular, não fazemos
Matemática quando desenvolvemos em nossos estudantes o hábito de exploração de
sua capacidade imaginativa. Resulta na eliminação paulatina do espírito inventivo
do estudante, que, segundo a opinião de Souriau (1881, p. 106), deve ser curioso e
original. Com isto, o estudante permanece indiferente à descoberta de uma verdade
matemática e não fará nenhum esforço para pensar. Mas para pensar energicamente,
é necessário o estabelecimento de um objetivo e o desejo de alcançá-lo, é necessário, em
uma única palavra, ser curioso (SOURIAU, 1881, p. 106).
Neste tópico analisamos alguns aspectos e elementos que explicam e se
relacionam de modo íntimo com a intuição. Na sequência, discutiremos alguns
exemplos particulares nos quais poderemos observar de que modo nossa intuição
acarreta em conclusões errôneas, paradoxos, surpresas inesperadas e uma flagrante
contradição com a teoria matemática formal.
98 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica
TÓPICO 3 Os paradoxos relacionadosà intuição matemáticaObjetivO
• Identificar paradoxos e situações em que o raciocínio
intuitivo conduz a falsas concepções
Em vários contextos nos deparamos com fatos matemáticos estranhos.
De fato, desde os períodos escolares aprendemos que o conjunto
dos números pares e o conjunto dos números impares fazem parte
da ‘coleção’ que chamamos de números naturais, todavia, formalmente falando,
podemos afirmar que existem mais naturais do que pares? Ou que existem mais
números naturais do que ímpares?
Outro conceito explicado de modo intuitivo e vago no contexto escolar é
conhecido como números racionais e irracionais. No contexto acadêmico (LIMA,
2010), encontramos argumentações dando conta que dado um intervalo ( ),a b , no
mesmo podemos encontrar tanto um número racional como um número irracional.
Ora, argumentações como esta não constituem demonstrações formais,
todavia, tais propriedades relacionam-se com algumas operações aprendidas na
academia que preservam propriedades intrínsecas que podem contrariar nossos
sentidos.
Neste sentido, um dos nossos primeiros exemplos é discutido por Caraça
(1951, p. 14) quando menciona que:
99AULA 4 TÓPICO 3
A nossa operação da contagem vai ainda fornecer-nos o modelo (mas agora só o
modelo) do que há a fazer para comparar os vários tipos de infinito. Vimos que
se realiza uma contagem fazendo corresponder objetos a números; ‘Vejamos 58
será possível estender a ideia de correspondência aos conjuntos infinitos. Nada
mais fácil; pela correspondência, a cada elemento vem associado antro pelo
pensamento; não há mais que supor que esta operação - fazer corresponder
a - se pode repetir indefinidamente. Ora, se já aceitámos, duas vezes, a
possibidade de repetição ilimitada dum certo ato mental porque não a admitir
agora? Assentemos, portanto, em que se estende a conjuntos infinitos a noção
de correspondência e vamos transportar para eles, tanto quanto possível, as
coisas já adquiridas, em especial a noção de equivalência, tão importante,
corno vimos, na contagem das coleções finitas - se, entre os elementos de dois
conjuntos infinitos, puder estabelecer-se uma correspondência biunívoca,
esses dois conjuntos dizem-se equivalentes.
O trecho de Caraça faz referências a vários
aspectos interessantes. Inicialmente, o autor
menciona a necessidade de realizarmos uma
contagem dos elementos de um conjunto. Nos
tempos atuais, quando dispomos de um conjunto
A que apresenta uma quantidade finita de
objetos, que podemos denotar por ( )Car A <¥
( : cardinalidadeCar = ), por definição, diz-se que
isto ocorre quando existe uma bijeção : nf I A® ,
onde {1,2,3,....., }nI n= . Por exemplo, se
temos dois conjuntos finitos ,A B UÌ , onde
( )Card A n= e ( )Card B m= , e se A BÌ , então,
devemos ter que n m£ . Assim, por definição,
podemos considerar duas bijeções : nf I A® e
' : mf I B® , onde {1,2,3,...., }n mI I mÌ = .
Por exemplo, quando consideramos os conjuntos dos pares e ímpares
: { 2 , k }n kà = = Î e : { 2 1, k }n kI = = + Î , notamos que à I=Æ . Ademais,
podemos intuir que ,Ã IÌ , entretanto podemos realizar uma inferência visual
na seguinte listagem:
2 4 6 8 10 12 14 ........ 2n
1 2 3 4 5 6 7 n
s a i b a m a i s !
Paradoxo e antinomias: Em sentido amplo,
«paradoxo» significa o que é «contrário à opinião
recebida e comum», ou à opinião admitida como
válida. Em Filosofia, paradoxo designa o que é
aparentemente contraditório, mas que apesar de
tudo tem sentido. Em Matemática, fala-se muitas
vezes de paradoxo matemático ou paradoxo
lógico, ou seja, de uma contradição deduzida no
seio dos sistemas lógicos e das teorias matemáticas.
100 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica
De modo particular, relacionado com a noção de conjuntos infinitos e
outras noções, encontramos na matemática e na lógica um intenso debate que
caracterizaram paradoxos.
Uma das maneiras conhecidas de mostrar que o conjunto ´ é
enumerável, isto é, que existe uma bijeção entre ´ e , (onde = {0; 1; 2;
…} é o conjunto dos números naturais), é exibir uma bijeção de ´ sobre ,
inspirada na figura:
(0; 0) (0; 1) (0; 2) (0; 3) …
(1; 0) (1; 1) (1; 2) (1; 3) …
(2; 0) (2; 1) (2; 2) (2; 3) …
(3; 0) (3; 1) (3; 2) (3; 3) …
… … … …
Observando-a, podemos conjecturar a seguinte enumeração dos elementos
do conjunto x
: (0; 0); (1; 0); (0; 1); (2; 0); (1; 1); (0; 2); (3; 0); (2; 1); (1; 2); (0;
3);… Ou seja, colocamos, sucessivamente, os pares (a; b) tais que a soma a + b
assuma os valores 0; 1; 2; 3; …, e dentro da cada grupamento que tenha a + b
constante (correspondente, na figura, a uma das diagonais indicadas), ordenamos
os pares pela ordem natural de sua segunda componente.
Obtém-se então a seguinte bijeção:
f : ´
→
(0; 0) → 0
(1; 0) → 1
(0; 1) → 2
(2; 0) → 3
(1; 1) → 4
(0; 2) → 5
………….
Observamos que f(x; y) é o lugar que ocupa (x; y) nesta enumeração (como
estamos incluindo 0 em N, é preciso começar a contar a partir do 0-ésimo lugar).
Uma questão interessante é construir uma fórmula para esta função e utilizar esta
fórmula para provar que f é realmente uma bijeção descrita em :f x ® . Para
isto, seja (x; y) ´ . Observando a figura, vê-se que se (x; y) for tal que x + y
101AULA 4 TÓPICO 3
= s > 0, então o par (x; y) é precedido, pelo menos, por todos os pares (u; v) tais
que u + v = 0; 1; 2;…;s – 1.
Existe um par que tem soma 0, dois que têm soma 1, e assim por diante,
até s pares que têm soma s – 1, de modo que esses pares são em número de ( 1)
1 ...2
s ss
++ + = . Além disto, já na sua diagonal, o par (x; y) é precedido por y
pares.
Portanto, 2( )( 1) ( ) 3
( ; )2 2
x y x y x y x yf x y y
+ + + + + += + = .
Finalmente, constata-se diretamente que esta fórmula também é válida se (x;
y) = (0; 0). Podemos então afirmar que f é dada pela fórmula analítica:
:f ´ ®
2( ) 3( ; )
2
x y x yf x y
+ + +=
Eis um exemplo clássico em que nossa intuição parece contrariar o modelo
lógico a partir da constatação de que sendo a função bijetora, concluímos, por
definição, que os conjuntos x
e possuem a mesma quantidade de elementos.
Para ilustrar e relacionar com os nossos conhecimentos sobre Cálculo, plotamos
o gráfico da função :f ´ ®
e damos ênfase aos pares ordenados do plano
( , )x y Î ´ nos quais a função originariamente está definida. Para cada ponto
desta superfície associamos uma imagem pertencente ao eixo (0,0, )z Î ´ ´ .
Figura 1: Representação geométrica da função :f ´ ®
Lima (2004, p. 42) fornece um exemplo interessante quando considera a
situação em que Y é a base de um triângulo e X um segundo segmento paralelo
a Y, unindo os outros dois lados desse triângulo. Toma ainda o ponto P o vértice
oposto à base Y. Obtém-se assim uma correspondência biunívoca do tipo :f X Y®
102 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica
associando a cada ponto x XÎ , o ponto ( )f x onde a semirreta Px intersecta a base
Y. Veja na Figura 2, lado esquerdo.
Figura 2: Exemplos de Lima (2004) que contrariam a intuição
Na Figura 2, do lado direito, discute um exemplo no qual temos o
conjunto { }X C P= - obtido retirando da circunferência o ponto ‘P’ e Y uma
reta perpendicular ao diâmetro que passa por P. Definindo-se uma correspondência
biunívoca :f X Y® pondo, para cada x XÎ , ( ) :f x = interseção da semi-reta
Px com a reta Y (LIMA, 2004, p. 43). Neste caso estabelecemos que os conjuntos
{ }X C P= - e Y possuem o mesmo numero cardinal, ou seja, podemos definir, no
sentido de Lima (2004), uma correspondência biunívoca entre os mesmos.
Em outros exemplos curiosos fornecidos por Domingues (1991), encontramos
a função ( )1
xf x
x=
+ definida em : ] 1,1[f ® -
, tomada como bijetora. Assim,
por meio da definição anterior, os conjuntos e ] 1,1[- possuem a mesma
cardinalidade de elementos.
Figura 3: Bijeção entre a reta e um intervalo (DOMINGUES,1991, p. 247)
Por outro lado, antes de exibir tal função, Domingues discute a possibilidade
de se estabelecer uma bijeção entre os intervalos ]0,1[ e [0,1] . Neste sentido, o autor
explica que tomando 1 1
[0,1] {0,1, , ,....,...}2 3
A= È e que 1 1
]0,1[ { , ,....,...}2 3
A= È ,
103AULA 4 TÓPICO 3
onde se tomou 1 1[0,1] {0,1, , ,....,...}
2 3A= - . A função desejada definida em
: [0,1] ]0,1[f ® é definida do seguinte modo:
1 1 1{0,1, , , ,....,...}
2 3 4 Identidade
1 1 1{ , , ,....,...} A
2 3 4
AÈ
ß ß
È
ou de modo analítico temos:
1 se x=0
21 1
( ) se x=n+2 nx se x A
f x
ìïïïïïïïï=íïïïï Îïïïïî
Domingues (1991, p. 247) declara que tal função é injetora, assim os intervalos
]0,1[ e [0,1] possuem a mesma cardinalidade. Num modelo geométrico relacionado
ao Calculo Diferencial e Integral, o matemático Morris Klein (1908-1992) discute a
noção de reta tangente a uma curva, no contexto de construção da derivada de uma
função. Questiona a partir de um desenho (Figura 4) se podemos acreditar que a
curva e a reta candidata à tangente em um ponto possuem de fato apenas um ponto
de interseção?
Figura 4: Desenho sugerido por Klein em 1893 em relação a noção intuitiva de derivada
Outro matemático de não menor importância (cf. Figura 5) comenta as
ilusões de ótica provocadas por ilustrações e figuras. Em sua análise, a atividade
intuitiva do observador desempenha papel fundamental. Neste, como nos casos
passados, nossas faculdades intuitivas, por meio de conclusões por vezes imediatas,
tácitas, podem nos conduzir a equívocos e estimular o desenvolvimento de falsas
concepções ou raciocínios inconsistentes, do ponto de vista lógico matemático.
104 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica
Figura 5: Gravura analisada por Klein (1985), que exemplifica a perspectiva linear
Assim como Felix Klein, Morris Kline e Henri Poincaré referenciaram os
equíivocos e contradições nos quais podemos incorrer quando apoiamos nossas
conclusões predominantemente na intuição. Não que isto caracterize um defeito
ou limitação que deve ser evitado e eliminado na atividade do matemático, ou na
atividade do professor e do aluno, entretanto é preciso atenção e vigilância no
momento em que temos de utilizá-las.
Mas aí intervém outra dificuldade, a
saber: quando de fato mobilizamos um raciocínio
intuitivo? Quando compreendemos algo, a partir
de uma relação estabelecida com um objeto
matemático, por intermédio da intuição? Quais
as características da intuição?
No ensino as respostas para estas questões
possuem caráter indispensável para quem
tenciona atuar no ensino.
Caraça (1951, p. 233) aponta problemas no uso da linguagem matemática e da
língua materna quando analisa o conceito de sequências de números reais denotadas
por { }n nx Î . Neste sentido, modernamente dizemos que uma sequência converge
quando n nLim x L®+¥ = . Caraça considera que podem ter o mesmo significado
as seguintes sentenças: (i) a sucessão enumerável { }n nx Î tem por limite L; (ii) a
at e n ç ã o !
Como já salientamos no curso de Cálculo,
grafamos o símbolo de limites com “L” maiúsculo.
Assim faziam também os matemáticos Cauchy e
M. Young.
105AULA 4 TÓPICO 3
sucessão enumerável { }n nx Î tende para L; (iii) a sucessão enumerável { }n nx Î
converge para L. Note-se que a opção por uma ou por outra expressão destacada
por Caraça (1951) dependerá de uma preferência individual do solucionador de
problemas e, nesta escolha, a intuição guiará o raciocínio, até de modo às vezes
inconsciente. Na Figura 6, exibimos o comportamento de sequências numéricas
que convergem. Baseando-se apenas nas figuras, você, aluno, acredita que vale 50
0!n
nLim
n®+¥
æ ö÷ç =÷ç ÷çè ø ou que 1
1n
nLim
n®+¥
æ ö÷ç =÷ç ÷çè ø+?
Figura 6: Exemplos de sequências de números reais convergentes
Para concluir esta seção, salientamos mais uma vez a dimensão filosófica do
raciocínio intuitivo. Algumas características do raciocínio intuitivo deverão ser
caracterizadas, do ponto de vista psicológico. Nesta aula, tencionamos salientar
seus aspectos filosóficos e epistemológicos. Muitos destes aspectos não são simples
de se detectar e compreender.
Por outro lado, o que deve ficar claro para o futuro professor de Matemática é
que, se desconhecemos as características, a natureza, a função e a dimensão criativa
da intuição na atividade matemática, nunca conseguiremos promover e estimular
raciocínios desta natureza. Afinal é bem mais fácil; e digamos “concreto”, estimular
e desenvolver um ensino de Matemática baseado no pensamento algorítmico (OTTE,
1991).
A ponta do iceberg na frente pedagógica é um ensino baseado em regras e
memorização. Para os leigos, com pouca ou nenhuma formação em Matemática,
tal situação se explica dizendo: “Ah... Isto é culpa da metodologia do professor!”.
Ou dirão ainda “A matemática é a ciência dos números!”. Com maior preocupação,
escutamos alguns desavisados se pronunciarem: “Vamos estimular o lúdico para
que tudo fique mais prazeroso!”.
106 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica
Concepções dessa natureza são recorrentes no ensino de Matemática,
principalmente no discurso de pessoas que carregam consigo o saber matemático restrito
ao escolar, entretanto uma visão e uma formação filosófica dessa ciência proporcionará um
olhar critico do professor de Matemática no sentido de questionar e evitar a evolução de
concepções retrógradas, ideias inócuas e crenças equivocadas e pouco fundamentadas.
107AULA 5
AULA 5 A construção axiomática dos números naturais, inteiros e racionais
Nas aulas passadas, apresentamos e discutimos o caráter filosófico dos Axiomas
de Peano. Tal discussão torna-se essencial na medida em que tencionamos
formar a visão epistemológica do futuro professor de Matemática. Nesta aula,
retomaremos este assunto com o auxílio de argumentos axiomáticos modernos
os quais Giuseppe Peano (1858-1932) não dispôs de métodos axiomáticos
modernos para a construção e verificação das inclusões Ì Ì discutidas
no contexto escolar. Concluiremos ainda nesta aula, a partir do desenvolvimento
teórico devido a Ferreira (2010), que tanto as inclusões Ì Ì como outros
fatos matemáticos admitidos de “modo intuitivo” no contexto escolar são
completamente equivocados e formalmente incorretos.
Objetivo
• Descrever a construção axiomática dos números naturais, inteiros e racionais
108 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica
Nas aulas passadas, tecemos algumas considerações acerca do
conjunto . Nesta aula discutiremos algumas propriedades
axiomáticas e teoremas interessantes que proporcionam
resultados inesperados quando confrontados com nossa intuição. Neste sentido,
recordamos que Ferreira (2010, p. 22) define um conjunto X infinito quando existe
uma função injetora ®:f X . Diz ainda que um conjunto é dito finito quando
não for infinito. Ou seja, um conjunto é infinito quando contiver um subconjunto
Y em bijeção com , o que também se expressa dizendo que Y é equipotente a .
