Federaliza o Direitos Humanos

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    FFEEDDEERRAALLIIZZAAOO DDAASS GGRRAAVVEESS VVIIOOLLAAEESS AAOOSS DDIIRREEIITTOOSS HHUUMMAANNOOSS::

    MMOOTTIIVVAAEESS EE AABBRRAANNGGNNCCIIAA DDOO IINNSSTTIITTUUTTOO1

    Ana Luisa Zago de Moraes2 Daniel Lena Marchiori Neto3

    RESUMO: Desde muito tempo, a preocupao com os direitos e garantias fundamentais orienta a comunidadeinternacional a exigir dos pases o cumprimento dos tratados e convenes ratificados. No caso brasileiro, as incontveviolaes mostradas pela mdia levaram a uma postura mais efetiva, com vistas a recuperar o prestgio internacional. Nesscenrio, atravs da Emenda Constitucional n. 45, surge o Incidente de Deslocamento de Competncia (IDC), um novdispositivo processual que permite a federalizao de processos que versarem sobre grave violao aos direitos humanosContudo, os termos empregados pela Emenda so bastante genricos, fato que certamente suscitar muitas dvidas. Nestsentido, o presente artigo tem por escopo analisar o contexto em que a expressodireitos humanos empregada,verificando sua preciso terminolgica e algumas hipteses de abrangncia.PALAVRAS-CHAVE:Direitos Humanos, Incidente de Deslocamento de Competncia, Emenda Constitucional n. 45.

    Federalization of Grave violations of the Human Rights: motivations and extension of theinstitute

    ABSTRACT:Since a long time, the preoccupation with the human rights guides the International Community to demandthe accomplishment of the treaties and conventions ratified. In the Brazilian case, the numberless violations shown by thmedia caused a more effective reaction, seeking to recuperate the international reputation. In this panorama, the Incident oJurisdictional Displacement arises through the Constitutional Amendment n. 45/2004; this new procedure instrumenallows the federalization of lawsuits that deal with a grave violation of the human rights. However, the terms used by thAmendment are very generic, fact that will certainly excite many doubts. Contemplating this, the present article aims tanalyze the context in which the expressionhuman rightsis used, verifying its terminological precision and someexamples.KEY-WORDS:Human Rights, Incident of Jurisdictional Displacement, Constitutional Amendment n. 45/2004.

    1 Artigo cientfico apresentado Disciplina de Direitos Humanos e Democracia, do Departamento de Direito daUniversidade Federal de Santa Maria, ministrada pelas Professoras Jnia Maria Lopes Saldanha e Ana Carolina MachadRatkiewicz, como parte dos requisitos de avaliao.2 Acadmica do Curso de Direito da Universidade Federal de Santa Maria.3 Acadmico do Curso de Direito da Universidade Federal de Santa Maria.

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    1. IntroduoNuma sociedade altamente globalizada e complexa, a preocupao com a efetividade

    dos direitos humanos transcende ao prprio limite fsico dos Estados. Nesse sentido, acomunidade internacional, h dcadas, vem exigindo o cumprimento dos tratados econvenes firmados, numa incessante preocupao com o indivduo (visto talvez como umprprio sujeito de direito internacional) e suas garantias.

    Para infortnio de todos os brasileiros, o Pas tem sido palco de incontveis violaesaos direitos fundamentais, fatos que repercutem negativamente a imagem do Brasil perante osdemais pases. Desta forma, numa tentativa de recuperar o prestgio internacional, bem como

    de firmar a efetiva soberania sobre os crimes ocorridos em territrio ptrio, a EmentaConstitucional n. 45 instituiu um novo instrumento processual, o Incidente de Deslocamentode Competncia (IDC).

    Atravs desse dispositivo, poder o Procurador-Geral da Repblica solicitar, perante oSuperior Tribunal de Justia, o deslocamento da competncia para a Justia Federal quando alide versar sobre grave violao aos direitos humanos. Contudo, desde as primeiras discusses,o IDC angariou inmeras crticas, especialmente no que tange esfera do pacto federativo e

    dos princpios do juiz e do promotor naturais. Alm disso, a redao final do art. 109, 5, daConstituio Federal bastante confusa ao delimitar a abrangncia do instituto s gravesviolaes aos direitos humanos. Afinal de contas, o que poderia ser consideradograve? Equal a extenso do termodireitos humanos?

    Ressalta-se que o presente trabalho no tem por finalidade adentrar nas questesprocessuais e (in)constitucionais que a doutrina hodiernamente vem mencionando. O objetivoproposto o de analisar o contexto em que o termodireitos humanos empregado, verificandosua preciso terminolgica e algumas hipteses de abrangncia, tendo como referencial tericoa viso do constitucionalismo moderno, em especial, de autores como Norberto Bobbio.

    Para tanto, o artigo dividido em quatro partes. Num primeiro momento, seromostradas algumas das motivaes que levaram propositura do IDC. Logo aps, far-se- umbreve histrico da tramitao do projeto, com nfase nos trabalhos coordenados pela Dra.Flvia Piovesan. A terceira parte versa sobre o conceito e a fora normativa dos direitoshumanos. Por fim, tentar-se- descrever um cenrio para a interpretao desses direitos,conforme as premissas lanadas nas sees anteriores.

