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GT 8 – Formas de participação de pescadores artesanais na gestão ambiental: potencialidades e limites “O mangal fica muito batido”: visão da utilização do manguezal pelo pescador extrativista da Vila Sorriso, São Caetano de Odivelas/Pa. Daniel dos Santos Fernandes i Neila de Jesus Ribeiro Almeida ii i Doutor em Ciências Sociais - Antropologia/Professor- pesquisador/Faculdades Integradas Ipiranga, [email protected] ii Mestranda em Gestão dos Recursos Naturais e Desenvolvimento da Amazônia/NUMA-UFPA, [email protected] RESUMO Trata de um estudo parcial sobre a relação entre pescadores extrativistas e o ecossistema de manguezal, a partir do modelo das dinâmicas sociais da comunidade Vila Sorriso, situada a 7,5 km da sede do município de São Caetano de Odivelas/Pa. Objetiva identificar possibilidades de gestão ambiental, em áreas de uso de recursos comuns com pescadores extrativistas do manguezal. Levando em consideração seus modos de vida como subsistência e comercialização em pequena escala, seus saberes e práticas em relação aos usos do manguezal e socialização de possíveis ações que reduzam os impactos negativos no 1

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Trata de um estudo parcial sobre a relação entre pescadores extrativistas e o ecossistema de manguezal, a partir do modelo das dinâmicas sociais da comunidade Vila Sorriso, situada a 7,5 km da sede do município de São Caetano de Odivelas/Pa.

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GT 8 – Formas de participação de pescadores artesanais na gestão ambiental: potencialidades e limites

“O mangal fica muito batido”: visão da utilização do manguezal pelo pescador extrativista da Vila Sorriso, São Caetano de Odivelas/Pa.

Daniel dos Santos Fernandesi

Neila de Jesus Ribeiro Almeidaii

i Doutor em Ciências Sociais - Antropologia/Professor-pesquisador/Faculdades Integradas Ipiranga, [email protected]

ii Mestranda em Gestão dos Recursos Naturais e Desenvolvimento da Amazônia/NUMA-UFPA, [email protected]

RESUMO

Trata de um estudo parcial sobre a relação entre pescadores extrativistas e o

ecossistema de manguezal, a partir do modelo das dinâmicas sociais da comunidade

Vila Sorriso, situada a 7,5 km da sede do município de São Caetano de Odivelas/Pa.

Objetiva identificar possibilidades de gestão ambiental, em áreas de uso de recursos

comuns com pescadores extrativistas do manguezal. Levando em consideração seus

modos de vida como subsistência e comercialização em pequena escala, seus saberes e

práticas em relação aos usos do manguezal e socialização de possíveis ações que

reduzam os impactos negativos no ecossistema local, a partir de discussões sobre gestão

participativa.

Palavras-chaves: Gestão Ambiental, Uso de Recursos Comuns, Pescadores

Extrativistas do Manguezal, Dinâmicas Sociais.

1 INTRODUÇÃO

A necessidade de repensar constantemente práticas que viabilizem a melhoria da

qualidade de vida, com menor impacto possível no meio ambiente, buscando fixar os

seres humanos em seu espaço vivencial, é o pensamento mais coerente para a solução

de alguns problemas socioambientais.

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Tendo a zona costeira como um dos biomas mais importantes, procura-se trabalhar

seus ecossistemas, fundamentais, para a vida marinha e estuarina, sendo que nesta

pesquisa dá-se enfoque, a população que vive diretamente dos recursos naturais

extraídos do manguezal e suas interações com este ecossistema.

Neste sentido o município de São Caetano de Odivelas pertencente ao Estado do

Pará, foi escolhido por estar situado em sua maior parte em área de manguezal, segundo

a legislação brasileira esta área é considerada Área de Preservação Permanente (APP),

em que possui vários meios de proteção através de leis federais, estaduais e municipais.

Além do acervo do ecossistema de manguezal, o município também é conhecido neste

estado como a Terra do caranguejo.

Desta forma foi selecionada a comunidade Vila Sorriso, por ser considerada na

região uma das comunidades que mais trabalha na coleta de crustáceo, especificamente

do Ucides cordatus L., 1763 conhecido como caranguejo-uçá. A população que trabalha

na coleta deste crustáceo, vinculada à Colônia de Pescadores Z-04 situada na sede do

município, é considerada Pescador (a) Extrativista do Manguezal.