Acrescenta que:
Há outras definições de conjuntos infinitos (portanto, de conjuntos finitos)
obviamente equivalentes à que demos acima. Vale a pena comentar que uma
das definições, que é devida a Cantor, porque ela rompeu com o paradigma
milenar grego de que o todo é sempre maior do que suas próprias partes. Um
conjunto diz-se infinito quando existe uma bijeção entre ele e um subconjunto
próprio dele (FERREIRA, 2010, p. 22).
Vale recordar a função definida por Peano:
(i) Axioma: Existe uma função injetiva ®: s . A imagem ( )s n de cada
número natural În chama-se o sucessor de ‘n’;
(ii) Axioma: Existe um único número natural Î1 tal que ¹1 ( )s n para
todo În ;
TÓPICO 1 Um problema antigo relacionado à equação polinomial do segundo grauObjetivO
• Apresentar situações-problema de civilizações antigas
que envolvem a equação quadrática
109AULA 5 TÓPICO 1
(iii) Axioma: Se um conjunto ÌX é tal que Î1 X e Ì( )s X X , isto é, se
Î ® Î( )n X s n X , então =X .
Muitas das propriedades do conjunto dos números naturais conhecidas
de modo intuitivo podem ser verificadas de modo axiomático e deveriam ser
conhecidas pelo futuro professor. Ferreira (2010, p. 23) enuncia o teorema: Seja a
função ®: s a função sucessor, então, tem-se:
i) ¹( )s n n para todo În ;
ii) = -Im( ( )) {0}s n .
Demonstração:
Vamos admitir a função sucessor ®: s . Definimos o conjunto
= Î ¹: { tal que s(n) n}A n . Desejamos verificar que =A , ou seja, nenhum
número natural é sucessor de si mesmo. Para tanto, usaremos o axioma (iii). De
fato, notamos que = Î ¹ ¹Æ: { tal que s(n) n}A n , uma vez que ¹(0) 0s , para
= Î0 n , pois Ï0 Im( ( ))s n e Î(0) Im( ( ))s s n .
Verificaremos agora que se Îk A , então Î( )s k A . De fato, se Îk A , pela
definição deste conjunto ¹( )s k k . Aplicando a função sucessor a ambos os membros,
segue que ¹ ® ¹ \( ) ( ( )) ( )injetora
s k k s s k s k Î( )s k A . Pelo axioma (iii), chamado de
Princípio da Indução, concluímos que =A .
Para verificar (ii) = -Im( ( )) {0}s n , usaremos o Princípio da Indução do
seguinte modo: = È Ì{0} Im( ( )) A s n . Ademais Î0 A e vimos que se Îk A ,
então Î( )s k A . Logo =A e Ï \ = -0 Im( ( )) Im( ( )) {0}s n s n .
Ferreira (2010, p. 24) denota = -* {0} e diz que todo elemento de * é
sucessor de um único número natural, que se chama seu antecessor. A partir disto,
definiremos de modo axiomático as operações de soma (+) e multiplicação (× ) de
números naturais.
Ferreira (2010, p. 24) define a adição de dois números naturais, e nm designada
por +m n e definida recursivamente do seguinte modo: ì + =ïïíï + = +ïî
( ) 0
( ) ( ) ( )
i m m
ii m s n s m n.
A definição acima nos fornece, então, a soma de um número arbitrário ‘m’ com
‘0’: + =0m m (FERREIRA, 2010, p. 25).
Ela nos dá também a soma de ‘m’ com (0)s : + = + =(0) ( 0) ( )ii i
m s s m s m (*).
Temos, ainda, usando as propriedades (i) e (ii): + = + =(*)
( (0)) ( (0)) ( ( ))ii
m s s s m s s s m
(**).
110 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica
Temos também: + = + =(**)
( ( (0))) ( ( (0))) ( ( ( )))ii
m s s s s m s s s s s m . A formalização
deste processo se dá pelo Princípio da Indução e nos mostra que a soma +m n
está definida para todo par Î, m n . Introduziremos a familiar notação para os
números naturais que conhecemos desde nossa infância.
Note-se que, quando definimos, a soma +m n está definida para todo par
Î, m n . Até este momento não mencionamos nenhuma propriedade relacionada à
comutatividade destes objetos, ou seja, + = +m n n m . Na sequência começaremos
a caracterizar axiomaticamente esta propriedade.
Definição
Indicaremos por ‘1’ (lê-se “um”) o número natural que é sucessor de 0, ou
seja, =1 (0)s . Notamos assim que = \ + = + =1 (0) 1 0 (0) 0 (0)i
s s s . Em seguida,
Ferreira (2010, p. 25) enuncia a proposição
ProPosição:
Para todo número natural m, tem-se = +( ) 1s m m e = +( ) 1s m m . Portanto
+ = +1 1m m .
Demonstração:
Como resultado desta proposição verificaremos a comutatividade da
expressão + = +1 1m m para este caso particular. De fato, a partir de (ii)
escrevemos + = + = + = \ + =1 (0) ( 0) ( ) 1 ( )definição ii i
m m s s m s m m s m . Falta verificar
que = +( ) 1s m m .
Para tanto, Ferreira (2010, p. 26) emprega a seguinte estratégia: consideremos
o conjunto = Î: { ; s(m)=1+m}A m . Claramente ¹ÆA , pois =(0) 1definição
s . Mas
vimos que = \ = +1 (0) (0) 1 0s s , segue que Î ¹Æ0 A . Seja então Îm A , assim
escrevemos (Hipótese de Indução - HP) s(m)=1+m . Vamos mostrar que Î( )s m A .
De fato, notamos que = + = +( ( )) (1 ) 1 ( )HI ii
s s m s m s m . Isto é, Î( )s m A . Pelo
axioma 3 de Peano, teremos = Î: { ; s(m)=1+m}= A m . Ferreira (2010, p. 26)
prossegue explicando que como era de se esperar, passaremos a adotar a notação
indo-arábica (de base dez) para os elementos de ; já temos os símbolos ‘0’ e ‘
=1 (0)s ’. Definiremos: = + =(1) 1 1 2proposição
s ; = +(2) 2 1s , = +(3) 3 1s e assim por
diante. Reparamos as dificuldades para verificar uma propriedade simples como
= + = +( ) 1 1s m m m . Daqui em diante, a partir dessas considerações axiomáticas,
escrevemos: ={0, (0), ( (0)), ( ( (0))),.....} {0,1,2,....}s s s s s s .
111AULA 5 TÓPICO 1
A questão que se coloca agora é: contém outros elementos além destes?
Se a resposta for negativa, teremos concluído que os axiomas de Peano realmente
formalizam a nossa ideia intuitiva de conjunto de números naturais? (FERREIRA,
2010, p. 26). Assim, poderemos enunciar o seguinte teorema.
1 :Teorema ={0,1,2,3,....}
.
Demonstração:
Seja S o conjunto =: {0,1,2,3,....}S , desejamos estabelecer a igualdade acima.
Ferreira (2010, p. 26) esclarece que S foi construído como um subconjunto de
que contém o ‘0’, ou seja, Î0 S e também o sucessor de qualquer elemento nele
contido. Pelo principio da Indução, concluímos que =S .
Ferreira (2010, p. 27) comenta ainda que ¹0 1 , mas não sabemos ainda
comparar ‘0’ com ‘1’, isto é, não formalizamos ainda a ideia intuitiva de que ‘1’
é maior do ‘0’. Isso decorrerá a partir da definição de uma relação de ordem em
, que estabeleceremos posteriormente. Para ilustrar, Ferreira (2010, p. 27):
+ = =1 1 (1) 2proposição
s , + = =2 1 (2) 3s , e ainda temos:
+ = + = + = + = + = = =2 2 2 (1) (2 1) (2 (0)) ( (2 0)) ( (2)) (3) 4ii ii
s s s s s s s s s .
Por fim temos + = + = + = =0 2 0 (1) (0 1) (1) 2ii
s s s . Ferreira (2010, p. 27)
destaca que algumas propriedades da adição, que admitíamos como intuitivamente
óbvias, são demonstradas no teorema seguinte com base nos axiomas de Peano e nas
definições precedentes.
2 :Teorema Sejam m, n e p números naturais arbitrários. São verdadeiras as
afirmações:
i) Propriedade associativa da adição: + + = + +( ) ( )m n p m n p ;
ii) Propriedade comutativa da adição: + = +n m m n ;
iii) Lei do cancelamento da adição + = + Þ =m p n p m n .
Demonstração:
Mostraremos inicialmente (i). Para tanto, fixando os naturais
Î, m n quaisquer, aplicaremos indução sobre ‘p’. Seja agora o conjunto
= Î Ì( , ) : { tal que m+(n+p)=(m+n)+p} m nA p . De imediato, inferimos
que ¹Æ( , )m nA , visto que Î ( , )0 m nA . Com efeito, basta notar que
112 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica
i i
m+(n+0)=m+n=(m+n)=(m+n)+0 . Mostraremos que se Î ® Î( , ) ( , )( )m n m nk A s k A .
De fato, notamos que, admitindo a hipótese indutiva Î ( , )m nk A , escrevemos:
+ + = + + = + + = + +
m+(n+s(k))= ( ) ( ( )) (( ) ) ( ) ( )Hipótese de induçãoii ii ii
m s n k s m n k s m n k m n s k
Segue que = Î( , ) : { tal que m+(n+p)=(m+n)+p}= m nA p . Para verificar
o item (ii), inicialmente necessitamos verificar que + = +0 0m m , " Îm . Em
seguida, fixando Îm , define-se o conjunto = Î: { tal que n+m=m+n}mC n .
E por indução deve-se concluir que = Î: { tal que n+m=m+n}= mC n . A Lei
do cancelamento fica como exercício para você, leitor. Definiremos em seguida
propriedades relacionadas à multiplicação de números naturais.
Definição
A multiplicação de dois números naturais, m e n, é designada por ×m n e
definida recursivamente do seguinte modo: ì × =ïïíï × + = × +ïî
0 0
( 1)
m
m n m n m.
TEOREMA
Para m, n e p naturais arbitrários, valem as proposições abaixo:
i) × Îm n , isto é, a multiplicação de fato é uma operação em ;
ii) existência do elemento neutro multiplicativo × = × =1 1n n n ;
iii) distributividade × + = × + ×( )m n p m n m p e + × = × + ×( )m n p m p n p ;
iv) associatividade × × = × ×( ) ( )m n p m n p ;
v) × = Þ =0 0 ou n=0m n m ;
vi) comutatividade × = ×m n n m .
Demonstração:
Ferreira (2010, p. 30) destaca que novamente usa-se o Princípio da Indução
para demonstrar todos os seis itens. Note-se que a importância do item (i) é que
definimos uma ‘nova’ operação com dois números naturais Î e m n , denotada
por ×m n e precisamos garantir que, quando aplicada tal ‘operação’, continuamos
ainda com um número natural. É o que quer dizer a implicação × Îm n .
Faremos agora o item (ii), notando inicialmente que × =1n n . De fato, temos
× = × + = × + = + =1 (0 1) 0 0ii i
n n n n n n , usando a definição de multiplicação. Agora,
por indução, veremos que × =1 n n . De fato, já temos, por definição, × =1 0 0
e, pela hipótese indutiva, escrevemos × =1 n n . Na sequência investigamos a
113AULA 5 TÓPICO 1
expressão × + = × + = +1 ( 1) 1 1 1Hipótese
n n n . Segue o resultado. Para verificar (iii),
Ferreira (2010, p. 30) considera Î. m n arbitrários e, em seguida, usa indução
sobre ‘p’. Seja então , ( )m nP p a afirmação caracterizada pela propriedade que
tencionamos verificar, ou seja, × + = × + ×( )m n p m n m p . Observamos que , (0)m nP
é verdade, pois × + = ×( 0)m n m n e × + × = × + = ×0 0definição
m n m m n m n . Logo,
× + = × + ×( 0) 0m n m n m . Verificaremos por indução que, se , ( )m nP p é verdade,
então vale +, ( 1)m nP p . Com efeito, observamos que
m n p m n p m n p m m n m pdefini o hipotese
⋅ + + = ⋅ + + = ⋅ + + = ⋅ + ⋅( [ ]) (( ) ) ( )1 1çã
++ ⋅ == ⋅ + ⋅ + ⋅ == ⋅ + ⋅ + = ⋅ + ⋅ +
m
m n m p m
m n m p m m n m p
1
1
1
( )
( ) ( ).
Após desenvolver todas estas essas propriedades do ponto de vista axiomático,
Ferreira (2010, p. 31) destaca que a relação de ordem em nos permitirá comparar
os números naturais, formalizando a ideia intuitiva de que ‘0’ é menor do que ‘1’, que
é menor do que ‘2’, e assim por diante.
Definição
Uma relação binária R em um conjunto não vazio A diz-se uma relação de
ordem em A quando satisfizer as condições, para quaisquer Î, ,x y z A ,
Re1: reflexividade xRx ;
Re2: antissimetria se xRy e yRx , então =x y ;
Re3: transitividade se xRy e yRz , então xRz .
Um conjunto não vazio A, munido desta relação de ordem, diz-se um
conjunto ordenado. Na sequência, definiremos uma relação de ordem em através
da operação da adição, tornando-o, portanto, um conjunto ordenado.
Definição
Dados Î, m n , dizemos que mRn se existir Îp tal que = +n m p .
exercício:
Mostre que é uma relação de ordem em .
Definição
Para Î, m n , se mRn , onde R é a relação da definição anterior, dizemos
que m é menor do que ou igual a n e passaremos a escrever o símbolo £ no lugar
de R; assim, £m n significará mRn .
114 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica
Ferreira (2010, p. 32) destaca que a expressão “m é menor ou igual a n”,
embora gramaticalmente incorreta, é de uso corrente desde o Ensino Fundamental.
Mais adiante, Ferreira (2010) estabelece as notações:
1) Se £m n , mas ¹m n , escrevemos <m n e dizemos que m é menor do
que n;
2) Escrevemos ³n m como alternativa a £m n . Leremos n é maior do que
ou igual a n;
3) Escrevemos >n m como alternativa a <m n . Leremos n é maior do que
m.
TEOREMA (LEI DA TRICOTOMIA)
Para quaisquer Î, m n , temos uma e apenas uma das seguintes relações:
a) <m n b) =m n c) >m n
Demonstração:
Deixamos para você, aluno, fazer...
Ferreira (2010, p. 34) comenta que
a lei tricotomia equivale a dizer que, dados Î, m n , tem-se, necessariamente
que £m n ou ³m n , isto é, dois naturais quaisquer são sempre comparáveis
pela relação de ordem acima definida. Por isso, uma relação de ordem que
satisfaz à lei da tricotomia é chamada de relação de ordem total.
A partir desta relação, enunciamos os seguintes teoremas.
Demonstração:
Deixamos para você, aluno, fazer..
teorema
(Lei do cancelamento da multiplicação) Sejam Î, , a b c , com ¹ 0c , tais que
=ac bc , então =a b .
Demonstração:
Deixamos para você, aluno.
115AULA 5 TÓPICO 1
TEOREMA
Sejam Î, a b . Então <a b se, e somente se, + £1a b .
Demonstração:
Deixamos para você, aluno.
Para concluir esta parte inicial relativa à importante construção axiomática
dos números naturais, apresentamos um teorema que reflete um fato intuitivo claro
desde o Ensino Fundamental: o de que todo subconjunto não vazio de números naturais
possui um menor elemento (FERREIRA, 2010, p. 36).
Observamos que tal propriedade não é verificada no conjunto dos números
racionais. Por exemplo, se consideramos o subconjunto dos números racionais
positivos, ele possui um menor elemento (Por quê?) (FERREIRA, 2010, p. 36). Já no
conjunto dos números inteiros, só possuem elemento mínimo os subconjuntos que
são limitados inferiormente.
Formalmente, dizemos que um elemento a de um conjunto ordenado A é
um menor elemento de A, se £a x , para todo Îx A . Se a relação de ordem é total
em A, tem-se um menor elemento, quando existe, é único, também chamado de
elemento mínimo de A. Ele se denota por min( )A . De modo similar, define-se maior
elemento ou elemento máximo de um conjunto A, denotado por max( )A .
TEOREMA (PRINCÍPIO DA BOA ORDENAÇÃO – PBO)
Todo subconjunto não vazio de números naturais possui um menor elemento.
Demonstração:
Deixamos para você, aluno.
Concluímos este tópico destacando a importância, para o professor de
Matemática, de compreender e dominar a axiomática formal subjacente à construção
dos números naturais e, principalmente, de saber responder o questionamento
referente ao que é um número natural. Prosseguimos com a construção dos números
inteiros.
116 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica
No tópico anterior, falamos dos números naturais. Neste
tópico prosseguimos a construção Ì . Sabemos que os
números inteiros necessitaram de um tempo maior para serem
completamente compreendidos, principalmente pelo fato de determinadas
intuições equivocadas, construídas em anos iniciais da formação escolar, precisarem
ser esclarecidas. Nesse sentido, destacamos que, no inicio do capítulo referente à
construção axiomática dos números inteiros, Ferreira (2010, p. 41) explica que:
Em estão definidas duas operações que denominamos de adição e
multiplicação. No Ensino Fundamental, os números inteiros negativos e suas
propriedades são introduzidos para dar significado a certas subtrações, do
tipo: 3 5 8 13- -, , etc . Uma vez introduzidos tais números, são “definidas”
as demais operações com eles, como: - - - × - ¸ - - 23 ( 5),( 8) ( 3),8 ( 4),( 3) ,
etc. As aspas devem-se ao fato de que tais “definições” são dadas de modo
ingênuo, não rigoroso, numa tentativa de estender as operações aritméticas e
suas propriedades no conjunto para o conjunto . E é isso mesmo o que
está acessível ao estudante do Ensino Fundamental (embora mais se espere de
seu professor de matemática, para quem este livro foi escrito).
