Fascinação 20 - Montanhas Mágicas - Fran Wilson

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MONTANHAS MÁGICAS Where Mountains Wait Fran Wilson Série Fascinação nº 20 Quando o irmão morreu, Hensley ficou desnorteada. Alan era a última pessoa que restava de sua família. Ferida pela dor e pela solidão, aceitou o convite de Peter Merrick, o melhor amigo de Alan, e foi para Montana, no oeste dos Estados Unidos, onde ele a esperava, oferecendo apoio e trabalho. Lá, Hensley conheceu finalmente as majestosas montanhas de que Alan tanto falava. E não demorou a perceber que, como o irmão, ela também pertencia àquele lugar. Como o irmão, aprendeu a amá-las. E só então descobriu que, em seu coração, o amor brotava por mais alguém... Por Peter. Ele a tratava com carinho, cuidava dela, roubava-lhe beijos... Mas será que a amava? Ou fazia isso tudo apenas porque havia prometido a Alan cuidar dela? DIGITALIZADORA: SILVIA

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MONTANHAS MÁGICAS Where Mountains Wait

Fran Wilson

Série Fascinação nº 20

Quando o irmão morreu, Hensley ficou desnorteada. Alan era a última pessoa que restava de sua família. Ferida pela dor e pela solidão, aceitou o convite de Peter Merrick, o melhor amigo de Alan, e foi para Montana, no oeste dos Estados Unidos, onde ele a esperava, oferecendo apoio e trabalho. Lá, Hensley conheceu finalmente as majestosas montanhas de que Alan tanto falava. E não demorou a perceber que, como o irmão, ela também pertencia àquele lugar.

Como o irmão, aprendeu a amá-las. E só então descobriu que, em seu coração, o amor brotava por mais alguém... Por Peter. Ele a tratava com carinho, cuidava dela, roubava-lhe beijos... Mas será que a amava? Ou fazia isso tudo apenas porque havia prometido a Alan cuidar dela?

DIGITALIZADORA: SILVIAREVISORA: REGINA CELI

Livros Abril

Fran Wilson

Série FASCINAÇÃO - Romances Para Amar – MONTANHAS MÁGICAS – Fran Wilson

Montanhas MágicasLIVROS ABRILRomances para Amar Caixa Postal 2372-São PauloCopyright: Silhouette BooksTítulo original: "Where Mountains Wait"Publicado originalmente em 1980 pela Silhouette Books, New York, N.Y., USATradução: Suzana França PintoCopyright para a língua portuguesa: 1982 Abril S.A. Cultural e Industrial — São PauloComposto na Linoart e impresso nas oficinas do Círculo do Livro S.A.Capa: Ilustração Silhouette

CAPÍTULO I

— Hensley. Hensley Travis! Que tipo de nome é esse?A voz alta de David Gillette ressoou claramente pelas salas, atravessando a

frágil divisória de seu escritório. David costumava gritar pela redação com os repórteres, que pareciam trabalhar apenas sob ordens berradas.

— OK, OK, seja homem ou mulher mande entrar!

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Hensley, sentada ao lado da porta, mexeu-se nervosamente na cadeira. Ficar ali no meio de todos aqueles homens, esperando ser atendida pelo editor-chefe do Daily Journal, dava-lhe a sensação de ser a principal atração de um circo. Manipulava a echarpe verde com dedos nervosos, desconfortada. Sob outras circunstâncias não se perturbaria, mas agora estava atrás de um emprego.

Colocou as mãos sobre o colo, entrelaçando os dedos e deixou o olhar passear despreocupadamente pelo escritório, procurando manter uma atitude de desinteresse. Nisso, um homenzinho careca saiu do escritório do editor.

— Pode entrar — ele falou sem entusiasmo, apontando a porta com o dedo sujo de tinta.

Hensley ergueu-se, ajeitando o casaco de couro marrom. Passou os dedos pelos botões da blusa de seda verde que comprara especialmente para a ocasião. Verde era a cor que lhe caía melhor, e ela sabia que estava bonita.

"Verde combina muito bem com os seus olhos de avelã", sua mãe tinha dito muitas e muitas vezes. Em sua mente surgiu a imagem do vestido de veludo verde que a mãe tinha comprado para ela há muitos anos, numa longínqua comemoração de Natal.

Encolheu os ombros. Que pensamento absurdo. Ali estava ela, quase formada na faculdade, pronta para sua primeira entrevista de emprego... e lembrando de um vestido de Natal de quando era criança!

David Gillette saiu de trás da escrivaninha quando ela entrou.— Hensley Travis? — perguntou, estendendo a mão.— Sim, Sr. Gillette, é um nome feminino! - Ela sorriu. — É também o nome de uma jornalista desempregada, sabia disso?— Mesmo? - Ele apertou a mão dela vigorosamente. — É impossível deixar de escutar meu vozeirão por essas paredes finas do

escritório, não é? Você deve admitir que Hensley é um nome que alguém dificilmente associaria a uma garota bonita como você! - Ele riu.

- Sente-se aqui, por favor, e diga-me o que posso fazer por você.Hensley gostou da maneira informal e despreocupada dele e resolveu ir

direto ao assunto.— Quero um emprego, Sr. Gillette - falou, ansiosa. — Falta apenas um mês para eu me formar, e espero trabalhar no seu jornal.

Sei escrever bem - completou, esperando demonstrar convicção. — Recebi o Prêmio Lakeland de Jornalismo deste ano.— Hum. . . O Lakeland é. . . - ele tirou os óculos de metal, segurando-os com

a mão direita — um ótimo início. Sei quanto é competitivo esse prêmio. Eu mesmo já fiz parte do júri há alguns anos.

As palavras dele aumentaram a confiança de Hensley, que retirou uns papéis de uma pasta que estava trazendo consigo.

— Trouxe alguns artigos que escrevi para o jornal da faculdade.David recolocou os óculos e pegou os papéis. De uma das gavetas de sua

escrivaninha superlotada tirou um lápis preto e, com ele, foi seguindo linha por linha do que ela havia escrito.

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Hensley inclinou-se para trás, mordendo os lábios. Estava tensa, mas não ousava falar.

— Hum. . . Sim, está muito bom - murmurou ele. Hensley relaxou um pouco. Enquanto David lia, tinha tempo para examinar o editor do mais famoso jornal da região. Tinha os cabelos vermelhos, encaracolados, e as sardas do rosto davam-lhe um aspecto infantil. Mesmo assim, não camuflavam as linhas pronunciadas da testa, nem as leves rugas ao redor dos olhos azuis e límpidos. Não sabia distinguir direito a idade dos homens. Costumava dividi-los em duas categorias: os que tinham acima de cinquenta eram do grupo de seu pai. Se não, eram do grupo do irmão. Allan tinha trinta e dois. O homem à sua frente devia ser uns dez anos mais velho que Allan, sem dúvida. Mesmo assim, era bastante atraente.

David ergueu os olhos e Hensley rapidamente desviou os seus, enrubescendo levemente. Ficou embaraçada por ter sido pega em flagrante. Ele, no entanto, pa-recia não ter notado. Tamborilou os dedos sobre os artigos:

— Sim, é um bom trabalho — falou, esfregando a testa.Hensley sorriu, gratificada.David a examinou, hesitante, considerando as palavras que iria usar:— Vou lhe dizer a verdade, francamente. Não estou interessado em pajear

uma estudante idealista de jornalismo, do tipo visionário e pouco prático, com um diploma recém-adquirido nas mãos.

Hensley soltou uma exclamação abafada. Os momentos de gratificação tinham sido destruídos, desintegrando em segundos sua autoconfiança.

— Mas não pense que tenho alguma coisa contra as mulheres no emprego - ele completou, tirando os óculos e depositando-os em cima da pilha de papéis.

Hensley apertou as mãos sobre o colo.— Mesmo me considerando uma "visionária" no jornalismo, Sr. Gillette -

falou, despreocupada — o senhor disse também que meu trabalho era bom - completou, a voz firme.

— Disse. É verdade, mas entenda: existe muita gente como você que vem me procurar. Todos querendo molhar os pés no mar traiçoeiro da imprensa. E eu não sou um editor que tenha tempo, nem paciência, para ensiná-los a não afundar!

Hensley ficou zangada. Ergueu a cabeça e endireitou os ombros, encarando-o sem pestanejar!

— Não é uma atitude justa - falou. — Dê-me uma chance, e eu lhe mostrarei. Eu saberei nadar direitinho no mar

traiçoeiro, sem engolir uma gota de tinta!David atirou a cabeça para trás e soltou uma gargalhada estrondosa.— Gosto do seu estilo, Hensley Travis. Sempre exijo o máximo de meus

empregados. Está bem. - Ele a encarou, sério. — Vou lhe dar a chance, mas com uma condição: teste. Três meses de teste

e nenhuma promessa a mais, a não ser que você consiga me trazer matérias do calibre que eu exigir. Se isso a interessa, pode vir trabalhar no dia primeiro de junho.

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Ela sorriu. — Claro que me interessa, Sr. Gillette!Hensley estava histérica de satisfação. Tinha conseguido emprego. Mal podia

se conter de ansiedade para contar a Allan. Puxou os cabelos para trás, o rosto afogueado.

— Hensley? - David chamou sua atenção. — Estou vendo aqui na ficha que você só pôs o endereço da faculdade.

Preciso do seu endereço daqui de Tronville. Você mora aqui, não é?Ela assentiu com um gesto de cabeça, mas logo depois fez que não:— Estou numa espécie de limbo. - Sorriu, embaraçada. — Quer dizer, ainda não estou fixa em lugar algum. Vou ficar no apartamento

do meu irmão neste verão. É melhor explicar. Sabe, eu morava com o meu pai na casa da reitoria, no campus da Universidade, mas depois que ele morreu, no ano passado, mudei para o dormitório. Ainda não tenho um endereço permanente.

— Ora, não me diga! - David bateu a mão no braço da cadeira, animado. — Seu pai era Franklin Travis, reitor da Universidade. Claro! Eu devia ter

notado o sobrenome igual. - Sorrindo, ele pegou um maço de cigarros e lhe ofereceu um.

Hensley fez que não com a cabeça.— Conheceu meu pai?— Um pouco. - David acendeu seu cigarro. — A verdade é que nós dois tínhamos o mesmo fraco: colecionar selos.

Lembro-me de uma Convenção Internacional de Filatelistas, anos atrás, quando conversei com seu pai sobre uma coleção de selos canadenses antigos e raros que ele possuía. Todos os selos em perfeito estado! Puxa como eu o invejei! Principalmente por causa daquele pequenino, azul, com o busto do explorador Jacques Cartier. Uma jóia de selo era aquele! - exclamou, animado, enquanto puxava um cinzeiro de âmbar para perto.

— Valia no mínimo dois mil e quinhentos dólares, posso apostar.Hensley mudou de posição, para desviar-se da fumaça incômoda.— Bom, para falar a verdade, nunca fui muito ligada em selos. - Encolheu os

ombros. — Quer dizer, se um selo não é para se pôr numa carta e mandar pelo

correio, qual é a graça de guardá-lo, afinal? - Hesitou, imaginando se tinha falado bobagem. Afinal, aquele era seu novo patrão.

— Pois fique sabendo de uma coisa - falou David, com o dedo em riste — eu seria capaz de pagar uma fortuna por aquele selo Cartier. Não se esqueça, hein? Quando você quiser vender, é só me avisar.

— Vai ter de conversar com o meu irmão Allan sobre isso, Sr. Gillette. Allan é o colecionador de selos da família, agora, e considera muito a coleção de papai.

Ela se ergueu, achando que estava na hora de partir.— Faz ele muito bem, está certo - concordou David. — Aquela série completa

do Canadá deve valer uma pequena fortuna. Uma bela herança, não? - Ele acompanhou Hensley até a porta. — Bem, Hensley, vou atormentá-la mais sobre

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os selos quando você estiver aqui, trabalhando no Daily Journal. - Riu calorosamente. — Vejo-a em junho, então.

Desta vez os olhares masculinos não a incomodaram; pelo contrário, sentiu-se lisonjeada. Estava confiante e feliz. Uma vez fora do prédio, deu pulinhos de felicidade. Tinha conseguido um emprego sem a ajuda de ninguém, por seus próprios méritos. Não por ser a filha do reitor Travis, nem por ser irmã de Allan, mas por causa dela mesma Hensley Travis. Imitou David Gillette em voz alta.

— Hensley Travis! Que tipo de nome é esse? Uma mulher que vinha em sua direção, pela calçada, parou com os olhos arregalados, depois apressou o passo.

Hensley comprimiu a mão na boca, prendendo uma gargalhada, e andou elegantemente até o carro.

O tráfego estava lento na avenida, bem mais que o normal para as quatro da tarde. Era uma motorista competente; o barulho dos motores e dos pneus cantando, porém, deixavam-na perturbada. Estava no carro naquele dia em que sua mãe tinha morrido. Foi numa avenida larga como aquela e, embora já fizesse doze anos, a memória conservava-se fresca. Molhou os lábios com a ponta da língua. Era a segunda vez que pensava em sua mãe naquele dia, lembrou triste, Olhou para os gramados verdes que ladeavam a rua por onde entrou. Eram da mesma cor que aquele vestido de Natal.

Uma quadra adiante entrou à esquerda, estacionando o carro na área reservada de um conjunto de apartamentos. Notou que a garagem do irmão estava vazia. Bem, ainda era cedo. Ele chegaria logo mais, com certeza. Seguiu pelo caminho coberto até o apartamento do irmão, que ficava no primeiro andar. Procurou pela chave, em seu chaveiro. Era raro vir para a cidade sem avisá-lo, mas daquela vez não tinha tido tempo de telefonar antes de sair da Universidade. Era uma viagem curta, de quarenta e cinco quilômetros, e mesmo que não o encontrasse, tinha a chave, Uma vez ela chegou numa sexta-feira à tarde, para passar o fim de semana com Allan e teve de voltar para a Universidade, pois ele tinha viajado. Depois desse dia, Allan tinha feito uma chave extra para ela.

Quando entrou no apartamento, no entanto, encontrou-o abafado e frio, como se estivesse fechado há muitos dias, já. Franziu o nariz com o cheiro de guardado. Para onde Allan teria ido, afinal? Sabia que a firma de mineração que ele representava mandava-o viajar muitas vezes, mas ultimamente, devido à sua doença, ele não era mais mandado para nenhum lugar.

Jogou a bolsa numa mesinha e foi até a janela. Deixou o sol de abril inundar a sala, dispensando a escuridão. Ligou o aquecimento. O vazio do apartamento a deprimia e o brilho do sol não diminuía seu desapontamento por não ter encontrado Allan. Pensava em correr para os braços do irmão para contar as fantásticas novidades, assim que chegasse. Suspirou fundo. Também tinha contado com a possibilidade de ir jantar fora com ele, no Wagon Wheel. Lá uma dupla de músicos Country que cantava muito bem, apresentava-se nos fins de semana.

Talvez Allan tivesse passado a semana toda trabalhando em Mesabi Range, onde sua firma de mineração estava extraindo carvão. Se fosse isso, ele voltaria

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naquele dia à noite. Era sexta-feira. Arrumou os cabelos para trás das orelhas. Mesmo que Allan não viesse, não tencionava voltar para a Universidade.

Foi até a cozinha. Abriu a geladeira, mas não encontrou muita coisa: um vidro aberto de picles, um pedaço de bacon enrolado em papel, já seco e acinzentado. Fez uma careta. A geladeira típica de um solteirão! Felizmente, viu duas garrafas de soda na porta. Droga parecia que Allan tinha planejado ficar fora por alguns dias. Mas para onde tinha ido? Será que estava se sentindo bem? Ele a avisaria se tivesse piorado, não? Mordeu os lábios. Estava deixando o vazio do apartamento tomar conta de seus pensamentos.

Pegou uma soda e abriu o congelador para tirar uma bandeja de gelo. Com as duas mãos ocupadas, fechou a porta do congelador com a cabeça e, com o corpo, a geladeira. Estava tão entretida em seus malabarismos que nem escutou o barulho da chave na fechadura da sala.

— Allan! — chamou uma voz. — Allan, você está aí?Assustada, Hensley deixou a bandeja de alumínio cair, e os cubos de gelo

bateram ritmadamente na pia.— Oh! O que aconteceu? Quebrou alguma coisa? Uma garota morena, de

calças vermelhas e blusa branca, apareceu na cozinha. Fixou os olhos verdes em Hensley, como um animalzinho assustado.

— Eu. . . Eu pensei que Allan estivesse em casa. Estou procurando por ele. Sinto muito se a assustei. - Piscou, enrubescendo sob o olhar atento de Hensley.

— Bom, nós demos um belo susto uma à outra, não foi? - Hensley soltou uma risada nervosa. — A verdade é que também estou procurando por Allan. Fiquei surpresa quando encontrei o apartamento frio e deserto, Acho que ele passou a semana fora. Sabe para onde ele foi?

Hensley sorriu. — Sou a irmã de Allan, Hensley, mas acho que você já adivinhou, não é? - apressou-se a dizer. Os olhos grandes da garota brilharam.

— Oh, você é Hensley! — Puxa, acho que nem dá para esconder o alívio! Estou feliz em saber que

você não é a nova garota de Allan, sabe como é. . . - A garota hesitou depois se calou.

Hensley também se calou por alguns instantes, sem saber o que dizer.— Bem, já que estamos as duas esperando pelo meu irmão, que tal tomar

uma soda? - convidou. — Ele deve estar para chegar.— Não, não posso esperar. Obrigada, mas não vai dar para eu ficar. Não é

importante.A garota hesitou um instante, mas depois se virou e saiu. Hensley podia jurar

que tinha visto lágrimas em seus olhos verdes.— Espere, por favor. - Pediu, saindo ao encalço da moça. — Quero dizer a Allan que esteve aqui! Espere, nem ao menos sei o seu

nome! — Ela se apressou, mas a estranha garota já tinha saído, correndo, deixando a porta da sala escancarada.

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Sacudindo a cabeça, Hensley voltou para dentro do apartamento e fechou a porta, observando sua própria expressão confusa, no espelho. Foi daí que viu: na minúscula mesa que ficava no hall de entrada, sob o espelho, havia uma chave. Pegou-a e examinou-a. Não era preciso compará-la com a chave que Allan havia lhe dado. Eram iguais. Era a chave com a qual a garota sem nome tinha entrado no apartamento. Um estremecimento de apreensão passou pela espinha de Hensley esfriando seu estômago. De repente a chave ficou pesada, como se fosse de chumbo.

Como uma garota que possuía a chave do apartamento de Allan não sabia onde ele estava? Será que ele não teria dito que ia passar uns dias fora? Ou quando voltaria? Nada fazia sentido.

Abanou a cabeça, decidida a parar com aqueles pensamentos tolos. Colocou a chave onde a havia encontrado, voltou para a cozinha e se serviu de soda. Sentou-se no sofá da sala, rodando o copo nas mãos. Toda a alegria e a excitação de algumas horas atrás tinham se acabado. Nem a perspectiva do novo emprego a fazia sorrir. Solitária e aflita, desejava desesperadamente que a porta se escancarasse e que Allan entrasse, falante, gesticulando como sempre. Ergueu os olhos, fitando a porta, como se, com seu desejo, fosse capaz de transformar o sonho em realidade. Em vão.

A porta continuava fechada, silenciosa, e o apartamento estava irremediavelmente vazio.

CAPÍTULO II

— Bom-dia, Emma, - Peter Merrick cumprimentou a secretária ao entrar em seu escritório.

— Por acaso John Martin ligou da fundição esta manhã?— Não, não ligou. Quer que eu o chame? — Ela colocou a mão sobre o telefone, como se já soubesse a resposta.— Sim, por favor. - Seu olhar se encontrou com o olhar competente da

senhora grisalha. — Para variar, está um passo à frente de mim, de novo — falou, sorrindo.Emma Carlson estava tão totalmente integrada à Companhia de Cobre

Merrick, que não era tão surpreendente que antecipasse as reações de seu patrão. Tinha sido secretária do pai dele por vinte e três fiéis anos, até a sua morte. E tinha sido ela a aliviar um pouco a tensão de Peter, quando ele tomou a direção da empresa, quatro anos atrás. Ela conhecia tanto do trabalho que funcionara como preciosa conselheira do jovem diretor.

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— Diga a John que preciso me encontrar com ele para tratar de um assunto importante. É melhor marcar um encontro para o comecinho da tarde. Allan Travis vai chegar hoje, e não quero ficar com nenhum problema por resolver! - Peter se deteve à porta de sua sala.

— Livre-me de tudo depois das três, Emma. Apesar do que Allan me disse, de fazer um passeio longo e divertido, conheço aquele mineiro velho. Assim que ele passar a divisa do Estado, vai correr como um louco até Anaconda. E quero ter a máxima certeza de que estarei no rancho quando ele chegar!

Ao entrar na sua sala, tirou o casaco e pendurou-o numa das cadeiras de uma longa mesa, a um canto. Mapas geológicos, gigantescos e de diferentes tamanhos, estavam sobre a mesa. Peter foi até sua escrivaninha e pegou seu cachimbo. Começou a enchê-lo com fumo perfumado. Sua mente, no entanto, estava longe, preocupada com Allan. Duvidava de que o amigo estivesse fisicamente bem para fazer a viagem de carro, mas quando sugeriu que ele viesse de avião, a proposta tinha sido veementemente recusada. Allan teimou em vir de carro.

— Quero outra chance para admirar essa paisagem do oeste onde você mora, Peter - ele tinha declarado.

— Uma das razões para visitá-lo é ver, uma vez mais, aquelas montanhas maravilhosas! Sinto saudades daquela paisagem.

Peter tinha percebido nostalgia na voz do amigo. "Ver as montanhas uma vez mais". Franziu a testa.

O que ele quis dizer com aquilo? - perguntou-se, apreensivo.Embora estivesse contentíssimo com a possibilidade de ver o amigo - seu

melhor amigo - Peter sentia que havia algo de errado naquela visita. Estava fora de época. Desde os tempos da Universidade, ele e Allan tinham combinado de se encontrar duas vezes por ano. No verão, pescavam nos lagos de Minnesota; no inverno, costumavam passar uma semana esquiando, ali em Montana. Trocavam cartas constantemente, planejavam os encontros sem pressa. Mas daquela vez era completamente diferente. Cinco dias atrás, quando Allan ligou de Ironville, havia uma nota de ansiedade e urgência em sua voz. Ele queria encontrar o amigo o mais breve possível.

Por quê? Bem, Peter saberia a resposta logo mais.Mas desejava, do fundo do coração, que Allan ficasse mais tempo. Quatro ou

cinco dias era uma visita curta demais.Acendeu o cachimbo. O perfume do tabaco invadiu o ambiente. Emma, que

Deus cuidasse bem dela, jamais se descuidara de deixar uma boa e aromática provisão de tabaco para ele no escritório. Conforme as espirais de fumaça subiam, o rosto de Peter foi relaxando. Afinal, Allan estivera tão alegre e brincalhão como sempre no telefone. Sorriu, lembrando-se do que ele dissera sobre Hensley.

— Aquela minha irmã impulsiva e impressionável é um dos principais motivos de minha viagem - ele tinha dito.

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— Espero que você possa me ajudar com alguns planos que tenho para ela. Sabe qual é a última dessa maluquinha? Ouvir música country. Está superentusiasmada. Toda vez que vem para a minha casa, fica escutando discos de country music o dia inteirinho. Quando eu reclamo, ameaça comprar um violão e começar a aprender. O pior é que Hensley seria capaz de fazer mesmo isso, e então tenho de me conformar. . . Ela sempre ganha!

"Impulsiva e impressionável..." Sim, sem dúvida, Peter se lembra bem daquela adolescente imprudente que Hensley tinha sido: pernas longas e cabelos compridos e loiros. Sorriu ao lembrar quando ele e Allan tinham se formado, nove anos atrás. Ela tinha treze anos, na época. Durante a cerimônia, tinha usado um enorme par de óculos escuros. Não os tirou nem um só minuto, pois afirmava que assim tinha um ar "feminino místico". Sim, ela gostava de inventar modas! Se bem que, na época, era tão "feminina mística" quanto uma cadeira!

Peter bateu o cachimbo num cinzeiro pesado, para esvaziá-lo. Bem, Hensley Travis tinha crescido um bocado. E tinha se tornado bastante atraente, admitiu, sorrindo. Da última vez em que a viu, no enterro de Franklin Travis, ela não escondia mais seu rosto bonito atrás de óculos escuros. Lembrava-se de seus olhos castanho-claro rasos d'água, dos lábios trêmulos...

— Sr. Merrick. - A voz de Emma o despertou. — Falei com John Martin. Ele está vindo encontrá-lo.

— Oh, que bom. Obrigado, Emma. Peter ergueu uma peça larga de cobre com base de ébano, que servia como peso de papéis, e retirou alguns relatórios de baixo, começando a se ocupar do trabalho do dia. Empurrou para longe os irmãos Travis e entregou-se ao trabalho.

CAPÍTULO III

Allan apertou o volante quando enxergou as montanhas. Será que elas sempre tinham sido enormes assim? Ou só reparava agora que eram tão altas porque, pela primeira vez em seus trinta e dois anos, necessitava deses-peradamente do símbolo da força que elas representavam? Notou que o pico mais alto, coberto de neve, parecia um padre vestido para a missa. Franziu a testa.

Seus ombros arqueados estavam cansados. Talvez devesse ter ouvido o conselho de Peter para vir de avião. Mas não resistiu ao desejo compulsório de guiar mais uma vez pela paisagem conhecida. Queria lembrar outras primaveras que tinha passado em Montana.

Girou a cabeça para relaxar os músculos do pescoço. A estrada era larga, moderna, e o carro deslizava rapidamente pelo asfalto. Talvez fosse melhor se o

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tráfego estivesse mais pesado; pelo menos não se atormentaria com tantas perguntas.

Seria justo colocar aquele peso nos ombros de Peter? Sim, ele era seu melhor amigo. Mas não seria uma fardo pesado demais? Uma semana atrás não tinha enxergado outra alternativa. Seus dedos se crisparam involuntariamente na direção. Olhou para as veias azuladas das costas das mãos, tão visíveis sob a pele quase transparente.

Estava agora a menos de quinze quilômetros de Anaconda. Acendeu o pisca-pisca, desacelerou e entrou numa pequena estrada à direita. Assobiou baixinho. Graças a Deus estava quase chegando.

No topo de um morro mais alto avistou a paisagem familiar do rancho de Peter, incrustado na montanha. Era uma beleza. Entre os morros baixos, cobertos de árvores, havia grama verdinha e tenra, e um pequeno riacho que serpenteava até perder de vista. Às margens do riacho cresciam arbustos que, dali a algumas semanas, estariam florescendo em rosa e branco. Allan sorriu. Sabia que no dia seguinte eles sairiam para um passeio a cavalo ao longo do riacho.

Passou pelo portão do rancho com o coração batendo mais forte. A visão da casa era confortadora. As paredes de tijolinhos a vista, o telhado baixo, as janelas largas. Mal tinha desligado o motor quando a porta da frente se abriu e Peter surgiu.

— Ah! Fez a viagem num ótimo tempo; eu sabia disso. - exclamou Peter, dando tapinhas nas costas do amigo.

— Puxa, que bom tê-lo aqui de novo! - Ele pegou as malas de dentro do carro.

Peter tinha baixado o rosto rapidamente, mas ainda assim Allan percebeu a expressão de dor. Sua aparência devia ter sido um choque para o amigo; ele havia perdido mais de dez quilos desde a última vez em que se encontraram.

— E eu, então? Estou mais do que feliz, Peter! Você e Georgie Girl são um colírio para os meus olhos cansados - ele falou, acariciando a terrier branca e preta que pulava a sua volta.

Georgie abanava o rabo alegremente, deliciada com o afago. Os dois homens entraram na casa, com o cão trotando do lado.

— Estar aqui é o tônico de que estava precisando - falou Allan, sentindo com prazer o ambiente familiar.

— Vamos levar isso para cima mais tarde. - Peter deixou as malas no hall.Allan passeou os olhos pelos degraus de madeira escura que subiam até o

andar superior. A cor da madeira era a mesma do cobre polido do imenso lustre que pendia do teto da entrada.

— Vou buscar um drinque - avisou Peter, seguindo para a cozinha.Graças a Deus nada muda por aqui, Allan pensou ao entrar na sala de estar.

O azul-cinza da parede se fundia graciosamente cora as cortinas das janelas. A frescura do azul era quebrada pelo calor de um tapete vermelho oriental, que cobria a maior parte do chão de madeira polida. Deixou-se escorregar

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maciamente num sofá confortável. Seus pensamentos vagavam pelas inúmeras férias deliciosas que já tinha passado ali.

Peter retornou, estendendo-lhe um copo com uísque e gelo. Georgie Girl seguia seu dono, e foi se deitar em frente à lareira. Colocou-se na posição certa: apoiou a cabeça sobre as duas patas e ficou observando os dois homens com seus olhos castanhos muito vivos.

— Esta sala é tão tranquila! Eu o invejo por essa casa antiga e deliciosa, Peter. Ela bate longe aquele monte de concreto e vidro onde eu moro.

— Sim - concordou Peter. — Estou feliz por papai tê-la mantido. Quando mamãe morreu, ele quis

vendê-la. Você sabe, era ela que adorava o lugar, os cavalos, tudo. Mas depois ele descobriu que não era só ela que adorava o lugar. Ele não aguentava ver nem a cara dos compradores. Não podia imaginá-los morando aqui, e então mudou de idéia. Ainda bem! - Peter se sentou numa cadeira de veludo, esticando as pernas sobre uma banquetinha.

— Pois eu não consigo imaginar outra pessoa morando aqui que não seja você.

— Nem eu, claro. Passei minha vida toda aqui. Quando a garota certa aparecer, quem sabe, talvez fiquemos para criar mais uma família Merrick no rancho.

— Eu bebo a isso - falou Allan, erguendo o copo. — À dinastia Merrick!Peter riu.— Antes dessa "dinastia", haverá mudanças. Vou pintar a casa inteirinha por

dentro. Para falar a verdade, vou redecorar a casa no mês que vem.— Estou feliz por ver ainda a pintura antiga. - Allan olhou à sua volta mais

uma vez. — Odeio ver as coisas mudarem. Gostaria que tudo permanecesse como é. . .

Até onde fosse possível!O silêncio reinou na sala por alguns instantes. Allan percebeu o olhar do

amigo pousado sobre ele, mas não o encarou.— Como é que estão indo as coisas com você? - perguntou Peter, finalmente,

com um tom de ansiedade que ele não conseguia dissimular.— Mais ou menos. - Encolheu os ombros. — Boas e más notícias. As boas são que estou me sentindo bem melhor

desde as últimas transfusões que sofri em dezembro. Eu me canso facilmente, claro, mas muitas coisas boas me aconteceram nestes quatro últimos meses. Sabe, tem até essa garota!

— Não pode estar assim tão cansado se ainda tem energia para uma nova garota! - exclamou Peter, rindo.

— Não é apenas uma garota - falou Allan, sorrindo também.— Oh, oh! Quer dizer que ela é "a" garota, Allan? Está querendo me dizer que

veio guiando por essas estradas todas até Montana para me convidar para ser o padrinho do casamento? - exclamou Peter, excitado, os olhos azuis brilhando de prazer.

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— Deus sabe que eu daria tudo para ter vindo para cá por causa disso! Mas do jeito que as coisas estão agora. . . - Ele sacudiu a cabeça, desolado.

