Fichamento 02 - O processo político-partidário na primeira república

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IFCH – UNICAMP Aluno: Rubens Mascarenhas Neto RA: 115545 Disciplina: H248A – Política II Professor: Valeriano Costa Maria do Carmo Campello de Souza i observa que a carta constitucional de 1891 tinha como princípio fundamental, e pétreo, a garantia de autonomia das unidades federativas. Tal “independência” do governo central permitia certas liberdades aos estados como a contração de dívidas externas, a formação de corpos militares, a formulação de suas próprias constituições, códigos eleitorais e judiciários, e a taxação sobre exportações 1 . Em suma, a autora resume que nesse modelo legal Os inúmeros direitos estaduais compunham a seção intocável da Constituição republicana. Os embates violentos e as cisões políticas havidas no correr da história do período fizeram-se certamente em torno do princípio da autonomia estadual. (CAMPELO DE SOUZA, Maria do Carmo (1968). “O Processo Político Partidário na República Velha”. P. 163)  A Constituição de 1891 extinguiu o regime monárquico instituindo o presidencialismo e, em decorrência desse novo modelo, uma série de articulações políticas foi forjada para que as elites dominantes mantivessem seu poder e assegurassem seus interesses. Os traços econômicos de um país composto por unidades desigualmente desenvolvidas exportadoras de produtos primários 2 foram determinantes na configuração política da Primeira República, uma vez que os estados economicamente mais relevantes, como Minas Gerais e São Paulo, tomaram a dianteira do jogo político nacional, liderados por grupos políticos civis que possuíam privilégios e, sobretudo, propriedades, amparados por elementos militares que despontavam recentemente no cenário político 3 . Ideologicamente, o grupo republicano introjetou o liberalismo de maneira singular, visto que, politicamente, as elites limitavam o acesso à cena política a seus membros unicamente. Todavia, no plano econômico, os princípios do laissez-faire  mantiveram-se ortodoxos, de modo a legitimar, direta ou indiretamente, uma dominação das nações mais poderosas sobre as mais fracas. Campelo de Souza, no entanto, sinaliza para um aspecto importante na conformação ideológica da Primeira República, a conveniência desses princípios com os interesses das elites dominantes 4 . O período de 1889 a 1900 foi marcado pelo esforço de consolidação das estruturas de dominação nos estados 5 . O Marechal Deodoro da Fonseca, primeiro presidente da jovem República, encontrou larga oposição na instauração de medidas de fortalecimento do governo federal, que entravam em choque com os interesses estaduais. A cisão de forças militares pró e contra Deodoro, gerou uma situação de tensão política, cujo desfecho, vislumbrado, poderia ser a guerra civil. O Congresso, temeroso quanto a uma reação armada, declarou vitoriosos Deodoro e o candidato à vice-presidência Marechal Floriano Peixoto, próximo da oposição ao governo federal. Deodoro renunciou, mais tarde, dada a pressão civil-militar da oposição. Floriano Peixoto assumiu o cargo em meio a turbulências políticas no Rio Grande do Sul 6   – e mais tarde na capital federal com a Revolta da Armada  –, e uma oposição deodorista no Congresso. Sua reformulação do Congresso lançou as bases de uma política elitista e corrupta que desembocaria no Pacto do Café com Leite. Atribui-se a Peixoto o papel de consolidador da República. O sucessor de Peixoto foi Prudente de Moraes. Apoiado pelo P.R.P, o novo presidente tornou-se herdeiro político do chamado “florianismo republicano”. Ascendia naquele momento histórico o Partido Republicano Federal, e a luta pelo poder nos

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IFCH – UNICAMPAluno: Rubens Mascarenhas NetoRA: 115545Disciplina: H248A – Política IIProfessor: Valeriano Costa

Maria do Carmo Campello de Souzai observa que a carta constitucional de1891 tinha como princípio fundamental, e pétreo, a garantia de autonomia dasunidades federativas. Tal “independência” do governo central permitia certasliberdades aos estados como a contração de dívidas externas, a formação de corposmilitares, a formulação de suas próprias constituições, códigos eleitorais e judiciários,e a taxação sobre exportações1. Em suma, a autora resume que nesse modelo legal

Os inúmeros direitos estaduais compunham a seção intocável da Constituiçãorepublicana. Os embates violentos e as cisões políticas havidas no correr da história

do período fizeram-se certamente em torno do princípio da autonomia estadual.(CAMPELO DE SOUZA, Maria do Carmo (1968). “O Processo Político Partidário naRepública Velha”. P. 163) 

A Constituição de 1891 extinguiu o regime monárquico instituindo opresidencialismo e, em decorrência desse novo modelo, uma série de articulaçõespolíticas foi forjada para que as elites dominantes mantivessem seu poder eassegurassem seus interesses. Os traços econômicos de um país composto porunidades desigualmente desenvolvidas exportadoras de produtos primários2 foramdeterminantes na configuração política da Primeira República, uma vez que osestados economicamente mais relevantes, como Minas Gerais e São Paulo, tomarama dianteira do jogo político nacional, liderados por grupos políticos civis que possuíam

privilégios e, sobretudo, propriedades, amparados por elementos militares quedespontavam recentemente no cenário político3.

