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Ana Maria Goldani ** O objetivo deste artigoo é ilustrar as condições macrossociais com que se defrontam as famílias brasileiras nos anos 90 e, assim, entender as dificuldades que estas enfrentam para oferecer proteção social aos seus membros. Primeiro, enfatiza-se as relações entre os processos de reestruturação econômica e do Estado de bem-estar no Brasil e suas conseqüências para as famílias. Segundo, chama-se a atenção para o fato de que pressupostos tradicionais sobre relações de gênero e família permanecem orientando os programas sociais e as políticas públicas, muito embora as profundas mudanças nestas dimensões sugiram a necessidade de se repensar o desenho das políticas sociais voltadas para as famílias. Reestruturação econômica, novos modos de vida e famílias Neste final de século, o trabalho e a família continuam sendo os eixos organizadores da vida de homens e mulheres de todas as idades, raças e nacionalidades. O mito de que o trabalho e a família eram dois mundos separados acabou e o reconhecimento da importância das relações entre estes passou a guiar não só as discussões acadêmicas como também as políticas sociais. Com a crescente participação das mulheres no mercado de trabalho, o questionamento dos papéis e responsabilidades de homens e mulheres no interior das famílias se tornou ainda mais evidente. As trajetórias de vida adulta, tanto para homens como para mulheres, passaram, cada vez mais, a significar ser companheiros, pais e traba- lhadores economicamente ativos. Entre- tanto, as assimetrias de gênero perma- necem e se modificam em ritmos dife- renciados, o que faz com que as mulheres tenham uma condição de cidadania fragilizada. 1 O que representam e o que fazem as famílias só podem ser compreendidos no contexto amplo das interações entre as forças sociais, econômicas e políticas em um dado momento. As profundas mudan- ças nestas dimensões recolocam, neste final de século, a centralidade das relações entre trabalho e família para homens e mulheres, em que ganham destaque as novas formas e relações de trabalho, a multiplicidade de arranjos familiares, a participação das mulheres nos mais diferentes setores de atividade, as novas * Muitas idéias e mesmo muitos dados contidos neste artigo foram apresentados em um trabalho intitulado “Las Familias Brasileñas y sus Desafíos como Factor de Protección al Final del Siglo XX”, publicado como o capitulo 10 do livro Procesos sociales, población y vida doméstica: perspectivas teóricas y empíricas en los estudios de la família, organizado por Cristina Gomes (México: FLACSO, 2001). Agradeço a Elisabete Dória Bilac, editora da REBEP e aos pareceristas, da Revista pelos comentários críticos, que me estimularam a reescrever este trabalho. A responsabilidade pelas modificações, no entanto, são de minha exclu- siva responsabilidade. -- Professora associada ao Programa de Mestrado em Estudos de População da Escola Nacional de Ciências Estatísticas (ENCE) do IBGE, e membro do PAGU, Núcleo de Estudos de Gênero da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Atualmente é professora visitante da Universidade da California, em Los Angeles. 1 Este conceito, usado por Zincone, remete à visão de que a cidadania seria uma expressão pública das relações sociais entre as instituições e os cidadãos e não um conjunto de direitos iguais. Neste sentido, a especificidade da cidadania das mulheres seria uma realidade marcada pelas limitadas oportunidades e um contexto inadequado de regras e normas que estimularia a chamada cidadania fragilizada das mulheres. Ao reconhecer este tipo de cidadania para as mulheres, também se reconhece que as dota- ções sociais não são distribuídas de forma eqüitativa entre os sexos (Zincone, 1992). Família, gênero e políticas: famílias brasileiras nos anos 90 e seus desafios como fator de proteção *

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Ana Maria Goldani**

O objetivo deste artigoo é ilustrar as condições macrossociais com que sedefrontam as famílias brasileiras nos anos 90 e, assim, entender as dificuldadesque estas enfrentam para oferecer proteção social aos seus membros. Primeiro,enfatiza-se as relações entre os processos de reestruturação econômica e doEstado de bem-estar no Brasil e suas conseqüências para as famílias. Segundo,chama-se a atenção para o fato de que pressupostos tradicionais sobre relaçõesde gênero e família permanecem orientando os programas sociais e as políticaspúblicas, muito embora as profundas mudanças nestas dimensões sugiram anecessidade de se repensar o desenho das políticas sociais voltadas para asfamílias.

Reestruturação econômica, novosmodos de vida e famílias

Neste final de século, o trabalho e afamília continuam sendo os eixosorganizadores da vida de homens emulheres de todas as idades, raças enacionalidades. O mito de que o trabalho ea família eram dois mundos separadosacabou e o reconhecimento da importânciadas relações entre estes passou a guiar nãosó as discussões acadêmicas comotambém as políticas sociais. Com acrescente participação das mulheres nomercado de trabalho, o questionamento dospapéis e responsabilidades de homens emulheres no interior das famílias se tornouainda mais evidente. As trajetórias de vidaadulta, tanto para homens como paramulheres, passaram, cada vez mais, a

significar ser companheiros, pais e traba-lhadores economicamente ativos. Entre-tanto, as assimetrias de gênero perma-necem e se modificam em ritmos dife-renciados, o que faz com que as mulherestenham uma condição de cidadaniafragilizada.1

O que representam e o que fazem asfamílias só podem ser compreendidos nocontexto amplo das interações entre asforças sociais, econômicas e políticas emum dado momento. As profundas mudan-ças nestas dimensões recolocam, nestefinal de século, a centralidade das relaçõesentre trabalho e família para homens emulheres, em que ganham destaque asnovas formas e relações de trabalho, amultiplicidade de arranjos familiares, aparticipação das mulheres nos maisdiferentes setores de atividade, as novas

* Muitas idéias e mesmo muitos dados contidos neste artigo foram apresentados em um trabalho intitulado “Las Familias Brasileñasy sus Desafíos como Factor de Protección al Final del Siglo XX”, publicado como o capitulo 10 do livro Procesos sociales,población y vida doméstica: perspectivas teóricas y empíricas en los estudios de la família, organizado por Cristina Gomes(México: FLACSO, 2001). Agradeço a Elisabete Dória Bilac, editora da REBEP e aos pareceristas, da Revista pelos comentárioscríticos, que me estimularam a reescrever este trabalho. A responsabilidade pelas modificações, no entanto, são de minha exclu-siva responsabilidade.-- Professora associada ao Programa de Mestrado em Estudos de População da Escola Nacional de Ciências Estatísticas (ENCE)do IBGE, e membro do PAGU, Núcleo de Estudos de Gênero da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Atualmente éprofessora visitante da Universidade da California, em Los Angeles.1 Este conceito, usado por Zincone, remete à visão de que a cidadania seria uma expressão pública das relações sociais entre asinstituições e os cidadãos e não um conjunto de direitos iguais. Neste sentido, a especificidade da cidadania das mulheres seriauma realidade marcada pelas limitadas oportunidades e um contexto inadequado de regras e normas que estimularia a chamadacidadania fragilizada das mulheres. Ao reconhecer este tipo de cidadania para as mulheres, também se reconhece que as dota-ções sociais não são distribuídas de forma eqüitativa entre os sexos (Zincone, 1992).

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atitudes, legislações e políticas de eqüi-dade de gênero e a redefinição do papeldo Estado.

A situação econômica atual aumentoua vulnerabilidade para muitos e os tradi-cionais programas do chamado Estado deBem-Estar Social já não conseguematender as novas demandas.2 A flexibi-lidade proposta e implantada no mundo dotrabalho não veio acompanhada de umaflexibilidade nos programas de proteçãosocial. Os governos nacionais buscamajustar suas economias aos desafioscriados pelo mercado global, restringindoe cortando empregos, salários e serviçosestatais gratuitos básicos. Os processos dereforma são lentos e difíceis, o que faz comque um número cada vez maior deindivíduos e famílias experienciem empre-gos precários, desemprego, deterioraçãona qualidade de vida e maior pobreza.Neste processo, a comunidade e as famíliaspassam a assumir responsabilidades porserviços que o Estado deixa de oferecer.

De fato, as modificações no conjuntode proteções governamentais, conhecidascomo Welfare State, talvez sejam o que maisafeta a situação atual das famílias. Asgarantias de níveis mínimos de emprego esalário dos trabalhadores, a saúde e aeducação gratuita como direitos universais,estão ameaçados pelos novos modeloseconômicos e políticos.

A ênfase atual na família, como locusprivilegiado para promover programas epolíticas sociais, visando a mudanças decomportamento (em termos de autocuidado,planificação familiar, relações de gênero eprevenção de doenças sexualmente trans-missíveis), e como fonte substituta ou com-plementar de muitas das necessidades nãooferecidas pelo Estado (cuidado com crian-ças e idosos), pode ser entendida pelomenos em dois sentidos: (a) reconhecimento

de que as famílias se mantêm comoimportante instituição formadora de valores,atitudes e padrões de conduta dos indiví-duos e, como tal, com uma imensa flexibi-lidade e capacidade de gerar estratégiasadaptativas; (b) nas mudanças fundamen-tais no envolvimento do Estado em termoseconômicos e de bem-estar da população.

No Brasil, o reflexo do que ocorre naeconomia mundial pode ser observado noaprofundamento das reformas estruturaisque agravam o quadro de declínio doemprego formal, sobretudo nos grandescentros urbanos. O principal resultado desteprocesso tem sido uma crescenteparticipação de empregados sem carteiraassinada e de trabalhadores por contaprópria no total das ocupações. Em 1996,do total das pessoas ocupadas, 47% tinhamcarteira assinada e 25% não tinham; 23%eram trabalhadores por conta própria, 4%eram patrões ou empregadores e 1% eramtrabalhadores não remunerados. A quedado emprego formal atingiu, em particular,homens com mais de 30 anos que eramchefes de domicílio, com baixa escolaridadee com maior tempo de serviço em seussetores de origem (Urani, 1997).

Nos anos 90, as taxas de desempregosó não foram maiores em função, de umlado, da capacidade de absorção da mão-de-obra no setor informal e, de outro, daqueda nas taxas de participação entre osmais jovens. Haveria um retardamento noingresso de jovens no mercado de trabalho,devido, em parte, ao aumento da atra-tividade da escola, mas também pela maiorseletividade do mercado em termos deescolaridade (Urani, 1997).

Entre as mulheres brasileiras, querepresentavam 40% das pessoas ocupadasem 1996, as condições tendem a piorar,posto que as tendências são de que seconcentrem no setor informal da economia,

2 As grandes empresas internacionais competem por parcelas do mercado e pela mão-de-obra qualificada em diferentes partesdo mundo. As novas tecnologias permitiram uma redistribuição das oportunidades de emprego por todo o mundo, o que temgerado um mercado de trabalho cada vez mais fragmentado e diminuído substancialmente a demanda por mão-de-obra menosqualificada na maioria dos países mais industrializados. Emergem, ao mesmo tempo, novas exigências quanto à qualificação notrabalho e a obsolência de algumas funções bem como quanto ao desenvolvimento de outras. Tudo isso ocasiona a exclusão deum grande número de trabalhadores dos setores dinâmicos da economia no contexto do sistema mundial deprodução.

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passem para trabalhos eventuais e detempo parcial. Também suas taxas dedesemprego são bem maiores que para oshomens, e o ramo que mais contribui parao emprego destas é o trabalho doméstico(Urani, 1997).

Portanto, no mundo do trabalho brasi-leiro, cada vez mais multifacetado, as atuaistransformações no mercado são marcadasnão só pela elevação das taxas dedesemprego (7% em 1996), mas tambémpor mudanças na estrutura setorial deemprego, sobretudo do emprego industrial(Barros et al., 1998). As transformações edeslocamentos que caracterizam ummovimento de passagem do empregoindustrial das áreas mais industrializadas –as regiões metropolitanas – para o interiordos estados emergem como fatores funda-mentais no que tange à reestruturaçãoindustrial. Entre 1992 e 1996, o crescimentoda ocupação total da mão-de-obra do país(4,85%) deveu-se às regiões metropo-litanas, que continuam a responder pelamaior proporção da população brasileiraocupada. No entanto, no setor industrial,onde a ocupação cresceu apenas 0,54%no mesmo período, a descentralização foimuito maior. Esta desconcentração3 ocorreude forma acentuada no Estado de SãoPaulo, onde o interior aumentou suaparticipação em 0,9 pontos percentuais nototal do parque industrial paulista (Paes deBarros et al., 1998).

Assim, o Brasil, como a maioria dospaíses ocidentais, tem experimentado umcrescimento das taxas de desemprego epobreza que vem desafiando a sociedadee os governos a ajustarem os programassociais e econômicos de forma a se adapta-rem às mudanças econômicas mundiais. Aatual situação de dificuldades é enfrentadaem cada país de acordo com os recursos

disponíveis, as estruturas governamentais,os arranjos institucionais e a capacidadedos programas sociais de ajuda.

Paralelamente às mudanças na eco-nomia mundial, ruíram os pressupostos nosquais se baseavam os modelos de WelfareState ou “Estado de bem-estar social”. Aexpansão destes Estados no período pós-guerra assumia um forte e constantecrescimento econômico.4 Desta maneira, aseconomias cresceriam de tal forma queabsorveriam as novas demandas da forçade trabalho, aumentariam sua produtividadee ofereceriam aumentos contínuos desalários. Tudo isso com o objetivo de manterum nível relativo de pleno emprego e aprosperidade econômica dos países. Defato, durante duas a três décadas deconstante crescimento econômico, muitosdos países ocidentais conseguiram subsi-diar sistemas universais de saúde e educa-ção e assegurar níveis mínimos de empre-go e aposentadorias. Tudo isso possibilitouaumentos substanciais na esperança devida e nos níveis educacionais da popu-lação, bem como ofereceu seguridadeeconômica para os idosos. Entretanto, o quese observou é que, depois disto, estespaíses (ex.: Estados Unidos, Canadá,Inglaterra, Itália, França, Alemanha,Holanda, Suécia) experimentaram umenorme declínio em suas taxas reais decrescimento do produto interno bruto.5

Esta situação, iniciada com a crise dopetróleo em 1973, acirrou-se nos anos 1980(crescimento) (McFate et al., 1996).

O resultado disso tudo foi uma dimi-nuição do crescimento econômico, com oaumento generalizado das taxas dedesemprego. Taxas estas que dobraram namaioria dos países nos anos 90 e que semostraram particularmente elevadas entreos trabalhadores menos educados e os

3 A descentralização da produção industrial brasileira aponta como pólos industriais emergentes o interior de São Paulo e osestados do Paraná, Minas Gerais e Espírito Santo. Considerando a importância do setor industrial como gerador de empregos eelevados salários, a sua diminuição relativa em geral, e em particular para as regiões metropolitanas, coloca um agravante a maisna discussão da qualidade de vida dos trabalhadores brasileiros.4 A revisão da situação internacional tem como referência principal as análises de McFate et al. (1996).5 No início dos anos 80, as taxas médias anuais de crescimento interno na França, Alemanha e Holanda foram cortadas em maisda metade (passando de ao redor de 5% para 2%). Os casos extremos no período ficaram com o Canadá e os Estados Unidos que,apesar de decrescerem, mantiveram suas taxas de crescimento interno ao redor de 3%, e , no extremo negativo, a Holanda queficou com apenas 1,3% de crescimento (McFate et al.,1996).

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jovens. O avanço tecnológico automatizoumuitos dos trabalhos menos qualificadose/ou as companhias transferiram suaprodução para países com força de trabalhomais barata. Da mesma forma, a passagemda maioria dos empregos da manufaturapara o setor de serviços aumentou ediversificou as formas de empregos (emtempo parcial, temporários e por contaprópria).6 Assim, os trabalhos flexibilizaram-se, aumentaram-se as desigualdadessalariais, bem como o tempo em que otrabalhador permanece desempregado(crescimento) (McFate et al., 1996).

Portanto, enquanto as nações buscamnovas soluções para os problemaseconômicos de produção e distribuição, avida das pessoas vai sofrendo disrupçõesimportantes, quer sejam causadas pordesemprego, violência, conflitos étnicos-políticos, quer por redefinições de trajetóriasprofissionais e/ou individuais e familiares.Os contratos sociais implícitos ou explícitos,refletindo a ordem econômica anterior, estãoem transição. Assim também, as relaçõessociais estruturadas ao redor da idéia deuma certa estabilidade no emprego, asorganizações burocratizadas com hierar-quias rígidas e uma divisão de trabalho porsexo no interior das famílias são redefinidas.

O Brasil, como parte do sistemamundial, atravessa os mesmos processosdescritos, ainda que com suas especi-ficidades locais. Os pressupostos domodelo de Estado de Bem-Estar Social noBrasil diferem dos países industrializados7

e, apesar das diferenças com países da

América Latina, apresentam em comum ofato de que seus programas não se carac-terizam, plenamente, pela universalizaçãoe eqüidade. Na avaliação de Draibe (1997),ao final do ciclo de mudanças dos anos 80e primeira metade dos 90 “a ausência deum reordenamento consistente dos siste-mas de proteção social indica que a agendade reformas, na região (América Latina),processou-se até agora nos limites de umacombinação desequilibrada entre políticaseconômicas dotadas de claros objetivos epolíticas sociais oscilantes, frouxamentedefinidas e com objetivos pouco transpa-rentes” (p:11). Com certeza, não é este omelhor cenário para a aspiração de maioreqüidade, muito menos para corrigir emelhorar os programas e as políticassociais, conclui Draibe.8

O processo de reestruturação do Estadobrasileiro e de suas políticas sociais serádecisivo em termos do impacto das atuaismudanças econômicas para a vida dapopulação. Isto porque, paralelamente aosprocessos de industrialização e urbani-zação, a expansão do papel do Estado, aolongo deste século, foi uma das transfor-mações que mais afetaram a vida dosbrasileiros. Diz-se mesmo que o papel doEstado como agente reorganizador dasrelações sociais, apesar do seu viésclientelista, foi um fator importante não sóna promoção das condições básicas dereprodução social, mas também noprocesso de emancipação feminina (Sorj,1998). Daí a preocupação com a conjunturaatual e os questionamentos que se colocam

6 Os empregos no setor de serviços, na sua maioria, formam parte do chamado setor secundário do mercado de trabalho e secaracterizam por baixos salários, condições de trabalho precárias, poucas chances de ascensão, direitos limitados e pouca ounenhuma proteção sindical. Tudo isto sugere que as mudanças de trabalhos da manufatura para o setor de serviços podemdeteriorar a média salarial para uma maioria de trabalhadores.7 Enquanto nestes países as políticas sociais foram pensadas no contexto de contribuição de trabalhadores com elevadas taxasde emprego e salários, no Brasil, os baixos salários e a grande proporção de trabalhadores em trabalhos não-regulares semprefizeram com que os programas e políticas sociais assumissem um caráter assistencialista.8 Entre os impactos negativos da primeira fase de reestruturação dos já limitados sistemas de proteção social, Draibe enfatiza:i) uma fragilização dos programas universais de saúde e educação, ii) a tendência de “assistencialização” da política social, eiii) a quebra de solidariedade nos regimes previdenciários reformados, quer seja em termos da solidariedade intergeneracional,quer seja através das pensões sociais que vinculavam trabalhadores do mercado formal e informal de trabalho Entre os saldospositivos se destacariam: a) no plano dos valores, a persistência de valores solidaristas, indicada pelas propostas de preservaçãoda concepção universalista e pública da educação e saúde e a preferência de modelos previdenciários com base em compromis-sos solidários; b) no plano institucional, destacam-se as experimentações, alterações e inovações concentradas, sobretudo, nadescentralização da prestação de serviços sociais; no aumento relativo da participação social nas formas colegiadas de acompa-nhamento de programas; na ampliação de parcerias entre o setor público e privado (Draibe, 1997, p. 11-12).

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sobre as possibilidades de se construir umasociedade verdadeiramente igualitária paraas mulheres sem a participação do Estado(Melo, 1998; Moraes, 1997).

No quadro de diminuição dos recursosdo Estado e da desmontagem do sistemade proteções e garantias vinculadas aoemprego, as famílias têm sido apontadascomo um elemento fundamental de prote-ção social para seus membros e, como tal,passa a ser foco e destinatárias de políticassociais. O modo como trataremos deenfatizar neste trabalho a alocação derecursos ou a decisão de programas epolíticas sociais exige uma discussão ediagnóstico mais detalhado da situação dasfamílias, marcadas tanto por desigualdadesinternas (de gênero e idade), como entreelas mesmas (por cor, grupos sociais,estágio do ciclo familiar, regiões e local deresidência).

As famílias nos anos 90 e seus desafioscomo fator de proteção social

Na discussão das demandas de jovense idosos, segmentos populacionais queganham visibilidade na atual etapa dedesenvolvimento do regime demográficobrasileiro – tendo como contexto maior areestruturação do mercado de trabalho eas propostas de um “Estado mínimo, ouessencial”9 –, a família assume ainda maiorimportância como fonte de suporte materiale afetiva para seus membros. No Brasil, talcomo em outros países, o regime de bem-estar social sempre esteve fortementeapoiado na família e, em geral, em ummodelo assumido como universal. Estemodelo ideal de família que orientou e emalguns casos ainda orienta as politicassociais seria o de uma família formada porum casal heterossexual, legalmentecasado, com dois filhos (um de cada sexo)e todos vivendo em casa própria, onde omarido seria o principal provedor e a mulhera dona de casa, ou que trabalha tempoparcial. Neste modelo, o trabalho infantil não

existe ou não deve existir, ainda que sesaiba que este segue sendo essencial,economicamente, para muitas famílias.

Uma crítica ao modelo de bem-estarsocial brasileiro destaca que, ao assumir aorientação de modelos do Welfare State edos direitos sociais cunhados no mundoocidental capitalista, as políticas sociaisbrasileiras aparecem de forma extrema-damente setorizadas, centralistas einstitucionalizadas e tomam o indivíduocomo elemento central e portador dedireitos. Carvalho (1994, p. 101) conclui que“[...] a família tem sido uma ilustre des-conhecida nas diretrizes e programaspropostos pela política social brasileira. Emrealidade, as atenções hoje prestadas àfamília são extremamente conservadoras,inerciais e só justificáveis no contexto dacultura tutelar dominante”.

A centralidade das famílias como fatorde proteção social implica ter presente seucaráter ativo e participante nos processosde mudança em curso e, ao mesmo tempo,suas transformações internas, em particularnas suas dimensões de sexualidade,procriação e convivência. As famíliasbrasileiras experienciam uma maiordiversidade de arranjos sexuais, novastecnologias reprodutivas, um aumento dasmulheres na força de trabalho, mudançasnos papéis de gênero, elevadas taxas dedivórcio e mais nascimentos fora dasuniões. Tudo isto oferece a falsa impressãode que as famílias estão desestruturadas,ameaçadas ou mesmo desaparecendo,quando, de fato, estas demonstram, umavez mais, sua enorme capacidade deadaptação e de mudança (Goldani, 1993).

No debate atual sobre as implicaçõessociais e políticas da reestruturação doEstado brasileiro, pouca atenção se temdado ao fato de que são as famílias e, emparticular, os seus membros adultos quecarregam o maior ônus das demandas deseus dependentes. Com um tamanho cadavez menor, mas com os dependentes“dependendo”, cada vez mais, de poucos

9 A proposta generalizada no chamado modelo neoliberal é de um Estado mínimo. Em proposta recente, o presidente do Brasil,Fernando Henrique Cardoso, fala de um modelo “neo-republicano” e de um Estado desprivatizado “essencial” (Jornal do Brasil,12/5/98, p. 7).

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adultos trabalhando e em condiçõesprecárias, torna-se fundamental identificaro real papel de proteção social que asfamílias sempre representaram, bem comosuas dificuldades no cumprimento destastarefas. No processo de redesenhar ossistemas de bem-estar social, as famíliastêm sido apresentadas como importantes“novos atores”. Entretanto, sabe-se que,independente dos modelos de WelfareStates e em particular naqueles comestruturas insuficientes e distorcidas, asfamílias sempre representaram umainstância decisiva de garantia de qualidadede vida para os seus membros. O fato éque, nas tipologias tradicionais do WelfareState, e ainda hoje, as famílias não recebemo verdadeiro crédito pelo que representampara seus membros como espaço de“conflito cooperativo” ou, para usar o termoda moda, “espaço de solidariedade”. E istotalvez se deva à perversa associação entrefamília e mulher, por longo tempo assumida.

A maior visibilidade das famílias comoelemento central de apoio nos diversosmodelos de Welfare State só ocorre com adiscussão das feministas sobre o potencialemancipatório das políticas sociais para asmulheres nos anos 70. Ao enfatizarem quea contribuição das mulheres para o WelfareState vai além da provisão de serviços decuidado com os dependentes (que de outraforma custariam dinheiro, tanto para o setorprivado como o público), o movimentofeminista chamou a atenção para ospressupostos dos diferentes modelos dewelfare e de políticas sociais. Entre estes, aidentificação de família como mulher, adivisão de papéis femininos e masculinosna base da divisão de trabalho que, aoorientar os entitlements, fazem com que amaioria das mulheres tenha direitos deproteção social não como cidadãs, mas,apenas, por sua condição de esposa e/oumãe (Sainsbury, 1996; Gordon, 1990).

No Brasil, a situação não tem sidodiferente e, apesar das muitas conquistasdo movimento feminista e outros grupos demulheres, em termos de direitos epromoção de bem-estar das mulheres, ospressupostos básicos do nosso precárioestado de bem-estar social permanecem.

Por isso mesmo, no debate atual sobre oredimensionamento do Estado e mudançasna economia, chama-se a atenção para osriscos de que: a)as ações em favor dacontenção de custos de produção ou degastos estatais implicará a transferênciapara o trabalho não remunerado dasmulheres (Sorj, 1998); b)se reprivatize afamília como mecanismo de suporte naredução dos gastos sociais (Butto, 1998);c)aumente ainda mais as dificuldades deavanço na construção de uma cidadaniafeminina e uma sociedade em que homense mulheres sejam mais iguais (Melo, 1998).

A família como fator de proteção socialestá largamente documentada na AméricaLatina em geral. Por exemplo, ao demons-trarem como o apoio das famílias foifundamental para seus membros na crisedos anos 80, os estudos destacam, entreoutras coisas, o aumento dos membros dafamília no mercado de trabalho, especial-mente de mulheres adultas e filhos jovensem atividades do setor informal, e areorganização interna dos padrões deconsumo e dieta alimentar nas famílias,com custos sociais elevados e efeitospotenciais de longo prazo sobre seusmembros (Tuiran, 1989; De Barbieri eOliveira, 1989). Neste processo observou-se, primeiro, que as mudanças econômicasnão afetavam todas as famílias da mesmaforma e, segundo, que os custos destareestruturação foram diferenciados entreseus membros. As evidências sugerem queàs mulheres coube parte substancial doelevado custo social deste processo e queas famílias em etapas de formação eexpansão, com pouca capacidade de mão-de-obra, bem como as famílias com chefesmulheres com filhos pequenos foram asmais afetadas. Ao mesmo tempo, confirmou-se a importância de grupos que ultrapassamos limites do domicílio (redes sociais deparentes, amigos, vizinhos) como partefundamental das estratégias para enfrentaras dificul-dades e escassez de recursosmateriais entre as famílias pobres (Lopes eGotshalk, 1990; Gonzáles de la Rocha,1998; Garcia e Oliveira, 1994).

Portanto, a organização social dosdomicílios e famílias, estreitamente rela-

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cionada com os sistemas e as condiçõesdo mercado de trabalho, é sensível apolíticas macroeconômicas, daí apreocupação com a atual conjuntura deprecariedade dos empregos, altas taxasde desemprego e baixos salários para umamaioria dos trabalhadores. A capacidadede os homens adultos atuarem comoprovedores diminuiu ainda mais nos anos90, da mesma forma que o papel que osjovens desempenhavam como fonte derecurso adicional na família tende adesaparecer através do desemprego emigrações. A força de trabalho feminina, umavez mais, aparece como um dos poucosrecursos disponíveis para a sobrevivênciade muitas unidades domésticas.

Cada vez mais, as mulheres seencontram no papel de provedoras e nãoapenas como fonte de ingresso adicional.É o que mostram as estatísticas recentes(Garcia e Oliveira, 1994; Rubalcava,1996)10. Ou seja, as mulheres neste final doséculo enfrentam o duplo desafio de“cuidar” e “prover” as suas famílias. Tudoisto no contexto de mudança do perfil deinserção da mulher em um mercado detrabalho nada favorável. No Brasil, observa-se uma queda na taxa de atividade dasmulheres mais jovens e uma forte expansãonas idades mais elevadas, estas situadas,em geral, em empregos precários commenor segurança e baixa proteção social(Lavinas, 1997; Bruschini e Lombardi,1997). Isto é particularmente verdadeiropara mulheres brasileiras casadas eocupadas, mas também para aquelas nãocasadas, responsáveis por filhos, pais ouparentes idosos.

Paralelamente ao crescimento dastaxas de atividade feminina, não houvemaiores mudanças na divisão sexual dotrabalho doméstico, nem melhoria naspolíticas sociais de suporte às famílias, as

quais aliviariam a exclusividade femininanas responsabilidades domésticas.Ilustrativos a respeito são os resultados daPesquisa de Padrão de Vida (PPV)realizada pelo IBGE, entre 1996-1997, nasregiões Sudeste e Nordeste, que repre-sentam cerca de 2/3 da população total dopaís. Com dados pioneiros sobre aalocação do tempo das pessoas emdiferentes atividades, esta pesquisa revelaque o trabalho produtivo e os afazeresdomésticos são as atividades que maisconsomem o tempo de homens e mulheres.A média de tempo semanal dedicada aochamado trabalho produtivo foi de 40 horas;para os afazeres domésticos este tempo foide 30 horas, enquanto o tempo gasto emestabelecimentos de ensino somou 21horas. O tempo dedicado ao trabalhocomunitário ou assistencial foi de 6 horaspor mês e apenas 2,8% da populaçãoexerceu este tipo de trabalho (IBGE, 1999,p. 127).

Do total da força de trabalho ocupadano chamado trabalho produtivo, 37% erammulheres. A situação por sexo mostra queos homens gastariam 43 horas por semanano trabalho produtivo e as mulheres 36horas. Já no trabalho doméstico são asmulheres que gastam muito mais horas doque os homens. Elas trabalham 36 horaspor semana, enquanto os homenstrabalham apenas 14 horas11. Verifica-seainda que, do total da população feminina,ao redor de 79% das mulheres e apenas29% dos homens dedicavam tempo aos“afazeres domésticos”.

Interessante observar que o padrão deatividade doméstica se manteve prati-camente estável segundo a cor, regiões esituação de domicílio de homens emulheres. A renda domiciliar per capitatambém não foi um elemento diferenciadorsubstancial do número médio de horas que

10 No México, aponta-se que 17% dos domicílios, independentemente do sexo do chefe do domicílio, contavam exclusiva oupredominantemente com a renda de uma mulher (Rubalcava, 1996). Na mesma linha encontra-se que, em 1994, para o conjuntodos domicílios, as mulheres cônjuges que estavam trabalhando respondiam pela renda total de 28% a 38% domicílios (Arriagada,1997).11 O valor monetário das horas trabalhadas para os homens é 32% maior do que o das mulheres. Este dado é consistente com asdiferenças na renda média e mediana mensal por sexo. Os homens ocupados no Nordeste e Sudeste tinham em média um saláriomensal de 676 reais, contra com a média mensal de 444 reais para as mulheres. Estas diferenças por sexo são maiores na RegiãoSudeste (61,4%) do que no Nordeste (30,5%) (IBGE,1998).

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as mulheres dedicavam aos afazeresdomésticos. É a educação das mulheres ofator que determina as diferenças de tempoque estas gastam nos afazeres domésticos.As mulheres com menos de um ano deestudo são as que mais gastaram seu tempoem afazeres domésticos (38 horassemanais), comparados com 34 horas dasmulheres nos níveis educacionais inter-mediários e 28 horas das mulheres quetinham 12 anos e mais de estudos (IBGE,1999, p. 135).

Sincronizar e compatibilizar a vidalaboral com a vida doméstica são aspropostas maiores que orientam asdiscussões feministas sobre a reestru-turação dos modelos de welfare e as novaspolíticas sociais. Na perspectiva deeqüidade de gênero, um dos modelos maisdiscutidos é o de Fraser (1994), modelouniversal baseado na participação deambos, homens e mulheres, no empregoremunerado e no trabalho de cuidadores.Este modelo, também chamado de“Universal Caregiver Model of GenderEquity”, tem orientado a formulação depolíticas em países da ComunidadeEuropéia, em muito inspirados naexperiência sueca, e ao mesmo tempo temgerado acirrados debates sobre asestratégias12. Estas políticas oferecemuma variedade de benefícios financeiros,serviços e outras ajudas para famílias comcrianças cujos pais trabalham fora. Oprincipal objetivo destas políticas é criarcondições para que os pais entrem epermaneçam na força de trabalho semsobrecarga durante os anos de criação dosfilhos. Estas políticas têm duas premissasbásicas: a) o salário é parte fundamentalda renda familiar e só assim as famíliasconseguem manter um padrão de vidaadequado; b) as mulheres e os homensdevem participar de forma eqüitativa, tanto

na geração da renda familiar como innurturing. As mulheres com filhos e semmaridos estão cobertas da mesma formaque todas as mulheres que trabalham fora(Goldani, 1999).

As políticas sociais voltadas parafamílias variam dentro e entre os países,mas a experiência internacional mostra quehá alguns padrões nas respostas políticasdestinadas a incorporar as mudanças nosarranjos familiares e nas relações degênero. Um exemplo disso são os benefíciosuniversais para crianças ou arranjosfamiliares com filhos menores atualmenteexistentes. Uma revisão das políticas sociaisde/para família nas últimas décadas, paraa alguns países da Europa Ocidental,sugere quatro tipos de estratégias utilizadasno atendimento das diversas demandas defamílias monoparentais ou casais comfilhos. 1) políticas para famílias pobres; 2)políticas de suporte universal para criançaspequenas; 3) políticas-alvo para mães comfilhos, sem marido e com pouca renda; 4)políticas que combinam mercado detrabalho e família (Kamerman, 1996)13.

A incorporação generalizada de umaperspectiva de gênero na formulação depolíticas sociais respondeu tanto a pressõesinternacionais, no contexto de um crescentemultilateralismo nas relações entre ospaíses, como a conquistas dos movimentosde mulheres na luta pelos seus direitos epela igualdade de gênero. Os esforçosfeministas para influenciar o processo deformulação de políticas sociais queconsiderem o gênero têm apontado paraduas grandes linhas estratégicas. Umaprimeira, chamada “integracionista”, podeser vista como uma tentativa de argumentarem favor das mulheres com base no “mérito”e não nas “necessidades” (Jaquette, 1990).Com isto se estaria tratando de redefinir asbases das demandas das mulheres em

12 Por exemplo, a promoção de trabalhos em tempo parcial para as mulheres casadas, apresentada como estratégia para recon-ciliar as responsabilidades destas para com a reprodução (ter filhos) com sua crescente e permanente participação no mercadode trabalho. Na Comunidade Européia, dados recentes assinalam que ao redor de uma em cada três mulheres tem um trabalhode tempo parcial. Para alguns, esta situação seria uma opção voluntária daquelas mulheres cuja identidade está relacionadaprimariamente com seus papéis domésticos (Blossfeld e Hakim, 1997; Mutari e Figart, 2001). Entretanto, outros autores critica-mente observam que o trabalho em tempo parcial seria de fato uma “constrained choice” que refletiria e reforçaria o acessodesigual das mulheres aos recursos e no longo prazo ao poder (O’Connor, Orloff e Shaver, 1999; Mutari e Figart, 2001).13 Para maiores detalhes da experiência internacional sobre políticas para famílias, vide Goldani (1999).

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termos do que seria compatível com as prio-ridades institucionais, com a vantagem deganhos de curto prazo mas com a limitaçãode que estes estariam predeterminadospelo conjunto de parâmetros e regrasinstitucionais. Uma segunda estratégia ouagenda, chamada “transformativa”,politicamente mais ambiciosa, propõemudar as regras e ir além da simples inte-gração da dimensão de gênero em umaagenda de desenvolvimento. O objetivoseria fazer com que as mulheres desem-penhem um papel maior no desenho daagenda de desenvolvimento, a qual deveriase concentrar em aspectos de justiça social.Ou seja, o desafio seria repensar odesenvolvimento a partir de uma ótica degênero. Por suas características, estaestratégia requereria um complexo conjuntode táticas: argumentos teóricos, mobili-zação política, propostas criativas de comofazer as coisas e participar das estruturasdecisórias etc. (Elson, 1992)14.

Ao tratar de pensar políticas sociaisvoltadas para a família na perspectiva deigualdade de gênero para o Brasil, algunsdos aspectos a considerar seriam:

1. No Brasil, a legislação é bastanteevoluída a respeito dos direitos e igualdadede oportunidades entre homens e mulherese as políticas de cota15 por sexo estão emprática. Um exemplo para esta discussão éa cota que assegura que, no mínimo, 20%das mulheres chefes de família devem terpreferência no recebimento de financia-mentos para a casa própria (ConstituiçãoBrasileira, 1988, Art. 7, Inciso XX). Tendoem conta as práticas políticas e as

representações sociais que permanecemsobre os papéis e as atribuições de homense mulheres, esta medida pode ficar apenasno nível da tradicional política assistencia-lista. Entretanto, se estas forem pensadascomo parte de um conjunto de políticas compossibilidade de ampliar o poder decisóriodo “premiado” sobre as próprias políticas,a questão toma outro contorno (Pinto, 2002).Ou seja, e em consonância com uma certaorientação feminista, diríamos que oreconhecimento da injustiça políticoeco-nômica e sociocultural16 é fundamental edeve estar presente na discussão daspolíticas compensatórias. Deve-se,também, estimular a efetiva participação dosatores nas decisões e, assim, ampliar a suacidadania social (Cappellin, 1999; Miguel,2000; Pinto, 2002).

2. Tendo presente as especificidadesdo mercado de trabalho brasileiro e aparticipação diferencial por sexo, os dadosbrasileiros apontam, fortemente, para anecessidade de políticas de conciliaçãoda vida familiar e do trabalho. Ao mesmotempo, deixam claro que o trabalhodoméstico, mais do que nunca, deveria servisto tanto em termos de seu valor socialcomo monetário para os orçamentosfamiliares e para o Produto Interno Brutodo país. Senão, vejamos: da populaçãoocupada nas regiões Sudeste e Nordestedo Brasil em 1996, 43% dedicavam-se aotrabalho chamado produtivo e aos afa-zeres domésticos, gastando uma média de63 horas semanais no desempenho destasatividades (IBGE, 1999, p. 127).Considerando as diferenças entre os

14 Ao analisar estas diferentes estratégias políticas, Kabeer chama a atenção de que estas não deveriam ser vistas como mutu-amente exclusivas e que uma poderia ser usada como a única via possível ou como precursora da outra. Enfatiza, também, queas relações de gênero variam tanto através das diferentes culturas e são tão fluídas que não permitem prescrições universais depolíticas a respeito. Analisando o caso da Índia, ela conclui que só uma variedade de intervenções poderá mudar as históricasformas de discriminação (Kabeer, 2000, p.46)15 Cota refere-se à legislação e/ou programas de governo instituídos para assegurar uma maior eqüidade entre os sexos. Eqüidadeno sentido de um sentimento de justiça avesso a um critério de julgamento ou tratamento rigoroso estritamente legal. Isto dariaespaço aqui para políticas reparadoras, compensatórias e redistributivas (vide Miguel, 2000).16 Aqui estamos referindo-nos à proposta de Fraser sobre dois entendimentos analíticos distintos para a injustiça e que seriamaplicáveis à questão das desigualdades de gênero: 1. o da injustiça socioeconômica, que estaria enraizada na estrutura político-econômica da sociedade; 2. o da injustiça como cultural ou simbólica, que estaria enraizada em padrões sociais de representação,interpretação e comunicação. Ambos os tipos de injustiça têm raízes nos processos e práticas que, sistematicamente, colocamcertos grupos em desvantagem comparativamente a outros. Mesmo reconhecendo que a justiça economica e a cultural estãoestreitamente relacionadas Fraser sugere dois tipos de “remédios”. No primeiro caso os diferentes “remédios” poderiam seragrupados ao redor do termo “redistribuição”; no segundo, estes estariam agrupados em termos de “reconhecimento” (videFraser, 1997:13-14).

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homens e as mulheres, que combinam otrabalho produtivo e o trabalho doméstico,verifica-se que os homens gastam emmédia 46 horas semanais com ambas asatividades, enquanto as mulheres gastam61 horas. Portanto, é de 15 horas a mais adupla jornada de trabalho feminina quandocomparada com a masculina.

Essa dupla jornada varia de acordo coma condição racial e situação econômica dosdomicílios em que se encontram os homense as mulheres. Enquanto as mulheresbrancas trabalham 11 horas a mais que oshomens brancos, em ambas as atividades,as mulheres não brancas (pretas e pardas)trabalham 17 horas a mais que os homensdestas mesmas categorias raciais. Tambémhá diferenças de renda familiar na duplajornada de trabalho por sexo. Entre osdomicílios 20% mais pobres, as mulherestrabalhavam 17 horas a mais que oshomens, diferenças estas que diminuempara 11 horas quando as mulherespertencem aos domicílios 20% mais ricos(IBGE, 1999, p. 136-137). Estes dadosreforçam, também, a necessidade de se terpresente a com-plexidade das relaçõesentre classe social, gênero, raça e trabalhono contexto brasileiro.

Finalmente, cabe lembrar que, emmeio a todo este processo de reestru-turação mundial, as famílias permanecemcomo eixo central de procriação e desocialização das novas gerações e, comotal, assumem importância crucial comoespaço transmissor de oportunidades e deperspectivas de vida para seus membros.Organizados ao redor de um conjunto derelações de produção, reprodução edistribuição de serviços, estes membros seregem por uma estrutura de poder e fortescomponentes ideológicos e afetivos, quefazem com que a família persista e sereproduza em uma espécie de espaço de“conflito cooperativo” (Gonzales de laRocha, 1998; Jelin, 1997; Oliveira, 1996;Garcia e Oliveira, 1994).

Enfim, o que parece ocorrer é que aescassez de opções e a precarização dotrabalho para a maioria dos membros dafamília estão produzindo um processo realde deterioração dos salários e fontes desobrevivência, o que faz com que até mesmoos arranjos domiciliares/familiares, quetradicionalmente tinham mais sucesso emproteger seus ingressos pela presença deum maior contingente de trabalhadores,percam sua vantagem comparativa nasituação atual. Tudo isto tem impactonegativo sobre a maioria das unidadesdomésticas familiares, para as quais odesemprego generalizado significa não sóa perda do salário de seus membros, mas o“enfraquecimento do suporte salarial”, ouseja, as proteções ligadas ao trabalho(Castel, 1997). Além dos efeitos eco-nômicosnegativos para o indivíduo e sua família, istosignifica uma disrupção e deslocamentosocial do indivíduo. Os hábitos de vidadiários e os padrões sociais estabelecidospor longo tempo são desafiados e as famíliastêm de provar sua plasticidade.

Os arranjos familiares no Brasil:proteção e vulnerabilidades

No Brasil, o caráter sistêmico daspolíticas sociais teria permitido, por longotempo, contra-restar os efeitos dadiminuição ou perda do poder aquisitivodas famílias (Draibe, 1996), mas a partirde meados dos anos 90, o desempregogeneralizado já estaria afetando o própriosistema de políticas sociais. Ou seja, já secomeçaria a observar o efeito em cadeiado desemprego, revelando colocando-sea obsolência dos modelos definanciamento das políticas sociais noquadro mais amplo de um precário edistorcido Estado de Bem-Estar Social(Draibe, 1996 e 1997).

Assim, no contexto brasileiro dos anos90 as famílias17 estariam sendo acionadasnão só como importante suporte para seus

17.Quando falamos em famílias e mencionamos dados estatísticos, estamos considerando as famílias definidas pelo IBGE naPesquisa Nacional por Amostra Domiciliar, a PNAD. Ou seja, um conjunto de pessoas ligadas por laços de parentesco, dependên-cia doméstica ou normas de convivência, residindo na mesma unidade domiciliar e, também, a pessoa que mora só em umaunidade domiciliar. Os domicílios particulares permanentes servem de base para identificar as famílias.

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membros, mas, também, como fonte deorganização central na nova forma dedivisão da riqueza social. Um exemplomuito claro disso seriam os atuaisprogramas de garantia de renda mínima,inspirados no lema “você não trabalhará,mas terá o que comer”, que, em suamaioria, giram ao redor das famílias(Draibe, 1996). Ao focalizar nas famílias enão nas pessoas, estes programasjustificam que a pobreza se define noâmbito da família, onde esta seria “o gruposocial que funciona de forma solidária paraa renda e para o consumo” (Lavinas et al.,1998, p. 10). Enfim, a orientação maisampla é de que, para o Estado, as famíliasse constituiriam em uma instânciamediadora das iniciativas destinadas àpromoção da eqüidade com direitoshumanos básicos e à integração dosindivíduos em redes sociais e comunitárias(CEPAL, 1994).

As famílias brasileiras são funda-mentais no processo de distribuição dosrecursos na sociedade e do bem-estarentre seus membros, reafirmam Barros eMendonça. Ao demonstrarem o papel deproteção social das famílias no Brasil, estesautores partem do fato de que metade dapopulação brasileira de 10 anos e maisnão possui qualquer forma de rendimentoe, portanto, tem seu bem-estar com-pletamente determinado por transfe-rências advindas da outra metade. Estastransferências ocorreriam, em sua quasetotalidade, no interior das famílias.Portanto, o bem-estar de cada membrosem renda é totalmente determinado pelosrecursos da família à que pertence. Aomesmo tempo, enfatizam que a pobrezaestaria intimamente ligada ao mercado detrabalho via qualidade e remuneração dosempregos (Barros e Mendonça, 1995).

No Brasil, cerca de 1/3 das famíliaseram indigentes e pobres em 1993. Há umaestreita relação entre os tipos de família, as

etapas do ciclo familiar, o sexo do chefe dafamília e a qualidade de vida de seusmembros. Ao analisar-se a vulnerabilidadeeconômica nos diferentes arranjosfamiliares brasileiros, observa-se que asmaiores probabilidades de ser pobre estãoentre aqueles que vivem em famíliasextensas e compostas (48%), seguidosdaqueles que integram famílias nucleares(40%) e em outros arranjos (30%). Enquantoisto, são as pessoas que vivem sós as queapresentam melhores condições, pois decada 100 apenas 12 estariam entre osindigentes e pobres. Estes resultados, quepoderiam ter um efeito de seletividade quenão pudemos controlar, parecem sugerirque, no quadro atual de falta de emprego edeterioração salarial, até mesmo asunidades domésticas extensas e conso-lidadas, que tradicionalmente tinham maissucesso em proteger seus ingressos, devidoao grande pool de mão-de-obra, estariamperdendo sua vantagem comparativa. Istoindepende do sexo do chefe, ainda que apobreza seja mais elevada entre as famíliasextensas e compostas chefiadas pormulheres (Tabela IV).

A maior vulnerabilidade das famíliasbrasileiras depende, também, da etapa dociclo familiar em que estas se encontram.Ou seja, as maiores dificuldades estariamentre as famílias em fase de expansão econsolidação, onde se concentram osmaiores índices de dependência econômica(de pessoas e filhos dependentes). Nestesentido, é importante destacar que o atualregime demográfico, ao provocar alteraçõesna estrutura etária, afeta as proporções defamílias por ciclo familiar, posto que os ciclosse definem, em geral, a partir das idades depais e filhos. Ou seja, no Brasil dos anos 90há uma tendência de maior distribuição dasfamílias em todas as fases de seu ciclo dedesenvolvimento18. Entretanto, 42% dasfamílias ainda se encontram em fase de“formação ou expansão”, 20% em fase de

18 Tendo presente as vantagens e limitações da noção de ciclo vital familiar, aproveitamos o material disponível em Arriagada (1997) epropomos a seguinte classificação das famílias brasileiras por ciclo vital: I) Fase de “formação ou expansão”, formada por aqueles casaissem filhos cujo chefe (a) do domicílio ou o cônjuge tinham menos de 36 anos e casais com filhos menores de 13 anos; II) Fase de“consolidação”: famílias cujo filho maior do chefe tinha entre 13 e 18 anos; III) Fase de “contração”: famílias cujo filho do chefe tinha 19anos ou mais e IV) Fase do “Ninho Vazio”, em que havia um casal sem filhos e o (a) cônjuge tivesse mais de 35 anos e não tinha filhos vivendocom eles. Os dados estatísticos foram agregados a partir de tabelas publicadas em Arriagada (op. cit., 1997).

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“consolidação”, 30% em fase de“contração” e apenas 8% estavam nochamado “ninho vazio” em 1993 (TabelaV). Outro dado importante a ressaltar sãoas enormes diferenças de estrutura entreas famílias chefiadas por homens emulheres, o que estaria colaborando parase entender as piores condições de vidadas famílias com chefes mulheres.

Portanto, a vulnerabilidade das famíliasbrasileiras segundo o ciclo em que seencontram mostra que a proporção defamílias indigentes é maior na fase deconsolidação (47%), seguida daquelas emfase de formação e expansão (40%), e nasfamílias na fase do “ninho vazio” (30%). Emmelhores condições estão aquelas famíliasem fase de contração, com apenas 12% emcondição de indigentes (Tabela V). Isto fazcom que as maiores probabilidades de serpobre no Brasil estejam nas famílias comchefes mulheres, do tipo extensas ecompostas e naquelas em fase deconsolidação.

São resultados como os apontadospara o Brasil e que se repetem para outrasáreas urbanas da América Latina queapóiam a idéia de que as unidadesdomésticas urbanas pobres, na região,apresentam uma “crise reprodutiva”(Gonzalez de La Rocha, 1997). Crise queresultaria do um processo de erosão social(inter e intraunidades domésticas) dossistemas de suporte e auto-ajuda. Ou seja,a crise não seria resultado de umaincapacidade inerente do pobre desobreviver ou escapar da pobreza, masprincipalmente um resultado da persistentepobreza causada pela crescente deterio-ração dos mercados de trabalho. Umaespécie de “processo perverso de

desvantagens cumulativas”, onde asunidades domésticas urbanas teriampassado, antes de 1980, de um modelochamado “recursos da pobreza” (marcadopela diversidade de fontes de ingresso ediversidade de ocupações) para o modeloatual, chamado “pobreza de recursos”(marcado pela exclusão do trabalho,precariedade, persistência e intensificaçãoda pobreza) (idem, ibid, p. 6-7). Enfim, tudoaponta para um quadro de crescentesdificuldades para as famílias continuaremcumprindo seu tradicional papel deproteção aos seus membros.

Ao concluir, destacamos o perfilestatístico dos arranjos domiciliares e/oufamílias brasileiras em 1996, onde seobserva que os brasileiros continuammorando, preferencialmente, em unidadesdomésticas organizadas ao redor do casale grupo de parentesco, muito embora astaxas de crescimento de arranjosalternativos tenham aumentado nas últimasdécadas. Os dados da PNAD (1996)mostram que os 42.717.815 milhões defamílias brasileiras concentram-se,majoritariamente, nas áreas urbanas (82%)e apresentam um tamanho médio de 3,6pessoas. Famílias estas cujo chefe (oupessoa de referência na família) aparececomo predominantemente do sexomasculino (76%) resultado decorrente danão inclusão da pergunta sobre chefiacompartilhada19 (Tabela VI).

A maioria das famílias brasileiras (71%)está organizada ao redor do casal, com ousem filhos e com poucos ou nenhum outroparente residindo junto, enquanto 16% eramfamílias monoparentais (mães com filhos,sem marido, residindo com ou sem outrosparentes) e o restante (13%) eram outros

19 Os dados do IBGE utilizados são da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD, 1996), que perguntou para o entrevistadorqual a “pessoa de referência” na família ao invés de quem é “o chefe”, tal como nos censos de população e PNADs anteriores.O esforço do IBGE para abrir esta categoria crítica, no entanto, ainda não consegue captar a realidade que vem sendo indicadapor pesquisas de campo especiais, onde cada vez mais se encontra que a chefia do domicílio e/ou famílias aparece compartilha-da. Por exemplo, nos estados do Ceará e Rio Grande do Norte, uma pesquisa entre os trabalhadores da indústria, aplicada peloSESI ( Serviço Social da Industria; órgão da Confederação Nacional da Indústria) apoiado pelo FNUAP (Fundo das Nações Unidasde Apoio à População), tanto nos Centros de Atividades do Trabalhador (CATs) como nas empresas, apontou que, em 1997, cercade ¼ das famílias tinham chefia compartilhada. Assim, para o Ceará, nos CATs se encontrou que as famílias de trabalhadoresindustriais eram, em 54% dos casos, chefiadas por homens, 19% por mulheres e 27% por ambos. Quando entrevistados nasempresas os trabalhadores industriais do Ceará confirmam estas cifras, ainda que com pequenas variações, apontando que achefia em suas famílias era 59% masculina, 24% feminina e 17% compartilhada. Estas cifras praticamente se repetem para o RioGrande do Norte (Goldani, 1998).

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arranjos familiares. O conjunto das famíliastem um rendimento médio mensal familiarper capita de 1,6 salários mínimos, rendaesta que ainda depende quase quetotalmente do chefe (74%), muito emboratenha aumentado a participação dasmulheres e filhos. A média das pessoas quetrabalham por família em 1996 era de 1,6pessoas.

O perfil de idade dos chefes das famíliasbrasileiras, visto como um indicador de ciclovital familiar, confirma que as famíliasbrasileiras continuam concentradas naschamadas fases de expansão e conso-lidação, tal como foi apontado de forma maisdetalhada para 1993 (Tabela V). Aescolaridade média para o total dos chefesficou em torno de 6 anos, sendo maiselevada para os chefes de famílias urbanasdo que entre os chefes rurais. Também aproporção de chefes mulheres nas famíliasurbanas é bem mais elevada (26%) do queentre as famílias rurais (15%).

As estruturas das famílias urbanas erurais se diferenciam em termos da suaorganização interna e condições de vida.Há um peso proporcional maior das famíliasmonoparentais urbanas (17%) quandocomparadas com as famílias monoparentaisrurais (10%). Ou seja, predominam oscasais e, sobretudo, os casais com filhosnas áreas rurais (57% contra 50% dasfamílias urbanas). Com um tamanho médiomaior e uma renda familiar menor, asfamílias rurais são mais pobres e dependemainda mais da renda do chefe (79% contra73% das urbanas). Assim, as famíliasbrasileiras ainda dependem da renda dochefe para viver, muito embora a maioriados seus membros em idade de trabalharcontribua e a participação das mulherescasadas na renda familiar tenha aumentadode forma significativa.

Um dos resultados concretos das novasformas de arranjos familiares pode ser vistopela proporção de crianças menores de 15anos que já não vivem com ambos os pais

biológicos. No total do país, em 1996, decada 100 destes menores, 28 não viviamcom ambos os pais biológicos. De fato, amaioria destes vivia só com a mãe (17),enquanto com o pai viviam 2 e com outraspessoas os 9 restantes (BEMFAM/MACRO,1997). É interessante observar que mais dametade dos que vivem com outras pessoastêm ambos os pais vivos e a maioria destespossui pelo menos a mãe viva. Da mesmaforma que se observa que, do total dosmenores que vivem com a mãe, a grandemaioria foi obrigada a fazê-lo à separaçãoou divórcio dos pais. Enfim, caberia dizerque do total das crianças brasileiras quenão vivem com ambos os pais biológicos,estima-se que cerca de 10% vivem emfamílias reconstituídas, devido ao reca-samento de um ou ambos os pais20.

Há variações regionais importantes nascifras de menores de 15 anos que nãoviviam com ambos os pais biológicos em1996. Por exemplo, estes representam 30%nas áreas urbanas e 22% nas áreas rurais.Estes valores também variam entre osextremos superiores de 34% e 32% nasregiões Norte e Nordeste e valores inferioresde 21% e 23% nas regiões Sul e em SãoPaulo, respectivamente.

Portanto, mudaram os arranjosfamiliares e padrões de convivência e, paraisso, aponta-se como fundamental oaumento nas taxas de participação damulher na força de trabalho, o aumento nasseparações e divórcios e as novas relaçõesde gênero. Estas relações de causa e efeito,no entanto, seriam bastante maiscomplexas e, dependendo do contexto egrupos sociais envolvidos, assumiriamdiferentes significados. De fato, haveria dese considerar que o entendimento dasmudanças nos arranjos domésticos-familiares, no quadro amplo das diver-sidades culturais, econômico-sociais eregionais, passa tanto por efeitos racio-nalizantes e de maiores opções individuaisde certos grupos, como pelas restrições e

20 Tomamos as taxas de recasamentos das mulheres em 1984, únicas disponíveis, e aplicamos na população de mães vivendo sóscom filhos em 1996. Com isto, estimamos que ao redor de 10% das crianças brasileiras menores de 15 anos viviam em uma famíliareconstituída em 1996. Esta seria, uma cifra aproximada, uma vez que não se incluiu o recasamento daqueles pais sós com filhos,ainda que a maioria dos menores permaneça vivendo com a mãe após o divórcio (Goldani, 1998).

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custos sociais para outros. Resultado estedos processos que estariam determinandoa oferta ou a falta de opções e até mesmocomportamentos subordinados para umagrande maioria. Enfim, o grau de complexi-dade em se falando de famílias demandaum enorme cuidado nas discussões queproliferam na América Latina a respeitodestas como destinatárias de políticas(Arriagada, 1998; Jelin, 1997).

À guisa de conclusão

A multiplicidade e complexidade doselementos apontados nesta discussão dasfamílias brasileiras como fator de proteçãoaos seus membros deixam-nos uma largaagenda de pesquisa. Tratando de siste-matizar alguns dos argumentos apresen-tados, enfatizaríamos o seguinte:

1. No contexto mais amplo das novasformas de organização econômica, sociale política do chamado processo deglobalização, as famílias se defrontamcom um quadro complexo que faz com que,para a maioria de seus membros, astrajetórias esperadas – de educação, tra-balho, promoção e segurança individual efamiliar – simplesmente não existam. Tudoisto conforma uma situação de vulne-rabilidade e riscos que estaria a exigirrespostas e políticas novas, que consi-derem a complexidade dos diferentesmovimentos sociais e seus atores, bemcomo reconheçam suas diferenças erespeitem suas identidades. A família éapontada como uma das instânciasresponsáveis pela qualidade de vida dosseus membros e muito se fala em políticassociais destinadas a dar suporte às famíliasou mesmo políticas específicas de famílias.Entretanto, pouco ou nada se diz sobre asimplicações disto e menos ainda sobre seusefeitos perversos para as mulheres. Istoporque, tal como se estruturam nossassociedades ainda hoje, o cumprimento dasresponsabilidades familiares encontra-serelacionado, sobretudo, com a disponi-bilidade de tempo das mulheres.

2. Não basta analisar as relações entreo mercado, o Estado e a família, masdevemos, também, explicitar os sistemas

de gêneros que estão influenciando e atémesmo determinando as relações entreestas instituições. Ou seja, não é suficienteolhar a situação das mulheres ou consi-derar as estruturas familiares ao desenharpolíticas. É necessário, entender a maneirapela qual os pressupostos sobre asrelações de gênero moldam a infra-estrutura das políticas sociais. Ou seja, areconfiguração do Estado de bem-estarenfrenta o desafio de conformar uma novaordem social, onde se reconheça que astransformações nas relações assimétricasentre os sexos reformularam a centralidadeda família e reordenaram as complemen-taridades entre as atividades públicas eprivadas (Câmara e Capellin, 1998, p. 352).Neste sentido, cabe lembrar que na tradiçãodas políticas sociais a noção de cidadaniatem sido estendida para as mulheres deduas formas: i)ao enfocar as relações degênero que conectam os direitos cidadãoscivis, políticos e sociais, e ii)através daincorporação da família como umacategoria relevante para entender o desen-volvimento dos Estados de bem-estar. Aoenfatizar a família, a mensagem é de que acidadania não se define apenas pelosdireitos e obrigações nas esferas privadada atividade econômica e pública dademocracia política, mas também na esferaprivada da família e nas atividades decuidados dos dependentes.

3. As transformações ocorridas nasfamílias e nos papéis de gênero aparecemestreitamente relacionadas com oscasamentos e novos arranjos sexuais,divórcios, criação de filhos e o aumento daparticipação das mulheres no mercado detrabalho formal. Ambas as mudanças são,ao mesmo tempo, causas e efeitos, einteratuam com a economia e a política, comimpacto sobre o bem-estar das famílias ede seus membros. O entendimento dosnovos arranjos domiciliares/familiares e dasrelações sexuais de gênero é elementodecisivo para pensar as políticas sociais.Na formulação de políticas e programassociais voltados para a família, a prioridadesempre foi para as demandas das famíliascom filhos, quer sejam casais ou mulheressem marido e com filhos. Os fatores

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considerados problemáticos e com os quaisas políticas se preocupam são: i)garantirsuporte às famílias de mulheres sós e comfilhos, e ii)assegurar aos pais que trabalhamfora o tempo adequado para cuidarem ecriarem seus filhos. As famílias formadaspor mulheres sós e com filhos formam umgrupo heterogêneo, pois incluem mulherescom filhos, que tanto podem ser solteirascomo divorciadas ou mesmo viúvas. Isto,por si só, dá margem a uma variedade detipos de políticas dentro de um mesmo país.

4. Nos processos de reestruturação dossistemas de bem-estar e formulação depolíticas sociais a questão da desigualdadede gênero tem sido amplamente discutidae se pode identificar, pelo menos, duaspropostas de estratégia de ação. Umaprimeira seria alargar o escopo das políticasexistentes e incorporar a dimensão degênero, utilizando-se dos mecanismosexistentes para oferecer serviços; umasegunda estratégia defende a necessidadede se repensar a noção de desenvol-vimento e bem-estar, uma participação maisefetiva das mulheres nas instanciasdecisórias, e a necessidade de redefinir ebuscar fontes alternativas de provisão dosserviços. A busca de uma cidadania maiscompleta para as mulheres aparece comoobjetivo central em ambas as estratégias.Em termos dos instrumentos a seremutilizados, destaco o debate em torno daspolíticas compensatórias. Estas deveriamultrapassar o caráter assistencialista e

propiciar o alargamento do poder decisóriodos “beneficiados”, ampliar a cidadaniasocial e deveriam estar asso-ciadas àredistribuição, compensação ou afirmação,ou seja, associadas à idéia de direitos e de“eqüidade” e não ao sentido de política“corretiva” (Pinto, 2002; Cappellin, 1999;Miguel, 2000).

Finalmente, ao pensar as especi-ficidades brasileiras em termos de políticassociais, devemos lembrar uma questãomais ampla, que nos sugere a leitura dePinto (2002). Em que medida fazem sentidolutas por reconhecimento de gruposexcluídos quando a questão da distribuiçãoé tão central, chegando a ser uma questãode sobrevivência para 30 milhões debrasileiros? De fato, diante de um quadrogeneralizado de carências econômicasbásicas e profundas desigualdades sociais,falar de injustiça e discriminação por sexopareceria algo fora de lugar em nossocontexto. Entretanto, tal como Pinto, omovimento feminista e o movimento negro,enfatizamos que a pobreza brasileira temcausas econômicas, mas a sua reproduçãotem natureza diversa. Certamente, sermulher, negro, velho, jovem ou criança,morar no campo ou na cidade, no Norte ouno Sul, ou mesmo pertencer a um certo tipode família são fatores centrais nacomposição da pobreza. Tudo isto justificaa demanda por políticas de equalização dedireitos, capazes de redefinir prioridades ecorrigir distorsões históricas.

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Anexo

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TABELA IIBrasil e Argentina – Distribuição das famílias de áreas urbanas

segundo etapa do ciclo vital e condição de vida

Etapas de Ciclo Vital familiar foram definidas como: fase de “Formação e expansão” (casal jovem sem filhos com cônjuge menorde 36 anos e casais com filhos entre 0-12 anos); fase de “Consolidação” (casais que vivem com filhos entre 13-18 anos); fase de“Contração” (casais cujo filho mais velho residente tem 19 anos ou mais); fase do “Ninho Vazio” (casais que já não contam comfilhos residentes e o cônjuge tem mais de 35 anos). A informação tem por base as tabulações especiais da PNAD (1993) retiradasde Arriagada (op. cit., 1997).

TABELA IIIBrasil, 1996 – Distribuição das famílias e dos chefes

segundo algumas características para o total do Brasil

Fonte dos dados brutos: IBGE, Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílios (PNAD, 1996).Notas: (1) As famílias foram definidas segundo a PNAD: Conjunto de pessoas ligadas por laços de parentesco, dependênciadoméstica ou normas de convivência que residissem na mesma unidade domiciliar e, também, a pessoa que morasse só em umaunidade domiciliar. (2) Rendimento médio familiar per capita inclui a soma de todos os rendimentos das pessoas na família divididapelo número destas. Os valores em reais foram convertidos em números de salários mínimos de 1996, equivalentes a 113 reais.

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Abstract

In this paper I seek to describe the macro-social conditions facing Brazilian families in the1990’s, in order to explain the difficulties they encounter in providing social protection for theirmembers. First I show the relationship between economic restructuring and Brazil’s welfarestate, and the consequences for families. Secondly, I note how traditional assumptions aboutgender relations in the family continue to guide social programs and public policies, althoughbroad changes in family arrangements suggest the need to rethink the design of social policiesinvolving families.

Enviado para publicação em 20/09/2002.

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