— Bem o contrário! Allan esvaziou o copo. — Duas semanas atrás eu estava certo disso, mas agora... - Ele colocou o

rosto entre as mãos, segurando-o pelas têmporas. — Cometi um erro, Pete. Devia ter contado a Karen desde o começo sobre a

leucemia. A verdade é que só consegui lhe dizer a verdade alguns dias atrás.— Por que esperou tanto?— Bom, aí está uma boa pergunta. Eu mesmo já me perguntei isso mais de

cem vezes. Difícil de responder. Talvez se eu explicar tudo, Peter, você possa me ajudar.

— Vamos tentar. - Peter estava calmo e atento. Allan esticou as pernas, cruzando os pés. É disto que preciso, pensou. Peter era um ótimo ouvinte, um conselheiro infalível. A pessoa certa, em quem ele tinha confiança absoluta, e que muitas e muitas vezes já o havia ajudado. Sorriu consigo mesmo. Sempre tinha sido assim entre eles dois.

— O nome dela é Karen Blake - ele começou. — É secretária de uma firma de Duluth. Conhecemo-nos no dia primeiro de

outubro, e. . . bem, tudo pareceu ter dado maravilhosamente certo desde o primeiro contato. Você nem acreditaria em como ela é bonita.

— Oh, sim, pode ter certeza de que acredito. Ou você não se lembra de que nós sempre tivemos a mesma opinião sobre os encantos e virtudes femininas? Não se lembra daquela garota de cabelos vermelhos, Patty? Foi um golpe sujo, aquele! Você jogou todo o seu charme e papo-furado para ela, e eu fiquei a ver navios! Fique sabendo que levei algum tempo para perdoá-lo. — Peter sorriu.

— Diabos, Peter! Tinha quase me esquecido disso. Puxa, mas ela era mesmo um bocado, hein?

— Bem, bem, águas passadas. Voltemos à sua Karen. Diga-me, o que Hensley acha dela?

— Hensley nunca se encontrou com Karen. Eu estava planejando reuni-las no Natal, mas daí fiquei doente de novo. - Franziu a testa.

— Isso foi quando tive de ir para o hospital fazer as transfusões de sangue. – Allan fez uma pausa, observando Georgie, que lambia as patas despreocupadamente.

— Devia ter dito a verdade a Karen na época, mas, droga! Tudo estava tão perfeito entre nós. Estava com medo. Não queria virar o barco, dá pra você compreender?

Peter fez que sim com um gesto de cabeça.— Menti para ela. Disse que tinha que ir para o hospital para fazer alguns

testes. . . que tinha perdido peso e que talvez estivesse anêmico. Eu a amo. Não queria me arriscar a perdê-la.

Allan tinha fechado os pulsos. Seu rosto estava crispado e tenso.— Não creio que seja um problema muito complicado, se ela o ama - falou

Peter.

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— Você está se sentindo melhor desde as transfusões. A doença está regredindo. Eu diria que você e Karen têm um belo futuro pela frente!

Allan balançou a cabeça lentamente. Sem responder, ergueu-se e andou até as janelas, ficando de costas para Peter. Suas costas estavam rígidas e imóveis,

— Não - ele falou, sem se voltar. — A doença não está regredindo.Peter prendeu a respiração. O cão ergueu a cabeça, percebendo a tensão do

dono. Allan continuou de costas:— Pensei que estivesse. Rezei para que estivesse. Os testes de laboratório

que fiz há dez dias foram conclusivos. Não há mais esperança de regressão agora. - Ele se virou, encarando o amigo.

— Foi por isso que liguei na semana passada. Por isso insisti em vir de carro. Quanto a Karen e o nosso relacionamento... - Ele encolheu os ombros.

— A decisão é dela. Acho que ela vai querer terminar comigo. - Ele deu alguns passos.

— O que é importante agora é Hensley. Preciso arranjar tudo financeiramente para garantir a segurança dela. Preciso de sua ajuda, Peter. Tenho de ter certeza de que ela estará garantida quando eu me for.

— Meu Deus, Allan. - Peter pulou da cadeira. — Não fale assim! Você está vivo, que diabos, homem, vai continuar a viver!

- Peter segurou Allan pelos ombros com firmeza. — Há tempo, você ainda vai viver muito tempo.

— Não, não vou. Minhas perspectivas são de três meses de vida, talvez menos.

O tom de sua voz surpreendeu a si mesmo. Tinha falado aquilo tranquilamente. Será que conseguiria disfarçar o turbilhão infernal em que estava mergulhado há tanto tempo? A calma aparente era perfeita.

— Olhe, está tudo bem - continuou sério. — Pelo menos, Peter, tire esse olhar de desgraça da cara. - Allan deu alguns

socos nos ombros de Peter, procurando desfazer a tensão que havia se criado entre eles.

— Guiei até o oeste para lhe pedir ajuda meu velho. O que preciso de você não é a sua simpatia, mas a sua força.

— Você já a tem - afirmou Peter. Allan torceu os lábios num sorriso amargo,— Encarei os fatos, mas ainda não consegui aceitá-los, O que me aborrece,

de verdade, é que não vou deixar nada para trás. Talvez eu tenha um ego exagerado - ele falou, enfiando as mãos nos bolsos.

— Mas Deus sabe que odeio não ter feito nada em meus trinta e dois anos de vida, Queria deixar minha marca em alguma coisa, em algum lugar. - Allan desviou o olhar do rosto consternado de Peter.

— Que tal renovar meu drinque?Peter pegou o copo vazio e saiu, Allan sentou-se na poltrona. Sentia-se mais

cansado do que nunca. Fechou os olhos brevemente, A escuridão era tranquilizante. Lembrou a viagem até ali, das montanhas com os picos cobertos

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de neve, que pareciam encostar nas nuvens claras da manhã. Sabia que tinha tomado a decisão certa: tinha mesmo de ter vindo.

Peter interrompeu seus pensamentos ao lhe entregar o copo: — Vamos conversar sobre Hensley. Que planos você tem para ela?Allan bateu o copo no de Peter, num brinde, com um sorriso nos lábios. Sabia

quanto devia estar custando ao amigo manter a conversa normalmente.— A minha irmã! Você e eu vamos ver que ela é capaz de escalar a

montanha que quiser - anunciou Allan em voz alta.— OK, vamos direto ao assunto, então - falou Peter, erguendo o copo.— A herança de Hensley não é nenhuma fortuna, mas é o suficiente para

mantê-la para o resto de sua vida. Quer dizer, com alguns cuidados especiais. É aqui que você entra na história, meu amigo!

— Bem, se for para cuidar de negócios, está falando com o homem certo!— Não fique cantando vitória tão cedo. Você terá como séria contendora a

impetuosa Srta. Travis, além das finanças dela, claro. Não vai ser sopa. - Allan riu. — Ela é jovem, você sabe. Sob certos aspectos, mais jovem ainda que seus

vinte e dois anos. Pelo menos é o que me parece. - Ele estreitou os olhos. — Papai e eu a superprotegemos, talvez. Nós somos os culpados, se ela é um

pouco estragada. E é um bocado caprichosa, também.— Bem, superprotegida e estragada não é fatal. Talvez ela nos surpreenda

quando for dona de seu nariz.— Ah! Bem que eu queria contar com isso. - Tomou um gole de uísque. — Papai foi muito indulgente com ela. Talvez quisesse preencher a falta de

mamãe, não sei. Hensley tinha apenas dez anos quando mamãe morreu num acidente de carro. De qualquer forma, Hensley gosta de ser extravagante, e frequentemente se deixa levar por seus sonhos. Com você cuidando das finanças, Peter, ficarei sossegado de que conseguirá pôr um freio nela. - Allan calou-se, lamentando ter tolerado as extravagâncias da irmã por tanto tempo.

— Hensley é maravilhosa, Peter, de verdade, você vai ter algumas dores de cabeça por causa dela.

— Bem, acho que posso cuidar disso - disse Peter.— Pelo menos acho que posso.— Além do aspecto financeiro, estou apreensivo por ela ficar completamente

só. Sou o que resta de sua família. Não há nem uma providencial tia velha, dessas caídas do céu. O que eu estou querendo dizer. . . - Encarou Peter solenemente.

— Quero que tome conta dela. Literalmente!— O quê? - Peter, surpreso, ergueu a voz. — Como assim? Escute aqui, Allan! Hensley é maior de idade, está um pouco

velha para ter um guardião. De qualquer forma - ele continuou intrigado —, como é que você quer que eu tome conta dela se ela mora em Minnesotta e eu em Montana?

— Muito bem! Você chegou no ponto em que eu queria! - Exclamou Allan, apertando a mão de Peter.

— Ei, espere um pouco. - Peter sacudiu a cabeça.

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— Esse seu ar me assusta! Conheço essa expressão muito bem, dos tempos da Universidade, quando você inventava um de seus fantásticos planos. E quem acabava se danando no fim era sempre eu; você, meu velho, saía ileso da con-fusão!

Allan fez um gesto com a mão para que Peter esquecesse os velhos tempos.— Desta vez não é nenhuma confusão, juro! Você e eu podemos arquitetar

um plano de ação. Podemos descobrir a maneira certinha de manipular Hensley. Vamos trazê-la para Montana de alguma forma. Daí você vai poder vigiá-la.

— Ei, ei, que entusiasmo é esse? Acho que você está sonhando, Allan. Como é que.. .

— Você vai descobrir um jeito, Peter. Se existe uma pessoa que vai saber lidar com Hensley, essa pessoa é você. Tenho um pressentimento de que você vai conseguir resolver o problema, além de cuidar das finanças, claro.

— Fico muito lisonjeado com a sua confiança, mas acho que estamos nos esquecendo do ponto de vista dela. Minha experiência com o sexo oposto já me demonstrou claramente que as mulheres detestam ser mandadas! - exclamou, com um sorriso de quem conhecia o assunto.

— Nós não lhe diremos nada - falou Allan, passando a mão cansada na testa. — Só falaremos sobre as finanças.— Bem... eu poderia oferecer um emprego para Hensley aqui em Montana.

Quem sabe. - Ele fez uma pausa. — Veja, mais uma vez aceito entrar numa invenção sua! E depois você me

diz que Hensley é que é extravagante!Peter disse aquilo em tom brincalhão, mas Allan entendeu que o amigo tinha

aceito e entendido a proposta.— Sabia que podia contar com você, amigão! - Ergueu-se, sentindo-se

melhor. — Com a sua ajuda, ficarei tranquilo sobre Hensley. - Colocou a mão sobre o

ombro de Peter. — Droga, Peter, termine logo com esse drinque e vá pôr uns bifes na grelha!

Este ar da montanha me deixa com uma fome de leão!

CAPÍTULO IV

Hensley decidiu não escrever a Allan sobre o emprego, mas esperar e surpreendê-lo com as novidades quando ele viesse para a sua formatura. Queria ver a reação dele. Quando o encontrou e contou, o ar de surpresa que ele fez alimentou bem seu ego.

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— Ahá! Você nem consegue acreditar que eu arrumei esse emprego sozinha, sem a ajuda de ninguém, consegue?

— Estou chapado! Tenho de admitir. - Ele franziu a testa.— Ótimo, não é?— Sim, ótimo, claro que sim.Embora ele estivesse sorrindo, Hensley pressentiu que não havia se

entusiasmado tanto.— Bom você pelo menos podia me abraçar e dizer: "Puxa, estou muito

orgulhoso pela minha irmãzinha!" - ela provocou, brincando.— Ei, estou orgulhoso por você, claro - ele disse, erguendo a mão. — Apenas fiquei surpreso. Você tem de admitir que foi inesperado. Eu jamais

desconfiei de que tinha uma superjornalista na família. - Ele sorriu. — Bem, mas devia saber que você sairia à caça de um emprego com a

mesma impulsividade e vontade com que faz tudo na vida.Allan fez uma pausa, ajustando a pulseira do relógio.— É uma coincidência estranha - ele continuou. — Enquanto estive no rancho de Peter, ele me perguntou sobre seus planos

depois de formada. Disse que estava querendo lhe oferecer um emprego na Companhia de Cobre Merrick.

— Que bobagem! Por que, diabos, eu iria trabalhar em Montana? - Ela puxou os cabelos para trás, irritada com a idéia.

— Allan, sabe muito bem que eu não deixaria Ironville por nada neste mundo, com você aqui.

Ao ver a expressão dolorosa no rosto do irmão, apertou os lábios. No silêncio sepulcral que se seguiu, considerou o que tinha acabado de falar. Claro que jamais sairia de Ironville, com o irmão ali. Jamais enquanto ele estivesse ali. Mas quanto tempo isso ainda significava? O medo e a angústia apertaram sua garganta. Engoliu em seco. Não podia suportar a melancolia revelada pelos grandes olhos escuros do irmão. Virou a cabeça para o outro lado.

Depois da formatura, os dias quentes de verão chegaram. Hensley entregou-se a seu novo emprego de corpo e alma. O trabalho no Daily Journal de Ironville era muito interessante. David Gillette trabalhava ao lado dos empregados, numa camaradagem que sem dúvida se refletia no sucesso do jornal. Ela logo descobriu que David era um homem honesto e brincalhão, e extremamente acessível.

— Hensley, fui um gênio por ter empregado você! - ele elogiou um dia, aproximando-se da escrivaninha dela.

— Oportunidade igual de emprego, tanto para homens quanto para mulheres! Que tal? Isso contribui para a boa imagem pioneira do jornal, não acha? Fui muito esperto mesmo. - Ele tirou os óculos, balançando-os como o pêndulo de um relógio.

— Acho que vou conseguir fazer de você uma jornalista de primeira! - exclamou, rindo, e se afastou.

Hensley sabia que aquele era o modo pelo qual ele demonstrava aprovação pelo seu trabalho. Sentiu-se gratificada. Desde o primeiro encontro com David

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Gillette, tinha ouvido falar muito sobre ele. No dia anterior soubera que a esposa dele iria passar dois meses fora, num hotel caríssimo à beira de um lago, no norte de Minesotta. Todos diziam que o casamento de David estava se acabando, e o próprio David não fazia segredo dos hábitos extravagantes de sua esposa.

— Aquela mulher pensa que eu edito dinheiro, não jornais! - ele tinha dito uma vez, na presença de Hensley.

— Deus sabe que eu não sou tão rico assim!Hensley perguntava a si mesma se não estaria dando ouvidos àquelas

fofocas apenas para afastar da mente o problema de seu irmão. Allan estava se deteriorando dia-a-dia. Procurava esconder a compaixão que sentia por ele a todo custo, determinada a transformar aquele verão num período agradável para os dois.

Toda noite, depois do jantar, ela e o irmão sentavam-se no pátio interno do prédio e conversavam. As noites quentes de junho eram perfumadas pelos pés de jasmim-manga que tinham no jardim.

Graças a Deus, ela pensava, este conjunto supermoderno de prédios fez a concessão de perfumar seu jardim. Adorava aquele perfume, tão forte em algumas noites, que ela chegava a sentir um gosto doce na boca.

Era uma maravilha poder conversar tanto com o irmão. Aquilo criava uma cumplicidade entre eles que antes nunca tinha surgido, mais por falta de tempo do que por qualquer outra coisa. Agora que ela estava formada, morando com ele em Ironville, a diferença de idade tinha deixado de existir. Sentia que aquelas conversas eram de vital importância para o irmão. O clima ameno de verão, o perfume quente do ar, o céu forrado de estrelas, tudo o deixava relaxado e alegre. Às vezes ele se calava, e ambos ficavam quietos, compartilhando o silêncio.

— Hensley, gostaria que você conhecesse melhor a coleção de selos de papai - ele disse, uma noite.

— Quando você tiver tempo, quem sabe pode estudar alguns deles. É muito interessante, sabe? Tem uns lindos. É um hobby maravilhoso.

— Sim, sei que existe gente que é maníaca por selos - ela respondeu, cruzando as pernas como uma iogue.

— Como, assim? - perguntou Allan, interessado.— Meu patrão, David Gillette, por exemplo. Imagine, que no dia em que eu

tive a entrevista para arrumar o emprego, ele ofereceu não sei quanto para comprar um selo canadense de papai.

— Os selos não estão à venda. - Allan, ergueu a mão. — Jamais quebraria aquela série canadense! E espero que você mantenha a

coleção intacta - ele completou, tomando um gole de chá. — Isto é, a não ser que, numa emergência, você precise realmente de

dinheiro. Mas esteja absolutamente convencida de que precisa mesmo, antes de vendê-los.

Allan tinha dito aquilo com seriedade. Hensley sorriu para ele:— Não se preocupe. - Sacudiu a cabeça para enfatizar.

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— Prometo, não vou jogar fora minha herança.— Sei disso. A coleção será sua, claro, e você pode fazer o que quiser com

ela. Não é uma grande fortuna, mas as séries chegam a custar cinquenta mil dólares. - Ele segurou sua mão.

— Venda, se for necessário. Mas somente por uma grande causa.Allan se levantou, remexendo nos bolsos da calça.— Os selos estão no meu cofre do banco. Já lhe dei um cartão assinado com

a minha autorização para usá-lo. Agora quero lhe dar a chave do cofre. - Ele lhe estendeu a chave.

Os dedos de Hensley estremeceram. A chave era fria, pesada. Por um instante quase a deixou cair. O pensamento absurdo de que aquela chave era muito feia e desproporcional tomou conta de sua mente. Apertou os lábios com força. Havia um tom de finalidade, uma solenidade na maneira pela qual Allan tinha lhe entregue a chave do cofre.

Quando se deitou, mais tarde, não conseguia dormir. Os pensamentos sobre a chave que Allan lhe dera voltaram. Associou aquela chave com a outra, a do apartamento, que aquela garota morena tinha deixado na mesinha da entrada. Quase se esquecera daquela tarde de abril. Quem seria aquela garota, afinal. Será que podia perguntar a Allan? O que havia acontecido com ela? Não, era melhor não falar nada. Afinal, a garota não tinha mais voltado, e tinha saído chorando, depois de deixar a chave no apartamento.

Julho trouxe dias excepcionalmente quentes para Minnesotta. Hensley sentiu a atmosfera gelada do hospital, quando entrou. Sua pele ficou arrepiada, pois estava com os braços nus. Mas o frio que sentia não era por causa do ar condicionado, apenas. Naqueles nove dias, desde que o irmão estava internado no hospital, a apreensão tomava conta de todos os seus sentidos.

Allan estava colocando o fone no gancho quando ela entrou. Hensley havia tido tanta pressa para chegar ao hospital, e, no entanto, naquele instante, desejou ter se atrasado. Talvez assim não tivesse presenciado a cena dolorosa. O rosto do irmão estava agoniado, numa tristeza tão grande que seus olhos se encheram de lágrimas.

Foi para a cabeceira e tomou uma das mãos magras dele, com carinho. Segurou-a firmemente entre as suas mãos bronzeadas, mas nada disse. Achou melhor nem saber o motivo pelo qual o irmão estava tão arrasado. O que o teria afetado daquela maneira?

Sentou-se na cama, e começou a conversar com ele sobre amenidades. Falou do calor que estava fazendo lá fora, que talvez chovesse, do artigo que havia escrito naquela tarde. Mas tinha quase certeza de que o irmão não a escutava. Os pensamentos dele voavam, longe daquele quarto de hospital.

Foi depois até a janela e notou um vaso novo, cheio de flores vermelhas. Pegou o cartão da floricultura.

— Quem é Karen? - perguntou, com voz marota, procurando dispersar a melancolia que ainda pairava no quarto.

Allan parecia não ter escutado, pois não respondeu.

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— Allan, quem é essa Karen que mandou este vaso bonito? Andou escondendo segredos de sua irmã? - insistiu no mesmo tom, curiosa.

— Talvez - ele finalmente respondeu. — É uma garota que eu conheço.— Especial?— Muito especial para mim.Esperou que ele continuasse, mas ele se calou. Várias perguntas se

formaram em sua cabeça. Quem era essa Karen? Onde estava? Se era mesmo especial para Allan, por que ela, Hensley, não a conhecia? E quando essa garota especial tinha vindo visitá-lo? Estranho que elas nunca tivessem se encontrado no hospital. Ardia de curiosidade, esperando que Allan contasse sobre a moça. Mas Allan não falou mais nada, e ela resolveu continuar:

— Nunca ouvi você falar nessa Karen.Allan ergueu os ombros, fazendo força para se sentar. A respiração dele era

difícil e até erguer a cabeça dos travesseiros parecia um esforço naquela noite.— Uma vez, meses atrás, planejei de lhe contar sobre Karen, mas acabei

contando a Peter. Sempre achei mais fácil falar com Peter do que com outra pessoa.

Allan colocou as mãos nas têmporas. Era uma posição que ele sempre assumia antes de uma conversa longa, e Hensley ficou mais animada.

— Comecei a sair com Karen enquanto ainda havia esperança de regressão da doença. Depois disso. Bem, não havia motivos para continuarmos um namoro sem futuro.

Hensley o encarou. Ainda havia peças que não se encaixavam na história.— Mas por que terminou de repente?— Porque eu descobri que não tinha futuro para oferecer a ela. Ela não quis

continuar um relacionamento com um homem que iria morrer dali a pouco - ele completou amargo.

Hensley deixou o cartão escapar dos dedos crispados, Quando se abaixou para pegá-lo, não conseguia mais ler as palavras escritas. Tudo o que via era a imagem de um rosto desfocado.

— Se Karen é uma pequena morena de olhos verdes, encontrei-a uma vez.— Conheceu Karen? - indagou Allan, atônito. — Quando? Onde? Por que não me contou antes?— Eu quis lhe contar. Deus sabe que eu estava morrendo de curiosidade,

mas não queria bancar a irmãzinha intrometida que mete o nariz onde não é chamada. - Colocou o cartão ao lado das flores e voltou a sentar-se à cabeceira do irmão.

— Você nunca ficou me perguntando sobre os caras com quem eu saía. - Ela sorriu.

— Daí eu pensava que os seus romances não eram da minha conta.— Não fique dando voltas. Quero saber tudo sobre você e Karen. É

importante! - Ele estava agitado.

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— Foi naquele fira de semana de abril, quando vim para Ironville procurar emprego. Você tinha ido para Montana visitar Peter, mas eu não sabia de nada, claro. Karen veio ao apartamento. Ela estava procurando por você.

Hensley contou tudo ao irmão, não se esquecendo de nenhum detalhe do que havia acontecido naquela tarde. Allan escutava atento, um leve rubor colorindo suas faces pálidas. Seus olhos brilhavam de interesse.

Hensley fez uma pausa, hesitando em contar sobre a chave. Resolveu não dizer nada.

— Quando ela saiu correndo do apartamento, não tive tempo para saber seu nome, nem nada. Foi um encontro estranho, Allan. Nenhuma de nós sabia onde você estava, nem quando você voltaria.

— Posso imaginar - Allan falou, assentindo com um gesto de cabeça. — Na verdade, foi minha culpa. Sabe, não revelei a Karen que tinha

leucemia. Depois, em abril, quando os testes foram conclusivos e eu perdi as esperanças, fui forçado a lhe dizer a verdade. - Ele afundou a cabeça de volta nos travesseiros.

— Karen ficou arrasada. Não quis mais me ver nem conversar comigo. Franziu a testa; todo o brilho tinha fugido de seus olhos.

— Na semana seguinte, fui me encontrar com Peter em Montana.— Meu Deus! Ela é tão fria quanto uma cobra! Como é que você pôde se

envolver com uma garota que lhe deu o fora porque você estava doente? - ela acusou cega de raiva.

— Eu a odeio!— Você não compreende Hensley. É tão diferente de Karen! Você é

despachada, extrovertida, corajosa. - Ele esticou o braço para ela. — Uma moça determinada, assim é minha irmã! - deu uns tapinhas nas mãos

dela. — Karen não é como você.A respiração dele parecia mais difícil. Allan fitou o infinito, virando o rosto.— Sabe, Hensley - ele falou, calmo — há pessoas que são tão apavoradas

com o câncer, que não podem nem suportar a idéia de que alguém que elas amam sofra desse mal. Quanto mais assistirem a esse alguém morrer. Karen é assim. Ela não seria capaz de fazer o que você faz todas as noites: entrar neste quarto de hospital, segurar minhas mãos, tocar meu rosto.

Hensley cobriu a boca com a mão, pressionando-a forte. Tinha uma empatia enorme com o irmão, e sentia-se mal. Sabia o quanto de sofrimento Karen havia causado a ele. Sabia também que tinha adquirido uma repulsa visceral pela garota.

Afastou-se abruptamente de Allan.— Você está cansado - falou gentilmente. — Não devíamos ter conversado sobre isso.Hensley pegou o jornal e colocou-o sobre a pilha de revistas que estava

numa mesa ao lado da cama, e começou a arrumar nervosamente os vidros de remédio. Evitava o olhar do irmão.

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— Por favor, Hensley, pare de fuçar nessas coisas e sente-se aqui mais um pouco. Tem mais uma coisa que quero lhe explicar sobre Karen e eu. Sabe, encontrei-me com ela duas semanas atrás. Quando fui passar um fim de semana em Duluth, lembra? Conversamos bastante, tomamos algumas decisões importantes. - Ele fez uma pausa.

— Acho que a ajudei.Hensley continuava de pé, atrás da cadeira. Seus dedos se crisparam no

encosto de vinil. — O quê! Você a ajudou? - ela falou, com raiva. — Por que ela não ajuda você? Droga, ela poderia demonstrar mais cuidados.

. . mais carinho, do que mandar umas flores! - Bateu na cadeira. — E por acaso ela precisa torturá-lo com telefonemas? Era com Karen que

você estava falando quando eu cheguei, não era? - Hensley começou a chorar. — Oh, Allan. . . Você estava tão triste quando entrei. Tomou a mão dele e

encostou-a em seu rosto. — Não aguento vê-lo assim!Allan prendeu a respiração por alguns segundos.— Não estou triste, Hensley. Veja, estou até sorrindo - completou. — Mas você tem razão, estou cansado. Vamos esperar e conversar sobre isso

amanhã. - Puxou a mão e enxugou-a das lágrimas no lençol. — Prometa que não vai pensar mal de Karen. Gostaria que vocês duas se

tornassem amigas.Ela o fitou em silêncio, sem querer responder. Felizmente a enfermeira

entrou naquele instante. Hensley se despediu do irmão e saiu.Na madrugada seguinte, Allan entrou em coma. A semana se tornou, para

Hensley, um pesadelo de silêncio e espera. A bondade impessoal das enfermeiras a deixava possessa. O odor anti-séptico do hospital dava-lhe náuseas. Seu íntimo lutava contra tudo e todos que a separavam de seu irmão. Nessas horas, lembrou muitas vezes do que Allan havia dito. "Você é diferente de Karen. Você é corajosa, Hensley. É minha irmãzinha corajosa."

Quatro dias depois, às quatro e meia da tarde, ela recebeu um telefonema do Dr. Bronson. Em menos de quinze minutos estava no hospital. O médico estava à porta do quarto. Ele andou ao seu encontro e, pela gravidade de seu rosto, ela compreendeu que seu irmão estava morto.

Mais tarde, naquela noite, só no apartamento, Hensley ligou para Peter Merrick. Quando ele entrou na linha, foi difícil para ela falar. Sua língua ficou presa, imóvel na boca seca. Até aquele momento não tinha percebido quanto seria doloroso dizer a Peter que Allan tinha morrido.

— Peter! Peter, oh, Peter - Soluçou.— Hensley. Oh, meu Deus! Hensley, ele foi embora, não foi?Ela não conseguia responder. Ficava fazendo que sim com a cabeça, como se

Peter pudesse vê-la.— Você está bem?— Sim - ela sussurrou.

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— Sigo no próximo avião. Não se preocupe, estarei aí para ajudá-la. Arranjarei tudo sobre os funerais. - Ela o ouviu limpar a garganta.

— Amanhã estarei aí. Não fique sozinha esta noite.— Está bem, Peter. . . Olhe, eu estou bem, não se preocupe. Peter, obrigada

por vir... muito obrigada - repetiu, fazendo força para não chorar. — Não sabia com quem falar, e Allan me disse que você. . . que eu poderia

pedir ajuda quando. . .— Claro, Hensley, claro. Está bem! Chego aí amanhã! Oh, eu sinto muito...

Deus sinto muito!Ela ficou alguns segundos com a mão em cima do telefone depois de

desligar, como se o aparelho lhe desse alguma segurança. Peter tomaria conta de tudo. Ela sabia que poderia contar com ele.

De repente, a campainha tocou. Deu um pulo, assustada. Limpou o rosto com um lenço e foi abrir a porta.

Era David Gillette.— Sinto muito sobre seu irmão - ele falou, abraçando-a gentilmente. — Gostaria de ajudá-la, Hensley. - Fez uma breve pausa. — Aposto que não comeu nada desde o almoço. Venha, levo-a para jantar

fora.— Não estou com fome, David.— Claro que está! Além do mais, vai lhe fazer bem comer. - Ele deu uns

tapinhas em seu ombro. — Conheço um ótimo lugar, perto daqui.Ela se virou e atravessou a sala. Com um suspiro, puxou uma longa mecha

de cabelos para trás.— Não posso. Obrigada, muito obrigada, mas prefiro não ver ninguém esta

noite. - Sacudiu a cabeça. — Estou cansada demais.— Esse restaurante é pequeno. Não haverá ninguém lá, hoje é dia de

semana. Vamos, eu arrumo uma mesa num canto. - David se aproximou dela, esfregando a mão desajeitadamente em seu braço.

— Você tem de comer alguma coisa, meu anjo. Vai lhe fazer bem.De que valia replicar? - ela pensou. Não tinha forças para resistir. Afinal,

David queria ajudá-la. Ergueu os ombros. Era mais fácil deixar-se levar.— Dê-me cinco minutos para dar um jeito no rosto - falou.Em seu quarto, pegou um batom e passou-o nos lábios. Por que estou

deixando David me guiar?, perguntou à imagem refletida no espelho. Eu me apoiava em papai e depois em Allan. Eles dois pareciam não se importar com isso, e eu estava acostumada. Mas agora é diferente. Não pretendo me apoiar em David Gillette. Não posso ficar dependente dele!

Tampou o batom, roçou de leve o rosto com um pincel de blush, para disfarçar a fadiga, e escovou os cabelos. Pegou uma bolsa e voltou à sala. Sorriu resignadamente para David.

— Você tem razão, estou com fome.

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— Assim é que se fala docinho!Ele passou a mão em torno dos ombros dela e saíram caminhando pelas

ruas. O braço de David a reconfortava. Ela se apoiou nele, descansada.Na manhã seguinte, Peter ligou para Hensley, de Duluth. Ele estava mudando

de avião para chegar até o pequeno aeroporto de Ironville. Hensley chegou ao aeroporto minutos antes de ele desembarcar. Era mais uma manhã ensolarada e quente, e ela estava usando um vestido sem mangas e sandálias.

Assim que a porta do avião se abriu, viu Peter. Ele se deteve no topo da escada, olhando para a área de espera. Quando a avistou, acenou e desceu correndo. Estava carregando o paletó nas costas.

Por um instante o olhar dela voltou para o topo das escadas. Esperava ver outra figura atrás de Peter, um moço alto e loiro. Durante toda a sua vida, jamais tinha visto Peter Merrick sem Allan ao lado. Mas desta vez, naquela manhã ensolarada de julho, apenas Peter caminhava em sua direção, saudável e forte. Seu irmão não estava lá. Jamais estaria de novo. Hensley olhou para Peter com os olhos marejados de lágrimas. Sem que nenhum dissesse uma só palavra, abraçaram-se com força.

Na tarde seguinte houve uma breve cerimônia na igreja e o enterro. Hensley, pálida e silenciosa, escutava as palavras do pastor à beira da sepultura. Um toldo branco tinha sido armado para protegê-los do sol forte, mas o ar estava opressivo e abafado. Ela segurava o lenço molhado contra o nariz e a boca, mas mesmo assim o cheiro das flores a deixava tonta.