Ferreira (2010, p. 41) discute ainda que foi dessa forma empírica que os
números inteiros negativos foram descobertos e aplicados na expressão matemática
de certas situações e na resolução de problemas. Todavia, do ponto de vista do rigor
matemático, apenas admitir a existência de números inteiros negativos e incorporá-
los ao conjunto não é adequado. Além disso, temos em as operações de adição
TÓPICO 2 As dimensões filosóficas dos fundamentos da matemática IIObjetivO
• Descrever a construção axiomática dos números inteiros
117AULA 5 TÓPICO 2
e multiplicação. A subtração, como entendemos na matemática elementar, não é, a
rigor, uma operação em , conforme discutiremos mais adiante, em um exercício.
Por essas razões, não seguiremos a linha adotada no Ensino Fundamental. O que
faremos é construir esses números negativos a partir da estrutura aritmética que
temos em , através das noções básicas de Teoria dos Conjuntos e de relações de
equivalência (FERREIRA, 2010, p. 42).
A estratégia de Ferreira (2010) constitui-se em definir uma relação de
equivalência no conjunto x . Assim, o autor concluirá que um número inteiro
será então definido como uma classe de equivalência dada por essa relação. O conjunto
dos números inteiros será, portanto, o conjunto dessas classes de equivalência (p.
42).
Lembramos que uma relação de equivalência sobre um conjunto não vazio X,
segundo Aragona (2010, p. 9), é uma relação (binária) entre os elementos de X, que
podemos indicar, por exemplo, por ‘~ ’, que tem as três propriedades seguintes:
Re1) ~x x , " Îx X (reflexiva);
Re2) Se Îx X , Îy X e ~x y então ~y x (simétrica).
Re3) Se Îx X , Îy X , Îz X e ~x y , ~y z então ~x z (transitiva).
Mais adiante, Ferreira (2010) explica que sua estratégia será definir duas
operações aritméticas em e mostrar que contém uma cópia algébrica do
conjunto , num sentido que precisaremos na sequência. Por fim, o autor declara
que a operação de subtração em que, restrita a elementos da cópia de em ,
trará significado às operações do tipo -3 5 e às demais operações.
TEOREMA
A relação ‘~ ’ em x definida por ( ) ( ), ~ ,a b c d quando + = +a d b c é
de equivalência.
Demonstração:
Vejamos cada um dos itens que exigem verificar para que de fato tenhamos
uma relação de equivalência, entretanto, antes de desenvolvermos a demonstração
formal, vale destacar o comentário de Ferreira (2010, p. 43):
[...] se admitirmos por um momento a nossa noção intuitiva de números
inteiros e de subtração, notamos que + = + Û - = -a d b c a b c d ,
isto é, dois pares ordenados são equivalentes segundo a definição acima,
quando a diferença entre suas coordenadas, na mesma ordem, coincidem. [...]
118 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica
É esta a forma que os matemáticos do final do século XIX encontraram para
iniciar a construção do conjunto sem mencionar subtração, mas trazendo
na sua essência o germe dessa operação, tendo como ponto de partida o
conjunto e suas operações, as noções de produto cartesiano e de relação de
equivalência [...].
Após estas explicações filosóficas, para verificar a reflexividade,
observamos que ( ) ( ), ~ ,a b a b , pois temos sempre + = +a b b a , como
propriedade herdada desde o conjunto
. Para verificar a simetria descrita
por ( ) ( ), ~ ,a b c d , basta recorrer mais uma vez à comutatividade em , isto é,
( ) ( ) ( ) ( )Û + = + Û + = + Û
, ~ , , ~ ,Em
a b c d a d b c c b d a c d a b . Para verificar
a transitividade, podemos inferir que, se ( ) ( ), ~ ,a b c d e ( ) ( ), ~ ,c d e f , então
( ) ( ), ~ ,a b e f . Mas esta demonstração deixamos como tarefa para você, aluno.
Denotaremos por ( ),a b a classe de equivalência do par ordenado ( ),a b pela
relação ‘~ ’, isto é, ( ) ( ) ( )= Î, : {( , ) tal que x,y ~ , } a b x y x a b . Por exemplo,
podemos observar os elementos pertencentes às seguintes classes:
i) ( ) ( ) ( ) ( ) ( )=3,0 { 3,0 , 4,1 , 5,2 , 6,3 ,.......,....} ;
ii) ( ) ( ) ( ) ( ) ( )=0,3 { 0,3 , 1,4 , 2,5 , 3,6 ,.......,....} ;
iii) ( ) ( ) ( ) ( ) ( )=5,2 { 3,0 , 4,1 , 5,2 , 6,3 ,.......,....} .
Notamos que ( ) ( )=3,0 5,2 que é consequência de um teorema que pode ser
facilmente demonstrado (ver exercícios no final desta aula). A próxima definição é
crucial para nossa construção.
Definição
O conjunto quociente ~ x ou ~
x é constituído pelas classes de
equivalências ( ),a b , se denota por , e será chamado de conjunto dos números
inteiros. Assim, estabelecemos ( ) ( )æ ö÷ç= = Î÷ç ÷çè ø
{ , tal que a,b }~
xa b x .
A partir desta definição, descreveremos o modo de operar os elementos
deste novo conjunto. Assim, poderemos falar da noção de adição e subtração em
. Temos agora ( ) ( ), ~ ,a b x y que equivale a ( ) ( )=, ,a b x y , expressa pelo fato de
que + = + « - = -( )a y b x a b x y . Vamos utilizar esta observação como ponto de
partida para buscar uma definição rigorosa de adição de inteiros (FERREIRA, 2010,
p. 44).
Veremos então o que deveria ser ( ) ( )+, ,a b c d . Neste sentido,
Ferreira (2010, p.44) argumenta que se ( ),a b expressa, em essência, a
“diferença” -( )a b , e ( ),c d expressa -( )c d , a matemática elementar nos dá
119AULA 5 TÓPICO 2
- + - = - + - = + - - = + - +( ) ( ) ( ) ( )associatividade
a b c d a b c d a c b d a c b d . E esta
última expressão se traduz, no nosso contexto, como a classe ( )+ +,a c b d .
Passando a limpo, obtemos a definição formal de adição de inteiros, sem mencionar
subtrações de naturais nem elementos da matemática elementar (FERREIRA, 2010,
p. 45).
Definição
Dados ( ) ( ), e ,a b c d em æ ö÷ç= ÷ç ÷çè ø~
x , definiremos a soma de dois elementos
( ) ( ) ( )= + +, + , : ,
a b c d a c b d .
Ao definirmos objetos que envolvem classes de equivalências, é necessário
verificarmos que tais definições não dependem de como os representamos em
classes (FERREIRA, 2010, p. 45). Nesse sentido, Ferreira (2010, p. 45) observa
que, pela definição, teríamos ( ) ( ) ( )=3,5 + 4,1 7,6 . No entanto, temos também
( ) ( ) ( ) ( )= =2,4 3,5 e 3,0 4,1 , logo deveríamos ter ( ) ( )+2,4 3,0 também igual
a ( )7,6 . E pela definição dada, ( ) ( ) ( )+ =2,4 3,0 5,4 , felizmente, é igual a ( )7,6 .
Mostraremos agora que isso vale, em geral, isto é, a definição dada não depende dos
representantes das classes de equivalências envolvidas. Neste caso, dizemos que a
adição de números inteiros está bem definida.
TEOREMA
Se ( ) ( )=, ', 'a b a b e ( ) ( )=, ', 'c d c d , então ( ) ( ) ( ) ( )+ = +, , ', ' ', 'a b c d a b c d ,
isto é, a adição de números inteiros +
está bem definida.
Demonstração:
Sabemos pelo teorema anterior que, se ( ) ( )=, ', 'a b a b , então
( ) ( )Û + = +, ~ ', ' ' 'a b a b a b b a . Por outro lado, temos ( ) ( )=, ', 'c d c d , então,
( ) ( )Û + = +, ~ ', ' ' 'c d c d c d d c . Logo, temos: ( ) ( ) ( )= + +, + , : ,
a b c d a c b d
e ( ) ( ) ( )= + +', ' + ', ' : ' ', ' '
a b c d a c b d . Ferreira (2010, p. 46) verifica que
os dois segundos membros coincidem. Mas isto equivale a verificar que
( ) ( ) ( ) ( )+ + + = + + +' ' ' 'a c b d b d a c . O resto deixaremos a seu cargo, aluno.
TEOREMA
A operação de adição em é associativa, comutativa, tem ( )0,0 como
elemento neutro e vale a lei do cancelamento, como em . Além disso, vale a
120 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica
propriedade do elemento oposto (ou simétrico, ou inverso aditivo): dado ( )Î, a b ,
existe um único ( )Î, c d tal que ( ) ( ) ( )+ = Î, , 0,0 a b c d . Este ( )Î, c d é o
elemento ( )Î, b a .
Demonstração:
Deixamos a seu cargo, aluno.
Definição
Dados ( )Î, a b e ( )Î, c d , definimos o produto ( ) ( )×, ,
a b c d como sendo
o inteiro ( )+ +,ac db ad bc .
TEOREMA
A multiplicação em está bem definida, isto é, se ( ) ( )=, ', 'a b a b e
( ) ( )=, ', 'c d c d , então ( ) ( ) ( ) ( )× = ×, , ', ' ', '
a b c d a b c d .
TEOREMA
A multiplicação em é comutativa, associativa, tem ( )1,0 como elemento
neutro da multiplicação e é distributiva em relação à adição. Além disso, vale a
propriedade do cancelamento multiplicativo, isto é, se Î, , a b g , com ( )¹ 0,0g ,
então se = ® =ag bg a b .
Demonstração:
Deixamos para você, leitor.
Ferreira (2010, p. 50) explica que como em , vamos comparar os elementos
de através de uma relação de ordem. Com motivações análogas àquelas que
precederam as definições de adição e de multiplicação, temos a seguinte definição:
Definição
Dados os inteiros ( )Î, a b e ( )Î, c d , escrevemos ( ) ( )£, ,a b c d , quando
+ £ +a d b c . Os símbolos ³ <, e < definem-se de forma análoga à que fizemos
para a relação de ordem em (FERREIRA, 2010, p. 50).
Como nos casos da adição e multiplicação, verifica-se que a relação de ordem
definida por Ferreira (2010) está bem definida. Os símbolos de desigualdade utilizados
para a relação de ordem em
são os mesmos que utilizamos para a relação de ordem
121AULA 5 TÓPICO 2
em
, mas o contexto deixará claro que ordem está sendo considerada (FERREIRA,
2010, p. 50).
TEOREMA
A relação £ definida acima é uma relação de ordem em
, ou seja, é
reflexiva, antissimétrica e transitiva. Além disso, essa relação é compatível com as
operações em , isto é, para quaisquer Î, , a b g ,vale:
a) £ Þ + £ +a b a g b g ;
b) se ( )£ ¹ Þ £ e 0,0a b g ag bg ;
c) (Lei da tricotomia): apenas uma das situações seguintes ocorre:
( ) ( ) ( )= > <0,0 ou 0,0 ou 0,0a a a .
Demonstração:
Deixamos a seu cargo, leitor.
Definição
Dado ( )Î, a b , dizemos que:
i) ( ),a b é positivo quando ( ) ( )>, 0,0a b ; ii) ( ),a b é não negativo quando
( ) ( )³, 0,0a b ; iii) ( ),a b é negativo quando ( ) ( )<, 0,0a b ; iv) ( ),a b é não positivo
quando ( ) ( )£, 0,0a b .
Ferreira (2010, p. 52) observa que ( ) ( )³ Û + ³ + \ ³, 0,0 0 0a b a b a b .
Analogamente, se ( ) ( )> Û + > + \ >, 0,0 0 0a b a b a b . Ademais, se
( ) ( )£ Û £, 0,0a b a b . Essa observação está de acordo com a ideia de que a classe
de equivalência ( )Î, a b representa a “diferença -a b ”. Tornaremos essa ideia
precisa mais adiante, ao final das observações após o próximo teorema.
Observamos ainda que se ( )Î, a b é positivo, como vimos que >a b ,
então existe Î *m tal que = +a b m . Esta igualdade equivale a ( ) ( )=, ,0a b m .
Analogamente, se ( )Î, a b é negativo, então existe Î *m tal que ( ) ( )=, 0,a b m .
Essas observações levantadas por Ferreira (2010, p. 52) e o princípio da Tricotomia
nos dizem que: ( ) ( ) ( )= Î È È Î* *{ 0, tal que m } { 0,0 } { ,0 tal que m } m m sendo
uma união disjunta. A partir desta constatação, utilizaremos as seguintes notações:
( )- = Î* *: { 0, tal que m } m , ( )+ = Î* *{ ,0 tal que m } m , ( )+ += È* { 0,0 }
,
( )- -= È* { 0,0 }
. Note-se ainda que o conjunto dos números inteiros não negativos,
+ , está em bijeção com . Esta bijeção é bastante especial porque mostra que +
é uma “cópia algébrica” de , no sentido dado pelo teorema seguinte (FERREIRA,
2010, 51).
122 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica
TEOREMA
Seja ®: f dada por =( ) ( ,0)f m m . Então, f é injetora e valem as
propriedades:
i) + = +( ) ( ) ( )f m n f m f n ;
ii) =( ) ( ) ( )f mn f m f n ;
iii) Se £m n então £( ) ( )f m f n .
Demonstração:
Deixamos a seu cargo, aluno.
Ferreira (2010, p. 53) comenta ainda que o conjunto +=( ) f tem, pelo
teorema acima, a mesma estrutura algébrica que . Por exemplo, + =3 5 8 em ,
corresponde, via f , a ( ) ( ) ( )+ =3,0 5,0 8,0
. Do mesmo modo, × =3 5 15 se preserva,
via f , como ( ) ( ) ( )× =3,0 5,0 15,0
. Finalmente, a relação £3 5 se preserva, via f ,
como ( ) ( )£3,0 5,0
, o que confirma nosso comentário do início desta seção de que a
ordem em é uma extensão da ordem de (FERREIRA, 2010, p. 53).
Assim, do ponto de vista das operações aritméticas e da ordenação, + é
indistinguível de . Embora, no nosso contexto, não seja um subconjunto de ,
sua cópia algébrica + o é (FERREIRA, 2010, p. 53). Na sequencia, notamos que
®: f acima chama-se uma imersão de em . Esta imersão mostra que
é infinito. Obtemos, então, sob a identificação de com + , via f , que:
= - Î È È = - - -* *{ tal que m } {0} {...,..., ,.... 2, 1,0,1,2,...., ,....} m m m como
no Ensino Fundamental.
Em seguida, Ferreira (2010. p. 54) mostra que, à semelhança de , o
conjunto é bem ordenado.
Definição
Seja X um subconjunto não vazio de
. Dizemos que X é limitado
inferiormente se existe Îa , tal que £ xa , para todo Îx X . Um tal a se
chama cota inferior de X. Analogamente, definimos subconjunto de limitado
superiormente e cota superior dele.
TEOREMA (PRINCÍPIO DA BOA ORDENAÇÃO PARA )
Seja ÌX não vazio e limitado inferiormente. Então X possui elemento
mínimo.
123AULA 5 TÓPICO 2
Demonstração:
Seja a uma cota inferior de X , isto é, £ Û - ³ 0x xa a , " Îx X .
Consideremos o conjunto = - Î' { | x X}X x a . Claramente, vemos que
= - Î Ì' { | x X} X x a (identificado com + ) e, pelo Princípio da Boa Ordenação
em
, o conjunto 'X possui elemento mínimo, digamos 'm . Assim, Î' 'm X e
£'m y , para todo Î 'y X . Afirmamos que = +'m m a é um elemento mínimo do
conjunto X .
Primeiramente, Ferreira (2010, p. 55) explica que Îm X , pois = - Î' 'm m Xa .
Em segundo lugar, £m x , " Îx X , uma vez que isso equivale a - £ -m xa a ,
para todo Îx X , ou seja, £'m y , " Î 'y X , que é verdade pela definição de 'm .
Logo, m é o elemento mínimo de X.
Em seguida, Ferreira (2010, p. 55) enuncia o seguinte corolário.
corolário
Seja Îx tal que < £0 1x , então =1x .
Demonstração:
Use como sugestão o conjunto = Î £{ | 0<y 1}A y . Use o PBO para mostrar
que este conjunto possui elemento mínimo. Conclua que = Î £{ | 0<y 1}={1}A y .
corolário
Sejam Î, n x , tais que < £ +1n x n , então = +1x n .
Demonstração:
Deixaremos para você, aluno.
Definição
Seja Îx , definimos o valor absoluto de s, denotando por ì ³ïï=íï-ïî
se x 0
x se x<0
xx .
Definição
Um elemento Îx diz-se inversível se existe Îy tal que =1xy .
