Ficha de Leitura - Gustav Radbruch

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  • 8/8/2019 Ficha de Leitura - Gustav Radbruch

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    Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Misses URI

    Campus de Santo ngelo

    Curso de Direito

    Programa de ps-graduao em Direito - Mestrado em Direito

    Disciplina: Multiculturalismo: Identidade e Diversidade

    Professor: Vicente de Paulo Barreto

    Ficha de leituraRADBRUCH, Gustav. Filosofia do direito. Coimbra:

    Armnio Amado Editor. 1974. p. 97-113.

    Aluno: Joel Saueressig

    Santo ngelo, 30 de outubro de 2006.

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    Direito e Moral

    Gustav Radbruch, citando em nota de rodap o pensamento de

    Strindberg sobre o tema do direito e da moral, coloca de forma introdutria (p.

    97):

    Tem-se sempre querido manter as leis morais to indefinidas quantopossvel. Porque no se fixam e imprimem, como se faz para as leisdivinas e civis? Talvez porque a lei moral, se fosse honestamenteredigida, viria a conter tambm os direitos do homem.

    Estabelecida est a diferenciao entre os diversos conceitos de

    lei, mesmo que peremptoriamente. Uma diferenciao que reside no que mais

    se assemelha ao direito: a moral e os bons costumes (p. 98).

    Evoluindo na conceitualizao abordada pelo autor, se chega ao

    ponto de avaliao de que o direito um conceito cultural, e a tica um

    conceito de valor (p. 98). Logo, estabelece a tica uma ponte para com a

    moral.

    H a formao da anttese, como o prprio autor se refere do

    binmio exterioridade-interioridade. Enquanto o direito atua na esfera externa

    dos relacionamentos dos homens, a moral est calcada na sua interioridade.

    Entretanto, apesar de uma interpretao sistmica de que h universos

    separados nos conceitos abordados, Radbruch coloca que a moral enquantoconduta interior , muitas vezes, juridicamente relevante, ou seja, h uma

    comunicao intersistmica (p. 99):

    Por conseguinte, h que reconhecer que tanto a conduta exterior susceptvel de ser objeto de valoraes morais, como a interior serobjeto de valoraes jurdicas. No h, pode dizer-se, um nicodomnio da conduta humana, quer interior, quer exterior, que noseja susceptvel de ser ao mesmo tempo objeto de apreciaesmorais e jurdicas.

    Este relacionamento entre os conceitos mais bem explorado peloautor quando o mesmo exemplifica que no campo jurdico, quando existem

    direitos e obrigaes, ou crditos e dbitos. Na moral este comparativo com

    o jurdico coloca que o chamado dever moral no se constitui como um dbito,

    mas sim um dever, apenas e to somente (p.102).

    Retomando o binmio exterioridade-interioridade, traz Radbruch

    (p.103):

    A moral exige que cumpramos os nossos deveres pelo sentimentopuro do dever. O direito admite outros mbeis no cumprimento dosnossos deveres jurdicos. A moral no se satisfaz sem a conscincia

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    harmnica com a norma. O direito menos exigente e requerapenas a conduta conforme ao preceito. Como dizia KANT, a moralreclama moralidade (esprito de moralidade); o direito apenaslegalidade (observncia exterior).

    Indo alm, mas sem se distanciar do interior e do exterior, coloca o

    autor (p. 100):

    Isto : a conduta exterior s interessa moral na medida em queexprime uma conduta interior; a conduta interior s interessa aodireito na medida em que anuncia ou deixa esperar uma condutaexterior.

    O exemplo traado diz respeito amizade. O direito, por sua vez

    em nada tem a ver com a amizade entre os homens, pois se trata a amizade de

    uma conduta que exprime uma atitude afectiva interior. Neste vis, os verbos

    anunciar e exprimir ganham relevante diferenciao. Enquanto o primeirodenota o direito e suas ramificaes, o segundo d amizade algo interior, de

    contedo moral, irrelevante para o direito em si (p. 100).