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    2. MotivaesO Incidente de Deslocamento de Competncia (IDC) foi institudo pela Emenda

    Constitucional n 45, que acrescentou o inciso V-A e o pargrafo 5 ao artigo 109 daConstituio Federal. Tal instituto sobreveio com o objetivo de garantir a efetiva aplicabilidadedos direitos humanos, em face do cumprimento de tratados internacionais ratificados pelo Pas.

    Nesse passo, observa-se que os tratados so celebrados por pessoas jurdicas de DireitoInternacional Pblico, vale dizer, os Estados soberanos e as organizaes internacionais.Segundo Rezek (2005), em conformidade com o artigo 21, inciso I, da CF, cabe Unio, e noaos Estados-Membros (pessoas jurdicas de direito pblico interno) dar efetividade aos

    acordos. Por isso, o deslocamento da competncia para a Justia Federal reproduz a intenodo Estado em resolver as violaes de tais convenes. Trindade (2005) delineia com acuidadeas obrigaes dos Estados perante a comunidade internacional:

    A superviso internacional da compatibilidade dos atos internos dos Estado com suasobrigaes internacionais de proteo; a compatibilizao e preveno de conflitosentre as jurisdies internacional e nacional em matria de direitos humanos; aobrigao internacional dos Estados de provimento de recursos de direito internoeficazes; e a funo dos rgos e procedimentos do direito pblico interno.(TRINDADE, 2005).

    Cuida-se o IDC, portanto, de instrumento derivado da obrigao internacional dosEstados em prover-se de recursos de direito interno eficazes. Mesmo porque, ainda que nodetivesse a jurisdio para processar e julgar os eventos violadores de tratados, aresponsabilidade internacional decorrente lhes seria atribuda.

    Sobreleva mencionar que no mbito da Federao, o chamamento da Unio paraviabilizar a tutela aos direitos humanos, quando os Estados no agirem adequadamente, jestava previsto na vigente ordem constitucional positiva, de acordo com o artigo 34, incisoVII, alnea b, da Constituio Federal, que prev a interveno Federal para assegurar osdireitos da pessoa humana.

    A motivao para o dispositivo do IDC reside no fato de que o Brasil aderiu aosprincipais tratados sobre Direitos Humanos e, ainda, Corte Interamericana de DireitosHumanos em 1998. No mais, relatrios dessa Corte - criada em 1959 com o intuito depromover os direitos proclamados pela Declarao Americana dos Direitos e Deveres doHomem de 1948 e pela Declarao Universal dos Direitos Humanos de 1948 - constataram

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    deficincias no direito interno e na atuao da Justia dos pases do continente americano, bemcomo instou os pases a estabelecer recursos e procedimentos de direito interno para a plena

    vigncia dos direitos humanos4.

    No obstante, repercusses miditicas formaram o substrato para a construo da teseda federalizao. Segundo Aras (2005), discutia-se a federalizao do julgamento decrimes,como base naescalada de violncia e da impunidade em vrias regies do pas, cujos maioresexemplos so as chacinas e crimes de mando ocorridos em Eldorado dos Carajs (sendo este oevento que reacendeu os debates acerca do IDC), Vigrio Geral, Carandiru, Parauapebas,Xapuri, Candelria e Queimados. Isso porque, alm da grave violao aos direitos humanos, os

    mencionados eventos repercutem negativamente a imagem do Brasil perante o resto do mundo,ensejando uma resposta eficaz por parte da Unio.

    Nesse sentido, Hlio Bicudo, vice-prefeito de So Paulo e ex-integrante da ComissoInteramericana dos Direitos Humanos (1998-2001), manifestou-se acerca do caso Eldorado deCarajs (homicdio de 19 trabalhadores rurais no conflito com a polcia militar do Estado doPar, em 1996). Aps discorrer sobre o cenrio de impunidade, no qual formam-se quadrilhasde pistoleiros conjugadas com efetivos da polcia militar, responsveis pela eliminao deimportantes lideranas de movimentos populares , concluiu que:

    A verdade que os crimes contra os direitos humanos deveriam ser submetidos, desdesua apurao at o julgamento dos fatos, Justia Federal, isenta de injunes poltico-corporativas, como lamentavelmente ocorre na maioria dos Estados daFederao. [...] Assim se cumpriria o princpio de que os rus devem ser julgados por uma justia autnoma e imparcial. (BICUDO apud SCREBER et al., 2005).

    Preleciona Resek (2005) que, nas federaes em geral, os crimes previstos em textos

    internacionais so delitos federais e da competncia dosistema federal de justia.Atribui,como vantagens, a jurisprudncia uniforme, unida, sobre a temtica, no tomando caminhosdiversos conforme a unidade da federao em que o delito foi processado.

    4Nesse sentido, a resoluo adotada na stima sesso plenria, realizada em junho de 1997, ou seja,contempornea s discusses sobre o Projeto de Emenda Constitucional, indica a adoo de mecanismo internos

    de promoo e proteo aos direitos humanos.