ProPosição:
Os únicos elementos inversíveis em são 1 e -1 .
124 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica
Demonstração:
Seja então Î *x um elemento inversível, tal que =1xy . Segue que,
a partir da propriedade de módulo = =1 1 xy , e como ³ 0x , ³ 0y ,
temos = = \ > >1 0 e y 0xy x y x . Assim, podemos concluir que
³ ³1 e y 1x , multiplicando a última desigualdade por x . Segue que
³ Þ = × ³ × ³ × = \ ³ ³ Û = -y 1 1 y 1 1 1 1 1 1 1 ou x= 1x x x x .
exercício:
Mostre que ì -ïï=íï- £ïî
2 1 se n>0( )
2 se n 0
nf n
n é uma bijeção de ®: f .
Para concluir esta seção, vale destacar as considerações de Ferreira (2010, p.
57) ao mencionar que Cantor rompeu o paradigma grego de que “o todo é sempre
maior do que suas partes próprias”, como vimos também na aula anterior. Cantor
caracterizou conjuntos infinitos que podem ser colocados em bijeção com uma parte
própria sua (FERREIRA, 2010, p. 58).
Nesta aula procedemos com a construção axiomática dos números inteiros.
Na aula seguinte. abordaremos a construção dos números racionais, denotados
por
, ao discutir as inclusões Ì Ì . Os números que, no senso comum,
são interpretados como “pedaços de pizza” ou “partes de um bolo” no contexto
escolar, evidenciam uma acepção superficial que não pode ser suficiente para um
futuro professor de Matemática.
125AULA 5 TÓPICO 3
TÓPICO 3 As dimensões filosóficas dos fundamentos da matemática IIIObjetivO
• Descrever a construção axiomática dos números
racionais
Parece-nos temerário para o futuro professor de Matemática saber
exemplificar os números racionais somente por meio de exemplos
concretos como “pedaços de pizza” ou “pedaços de bolo”.
Assumimos que o professor deve conhecer bem mais do que o estudante e ter
condições de interpretar a teoria formal subjacente a cada situação de ensino. Com
relação a um fato semelhante, destacamos que, no início da construção do conjunto
dos números racionais, Ferreira (2010, p. 61) comenta que:
No Ensino Fundamental, aprendemos que um número racional é a “razão”
ente dois números inteiros. Assim, por exemplo, o número 35
é a “razão” entre
3 e 5. O termo “razão” naquele contexto significa “divisão”. Dessa forma, 35
é o mesmo que 3 : 5 , que tem o mesmo resultado da divisão 6 :10 , o qual se
escreve como 0,6 . No nosso contexto, os termos “razão”, “divisão” e mesmo
“fração” devem ser definidos com base no que já temos, isto é, o conjunto dos
números inteiros e suas propriedades algébricas.
Ferreira (2010, p. 61) observa ainda que em estão definidas apenas as
operações de adição, de multiplicação e a subtração, que é um caso particular da
adição: -a b , que é por definição + -( )a b , onde -b é o simétrico de b. Ferreira
(2010, p. 61) explica ainda que:
126 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica
Poderíamos tentar definir a divisão de modo análogo à definição de subtração,
ou seja, -= × 1:a b a b , onde -1b é o inverso multiplicativo de b, isto é, o
número que multiplicado por b resulta no neutro multiplicativo 1 (do mesmo
que o simétrico de b é o número -b , que somando a b resulta o neutro aditivo
0). O problema é que os únicos elementos inversíveis de são o 1 e o -1 [...]
logo não faz sentido a definição de divisão acima, dentro dos propósitos de
uma definição rigorosa de número racional.
Ferreira (2010, p. 62) destaca ainda que, para se chegar a uma definição
adequada, novamente trabalha-se com o conceito de relação de equivalência, do
mesmo modo que empregamos para definir um número inteiro a partir do conceito de
número natural.
Consideremos o conjunto = Î Î* *: {( , ) tal que a e b } x a b . Definimos
nele a relação ( ) ( )Û =, ~ ,a b c d ad bc . Em seguida temos o seguinte teorema.
TEOREMA
A relação ( ) ( )Û =, ~ ,a b c d ad bc é de equivalência.
Demonstração:Ferreira (2010, p. 62) diz que a prova de que ~ tem as propriedades reflexiva
e simétrica fica como exercício. Quanto à propriedade transitiva, se ( ) ( ), ~ ,a b c d
e ( ) ( ), ~ ,c d e f , então queremos mostrar que ( ) ( ), ~ ,a b e f , isto é, se =ad bc e
=cf de , então =af be . Multiplicando ambos os membros da primeira igualdade
por ‘f’ e da segunda igualdade por ‘b’, obtemos =adf bcf e =bcf bde , onde segue
que =adf bde , cancelando ¹ 0d , obtemos o que queríamos. É por causa deste
último detalhe da demonstração que partimos de * x e não de x (FERREIRA,
2010, p. 62).
Definição
Dado Î *( , ) a b x , denotamos por ab
(que se lê “a sobre b”)
a classe de equivalência do par ( , )a b pela relação ~ acima. Assim,
= Î *{( , ) se (x,y)~(a,b)}
ax y x
b.
TEOREMA (PROPRIEDADE FUNDAMENTAL DAS FRAÇÕES)
Se ( , )a b e ( , )c d são elementos de * x , então = Û =
a cad bc
b d.
Demonstração:Deixaremos a seu cargo, leitor.
127AULA 5 TÓPICO 3
Temos agora um significado preciso para o símbolo de fração ab
. Trata-se de
uma classe de equivalência com respeito à relação de equivalência que acabamos de
introduzir (FERREIRA, 2010, p. 63).
Definição
Denotamos por , e denominamos conjunto dos números racionais,
o conjunto quociente de * x pela relação de equivalência ~ , isto é,
= = Î Î*
*( ) { tal que a e b }~
axb
como no Ensino Fundamental
(FERREIRA, 2010, p. 63). A partir de agora, podemos definir algumas operações
neste conjunto, dotando-o, portanto, de uma estrutura algébrica que estudaremos
posteriormente. No Ensino Fundamental, aprendemos que Ì . É claro que do
nosso ponto de vista atual isso não faz sentido, pois os elementos de são classes
de equivalência de pares inteiros, logo de natureza diferente da dos números inteiros
(FERREIRA, 2010, p. 64).
Ferreira (2010, p. 64) destaca ainda que:
No entanto, veremos que existe uma aplicação injetora de em que
“preserva” as operações aritméticas e, dessa forma, permite que a imagem de
em por essa aplicação seja uma cópia algébrica de em
. Assim, do
ponto de vista da álgebra, poderemos considerar como um subconjunto de
. Note a analogia com a imersão de em .
Definição
Sejam ab
e cd
números racionais, isto é, elementos de . Definimos as
operações chamadas de adição e de multiplicação, respectivamente, por: (*)+
+ =
a c ad bcb d bd
e (**) +=
a c ad bcb d bd
.
TEOREMA
As operações +
e ×
estão bem definidas.
Demonstração:Deixaremos para você, leitor.
TEOREMA
O conjunto
, munido das operações acima, tem as propriedades algébricas
de , onde o elemento neutro aditivo é 01
e o neutro multiplicativo é 11
. Além
128 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica
disso, dado ¹ Î01
ab
, existe Îcd
tal que =11
a cb d
, isto é, todo elemento não
nulo de tem inverso multiplicativo.
Demonstração:Deixaremos para você, leitor.
De modo semelhante ao que fez no conjunto dos números inteiros, Ferreira
(2010, p. 67) define a seguinte relação de ordem em .
Definição
Sejam ab
e cd
números racionais, com >, 0b d . Escrevemos £a cb d
, quando
£ad bc e dizemos que ab
é menor do que ou igual a cd
.
TEOREMA
A relação £ , introduzida acima, está bem definida e é uma relação de ordem
em
.
Demonstração:Deixaremos para você, aluno.
TEOREMA (LEI DA TRICOTOMIA)
Dados Î, r s , um, e apenas uma, das situações seguintes ocorre: ou =r s ,
ou <r s ou <s r .
Demonstração:Escrevendo = = Î e
a cr s
b d, com >, 0b d , vamos comparar os inteiros
ad e bc . Pela Lei da Tricotomia em , ou =ad bc , em cujo caso ocorre =r s , ou
<ad bc , em cujo caso ocorre <r s , ou >ad bc , em cujo caso ocorre <s r . Além
disso, a validade de uma das afirmações exclui a validade das outras.
Em seguida, Ferreira (2010, p. 68) define a função ®: i por =( )1n
i n ,
para todo În . Esta é a função de que falamos anteriormente, que “imerge”
em
. Assim, podemos enunciar o seguinte teorema.
129AULA 5 TÓPICO 3
TEOREMA
A função ®: i , acima definida, é injetora. Além disso, ela preserva as
operações e a relação de ordem de em
no seguinte sentido:
1. + = +( ) ( ) ( )i m n i m i n
2. × = ×( ) ( ) ( )
i m n i m i n
3. se £m n , então £( ) ( )
i m i n .
Demonstração:No item (i) temos que se = Û = Û × = × Û =( ) ( ) 1 1
1 1
m ni m i n n m n m (1-
1). Mostremos que ®: i preserva a estrutura algébrica de
. Do seguinte
modo × + × ++ = + = = = +
×1 1
( ) ( ) ( )1 1 1 1 1
definição definição definiçãon m n m n mi n i m i m n . De modo
semelhante, verificamos as outras condições.
Assim, o conjunto = Î( ) { tal que n }1
ni é uma cópia algébrica de
em
, no sentido de ® Ì: ( ) i i . Essa imersão de em
também mostra que
é infinito, já que contém uma cópia de que é infinito e enumerável.
Antes de demonstramos os teoremas mais importantes que encerram esta seção,
enunciamos o lema.
exercício:Sejam X um subconjunto de um universo U e Î Ì{ }
n nA U
uma família de subconjuntos de U. Mostre que ( ) ( )Î Î=Ç\ \
n n n nX U A X A e ( ) ( )Î ÎÇ =È\ \ n n n nX A X A , lembrando
que Î = Î Î În{ tal que x A , para algum n }
n nU A x U e
ÎÇ = Î Î " În{ tal que x A , n }
n nA x U .
1 :Lema Todo subconjunto infinito de é enumerável.
Demonstração:Seja X um subconjunto infinito de e 0x seu menor elemento, que existe
devido ao Principio da Boa Ordem. Como X é infinito, o conjunto = - ¹Æ0 0{ }Y X x .
Seja agora 1x o menor elemento de 0Y . De modo indutivo, obteremos por meio deste
raciocínio os elementos 0 1 2 3, , , ,....., nx x x x x . Em seguida, obtemos o elemento +1nx
como o menor elemento de = - ¹Æ0 1 2 3{ , , , ,......, }n nY X x x x x x , para todo În .
Caso contrário, o conjunto X seria finito. Afirmamos agora que:
= Î= = È È È =È0 1 2 3 0 0 1 0 1 2{ , , , ,......, ,.....,....} { } { , } { , , } .....n n nX x x x x x x x x x x x A
onde = 0 1 2 3{ , , , ,......, }n nA x x x x x . De fato, pelo exercício anterior, podemos
escrever que ( ) ( ) ( )Î Î Î=Ç =Ç\ \ n n n n n nX U A X A Y . Assim, se existisse mais
algum ( )ÎÎ -n nx X U A , tal que ( )ÎÎ Ç[ ]
n nx Y , e como tal, deveria ser maior do
que 0x , com mesma razão, deve ser maior do que 1x , por estar em 1Y , e, assim,
130 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica
sucessivamente. Deste modo, x deveria ser maior do que nx , para todo În
. Nesse sentido, o conjunto infinito = Ì0 1 2 3{ , , , ,......, ,.....,....}n xX x x x x x I , onde
={1,2,3,......, }xI x e seria, portanto, finito, uma contradição.
No que segue, Ferreira (2010, p. 70) aplica o Teorema Fundamental da
Aritmética. Seu enunciado intuitivo, segundo Ferreira, pode ser descrito por: todo
número natural maior do que 1 pode ser expresso como produto de números primos.
Além disso, essa fatoração é única, a menor da ordem dos fatores.
2 :Lema Todo número racional positivo ab
, ( >, 0a b ), pode ser escrito, de
modo único, como uma fração irredutível, isto é, na forma mn
, onde m e n são
relativamente primos entre si, isto é, não possuem fatores primos em comum.
Demonstração:Deixaremos como tarefa para você, leitor.
ProPosição:
+*
é enumerável.
Demonstração:Consideremos os números racionais escritos na forma irredutível, dada pelo
lema anterior. Seja + ®*: f dada por æ ö÷ç = ×÷ç ÷çè ø
2 3m nmf
n. O teorema Fundamental
da Aritmética e a unicidade da representação de frações na forma irredutível, dada
pela proposição acima, mostram que f é 1-1 e tem como imagem um subconjunto
infinito de , que é, enumerável.
TEOREMA
é enumerável.
Demonstração:Basta escrever - += È È* *{0} .
Para concluir com algumas propriedades a mais do conjunto
, sublinhamos
que este conjunto está munido das duas operações, adição e multiplicação, estudadas
acima (FERREIRA, 2010, p. 72). Pode-se definir a partir destas operações, mais
duas a subtração e a divisão, simbolizadas por “-” e “¸ ”, respectivamente, da
seguinte forma: se Î, r s , define-se - = + -( )r s r s como em
e, se ¹ 0s , -¸ = × 1r s r s . Ferreira (2010, p. 72) destaca que, estritamente falando, a divisão
não seria em
, uma vez que seu domínio não é x e sim *
x . Por fim, Ferreira
(2010, p. 73) sugere o interessante exercício.
131AULA 5 TÓPICO 3
exercício:Mostre que
não é bem ordenado, isto é, existem em
subconjuntos não
vazios, limitados inferiormente que não possuem elemento mínimo.
Apesar de não ser bem ordenado como e
,
possui todas as
propriedades aritméticas de , além da propriedade de que todo elemento não
nulo possui inverso. Na linguagem algébrica, qualquer conjunto munido de duas
operações, + e × , com propriedades aritméticas análogas às de
chama-se de
corpo. Se, além disso, um corpo estiver munido de uma relação de ordem compatível
com suas operações aritméticas, ele é chamado de corpo ordenado. Assim, é um
exemplo de corpo ordenado (FERREIRA, 2010, p. 73).
Na próxima aula, estudaremos a construção axiomática dos números reais.
Se, até este momento, o leitor não captou a “essência” de tudo o que está sendo
estabelecido, ou melhor dizendo, não compreendeu a dimensão filosófica do
que foi discutido, aconselhamos uma releitura do todo o trecho anterior em que
descrevemos a construção dos racionais. Em termos práticos do ofício, achamos
comprometedor um egresso de um curso de graduação em Matemática desconhecer
a “natureza” e não saber dizer o que de fato é um número natural, um inteiro ou
um número racional. Nem muito menos compreender as razões de sua existência.
Retomaremos estas questões preocupantes na última aula.
E antes de concluir esta seção, cabe reforçar algumas argumentações e pontos
de vista assumidos desde o início do curso. O primeiro diz respeito à importância,
para quem tenciona ser professor de Matemática, de conhecer, compreender e
transmitir a natureza dos objetos com os quais lida. Sublinhamos bem no início
do curso a situação lastimável em que encontramos pessoas que concebem a
Matemática como a “ciências dos números”.
Parafraseando Platão, estas pessoas possuem, em nosso entendimento, um
“espírito pesado” para a Matemática, pois a Matemática é bem mais do que isso.
De fato, vimos nas aulas passadas situações em que a existência de um certo objeto
é a priori admitida e, a partir da força de uma teoria axiomática desenvolvida e um
formalismo adequado, não se chega a outra conclusão diferente da real existência
daquele objeto.
A história da Matemática é marcada por eventos dessa natureza. Situações
nas quais nem mesmo os matemáticos profissionais sabiam ao certo com que
lidavam, mas admitiam e aceitavam sua existência com a intenção de extrair alguma
propriedade logicamente aceitável. Ora, isto é Filosofia da Matemática pura!
Destacamos o excerto abaixo creditado ao grande matemático Morris Kline.
Em suas palavras, observamos alguns conselhos e cuidados no que diz respeito ao
formalismo excessivo no ambiente escolar ao declarar que:
132 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica
As origens históricas dos conceitos e processos matemáticos não têm
naturalmente necessidade de ser a abordagem pedagógica. Contudo, uma
objeção válida à criação de novos conceitos e operações através dos mais
antigos é a falta de sentido do que é apresentado. Por exemplo, para introduzir
números negativos, alguns textos modernos perguntam, “Qual o número que
somado a 2 dá 0? Eles então apresentam – 2 como o número que se requer.
Como o dizem alguns textos, 2 é o único inverso aditivo para 2. Mas esta
introdução de -2 não dá a compreensão que a declaração, “Antimatéria
é aquela substância que adicionada à matéria produz vácuo”, dá qualquer
compreensão da antimatéria. Ao criar matemática por meio das questões
matemáticas e estender a novos domínios, leis ou axiomas que prevalecem
nos estabelecidos anteriormente, a matemática isola-se de todos os outros
corpos do conhecimento. Ela existe pelo que representa e é presumivelmente
auto-suficiente. Parece então que, por acaso, as estruturas dedutivas assim
construídas se ajustam [...] (KLINE, 1976, p. 99).
