Falhas na comunicação: quando a mídia não vê as pessoas com deficiência visual

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Centro Universitário Una Instituto de Comunicação e Artes Trabalho Interdisciplinar Dirigido IV Junho 2011 Clarisse Gontijo Cristiane Gontijo Helberth Luiz José Lana Tainá Porfírio Falhas na comunicação: quando a mídia não vê as pessoas com deficiência visual RESUMO: O objetivo desse artigo é discorrer sobre a relação entre os meios de comunicação e as pessoas com deficiência visual, como as falhas desses meios impedem a inclusão à sociedade e o pleno acesso à informação. Quais são essas falhas, por que elas acontecem e quais seriam as soluções encontradas. Para responder a essas questões, o grupo escolheu como objeto de estudo a Associação dos Amigos do Instituto São Rafael, em Belo Horizonte, cuja função é auxiliar o desenvolvimento e inclusão dessas pessoas. Palavras-chave: pessoa com deficiência visual; integração; inclusão; comunicação; falhas. Os seres humanos interagem entre si por meio de semelhanças ou diferenças que possuem uns com os outros. Em meio às identificações, existem as divergências no modo de pensar, agir e ser do homem, que acabam às vezes por trazer desconfortos para ambos os lados da interação. A questão da posição social vivida pelas pessoas com deficiência seja ela de qualquer tipo (físico - motora, auditiva, visual ou mental) é um grande exemplo dessas divergências existentes na maneira do ser humano se relacionar com o próximo e que tem gerado polêmicas durante décadas, se arrastando até os dias de hoje. Silva (2006) diz que Como nossa sociedade cultua o corpo útil e aparentemente saudável, aqueles que portam uma deficiência lembram a fragilidade que se quer negar. Não os aceitamos porque não queremos que eles sejam como nós, pois assim nos igualaríamos. É como se eles nos remetessem a uma situação de inferioridade. Tê-los em nosso convívio funcionaria como um espelho que nos lembra que também poderíamos ser como eles. (SILVA, 2006, p. 427) As pessoas com deficiência possuem alguma dificuldade em se comunicarem com os demais por causa da condição na qual se encontram, entretanto, o fato delas terem nascido ou adquirido determinada deficiência, não justifica as atitudes como a

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Trabalho acadêmico desenvolvido durante o 4º período de Publicidade e Propaganda. Participação: pesquisa e edição do artigo científico. O artigo discorre sobre a relação entre os meios de comunicação e as pessoas com deficiência visual, como as falhas desses meios impedem a inclusão à sociedade e o pleno acesso à informação.

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Centro Universitário Una – Instituto de Comunicação e Artes Trabalho Interdisciplinar Dirigido IV

Junho 2011

Clarisse Gontijo Cristiane Gontijo

Helberth Luiz José Lana

Tainá Porfírio

Falhas na comunicação: quando a mídia não vê as pessoas com

deficiência visual

RESUMO: O objetivo desse artigo é discorrer sobre a relação entre os meios de comunicação e as pessoas com deficiência visual, como as falhas desses meios impedem a inclusão à sociedade e o pleno acesso à informação. Quais são essas falhas, por que elas acontecem e quais seriam as soluções encontradas. Para responder a essas questões, o grupo escolheu como objeto de estudo a Associação dos Amigos do Instituto São Rafael, em Belo Horizonte, cuja função é auxiliar o desenvolvimento e inclusão dessas pessoas.

Palavras-chave: pessoa com deficiência visual; integração; inclusão; comunicação; falhas.

Os seres humanos interagem entre si por meio de semelhanças ou diferenças

que possuem uns com os outros. Em meio às identificações, existem as divergências

no modo de pensar, agir e ser do homem, que acabam às vezes por trazer

desconfortos para ambos os lados da interação. A questão da posição social vivida

pelas pessoas com deficiência seja ela de qualquer tipo (físico - motora, auditiva, visual

ou mental) é um grande exemplo dessas divergências existentes na maneira do ser

humano se relacionar com o próximo e que tem gerado polêmicas durante décadas, se

arrastando até os dias de hoje. Silva (2006) diz que

Como nossa sociedade cultua o corpo útil e aparentemente saudável, aqueles que portam uma deficiência lembram a fragilidade que se quer negar. Não os aceitamos porque não queremos que eles sejam como nós, pois assim nos igualaríamos. É como se eles nos remetessem a uma situação de inferioridade. Tê-los em nosso convívio funcionaria como um espelho que nos lembra que também poderíamos ser como eles. (SILVA, 2006, p. 427)

As pessoas com deficiência possuem alguma dificuldade em se comunicarem

com os demais por causa da condição na qual se encontram, entretanto, o fato delas

terem nascido ou adquirido determinada deficiência, não justifica as atitudes como a

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negação e o preconceito da sociedade no geral.

O preconceito começa pelo termo deficiente, que é frequentemente utilizado, e é

incorreto. O dicionário moderno da Língua Portuguesa Michaelis define deficiente1

como: que tem deficiência, falho, imperfeito, incompleto. Portanto, baseando-se nessa

definição, todos os seres humanos são deficientes, pois, ninguém é perfeito. Assim

como o termo frequentemente usado, portador de necessidades especiais, que é

incoerente, pois qualquer um pode ter uma necessidade, especial ou não. Cada um

possui um limite, um ponto fraco, e uma das limitações dos cegos é não enxergar.

Segundo Martins (2007):

Muitos consideram que a palavra “deficiente” tem um significado muito forte, carregado de valores morais, contrapondo-se a “eficiente”. Leria a supor que a pessoa deficiente não é capaz; e, sendo assim, então é preguiçosa, incompetente e sem eficiência. A ênfase recai no que falta, na limitação, no “defeito” gerando sentimentos como desespero, indiferença, chacota, piedade ou pena. (MARTINS, 2007, p. 27)

Diante dessa situação o autor afirma que as pessoas com deficiência são vistas

como “coitados”, o que provoca atitudes de super proteção, de assistencialismo,

tratando-as como incapazes de ter uma vida normal, trabalhar, constituir família,

relacionar-se com outras pessoas. É impossível julgar a vida de qualquer pessoa como

melhor ou pior sem conhecê-la, cada pessoa é única. Martins (2007) assinala que a

partir de quando se conhece uma pessoa com deficiência constata-se que ela não é

incapaz. “Pode apresentar dificuldades para realizar algumas atividades, mas, por outro

lado, em geral tem extrema habilidade em outras, exatamente como nós.” (MARTINS,

2007, p. 27)

Desse modo, o autor constata que o termo recomendado atualmente para referir-

se a essas pessoas, seriam pessoas com deficiência. Em primeiro lugar, “pessoa”

implicando ao ser humano, que possui suas peculiaridades (altura, peso, cor, por

exemplo); com deficiência, que pode ser mental, física, auditiva ou visual.

Contudo, o termo que se usa para tratar as pessoas com deficiência é apenas

uma das inúmeras questões que dificultam a vida desse grupo. Falar dos cegos é uma

1 Dicionário Michaelis. Disponível em: http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=

portugues-portugues&palavra=deficiente. Acesso em 13 de junho de 2011.

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tarefa árdua. Devido à dificuldade de acesso aos ambientes públicos como escolas,

postos de trabalhos, meios de lazer, esse grupo de pessoas normalmente tende a não

ter uma vida social ativa. Silva (2006) enfatiza que

Vivemos em ambientes onde quase nunca encontramos pessoas com deficiências, devido aos diversos impedimentos que os tornam inacessíveis: barreiras arquitetônicas, ausência de sinalizações, transportes inadequados etc., apesar dos diversos dispositivos legais existentes no país para garantia dos direitos sociais. (SILVA, 2006, p. 429)

Diante dessa realidade são poucas as pessoas que já tiveram como colega de

trabalho ou classe uma pessoa cega. Para grande parte da sociedade, apesar do

conhecimento de que existem, são desconhecidos. Em contrapartida, Martins (2007) diz

que além das dificuldades encontradas na vida social há um desafio ainda maior:

(...) o maior desafio a ser transposto diz respeito ao preconceito e à discriminação que ainda existe em torno de eficiência laboral das pessoas com deficiência visual. É como se, a ausência da capacidade para enxergar determinasse que tudo, dali em diante não seja mais possível. (MARTINS, 2007, p.52).

O interesse e a importância de estudar, conhecer a vida dessas pessoas são

inquestionáveis, especialmente tratando-se da comunicação. Como futuros

comunicólogos, a realização desse trabalho irá contribuir não só no entendimento da

realidade enfrentada pelas pessoas com deficiência, especificamente as com

deficiência visual, mas acrescentará no sentido de evitar falhas na comunicação com

esse público.

Como melhorar a relação entre as pessoas com deficiência visual e os meios de

comunicação, facilitando o acesso à mensagem é o principal objetivo, pois, essas

pessoas além de serem consumidoras, necessitam e têm direito às informações,

inclusive para terem conhecimento de seus direitos, o que muitos infelizmente não têm.

Para a realização desse trabalho, após a pesquisa de referenciais teóricos, foi

realizado o trabalho de campo que, segundo Minayo (2006), permite a aproximação do

pesquisador à realidade do grupo que será explorado. A instituição escolhida como

objeto de estudo foi a Associação de Amigos do Instituto São Rafael em Belo Horizonte,

entidade filantrópica, sem fins lucrativos, cujo principal objetivo é auxiliar nas funções

sócio-educativas da Escola Estadual São Rafael.

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Além de abordar a vida das pessoas com deficiência visual, conhecer o trabalho

da Associação, discorrer sobre as falhas da comunicação tratando-se dos cegos, um

dos principais objetivos do trabalho é a produção de um audiovisual. Conforme

entrevista2 com o presidente da Associação Juarês Gomes Martins, a principal

necessidade das pessoas com deficiência visual é mostrar para a sociedade que

também são capazes, uma produção que tente desfazer a imagem de coitado que eles

carregam e, sobretudo, que seja claramente entendida por esse grupo.

A Associação de Amigos do Instituto São Rafael

Segundo Martins (2007) foi em Paris, no ano de 1784, que foi criada a primeira

escola no mundo para cegos. O protagonista desse fato foi Valentin Haüy, que a

observar um cego pedindo esmola na porta de uma Igreja, notou que ele reconhecia o

valor da moeda através do tato. Assim, percebeu que as mãos poderiam ser usadas

como recurso pedagógico para a educação dessas pessoas e, interessado nesse fato,

começou a desenvolver um processo educacional para atender as pessoas com

deficiência visual. O seu esforço foi reconhecido pelas autoridades e criaram então o

“Instituto Real dos Jovens Cegos de Paris”.

A iniciativa despertou em países vizinhos o empenho de criar instituições

destinadas a esse grupo. No Brasil, em 1844, José Álvares de Azevedo foi enviado à

escola de Haüy e após seis anos de estudo retornou ao país com muito conhecimento e

vontade de colaborar na educação dessas pessoas. Começou a escrever artigos que

descreviam as possibilidades na educação e a dar aulas particulares. Logo, por

intermédio do médico da corte cuja filha era sua aluna, o professor pode mostrar o seu

trabalho para Dom Pedro II, que abraçou a causa.

Em 1854, com o consentimento do Imperador, foi criado no Rio de Janeiro o

primeiro educandário da América do Sul destinado às pessoas com deficiência visual, o

Instituto dos Meninos Cegos. Funcionava em regime de internato e recebia alunos de

todo o país. Mais tarde, por volta de 1920, dois jovens mineiros de Diamantina, João

Gabriel de Almeida e Ayres da Mata Machado, recém-formados no Instituto Benjamim

2 Entrevista concedida em 17 de março de 2011 a Clarisse Gontijo, José Lana e Tainá Porfírio.

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Constant3, protagonizaram a criação de um Instituto semelhante no Estado de Minas

Gerais.

Em 1925, o então governador, Fernando de Melo Viana, cria o Instituto São

Rafael, inaugurado em dois de setembro de 1926. O Instituto São Rafael tem como

principal objetivo a educação e integração das pessoas com deficiência visual na

sociedade. Conta com a colaboração da Associação dos Amigos do Instituto São

Rafael – AAISR, desde 1972.

De acordo com o site4 do Instituto, o objetivo da Associação é buscar

desenvolver atividades que promovam a prevenção da cegueira, que dêem orientação

educacional aos pais dos alunos, incentivando atividades essenciais como lazer,

cultura, esportes, além da produção de material educativo em Braille5 e a

profissionalização e inclusão da pessoa com deficiência visual no mercado de trabalho.

A entidade conta com alunos de todo o território nacional, de todas as faixas

etárias, sendo a maioria, de origem carente. Há três modalidades de atendimento:

externos, semi-internos e internos (na faixa etária entre 7 e 18 anos, cujas famílias

moram no interior). Conta atualmente com uma média de 600 alunos.

A Associação é filantrópica, sem fins lucrativos e tem como fonte de renda

convênios com órgãos públicos, doações de empresas e pessoas, além de promoção

de eventos. Porém, apesar desses recursos, a AAISR carece de verba para a

continuação de seu projeto.

Vale ressaltar que a AAISR e o Instituto São Rafael estão sempre abertos à

visitação e colaboração de quem quer que seja. Palestras voluntárias com informações

sobre as pessoas com deficiência visual são bem-vindas.

As pessoas com deficiência visual O termo deficiente visual refere-se ao indivíduo cego até o que tem uma visão

subnormal. A visão subnormal, ou baixa visão, como alguns especialistas nomeiam, é a

alteração da capacidade funcional decorrente de fatores como rebaixamento

significativo da acuidade visual, redução expressiva do campo visual e da capacidade

3 Antigo Instituto dos Meninos Cegos.

4 Site da Associação dos Amigos do Instituto São Rafael: http://www.saorafael.org.br/

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de perceber contrastes e limitações de outras capacidades. Entre os dois extremos

existem diversas doenças como miopia, estrabismo, hipermetropia, dentre outros, que

não são consideradas deficiência visual.

O decreto6 número 5.296 de 2 de dezembro de 2004, capítulo II, artigo 5º, alínea

c, do Conade, Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa de Deficiência, órgão ligado

ao Ministério da Justiça, estabelece que a cegueira seja definida pela acuidade visual

menor que 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica. Já a baixa visão

compreende indivíduos com acuidade visual entre 0,3 e 0,05 no melhor olho e com a

melhor correção óptica, sendo que a somatória da medida do campo visual seja igual

ou inferior a 60º, ou a ocorrência conjunta de quaisquer das condições anteriores.

Segundo o Censo IBGE de 2000, de 16,6 milhões que declararam algum grau de

deficiência visual como os citados acima, 150 mil disseram ser cegos. Em Minas Gerais

são mais de 1,7 milhões de pessoas com algum problema visual, sendo mais de 160 mil

de Belo Horizonte.

A partir desse ponto percebe-se então, que uma das primeiras falhas na

comunicação com essas pessoas é a forma correta de se definir essa deficiência

tratando-a de forma generalizada e sem conhecimento, o que pode despertar a

sensação de se tratar de alguém apenado e até mesmo prejudicar no tratamento

adequado ao indivíduo. Martins (2007) relata que

Até recentemente, não se levava em conta a existência de resíduos visuais; a pessoa era tratada como se fosse cega, aprendendo a ler e escrever em braille, movimentar-se com o auxílio de bengala e assim por diante. Atualmente oftalmologistas, terapeutas e educadores trabalham no sentido de aproveitar esse potencial visual nas atividades educacionais, na vida cotidiana e no lazer. (MARTINS, 2007, p. 28.)

Assim, foram desenvolvidas técnicas para tratar o resíduo visual desde quando é

constatado, o que melhora significativamente a qualidade de vida dessas pessoas, pois,

explora a sua baixa visão oferecendo-lhes as oportunidades possíveis.

Martins (2007) afirma que a visão é a porta de acesso mais importante da

pessoa com o mundo exterior. Exemplifica que a maioria das pessoas ao se

5 Braille é um sistema de leitura com o tato criado para os cegos, criado por Louis Braille em 1825.

6 Disponível para consulta no endereço eletrônico: <http://portal.mj.gov.br/conade>. Acesso em 13 de

junho de 2011.

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deslocarem por determinado espaço, guardam como referência algum lugar, seja um

prédio, uma casa ou uma praça. As pessoas com deficiência visual tomam como

referência o tipo de calçamento, curvas, esquinas.

A cegueira pode ser adquirida ou ser de nascença. Quem perde a visão ao longo

da vida, terá uma memória visual que poderá ser muito útil para sua readaptação, ao

contrário de quem nunca enxergou e que nunca terá lembranças visuais. Conforme

Martins (2007)

Para quem enxerga, é impossível imaginar a vida sem qualquer forma visual ou sem cor, porque as imagens e as cores fazem parte do nosso pensamento. Não basta fechar os olhos e tentar reproduzir o comportamento de um cego, pois, tendo memória visual, a pessoa tem consciência do que não está vendo. (MARTINS, 2007, p. 30)

O autor ressalta que o impacto da deficiência visual (congênita ou adquirida)

depende de vários fatores: da personalidade do indivíduo, da família, do grau de

deficiência, da idade em que perdeu, enfim, de todo o contexto em que a pessoa vive.

Além da perda do sentido da visão há outras perdas: emocionais, da mobilidade, da

atividade profissional, da comunicação e da personalidade como um todo. É uma

experiência traumática que exige acompanhamento terapêutico para a pessoa e sua

família.

Os Meios de Comunicação e as Pessoas com Deficiência Visual

A comunicação é uma das principais responsáveis pelo processo de socialização

de um indivíduo, e quer dizer convivência e participação. Conforme descreve França

(1998), “a comunicação tem uma existencia sensível; é do domínio do real, trata-se de

um fato concreto de nosso cotidiano, dotada de uma presença quase exaustiva na

sociedade contemporânea” (FRANÇA, 1998, p. 39). Assim, a comunicação que é

essencial na vida de todos os seres humanos torna-se ainda mais indispensável na vida

de uma pessoa com deficiência visual, pois, é através dela que muitas vezes ela terá

acesso a um dos seus principais direitos, o direito à informação.

O decreto7 nº. 3298 de 20 de dezembro de 1999, capítulo VII, Seção V, Artigo

7 Disponível para consulta no endereço eletrônico: <http://portal.mj.gov.br/conade> Acesso em: 13 de

junho de 2011.

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46, inciso I define que todos os órgãos e entidades da Administração Pública Federal

direta ou indireta responsáveis pela cultura, desporto, turismo e lazer promovam o

acesso da pessoa com deficiência aos meios de comunicação social.

Portanto, todos os meios de comunicação como televisão, rádio, internet,

revistas, jornais e até mesmo espaços artísticos e culturais como teatro, cinema, museu

e outros, deveriam se adequar para atender esse público que também é consumidor e

carece de informação, que tem direito ao lazer e à cultura como qualquer outra pessoa.

Essa referida adequação remete à frequente dúvida sobre qual postura a

sociedade deve tomar em relação às pessoas com deficiência. Diante dessa realidade,

é essencial que a análise se inicie a partir de uma visão ampla e só posteriormente seja

voltada para as pessoas com deficiência visual. Refletir sobre a condição vivida

diariamente pelas pessoas com deficiência tem sua importância no sentido de

reconhecer esses indivíduos como detentores dos direitos humanos, atitude capaz de

acabar com qualquer tipo de preconceito enfrentado por essas pessoas.

Como foi exposto anteriormente, uma das primeiras falhas consiste na

generalização do termo deficiência visual. Esse equívoco é seguido geralmente da

utilização imprópria do termo „portadores‟ ou „necessidades especiais‟. O indivíduo não

porta a deficiência, ele realmente a possui, e a expressão „necessidades especiais‟,

como disse Sassaki (2006), não pode ser confundida com algum tipo de deficiência. A

expressão enfatiza a condição vivida pela pessoa e gera um preconceito de forma

indireta.

Além dessas duas falhas já citadas, o erro mais frequente e que provavelmente

explique a existência de todo o comportamento assumido pela sociedade em relação às

pessoas que tem deficiência, consiste na posição social desses indivíduos, se eles

realmente devem ser integrados ou incluídos na sociedade.

Essa questão vem sendo analisada pelos estudiosos da área e é ideal ser

esclarecida nesse trabalho, afinal qualquer discussão sobre a posição enfrentada pelas

pessoas com algum tipo de deficiência, passará por esses dois conceitos de integração

e inclusão social.

Antes de focar nos significados dessas duas práticas sociais e a relação delas

com o problema/pergunta desse artigo, indaga-se sobre o motivo da ocorrência dessa

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realidade enfrentada pelas pessoas com algum tipo de deficiência. Como publicou a

Cooperativa de Vida Independente de Estocolmo, Stil (1990 apud SASSAKI, 2006, p.

30) a causa está no fato desses indivíduos serem considerados doentes:

Uma das razões pelas quais as pessoas deficientes estão expostas à discriminação é que os diferentes são frequentemente declarados doentes. Esse modelo médico da deficiência nos designa o papel desamparado e passivo de pacientes, no qual somos considerados dependentes do cuidado de outras pessoas, incapazes de trabalhar, isentos dos deveres morais, levando vidas inúteis, como está evidenciando na palavra ainda comum „inválido‟ („sem valor‟, em latim) (STIL, 1990, p. 30).

Existe assim uma discriminação com esses cidadãos pelo fato da maioria da

população considerá-los como inválidos, incapazes de realizar algumas tarefas devido

às características físico-motoras, visuais, auditivas ou mentais que possuem. É um

comportamento incorreto adotado pela sociedade como um todo, somando-se a esse

conjunto as empresas que não direcionam as comunicações de seus produtos para

esses indivíduos.

Existe um ”esquecimento” das corporações em não considerar as pessoas com

deficiência visual como consumidores como outras pessoas quaisquer. Esses

indivíduos “esquecidos” precisam de auxílio de outros para captar as mensagens

transmitidas, e só assim decodificar se determinado bem ou serviço seria por ele

consumido ou não.

Retomando as ideias de integração e inclusão, é possível fazer um breve

histórico sobre as maneiras nas quais o homem já viveu até chegar nessas duas

práticas sociais, como discorreu Sassaki (2006):

A sociedade, em todas as culturas, atravessou diversas fases no que se refere às práticas sociais. Ela começou praticando a exclusão social de pessoas que – por causa das condições atípicas – não lhe pareciam pertencer à maioria da população. Em seguida, desenvolveu o atendimento segregado dentro de instituições, passou para a prática da integração social e recentemente adotou a filosofia da inclusão social para modificar os sistemas sociais gerais (SASSAKI, 2006, p. 16).

A integração social surgiu então com o intuito de acabar com a exclusão social,

conceito que não deixava as pessoas com alguma deficiência participar da sociedade

por serem vistas como inválidas. Com o tempo, começou a se ter um atendimento

desses indivíduos de acordo com o seu tipo de deficiência, nascendo o atendimento

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segregado. Dele, por volta do final da década de 60, veio a ideia de integração, um

processo que insere a pessoa com deficiência na sociedade, “mas desde que ela esteja

de alguma forma capacitada a superar as barreiras físicas, programáticas e latitudinais

nela existentes”, como afirmou Sassaki (2006, p. 33). Essa nova abordagem reflete

ainda o modelo médico da deficiência, e mostra que é um esforço dos indivíduos com

deficiência e seus aliados (família, amigos, instituições especializadas e outros que

abracem a causa), mas não um esforço propriamente dito dos sistemas sociais gerais.

A idéia de integração social não é, portanto, a que facilitaria a acessibilidade das

mensagens divulgadas pelos meios de comunicação para as pessoas com deficiência

visual, afinal ela define que essas pessoas devem estar capacitadas a receber a

informação, característica que foge da realidade desses indivíduos.

Comparando a integração social com a prática da inclusão, essa última seria

realizada de acordo com a condição real das pessoas com deficiência visual ou

qualquer outro tipo de deficiência, pois ela propõe um “redesenho” da sociedade para

esses cidadãos, como expõe Sassaki (2006)

A inclusão social, portanto, é um processo que contribui para a construção de um novo tipo de sociedade através de transformações, pequenas e grandes, nos ambientes físicos (espaços internos e externos, equipamentos, aparelhos e utensílios, mobiliário e meios de transporte) e na mentalidade de todas as pessoas, portanto também da própria pessoa com necessidades especiais. (SASSAKI, 2006, p. 40).

Os cidadãos que praticam a inclusão social têm como base o modelo social da

deficiência, eles acreditam que a sociedade como um todo deve se modificar para

atender às necessidades das pessoas com deficiência, um comportamento contrário ao

da integração. Cada sistema social deveria aplicar esse processo de inclusão,

permitindo uma educação inclusiva, lazer, transporte e várias outras atividades

inclusivas que iriam satisfazer a vida daqueles que possuem alguma deficiência visual,

chegando à prática do consumo inclusivo desses indivíduos.

Percebendo a importância de se incluir as pessoas com deficiência como

consumidoras de qualquer bem ou serviço, pode-se partir para a análise das falhas que

ocorrem na comunicação com os indivíduos que possuem deficiência visual que

dificultam a acessibilidade dessas pessoas às mensagens.

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Inicialmente, vale ressaltar que dificultar a acessibilidade de informações a

qualquer pessoa com deficiência, é ferir os direitos desses indivíduos, como discorreu a

Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência

Com a Convenção da ONU, se não houver acessibilidade significa que há discriminação, condenável do ponto de vista moral e ético e punível na forma da lei. Cada Estado Parte se obriga a promover a inclusão em bases iguais com as demais pessoas, bem como dar acesso a todas as oportunidades existentes para a população em geral (Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência, 2010, p. 5)

Conforme a Convenção, portanto, a exclusão das pessoas com alguma

deficiência ocorre em âmbito geral e pode ser legalmente impedida. Direcionando a

realidade para o problema desse artigo, percebe-se que são vários os meios de

comunicação na sociedade moderna, desde veículos impressos a digitais.

As falhas na comunicação com as pessoas que possuem deficiência visual

ocorrem em qualquer tipo de mídia, atrapalhando o entendimento por parte desses

indivíduos da mensagem que é exposta. Pode-se dizer então que a raiz desse

problema comunicacional encontra-se na utilização correta do meio com a informação

transmitida, se esse meio possui características pertinentes e até uma estrutura de

acordo com o público que pretende atingir.

Atualmente, as empresas alcançam com eficiência a massa consumidora,

contudo, esquecem a diversificação dessa massa, trazendo às vezes problemas graves

para certos grupos de pessoas que também consomem determinado produto. Foi o que

aconteceu no relato da reportagem da Revista Época de 19 de julho de 2004, que

aborda a inclusão de embalagens com leitura em braile na produção, atitude já adotada

por algumas empresas no Brasil.

Na adolescência, o assistente técnico de softwares Paulo Henrique Graça, de 23 anos, por pouco não tomou uma medicação errada. Isso só não aconteceu porque sua mãe chegou a tempo de impedir a troca. Deficiente visual desde os 4 anos, Graça perdeu totalmente a visão aos 15. Seus dois irmãos mais velhos têm o mesmo problema. A situação da família melhorou desde que algumas empresas passaram a imprimir o código braile nas embalagens dos produtos. 'Agora sou mais independente', diz Graça. 'Afinal, também sou consumidor. (FRUTUOSO, 2004)

As falas contidas no trecho citado mostram a grande importância de se promover

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o acesso à informação para as pessoas com deficiência visual, até por questão de

sobrevivência. A referida reportagem noticia o fato de que as empresas estão

alertando-se em relação às necessidades desse grupo de consumidores e adequando

as embalagens dos produtos. A falta de fabricação de embalagens no geral, folhetos,

etiquetas, jornais e revistas que não contenham inscrições na linguagem daqueles que

tem deficiência visual, atrapalha a decodificação das mensagens, causando

transtornos. Essa falha na comunicação dos impressos com as pessoas com deficiência

visual é frequente nos dias de hoje, entretanto a prática de inclusão social já tem sido

empregada por várias empresas, como citadas na reportagem da Revista Época:

Natura, Sadia, Tissot, Grupo Pão de Açúcar, entre outras. Em relação ao meio

impresso, o modelo social da deficiência aos poucos tem sido empregado na fabricação

de produtos pelas indústrias, beneficiando os cidadãos que necessitam.

Partindo agora para a perspectiva do desempenho dos meios de comunicação

eletrônicos, depara-se primeiramente com aquele que é bastante usado pelas pessoas

com deficiência visual devido às características de sua estrutura, que beneficiam esses

indivíduos: o rádio. Pelo fato das mensagens veiculadas serem essencialmente

constituídas de ondas sonoras, o rádio é o aparelho mais utilizado pelas pessoas que

possuem deficiência visual, sendo assim, um meio de comunicação que não entraria

como detentor de alguma falha. Os textos veiculados pelo rádio são escritos e gravados

com o foco já na audiodescrição, o que evita incômodo para os indivíduos que não

enxergam.

Em relação à televisão, é um dos meios de comunicação que mais gera polêmica

em relação ao entendimento das mensagens veiculadas para as pessoas com

deficiência visual, ou seja, é uma das principais falhas na comunicação com esses

cidadãos. O conteúdo exibido pela televisão é a junção de áudio e imagem ou um dos

dois, e, quase sempre para entendimento da mensagem os dois elementos são

indispensáveis, o que torna impossível a compreensão imediata das pessoas com

deficiência visual.

Essa dependência da imagem para se entender a mensagem gera preconceito

com as pessoas que possuem deficiência visual, deixando claro que as empresas não

se preocupam com esse grupo da população que também é espectador. Um exemplo

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são os comerciais direcionados para que o telespectador leia a informação (endereço,

telefone, site, etc.) na tela. De videotapes a filmes exibidos, são várias as produções

audiovisuais que não atendem às pessoas com deficiência visual. Machado (2011)

analisa justamente essa falha da televisão, especificamente do Jornal Nacional, com

esses indivíduos, atitude que acaba por excluir cidadãos detentores do direito daquela

informação:

Destaca-se que a audiência formada por pessoas com deficiência visual não possui, por parte da televisão aberta atual, uma programação inclusiva, nem uma que ao menos tenta ser. A mídia televisiva, em especial o formato de telejornal, acaba contribuindo, de certa forma, para a chamada produção social da marginalidade, à medida que não busca promover ações de inclusão da parte do público composta por cegos. Esses podem até se sentir lesados, como expressaram Rosani e Carlos, enquanto consumidores de um serviço público como a TV aberta. (MACHADO, 2011, p. 13).

O autor aponta a posição de consumidores ocupada pelas pessoas com

deficiência visual e a realidade que elas enfrentam no que tange ao que é exibido nas

televisões. O autor denuncia a falta de inclusão desses indivíduos na audiência e

mostra que até um produto midiático de grande repercussão no Brasil, o Jornal

Nacional, não possui uma estrutura adequada para atender esse grupo de pessoas.

São diversas as emissoras televisivas que produzem seus programas sem se

atentar ao fato de que seres humanos, que tem deficiência visual, estarão por trás das

telas com desejo de captar a mensagem transmitida, não dando à mínima se esses

indivíduos receberão ou não o conteúdo. Todavia, dentro desse contexto de análise,

entre essas frequentes falhas na comunicação da televisão (ou até mesmo do cinema)

com as pessoas com deficiência visual, soluções podem ser tomadas, e uma delas é

citada por Machado (2011) em seu estudo:

Logo, o ideal, conforme acentuado por cegos como Luiz Carlos e Rosani, seria, de fato, disponibilizar a opção da audiodescrição, pela narrativa oral, sucinta e objetiva com as informações relevantes de cenas, cenários e imagens, que poderia ser transmitida, no caso de atrações televisivas, pelo programa secundário de áudio (SAP) (MACHADO, 2011, p. 13).

Assim sendo, a tecla SAP dos aparelhos televisivos seria uma ferramenta de

inclusão das pessoas com deficiência visual onde elas poderiam ouvir e decodificar as

mensagens exibidas. Vale destacar que “Para a implementação do recurso, estima-se

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que o custo seria baixo, envolvendo basicamente a formação de locutores (MACHADO,

2011, p. 14). A possibilidade de extinção das falhas nas transmissões de televisão com

esses cidadãos, portanto, existe e está ao alcance das emissoras, basta que elas se

conscientizem e adotem esse processo como essencial na exibição das mensagens.

Partindo dos meios eletrônicos para os digitais, entra-se na ampla rede de

internet, que se tem espalhado pelo mundo, proporcionando a democratização da

informação à população do planeta Terra de maneira, às vezes, imensurável.

Entretanto, essa democratização não considera a acessibilidade de pessoas com

alguma deficiência, principalmente a visual, uma das mais afetadas nesse contexto.

Atualmente, a maioria dos sites da internet não disponibiliza a leitura por meio de

aplicativos audiodescritivos de seus conteúdos para as pessoas com deficiência visual.

São raras as páginas da internet que podem ser facilmente acessadas por esses

indivíduos, afinal, poucas empresas reconhecem as dificuldades enfrentadas pelas

pessoas que possuem deficiência visual.

A sociedade humana caminhou e continua essa jornada na busca pela inclusão

de pessoas com alguma deficiência, e, nesse trajeto tem aos poucos conseguido aliar a

tecnologia ao que acontece na realidade. Nessa esfera de avanços tecnológicos,

embora seja denunciada a falta de páginas na internet que não cometam falhas em sua

comunicação com as pessoas que tem deficiência visual, no Brasil já existe um

movimento contrário a isto. É o caso do Portal de Hospedagem, site reformulado pelo

Ministério do Turismo para atender as pessoas com deficiência visual.

Os usuários de computadores que possuem um sistema operacional de leitura

de dados como o DOS Vox, que foi criado na Universidade Federal do Rio de Janeiro e

pode ser baixado de graça na internet, conseguem tranquilamente acessar o conteúdo

do site. O Portal de Hospedagem direciona os internautas aos 5.400 meios de

hospedagem cadastrados no site e ao disponibilizar seu conteúdo também para

pessoas com deficiência visual, está adotando a prática da inclusão social. De acordo

com Carlos Jacobina Lima, um dos responsáveis técnicos da adequação do conteúdo

do site, em entrevista ao site H2Foz

Por meio de uma ferramenta de estruturação de código que utilizamos, o Portal de Hospedagem vai permitir que leitores de tela desenvolvidos para deficientes visuais realizem a varredura e interpretem o conteúdo. Lembrando que quando

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falamos em acessibilidade temos que incluir as pessoas com baixa visão e essa ferramenta permite o aumento de fonte e a aplicação de contraste de cores (Maior Guia online de Hospedagem do País lança acessibilidade para deficientes visuais no 5º Salão do Turismo, 2010).

Adaptar um site de turismo para atender às pessoas com deficiência visual é

mostrar consciência dos direitos humanos. Esse exemplo é, portanto, outra solução

para a questão discutida nesse artigo, das falhas na comunicação com os indivíduos

que possuem deficiência visual, uma atitude que inclui esses cidadãos como

consumidores de bens e serviços. O avanço tecnológico da sociedade deve ser

aproveitado para benefício populacional, contribuindo para uma sociedade

progressivamente inclusiva.

Outro meio de comunicação bastante usado pelas pessoas com deficiência

visual, mas que ainda possui falhas para esses usuários, são os telefones celulares e

atualmente smartphones. Mesmo que esses produtos tenham surgido com a função

principal de aparelhos de voz, a convergência de funcionalidades vivida pela sociedade

atualmente é passível da exclusão desses cidadãos.

O celular não é usado mais apenas para chamadas de voz, ele pode também

enviar mensagens de texto (SMS), acessar a internet para verificação de emails, sites

de localização, redes sociais e várias outras preferências. O problema encontra-se

então, no fato do aparelho não possuir um aplicativo de audiodescrição, como os já

usados por algumas pessoas com deficiência visual, TALKS e JAWS, por exemplo.

A dificuldade na acessibilidade desses indivíduos está não apenas na captação

das mensagens, mas passa primeiramente na condição financeira de adquirir um

celular ou smartphone compatível com os programas de audiodescrição. A maioria das

empresas cobra caro pelos aplicativos ou aparelhos que já os possuem, complicando o

dia-a-dia daqueles que não enxergam.

Contudo, possuir um aparelho de telefonia móvel com um programa de leitura na

tela para facilitar a vida dessas pessoas já está sendo discutido pelo governo brasileiro,

como mostra o projeto de lei que quer facilitar o uso de celulares por pessoas com

deficiência visual.

As operadoras de telefonia móvel poderão ser obrigadas a oferecer celulares com identificação das chamadas recebidas e discagem de números com indicação sonora de voz, se o Projeto de Lei 5131/05, do deputado José Múcio Monteiro (PTB-PE), for aprovado pelo Congresso. A intenção é facilitar o uso

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dos celulares pelas pessoas portadoras de deficiência visual. (Projeto de lei quer facilitar o uso de celulares por deficientes visuais, 2005)

Novamente mostra-se que diante da ocorrência de falhas na comunicação com

as pessoas que tem deficiência visual é possível adotar medidas contribuintes para

uma sociedade que atenda às necessidades dessas pessoas, como é relatado no

projeto do deputado que deseja diminuir as falhas já em uma das raízes do problema,

as próprias empresas de telefonia móvel.

É plausível citar ainda o caso de museus na Europa que foram projetados para

atender esse segmento da população. Não que os museus sejam meios de

comunicação propriamente ditos, mas eles foram criados para serem visitados por

pessoas, inclusive as pessoas com deficiência visual. São os museus de Belas-Artes de

Nice, na França e o Museu dos Cegos de Madri, na Espanha, onde o cobrador entrega

logo na bilheteria ingresso com inscrições em Braille assim como um livreto, que serve

de guia para o passeio. A Revista Superinteressante, de Julho de 1993 noticiou esse

comportamento inclusivo da sociedade européia, fato que dentro desse questionamento

de consumo inclusivo das pessoas com deficiência visual, também entra como solução

para a exclusão desses cidadãos.

A possibilidade de a sociedade atingir a inclusão social de toda a população

humana é possível, basta que os sistemas sociais adotem as medidas certas em suas

constituições, movendo assim as empresas e consequentemente os meios de

comunicação de massa, o que constituiria o exercício da cidadania, como afirmou Glat

(1994 apud SASSAKI, 2006, p. 51) “cidadania significa fazer escolhas e ter a coragem

de levá-las adiante, mesmo errando. (...) Significa não ser um mero receptáculo passivo

de novos serviços especializados, e sim um consumidor consciente e criativo”.

Propostas de Comunicação para a AAISR

Como foi exposto no tópico anterior, são várias as falhas da comunicação em

relação às pessoas com deficiência visual, porém, são maiores as possibilidades de

extinguí-las, basta que a população e os meios se conscientizem e torne a inclusão

uma realidade.

A Associação dos Amigos do Instituto São Rafael como já apresentada, foi

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escolhida como uma das fontes de informações para essa pesquisa e cliente para a

produção do audiovisual. Contextualizando o estudo para a Instituição foram realizadas

entrevistas onde houve trocas de ideias incluindo o briefing.

Tratando-se dos meios de comunicação Juarês Gomes Martins8, presidente da

Associação e professor do Instituto São Rafael, ressalta que uma das maiores falhas da

comunicação está nos VTs, pois, a produção não se preocupa com as pessoas com

deficiência visual ao criá-los. Assim muitas mensagens não são entendidas, um

exemplo comum é o direcionamento para que a pessoa leia a informação na tela.

Ele cita ainda que os principais meios de comunicação utilizados pelas pessoas

com deficiência visual são: o rádio, o celular, a TV e a internet. Para o uso do celular e

internet é necessário o uso de aplicativos de áudio descrição como o TALKS e o JAWS.

O rádio como trabalha exclusivamente com áudio é o preferido pelos cegos.

Questionados sobre qual a informação que a Associação gostaria de passar,

comunicar para a sociedade, Juarês Gomes Martins e Valdivino Lucas, professores do

Instituto São Rafael, citam a necessidade de desfazer a imagem de incapaz da pessoa

com deficiência visual perante a sociedade e às próprias pessoas com deficiência visual

como também divulgar o trabalho da Associação.

Não há divulgação da Associação nas mídias convencionais, existe apenas o

site9 que não é adaptado para os cegos ainda, mas que segundo os entrevistados será

reformulado. É necessário que se faça um trabalho no sentido de conscientizar, tanto a

sociedade em geral dos potenciais profissionais, culturais e sociais da pessoa com

deficiência visual, tanto a própria pessoa com deficiência, seus familiares e pessoas

com quem convivem.

A Associação e o Instituto podem estruturar a integração da pessoa com

deficiência visual em todas as esferas da sociedade, desde a educação básica, como a

formação profissional, até que ela se torne totalmente autônoma e independente. Para

isso, é necessário que as pessoas interessadas, incluindo as pessoas com deficiência e

todos que com eles convivem ou tem alguma ligação, sejam devidamente comunicados

da existência do Instituto e da Associação para lhe darem o apoio. Porém, é nesse

8 Entrevista concedida em 17 e 28 de março de 2011 a Clarisse Gontijo, Helberth Luiz, José Lana e Tainá

Porfírio. 9 Site do Instituto São Rafael: http://www.saorafael.org.br/

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ponto, que reside o maior problema.

Como fazer chegar às pessoas interessadas essa valiosa informação, de uma

maneira clara para todos e sem falhas, ou seja, atingindo o público alvo e divulgando os

benefícios oferecidos pelo Instituto São Rafael é uns dos principais objetivos. A

mensagem a ser divulgada para as pessoas com deficiência visual requer cuidados

para que seja facilmente compreendida, o que é mais complicado devido ao fator da

logística na distribuição da mensagem e também pelo fato de ser tecnicamente mais

difícil de ser produzida.

Diante dessas informações o grupo criou uma produção audiovisual que fosse

entendida facilmente independendo da imagem. O roteiro constitui basicamente em um

diálogo entre uma pessoa cega e outra vidente10: A pessoa vidente se surpreende ao

encontrar com a pessoa cega lendo, que conta que está se alfabetizando e conseguiu o

empréstimo do livro na biblioteca do Instituto São Rafael. O vídeo, no formato trinta

segundos, se encerra com uma locução convidando as pessoas para conhecer a

Associação que apóia o Instituto São Rafael.

Através de uma produção simples e direta, o objetivo almejado é que as pessoas

saibam que as pessoas cegas são capazes de aprender, se socializar e ter uma vida

normal. A Associação dos Amigos do Instituto São Rafael é uma Instituição que está de

braços abertos para receber e ajudar essas pessoas.

Além da produção do VT o grupo decidiu criar também um spot para rádio

utilizando o mesmo conceito do audiovisual, porém, roteirizado de uma forma que

privilegiasse o áudio. Para que os ouvintes compreendessem a mensagem claramente

e sem interferências foram acrescentados elementos sonoros que também deixam a

produção do áudio mais atraente. Levou-se em conta o fato do rádio ser um meio de

comunicação que é muito bem aceito pelas pessoas com deficiência visual, conforme

Lara et al (2007) constataram que:

(...) as pessoas com deficiência visual, de maneira geral, se relacionam com o rádio de maneira bastante positiva. O fato deste meio utilizar-se apenas de recursos sonoros faz com que as pessoas que não podem enxergar se sintam em “pé de igualdade” com as demais diante do rádio, como comentou um dos participantes. Posição corroborada por outro integrante: “eu me sinto bem em

10

Nome que os cegos usam para referir-se às pessoas que enxergam, segundo Juarês Gomes Martins.

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saber que todos estão recebendo a mesma informação”. (LARA et al, 2007, p.6).

Devido a esse fato tornou-se imprescindível a criação do spot para rádio, uma vez

que, esse meio de comunicação é considerado um dos mais democráticos, podendo

assim alcançar mais intensamente o objetivo de atingir o público-alvo, que se constitui

na sociedade como um todo e principalmente nas pessoas com deficiência visual e as

que convivem com elas.

De acordo com as informações coletadas na Associação, constata-se que um

dos meios de comunicação mais adaptados e utilizados pelas pessoas com deficiência

visual é o telefone celular. Atualmente, o seu uso pode ser facilitado devido à existência

de aplicativos de audiodescrição que podem auxiliar a pessoa com deficiência visual. O

que nem sempre acontece, pois, essa pessoa precisa ter condições financeiras para

adquirir um aparelho compatível com a instalação desses aplicativos

Esses aplicativos usam o recurso de voz para que a pessoa com deficiência

visual possa saber quem está lhe ligando, ouvir a mensagem de texto e ter autonomia

para fazer chamadas. Diante dessa informação foram criados também mensagens de

texto que transmitissem informações para as pessoas com deficiência visual, a fim de

que busquem uma melhor qualidade de vida, divulgando os serviços prestados pelo

Instituto São Rafael.

O celular deixou de ser um simples aparelho para fazer/receber chamadas e

mensagens e tornou-se um meio de comunicação integrado a outros. Além de ser

usado de maneira convencional, hoje, a maioria dos aparelhos possui rádio e os mais

modernos, chamados smartphones, facilitam o acesso à internet dando várias

possibilidades aos usuários, como acesso às redes sociais, sites de busca, mensagens

instantâneas e de geolocalização.

Juarês Gomes Martins, em entrevista ao grupo, deixou bastante claro que o

celular é para a pessoa com deficiência visual um grande aliado, dando ênfase na

grande facilidade dos cegos de lidar com esse aparelho, notadamente quando ele

possui os recursos de acessibilidade que permitem o recurso de voz para auxiliar seu

usuário. Dessa forma, utilizar os recursos comunicativos do celular para levar

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informações às pessoas com deficiência e à sociedade mostra-se uma opção bastante

adequada e acessível, levando-se em conta que a maioria da população tem celular.

Considerações Finais O presente artigo abordou a vida das pessoas com deficiência e, para tal, foi

escolhido as pessoas com deficiência visual. Para a realização do trabalho foi realizada

pesquisas em busca de referenciais teóricos e o trabalho de campo. O Instituto

pesquisado foi a Associação dos Amigos do Instituto São Rafael em Belo Horizonte,

entidade que educa e apóia a inserção dos cegos na sociedade.

O foco da análise foi descrever e sugerir possíveis soluções para as falhas da

comunicação em relação às pessoas com deficiência visual. A coleta de dados através

das entrevistas juntamente com os referenciais teóricos permitiu que algumas falhas

fossem enumeradas, tais como: o termo pelo qual essas pessoas são tratadas,

deficiente visual, portadora de necessidades especiais, o que dá a impressão de serem

pessoas apenadas; a maioria dos impressos como jornais, revistas, panfletos e

embalagens não se preocupam em serem transcritos em braille; a dificuldade de

compreensão das pessoas com deficiência visual em relação aos VTs, pois, as

emissoras não se preocupam com esse público e produzem vídeos em que há

dependência da imagem para entendimento da mensagem; o acesso restrito a

aparelhos celulares que contenham aplicativos audiodescritivos devido ao preço ou

incompatibilidade do sistema e a despreocupação de grande parte dos sites em

disponibilizar seu conteúdo em audiodescrição.

Para resolver grande parte desses problemas, acredita-se que o primeiro e

grande passo é a conscientização, a mídia enxergar esse grupo de pessoas como

público preocupando-se com ele ao transmitir as mensagens, isto é, incluí-lo, tornando

os meios de comunicação adequados às necessidades das pessoas com deficiência

visual. Esses indivíduos também são consumidores e têm direito à informação.

Além da pesquisa, foi sugerido um trabalho mais prático, a produção de um

audiovisual que divulgasse a Instituição escolhida. O principal cuidado da produção foi

criar um vídeo que fosse facilmente entendido pelos cegos. No formato de trinta

segundos, através de um roteiro simples, a mensagem que se tenta passar é que os

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cegos são capazes e podem ter uma vida normal. A Associação dos Amigos do Instituto

São Rafael tem o objetivo de apoiá-los nessa inserção à sociedade. O roteiro foi

adaptado para spot e foram propostos também modelos de SMS para divulgação da

entidade.

A comunicação é uma das principais ferramentas no processo de socialização de

um indivíduo e torna-se ainda mais indispensável para quem não enxerga. Como

graduandos em Comunicação Social é irrefutável a importância de estudar e conhecer

esse público para que futuras falhas na comunicação sejam evitadas.

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