Procurou-se identificar a população que trabalha diretamente no ecossistema

manguezal, conhecer os saberes, as práticas e os modos de uso deste ecossistema,

fazendo relação com as questões de conservação e conseqüente socialização de

discussões preliminares sobre gestão ambiental, para possíveis ações que reduzam os

impactos negativos nos recursos naturais da área de manguezal local, visando sua

utilização sustentável.

2 GESTÃO AMBIENTAL PARTICIPATIVA

É necessário antes de falarmos em gestão ambiental participativa, observarmos que

a partir da Constituição de 1988, fez-se necessário a organização de conselhos gestores

que pudessem respaldar a construção da idéia de espaço público jurídico-institucional,

onde o planejamento de políticas públicas fosse ratificado, acreditando-se que nestes

espaços formais teriam as demandas legitimadas, pensando-se em espaços de posturas

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democráticas onde os diversos segmentos existentes pudessem ter seus embates

possibilitando saídas mais plausíveis e inclusivas.

A existência destes conselhos possibilitaria a construção de estruturas mais

democráticas, bem como, a visibilidade dos segmentos populares, o que não inibiu a

possibilidade de desvios de propósitos, como a existência de conselhos, que por não

terem a capacitação necessária para as discussões, envolvendo representatividade,

facilitou a manipulação por grupos de interesse não sintonizados com as demandas

populares.

Assim, as populações categorizadas tradicionais podem estar sujeitas a pressão de

segmentos políticos partidários, que utilizam seus territórios para empreendimentos

imobiliários ou culturas não endógenas, que levam em direção a um desequilíbrio

socioambiental, podendo causar a destruição de seus espaços e componentes de

alimentação e renda.

São amplas as discussões que envolvem a questão da gestão ambiental e as

populações residentes nos diversos ecossistemas, o que leva em particular ao

posicionamento das populações tradicionais e a variante gestão coletiva de bens

comuns, notadamente, os recursos naturais, que nos direciona a idéias que segundo

Godard (1997, p. 205), são arcabouços de “várias acepções da noção de gestão têm em

comum a idéia de uma ação coletiva voluntária, visando o controle do desenvolvimento

do território, e isto de um ponto de vista simultaneamente espacial e ligado à exploração

dos recursos naturais”.

Mas como fazer esta gestão coletiva de bens comuns levando em consideração o

que ocorre no extrativismo, realizado em áreas de livre acesso, a exemplo dos

manguezais? A prática do extrativismo nesses territórios, tem como visão comum o

direito de uso do recurso por todos aqueles que residem no espaço, mas por vezes

questionando o acesso dos chamados vizinhos de território.

Porém, não existem normas claras sobre o direito de uso deste ou daquele, a

possibilidade de negociações são todas informais e na maioria das vezes as sanções não

vão além da repreensão oral. Possuem regras que foram construídas, através de práticas

sociais legitimadas pelo saber tradicional local passado de geração a geração, na maioria

das vezes pela oralidade cuja transgressão pode ser objeto de conflito entre as

populações envolvidas, entre eles, os pescadores artesanais.

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3 PESCADORES ARTESANAIS NO BRASIIL

Nas ultimas décadas muitos estudos vem sendo desenvolvidos pela necessidade de

proteger os recursos pesqueiros no Brasil, porém desde o período colonial, verificou-se

no Brasil a formação de várias comunidades que viviam diretamente da atividade

pesqueira, principalmente na costa do país.

Essa população originou-se da mistura entre índios, negros e europeus, dando

início a uma cultura rústica e singular, formada pelos pescadores artesanais, vindo de

uma falência do cultivo do café e açúcar na época do Brasil Colônia, onde tinham

necessidade da exploração de outros recursos que não fossem fauna e flora (CLAUZET;

RAMIRES; BARRELLA , 2005).

Há grandes discussões em relação a pesca artesanal, pois de acordo com a

legislação nacional, entende-se por pesca artesanal os trabalhos de confecção e de

reparos de artes e petrechos de pesca, os reparos realizados em embarcações de pequeno

porte e o processamento do produto da pesca artesanal, também quando praticada

diretamente por pescador profissional, de forma autônoma ou em regime de economia

familiar, com meios de produção próprios ou mediante contrato de parceria,

desembarcado, podendo utilizar embarcações de pequeno porte ( BRASIL, 2009). Mas

o que é considerado embarcação de pequeno porte? Essas brechas na lei, prejudicam os

pescadores de modo geral, pois a partir deste impasse muitos ficam sem seus benefícios

por não serem considerados pescadores artesanais.