Note-se, porém, que este formalismo e artificialismo, condenado por Kline,
não pode ser de completo desconhecimento do professor, afinal, é impossível
conceber uma abordagem intuitiva para um conceito matemático se desconhecemos
de modo consistente seu comportamento e natureza dentro da teoria formal a qual
pertence.
Espera-se, assim, do professor de Matemática, encerradas estas aulas, saber
declarar, de fato, do que se trata e qual a natureza de um número natural, inteiro
ou racional. Compreender que as inclusões Ì Ì tratam-se de “criações
pedagógicas” que podem tornar menos tortuosos o entendimento dos pequenos,
todavia, formalmente falando, o professor sabe que isto está equivocado, como
explica Ferreira (2010).
Para finalizar, antecipando um pouco de nosso próximo assunto, que
proporcionará escrever Ì Ì Ì , destacamos que existem várias formas
de construir os números reais. Um dos métodos possíveis é caracterizado por
sequências de Cauchy de números racionais (o completamento de
), descrito por
Aragona (2010). A vantagem deste método, segundo o autor, é que ele nos leva de
forma rápida e natural à representação decimal dos números reais que foi a forma
em que estes números foram conhecidos durante muito tempo antes de ter sua teoria
devidamente estruturada (ARAGONA, 2010, p. 39).
Por outro lado, em termos de economia, optamos pela construção do campo
do reais desenvolvida por Ferreira (2010). O autor emprega a noção de cortes de
Dedekind. Com respeito ao contexto escolar de introdução do conjunto dos reais
, Ferreira (2010, p. 78) comenta em tom de crítica:
133AULA 5 TÓPICO 3
No Ensino Fundamental, os números reais são geralmente introduzidos de
uma maneira um tanto empírica e seu estudo não costuma ir além de algumas
operações algébricas elementares. Basicamente, o que diz-se nesse nível sobre
os números reais é o seguinte: admite-se que a cada ponto de uma reta está
associado um número real. Há pontos que não correspondem a números
racionais (o que é fácil verificar usando a diagonal do quadrado de lado 1). A
esses pontos sem abcissa racional correspondem os números irracionais. Outra
forma de introduzi-los é a seguinte: admite-se ou, em alguns casos, demonstra-
se que a representação decimal de números racionais é periódica. Conclui-se
por definir número irracional como sendo aqueles (cuja existência é admitida)
que possuem representação decimal não periódica. Ao conjunto constituído
pelos racionais e irracionais dá-se o nome de conjunto dos números reais. Note
que, em ambas as abordagens, somos conduzidos a admitir a existência de
números não racionais: no primeiro caso, para dotar todo ponto da reta de uma
abcissa e, no segundo caso, para conceber qualquer desenvolvimento decimal
como número (no caso, os não periódicos). Em ambos os casos, no entanto,
raramente se toca na natureza destes novos números [...].
Concluímos ressaltando que tencionamos descrever nesta aula a construção
dos conjuntos numéricos. Como comentamos no início da aula, julgamos
comprometedor um professor tentar ensinar um conceito sem mesmo compreendê-
lo, nem saber dizer do que trata a natureza desse conceito. Foi com esta intenção
que descrevemos as construções dos conjuntos anteriores. Nas aulas seguintes
iniciaremos a longa construção axiomática dos números reais e números complexos.
134 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica
Nesta última aula, discutiremos alguns aspectos formais a respeito dos números
reais e dos números complexos. Lima (2004) critica de modo veemente a forma pela
qual são introduzidos tais conceitos no ensino escolar. Além de serem introduzidos
de forma indevida e de modo equivocado, na medida em que não se conhece sua
natureza em essência, dificilmente o professor percebe tais problemas, uma vez
que nem sempre na graduação se dá a ênfase devida a esses conceitos. Com
a reflexão que propomos nesta aula, buscamos, assim, evitar esse problema no
âmbito da formação do futuro professor.
Objetivos
• Descrever a construção axiomática dos números reais• Descrever a construção axiomática dos números complexos
AULA 6 A construção dos números reais, complexos e considerações finais
135AULA 6 TÓPICO 1
TÓPICO 1 As dimensões filosóficas dos fundamentos da matemática IIIObjetivO
• Descrever a construção axiomática dos números
reais
Nesta aula abordaremos construção axiomática dos números reais.
Vale sempre destacar a importância de o futuro professor conhecer
e compreender, formalmente falando, a natureza de um número
real. Desse modo, sublinhamos as considerações de Ferreira (2010, p. 77):
O conceito de número real é um dos mais profundos da matemática
e, [...], remonta aos gregos da escola pitagórica, com a descoberta da
incomensurabilidade entre o lado e a diagonal de um quadrado. A construção
desse conceito passou por Eudoxo (século IV a.C.), com sua teoria das
proporções, registrada nos Elementos de Euclides, e só foi concretizada no
século XIX, [...]. Os matemáticos alemães, Cantor e Dedekind, construíram os
números reais a partir dos racionais por métodos diferentes, respectivamente
conhecidos por Classes de Equivalências de Sequências de Cauchy e por Cortes
de Dedekind. O último, [...], inspirou-se na Teoria das Proporções de Eudoxo.
Antes de apresentarmos de modo axiomático a construção dessas novas
entidades conceituais, que desde a escola chamamos de números reais e com essa
denominação nos acostumamos, sem muitos questionamentos, recordamos que se
conta que, no templo de Apolo, situado na ilha de Delos na Grécia, existia um altar
com forma geométrica de uma figura que hoje é conhecida como cubo. Havendo
uma peste em Atenas, um habitante da cidade, em busca de auxílio divino, dirigiu-
se a Delos para consultá-lo sobre o extermínio da peste. A divindade respondeu
que, se fosse construído um altar no templo de Apolo cujo volume medisse o dobro
do existente, mantendo-se a mesma forma, a peste seria eliminada.
Em termos matemáticos, isto equivale a fornecer um cubo de aresta ‘a’;
construir um cubo de aresta ‘x’, cujo volume seja o dobro do volume conhecido, que
136 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica
denotamos modernamente pela equação =3 32x a . De modo particular, tomamos
= \ =31 2a x . Este problema antigo não foi resolvido, uma vez que não existe em
tal solução para =3 2x , sem falar no fato de os gregos não disporem ainda de
um conjunto mais ‘completo’ do que este.
Este fato envolvendo um problema antigo explica que o corpo
foi
‘completado’ e obteve-se um conjunto maior, que modernamente chamamos de
corpo dos reais (denotado por ), no qual a equação possui solução. Esse problema
foi resolvido de modo consistente com a introdução dos números irracionais por
Richard Dedekind (1831-1916). De fato, a partir da equação obtida no mesmo
problema, apenas no plano, obtemos =2 2x e, a partir dos elementos de História
da Matemática, verifica-se que não existe Îq que satisfaz =2 2q .
Assim, uma possibilidade é o estudo das aproximações racionais para a
equação =2 2x . Introduzimos a seguinte noção: denomina-se raiz quadrada
de 2, a menos de uma unidade, por falta, o maior número inteiro În tal
que ( )< < + 22 2 1n n . Assim, diz-se que o número +1n é denominado de raiz
quadrada de ‘2’ a menos de uma unidade por excesso. No caso inicial, para =1n ,
que implica que a solução de =2 2x satisfaz < <1 2x . A seguir, realizamos as
aproximações decimais da solução desta raiz que se encontra entre 1 e 2.
Denomina-se raiz quadrada de 2 a menos de 110
por falta, ao maior
número inteiro de décimos cujo quadrado é menor do que 2. Isto equivale a
æ ö æ ö+÷ ÷ç ç< <÷ ÷ç ç÷ ÷ç çè ø è ø
2 212
10 10n n . Reparamos agora que o número +1
10n é a raiz quadrada de
2, por excesso e por menos de um décimo. Para proceder ao cálculo desta outra
aproximação, toma-se o intervalo [1,2] e divide-se em dez partes iguais por meio
dos pontos: 1; 1,1; 1,2; 1,3; 1,4; 1,5; 1,6; 1,7; 1,8; 1,9; 2. Usando a inequação
anterior, obtemos ( ) ( )< <2 21,4 2 1,5 . Deste modo, 1,4 é a solução aproximada de
=2 2x a menos de 110
por falta e 1,5 por excesso. Logo, a solução ‘x’ desta equação
se encontra no segmento [1,4;1,5] .
Para a obtenção de soluções aproximadas de =2 2x a menos de 1100
, por
falta e por excesso, divide-se este segmento em dez partes iguais descritas por:
1,4; 1,41; 1,42; 1,43; 1,44; 1,45; 1,46; 1,47; 1,48; 1,49; 1,5. De modo semelhante ao
caso anterior, podemos obter que ( ) ( )< <2 21,41 2 1,42 , que representa a solução
da equação =2 2x , a menos de 1100
por falta e 1,42 por excesso. Logo a solução
encontra-se no intervalo de extremos [1,41;1,42] . A ideia agora a repetir, por meio
do raciocínio indutivo, o processo, e as soluções serão aproximadas a menos de:
3 4 5 6
1 1 1 1 1, , , , ,....,
10 10 10 10 10n.
137AULA 6 TÓPICO 1
Em seguida, construímos as classes de aproximações F, por falta, e por
excesso E das soluções de =2 2x , ao tomarmos: =: {1;1,4;1,41;1,414;1,4142;....}F
e =: {2;1,5;1,42;1,415;1,4143;....}E . Mais adiante, passamos a observar que os
quadrados dos números de F são menores do que 2 e os de E são maiores. Ademais,
percebemos que, de um modo geral, os números de F são da forma 1 2 31 .... na a a a e
os de E são da forma +1 2 31 ....( 1)..na a a a , sendo ia um algarismo de 0 a 9. Tem-se,
portanto: < < +1 2 3 1 2 31 .... 1 ....( 1)....n na a a a x a a a a .
Representaremos agora por nx os elementos de F e ny os elementos de E.Dessa
forma: - = >n
1 , y para n=1,2,3,...
10n n nny x x . De modo resumido enunciamos a
proposição.
Proposição: Não existe elemento máximo em F e não existe elemento mínimo em E.
Finalmente, por meio da construção das classes E e F, como vimos acima, e
de suas propriedades, é possível definir a solução que buscamos para a equação
=2 2x , fato que foi investigado profundamente por Dedekind. Precisamos da
seguinte definição.
Definição: Um conjunto ÌA é dito um elemento máximo Îa A (resp. mínimo),
quando ³ " Î , x Aa x
Exemplo:Observamos que o elemento mínimo do conjunto =A é o número ‘0’. Por
outro lado, o conjunto = Î{ | 0<x<1}A x não tem elemento mínimo, pelo fato
de que, para todo Îx , temos \x
0<x<1 0< <x<12
.
Definição: Dizemos que ‘a’ é uma cota superior para um conjunto A quando
³ " Î , x Aa x . Por exemplo, todo número racional Îa , tal que >1a é cota
superior para o conjunto = Î{ | 0<x<1}A x . De modo semelhante, definimos a cota
inferior para um conjunto ÌA .
A partir destas definições, dizemos que, se um conjunto não vazio ÌA de
todas as cotas superiores possui um elemento mínimo, é chamado de supremo de A
e denotamos por ( ).Sup A De modo análogo, se um conjunto não vazio ÌA de
todas as cotas inferiores possui um elemento máximo, é chamado de ínfimo de A e
denotamos por ( )Inf A .
Vejamos então uma definição importante a seguir.
138 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica
Definição: Um conjunto a de números racionais diz-se um corte se satisfizer as
seguintes condições:
i) ƹ ¹a ;
ii) se Îr a e < Î (s )s r , então Îs a ;
iii) para cada Îa a , existe Îc a tal que <a c (em a não existe elemento máximo).
De modo equivalente, podemos definir também que:
i’) ƹ ¹a ;
ii’) se Îa a , então para todo Îb tal que ³b a , deveremos ter Îb a .
iii’) para cada Îa a racional, existe Îc a tal que <c a (não existe elemento
mínimo).
A ideia geométrica do conjunto acima que chamamos de corte de Dedekind
é a de “cortar” a reta em duas semirretas. Destacamos que “cortar” significa
decompor
em dois conjuntos e A a , tais que = È A a e = Ç =Æ A a . E
se Î Î e ar A a , então <r a .
Por exemplo, o conjunto { }= Î >2| x>0 e x 2xa . De fato, vemos que
Ï0 a e { }Î = Î > ¹Æ22 | x>0 e x 2xa , satisfazendo (i). Por outro lado, se
{ }Î = Î >2| x>0 e x 2a xa e ³ > \ > > ® >2 2 20 2 2b a b a b , ou seja,
Îb a que satisfaz (ii). Finalmente, se Îa a , com =p
aq
, então notamos que
> 0pq
e æ ö÷ç ÷ = > « - >ç ÷ç ÷çè ø
2 22 2
22 ( 2 ) 2
p pp q
q q, assim, escrevemos - = ³2 22 1p q m .
Por outro lado, notamos que ×< =
× +1
n p pa
n q q, para todo În . De
fato, basta observar que × ×< < = =
× + ×0
1
n p n p pa
n q n q q. Assim, precisamos
mostrar que não existe elemento mínimo, mas tomando = 8n q , obtemos ×
=× +
8:
8 1
q pc
q q, observando que
( )×
= >+
2 22
22
642
8 1
q pc
q. De fato, vemos que:
- > + « - > + «2 2 2 2 2 22
1 1( 2 ) 32 ( 2 ) 1 16
32 2p q q p q q
q
32 64 16 1 32 64 16 1
32
8 11
6
2 2 4 2 2 2 4 2
2 2
2 2
q p q q q p q q
q p
q
⋅ − − > ↔ ⋅ > + +
⋅
+( )> ↔
44
8 12
2 2
2 2
q p
q
⋅
+( )>
Vejamos alguns exemplos concretos.
a) O conjunto { }= Î3
| x<5
xa é um corte. De fato, notamos que tomando
Î25
e <2 35 5
, assim, vale o item (i). No caso do item (ii), considerando = Î25
r a ,
139AULA 6 TÓPICO 1
notamos que, se Îs e <25
s , então, < \ Î35
s s a . Para verificar que o conjunto
{ }= Î3
| x<5
xa não admite elemento máximo.
b) O conjunto { }= Î3
| x>5
xa não é um corte. Deixamos como exercício.
c) O conjunto { }= Î ³| x 0xa não é um corte. De fato, vemos
que Î ¹Æ0 a satisfaz (i). Ademais, se { }Î = Î ³| x 0a xa , para todo
³ ³ \ ³0 0b a b , assim, Îb a e vale (ii’). Por outro lado, notamos que não vale
(iii’) se = 0a ; não podemos obter um elemento Îc a tal que < 0c .
e) O conjunto { }= Î - £8
| 3 x<5
xa não é um corte. Deixamos como
exercício.
f) O conjunto { }= Î -| x< 1xa não é um corte.
De fato, apesar de { }- Î = Î - ¹Æ2 | x< 1xa (vale i), verificamos que se
Îr a e < <-1s r , com Îs , então <-1s .
g) O conjunto { }= Î | x<0xa é um corte.
De fato, observamos que - Î ¹Æ1 a (i) e que, se Îr a e < Î (s )s r ,
temos < 0r , com = < < \ <0 0p
s r sq
(ii). Por fim, notamos que, para todo Îr a ,
temos +
< = <0
02 2
r rr , com Î
2r
a (iii).
h) O conjunto { }= Î ³ <2| x<0 ou (x 0 e x 2xa é um corte.
De fato, notamos que =- <1 0x e - = <2( 1) 1 2 , portanto,
para £ 0x , - Î ¹Æ1 a . Vamos verificar a condição (ii) tomando
{ }Î = Î £ <2| x>0 ou para x 0 e x 2r xa . Temos dois casos a considerar, se
£ 0r e Îs , com <s r , logo < 0s e Îs a .
No caso em que > 0r e <2 2r com < Î (s )s r , temos as possibilidades:
< <0s r ou < <0 s r . Mas se < 0s , temos que Îs a . No segundo caso, se
< < « < < < \ <2 2 20 0 2 2s r s r s , assim, s também pertence ao conjunto
{ }= Î ³ <2| x<0 ou (x 0 e x 2xa .
Na condição (iii), se { }Î = Î ³ <2| x<0 ou (x 0 e x 2r xa , podemos
ter < 0r , neste caso, tomamos =1s , com <r s e <2 2s . No outro caso,
quando > <20 e r 2r , vamos tomar - >2 h=2 0r então, temos 2+h=2r e
- <2 0<h=2 2r consideramos o caso de > <20 e r 2r . Para tanto, consideramos
o elemento = +5h
rg . Segue que æ ö÷ç= + = + +÷ç ÷çè ø
2 22 2 2
5 5 25h rh h
r rg . Notamos,
todavia que < \ < ×2 2 2 2r rh h e observe que < < ® < <20 2 0 2h h h , logo
= + + < + + < + < + =2 2
2 2 2 22 4 222
5 25 5 25 5rh h h h h
r r r x hg . Consequentemente,
obtivemos um elemento > < Î20 e 2 ( ) e >xg g g a g , que é um corte.