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    3. Histrico da tramitao do dispositivo O projeto inicial (PEC N. 368-A/96) foi de iniciativa do Poder Executivo e encami-

    nhado por ocasio do lanamento do Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH) em 13de maio de 1996, dispondo-se a acrescentar dois incisos ao art. 109 da Constituio Federal.Um deles determinava a competncia originria da Justia Federal para julgar os crimespraticados em detrimento de bens ou interesses sob a tutela de rgo federal de proteo dosdireitos humanos; o outro dispunha sobre o deslocamento mediante provocao nos casos deas causas civis ou criminais nas quais rgo federal de proteo dos direitos humanos ou oprocurador-geral da Repblica manifeste interesse. Segundo Screberet al. (2005):

    A despeito do cuidado da Constituio em assegurar os Direitos Humanos, arealidade que a violao desses direitos em nosso Pas tornou-se prtica comum,criando um clima de revolta e de insegurana na populao, alm de provocar indignao internacional. que o Estado brasileiro, ao cuidar de bem definir osordenamentos que asseguram tais direitos descurou em relao a instrumentoscapazes de assegurar o seu pleno exerccio. De fato nenhuma mudana substancial foiestabelecida na competncia e na organizao das polcias pela Constituio de 1988.(SCREBER et al., 2005).

    O presente projeto foi incorporado PEC 96/92 (que dispunha sobre a Reforma doPoder Judicirio), tendo como relatora a Deputada Federal Zulai Cobra, acrescentandomodificaes significativas na redao, como a retirada da competncia originria da JustiaFederal no caso dos crimes contra direitos humanos e a conseqente insero do 5 no art.109, determinando a possibilidade do incidente de deslocamento de competncia. A redaopassou a ser a seguinte: Nas hipteses de grave violao de direitos humanos, o MinistrioPblico poder suscitar, perante o Superior Tribunal de Justia, incidente de deslocamento de

    competncia para a Justia Federal, na forma prevista na lei processual. Segundo Velosoet al. (2005), a justificativa que acompanhou o Projeto foi a seguinte:

    A federalizao dos crimes contra os direitos humanos o instrumento que permite aoPoder Judicirio e ao Ministrio Pblico Federal o processo e julgamento dos delitosque importem em violao de tratados, pelos quais a Unio responde na esferainternacional, no sentido de demonstrar interesse nacional na resoluo destes casos. As graves violaes aos direitos humanos so questes de interesse de todo o pas, esua repercusso, interna e externa, extrapola os limites territoriais dos Estados da

    Federao. (VELOSO et al., 2005, p. 21).

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    Na votao final da Cmara de Deputados, centrando a legitimidade ativa para postularo IDC no Procurador-Geral da Repblica, bem como retirando o enunciado que a limitasse

    expressamente a eficcia do dispositivo edio de lei, foi aprovada a seguinte redao emrelao ao 5: Nas hipteses de grave violao de direitos humanos, o Procurador-Geral daRepblica, com a finalidade de assegurar o cumprimento de obrigaes decorrentes de tratadosinternacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte, poder suscitar, perante oSuperior Tribunal de Justia, em qualquer fase do inqurito ou processo, incidente dedeslocamento de competncia para a Justia Federal.

    Durante os debates acerca do instituto, a Associao Nacional dos Procuradores da

    Repblica, mediante comisso formada por integrantes do Grupo de Trabalho em DireitosHumanos, coordenado pela Procuradora Flvia Piovesan, definiu um rol de crimes aptos aensejar o deslocamento de competncia. Segundo Piovesan (2005), foram eles:

    tortura; homicdio doloso qualificado praticado por agente funcional de quaisquer dos entes

    federados;

    praticados contra as comunidades indgenas ou seus integrantes; homicdio doloso, quando motivado por preconceito de origem, raa, sexo, opo

    sexual, cor, religio, opinio poltica ou idade ou quando decorrente de conflitosfundirios de natureza coletiva;

    uso, intermediao e explorao de trabalho escravo ou de criana e adolescente emquaisquer das formas previstas em tratados internacionais.

    Conforme a coordenadora dos trabalhos, embora se propusesse o deslocamento decompetncia exclusivamente em matrias criminais, mediante a adoo de rol taxativo dedelitos, no destoou dos fundamentos anteriores. Alm de reiterar a responsabilidadeinternacional da Unio em caso de violao dos tratados ratificados pelo Brasil, bem comoressaltar que a proposta est em consonncia com a sistemtica processual vigente, ressaltandoa hiptese de desaforamento nos casos de crimes dolosos contra a vida, e tambm ainterveno federal, sobrelevou:

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    A federalizao dos crimes contra os direitos humanos medida imperativa diante dacrescente internacionalizao dos direitos humanos, que, por conseqncia, aumentaextraordinariamente a responsabilidade da Unio nesta matria. Se qualquer Estado

    Democrtico pressupe o respeito dos direitos humanos e requer a eficiente respostaestatal quando de sua violao, a proposta de federalizao reflete sobretudo aesperana de que a justia seja feita e os direitos humanos respeitados. (PIOVESAN,2005).

    No mbito do Senado Federal, o Projeto recebeu o n 29/2000, cujo relator foi oSenador Bernardo Cabral. Acrescentou-se ao texto aprovado pela Cmara o inciso V-B, quedispunha sobre os crimes praticados em detrimento de bens ou interesses sob tutela de rgofederal de proteo dos direitos humanos, nos termos da lei, proposio esta que no obtevexito, resultando o texto final nos termos encaminhados pela Cmara de Deputados.

    Por conseguinte, na redao final, no foi consignada a expressocrimes,permane-cendo o adjetivogravee a ao nuclearviolaoem seu sentido lato, ou seja, no se limitandos agresses tipificadas penalmente. Com base na dual finalidade do dispositivo de um lado,a responsabilizao do Estado Brasileiro perante as Cortes Internacionais em decorrncia domau funcionamento dos recursos internos de preveno e represso nos mencionados casos, ede outro, o discurso da imparcialidade e a autonomia da Justia Federal para os julgamentos

    em questo que emerge o IDC, ou seja, a possibilidade de o Procurador-Geral da Repblicasuscitar, perante o Superior Tribunal de Justia, o incidente de deslocamento de competnciapara a Justia Federal, na hiptese degrave violao aos direitos humanos.

    4. A problemtica do conceito de Direitos HumanosAo instituir o IDC, a redao da Emenda Constitucional n. 45 delimita sua abrangncia

    apenas na hiptese de grave violao aos direitos humanos. O legislador, entretanto, no

    procurou dar uma definio acerca do contedo da expressodireitos humanos, transferindotal responsabilidade para a doutrina e a jurisprudncia.

    No restam dvidas de que esse ponto suscitar inmeros debates. Como toda clusulaaberta, a redao do pargrafo 5 do art. 109 permite um amplo grau de discricionariedade aoProcurador-Geral da Repblica. Alm do mais, sendo o instituto da federalizao um

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    instrumento fortemente poltico e miditico, h uma possibilidade muito grande de o IDC serutilizado revelia das garantias fundamentais do ru5.

    Por isso, a busca de uma preciso conceitual torna-se de suma relevncia para acompreenso do assunto. O artigo, evidentemente, no procura esgotar o tema, seno analis-losob a tica do constitucionalismo moderno.

    Primeiramente, destaca-se que h uma pluralidade de expresses trazidas pela doutrinaconstitucionalista e internacionalista para designar os direitos humanos, de tal forma queparece impossvel conceitu-los de forma precisa e inequvoca. Levando em considerao essadificuldade, bem como a prpria quantidade de teorias utilizadas para esse fim, que Bobbio

    (1992) chegou concluso de que o problema fundamental em relao aos direitos dohomem, hoje, no tanto de justific-los, mas o de proteg-los. Trata-se de um problema nofilosfico, mas poltico (p. 24).

    Tambm defensor da tese de incompatibilidade de conceituao absoluta e inequvocados direitos humanos, Silva (1998) traz tona a problemtica de uma conceituao sinttica eprecisa dos mesmos. Essa celeuma cresce medida que se empregam vrias expresses paradesign-los, tais comodireitos naturais, direitos do homem, direitos individuais, direitos pblicos subjetivos, liberdades fundamentais, liberdades pblicase direitos fundamentais dohomem, dentre outras.

    Alm disso, muitas vezes, os doutrinadores supem um aparente pleonasmo entre asexpresses, como no caso de direitos humanos ou direitos do homem, visto que aproduo normativa algo inerente prpria condio humana, sem ligao comparticularidades determinadas. Por outro lado, como bem ressalta Comparato (2001), a questopontual volta-se ao carter de obrigatoriedade efetiva desses direitos no meio social.

    Assim, o autor explica a distino elaborada pela doutrina germnica em distinguirdireitos humanos de direitos fundamentais. No primeiro caso, seriam os direitosimprescindveis em geral, incluindo aqueles positivados no ordenamento ou no. J os direitosfundamentais seriam justamente os que se encontram expressos nas legislaes, tanto no planointerno quanto internacional. H ainda uma outra classificao, que considera direitosfundamentais tpicos e atpicos, sendo os ltimos os ainda no declarados em textosnormativos.

    5A Associao Nacional dos Membros do Ministrio Pblico (2005) divulgou uma moo de repdio ao IDC,enumerando, dentre vrios pontos, que a federalizao viola os princpios do juiz e do promotor naturais, bem

    como o pacto federativo.

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    Sarlet (2004) traz uma classificao diversa (mas no incompatvel) com a deComparato. Para o primeiro, h uma diferenciao entre osdireitos humanos(estes positivados

    na esfera do direito internacional), osdireitos do homem(no sentido de direitos naturais no,ou ainda no, positivados, cuja conotao lembra muito o jusnaturalismo), e osdireitos fundamentais, como sendo os direitos reconhecidos ou outorgados e protegidos pelo direitoconstitucional interno de cada Estado. Nesse sentido:

    A expresso direitos humanos guarda relao com os documentos de direitointernacional, por referirem-se quelas posies jurdicas que se reconhecem ao ser humano como tal, independentemente de sua vinculao com determinada ordem

    constitucional e que, portanto, aspiram validade universal, para todos os povos etempos, de tal sorte que revelam um inequvoco carter supranacional (internacional)(SARLET, 2004, p. 36).

    Sarlet (2004) considera que, em torno da melhor terminologia a ser adotada, de sedestacar o uso da expresso direitos humanos fundamentais. A razo deste termo a de quea tese da distino entre direitos humanos e direitos fundamentais peca pelo reducionismo epela perda da unidade essencial e indissolvel que h entre os direitos. Dentre os autores quecompartilham dessa opinio, encontra-se Jos Afonso da Silva, como se pode observar abaixo:

    Direitos fundamentais do homem constitui a expresso mais adequada a este deestudo, porque, alm de referir-se a princpios que resumem a concepo do mundo einformam a ideologia poltica de cada ordenamento jurdico, reservada paradesignar, no nvel do direito positivo, aquelas prerrogativas e instituies que eleconcretiza em garantias de uma convivncia digna, livre e igual de todas as pessoas. No qualificativofundamentais acha-se a indicao de que se trata de situaes jurdicas sem as quais a pessoa humana no se realiza, no convive e, s vezes, nemmesmo sobrevive; fundamentais do homem no sentido de que a todos, por igual,

    devem ser, no apenas formalmente reconhecidos, mas concreta e materialmenteefetivados. (SILVA, 1998, p. 182).

    No caso brasileiro, possvel observar uma certa preferncia do legislador constituinteao associar a expressodireitos humanosaos documentos de direito internacional. Talassertiva extrai-se de uma anlise teleolgica do dispositivo j que motivado naresponsabilidade do Estado em dar efetividade ao mencionados acordos. Alm disso, no julgamento do Caso Dorothy Stang, primeiro incidente ajuizado, o Superior Tribunal de

    Justia declarou ser requisito da causa de pedir a meno expressa do dispositivo especfico dotratado que foi violado, a fim de fundamentar o pedido (IDC n. 1-0 - PA. Relator Ministro

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    ARNALDO ESTEVES LIMA. Terceira Seo. Unnime. Data do julgamento: 8.6.2005. Atada Publicao: 26/08/2005).

    H que se ressaltar tambm a no taxatividade do conceito. Embora o legisladorexpresse a necessidade de o Procurador-Geral da Repblica indicar o dispositivo de tratadointernacional, isso no significa, necessariamente, que a abrangncia conceitual dos direitoshumanos esteja vinculada ao Direito Internacional. Por uma leitura sistemtica daConstituio, em especial do pargrafo segundo do art. 5, verifica-se que o termodireitoshumanosaparece implcito em vrias ocasies, mormente na expresso direitos e garantiasfundamentais, que pode ser tanto decorrente do regime e dos princpios adotados pela Carta

    Magna quanto de tratados internacionais. Nesse sentido, Tessler (2005), de forma bastanteprecisa, enuncia que para a exata compreenso do que foi transferido Justia Federal e entotentar traar limites ao disposto na nova disposio encartada no artigo 109 da CF/88 comredao dada pela EC45, h de se ter como sinnimos as expresses direitos humanos edireitos fundamentais, na esteira da melhor doutrina.

    Em que pese a classificao doutrinria, no se pode perder o norte de considerar ocarter fundamental e histrico desses direitos. Segundo Bobbio (1992, p. 6), os direitos nonascem todos de uma vez. Nascem quando devem ou podem nascer. Nascem quando oaumento do poder do homem sobre o homem [...] cria novas ameaas liberdade do indivduoou permite novos remdios para as suas indulgncias. Por conseguinte, os direitos do homemconstituem uma classe varivel, como a histria destes ltimos sculos demonstrasuficientemente (p. 18).

    Nesse sentido, a Inglaterra teve importncia mpar na produo de cartas e estatutosassecuratrios de direitos fundamentais. Inicialmente, o fulcro desses direitos era o de limitar oarbtrio estatal frente ao indivduo. Como exemplos, tm-se a Magna Carta(1215-1225),aPetition of Rights(1628),o Habeas Corpus Amendment Act (1679)e o Bill of Rights(1688).

    A Declarao Francesa de 1789, por sua vez, calcada em uma rigorosa concepoindividualista, de certa forma semelhante ao contrrio das declaraes das ex-colniasInglesas na Amrica, embora com um carter mais universalizante. tido como o documentocaracterizador do Estado Liberal, que serviu de modelo s declaraes constitucionais dedireitos dos sculos passados.

    Percebe-se que, num primeiro momento, os direitos humanos so resultado da

    necessidade de limitao e controle dos abusos de poder do prprio Estado e de suas

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    autoridades constitudas, visando ao pleno desenvolvimento da personalidade humana. So,pois, direitos negativos, no sentido de impedir uma determinada ao estatal. Esta nova viso

    de pensar o Direito (atravs de um rol de garantias mnimas) consagrou importantes princpios,quase sempre positivados nas Constituies, como a dignidade humana, a igualdade e alegalidade. Os direitos fundamentais, neste ponto, so antecedentes ao prprio surgimento doconstitucionalismo. Este ltimo, to-somente consagrou a necessidade de insculpir um rolmnimo de direitos humanos em um documento escrito, derivado diretamente da soberanavontade popular. (MORAES, 2000, p. 19).

    O pensamento cristo e a concepo dos direitos naturais foram, para a teoria francesa,

    os principais motivadores das declaraes de direitos. Todavia, sendo fundada basicamente naconcepo restrita de liberdades pblicas, no atina com a necessidade de envolver nessaproblemtica os direitos econmicos, sociais e culturais, aos quais se denominam brevementedireitos sociais.

    Nesta seara, a Constituio Mexicana de 1917 representou o primeiro avano naconsolidao de uma nova gerao de direitos, agora no mais negativos, mas sim positivos,ou seja, que necessitam da interveno do Estado. Segundo Comparato (2001, p. 174), a CartaPoltica mexicana de 1917 foi a primeira a atribuir aos direitos trabalhistas a qualidade dedireitos fundamentais, juntamente com as liberdades individuais e os direitos polticos.

    Posteriormente, a Constituio de Weimar, em 1919, seguiu na mesma linha da Cartamexicana, bem como das convenes da OIT e da Conferncia de Washington no mesmo ano.Por outro lado, a Carta Alem (Weimarer Verfassung) foi mais abrangente, garantindo, almdos direitos trabalhistas e previdencirios, o direito fundamental educao, sade, no-discriminao em virtude de gnero, entre outros.

    Essa disposio histrica dos direitos permite classific-los em geraes. Parte dadoutrina classifica os direitos fundamentais em direitos de primeira, segunda e terceirageraes, baseando-se na ordem histrico-cronolgica em que passaram a serconstitucionalmente reconhecidos. Como bem ressalta Celso de Mello,

    enquanto os direitos de primeira gerao (direitos civis e polticos) que compreen-dem as liberdades clssicas, negativas ou formais realam o princpio da liberdadee os direitos de segunda gerao (direitos econmicos, sociais e culturais) que seidentificam com as liberdades positivas, reais ou concretas acentuam o princpio da

    igualdade, os direitos de terceira gerao , que materializam poderes de titularidadecoletiva atribudos genericamente a todas as formaes sociais, consagram o

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    princpio da solidariedade e constituem um momento importante no processo dedesenvolvimento, expanso e reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados,enquanto valores fundamentais indisponveis, pela nota de uma essencial inexauribili-

    dade (STF Pleno MS n 22164/SP rel. Min. Celso de Mello, Dirio de Justia,Seo I, nov. 1995, p. 39.206). (Celso de Mello apud MORAES 2000, p. 44).

    Interessante a objetividade de Ferreira Filho (1995) ao expor, metaforicamente, que aprimeira gerao engloba os direitos de liberdade; a segunda, os direitos de igualdade e aterceira, por conseguinte, complementa o lema da Revoluo Francesa: liberdade, igualdade,fraternidade.

    Bobbio (1992), por sua vez, classifica os direitos em quatro geraes. A primeira seria

    formada pelos direitos civis, notavelmente os direitos vida, liberdade, propriedade e igualdade perante a lei. Incluem-se tambm o direito ao devido processo legal (due process of law), o habeas corpus, o direito de petio, a liberdade de imprensa, de expresso, deassociao, entre outros. Para o autor, tais direitos nascemcontra o Estado, visto que surgempara impedir ou limitar a ao estatal.

    Os direitos de segunda gerao corresponderiam aos direitos polticos, em especial odireito ao voto e a capacidade eleitoral passiva, revelando uma conexo entre os direitos

    humanos e a democracia. Nascem como direitos de participar do Estado. Justamente como aprimeira gerao, so tambm negativos, visto que delimitam uma zona de no-intervenoestatal.

    A terceira gerao compreendida pelos direitos econmicos, sociais de culturais.Distinguem-se das etapas anteriores pelo carter intervencionista. Agora no mais se exigeuma mera omisso estatal, mas uma ao positiva. Para Bobbio (1992), so direitosa partir ou peloEstado, como os direitos assistncia social, sade, educao, ao trabalho, etc.

    A quarta e ltima dimenso corresponde aos direitos de solidariedade e de fraternidade.O destinatrio aqui no mais o Estado, seno o prprio gnero humano, razo suprema deuma existencialidade. Bonavidesapud Sarlet (2004) enumera alguns exemplos, como o direito paz, autodeterminao dos povos, ao desenvolvimento, ao meio ambiente e qualidade devida, bem como o direito conservao e utilizao do patrimnio histrico e cultural e odireito de comunicao. Bobbio (1992) os denomina direitos para almdo Estado.