De acordo com Diegues (1973) Pescadores artesanais podem ser definidos como

aqueles que, na captura e desembarque de toda classe de espécies aquáticas, trabalham

sozinhos e/ou utilizam mão- de- obra familiar ou não assalariada. Neste conceito, o

tamanho da embarcação é independente.

Essa categoria viveu ao longo dos anos, diversas lutas por seus direitos

profissionais, os pescadores artesanais tiveram um grande avanço quando foram

incluídos na previdência social com a promulgação da Lei nº 8213, de 25 de Julho de

1991, quando foram contemplados a usufruir dos mesmos direitos dos trabalhadores

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urbanos, como também tiveram uma equiparação nos valores monetários desses

benefícios cujo piso foi de um salário mínimo.

Considera-se um avanço indiscutível para os pescadores artesanais, pois assim

como os trabalhadores rurais eram parcialmente cobertos e com valores de benefícios

diferentes daqueles do setor urbano, logo, eram parcialmente cidadãos (LOURENÇO;

HENKEL; MANESCHY, 2006).

Atualmente a maioria dos pescadores artesanais do Brasil, estão em uma situação

confortável em relação a seguridade social, principalmente pescadores do sul e sudeste

do país, quando comparados as outras categorias de pescadores, que lutam para gozar de

seus direitos de cidadão. O que pode ser observado na luta incessante dos catadores de

caranguejo do estado do Pará, em que as discussões em cima do Projeto de Lei nº

1186∕2007 do Seguro Defeso para esta categoria, ficam apenas nas salas de reuniões do

Congresso Nacional.

Desta forma a existência da prática da pesca artesanal no país, ainda se mostra

muito frágil para muitos pescadores artesanais, pois assim como os catadores de

caranguejo, estes desconhecem seus direitos e deveres por residirem em localidades

muito afastadas das sedes dos municípios, essa situação que se agrava com a falta de

documentação não apenas destas categorias, mas de inúmeras ligadas a pesca,

principalmente os que trabalham em ecossistema de manguezal.

4 RELAÇÕES ESPECÍFICAS: SER HUMANO E ECOSSISTEMA

MANGUEZAL

O ecossistema de manguezal (FIG. 1) designa um ecossistema formado por uma

associação de animais e plantas que vivem na faixa entremarés das costas tropicais

baixas, ao longo de estuários, deltas, águas salobras interiores, lagoas e lagunas.

De acordo com Alves (2004) o manguezal é considerado uma floresta de mangue,

sendo um ecossistema de transição entre a água e a terra firme, irrigada por uma

infinidade de pequenos canais diariamente inundados pelas águas costeiras.

Reforçando o conceito de manguezal como floresta, de acordo com Isaac et al.

(2003) apontam o ecossistema de manguezal correspondente a um ambiente de floresta,

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composto por poucas espécies de flora, que são resistentes em muitos períodos de

inundação e altos teores salinos, possuem uma fauna associada de uma grande

biodiversidade e conseqüentemente inúmeros grupos taxonômicos.

FIG. 1. Ecossistema de manguezal na região - comunidade Vila Sorriso

FONTE: Neila Almeida, 2011

Este ecossistema, por possuir uma biodiversidade principalmente de fauna, garante

a subsistência de comunidades específicas que vivem deste ecossistema, seja através da

extração de alimentos que fornece ou de outros produtos que oferece, extraídos com

práticas tradicionais.

O Brasil apresenta leis na esfera nacional, estadual e municipal que protegem os

manguezais considerados Área de Preservação Permanente (APP) conforme o Código

Florestal, a Lei 771 em seu artigo 2º de 17 de Setembro de 1965; também no artigo 18º

da Lei 6.938 de 31 de Agosto de 1981, pelo Decreto 89.336 de 31 de Abril de 1984 e

pela Resolução nº 04 do Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA) de 18 de

Setembro de 1985. Como são protegidos por Lei os manguezais não podem sofrer

nenhum tipo de destruição ou degradação por parte do homem .

Segundo a União Internacional para conservação da natureza (1983) o litoral

brasileiro apresenta a mais extensa área de ecossistema de manguezal do mundo,

possuindo cerca de 25.000 km que se estende desde o Amapá até Santa Catarina de

Norte a Sul do Brasil, sendo que na Amazônia há grande concentração deste

ecossistema ocupado por diversificados grupos sociais que tem o manguezal sua

principal fonte de sobrevivência, como os extrativistas.

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A característica marcante das populações extrativistas da Amazônia é o usufruto

familiar e social dos recursos naturais, onde os espaços são explorados por famílias,

onde os recursos de caça e pesca, tomam o aspecto de coletivo.

As populações extrativistas de manguezal da mesma forma como Allegretti (1994:

25-6), no caso dos seringueiros, afirma que

rígidos limites de uso e propriedade, individuais, não correspondem à realidade dos seringais. (...) O próprio conceito de propriedade, medida em hectares, somente foi introduzido na Amazônia com as fazendas. Até então, media-se a floresta em números de seringueiras, as distâncias em horas de caminhada, e os limites entre seringais, através dos rios e igarapés.

Salvo as devidas proporções nas áreas de florestas de manguezais é usada a mesma

lógica. O que favorece a uma idéia de território diferenciado, bem como, o que seria

bem comum.

Diegues (1996: 428) diz sobre diversas “formas comunitárias de apropriação de

espaços e recursos naturais” baseadas num “conjunto de regras e valores

consuetudinários, da ‘lei do respeito’, e de uma teia de reciprocidades sociais onde o

parentesco e o compadrio assumem um papel preponderante”. O que coloca o

ecossistema de manguezal também como território, onde existem formas de apropriação

articuladas em função de seus usos, significados e conhecimentos das águas. Fazendo

das águas a continuação do território de uso além da terra. As populações extrativistas

de manguezal têm na marcação de território

“um elemento fundamental à apropriação e ao usufruto do mar pelos pescadores. (...) A familiaridade de cada grupo de pescadores com uma dessas áreas marítimas, cria territórios que são incorporados à sua tradição. Na mesma medida em que é um recurso ou um espaço de subsistência, o território encompassa também a noção de lugar mediante a qual os povos marítimos definem e delimitam o mar” (Maldonado 1993: 105).

O que pode justificar algumas situações polivalentes em áreas de estuários ou

transição, onde existe a incorporação na fala das populações locais quanto ao uso do

mar e da terra como práticas tradicionais. O que leva-nos a necessidade de analisarmos

cada vez mais os vários modelos de “territórios sociais” (LITTLE, 2002 ) em confronto

com as noções de preservação, conservação, gestão ambiental participativa.

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5 RESULTADOS E DISCUSSÕES

5.1 CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO

5.1.1 São Caetano de Odivelas

O município de São Caetano de Odivelas situa-se no nordeste do estado do Pará,

na costa Atlântica, na micro-região do salgado, entre os municípios de Santo Antônio do

Tauá e Vigia de Nazaré. Distando aproximadamente 120 quilômetros da capital do

estado, indo pela PA-140.

Em 1755(257 anos 2012) a localidade foi elevada à Freguesia com o nome de São

Caetano de Odivelas e, em 1757 foi criado como distrito, sendo que em 1833, passou a

fazer parte do território de Vigia. Em 1872, a sede da então freguesia recebeu predicado

de Vila (IBGE, 2010). Nessa ocasião, foi criado o município, que se instalou em

1874(138 anos em 2012). Entretanto com a extinção sofrida em 1930, o seu território

fora anexado ao dos municípios de Curuçá e de Vigia, dos quais três anos depois se

desmembrou, onde em 1935 se emancipou político administrativamente.

5.1.2 A Vila Sorriso

A Vila Sorriso, está localizada aproximadamente a 7,5 Km da sede do município,

caracteriza-se pelo ecossistema de manguezal em seu entorno, por sua fauna e flora

nativa da região da costa Amazônica e pela população pesqueira extrativista.

Situa-se às margens da estrada que liga a sede do município a Vila de Boa Vista do

Camapú, distribuindo-se em 1.350 m da estrada, com diversificados tipos de moradias.

Na região onde está localizada a Vila Sorriso, pode ser observada uma grande

extensão de área verde, essa área é composta por diversificados ecossistemas com

predominância o de manguezal.