140 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica
Proposição:
Seja a um corte, Îp a e Ïq a . Então, >q p .
Demonstração:Vamos negar a propriedade desejada acima, ou seja, supor que £q p . Como
admitimos que a é um corte, já temos de graça a condição (i). Por outro lado, se
£q p , onde Îp a e Îq , então, pelo item (ii) da definição, deveríamos ter que
Îq a , o que implica uma contradição. Assim, necessariamente, temos >q p .
Observamos que a negação da propriedade fornecida por esta proposição
pode ser útil, assim, caso tenhamos um corte a , com Îp a e se £q p ,
necessariamente, obtemos que Îq a , que é basicamente a condição (iii).
Proposição:
Se Îr e { }= Î | x<rxa , então a é um corte e r é a menor cota superior de a .
Demonstração:Vejamos que o conjunto { }= Î | x<rxa é um corte. De fato, notamos que
{ }= Î Ì| x<r xa , mas ¹a , pois o conjunto dos racionais é ilimitado. Por
outro lado, { }= Î ¹Æ| x<rxa , dado Îr , podemos sempre encontrar um
número Îx , de modo que <x r .
Para verificar (iii), basta observar que, se tivermos um elemento qualquer Îs a , então sempre podemos tomar a média aritmética de dois racionais
+< <
2s r
s r , e como Îr e +Î
2
s r , vemos que o elemento cumpre a condição
+<
2s r
r , logo +Î
2s r
a . Assim, sempre conseguimos obter um valor maior do
que Îs a , de modo que +Î
2s r
a , ou seja, Îs a não é elemento máximo. Ferreira
(2010, p. 80) sublinha que ‘ r ’ é a menor cota superior. De fato, supomos que exista
outra cota superior 'r de { }= Î | x<rxa , menor do que ‘ r ’, ou seja, <'r r .
Os cortes do tipo da proposição anterior são denominados cortes racionais e
se representam por *r . Os cortes que não possuem cota superior mínima não são
racionais.
Pode-se verificar que todo corte que possui cota superior mínima é racional.
Mostraremos que existem cortes que não possuem cota superior mínima, logo não
são racionais.
Demonstração:Verificaremos o item (i). De fato, de imediato temos ƹa , pois - ¹Æ*
e
{ }+ -Ï = Î È2 *0 | x <2 xa , logo ¹a . Para o item (ii), desejamos verificar
141AULA 6 TÓPICO 1
que se { }+ -Î = Î È2 *| x <2 r xa , e tomando qualquer Îs , de modo que
<s r .
Teorema
Seja { }+ -= Î È2 *| x <2 xa . Então a é um corte que não é racional.
Deixamos as condições (i) e (ii) para discutir mais adiante. Quanto à condição
(iii), devemos provar que, se Îx a , então existe Îy a , com >y x (não admite
elemento máximo). Isso é óbvio se £ 0x . Mas vamos supor que > 0x , com <2 2x .
Para encontrarmos um elemento ‘y’ nas condições acima, tomaremos +Î *h tal que
( )+ <2 2x h e pôr = +y x h . Vamos trabalhar com a condição ( )+ × + <2 22 2x h x h
e reparamos que poderíamos resolver tal inequação.
Por outro lado, não perdemos a generalidade admitindo que <1h , assim,
obteremos ( ) ( )<
+ × + < + × +2 2 2
12 2
hx h x h x h x h e esta expressão fica menor do que
2 se tomarmos:
< 2-
+ × + < « × + < - « + < - « <+
22 2 2 2
2 2 2 2 (2 1) 2(2 1)
xx h x h h x h x h x x h
x.
Desde que esta expressão -+
22(2 1)
xx
seja positiva, tomaremos -
<+
22min{1, }
(2 1)x
hx
,
com +Îh e = +y x h , e obteremos = + < \ Î2 2( ) 2 e y>xy x h y a . É um corte.
Notação:
Denotaremos por  o conjunto de todos os cortes, ou seja,  =: { | é um corte}a a .
Na sequência, veremos que se podem definir duas operações em  ,
denotadas por “+” e “×”, e uma relação de ordem.
Proposição:
Sejam ÎÂ,a b . Dizemos que a é menor do que b e escrevemos <a b quando
¹Æ\b a .
Ferreira (2010, p. 82) comenta os seguintes exemplos:
a) æ ö÷ç> ÷ç ÷çè ø
** 3
45
, pois æ ö÷çÎ ÷ç ÷çè ø
** 3
2 4 \5
. De fato, reparamos que
æ ö÷çÎ = Î÷ç ÷çè ø
** 3 3
4 :={x | x<4} e : {x | x< }5 5
e que <2 4 , todavia, >3
25
.
b) ( )> **1 0 , pois Î * *11 \ 0
2. Verifique!
142 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica
c) ( ) ( )- <* *3 0 , pois ( )- Î - **1 0 \ 3 .Notamos que - Î = Î*1 0 { | x<0}x e
( )- Ï - = Î -*1 3 { | x< 3}x .
Definição
Se ÎÂa e > *0a , a chama-se corte positivo. Se > *0a , a é dito corte negativo. Se
³ *0a , a se chama corte não negativo e se £ *0a , a se chama corte não positivo.
Teorema (tricotomia)
Para ÎÂ,a b , uma e apenas umas das possibilidades ocorre, =a b ou <a b ou
>a b .
Demonstração:Deixamos como tarefa para você, leitor.
Lema:
Sejam ÎÂ,a b , então:
i) se <a b Û Ìa b e ¹a b ;
ii) £ Û Ìa a a b .
Demonstração:Deixamos como tarefa para você, leitor.
Teorema
A relação ‘£ ’ é uma relação de equivalência em  .
Demonstração:Deixamos como tarefa para você, leitor.
Teorema
Sejam ÎÂ,a b . Se = + Î Î: { | r e s }r sg a b , então ÎÂg .
Demonstração:Mostraremos que o conjunto acima satisfaz as três condições de corte.
Notamos que estamos admitindo que ¹Æ,a b , portanto ¹Æg . Sejam
Î - Î - e y t a b , e observamos que, por definição, > " Î , rt r a e
> " Î , su s b . Assim, obtivemos + > + " Î " Î , r e st u r s a b , ou seja, + Ït u g ,
logo ¹g .
143AULA 6 TÓPICO 1
Na condição (ii), notamos que, se Î e s<rr g , com Îs , mostraremos
que Îs g . Notamos que ‘r’ é do tipo +p q , com Î Î e qp a b . Daí, s<p+q e
escrevemos = + 's p q , onde <'q q , e, portanto, Î'q b . Conclui-se que Îs g .
Para verificar a condição (iii), precisamos mostrar que o conjunto não possui
elemento máximo, ou seja, se Îr g , existe Îs g tal que >s r . Pelo fato de que
Îr g , escrevemos = + Î Î, com p e qr p q a b , que por sua vez são cortes. Assim,
existe Î Î' , com p'>p e q' , com q'>qp a b , portanto tomamos = + Î's p q g , que
é maior do que r.
Definição
Para ÎÂ,a b , definimos +a b como sendo o corte do teorema anterior, ou seja,
+ = + Î Î: { | r e s }r sa b a b .
Teorema
A adição de cortes em  é comutativa, associativa, e possui elemento *0 como neutro.
Demonstração:Com a comutatividade descrita por + = +a b b a , reparamos que, se
Î +r a b , podemos escrever = +r p q , e pela comutatividade da soma de números
racionais, escrevemos = + = + Î +r p q q p b a . Portanto, + Ì +a b b a , e, de
modo semelhante, verificamos que + É +a b b a .
A associatividade é descrita por + + = + +( ) ( )a b g a b g .
lema:Sejam ÎÂa e +Î *
r , então o conjunto + × Î{ | m }s m r não é limitado
superiormente em
.
Demonstração:Deixamos a seu cargo, leitor.
Ferreira (2010, p. 85) apresenta o seguinte lema.
lema:Sejam ÎÂa e +Î *
r , então existem números racionais p e q tais que
Îp a , Ïq a , q não é cota superior mínima de a e - =q p r .
144 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica
Demonstração:Vamos tomar um elemento qualquer Îs a e consideremos a sequência
+ + + + +, , 2 , 3 , 4 ,......,s s r s r s r s r s nr . Notamos que essa sequência não é
limitada superiormente, e a é limitado superiormente e Îs a , então existe um
único inteiro ³ 0m tal que + Îs mr a e + + Ï( 1)s m r a .
Se + +( 1)s m r não for cota superior mínima de a , tome = +p s mr
e = + +( 1)q s m r . Se + +( 1)s m r for cota superior mínima de a , tome
= + +2r
p s mr e = + +( 1)q s m r .
Definição
Seja ÎÂa . Existe um único ÎÂb tal que + = *0a b . Como no caso dos inteiros e
racionais, tal elemento b denota-se por -a e se chama simétrico (ou inverso aditivo) de
a .
Demonstração:Ferreira (2010, p. 86) supõe a condição em que se tem + = + = *
1 2 0a b a b . Na
sequência, escreve = + = + + = + + = + =* *2 2 2 1 2 1 1 10 ( ) ( ) 0
associatividade
b b b a b b a b b b .
Por outro lado, a demonstração da existência do simétrico depende, no entanto, da
situação considerada (FERREIRA, 2010, p. 86).
Ferreira (2010, p. 86) fornece a ideia de como construir o elemento simétrico,
considerando, inicialmente, um caso particular de = *3a . É de se esperar que
o simétrico seja - *( 3) . Temos: = = Î - = Î -* *3 { | r<3}, ( 3) { | s< 3} r sa .
E ainda que - = + Î Î Î -* * * *3 + ( 3) { | 3 s ( 3) }r s r . Necessitamos verificar que
- Ì* * *3 + ( 3) 0 e vice-versa.
Seja Î -* *3 + ( 3)t , então = +t r s , onde <3r e <-3s . Logo,
= + < + - =3 ( 3) 0t r s e portanto < 0t e Î *0t . Seja agora Î *0t , ou seja, < 0t .
Para fixar as ideias tomemos =-2t e como expressar o -2 como uma soma +r s
com <3r e <-3s ? (FERREIRA, 2010, p. 86).
Reparamos que, pelo lema anterior, existem Î Ï -* *3 e r' ( 3)r , com
¹ *' 3 (=cota superior mínima de 3 )r , tais que - =' 2r r ou ainda - = + -2 ( ')r r ,
como >' 3r , então - <-' 3r , ou seja, - Î - *' ( 3)r . Tentaremos utilizar as ideias
desse caso particular no caso geral (FERREIRA, 2010, p. 86).
Dado ÎÂa , o candidato ao caso -a é o conjunto obtido
pelos negativos dos elementos que estão fora de a , com exceção
da eventual cota superior mínima de a . Mais precisamente, seja
= Î - Ï -{ | e não é cota superior mínima de }p p pb a a . Observamos que
- = Î - Ï - -* * * ( 3) { | 3 3 e não é cota superior mínima de ( 3) }p p .
145AULA 6 TÓPICO 1
Ferreira (2010, p. 86) sublinha que, no caso geral, não temos necessariamente
cortes racionais e, então, o símbolo - *( )a pode não fazer sentido. Mostremos que
b é um corte e que + = *0a b . Como de costume, precisamos verificar as três
condições. As condições (i) e (ii) deixaremos como atividades e verificaremos a
condição (iii).
Com esta intenção, Ferreira (2010, p. 87) toma Îr b . Queremos mostrar
que podemos encontrar >s r em b . Como -r é cota superior de a , mas não
é mínima, logo existe Ît , com - <-t r , tal que -t é cota superior de a e,
portanto, - Ït a . Seja então +
=2
r ts . Temos - <- <-t s r , de modo que -s é
cota superior de a . Em seguida, o autor verifica que vale a propriedade + = *0a b .
Definição
Como nos casos de e , definimos a subtração em  por
- = + - " ÎÂ( ) , ,a b a b a b .
Teorema(compatibilidade da relação de ordem com a adição)
Sejam ÎÂ, ,a b g tais que £a b . Então + £ +a g b g .
Demonstração:Deixamos como tarefa para você, leitor.
Ferreira (2010, p. 87) define uma multiplicação em  , seguindo os mesmos
passos realizados na definição da adição e de suas propriedades. Nota-se que o
tratamento da multiplicação em  seja tecnicamente um pouco mais complicada, o
mesmo autor segue o tratamento e as demonstrações para o caso da adição. Ferreira
repara, todavia, que alguns ajustes são necessários para uma definição precisa da
multiplicação. Para tanto, enuncia o teorema.
Teorema
Para ÎÂ, ,a b g , com ³ ³* *0 e 0a b ,
seja -= È Î Î Î ³ ³*: { | r=pq , com p , q , p 0 e q 0} rg a b .
Demonstração:Deixamos como tarefa para você, leitor.
146 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica
Definição
Dado ÎÂa , definimos o valor absoluto de a ( ou o módulo de a ), representado
por a , do seguinte modo ìï ³ï=íï- £ïî
*
*
se 0
se 0
a aa
a a.
Definição
Sejam ÎÂ, ,a b g , definimos:
( )( )
ìï- > < < >ïïïï= < < > >íïïï = =ïïî
* * * *
* * * *
* *
se 0 e 0 ou 0 e 0
se 0 , 0 ou 0 e 0
0 se 0 e 0
a b a b a b
ab a b a b a b
a b
Teorema
A multiplicação de cortes é comutativa, associativa, tem *1 como elemento neutro e se
ÎÂ, ,a b g , vale:
i) + = +( )a b g ab ag
ii) × =* *0 0a
iii) = *0ab se, e somente se, = *0a ou = *0b
iv) se ³ ³ * e 0a b g , então £ag bg
v) se ³ < * e 0a b g , então ³ag bg
vi) se ¹ *0a em  , então existe um único ÎÂb tal que = *1ab . Tal corte chama-se
de inverso de a e denota-se por -1a .
Teorema (regra dos sinais)
Sejam ÎÂ,a b , então valem as propriedades
a) ( ) ( ) ( )- × = × - =- ×a b a b a b .
b) ( ) ( ) ( )- × - = ×a b a b .
Demonstração:Deixamos como tarefa para você, leitor.
Proposição:
Seja ÎÂa , temos que Îr a se, e somente se, <*r a .
147AULA 6 TÓPICO 1
Demonstração:Deixamos como tarefa para você, leitor.
Proposição:
Sejam ÎÂ,a b e <a b , então existe um corte racional *r tal que < <*ra b .
Demonstração:Deixamos a seu cargo, leitor.
Ferreira (2010, p. 90) comenta que o conjunto  munido de duas operações
é uma relação de ordem obedecendo às mesmas leis aritméticas dos racionais. Além
disso, a aplicação ®Â:j dada por = *( )j r r é injetora e preserva a adição,
multiplicação e ordem. O autor explica ainda que obtivemos uma cópia algébrica
de um conjunto em outro, desta vez, ( )j é uma cópia de em  , sendo ( )j
precisamente o conjunto dos cortes racionais (FERREIRA, 2010, p. 90).
Recordamos um teorema que assegura a existência de cortes não racionais.
Portanto, podemos afirmar que Â- ¹Æ( )j . Em seguida, Ferreira (2010, p. 91)
apresenta a importante definição.
DefiniçãoO conjunto dos cortes  será, a partir de agora, denominado de conjunto dos números
reais e é denotado por . Os cortes racionais serão identificados, via a injeção ®Â:j ,
com os números racionais. Todo corte que não for racional será denominado numero
irracional.
Notação:
A identificação de ( )j com
nos permite escrever Ì
. O conjunto -
representa o conjunto dos números irracionais.
Mais adiante, Ferreira (2010, p. 91)
sublinha, ao tempo em que prossegue sua
elaboração, que os resultados seguintes mostram
que, apesar da semelhança entre as propriedades
aritméticas e de ordem entre e , há uma
importante propriedade em que
não
possui a da completude.
g u a r d e b e m i s s o !
Para o professor de Matemática, destacamos
o seguinte alerta de Ferreira (2010, p. 91): um
número real é um conjunto de números racionais.
148 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica
Teorema (Dedekind)Sejam A e B subconjuntos de tais que:1) = È A B 2) Ç =ÆA B 3) ¹Æ ¹Æ e BA4) se Î Î e , então <A Ba b a b . Nestas condições existe um, e apenas um, número real g tal que £ £a g b , para todo Î Î e A Ba b .
Demonstração:Vamos supor que existam dois números 1 2 e g g , nas condições do enunciado
acima, com 1 2<g g , nas condições do enunciado do teorema. Consideremos 3g tal
que <1 3 2<g g g , devido pela proposição anterior. Repare que de <3 2g g , resulta
que Î3 Ag , pois ³ 2b g , " ÎBb e = È A B . De modo análogo, 1 3<g g , resulta
que Î3 Bg . Obtemos então que Î Ç =Æ3 A Bg uma contradição. A existência
fica a seu cargo, leitor.
Ferreira (2010, p. 93) acentua que este teorema fornece, em essência, a
diferença entre e . E acrescenta: no teorema anterior e o exercício anterior nos
dizem, informalmente que, em não há “lacunas”, mas que em , há. Por esta
razão, dizemos que possui a propriedade da completude ou que é completo
(FERREIRA, 2010, p. 93).