Ideologicamente, o grupo republicano introjetou o liberalismo de maneirasingular, visto que, politicamente, as elites limitavam o acesso à cena política a seusmembros unicamente. Todavia, no plano econômico, os princípios do laissez-faire  mantiveram-se ortodoxos, de modo a legitimar, direta ou indiretamente, umadominação das nações mais poderosas sobre as mais fracas. Campelo de Souza, noentanto, sinaliza para um aspecto importante na conformação ideológica da PrimeiraRepública, a conveniência desses princípios com os interesses das elites dominantes4.

O período de 1889 a 1900 foi marcado pelo esforço de consolidação dasestruturas de dominação nos estados5. O Marechal Deodoro da Fonseca, primeiropresidente da jovem República, encontrou larga oposição na instauração de medidasde fortalecimento do governo federal, que entravam em choque com os interessesestaduais. A cisão de forças militares pró e contra Deodoro, gerou uma situação detensão política, cujo desfecho, vislumbrado, poderia ser a guerra civil. O Congresso,temeroso quanto a uma reação armada, declarou vitoriosos Deodoro e o candidato àvice-presidência Marechal Floriano Peixoto, próximo da oposição ao governo federal.Deodoro renunciou, mais tarde, dada a pressão civil-militar da oposição. FlorianoPeixoto assumiu o cargo em meio a turbulências políticas no Rio Grande do Sul6  – emais tarde na capital federal com a Revolta da Armada  –, e uma oposição deodoristano Congresso. Sua reformulação do Congresso lançou as bases de uma políticaelitista e corrupta que desembocaria no “Pacto do Café com Leite”. Atribui-se a Peixotoo papel de consolidador da República.

O sucessor de Peixoto foi Prudente de Moraes. Apoiado pelo P.R.P, o novopresidente tornou-se herdeiro político do chamado “florianismo republicano”. Ascendianaquele momento histórico o Partido Republicano Federal, e a luta pelo poder nos

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estados, acabou por gerar um conflito entre o presidente e o novo bloco político. Areação de Moraes a eventos como a Revolta de Canudos (1896-1897), a pacificaçãodo Rio Grande do Sul e o episódio na Escola Militar, gerou uma associação dopresidente com o anti-republicanismo e antimilitarismo. Na eleição seguinte, as elitespolíticas optaram por Campos Sales, eleito em nome dos republicanos7. É nestegoverno que começa a ser delineada uma política de acordo entre os estados para aeleição do presidente, bem como, a concretização da chamada “degola”, que er abasicamente o reconhecimento e diplomação apenas de legisladores aliados dasforças políticas dominantes nos estados.

Estava configurada a esfera política nacional, na qual o poder da União erareduzido perante a independência dos estados. As unidades federativas possuíamprerrogativas que lhes garantiam, tanto politicamente, quanto militar eeconomicamente, sua autonomia. Os partidos predominantes, Partido RepublicanoMineiro e Partido Republicano Paulista representavam os interesses das elites de seusrespectivos estados e constituíam, juntos, a bancada majoritária

De um modo geral as representações paulista e mineira formavam grupos compactosno Congresso Federal e, em seu nome, Minas e São Paulo asseguravam-se o controleda vida política nacional. (CAMPELO DE SOUZA, Maria do Carmo (1968). “O ProcessoPolítico Partidário na República Velha”. P. 187)

O sucesso de uma candidatura ao governo da República dependia do apoio de pelomenos dois dos grandes Estados. A sustentação posterior do presidente do poder erafirmada se contava com pelo menos o apoio compacto do Estado que representava.(CAMPELO DE SOUZA, Maria do Carmo (1968). “O Processo Político Partidário na República Velha”. P. 190)

Ascendeu ao poder em 1907, Afonso Pena, com o compromisso de valorizar opreço do café, o que agradava às elites paulistas. Entretanto, Pena, no momento demanifestar apoio a um sucessor, segundo as regras do pacto entre mineiros e

paulistas, maculou o jogo político acordado; mas Pena faleceu antes de concretizaressa cisão, o que preservou a vitalidade do acordo. Assumira então seu vice NiloPeçanha.

A bancada paulista, no entanto, apoiou o candidato indicado por Pena; MinasGerais se alinhou com o Rio Grande do Sul e apoiou a candidatura do MarechalHermes da Fonseca. O marechal foi vitorioso, e lançou a “política das salvações”, cujofundamento era intervencionista, o que desagradou às elites dominantes. Hermes daFonseca representou um intervalo na política de eleição presidencial acordada porMinas Gerais e São Paulo, e, restaurada a aliança, elegeu-se Wenceslau Brás,retomando a “Política do Café com Leite”. 

Até a sucessão em 1930, a vigência do pacto entre paulistas e mineirosfuncionou de forma coesa8, de modo que

As eleições subseqüentes, de Rodrigues Alves (1918), de Epitácio Pessoa (1919), deArtur Bernardes (1922), de Washington Luís (1926) e a que antecedeu a revolução detrinta, se desenvolveram dentro das coordenadas de um sistema no qual eramausentes os partidos nacionais, definido pela “política dos governadores”, sob a direçãodos Estados de maior expressão sócio-econômica. (CAMPELO DE SOUZA, Maria doCarmo (1968). “O Processo Político Partidário na República Velha”. P. 213)

No momento sucessório de 1930, a aliança entre mineiros e paulistas secindira de forma definitiva. As intervenções do presidente Washington Luísdescontentaram as elites mineiras, que se aproximaram das elites gaúchas e nasucessão apoiaram Getúlio Vargas. São Paulo, que com Washington Luís ocupava a

presidência, apoiou o escolhido do presidente, Júlio Prestes. O resultado do pleito foi avitória de Prestes. O desfecho, de tal eleição, foi o início da Revolução de 1930 e a

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tomada do poder por Getúlio Vargas, encerrando definitivamente o acordo das elitesagrárias, e instalando um novo formato estatal, que era contrário ao “federalismo”exacerbado defendido pelas elites. Com Vargas, a União passou a concentrar o poder.

A transformação crescente da estrutura política nacional e a contínua diferenciação dosgrupos partidários estaduais, causadas pela crescente urbanização e industrialização,

vão se refletir sobre a organização do poder local, que se desagrega lentamenteperdendo sua feição monolítica. (CAMPELO DE SOUZA, Maria do Carmo (1968). “OProcesso Político Partidário na República Velha”. P. 219)

Importante frisar um aspecto econômico relevante, que Campelo observa.Acerca da industrialização, é valioso atentarmos que

Na realidade, os estudos feitos sobre a evolução brasileira, parecem indicar que oprocesso de industrialização formado no país, não se desenvolveu nos moldes dainstauração da ordem econômica competitiva clássica. O desenvolvimento industrialnão se formou em antagonismo com o setor exportador. A complementaridade dosinteresses que ligavam as duas esferas econômicas vem firmando que não se

constituiu no país uma ideologia industrialista capaz de projetar-se significativamenteno nível político. (CAMPELO DE SOUZA, Maria do Carmo (1968). “O Processo PolíticoPartidário na República Velha”. P. 220) 

i  O presente fichamento refere-se ao texto CAMPELO DE SOUZA, Maria do Carmo (1968). “O Processo Político

Partidário na República Velha”, in Guilherme da Mota, Carlos (org.) Brasil em Perspectiva (São Paulo:DIFEL). 1 CAMPELO DE SOUZA, Maria do Carmo (1968). “O Processo Político Partidário na República Velha”. p.162

2 CAMPELO DE SOUZA, Maria do Carmo (1968). “O Processo Político Partidário na República Velha”. p.164

3CAMPELO DE SOUZA, Maria do Carmo (1968). “O Processo Político Partidário na República Velha”. p.166

4CAMPELO DE SOUZA, Maria do Carmo (1968). “O Processo Político Partidário na República Velha”. p.167-168

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 CAMPELO DE SOUZA, Maria do Carmo (1968). “O Processo Político Partidário na República Velha”. p.1696As disputas entre as forças políticas gaúchas, pelo controle do poder no estado, deflagraram um conflito armado

de grandes proporções, a herança do período de Floriano Peixoto – que adotou postura neutra – desgastou

politicamente Prudente de Moraes.7 CAMPELO DE SOUZA, Maria do Carmo (1968). “O Processo Político Partidário na República Velha”. p.182

8A gestão Epitácio (1918-1922), embora possa parecer uma brecha na hegemonia dos Estados mais fortes,

representou, não obstante sua efetivação. (CAMPELO DE SOUZA, Maria do Carmo (1968). “O Processo Político

Partidário na República Velha”. P. 213)

BIBLIOGRAFIA

CAMPELO DE SOUZA, Maria do Carmo (1968). “O Processo Político Partidário na República Velha”, in Guilherme da Mota, Carlos (org.) Brasil em Perspectiva

(São Paulo: DIFEL).