É nesta área que a comunidade sorriense extrai os recursos naturais, em abundância

o caranguejo-uçá. Nesta região também são encontradas as palmeiras de onde é

retiradas as folhas para a confecção dos cofos, cestas para armazenagem do caranguejo.

A comunidade é composta por 77 residências distribuída às margens do ramal que

liga a Vila de Pererú à Vila de Boa Vista do Camapú. Não possui pavimentação,

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segundo os moradores no período chuvoso alaga e no período que não chove a poeira

toma conta da comunidade.

5.2 A PESCA EXTRATIVISTA DO MANGUEZAL

A população da Vila Sorriso exerce diversas atividades para sobreviver, dentre elas

a principal é, a pesca extrativista em manguezal. Os pescadores que exercem esta

atividade são chamados de pescadores extrativistas do manguezal, categoria esta

reconhecida pela colônia de pescadores local. Este grupo é conhecido em outras regiões

do estado do Pará e do Brasil, como catadores de caranguejo e marisqueiros

respectivamente.

5.2.1 Pescadores e Pescadoras do Manguezal da Vila Sorriso

A comunidade Vila Sorriso conta com uma população pesqueira extrativista do

manguezal bem diversificada na questão de faixa etária e de sexo.

Os 93 pescadores extrativistas do manguezal são homens e mulheres com idade

que varia de 15 a 55 anos, que tiram seu sustento a partir da captura do caranguejo-uçá.

Esta categoria é composta de 52 pescadores extrativistas e 41 pescadoras extrativistas.

Esta categoria faz parte de uma população que vive próximo ou na zona costeira

que depende diretamente do mar e de suas influências. Na Vila Sorriso estes pescadores

e pescadoras extrativistas dependem diretamente do ecossistema de manguezal,

particularmente da captura do caranguejo-uçá.

A comunidade utiliza-se de três maneiras de pesca extrativista, a primeira é

conhecida como a técnica do laço, a segundo como a técnica da tapagem e a terceira

como a técnica do braço, soco ou muque.

A técnica do laço é feita a partir da confecção de um tipo de laço com fio de náilon

e um pedaço de madeira, no manguezal quando identificada a galeria a madeira é fixada

no substrato e o laço ao redor da galeria. No dia seguinte o laço é retirado com o

crustáceo laçado, logo é feita a despesca. Muitos extrativistas preferem trabalhar na

técnica do laço, por ser menos cansativo e principalmente por ser mais difícil de

acontecer acidentes.

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Na tapagem são utilizados apetrechos para ajudar na proteção dos pés, como sapato

e perneira, feito de tecido de algodão, pois esta técnica é feita apenas com um dos pés,

resumindo-se em movimentos repetitivos de “jogar” sedimento para tapar a toca do

caranguejo-uçá. Sendo que depois de alguns minutos que o animal fica sem respirar, o

mesmo vem a superfície da galeria, onde é capturado pelo extrativista.

Na terceira técnica, pode ser observado que é necessário muito esforço físico, pois

é caracterizada por um soco na galeria com a intenção de furá-la, logo todo o braço é

introduzido até o crustáceo ser alcançado. É usada a braceira, tipo de luva colocada em

uma das mãos em que se estende até o ombro, para a proteção no momento da captura.

Esses conhecimentos são passados de geração a geração, sendo que das três

técnicas utilizadas, apenas a terceira é considerada legal pelos órgãos ambientais,

fazendo dessas práticas motivos de necessidades de discussões no aspecto de gestão

ambiental local.

5.2.2 Dinâmicas Sociais

A extração do crustáceo é considerada a base econômica da comunidade Vila

Sorriso, pois é dessa atividade que os pescadores extrativistas do manguezal compram

outros alimentos, produtos de necessidade básica, tarifas de energia elétrica e água, bem

como, pagam mensalmente a colônia de pescadores, onde são filiados, na categoria de

pescadores extrativista do manguezal.

No período da captura plena do caranguejo os homens saem no que denominam

“baixada”, quando ficam até sete dias pelos diversos manguezais da região e as

mulheres nas moradias, o que não faculta suas idas diárias ao manguezal mais próximo,

em decorrência de suas obrigações domésticas. Interessante informar que a figura do

“atravessador”, que hoje é apenas o comerciante que leva os caranguejos para

comercialização de primeira mão para outros comerciantes, era aquele que atravessava a

produção pelo rio durante a baixada.

No período do defeso do caranguejo em que a comercialização está proibida, a

comunidade extrativista busca algumas alternativas para sobreviver como: a pesca do

camarão, do turu e da ostra, já que os pescadores da região nunca receberam o seguro

defeso. Por isso intensifica-se a pesca do camarão, denominado pela comunidade “rasto

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do pulsal”, quando certo acordo velado, entre os casais acontece, onde as mulheres saem

de manhã para a pesca do camarão (FIG. 2), e os homens ficam em casa. E a noite o

inverso.

FIG. 2. Saída pelo Igarapé Pratiquara até a boca do Oceano

FONTE: Neila Almeida, 2010

A busca pela necessidade de uma espécie de proteção familiar, fez com que os

antigos catadores (as) de caranguejos da Vila Sorriso procurassem colonizarem-se, a

partir de uma possibilidade que a Colônia Z-04 propiciou com a criação da categoria de

pescadores (as) extrativistas do manguezal, por volta de 2002. Em 2005, também

começam os primeiros interesses das pescadoras extrativistas em associarem-se na

Associação das Mulheres Pescadoras do Pererú, organização existente desde a década

de 90 do século 20, a partir de “um interesse de ganhar casa própria de alvenaria”, como

diz Lucy1, ganho vinculado a filiação na associação, o que não aconteceu na prática.

Apesar dos interesses nascentes, nos anos 2000, pela associação as organizações

ligadas à pesca, não existe nenhum plano de ação destas para uma mobilização mais

objetiva, que demonstre a necessidade efetiva do envolvimento de seus associados em

prol de uma gestão participativa, seja co-participante ou adaptativa. O que não nega a

preocupação da necessidade de um “jeito de não acabar o mangal” ou “deixar o mangue

muito batido”, ou seja, manguezal usado indiscriminadamente, como diz Jeovanio2, ao

falar sobre a pesca extrativista do manguezal da Vila Sorriso.

________________________________ 1. Luciléia Soares pescadora extrativista do manguezal da Vila Sorriso, filiada a Colônia de Pescadores Z4, pertencente ao Conselho

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Fiscal e associada na Associação das Mulheres Pescadoras e Agricultoras do Pererú (AMPAP).

2. Jeovanio Alcântara Guimaraes pescador extrativista do manguezal da Vila Sorriso, filia do a Colônia de Pescadores Z4.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considerando a dinâmica das relações entre os seres humanos e suas interações

com os ecossistemas de manguezal, uma nova ordem pode ser estabelecida em relação

ao planejamento de uso e de ocupação dessas regiões.

Levando em conta, a perspectiva das mudanças climáticas globais que ocasionam

em transformações ambientais em todas as suas esferas física, biológica, sociocultural e

econômica tanto em níveis regional como global. O grande impasse é: como organizar o

planejamento das populações que vivem diretamente da extração dos recursos naturais?

Neste sentido alguns programas voltados para organização dos territórios em que

estão inseridas as populações tradicionais pesqueiras, podem ser uma das saídas, desde

que, a atuação dos diversos segmentos ligados à pesca das zonas envolvidas possa

acontecer de forma realmente efetiva.

As colônias de pescadores como organização, ainda são muito importante na visão

dos diversos segmentos da pesca, com seu poder mais do que simbólico, tenha uma

efetiva participação pelos interesses de seus “colonizados”3, bem como, as diversas

associações do segmento da pesca, na forma mais próxima para capacitação e

envolvimento de seus associados nas políticas públicas do setor.

Os pescadores extrativistas da Vila Sorriso encontram muitas dificuldades, pela

falta de incentivo das autoridades do município em proporcionar-lhes uma estrutura e

orientação para a conservação do ecossistema de manguezal.

Esses extrativistas esperam que a colônia de pescadores local, na qual são filiados,

ajudem no desenvolvimento da comunidade, pois pagando a colônia mensalmente eles

acreditam que quando precisarem de algum benefício, obterão por meio desta

organização social.

Não existe dúvida na esperança que eles têm em receber o seguro defeso, sempre

associando com a melhoria da qualidade de vida e a igualdade com as outras categorias

do setor pesqueiro existente na Colônia Z-04.

___________________________3. Denominação utilizada, pelos próprios filiados, a condição de pertencentes a Colônia Z4.

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