CorolárioNas condições do teorema anterior, ou existe em A um número máximo, ou, em B um número mínimo.
Demonstração:Deixamos para você, leitor.
Concluímos este tópico discutindo as propriedades axiomáticas que permitem
construir formalmente os números reais. Sublinhamos sempre a importância de
compreender sua essência, embora muitos dos aspectos estudados não pertençam ao
universo de compreensão dos estudantes. Partimos do pressuposto que o professor
de Matemática deve ser conhecedor de um saber bem mais aprofundado do que seu
aprendiz, inclusive para analisar e identificar lacunas, deficiências e inconsistências
nos livros adotados no ambiente escolar. Na pior das hipóteses, saber o que é
de fato um número real e que, formalmente, a inclusão Ì
apresentada no
contexto escolar não tem sentido. A seguir, discutiremos a construção axiomática
dos números complexos.
149AULA 6 TÓPICO 2
TÓPICO 2 As dimensões filosóficas dos fundamentos da matemática IVObjetivO
• Descrever a construção axiomática dos números
complexos
Os números complexos chamam a atenção dos estudantes até mesmo
pela própria nomenclatura adotada tradicionalmente. De fato, aos
olhos do aprendiz, como significar e interpretar de um objeto que
de início já o denominamos de “complexo”? Nesta aula abordaremos esta noção
de modo axiomático no sentido de finalizar a construção dos principais conjuntos
numéricos do ensino escolar.
Observamos que Ferreira (2010, p. 113) menciona que:
No Ensino Médio, os números complexos são introduzidos a partir da chamada
“unidade imaginária”, i, com a propriedade de que =-2 1i . Eles são
definidos então, como expressões da forma +a bi , onde Î, a b , sujeitas
às regras operacionais conhecidas dos números reais. Assim, por exemplo,
( ) ( )+ × - = - + - = + + = +23 5 7 2 21 6 36 10 21 10 29 31 29
i i i i i i i
Ou seja, manipulam-se tais expressões como expressões algébricas reais, sob a
condição extra de que =-2 1i .
Do ponto de vista do rigor matemático, é necessário justificar cuidadosamente
a origem de um tal numero ‘i’. Por outro lado, a construção rigorosa dos números
complexos a partir dos números reais é mais simples do que todas as que realizamos
até agora (FERREIRA, 2010, p. 113). No Ensino Médio, aprendemos que dois
números complexos, +a bi e +c di , são iguais apenas quando =a b e =c d , o
que nos lembra a igualdade entre os pares ordenados ( ),a b e ( ),c d . É esse o ponto
de partida para a construção dos complexos (FERREIRA, 2010, p. 113).
150 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica
Assim, define-se a soma ( ) ( ) ( ) ( )+ + + = + + +
a bi c di a c b d i e
( ) ( ) ( ) ( )+ × + = - + +
a bi c di ac bd ad bc i . Em seguida Ferreira (2010, p.
114) esclarece que se admitíssemos um número complexo como sendo um par
ordenado de números reais, portanto sem mencionar o símbolo ‘i’, poderíamos
definir as operações acima do seguinte modo: ( ) ( ) ( )+ = + +, , ,a b c d a c b d e
( ) ( ) ( )× = - +, , ,a b c d ac bd ad bc . Temos formalmente a seguinte definição.
Definição
Consideremos o conjunto ´ = 2 e nele definamos a adição e a multiplicação com
acima. O conjunto 2 , denotado por essas operações, será denominado conjunto dos
números complexos e denotado por .
Teorema
As operações em têm as seguintes propriedades: a adição e a multiplicação são
comutativas, associativas e têm elemento neutro. (0,0) para a adição e (1,0) para a
multiplicação. Além disso, dado ( )Î, a b seu simétrico existe, ( )- ,a b , e é ( )- -,a b ,
e se ( ) ( )¹, 0,0a b , seu inverso existe ( )-1,a b e é æ ö- ÷ç ÷ç ÷çè ø+ +2 2 2 2
,a b
a b a b. Finalmente, a
multiplicação é distributiva e relação a adição.
Demonstração:Deixamos como exercício para você, leitor.
Ferreira (2010, p. 115) explica que podemos imergir
em
e observa
inicialmente que um número complexo arbitrário ( )Î, a b pode ser escrito da
forma ( ) ( ) ( ) ( )= + ×, ,0 ,0 0,1a b a b , ou seja, utilizando-se apenas de pares ordenados
com a segunda coordenada nula, ( ),0a , e ( ),0b , e o número complexo especial ( )0,1 .
Consideremos agora a seguinte função ®: k dada por ( )=( ) ,0k x x .
Definição
A função ®: k é injetora e preserva as operações de adição e multiplicação, isto é,
+ = +( ) ( ) ( )k x y k x k y e × = ×( ) ( ) ( )k x y k x k y .
Demonstração:Deixamos como exercício para você, leitor.
De modo similar aos casos estudados anteriormente, aqui também temos em
uma cópia algébrica de
, ( )k , o que nos permite identificar com ( )ke, portanto, considerar Ì . Admitindo essa identificação e adotando ‘i’ para o
número complexo ( )0,1 , a expressão para ( ) ( ) ( )( )= +, ,0 ,0 0,1a b a b pode ser escrita
como +a bi , como fazíamos no Ensino Médio (FERREIRA, 2010, p. 115).
151AULA 6 TÓPICO 2
Note ainda que ( ) ( )= = -2 20,1 1,0i , o que identificamos com o real -1 .
Sob a notação acima, os complexos do tipo +a bi , com ¹ 0b , chamam-se números
imaginários, e, além disso, = 0a , obtemos os imaginários puros. Essas denominações
têm sua origem na resistência histórica em se admitir os complexos como números.
Observe que o termo “imaginário” vem no sentido de contraposição a “reais”.
Observamos ainda que as propriedades aritméticas de
, dadas pelo teorema
anterior, são as mesmas que as de (que são as mesmas que as de
). Assim, um
conjunto, munido de duas operações que podemos continuar denotando por + × e ,
possuindo essas propriedades aritméticas chama-se corpo.
Apesar de aspectos semelhantes, há grandes dessemelhanças entre os três
corpos , e , como acentua Ferreira (2010, p. 116). O autor recorda ainda que
os corpos e
, como já tínhamos visto, são dotados de uma relação de ordem
compatível com as suas operações e são, portanto, ambos corpos ordenados, sendo
um corpo ordenado completo e
um corpo ordenado não completo.
Observamos que é impossível dotar
de uma relação de ordem compatível
com as suas operações aritméticas. Intuitivamente, não temos como dizer se 3 é
maior ou menor do que 3i ou do que +2 i , por exemplo. Dessa forma,
é um
corpo não ordenável. Por outro lado, Ferreira (2010, p. 116) acentua que
possui
uma propriedade algébrica importante. Tal propriedade é descrita no teorema: todo
polinômio não constante com coeficientes complexos admite uma raiz em
.
Devido a este resultado atribuído a Gauss, o teorema é chamado de Teorema
Fundamental da Álgebra. E o conjunto é dito algebricamente fechado.
Berlinghoff e Gouvêa (2004, p. 177) recordam um fato semelhante envolvendo nada
menos do que Renée Descartes (1596-1650), que, no século XVII, indicava que,
para encontrar os pontos de interseção entre uma circunferência C e uma linha
r (Figura 1), encontramos uma equação quadrática e tal equação conduz a raízes
quadradas de grandezas negativas quando Ç =Æ{ }C r . Assim, para a maior parte,
o sentimento era a aparência de soluções “impossíveis” ou “imaginárias” que
dava um sinal de que o problema não possuía qualquer solução. Todo o problema
advinha da desconfiança dos matemáticos com respeito aos números complexos.
Figura 1: Descrição geométrica da situação envolvendo o conceito de números complexos (BERLINGHOFF; GOUVÊA, 2004, p. 123).
152 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica
Para concluir a discussão em torno da construção dos conjuntos numéricos
que tradicionalmente são apresentados no contexto escolar satisfazendo a
seguinte cadeia Ì Ì Ì Ì Ì ????
, Ferreira (2010, p. 122) acrescenta a
interessante discussão em torno das questões que podemos elaborar em relação
à seguinte pergunta: Os conjuntos numéricos param por aí? Ou seja,
pode ser
imerso propriamente em algum outro conjunto de números?
O autor declara que a resposta para tal questionamento é afirmativa e recorda
que o conjunto
pode ser imerso no anel dos quatérnios de Hamilton. Ademais,
declara:
Entretanto, não tem mais a estrutura algébrica de corpo porque a multiplicação
deixa de ser comutativa. Os quatérnios são hoje utilizados em robótica,
computação gráfica e em outras áreas da ciência. Por sua vez, os quatérnios
podem ser imersos nos octônios, no qual a multiplicação não é mais associativa.
Os octônios tem importantes aplicações em ramos da física como relatividade
especial e teoria das cordas, além de se relacionarem com outras estruturas
matemáticas como os grupos de Lie excepcionais (FERREIRA, 2010, p. 122-
123).
Para concluir, sublinhamos nossos posicionamentos assumidos desde o início
deste curso. Tais posicionamentos assumem um compromisso epistemológico com a
formação do professor de Matemática. Desse modo, embora de modo introdutório,
discutimos determinados tópicos pertencentes aos fundamentos da Matemática e
seu inevitável caráter filosófico.
Tais escolhas devem influenciar o olhar e o exercício do ofício do professor,
afinal, concordamos com Thom (1992, p. 24) quando explica que quer desejemos
ou não, toda pedagogia matemática, mesmo aquela menos coerente, repousa sobre a
filosofia da matemática. Portanto, não discutimos uma pedagogia desinteressada e
aplicável a todas as áreas do conhecimento científico. Discutimos e alertamos sobre
a importância de uma “pedagogia da Matemática”, que, inevitavelmente, deve
possuir seus fundamentos epistemológicos e filosóficos, os quais apresentamos,
pelo menos em parte, aqui.
Recordamos que algumas questões filosóficas negligenciadas em cursos de
formação de licenciados dizem respeito à dimensão axiológica do saber matemático
que abordamos nas aulas iniciais. Mais especificamente falando, a questão sobre a
verdade ou a falsidade dos enunciados matemáticos.
O modelo standart no locus acadêmico de busca da verdade de propriedades
do tipo: = +2 2 2a b c (Teorema de Pitágoras) ou +
= 1( )
2n
n
a a nS (soma dos termos)
se restringe em seguir passo a passo uma demonstração até se alcançar a tese;
153AULA 6 TÓPICO 2
contudo, os próprios modelos de inferências e a natureza da argumentação não são
discutidos.
É inapropriado o professor transmitir a impressão de que as decisões em
sala de aula e as escolhas feitas em cadeias de raciocínio deste tipo são sempre
baseadas na certeza matemática. Neste sentido, concordamos com Brochard (1884,
p. 5) quando lembra que a maior parte dos homens, nas circunstâncias da vida, se
decide baseando-se na crença e não na certeza.
Além disso, encontramos vários exemplos de teorias na História da Matemática
e das Ciências que apresentavam uma sustentação sólida e consistente, em
determinados momentos históricos e, em outros, tiveram suas bases enfraquecidas
em virtude de determinadas refutações e questionamentos, haja vista o surgimento
de novos pontos de vista. É justamente o caso da teoria de Isaac Newton (1643-
1727), que foi bem estabelecida e confirmada no século XVIII e questionada séculos
mais tarde.
De fato, Popper (1972, p. 34) lembra que a teoria de Einstein veio mostrar
que a teoria newtoniana não passa de uma hipótese ou conjectura e seu valor se
mede, sobretudo por sua falsicabilidade. Ou seja, com Einstein, evidenciamos o
levantamento de determinadas conjecturas que
se mostraram verdadeiras e que negaram ou
falsearam enunciados essenciais da teoria de
Newton.
Em exemplos como este, percebemos que a
própria noção de verdade e falsidade, a noção do
rigor matemático, de existência, de consistência e
a noção de completude de uma teoria matemática
vai se modificando no decorrer dos séculos.
Faz parte de nossa missão, como professores
formadores, evitar a falsa impressão em nossos
alunos de que o conhecimento matemático,
desde o seu nascedouro, se apresenta daquela
forma “bonitinha” como o encontramos nos
livros didáticos, descritos axiomaticamente por
uma linguagem moderna adotada pelo professor
na escola. Afinal, até mesmo a linguagem ou o
sistema de representação semiótica empregado na
Matemática evolui, uma vez que os símbolos e
classificações em Matemática são historicamente
determinados. Eles são arbitrários no sentido de
que símbolos e classificações numa linguagem são
v o c ê s a b i a?
Shapiro (2000, p. 166) explica que Gôdel admitia G
uma sentença na linguagem T. Se T é consistente,
então G não é teorema de T.
s a i b a m a i s !
Sertafi (2008, p. 125) lembra que Leibnitz colocou
em circulação cerca de doze novos símbolos,
que o mesmo queria testar e selecionar o mais
apropriado. Porém, todos eles dotados de uma
extraordinária imaginação simbólica e otimismo
inveterado.
154 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica
escolhidos. Desta forma eles podem ser vistos numa perspectiva fenomenológica
em que tais símbolos possuem significados particulares e derivam de experiência
individual do seu uso (SERTAFI, 2008, p. 53).
O caráter arbitrário que mencionamos se manifesta de forma sutil e velada.
Um professor consciente sabe que simbologias são “enterradas” e descartadas
em razão de suas limitações, ambiguidades ou falta de operacionalização; mas,
de modo autoritário, vemos a adoção, sem nenhuma explicação, de determinadas
notações que obtiveram mais êxito do que outras, contudo não nos lembramos de
que elas representam a superação dos erros, das incompreensões e as inseguranças
de matemáticos do passado.
Temos aí uma face deste absolutismo
quando priorizamos o caráter sintático
da linguagem, que passou por profundas
modificações em vez do seu caráter semântico.
Paradoxalmente, o teor e a visão absolutista,
o caráter rigoroso e formal da Matemática
parecem ser mais “cômodos” no que se refere
à transposição didática do saber. Na prática,
no ambiente acadêmico, o próprio método
axiomático de estruturação e organização deste
saber é usado como “metodologia de ensino”.
Denunciamos que o grande equívoco é aplicar um método de construção e
constituição do saber matemático no ambiente da pesquisa como uma “metodologia
de ensino”, haja vista que o primordial no
método axiomático é a abstração da abstração,
enquanto isso, no ensino escolar, deveríamos
primar pela intuição, pelo raciocínio heurístico.
Nesse sentido, recordamos as colocações
filosóficas do matemático Freudenthal (2002, p.
145) quando declara que se o construtivismo
significa algo didático, devemos indicar o
que esperamos construir. Mas, infelizmente,
os indicadores de nossa realidade nos fazem
concordar com Gattegno (1960, apud, PIAGET
et al.,1960, p. 159) quando conclui que a maior
parte dos professores de matemática considera que sua tarefa consiste em fazer os
estudantes racionar logicamente e não importa a que custo.
Advertimos que a concepção do curso de formação deverá ser um fator
condicionante e determinante na futura identidade profissional construída pelo
v o c ê s a b i a?
Ernest (1991, p. 7) explica que a visão absolutista
da matemática consiste em certas verdades
imutáveis. O conhecimento matemático nesta
perspectiva se constitui a partir de verdades
absolutas e irrefutáveis.
s a i b a m a i s !
Sertafi (2008, p. 125) Shapiro (2005, p. 176) explica
que o termo estruturalismo é associado ao grupo
inolvidável chamado Bourbaki. Dentre as suas
propostas, o método axiomático poderia fornecer
a unificação dos diversos ramos da Matemática e
apenas ele tornaria a Matemática inteligível.
155AULA 6 TÓPICO 2
egresso de um curso de graduação. Vale a pena comparar as duas concepções
possíveis que exibimos nas ilustrações abaixo.
Figura 2: Fluxograma do currículo de formação de professores de Matemática que não estabelece conexão entre os saberes específicos e pedagógicos (elaboração própria).
Reparamos que, na Figura 2, descrevemos o modelo obsoleto de formação
mais identificável e mais explorado em vários cursos de graduação no Brasil. Por
outro lado, na Figura 3, a seguir, recordamos a concepção de formação assumida no
decorrer das aulas de Filosofia das Ciências e da Matemática. Deixamos para você,
leitor, a prerrogativa de efetuar suas próprias escolhas.
Figura 3: Fluxograma proposto para uma adequada formação do professor de Matemática (elaboração própria).
Concluímos esta destacando a importância de divisarmos a dimensão filosófica
do saber matemático. Observamos que nas ultimas aulas, em que descrevemos,
embora de modo “apressado”, em virtude da concisão necessária neste material,
a construção axiomática dos conjuntos numéricos. Torna-se uma exigência, deste
modo, que o professor amplie sua própria visão da Matemática e transmita um
significado bem mais amplo do que o significado usual e restrito fornecido pelos
livros didáticos. Entretanto, o “livro didático” será nosso objeto de discussão em
um futuro próximo.
156 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica
Grugnetti & Rogers (2000, p. 53) explicam que a História da
Matemática pode atuar não apenas como um fator de ligação
entre tópicos de Matemática, como também as ligações entre a
Matemática e outras disciplinas. Os referidos autores desenvolvem uma análise
na perspectiva da História da Matemática e discutem como determinados saberes
podem ser mediados no ensino.