    Ressalta-se que alguns autores, como Lafer (1991), j indicam a existncia de umaquinta ou at mesmo sexta gerao de direitos. Todavia, as classificaes no importam umadiviso dos direitos. Pelo contrrio, as conquistas histricas representadas pelas geraes no

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    se excluem, mas se complementam. Segundo Moraes (2000), a interdependncia demonstraque as vrias previses constitucionais, embora autnomas, possuem diversas interseces para

    atingirem suas finalidades. A complementariedade, por seu turno, sinaliza que os direitoshumanos fundamentais no devem ser interpretados isoladamente, mas sim de forma conjuntacom a finalidade de alcance dos objetivos previstos pelo legislador constituinte.

    As categorias de direitos no so, portanto, compartimentos jurdicos estanques,absolutos e excludentes. So, sim, instrumentos didticos doutrinariamente criados a fim detentar demonstrar, da melhor maneira possvel, a correspondncia da criao e evoluo dosdireitos fundamentais com os respectivos momentos histricos que impulsionaram o

    surgimento dos mesmos.

    5. Abrangncia do IDCUm desafio muito grande que a doutrina e a jurisprudncia tero pela frente ser o de

    resolver a lacuna deixada pelo legislador quanto abrangncia do IDC. certo que se trata deviolaes graves aos direitos humanos, mas o significado de grave e direitos humanosainda suscitar muitas dvidas. Segundo Maluly (2005), em tese apresentada ao III Congresso

    do Ministrio Pblico de So Paulo, os parmetros estabelecidos na Constituio Federal paraa incidncia da chamada federalizao da competncia so insuficientes e, para evitar abanalizao de sua adoo, imprescindvel que se sujeite ao princpio constitucional daproporcionalidade (adequao, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito).

    O presente artigo, nesta parte, no procurou delinear maiores comentrios acerca doadjetivograve. Tentar-se-, na medida do possvel, descrever um cenrio para a interpretaoda expresso direitos humanos, conforme as premissas lanadas na seo anterior.

    Inicialmente, ressalta-se que as infraes penais, sem dvida alguma, sero o objetoprimordial apto a ensejar o IDC. Afinal de contas, as graves violaes aos direitos humanosconfiguram, em tese, significativas leses a bens jurdicos tutelados pelo ordenamento jurdicobrasileiro, ensejadoras de reprimenda por parte do Estado-Acusador-Juiz. Embora o histricoda tramitao do projeto que instituiu o IDC demonstrou uma certa inteno do legislador emlimitar o instituto s causas criminais, a redao final no o fez, permitindo uma interpretaoextensiva. Nesse sentido, Tessler (2005) afirma que se tratam de causas gerais, no s causascriminais, e no a prima ratio.

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    Exemplificativamente, na seara penal, tem-se o delito de tortura, tipificado pelo art. 1da Lei 9.455/1997, no cotejo com a Conveno Interamericana contra a Tortura concluda em

    Cartagena (1985), bem como o crime de genocdio, criminalizado pelo art. 1 da Lei2.889/1956, em face do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Polticos e tambm daConveno Americana. No mais, certamente os delitos de explorao sexual de crianas eadolescentes, quer seja o de trfico internacional de pessoas (art. 231 do Cdigo Penal) querseja o de favorecimento prostituio (art. 228 do Cdigo Penal), quando em detrimento dediversas vtimas na faixa etria delineada pelo Estatuto da Criana e do Adolescente quedefine ser criana o indivduo at completar 12 anos de idade, e adolescente at completar 18 -,

    ensejaro o deslocamento, com fundamento na Conveno de Nova York sobre os Direitos daCriana (1990).

    Ainda em matria criminal, dever-se- atentar aos direitos e garantias fundamentais doru, tais como o de ser submetido ao julgamento pelo Tribunal do Jri (mesmo aps odeslocamento para a Justia Federal) no caso de crime doloso contra a vida, da vedao aostribunais de exceo, da durao razovel do processo, dos limites da eventual prisoprocessual, dentre outras extradas do artigo 5 da Constituio Federal. E, no obstante aadjetivao grave, deve-se atentar minimizao de pr-julgamentos, mormente osinfluenciados pela mdia, que, segundo Zaffaroni (2003), um dos principais agentescriminalizadores em face da garantia fundamental da presuno de inocncia.

    No se pode olvidar, outrossim, que no se limita o IDC s matrias criminais. A foranormativa da expressodireitos humanosdeve ser lida em toda a sua completude, notaxativamente, sob pena de anacronismo com relao ao avano histrico da consolidao dosdireitos fundamentais, bem como da prpria leitura sistemtica da Constituio.

    Nesse sentido, o ressarcimento relativo os danos decorrentes de graves violaes adireitos trabalhistas (pertencentes aos direitos sociais, classificados como de segunda outerceira gerao), tais como o trabalho escravo (sem prejuzo ao julgamento do delitocorrespondente, de competncia originria da Justia Estadual), bem como preconceitos deraa ou sexo, tambm ensejariam o deslocamento de competncia para a Justia Federal.Contudo, aqui exsurge um problema de ordem processual que merecer um grande apreo.Pensando na disposio das competncias pela CF, verifica-se que a Justia do Trabalho uma justia especializada da Unio, no dos Estados-Membros. Assim sendo, possvel pensar que

    no h razes para haver o deslocamento da competncia nas questes trabalhistas, visto que

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    Justia Laboral de responsabilidade da Unio e, conseqentemente, o dever de darcumprimento aos acordos internacionais por esse sujeito estaria sendo cumprido. O

    deslocamento, portanto, careceria de interesse de agir por parte do propositor, em que pese aeventual inefetividade desta. O mesmo poderia se pensar nos casos de competncia da JustiaMilitar da Unio.

    Todavia, sem querer adentrar nessa questo processual, pode-se pensar tambm oinverso. Embora a Justia do Trabalho e at a Militar serem patrocinadas pela Unio, somente a Justia Federal que julga as lides em que ela figura como parte. Por isso, muitodifcil pensar que os julgamentos nos foros laborais e militares correspondam de fato a um

    julgamento de cuja responsabilidade a Unio tomaria para si, visto a prpria conjuntura daJustia Federal. Mas essa questo os autores deixam em aberto para um debate futuro.

    Outra matria que provavelmente comportar deslocamento de competncia a dodireito ambiental, inclusive quando da discusso acerca da responsabilidade por danosambientais materiais e morais. Elencado no rol dos direitos de terceira, quarta ou at mesmoquinta gerao, a defesa do meio ambiente deixou de ser uma questo privada, adquirindostatus constitucional. O art. 225 da Carta Magna, seguindo as diretrizes da Conferncia dasNaes Unidas de Estocolmo (1972) e da Declarao do Rio (1992), considerou que todostm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo eessencial sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Pblico e coletividade o dever dedefend-lo e preserv-lo para as presentes e futuras geraes.

    O meio ambiente um patrimnio da humanidade, uma prpria extenso do direito vida, visto ser muito difcil imaginar uma vida digna fora de um meio ambiente equilibrado esadio. Impem-se ao Poder Pblico o dever de proteg-lo. Desta forma, tendo em vista osinmeros tratados ratificados pelo Brasil, Antunes (2005) ressalta que uma das conseqnciasdo IDC justamente a provocao do Procurador Geral da Repblica (4) [sic], a federalizaode todas as questes ambientais graves, visto que a nova redao do artigo 109 da LeiFundamental da Repblica, ampliou a competncia da Justia Federal para acrescentar s suastradicionais competncias aquela de julgar causas referentes a direitos humanos.

    6. Consideraes FinaisO Incidente de Deslocamento de Competncia, embora no imune de crticas quanto

    sua estrutura e viabilidade constitucional, representa uma preocupao dos Poderes Pblicos

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    com o efetivo cumprimento dos direitos e garantias fundamentais do cidado. Lamenta-seapenas que a adoo do instituto tenha sido dada no por uma reflexo prvia acerca do

    sistema de competncia do Poder Judicirio, mas sim como uma resposta miditica aosescndalos vivenciados pelo Pas.

    De qualquer forma, o IDC est em vigor pela Emenda Constitucional n. 45, j tendosido proferida jurisprudncia a respeito como no caso Dorothy Stang. As lacunaspossivelmente deixadas pelo legislador devero, a partir de agora, ser objeto de discusso,tanto por parte dos doutrinadores quanto pelos tribunais.

    Dentre os pontos polmicos, encontra-se a questo da abrangncia do art. 109, 5, da

    CF. Pelo dispositivo, o Procurador-Geral da Repblica pode solicitar o deslocamento decompetncia para a Justia Federal dos processos em que haja uma suposta violao grave aosdireitos humanos. Por outro lado, a ambigidade e a vagueza do dispositivo algo bastantepreocupante, na medida em que o IDC possa vir a ser simplesmente banalizado sem contar orisco de as prprias garantias processuais do ru serem desconsideradas.

    Nesse sentido, a primeira concluso do trabalho de que a expresso direitoshumanos no deve ser limitada ou ter sua fora normativa restringida pelas inmerasclassificaes que a doutrina constitucionalista e internacionalista elencam, como direitos dohomem, direitos fundamentais, etc. Todos esses vocbulos devem ser tidos comosinnimos, sob pena de reduo da unidade essencial e indissolvel que h entre os direitos.Seria lamentvel que uma separao meramente acadmica entre os termos implicasse umaperda qualitativa do contedo simblico que os direitos possuem.

    Quanto s hipteses de abrangncia, parece evidente que o deslocamento no estreduzido s causas criminais. Embora tenha havido uma certa predisposio nesse sentido,durante as discusses do projeto, a redao final do art. 109 manteve o sistema de clusulaaberta. Por causa disso, as violaes referidas no se limitam s mencionadas matrias, mas aqualquer assunto referente a direitos humanos que tenha sido ratificado pelo Brasil em tratadosinternacionais, incluindo, a ttulo de exemplo, questes ambientais, civilistas, trabalhistas, dedireitos das crianas e adolescentes, dentre outras.

    Portanto, imperioso que a expressodireitos humanosseja analisada extensivamente,sob pena de comprometer o avano histrico da consolidao dos direitos fundamentais atravsde suas geraes. O Incidente de Deslocamento de Competncia, nessa evoluo, deve ser

    visto como um dos instrumentos destinados a conferir efetividade a to amplos direitos.

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