    Chega-se, inevitavelmente, a uma diferenciao entre moralidade

    e legalidade. Estes dois diferentes conceitos caracterizam pela diferenciao

    entre os substratos (p. 104):

    Tal distino no pode significar, por outras palavras, seno o factode que s a moral tem por objecto o homem individual com todos os

    seus mbeis de aco, ao passo que o direito tem apenas comoobjecto a vida dos homens em comum na qual somente a condutaexterior destes interessa (a interior apenas indirectamente).

    Mais a frente, o autor coloca lado a lado norma e imperativo (p.

    105-106):

    Podemos compreender melhor esta distino, se tomarmos emconsiderao qualquer preceito em que uma norma apareceassociada a um imperativo, ou em que um certo contedonormativo reveste uma forma imperativa (3). Por exemplo este:cumpre o teu dever! Se separarmos neste preceito o seusentido do prprio preceito que lhe serve de suporte isto , oque nele se acha expresso, abstraindo da prpria expresso emsi mesma obteremos, por um lado, um ser (o suporte, aexpresso, o preceito em si), como alguma coisa que se achadelimitada no tempo e no espao, causalmente determinada edeterminante como seja, por exemplo, uma srie de sons quese ouvem agora, aqui, produzidos pelo processo psico-fisiolgico de quem os emitiu e que do origem a um processoidntico naquele que os escuta.

    Mais adiante, esta distino perfeitamente compreendida quando

    o autor menciona que A norma uma no-realidade que deve realizar-se. O

    imperativo, esse, sempre j uma realidade. Fica evidenciado por Radbruch

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    que o imperativo tal qual classifica o autor um meio para se alcanar a

    norma, isto , o fim (p. 106).

    Conceitos como de heteronomia e autonomia tambm so

    levantados pelo autor. Seria o direito heternomo enquanto a moral autnoma

    (p. 107).

    O autor coloca, tambm, que, embora haja diferenciaes entre o

    direito e a moral, igualmente existe uma estreiteza nas relaes entre ambos. E

    esta relao consiste no plano coincidente do contedo das exigncias, causal

    e parcialmente (p. 109).

    Ademais, em outros termos comparativos, traz Radbruch (p. 110):

    A moral no faz mais que submeter-se aqui a uma legislao

    estranha, abandonando-se dialctica especfica dum outro domnioda razo e assinando, por assim dizer, numa letra em branco, aaceitao dum dever, cujo contedo exacto h de vir a fixar-sedepois num outro domnio normativo.

    A referncia , portanto, quanto ao interlace entre direito e moral, e

    a ao de um frente e dentro do outro. Evidentemente que este raciocnio

    desembarca na norma moral (p. 111). Ou, em outras palavras, a norma

    consagra um esprito, um momento tico, que est, indubitavelmente,

    relacionado moral.

    Desta forma, coaduna o direito para com o que se tem de ser

    cumprido atravs dele de forma moral. Ou, o direito comporta de forma

    precpua o dever moral. Logo, este dever moral consubstancia o dever de

    defesa do direito, do direito de quem o possui (p. 112).

    Esta vertente de pensamento apenas uma hiptese. Radbruch ao

    final do seu raciocnio em que aponta vrios autores (Jehring, Kohlhaas,

    Shylock), coloca que O direito apenas a possibilidade da moral e por isso

    mesmo tambm a possibilidade da imoralidade (p. 112-113). O direito acaba

    tornando possvel a moral. Entretanto tambm torna possvel a negao

    expressa desta mesma moral (p. 113).

    Conclusivamente, O direito comea por se encontrar ao lado da

    moral, mas estranho a ela, diferente dela e at, possivelmente, oposto a ela,

    como acontece com os meios colocados ao lado dos fins. Inegvel que fica

    estabelecida uma diferenciao entre um e outro. Mas inegvel, no mesmo

    sentido, que existe uma relao muito ntima entre ambos.