David segurava-a pelo braço esquerdo, oferecendo apoio. Ele havia se encontrado com Allan apenas uma vez; por isso Hensley tinha consciência de que ele estava presente apenas para ajudá-la.

Peter, à sua direita, tinha os olhos fixos no pastor. Hensley notou suas feições rígidas e solenes e lembrou os acontecimentos do dia anterior. Peter tinha tomado conta da situação, assumindo todas as providências em relação ao enterro, e ela pôde descansar. Ele baixou a cabeça. Hensley viu o pulsar de suas têmporas, a tensão das mandíbulas.

O pastor disse o "Amém" final, e o grupo silencioso começou a se dispersar. Algumas pessoas vieram dar os pêsames, outras simplesmente a tocavam.

— Está pronta para ir embora? — perguntou David. Ela fez que sim com um gesto de cabeça e virou-se para procurar Peter. Viu-o conversando com uma mulher de vestido bege, sem mangas. Embora seu rosto estivesse oculto pelos ombros largos de Peter, Hensley adivinhou que era Karen Blake. Já a vira, de relance, durante a cerimônia, com os cabelos presos num coque baixo, o rosto muito pálido, duas manchas escuras sob os olhos verdes. A expressão "perseguidos pela culpa" surgiu na mente de Hensley ao ver aqueles olhos. Não pôde deixar de sentir satisfação com a idéia. Karen merecia sofrer por ter desertado tão covardemente de seu irmão! Ficou irritada em ver Peter conversando com ela.

— Já estou indo — ela disse, voltando-se para David.

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— Sei que você precisa voltar para o jornal. Por favor, vá. Peter me acompanhará. — Suspirou, procurando sorrir.

— Obrigada por ter vindo, David.Ele apertou suas mãos com força.— Está bem. Peter está vindo, então já vou. - Beijou-a de leve. — Falo com você mais tarde.— Hensley - falou Peter, segurando-a pelo braço. — Aquela pobre garota está

arrasada. - Ele indicou Karen com um gesto de cabeça. — Vire-se e acene para ela, sorria também, se puder. Explicarei mais tarde. - Seus olhos imploravam.

Ele sabe quanto a detesto, pensou Hensley. Por que está me pedindo isso? Estreitou os olhos com raiva.

— Apenas olhe para ela, por favor - ele pediu de novo. — Por Deus, Hensley, ela está com o coração partido!

Hensley olhou por cima do ombro e acenou com a cabeça levemente. As palavras de Peter a haviam atingido. Allan amava aquela garota estranha; ele tinha pedido que elas fossem amigas. Ergueu a mão para saudá-la.

Karen imediatamente acenou de volta, numa atitude de alívio.— Isso foi muito bom da sua parte - falou Peter, enquanto se dirigiam até o

carro.— Ainda não compreendi. O que foi que aconteceu? Karen me perguntou

sobre uma coisa. Ela telefonou para Allan esta semana, para lhe dizer que estaria disposta a ir vê-lo, para ficar com ele, mas já era tarde; ele estava sob o efeito de sedativos. A enfermeira prometeu dar o recado assim que ele acordasse. Ele apressou o passo.

— Eu disse a ela que ia perguntar a você sobre isso.— Mas eu não sei se ele recebeu esse recado.— Talvez ele tenha recebido.— Ora, Peter, francamente! - ela exclamou, sem esconder a exasperação. — Você me forçou a mostrar a Karen Blake que Allan recebeu o recado dela

antes de morrer! - Ergueu a voz, com raiva. — Acho que sei qual foi a noite que ela ligou. Ela já tinha ligado mais cedo,

perturbando-o terrivelmente! Pois fico contente em saber que não conseguiu falar com ele de novo, pois o deixaria pior!

— Acredito que ela tenha ligado para pedir perdão para lhe oferecer um pouco de felicidade, aliviá-lo.

Hensley ergueu a cabeça, sem entender. O que ele tinha querido dizer exatamente com aquilo? Começou a andar mais devagar.

Estava quase correndo para alcançar as passadas largas de Peter e não havia necessidade.

O que importa, afinal? - pensou. Ela não ligava a mínima para Karen Blake. O importante era Allan, e ele se fora.

Seus olhos se encheram de lágrimas novamente. Mas não deveria voltar à tristeza. Sabia que Allan não aprovaria. Tinha de olhar para a frente, não para

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trás. Esforçou-se. Sacudiu a cabeça, e sua vista clareou. Não estava mais chorando.

CAPÍTULO V

Hensley olhou para o papel branco da máquina de escrever à frente. Os pensamentos estavam longe do trabalho naquela tarde. Nas duas últimas semanas, depois da morte de Allan, Peter Merrick tinha sido o único a tratá-la como adulta, capaz de organizar sua própria vida. Nem uma vez ele tinha agido paternalmente. Peter partiu de Ironville logo depois do enterro, dizendo que, se ela quisesse, o emprego em Montana estava à disposição dela.

Relacionava muito Peter com seu irmão e achava natural aceitar ajuda dele. Mas com David era totalmente diferente. O editor do Daily Journal estava se tornando cada vez mais informal e amigável. E ela não estava gostando. Afinal, David era um homem casado, e vinte anos mais velho do que ela. Desde o enterro de Allan ele a cercava de atenções, convidando-a para jantar fora todas as noites. Se ela arranjava uma desculpa, ele simplesmente a ignorava. Até que Hensley sugeriu que eles estavam saindo demais juntos, e que as pessoas começariam a fazer fofocas.

— Minha mulher e eu estamos separados, todos os cidadãos de Ironville sabem disso - ele tinha dito com a franqueza habitual.

— Ela não se importa a mínima com quem eu saio, ou com o que faço. A única coisa que a interessa é eu continuar pagando suas contas exorbitantes. Aí, sim. - Encolheu os ombros.

— Além do mais, odeio comer sozinho. É desinteressante, corta o apetite, e acabo ficando com indigestão.

Hensley não soube o que responder. Seus sentimentos em relação a David, eram ambíguos. Estava se encontrando demais com ele, David estava dominando sua vida. Precisava encontrar meios de aumentar seu círculo de amizades.

Quanto antes melhor, pensou. O que preciso é mudar de estação, virar o disco, deixar que um novo elenco de atores atue na minha vida. Começou a datilografar rapidamente.

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Uma hora mais tarde, David veio até sua mesa.— Acabe com isso. Vamos a algum lugar para jantar.— Desculpe-me, David, hoje não. Estou cansada, e tenho de fazer uma dúzia

de coisas no apartamento.— Tem razão, você devia relaxar em sua casa. Vou comprar uns filés e

verduras para salada, e levar para você. - Ele tirou os óculos. — Eu cozinho enquanto você faz as coisas que tem de fazer.

— Não, David, hoje não. - Ela sacudiu a cabeça enfaticamente, mas ele já tinha ido embora, como sempre.

Hensley mordeu o lábio inferior. Ele fica dando ordens como um sargento de exército, pensou. Guardou os papéis e os lápis e bateu a gaveta com irritação.

A caminho de casa, foi aborrecida por aqueles pensamentos. Droga, eu sou manipulada como uma boneca! - dizia a si mesma, crispando os dedos no volante. Uma marionete, comandada nos mínimos movimentos. Tinha que romper com aqueles fios, sair do palco.

Ao chegar, colocou um disco country na vitrola, deixando-se relaxar no sofá. Havia uma carta de Peter em sua correspondência, e resolveu abri-la primeiro.

"Querida Hensley,Uma carta rápida, apenas para lhe enviar seu cheque de setembro. Estou

mandando-o mais cedo, caso você esteja precisando. Esta é a quantia que foi combinada, mas poderá ser reajustada, se você quiser. É só me avisar. Quero mais uma vez reforçar o convite para você vir trabalhar em Montana. Embora seja diferente de seu trabalho no jornal, aqui você poderá escrever artigos para publicações especializadas. Uma jornalista competente beneficiaria muito a imagem da Companhia Merrick! Acredito que você se sairia bem na área. Lembre-se, as montanhas de Montana esperam por você. Porque não deixá-las lhe dar a felicidade que também deram a Allan?

Peter."Hensley dobrou a carta. "As montanhas de Montana esperam por você..." A

frase soou gentilmente em sua mente. Naquele instante sentiu uma serenidade, um aconchego delicioso. Lembrou de uma vez, muitos anos atrás, quando Allan tinha voltado de férias depois de seu primeiro ano na Universidade de Montana.

— Aposto como você não sabe o que quer dizer "Montana" - ele tinha dito a Hensley,

— E daí? - ela respondeu como uma irmãzinha presunçosa de nove anos responderia.

— Bom, eu vou dizer, mesmo que você não queira escutar, boba. É "montanha" em espanhol. Eles dizem que lá, há tesouros escondidos. Oro y plata, ouro e prata. - Ele riu.

— Mas eu diria que é a terra do cobre. Meu companheiro de quarto, Peter Merrick, tem uma companhia de mineração de cobre! Para ele, o tesouro é o cobre. Sem dúvida, o mais nobre dos metais, como ele diz.

Hensley sorriu com aquelas lembranças felizes.

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Tinha acabado de virar o disco quando David chegou. Ele irrompeu no apartamento, ofegante e com o rosto vermelho. Carregava no braço direito uma sacola com verduras e, debaixo do braço esquerdo uma enorme bengala de pão, na mão esquerda uma garrafa de vinho e a sacola com os filés. Era óbvio que estava mais do que satisfeito com suas compras. Estendeu a garrafa para Hensley e ela correu para pegar o pão, antes que caísse no chão. A cena ficou cômica, e Hensley não pôde deixar de rir. Como é que David podia ser tão irritante, como naquela tarde, e ao mesmo tempo tão encantador e divertido?

— Oh, David, você é demais! Eu me rendo. Não sei o que fazer com você, ou sem você. - Levou as coisas para a cozinha.

— Ei, mas você trouxe provisão para uma semana? - exclamou, tirando alfaces, tomates, cenouras, nabos e uma réstia inteira de cebolas da sacola.

Aquele foi o prólogo do jantar mais gostoso e divertido que tinham tido nas últimas semanas. David gratinou os filés e cortou o pão crocante em fatias, enquanto Hensley preparava um molho de ervas caprichado para a salada. O vinho estava delicioso, e o jantar se desenrolou entre risos e brincadeiras.

Depois, no bate-papo durante o cafezinho, David encarou-a com seriedade.— Hensley, eu sei que forcei minha vinda aqui esta noite, e lhe devo uma

desculpa. A verdade é que eu queria lhe dizer algumas coisas, e precisava de um lugar calmo, onde estivéssemos sozinhos.

A súbita mudança de clima a perturbou. Pegou a xícara e bebeu um pouco de café, olhando-o de soslaio.

— Você deve saber que minha mulher e eu decidimos que é melhor viver cada um para o seu canto - ele continuou.

— E estamos nos divorciando.— Sinto muito, David. . . sinto muito.— É a melhor solução. Quero que saiba que, sem você, estes dias seriam um

martírio para mim. - Ele se inclinou para ela.— Sim, ficamos sozinhos os dois, na vida. Acho que nos ajudamos bastante -

ela completou, perturbada com a intimidade dele. — Vou buscar mais café - falou, erguendo-se rapidamente.

— Não, não quero mais café. Sente-se. Assim posso conversar com você.Hensley ignorou-o e começou a limpar a mesa.— Não quer me ouvir, docinho? - ele a seguiu até a cozinha.Ela colocou os pratos empilhados sobre a pia.— Daqui a pouco. Primeiro deixe-me lavar os pratos. David a pegou pelos

ombros e virou-a de frente para ele. Olharam-se por alguns instantes. Ele começou a acariciá-la nos braços. A pressão de seus dedos despertou uma intensidade emocional inesperada para Hensley. Então ele se inclinou, beijando-a experientemente. Hensley sentia emoções diversas e confusas. Por uma fração de segundo viu-se de novo como uma marionete sendo manipulada por um mestre na arte. Estremeceu. David segurou o rosto dela com as duas mãos.

— Eu a quero, Hensley, preciso de você. Eu a farei feliz, querida.

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— Por favor, David... - ela se desvencilhou dos braços dele. — Fiquei surpresa. Não esperava. . .

— Vai me dizer que você não sabia para onde estávamos indo?David conduziu-a até a sala. Os dois se sentaram no sofá. Hensley encostou-se num canto, colocando os joelhos juntos para um lado,

de modo a deixar uma barreira entre eles. Aquela última frase a havia deixado atônita. Será que ela já tinha pressentido para onde o relacionamento deles os estava conduzindo? Será que havia se recusado a admitir a verdade? Os únicos homens mais velhos de sua vida tinham sido seu pai e Allan. Os dois lhe tinham oferecido proteção e carinho, sem exigir nada em troca. Será que ela não havia colocado David no lugar de seu pai?

Baixou os olhos, querendo esconder os sentimentos do olhar perceptivo de David. Passou a mão pela testa, escondendo o rosto. Sentiu-se culpada. Admitiu a si mesma que nunca havia desencorajado David. Pelo contrário, tinha acabado por se entregar ao caminho mais fácil. Mas David não era seu pai, ela bem o sabia.

David passou a mão pelos cabelos longos dela. Seus olhos azuis sorriam calorosamente. Empurrando os joelhos dela com as mãos, ele puxou-a para si. Começou a beijá-la no pescoço, no rosto, na boca.

Hensley sentiu um desejo irreprimível de fugir daquelas mãos experientes. Como uma criança brincando de cabra-cega, queria escapar daquele contato íntimo. De repente, começou a falar!

— Vou embora de Ironville! Vou para Montana + exclamou, sem considerar direito o que estava dizendo.

— Allan me deu a idéia. É para trabalhar na Companhia de Cobre Merrick, conhece? O dono da companhia é Peter Merrick, aquele que estava no enterro. Vou escrever sobre comércio. Allan achou que seria bom para mim, e eu decidi...

— Pare Hensley! Pare com esse falatório - falou David gentilmente, colocando a mão sobre sua boca.

— Já entendi. Eu não queria assustá-la, oh, não. - Ele se ergueu. — Boa-noite. Mas fique sabendo que você está fugindo por estar assustada

consigo mesma, e não comigo - falou calmamente. David saiu, deixando-a sozinha. Por quanto tempo Hensley ficou ali,

divagando, ela jamais poderia saber. Somente um pensamento lógico persistia: não podia mais continuar no Daily Journal.

— Quero partir de Ironville! - exclamou em voz alta.Caminhou decidida até o telefone e discou para Peter.— Peter, como vai? É Hensley. - Puxa Hensley, que surpresa! Que bom ouvi-

la.— Sua carta chegou hoje, e eu. . . quero agradecer por você ter mandado o

cheque. Eu. . . - Parou hesitante.— Precisa de mais dinheiro, é isso?

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— Não, não... Na verdade, por enquanto estou bem em matéria de dinheiro. Sentiu-se mais animada pela voz amiga de Peter. — Liguei para dizer que acho que você está certo. Eu devia é ir para Montana.

— O que? Você está falando sério?— Claro. Eu. . . eu acho que não quero mais ficar em Ironville, afinal.— Você me pegou totalmente de surpresa. - Ele riu. Esperava que você

viesse, claro, e sabemos que Allan também desejava muito. É por isso que eu continuei a encorajá-la a vir. - Uma brevíssima pausa, — Mas quando eu estava aí em Ironville, você parecia tão certa de que queria continuar no jornal...

Hensley viu que ele estava realmente surpreso.— É que eu andei pensando melhor. . . Sabe, preciso mesmo sair de Ironville.

É a melhor decisão.— Ótimo. Ótimo! Fico contente, Hensley, muito contente.A reação dele a perturbou.— Puxa, Peter, você nunca imaginou que eu acabaria aceitando, não é? - Ela

riu, procurando disfarçar seu embaraço. — Mas, escute, não estou deixando você em nenhuma situação difícil? Quer

dizer, talvez você não tenha mais emprego disponível para mim? Prefere que eu espere mais um pouco?

Hensley estava um pouco nervosa. Não sabia o que dizer. Talvez tivesse se precipitado demais, afinal.

— Nada disso! Escute, o emprego está à sua espera! Ele é seu, e quanto mais cedo, melhor. Você sabe muito bem que Allan ficaria muito feliz com a sua decisão. Eu lhe asseguro que eu também fiquei! Ele começou a rir.

— Mas você é um enigma para mim, viu? Um grande enigma! Está combinado. Quando é que você vem?

— Assim que terminar o mês vou para aí. Devo chegar no dia três ou quatro de setembro. E, Peter... muito obrigada.

— Não precisa me agradecer Hensley. É muito bem-vinda na firma. Precisamos de gente como você, assim, "enigmas"... - Ele riu de novo. — Mas eu estou super-curioso para saber por que você mudou de idéia, afinal.

Hensley não respondeu, pois ela própria ainda não tinha encontrado a resposta.

— Hensley? Está aí?— Sim. É que eu estava pensando nessas montanhas de que você e Allan

tanto falam - respondeu prontamente. — Fico pensando se elas são mesmo tão bonitas e espetaculares como fui

levada a acreditar todos estes anos.— Venha e veja com seus próprios olhos. Ela desligou, pensando em que

Peter tinha dito que ela era um enigma para ele. Não só para ele, mas para si própria também. Para David, ela estava fugindo, assustada. Seria verdade? Jogou a cabeça para trás. Mas Allan dissera que ela era corajosa. Sentiu-se reconfortada. Não estava fugindo. Estava apenas indo para a frente, movendo as engrenagens. Endireitou os ombros, sorrindo. Tinha dado o primeiro passo para

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sua independência. Ia para as montanhas, que a esperavam. Quem sabe encontraria a montanha certa para subir.

CAPÍTULO VI

Setembro envolvia Montana numa névoa dourada; as árvores estavam amarelando e a grama já tinha desbotado para o bege e marrom. Hensley guiava pela estrada, extasiada. Até o céu parecia ser amarelo.

A viagem desde Minnesotta tinha sido gostosa. O trânsito estava fraco nas estradas, e as cidades pelas quais passou eram simpáticas e floridas. A maioria da população da Dakota do Norte e Montana vivia nas fazendas de trigo e de gado. Tinha visto muitos rebanhos de gado e de carneiros, pastando à beira da estrada. E, na maioria do tempo, campos e mais campos cultivados. Olhou para o relógio. Chegaria em Anaconda no começo da tarde.

Anaconda era uma cidade pequena, mas mesmo assim Hensley encontrou dificuldade para encontrar os escritórios da Companhia de Cobre Merrick. Ao entrar, hesitou. Sorriu incerta.

— É este o escritório do Sr. Merrick? - perguntou para a senhora simpática de cabelos grisalhos.

— É, sim. Posso ajudá-la?— Gostaria de vê-lo, se possível. Sou Hensley Travis.— Claro; eu sou Emma Carlson. - A senhora se levantou, fitando-a com os

grandes e límpidos olhos acinzentados. — Estou muito contente em conhecê-la, Srta. Travis. Peter ficará surpreso ao saber que já chegou. Ele não a esperava antes da noite.

Emma saiu. Hensley abotoou seu blazer, enquanto esperava.— Hensley! - exclamou Peter, saindo de sua sala para cumprimentá-la com

efusividade. — Bem-vinda! Como foi a viagem? - Segurou a mão dela.— Ótima. Tudo correu bem, adorei cada minuto. Essa sua terra tem um céu

imenso!— Bom você fez a viagem em tempo recorde.Ele ainda mantinha a mão dela entre as suas. Hensley gostou do sorriso largo

estampado naquele rosto moreno. Ele a olhou diretamente nos olhos. O silêncio que se seguiu foi estranho para Hensley. Ela puxou a mão e virou o rosto. Era bobo, mas estava levemente ruborizada.

— Vou levá-la para almoçar - ele disse —, e depois quero que você dê uma olhada no apartamento que Emma me ajudou a encontrar. - Peter virou-se para a secretária! — Estas cartas vão ter de esperar, Emma, Não me procure antes das duas e meia.

Pegou Hensley pelo braço e conduziu-a pelos corredores.

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— Sabe, ainda estou curioso para saber o que a fez mudar de idéia e vir para cá.

— Eu queria conhecer os largos horizontes do velho oeste — ela falou despreocupadamente.

— Essa resposta evasiva combina perfeitamente bem com o seu sorriso de Mona Lisa - ele sacudiu a cabeça, resignado.

— Mas, qualquer que seja a razão, estou muito feliz por ter vindo.— Eu também.Agora, na rua, as maneiras brincalhonas de Peter e seu olhar simpático a

deixaram mais à vontade. Vai ver que ela tinha se sentido um pouco estranha porque tinha visto, pela primeira vez, Peter num escritório. Um dono de empresa. Estava habituada a encontrá-lo sempre ao lado de Allan, e o considerara uma espécie de irmão. Ver Peter de terno num escritório, à frente de uma companhia que levava seu nome, dava uma dimensão bem diferente à sua imagem.

Quando se sentaram numa mesa de restaurante, depois de pedirem o almoço, Hensley estava bem mais relaxada.

— Diga-me, Peter, o que foi que você falou sobre apartamento, lá no escritório?

— Eu a levarei para vê-lo depois do almoço. É no mesmo edifício onde Emma mora. O único vago, e tive muita sorte em encontrá-lo. Graças a Emma, claro. É bem localizado. Fui dar uma olhada nele. Apesar de não ser muito grande, parece adequado a você. - Ele sacudiu a cabeça. — Temo que a nossa cidade não ofereça uma grande oferta de apartamentos.

— Acho que vai ser bom. Agradeço por ter se lembrado disso.— Artes de Emma, claro.A garçonete serviu as saladas.— Gosto dela, Peter. Pareceu-me muito simpática.— Ela é indispensável. - Ele sorriu. — E sabe muito bem disso! Trabalhou

para meu pai antes e é, de verdade, meu braço direito. Tenho muita sorte em tê-la comigo.

Hensley parou de comer para observá-lo. Era evidente a afeição que ele tinha pela velha senhora.

— Eu tinha vinte e quatro anos quando papai morreu. Conhecia os negócios do cobre, mas estava muito longe de poder controlar a companhia. A verdade é que eu estava apavorado. Tinha medo de não conseguir levar adiante o trabalho de sucesso de meu pai. Emma foi fantástica. Sempre ali, ao meu lado, dando sugestões, batendo papo. Como num jogo, ela nunca deixou minha bola cair. Papai costumava dizer que ela fazia tanto parte da companhia como qualquer Merrick. - Sorriu. — Verá o que quero dizer quando conhecê-la melhor. — Chamou a garçonete para pedir um refrigerante.

— Sim, tive uma ótima impressão dela - concordou Hensley. — E também quero conhecê-la melhor.

— Hum, mas isso é ótimo. Sabe por quê?, ela ofereceu para você ficar no apartamento dela até que suas coisas estejam arrumadas.

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— Gostaria muitíssimo. - Hensley estava feliz, pois eles tinham planejado tudo da melhor maneira possível. Sentia-se em casa. — Esta hospitalidade do oeste é a melhor do mundo, sabia?

Peter já tinha terminado a salada, e estava comendo um sanduíche de filé, com gosto.

— Emma conhecia Allan, claro, e ficou muito contente quando soube que você tinha aceitado meu convite para vir para Anaconda. Ela estava curiosa, queria saber um monte de coisas sobre você. Daquele jeito que vocês, mulheres, fazem.

Hensley sabia que ele estava brincando, e não ligou.— Que perguntas ela fez?— Primeiro, quis saber se você era igual a Allan. Eu disse que não muito,

claro.— Como assim?— Exatamente isso. Não muito parecida com Allan. Hensley percebeu que ele

continuava a brincar. Resolveu não lhe dar a satisfação de pedir maiores explicações e ficou quieta. Mas, no fundo, estava morrendo de curiosidade para saber o que ele queria dizer com aquilo. — Você é exasperante, Peter! - falou, por fim. — Pare de me provocar e diga logo o que disse à sua secretária sobre mim.

— Disse a Emma que você não só era menor do que aquele mineiro velho, como muito mais bonita! - ele exclamou, prendendo o riso,

Ela sacudiu a cabeça:— Ah, você é tão irritante quanto Allan. Fica brincando o tempo todo! Estou

me perguntando se ele aprendeu essas táticas com você ou se foi você quem aprendeu com ele.

— É uma questão interessante, Hensley. - Um laivo de tristeza passou pelos olhos escuros de Peter.

— Vou pedir a conta. É melhor a gente ir ver o apartamento - falou, mudando de assunto.

Hensley de repente percebeu que sua presença devia despertar muitas saudades de Allan em Peter.

Foram com o carro de Hensley. Peter ia indicando o caminho.— Você guia muito bem - ele comentou. — Nem um pouco como essas mulheres histéricas, que só fazem bobagens

no volante!— Você tem preconceito contra mulheres motoristas? - ela perguntou,

olhando-o de lado.— Bom, para falar a verdade. . . tenho. Você é a primeira e única exceção,

até hoje. - Ele curvou a cabeça, saudando-a.Hensley abriu a boca para discutir, mas ele a cortou.— Na próxima rua pode entrar à direita. Já chegamos.O conjunto de prédios era muito simpático, de dois andares, de madeira e

pedra. No centro havia um gramado grande, com algumas árvores. Cada bloco tinha seu estacionamento,

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— O apartamento do primeiro andar do bloco à esquerda é de Emma - indicou Peter, enquanto eles desciam do carro. — O seu fica neste primeiro bloco.

Subiram alguns degraus. Peter abriu uma porta e entraram no apartamento. Havia uma sala de estar gostosa, com um espaço a mais de um lado para se colocar mesa com cadeiras. Uma porta em forma de arco se abria para a cozinha, que era compacta e prática. Do outro lado da sala, um minúsculo corredor, com o quarto e o banheiro.

Peter permaneceu na sala enquanto Hensley andava de um lado para o outro, emitindo sinais e exclamações de aprovação.

— O quarto é espaçoso. Tem janelas grandes, é bem claro e arejado. Que bom que este banheiro tem azulejos brancos. Posso usar toalhas bem coloridas e estampadas. Em Ironville o banheiro era marrom, horrível! Eu detestava.

— Ainda bem - comentou Peter. Hensley juntou-se a ele na sala.— Gostei muito. Por acaso notou que as salas também são pintadas de

branco? Eles foram espertos, os construtores. Assim todas as pessoas podem pendurar os quadros e plantas que quiserem. Combina com todos os móveis!

— Bom, parece que você aprovou o apartamento, afinal. Pretende alugá-lo?— Sim, se o preço for bom. Você é o guardião do meu dinheiro, deve saber se

vai dar ou não. Como é? Posso pagar o aluguel? — Ela pôs as mãos nos quadris.— Vai ficar contente em saber que este apartamento é quarenta dólares mais

barato do que o de Allan. Já paguei o depósito para reservá-lo até que você o visse. Por isso eu estava com a chave. Claro - ele riu —, vou deduzir o depósito do seu primeiro pagamento. Está vendo que patrão rígido eu sou?

— O que quer que você seja, não me importo. - E riu. — Contanto que eu fique com esse apartamento. Gostei mesmo.

— Emma me disse que tem uns móveis estocados, coisas que não couberam quando ela se mudou para cá. Ela gostaria que você os aceitasse. Meu rancho também está cheio de armários e cômodas! É coisa demais para uma pessoa só. Sabe, andei exagerando nas minhas compras. Nem tenho tanta roupa assim! Pode usá-los também, se quiser.

— Ótimo! Com a ajuda de você e de Emma Carlson, posso me instalar num piscar de olhos. Trouxe comigo meus únicos tesouros: meu estéreo e os discos de música country.

— Não os deixaria em Ironville por nada neste mundo,— Sei disso, sei disso! Allan me contou tudo sobre o seu fanatismo por

country. - Ele fez uma careta de desgosto.— Ora, Peter, não despreze algo que você não conhece. Poderia lhe mostrar

alguns discos maravilhosos. Tenho certeza de que você ia gostar.— Nada disso - falou Peter, pegando-a pelo braço. — Agora vamos. . . tenho de voltar ao trabalho.— E eu preciso ver meu emprego na Merrick - ela falou séria. — Espero que

meus talentos limitados sirvam satisfatoriamente à empresa,— Não tenho dúvida - falou Peter, seguindo-a para fora do apartamento. —

Você vai descobrir que o cobre é fascinante. Seu irmão adorava visitar a

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companhia, tinha minério nas veias. Acho que nós dois vamos conseguir instilar um pouco da mágica do cobre em você também.

Hensley lembrou-se do que Allan tinha lhe dito muitos anos atrás: "Montana significa montanha em espanhol. Dizem que há tesouros escondidos lá, ouro e prata. Peter jura que o grande tesouro é o cobre."

CAPÍTULO VII

Mudar-se para o novo apartamento, assim como se adaptar ao novo trabalho, exigiu muita concentração e esforço de Hensley nas semanas seguintes. Mas Emma Carlson era uma conselheira astuta e maternal.

— Sinto como se estivesse plantando minhas raízes em Montana — disse Hensley a Emma.

Tinha acabado de chegar do horário de almoço e estava ao lado da escrivaninha de Emma, para lhe mostrar as roupas de cama que havia comprado.

— Logo mais vai ser como seu irmão, Hensley. Ele se sentia em casa quando vinha para cá,

— Sei disso. As montanhas de Montana são lindas. É como se eu pertencesse a elas. Engraçado, Allan costumava dizer a mesma coisa. - Sorriu.

— Gosto de pensar nisso. Ei! Já passa da uma? — perguntou, olhando para o relógio digital em cima da escrivaninha. - Preciso voltar para o trabalho!

Hensley apressou-se para sua sala, arrumando a pilha de embrulhos que tinha nas mãos, e deu um encontrão em Peter.

— Ei! - Ele segurou-a pela cintura, os embrulhos no meio dos dois.A situação deixou Hensley embaraçada. Estava plenamente consciente dos

braços fortes que a prendiam com segurança. Ergueu a cabeça para ver o rosto sorridente de Peter, e por um breve, absurdo instante, teve a exata impressão de que ele ia beijá-la. Sentiu um estremecimento de excitação ao imaginar os lábios dele pressionados contra os seus. Corou.

Como se ele estivesse lendo sua mente, apertou-a ainda mais, com um brilho divertido no olhar.

— Sabe, Hensley, esses pacotes são horríveis para manter distância dos amigos.

— Eu. . . estou atrasada — ela gaguejou.— Você está precisando de uma bandeirinha para avisar "carga pesada".

Senão vai dar outros encontrões por aí. - Ele finalmente a soltou, rindo.— Preciso voltar para a minha mesa - falou Hensley, virando-se e andando

com toda a compostura possível.Ainda rindo, Peter encontrou Emma Carlson.

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— Garota jovem e exuberante, não?— Hensley? Acho que ela é uma delícia pura - respondeu Emma.Peter ergueu a sobrancelha interrogativamente para a secretária.— O que você quer dizer exatamente com essas palavras? - perguntou

curioso.— Ué, nada em especial. . . nada. - Emma ergueu a mão e arrumou os

cabelos num gesto característico. — A Srta. Lawrence telefonou. Três vezes, para ser exata. Pediu para você

ligar assim que puder.Peter sabia que Emma não apreciava muito a jovem Srta. Lawrence, e sorriu.— Por favor, Emma, ligue para ela, sim? Atendo na minha mesa.Vou me divertir um bocado esta noite, pensou Hensley, ao sair do trabalho.

Estava contente por não passar a noite de sexta-feira sozinha. Tinha aceitado o convite para jantar de Ray Holden, do departamento de contabilidade.

Embora ele fosse um pouco convencido, Hensley o considerava uma companhia agradável.

— Sou a coisa mais refrescante da Companhia de Cobre Merrick, depois do bebedouro - ele costumava dizer.

— E quando você quiser falar comigo, já sabe: ali, do lado do bebedouro.Hensley sorriu consigo mesma. Ray tinha ficado contente em saber que ela

não conhecia nenhum lugar agradável para se jantar.— Quer dizer que você ainda não foi ao Red Barn? - Não, não conheço nada.— Puxa, estou contente por ser o primeiro a levá-la, então. Não há muitos

restaurantes em Anaconda, mas o hotel no caminho para Butte tem um restaurante dançante delicioso. O melhor de Anaconda, para falar a verdade. Boa comida, servida no estilo do velho Oeste.

Hensley e Ray chegaram ao Red Barn às sete, e o restaurante já estava bem cheio. Candelabros imensos que pendiam do teto davam uma atmosfera aconchegante e íntima ao local. O forro era de madeira rústica, e nas paredes havia diversos utensílios de ferro antigos. Passaram entre as mesas de toalhas vermelhas até o final da sala. A um canto havia um palco minúsculo, com uma banqueta em cima.

Tinham acabado de se sentar quando uma luz azul se acendeu sobre o banco, e um moço vestido com jeans se sentou lá com um violão. Começou a dedilhar o instrumento docemente:

"Meu coração conhece apenas a dorDe um inesquecível perdido amor...Meus dias amanhecem tristes e solitáriosNão há lugar no mundo onde eu possa estar...”A canção continuava triste e bela, e Hensley não despregava os olhos do

cantor até que ele tivesse terminado.— Você não me disse que tinham um cantor de country aqui! - exclamou,

depois, aplaudindo entusiasticamente.— Eu não sabia. Deve ser novo - disse Ray.

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— Ele é muito bom. A música é linda, adorei. Nunca a escutei antes, tenho certeza. - Ela franziu a testa, passando os dedos na gargantilha dourada.

— Conheço muitos cantores e canções country. — Gostaria de saber mais sobre esse moço.

— Acho que é um talento local - falou Ray, acendendo um cigarro. — O único entretenimento por estas partes é o rodeio anual de Butte.Uma garçonete de blusa xadrez, botas e saia vermelha trouxe o cardápio.

Hensley escolheu o prato e rapidamente fechou o cardápio, pois o moço voltou a dedilhar o violão e a cantar mais uma música. A letra era desconhecida, mas muito bonita, e acariciava seus ouvidos melodiosamente.

— Hensley, francamente! Assim você está arranhando o meu ego! - exclamou Ray, chamando sua atenção.

— Será que eu também vou ter de arrumar uma viola para enfeitiçar você?Hensley sorriu. Percebeu que Ray estava realmente melindrado. Ele não era

do tipo de dividir os refletores com ninguém, queria ser sempre o centro das atenções.

— Não, Ray, imagine. Você já tem um charme enorme, que dispensa a música. — Inclinou-se para a frente.

— Nunca fui a um rodeio. é divertido? — perguntou, mudando de assunto.— Bem, os de Butte são fantásticos - falou Ray, animado. — Você adoraria,

tenho certeza. Ficaria fascinada com as competições. Eles montam em cavalos indomados, potros, bezerros bravos; é perigoso e excitante. O próximo que tiver, eu a levo, combinado? - Ele sorriu, mostrando os dentes grandes e brancos. — Posso garantir que vai ser tão emocionante para você quanto ouvir esse cantor de country - falou, piscando para ela.

A garçonete trouxe os filés grelhados com molho e salada. O cantor tinha feito uma pausa e Ray estava contente por ter toda a atenção de Hensley.

— Ei, veja só quem acaba de chegar - sussurrou ele, indicando dois casais que estavam se sentando a uma mesa reservada.

— O chefe em pessoa! Hensley deu uma olhada e viu Peter segurando uma cadeira para uma garota muito bonita. Sentiu uma ponta de inveja pelos cabelos loiros e pela roupa escura e elegante da moça.

— Quem é aquela loira que está com o Sr. Merrick? - perguntou o mais naturalmente possível.

— Margô Lawrence, considerada a rainha de beleza desses lados. Um estouro, não é?

Hensley fez que sim com um gesto de cabeça.— Dizem que ela está querendo pôr rédeas em Merrick. Claro, não se pode

negar que o dinheiro e o charme de Merrick estão em alta nos dias de hoje, não acha?

— Não sei. Imagino que sim. - Baixou os olhos para o prato.Por alguma razão inexplicável lembrou-se de Karen Blake. Tão bela em sua

morenice exótica quanto a esfuziante Margô Lawrence. Sentiu o olhar de Ray sobre si e resolveu falar alguma coisa:

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— Eu diria que eles formam um belo par. - Encolheu os ombros com indiferença. — Talvez estejam mesmo apaixonados.

— Quem sabe? - perguntou Ray, sorrindo. — De qualquer forma, aquela loira não é o meu tipo. - Estendeu o braço sobre a mesa, segurando a mão dela.

— Prefiro uma certa garota que curte música country. — Bem, fico lisonjeada — respondeu Hensley, flertando de propósito.Riram. Ray se desculpou, disse que ia comprar cigarros e se levantou. No

entanto, ao invés de ir até a máquina de cigarros, foi até o palco e conversou com o cantor.

— Eu o vi, Ray. O que você foi fazer? - ela perguntou, quando ele voltou.— Você acha mesmo que o cantor é incrível, não acha?— Sim, claro, mas o que é. . .— Achei que gostaria de conversar com ele pessoalmente. Você ficou

pendurada nas canções dele quase a noite toda, embora disfarçasse muito bem, fingindo que estava me ouvindo. - Ele alargou o sorriso.

— Estou tentando ganhar uns pontos. Se você não é capaz de ir contra, junte-se ao "inimigo" - ele brincou.

— O cantor virá até a nossa mesa no próximo intervalo.E, com efeito, meia hora mais tarde ele se aproximou.— Oi, sou Craig Reilly - falou o jovem, depois de Ray ter apresentado

Hensley.— Estamos adorando suas músicas - Hensley confessou, com entusiasmo. —

Faz muito tempo que canta aqui?— Desde junho trabalhava no hotel, mas como office-boy - explicou o jovem. — Consegui convencê-los a me darem uma chance só no fim de agosto. - Ele

coçou a barba. — Agora parece que deu certo. Canto todas as noites.— Estamos contentes por tê-lo visto, Reilly - disse Ray. — Hensley ficou

vidrada nas canções.— São composições próprias, não? - Hensley quis saber.— Sim, são minhas. - Havia uma nota de orgulho em sua voz.— Você tem algo de especial - falou Hensley, com os olhos brilhando. — Tem um grande futuro com a música country, aposto.— Bom, até que estou conseguindo um dinheirinho com essas apresentações

— admitiu ele.— Gostaria muitíssimo de ver suas músicas. Quantas já escreveu?— Quinze talvez vinte. Costumo cantá-las sempre, mas nunca parei para

contá-las. - Ele riu. — E não posso lhe mostrar nenhuma, pois só as guardo na cabeça. - Ele se

curvou para Hensley, um brilho maroto no olhar. — Vai ter de vir aqui para escutá-las, Srta. Travis.— Mas você precisa escrevê-las, Craig - ela afirmou, com o dedo em riste. — Não apenas escrevê-las, mas registrá-las, com direitos reservados e tudo!

Alguém poderia roubar suas canções, já pensou nisso?

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— Ah, não, isso nunca vai acontecer. As músicas são minhas. Ninguém vai passar a mão.

— Já que são suas, escreva as notas num papel o mais breve possível! - insistiu Hensley, alarmada. Ela se perguntava se aquele rapaz tinha noção da extensão de seu talento.

— Não sei escrever música. — Nunca aprendi. - Encolheu os ombros. — Preciso voltar ao palco agora, mas agradeço muito pelo interesse. Vão

voltar para me ouvir, não?Ray apertou a mão de Craig.— Muito sucesso.— Virei ouvi-lo sempre, mas, por favor, ao menos grave suas canções em

cassete - insistiu Hensley, despedindo-se com um sorriso.Craig voltou para o facho de luz e sentou-se na banqueta, com o violão no

joelho. Deu os primeiros acordes de cabeça baixa e depois jogou-a para trás, começando a cantar:

"Sigo pela vida feliz Pois levo comigo minha menina..."Trechos das canções de Craig passavam pela mente de Hensley durante toda

a manhã de sábado, enquanto ela limpava seu apartamento. Preferia recordar as melodias da noite passada do que ligar o estéreo. Puxa como adoraria ter um disco com aquela primeira que ele cantou!

"Meu coração conhece apenas a dorDe um lá lá lá de amor..Desejava saber a letra. A melodia era triste, melancólica, como se cada nota

fosse uma lágrima. Afastou um breve estremecimento de solidão sacudindo a cabeça, e continuou a passar o aspirador de pó sobre o carpete.

Todos os sábados Emma costumava dar um pulinho em sua casa depois do cabeleireiro. Hensley empurrou para longe da mente as canções de Craig e começou a elaborar um meio sutil de obter informações sobre Margô Lawrence da velha secretária. Por quê estava tão curiosa, afinal? Será que tinha sido porque Ray contou que Margô queria fisgar Peter?

Guardou o aspirador no armário. Foi até o quarto para renovar o batom e pentear os cabelos antes que Emma chegasse. Prendeu os cabelos com uma fita verde.

Como ficaria se tivesse os cabelos da mesma cor amarela da garota de Peter? - perguntou-se, mirando-se no espelho. Seus cabelos, apesar de claros, era bem mais escuros do que os de Margô Lawrence.

— Droga - disse alto. — Sou uma moça comum, normal, enquanto ela é uma divindade loira!

— Você é uma diabinha por me tentar com isso - falou Emma, observando o bolo que Hensley tirava do forno.

— Podemos ficar sem almoçar - falou Hensley. Cortou algumas fatias do bolo perfumado com canela e coberto com creme de chocolate e colocou-as sobre os pratinhos.

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— Você não precisa fazer jejum, já que é jovem e magra... - Emma suspirou. — Mas eu já estou velha, passada. . . Se você não fosse minha vizinha mais adorável, eu a odiaria por causa desse bolo. — Levou os pratos para a mesa enquanto Hensley servia o café. - Deus do céu, e está cheirando a amêndoas também! Estou arruinada!

Nisso, o telefone tocou.— Vá tomando o café antes que esfrie - falou Hensley, e foi atender.Minutos depois, voltou.— Humm, me parece que foi uma conversa bem interessante, pelo que pude

ouvir - comentou Emma.— Sim, foi legal, e fiquei um pouco surpresa, Era Peter. Convidou-me para ir

até Butte amanhã. Quer me mostrar algumas minas de cobre, depois quer me levar para jantar no Red Barn. Vai ser ótimo, porque tem um cantor de country lá que eu adorei.

— Pelo brilho de seus olhos, vejo que está bastante feliz com a idéia. - Emma sorriu.

— Acertou. Estou louca para ouvir as canções de Craig Reilly de novo.— E não está curiosa para conhecer as minas de cobre, também?Hensley ergueu os olhos para Emma, franzindo a testa.— Claro que sim. Preciso conhecer mais sobre a mineração do cobre se vou

escrever sobre isso, não? — Mordeu o bolo com vontade. — Mas aposto que Peter é como Allan: acha que todo o mundo tem que amar as entranhas da terra. Para falar a verdade, esses grandes buracos não me atraem muito. Lembro que Allan me levou algumas vezes para ver a mineração de ferro onde ele trabalhava. Era cheio de poeira, e eu não fiquei lá muito fascinada pelo ferro.

— E como acha que será com Peter e o cobre? — insistiu Emma.Hensley ainda estava com Allan e as minas de Mesabia na cabeça. - o que,

Emma? — perguntou, piscando, — O que falou sobre Peter?— Nada, nada, — Ela arrumou os cabelos penteados. — Estou contente por

Peter levá-la a passear. Acho que vão passar um dia muito agradável juntos.Hensley balançou a cabeça afirmativamente.— O café esfriou. Vou buscar o bule.— Escute, Hensley, use aquela echarpe verde, amanhã. Aquele toque de

verde combina muito bem com os seus olhos cor-de-avelã.Hensley se deteve por alguns instante à porta da cozinha, de costas para

Emma. As palavras dela tinham tocado as cordas da memória. Eram as mesmas que sua mãe costumava usar.

CAPÍTULO VIII

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Os raios do sol de outono já tinham esquentado o ar. A geada da manhã começava a se derreter nos gramados marrom e dourado. A estrada se estendia, sem fim, convidativa. Ainda era cedo, e quase não havia carros.

Peter tirou um cachimbo do bolso da jaqueta.— Incomoda-se se eu fumar?— Não, em absoluto, Para falar a verdade, eu até gosto do perfume de um

bom tabaco. - Hensley sorriu para ele. — Não me lembro de vê-lo fumando antes.— Provavelmente, não. Não fumo regularmente. Mas gosto de um cachimbo

enquanto guio ou quando visito as fundições. Às vezes fumo no escritório, também. - Ele abriu o porta-luvas e tirou uma bolsinha de fumo de couro.

— Já que você não se incomoda, segure um pouco a direção enquanto eu encho o cachimbo.

— Deixe-me fazer isso - ela disse, pegando o cachimbo e a bolsa de suas mãos. — Sei como fazer, de verdade - emendou, ao ver o olhar cético dele. — Costumava encher o cachimbo para o meu pai.

Mas Peter não tinha perdido o ceticismo e Hensley, para provar que sabia, começou o ritual com todos os trejeitos possíveis. Com os dedos precisos, escolhendo a quantidade certa, socou o fumo, colocando depois o cachimbo na boca dele.

— Humm.. . bom trabalho - ele disse por entre os dentes.— Agora, se me der um fósforo, vou acendê-lo para você - ela disse.Peter enfiou uma mão no bolso e deu uma caixa de fósforos para Hensley.

Ela esperou que a chama ficasse estável antes de encostá-la no tabaco.— Que tal? — perguntou.— Excepcional. Nunca fiz melhor antes! - Ele piscou para ela, guardando os

fósforos e puxando o cachimbo da boca. — Diga, você gostou muito de ouvir aquele cantor de música Country ontem

à noite, não foi? Eu a vi no Red Barn com Ray Holden. Ele é um cara legal, e trabalhador competente, também. Está há três anos na Merrick.

As observações de Peter a surpreenderam. Que ele soubesse de Ray, era de se esperar, Imaginava mesmo que ele se mantivesse informado sobre todos os seus empregados. Mas como é que ele tivera tempo de observá-la conversando com Craig Reilly, já que estava falando animadamente com sua companheira? Aquilo a intrigou.

Depois daqueles comentários, ela não pôde deixar de fazer o seu:— Sua garota é muito bonita - falou casualmente. — Uma moça tão atraente

quanto a garota de Allan, só que ela era morena.Peter diminuiu a marcha, tirando o pé do acelerador.— Ué, o que a fez se lembrar dela? Você não parecia ter gostado de Karen

Blake.— Não gostei, mesmo. Mas ela é bonita, e sua garota também é.Hensley não queria ter tocado no assunto, mas agora não sabia como

terminar.

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— Por que pensa que Margô é minha garota?— Oh, só estava conversando à toa. Vamos esquecer isso. — Voltou a

atenção para a estrada, Devemos estar quase chegando em Butte, não?— Bem, ela não é minha garota; estamos chegando, sim.Hensley levou alguns segundos para compreender aquela resposta. Olhou

para ele, desarmada, e viu que Peter estava se divertindo com ela. Também sorriu.

Retomaram a conversa normalmente. Peter estava animado para lhe mostrar tudo.

— Tenho certeza de que vai adorar as minas de cobre, Hensley. Há muitas coisas que gostaria de lhe ensinar sobre o cobre,

— Prometo ser uma aluna atenta.— Há algumas minas que ficam literalmente sob a cidade de Butte. - Ele

esvaziou o cachimbo e colocou-o no porta-luvas.— Puxa! Mas como podem extrair cobre de baixo de um lugar habitado?— As minas são muito profundas, e a maioria das pessoas nunca se

preocupou com nada que exista debaixo de seus pés. Os que se lembram, já se acostumaram com a idéia.

— Se eu morasse aqui, não gostaria de saber que tinha um buraco bem debaixo da minha casa.

— Daqui a pouco estaremos lá.Minutos mais tarde estavam descendo do carro.— Vamos andar bastante - Peter avisou. — Melhor colocar a malha, vai estar

frio e ventoso lá dentro.Hensley pegou o suéter bege que tinha trazido, depois arrumou a echarpe no

pescoço. Lembrou-se do que Emma tinha dito naquela manhã e sorriu consigo mesma. Tinha colocado a echarpe verde, mas ninguém parecia ter notado. Como se Peter a tivesse escutado, continuou;

— Essa mina velha nunca recebeu uma exploradora tão bonita. Estou contente por você ter desistido de esconder seus belos olhos atrás de óculos escuros — completou, sorrindo.

— Usava-os apenas porque achava que eles me faziam sexy.— Oh, mas você já é sexy o bastante, sem óculos escuros. E me parece que

todos os homens da Merrick já notaram isso.Antes que ela pudesse responder, ele a pegou pelo braço e começou a andar.

À medida que se aproximavam da boca da mina, Peter diminuiu as passadas largas, procurando manter-se ao lado dela.

Quando chegaram, Hensley não pôde conter uma exclamação:— É enorme! Meu Deus, é inacreditável!— Acreditaria se eu dissesse que tem mais de setecentos metros de largura?— Sim, claro. É incrível.— Mais de setecentos de largura e quase dois quilômetros de extensão.— Além de ser tão imensa, é bonita também, por causa dessas listras verdes.

— Ela apontou para os lados do buraco.

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— Essas áreas verdes são cobre Hensley, e para mim não há coisa mais bonita. - Ele apertou o braço dela. — Estou contente por ter notado. Mostra que você é o meu tipo de garota.

Hensley não respondeu, preocupada com o significado daquelas palavras. Será que ele queria dizer alguma coisa? Provavelmente não, porque não estava olhando para ela. Pensando melhor, ele não estava prestando a menor atenção nela. Seus olhos estavam fixos na mina.

— O verde do cobre bruto, na terra, e o seu cheiro, sempre foram fascinantes para mim. Já me acostumei até com o cheiro sulfuroso que exala, nas fundições.

Hensley observou seu rosto.— Sabe?, você fica com a mesma expressão que Allan fazia quando me

falava da mineração do ferro. - Ela franziu a testa. — Devia ter prestado mais atenção às histórias dele, assim não estaria tão "verde" para conhecer as minas. - Ela deu alguns passos, rodeando a mina. — O que é aquela coisa lá embaixo?

— Aquela coisa, minha pequena, é um trator que carrega quinze metros cúbicos de terra numa só tacada. E um bocado de sujeira! - ele exclamou, protegendo o rosto do vento com uma mão.

— E o que fazem com a terra?— Depois lhe mostro os caminhões que a levam embora. É difícil de

acreditar, mas esses caminhões possuem rodas mais altas do que um homem.Ele a pegou pelo braço, acompanhando-a pela beirada da mina. Apontou

para mais veios verdes.— Cuidado - avisou. — A terra é solta, há muitas pedras. Você pode

escorregar.Passou o braço à volta da cintura dela, guiando-a com firmeza.— Ora, imagine, se eu vou escorregar.Tinha acabado de dizer aquilo quando sentiu a terra lhe faltar sob o pé

esquerdo. Não tendo onde se apoiar gritou.— Peter!Ele a aparou com o corpo, os braços prendendo-a com tal força, que ela

julgou estar entre garras de aço. Agarrou-se a ele, enfiando a cabeça na lã áspera de sua jaqueta.

— Meu Deus, Hensley! — Os lábios dele encostavam em suas têmporas.Ficaram ali, parados. Hensley tremia dos pés à cabeça. A idéia de cair dentro

daquele poço era terrível. Peter bateu de leve em suas costas e falou confortador:— Está tudo bem. Agora o chão está sólido. - Afastou-a de si enquanto falava,

erguendo a cabeça.A sensação da respiração dele em minha testa foi muito agradável, pensou

Hensley.— Fiquei assustada de verdade.— Não se preocupe, não vou deixá-la escapar - ele mantinha o braço firme

em torno da cintura dela. — Ponha seu braço em minha cintura, também.Enquanto caminhavam, Hensley sentiu o corpo dele tocando-a do ombro às

coxas. Será que Peter também estava notando? Manteve o rosto virado para a

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frente, a fim de evitar que ele percebesse o quanto estava perturbada. Seus olhos revelariam que a proximidade de seus corpos a estava afetando terrivelmente. Como o corpo dele era forte, ágil, esguio. Apertou os dedos na Jaqueta dele. O vento levantava seus cabelos. Fazia frio, mas naquele momento ela estava aquecida, como se recebesse um raio de sol.

Horas mais tarde, no caminho de volta para Anaconda, Hensley perguntou a Peter sobre o começo da Merrick.

— O primeiro pedaço de cobre foi transformado num peso para papéis. Quando você for ao meu escritório, peça para eu mostrar.

Ela percebeu o orgulho com que ele contava a descoberta de cobre na área de Anaconda e Butte, e como seu pai tinha montado e desenvolvido a Companhia de Cobre Merrick prosperamente ao longo dos anos. Admirou o brilho de seus olhos, a expressão decidida e enérgica de seu rosto. Teve de admitir a si mesma que o considerava muito atraente.

— Você precisava conhecer as fundições. Vou pedir para John Martin lhe mostrar tudo nesta semana.

— Gostaria muito.— Bem, talvez você goste, talvez não. - Ele riu. — Sabe, é verdade tudo o

que as pessoas dizem sobre aqueles fornos imensos. Eles exalam mesmo fumaças de sulfa e arsênico. Não é uma idéia agradável, por causa da poluição do ar.

— Argh! - Ela torceu o nariz. — Você está me descrevendo um quadro horrível. Parece até que eu enxergo; um vulcão soltando fumaça fedorenta. - Tampou o nariz.

Ele riu da careta que ela estava fazendo.— Não é tão ruim assim. - Ele colocou o cachimbo na mão dela. — Agora

tenho o tempo exato para fumar outro cachimbo até chegarmos ao Red Barn, para jantar. Pode prepará-lo para mim de novo? Posso lhe assegurar que você vai preferir muito mais o aroma do meu tabaco do que o cheiro das fundições.

Craig Reilly cumprimentou-a com um aceno de cabeça quando ela e Peter se sentaram numa das mesas mais próximas ao pequeno palco. Daí começou a cantar uma das canções que Hensley apreciara na outra noite.

Hensley imediatamente se concentrou nele, escutando palavra por palavra que ele cantava.

— Ei, não faz nem cinco minutos que chegamos e você já se enrolou na música - reclamou Peter. — Viemos ao Red Barn para comer, lembra? - ele estendeu o cardápio.

— É essa música. Ela me diz muito. - Hensley balançou a cabeça levemente, seguindo o ritmo. — É uma das melhores de Craig.

— Ah, já é Craig? - provocou Peter. — Devia ter pensado melhor antes de trazê-la para cá. Allan bem que me avisou: Você é fanática por música country! Que tal desviar um pouco de sua atenção para o menu e para mim?

— Sim, senhor - ela respondeu no mesmo tom. — Pois não, senhor.— Assim é bem melhor.

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Logo Craig se aproximou da mesa e Hensley o apresentou a Peter. Convidaram-no para sentar, mas ele se desculpou, dizendo que tinha de voltar para o palco.

— Só quis aproveitar este intervalinho para dizer que pensei muito no que me disse, Srta. Travis. Sabe, aquilo de escrever e registrar minhas canções? Pois é, gostaria muitíssimo de fazê-lo. Pensei que talvez conhecesse alguém para me ajudar a escrevê-las.

— Eu mesma posso ajudá-lo, se você arranjar um piano. - Ela passou a língua pelos lábios. — Claro, não seria o trabalho de um profissional, mas um passo a mais para resguardar suas canções.

— É, mesmo? Poderia me ajudar, de verdade? - ele exclamou um largo sorriso estampado no rosto.

— Não pode imaginar quanto fico contente. - Coçou a barba. — Posso usar o piano daqui do hotel, mesmo, sem problemas.

— Ótimo, estamos combinados, então. Ligue para mim durante o dia. Trabalho na Companhia de Cobre Merrick. Vamos encontrar um horário para fazer isso. - Ela sorriu. — Vai ser divertido.

— Tem certeza de que não dará muito trabalho? Não quero atrapalhar - falou, de sobrancelha erguida.

— De maneira nenhuma! Suas canções são lindas, e vou adorar conhecê-las melhor.

— Pois vou escrever uma para você. Prometo! Hensley ficou eufórica com a idéia:

— Se está dizendo a verdade - ela falou, batendo palmas —terá de ser uma parecida com a minha favorita. Você a cantava quando o vi pela primeira vez.

Hensley cantarolou algumas partes, e ele sorriu.— Ah! Canção do Coração se gosta dela, então, é sua! Quando estiver em

Nashville, no auge da carreira, direi a todos que a Canção do Coração pertence à Srta. Travis!

Ele se despediu e voltou para o palco.Durante toda a conversa, Peter não tinha dito uma só palavra. Havia, agora,

uma expressão desaprovadora em seu rosto.— Não divide meu entusiasmo sobre os talentos de Craig, não é?— Sabe que não gosto tanto de country quanto você - ele falou com cautela.

— Bem, mas você já me avisou uma vez, preciso conhecê-la antes para depois julgá-la.

Apesar da explicação, ele ainda estava com a testa franzida.— Você não aprova que eu ajude Craig, então. É isso? - perguntou,

procurando não se mostrar irritada com a atitude de Peter.— Não estou nem aprovando, nem censurando. - Estendeu os braços sobre a

mesa, entrelaçando os dedos.— Para ser franco, estava tentando conhecer melhor esse seu amigo cantor.

Ele me parece determinado e um pouco arrogante. Parece ter planos para seguir em frente a qualquer preço.

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— Sim, também acho isso, mas o que há de errado nisso?— Depende de onde ele vai se apoiar para atingir o sucesso. - Ele sacudiu a

cabeça. — De que meios usará?— Ora, ora, nas asas da canção! - brincou Hensley, e Peter riu.Já era quase meia-noite quando eles se despediram na porta de Hensley.— Foi um domingo maravilhoso, Peter. Do começo ao fim, o dia mais gostoso

que já passei em Anaconda. - Ficando na ponta dos pés, ela roçou os lábios no rosto dele, de leve.

— Por que fez isso? - ele perguntou, segurando o rosto dela entre as mãos e olhando-a nos olhos.

— Oh, para... para dizer boa-noite e... obrigada — gaguejou.Estava consciente do olhar carinhoso de Peter.— Gosto da idéia - ele respondeu, sorrindo. —Também adorei cada minuto

deste dia, fora o susto que você me pregou nas minas. - Ele a pegou pelo queixo. — Sabe Hensley, há muitos outros lugares e coisas que quero lhe mostrar.

Acredito que Allan estivesse muito certo quando disse que você se daria bem em Montana. Estou feliz em saber que está gostando daqui.

Ele falava lentamente, acariciando seu rosto com a ponta dos dedos. Hensley estava gostando daquela carícia; as mãos dele eram quentes. Reteve a respiração por um breve instante.

— Está com frio - ele disse. — Precisa entrar.De repente, ele a apertou. Sua boca cobriu os lábios dela, docemente no

começo, como se quisesse apenas fazer uma carícia leve, como a que ela tinha feito. Mas o beijo continuou cada vez mais apertado. Os braços dele a prendiam num círculo de ferro. Hensley sentiu-se amoldada pelos contornos rígidos daquele corpo esguio, masculino. Todos os seus sentimentos e nervos estavam pulsando, acesos dentro do círculo vibrante dos braços de Peter. Não podia mais controlar os seios que subiam e desciam arfantes, contra o peito largo de Peter. O coração dele também estava acelerado.

Da mesma maneira que o enlevo tinha começado, terminou. Peter relaxou os braços, soltando-a. Hensley ficou confusa com o que leu nos olhos dele. Peter parecia intrigado. Será que estava questionando a reação dela?

— Obrigado, e boa-noite.Ele havia repetido as palavras que ela tinha usado só que, saídas da boca

dele, pareciam estranhas, quase como se ele estivesse zangado.Hensley viu-o afastar-se lentamente. Estava imóvel. Um turbilhão de

perguntas rodava em sua cabeça. O que ela havia feito? Por que Peter se mostrara estranho? Não conseguia compreendê-lo. Antes, sempre o considerara como um irmão, um amigo de Allan, colega de faculdade. Eram dois homens com interesses parecidos. Eram iguais, Peter e Allan, não eram? Franziu a testa. Havia claro, uma diferença muito significante. Seus lábios estremeceram num sorriso. Peter Merrick, afinal, não era seu irmão.

Colocou a chave na porta e entrou no apartamento. Por que estava complicando tanto, afinal? Deu de ombros. Peter tinha sido amigo de seu irmão,

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agora era amigo dela. Simples. Não havia motivos para construir nenhum bicho-de-sete-cabeças. Apenas tinham passado um dia agradável e tinham se despedido com um beijo de boa-noite.

Nunca o apartamento lhe parecera tão vazio. Tudo estava em silêncio. Como era depressivo e triste entrar num lugar vazio! Enquanto pendurava as roupas no armário, começou a cantarolar uma música de Craig.

"Meus dias são longos e tristes, pois não pertenço a ninguém nem a nenhum lugar..."

Estremeceu. Será que não pertencia a nenhum lugar? Allan tinha desejado que ela viesse para Montana. Será que ela pertencia a Montana? Vestiu o pijama e correu a se deitar sob as cobertas, sentindo muito frio. Não era só frio. Era solidão. Sua vida estava vazia sem Allan.

Escutou ao longe um trovão. Fechou os olhos e sentiu lágrimas escorrendo pelas faces.

CAPÍTULO IX

Na semana seguinte, Hensley e Craig começaram a trabalhar na transcrição das músicas. Reuniam-se às segundas à noite e aos sábados e domingos de manhã. O tempo passava rápido e gostoso,

— Devia ter estudado mais teoria musical - lamentou Hensley. — Bem que minha professora de piano tentou. Ando tão devagar. . . levo uma eternidade para pegar os compassos certos.

— Jamais me verá reclamando - respondeu Craig, sorrindo. — Você é maravilhosa, e faz minhas canções soarem melhor no piano do que no violão!

— Pelo menos recebo montes de elogios. - Hensley riu. — Agora, deixe-me ouvir aquelas quatro últimas notas de novo.

Hensley pegou o lápis e, depois de dedilhar nas teclas o que ele tinha tocado, anotou as notas na pauta. A canção ia, aos poucos, progredindo.

— Onde estão seus pais, Craig? Moram em Montana?— Morreram. Tenho uma tia em Dakota do Sul. Morei com ela alguns anos.Como ele tivesse se calado, Hensley achou melhor não fazer mais perguntas

pessoais. Pelo modo como ele falava o passado não tinha importância. Sua vida

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era o presente, suas canções, e a carreira de sucesso que pretendia seguir. Ele sonhava em ir para Nashville, cantar lá, ser reconhecido. Seu fervor e sua certeza de sucesso eram emocionantes. Estava tão seguro que a fazia acreditar em seu sucesso, também.

Naquele instante, Hensley sentiu uma pontinha de inveja. Gostaria de ter aquela segurança sobre o seu futuro, também. Craig sabia o que queria, E ela? Aquela pergunta tinha ficado adormecida em seu subconsciente por muito tempo. Agora procurava uma resposta. Tinha de lutar, escolher, sempre com o rosto voltado para a frente, assim como Craig.

Tocou com Craig os últimos acordes, viu-o aprovar o que tinha escrito e fechou o piano.

— Por hoje é só, Craig. Preciso voltar para casa. - bocejou. — Puxa, ficamos até tarde hoje, não?

— Detesto vê-la guiando sozinha para casa. Que tal se eu a acompanhar? - Ele segurou o casaco para ela vestir.

— Nada disso.— Oh, mas seria um prazer.Hensley se sentiu desconfortável pela maneira como ele a olhava, e não

respondeu.— Bem, ao menos deixe-me acompanhá-la até o carro! - exclamou Craig,

passando o braço em tomo dos ombros dela.Um sopro frio bateu em seus rostos quando saíram do hotel. Hensley baixou

a cabeça, protegendo-se com a gola do casaco. Craig abriu a porta do carro.— Você é diferente de todas as garotas que conheci até hoje - ele falou um

sorriso no rosto. — É uma mulher de classe - completou, apertando os olhos.Beijou-a de leve na testa e fechou a porta. Hensley ligou o motor, manobrou

o carro e saiu. Ainda sentia, na pele, o contato áspero da barba de Craig. "Uma mulher de classe..." Sacudiu a cabeça. O que ele queria dizer com aquilo?

Dias antes dos feriados de Ação de Graças, Craig ligou para ela.— Tinha de ligar para você, Hensley. Adivinhe! Fui convidado para cantar em

um rodeio de Cheyenne! Sei que alguma coisa vai acontecer. Tenho certeza! Vai ser no começo de dezembro, quatro dias.

— Craig, mas é maravilhoso! - exclamou Hensley, realmente feliz.— Puxa! É uma grande chance para mim. Haverá cantores de todos os

Estados. E empresários também, claro! - A voz dele tremia de entusiasmo. — Meu patrão daqui já me deu uma semana de licença para eu ir. Sei que vai acontecer alguma coisa. Pressinto. E, graças a você, tenho todas as minhas canções para levar comigo. Você me trouxe mesmo sorte, garota de classe! É melhor que uma ferradura de cavalo.

— Bom, acho que isso é um elogio, não? Hensley estava contente por Craig. Ela também tinha a ótima impressão de que o havia ajudado em sua carreira. Craig precisara dela, e ela tinha gostado de ser útil. Depois de uma vida toda apoiada nos outros, pela primeira vez alguém se apoiara nela. Aquilo lhe dava uma satisfação tremenda.

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Voltou a atenção para o artigo que datilografava e terminou de escrever o último parágrafo. Depois de uma rápida revisão, colocou um clipe no canto esquerdo das laudas. Sabia que o artigo tinha ficado bom. Precisava da aprovação de Peter para enviá-lo pelo correio para a publicação comercial, e isso tinha de ser feito antes dos feriados.

Emma a cumprimentou com um sorriso afetuoso quando Hensley entrou.— Me parece que andou trabalhando duro - ela disse, apontando para os

papéis que Hensley carregava.Hensley fez que sim com um gesto de cabeça.— Pode levar para ele? - perguntou, apontando para a porta de Peter. — Devo mandar ainda hoje pelo correio, se for aprovado.— É? — Emma pôs a mão no telefone. — Por que você mesma não vai lá e

mostra para ele? Ele não está ocupado agora, e eu preciso fazer um telefonema importante - completou, colocando o dedo no disco.

Hensley hesitou, puxando as mangas bufantes de sua blusa até o pulso. Teve a impressão de que Emma a estava forçando a ir no escritório de Peter, como uma mamãe galinha.

— Vá querida - insistiu Emma.Hensley sentiu um friozinho no estômago. Precisava de alguns segundos para

compor uma fachada séria, profissional. Ainda não tinha conversado com Peter direito depois daquele dia. Apenas se cumprimentavam rapidamente quando se encontravam pelos escritórios da Companhia Merrick. Peter não se referira mais ao último encontro deles e ela supunha que, ou ele tinha esquecido de tudo, ou não queria que ela se lembrasse. De qualquer forma, resolveu não dar muita importância ao que tinha acontecido. Afinal, ela já havia sido beijada antes. Arru-mou rapidamente a gola da blusa e entrou.

— Hensley, que bom vê-la. Pensei que estivesse se escondendo. - Ele se levantou.

Que sorriso maravilhoso ele tem, pensou Hensley, observando aquele rosto simpático, os olhos brilhantes. Baixou o olhar, envergonhada por tê-lo observado. O que tinha dado nela, afinal?

— Não estava me escondendo, apenas trabalhando - respondeu com toda a casualidade possível.

Um pensamento iluminou seu cérebro. Será que Emma a estava empurrando para cima de Peter? Sentiu o rosto arder.

Felizmente Peter não notou seu embaraço.— Vejo que trouxe o artigo - ele falou, saindo de trás da mesa. — Vou dar

uma olhada depois do almoço. - Pegou os papéis, colocando-os sobre a mesa. — Que bom que você veio, estava mesmo planejando conversar com você. Agora, sente-se. Como é que vão indo as músicas do seu amigo?

— Bem, já acabamos. Só preciso dar uns retoques finais, à tinta.— Ótimo. Então acho que você está livre para passar o sábado depois do dia

de ação de Graças comigo. Nunca viu o rancho, não é? Está na hora de conhecê-

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lo. Vamos passear a cavalo, que tal? Allan sempre andava na Bela. Ela é espirituosa, mas obediente. - Inclinou-se para ela.

— Pelo modo como está franzindo a testa, diria que não está com muita vontade de andar a cavalo.

— Não, não é isso. - Passou a mão pela testa. — É que eu não entendi no começo, pensava que você ainda estava falando nas músicas de Craig. - Sacudiu a cabeça.

— Estou um pouco distraída hoje.— A culpa é minha - Peter sorriu, — Pulei do seu músico direto para cima de

um cavalo, não foi? - Apoiou o rosto na mão, — Mas você gosta de andar a cavalo, não gosta?— Bem, faz tempo que não ando, para falar a verdade. - Ela fez uma pausa.

Esperava que ele não ficasse desapontado com a resposta. — Para ser exata, faz dez anos que não ando a cavalo. Da última vez foi numas férias de acampamento de verão, em Minnesotta. Se você garantir que a Bela não é arisca demais para uma novata, estamos combinados.

— Ótimo! Estive querendo levá-la ao rancho todo esse tempo, antes de o inverno chegar, mas foi difícil. Você estava toda envolvida com o seu cantor de Country - ele provocou.

— Pelo amor de Deus, Peter, gostaria que parasse de se referir a Craig como se ele fosse "meu" qualquer coisa! Gostei multo de ajudá-lo, é tudo. Foi divertido.

— Para você, talvez, mas foi mais que divertido para aquele fazedor de música!

Hensley percebeu o antagonismo na voz de Peter. Por que agia assim? Craig Reilly não tinha absolutamente nada a ver com ele. Por que, então, ele enfatizava tanto o fato de ela ter passado muito tempo com Craig? Aquilo a irritou. A atitude de Peter era, no mínimo, paternal. E ela não gostava de ser tratada com uma mocinha ingênua.

— Acho que sou melhor qualificada que você para julgar o "fazedor de música", como você o chama - ela falou.

— Afinal de contas, trabalhei com ele durante um mês, enquanto que você o viu cantar apenas algumas vezes, no Red Barn. Ele é um músico talentoso e fiquei feliz em poder ajudá-lo. A experiência foi muito gratificante para mim. - Ela ergueu o nariz, em desafio. — Gostei da sensação de alguém precisar de mim pelo menos uma vez na vida!

— Uau! O que foi que eu disse para puxar tudo isso? - ele perguntou, passando as mãos pelos cabelos. — Acredite-me, Hensley, não tinha a menor intenção de começar uma discussão. Na verdade, a última coisa que desejo neste mundo é discutir com você, menininha! - Sacudiu a cabeça. — Só queria dizer que estava contente por você ter tempo livre para sair comigo. - Seus olhos estavam divertidos.

Hensley pulou da cadeira.— E não me chame de "menininha"! Não gosto dessa sua atitude de

condescendência.

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O sorriso sumiu do rosto dele. Peter estudou-a em silêncio!— Olhe - falou sério — sinto muito por deixá-la tão zangada. Você foi

generosa e ajudou mesmo o seu amigo cantor. Não pretendo interferir em sua vida. Mas você tem de admitir, mesmo assim, que caiu do céu para ele.

Hensley permitiu que um sorriso desanuviasse seu rosto zangado.— Precisa compreender quanto foi importante para mim ter alguém para

ajudar, Peter. É uma experiência nova. Sempre, durante minha vida toda, apoiei-me nos outros. Em você também - admitiu. — Não devia ficar tão surpresa por você me chamar de "menininha", afinal - virou de costas — Allan me aconselhou a procurá-lo, pedir sua ajuda. E você é quem cuida do meu dinheiro. Agora percebo que também me apoiei em você.

Peter andou até ela, colocando uma mão em seu ombro.— Eu gosto. - Ele segurou seu rosto com as duas mãos, erguendo a cabeça

dela. — Gosto que você se apóie em mim, Hensley,O calor de seu olhar a deixou mole, embevecida. Ela se inclinou para ele,

desejando nada mais que um beijo.O interfone tocou, interrompendo-os bruscamente. Hensley prendeu a

respiração. Peter a soltou. O momento mágico frágil tinha se destruído. Ela entrelaçou os dedos, procurando recuperar a compostura, enquanto ele foi aten-der ao chamado. Apertou o botão imediatamente surgiu a voz de Emma:

— A Srta. Lawrence está aqui para o almoço, Sr. Merrick.— Obrigado, Emma. - Ele hesitou. — Peça para ela entrar. - Virou-se para

Hensley: — Margô está aqui; quero que vocês se conheçam. Ela conhecia Allan, claro, então já ouviu falar de você.

Hensley teve a impressão de que Peter estava arrumando a cena de modo que ela se sentisse à vontade. Mas se aquela era a intenção dele, ia frustrá-lo. Naquele momento ela se sentia tão insegura e fora do lugar quanto um ladrão viajando com passaporte falso. As palavras de Peter ressoavam em seus ouvidos. "Ela conhecia Allan, claro." Por que "claro"? Será que Margô era uma pessoa tão frequente na existência de Peter, a ponto de Allan tê-la conhecido? Era isso o que ele estava dizendo?

Margô Lawrence entrou graciosamente no escritório. Estava usando um vestido muito elegante, e perfeitamente bem maquilada. Ao vê-la, Hensley se sentiu mais comum e utilitária do que nunca, usando aquela saia bege e a blusa simples.

— Margô, quero lhe apresentar a irmã de Allan, Hensley.— É um prazer conhecê-la. Desde que Peter me contou que você tinha se

mudado de Minnesotta para cá, estive esperando por uma oportunidade de conhecê-la.

A voz de Margô era quente, grave, e Hensley teve de admitir que era agradável.

— Está gostando do céu grande da nossa terra? — ela prosseguiu, demonstrando interesse.

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— Sim, muitíssimo — respondeu Hensley, procurando ser igualmente simpática. — Estou começando a entender o fascínio que Montana exercia sobre Allan. Ele sempre me dizia que não havia lugar comparável no mundo.

— E o emprego? O seu patrão é tão maravilhoso para se trabalhar como imagino?

— Estou aprendendo a enxergar as facetas excitantes da indústria do cobre, e, sim, estou gostando bastante - ela respondeu. — Ninguém é melhor qualificado para me ensinar que meu chefe - Sorriu. — Está certa, Margô, ele é maravilhoso para se trabalhar, mas se eu quiser continuar na lista de pagamento da empresa, é melhor voltar para a minha mesa. - Despediu-se de Peter com um gesto de cabeça. — Venho buscar o artigo mais tarde. Até mais, Margô - falou, e saiu.

Hensley sabia que Emma a observava para determinar quais tinham sido suas reações ao encontro com Margô Lawrence. Não tinha a menor intenção de demonstrar à velha senhora que se importava, e muito, com quem Peter saía ou não. Dirigiu-se para a mesa dela:

— Ligo para você mais tarde, para saber se já posso vir buscar o artigo - falou casualmente. — Tchauzinho.

Saiu depressa, sem dar tempo a Emma para fazer comentários.

CAPÍTULO X

O céu amanheceu cinzento e frio, O dia de Ação de Graças prometia ser feio e triste. Hensley tinha escutado o vento frio de novembro uivar a noite toda, e aquilo a deprimiu,

Era o primeiro feriado que passava sem o irmão. Graças a Deus Emma a convidara para passar a tarde com ela, e jantar. Se Emma não a tivesse convidado para o jantar, e ela tivesse de comer sozinha, aí, sim, ia ser uma tristeza total. Feriados eram dias para se passar com a família, mas ela não tinha família, agora.

Tomou um pouco de café com torradas. Tinha tempo de sobra para assar uma torta antes de tomar um banho e se vestir.

Com certeza Peter ligaria. No fundo, estava esperando que ele a convidasse para o jantar do dia de Ação de Graças. Ele, mais do que qualquer outra pessoa, sabia muito bem quanto esse dia seria triste e solitário para ela, sem Allan.

No dia anterior, quando Emma a convidou para jantar, tinha estendido o convite para Ray.

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— Ficaria muito contente se você também chamasse aquele seu amigo da contabilidade. Pensei em convidar Peter, mas ele vai jantar com Margô e a família dela, como sempre.

Aquilo a perturbou, sem dúvida. Ray Holden já tinha dito antes que iria viajar nos feriados.

Tirou a farinha do armário e começou a fazer a massa. Amassava, amassava, misturando os ingredientes. Era bom fazer alguma coisa para distrair os pensamentos tristes.

Horas depois tirou a torta do forno. O aroma perfumado de cravo e canela inundou a pequena cozinha. Hensley sorriu pela primeira vez naquele dia, A torta estava perfeita. A massa parecia deliciosa, dourada e crocante.

Vai impressionar Emma, pensou, enquanto colocava a torta para esfriar numa prateleira. Decidiu pôr chantilly em cima somente no momento de sair. Foi se arrumar.

— Sua mesa está linda — falou Hensley, admirando o arranjo de frutas e nozes que Emma tinha feito.

De cada lado do arranjo, um candelabro com velas. Emma acendeu com cuidado, e o ambiente se tornou mágico.

— O toque perfeito - falou Hensley, observando os reflexos que as chamas faziam nos cálices de cristal.

O rosto de Emma estava radiante de orgulho.— Agora, se você encher os copos, estamos prontas para jantar.Minutos depois ela voltava com uma travessa de prata. Em cima havia uma

majestosa galinha assada.— Os perus eram grandes demais para duas pessoas só - desculpou-se.— Puxa, mas essa galinha está linda! E do tamanho perfeito - completou

Hensley, sentando-se. — Estou morrendo de fome.— Estive economizando calorias o dia inteiro. É para poder curtir cada minuto

de gula. — Emma riu e começou a cortar fatias do frango.Hensley olhou para o rosto afogueado da amiga.Como ela é ótima, pensou. Que gostoso estar aqui, passando o dia de Ação

de Graças com ela. Sorriu intimamente, pensando que, se sua mãe estivesse viva, seria muito parecida com Emma Carlson.

Depois de comerem e lavarem os pratos, as duas foram se refestelar na sala. Hensley tirou os sapatos.

— Estou me sentindo superbem, melhor que o dia inteiro - confessou, — Não sei como é que me deixei ficar na fossa antes, mas a verdade é que

fiquei mesmo por baixo algumas horas. Estava triste também porque Peter não me telefonou, ao menos para me desejar um feliz dia de Ação de Graças.

Emma se inclinou para a frente, interessada.— Parou para pensar por que se sentiu negligenciada por Peter?— Não, por quê?— Bem, parece indicar uma coisa - falou Emma. Hensley franziu a testa.

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— Sei que você está me provocando, mas vou perguntar. O que está querendo dizer?

— Acredito que você estava esperando que Peter tomasse o lugar de Allan. O de irmão mais velho.

— Não sei. Talvez estivesse. Mas é porque este é o modo como Peter me enxerga, como sua irmã mais nova.

— Você é quem enxerga dessa maneira, Hensley, porque é mais fácil assim. Não há pressões. Não é verdade? - Emma perguntou gentilmente.

— Aonde você quer chegar? Parece que você quer que eu lhe responda coisas que eu não sei.

Emma voltou a descansar as costas na poltrona. — Estou dizendo, Hensley, que você escolheu esse caminho a fim de evitar

envolvimentos. Pense um pouco. Não foi por causa desse comportamento que você partiu de Ironville? Será que você não se viu envolvida em uma situação com a qual não estava preparada para lidar?

Os olhos de Hensley se arregalaram incrédulos.— Como é que você descobriu? Eu, eu. . . - ela balançou a cabeça. — Nunca

conversei com ninguém sobre os motivos de minha partida.— Claro que não, mas pelas poucas coisas que Peter me contou, eu juntei

dois mais dois e matei a charada. Quando ele voltou do enterro de Allan, contou do seu emprego no jornal. Era óbvio para ele que o seu patrão tinha mais interesse em você do que numa simples empregada. Peter estava se perguntando se você estava consciente disso.

— Bem, Peter foi muito observador - ela admitiu, entrelaçando os dedos sobre o colo.

— Depois que Allan morreu, eu não fiquei apenas sozinha, mas também muito sensível. Não sei explicar direito. — Baixou a cabeça.

— Meus sentimentos por David não eram profundos o suficiente para eu assumir um compromisso. Percebi isso, talvez um pouco tarde, e vim embora. Você está certa - ela confessou, encarando Emma —, eu simplesmente não es-tava pronta para me envolver com um homem casado.

— E o que acha de se envolver com um homem que não é casado?— Se está querendo dizer Peter, tive a impressão de que ele já está

envolvido com Margô Lawrence. É mais que provável que eles se casem.Emma se inclinou para frente mais uma vez.— E você se importaria se ele casasse com Margô?A pergunta era inesperada. Hensley viu os olhos penetrantes de Emma

procurando desmanchar a frágil máscara de indiferença que ela estava usando para aplacar suas emoções.

— Esta conversa é boba. Na verdade, é absurda. Não sei como é que fomos cair neste assunto. - Deu uma risadinha forçada, — Além do mais, não tenho nada a ver com quem Peter escolhe para casar. Não pensei muito no assunto.

— Então pense Hensley. - Emma ergueu o braço para arrumar os cabelos, ao mesmo tempo em que sorriu calorosamente para Hensley.

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Ao ver aquele gesto familiar de Emma, Hensley não pôde deixar de rir.— Você é uma casamenteira incorrigível, sabia disso?Emma riu, também, e Hensley se sentiu aliviada. Tinha percebido que Emma

não gostava de Margô e perguntava-se por que. Margô era atraente e charmosa o bastante para agradar a todos, não era? Sua idade e tipo de vida correspondiam ao de Peter. Eles pareciam mesmo se dar bem. A pergunta de Emma começou a atormentá-la. Será que ela se importaria se Peter decidisse casar com Margô? Pensando bem, provavelmente sim. Sacudiu a cabeça. Por que deveria se preocupar com aquilo?

Passava das nove quando voltou para casa. Percebeu que ainda tinha esperança de que Peter lhe telefonasse. Colocou alguns discos na vitrola. A conversa com Emma tinha sido perturbadora, sem dúvida. Emma havia plantado uma semente no terreno fértil de sua mente.

Estava mexendo no botão de volume quando o telefone tocou. Enfim, Peter resolveu ligar, pensou consigo mesma. Um sentimento de alívio e felicidade passou por seu corpo, e ela correu a atender:

— Alô! Oh... - ela prendeu a respiração, procurando disfarçar o desapontamento. — David, que surpresa!

— Boa surpresa, espero?— Claro, ótima surpresa. Nunca esperei que você ligasse para mim! Como

vai?— Vou bem. Queria ter certeza de que você passou um feliz dia de Ação de

Graças.As palavras dele a tocaram fundo. Sentiu-se muito agradecida por ele ter se

lembrado dela, e respondeu às perguntas sobre sua vida em Anaconda com animação. A voz dele soava vigorosa, como sempre, e ela quase podia vê-lo, brincando com os óculos enquanto falava.

— Sinto muitas saudades, sabe? Gostaria muito de vê-la. Que tal vir para Ironville no Natal?

— Oh, David. . . você sabe que eu não posso.— Hum... está bem. Bem que eu tentei, não é? - Ele riu. — Escute, estou

planejando ir para uma reunião filantrópica em Denver, lá pelo fim de fevereiro. Gostaria de passar dois dias em Montana; isto é, se você me deixar.

— Deixar? Vou contar com a sua vinda - ela falou, entusiasmada.Depois de desligar o telefone, tirou os sapatos e foi ligar a vitrola de novo.

Pelo menos David tinha pensado nela. Era evidente que ele e Emma tinham sido os únicos a se lembrar dela naqueles feriados. Peter não tinha se lembrado. Bem, e por que, afinal? Estava envolvido com Margô, e ponto. Pensou na conversa que tivera com Emma. Queria xingá-la e abençoá-la ao mesmo tempo. Emma havia forçado a analisar seus sentimentos em relação a Peter. Ou, pelo menos, pensar no assunto. Oh, não, mas não queria mais pensar naquela noite. O dia tinha sido carregado de emoções diversas. O melhor era colocar um robe e assistir televisão.

Bateram à porta. Hensley se virou, assustada. Bateram de novo, mais alto.

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— Hensley! Hensley sou eu, Peter. Ainda está acordada?Hensley foi até a porta de meias, mesmo. Sentia-se flutuar. Peter não tinha

se esquecido dela, afinal! Ao vê-lo encostado no batente da porta, com aquele sorriso largo no rosto, ela se sentiu mais do que feliz. Percebeu que estivera esperando por aquele momento o dia inteiro. E que seu desejo tinha sido atendido, como num conto de fadas.

— Perdoe-me por aparecer tão tarde - ele falou. — Vou ficar só um minuto. Estava indo para o rancho quando escutei no rádio que há chance de nevar no sábado. Então resolvi passar por aqui e perguntar se você não poderia me visitar amanhã. Se nevar mesmo no sábado, teríamos que desistir de andar a cavalo. - Seu sorriso se alargou. — E eu não posso deixar que isso aconteça!

— Claro, Peter, amanhã está ótimo. - Ela o fez entrar e fechou a porta. — Sente-se, vamos conversar um pouco.

Hensley foi até o sofá, sentando-se com as pernas cruzadas, como iogue. Peter jogou seu casaco sobre uma cadeira e juntou-se a ela no sofá.

— Como passou o dia, Hensley? Pensei em você, e esperei que tivesse passado um belo dia de Ação de Graças.

Ele pegou sua mão e apertou-a com força. Então Peter pensou em mim, falou consigo mesma. Ele se lembrou de que esse foi o meu primeiro feriado sem família. Sabia que ele se lembraria.

— Fui jantar na casa de Emma, e foi delicioso. Você precisava ver a quantidade de comida que ela fez! E o que nós comemos, então! Emma estava se lamentando no final, dizendo que teria de fazer uma semana de dieta. - Riu.

— Acho que eu também devia, sabe?— Fico feliz em ver que vocês se dão tão bem. - Ele procurou pelo, cachimbo

e o fumo no bolso do casaco.— Ela gosta muito de você, Hensley.— E eu gosto dela também! Emma é uma amiga sábia.— E eu não sei? Mas se você contar a ela que eu admiti isso, e ela vier me

perguntar, vou desmentir tudo! Emma é a matriarca de Merrick, agora, e eu sempre tenho de lembrar a ela que eu sou o patrão, tal a quantidade de conselhos que ela me dá!

— Pois hoje mesmo ela me deu alguns conselhos. Foram, muito provavelmente, excelentes, mas ainda tenho de considerar o assunto.

— Nossa, que seriedade. Tome cuidado, hein? Emma vai acabar dominando você, como já me dominou!

— Oh, não, Emma foi maravilhosa, na verdade. Ela me revelou sentimentos que eu tinha e que nem sonhava que tinha. - Fez uma pausa, sacudindo a cabeça. — Preciso admitir que fiquei um pouco perturbada.

— Soa misterioso para mim. Vocês duas devem ter tido uma conversa reveladora, de verdade.

Hensley sentiu o olhar de curiosidade que Peter lhe dirigia. Ela, também, estava curiosa. Queria fazer milhões de perguntas para ele.

— Como você me vê, Peter? Quem, e o que, você diria que eu sou?

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— Mas essa é uma pergunta complicada - ele falou, rindo. Pôs o cachimbo no cinzeiro de cristal que estava em cima da mesa de centro. — Diria, sem qualquer receio, que você é uma exuberante garota de olhos castanhos maravilhosos. Oh, sim - ele continuou rápido —, é também a protetora dos cantores e das canções country.

— Não estou brincando, Peter. Por favor, não faça piadas. Por favor, responda: - Ela estendeu o braço, pousando a mão em seu ombro. — Por favor.

O sorriso se dissipou e ele apertou os lábios. Seus olhos estudavam o rosto dela atentamente. Era claro que ele estava intrigado, perturbado mesmo com a seriedade dela. Não respondeu por longos, intermináveis segundos. Quando falou, estava muito sério:

— Você é Hensley Travis. A irmã de meu melhor amigo e. . . uma mulher linda.

— E se eu não fosse irmã de Allan? Peter segurou o rosto dela com doçura.— Daí era capaz de eu nunca tê-la conhecido. Seria uma omissão tão triste,

não vou nem considerá-la.Hensley prendeu a respiração. Aquele momento brilhava e girava como um

caleidoscópio.

CAPÍTULO XI

Não tinha conseguido dormir direito. Suas emoções pulavam como uma bola de pingue-pongue entre a conversa que tivera com Emma e a visita tardia de Peter. O zumbido persistente do despertador acabou por acordá-la. Hensley espreguiçou-se longamente. O dia prometia ser delicioso, pois iria visitar o rancho de Peter.

Depois de uma chuveirada rápida, vestiu jeans semi-desbotados e um suéter vermelho. Enquanto tomava o café, lembrou-se do que Peter tinha dito.

— Quando você avistar a casa, com as montanhas atrás, até perder de vista, aí, sim, vai entender o significado de permanência e eternidade que tudo transmite. Vai ter certeza de que a casa e a terra vão estar ali, sempre à sua espera, e as montanhas também, montando guarda, para sempre.

Suspirou. Se ao menos Allan pudesse estar indo com ela. .. Engoliu o último gole de café, Era bom se apressar. Faria frio nas montanhas, sem dúvida, e esperava que seu casaco grosso fosse o suficiente. Colocou um boné de marinheiro e saiu.

Peter estava no terraço quando ela estacionou o carro. Georgie Girl sentava-se aos pés do dono, muito quieta, os olhos brilhantes. Assim que Hensley saiu do

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carro, correu para recebê-la. Cheirou o jeans de Hensley e começou a abanar o rabo amigavelmente.

— Oi - ela disse, abaixando-se para afagar a cabeça do animal. — Que gracinha, tão simpática! É o mesmo cão de que Allan me falou?

— Esta é Georgie Girl, sim. Ela e Allan eram super-amigos. Georgie deve tê-la associado a ele, porque não costuma ser tão amigável com visitantes femininas aqui no rancho. Ela reina como rainha aqui, por isso sempre sente ciúme quando seus domínios são invadidos.

Peter riu, pôs a mão nos ombros de Hensley e os dois começaram a caminhar.

— Estou feliz por George Girl ter me recebido bem - falou Hensley, os olhos brilhantes.

— Nós dois estamos muito contentes com a sua visita. Escute, já arreei os cavalos para sair, Hensley. Se quiser, podemos ir direto para a cocheira. Estou meio receoso com esse tempo - ele falou, olhando para cima e franzindo a testa. — Se quisermos mesmo visitar a propriedade toda, é bom sairmos já.

— Vindo para cá, notei que o céu estava cinzento. Parece pesado também.— Pesado de neve, deve ser! - Ele soltou seu ombro e pegou-a pela mão.

Georgie Girl trotava ao lado deles.Hensley logo viu que Bela era uma égua mansa e fácil de ser montada,

exatamente como Peter tinha assegurado. O receio inicial se dissipou, e ela andou confiantemente ao lado do cavalo de Peter. Rusty era um garanhão de porte majestoso.

O terreno era coberto pela grama marrom e amarela; aqui e ali havia árvores e arbustos. O tempo passou depressa. Peter ia lhe mostrando os lugares mais bonitos, inclusive um pequeno e profundo vale onde corria um fio d'água. Continuaram mais meia hora pelo caminho quando ele puxou a rédea de Rusty. Imediatamente Bela se deteve também.

— Esta é a vista mais bonita daqui, meu lugar favorito. Este é o ponto mais distante do rancho. Está vendo ali a casa? Fica exatamente do outro lado. Se você visualizar o terreno todo como um diamante lapidado, a casa está ali, na ponta diametralmente oposta a que estamos. Lá e aqui são os dois extremos do diamante.

Hensley se inclinou para frente, observando.— Allan me falou uma vez dessa forma de diamante, eu me lembro. Agora

compreendo exatamente o que ele quis dizer. -Olhou para as montanhas além. — Parece até que podemos tocar as montanhas se estendermos a mão! Esses picos nevados são lindos!

— Allan e eu viemos aqui muitas vezes - falou Peter, com voz rouca. — Mesmo em abril, quando ele veio da última vez para Montana.

— Aqui é tão lindo. Onde as montanhas esperam. - A voz dela tremeu. — Allan disse que as montanhas lhe davam uma sensação de força e eternidade. As duas coisas pelas quais estava lutando. Perdeu as duas. — Começou a chorar.

Peter estendeu o braço, cobrindo a mão dela com a dele.

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— Não chore, por favor, Hensley - pediu gentilmente. — Não quero que fique triste por ter vindo até aqui comigo. Quero que tenha ótimas recordações daqui do rancho! Que se sinta feliz.

— Estou feliz por estar aqui - ela respondeu, piscando. — Não estou chorando porque estou triste, mas porque consegui entender, verdadeiramente, os sentimentos de Allan em relação às montanhas. Elas são lindas, sentinelas de pedra guardando a terra. Ele amou tanto este lugar quanto você, Peter. - Virou o rosto, enxugando-o com as costas das mãos.

— Venha - ele disse de repente, pulando da sela para o chão. — Vamos esquecer as lágrimas e fazer um passeio sob esses velhos pinheiros. Você vai ver que o chão fica todinho forrado de agulhas, como se fosse um tapete.

Peter puxou-a delicadamente para o chão. Ficaram a alguns centímetros de distância apenas um do outro. O odor masculino que dele se exalava, de tabaco, couro e cavalos, encheu as narinas dela. Peter, por sua vez, parecia imensamente satisfeito por tocá-la e vê-la de tão perto, porque não se moveu.

— Por que é que cada vez que ponho a mão em você, você está ou enrolada num monte de casacos ou carregando algum pacote enorme? - ele perguntou, divertido. — Algum dia desses vou segurá-la quando puder sentir toda essa maciez adorável que eu sei que se esconde sob a capa protetora.

O coração disparado, o corpo flutuando, Hensley sabia que estava corando, porque os olhos, mãos e palavras dele a haviam excitado de uma maneira incontrolável e desconhecida.

— Eu. . . aprendi a me manter sempre em guarda - respondeu, procurando manter um tom brincalhão.

— Aposto como é verdade - ele falou, deslizando as mãos quase rudemente pelo corpo dela, — Estou certo de que, enquanto trabalhou no hotel com o seu cantor de country, descobriu que nem sempre ele mantém as mãos no violão.

A voz dele estava cheia de rancor, enfatizando a palavra "hotel",Hensley enxergou um estranho à sua frente. Ficou sem fala, de indignação.

Se ele tivesse batido nela, não a teria deixado tão atônita.— Eu jamais deveria permitir que você andasse com aquele compositor - ele

completou, com rudeza.— Andar! Que quer dizer com isso? - Hensley jogou a cabeça para trás, os

olhos fulminantes.— Quero dizer que deveria proibi-la de se relacionar com um oportunista

como ele - respondeu Peter, arrogante. — Com certeza Allan não permitiria que você fizesse isso.

— Allan nunca foi o tirano que você é. Nunca me proibiu nada. - A raiva deixava a voz dela trêmula e agressiva. — E deixe-me dizer uma coisa, Peter, Allan jamais enxergaria meu relacionamento com Craig do jeito que você enxergou. - Mordeu o canto dos lábios, determinada a não chorar.

Não, Peter não teria a satisfação de ver quanto ele a havia ferido com aquelas palavras. Deu de ombros, fingindo despreocupação.

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— Além do mais, você não tem o menor direito de me dizer o que fazer. Não é meu irmão. Nem me parece que seja meu amigo.

— Droga, Hensley. Veio de repente, não sei como. Peço desculpas. - Ele tentou pegar na mão dela, mas Hensley a retirou.

— Olhe, eu disse que sentia muito. Não é o suficiente? - perguntou, sem disfarçar a irritação.

Hensley ficou mais zangada ainda.— Você não sente nada, Peter - ela falou, sacudindo a cabeça. — Sabe o que

você é? Um esnobe convencido. Pensa que é melhor que Craig apenas porque tem dinheiro e posição. Porque não precisa da ajuda de ninguém e ele precisa. - Fechou os punhos para segurar a raiva. — Você, Peter.. . Você não precisa de ninguém, nem de nada, só do cobre.

Hensley estava furiosa. Peter deu um passo, segurou-a pelos ombros, aprisionando-a.

— Você sabe que é bonita? Bonita e excitante - falou a voz rouca. — E está bastante certa sobre mim, também.

Os olhos dele brilharam. Hensley estava perplexa. Era como se ele tivesse gostado das palavras ásperas que havia escutado.

— Mas será que você não enxerga que também está aprendendo a gostar do cobre, tanto quanto eu? - ele prosseguiu. — Já pertence a este lugar, Hensley. — Apertou-a mais forte, e a respiração quente dele era como uma carícia. — Nenhum cantor de country vai conseguir tirá-la destas montanhas.

Peter deslizou uma das mãos pelas costas dela e, pegando-a pela nuca, forçou os lábios dela até se encontrarem com os seus. Beijou-a apaixonada, violentamente.

Hensley viu todos os seus sentidos vibrando, pulsante de vida e desejo. O chão rodava a seus pés, como suas emoções. Era como se caísse num poço em espiral. Havia um magnetismo emanando do corpo de Peter que a atraía irresistivelmente. Ela queria se grudar e se desmanchar contra ele. Seu coração se debatia como um pássaro numa gaiola, correspondendo àquele ardor que a despertara.

Quando finalmente ele a soltou, ela estava sem fôlego.— Nós devíamos andar a cavalo com mais frequência - Peter falou.Não a tocou mais, nem a beijou. Hensley começou a sentir frio, mas o sorriso

charmoso dele a esquentou de novo.— Venha, garota bonita. É melhor começarmos a voltar agora, antes que o

céu derrube a neve sobre nossas costas. Do jeito que está, é provável que comece a nevar antes de alcançarmos a cocheira.

Como num piscar de olhos, ele tinha voltado a ser o Peter que ela conhecia. Era difícil compreender por que tinham discutido. Era como se ela jamais tivesse mencionado Craig, e tivessem passeado tranquilamente pelo chão atapetado dos pinheirais. Não o compreendia. Perguntou-se se algum dia o compreenderia. E por que ele a havia beijado? Para aplacar sua raiva? Seria a sua maneira de pedir desculpas?

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Georgie Girl os acolheu festivamente, latindo e dando pulinhos entre os dois cavalos. Grandes flocos de neve começavam a cair do céu, rodopiando gentilmente, pousando como pétalas brancas sobre a grama marrom.

Peter levou Hensley até a sala, depois foi à cozinha inspecionar o cozido que tinha deixado no fogo para o almoço. Hensley resolveu se lavar e pentear os cabelos. Enquanto subia a escada, Peter gritou que ela devia se sentir em casa, e olhar todos os quartos se quisesse.

Depois de ter retocado a maquilagem, ela resolveu conhecer a parte de cima da casa. Havia quatro quartos. Não eram grandes, mas o teto alto, as janelas largas, deixavam-nos espaçosos. A madeira quase negra das portas e rodapés enfatizavam ainda mais a brancura das paredes. O chão de tacos polidos encoberto de tapetes indianos coloridos, e as cortinas das janelas, claras e rendadas.

Ao entrar no último quarto, o maior, logo percebeu que era o de Peter. O aroma agradável de loção após-barba flutuava no ar. Foi até o criado-mudo ao lado da cama e pegou um cachimbo, o mesmo que tinha enchido para ele no outro dia. Sorrindo, pensou que alguém deveria avisá-lo de que era perigoso fumar na cama. Uma revista de comércio e outra de exportações e importações, além de alguns jornais, estavam empilhados ali. Ele está sempre preocupado com os negócios, pensou Hensley.

Ao se virar, notou que a porta de um dos armários estava aberta. Peter era ordeiro com o arranjo de seus ternos, calças e camisas. Sentiu-se compelida a observar tudo mais de perto. Ao ver a jaqueta que ele usara no domingo em que tinham ido visitar as minas, seu coração disparou. Lembrou-se da sensação deliciosa que experimentara quando ele a segurou, impedindo-a de cair. Esticou o braço, passando a mão no couro. Soltou um suspiro. Naquele mesmo domingo Peter a beijara pela primeira vez. Teria sido apenas um beijo de boa-noite? E hoje? Fechou os olhos, recordando os longos, deliciosos minutos. Saiu do quarto com um sorriso nos lábios. Não tinha havido nada de fraternal no beijo de Peter daquela manhã. As montanhas atestavam que não.

Desceu a escada lentamente. Pela grande janela do corredor tinha visto que estava nevando bastante. Quando chegou no hall, virou-se para a sala de estar, mas vozes vindas de trás a detiveram. Voltou-se e viu que havia uma pequena biblioteca ali. Hesitou antes de entrar e surpreendeu-se ao reconhecer uma voz feminina.

— Não lhe parece, Peter, que você está exagerando um pouco seus cuidados de irmão mais velho? Depois de três meses, diria que já merece medalha de ouro dos escoteiros por boas ações!

— Com o que é que você está implicando desta vez, Margô?— Não estou implicando com nada. Estou dizendo claramente que não

compreendo por que você cuida tanto de Hensley Travis. Não vai me dizer que Allan pediu para você bancar a tia velha! Ele apenas queria que você cuidasse das finanças!

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— Margô, por Deus! - exclamou Peter, zangado. — Só porque não lhe disse que tinha convidado Hensley para conhecer o rancho esta manha, você quer criar um caso?

— Não fique zangado, querido! -A voz de Margô tornou-se sedosa e persuasiva. — Está interpretando mal minhas palavras. Acho apenas que você deveria considerar a possibilidade de Hensley se enganar com suas atenções. Deve saber que ela é jovem, e pode confundir suas boas ações com romance. Não se esqueça, Peter, de que Allan pediu para você cuidar do dinheiro dela, não para seduzi-la! - As últimas palavras estavam cheias de sarcasmo. — Falando nisso, onde está sua pequena protegida?

— Onde está quem?Hensley entrou na biblioteca, branca de raiva. Mas estava decidida a não

demonstrar que tinha escutado nada. Era uma tarefa difícil, mas manteria a cabeça fria. Depois, sairia o mais rápido possível.

Peter se virou instantaneamente, com visível embaraço.— Estava contando a Margô que tinha levado você para conhecer o rancho.— Fizemos um passeio ótimo. Há tantas coisas para se ver!Hensley ficou aliviada consigo mesma. Tinha conseguido dizer aquilo

normalmente, e sua respiração voltou ao ritmo de sempre.— Sinto muito por ter chegado tão tarde. Poderia ter ido com vocês falou

Margô. — Sempre ando a cavalo com Peter nos fins de semana. Hoje não vim mais cedo por causa da previsão do tempo.

Ela falava em voz baixa, controlada. Passou os dedos graciosamente pelo encosto do sofá de couro. Apesar do sorriso simpático, Hensley percebeu a superioridade fria dos olhos violeta. Aquela representação de Margô fazia seu sangue ferver.

— Notei, pela janela lá de cima, que vai haver mesmo uma tempestade de neve. - Hensley voltou-se para Peter. — Não vou esperar para ver. Detesto perder o seu cozido, Peter, mas acho melhor voltar logo, antes de a estrada ficar perigosa. Eu. . . sinto muito - falou, dando um passo em direção à porta.

— Não se preocupe com a neve - falou Peter, detendo-a com o braço. — Posso levá-la mais tarde no jipe, se for necessário.

— Não, é melhor que eu vá logo. - Hensley se virou rapidamente.Percebeu que Peter estava numa situação delicada, sem saber com agir

diante das duas. Bem, o melhor era partir mesmo. Mordeu os lábios. Será que Peter estava mesmo bancando o bom escoteiro com ela? As atenções dele eram mesmo fraternais, ou pior, paternais, como Margô descrevera? Pegou a bolsa, o casaco, e o boné que lhe dava um ar infantil. Sentiu-se aliviada quando o vento glacial do dia bateu em seu rosto.

Peter e Georgie Girl estavam ao lado dela, ambos relutantes que ela partisse, Peter tirou a neve do pára-brisa e do vidro traseiro. Quando ela entrou no carro, ele a segurou pelo braço,

— Vou ligar mais tarde. Sinto muito, Hensley. Quem sabe outro dia? - perguntou, olhando-a nos olhos. — Promete que virá aqui de novo logo?

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— Gostaria muito - ela respondeu, e ligou o motor.Os limpadores batiam ritmadamente de um lado para outro do vidro, e

Hensley tinha que guiar bem devagar pela estrada. Seus pensamentos, no entanto, estavam no rancho, na conversa que havia escutado entre Margô e Peter.

Margô tinha reclamado da atenção que Peter dedicava a ela. Por quê? Hensley relaxou os dedos na direção. Sim, claro. Agora compreendia a atitude dela. Ciúme! Ela se sentia ameaçada. . .

Sorriu consigo mesma. Então, era isso. Margô Lawrence não a enxergava como a irmãzinha do melhor amigo de Peter, e sim como uma mulher. Uma rival, enfim. Chegou até a gostar da idéia, sentindo-se, enfim, considerada uma adulta.

CAPÍTULO XII

Ainda faltavam duas semanas para o Natal, mas Hensley já tinha terminado suas compras, embrulhado os presentes e decorado o apartamento inteirinho. A mesa da sala fora coberta com uma toalha vermelho-brilhante, com a borda verde e vermelha. Armou uma pequena e simpática árvore de Natal a um canto. Estava acabando de colocar luzes na árvore quando a campainha tocou insistentemente. Logo depois bateram à porta.

— Ei, Hensley! Deixe-me entrar, tenho uma coisa fantástica para lhe contar!Era a voz de Craig.— Estou indo - ela gritou. — Não derrube a minha porta!Craig entrou impetuosamente pelo apartamento, jogando o chapéu de

cowboy para o alto.— Acabo de chegar de Cheyenne e, docinho, você não sabe! Acertei na

mosca. Minha grande chance chegou, estou sentindo que desta vez vai acontecer. Não vai acreditar!

— Vou sim, só falta você me dizer o que aconteceu - ela respondeu, suspirando.

Sentou-se no sofá e puxou-o para se sentar também.— Agora me conte tudo, devagarzinho, palavra por palavra. Pode respirar

entre as frases também, se quiser.— Hensley, foi fantástico! Tive uma bruta sorte no rodeio. O show saiu muito

bom, as pessoas gostaram, aplaudiram e pediram bis! - Os olhos dele brilhavam, excitados. — Então veio um cara da Sprucewood falar comigo. É uma gravadora grande, adivinhe de onde? Do distrito de Nashville: É lá que acontecem as coisas, de verdade. Ofereceu uma apresentação para mim em janeiro! Uma audição com um grandão lá da empresa, sabe o que é isso?

Craig pulou do sofá, dando socos no ar, Hensley não pôde conter o riso.

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— Sim, maninha, seu amigo Craig vai agarrar essa grande chance, com unhas e dentes! Quando estiver em Nashville, vou me promover, cavar algumas apresentações em outros lugares... - Craig rodava pelo apartamento, batendo as pesadas botas de cowboy uma na outra. — É jogo duro, competitivo, sei disso. Mas também sei que minhas canções têm gancho. Foi o que o cara disse. Minha música toca os sentimentos das pessoas, Hensley, e é isso que importa baby! Agora vou ter de arranjar uma bela grana para poder viajar até Nashville, para viver por lá até estourar. Vou mendigar emprestar ou roubar dinheiro, porque, por Deus, não perderei a audição por nada deste mundo! Nada me deterá agora.

Hensley sentiu um frio de apreensão percorrendo a espinha. A avalanche de palavras e a excitação de Craig a perturbavam.

— Espere um pouco - falou, enterrando o rosto entre as mãos. — Sabe que quero ajudá-lo.

Precisamos ter calma e pensar. — Ergueu a cabeça e mordeu os lábios. — De quanto dinheiro vai precisar?

— Estou pensando em dois mil dólares. É um bocado, mas não sei que tipo de despesas vou ter de enfrentar. Pagar algumas gravações, fitas, sei lá. Se eu tiver de gravar um disco, preciso de dinheiro para pagar estúdio, músicos, fita. — Sacudiu a cabeça. — Será que você não poderia arrumar alguém, como o Sr. Merrick, que pudesse investir em mim? - ele perguntou, estreitando os olhos.

— Duvido. Peter não aprecia muito música country. Só tem interesse no cobre.

— E se eu me apresentasse de uma maneira que ele se interessasse? Quem sabe eu poderia me chamar Cobre Reilly, ou Craig Cobre. - Sorriu. — Poderia até tingir os cabelos e barba de vermelho, se fosse preciso. Que tal?

— Ora, você está brincando.— Nada disso! Estou falando sério. Sou capaz de tudo para conseguir o

dinheiro - ele falou, com a voz fria como lâmina. — Não tenho a sua educação, nem acesso aos seus pistolões, garota de

classe. Droga, tudo o que tenho são minhas músicas e meu violão.— Você tem talento - falou Hensley calmamente. — Vou pensar num jeito de

arrumar o dinheiro que você precisa.Ele a encarou.— Vai, mesmo? Oh, meu Deus, Hensley, vai conseguir isso para mim?Ele se postou em frente dela, rígido, imóvel, como se temesse que ela

retirasse a oferta.— Tenho um pouco de dinheiro. Vou tentar levantar uma parte. Dê-me um

pouco de tempo, que eu o arranjo para você.A voz dela estava trêmula, excitada. Ela mesma não estava muito segura de

conseguir toda a quantia que Craig queria.— Urra! - gritou Craig.Ele a puxou do sofá e a abraçou com força.— Docinho, jamais lamentará por isso. Vou lhe pagar até o último centavo,

prometo.

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Hensley sentiu o hálito quente dele em seus cabelos. Estava tão apertada que mal conseguia respirar.

— Nunca tive nada que valesse a pena em minha vida até encontrá-la - ele falou, com o nariz em seu pescoço. — Desde a primeira noite em que você me ouviu, e gostou, percebi que era o destino. Minha querida, preciso de você. . . sabe que duas pessoas formam uma canção de amor? Podíamos viver assim, Hensley. Podíamos ir juntos para Cheyenne, fazendo amor e música.

A boca dele se moveu para encontrar a dela. Hensley empurrou gentilmente.— Acho que seria melhor se você fosse livre e sozinho - respondeu, sorrindo.

— A oferta é tentadora, mas você tem de se concentrar em sua música e se estabelecer em Nashville. Ficarei nas montanhas de Montana, como meu irmão sempre desejou.

— É. Eu sabia que ia ser assim, mesmo - ele falou, olhando-a nos olhos. — Não tenho classe nenhuma, claro, classe fica para os Peter Merrick deste mundo.

Hensley não detectou nenhum rancor ou tristeza em sua voz. Ele abriu um sorriso largo.

— Está tudo bem, minha garota - falou, virando-se para pegar o chapéu. — Vamos só fazer música. A boa e velha country music.

Peter tinha estado a negócios em Denver por vários dias, e Hensley não pode conversar com ele sobre o dinheiro. No dia em que ele chegou, ela foi até o seu escritório.

— Oh, você é um colírio para os olhos depois de um longo dia de trabalho - ele falou, sorrindo.

Hensley se sentiu feliz com o elogio. Antes que pudesse responder, ele falou de novo:

— Emma me disse que você quer conversar comigo sobre um problema. Que tal resolvê-lo e depois jantarmos um belo filé grelhado no rancho?

— Oh, adoraria!Peter ofereceu uma cadeira para ela se sentar.— Muito bem, qual é o problema? - perguntou, rolando sua cadeira até perto

dela.— Preciso de dinheiro da minha herança.— Sim, claro, se acha que vai precisar para o Natal, um dinheirinho extra vai

bem, não? Quanto vai precisar? Cinquenta, cem dólares? - perguntou calorosamente.

Hensley teve a impressão de que ele a estava tratando com indulgência, como se ela fosse uma criança.

— Não é para as compras de Natal, Peter. Preciso de dois mil dólares.Peter se ergueu num pulo. Sua cadeira virou sozinha e ele a segurou pelo

encosto.— Meu Deus, Hensley - falou alto —, dois mil dólares? Para quê? Não está

pensando em comprar um carro novo, está?— Não, claro que não. - Ela riu. — Não vou comprar nada. Vou emprestar o

dinheiro para Craig.

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— Quer emprestar todo esse dinheiro para aquele cantor?— Craig vai ter uma oportunidade única. Irá até Nashville para se apresentar

e gravar uma fita. Quero ajudá-lo.— Droga! - Peter bateu a mão na mesa. — Isso é idiotice!Hensley o fitou com frieza.— Não vejo nada de idiotice nisso. Se quero ajudar Craig com meu próprio

dinheiro, acho que posso e tenho o direito.— Olhe aqui, sinto muito pela explosão - falou Peter, baixando a cabeça.

Deixe-me explicar alguns fatos pertinentes a você — prosseguiu, esfregando a testa. — Você já recebe uma grande parte de sua aplicação mensal. Se quiser levantar uma quantia alta dessas, vai ter de vender um de seus investimentos. E você não vai vender um investimento rendoso para emprestar dinheiro a uma aventura idiota dessas, sem quaisquer garantias de retomo. É um negócio pouco rendoso, para não dizer pior, e como seu tutor e conselheiro financeiro não posso permiti-lo!

— Francamente, não me importo com o que é um bom ou um mau negócio - ela falou ressentida. — E não fique me dando aulas de economia, também. É muito aborrecido. Insisto: quero dois mil dólares. - Ela cruzou os braços, para demonstrar que o assunto estava encerrado.

— Hensley, você não está me escutando. Não posso fazer isso! O dinheiro está aplicado, e bem aplicado. Não dá para mexer nele só porque você se envolveu com um cantor romântico de Country! - ele falou, exasperado.

Hensley ficou furiosa.— "Envolveu" - ela repetiu, com ironia. — Ainda está pensando naquelas

bobagens sobre Craig Reilly e eu? É assim que você me vê?— E você?— Não! Claro que não. Mas é verdade que eu acho muito agradável conhecer

um homem que não me trata como uma criança mimada. Pelo menos Craig me vê como uma mulher. Uma mulher de quem ele precisa e que ele quer!

— Aposto nisso! Esse oportunista precisa do seu charme, da sua aceitação social e, sem dúvida, do seu dinheiro. Ele a está usando, não enxerga isso? Ele a usará, e usará qualquer outra mulher que for preciso para subir na carreira!

— Que coisa mais desprezível para me dizer. Sabe muito bem que é na música dele que estou interessada. Por que fica falando como se eu tivesse um caso com ele? - ela gritou cega de ódio.

— Calma, Hensley, não quero discutir. Vamos deixar essa história para trás. Mas você tem de ver que nada de bom pode sair desse seu envolvimento com ele.

— Pare de me tratar como se eu fosse uma criança! - falou a voz gelada. — Já que você não vai me permitir usar meu próprio dinheiro, vou arrumá-lo de outra fonte. Prometi a Craig que o ajudaria, e nada vai me deter! - Empinou o nariz. — Vou arrumar o dinheiro com David Gillette. Ele vai me dar o dinheiro com prazer.

Peter deu um passo em sua direção e ela se levantou, sustentando seu olhar. Peter soltava faíscas pelos olhos.

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— Claro que vai, droga! Vai adorar que você fique em débito com ele. E é capaz de cobrar com juros!

— Não acredito em você, Peter. E que tipo de insinuação maldosa está fazendo dessa vez?

— Quando estive em Ironville, vi que seu patrão queria controlar sua vida, mais do que você estava imaginando. É mais que uma insinuação. É um fato. Além do mais, acho que sabe muito bem do que estou falando, apesar desse olhar de inocência infantil que você carrega.

Hensley piscou os olhos. Por um breve instante, teve a impressão de que ele estava com ciúme, e sentiu um estremecimento de prazer. Mas não era possível.

— Não sei por que me importo em explicar, mas vou fazê-lo. Não vou pegar dinheiro de David. Vou lhe vender um selo canadense da coleção de meu pai. Sei que ele estava louco para comprar esse selo. Pode controlar os meus investimentos, Peter, mas não vai me impedir de vender este selo para levantar o dinheiro para Craig.

Hensley se virou e andou em direção à porta. Lágrimas de frustração e raiva começaram a descer por seu rosto. Ela as enxugou raivosamente com as costas das mãos.

— Hensley, por favor, não se vá. Quero dizer...— Já disse o que queria. - Ela se voltou e o encarou: — Já deixou bastante

clara a sua opinião sobre mim. Sou bastante leviana, não? No minuto em que meu irmão morre, eu tenho um caso com um homem mais velho, casado e rico. Quando termina, corro para o oeste e me entrego a um violeiro oportunista que pretende roubar minha herança. Ora, Peter - ela falou, cheia de ironia — tem de admitir que é um belo recorde em seis meses.

Peter deu dois grandes passos e a agarrou, zangado, sacudindo-a pelos ombros. Hensley soltou um grito de dor.

— Droga, Hensley Travis! Você seria capaz de mandar um santo para o inferno. . . e, por Deus, estou longe de ser um santo!

Uma emoção incontrolável ardia em seus olhos, e ele a esmagou contra seu corpo, beijando-a com ferocidade.

Hensley se debateu a princípio, mas depois a paixão dos lábios dele a deixaram sem força. Todos os seus sentidos pareciam se desmanchar no calor daquele beijo. Seu coração batia explosivamente. Estava consciente da quentura e força das mãos de Peter, explorando e acariciando seu corpo. Era como se o tecido fino da blusa de seda que ela estava usando não existisse. Ele desceu as mãos pelos seus ombros, pelos lados dos seios, passando os braços em círculo por sua cintura.

Naquele instante, Hensley percebeu que as batidas de tambor que ressoavam em seus ouvidos não vinham apenas do seu coração, mas do dele também. Passou os braços em volta do pescoço moreno de Peter, acariciando sua nuca, os dedos mergulhados nos cabelos escuros. O beijo tinha se tornado agora doce, suave como uma brisa de verão.

— Sinto muito - falou Peter, com voz rouca. — Não quero brigar com você.

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Hensley o empurrou de leve pelo ombro, de modo a poder encará-lo. Ele gentilmente tirou uma mecha de cabelos de seu rosto. Hensley sorriu para ele, contente com aquele gesto.

— Não quero brigar também - falou suavemente.— E compreendo perfeitamente sua posição, Peter. Mas - ergueu os ombros

— não vou mudar de idéia. Vou vender o selo e dar o dinheiro que prometi a Craig.

— Sei disso. Você é tão determinada sobre esse negócio de música! - falou, apertando os lábios. — Já devia ter aprendido que não posso colocar um freio numa potra impulsiva como você. - Puxou-a de novo para seus braços.

— Imagino que você esteja achando difícil a tarefa de fazer uma boa ação por dia com uma garota teimosa como eu - ela insinuou com doçura, os lábios quase encostando nos dele.

— Então você escutou mesmo aquela lengalenga ridícula de Margô? - ele perguntou, beijando os lábios dela suavemente.

Ela fez que sim com um gesto de cabeça. Peter estudou seu rosto.— Você é um enigma para mim, sabia disso? - Sorriu. — E provocante demais

para o horário de trabalho. - Soltou-a lentamente. — Agora, deixe-me terminar o trabalho - falou, sorrindo.

Hensley não se deteve na mesa de Emma quando passou. Não queria conversar com ninguém. Tudo o que queria fazer era relembrar aqueles minutos mágicos em que estivera nos braços de Peter. Será que ele tinha sentido as mesmas emoções que ela? Sim, claro que sim. Sentiu um frio na barriga. Pelo menos ele não a considerava mais uma menininha. Disso tinha certeza.

CAPÍTULO XIII

Uma hora mais tarde, enquanto guiava de volta para casa, Hensley notou como tudo ficava bonito revestido pelo branco de Natal. Talvez fosse porque estava feliz, mas as ruas e as casas pareciam muito mais bonitas naquele dia. Prestava atenção a cada detalhe. Vestidos pela neve, os pinheiros da cidade eram grupos de anjos silenciosos aguardando a celebração sagrada do Natal.

Até aquele dia, não estivera ansiosa pela chegada dos festejos. Temia a solidão de passar um Natal sem família. Naquela tarde, no entanto, explodia de excitação e alegria. Nada mais lhe parecia difícil ou triste.

Ao chegar em casa, acendeu a luz da mesinha. Eram cinco horas ainda, mas já estava escurecendo. A brancura do gramado coberto de neve contrastava vivamente com a luz difusa e rósea do crepúsculo. Ajustou o termostato para o

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aquecimento interno aumentar. Olhou para o relógio. Será que ainda pegaria David no jornal? Bem, não custava tentar. Ligou:

— David? É Hensley! Bem que eu achei que ainda ia pegá-lo, trabalhando duro para a edição de amanhã. Feliz Natal!

— Puxa Hensley! - Ele gritou com aquele vozeirão grave. — Feliz Natal para você, também. Que bom ouvi-la. Como vai?

— Muito bem, David. Está tudo branco e bonito por aqui, só que muito frio. E Ironville?

— Bem, calor é que não está fazendo, não é? Você se lembra dos dezembros de Minnesotta. Mas deixa o tempo para lá! Para quê ligou, docinho?

Hensley riu. Era tão típico de David, aquela maneira direta de dizer as coisas. Ele nunca ficava rodeando quando queria saber de alguma coisa.

— Liguei para perguntar se você continua interessado naqueles selos Cartier da coleção de meu pai. Estou precisando de dinheiro - completou, rindo com embaraço. — Gostaria de lhe vender aquele par.

— É claro que quero aqueles selos! Você sabe como sou maluco por eles. Escute, está pondo a coleção à venda?

— Não, nada disso; só preciso vender esse par.— Está bem. Segure firme esses selos, querida, não os deixe escapar. Já são

meus não se esqueça.Hensley percebeu o excitamento em que ele se encontrava.— Não sei o que é que as pessoas enxergam num pedaço de papel colorido

com um carimbo! - riu. — De qualquer forma, pretendo ir até Ironville logo depois do Natal. Vou de avião até Duluth, faço baldeação ou alugo um carro até Ironville. Que acha?

— Maravilhoso! Escute, você vai ficar alguns dias aqui, não?— Sim, dois ou três dias. Tenho de tirar os selos do banco. Muito obrigada,

David.— Esqueça! É você quem está me fazendo um favor. Desde o nosso primeiro

encontro eu disse que queria aquele par Jacques Cartier!Hensley podia até vê-lo do outro lado, com os óculos na mão, gesticulando

sem parar. Igualzinho à primeira vez em que o vira, naquela tarde ensolarada de primavera. Desligou o telefone, sabendo que teria de correr para se arrumar.

Tomou uma ducha rápida, penteou os cabelos, realçou os traços do rosto com um mínimo de maquilagem. Escolheu um vestido cor-de-coral que tinha comprado uma semana antes.

Quando abriu a porta para Peter, momentos mais tarde, ele a olhou e assobiou.

— Uma bela diferença das cores pastel do escritório - ele falou, erguendo uma sobrancelha. — Hum. . . que coisinha!

Hensley deu uma volta, fazendo o tecido leve rodar e flutuar no ar, depois se amoldar nas curvas de seu corpo, de novo.

— Estou feliz por ter gostado. É o presente de Natal que dei a mim mesma.

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— Gostei muito. - Ele sorriu. — Isso me faz pensar no dia em que Hensley Travis me apareceu atrás de um enorme óculos escuro, querendo bancar a sofisticada. Bem, tenho de admitir que agora você conseguiu. Não só parece sofisticada, como sexy também. Se eu fosse esperto, virava as costas e saía correndo.

— Está se divertindo comigo, como se eu ainda fosse uma garota de treze anos - ela falou, franzindo a testa.

— Gastei fortunas para mudar minha imagem de irmãzinha e você vem e goza dos meus esforços!

— Acredite-me, gracinha, seus esforços não foram em vão. Não estou gozando de você, absolutamente. Estou apenas lutando contra meus instintos naturais.

Ele fingiu que ia agarrá-la e Hensley se desviou, rindo.— Vamos, Peter, vamos saindo para essa noite gelada - falou, pegando-o

pela mão.— Passei para comprar os filés antes de vir buscá-la, por isso me atrasei - ele

explicou, depois, enquanto se dirigiam para o rancho. — Comprei guirlandas também, para você me ajudar a enfeitar a árvore, está bem? Só faltam três dias para o jantar de Natal, e ainda não tive tempo de arrumá-la.

— Acho ótimo - concordou Hensley, animada. Emma tinha contado a ela da festa de Natal que Peter oferecia anualmente no rancho, para todos os em-pregados da Merrick. Devia ser uma tradição do pai, que ele mantivera. Hensley olhou para Peter. Seu perfil anguloso era muito bonito. Com uma pontada de dor, lembrou o que Emma tinha lhe dito. Como é que ela se sentiria se Peter se casasse com Margô Lawrence?

Peter tirou do bolso o cachimbo e o tabaco.— Você agora é minha preparadora oficial - ele disse, entregando-os para

ela.Ele parecia alheio às aflições dela, e Hensley se sentiu aliviada por ter

alguma coisa com que se ocupar.Saíram da cidade. Os tratores tinham limpado a estrada, que se estendia

como uma fita negra no lençol branco do horizonte. A neve brilhava sob o luar e a estrada estava vazia e silenciosa. Tudo isso intensificava o calor e a intimidade no interior do carro.

— E a comida, Peter? - falou Hensley, entregando o cachimbo cheio.— Vou grelhar os filés assim que chegarmos em casa. Não tenho a menor

intenção de deixar uma moça morrer de fome numa noite de inverno, embora você possa pensar o contrário.

— Não estava falando de hoje. É da comida da festa que estou perguntando.Peter riu.— Oh, sim, claro. Graças a Deus, Emma providencia tudo para mim. Ela

contrata uma casa especializada, com garçons, bebidas, tudo. - Ele virou a cabeça para ela. — Mas acho que vai ficar interessada em saber sobre uma coisa que

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arranjei para a festa deste ano - ele falou sério. — Uma coisa que eu fiz esta tarde, depois de você ter saído do escritório.

— Não me diga que alugou uma fantasia de Papai Noel?— Claro que não. - Ele riu. — Tratei com Craig Reilly para ele cantar durante

a festa.Hensley se inclinou para ele, o rosto radiante.— Oh, Peter - ela gritou, pousando uma mão em seu ombro. — Foi muita

bondade de sua parte. Ele precisa do dinheiro e. . . bem, fico contente.— Tenho de confessar que não foi bondade nenhuma de minha parte. Fiz isso

pura e simplesmente para cair nas suas boas graças.— E conseguiu!Quando chegaram ao rancho, Peter foi para a churrasqueira do quintal,

acender o carvão e pôr os filés para grelhar.— Pode pegar o que quiser do congelador - ele tinha avisado.Hensley ficou surpresa ao ver a quantidade de comida congelada que ele

tinha em estoque. Pegou um saco plástico com milho. Depois pegou uma bengala de pão. Então, lavou as mãos e começou a limpar as folhas de alface que Peter tinha trazido para a salada. Ele entrava e saía da cozinha enquanto grelhava a carne.

— Uma noite de inverno com neve, e você cozinhando carne no quintal. É loucura, Peter! - ela gritou.

Peter apareceu na cozinha com um sorriso nos lábios.— Não me chame de louco, gracinha. Estou apenas mantendo minha imagem

de solteirão excêntrico.— Diria que sua imagem já está bem construída. Tem um estoque perfeito de

comida no congelador. Deve ter o hábito de alimentar um harém - ela brincou, olhando-o interrogativamente.

— Não. Eu me saio muito melhor na monogamia, sabia?Hensley fez que ia jogar um tomate nele, e Peter saiu correndo.Depois do jantar, foram tomar café na sala de estar. Peter tinha colocado a

árvore de Natal a um canto, do lado de uma grande janela. As luzes já brilhavam, nela. Várias caixas com enfeites e guirlandas jaziam abertas ao pé do pinheiro.

— Deve haver dúzias de enfeites aí - falou Hensley, apontando para as caixas. — Não é à toa que você queria ajuda.

Começaram a trabalhar; Hensley ocupava-se com os galhos mais baixos, Peter, com os mais altos. Havia desde bolas enormes até as menores que Hensley já vira, todas vermelhas e verdes. Depois de quase uma hora, a árvore estava pronta.

— Alcançamos a perfeição total - suspirou Hensley.— Quase.Peter abriu a última caixa de enfeites. Lá dentro havia uma estrela de metal

brilhante, acondicionada em flanela.— Um legado da Merrick para o topo da árvore - ele falou, segurando a

estrela para Hensley admirá-la.

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— Oh, Peter, é feita de cobre, não é?— Sim. Foi cortada e desenhada por um amigo hindu de meu pai. Isso antes

de eu ter nascido. Jamais passei um Natal sem vê-la na árvore. - Esfregou a flanela para deixá-la ainda mais brilhante.

— É linda, Peter - falou Hensley, maravilhada. — Acho que invejo essa tradição de família.

Peter pegou uma cadeira, puxou-a para perto da árvore e subiu. Com todo o cuidado, colocou-a no galho mais alto. Desceu e pôs a cadeira de volta no lugar. Apagou as luzes da casa, deixando apenas as lampadinhas da árvore acesas. A árvore se erguia majestosamente na sala, iluminando-a com mil cores.

Peter passou o braço em torno da cintura de Hensley. Os dois ficaram admirando a árvore em silêncio por algum tempo.

— Não tem de invejar nenhuma tradição. Divido-as com você.Hensley estava comovida.— Dividir esta árvore hoje, minha primeira árvore de Natal em Montana, me

deixa feliz e triste ao mesmo tempo. - Sua voz tremia de emoção. — É como se eu escutasse uma canção linda e triste ao mesmo tempo. Sinto vontade de chorar. — Cobriu a boca com uma mão, lutando contra as lágrimas.

— Está pensando em Allan. Eu também estou.— É como se ele estivesse aqui, não sente isso, Peter?— Ele ficaria feliz em saber que você e eu estamos aqui, juntos. Estou certo

disso - completou Peter, beijando os cabelos sedosos dela.De braços dados, ele a conduziu até o sofá. Recostou-a nas almofadas

macias, contemplando seu rosto.— Acho que esses olhos cor-de-avelã já me enfeitiçaram - falou sério. Roçou

o rosto dela com o seu. — É uma mulher linda e desejável, Hensley. Tentei negar isso para mim mesmo, mas não consigo mais.

Ele puxou a gola do vestido coral. Sua mão percorreu o pescoço macio dela, descendo calorosamente pelos ombros nus. Beijando seu pescoço, depois o vale profundo e macio entre os seios dela.

Hensley sentia o sangue correr como fogo pelas veias.— Peter.. . Peter... - sussurrou, num tom quase inaudível.Ele ergueu a cabeça, o desejo aceso nos olhos.— Esperei por você tanto tempo - ele falou roucamente.Afastando os cabelos do rosto dela, começou a beijá-la impetuosamente, no

queixo, pálpebras, têmporas. Depois, procurou por sua boca, lenta, insistentemente. Tomou-a no braços, acariciando-a com fervor.

Em júbilo, Hensley passou os braços em torno de seu pescoço, sentindo os músculos fortes dos ombros e costas, consciente de que o coração dele batia tão forte quanto o seu. Os lábios de Peter eram exigentes, sensuais, e ela correspondeu com a mesma paixão. O toque das mãos dele a deixava fora de si. Parecia que seu corpo, mente e coração, estavam sendo tocados ao mesmo tempo. A tempestade de emoções subia espiraladamente, com o desejo na crista. Lá do fundo, forte, veio a descoberta. Estava apaixonada por Peter Merrick. Nunca

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tinha sentido isso em relação a nenhum outro homem em sua vida. Ela o amava, desejava-o também. Começou a tremer, meio por receio, meio por antecipação do que viria a seguir. Empurrou o peito dele de leve, libertando-se de seus lábios.

— Peter - sussurrou. — Eu. . . quero conversar. Preciso entender o que está acontecendo comigo.

Peter segurou o rosto dela entre as mãos, fitando-a intensamente. Sua respiração estava entrecortada, os olhos, brilhantes e cheios de emoção.

— Não posso dizer o que está acontecendo com você, Hensley. Você é quem deve saber. - Ele se pôs ereto, sentado ao lado dela, sem tocá-la. — Posso lhe contar, no entanto, o que já aconteceu comigo. - Respirou fundo. — Na primeira manhã em que viemos juntos para o rancho, percebi que você pertencia a este lugar. - Ele fitava o vazio. — Quando você entrou na casa, e eu a vi subindo a escada, com as mãos no corrimão de madeira, foi como se a tivesse sempre visto aqui, subindo os degraus, correndo a mão exatamente do mesmo jeito. Fiquei assombrado com a verdade daquele momento, com a certeza de que você pertencia a este lugar, Hensley. - Ele hesitou. — Não estou conseguindo me expressar direito, estou?

— Está dizendo o que eu queria ouvir. Enquanto fizemos aquele passeio a cavalo, e principalmente quando fomos naquele lugar de onde se pode imaginar o diamante, tão perto das montanhas e do céu, eu me senti segura pela primeira vez, desde que Allan morreu. Acho que tive a mesma sensação que você: essa verdade, esse sentimento de que eu pertencia a estas montanhas. - Seus lábios tremeram. — Mas. . .

— Mas o quê? - Ele franziu a testa.— Bem, mais tarde, com Margô, eu me senti estranha. Era uma intrusa de

novo e nada mais parecia certo.Ela manteve os olhos longe do rosto dele, endireitando as costas, enquanto

ele suspirava.— Odiei o que aconteceu - ele disse, indo até a lareira. — Talvez este seja o

momento certo para lhe falar sobre Margô.Peter estava de costas para ela. Hensley viu-o colocar lenha no fogo e de

repente sentiu frio. Era como se o corpo dele a impedisse completamente de sentir o calor da lareira. O que tinha acontecido à intimidade que haviam compartilhado há um instante? Por que deixara Margô se infiltrar entre eles? Na verdade, estava com medo do que Peter pudesse lhe contar.

— Comecei a sair com Margô um ano antes da morte de meu pai - ele começou, virando-se para ela. — Não estava preparado para ser o cabeça da Companhia Merrick mas, quando papai morreu, caiu tudo sobre minhas costas. Eu estava determinado a não quebrar a continuidade, a manter a companhia no mesmo passo. Claro que foi difícil. O trabalho me consumia.

Ele fez uma pausa, mirando as luzes coloridas da árvore de Natal. Não olhou para Hensley. Era como se estivesse falando consigo mesmo.

— Lembro-me bem daquele inverno. Allan veio passar uma semana aqui. Conheceu Margô, e nós três fomos passar o fim de semana esquiando em Big Sky.

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Era o primeiro fim de semana que eu passava longe de Anaconda, dez meses depois da morte de meu pai.

Hensley estava quieta, imóvel, ouvindo apenas.— "O cobre é sua amante", Allan me disse, naqueles dias. Posso ouvi-lo

ainda. "Não há lugar em sua vida para outro amor, pelo menos agora. Só o cobre. Nem mesmo Margô vai alterar essa verdade." - Peter olhou para Hensley — Seu irmão estava completamente certo. O cobre foi a única coisa importante para mim. A Companhia Merrick subiu e eu subi com ela. Margô aceitou, ou até escolheu continuar com o nosso relacionamento descompromissado.

— Por que está me dizendo tudo isso?— Porque eu acho que isso explica a reação dela quando descobriu que você

estava no rancho. Ela pressentiu o início de uma mudança. Ela foi a primeira a enxergar que Allan tinha alterado o caminho de todas as nossas vidas.

— Allan? - ela perguntou surpresa. Peter foi até o sofá, sentou-se ao lado dela e segurou sua mão.

— Seu irmão compreendia você tão bem quanto um homem pode conhecer uma garota impulsiva, e ele me compreendia também. Talvez mais do que eu próprio. - A voz de Peter estava cheia de afeição. — Alguma vez lhe contei sobre a vontade dele de deixar sua marca para trás, em alguém ou alguma coisa?

Hensley estava intrigada com as palavras dele. Além disso, a lembrança de Allan era dolorosa. Fechou os olhos.

— Hensley, você não está vendo? Allan encontrou o jeito ideal de fazê-lo: juntou duas pessoas que ele amava, eu e você.

Hensley suspirou.— Ele influenciou nós dois, claro; mas, Peter, Allan não estava querendo ser

Deus, nem nada. Está errado se pensa isso.— Estou fazendo uma misturada, Hensley, não consigo me explicar, não é?

Venha comigo - ele falou, puxando-a pela mão. — Tenho uma coisa para você. Uma coisa que, acredito, vai lhe mostrar o

que estou tentando lhe dizer com palavras.Foram até a biblioteca. Na escrivaninha, Peter abriu uma gaveta. Hensley

apoiou-se na mesa, ardendo de curiosidade. O que será que ele estava tramando?Durante a última hora, seus espíritos tinham subido e descido como um ioiô.

Num minuto tinha estado sublimemente feliz, nos braços de Peter. Depois, tinha lhe falado sobre Margô. Por que ele havia dado explicações sobre os sentimentos e atitudes de Margô, afinal? Era com os sentimentos dela que ele devia se preocupar, não com os de Margô. Se gostasse dela.

Sua cabeça começava a doer. Aquela noite, que tinha começado tão perfeita, estava ficando cheia de erros e enganos. Será que apaixonar-se por Peter tinha sido o pior engano? Pôs a mão sobre a escrivaninha para se segurar, e seus dedos tocaram um objeto conhecido.

— Você trouxe o peso de papéis de seu pai do escritório para cá? — perguntou, virando o objeto de cobre e ébano de todos os ângulos,

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— Humm..., sim, e vou levá-lo de volta amanhã. Precisei dele por algumas semanas.

Peter tirou da gaveta um pequeno embrulho, vistoso. Seus olhos estavam brilhantes e calorosos.

— Feliz Natal, querida.Hensley prendeu a respiração. Ele nunca a havia chamado de "querida"

antes. Tremia de excitação segurando o embrulho.— Quero que o abra agora — falou Peter. — Quero ver se você gosta.Depois de desembrulhada, uma caixa de veludo delicada guardava uma

correntinha feita à mão, de cobre, com um pequeno disco pendurado. No centro do disco, um pedaço de cobre bruto, não burilado.

— Oh, Peter! — ela tocou o centro do disco. — Onde descobriu um artista que conseguisse fazer esta maravilha... este círculo tão delicado, com o pedacinho de cobre... oh... oh!

Naquele instante, como um clarão, ela enxergou de onde ele havia tirado o cobre.

— Merrick. Não é? — perguntou, excitada. — É do primeiro minério da Merrick, não é isso, Peter? — Mesmo com a correntinha na mão, era difícil de acreditar. — Você...

— Sim, foi isso mesmo o que eu fiz! - exclamou Peter, triunfante. — É por isso que o peso de papéis ainda está aqui. Fui buscá-lo ontem, juntamente com a correntinha e a medalha, no joalheiro.

Atirando os braços em volta do pescoço dele, Hensley afundou o rosto em seu pescoço.

— Não sei o que dizer, de verdade. Não consigo acreditar que você tenha feito isso para uma garota!

— Não para uma garota. Para você, Hensley. Você, que pertence a estas montanhas, e que aprendeu com um irmão mineiro quanto um homem pode amar o trabalho nas entranhas da terra. - Apertou-a contra si afetuosamente. — É isso o que eu estava querendo lhe dizer esta noite. Ei está molhando o meu pescoço!

— Não consigo segurar - soluçou Hensley, afastando-se e enxugando o rosto com as costas da mão — Você me diz todas essas coisas bonitas, e eu tenho que chorar, porque você me deixa feliz.

— Então sorria menininha, e deixe-me feliz também. Peter colocou a correntinha no pescoço dela. Depois, segurando seus ombros, puxou-a para si.

— Allan estava enganado, sabe - falou, com voz rouca. — O cobre não é a amante que eu quero. Você é.

Ele beijou seu pescoço com suavidade. O coração de Hensley disparou. Não conseguia se mover; estava paralisada, entregue. Levou uma das mãos à correntinha, sentindo-a pulsar sobre a garganta.

Peter virou-a de frente para ele.— Tem idéia de quanto eu a quero? Você pertence a este lugar, Hensley.

Fique comigo.

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Apertou-a contra si. Hensley sentiu os seios esmagados contra seu peito largo. Como se estivesse caindo num poço agarrou-se a ele desamparadamente. Lutava contra seus próprios sentimentos. Não havia dúvida de que Peter a considerava bonita e desejável, mas ele a amava? Não tinha dito isso. Ele tinha lhe dado uma parte do primeiro cobre minerado pela Merrick. Não teria feito isso se não a amasse, não é? Mas, se ele a amava, não teria dito?

— Querida — ele falou, apertando-a, e ia falar de novo, o desejo aceso em seus olhos.

— Eu. . . não posso - murmurou, sem conseguir encará-lo.Por um longo, interminável momento, nenhum deles se moveu. Peter deu um

passo atrás, soltando-a.— Vou buscar o seu casaco e levá-la para casa - falou, sem inflexão alguma

na voz.Quando entrou no carro, Hensley tinha os olhos fixos na janela do rancho.

Dentro da sala, na árvore de Natal, as mil lanterninhas coloridas continuavam a acender e a apagar.

CAPÍTULO XIV

Um espírito festivo pairava no ar. A festa corria animada no rancho, os sons de riso e conversa distribuídos em grupos pela sala. Hensley estava ao lado da lareira, conversando com Ray Holden. Embora seus olhos estivessem fixos nele, tinha consciência da figura alta de Peter do outro lado.

— Ei, Hensley, não está me ouvindo! - reclamou Ray, com um sorriso.Hensley piscou.— Claro que estou. Você é sempre a alma da festa, já sabe disso! Agora, vou

pedir para Craig cantar uma música, minha favorita. Quero que você escute.Colocando a taça vazia sobre a lareira, ela saiu, sentindo o olhar de Ray

sobre si. Foi para o hall. Tinha deixado o casaco e a bolsa num dos quartos, e queria pegar o presente de Natal que trouxera para Peter e colocá-lo na biblioteca. Estava descendo a escada com o embrulho na mão quando a porta se abriu e Margô Lawrence entrou, com um casal desconhecido. Deviam ser amigos de Peter, de Anaconda. As duas se cumprimentaram brevemente, e Hensley se dirigiu para a biblioteca enquanto Margô e a amiga subiam para guardar os casacos.

Hensley entrou na biblioteca jogando a cabeça para trás. Doía-lhe ver Margô Lawrence na casa de Peter. Nunca sentira ciúme em sua vida, antes. Mas também nunca tinha conhecido um homem como Peter. Fechou os olhos, desejando

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ardentemente esquecer de Margô Lawrence e do relacionamento que tinha com Peter.

De costas para a porta, colocou o presente sobre a mesa dele.— Vou pôr o meu presente com o seu.A voz sedosa e grave de Margô a assustou; virou-se rapidamente, prendendo

a respiração.— Você me deu um susto - falou, sorrindo e tossindo ao mesmo tempo.— Sinto muito - Margô colocava um pacote colorido sobre o embrulho de

Hensley. — Estou contente por tê-la encontrado sozinha — continuou, com um sorriso conspiratório. — Desde aquele dia em que nos encontramos aqui, estou querendo falar com você. É sobre Peter. Vou ser absolutamente sincera. - Seu sorriso era desarmante.

— Devo admitir que estou com um pouco de ciúme. Hensley arregalou os olhos, surpresa pela maneira direta de Margô, Era uma confissão que a deixava perturbada.

— Sabe, Hensley, eu e Peter sempre fomos muito amigos, desde há muito. Para ser franca, ate que seu irmão levou Peter a se preocupar com você, eu tinha exclusividade sobre o tempo e a afeição dele.

— Allan e Peter eram muito amigos, e Allan estava doente - Hensley falou, procurando manter a dignidade. — É natural que Peter dedique parte de seu tempo a atender aos pedidos do amigo e cuidar da parte financeira, de modo a deixar um futuro seguro para mim. Isso não implica numa intervenção no relacionamento de vocês.

Margô encolheu os ombros.— Parece-me que Peter tem um fervor exagerado para cumprir suas boas

ações, não acha?— Não estou compreendendo. - Hensley estava com os olhos faiscantes de

raiva.— Não? Deixe-me colocar em outras palavras, então. Bancando o guardião, o

anjo da guarda, Peter parece acreditar que deva lhe oferecer carinho, além de proteção.

Aquelas palavras foram como uma chicotada brutal em Hensley. Ela se virou os olhos fixos nas prateleiras cheias de livros.

— Isso é compreensível, claro - continuou Margô. — A lealdade compulsiva que ele tinha pelo seu irmão, a sagrada determinação de seguir a vontade de um morto, anuviaram a visão de Peter. Quando ele pensar direito no caso, e estou certa de que o fará logo, vai ver que estava completamente enganado. Neste caso, Hensley, espero que você demonstre a Peter que não o levou muito a sério, para não deixá-lo com a consciência pesada.

Hensley continuava de costas para Margô, e ouviu sua risadinha triunfante. Lutava para não chorar. Não podia deixá-la ver o efeito devastador de suas palavras. Sabia que havia verdade no que Margô lhe dissera. Peter sempre repetia, muitas vezes, "isto Allan queria para você". E mesmo naquela outra noite,

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quando estavam abraçados em frente à árvore, ele não tinha dito que Allan ficaria feliz em saber que os dois estavam juntos? Oh, Deus do céu!

Margô tocou-a no braço com dedos frios.— Vai pensar no que eu falei, não vai? Bem, devo me juntar aos meus

amigos para a festa. Ainda nem vi o anfitrião. — E com essas frases banais, retirou-se.

Hensley abençoou o silêncio e a reclusão da biblioteca. Estava arrasada. Era verdade! Peter podia estar influenciado pela lealdade e amizade que devotava a Allan, envolvendo-se com ela sem perceber. Allan não só desejava segurança financeira, mas também emocional para a irmã. Não era natural que Peter tivesse detectado esse desejo do amigo, e agora se iludisse, julgando ter carinho pela "irmãzinha" a seus cuidados?

Tocou a correntinha de cobre. Peter jamais tinha dito que a amava!— Emma, viu a minha garota?Peter entrou na cozinha, com um sorriso nos lábios.— Depende de qual garota. - Emma estava colocando fatias de peru numa

travessa.— Muito divertido, minha querida.— Ora, você está sempre descompromissado, saindo com essa e aquela,

como é que eu vou adivinhar? Nem sabia que você tinha uma garota. - Ela arrumou os cabelos com o gesto característico. — É alguém que eu conheço?

— Muito bem, minha senhora - Peter riu —, estou lhe informando oficialmente que encontrei a minha garota. E sabe muito bem que estou me referindo a Hensley, claro. O pior é que já devia estar sabendo disso antes de mim. Isso é o que dá ter uma supereficiente secretária, que pensa que vê tudo e sabe de tudo! Agora por favor, encontre a minha garota para mim, sim? - ele falou, empurrando a velha senhora para fora.

Peter olhou para o relógio. Já era tarde. Era melhor dar o cheque de Reilly, para ele ir embora. Voltou para a sala. As pessoas começavam a esvaziá-la, mas mesmo assim não havia sinal de Hensley. Onde ela havia se metido? Era difícil imaginar que não estivesse pendurada no violão do seu cantor de country! Peter sorriu consigo mesmo. Afinal, tinham sido as canções dele que os unira. Por causa delas Hensley tinha brigado com ele naquele dia em seu escritório. Lembrou de como a discussão tinha terminado num abraço sensual.

Reparou de novo na árvore que ele e Hensley tinham decorado. Passou a mão na testa. Estava quente na sala. Onde Hensley poderia estar?

— Oh, até que enfim! Pensei que meu anfitrião nunca fosse se aproximar. - Margô pôs a mão no ombro dele. — A festa está deliciosa, Peter. Nós vamos depois até o Bradley's, não quer vir conosco? Sabe que é convidado.

— Sei - falou Peter, procurando prestar atenção.— A velha turma combinou de ir esquiar três dias em Big Sky, logo depois do

Natal - ela continuou. — Vamos combinar tudo certinho no Bradley's.Peter sentiu a pressão dos dedos dela, e viu o olhar quase implorante. Não

queria machucá-la.

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— Sinto muito, Margô, mas tenho um monte de coisas para fazer aqui. Por favor, compreenda.

Margô encolheu os belos ombros.— Bem, se seus planos mudarem, e você descobrir que quer ir, estarei lá.

Mas esquiar este ano sem você não seria a mesma coisa. - Passou as mãos bem cuidadas pelo braço dele languidamente. — Deixei um presente de Natal na biblioteca. Uma coisa para você usar em Big Sky na semana que vem. Feliz Natal.

Ela se virou e foi se juntar aos amigos, que saíam.Quando a festa acabou, Emma ficou limpando cinzeiros e juntando copos

vazios.— Ei, deixe disso - ralhou Peter. — Já trabalhou demais para essa festa,

Emma, querida. Venha comigo até a biblioteca. Vou tentar ligar mais uma vez. Não consigo entender como é que Hensley sumiu dessa maneira.

Ele ligou e ligou, mas ninguém respondeu aos chamados do telefone. Seus planos de passar a véspera de Natal sozinho com Hensley estavam sendo destruídos pouco a pouco.

Emma entrou, trazendo duas canecas de café. Peter bebeu-o com satisfação.— Humm, isto é revigorante! - Pôs a caneca de volta na bandeja. — Emma,

não estou compreendendo. Hensley não agiria assim, quero dizer, sair sem dizer palavra.

— Concordo Peter, mas, com a festa e as pessoas, talvez ela não tenha tido oportunidade de falar com você. — Sentou-se numa poltrona de couro, tirando os sapatos.

— Hum.. . que alívio! Escute, aposto como ela foi levar Craig Reilly até a cidade. Ele não tem carro.

— Não, ela não fez isso. Tenho certeza de que ela saiu muito antes de eu entregar o cheque a Craig. - Olhou pensativamente para Emma. — Além disso, lembro-me de ele ter dito qualquer coisa sobre ter emprestado um carro do hotel. - Franziu a testa.

— Já vi um búfalo bravo que parecia mais relaxado que você - disse Emma, sacudindo a cabeça para ele.

— Tenho certeza de que há uma explicação bem simples. Ela vai ligar ou aparecer daqui a pouco.

— Deus, espero que sim! Não gosto da idéia de minha garota fugir de mim. Não gosto nem um pouco.

— Talvez seja exatamente isso - falou Emma, pensativa. — Talvez ela tenha mesmo fugido de você. Ela tem medo de se envolver. Lembra como ela fugiu de Ironville, do patrão? Não será possível, Peter que ela também tenha ficado com medo de se envolver demais com você?

— Não posso acreditar. É impossível! - exclamou ele, zangado. — Não sou um moleque. Tenho trinta e dois anos, e já conheço alguma coisa sobre mulheres.

A expressão de Emma era tão engraçada que ele teve de rir.— Pare de rir de mim, Emma, sabe o que quero dizer! - Fez uma pausa, com

um sorriso nos lábios.

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— Hensley não está com medo de se envolver. Não, comigo. Estou certo disso. Por que esperei dez anos para ela sair de trás de um par de óculos escuros, afinal? Já estávamos comprometidos, desde lá. - Sacudiu a cabeça.

— Eu não sabia disso conscientemente, claro. Mas esperei que ela crescesse. Crescesse e descobrisse que pertencia a este lugar, o mesmo que eu: com cobre sob os pés e as montanhas sobre as cabeças!

Os olhos cinzentos de Emma fixaram-se nele bondosamente, estudando-o.— É uma tradição dos Merrick. Está no sangue deles - ela falou gentilmente.

— Sabe que é muito parecido com seu pai, Peter? - perguntou, olhando através dele. Arrumou os cabelos e calçou os sapatos. — Vou para casa agora. Você fica aí acordado, descobrindo a pista do desaparecimento de Hensley. - Pôs-se de pé, alisando a blusa de seda. — A festa foi um sucesso. Todos gostaram. Uma outra tradição dos Merrick - completou, sorrindo.

— Quando se fala em tradição dos Merrick, você conhece, não é querida? - Peter conduziu-a afetuosamente até a porta. — Sabe, das tradições todas, você é a melhor. - Beijou-a no rosto. — Feliz Natal, Emma.

— Feliz Natal para você, jovem Peter.Peter voltou para a biblioteca, afrouxando o colarinho e tirando a gravata.

Era melhor afastar os pensamentos negativos da cabeça. Devia fazer alguns telefonemas. Podia ligar para Craig Reilly e para Ray Holden. Talvez eles tivessem alguma idéia. Sentou-se na escrivaninha e puxou o telefone. Quando fez isso, derrubou um embrulho grande que estava sobre a mesa, revelando um pequeno, que estava embaixo. Olhou para as duas caixas, uma grande, vistosa, a outra pequena e embrulhada com capricho.

Abriu o pacote maior, e franziu a testa ao ver uma malha grossa de lã. O que Margô tinha dito sobre o presente? Que era para ele usar quando fosse esquiar em Big Sky, não era isso? Empurrou a malha para o lado. Não tinha a menor intenção de ir esquiar, muito menos sem Hensley. Ela tinha dito que iria para Ironville logo depois do Natal para vender os selos. Também tinha dito que nunca havia esquiado.

Peter sorriu. Ele a ensinaria a esquiar, entre outras coisas. Sentiu-se perturbado. Precisava tomar um belo uísque para se acalmar, isso sim. O silêncio à sua volta o afligia.

Voltou a atenção para a outra caixinha. Desatou o lago dourado, abriu-a devagar. Dentro dela havia um cartão. Ele imediatamente reconheceu a letra redonda de Hensley.

"Enquanto as montanhas existirem, eu o amarei."Peter leu e releu aquela frase várias vezes. Seus olhos se apertaram, cheios

de carinho. De repente, percebeu que nunca tinha dito a ela que a amava, O que tinha dito? Que ela era linda, desejável, e que pertencia àquelas montanhas. O que mais? Que Allan ficaria muito feliz se os visse juntos. Que Allan os havia reunido. Droga! Aquilo era tudo? Por que não tinha dito que a amava? Por que não tinha contado sobre os planos que fizera para eles, só para eles dois?

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Era véspera de Natal; dali a algumas horas seria Natal. Ele lhe diria as palavras que faltavam. Diria que a amava.

CAPÍTULO XV

Quando o avião decolou de Butte em direção a Minnesotta, Hensley foi forçada, pela primeira vez, a considerar a importância do que estava fazendo. Havia fugido da casa de Peter, achando que aquela era a melhor maneira de se autopreservar do sofrimento. Seria verdade? Ela era mesmo um peso indesejado jogado sobre Peter por um amigo às portas da morte? Seria como Margô tinha dito? Será que Peter estava confuso mesmo, pensando que gostava dela? Seria tudo resultado da profunda amizade que ele nutria por seu irmão?

Estremeceu. Escondeu o rosto entre as mãos. Droga! Pensou, mordendo os lábios. Por que Peter não a amava? Ela o amava tanto! Tocou o medalhão do pescoço, pressionando-o com força contra a garganta até que tivesse arranhado a pele macia. Por que amar Peter era tão desesperadamente doloroso?

Reclinou o assento e procurou fechar os olhos. Era bom estar sozinha no banco, sem precisar manter uma conversa com alguém. Não se surpreendia que o avião estivesse vazio. Véspera de Natal! Quem viaja nessa época?

Fez baldeação em Great Falls. Tinha quarenta e cinco minutos de espera. Resolveu telefonar. Sabia que tinha de avisar alguém sobre o seu paradeiro. Era mais fácil discar para Emma, claro.

- Emma? É Hensley. Tenho só alguns minutos e...— Hensley! Você nos deixou tão preocupados. Onde está? - interrompeu-a

Emma.— Estou no aeroporto de Great Falls, pronta para pegar o vôo para Duluth.

Vou para Ironville cuidar das minhas coisas. Sinto muito se a deixei preocupada - continuou não dando tempo para Emma falar. — Decidi ir para Minnesotta mais cedo que o planejado, é tudo,

— Não entendo o que lhe deu garota. O que fez você abandonar a festa de Peter bem no meio, sem nem uma palavra para nós? - perguntou Emma, bem mais agitada do que o normal. — Sabe como ficamos alarmados?

— Sinto muito, mas não tenho tempo para explicar. Acredite-me, eu tinha de adiantar esses negócios em Minnesotta. Eu ligo mais tarde.

- Mas é Natal! É claro que você podia esperar. Está fugindo, Hensley? - perguntou Emma, numa reprimenda.

Hensley não respondeu. Emma parecia sua mãe, estava tão preocupada. Sentiu-se comovida por isso. — Quer perder Peter? - insistiu Emma.

— Não posso perder uma coisa que nunca tive - replicou Hensley, engolindo em seco.

— Não seja boba, Hensley! Peter gosta muito de você. Não ficaria surpresa se ele desejasse pedir você em casamento.

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— Ele apenas quer honrar a memória de um grande amigo, satisfazendo os últimos desejos de Allan. é isso que ele está fazendo, Emma. Alguém me mostrou isso claramente. - Hesitou. — Estão chamando os passageiros do meu vôo - mentiu.

— Tenho de ir. Feliz... Feliz Natal para você. . . e diga Feliz Natal por mim para Peter também. - Desligou rapidamente.

Era mais de meia-noite quando finalmente chegou a Duluth, O próximo avião só saía no dia seguinte de manhã, em pleno Natal. Hensley não se sentia mesmo capaz de ir para mais longe naquela noite.

Foi para um pequeno hotel perto do aeroporto. Tomou um banho quente, dois comprimidos para dor de cabeça, e entrou debaixo das cobertas. Fechou os olhos, mas não conseguia dormir. Os acontecimentos daquela noite voltavam como um filme. Abriu os olhos. Lembrar-se das palavras e dos gestos de Margô era a última coisa que desejava naquele momento.

Acendeu a luz e olhou à sua volta. O quarto de hotel era impessoal e feio. Riu, irônica, Ela sempre tinha querido parar de se apoiar nos outros, não é? Bem, agora era Natal e ela estava sozinha em Minnesotta. Não havia ninguém em quem se apoiar, mesmo que quisesse. Apagou a luz e enterrou a cabeça no travesseiro, deixando todas as lágrimas que tinha segurado correrem livremente.

CAPÍTULO XVI

Hensley não contatou David até bem no final da tarde. Não queria que ele mudasse seus planos de Natal unicamente por ela ter chegado mais cedo que o combinado. Temia que ele lhe fizesse perguntas sobre a decisão repentina de voltar para Ironville, mas David não o fez, para alívio seu.

— Vou até o Daily Journal, depois de tirar os selos do banco amanhã cedo - falou no telefone para ele.

— Ótimo. Depois eu a levo para almoçar, que tal? Vamos juntar negócios com prazer. Estou ansioso para vê-la. Ah, e louco para pôr minhas mãos nesse par de Jacques Cartier!

— Estou ansiosa em vê-lo, também. Agora deve ir embora, se não chegará atrasado para seu jantar. Feliz Natal, David. Vejo você amanhã.

David tinha dito que estava convidado por alguns amigos para o jantar de Natal e ficou desolado ao saber que ela passaria o Natal sozinha.

Que simples seria, ela pensou se gostasse de David, e não de Peter. Arrumou as coisas. Era Natal, estava sozinha, era bom se acostumar com a idéia.

No dia seguinte, logo depois do café, foi para o banco buscar os selos no cofre de segurança.

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Mas eles não estavam ali. Os selos canadenses tinham sumido! Não havia traço deles. Hensley tremia. Procurou pela terceira vez. A coleção simplesmente não estava ali. Sacudiu a cabeça, estarrecida.

Como é que aqueles selos valiosíssimos tinham sido retirados dali? Somente a assinatura dela ou de Allan permitiria a entrada de alguém. Olhou à sua volta dentro do cubículo pequeno onde podia, privadamente, examinar o conteúdo do cofre do irmão. De repente sentiu-se sem ar, abafada. Tinha de sair. Estava sufocada.

Colocando o que havia sobrado no cofre dentro de uma pasta que trouxera especialmente para isso, correu para fora. Literalmente correu, para fugir daquele cubículo que mais parecia uma cela. Tocou a campanhia para o funcionário do banco vir abrir a grade que resguardava os clientes que tinham cofres.

Aproximou-se da escrivaninha de onde tinha retirado a permissão para entrar e pediu para verificar o cartão de entrada. Estudou-o detalhadamente. Além de sua própria assinatura, daquele dia, havia somente duas outras datadas depois do primeiro de maio. O advogado de Allan, juntamente com o funcionário do banco, tinham feito um inventário das posses de Allan. Essa entrada, com a devida autorização, fora no dia trinta de julho. Hensley se lembrava de ter sido avisada sobre isso. A única outra assinatura era do dia três de julho.

Olhando para a escrita do irmão, Hensley tentou se lembrar do que tinha acontecido no começo de julho. Quando mesmo, Allan tinha ido para o hospital? Depois do dia quatro, tinha certeza. Talvez já pelo meio do mês. Sacudiu a cabeça, ao recordar uma coisa: Allan tinha saído de Ironville durante os feriados de quatro de julho, indo para Duluth. Ficou fora uma semana, e, quando voltou, estava bem pior: logo depois teve de ir para o hospital.

— Estou confusa. Há algo de errado aqui - falou Hensley para a atendente. — E preocupada, pois está faltando uma coisa do cofre.

— Talvez eu possa ajudá-la. Há alguma dúvida sobre o cartão de entrada? - perguntou a funcionária gentilmente.

— Sim, vejo aqui a assinatura do meu irmão, datada do dia três de julho. Não compreendo, pois ele me deu a chave antes do fim de junho.

— Há duas chaves para cada cofre, Srta. Travis. Um momento que vou verificar isso. - A atendente se virou para um arquivo e abriu uma gaveta. — Oh, sim, Srta. Travis, aqui está. A outra chave foi usada pelo advogado do Sr. Travis, Steward Parker, no dia trinta de julho, para o inventário. Um de nossos funcionários, Sr. Walters, estava presente. Este é um requerimento legal, claro. - Sorriu polidamente. — Isso responde à sua pergunta?

— Acho que sim. - Ela suspirou. — Pelo menos eu sei que há duas chaves. Muito obrigada.

Hensley saiu do banco com a cabeça fervendo. Lá fora o frio estava cortante. Qual seria a explicação? Cinquenta mil dólares em selos não evaporam no ar de um dia para o outro. Tinham sido retirados do banco por alguém, mas como, quando? Andou em direção aos escritórios de advocacia Parker. Suas mãos doíam com o frio, ela lamentou não ter trazido luvas.

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O escritório estava quase vazio. Ninguém procurava advogado no dia seguinte ao Natal. Depois de uma breve espera foi conduzida à sala do presidente da firma.

— Hensley, minha querida, que bom vê-la! - cumprimentou-a Steward Parker calorosamente. — Não sabia que tinha vindo passar o Natal em Ironville.

— Oh, Sr. Parker, a coleção de selos de meu pai sumiu - ela falou diretamente. — Aquela coleção valiosíssima desapareceu do cofre do banco! Não compreendo. O senhor tem de me ajudar!

Steward Parker não era somente o advogado e conselheiro financeiro da família; tinha sido amigo pessoal e contemporâneo do pai de Hensley. Por isso Hensley podia confiar inteiramente nele.

— Vamos, Hensley, acalme-se. Sente-se aqui. - Deu uns tapinhas na mão dela. — Está se referindo ao cofre de seu irmão?

— Acabo de vir do banco; tudo o que havia na caixa está aqui, nesta pasta - ela indicou a pasta que tinha no colo. — Uma coleção valiosa de selos que Allan guardava lá desapareceu. Como se explica isso, Sr. Parker?

— Vamos ver querida, vamos ver. - Ele tirou dos arquivos uma larga pasta. — Deixe-me ver o que tenho aqui sobre os papéis de Allan. - Procurou entre os papéis e depois estendeu algumas folhas a Hensley. — Esta é a cópia do inventário que fiz depois que Allan faleceu Você a viu no verão passado, lembra?

— Sim, acho que sim. A verdade é que não prestei muita atenção na época, foi um momento difícil. E em questão de negócios... — Ela franziu a testa. — Tenho certeza de que não o li com atenção.

Enquanto ela lia, o Sr. Parker cortou a ponta de um charuto, sem, no entanto acendê-lo.

Hensley finalmente ergueu a cabeça:— Estou vendo que os selos não constam do inventário. Isso significa que

foram retirados de lá antes do falecimento de Allan.Steward Parker fez que sim com um gesto de cabeça.— Sim, não havia selos na caixa de Allan, Hensley.— Está me dizendo que Allan dispôs dos selos? Vendeu-os ou fez outra coisa

antes de morrer?— Não posso dizer ao certo, mas é o mais provável. Nem sabia da existência

desses selos. Seu irmão tinha tomado todas as providências para que tudo ficasse sob os cuidados de Peter Merrick, mas nas aplicações não constavam esses selos,

— Compreendo - ela falou, examinando mais papéis que ele tinha lhe estendido. — Peter... quero dizer, o Sr. Merrick me explicou que o dinheiro que eu recebo mensalmente são os juros das aplicações. Também me disse que teria de vender um de meus investimentos para obter uma grande quantia de dinheiro. - Ela se inclinou para frente. — Esta é a razão pela qual estou tão aflita sobre a coleção canadense. Planejo vender uma parte para levantar uma quantia de que preciso, por razões pessoais. O rosto do velho Parker se iluminou.

— Me parece que esse moço, Merrick, sabe exatamente como lidar com investimentos. Devia ser grata por ele tomar precauções, Hensley. É muito

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importante, para o seu futuro, ter esse dinheiro aplicado seguramente, de modo que você receba um tanto todo o mês. Com esses tempos de inflação, é preciso que os seus investimentos fiquem intactos, para garantir uma renda básica. E mais importante isso do que, de repente, se fazer uma extravagância.

— Eu sei. - Ela encolheu os ombros. — Peter fala como o senhor.Mais tarde, Hensley recordou o que Allan tinha dito naquela tarde de junho

em que lhe entregou a chave do cofre. "Só venda os selos em grande necessidade, e se for muito importante para você." Quase podia escutá-lo. De repente, lembrou mais uma coisa. "Eu os venderia também, se fosse por uma causa importante."

O frio era de rachar. Hensley ergueu a gola do casaco enquanto andava na direção do jornal. Os selos tinham sumido no ar, como bolhas de sabão. O efeito imediato é que ela não poderia ajudar Craig. Teria de telefonar para ele e explicar-lhe o ocorrido. Sentiu o coração apertado. Craig estava contando com isso. Será que ela destruiria sua grande chance?

Sentia-se arrasada. A única coisa que a mantinha um pouco mais feliz, desde que partira de Anaconda, era saber que poderia ajudar Craig. Agora, nem isso. Será que até aquela pequena satisfação lhe seria negada agora?

Seus olhos se encheram de lágrimas geladas. Como Allan podia ter retirado a coleção sem lhe dizer nada? Ele devia ter enfrentado uma emergência. Alguma coisa vital e urgente. Mas, se esse fosse o caso, será que não teria contado a ela? Afinal, o que seria tão grandioso assim a ponto de exigir todos os cinquenta mil dólares?

Apressou o passo. Estava quase correndo do frio, dos próprios pensamentos, da tristeza que a atormentava. Allan tinha entrado no banco no dia três de julho. Para retirar os selos, naturalmente. Por quê?

Não sabia se algum dia teria a resposta para todas as perguntas. Talvez fosse melhor nem conhecê-la.

CAPÍTULO XVII

— Hensley, você está gelada - exclamou David, cora seu vozeirão. — Vamos, sente-se aqui ao lado do aquecedor. Vou buscar um pouco de café. - Ele esfregou as mãos dela entre as suas.

— Oh, David, deu tudo errado! - ela exclamou minutos depois, com uma xícara de café quente nas mãos.

Contou-lhe tudo o que havia acontecido naquela manhã. David escutou-a atentamente.

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— Hensley, nós vamos descobrir direitinho o que aconteceu. Tudo nessa história me cheira muito estranho.

— Meu irmão não era de agir assim. Não compreendo. - Ela sacudia a cabeça.— Alguma coisa urgente o pressionou a isso. Escute não lhe disse ainda, mas

uma semana antes de você me ligar, um cara de Duluth entrou em contato comigo. Ele queria saber se eu estava interessado numa coleção canadense. Era apenas o intermediário, não o dono. Eu bem que achei muita coincidência alguém possuir a mesma coleção canadense por estas bandas. Bem, talvez seja mesmo coincidência, mas quem sabe? Vou ligar para ele agora mesmo.

— Oh, David, eu ficaria feliz. Pelo menos saberia se é mesmo a coleção de meu pai que está sendo vendida.

David não se fez de rogado. Olhou para a caderneta e ligou em seguida.— Sr. McIntyre? David Gillette, de Ironville. O senhor me contatou há

algumas semanas sobre a venda de umas séries de selos canadenses... Não, é no par Jacques Cartier que estou interessado... sim.

David olhou para Hensley marotamente, e fez que sim com um gesto de cabeça. De repente sua expressão mudou.

— Ah, não? Bem... escute, talvez o senhor me pudesse dar o nome do proprietário dos selos? Assim eu poderia tratar com ele diretamente... Está bem?

Hensley viu os olhos de David brilharem.— Que firma de advogados é essa? Sim, sim, mas o dono... - Ele ficou

irritado. — Pois eu acho que é a mesma coleção do jovem Travis sobre a qual eu tinha lhe perguntado da outra vez!

David tirava e colocava os óculos. Depois seu tom de voz se transformou. Ele falou baixo, conspiratoriamente.

— Sabe, o jovem Allan Travis herdou a coleção, e é possível que ele tinha feito negócios com essa firma de advogados, para cuidar da venda dos selos. - Hesitou. — O desagradável dessa história é que Allan Travis faleceu no final de julho. Sim, aqui em Ironville.

Sua voz voltou ao tom normal.— Acontece que eu sou amigo da irmã desse rapaz, a Srta. Hensley... Tenho

certeza de que concordará comigo. Ela tem todo o direito de reaver a parte da coleção que ainda não foi vendida. Fora os Cartier, claro. — Ele riu. - A Srta. Travis sabe que eu estou muito interessado nesse par. Faz dez anos que quero botar as mãos nesses selos, homem. - Ele riu e piscou marotamente para Hensley.

Hensley sacudiu a cabeça. Ele estava exagerando na representação.David sorria, satisfeito.— Sim, para falar a verdade, ela está aqui em Ironville, passando alguns dias.

O senhor poderia? Muito obrigado, estarei esperando. Sim, até logo.David virou-se radiante para Hensley:- Esse cara deve saber mais do que me disse, mas sem dúvida logo

obteremos algumas respostas. - Sorriu.— O mais breve possível, espero, para poder tirar essa ruga do seu rosto

bonito.

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Hensley não desfez a ruga.— David, sabe muito bem que não posso comprar a coleção. Aliás, não posso

comprar nem um selo. Por que mentiu para ele?— Ora, ora, minha pequena, foi apenas uma isca. Joguei verde, sabe como

que é. - Ele riu, divertido. — E ele acabou fisgando! - completou David, com o vozeirão tão estridente que Hensley franziu ainda mais a testa.

David passou a mão pelos cabelos vermelhos, um gesto que costumava fazer quando estava seguro.

— O cara me disse que não sabe mesmo quem é o dono verdadeiro, e acredito que tenha dito a verdade. Parece-me que a firma falou a McIntyre que desejava vender a coleção aos poucos, um par por vez. Depois, o advogado apareceu de repente e disse para McIntyre procurar um comprador único, para a coleção toda.

Hensley passou a mão na testa.— Então foi por isso que você falou que eu queria a coleção inteira.Ela sacudiu a cabeça, para tirar a tensão dos ombros. As últimas horas

tinham sido particularmente difíceis e desgastantes. Por que Allan não tinha confiado nela, afinal? Quaisquer que tivessem sido suas necessidades, ele podia ter contado com a irmã para apoiá-lo!

Com um gesto de frustração, e lutando contra as lágrimas, Hensley se ergueu.

— Desejaria nunca ter ouvido falar nesses malditos selos. Eles não estão me trazendo mais nada, além de dor e desentendimentos - falou solenemente. — Eu me recuso a imaginar maldades sobre meu irmão. A coleção era dele, afinal. Ele tinha todo o direito de usá-la como bem entendesse. - Encarou David. — A verdade é que estou com receio de saber os motivos que o levaram a tomar essa decisão precipitada. - Passou os dedos nos olhos. — Quem sabe daí vou ter motivo suficiente para chorar, não?

David saiu de trás da mesa e foi até ela. Hensley o fitou com olhos úmidos.— A ironia de tudo isso - ela falou um sorriso leve nos lábios — é que eu

queria o dinheiro apenas para realizar um sonho que tive. Queria bancar a protetora pelo menos uma vez na vida. - Encolheu os ombros. — Estava contente por alguém contar com o meu apoio. Não durou muito, não é? Estou de volta, apoiando-me em você de novo, David.

David passou os braços à volta dela.— Hensley, um homem deseja que sua mulher se volte para ele para pedir

ajuda e apoio, sabia disso? - Ele a pegou pelo queixo, forçando-a a encará-lo. — Talvez você não tenha percebido, mas é o tipo de mulher que seria uma verdadeira companheira num relacionamento. Você se apoiaria claro, mas também daria apoio ao homem que ama. - Ele sorriu. — Eu, por exemplo, adoraria me apoiar em você. Em qualquer lugar, a qualquer hora.

Hensley não respondeu. Sentiu os braços de David a estreitando ainda mais.

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— Sabe como me sinto em relação a você, Hensley. Nunca fiz segredo de que a desejava! Diga-me, quer ficar em Ironville comigo, apoiar-se em mim permanentemente?

— David... eu. . . Por favor, quero que compreenda...Ele a soltou imediatamente, jogando a cabeça para trás.— Eu compreendo Hensley - falou sério. — E isso é que é á droga!

CAPÍTULO XVIII

Era fim de tarde quando Wayne Endicott, um advogado de Duluth, telefonou para Hensley. O diálogo foi breve. Ele lhe contou diretamente que tinha sido procurado por Allan no começou de julho e que a coleção de selos estava em suas mãos.

— Quanto mais cedo puder, Srta. Travis gostaria de conversar consigo aqui, em meu escritório. Amanhã à tarde, talvez.

— Pego o vôo de amanhã cedo e chego em Duluth á uma hora, ou quando o senhor desejar. Estou ansiosa para resolver isso, Sr. Endicott.

— À uma e meia, então. Está combinado. Até mais ver.Durante o vôo para Duluth, Hensley experimentou sensações ambivalentes.

Estava satisfeita, por um lado, porque o caso dos selos seria resolvido. De outro, tinha receio de tomar conhecimento daquelas últimas providências de Allan.

Depois de ter falado com o advogado, naquela manhã, seu primeiro impulso foi telefonar para Peter, pedir orientação. Mas não podia fazer isso. Peter tinha feito várias tentativas para entrar em contato com ela, deixando recados no jornal. Deu desculpas a si mesma para não responder. Ainda estava muito perturbada pelas palavras de Margô.

Podia ter pedido a David que a acompanhasse, mas estaria mais uma vez se apoiando em alguém. Do que estava com medo, afinal? Será que uma vez pelo menos não podia fazer algo sozinha?

Depois de breves cumprimentos, Hensley se sentou na cadeira indicada pelo advogado. Cruzou as pernas, arrumando a saia. Ficou surpresa com a aparência de Wayne Endicott. Ele não devia nem ter chegado aos trinta e, pelo telefone, ela o havia julgado bem mais velho e bem menos amigável. No ambiente austero do escritório, ele chegava a ser simpático. Ofereceu cigarro, que ela recusou, e café.

— Açúcar? — perguntou, colocando uma bandeja sobre a escrivaninha.— Duas colheres, por favor. Wayne Endicott estendeu a xícara.— Acho que a senhorita deve estar se perguntando por quê eu não a procurei

quando aconteceu, Srta. Travis - ele disse.

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— A verdade é que minha secretária procurou contatá-la no dia seguinte ao Natal, sem resposta, naturalmente. Mais tarde, naquele mesmo dia, ligamos para a Companhia de Cobre Merrick e fomos informados de que estava em Minnesotta. - O advogado inclinou-se para a frente, sorrindo.

— Por uma feliz coincidência, James McIntyre, o intermediário dos selos, ligou para mim antes que eu começasse a procurá-la em Ironville. - Ele riu.

— Devo lhe dizer que o telefonema facilitou minha tarefa enormemente.Hensley fitou o líquido escuro da xícara. Havia algo que ela ainda não estava

entendendo. O que o advogado tinha falado no começo? Piscou os olhos, irritada consigo mesma. Pôs a xícara sobre a bandeja e encarou seu interlocutor.

— Foi trágico, claro, e deixou-nos todos tristes. Ela trabalhava neste escritório, como a senhorita deve saber. Todos nós ficamos sentidos por Karen.

— Karen? O que o senhor quer dizer? Karen de que? ela exclamou, atônita.— Karen Blake — ele respondeu rapidamente, franzindo a testa. - Estou me

referindo à morte de Karen Blake, Srta. Travis. - Wayne Endicott fitou-a, sacudindo a cabeça lentamente. — Ela morreu na noite de Natal. Eu... pensei que a senhorita tinha conhecimento do fato, claro.

— Não, não sabia. Eu. . . não a conheci, na verdade. Ela era uma amiga de meu irmão. - Sacudiu a cabeça — Sinto muito em ouvir isso.

O advogado continuou a fitá-la, a testa mais franzida que nunca. Sua expressão era severa e desaprovadora.

Hensley passou os dedos gelados pelo pescoço, sentindo-se apreensiva.— Hum, compreendo - falou o homem. — Então a senhorita veio unicamente

pelos selos? - perguntou, sem disfarçar a frieza. — Pois eu lhe asseguro, não há a menor chance de a coleção reverter para a senhorita!

Hensley estremeceu. Wayne Endicott tinha definitivamente se tornado hostil a ela. Por quê? O que ele tinha querido dizer com "reverter"?

— Por favor - ela pediu, passando a mão na testa. — Sinto muito, mas não estou compreendendo. Realmente, não entendo.

— Explicarei rapidamente. Seu irmão deu-me a permissão para vender os selos, um par a cada seis meses, mais ou menos. O plano original tinha um objetivo definido. Ele pretendia ter absoluta certeza de que o dinheiro pudesse cobrir as despesas de hospital para o nascimento da criança, e depois, claro, para os cuidados e educação.

— Criança? - Hensley estava atônita. — Que criança? De quem?— Não sabia, então! Seu irmão é o pai do bebê de Karen Blake!Ela não conseguiu falar. Segurou-se nos braços da cadeira, fitando o vazio.

De repente, a imagem daqueles belos olhos verdes cheios de lágrimas, de uma longínqua tarde de abril, voltou à sua mente. Naquela tarde de sol, teria Karen ido à procura de Allan para lhe dizer que estava grávida, esperando um filho dele?

— Peço desculpas, Srta. Travis. Agi muito mal. Sinto muito. Presumi que a senhorita soubesse de tudo, e que tinha vindo para o enterro.

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Hensley não sabia o que estava lhe acontecendo. Apenas percebeu que a voz de Wayne Endicott se distanciava Não se lembrava de ter se erguido, mas de repente o advogado a estava segurando, impedindo-a de cair ao chão.

Mais uma vez ele se desvelou em desculpas.— Agora percebo que a senhorita não sabia nada das circunstâncias que

envolveram Karen e seu irmão. Tudo ao mesmo tempo foi um choque.Hensley assentiu com um gesto de cabeça, sentando-se na cadeira de novo.— Não sabia de nada. Nada. Uma vez Allan me falou de Karen, mas só a vi

duas vezes. Não cheguei a conhecê-la.— Era uma pessoa muito insegura, e felizmente seu irmão compreendeu isso.

Ela vivia cheia de ansiedades, de temores. Nós, que trabalhávamos aqui, sabíamos disso.

Ao ouvir aquelas palavras, Hensley se recordou da última noite em que conversara com Allan no hospital. Ele não tinha dito a mesma coisa sobre Karen? Que ela tinha medo do câncer. Medo da morte. Não teria ela também medo de viver?

Wayne Endicott continuou:— Seu irmão não tinha razões para temer que Karen cometesse um aborto.Finalmente ela conseguiu encaixar todas as peças. Naquela noite de julho, no

hospital, Karen tinha acabado de falar com Allan pelo telefone. Talvez ela tivesse dito a ele que estava pensando em abortar a criança. Claro, era por isso que ele estava tão perturbado e trêmulo. E, mais tarde, teria ela ligado para dizer que finalmente se decidira a levar a gravidez adiante? Claro, esse devia ser o recado que ela estava tão ansiosa para saber se Allan tinha recebido antes de morrer!

Meu Deus rezou baixinho para si mesma. Que Allan tenha sabido de tudo antes de morrer. Ele desejava fervorosamente deixar algo de seu para trás.. . Que ele tenha sabido!

Ela respirou fundo!— O bebê. . . é um menino ou uma menina?— Um menino. Travis Blake, nascido a vinte e três de dezembro. É um garoto

sadio, Srta. Travis - completou ele, com um sorriso.— Oh, gostaria de vê-lo hoje, agora. É possível? Wayne Endicott olhou o

relógio de pulso.— Claro que sim. Posso levá-la agora para o hospital, ainda é horário de

visita.— Não quero forçá-lo a sair do escritório.— Bobagem! Tenho uns negócios a tratar, mesmo, deixo-a no caminho.

Assim podemos conversar no carro.Wayne Endicott explicou a Hensley os aspectos legais do caso, a caminho do

hospital:— Karen Blake não tinha família. Era filha única, e seus pais faleceram há

muito tempo. Entretanto, se não se sente capacitada para se responsabilizar por um recém-nascido, Srta. Travis, isso é compreensível. A senhorita tem a escolha legal de expô-lo para adoção. É importante considerar a possibilidade.

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Não cuidar do filho de Allan? Impensável.— Não há nada a considerar, Sr. Endicott. Ele é minha família. Essa criança

não tem ninguém no mundo, a não ser eu. Ele e eu somos os únicos Travis de sangue - afirmou, com segurança.

O advogado virou a cabeça, fitando-a com olhos apertados:— O garoto poderia complicar bastante a sua vida, sabia disso? Não é

casada, e toda a responsabilidade de criar uma criança... bem, considere bastante o assunto - ele insistiu, gentil. — O bebê tem apenas cinco dias de idade; ainda vai ficar mais dois ou três dias na maternidade. Nesse período, a Srta. decide se vai levá-lo consigo ou deixá-lo numa instituição para aguardar adoção.

— Compreendo o que o senhor quer me dizer, de verdade - falou Hensley. — Acredite-me, eu sei como é ser sozinho. Quando meu irmão faleceu, no verão passado, fiquei sem família. Travis Blake é filho de Allan. Ele tem uma família. Ele possui a mim.

- Ela sorriu para o advogado. — Ele precisa de mim, Sr. Endicott, e quero pro-videnciar tudo para levá-lo de volta comigo para Anaconda o mais breve possível.

Estacionaram em frente ao hospital.— Vou levar os papéis para a senhorita assinar no hotel, mais tarde, e levarei

os selos canadenses também.— Apertou a mão de Hensley com firmeza enquanto ela descia. — Me parece

que os seus negócios estão florescendo. Veio para cá à procura dos selos, e vai voltar com eles e mais alguma coisa.

Hensley riu.— E meu sobrinho é bem mais importante do que os selos!Ao entrar no hospital, teve a mesma sensação que quando ia visitar Allan em

seus últimos dias. O mesmo odor anti-séptico, o mesmo silêncio repulsivo e impessoal a receberam. Empurrou aquelas lembranças desagradáveis para longe. Entrou no elevador. Agora faria uma visita alegre, de vida que se iniciava. Tinha vindo dar boas-vindas para alguém que estava chegando, e não se despedir de alguém que se ia.

No andar da maternidade a má impressão se desfez completamente. O sorriso no rosto das enfermeiras parecia fazer parte do uniforme. Algumas pessoas transitavam com embrulhos e buquês de flores nos braços.

Hensley viu a enfermeira levantando o bebê do berço pelo vidro. Deu a primeira olhada em Travis Blake. Sorriu consigo mesma ao vê-lo dar socos no ar com as mãozinhas fechadas. Se Allan pudesse estar ali a seu lado, com-partilhando da mesma felicidade. Seus olhos se encheram de lágrimas.

Passava das cinco quando Hensley finalmente voltou para o hotel. Ligou para o aeroporto e marcou sua passagem para dali a dois dias. Fez uma lista das coisas que teria de comprar para o pequeno Travis, Estava um pouco apreensiva com a idéia de viajar de avião com um bebê de uma semana de vida.

Tinha prometido que ligaria a David depois do encontro com o advogado. Precisava informá-lo sobre tudo. Suspirou. Conhecia David muito bem; quando ele soubesse do filho de Allan, insistiria em convencê-la a voltar para Ironville.

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Sacudiu a cabeça. David faria de tudo para ela concordar em viver com ele, para cuidarem do bebê. Ficou relutante em ligar. Era melhor esperar até o advogado trazer os selos. Esperava que David ficasse tão excitado cora o par canadense que não insistisse demais para ela voltar a Ironville.

Estalou a língua. Graças a Deus não havia telefonado para Craig no dia anterior, quando não tinha mais esperanças de reaver os selos. Tudo estava dando certo, agora. David ficaria com seu par de selos adorados e Craig teria o dinheiro que ela prometera. Sentiu-se excitada, mas por um único e breve momento. Nem tudo tinha dado certo.

Jogou os cabelos para trás e saiu de perto do telefone. Mesmo que ligasse para Peter, para lhe contar sobre o filho de Allan, ele não estaria em Montana. Devia estar esquiando com Margô, em Big Sky.

Bateram à porta. Devia ser Wayne Endicott. Alisou a blusa antes de abrir. Era Peter. Ela o fitou atônita.

— Como você me encontrou... o que está fazendo aqui? E por que veio?Hensley segurou-se no trinco da porta. Sentia o sangue sumir de suas faces.— Por que não? — ele disse. — E é essa a maneira de receber um cara que

andou atrás de você pelo estado de Minnesotta inteiro? - Ele a fitou, pegando sua mão. — Onde mais eu deveria estar, a não ser a seu lado, Hensley?

Ela deu um passo atrás e deixou-o entrar. Tinha de manter distância entre eles enquanto procurava controlar a si mesma.

— Eu... pensei que você e Margô tinham ido esquiar juntos em Big Sky.— Imaginei que ela tivesse dito isso a você. - Estreitou os olhos, fitando-a

com severidade. — Não está na hora de você parar de dar crédito a tudo o que ela diz? Esqueça Margô, Hensley. Eu já esqueci.

Hensley ficou ali, parada, sem dizer, nada, sentindo várias emoções ao mesmo tempo. De repente, as palavras de Peter conseguiram que ela apagasse a imagem de Margô da memória, como um giz em quadro-negro.

Peter deu um passo em sua direção.— Bem, agora vou lhe responder por que vim. Depois de várias tentativas por

telefone, resolvi que, já que queria conversar com você, era melhor vir pessoalmente.

— Mas como você soube que eu estava em Duluth? Ela fechou a porta, indicando a única cadeira do quarto para ele. Sentou-se na cama.

— Felizmente, liguei para David do aeroporto quando cheguei em Duluth, hoje à tarde. Ele me contou que você tinha vindo para cá, conversar com um advogado, Wayne Endicott. O resto foi fácil. Sorriu. — Liguei para Endicott e conversei longamente com ele. Daí ele me disse que você estava neste hotel, e eu peguei um táxi e vim.

— Oh, Peter... Ele lhe contou... Já sabe de tudo o que aconteceu? - perguntou, com voz trêmula de emoção.

— Sim, Endicott me contou tudo. Foi triste para Karen Blake. Fiquei sentido, mas não muito surpreso, na verdade. Aquela moça tinha tantos temores. . . Não tinha coragem para viver.

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— Mas você ficou surpreso com o fato de Allan ter um filho, não? — Bem, foi uma surpresa e tanto. - Ele se inclinou para frente, sorrindo. —

Aquele mineiro velho passou na minha frente, de novo, droga!— Como assim?Ele segurou as mãos dela entre as suas, deixando-a sem respiração.— Allan deixou um filho para trás. Um legado de seus trinta e dois anos. E

tudo o que eu tenho é um rancho solitário em Montana, além de um monte de cobre. - Ele saltou da cadeira e foi se sentar na cama, ao lado dela. — Não tenho ninguém para se apoiar em mim.

Ele estava perturbadoramente próximo. Hensley olhou para o próprio colo.— Vai ter de fazer alguma coisa sobre isso, não?— Pretendo - ele respondeu, segurando seu queixo de modo a ela encará-lo.

— Na verdade, pretendo fazer duas coisas.— Que. . . que duas coisas?— Quero levar o filho de Allan para o rancho ao qual ele pertence. Onde ele

pode crescer cercado das montanhas que Allan amava.Hensley prendeu a respiração. Seus olhos estavam luminosos de emoção.— Mas antes que eu faça isso, pretendo dizer à garota que amo quanto eu a

amo, de verdade. - Segurou o rosto dela suavemente entre as mãos. — Depois, vou tomá-la nos braços e mostrar-lhe quanto a desejo, quanto a quero, quanto preciso dela para preencher minha vida, porque ela é a coisa mais importante que já me aconteceu. Talvez, se eu for capaz de mostrar que meu amor será eterno como as montanhas, ela pare de fugir de mim.

Os olhos dele se escureceram de desejo. Erguendo o rosto de Hensley, ele colou os lábios nos dela. O beijo foi intenso, amoroso, apaixonado.

Hensley correspondeu com o mesmo ardor, sentindo-se transportada para um mundo onde só havia felicidade e esperança.

— Quem está fugindo, Peter?

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