Entretanto, no âmbito do ensino de Matemática, assumimos a necessidade
da adoção de uma proposta metodológica que viabilize a abordagem de conteúdos
matemáticos por meio de sua história. Assim, adotaremos a “proposta teórico-
metodológica apresentada por um grupo de Educadores Matemáticos do Estado
do Ceará” (BORGES et al, 2001, p. 3) denominada Sequência Fedathi – SF que
possibilita a criação de um clima experimental que retrata o os momentos e as
dificuldades enfrentadas por um matemático profissional em busca da constituição
de um saber. A referida sequência de ensino prevê os seguintes níveis:
• Nível 1 Tomada de posição – apresentação do problema ou de um
teorema. Neste nível, o pesquisador-professor apresenta uma situação-
problema (possivelmente no âmbito da História da Matemática) para o
grupo de alunos, que devem possuir meios de atacar mediante a aplicação
do conhecimento a ser ensinado.
• Nível 2 Maturação – compreensão e identificação das variáveis
envolvidas no problema relacionado à História da Matemática (destinado
a discussão e debate envolvendo os elementos: professor-alunos-saber).
TÓPICO 3 Uma aplicação de sequência metodológica de ensino por meio de sua históriaObjetivO
• Apresentar uma aplicação de uma sequência de ensino
para conteúdos de História da Matemática
157AULA 6 TÓPICO 3
• Nível 3 Solução – apresentação e organização de esquemas/modelos que
visem à solução do problema. Aqui, os alunos organizados em grupos,
devem apresentar soluções e estratégias, que possam conduzir aos
objetivos solicitados e convencer com suas argumentações outros grupos.
• Nível 4 Prova – apresentação e formalização do modelo matemático a ser
ensinado. Aqui, a didática do professor determinará em que condições
ocorrerá a aquisição de um novo saber que deve ser confrontado com os
saberes matemáticos atuais, inclusive as modificações condicionadas pela
evolução e modernização do mesmo.
A adoção de uma proposta metodológica para o ensino das sequências de
Fibonacci e de Lucas é justificada a partir da evidencia de que, na literatura da
área de História da Matemática, obtida por meio de um levantamento bibliográfico
e análise de livros, ocorre escassez de uma discussão mais aprofundada e das
implicações possíveis extraídas a partir das relações conceituais entre as sequências
supracitadas, além do quadro acadêmico preocupante descrito por Bianchi (2006)
e Stamato (2003).
Encontramos também nas afirmações de Lima (2001(a)) preocupantes
conclusões a respeito da qualidade do livro didático de Matemática, de modo
particular, na abordagem de sequências numéricas. Deste modo, de acordo com
a sugestão de Lima, desenvolveremos algumas considerações que podem evitar
determinadas concepções e hábitos indesejados na aprendizagem dos estudantes.
Uma concepção facilmente identificada diz respeito a um ensino de
Matemática que não evidencia as relações conceituais. Deste modo, como
descrevemos na Figura 1, discutimos um assunto que possibilita uma ampla ligação
conceitual interna à própria Matemática. “Tal ligação precisa ser compreendida de
modo local e global por parte do professor interessado em seu ensino” (ALVES;
BORGES NETO, 2010, p.3). Além disso, ao observarmos as conexões e implicações
possíveis e conhecendo a natureza da complexidade dos conceitos envolvidos,
podemos prever os momentos didáticos em que cada noção pode ser explorada e
antever os possíveis obstáculos ao aprendizado.
Passamos assim a descrever uma proposta de aplicação teórica dos conteúdos
de sequência de Fibonacci e de Lucas, segundo o modelo que nominamos de
“estendido”.
158 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica
Figura 2: Relações conceituais exploradas (ALVES; BORGES NETO, 2010, p. 5).
Honsberger (1985, p. 104) menciona, sem fornecer muitos detalhes, que, “não
existe dificuldade em estender a seqüência de Fibonacci no sentido indefinidamente
oposto”. De fato, notamos que: - -= + \ =1 0 1 1f f f f 1 ; - - -= + \ =-0 1 2 2f f f f 1 ,...,
etc. Sucessivamente temos:
- Î - - - - - - - - -
- - - -n n n 8 7 6 5 4 3 2 1 0{f } :{......; f ;...; f ; f ; f ; f ; f ; f ; f ; f ; f }
{ ....;...... ; 21; 13 ; 8 ; 5 ; 3 ; 2 ; 1 ; 1 ; 0} (1)
Destacamos que, em nenhuma das
obras consultadas, encontramos a descrição
da sequência de Fibonacci para o conjunto dos
inteiros negativos. Entretanto, usando o mesmo
princípio para a forma geral - -= +n n 1 n 2f f f ,
estabelecemos - - - - -= +n n 1 n 2f f f , În
.
Acrescentamos ainda que o modelo matemático
descrito por - -= +n n 1 n 2f f f , pode ser
considerado, numa linguagem atual, como uma
singela modelagem da geração de coelhos; todavia, o mesmo não podemos dizer em
relação à sequência - În n{f }
.
De modo análogo, lembrando que - -= + \ = - =-1 0 1 1 1 0L L L L L L 1 , temos
a seguinte regra - - - - -= +n n 1 n 2L L L , para În . Exibimos a sequência:
- Î - - - - - - - - -
- - -n n n 8 7 6 5 4 3 2 1 0{L } :{..; L ;...; L ; L ; L ; L ; L ; L ; L ; L ; L }
{ ...;...... ; ; 18 ; 11 ; 7 ; 4 ; 3 ; 1 ; 2 } (2)
A vantagem desta formulação pode ser compreendida, por exemplo, a
partir da fórmula + -× - = -2 nn 1 n 1 nf f f ( 1) demonstrada pela primeira vez por
Giovanni Domenico Cassini (1625-1712), em 1680, como explica Koshy (2007,
apud ALVES; BORGES NETO, p. 134). Vamos agora realizar o mesmo raciocínio
s a i b a m a i s !
Conheça mais sobre a história do matemático
Giovanni Domenico Cassini acessando o site
http://www.apprendre-math.info/portugal/
historyDetail.htm?id=Cassini
159AULA 6 TÓPICO 3
para a sequência descrita por - - - - -= +n n 1 n 2f f f . A matriz adequada será dada
por -
- -
æ ö æ ö÷ ÷ç ç÷ ÷= =ç ç÷ ÷ç ç÷ ÷ç ç-è ø è ø0 11
1 2
0 1 f fQ
1 1 f f. De modo análogo e com algum esforço, concluímos
- + -
- - -
æ ö÷ç ÷=ç ÷ç ÷çè øn 1 nn
n n 1
f fQ
f f. Aplicando um argumento semelhante ao de Honsberger,
obtemos a seguinte identidade - + - - -× = - +n 2n 1 n 1 nf f ( 1) f , para În
. Assim,
tomando-se os modelos - În n{f }
e - În n{L }
, que chamaremos de “sequências
estendidas”, podemos inferir propriedades surpreendentes. Vamos exemplificar
nossa afirmação sugerindo o seguinte problema: Qual o comportamento geométrico
de - În n{f }
e - În n{L }
?
faremos agora o Passo a Passo Do Processo metoDológico Da aula sobre
sequência.
Nível 1 Tomada de posição – apresentação do problema ou de um teorema.
Destacamos que tal questionamento é pouco usual. De fato, notamos que
a noção de sequência é explorada, eminentemente, “num quadro aritmético e
algébrico” (LIMA, 2001(b), p. 123). Assim, a partir da listagem (1) e (2), podemos
estimular os estudantes na construção dos seguintes gráficos.
Figura 3: Apresentação geométrica das sequências (ALVES; BORGES NETO, 2010, p. 8).
Certamente que sem o auxílio computacional, não conseguimos descrever o
gráfico acima para valores muito grandes. Assim, no nível 2 empregamos o aparato
tecnológico.
Nível 2 Maturação – compreensão e identificação das variáveis envolvidas
no problema. (Destinado à discussão e debate envolvendo os elementos: professor-
alunos-saber).
160 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica
A partir da observação da figura 4, o professor deve salientar aos seus
estudantes o caráter limitado e insuficiente, no sentido de prever o comportamento
das sequências. Inclusive, usando o software Maple 10, notamos que, de modo
semelhante ao modelo tradicional, o mesmo fornece apenas os valores positivos
da sequência, definida para inteiros positivos. Reparamos as aproximações por
casas decimais descritas pelo programa na figura 3. Tal listagem pode gerar alguma
estranheza nos estudantes, uma vez que, segundo o modelo de Fibonacci, não
poderiam existir 4,9999999956 casais de coelhos.
Neste nível, o professor poderá estimular atividades numéricas. Por exemplo,
a partir da figura 6, - =-2n 2nf f e - + +=(2n 1) 2n 1f f para o caso do gráfico de - În n{f }
.
E de modo equivalente, os alunos podem debater o comportamento do gráfico
da sequência de Lucas, entretanto, respeitando o poder de síntese desta aula, nos
restringiremos daqui em diante ao caso da sequência de Fibonacci estendida - În n{f }
.
Nível 3 Solução – apresentação e organização de esquemas/modelos que
visem à solução do problema relacionado a História da Matemática.
A partir das propriedades conjecturadas no nível 3, a saber - =-2n 2nf f
e - + +=(2n 1) 2n 1f f , o professor necessita instigar a turma na compreensão de que
tais propriedades são insuficientes para responder o problema inicial. Aqui,
evidenciamos uma importante característica da SF, que busca evitar uma aparência
superficial do conhecimento matemático.
Tal aparência superficial leva os estudantes a pensarem que para todo
problema encontramos uma resposta definitiva e conclusiva. Neste caso, o mestre
sabe que a resposta para o problema exige bem mais do que algumas linhas de
argumentação e, além disso, deve conhecer a priori as possíveis propriedades
necessárias e antever as dificuldades reais à evolução do conhecimento em discussão
pela turma. No próximo nível, o professor convencerá seus alunos a respeito das
argumentações que apresentam maiores chances de êxito, mesmo que parcial, para
o problema.
Nível 4 Prova – apresentação e formalização do modelo matemático a ser
ensinado.
Admitindo que seja verdade que - =-2n 2nf f e - + +=(2n 1) 2n 1f f , poderíamos
afirmar que o comportamento geométrico da sequência de Fibonacci de termos
pares estendida será o mesmo comportamento da sequência tradicional, a menos
161AULA 6 TÓPICO 3
de um sinal, o que provocará a simetria no gráfico. E no segundo caso, poderíamos
concluir que os termos ímpares, tanto da sequência tradicional como a sequência
de Fibonacci estendida, devem ser idênticos, entretanto ambas produzem respostas
parciais para nosso problema inicial. Para verificar tais igualdades, seguimos a
sugestão de Benjamin; Quinn (2005, p. 143), que propõem a verificação da seguinte
igualdade +- = - ×n 1
n nf ( 1) f para În .
Mas assumindo por indução a igualdade +- = - ×n 1
n nf ( 1) f ,
necessitamos provar que + + +- + - - + += = - × = - ×(n 1) 1 n 2
(n 1) n 1 n 1 n 1f f ( 1) f ( 1) f . Usamos - +
- - - -= - × = - ×n 1 1 n(n 1) n 1 n 1f ( 1) f ( 1) f , assim:
- + - - - - - - + -= + \ = - =Hipótese
n 1 n n 1 n 1 n 1 nf f f f f f
= − ⋅ − − ⋅ = − ⋅ + − ⋅ =
= − ⋅ +(−
+−
−
( ) ( ) ( ) ( )
( )
1 1 1 1
11
11
1
nn
nn
nn
nn
nn n
f f f f
f f ))= − ⋅+ +( )1 21
nnf
“O pensamento matemático pode apoiar os estudantes em diversos modos
quando estudam história” (GRUGNETTI; ROGERS, 2000, p. 53). A investigação de
evidências primárias e o processo de decisão de quais são os resultados e fatores
chave em cada evento proporciona uma visão global e interconectada aos jovens,
entretanto o professor necessita se apoiar em concepções e teorias que possam
viabilizar um ensino/aprendizagem produtivo, com o suporte da História da
Matemática.
A proposta metodológica denominada Sequência Fedathi visa um ensino
desta ciência que preserva alguns traços característicos do momento de criação
e descoberta de um matemático. Deste modo, uma das variáveis na pesquisa é
a formulação de situações-problema intrigantes que exigem bem mais do que o
exercício do pensamento algorítmico (OTTE,1991, p. 285).
Em nosso caso, evidenciamos em várias obras a ausência da exploração de
propriedades intrigantes entre as sequências de Fibonacci e de Lucas. Apenas em
Honsberger (1985), encontramos a breve sugestão de desenvolver propriedades
com o que nomeamos de sequência estendidade de Fibonacci. A partir dela,
desenvolvemos também algumas propriedades para a sequência estendida de Lucas.
Seguindo o raciocínio encontrado nos livros consultados, adaptamos os resultados
obtidos para a primeira sequência na segunda.
Na figura 3 exibimos nossa última relação descrita de modo significativo
por meio de uma interpretação geométrica. Respeitando os limites de síntese
deste artigo, salientamos, de modo resumido, o caso das relações com a noção
162 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica
de convergência de sequências. Descobrimos que o quociente +n 1
n
ff converge
(BENJAMIN; QUINN, 2005, p. 157). O mesmo resultado pode ser compreendido
de modo intuitivo e informal num curso de História da Matemática, quando
recorremos à tecnologia. De modo surpreendente, não identificamos, na literatura
pesquisada, o comportamento de +n 1
n
LL descrita do lado direito da Figura 4.
Figura 4: Comportamento geométrico do quociente (ALVES; BORGES NETO, 2010, p. 8).
Finalizamos este tópico salientando a dificuldade enfrentada pelos
professores com vistas a uma efetiva exploração em sala de aula. Com mencionamos
anteriormente, muitos dos conhecimentos apresentados ao professor em formação
envolvem um saber de “caráter informacional”, e não um as obras consultadas
“caráter operacional”. Alertamos que, na maioria dos casos, o professor, por si só,
não consegue realizar as necessárias ligações entre teoria e prática, principalmente
o incipiente na carreira.
Desse modo, buscamos discutir e explorar nestes tópicos um caráter
operacional do saber matemático com um viés eminentemente histórico. Sua
importância é destacada por Dambros (2006, p. 5) ao relatar que:
Dentre as justificativas apresentadas pelos defensores do estudo da história
da matemática pelo professor, há uma insistentemente citada: o professor que
conhece a história da matemática compreende a matemática como uma ciência
em progresso e construção, como uma criação conjunta da humanidade e não
como uma ciência pré-existente, um presente acabado de Deus, descoberta
por gênios e por isso incontestável.
Este caráter de “saber universal”, manifestado de modo peculiar na
Matemática, é histórico. Ele perpassa e influencia toda a formação dos formadores
163AULA 6 TÓPICO 3
de professores e, por último, influenciará a formação do licenciado. Muitos destes
condicionamentos podem ser entendidos, na medida em que nos atemos à própria
constituição, evolução e determinação dos currículos de Matemática, desde o Brasil
colônia até os dias atuais. Neste sentido, Miorim (1995, p.192) discute que:
Na 3ª série a articulação entre a aritmética e a álgebra continua através da
ampliação do estudo de funções, de sua representação gráfica e das equações e
desigualdades algébricas. Na geometria percebe-se claramente o rompimento com o
modelo euclidiano, quando é proposto o estudo de proposições fundamentais que
servem de base à geometria dedutiva, das noções de deslocamentos elementares no
plano; translação e rotação de figuras e, em seguida, uma série de estudos específicos
sobre figuras relações métricas e homotetia. É a pulverização da geometria dedutiva
eucliana.
Em suas considerações, notamos a denúncia a respeito das reformas históricas
envolvendo o currículo de Matemática, que, em alguns casos, proporcionaram um
efeito nocivo à Educação. Os elementos apontados pela pesquisadora Maria Ângela
Miorim constituem elementos da História da Educação Matemática.
164 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica
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167CURRÍCULO
CURRÍCULOFrancisco Regis Vieira Alves
Professor Francisco Régis Vieira Alves atua há dez anos no ensino superior como professor
de Matemática. Foi professor da Universidade Regional do Cariri – URCA, onde promoveu a
modificação e reorganização do currículo para o professor de Matemática em consonância
com paradigmas nacionais e internacionais, e coordenador de cursos de especialização nesta
instituição voltados ao ensino da Matemática. Atualmente é professor do Instituto Federal
de Educação, Ciência e Tecnologia do Estado do Ceará (IFCE), no qual possui atividades
direcionadas ao curso de licenciatura. No que diz respeito à sua formação acadêmica, é
licenciado e bacharel em Matemática – UFC; mestre em Matemática Pura e em Educação
(UFC); e doutor em Educação com ênfase no ensino de Matemática em nível superior. É
pesquisador do laboratório Multimeios da UFC.
filosofia dasciências e damatemáticalicenciatura emmatemática
LIC
EN
CIA
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MÁ
TIC
AU
AB
/ IFC
ES
EM
ES
TR
E 6
Ministério da Educação - MEC
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
Universidade Aberta do Brasi l
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará