FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE...

143
FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE MESTRADO EM DIREITO ALEXANDRE HELLENDER DE QUADROS ANÁLISE CRÍTICA DOS FUNDAMENTOS JURÍDICO -CONSTITUCIONAIS E REFLEXOS QUANTO À EFETIVIDADE NORMATIVA E SOCIAL DO CLUBE-EMPRESA CURITIBA 2006

Transcript of FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE...

Page 1: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

FACULDADES INTEGRADAS CURITIBAPROGRAMA DE MESTRADO EM DIREITOALEXANDRE HELLENDER DE QUADROS

ANÁLISE CRÍTICA DOS FUNDAMENTOS JURÍDICO -CONSTITUCIONAIS EREFLEXOS QUANTO À EFETIVIDADE NORMATIVA E SOCIAL DO

CLUBE-EMPRESA

CURITIBA2006

Page 2: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

ALEXANDRE HELLENDER DE QUADROS

ANÁLISE CRÍTICA DOS FUNDAMENTOS JURÍDICO -CONSTITUCIONAIS EREFLEXOS QUANTO À EFETIVIDADE NORMATIVA E SOCIAL DO

CLUBE-EMPRESA

Dissertação apresentada aoPrograma de Mestrado em DireitoEmpresarial e Cidadania dasFaculdades Integradas Curitiba,como requisito parcial para obtençãodo Título de Mestre em Direito.Orientador: Professor Doutor FábioLeandro Tokars

CURITIBA2006

Page 3: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

ALEXANDRE HELLENDER DE QUADROS

ANÁLISE CRÍTICA DOS FUNDAMENTOS JURÍDICO -CONSTITUCIONAIS EREFLEXOS QUANTO À EFETIVIDADE NORMATIVA E SOCIAL DO

CLUBE-EMPRESA

Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do Título deMestre em Direito pelas Faculdades Integradas Curitiba.Banca Examinadora constituída pelos seguintes professores:

Presidente: _____________________________________ FÁBIO LEANDRO TOKARS

___________________________________ ALCIDES TOMASETTI JUNIOR

___________________________________ GISELA MARIA BESTER

Curitiba, de de 2007.

Page 4: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

Tudo faço por causa do evangelho, com o fim de metornar cooperador com ele. Não sabeis vó s que os quecorrem no estádio, todos, na verdade, correm, mas umsó leva o prêmio? Correi de tal maneira que o alcanceis.Todo atleta em tudo se domina; aqueles, para alcançaruma coroa corruptível; nós, porém, a incorruptível.

I Coríntios, 9: 23-25

Page 5: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

SUMÁRIO

RESUMO 06

ABSTRACT 07

1 INTRODUÇÃO 08

1.1 DETERMINAÇÃO DO ASSUNTO 08

1.2 ADERÊNCIA AO TEMA 09

1.3 DELIMITAÇÃO DO TEMA E PROBLEMÁTICA 11

2 CLUBE-EMPRESA E DESPORTO 14

2.1 NOÇÕES DO CLUBE-EMPRESA 14

2.2 DESPORTO COMO FENÔMENO SOCIAL, POLÍTICO E JURÍDICO 16

2.3 FORMAS DE MANIFESTAÇÃO DO DESPORTO 27

2.4 DESPORTO PROFISSIONAL E NÃO PROFISSIONAL 29

2.5 ORIGEM E EVOLUÇÃO DOS CLUBES 37

3 DESPORTO E FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS DE AÇÃO ESTATAL 45

3.1 BASES DE ANÁLISE COMPARATIVA E IMPORTÂNCIA INTERNACIONAL DOESPORTE 45

3.2 ANÁLISE COMPARATIVA DO TRATAMENTO CONSTITUCIONAL 48

3.2.1 CUBA 48

3.2.2 FRANÇA 49

3.2.3 ITÁLIA 54

3.2.4 ESPANHA 55

3.2.5 PORTUGAL 57

3.2.6 ALEMANHA 61

3.2.7 ARGENTINA 63

3.3 BASES CONSTITUCIONAIS NO BRASIL 68

3.4 INTERVENÇÃO ESTATAL NO AMBIENTE DESPORTIVO 74

4 DESPORTO E FUNDAMENTOS LEGAIS DO CLUBE -EMPRESA 87

4.1 BASES LEGAIS NO BRASIL – ENTRE A FACULTATIVIDADE E A IMPOSIÇÃO 87

4.2 DESPORTO, MERCADO E CONTRATOS DESPORTIVOS 92

4.3 ASSOCIAÇÃO, SOCIEDADE EMPRESÁRIA E ESTRUTURAÇÃO JURÍDICADOS CLUBES 98

4.4 ASSOCIAÇÃO, SOCIEDADE DESPORTIVA EMPRESÁRIA E EFETIVIDADENORMATIVA 111

4.5 FUNCIONALIDADE DO CLUBE-EMPRESA E EFETIVIDADE SOCIAL 117

CONCLUSÕES 126

REFERÊNCIAS 130

Page 6: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

RESUMO

Esta dissertação versa sobre os fundamentos jurídico -constitucionais e os reflexosnormativos e sociais do clube-empresa. O clube-empresa pode ser definido como aentidade de prática desportiva profissional que adota a estrutura jurídica desociedade empresária. A adoção da tipologia de sociedades empresárias no Brasil éfenômeno recente e reflete uma tendência internacional especialmente identificadaem países europeus. No Brasil, a legislação desportiva busca fundamento devalidade no papel constituciona l do Estado para regulação de atividades de interessepúblico. No âmbito infraconstitucional, o marco regulatório relaciona desportoprofissional, atividade econômica e estruturação jurídica das sociedadesempresárias, para estabelecer que os clubes de fut ebol têm a opção de se tornarclubes-empresa, sob pena de receber o tratamento legal atribuído às sociedades emcomum. Com o escopo de analisar – de modo crítico – os fundamentos jurídicos doclube-empresa no País, o presente trabalho enfoca o multifacetár io fenômenodesportivo e suas formas de manifestação e prática, a origem e a evolução dosclubes de futebol e sua atual cadeia de contratos. Deste modo, e também valendo -sede análise comparativa da figura do clube -empresa em outros países, o temaprincipal consiste (i) na aferição de constitucionalidade da legislação que trata doclube-empresa, diante dos princípios de liberdade de associação e autonomiadesportiva; e, (ii) na investigação acerca da compatibilidade entre a atividade deprática desportiva profissional e a legislação que regula a atividade empresária noBrasil.

Palavras-chave: Desporto. Esporte. Clube -empresa. Sociedade desportivaempresária. Atividade empresarial. Desporto profissional. Sociedade em comum.Responsabilidade. Dirigentes. Asso ciação. Estatutos. Associados.

Page 7: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

ABSTRACT

This paper is about the legal and constitutional grounds as well as social andnormative repercussions of the football club company. The football cl ub companycan be defined as the professional sports entity that is incorporated as a commercialpartnership. In Brazil, the typology of commercial partnerships is a recentdevelopment that reflects an international trend, specifically in Europe. Braziliansports law is legally grounded on the constitutional role of the Brazilian State as aregulator of public interest activities. The regulatory framework defined ininfraconstitutional legislation relates professional sports, economic activity and theincorporation of commercial partnerships to assert that soccer teams may becomesports-team-companies or be treated as unincorporated partnerships. This paperanalyzes, in a critical manner, the legal grounds for the sports -team-companies inBrazil. It focuses on the multisided phenomenon of sports, with its manymanifestations and practice, as well as on the origin and evolution of soccer teamsand their current contractual network. Thus, the paper’s main theme consists in: (i)the verification of the constitu tionality of the football club company legislationconsidering the freedom of association and sports autonomy principles; and (ii) theinvestigation of the compatibility between professional sports and the Braziliancommercial legislation.

Key words: Sport, Football club company, Sports commercial partnership,Commercial activity, Professional Sport. Unincorporated Partnership, Liability,Managers, Association, Statutes. Members

Page 8: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

1

1 INTRODUÇÃO

1.1 Determinação do assunto

A origem da legislação brasileira sobre desporto remonta à década de

1940, inspirada pelo sistema jurídico -desportivo italiano1. Decorridas duas décadas,

em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no Brasil, e em quase

todos os países do mundo, está, legalmente, organizado”. 2 Quarenta anos se

passaram e a história mostrou que a voracidade legiferante não foi eficiente para

impor a almejada organização ao esporte 3 brasileiro.

Esta constatação está especialmente aparente no inconstante tratamento

legislativo imposto às entidades de prática desportiva. Como se verá ao longo do

trabalho, a legislação brasileira oscilou entre a facultatividade e a obrigatoriedade de

vinculação dos clubes profissionais às sociedades empresárias, sob o estigma de que

“mercantilização”, “mediatização” e “profissionalização” 4 transformam associações

desportivas em sociedades empresárias.

Sujeitos ao humor legislativo encontram -se algumas centenas de clubes,

milhares de atletas e milhões de associados e torcedores. O dispositivo legal que

atualmente encarta o tema do trabalho foi mencionado – pela exposição de motivos

do projeto originário – como “a mudança mais importante do sistema desportivo

brasileiro”.5

Como se vê, a determinação do assunto demonstra, por si, a justificativa

do estudo que adiante de apresenta.

1 AIDAR, Carlos Miguel (Coord.). Direito desportivo. Campinas: Mizuno, 2000. p. 18.2 NEVES, Serrano. Direito penal desportivo . Rio de Janeiro: Minerva, 1963. p. 2.3 Para os fins deste trabalho, os vocábulos desporto, esporte e desporte são utilizados como sinônimos. OVocabulário Ortográfico da L íngua Portuguesa, em conformidade com o Formulário Ortográfico daAcademia Brasileira de Letras, reg istra as três formas de escrita.4 MELO FILHO, Álvaro; KRIEGER, Marcílio César Ramos. Relações atletas/clubes: especificidades jus -desportivas. Anais da XIX Conferência Nacional dos Advogados . Volume 1. Brasília: OAB, ConselhoFederal, 2006. p. 303.5 MELO FILHO, Álvaro. Novo regime jurídico do desporto . Brasília: Brasília Jurídica, 2001 . p. 96.

Page 9: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

2

1.2 Aderência do tema

O presente trabalho pretende explorar o denominado clube -empresa, suas

funções e seu regime jurídico. O problema centraliza -se, em síntese, na proposta de

localização dos fundamentos para o tratamento aplicado aos clubes de futebol no

Brasil, nos dias atuais.

O espaço de reflexão da área de concentração de Direito Empresarial e

Cidadania, do Programa de Mestrado das Faculdades Integradas Curit iba, a que este

trabalho encontra-se vinculado, busca ir além do estudo do direito empresarial, para

realizar investigação multi e interdisciplinar que permita integração de conteúdo

com a cidadania. Para tanto, busca subsídios de ordem constitucional, esp ecialmente

focados na tutela dos direitos e garantias fundamentais, ética, responsabilidade

social, inclusão e sustentabilidade. Como descreve o referido Programa de

Mestrado, busca-se:

a oportunidade de desenvolver, às últimas conseqüências, umamatriz científico-doutrinária firmemente assentada sobre aquadratura constitucional de 1988, cuja leitura, amadurecida em15 anos de intenso trabalho interpretativo, orienta a pesquisa devanguarda da coletividade acadêmica brasileira, na área doDireito; [e], o ensejo de, multi e interdisciplinarmente e comsuperação das tradicionais dicotomias público/privado, iniciativaprivada/campo estatal etc., explorar uma metodologia inovadorade co-implicação entre, de um lado, as categorias que presidemos regimes legais das atividades produtivas e, de outro, as quepossibilitam a preservação e a tutela dos direitos fundamentais damultifacetada coletividade nacional, sem olvidar o impacto dainserção de tais relações produtivas no concerto internacional .6

A linha de pesquisa Obrigações e Contratos Empresariais –

Responsabilidade Social e Efetividade enfrenta a natureza da obrigação e do

6 Disponível em http://www.faculdadescuritiba.br/webmkt/mestrado /projeto.htm. Acesso em 28 de dezembrode 2006.

Page 10: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

3

contrato empresarial, integrada aos novos aportes de índole constitucional;

reconhece a importância da metodologia da interpretação; pre ocupa-se com a

universalização dos benefícios da atividade produtiva e os meios pelos quais o

Direito garante o cumprimento desta função; e, finalmente, busca identificar, como

fator de relevância, a efetividade do conteúdo estudado para a pragmática da vi da

cotidiana.

O subprojeto de pesquisa Obrigações e Contratos Empresariais –

Responsabilidade Social e Efetividade, sob coordenação do Prof. Dr. Fábio Tokars,

como também define o programa de mestrado, “Trata da natureza, estrutura e função

das obrigações e dos contratos societários, com ênfase nos custos econômicos e

sociais da atividade empresarial, na exclusão social e na universalização de

benefícios, mediante ações de responsabilidade social”. 7

A pertinência face com a área de concentração e a linha de pesquisa do

Programa de Mestrado encontra -se (i) na análise do regime jurídico das sociedades

empresárias e adaptabilidade à atividade desportiva profissional e (ii) nos efeitos das

cominações normativas que determinam a vinculação entre a estruturação so cietária

e a atividade desportiva profissional.

A abordagem multidisciplinar dos conceitos se revela pela análise do

desporto como fenômeno social, político e jurídico, além da contextualização

internacional e histórica do fenômeno desportivo. A abordagem interdisciplinar dos

conceitos está focada no desporto como matéria constitucional e no regime jurídico

incidente sobre a sociedade desportiva empresária.

As demais balizas metodológicas relacionam -se com o desporto como

linha de ação positiva para atuação estatal (princípio programático) e o desporto

profissional e sua presumida aproximação com as regras gerais aplicáveis às

sociedades empresárias.

7 Disponível em http://www.faculdadescuritiba.br/webmkt/mestrado/projeto.htm. Acesso em 28 de dezembrode 2006.

Page 11: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

4

A eficácia social desdobra-se da abordagem histórica, que pretende

reconstruir como os clubes funcionaram, de sde a origem da modalidade futebol,

como foram implantados no Brasil e como a sociedade recebe e/ou aceita estas

estruturas. Aspectos éticos consistem na investigação sobre a existência ou não de

universalização dos benefícios decorrentes da implementação do sistema legislativo

atribuído ao clube-empresa; ainda, a confrontação entre a finalidade societária e a

suposta cadeia produtiva vinculada à atividade desportiva profissional, para

constatar se esta cadeia de contratos mostra relevância para adoção dest a ou daquela

estruturação jurídica.

1.3 Delimitação do tema e problemática

Como se afirmou, a pertinência do tema proposto com a área de

concentração de Direito Empresarial e Cidadania, especialmente com a linha de

pesquisa de obrigações e contratos empre sariais: responsabilidade social e

efetividade, encontra-se – em linha geral – na investigação sobre a imposição legal

para estruturação dos clubes esportivos em sociedades empresárias.

Para tanto, a proposta consiste em iniciar com a apresentação do insti tuto

que será explorado ao longo do trabalho, permitindo a imediata defrontação com o

tratamento legal e seus efeitos em relação aos destinatários imediatos da norma. O

método tem objetivo de ambientar o leitor ao problema que se pretende enfrentar: o

tratamento legislativo aplicado para estruturação jurídica dos clubes profissionais de

futebol no Brasil encontra fundamento constitucional e efetividade normativa e

social?

Ao contrário do que possa a princípio parecer, não se adota a indução,

mas o método dedutivo que parte de uma abordagem multidisciplinar de

contextualização do desporto como fenômeno social, político e jurídico, de modo a

perseguir a interseção entre esporte e direito. Esta abordagem multidisciplinar segue

Page 12: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

5

com a análise do desporto e suas r espectivas formas de manifestação, para propor a

adoção de uma classificação necessária à compreensão deste fenômeno

multifacetado. A ênfase incide sobre duas formas peculiares de organizar e praticar

esporte: de modo profissional e de modo não -profissional. Mais adiante, esta

classificação auxiliará a investigação das distinções daí decorrentes e do regime

jurídico que cada uma delas reclama.

Ainda no primeiro capítulo, à guisa de sedimentação dos elementos

conceituais, ganha significação o escorço históri co sobre a origem dos clubes, aliado

ao reconhecimento da definição de suas realidades distintas, quais sejam o desporto

praticado no ambiente associativo e o desporto realizado como atividade econômica.

Os temas de associativismo e empresariado são tratad os neste ponto ainda de modo

preliminar, para demonstrar como a origem do futebol e sua assimilação em

território brasileiro auxiliaram a organização dos praticantes por intermédio da

estruturação associativa, pois o terceiro capítulo reserva uma abordagem mais

aprofundada sobre os aspectos contemporâneos que envolvem os clubes esportivos.

Os temas de associativismo e empresariado não foram integralmente relegados ao

terceiro capítulo porque são necessários – ainda que provisoriamente – para o

escopo do segundo capítulo.

E o segundo capítulo se propõe à persecução dos fundamentos

constitucionais do clube-empresa, ou melhor, dos fundamentos que autorizariam o

Estado a intervir na estrutura dos clubes esportivos. O enfrentamento desta hipótese

pressupõe a noção de associação e sociedade empresária, porque a investigação está

delimitada pela análise da prevalência da função estatal sobre a regulação da

atividade privada. Como o tema é relativamente insipiente no Brasil, a análise dos

fundamentos constitucionais passa pelo método comparativo de tratamento

constitucional e legal do esporte e da estrutura societária adotada pelos clubes em

alguns sistemas jurídicos estrangeiros. Assenta -se, desde já, que o escopo desta

comparação jurídica não é explorar todas as nua nças dos sistemas alienígenas, seja

Page 13: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

6

no aspecto esportivo, seja no aspecto societário. A comparação pretende fazer

aflorar apenas alguns aspectos de cada sistema, para que sejam aplicados com

objetivo de realçar circunstâncias relevantes para o direito bras ileiro.

Como se trata de uma investigação de prevalente natureza constitucional,

imantam-se de significação os métodos de interpretação constitucional,

especialmente quando se enfrentam contradições aparentes entre princípios, tais

como a livre associação, a autonomia desportiva e o condicionamento à livre

iniciativa. Os postulados hermenêuticos indicam, em situações similares, a aplicação

do princípio de cedência recíproca, com objetivo de buscar a solução concreta com a

preservação do máximo possível de c ada valor colocado em conflito aparente. Sob

tais parâmetros, enfrenta-se a questão dos limites de intervenção estatal em matéria

desportiva.

Postos os fundamentos constitucionais, o terceiro capítulo trata do

mercado desportivo e da rede contratual que se agrega à atividade desportiva

profissional. Em seguida, procede -se avaliação de atos constitutivos de clubes de

futebol que exercem esta atividade desportiva profissional. Então, conjugando

elementos expostos anteriormente, enfrentam -se as bases legais do clube-empresa no

Brasil, de modo a concluir se a legislação estabelece uma faculdade ou uma

imposição e, em qualquer dos casos, se o faz de modo lógico e adequado ao sistema

jurídico brasileiro. Finalmente, destacam -se aspectos relacionados à funcionalida de

do clube-empresa e os reflexos sociais projetáveis a esta nova figura do sistema

jurídico-desportivo brasileiro.

Page 14: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

7

2 CLUBE-EMPRESA E DESPORTO

2.1 Noções do clube-empresa

O clube-empresa é a figura originada a partir do reconhecimento de que a

exploração e a gestão do desporto profissional constitui exercício de atividade

econômica e, como tal, deve ser realizado por entidades que estejam constituídas de

acordo com um dos tipos de sociedade empresária admitidos pela legislação civil 8.

Sob esta perspectiva, portanto, clube-empresa é a denominação da sociedade

empresária que explora e realiza a gestão do desporto profissional, submetendo -se –

à escolha de seus sócios – a um dos tipos de sociedade empresária admitidos pela

legislação vigente.

Atualmente, a adesão ao sistema de clube -empresa é bastante restrita e

dirige-se exclusivamente às entidades de prática profissional da modalidade de

futebol, em razão de previsão específica da legislação desportiva brasileira 9 e da

vacatio legis prevista pela legislação civil, em relação às entidades que se

8 Conforme a justificativa do Ministério do Esporte, encaminhada ao Presidente da República, em projeto delei de iniciativa do Poder Executivo, que posteriormente converteu -se na Lei n.º 10.672, de 15 de maio de2003: “O projeto ora apresentado a Vossa Excelência contempla, de forma objetiva, a realidade fática doestágio do desporto nacional quanto à necessidade de as entidades se constituírem em sociedade comercial oucontratarem sociedade comercial para administrar suas atividades profissionais, facultando àquelas que não ofizerem serem equiparadas às sociedades de fato ou irregulares na forma da lei comercial, gravando-as commaior vigor nas obrigações daí decorrentes, (...)”. Como se verá mais adiante, desde a promulgação da Lei n.8.672/93, diversas configurações legais foram implementadas e variaram entre a facultatividade e aobrigatoriedade da transformação dos clubes em empresas. Oportunamente, também, a justificativa seráobjeto de apreciação crítica.9 BRASIL. Lei n. 9.615, de 24 de março de 1998. “Art. 94. Os artigos 27, 27 -A, 28, 29, 30, 39, 43, 45 e o § 1 o

do art. 41 desta Lei serão obr igatórios exclusivamente para atletas e entidades de prática profissional damodalidade de futebol.” (Redação dada pela Lei nº 9.981, de 2000)

Page 15: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

8

encontravam estruturadas na forma de associações, no momento da entrada em vigor

do novo Código Civil10.

No ambiente esportivo é praticamente uníssona a opinião no sentido de

rechaçar esta imposição legislativa. O s clubes esportivos de futebol, em sua maioria,

recorrem a indistintos argumentos para evitar a modificação da estrutura que

historicamente adotaram: a formação associativa. Com isso, a enorme maioria dos

clubes de futebol está instituída, atualmente, na f orma de associação11.

Não obstante, há exemplos de clubes que adotaram a estrutura

empresária, como o Esporte Clube Bahia, que constituiu o Bahia Futebol S.A., em

04 de fevereiro de 1998, a primeira sociedade anônima desportiva brasileira 12.

Dentre aqueles que adotaram a estrutura empresária, a opção majoritária é pela

sociedade anônima. No Paraná, por exemplo, o Malutrom S.A. (atual J. Malucelli

S.A.) realizou sua assembléia de constituição em 30 de julho de 1998. Dentre as

poucas sociedades limitadas, o CFZ do Rio Sociedade Esportiva Ltda., cujo sócio

majoritário é Arthur Antunes Coimbra (Zico) 13. O estatuto social do Malutrom S.A.,

por exemplo, determina que:

a sociedade tem por objeto a prática do desporto de rendimento,[...], a formação de atletas, técni cos e demais profissionaisligados à área esportiva, a comercialização de produtosesportivos, a locação de espaços destinados à prática deatividades esportivas, a negociação e comercialização detransmissões ou retransmissões de espetáculos ou eventosesportivos nos quais a Sociedade venha a participar ou coordenar,

10 BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil. “Artigo 2.031. As associações efundações, constituídas na forma das leis anteriores, bem como os empresários, deverão se adaptar àsdisposições deste Código até 11 de janeiro de 2007.”11 Esta constatação será demonstrada mais adiante e decorre da análise de maioria dos atos constitutivos dosclubes de futebol que disputam as séries A e B do Campeonato Brasileiro.12 BARBOSA, Alberto Puga. Clube -empresa: a transição de um novo modelo de organização desportiva.Revista Brasileira de Direito Desportivo , São Paulo, Editora da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção SãoPaulo, n. 1, Primeiro semestre de 2002, p. 61.13 BARBOSA, Alberto Puga. Clube -empresa: a transição de um novo modelo de organização desportiva. p.60.

Page 16: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

9

o licenciamento e a exploração do nome, da marca, da imagem edos símbolos do time de futebol Malutrom e da escola deformação de atletas e a exploração, após prévio credenciamentojunto ao órgão competente, do jogo de bingo, permanente oueventual, com a finalidade de angariar recursos pa ra o fomentodo desporto, [...].

Esta menção permite demonstrar, de modo preliminar, um amplo rol de

atividades de natureza econômica relacionadas ao desport o, especificamente o

futebol.

De outro lado, também a título exemplificativo, o estatuto social do

Esporte Clube Juventude o apresenta como uma “sociedade civil”, que “tem por

finalidade e objetivo desenvolver e estimular a educação física em todas as suas

modalidades, em particular o futebol; promover reuniões de caráter esportivo e

recreativo, social e cultural, sempre sem visar lucros materiais de qualquer

natureza.”14 Interessante constatar que o Juventude encontra -se na elite técnica do

futebol nacional, disputando a Série A do Campeonato Brasileiro, enquanto o J.

Malucelli S.A. contende na Série C do mesmo Campeonato. Contudo, a

compreensão deste fenômeno não se realiza pela identificação de resultados

desportivos pontuais, senão demanda a exploração de aspectos mais amplos, como o

próprio desporto, suas perspectivas e formas de manifestação, como se propõe a

seguir.

2.2 Desporto como fenômeno social, político e jurídico

O desporto é manifestação humana de competição realizada por meio da

atividade física (corporal e mental), praticada socialmente e estruturada sobre um

conjunto de regras.

14 Estatuto social consolidado, arquivado pelo clube em 30 d e setembro de 2005.

Page 17: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

10

Segundo HUIZINGA15, o jogo16 é uma dimensão essencial da atividade

humana. Por intermédio do jogo, o homem distrai -se, abstrai-se da realidade

laborativa, relaciona-se com outros indivíduos fora da dimensão social formalizada.

O esporte é uma espécie de jogo, sustentado em duas características fundamentais: a

competição e a observância de regras preestabelecidas. Esta distinção é focalizada

por João Batista FREIRE17: “O esporte é o jogo em sua forma mais socializada. [...]

Fazer esporte implica fazer competição. [...] A diferença básica entre os jogos

conhecidos e o esporte será a maior complexidade deste último, bem como seu

maior grau de socialização”.

Não se pretende aprofundar o relevante debate sobre a formalização dos

conceitos de esporte e recreação, cujo resultado, segundo Lamartine Pereira da

COSTA18, foi a autolimitação de seus escopos. Sem prejuízo do reconhecimento da

necessidade de integração do esporte, da recr eação e da educação física na

perspectiva do acesso dos praticantes, o presente trabalho parte de uma distinção

conceitual necessária para o enfoque jurídico do tema.

A recreação é atividade estritamente lúdica, que não pressupõe a idéia de

competição ou de regras definidas. O enfoque é o mero divertimento. O esporte

também pode ser recreativo, mas sua prática pressupõe o comprometimento com

15 HUIZINGA, Johan. Homo ludens: o jogo como elemento da cultura. Tradução de João Paulo Monteiro. SãoPaulo: Perspectiva, 1980. p. 42.16 O termo “jogo” não tem o mesmo significado de “jogo de azar” ou de aposta atribuído pelos artigos 8 14 eseguintes do Código Civil. O sentido atribuído neste trabalho é de gênero de atividade física e/ou mentalorganizada, do qual o esporte configura espécie.17 FREIRE. João Batista. Pedagogia do esporte. Coletânea do 3o. Congresso Latino-Americano de Esporte,Educação e Saúde no Movimento Humano . Cascavel: Gráfica Universitária Unioeste, 1996. p. 38.18 COSTA. Lamartine Pereira da. Educação física e esporte não formais . Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico,1988. p, 46. O Autor considera que a formalização dos conceitos de educação física, esporte e recreaçãoreduziram os seus escopos, pois desconsideraram a interdisciplinariedade. O Autor defende a idéia de Esportepara Todos, “o conjunto de todas as atividades esportivas e recreativas que visam, em diferentes graus, àforma física e à socialização dos praticantes: atividades às quais os grupos espontâneos da sociedade têmacesso sem limitações excessivas de condições econômicas, sexo e idade. Em resumo, ‘Esporte para Todos’ équalquer atividade esportiva que é praticada nas condições do alto nível mas que pode lhe servir de basequando necessário e socialmente, justo.”

Page 18: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

11

regras e a existência de alguma forma de competição, de busca de objetivo inerente

àquela prática da atividade física .19

A importância do esporte foi e continua sendo identificada em diferentes

enfoques, seja como elemento fundamental para a formação individual, seja como

instrumento de inclusão social e cidadania.

Heron BERESFORD20, por exemplo, desenvolveu a idéia de “mo ral

social do tipo consensual” por intermédio do esporte, a partir do imperativo

categórico kantiano21. O autor afirma que a “moral social do tipo consensual tem a

sua fundamentação numa ética social e que esta, por sua vez, tem por objetivo fixar

critérios para a incorporação de princípios da moral individual à sociedade”.O

esporte é explorado como meio de educação e, agregado à moral social, é

reconhecido como instrumento de transmissão de uma escala de valores, por

“vivências e situações concretas” capaze s de “colaborar para o exercício da

cidadania dos praticantes das diversas modalidades desportivas”. 22

Neste cenário, o doping é atacado por negativar o esporte, ao violentar o

estado natural das coisas e transformar a pessoa em um meio e não em um fim. De

outro lado, mesmo a aplicação fria das regras é contestada, por representar – por

vezes – uma imoralidade. O autor exemplifica por intermédio da análise da prova

final dos dez mil metros rasos na Olimpíada de Barcelona, oportunidade em que um

marroquino utilizou a tática do coelho, forçando o queniano Richard Chelimo a

alterar seu desenvolvimento normal durante a prova, como um meio de beneficiar

19 Como se verá mais adiante, o esporte admite diversas formas de manifestação. Para este momento dotrabalho, antes de distinguir estas manifes tações, importa compreender o esporte em sua perspectivafuncional.20 BERESFORD, Heron. A ética e a moral social através do esporte . Rio de Janeiro: Sprint, 1994.21 O Autor desenvolve o imperativo categórico de Kant, a consciência do dever moral: ‘Kant apr esenta oprincípio ético do dever como uma lei moral que se impõe à consciência humana, através de um únicoimperativo categórico, cuja fórmula fundamental é a seguinte: “Age apenas segundo uma máxima tal quepossas ao mesmo tempo querer que ela se torne l ei universal.”. (p. 45) Em seguida, o Autor propõe asuperação da moral kantiana e identifica o que denomina de moral social através do esporte.22 BERESFORD, Heron. A ética e a moral social através do esporte . p. 90.

Page 19: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

12

outro marroquino – Khalid Suah – que foi o vencedor. Os espectadores da prova

notaram a estratégia e, no momento da premiação, o marroquino Khalid Suah foi

duramente vaiado, enquanto Richard Chelimo foi ovacionado ao receber a medalha

de prata23.

Na perspectiva política, o esporte tem exemplos históricos, tais como a

estratégia nazista para comprovar a superioridade da raça ariana pelo desporto ou o

deslocamento do embate da guerra fria para as Olimpíadas. São demonstrações do

desvirtuamento do desporto como fenômeno político, causadoras de tragédias como

o atentado contra os atletas israelenses nas Olimpíadas de Muni que, em 1972.

De outro lado, o arrefecimento de embates políticos e de diferenças

históricas tem o esporte como aliado, como ocorreu na visita da seleção brasileira de

futebol ao Haiti, em 2005.

Enfim, o fenômeno esportivo tem sua importância resumida por João

Batista FREIRE:

Não há como negar a importância do fenômeno esporte. Essefenômeno não representa capricho, mas necessidade. O esporte éreconhecidamente um dos mais ricos patrimônios dahumanidade. Ocupa significativos espaços na mídia. Veiculamensagens, vende produtos, entretém. Constitui uma das maisimportantes opções de lazer das populações em todo o mundo. 24

Contudo, a despeito desta noção abrangente, há uma perspectiva

especialmente relevante, que reconhece a conjugação entre dois institutos

supostamente antagônicos: o direito e o desporto.

23 A síntese desta abordagem é a seguint e: “Isso porque o desenvolvimento da moral social do tipo consensualatravés do esporte de formação básica pode propiciar aos seus praticantes um verdadeiro exercício decidadania, na medida em que estarão sendo preparados para estabelecer, de forma consen sual e consciente, oque será exigido de cada indivíduo e de um determinado grupo social, sem esperar que isso seja ditado deforma absolutista e/ou autoritária pelo Estado, igrejas, escolas ou até mesmo pela convivência social.”(BERESFORD, op. cit., p. 86).24 FREIRE. João Batista. Pedagogia do esporte . p. 38.

Page 20: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

13

Como já se afirmou, o esporte constitui -se em atividade humana

assentada basicamente sobre duas características: prática da competitividade e

observância de regras preestabelecidas. No momento em que a brinca deira e o

divertimento transpõem o lúdico, dão lugar ao fenômeno esportivo, este

caracterizado pela competição e impregnado de normas de observância obrigatória

pelo desportista, que se integra aos limites predeterminados e específicos de cada

modalidade.

Pode-se constatar, nesta ordem de idéias, que o fenômeno desportivo está

sedimentado estruturalmente sobre um arcabouço de regras específicas que

permitem a realização de cada modalidade; e, sob uma visão conjuntural, o esporte

verte como uma peculiar forma de manifestação humana no corpo social,

convergindo, como tal, à coercibilidade das normas jurídicas.

De fato, o esporte é manifestação da conduta humana, em que duas ou

mais pessoas se relacionam segundo um liame proporcional que as autoriza a

pretender ou a fazer garantidamente algo 25. Esta característica permite, ao fenômeno

desportivo, ser alçado ao âmbito jurídico. E os conceitos jurídicos, diversamente dos

conceitos naturais e sócio-culturais, têm um alcance particular que lhes empresta

uma significação única: vinculam-se às conseqüências jurídicas, que consistem em

direitos e deveres reconhecidos como jurídicos 26.

Neste contexto e, em conclusão parcial, assumir que da atividade

desportiva podem decorrer direitos e deveres jurídicos, é reconhecer a pos sibilidade

de estes direitos e deveres serem defendidos e efetivados através de meios jurídicos,

25 Trata-se da “teoria da bilateralidade atributiva” proposta por Miguel REALE, in Lições preliminares doDireito. 19. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 50-52: “Bilateralidade atributiva é, pois, u ma proporçãointersubjetiva, em função da qual os sujeitos de uma relação ficam autorizados a pretender, exigir, ou a fazer,garantidamente, algo.”26 ENGISCH, Karl. Introdução ao pensamento jurídico . 7 ed. Tradução João Baptista Machado (do originalde 1983). Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian , 1996. p. 102.

Page 21: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

14

isto é, por meio de autoridades judiciais, administrativas ou particulares escolhidas

pelos próprios desportistas.

Define-se assim, de forma teórica, (i) a pos sibilidade de aplicação do

direito ao fenômeno desportivo, buscando -se evitar o arbítrio naquelas relações

interpessoais; e (ii) o próprio conteúdo jurídico do desporto, vale dizer, a integração

completa capaz de comprovar que a prática do desporto se perf az como um

fenômeno jurídico.

Apesar de todo o exposto, esta aparente sincronia teórica converge para

uma discrepância prática. O desporto, que constitui uma manifestação social de

soberba e essencial importância, vem seguindo um caminho à margem das norma s

jurídicas27. Esta dissociação prática entre direito e desporto pode ser exemplificada,

sem objetivo de esgotamento, pelas políticas assistemáticas de intervenção estatal

em relação ao esporte; o desconhecimento da própria comunidade desportiva em

relação à legislação aplicável ao desporto; e, a ausência de um estudo sistemático do

direito desportivo como disciplina científica.

Não obstante, ainda que a constatação da realidade se apresente adversa,

não há como se negar a íntima relação existente entre os f enômenos jurídico e

desportivo, como bem sintetiza João LYRA FILHO:

Como todo fenômeno social, o desporto se projeta no domíniojurídico [...]. O fenômeno desportivo, como fato permanente,através de povos e civilizações, com seu caráter de instituiçãoarraigada na sociedade moderna, criou um verdadeiro DireitoDesportivo, com regras e princípios, mais ou menos definidos,cuja existência é reconhecida e que se concretiza com práticas eleis que se aplicam rigorosamente a quantas incidências sesucedem na vida do desporto. Assim como elemento que se

27 Esta não é uma realidade exclusiva do Brasil. Como lembram João Bosco da SILVA e Paulo MarcosSCHMITT in Entenda o Projeto Pelé. Londrina: Lido, 1997, em Os senhores dos anéis - poder, dinheiro edrogas nas olimpíadas modernas , os autores Vyv SIMSON e Andrew JENNINGS afirmaram ter sido maisdifícil investigar os bastidores do esporte que os da máfia.

Page 22: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

15

infiltra, paralisando as manifestações humanas, o Direito nãopode permanecer alheio a tais atividades. 28

E não são poucas as incidências que se sucedem na vida do desporto.

Somente a título exemplificativo, podem -se enumerar desdobramentos sobre o trato

jurídico do desporto e das obrigações relacionadas às entidades desportivas.

No âmbito do direito concorrencial, desde 2003 há debates perante o

Ministério da Justiça brasileiro (SDE/CADE) sobre exclusividade na t ransmissão de

eventos esportivos29, cujo resultado recente é um acordo firmado entre Globosat e

Conselho Administrativo de Defesa Econômica, para que as operadoras não filiadas

ao grupo Globo possam adquirir conteúdo dos canais esportivos de modo não

discriminatório. Com efeito, o Termo de Compromisso de Cessação de Prática

firmado em maio de 2006, pela Globosat, junto ao Conselho Administrativo de

Defesa Econômica, acabou com a exclusividade, até 2008, que as operadoras

filiadas ao grupo Globo (Net e Sky) d etinham na oferta de canais esportivos. A

partir de 2009, a Globosat não poderá ter exclusividade na transmissão de mais do

que dois, dos seguintes eventos esportivos: Campeonato Brasileiro, Copa do Brasil,

Taça Libertadores da América (Copa Toyota de Club es), Campeonato Carioca e

Campeonato Paulista. Dentre estes, agora lhe é autorizado escolher três, desde que

não acumule Campeonato Brasileiro e Copa do Brasil 30.

Na Europa, o G-14, grupo composto pelas maiores equipes européias,

acusa a FIFA de exercer posição dominante por, de um lado, lucrar cerca de 2,5

bilhões de dólares na Copa do Mundo e, de outro, obrigar os clubes a cederem

28 LYRA FILHO, João. Introdução ao direito desportivo . Rio de Janeiro: Pongetti, 1952. p. 95.29 GLOBO PODE PERDER EXCLUSIVIDADE NO FUTEBOL . Estado de São Paulo . São Paulo, 06 dejaneiro de 2003. p. 16.30 ZIMERMMANN, Patrícia. Globosat perde exclusividade em jogos. Folha de São Paulo , São Paulo, 1º. dejunho de 2006. p. B10.

Page 23: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

16

graciosamente seus atletas, sem direito a reclamar compensações financeiras de

qualquer espécie31 32.

No aspecto jurídico-contábil, a Comissão de Valores Mobiliários

ressalvou as formas pelas quais as auditorias vêm corroborando a contabilização de

atletas profissionais como ativos financeiros dos clubes de futebol no Brasil 33, com

objetivo de definir uma padronização em relação ao s direitos decorrentes da rescisão

dos contratos de trabalho. Na mesma linha, o Conselho Federal de Contabilidade

aprovou norma específica que “estabelece critérios e procedimentos específicos de

avaliação, de registros contábeis e de estruturação das demo nstrações das entidades

de futebol profissional e demais práticas desportivas profissionais, e aplica -se

também a confederações, federações, clubes, ligas, sindicatos, associações,

entidades controladas, coligadas e outras que, direta ou indiretamente, est ejam

ligadas à exploração da atividade desportiva profissional”. 34 A preocupação incide

especialmente na padronização dos balanços financeiros, o maior detalhamento entre

receitas e despesas e a contabilização dos custos com a formação de atletas. A

Resolução 1005/2004, do Conselho Federal de Contabilidade, estabeleceu mudanças

na apresentação dos balanços dos clubes de futebol, cuja observância tornou -se

obrigatória a partir de 30 de abril de 2006 (prazo máximo para publicação dos

balanços contábeis). A normativa prevê a necessária categorização das receitas e

31 RITUERTO, Ricardo M. de. Clubes europeus mais poderosos levam Fifa aos tribunais: o G -14 apóia ademanda do Charleroi, que exige compensação para emprestar jogadores internacionais. Agência EFE,Bruxelas, 08 de setembro de 2005 . p. 2.32 RITUERTO, Ricardo M. de. G-14 e Fifa brigam de novo sobre liberação de atletas às seleções. AgênciaEFE, Bruxelas, 15 de setembro de 2005 . p. 3.33 NIERO, Nelson. KPMG deve ser julgada pela CVM em polêmica sobre clubes de futebol. ValorEconômico, São Paulo, 13 de setembro de 2003. Disponível emhttp://www.dpf.gov.br/DCS/clipping/novembro/CS%2013%20de%20Novembro.htm#n29919. Acesso em 14de setembro de 2003.34 CONSELHO FEDERAL DE CONTABILIDADE (BRASIL). Resolução CFC nº 1.005/04 - Aprova a NBCT 10.13 - Dos Aspectos Contábeis Específicos em Entidades Despo rtivas Profissionais.

Page 24: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

17

despesas em clube social, esporte amador e futebol profissional e os custos com

formação de atletas devem ser contabilizados como ativo imobilizado 35.

Sob o enfoque do direito laboral, ressaltam as disc ussões judiciais sobre

contratos de trabalho, distinção em relação aos contratos de imagem, horas extras,

adicionais e indenizações por rescisão antecipada 36. E a discussão não se restringe a

jogadores, mas também a técnicos e demais dirigentes. A Revista C onsultor

Jurídico, por exemplo, constatou que “ dez dos mais importantes clubes de futebol

brasileiros respondem, em conjunto, a 2.821 processos na Justiça do Trabalho” 37. A

negociação de transferência de jogadores, v.g., demonstra sua força. O superávit do

Clube Atlético Paranaense em 2005 foi de R$ 25.562.883,00 (vinte e cinco milhões,

quinhentos e sessenta e dois mil, oitocentos e oitenta e três reais), segundo o balanço

publicado. O crescimento se deve, segundo pode -se constatar pela análise dos

números, à participação na Libertadores da América, ao contrato de naming rights

do estádio com a Kyocera Mita América 38, ao aumento da cota para transmissão de

partidas pela televisão e às transferências internacionais de atletas. 39

No ambiente societário, não são n ovos os embates entre investidores e

dirigentes das entidades desportivas 40. Mas, há também relevantes operações de

mercado de capitais, como o lançamento de ações do Colo -Colo na Bolsa de Valores

35 BALANÇOS FINANCEIROS SOB ANÁLISE DO CFC. O Lance!. N. 3086, ano 9, Rio de Janeiro, 25 deabril de 2006. p. 28.36 SÃO-PAULINO DESEJA MUDANÇA NAS LEIS TRABALHISTAS. Esportebizz. São Paulo, 15 dedezembro de 2003. p. 4.37 ERDELYI, Maria Fernanda. Futebol nos tribunais - Conheça os clubes mais acionados na Justiça doTrabalho. Revista Consultor Jurídico . Disponível em http://conjur.estadao.com.br/static/text/35061,1. Acessoem 29 de maio de 2005.38 Kyocera Mita América adquiriu o direito de inserir seu nome no estádio do Clube Atlético Paranaense, hojedenominado “Kyocera Arena”.39 ALVES, Hedeson. Vendas puxam lucro atleticano. Gazeta do Povo, Paraná, 28 de abril de 2006, Cadernode Esportes. p. 1.40 OPPORTUNITY DEVE INTERVIR NO BAHIA. Agência Placar. São Paulo, 18 de dezembro de 2003,Disponível em http://placar.abril.uol.com.br/aberto/clubes/meiocampo/122003_215228.shtml. Acesso em 18de dezembro de 2003.

Page 25: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

18

chilena, tornando a equipe de futebol a segunda colocada ent re as empresas do

Chile, em número de investidores 41.

No que se refere ao direito do consumidor, há precedentes

jurisprudenciais condenando clube de futebol a indenizar torcedor roubado em

estádio42, com suporte na legislação reguladora do consumo. O Código de Defesa do

Consumidor também sustenta pretensão de indenização deduzida pelo Ministério

Público de São Paulo, em razão da declaração de nulidade e repetição das onze

partidas dirigidas pelo árbitro Edílson Pereira de Carvalho, durante o Campeonato

Brasileiro de 200543. Na direção da responsabilidade civil, a administradora de um

estádio de futebol foi condenada a indenizar um funcionário atingido por uma

bomba44. E, ainda na perspectiva da responsabilidade civil, estudo publicado

demonstra que atletas de competição estão três vezes mais sujeitos a problemas

cardíacos decorrentes de arritmias do que as demais pessoas 45.

Dos exemplos acima mencionados, dois apresentaram repercussão no

ambiente da denominada justiça desportiva, razão pela qual abre -se espaço para

breve delimitação das competências, com objetivo de demonstrar que o tema deste

trabalho não se encontra sob abrangência daquele meio alternativo de solução de

conflitos desportivos.

41 NA BOLSA, COLO-COLO ATRAI EMPRESAS. MBPress. São Paulo. Disponível emhttp://listas.cev.org.be/pipermail/cevgestao/2005 -july/000137.html. Acesso em 20 de julho de 2005.42 CARTÃO VERMELHO - GRÊMIO É CONDENADO A INDENIZAR TORCEDOR AGREDIDO EROUBADO. Revista Consultor Jurídico . Disponível em http://conjur.estadao.com.br/static/text/1007 ,1.Acesso em 30 de janeiro de 2004.43 MÁFIA DO APITO - 34 MI DE REAIS DE INDENIZAÇÃO. Veja on line. Disponível emhttp://vejaonline.abril.com.br/notitia/servlet/newstorm.ns.presentation.NavigationServlet?publicationCode=1&pageCode=1&textCode=117152&date= 1147438320000. Acesso em 11 de maio de 2006.44 JOGO NO MINEIRÃO - ADMINISTRADORA DEVE INDENIZAR FERIDO POR BOMBA. RevistaConsultor Jurídico . Disponível em http://conjur.estadao.com.br/static/text/38015,1. Acesso em 20 desetembro de 2005.45 ARRITMIA EM ATLETAS. Agência FAPESP. Disponível emhttp://www.agencia.fapesp.br/boletim_dentro.php?data[id_materia_boletim]=4303 . Acesso em 08 desetembro de 2005.

Page 26: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

19

A justiça desportiva brasileira encontra -se prevista no artigo 217, §§ 1o e

2o da Constituição Federal de 1988 46, incumbindo-lhe a solução de conflitos

relacionados à disciplina e às competições desportivas.

A Constituição Federal estipula o esgotamento das instâncias da justiça

desportiva como pressuposto processual, para que a pretensão originada de questões

disciplinares e de competição desportiva seja admitida pelo Poder Judiciário. Em

síntese:

Cabe à justiça desportiva, assim, aplicar as sanções disciplinaresprevistas no artigo 50, §1 º, incisos I a XI da Lei n.º9.615/98,autorizar a aplicação das sanções previstas no artigo 48, IV e Vdo mesmo diploma legal, assim como decidir sobre ainterpretação de normas fundamentadoras da organização dascompetições desportivas, tais como impugnações de partidas eprovas, mandados de garantia e interpretação de regulamentos.Nesses casos, a regra geral é a necessidade de esgotamento dainstância desportiva antes da busca da tutela jurisdicional doEstado. Diante de um conflito de interesses relacionado àdisciplina e/ou competições des portivas, a Constituição e alegislação de regência previram uma estrutura externa ao PoderJudiciário, composta democraticamente e sujeita aos princípiosdo devido processo legal, para permitir ao desportista a soluçãocélere, economicamente acessível e s ubstancialmente técnica. 47

Como se vê, nem toda matéria desportiva foi excepcionada pela

Constituição como viável para discussão em sede de justiça desportiva, como

aquelas inerentes ao direito civil, criminal ou do trabalho, ainda que o direito

desportivo busque elementos subsidiários nessas disciplinas. Do mesmo modo, a

46 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil 1988. “Art. 217. É dever do Estado fomentarpráticas desportivas formais e não-formais, como direito de cada um, observados:omissis§1º O Poder Judiciário só admitirá ações relativas à disciplina e às competições desportivas após esgotarem -seas instâncias da justiça desportiva, reguladas em lei.§2º A justiça desportiva terá o prazo máximo de sessenta dias, contados da instauração do processo, paraproferir decisão final.”47 QUADROS, Alexandre Hellender de; SCHMITT, Paulo Marcos. Justiça Desportiva vs. Poder Judiciário:um conflito constitucional aparente. Revista Brasileira de Direito Desportivo , São Paulo: Instituto Brasileirode Direito Desportivo, n. 4, Segundo semestre de 2003 . p. 175.

Page 27: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

20

literalidade do dispositivo constitucional, ao mencionar “disciplina e competições

desportivas”, impede que se a doutrina apresente dissonância em relação à conclusão

de que a forma de estruturação societária das entidades desportivas não se comunica

com o objeto constitucionalmente atribuído à justiça desportiva 48.

Superada a questão da justiça desportiva, constata -se que toda a plêiade

de antecedentes até aqui referidos demonstra que a din âmica do fenômeno

desportivo cria um cenário multifacetado de problemas e desafios, cujas soluções

têm sido buscadas de forma pontual e específica. Na realidade, os novos conflitos

criados a partir do desenvolvimento do fenômeno esportivo não dependem

exclusivamente da adoção de soluções isoladas originadas a partir de experiências

aproximadas, adotadas por analogia.

O tratamento jurídico do desporto reclama uma reconstrução 49, baseada

em investigação histórica e atenta à perspectiva funcional e aos valores que imantam

o esporte. Esta é a estratégia pretendida para o presente trabalho, que não objetiva

enfrentar todos os antecedentes acima mencionados, senão ocupar -se dos

fundamentos jurídicos do clube -empresa no Brasil.

2.3 Formas de manifestação do desport o

48 Na vigência do sistema anterior à Constituição de 1988, em razão da ausência de previsão constitucionalsobre a justiça desportiva e a estipulação do artigo 29 da Lei n. 6.354/76, o Supremo Tribunal Federalmanteve decisão do Plenário do TST, no sentido de que a instância desportiva deveria ser esgotada mesmo emmatéria de conflitos trabalhistas entre clubes e atle tas (in AI-AgR 123747/SP. Rel.: Min. Djaci Falcão. j.u.04.03.1988. 2ª. T. p. 25.03.1988. Ementa: Trabalhista. Lei 6.354/76. Justiça desportiva. Esgotamento dainstância. Inocorrência da ofensa ao art. 153, parágrafo 1, 2 e 3 da C.F. Matéria decidida à luz da lei ordinária.Agravo regimental improvido). Com o novo sistema constitucional, a previsão do artigo 114 CF/88 levou asolução de conflitos de natureza trabalhista exclusivamente à Justiça do Trabalho. De outro lado, o artigo 217transportou ao patamar constitucional o pressuposto de esgotamento da instância desportiva, mas delimitou oescopo da justiça desportiva, cujo plexo de competência – como se viu – não abrange o objeto do presenteestudo.49 Na perspectiva acadêmica, encontram -se avanços na conjugação entre direito e desporto. Em dezembro de2005, a Universidade de Sorbonne inaugurou o primeiro curso superior em direito do esporte, patrocinadopelo ministério do esporte francês. No Brasil, iniciaram -se cursos de pós-graduação em direito desportivo ,assim como diversas faculdades de direito implementaram a disciplina de direito desportivo em seuscurrículos acadêmicos. A Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, em 2005, teve um painel

Page 28: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

21

O fenômeno desportivo pode ser classificado de diversas formas. Pode -se

optar, por exemplo, pela classificação por modalidades, de acordo com as

respectivas divisões estabelecidas por cada uma de suas entidades organizadoras

(futebol, basquete, vôlei, at letismo, natação).

Para tal critério de classificação, importaria discorrer que, historicamente,

formaram-se grupamentos para prática desportiva, criando -se os clubes.

Posteriormente, a padronização das regras de prática, necessária para que os clubes

promovessem disputas entre si, exigiu a criação de entidades dirigentes. Em seguida,

a internacionalização das disputas impôs o estabelecimento de entidades

internacionais de administração do desporto, tais como a Union Cycliste

Internacionale (1885), a Fédération Internationale de Football Association (1904),

a Fédération Internationale de Natation Amateur (1908) a International Amateur

Athletic Federation (1913) e a Fédération Internationale de Basketball Amateur

(1933).50

Entretanto, a classificação acima des crita – ainda que relevante para a

compreensão do sistema desportivo – encontra-se voltada para as regras de prática,

cuja importância revela-se diminuta para o presente estudo. O foco de atenção ora

exigido não se encontra sob que regra cada modalidade de sportiva é praticada, mas

como o desporto, de forma geral, é organizado para esta prática.

Tentando impor este enfoque, a revogada Lei n.º 6.251/75 reconhecia as

seguintes formas de organização desportiva: comunitária, estudantil, militar e

classista. Esta definição legislativa recebeu as mais duras críticas, foi considerada

proveniente de uma “visão míope” e entendida como uma “classificação desfocada

da realidade.”51. Com efeito, tratava-se de uma classificação focada exclusivamente

sobre direito desportivo e o Conselho Federal da Or dem dos Advogados do Brasil conta, também a partir de2005, com uma Comissão de Direito e Legislação Desportiva, presidida por Rubens Approbato Machado.50PERRY, Valed. O Direito Desportivo. Revista Brasileira de Direito Desportivo , São Paulo: Editora daOrdem dos Advogados do Brasil – Seção São Paulo, n 1, Primeiro semestre de 2002 . p. 19.51 MELO FILHO, Álvaro. Direito Desportivo Atual . Rio de Janeiro: Forense, 1986. p. 42.

Page 29: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

22

no aspecto competitivo do desporto, olvidando outros prismas sobre os quais o

esporte se manifesta.

Antes de ser estritamente competitivo, como já se afirmou, o esporte é

manifestação de entretenimento lúdico, de ocupação do tempo livre, de lazer e

participação. “O desporto – prática para todos – se abre como uma nova

possibilidade do homem do nosso tempo e, consideradas as direções que tomam os

hábitos da sociedade tecnológica, como uma verdadeira necessidade higiênica do

homem do nosso tempo.” 52

De outro lado, o esporte é elemen to de formação humana, diretamente

relacionado à educação:

O desporto-educação enseja modelar nas pessoas valores cujatranscendência não é meramente individual, mas também social.Sem dúvida, na formação das crianças, adolescentes e jovens,para serem cidadãos livres, responsáveis e solidários, o desportotem um papel preponderante, favorecendo o desenvolvimentocorporal e mental harmônico, aprimorando a implantação dehábitos sadios, estimulando o fortalecimento da vontade e dastendências de liderança. O desporto concorre, ainda, para oaprendizado das regras de convivência social, seja auxiliando oindivíduo a descobrir-se para melhor enfrentar as situações davida, seja despertando e/ou consolidando o sentimentocomunitário.53

Como se vê, as manifestaçõe s do fenômeno desportivo acima

mencionadas não encontram seu foco principal no aspecto competitivo. Ao

contrário, aqui este elemento cede em prol da participação, do aspecto lúdico e da

formação educacional.

52 CAGIGAL, J. M. El Deporte en la Sociedad Moderna . Madrid: Prensa Espanhola. 1975. p. 83. Traduçãolivre. No original: “El deporte – práctica para todos – se abre como una nueva posibilidad del hombre denuestro tiempo y, vistas las direcciones que toman los hábitos de la sociedad tecnificada, como una verdaderanecesidad higiénica del hombre de nuestro tiempo.”53 MELO FILHO, Álvaro. Direito Desportivo Atual . p. 45.

Page 30: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

23

Outra faceta do esporte é aquela que prima pelo aspecto de competição,

na qual a ênfase incide sobre a superação de resultados e sobre a vitória como

escopo primordial. Neste caso, invade -se a seara do desporto-competição, do

desporto de rendimento, cujo ambiente permite constatar, ainda, duas formas

distintas de manifestação esportiva, de acordo com o nível de vinculação dos

praticantes.

De um lado, aqueles que praticam a atividade desportiva respeitando

rigorosamente as regras estabelecidas, com intuito competitivo; contudo, sem

finalidade ou interesse econômico. De outro, aqueles que elegem a prática do

desporto como meio de subsistência e/ou meio de exploração com finalidade

lucrativa.

Esta é a estrutura de classificação que influenciou a legislação vigente e

será admitida no presente trabalho, pois abrange de modo conciso e adequado as

manifestações do desporto (educação, participação e rendimento). Ao mesmo tempo,

autoriza o enfoque efetivo no desporto de competição (de rendimento), que é – como

se verá adiante – a manifestação desportiva relevante para o problema enfrentado.

2.4 Desporto profissional e não profissional

A Comissão de Reformulação do Desporto Brasileiro, instalada por

intermédio do Decreto nº. 91452, de 19 de julho de 1985, presidida por Manoel José

Gomes TUBINO, identificou três for mas de manifestação do esporte: o esporte -

educação, compreendido como manifestação esportiva que objetiva desenvolver o

indivíduo integralmente, como contributo para formação da cidadania; o esporte -

participação, colocado à disposição da população brasilei ra como meio de prática do

desporto formal e não-formal, promovendo a integração social e ocupação sadia do

tempo livre; e, o esporte-performance, que engloba atividades físicas de natureza

Page 31: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

24

competitiva cuja prática exige observância rigorosa das regras imp ostas pelos

organismos internacionais de cada modalidade 54.

Estas formas de manifestação foram incorporadas pela legislação

brasileira, inicialmente pela Lei nº. 8.672/93 e, a posteriori, pela Lei nº. 9.615/98,

sob as rubricas do desporto educacional, de pa rticipação e de rendimento. A

legislação vigente reconhece que o desporto de rendimento pode ser praticado de

modo profissional ou não profissional 55.

A Lei nº. 8.672/93 estabelecia de forma textual que o desporto

profissional caracterizava-se por remuneração pactuada em contrato formal de

trabalho ou ‘demais formas contratuais pertinentes’ (art. 3º) 56. Portanto, conforme

reconhecia o legislador, a atividade profissional caracterizava -se precipuamente pela

remuneração. O atleta remunerado, portanto profission al, poderia ser ou não ser

parte de um contrato de trabalho.

Entretanto, apesar de representar um avanço, ao possibilitar a estipulação

de vínculo trabalhista independentemente da modalidade desportiva, a norma

54 TUBINO, Manoel Gomes. Teoria geral do esporte . São Paulo: Ibrasa, 1987. p. 45.55 BRASIL. Lei n. 9.615, de 24 de março de 1998. “Art. 3 o O desporto pode ser reconhecido em qu alquer dasseguintes manifestações: (omissis)

III - desporto de rendimento, praticado segundo normas gerais desta Lei e regras de prática desportiva,nacionais e internacionais, com a finalidade de obter resultados e integrar pessoas e comunidades do País eestas com as de outras nações.

Parágrafo único. O desporto de rendimento pode ser organizado e praticado:

I - de modo profissional, caracterizado pela remuneração pactuada em contrato formal de trabalho entre oatleta e a entidade de prática desportiva;

II - de modo não-profissional, identificado pela liberdade de prática e pela inexistência de contrato detrabalho, sendo permitido o recebimento de incentivos materiais e de patrocínio. (Redação dada pela Lei nº9.981, de 2000).”56 BRASIL. Lei n. 8.672, de 06 de julho de 1993. “Art. 3 o O desporto como atividade predominantementefísica e intelectual pode ser reconhecido em qualquer das seguintes manifestações: ( omissis)

III - desporto de rendimento, praticado segundo normas e regras nacionais e internacion ais, com a finalidadede obter resultados e integrar pessoas e comunidades do País e estas com as de outras nações.

Parágrafo único. O desporto de rendimento pode ser organizado e praticado:

I - de modo profissional, caracterizado pela remuneração pactuad a em contrato formal de trabalho ou demaisformas contratuais pertinentes;”.

Page 32: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

25

pretérita estabeleceu um conceito de atleta p rofissional pouco preciso, que

dificultava sobremaneira a delimitação de sua abrangência. Com efeito, à medida

que o legislador objetivou estabelecer um conceito, deveria tê -lo feito a partir da

atividade do atleta (premissa maior) e não dos elementos do c ontrato.

A questão é relevante, ao se constatar que a Lei nº. 9.615/98 aprofunda o

equívoco legislativo, determinando expressamente que o desporto de rendimento

pode ser organizado e praticado de modo profissional, caracterizado pela

remuneração pactuada em contrato formal de trabalho entre o atleta e a entidade de

prática desportiva (art. 3º, §único, inciso I). Segundo a definição legal, profissional é

apenas o atleta detentor de contrato formal de trabalho firmado com uma entidade de

prática desportiva (isto é, um clube).

A despeito da previsão legal, é certo que o profissionalismo não se insere

nos elementos do contrato de trabalho. Trata -se de qualificação diversa, que não se

confunde com os requisitos da relação empregatícia. A profissão, considerada em si

mesma, como afirma Orlando GOMES, pode estar vinculada ou não ao contrato de

trabalho subordinado, “[...] é a particular forma de atividade que o indivíduo

escolhe como seu trabalho ordinário e contínuo, com fim de sustento quase sempre,

mas sobretudo a serviço das necessidades gerais.” 57

Nesta ordem de idéias, o atleta profissional é aquele que elege a atividade

desportiva de rendimento como modo de vida, como ocupação vinculada às suas

necessidades gerais, despendendo sua força corporal e intelectual com escopo de

auferir remuneração. Sob este conceito, seriam hipóteses de atividade profissional

vivenciadas na prática pelo desportista: (i) o atleta que efetiva seu registro

diretamente perante a entidade de administração do desporto (federação ou

confederação) e participa de eventos auferindo remuneração decorrente dos prêmios,

situação em que o atleta estabelece vínculo de natureza civil com a entidade

57 GOMES, Orlando; GOTTSCHALK, Elson. Curso de direito do trabalho . 11. ed. Rio de Janeiro: Forense,1990. p. 87.

Page 33: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

26

organizadora do evento, não se constatando qualquer relaçã o trabalhista; (ii) o atleta

que estabelece vínculo com a entidade de prática do desporto (clube), para atuar em

campeonato ou evento com período de duração inferior ao mín imo legal

estabelecido para o contrato de trabalho ou de modo eventual, auferindo

remuneração por intermédio de um vínculo de natureza civil denominado locação de

serviços, absorvido pelo contrato de trabalho autônomo; e, (iii) o atleta que

estabelece vínculo empregatício com a entidade de prática do desporto, atendendo os

requisitos dos artigos 2o. e 3o. da Consolidação das Leis do Trabalho, hipótese de

contrato de trabalho em sentido estrito, na qual o atleta disponibiliza sua força de

trabalho e sua habilidade física e intelectual, subordinando -se de forma pessoal e

não-eventual às determinações do clube empregador, em troca de remuneração.

Entretanto, o legislador contemporâneo optou – na caracterização do

desporto de rendimento profissional – por reconhecer como válida apenas a última

hipótese acima elencada. Com efeito, os artigos 3 o, 26 e seguintes da Lei n.º

9.615/98 reconhecem como profissionais apenas as atividades dos atletas vinculados

a entidades de prática do desporto que tenham como precedente fundamental o

contrato formal de trabalho. Assim, a norma vigente manteve o equívoco da

conceituação imposta pela Lei n.º 8.672/93, ao inserir o profissionalismo como

elemento do contrato de trabalho. E mais, no intuito de estabelecer maior segurança

jurídica ao atleta empregado, a Lei n.º 9.615/98 engessou as demais atividades

“profissionais” reconhecidas pela norma anterior como “demais formas contratuais

pertinentes”, pois considera profissional apenas o atleta que firma contrato formal de

trabalho com determinado clube.

A par do contorno legal deixar descoberta significativa facção da

comunidade desportiva, o próprio conceito legislativo deixa transparecer o interesse

primordial de regular as atividades relacionadas ao futebol, tanto que o artigo 94 da

Lei n.º 9.615/98 ressalva diversos dispositivos que desdobram os efeitos da

Page 34: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

27

conceituação do desporto praticado de modo profissional, tornando -os de aplicação

obrigatória apenas para a modalidade de futebol 58.

Apontada a inadequação legislativa – tanto em relação ao conceito de

atleta profissional, quanto ao interesse primordial em regular as atividades da

modalidade de futebol – é indene de dúvidas que o profissionalismo está relacionado

ao atleta. Como se afirmou, o desporto profissional é uma espécie da man ifestação

do desporto de rendimento, legalmente caracterizado pela remuneração pactuada em

contrato formal de trabalho entre atleta e entidade de prática desportiva (art. 3 o, §

único, inciso I).

Mais adiante, a lei dá um tratamento diferenciado para as lig as formadas

por entidades de prática desportiva envolvidas em competições de atletas

profissionais, equiparando-as às entidades de administração do desporto, vale dizer,

federações e confederações (art. 20, § 6º) 59. Ainda à frente, no capítulo que trata da

prática desportiva profissional, a lei estabelece que atletas e entidades de prática

desportiva são livres para organizar a atividade profissional, qualquer que seja a

modalidade, respeitados os termos desta lei (art. 26, caput)60; mais do que isso,

conceitua competição profissional como aquela promovida para obter renda e

disputada por atletas profissionais (art. 26, § único) 61.

58 BRASIL. Lei n. 9.615, de 24 de março de 1998. “Art. 94 – Os artigos 27, 27-A, 28, 29, 30, 39, 43, 45 e o§1º do art. 41 desta lei serão obrigatórios exclusivamente para atletas e entidades de prática profissional damodalidade de futebol” (redação dada pela Lei n.º 9.981, de 14 de julho de 2000).59 BRASIL. Lei n. 9.615 , de 24 de março de 1998. “Art. 20. As entidades de prática desportiva participantesde competições do Sistema Nacional do Desporto poderão organizar ligas regionais ou nacionais. ( omissis)

§ 6o As ligas formadas por entidades de prática desportiva envolvi das em competições de atletas profissionaisequiparam-se, para fins do cumprimento do disposto nesta Lei, às entidades de administração do desporto.”(Incluído pela Lei nº 10.672, de 2003)60 BRASIL. Lei n. 9.615, de 24 de março de 1998. “Art. 26. Atletas e entidades de prática desportiva sãolivres para organizar a atividade profissional, qualquer que seja sua modalidade, respeitados os termos destaLei.”61 BRASIL. Lei n. 9.615, de 24 de março de 1998. “Art. 26. Atletas e entidades de prática desportiva sãolivres para organizar a atividade profissional, qualquer que seja sua modalidade, respeitados os termos destaLei. Parágrafo único. Considera-se competição profissional para os efeitos desta Lei aquela promovida paraobter renda e disputada por atletas pr ofissionais cuja remuneração decorra de contrato de trabalhodesportivo.” (Incluído pela Lei nº 10.672, de 2003)

Page 35: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

28

Até este ponto, não há ressalvas em relação a modalidades, o que leva a

concluir que a gênese da identificação da atividade pratica da de modo profissional

encontra-se no atleta. Em outras palavras, o atleta profissional, ao participar de

competição, qualifica-a como profissional; as entidades de prática que contratam

atletas profissionais e formam uma liga, dão a esta liga uma qualifi cação

diferenciada, equiparando-a a uma federação ou confederação.

Portanto, o pressuposto para o tratamento legal que culmina na definição

do clube-empresa supõe a prática desportiva profissional e é precedido da

identificação e presença do atleta profiss ional, razão pela qual considera -se relevante

proceder breve digressão acerca do contrato de trabalho do atleta.

O atleta profissional já foi considerado congênere do artista 62 e os atletas

praticantes de esportes individuais, em regra, considerados autônom os63.

Atualmente, a análise do arcabouço legal demonstra que a atividade desportiva

profissional é sui generis; quando presentes os elementos do contrato de trabalho,

corresponde sempre à relação de emprego e não se diferencia – para conceituação do

atleta profissional – entre praticantes de desportos individuais ou coletivos.

O empregador é a entidade de prática do desporto profissional,

identificada como “pessoa jurídica de direito privado” (art. 28) 64. O empregado é o

desportista que opta pelo profissional ismo e realiza o contrato de trabalho,

dedicando-se, na maioria das vezes em tempo integral, aos treinamentos e em

disponibilidade para participar de eventos e competições. O atleta empregado presta

serviços remunerados, de maneira não eventual e por tempo determinado, pois que,

mesmo na hipótese de participar de partidas ou provas esporádicas, deve cumprir o

62 STF, DJU 28.7.52, in BARRETO PRADO, Tratado de direito do trabalho, v. 2, p. 622, apud CARRION,Valentin. Comentários à CLT. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 406.63 CARRION, Valentin. Comentários à CLT. p. 406-407.64 BRASIL. Lei n. 9.615, de 24 de março de 1998. “Art. 28. A atividade do atleta profissional, de todas asmodalidades desportivas, é caracterizada por remuneração pactuada em con trato formal de trabalho firmadocom entidade de prática desportiva, pessoa jurídica de direito privado, que deverá conter, obrigatoriamente,cláusula penal para as hipóteses de descumprimento, rompimento ou rescisão unilateral.”

Page 36: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

29

período de treinamento. Vale dizer, não se trata de trabalho eventual porque não

depende de acontecimento incerto, casual ou fortuito, e, ainda, a tar efa do atleta

profissional empregado decorre da atividade ordinária da entidade de prática

desportiva. De outro lado, a relação entre o atleta empregado e a entidade

empregadora é rigorosamente subordinada, não se tratando de mera sujeição

econômica ou hierárquica, mas de uma subordinação jurídica 65.

Em síntese, pelo conceito legal, ora admitido, o atleta profissional é

aquele detentor de contrato formal de trabalho com um clube. Como se verá, este é o

ponto de propulsão para delimitação do tratamento legal dirigido ao desporto

praticado e organizado de modo profissional, diferenciando -o do desporto praticado

e organizado de modo não profissional.

Quando a Lei nº 9.615/98 trata da prática desportiva profissional 66, inicia

determinando que “atletas e entidades de prática desportiva são livres para organizar

a atividade profissional, qualquer que seja a modalidade, respeitados os termos desta

lei.”67 De plano, o dispositivo ratifica a constatação de que a classificação não pode

ser entre “modalidade profissional” e “modalidade não profissional” (ou, ainda, a

superada terminologia “modalidade amadora” 68). Isto é, está plenamente superada e

equivocada a afirmação de que apenas o futebol seria profissional, enquanto, por

exemplo, o vôlei ou o basquete seriam “esportes amadores” [sic].

Em consonância com o artigo 3º e com a afirmação acima exposta, o

artigo 28 estipula que: “a atividade do atleta profissional, de todas as modalidades

65 A natureza da subordinação foi objeto de análise de diversas escolas, que buscaram explicar a dependênciado empregado em face de critérios econômicos, técnicos, hierárquicos, pessoais e sociais. Acerca do tema,RUSSOMANO, Mozart Victor. Comentários à CLT. Vol. 1, 17. ed. Forense: Rio de Janeiro, 1997. p. 21/22.66 Este é o título do Capítulo V da Lei 9.615/98.67 Artigo 26, caput, da Lei 9.615/98.68 O artigo 3o da Lei n. 8.672/93 e, posteriormente, a redação original do artigo 3 o, inciso II, alíneas ‘a’ e ‘b’da Lei n. 9.615/98, previam uma subdivisão no desporto de rendimento organizado e praticado de modo nãoprofissional, compreendendo o que se denominava “semiprofissional” (atleta estagiário entre 14 e 18 anos) e“amador” (atleta de qualquer idade sem remuneração ou incentivo ma terial). Esta subdivisão foi suprimidapela nova redação estabelecida pela Lei n. 9.981/2000, que manteve apenas a terminologia “não profissional”.

Page 37: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

30

desportivas, é caracterizada por remuneração pactuada em contrato formal de

trabalho firmado com entidade de prática desportiva, pessoa jurídica de direito

privado, que deverá conter, obrigatoriamente, cláusula penal para as hipóteses de

descumprimento, rompimento ou rescisão unilateral.”

Logo adiante, constata-se que o conceito de atleta pro fissional vincula o

de competição profissional, pois “considera -se competição profissional para os

efeitos desta Lei aquela promovida para obter renda e disputada por atletas

profissionais cuja remuneração decorra de contrato de trabalho desportivo.” 69

Por sua vez, o conceito de competição profissional é pressuposto para a

identificação da denominada entidade desportiva profissional, pois “considera -se

entidade desportiva profissional, para fins desta Lei, as entidades de prática

desportiva envolvidas em competições de atletas profissionais, as ligas em que se

organizarem e as entidades de administração de desporto profissional.” 70. Aqui a

legislação de regência menciona desporto profissional, como uma conclusão de que

se trata do desporto praticado por atleta s e clubes em competições profissionais e

organizado por ligas, federações e confederações, também consideradas

profissionais quando organizam e/ou administram as atividades profissionais. 71

Confederações, federações, ligas ou clubes podem realizar atividad es

profissionais ou não profissionais. Contudo, “para os fins de fiscalização e controle

do disposto nesta Lei, as atividades profissionais das entidades de prática desportiva,

das entidades de administração do desporto e das ligas desportivas,

independentemente da forma jurídica como estas estejam constituídas, equiparam -se

às das sociedades empresárias, notadamente para efeitos tributários, fiscais,

69 Artigo 26, § único, da Lei 9.615/98. (Incluído pela Lei 10.672/2003)70 Artigo 27, § 10, da Lei 9.615/98. ( Incluído pela Lei 10.672/2003)71 Cabe neste ponto uma ressalva, decorrente da previsão assistemática do artigo 94 da Lei 9.615/98, aoestabelecer que os artigos 27, 27 -A, 28, 29, 30, 39, 43, 45 e o artigo 41, §1º são obrigatórios exclusivamentepara atletas e entidades de prática da modalidade de futebol.

Page 38: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

31

previdenciários, financeiros, contábeis e administrativos” 72. Ou seja, o conceito legal

de profissionalismo está atrelado ao de atividade empresarial, razão pela qual a

legislação estabelece que “é facultado às entidades desportivas profissionais

constituírem-se regularmente em sociedade empresária, segundo um dos tipos

regulados nos arts. 1.039 a 1092 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 –

Código Civil”73 e, mais adiante, impõe que “apenas as entidades desportivas

profissionais que se constituírem regularmente em sociedade empresária na forma

do § 9º não ficam sujeitas ao regime da sociedade em comum e, em especial, ao

disposto no art. 990 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil.”74

Como se vê, a legislação de regência identifica o esporte de rendimento

profissional como fator de produção, explorado economicamente pela entidade de

prática empregadora. A investigação sobre a origem dos clubes permitirá, de outro

lado, constatar como se deu a evolução dos clubes esportivos e as diferenças entre as

entidades de prática no passado e nos dias atuais, para que se possa dissecar o

tratamento legal imposto ao desporto profissional.

2.5 Origem e evolução dos clubes

A criação de clubes esportivos deveu -se, originariamente, da reunião de

pessoas interessadas na prática diletante. “No Brasil, segundo Nicolau e Calil

(1996), as primeiras sociedades de na tureza desportiva surgem no Estado do Rio

Grande do Sul, registrando-se a Sociedade Germânia (1850) e a Sociedade Orpheu

de São Leopoldo (1858), que destacam o desporto sob o enfoque de sua organização

social.”75

72 Artigo 27, §13, da Lei 9.615/98. (Incluído pela Lei 10.672/2003)73 Artigo 27, § 9º, da Lei 9.615/98. (Incluído pela Lei nº 10.672/2003)74 Artigo 27, § 11, da Lei 9.615/98. (Incluído pela Lei nº 10.672/20 03)75 BARBOSA, Alberto Puga. Clube-empresa: a transição de um novo modelo de organização desportiva. p.58.

Page 39: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

32

Isso ocorreu independentemente da modalidade praticada, notadamente

porque os clubes originaram-se ou rapidamente tornaram-se poliesportivos, não

apenas no Brasil, mas em diversas partes do mundo. Por esta razão, o exemplo do

futebol poderia ser estendido a todas as demais modalidades; contudo, como o foco

primordial do estudo dirige-se ao direito nacional e o artigo 94 da Lei n. 9.615/98

determina que os dispositivos legais inerentes ao clube -empresa são obrigatórios

exclusivamente para a modalidade de futebol, limita -se o escopo – a partir deste

ponto – ao esporte da “bola de chutar” 76.

Antes, entretanto, uma breve digressão sobre a origem e a

institucionalização do futebol no ambiente internacional e, depois, no Brasil. Este

retrocesso histórico permitirá a inclusão de três elementos importantes par a a este

estudo: a origem coletiva do futebol e sua necessária organização supranacional; a

forma traumática de como a profissionalização foi inserida; e, os efeitos da

organização internacional e do repúdio inicial à profissionalização sobre a

estruturação jurídica dos clubes no Brasil.

Segundo PRONI77, a origem mais aceita do futebol remonta ao século

XII na Inglaterra, quando se desenvolveu o hábito de chutar uma bola de couro

simbolizando a cabeça de um comandante invasor, como comemoração anual pela

expulsão dos dinamarqueses. Após a proibição da prática – em razão da violência

extrema, causadora de mortes e ferimentos – o futebol foi novamente autorizado,

sob regras menos bárbaras, em 1681.

Não se pode afirmar, com segurança, se o jogo de bola era prati cado com

o uso exclusivo dos pés; em verdade, PRONI destaca a grande variação de versões,

de acordo com a região em que era praticado. Menciona um jogo de bola

76 PRONI, Marcelo Weishaupt. A metamorfose do futebol . Campinas: Unicamp, 2000. p. 21. PRONI destaca,com suporte em Norbert ELIAS e Eric DUNNING. El fútbol em Grã Bretaña durante la Edad Media ycomienzos de la Edad Moderna. In Deporte y ócio em el proceso de la civilización, cap. V, que a palavra foot-ball já era empregada durante a Idade Média na Inglaterra, não designando o esporte, mas descrevendo oobjeto utilizado, isto é, a “bola de chutar”.77 PRONI, Marcelo Weishaupt. A metamorfose do futebol . p. 21 e ss.

Page 40: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

33

denominado hurling, disputado na modalidade “com porteiras” (de 15 a 30

jogadores) e “campo aber to” (com dezenas ou centenas de jogadores), sem regras

escritas e com dose de violência tão alta que impedem sua qualificação como

esporte, na dimensão moderna.

O futebol, como esporte na acepção moderna do termo, advém do final

do século XVIII e início do século XIX, quando passou – com outros jogos

populares – a ser assimilado de modo espontâneo pelas escolas públicas secundárias,

arrefecendo-se sua agressividade e definindo -se regras (ainda variáveis de acordo

com o colégio e a região). Segundo PRONI, o colégio Harrow definiu, em 1830, as

primeiras regras escritas do futebol ( The Football Rules), dentre as quais destaca-se

a presença de onze jogadores por equipe e duas traves verticais como meta. Em

1846, o colégio Rugby publicou suas regras ( The Laws of Football Played at Rugby

School).

As dificuldades enfrentadas para organizar jogos entre colégios e mesmo

para realizar partidas quando alunos provenientes de diversas localidades se

encontravam nas universidades geraram a necessidade de uniformização das regras,

o que ocorreu em Cambridge, 1848. Em paralelo, o futebol passou a arrebatar

adeptos fora dos círculos escolares, nos clubes esportivos ou por intermédio de

torneios. A situação levou à criação da Football Association , primeira liga de

futebol, que logo enfrentou a primeira dissensão, relacionada ao nível de violência

admitido para a prática esportiva.

Como destaca PRONI, a partir de 1863, em Londres, definiram -se duas

modalidades de praticar o football: o soccer ou Association Football e o rugger ou

Rugby Football. A primeira, capitaneada por Cambridge, Eton e outras dez escolas,

optou por reduzir o nível de violência, proibir o pontapé nas canelas ( hacking) e o

recurso de carregar a bola com as mãos; a segunda, encabeçada por Rugby, primou

pela maior virilidade, por considerar que o soccer desnaturaria as origens do jogo.

PRONI sintetiza:

Page 41: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

34

Em suma, foi assim que começou. O que estamos denominando de

‘invenção’ do futebol moderno correspondeu a uma construção social,

que implicou um processo gradual d e regulamentação para obter –

usando a terminologia de Elias – um equilíbrio entre o desejo de praticar

uma atividade física que produzisse uma tensão emocional ‘excitante’ e a

necessidade de restringir a violência desenvolvendo mecanismos de

autocontrole.78

Quando o futebol foi introduzido no Brasil, por volta de 1890, constituía

não mais do que um interessante passatempo durante os recreios infantis dos

colégios elegantes ou uma forma de exibição de marinheiros estrangeiros no cais do

porto do Rio de Janeiro. Segundo Leonardo Affonso de Miranda PEREIRA 79, podia

ser comparado a outras brincadeiras de garotos, como o “gude” e o “quatro cantos”.

Mas esta prática era distinta daquela realizada nos clubes ingleses. Em

verdade, pioneiros como Charles Muller e Osca r Cox têm seu mérito não apenas por

trazer bolas de futebol para o Brasil, mas também por trazer os manuais de regras e

pelo engajamento na prática e na organização do esporte.

Até 1901, o futebol era praticado como “diversão interna” em clubes

fundados por membros da colônia bretã no Rio de Janeiro, tais como o Payssandu

Cricket Club e o Rio Cricket and Athletic Association. Neste mesmo ano, iniciam -se

partidas entre times de brasileiros e equipes formadas por sócios dos clubes

“ingleses”. Seguem-se também “matches” realizados entre equipes cariocas e

paulistas.

Segundo PEREIRA, em 1902 é formado o primeiro clube de futebol no

Rio de Janeiro, o Rio Foot-ball Club, com sócios ingleses e brasileiros. Dias depois

78 PRONI, Marcelo Weishaupt. A metamorfose do futebol . p. 71.79 PEREIRA, Leonardo Affonso de Miranda. Footballmania – uma história social do futebol no Rio deJaneiro – 1902-1938. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000. p. 274.

Page 42: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

35

é fundado o Fluminense Foot -ball Club. Contudo, a prática organizada era ainda

elitista e exclusivista, restrita aos “rapazes da nossa melhor sociedade”.

A partir de 1904, o futebol se expande com a criação de outros clubes,

como o Bangu Foot-ball Club, o Botafogo Foot -ball Club e o América Foot-ball

Club; em paralelo, ocorre a diversificação de associações originariamente criadas

para prática de outros esportes, como o Club de Regatas do Flamengo, todas

contando com a participação maciça de jovens brasileiros. Como descreve

PEREIRA:

Juntos, os elementos tirados dessa obsessão dos defensores do novo

esporte pela Inglaterra compunham um quadro que ia dando ao futebol

um perfil ainda mais claro. Se os primeiros sócios do Fluminense já

tinham definido para ele a marca do refinamento, os entusiastas do jogo

iam, com o tempo, sofisticando sua imagem: criando uma terminologia

própria, definindo códigos de conduta compartilhados e concretizando

através de seus uniformes importados a aparência refinada que

pretendiam assumir, reforçavam a imagem restritiva e excl udente do jogo

– que garantiria aos seus poucos praticantes o papel de vanguarda da

civilização. 80

Contudo, a despeito do que ocorria dentro dos clubes mais elitistas, a

expansão alcança o subúrbio e, em 1906, o Rio de Janeiro conhece mais de trinta

clubes, dos quais pode-se destacar Pedregulhense F.C., Sport Club Mangueira,

Cascadura F.C., São Cristóvão F.C., Alumínio F.C., Club Atlético do Leme. O

esporte torna-se cada vez mais popular e passa a arregimentar cada vez mais

espectadores. Mesmo com a tentati va de monopólio pretendida com a criação da

denominada Liga Metropolitana, a prática do futebol alastrou -se rapidamente.

80 PEREIRA, Leonardo Affonso de Miranda. Footballmania – uma história social do futebol no Rio deJaneiro – 1902-1938. p. 40.

Page 43: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

36

Esta fase de formação dos clubes, concomitante com o próprio

desenvolvimento precípuo do futebol no Brasil, é sintetizada por Antonio C arlos

Kfouri AIDAR:

A história do futebol no Brasil e a formação de seus clubesguardam grande semelhança com a história do desenvolvimentodeste esporte na Europa ocidental. Referimo -nos aqui à Europa eà América Latina por serem os dois continentes onde o futebol sedesenvolveu de forma institucional antes de outras regiões.Na sua gênese, os clubes de futebol nasceram quase todos damesma forma. Grupos de pessoas se uniram e criaramassociações para a prática do esporte sem que houvessepreocupação outra que não fosse a disputa de partidas ecampeonatos.81

Constata-se, a partir deste breve retrospecto, que a criação de clubes

esportivos adaptava-se perfeitamente à hipótese de reunião de pessoas sem interesse

lucrativo, cuja finalidade era, exclusivamente, a prática do desporto. Mas o

afastamento do profissionalismo e conseqüente aproximação do “amadorismo” têm

sua origem relacionada à organização do futebol na Europa, como se pode constatar:

Ao longo da década de 1870, o futebol regulamentado começou aser praticado por membros das classes trabalhadoras, no centro eno norte do país, com o estímulo de diretores de fábricas, dedonos de minas de carvão ou mesmo de clérigos. [...]O futebol pode ser visto, nesse período em que o sport deixava deser um privilégio da aristocracia e da classe média endinheirada,como uma forma de recreação própria dos novos centros urbanos,que pouco a pouco ia se difundindo entre os distintos segmentosda sociedade britânica.82

A proletarização trouxe consigo a luta pela profissi onalização, pois as

equipes passaram a estabelecer meios de pagamento que permitissem aos seus

atletas dedicar mais tempo para os treinamentos. Entretanto, como a Football

81 AIDAR, Antônio Carlos Kfouri et alli. A Nova Gestão do Futebol . São Paulo: FGV Editora, 2001. p. 100.82 PRONI, Marcelo Weishaupt. Op. cit. p. 26.

Page 44: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

37

Association era contra qualquer forma de remuneração, por considerar que apenas o

esporte “amador” era capaz de manter os princípios éticos e de fair play, criou-se

um impasse que poderia culminar com a cisão da liga. A solução de consenso foi a

permissão para que jogadores fossem remunerados aliada às proibições de que os

dirigentes recebessem por seus serviços e de que os lucros fossem apropriados por

acionistas.83

O profissionalismo permaneceu circunscrito ao território inglês, apesar da

difusão do futebol por toda Europa, com a criação de times amadores: “Porto

(1893), Juventus (1897), Milan (1899), Barcelona (1899), Bayern Münich (1900),

Ajax (1900), Lazio (1900), Real Madrid (1902) e Benfica (1904).” 84

O movimento de internacionalização levou à constituição da Fédération

Internacionale de Football Association (FIFA), pela França, Bélgica, Dinamarca,

Holanda, Espanha, Suécia e Suíça. A Inglaterra, obviamente, não pretendia abrir

mão de sua hegemonia sobre as regras do esporte. O embate gerado a partir deste

ponto, ou melhor, sua conseqüente superação influenciou na ratificação e

disseminação da regra de que os clubes não deveriam ser usados como fonte de

meios lucrativos dirigidos aos seus dirigentes e acionistas.

Para que a Inglaterra ingressasse na FIFA, definiu -se que, além da

proibição ao profissionalismo, a autoridade sobre as regras do jogo permaneceria

exclusivamente atribuída ao Comitê Internacional de Football Association . 85

83 PRONI. Idem. p. 28. Maiores considerações sobre o tema, LEVER, Janet. A loucura do futebol . p. 61.84 PRONI. Ibidem. p. 31.85 LEVER, J. A loucura do futebol. apud PRONI, p. 32. O contraponto a esta determinação formal é oseguinte: “Alguns clubes vinham oferecendo ‘benefícios’ para assegurar a presença de jogadores oriundos dascamadas proletárias, o que era classificado como prática ilícita, contrária aos nobre s princípios que regiam (oudeviam reger) o esporte amador. Como para um atleta se credenciar a disputar os Jogos Olímpicos erafundamental que não recebesse qualquer gratificação monetária decorrente da prática esportiva, criava -se umasituação constrangedora. De qualquer forma, ficava cada vez mais difícil sustentar o ‘amadorismo defachada’, tendo em vista o crescimento do público, a cobrança do ingresso nas partidas e a condiçãosocioeconômica de muitos atletas.” (p. 33).

Page 45: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

38

Com isso, garantiu-se formalmente o afastamento do profissionalismo,

reforçado pelo elitismo do caráter “amador” dos Jogos Olímpicos. Entretanto, por

volta de 1925, as equipes que representavam os respectivos países nas Olimpíadas já

não contavam com seus melhores atletas, que estavam de alguma forma se

profissionalizando. Desta forma, a FIFA preparou um torneio mundial independente,

que se tornou realidade com a primeira Copa do Mundo de futebol, no Uruguai, em

1930. Este foi um divisor de águas para a profissionalização dos atletas, mas ainda

“havia uma clara preocupação em evitar que as forças do mercado dominassem a

administração dos clubes e federações e que o esporte servisse a interesses

privados.”86

Este cenário permite identificar as razões pelas quais os clubes criados no

Brasil nas primeiras décadas do século XX buscaram uma estruturação jurídica que

contemplasse o “amadorismo”, vale dizer, o desinteress e pela divisão de lucro e a

ausência de remuneração para atletas e dirigentes. Como resume Eduardo

CARLEZZO:

Na esfera desportiva essa modalidade teve ampla aceitação, e agrande maioria dos clubes adotou a tipologia de associação. Oque, aliás, não é exclusividade brasileira, uma vez que a quasetotalidade dos países latino -americanos e alguns europeusutilizavam essa forma associativa. [...]Grande parte dos clubes brasileiros foram criados há váriasdécadas, havendo aqueles que inclusive já atingiram o c entenário.Outros estão próximos a tanto. Saliente -se ainda que aestruturação dos clubes, como associação, em vários casos, deu -se antes mesmo da entrada em vigência do Código Civil de 1916,que passou a vigorar a partir de 1 º de janeiro de 1917. Por isso ,àquela época, a modalidade associativista satisfazia plenamenteos fins buscados pelas pessoas que se associavam a uma entidadevisando à prática desportiva. 87

86 PRONI, p. 35.87 CARLEZZO, Eduardo. Direito Societário Desportivo. Revista Brasileira de Direito Desportivo, São Paulo:Instituto Brasileiro de Direito Desportivo, n. 3, Primeiro semestre de 2003 . p. 64.

Page 46: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

39

A origem dos clubes de futebol, como se vê, encontrava -se diretamente

imbricada à opção pelo associativismo. Ao que se pode constatar, não em razão de

qualquer benefício fiscal ou similar, mas exatamente porque a opção pela reunião de

pessoas interessadas na prática desportiva competitiva, mas não de cunho

profissional ou com finalidades lucrativas, enquadrava-se perfeitamente na estrutura

associativa, inicialmente fomentada pelos próprios organismos internacionais

responsáveis pela organização da modalidade.

Ocorre que a situação se alterou ao longo dos anos e, como adiante se

verá, os clubes passaram a gerir grandes somas monetárias e a firmar uma plêiade de

contratos atrelados à prática esportiva. Em paralelo, o Estado fez incidir normas para

regulação desta atividade, inclusive para definir a estrutura das entidades de prática.

Este o cenário do desporto e de suas formas de manifestação, cuja

abordagem é pressuposto para compreensão do clube -empresa. A partir deste ponto,

o estudo cinge-se em duas dimensões de abordagem: a primeira busca aferir a

adequação da pretensão interventiva estatal em matér ia esportiva,

independentemente da estrutura jurídica adotada pelos clubes; a segunda, que

depende do resultado positivo da filtragem constitucional, procura acomodar o

tratamento legislativo do clube -empresa ao sistema infraconstitucional desportivo,

de modo a aferir a eficácia normativa e social daquela legislação.

3 DESPORTO E FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS DE AÇÃO

ESTATAL

3.1 Bases da análise comparativa e importância internacional do esporte

A inclusão de novos direitos, nas constituições , é movimento de inegável

amplitude. Desta forma, reputa -se relevante, para fundamentar a análise do

Page 47: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

40

tratamento legislativo atribuído ao clube -empresa no Brasil, proceder breve

comparação jurídica do tratamento internacional dado ao tema.

Para esta tarefa, adiante apresentada, não se propõe uma avaliação

extenuante do tratamento legislativo que o direito alienígena impõe para a

estruturação societária. O objetivo é comparar se e como alguns países tratam o

esporte em suas constituições e, se as respectivas constituições dão fundamento para

o tratamento normativo dirigido aos clubes desportivos.

Esta investigação é previamente colocada no compartimento dedicado ao

esporte organizado em cada país. Por isso, o enfoque não é propriamente incidente

sobre a estrutura das pessoas jurídicas em cada sistema jurídico pesquisado. Como já

se demonstrou e se repisará sucintamente adiante, o esporte é um fenômeno

mundial, ao qual atribuem-se peculiaridades, refletidas na forma como cada Estado

trata o fenômeno esportivo.

A Organização das Nações Unidas, em resolução aprovada pela 58 ª

Assembléia Geral, estabeleceu para 2005 o Ano Internacional da Educação Física e

do Esporte. A iniciativa remete ao artigo 22 da Declaração Universal dos Direitos

Humanos, que determina: “Toda pessoa, como membro da sociedade, tem direito à

segurança social, à realização pelo esforço nacional, pela cooperação internacional e

de acordo com a organização e recursos de cada Estado, dos direitos econômicos,

sociais e culturais indispensáveis à sua d ignidade e ao livre desenvolvimento da sua

personalidade.”

O esporte, como já se constatou, é categoria dos direitos culturais e,

portanto, está inserido dentre “os direitos que exigem atuação positiva, concreta e

promotora do Estado (direito ao trabalho, acesso às atividades culturais, direito à

saúde etc.).”88. Na síntese de Alberto Puga BARBOSA:

88 BRASIL. Ministério da Justiça. Secretaria de Estado dos Direitos Humanos. Direitos humanos nocotidiano. 2 ed. Brasília. 2001. p. 246.

Page 48: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

41

O desporto é hoje um acontecimento social universal (CazorlaPrieto, 1979, p. 52; Cazorla Prieto, 1992, p. 27), e segundo osaudoso mestre espanhol José Maria Cac igal, vivemos a ‘era dodesporto’, categoricamente numa ‘sociedade desportivizada’ emque a ciência e as diferentes manifestações culturais encontramsede comum na urbi et orbi desportiva.89

Mas não se pretende, para a análise comparativa, partir de uma si mples

generalização ou prescindir da apreciação contextual de cada sistema jurídico. Ainda

assim, não se está propondo reavivar o direito comparado 90, mas realizar um cotejo

analítico com prevalência do aspecto constitucional, por intermédio da eleição de

países de tradição jurídica romana (à exceção de Cuba).

Este movimento de reconhecimento de importância jurídica ao desporto

não é exclusivamente brasileiro e se refletiu com alguma antecedência nos países

identificados na análise comparativa. MELO FILHO de staca este movimento:

Impende salientar que o espaço aberto ao desporto, por cartasconstitucionais alienígenas configura -se como indisfarçável reafirmaçãode fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor do serhumano, além de eficiente e eficaz mecanismo para desenvolver relaçõesamistosas entre as nações que conduzem ao fortalecimento da pazuniversal.Na análise do conjunto de dispositivos constitucionais sobre desportoinclusos nas diversas constituições estrangeiras, afastadas aspeculiaridades de cada país, exsurge como ponto comum a múltiplafunção do desporto como elemento de integração social, como agente doprocesso educacional, como instrumento auxiliar à política de saúde e/oucomo veículo de promoção do lazer, sem prejuízo de s ua dimensão

89 BARBOSA, Alberto Puga. Legislação Desportiva: Desafios para o Século XXI. In _____. Desafios para oséculo XXI – Coletânea de textos da 1 a Conferência Nacional de Educação, Cultura e Desporto. Brasíl ia:Centro de Documentação e Informação da Câmara dos Deputados, 2001. p. 675.90 Não há espaço para, como descreve COELHO, Luiz Fernando. O renascimento do direito comparado.Revista de Informação Legislativa , Brasília, Senado Federal, a. 41, n. 162, abr./ jun. 2004, p. 249, “relacionaras correntes do pensamento com as práticas judiciais e extrajudiciais, reconstituir as relações dos diversosinstitutos entre si, no que elas possuem de perene, bem como as relações desses institutos com a política geraldos povos e com os grandes agrupamentos humanos.” O objetivo é bem mais modesto e cinge -se a focar oselementos positivados de nível constitucional e – eventualmente – infraconstitucional, para analisá -loscomparativamente com o que se adota e o que se pretend e adotar no Brasil.

Page 49: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

42

estritamente competitiva, mas tudo isso consorciando -se para fazer dodesporto um componente essencial dos direitos da pessoa humana. 91

A análise comparativa é estritamente dogmática e aproveita a

característica escrita de fonte legislativa dos países do sistema romanista, para

proceder análise comparativa entre os meios pelos quais o Estado interfere na

organização das entidades desportivas.

A investigação inicia por Cuba, país do sistema socialista, em razão da

forma peculiar como trata o espor te e da renúncia ao fundamento econômico que

subsidia a atividade desportiva em outros países. Em seguida, parte -se para França,

Portugal, Espanha e Itália, todos influenciados pela iminência de uniformização do

direito nos países europeus e pelo reconheci mento do desporto como um serviço

público, nos quais há estreita vinculação entre Estado e federações esportivas,

constatada a partir da necessidade de outorga estatal para as atividades desportivas

oficiais da entidades de administração desportiva; como e xceção na Europa, o

sistema alemão merece consideração por sua atribuição de maior autonomia às

federações e, de conseqüência, aos clubes, quando comparado com os demais

modelos europeus92.

3.2 Análise comparativa do tratamento constitucional

3.2.1 Cuba

91 PARENTE FILHO, Marcos Santos (org.); MELO FILHO, Álvaro; TUBINO, Manoel José Gomes. Esporte,educação física e constituição . Ibrasa: São Paulo, 1988. p. 31.92 Não se pode negar, mesmo porque reconhecido pela própria Constituição Europ éia, que se constata umapretendida identidade cultural de seus diversos estados -membros, no âmbito educacional, científico, artístico edesportivo. De outro lado, não se desenvolvem maiores considerações acerca do dirigismo constitucional,porque o embate sobre a questão das soberanias nacionais foge do escopo deste trabalho. Merece apenas odestaque de que – por vezes – as instituições européias preocupam -se com a tentativa de uniformização dequestões relacionadas ao desporto, como se constata pelo caso Bosmann (regulamentação de transferênciasinternacionais de atletas profissionais) ou a questão da isenção fiscal para entidades desportivas, concedida

Page 50: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

43

A dicotomia entre as naturezas econômica e social do esporte foi

superada em Cuba, por intermédio da negação da natureza econômica do esporte,

como se constata pela determinação constitucional cubana:

Art. 52 Todos tem direito à educação física, ao esporte e à recreação. Odesfrute deste direito está garantido pela inclusão do ensino e da práticada educação física e do esporte nos planos de estudo do sistema nacionalde educação; e, pela amplitude da instrução e pelos meios postos àdisposição do povo, que f acilitam a prática massiva do esporte e darecreação.93

Em Cuba, o aspecto social abrange todo o escopo do fenômeno esportivo,

como explica Karel L. Pachot ZAMBRANA 94, ao elencar os princípios que regem o

desporto naquele país: “O esporte é um direito de tod os os cidadãos. A prática do

esporte e da educação física é totalmente gratuita para todos os cidadãos sem

nenhuma distinção. O esporte e a educação física formam parte do Sistema Nacional

de Educação, com caráter obrigatório. O esporte e a atividade físic a constituem

componentes fundamentais do Programa Nacional de Promoção de Saúde. O esporte

é um meio, não um fim. Seu objetivo é formar cidadãos física e profissionalmente

preparados para enfrentar suas completas responsabilidades sociais.” 95

Tanto é assim que, como destaca ZAMBRANA, “a Resolução n.º 83 -A,

de 19 de março de 1962, que dispõe sobre a suspensão definitiva de toda atividade

pelo Reino da Espanha e vetada a pedido da Comissão das Comunidades Européias (com base no artigo 169do Tratado da Comunidade Européia).93 Tradução livre: “Todos tienen derecho a la educación física, al deporte y a la recreación. El disfrute de estederecho está garantizado por la inclusión de la enseñanza y práctica de la educación física y el deporte en losplanes de estudio del sistema nacional de educación; y por la amplitud de la instrución y los medios puestos adisposición del puebol, que facilitan la práctica masiva del deporte y la recreación. ”94 ZAMBRANA, Karel L. Pachot. El derecho al deporte en la Constitución Cub ana. Revista Brasileira deDireito Desportivo, São Paulo: Instituto Brasileiro de Direito Desportivo , n. 3, Primeiro Semestre de 2003. p.24.95 Tradução livre: “El deporte es un derecho de todos los ciudadanos. La práctica del deporte y la educaciónfísica es totalmente gratuita para todos los ciudadanos sin ninguna distinción. El deporte y la educación físicaforman parte del Sistema Nacional de Educación, com carácter obligatorio. El deporte y la actividad físicaconstituyen componentes fundamentales del Programa Nacional de Promoción de Salud. El deporte es unmedio, no un fin. Su objetivo es formar ciudadanos física y profesionalmente preparados para enfrentar suscomplejas responsabilidades sociales. ”

Page 51: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

44

desportiva de caráter profissional, demonstrando com feitos fundamentados e

referendados legalmente, o quão longe o Estado cubano se propunha a levar o

esporte. Este corpo legal como alternativa foi um golpe demolidor às teorias de que

só o esporte remunerado teria futuro no mundo.” 96

Esta abordagem deixa claro que o desporto pode ser considerado como

um meio ou como um fim. Em Cuba, é sempre um meio para formação individual e

social, razão pela qual o desporto profissional é desconsiderado, pois representaria –

segundo o sistema jurídico cubano – a exploração econômica como um fim em si

mesmo.

3.2.2 FrançaNa França, a Constituição de 1958, revista em 1962, “é essencialmente

lei, lei escrita ao serviço dos direitos e liberdades e da separação dos poderes

(conforme o art. 16o da Declaração de 1789), acreditando -se que, sendo lei escrita,

mais patente se tornarão as suas violaçõe s e, assim, se dissuadirão os governantes de

as cometer.”.97

Não obstante, a Constituição francesa não desce a minúcias das funções

estatais ou a programas de ação para o Estado e para a sociedade. Seu foco está

direcionado à soberania e à organização do E stado. Por isso, a França conta com

cerca de treze Códigos legislativos que tratam de urbanismo, educação, propriedade

intelectual, saúde etc. A matéria sob análise neste trabalho é tratada pelo Code du

Sport, instrumentalizado pela Lei 84 -610, de 16 de julho de 1984 (e alterações

posteriores).

96 ZAMBRANA, Karel L. Pachot. El derecho al deporte en la Constitución cubana. p. 25. Tradução livre : “aResolución n.º 83-A del 19 de marzo de 1962, que dispone la suspensión definitiva de toda actividaddeportiva de carácter profesional, demonstrando com hechos fundamentados y refrendados legalmente, cuanlejos se proponía el Estado cubano llevar lejos el deporte. Este cuerpo legal como alternativa fue un golpedemoledor a las teorías de que sólo el deporte re ntado tenía futuro en el mundo.”97 MIRANDA, Jorge. Teoria do Estado e da Constituição . Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 101.

Page 52: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

45

O art. 1º do Code du Sport, com redação dada pela Lei n. 2000 -627, de 06

de julho de 2000 e pela Lei n. 2003 -708, de 01 de agosto de 2003, define – em

síntese98 – que as atividades físicas e esportivas constituem um e lemento importante

da educação, da cultura, da integração e da vida social, contribuem para a saúde e

são de interesse geral. O Estado é responsável pelo ensino da educação física e

esportiva99 e, em conjunto com as federações desportivas deve assegurar o

desenvolvimento do esporte de alto rendimento 100.

A legislação infraconstitucional francesa determina que as federações

esportivas atuem sob delegação do Poder Executivo, especificamente do Ministério

do Esporte101. Basicamente, estes dispositivos determinam qu e as federações

constituem-se sob a forma de associações 102, têm por objeto a organização da prática

de uma ou várias modalidades desportivas 103 e encontram-se sob a tutela do Ministro

do Esporte, à exceção das federações esportivas escolares e universitárias, cuja

tutela compete também ao Ministro da Educação.

Os artigos 7º (com redação dada pela Lei 87 -979, de 7 de dezembro de

1987) e 8º (com redação dada pela Lei nº 2000/627 de 6/7/2000) determinam que os

agrupamentos esportivos são constituídos sob a forma de associações e só poderão

se beneficiar da ajuda do Estado se forem previamente autorizados: “A aprovação é

notadamente fundada sobre a existência de disposições estatutárias que garantam o

funcionamento democrático da associação, a transparência de sua gestão e o acesso

98 BREILLAT, Jean-Cristophe; LAGARDE, Franck; KARAQUILLO, Jean -Pierre. Code du Sport. 10. ed.Paris: Dalloz, 2001. p. 03.99 A educação física, na França, é denominada éducation physique et sportive .100 Haut niveau.101 Arts. 16 e 17 da Lei 84-610 de 16/07/1984, ambos com a redação dada pela Lei 2000 -627 de 6/7/2000.102 Em consonância com a Lei de 1º. de julho de 1901, que regula o agrupamento contratual de associaçõesesportivas ou licenciados a título individual. A norma sofreu diversas al terações, notadamente DL 23 deoutubro de 1935, L. 48-1001 de 23 de junho de 1948, Decreto 66 -388 de 13 de junho de 1966, L 71 -604 de 20de julho de 1971, L.81-909 de 9 de outubro de 1981, L. 87 -571 de 23 de julho de 1987.103 “Unisports ou multisports”, o q ue significa abranger uma ou mais de uma disciplina ou modalidadedesportiva.

Page 53: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

46

eqüitativo de homens e mulheres às suas instâncias dirigentes” 104. Na síntese de

Marta Lora-Tamayo VALLVÉ:

Mas uma coisa se faz clara, o desporto de alto nível entendido comopolítica de promoção do desportista e de controle do mesmo é umacompetência que emana e é atribuída diretamente ao Estado e em que oremanescente das coletividades territoriais pouco tem a dizer.O Estado, portanto, põe um prática uma política pública de desporto dealto nível em que determinará os objetivos precisos e disporá dos meiosnecessários para mantê-la.105

Pelo que se pode constatar, o esporte é alçado à categoria de serviço

público e, por isso, a federação depende de um ato de delegação estatal, que deve ser

precedido da adoção de estatutos -tipo e regulamentos-tipo definidos pelo Conselho

de Estado106, após parecer do Comitê Nacional Olímpico e Esportivo Francês

(CNOSF) 107.

Estes estatutos-tipo devem prever, minimamente, a formação e o

aperfeiçoamento dos dirigentes, formadores, animadores e treinadores; organizaç ão

e adesão108 à prática de atividades arbitrais no seio da disciplina/modalidade,

especialmente entre os jovens 109; a representação de desportistas em suas instâncias

104 BREILLAT, Jean-Cristophe; LAGARDE, Franck; KARAQUILLO, Jean -Pierre. Code du Sport. p. 08.105 VALLVÉ, Marta Lora-Tamayo. El regimen del deportista en Francia. In PALOMAR, Alberto (Coord.). Eldeportista en el mundo . Madrid: Dykinson. 2006. p. 132. Tradução livre: “Pero una cosa se queda clara, eldeporte de alto nivel entendido como política de promoción del deportista y de control del mismo es unacompetência que emana y es atrib uída directamente al Estado y en que el resto de colectividades territorialespoco tienen que decir. El Estado por tanto pone em práctica una política pública del deporte de alto nível en laque determinará los objetivos precisos y dispondrá de los médios necesarios para mantenerla.”106 O Decreto 85-238, de 13 de fevereiro de 1985, estabelece que compete ao Conselho de Estado determinaras condições de atribuição e retirada da delegação, assim como a iniciativa para tais providências, apósparecer do Comitê Nacional Olímpico e Esportivo Francês (CNOSF).107 O próprio estatuto do Comitê Olímpico Francês ( Comité National Olympique et Sportif Français –CNOSF) é aprovado pelo Conselho de Estado.108 Originalmente, o termo é “accession”, que em francês possui também a conotação de “adesão posterior auma convenção de Estados não participantes de sua elaboração” (Direito Internacional). Não obstante, nocontexto, o sentido é de “adesão”.109 BREILLAT; LAGARDE; KARAQUILLO. op. cit., p. 15, destacam: “Competência do Tribun alAdministrativo: A contestação de decisões disciplinares tomadas pelas federações esportivas titulares dadelegação ministerial prevista no artigo 17 ao encontro de seus licenciados ou clubes afiliados estão sujeitas,

Page 54: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

47

dirigentes; e, eleição de conselho diretor e instâncias deliberativas por voto unitário

das federações filiadas.

Segundo afirmam, sustentados em farta jurisprudência, BREILLAT,

LAGARDE e KARAQUILLO 110, além de missão de serviço público, a delegação

estatal é atribuída por tempo determinado e corresponde a uma atribuição de

exclusividade no território nacional para a federação, por tempo determinado. Por

força desta exclusividade, o artigo 17, III, da Lei 84 -610 concede para as federações

delegadas a prerrogativa única de utilizar a denominação “Fédération Française de”

e “Fédération Nationale de”, bem como conferir a denominação “Équipe de France

de” e “Champion de France” seguidas do nome de uma ou mais

disciplinas/modalidades esportivas e de fazê -las constar em seus estatutos, contratos,

documentos ou artigos de publicidade. Somente estas entidade s serão encarregadas

da organização de competições destinadas a conferir títulos internacionais,

nacionais, regionais ou departamentais.

A legislação chega a ser minuciosa, a ponto de impor às federações a

obrigação de publicar anualmente calendário oficia l de competições que permita ao

desportista dispor de tempo de recuperação hábil para a proteção de sua saúde. 111 De

outro lado, interessante constatar que a jurisprudência francesa solidificou

entendimento de que, mesmo em se tratando de atividade delegada, não há

responsabilidade do Estado pelos atos praticados pelas federações:

nos moldes do artigo 19, à competên cia do tribunal administrativo do domicílio ou sede destas pessoas à datadas decisões, à condição que elas se constituam atos administrativos individuais revelando a aplicação deprerrogativas de poder público (CE, 3/2/95)”. Na mesma obra, p. 20: “Poderes do Ministro: Nenhumadisposição legislativa dá ao ministro o poder de anular uma decisão de uma federação esportiva”.110 BREILLAT; LAGARDE; KARAQUILLO. p. 22: “I. DELEGAÇÃO. A – CONSEQÜÊNCIAS DADELEGAÇÃO 1. Missão de serviço público. Em confiando às feder ações esportivas a missão de organizar ascompetições nacionais ou regionais, o legislador as encarregou, ainda que elas sejam associações regidas pelalei de 1 de julho de 1901, da execução de um serviço público administrativo (farta jurisprudência). 2.Monopólio: em aplicação do artigo 17, a federação que recebeu a delegação ministerial tem, no territórionacional, o monopólio da organização das competições enumeradas naquele texto, e opera as seleçõescorrespondentes.”111 Artigo 1º da Lei 99-223 de 23 de março de 1999.

Page 55: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

48

PODERES DAS FEDERAÇÕES ESPORTIVAS DELEGADAS.ORGANIZAÇÃO DAS COMPETIÇÕES [...] 6. Ausência deresponsabilidade do Estado: Não obstante a missão de serviço público quelhes foi confiada pela lei em matéria de organização das competiçõesesportivas, as federações esportivas não podem ser consideradas como seagissem por conta do Estado, e a este título, implicassem suaresponsabilidade em razão de prejuízos sofridos em decorrência de suasatividades exercidas para a execução do serviço público que elasasseguram.112

Com relação aos clubes, o art. 11 do Code du Sport (na redação dada pela

Lei 99-1124, de 28 de dezembro de 1999) define que toda associação esportiva

afiliada a uma federação esportiva, que participe habitualmente da organização de

manifestações esportivas pagas 113 (geradoras de receitas superiores a um piso fixado

pelo Conselho de Estado) ou que empregue desportistas (e remunere em quantias

que superem determinada cifra fixada pelo Conselho de Estado) deve constituir, para

a gestão destas atividades, uma sociedade comercial regida pela Lei 66 -537 de 24 de

julho de 1966114.

Além de estarem em conformidade com estatutos -tipo115 definidos por

decreto do Conselho de Estado, estas socied ades só poderão ser organizadas

respeitando uma das seguintes hipóteses 116: (i) sociedade de responsabilidade

limitada compreendendo somente um associado, denominada empresa unipessoal

esportiva de responsabilidade limitada 117; (ii) sociedade anônima de objeto

esportivo118; ou, (iii) sociedade anônima esportiva profissional 119.

112 BREILLAT; LAGARDE; KARAQUILLO. op. cit., p. 23.113 A título oneroso (payantes).114 Que trata das sociedades comerciais.115 Statuts types.116 BREILLAT; LAGARDE; KARAQUILLO. op. cit., p. 08.117 Tradução livre: “Entreprise unipersonnelle sportive à responsabilité limitée.”118 Tradução livre: “Societé anonyme à objet sportif .”

Page 56: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

49

Como se vê, trata-se de um sistema estritamente publicista, no qual os

estatutos das sociedades constituídas pelas associações esportivas deverão se

conformar aos estatutos-tipo120 definidos por decreto do Conselho de Estado,

situação que suplanta em muito – na perspectiva da intervenção do Estado na

atividade privada – a opção legislativa brasileira.

3.2.3 ItáliaNa Itália, a Constituição apresenta “um nítido carácter compromissório,

também manifestado durante os mais de quarenta anos que já leva de vida.” 121

O núcleo da disciplina e da organização desportiva italiana encontra -se

em um ente público denominado Comitato Olimpico Nazionale Italiano – CONI,

criado por intermédio da Lei 426, de 16 d e dezembro de 1942. Os atos expedidos

pelo CONI são considerados atos administrativos estatais e toda atividade desportiva

italiana gira em torno deste ente.

As federações são consideradas órgãos do CONI e recebem delegação

para organizar cada modalidade e sportiva, incumbindo-lhes também fornecer o

reconhecimento dos clubes esportivos, denominados “sociedades esportivas” 122.

Segundo Carmen Pérez GONZÁLEZ:

São ‘sociedades desportivas’ na Itália aqueles entes de base associativaatravés dos quais se desenvolve a atividade desportiva. As mesmasdevem constituir-se em forma de sociedade por ações ou de sociedade deresponsabilidade limitada. Através de sua filiação às federaçõesreconhecidas pelo CONI, estas associações se convertem em sujeitos doordenamento desportivo.123

119 Tradução livre: “Societé anonyme sportive professionnelle .”120 Tradução livre: “Statuts types.”121 MIRANDA, Jorge. Teoria do Estado e da Constituição . p. 110.122 A legislação de regência é composta pela Lei n. 91, de 23 de março de 1981 e a Lei n. 586, de 18 denovembro de 1996, convertida com modificação do Decreto -lei 485, de 20 de setembro de 1996.123 GONZÁLEZ, Carmen Pérez. Los deportistas en Itália. In: PALOMAR, Alberto (Coord.). El deportista enel mundo. Madrid: Dykinson, 2006. p. 174. Tradução livre: “Son ‘sociedades deportivas’ en Italia aquellos

Page 57: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

50

Na prática, o CONI reconhece modalidades e estabelece as diretivas

aplicáveis. Pode classificá-las como profissionais ou diletantes 124, mas estas

diretivas condicionam a atuação da respectiva federação da modalidade. Por

exemplo, para que um desport ista possa ser considerado profissional, a modalidade

que pratica deve ser classificada como profissional pelo CONI e o clube ao qual

esteja vinculado deve ser filiado à federação reconhecida pelo CONI.

Interessante constatar que as legislações francesa e italiana baseiam-se

nas regras constitucionais de ambos países, que atribuem, ao Estado, funções

programáticas. Ambas identificam o esporte como serviço público, criam órgãos

delegatórios e apresentam uma atuação bastante interventiva em matéria esportiva .

Contudo, a norma francesa preserva o aspecto associativo, a não ser que a entidade

cobre ingressos e remunere atletas; enquanto a norma italiana impõe a conversão das

entidades profissionais, de acordo com a modalidade praticada, em dois tipos

societários específicos: sociedades por ações ou limitadas 125.

3.2.4 EspanhaNa Espanha, a Constituição de 1978, à “semelhança da Constituição

italiana de 1947 e da portuguesa de 1976, introduzem -se ‘princípios directivos de

política social e econômica’ e constitucio nalizam-se direitos dos partidos, dos

sindicatos e das associações empresariais.” 126 Em paralelo, o artigo 43.3 da

entes de base asociativa a través de las cuales se desarolla la actividad deportiva. Las mismas debenconsiturse en forma de sociedad por acciones o de sociedad de responsabilidad limitada. A través de suafiliación a las federationes reconocidas por el CONI estas asociaciones se convierten en sujetos delordenamiento deportivo.”124 Tradução livre: “Dilettantistica”.125 O movimento de formação dos primeiros clubes -empresa na Itália iniciou-se em 1981, mas a iniciativa foiacompanhada da aquisição de patrocínios fortes, como ocorreu com a Juventus (Ariston) e com o Milan (PoohJones). Sobre o tema, COSTA, Roberto. A metamorfose do futebol – Brasil mantém o brilho dentro dogramado, mas fora dele tropeça nas próprias pern as. Jornal da Unicamp . Disponível emhttp://www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/ju/jan2001/pagina16 -Ju158.html. Acesso em janeiro de 2001.126 MIRANDA, Jorge. op. cit. p. 110.

Page 58: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

51

Constituição espanhola eleva ao patamar constitucional o fomento ao esporte, à

educação física e ao lazer.

O preâmbulo da Lei n. 10/1990, de 15 de outubro, destaca que “uma das

formas mais nobres de fomentar uma atividade é preocupar -se com ela e com seus

efeitos, ordenar seu desenvolvimento em termos razoáveis, participar na organização

da mesma quando seja necessário e contribuir com seu financ iamento.”127

A legislação reconhece que as federações – dependentes de habilitação

estatal concedida por meio de declaração de utilidade pública – têm natureza jurídica

privada, mas exercem funções públicas de caráter administrativo. O Estado impõe a

constituição de ligas profissionais, inseridas no âmbito das federações, compostas

por clubes que participem de competições profissionais.

A legislação propõe um novo modelo a estes clubes, inspirado no regime

geral das sociedades anônimas, “mediante conversão do s clubes profissionais em

Sociedades Anônimas Desportivas, ou a criação de tais sociedades para as equipes

profissionais da modalidade desportiva correspondente” 128. Assim, o artigo 19.1 da

Lei n. 10/1990 estabelece que os clubes ou suas equipes profissionai s que participem

de competições esportivas oficiais de natureza profissional adotem a forma de

sociedade anônima desportiva (SAD), sujeitos ao regime geral das sociedades

anônimas e às especificações daquela lei.

A regulamentação está inserida no Real Decr eto 1251/1999, de 16 de

julho, que substituiu o RD 1084/1991, de 5 de julho, como destaca Alberto Palomar

OLMEDA129. Há uma preocupação normativa clara relacionada ao capital social

mínimo destas entidades, às participações societárias e limitações à aquisiç ão de

127 Tradução livre: “una de las formas más nobles de fomentar uma actividad es pr eocuparse por ella y susefectos, ordenar su desarollo en términos razonables, participar en la organización de la misma cuando seanecesario y contribuir a su financiación.”128 Tradução livre: “mediante la conversión de los clubes profesionales en Sociedad es Anónimas Deportivas,o la creación de tales sociedades para los equipos profesionales de la modalidad deportiva que corresponda”.129 PALOMAR, Alberto. El deportista en el mundo . Madrid: Dykinson, 2006. p. 390.

Page 59: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

52

ações, assim como às normas contábeis e meios de informação periódica ao

Conselho Superior de Desportos.

Enfim, há um detalhamento bastante rigoroso que permite identificar um

regime jurídico próprio para as sociedades anônimas desportivas da Espanha ,

vinculado especialmente à saúde financeira destas entidades.

3.2.5 PortugalEm Portugal, a Constituição de 1976 é resultado de que, na lição de

MIRANDA, “os constituintes pretenderam construir uma organização económica

singular, conjugando o princípio d a apropriação colectiva dos principais meios de

produção, um socialismo autogestionário e a iniciativa privada.” 130

Esta Carta, fundamentada na democracia representativa e na liberdade

política, previu direitos econômicos, sociais e culturais (arts. 58 o a 79o),

considerados, por CANOTILHO 131, sujeitos ao regime dos direitos fundamentais,

mas que regra geral não se beneficiam do “regime especial dos direitos, liberdades e

garantias”.

Segundo VIEIRA DE ANDRADE, são denominados direitos

fundamentais sociais, cuja força normativa é assim sintetizada: como “imposição

legislativa concreta das medidas necessárias para tornar exequíveis os preceitos

constitucionais”; “padrão jurídico de controlo judicial de normas, com conteúdo

mínimo imperativo, suscetível de fundar u ma inconstitucionalidade por acção, e

factor de interpretação normativa”; “fundamento constitucional de restrição ou de

limitação de outros direitos fundamentais, em regra, de direitos, liberdades e

garantias, designadamente quando a Constituição estabeleç a deveres especiais de

130 MIRANDA, Jorge. op. cit., p. 141.131 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição . 6. ed. Coimbra:Almedina, 2002. p. 402.

Page 60: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

53

protecção”; e, “força irradiante, conferindo uma certa capacidade de resistência,

variável em intensidade”. 132

Na presente perspectiva, importa a força jurídica atribuída aos direitos

sociais constitucionalmente previstos, especificam ente “na capacidade de fundar

restrições legítimas ou limitações aos direitos, liberdades e garantias.”. Em síntese,

como descreve VIEIRA DE ANDRADE:

Na realidade, para assegurar a realização ou a protecção dos direitoseconómicos, sociais e culturais, o l egislador tem frequentemente derestringir direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, ao abrigo do artigo18o, com respeito pelo princípio da proporcionalidade – além daslimitações à liberdade em geral, lembrem -se, a título de exemplo, aslimitações à publicidade de certos produtos, as advertências ao público eas alterações à legislação civil e comercial em matéria de cláusulascontratuais gerais e de contratos de adesão para protecção dosconsumidores, que restringem ou limitam a liberdade de express ão, aliberdade de iniciativa económica e a liberdade contratual.Os preceitos constitucionais relativos aos direitos económicos, sociais eculturais funcionam aqui – como, de resto, nas outras situações deconflito entre direitos – enquanto valores consti tucionais susceptíveis dejustificarem as limitações legislativas da liberdade e de outros direitosfundamentais.133

Como destaca Maria Josefa Garcia CIRAC, a Constituição portuguesa de

1976 “é a primeira Constituição democrática que configura o direito à cu ltura física

e ao desporto como um direito fundamental e universal, no âmbito dos direitos

econômicos, sociais e culturais.” 134

Neste cenário, o sistema português admite mecanismos restritivos no

ambiente do desporto profissional:

132 VIEIRA DE ANDRADE, José Carlos. Os direitos fundamentais na Constituição portuguesa de 1976 . 2ed. Coimbra: Almedina, 2001. p. 389.133 VIEIRA DE ANDRADE, José Carlos. Os direitos fundamentais na Constituição portuguesa de 1976 . p.389.134 CIRAC, Maria Josefa Garcia. Régimen jurídico del deportista en Portugal. In: PALOMAR, Alberto(coord.). El deportista en el mundo . Madrid: Dykinson. 2006. p. 184. Tradução livre: “es la primera

Page 61: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

54

A justificação clássica para a existência de mecanismos restritivos dalivre concorrência no mercado de trabalho desportivo (pense -se, a estepropósito, no player draft system vigente nas ligas dos EUA) assenta nasingular lógica empresarial apresentada pelo desporto profissional: n averdade, e por um lado, as empresas que aqui operam (designadamente osclubes) mantém uma relação ao dúplice entre si, de concorrência e deinterdependência, de competição no plano desportivo e de cooperação noplano econômico, pois o espetáculo desporti vo resulta, necessariamente,de uma produção conjunta entre diversos clubes/empresas, cuja relaçãopode, por isso, a justo título, ser caracterizada como de ‘concorrênciaassociativa’ (Klaus Heinemann) ou de ‘oposição cooperativa’ (GeraldSimon); acresce, por outro lado, que é necessário garantir a existência deuma razoável taxa de equilíbrio competitivo ( competitive balance),evitando o açambarcamento dos melhores praticantes por parte dasequipes financeiramente mais poderosas, isso em ordem a reforçar ofactor incerteza do resultado (uncertant of outcome), o qual constitui umingrediente indispensável para o sucesso desta indústria – na incerteza doresultado reside, com efeito, o ‘núcleo fascinante’ (Ellis Cashmore) doespetáculo desportivo.135

Sendo assim, a estrutura vigente a partir da Lei n. 30, de 21 de julho de

2004 (Lei de Bases do Desporto) prevê a organização pública do esporte, realizada

basicamente pelo Ministério da Educação e do Desporto, por intermédio do Instituto

do Desporto (ao qual incumb e coordenação, intervenção e fiscalização) e do

Conselho Superior do Desporto (ao qual se atribui consultoria e orientação). 136

As federações dependem de um reconhecimento de “utilidade pública

desportiva”, precedido da inserção dos requisitos mínimos legais em seus estatutos.

Para a disputa de competições desportivas profissionais, a federação deve ter

Constitución democrática que configura el derecho a la cultura física e al deporte como um derechofundamental y universal, em el ámbito de los derechos económicos, sociales y culturales.”135 AMADO, João Leal. O contrato de trabalho desportivo no ordenamento jurídico português. RevistaBrasileira de Direito Desportivo , São Paulo, Instituto Brasileiro de Direito Desportivo, n. 3, Primeirosemestre de 2003. p. 35.136 PALOMAR, Alberto (coord.). op. cit. p. 190.

Page 62: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

55

constituída uma liga profissional “dotada de personalidade jurídica e autonomia

administrativa, técnica e financeira” 137.

A LBD diferencia o clube (associação sem intuitos lucrativos) e a

sociedade desportiva (sociedade anônima). Os clubes ou sociedades desportivas

profissionais, assim reconhecidos aqueles que participam de competições

profissionais, devem preencher requisitos, dentre os quais: (i) manter estrut ura

administrativa profissionalizada adequada à gestão de sua atividade e (ii) apresentar

situação econômico-financeira estabilizada e contabilidade organizada 138.

Desde a Lei n. 1/90, de 13 de janeiro, com redação dada pela Lei n.

19/96, criou-se em Portugal a figura das sociedades anônimas desportivas. A

regulamentação desta legislação define que a SAD pode surgir da transformação de

um clube, da atribuição de personalidade jurídica às equipes ou da criação originária

de uma nova entidade.

Como exemplo desbravador, Alberto dos Santos PUGA BARBOSA

destaca que o Sporting Clube de Portugal providenciou alteração de seu estatuto

social, admitindo a transformação de suas equipes que participavam de competições

profissionais em sociedades anônimas, das quais o clu be veio a participar como

acionista, criando-se um grupo empresarial do qual faz parte o Sporting – Sociedade

Desportiva de Futebol, SD. 139

Interessante constatar que a legislação desportiva portuguesa, cujo escopo

era “introduzir critérios de rigor de gestã o, mas também criar condições para que as

sociedades desportivas ganhem dinheiro” 140, gerou uma possível alteração da

137 Art. 24, n. 1, LDB.138 Art. 61, n. 1, LDB.139 BARBOSA, Alberto Puga. O modelo societário como resposta organizativa do futebol profissional emPortugal e no Brasil – uma análise hermenêutico-dialética na perspectiva das ciências do desporto. Porto,2001. Tese (doutorado) Faculdade de Ciências do Desporto e de Educação Física da Universidade do Porto –Portugal. 2001. p. 81.140 ROQUETTE, José. Gestão profissional para salvar a alta competição. Apud PUGA BARBOSA, Albertodos Santos. O modelo societário como resposta organiza tiva do futebol profissional em Portugal e no Brasil –uma análise hermenêutico-dialética na perspectiva das ciências do desporto. p. 82.

Page 63: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

56

natureza não lucrativa da associação, permitindo -a participar de sociedades por

ações. Esta alteração é explicada e admitida por José Manuel MEIRIM141 como um

meio para que as associações obtenham recursos para alcançar os seus fins.

Contudo, se o objetivo é impor critérios de gestão e permitir que a

associação encontre recursos para consecução de seus fins, bastaria que se

impusessem normas de controle de gestão das associações participantes de

competições profissionais e, em paralelo, se permitisse que as mesmas realizassem

contratos onerosos dirigidos à obtenção de recursos destinados à própria

associação.142 Esta é uma questão também enfrentada no Brasil e que será explorada

mais adiante.

3.2.6 AlemanhaNa Alemanha, a Constituição, “como era de se esperar depois do

nacional-socialismo e da guerra, faz uma clara profissão de fé na dignidade da

pessoa humana e admite, implícita ou explicitamente, que o Direito natural limita o

poder do Estado”. Com isso, há especial reforço aos direitos fundamentais, como

ensina MIRANDA, ao enumerar princípios constitucionais da Constituição alemã,

dentre os quais: “os direitos do homem, invioláveis e inalienáveis , como fundamento

da ordem social (art. 1 o, n.º 2); a vinculação dos Poderes Legislativo, Executivo e

Judicial pelos direitos fundamentais enunciados na Constituição (art. 1 o, n.º 3); a

necessidade de qualquer restrição de direito fundamental se efectuar p or lei geral

que não afecte o seu conteúdo essencial (art. 19 o, n.ºs 1 e 2)”143.

141 MEIRIM, José Manuel. Clubes e sociedades desportivas – uma nova realidade jurídica. Apud BARBOSA,Alberto Puga. op. cit., p. 83.142 A questão será novamente explorada na análise específica do sistema do clube -empresa no Brasil.143 MIRANDA, Jorge. op. cit. p. 128.

Page 64: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

57

Segundo HESSE, “característica decisiva da ordem estatal -jurídica da Lei

Fundamental e, finalmente, que ela é a de um estado de direito ‘social’.” 144 E

complementa: “A Lei Fundame ntal restringe suas garantias jurídico -fundamentais

no essencial aos direitos do homem clássicos, ao lado dos quais se colocam algumas

garantias e regulações de princípios especiais (por exemplo, artigo 5 o, alínea 3,

artigo 6o, 7). Em comparação com isso, ela renuncia aos ‘direitos fundamentais

sociais’, como eles estão contidos em várias constituições estaduais.” A cultura e o

esporte são mencionados pelo autor, como exemplo de matérias acolhidas a título de

objetivos sociais pelos estados federados da ent ão Alemanha Oriental (Sachsen,

artigo 13; Thüringen, artigo 43).

A despeito desta renúncia, HESSE reconhece que “a Lei Fundamental

restringe-se a uma determinação de objetivo estatal geral: à fórmula do estado de

direito social.”145. À busca deste conteúdo, HESSE complementa:

O Estado da Lei Fundamental é Estado que planifica, guia, presta,distribui, possibilita primeiro vida individual como social e isso é portopara ele, pela fórmula do estado de direito social, por causa daConstituição, como tarefa.Essa tarefa fundamenta não só uma ‘obrigação social’ da coletividadediante de seus membros, portanto, a obrigação para assistência social,assistência vital e satisfação social, mas também obrigações sociais dosmembros da coletividade entre si, assim como di ante da coletividade:deveres de proteção, ajuda, assistência e deveres de auto -auxílio coletivo,vinculações da propriedade, obrigações tributárias e deveres de prestação,que põem o Estado primeiro em condições de cumprir suas tarefassociais.146

Em matéria esportiva, a Constituição alemã atribui competência

legislativa aos Länder147. A legislação federal relacionada às matérias desportivas é

144 HESSE, Konrad. Elementos de direito constitucional da República Federal da Alemanha . Tradução da 20ed. alemã por Luis Afonso Heck. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor. 1998. p. 169.145 HESSE, Konrad. Elementos de direito constitucional da República Federal da Alemanha. p. 173.146 HESSE. op. cit., p. 175.147 Denominação de unidades federadas.

Page 65: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

58

escassa e normalmente diz respeito a aspectos indiretos, v.g. a legislação que trata da

obrigação do Estado em promover indenizações aos atletas submetidos à dopagem

na antiga República Democrática Alemã.

No exercício do poder constituinte decorrente, especialmente nas

constituições mais novas, alguns Länder reconhecem como tarefa estatal o fomento

e a proteção da atividade desportiva.148 Como menciona Manuel GAMÉZ 149: “Esta

inovadora, em seu momento, inclusão constitucional é conseqüência da crescente

importância social da própria atividade desportiva que já um dos fins fundamentais

da ação pública do Estado em sua vertente tanto de fomento, como de proteção.”

Além das previsões constitucionais, a legislação estadual tem focado o fomento e a

proteção em subvencionar, com verbas públicas, os clubes, as federações e os

municípios.

Em princípio, o regime alemão é de autonomia à s entidades desportivas,

constituídas na forma de associações. Contudo, doutrina e jurisprudência ressentem -

se – em matéria de desporto profissional – de uma maior intervenção estatal, por

exemplo, nas providências contra o doping, proteção aos menores e regras de

transferência.150

Constata-se, assim, que a estrutura do sistema desportivo na Alemanha se

aproxima mais do Brasil, pois – lá, como cá – as federações não se encontram

submetidas à autorização estatal. Contudo, a intervenção estatal na atividade

desportiva profissional, apesar de recomendada por diversos setores, sofre maiores

limitações jurídicas, porque o esporte não é considerado direito fundamental. A Lei

148 GÁMEZ, Manuel. El deportista en Alemania. In: PALOMAR, Alberto (coord.). El deportista en el mundo .Madrid: Dykinson, 2006. p. 79.149 PALOMAR, Alberto (coord.). op. cit. p. 79. Tradução livre: “Esta novedosa, en su momento, inclusiónconstitucional es consecuencia de la creciente importancia social de la propria actividad deportiva que ya esuno de los fines fundamentales de la acción pública del Estado em su vertiente tanto de fomento como deproteción.”150 Idem. p. 82.

Page 66: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

59

Fundamental (art. 2.1) privilegia o livre desenvolvimento da personalidade e o

esporte é um desdobramento deste princípio. 151

Por isso, a figura do clube-empresa não é regulada pela legislação na

Alemanha, assim como é opcional, ao clube, separar as atividades profissionais e

não-profissionais. A conversão das associações em sociedades vêm ocorrend o, em

verdade, por uma questão de auto -regulação definida pelas próprias ligas desportivas

(não apenas no futebol, mas também no basquete e no hóquei sobre o gelo). 152

3.2.7 ArgentinaNa Argentina, o modelo associativo é considerado insuficiente e sujeito a

ser substituído pela adoção da obrigatoriedade de instituição de sociedades anônimas

desportivas. Entretanto, a Associacion del Futebol Argentino (AFA) impõe aos

clubes a adoção da forma jurídica de associação ou sociedade civil (sem fins

lucrativos), modo como estão constituídas todas as entidades que disputam futebol

profissional na Argentina. 153

Como destaca BARBIERI, a AFA exerce peculiar controle orçamentário

dos clubes, por intermédio de um Tribunal de Contas; entretanto, esta forma de

regulação já era considerada insuficiente em face da multiplicidade de matérias que

englobam a administração de um clube que pratica o futebol profissional,

culminando com a conclusão de “desde 1999, vem sendo travado um debate na

comunidade desportiva nacional a respeit o da necessidade de modificação desse

151 Ibidem. p. 84.152 Ibidem. p. 99.153 BARBIERI, Pablo C. A necessidade de reformular a organização jurídica dos clubes de futebol argentinos.Revista Brasileira de Direito Desportivo, São Paulo: Instituto Brasileiro de Direito Desportivo, n. 2, Segundosemestre de 2002, p. 19. O autor complementa: Enquadradas no artigo 33 do Código Civil, as associaçõescivis são definidas como ‘aquelas entidades sem fins lucrativos que surgem da mancomunação de idéias eesforços de um grupo de pessoas tendentes a cumprir uma finalidade comum e que se encontram na órbita decontrole da Inspeção Geral de Justiça’ (espécie de Junta Comercial).

Page 67: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

60

marco jurídico e sua substituição pelas chamadas ‘sociedades anônimas desportivas’

(S.A.D.s), entidades de caráter comercial com fins de lucro.” 154

Atualmente, a Argentina adota – por força da Lei 25.284/2000 155, à qual

se aplicam subsidiariamente o Código Civil, as Leis 22.315, 24.441 e 24.522 e

respectivos códigos de rito de cada jurisdição 156 – “um regime especial de

administração das entidades desportivas com dificuldades econômicas, mediante

constituição de um denominado fideicomisso de administração com controle

judicial”157.

Segundo JUNYENT BAS e SANDOVAL, “a prática do direito

desportivo demonstra que as entidades desportivas (fundamentalmente os clubes de

futebol) constituem verdadeiras empresas (unidades empresariais) e sua estrutura

jurídica (associações civis sem fins lucrativos) não se amoldam adequadamente a

esta pretensão social.” 158 Para sustentar o argumento, mencionam a transmissão de

televisão, patrocínio dos uniformes esportivos, publicidade em estádios,

comercialização de produtos com logotipo do clube, exploração da marca,

transferência de jogadores.

Em síntese, o diagnóstico é de que a configuração dos clubes de futebol

como associações civis oculta o verdadeiro intermediário (agente) e obstaculiza a

solução da crise econômica e financeira que atinge os clubes argentinos.

154 BARBIERI, Pablo C. A necessidade de reformular a organização jurídica dos clubes de futebol argentinos.p. 19.155 A lei intitula-se, em tradução livre, “Regime Especial de Administração da s Entidades Desportivas comDificuldades Econômicas – Fideicomisso de Administração com Controle Judicial. ”156 JUNYENT BAS, Francisco; MOLINA SANDOVAL, Carlos A. Salvataje de entidades deportivas . SantaFé: Rubinzal-Culzoni, 2000. p. 87.157 “Un régimen especial de administración de las entidades deportivas con dificuldades econômicas,mediante la constitución de un denominado fideicomiso de administración com control judicial”. Ao que sepode concluir, considera-se fideicomisso por força da transferência restr ita e resolúvel.158 MIROLO, René R. (org.). Régimen jurídico del futbolista y de las entidades deportivas . Córdoba:Advocatus, 2004. p. 292.

Page 68: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

61

A legislação argentina admitiu a implementação de um novo

procedimento, chamado “salvataje de entidades deportivas”, por intermédio de um

sistema especial de administração “fiduciária” a que a entidade em dificuldades

financeiras poderá filiar-se. A administração do clube e a propriedade dos bens é

confiada a um órgão fiduciário composto por três membros (um advogado, um

contador e um especialista em administração esportiva), a quem incumbe – sob

controle judicial – sanar as dívidas em favor dos credores e da própria comunidade.

Na hipótese de quebra, a livre opção do clube torna -se obrigatória, posto

que a legislação retira, de modo cogente, a entidade da administração dos seus

bens.159 JUNYENT BAS e SANDOVAL consideram que a previsão legislativa é

adequada à Constituição argentina, excepcionando apenas a previsão de afastamento

dos membros dos órgãos diretivos (art. 7º) 160 sem lhes permitir participar – ao

menos – dos incidentes concursais e demai s medidas correlatas.161 A opinião de

inconstitucionalidade deste dispositivo é compartilhada por Norberto Osvaldo

OUTERELO162, que afirma:

Não se pode consentir que a lei viole princípios consagrados em nossaCarta Magna. O direito de defesa em juízo sem enco ntra consagrado egarantido no artigo 18 da CONSTITUIÇÃO DA NAÇÃO ARGENTINA,e o colocamos em maiúscula para que alguns recordem e outros não se

159 MIROLO, René R. (org.). Régimen jurídico del futbolista y de las entidades deportivas. p. 297.160 ARGENTINA. L. 25284 (fecha de publicación en el B.O: 02/08/2000). DESPLAZAMIENTO DEFUNCIONARIOS Y ORGANOS PUBLICACION DE EDICTOS Artículo 7º: La designación del órganofiduciario desplaza a todos los funcionarios mencionados en el Título IV, Capítulo II, Sección I de la l ey24.522 y a los órganos institucionales y estatutarios que estuvieren actuando. Asimismo, dichodesplazamiento se hace extensivo a todos aquellos que no tengan designación expresa por parte de dichoórgano. Dentro de las veinticuatro horas de dictado el auto, por Secretaría se procederá a publicar edictosdurante cinco días, sin necesidad de previo pago, en el diario de publicaciones legales de la jurisdicción de laentidad y en otro diario de amplia circulación, dentro del radio del domicilio de la entid ad involucrada. Losmismos deberán contener todos los datos del deudor y del órgano fiduciario, conforme las pautas establecidasen los artículos 27 y 28 de la Ley 24.522.161 MIROLO, René R. (org.). op. cit. p. 299.162 OUTERELO, Norberto Osvaldo. Ley Nº 2528 4. Régimen Especial de administración de las entidadesdeportivas con dificultades económicas. Fideicomiso de administración con control judicial. "Algo huele malen Dinamarca". elDial - DC94B. elDial.com - editorial albrematica. Pesquisa realizada na Bibl ioteca deDireito da Universidade de Buenos Aires.

Page 69: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

62

esqueçam, SEM FAZER DIFERENÇAS, sem importar que se trate depessoas físicas ou jurídicas. O órgão fiduciário é um administradordependente do juiz, tem seu controle, não pode advogar pelo falido, nemsequer substituí-lo em suas funções, como por exemplo tomar assento noComitê Executivo da AFA. 163

Entretanto, o denominado “fideicomisso por determinação legal” 164, com

objetivo precípuo de evitar a liquidação e permitir a continuidade da exploração da

entidade e seu reordenamento, parece ganhar uma peculiaridade que o aproxima da

falência e impõe a presença de um ente que exerça também as funções de síndico,

afastando os demais dirigentes. A análise da norma permite constatar, ainda, que, de

modo geral, a dissolução é suspensa e realizam -se os atos de constituição do

fideicomisso de administração.

Na Argentina, as associações dependem de autorização estatal para seu

registro e funcionamento. Os clubes esportivos estão constituídos como associações,

ainda que – na prática – sejam reconhecidos como “formidáveis empresas de

indubitável atividade econômica” 165. Entretanto, o concurso de credores é unificado,

tanto para associações, quanto para sociedades insolventes.

O regime especial é aplicável apenas a clubes e não às federações,

confederações e ligas166. Não é preciso que se encontre sob falência decretada, mas

163 “No se puede consentir que la ley viole los principios consagrados en nuestra Carta Magna. El derecho dedefensa en juicio, se encuentra consagrado y garantizado en el artículo 18 de la CONSTITUCIÓN DE L ANACIÓN ARGENTINA, y lo ponemos en mayúscula para que algunos la recuerden y a otros no se les olvide,SIN HACER DIFERENCIAS, sin importar, que se trate de personas físicas o jurídicas. El órgano fiduciario,es un administrador dependiente del juez, tiene su control, no puede abogar por el fallido, ni siquierareemplazarlo en sus funciones, como por ejemplo, sentarse en el Comité Ejecutivo de la A.F.A.”164 MIROLO. op. cit. p. 302.165 Idem. p. 310.166 Esta opinião, externada por MIROLO (ob. cit., p. 302), não é compactuada por Norberto OsvaldoOUTERELO (Ley Nº 25284. Régimen Especial de administración de las entidades deportivas con dificultadeseconómicas. Fideicomiso de administración con control judicial. "Algo huele mal en Dinamarca" . elDial -DC94B. elDial.com - editorial albrematica. Pesquisa realizada na Biblioteca de Direito da Universidade deBuenos Aires.). Apesar de reconhecer que a legislação é restritiva neste aspecto, OUTERELO advoga areforma para inclusão de ligas, federações e confederações, inc lusive das demais modalidades desportivas. Hájurisprudência, entretanto, no sentido de diferenciar o tratamento legal atribuído aos clubes e às ligas, apesardestas serem formadas por aqueles: ASOCIACIONES DEPORTIVAS ENTIDADES DEPORTIVAS DESEGUNDO GRADO - CLUBES DE FUTBOL – INEMBARGABILIDAD.

Page 70: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

63

em estado de insolvência, desde que a autoridade judicial considere existente

patrimônio suficiente para a continuidade da atividade. O prazo de fideicomisso é de

três anos, renovável até o máximo de nove anos; mas, incumbe ao Poder Judiciário

definir a continuidade ou a liquidação, caso não atinja a finalidade. Em caso d e

constatação da ausência de geração de recursos suficientes, proceder -se-á o

procedimento falencial; em caso de sucesso da administração fiduciária, procede -se

a eleição de novos dirigentes pelos associados, concluindo -se o procedimento

especial com a transferência dos bens e da administração do clube desportivo.

Por se tratar de um procedimento opcional, salvo as opiniões anteriores,

não se constata desconformidade em relação à Constituição Nacional argentina. A

imposição do procedimento ocorre apenas nas hipóteses de declaração de quebra,

sendo certo que se trata de um procedimento mais benéfico do que a falência, tanto

que o processo de quebra sucederá o fideicomisso judicial que não alcance êxito.

Nota-se que a legislação argentina é bem mais específica e avança com

mais afinco do que a legislação brasileira sobre os efeitos sociais das crises

financeiras dos clubes desportivos. Como se verá, parte da mesma premissa de

El deudor responde con todo su patrimonio frente a sus acreedores; la inembargabilidad es una excepción, yno puede ser aplicada haciendo interpretaciones extensivas. Una liga de fútbol es una persona jurídicaorganizada bajo la forma de asociación, autorizada para funcionar por poseer un patrimonio propio. Esepatrimonio, no pertenece a los asociados - art. 39 C.C.-. La diversa personalidad de la entidad y de susmiembros es esencial para comprender el concepto de per sona jurídica: cada entidad es un sujeto de derechoindependiente, y es titular exclusivo de las relaciones jurídicas en que interviene. De la distinción entrepersonalidad del ente y de sus miembros surgen importantes consecuencias, la existencia de disti ntospatrimonios: el de la entidad y el de los sujetos. Esta distinción se acentúa en las asociaciones pues losasociados carecen del derecho a la cuota liquidatoria, desde que no han realizado aportes de capital sobre losque puedan pretender derecho algu no.- Las ligas o federaciones son asociaciones de segundo grado.Consecuentemente, no está en juego la actividad deportiva en sí misma sino la situación de los bienes dequien organiza esa actividad. La cuestión a resolver es, exclusivamente, si la liga qu e une a los clubes defútbol puede oponer a un acreedor reconocido por sentencia judicial firme, una norma de carácterexcepcional, como es la que rige la inembargabilidad, establecida por el legislador a favor de los clubes que laliga asocia. No se desconoce que modernas leyes del deporte establecen medidas de protección del patrimoniode estas asociaciones de segundo grado, pero carecen de una norma general de inembargabilidad como lapretendida. En consecuencia, el carácter de organizador, calidad que n o implica confusión de personalidadjurídica ni, de patrimonios, no implica contradicción con la negativa del beneficio de la inembargabilidad,sino que respeta la separación patrimonial. (LIGA SANRAFAELINA DE FúTBOL EN J° 92.206/ 6886CRUZATE, MARCOS C LIGA SANRAFAELINA DE FúTBOL Y OTS. s/ P/ ORD. S/ CAS." - Fallo:5199149 - Suprema Corte de Justicia - Circunscripción: 1 - Sala: 1 - Mendoza - 2005/03/23 Tipo de Fallo:Sentencia Magistrados: KEMELMAJER - ROMANO - PEREZ HUALDE Expedientes: 79981 - Ubicación:S348-238 Referencias Normativas: CCI - Art.: 39 (elDial - MZ3FF1. elDial.com - editorial albrematica)

Page 71: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

64

vinculação entre desporto profissional e atividade econômica, mas não obriga a

transformação de clubes em sociedades empresárias, pois prefere criar meios e

sistemas de preservação das entidades desportivas e recuperação na presença das

dificuldades financeiras, sem prejuízo da fiscalização impingida aos dirigentes

desportivos.

3.3 Bases constitucionais no Brasil

A Constituição Brasileira, ao estabelecer vetores positivos de atuação do

Estado e da sociedade, permite -se classificar como dirigente 167 e revela a

necessidade de comprometimento do aparato estatal e social com o conteúdo

constitucional, a partir da “vinculação do legislador aos ditames da materialidade da

Constituição, pela exata razão de que, nesse contexto, o Direito continua a ser um

(poderoso) instrumento de implementação de políticas públicas.” 168

Os primeiros artigos da Carta Ma gna identificam o comprometimento do

poder constituinte originário com o princípio republicano e com a cidadania 169,

inserindo-a como um dos pilares fundamentais do País, seguindo a tendência de

“ampliar a concepção de cidadania para o campo de outros direit os que não apenas

os políticos, enfatizando inclusive que os direitos sociais [...] seriam imprescindíveis

para que os direitos civis e políticos pudessem ter condições de ser exercidos.” 170

167 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição . p. 69.168 STRECK, Lenio Luiz. A jurisdição constitucional e as possibilid ades hermenêuticas de efetivação daconstituição: breve balanço crítico nos quinze anos da constituição brasileira. In: RÚBIO, David Sanchez;FLORES, Joaquín Herrera; CARVALHO, Salo (org.). Direitos humanos e globalização : fundamentos epossibilidades desde a teoria crítica. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2004. p. 369.169 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. “Art. 1 º A República Federativa do Brasil,formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui -se em EstadoDemocrático de Direito e tem como fundamentos: [...]

II – a cidadania.”170 BESTER, Gisela Maria. Direito Constitucional – Fundamentos Teóricos . Vol. 1. São Paulo: Manole ,2005. p. 288. A autora faz referência ao estudo de Thomas Marshall, publica do em 1950 e denominadoCitizenship and Social Class . Trata, também da noção de cidadania como “direito a ter direitos”, desenvolvidapor Hannah Arendt em 1951.

Page 72: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

65

Estes direitos sociais, espécies do gênero direitos fundamentais,

encontram-se elencados pela Carta de 1988, dentre os quais destacam -se os direitos

ligados à cultura. O acesso a estes direitos sociais é condição de cidadania, pois “só

é cidadão quem ganha o justo e suficiente salário, lê e escreve, mora, tem hospital e

remédio, lazer quando descansa.” 171

O desporto foi inserido na Constituição de 1988 nesta perspectiva, isto é,

como dever do Estado e direito de cada um. 172 Trata-se de uma previsão inédita no

Brasil, pois “as constituições brasileiras anteriores foram omissas em relação à

Educação Física e ao Desporto em seus textos. As Constituições de 1934, 1937 e a

de 1947 em nenhum momento dedicaram espaços à Educação Física e ao

Desporto”173 e a Constituição Brasileira de 1967 estabeleceu competência da União

para legislar normas gerais sobre desportos (art. 8º, XVII, alínea ‘q’).

No âmbito da assembléia constituinte que antecedeu a Carta de 1988,

iniciou-se debate sobre a necessidade de previsão constitucional acerca do tema,

sobressaindo-se a opinião de MELO FILHO:

O aparecimento do desporto no horizonte constitucional é fruto daimportância e transcendência dos acontecimentos desportivos, como asOlimpíadas e o Campeonato Mundial de Futebol, que, induvidosamente,têm muito mais repercussões do que relevantes questões polí ticas,sensacionais revelações científicas ou significativas manifestaçõesartísticas.A consagração constitucional do desporto não é privilégio nem medidainusitada da nova Carta Magna brasileira, conquanto, no plano do DireitoConstitucional Desportivo Comparado, há, pelo menos, 17 países queacolheram, concretamente, o desporto na sua órbita jurídico -constitucional.174

171 BONAVIDES, Paulo; ANDRADE, Paes de. História Constitucional do Brasil . 5 ed. Brasília: Editora daOAB, 2004. p. 497.172 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. “Art. 217. É dever do Estado fomentar práticasdesportivas formais e não-formais, como direito de cada um, observados: [...]”173 PARENTE FILHO; MELO FILHO; TUBINO. op. cit. p. 17.174 Idem. p. 29.

Page 73: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

66

MELO FILHO vai adiante e elenca motivos pelos quais alguns países não

trataram do desporto como matéria constitucional:

a) os que estão jungidos ao sistema da Common Law porque sãorefratários ao disciplinamento constitucional e legal das atividadesprivadas, preferindo confiar no poder de iniciativa e capacidade criadorado povo, ficando o Estado em posição de eqüidistância;b) outros em face de um alarmante imediatismo e falso pragmatismo nafeitura de suas normas constitucionais;c) outros porque se iludiram com efêmeros sucessos e êxitos de curtohorizonte obtidos no campo desportivo;d) e outros, porque contaminados pela ‘patologia consti tucional modernaem que grande número de Constituições visa a impedir, e não a promoverou facilitar, a evolução normal das sociedades, opondo -se a realidadesnacionais e não se ajustam a elas’, no dizer de Afonso Arinos. 175

De outro lado, MELO FILHO sustent a-se em LÓPEZ GARRIDO para

elencar as conseqüências favoráveis da inclusão constitucional do desporto:

1) No aspecto jurídico, é irrecusável a necessidade de que a estruturanormativa do desporto seja reformada dentro da perspectiva do desportocomo direito e não como hobby coletivo ou espetáculo;2) No aspecto político, o direito ao desporto obriga a criar uma novapolítica desportiva, uma política democrática do desporto, em cujaelaboração participem todos os indivíduos e instâncias interessadas;3) No aspecto econômico, implica um novo planejamento da infra -estrutura dos serviços desportivos, e na multiplicação dos fundos eorçamentos a eles destinados, único meio de fazer com que o direito aodesporto seja uma autêntica realidade;4) Por último, no aspecto cultural, o direito ao desporto exige uma novaforma de transmissão da educação e do talento desportivo, um novomodo de entender o desporto como fator insubstituível e necessário parao desenvolvimento completo da personalidade humana e para o progres sodos povos.176

Prevaleceu a opinião favorável à constitucionalização do esporte, mas os

debates no período constituinte foram vigorosos. A Comissão da Família, da

175 Ibidem. p. 30.176 Ibidem. p. 30.

Page 74: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

67

Educação, Cultura e Esportes, da Ciência e Tecnologia e da Comunicação não

alcançou consenso e, por força do regimento interno da Assembléia, atribuía -se ao

relator da Comissão de Sistematização a elaboração do substitutivo. Bastante

alterado em relação à proposta anterior, o substitutivo apresentado pelo Deputado

Bernardo Cabral ensejou insatisfa ção da comunidade esportiva e culminou com o

retorno a uma proposta, levada ao plenário da Constituinte, que contemplava

proteção de direitos autorais nas atividades esportivas; competência legislativa

concorrente entre União e estados em matéria esportiva ; incentivos para o lazer;

desporto como dever do Estado e direito de cada um; autonomia das entidades

desportivas, quanto à sua organização e funcionamento internos; destinação de

recursos públicos para desporto educacional, não profissional e, em casos

específicos, de rendimento; tratamento diferenciado entre esporte profissional e não -

profissional; incentivo às manifestações esportivas de criação nacional; e,

pressuposto processual de esgotamento da instância desportiva para acesso ao Poder

Judiciário.

O texto aprovado e encaminhado à Comissão de Redação Final, dentre

outras alterações, suprimiu o termo “internos”, que qualificava a autonomia de

organização e funcionamento das entidades desportivas. Aprovado, o texto

constitucional mereceu comentário de M ELO FILHO: “ela servirá de bússola, de

diretriz e de parâmetro para a edição de rumos normativos, respeitando a autonomia

das entidades, quanto à sua organização e funcionamento. É preciso assinalar que

quando se fala na Constituição em autonomia, face int erna da entidade, não se fala

em independência, face externa da entidade.” 177

MELO FILHO destaca178, logo após a entrada em vigor do novo texto

constitucional, que o legislador constituinte não copiou figurinos alienígenas em

matéria esportiva. Tratou o despor to como dever do Estado e direito de cada

177 Ibidem. p. 152.178 Ibidem. p. 155-193.

Page 75: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

68

cidadão, atribuindo ao poder público a obrigação de fomentar, estimular, promover e

proteger as práticas desportivas de caráter competitivo, participativo e educacional.

Elencou princípios jurídico desportivos, den tre os quais a autonomia das entidades

desportivas, a destinação prioritária de recursos públicos para o desporto

educacional, o tratamento diferenciado para desporto profissional e não profissional,

a proteção e o incentivo às manifestações desportivas de criação nacional. Em

seguida, tratou da justiça desportiva como meio ideal de solução de conflitos de

natureza esportiva e, ainda, do lazer como forma de promoção social.

O texto constitucional ficou assim colmatado:

“Art. 217. É dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não -formais, como direito de cada um, observados:I – a autonomia das entidades desportivas dirigentes e associações,quanto a sua organização e funcionamento;II – a destinação de recursos públicos para a promoção prioritári a dodesporto educacional e, em casos específicos, para a do desporto de altorendimento;III – o tratamento diferenciado para o desporto profissional e o não -profissional;IV – a proteção e o incentivo às manifestações desportivas de criaçãonacional.§ 1º - O Poder Judiciário só admitirá ações relativas à disciplina e àscompetições desportivas após esgotarem -se as instâncias da justiçadesportiva, regulada em lei.§ 2º - A justiça desportiva terá o prazo máximo de 60 (sessenta) dias,contados da instauração do processo, para proferir decisão final.§ 3º - O Poder Público incentivará o lazer como forma de promoçãosocial.”

Após historiar a tramitação que culminou com a redação normativa

constitucional, é impossível deixar de constatar a distância entre a p revisão

constitucional e a realidade, vale dizer, a dificuldade de implementação eficaz do

programa de ação, o que conduz à necessidade de aproximação dos operadores do

Direito: “O mesmo deve ser reconhecido em matéria de direitos econômicos, sociais

e culturais. A ausência ou insuficiência de garantias jurídicas para a sua realização

Page 76: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

69

não significa que se está diante de meras exortações à ação estatal. Aliás, a grande

tarefa atual dos profissionais do direito, nesta matéria, consiste em construir

garantias públicas, adequadas à realização desses direitos.” 179

O esporte alcançou o patamar constitucional, como direito do cidadão e

elemento agregador da sociedade, seguindo a tendência de reconhecimento do

fenômeno desportivo como acontecimento social universal 180. Mas, como já se

afirmou anteriormente, esta não é a única perspectiva sobre a qual o desporto se

revela. De outro lado, é preciso considerar a perspectiva de expansão da atividade

esportiva, que coloca o Brasil como o quinto maior mercado mundial e um dos

maiores em potencial para realização e consumo de eventos esportivos 181.

Novamente, portanto, o raciocínio defronta -se com as duas faces do

mesmo fenômeno desportivo: uma de caráter social, outra de natureza econômica,

cujo aprofundamento se propõe a seguir.

3.4 Intervenção estatal no ambiente desportivo (autonomia desportiva e

liberdade de associação)

No Brasil, o artigo 217 da Constituição Federal atribuiu “autonomia de

organização e funcionamento” às entidades desportivas. Tal disposição

constitucional leva alguns doutrinadores, abaixo mencionados, a propor o

afastamento entre a estrutura empresarial e a atividade desportiva. Mais do que isso,

há autores que identificam vício de inconstitucionalidade na legislação que

determina tratamento diferenciado às entidades desportivas profissionais que não se

convertam em sociedades empresárias.

179 COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos . 2 ed. São Paulo: Saraiva,2001. p. 338.180 BARBOSA, Alberto Puga. Legislação desportiva: des afios para o Século XXI. p. 675.181 KRIEGER, Marcílio. Clube -empresa: uma análise dos resultados da legislação na área do desporto epropostas de alterações, que atendam às necessidades nacionais. In _____. Desafios para o Século XXI –

Page 77: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

70

Álvaro MELO FILHO, partícipe da proposta original de redação do

dispositivo constitucional, considera que qualquer ingerência normativa sobre a

organização e o funcionamento das entidades desportivas revela -se inconstitucional,

aduzindo que “A transformação obrigatória de entidades desportivas em sociedades

comerciais, além de constituir -se uma violência jurídica, é igualmente perigosa,

porque estranha à realidade desportiva nacional, agravada ainda pelo fato de que a

maioria esmagadora dos clubes está quebrada.” 182

Valter PICCINO, por seu turno, considera indevida a intervenção estatal

em matéria societária destinada aos clubes de futebol:

Os empresários e as sociedades, então normatizadas e reguladas peloCódigo Comercial de 1850, tiveram suas regras trazidas para o NovoCódigo, regendo sua forma de constituição e funcionamento, assim comoas associações que mereceram do legislador constituinte atenção especialno art. 217 da Carta Social que lhes outorgou liberdade de organização efuncionamento segundo a manifestação da vontade de seus integrantes.Essa liberdade de organização e funcionamento começou a ruir com aintervenção do Estado quando veio a lume a Lei n.º 9.615/98, o brigando atransformação das associações de prática desportiva profissional damodalidade futebol de campo em sociedades empresárias ou assim seconstituírem ou, ainda, contratarem sociedades para gestão dos negóciosdo futebol.183

Coletânea de textos da 1ª Conferência Nacional de Educação, Cultura e Desporto. Brasília: Centro deDocumentação e Informação da Câmara dos Deputados , 2001. p. 686.182 MELO FILHO. Álvaro. O novo direito desportivo . São Paulo: Cultural Paulista. 2002 , p. 38. A conclusãoalcançada pelo autor pode ser complementada pelo seguinte excerto da mesma obra (p. 39): “E a maior provadessa assertiva é que os doze maiores clubes brasileiros têm um endividamento total de 591 milhões de reais,fato que contribuiu para o desfazimento das parce rias Palmeiras/Parmalat, Vasco/Nations, Cruzeiro/Hicks etc.Curioso notar que, na Espanha, os dezoito maiores clubes de futebol, segundo levantamento fiscal feito emfevereiro de 2002, acumulam um total de dívidas tributárias superiores a 240 milhões de eu ros, ou seja, valorequivalente àquele devido pelos principais clubes do futebol brasileiro. Lembra -se, por oportuno, que agrande maioria dos clubes espanhóis, após plano de saneamento e obtenção de subvenções públicas, foramcompelidos a se converter em Sociedade Anônima Desportiva (SAD), donde se infere que a ‘imposición de laformula societaria obedece más a una sanción’.”183 PICCINO, Valter. Novo conceito de empresa à luz do Código Civil – aplicação às entidades de práticadesportiva – perfis do clube empresa – visão institucionalista – função social do clube empresa. RevistaBrasileira de Direito Desportivo , São Paulo: Instituto Brasileiro de Direito Desportivo, n. 4, Segundosemestre de 2003, p. 63.

Page 78: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

71

Eduardo CARLEZZO reconhece as vantagens da instituição do clube -

empresa, mas também advoga a inviabilidade de imposição da forma societária aos

clubes esportivos184.

De outro lado, Gilmar Ferreira MENDES sintetiza as opiniões que

reconhecem a constitucionalidade da imposição do clube -empresa:

No que diz respeito à autonomia organizacional, a rigor, se pudéssemoschegar à conclusão a que alguns colegas chegaram, nós certamentediríamos que as normas que regulamentam o Código Civil e quedisciplinam as sociedades, os tipos de sociedades e os perfis dassociedades, também seriam inconstitucionais. As pessoas, na verdade,partem de uma idéia de liberdade absoluta que não existe em lugarnenhum.A própria idéia de liberdade de organização e de associação pressupõedeterminados marcos jurídicos, estabelecidos pela própria legislaçãocivil.Aqui não me parece que o argumento possa vicejar e é comum que sediga na legislação que determinado tipo de atividade só poderá serexercido com um dado perfil. Se se quer conhecer quem são os sócios,prescreve-se um determinado tipo de perfil. Se se quer conhecer oscontroladores, estabelece-se que a sociedade será deste ou daquele tipo. Ea legislação faz isto muito comumente, sem que ninguém diga que se estáa interferir no espaço de liberdade de associa ção. Já se está a ver que nãose cuida de um espaço absoluto, até porque quem trabalha com aperspectiva constitucional sabe que o que a Constituição assegura éaquilo que a gente chama de um princípio ou uma garantia institucional.Uma garantia básica, assente na própria experiência histórica, quepermite atualização e alteração mediante simples decisão legislativa. Égarantida a liberdade de associação, na forma da lei.Quais são os marcos desta ‘forma de lei’? A lei pode definir, claro! A leinão pode, aproveitando deste espaço aparentemente vazio, inviabilizar oexercício desse direito. Claro que isso não seria razoável. Mas, não

184 CARLEZZO, Eduardo. Direito Societário Desportivo . p. 66. Nas palavras do autor: “A formataçãoempresarial, embora não seja a panacéia para todos os males, poderá ser o caminho. Porém, esta mudança nãodeve ser feita de surpresa e mediante obrigatoriedade de transformação, com sanções fiscais e societárias ,como foi o caso da Medida Provisória n.º 39. Cremos que a alteração da figura associativa para umaempresária deve ser uma exclusiva deliberação da entidade de prática desportiva, em atenção ao princípio daautonomia desportiva consagrado pela Constituiç ão Federal, e pelas necessidades desportivas e de mercadoverificar-se-á a oportunidade ou não de adotar uma formação empresarial, o que inclusive poderia serestimulado pelo Governo Federal com determinados benefícios.”

Page 79: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

72

parece absurdo que a legislação diga que este tipo de atividade éatividade de caráter comercial e, por conseguinte, assume um perfil deentidade de fins econômicos. Portanto, hão de ser adotadas as formas quea legislação civil e comercial coloca à disposição de todos aqueles quepretendem exercer este tipo de atividade. 185

A transcrição da opinião de Gilmar Ferreira MENDES é impo rtante para

revelar que a aferição de constitucionalidade da regulação da atividade desportiva

prescinde da análise estrutural dos clubes e não invade a discussão acerca da

adaptabilidade dos dispositivos legais que tratam do clube -empresa ao sistema

jurídico infraconstitucional que regulamenta as pessoas jurídicas.

O que se quer afirmar é que a aferição de constitucionalidade do clube -

empresa não está propriamente vinculada ao fundamento de que esta ou aquela

estrutura jurídica é inoponível aos clubes. Qua ndo se trata da constitucionalidade do

dispositivo, como bem colocou Gilmar Ferreira MENDES, interessa averiguar se o

Estado detém ou não a prerrogativa de impor um perfil às entidades que exercem

determinada atividade.

São como que duas camadas a serem s uperadas. A primeira é

constitucional, para a qual se deve levar em conta precipuamente o papel do Estado

no exercício da atividade legislativa para regulação social e econômica versus os

princípios consagrados pela Constituição, notadamente autonomia desp ortiva e livre

associação. Com suporte na transcrição de Gilmar MENDES, está se afirmando que

não há liberdade absoluta no ambiente das sociedades empresárias, das associações

ou das fundações, pois todas merecem e recebem regulação estatal. Se o tratament o

legislativo é adequado ou não do ponto de vista da estrutura das entidades ou do

sistema legal das pessoas jurídicas, esta é uma discussão infraconstitucional, que

sucede logicamente a aferição de constitucionalidade.

185 MENDES. Gilmar Ferreira. Tendências e expectativas do Direito Desportivo . In: AIDAR, Carlos Miguel(coord.). Direito Desportivo. São Paulo: Mizuno, 2000. p. 265.

Page 80: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

73

Do ponto de vista estritamente const itucional, portanto, o primeiro

argumento em desfavor do clube -empresa é o denominado princípio de autonomia

das entidades esportivas. A questão pode ser enfrentada a partir da análise de um

precedente de discussão em que alguns doutrinadores, também se al icerçando na

autonomia constitucional atribuída às entidades esportivas, defendem a

inaplicabilidade da redação original dos artigos 59, 2.031 e 2.033 do Código Civil às

entidades exploradoras do desporto 186. Ives Grandra da Silva MARTINS afirma:

Minha posição, como explicada no preâmbulo deste parecer, é que o art.59 do C.C. não conflita com o art. 217, inciso I, da Constituição Federal,por tratar de ‘organização’ e ‘funcionamento’ de associações civis não -esportivas. Para as associações esportivas, preval ece a autonomia dalegislação infraconstitucional que foi recepcionada pela Constituição de1988, não havendo, pois, confronto, pois cuidando -se de área de atuaçãodiversa da contemplada na norma geral. É de lembrar que a legislaçãoinfraconstitucional recepcionada em 1988 e pela qual as associaçõesdesportivas estão regidas passou a ter caráter de legislação especial,embora, à época, em parte tivesse sido conformada como legislação geral.Em outras palavras, a norma geral do Novo Código Civil não atinge –para não poder ferir a Constituição – as regras preexistentes destinadas àsassociações esportivas, que ganharam, em face da nova conformação danorma geral de direito civil, status de normas especiais e, como tal, porforça do art. 2o da Lei de Introdução do Código Civil, não podem serrevogadas, sem expressa menção pela norma geral, que no caso não há.Admitindo-se, todavia, que se possa contestar tal interpretação, econsiderar que o novo Código está alcançando todas as associações,entendo que acerca da matéria poderá ser suscitado controle concentradode constitucionalidade, por Confederação Esportiva nacional, quecongregue apenas Federações Estaduais, pela via da ação direta deinconstitucionalidade, no Supremo Tribunal Federal, pleiteando, eminterpretação conforme a Constituição e sem redução de texto, adeclaração da inconstitucionalidade do art. 59, inciso I, do C.C. pararegular a organização e o funcionamento das entidades desportivas. 187

186 Dentre os referidos doutrinadores, pode -se citar AIDAR, Carlos Miguel. Os clubes desportivos e o novoCódigo Civil. Migalhas. Disponível emhttp://www.migalhas.com.br/mostra_noticia_articuladas.aspx?cod=3399. Acesso em 14 de janeiro de 2004. eMARTINS, Ives Gandra da Silva. Instituições Desportivas. Jornal do Brasil, Brasília, 08 de janeiro de 2004,p. 12.187 MARTINS, Ives Gandra Silva. Inteligência do art. 59 do Código Civil e do art. 217, inciso I, daConstituição Federal para as associação desportivas – aspectos espaciais e temporais dos regimes jurídicos

Page 81: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

74

O Partido Democrático Trabalhista (PDT), seguindo esta orie ntação,

ajuizou ação direta de inconstitucionalidade (n.º3045 -1/DF) pleiteando a declaração

de inconstitucionalidade parcial, sem redução de texto, do artigo 59, ‘caput’ e seu

parágrafo único188, do novo Código Civil, em relação às entidades desportivas. A

Rede Brasileira de Entidades Assistenciais Filantrópicas – REBRAF foi admitida na

qualidade de amicus curiae, para postular a integral declaração de

inconstitucionalidade do art. 59 do novo Código Civil brasileiro, sustentando que

esse preceito legal transgride o postulado constitucional que assegura a liberdade de

associação e que a protege de qualquer tipo de interferência estatal.

O voto do relator, Ministro Celso Mello, concluiu :

que se revelam revestidos de legitimidade constitucional os dispositivoslegais impugnados nesta sede de controle normativo abstrato, quer seexamine a questão sob o enfoque da autonomia das entidades desportivas,quer se analise a controvérsia à luz do postulado da liberdade deassociação. [...]. Tendo em consideração as razões expostas, e acolhendo,ainda, as doutas manifestações dos eminentes Advogado -Geral da Uniãoe Procurador-Geral da República, julgo improcedente a presente açãodireta e, em conseqüência, declaro a plena constitucionalidade do art. 59e seu parágrafo único do Código Civil. É o meu voto.

Em razão da alteração superveniente do artigo 59 do Código Civil, após o

voto do relator e o pedido de vistas do Ministro Gilmar Mendes, o STF declarou o

pertinentes. Revista Brasileira de Direito Desportivo, São Paulo: Instituto Brasileiro de Direito Desportivo, n.4, Segundo semestre de 2003 . p. 200.188 Ainda na vigência da redação original do Código Civil de 2002:

“Art. 59. Compete privativamente à assembléia geral;I - eleger os administradores;II - destituir os administradores;III - aprovar as contas;IV - alterar o estatuto.Parágrafo único. Para as deliberações a que se referem os incisos II e IV é exigido o voto concorde de doisterços dos presentes à assembléia especialmente convocada para esse fim, não podendo ela deliberar, emprimeira convocação, sem a maioria absoluta dos associados, ou com menos de um terço nas convocaçõesseguintes.”

Page 82: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

75

prejuízo da ação em decisão unânime 189. Ainda assim, alguns trechos da decisão

merecem transcrição parcial, pela excelência, profundidade e amplitude da

abordagem, sem prejuízo da oportuna consulta para análise do voto integral, diante

da impossibilidade de transcrevê -lo integralmente neste trabalho.

Inicialmente, a decisão afasta o argumento de que a autonomia prevista

no artigo 217, I, CF/88 suprimiria o fundamento de validade do artigo 59 e §único

do Código Civil:

Tenho para mim que não se revela legítimo o procedimentohermenêutico, que, elastecendo o sentido conceitual da autonomiainstitucional de tais associações, busca estender, indevidamente, o âmbitode incidência de tal prerrogativa, culminando por fazer instaurar situaçãode que resulte inadmissível interdição ao poder conformador do Estado,em tema de regulação normativa dos requisitos estruturadores pertinentesàs entidades de direito privado.[...]Vê-se, pois, a partir dessa essencial limitação jurídica que incide sobre aautonomia normativa, que as entidades privadas - a quem se outorgou,excepcionalmente, tal prerrogativa extraordinária - estão sujeitas àregulação estatal, que, mediante cláusulas genéricas ou conceitosjurídicos indeterminados, pode impor restrições, definir a extensão eestabelecer parâmetros destinados a condicionar a prática desse poder deauto-organização e de autodeterminação, sem que se possa inferir, dalegítima emanação de normas instituídas pelo Poder Público, qualquertipo de indevida interferência na esfera de liberdade das associações civise das entidades desportivas em geral.

Em seguida, o Ministro relator procede cotejo entre o dispositivo

infraconstitucional atacado e o princípio constitucional de liberdade de associação,

para concluir que não há vício de inconstitucionalidade a ser reconhecido:

O princípio constitucional da liber dade de associação consubstanciado nanorma de parâmetro invocada pela REBRAF como tendo sidoalegadamente vulnerada pelo art. 59, e seu parágrafo único do Código

189 Algumas entidades desportivas apresentaram requerimento para que a ADIn seja processada e julgada, adespeito da decisão que reconheceu a perda de objeto.

Page 83: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

76

Civil -, não configura um valor absoluto em si mesmo, nem inibe o poderde conformação legislativa do Estado.Tal postulado, na verdade, não conferiu às associações a prerrogativa deagir à revelia dos princípios jurídicos inscritos nas leis e, especialmente,na própria Constituição da República. O grau de autonomia concedido aoente associativo sequer priva o Estado de exercer as competências que oordenamento constitucional lhe outorgou.

Em síntese, duas linhas básicas de compreensão da matéria: a primeira,

capitaneada pelo jurista responsável pela proposta de redação que culminou com a

inclusão do artigo 217 da Constituição Federal, no sentido de que a autonomia

blindaria as entidades desportivas da ingerência legislativa infraconstitucional e,

portanto, não haveria fundamento de validade para a implementação do clube -

empresa; a segunda, ao que parece admitida – ainda que sem decisão de mérito –

pelo Supremo Tribunal Federal, de que a normatização infraconstitucional pode

identificar a atividade e regulá -la, não se revelando oponível a previsão de

autonomia constitucional ou mesmo os princípios de liberdade associativa.

É preciso considerar, neste contexto, que o intérprete deve buscar a

máxima eficácia do dispositivo constitucional, aproximando -o quanto possível da

realidade para superar a dificuldade de implementação eficaz do programa de ação

constitucionalmente estabelecido.

José Afonso da SILVA destaca que esta ingerência do Estado não

descaracteriza o modo de produção capitalista, nem tampouco gera “um sopro de

socialização”. Diverso do que ocorre com Cuba, a Constituição brasileira se apóia n a

apropriação privada dos meios de produção e na proteção da iniciativa privada. O

esvaziamento do conteúdo econômico do esporte em Cuba decorre, portanto, da

apropriação de toda atividade econômica pelo Estado. Contudo, apesar de diversa de

Cuba, a opção constitucional brasileira não é liberal e, como complementa José

Afonso da SILVA, “a atuação do Estado, assim, não é nada menos do que uma

Page 84: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

77

tendência de pôr ordem na vida econômica e social, de arrumar a desordem que

provinha do liberalismo.” 190

De outro lado, também não significa conceituar o esporte como um

serviço público no Brasil, tal qual ocorre – como já se constatou – em diversos

países europeus, como França, Espanha e Portugal. Pode -se dizer, sim, que se trata

de uma atividade de interesse público.

No Brasil, tal qual ocorre na Alemanha, as federações não se desdobram

de um ente estatal, mas são criadas sem a necessidade de autorização estatal. Pode

haver tantas federações ou confederações de uma mesma modalidade no Brasil, pois

o que definirá a prevalência e o interesse do desportista não será a outorga estatal,

mas o reconhecimento da entidade internacional oficial.

Contudo, a dificuldade enfrentada na Alemanha, acerca da legitimidade

constitucional para intervenção estatal, decorre do não reconhecim ento do esporte,

naquele país, como direito fundamental. No Brasil, quando a Constituição de 1988

estabelece que o esporte é dever do Estado, cria uma norma de eficácia limitada de

princípio programático 191 e, como tal, esta norma tem o papel de princípio ge ral

informador do regime político e orientação axiológica da ordem jurídica dotada de

“eficácia interpretativa que ultrapassa, nesse ponto, a outras do sistema

constitucional ou legal, porquanto apontam os fins sociais e as exigências do bem

comum, que constituem vetores da aplicação da lei.” 192

Na década de 1950, Luis Recaséns SICHES já advogava a necessidade de

que a interpretação se colocasse a partir de valores, mas não dos valores individuais

190 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo . 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p.764.191 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais . 6. ed. 2. tiragem. São Paulo:Malheiros, 2003. p. 156. O autor as classifica como “normas que contêm, além de princípios esquemáticospara atuação legislativa futura, também princípios gerais informadores de toda a ordem jurídica.”192 SILVA, José Afonso. Aplicabilidade das normas constitucionais . p. 157. Assim, mesmo que seargumentasse que a ação do Estado deve ser meramente orientadora, em matéria desportiva a orientação dosistema – imposta pelo ditame constitucional – é de que o esporte é dever do Estado, direito fundamentalsocial e que exige tratamento diferenciado entre a prática profissional e não -profissional.

Page 85: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

78

do intérprete. De valores estabelecidos pela ordem vigente e p or intermédio dos

quais esta ordem jurídica positiva encontra -se inspirada.193 Na mesma década, Vezio

CRISAFULLI reconhecia que toda norma constitucional é jurídica, incumbido -lhe

um mínimo de efetividade, identificada na capacidade de impedir a edição de

legislação infraconstitucional antinômica e de influenciar a interpretação

constitucional194.

A matéria sob exame é rigorosamente coadunada a este entendimento.

Uma norma de eficácia limitada de princípio programático, que estabelece um vetor

de ação estatal capaz não só de direcionar a política pública sobre desporto, mas

orientar a interpretação constitucional acerca do tema. No caso concreto, a

orientação é no sentido de que se trata de um direito social e, como tal, deve ser

preservado e protegido pelo Est ado, a quem incumbe a seguir esta orientação

axiológica195. Por isso, não se segue o raciocínio favorável à atribuição de um

significado sobrepujante do termo autonomia, porque – se a autonomia desportiva

prevista na Constituição brasileira tivesse este sign ificado – seria a própria negação

do esporte como direito de todos e dever do Estado.

Entretanto, o sistema constitucional pressupõe sua composição por

normas que se encontram sob o mesmo patamar hierárquico e cujas antinomias

guardam especial forma de superação. Na realidade, a hermenêutica constitucional

atual impõe a adoção de sentidos de preservação da Constituição aliados às

exigências da realidade social. 196 Desta forma, também não é possível simplesmente

193 SICHES, Luís Recaséns. Nueva filosofia de la interpretación del derecho . México, 1956. p. 227.194 CRISAFULLLI, Vezio. La costituzione e le sue disposizioni di principio . Milão: Giuffrè, 1952. p 30.195 Como afirma WOLKMER, Antonio Carlos. Novos pressupostos para a temática dos direitos humanos. In:RÚBIO, David Sanchez; FLORES, Joaquín Herrera; CARVALHO, Salo (org.). Direitos humanos eglobalização: fundamentos e possibilidades desde a teori a crítica. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2004, p. 17:“O clássico modelo jurídico liberal -individualista tem sido pouco eficaz para recepcionar e instrumentalizar asnovas demandas sociais, portadoras de direitos humanos referentes a dimensões individuais, coletivas, meta-individuais, bioéticas e virtuais.”196 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional . 11. ed. São Paulo: Malheiros. 2001, p. 418.

Page 86: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

79

esvaziar o significado de autonomia desportiva, pois estar-se-ia suprimindo um

elemento constitucional.

Na prática, em se tratando de princípios constitucionais, não se adotam os

meios tradicionais de superação de antinomias, inerentes às normas

infraconstitucionais, tais como lex superior derogat legi inferiori, lex posterior

derogat legi priori ou lex specialis derogat legi generali .

Conflitos entre regras são normalmente solucionados através de uma

cláusula de exceção prevista em uma delas. Caso contrário, se inexistente uma

condição de previsibilidade ou exceção, uma das regras deve ser invalidada e

eliminada do ordenamento jurídico para que a outra possa ser aplicada. Assim, os

critérios adotados de invalidação, podem se dar através da importância das regras

em conflito, anterioridade da regra ou pre ponderância de regras especiais sobre

regras gerais.

No caso dos princípios, a solução não se aplica à base do tudo ou nada.197

No âmbito constitucional, é válido afirmar que a superação de antinomias aparentes

se realiza pela aplicação do princípio estrutur ante da cedência recíproca, isto é, cada

um dos princípios cede, para a prevalência do outro, sem que haja negação de seus

núcleos base.

Não se deixa de aplicar qualquer dos princípios em jogo, senão se

adaptam seus sentidos para que estejam adequados à de manda que se apresenta. Isto

porque não se pode, por exemplo, invalidar um princípio em detrimento de outro,

retirando-lhe do ordenamento jurídico. O que está em jogo não é a validade do

princípio, como no caso das regras. Ao contrário, parte -se do pressuposto de que os

princípios somente se acham em conflito se forem válidos ou consagrados no

ordenamento sistêmico.

197 DWORKIN, Ronald. Taking rights seriously . Cambridge: Harvard University Press. 1977, p. 41.

Page 87: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

80

No caso em análise, a solução válida não pode ser simplesmente negar o

princípio da autonomia desportiva, mas dar -lhe significado coerente com o que se

expôs acerca do papel do Estado. A autonomia desportiva deve ser entendida no

contexto da dicotomia entre direito estatal e direito desportivo, sob a perspectiva da

autonomia de aplicação das regras das respectivas modalidades.

Não se trata de criar um obstáculo às normas estatais de organização e

funcionamento das pessoas jurídicas, mas de reconhecer autonomia das normas

desportivas supranacionais de organização e funcionamento destinados à prática da

respectiva modalidade.

Em verdade, a discussão aberta a partir de SANTI ROMANO (A Ordem

Jurídica, 1946), para o reconhecimento de uma ordem jurídica independente da

ordem estatal, foi aproveitada por juristas desportivos como L. PETRAZYCKI

(1867-1931), J. LOUP (Les Sports et le Droit , 1930), C. SFORZA (La teoria degli

ordinamento giuridici e il diritto sportivo, 1934 ), L. SILANCE. De outro lado, a

favor da intervenção estatal, FRANÇOIS ALAPHILIPPE, R. BONDOUX ( Le Droit

et le Sport), J.F. BOURG (Economia do Esporte e Ética) , P. JESTAZ (Espetáculo

Esportivo e Direito do Esporte), J-P. KARAQUILLO (As normas das Comunidades

Esportivas e o Direito Estatal ).198

O que se extrai, deste debate, é que – no ponto relacionado à prática da

modalidade desportiva – merece prevalência a autonomia desportiva; contudo, no

ponto de organização das pessoas jurídicas, cada país estipula suas regras, que serão

mais ou menos interventivas de acordo com o viés constitucional adotado.

Aqui o conceito de autonomia ganha possibilidade de convivência

harmônica com o significado de desp orto como dever do Estado e direito de cada

um. Como destaca Paulo Marcos SCHMITT:

198 BREILLAT; LAGARDE; KARAQUILLO. op. cit. p. 09.

Page 88: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

81

“A autonomia das entidades desportivas, prevista no art. 217 da CF/88,não pode ser interpretada como independência, muito menos comosoberania. A constitucionalização não t eve o condão de ampliar o seualcance, nem de afastá-las do controle administrativo ou jurisdicionalcompetentes, pois autonomia é autodeterminação dentro da lei, e todaentidade privada dela usufrui.” 199

Com isso se apresenta um resultado de interpretação q ue preserva o

conteúdo dos princípios constitucionais, evitando que qualquer deles tenha seu

comando negativado. O esporte como direito de todos e dever estatal legitima o

“poder conformador do Estado, em tema de regulação normativa dos requisitos

estruturadores pertinentes às entidades de direito privado”; e, ao mesmo tempo, o

princípio de autonomia dirige -se à organização e funcionamento das entidades

desportivas, para fins de normatização e prática das respectivas modalidades.

Desta forma, este trabalho agrega-se à corrente que reconhece como

constitucional a ação do Estado para definição da estrutura a ser adotada pelas

entidades desportivas, reconhecendo que a colisão aparente entre os princípios de

autonomia desportiva e liberdade de associação (de um lado) e desporto como dever

do Estado e intervenção nos domínios econômico e social (de outro lado) se supera

pela aplicação de princípio de cedência recíproca. Preserva -se a autonomia

desportiva e seus consectários vinculando -os ao sistema de direito desp ortivo

compreendido como o conjunto de regras inerentes a cada modalidade desportiva,

organizado e estruturado pelas respectivas entidades de organização desportiva

internacional. Preserva-se a norma programática de ação estatal para o desporto

vinculando-a às prerrogativas que o Estado ostenta na regulação de uma atividade

considerada de interesse público e vinculada a um direito fundamental social que,

como tal, enverga altivez constitucional.

199 SCHMITT, Paulo Marcos. Curso de justiça desportiva . São Paulo: Quartier Latin, 2006. p. 38.

Page 89: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

82

Assim, diante da conclusão parcial de que a filtragem constitu cional não

permite identificar vício de inconstitucionalidade sobre as normas que regulam as

entidades desportivas, o raciocínio se estende para investigar aspectos de natureza

civil, relacionados aos desdobramentos da estruturação associativa ou societári a

sobre os clubes esportivos.

Page 90: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

83

4 DESPORTO E FUNDAMENTOS LEGAIS DO CLUBE -EMPRESA

4.1 Bases legais no Brasil – entre a facultatividade e a imposição

A análise do fundamento constitucional e da efetividade normativa e

social do tratamento legislativo aplicado para estruturação jurídica dos clubes

profissionais de futebol no Brasil permitiu, até este ponto do trabalho, constatar que

o desporto é um fenômeno multifacetado de inegável conteúdo jurídico. A dinâmica

do fenômeno desportivo criou um cenário d e problemas e desafios, cujas soluções

têm sido buscadas de forma pontual e específica.

No âmbito da estruturação dos clubes de futebol, a opção foi a

estipulação legislativa do clube -empresa, por intermédio da qual o Estado pretende

vincular desporto prof issional, atividade econômica e estruturação societária

empresarial.

O desporto profissional está inserido no desporto de rendimento, segundo

a estrutura adotada pela legislação desportiva vigente, cuja atenção está direcionada

para o futebol. O desporto de rendimento pode ser organizado e praticado de modo

profissional, caracterizado pela remuneração pactuada em contrato formal de

trabalho entre o atleta e a entidade de prática desportiva.

A legislação identifica o futebol profissional como fator de produ ção,

explorado economicamente pelo clube, a quem incumbe adotar um dos tipos

societários previstos pelo Código Civil. Há embate sobre a constitucionalidade da

intervenção estatal sobre as entidades desportivas, independentemente da estrutura

jurídica que adotem. A harmonização entre os princípios permitiu constatar que a

tese de inconstitucionalidade não prevalece.

Os clubes de futebol, por sua vez, estão estruturados majoritariamente

como associações. E isso ocorre por razões históricas de origem do esport e e de

criação destas entidades esportivas. De outro lado, como se verá logo adiante, o

espetáculo esportivo passou a ocupar espaço enorme, com toda sua capacidade de

Page 91: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

84

geração de receitas e com a complexidade da rede contratual que se agregou à

prática esportiva. Ao que se pode constatar, o Estado brasileiro focou -se nesta

capacidade de geração de receitas paralela ao crescimento das dívidas fiscais e

previdenciárias dos clubes de futebol, para implementar o marco legislativo de

regulação da estrutura societária daquelas entidades esportivas.

Imantada pelos elementos acima descritos, a legislação desportiva

brasileira centrou-se na distinção entre o desporto praticado e organizado de modo

não profissional e de modo profissional. Para o primeiro, reservou a es trutura

associativa; já com relação ao desporto praticado e organizado de modo profissional,

reconheceu-o como atividade econômica e aproximou -o da regulação jurídica das

sociedades empresárias.

No passado recente, a Lei nº 8.672/93 (Lei Zico) facultava ao s clubes se

transformarem em sociedade comercial com finalidade desportiva; constituírem

sociedade comercial com finalidade desportiva, da qual detivessem controle e

maioria do capital votante; ou, contratarem sociedade comercial para gerir as

atividades desportivas. Com o advento da Lei nº 9.615/98, respeitada a regra de

vacatio legis200, as atividades relacionadas a competições de atletas profissionais

tornaram-se privativas de sociedades civis de fins econômicos; sociedades

comerciais admitidas na legislaç ão; ou, clubes que constituíssem sociedade

comercial para administrar aquelas atividades.

Antes que pudesse surtir os efeitos pretendidos, a regra se alterou

novamente, com as modificações na Lei nº 9.615/98, implementadas a partir da Lei

nº 9.981, de 14 de julho de 2000. A partir deste ponto, torna -se facultativo ao clube

participante de competições profissionais, transformar -se em sociedade civil de fins

econômicos, sociedade comercial ou constituir ou contratar sociedade comercial

para administrar suas atividades profissionais.

200 Inicialmente de dois anos, de acordo com o artigo 94 da Lei 9.615/98, cujo prazo foi prorrogado por maisum ano, de acordo com a Lei 9.940, de 21 de dezembro de 1999.

Page 92: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

85

Posteriormente, editaram-se medidas provisórias que se imiscuíram no

tema, para finalmente sedimentar -se a posição atual do artigo 27 da Lei 9.615/98,

com redação dada pela Lei 10.672/2003. Como já mencionado, o artigo 27, § 9º, da

Lei 9.615/98 faculta às entidades desportivas profissionais constituírem -se

regularmente em sociedade empresária, segundo um dos tipos regulados nos artigos

1.039 a 1.092 do Código Civil. 201

As sociedades empresárias devem seguir o princípio da tipicidade,

devendo adotar um dos tipos estabelecidos pela lei: a sociedade em nome coletivo, a

sociedade em comandita simples, a sociedade limitada, a sociedade anônima e a

sociedade em comandita por ações. Alfredo de Assis GONÇALVES NETO destaca:

Trata-se de um princípio que restringe a autonomia privada, no querespeita à liberdade contratual. As partes não têm a faculdade de celebrarsociedades empresárias fora dos modelos oferecidos pela lei. Esseprincípio justifica-se por razões de segurança jurídica, em favor d e quemcontrata com a sociedade (para que tenham, de pronto, a identificação dagarantia de seus créditos) e no interesse dos próprios sócios (notadamenteminoritários, quanto aos direitos que lhes são assegurados em cada qualdos tipos).202

Portanto, pela regra legislativa, faculta-se aos clubes constituírem-se

regularmente em um dos tipos de sociedades empresárias previstos pelo Código

Civil. Entretanto, caso não o façam, o artigo 27, § 11, estabelece que as entidades

desportivas profissionais ficam sujeita s ao regime da sociedade em comum e, em

especial, ao disposto no artigo 990 do Código Civil. CARLEZZO considera a regra

veiculada pelo artigo 27, § 11, da Lei 9.615/98 “um ato retrógrado, inconstitucional

e incongruente”.203

201 BRASIL. Lei 9.615, de 24 de março de 1998. “Artigo 27. [...] § 9º. É facultado às entidades desportivasprofissionais constituírem-se regularmente em sociedade empresária, segundo um dos tipos regulados nosarts. 1.039 a 1092 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil.”202 GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis. Lições de Direito Societário . 2. ed. São Paulo: Editora Juarez deOliveira, 2004. p. 45.203 CARLEZZO. Eduardo. Direito desportivo empresarial . São Paulo: Editora Juarez de Oliveira , 2004. p.67.

Page 93: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

86

Já se constatou que inconstitucio nalidade não há. Entretanto, a possível

incongruência pode ser revelada do ponto de vista interno, porque a norma

escamoteia sob suposta facultatividade, um tratamento sancionador 204 ao clube que

opta por não adotar uma das modalidades societárias, com refle xos para os

associados.

Este tratamento punitivo se revela pela própria justificativa do Ministério

do Esporte, encaminhada ao Presidente da República, no projeto de lei que se

converteu na Lei 10.672, de 15 de maio de 2003:

O projeto ora apresentado a Vos sa Excelência contempla, de formaobjetiva, a realidade fática do estágio do desporto nacional quanto ànecessidade de as entidades se constituírem em sociedade comercial oucontratarem sociedade comercial para administrar suas atividadesprofissionais, facultando àquelas que não o fizerem serem equiparadas àssociedades de fato ou irregulares na forma da lei comercial, gravando-ascom maior vigor nas obrigações daí decorrentes , (...) (grifo ausente nooriginal).

A denominação das sociedades em comum é apli cada pelo Código Civil

de 2002, para identificar as anteriores sociedades irregulares ou de fato, com

especial ênfase para a responsabilidade solidária e ilimitada de todos os sócios pelas

obrigações sociais. Pela construção legal, desta forma e em princíp io, os associados

seriam considerados sócios, com responsabilidade subsidiária a teor do artigo 1024

do Código Civil. Os dirigentes que atuam em nome do clube não gozam do

benefício de ordem, respondendo de modo solidário. Tudo isso sem prejuízo da

sujeição dos bens particulares dos dirigentes às regras de desconsideração da

personalidade jurídica (artigo 50 do Código Civil) e demais sanções previstas no

artigo 1.017 do Código Civil, caso apliquem créditos ou bens sociais em proveito

próprio ou de terceiros.

204 ULHOA COELHO, Fábio. Curso de Direito Comercial . Vol. 1. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 71. O autorafirma textualmente que a responsabilidade ilimitada dos sócios pelas obrigações da sociedade é a principa lsanção imposta à sociedade empresária que explora irregularmente sua atividade econômica.

Page 94: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

87

Portanto, não se trata de facultatividade, mas de efetiva obrigatoriedade

de adoção de um dos tipos de sociedade empresária, pena de adoção do previsto no

artigo 27, par. 11 da Lei n. 9.615/98. Esta opção legislativa revela mais do que uma

incongruência, a falta de solidez e segurança no tratamento legislativo atribuído ao

esporte nacional. Em 2000, o Congresso Nacional considerava o esporte como

serviço público e a Confederação Brasileira de Futebol como uma entidade

paraestatal.205 Em 2003, o esporte é considerado atividade econômica a ser exercida

por sociedade empresária.

Posta a questão da obrigatoriedade escamoteada, vale destacar que o

tratamento legislativo sobre o clube -empresa continua com a redação do artigo 27, §

6º, IV, da Lei 9.615/98, que leva a concluir, em princípio, que financiamentos com

recursos públicos estariam sujeitos à adoção do modelo profissional, vale dizer, à

regra do clube-empresa. A norma parece mitigada, com a edição da Lei 11.345, de

14 de setembro de 2006, quando autoriza a p articipação dos clubes,

independentemente da forma societária adotada, em concurso de prognóstico

destinado ao parcelamento e pagamento de débitos perante a Secretaria da Receita

Previdenciária, INSS, Receita Federal, Fazenda Nacional e FGTS.

De qualquer modo, com objetivo de manter a segurança jurídica das

competições, o artigo 27-A da Lei 9.615/98 veda que a mesma pessoa (física ou

jurídica) tenha participação simultânea direta ou indireta no capital social ou na

gestão de dois clubes disputantes da mesma competição profissional. O artigo 27 -A,

§ 3º estabelece exceções à regra, especialmente em relação à administração de

estádios, patrocínio, uso de marcas e símbolos etc.

205 Para subsidiar tal conclusão, tomada a partir da instalação do requerimento 497/2000, para criação da “CPIdo Futebol” no âmbito do Senado Federal, e ratificada no pronunciamento em Plenário do Senador ÁlvaroDias, em 27 de dezembro de 2000, a legislação brasileira deveria ser similar à francesa, o que no presentetrabalho se constatou inocorrente.

Page 95: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

88

O artigo 27-A, §§ 5º e 6º da Lei 9.615/98 veda patrocínio e veiculação de

marca por empresas detentoras de concessão, permissão ou autorização de

radiodifusão de sons e/ou imagens, assim como televisão por assinatura.

Este é o marco regulatório do clube -empresa no Brasil, sujeito ainda à

filtragem da eficácia social que será enfrentada a p artir da superação da vacatio legis

imposta pelo artigo 2.031 do Código Civil 206.

Não obstante, dois pontos fulcrais merecem especial atenção: a dubiedade

inicialmente revelada pela norma legal, ao mencionar inicialmente a facultatividade

e, em seguida, impor efeitos legislativos sancionatórios pela inobservância da

suposta alternativa legal; e, com relação aos efeitos da manutenção da estrutura

jurídica associativa, o reconhecimento do clube – originalmente constituído de modo

regular – como uma entidade despersonalizada (sociedade em comum). Esta

segunda questão será enfrentada mais adiante.

O próximo passo consiste, agora, em acomodar o tratamento legislativo

do clube-empresa ao sistema infraconstitucional desportivo, de modo a aferir a

eficácia normativa e social daquela legislação. A tarefa exige que se enfrente a

questão da associação e da sociedade empresária, não para se conceituar a sociedade

empresária, pois sequer a legislação civil vigente o fez de modo conceitual. Mas,

para investigar se a prática do esporte profissional e seus desdobramentos se

enquadram – da forma pretendida pela legislação desportiva – na estruturação

proposta para as sociedades empresárias.

4.2 Desporto, mercado e contratos desportivos

206 BRASIL. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil. “Artigo 2.031. As associações e fundações,constituídas na forma das leis anteriores, bem como os empresários, deverão se adaptar às disposições desteCódigo até 11 de janeiro de 2007.”

Page 96: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

89

A introdução do espetáculo desportivo, f enômeno de rápida evolução,

permitiu ao esporte ganhar ascensão de caráter universal e envolver contratos de

cifras bilionárias.

Antes do início da Eurocopa de 2004, os meios de comunicação já

anunciavam que a competição deveria pagar a maior premiação de sua história, pois

o Comitê Executivo da UEFA decidiu distribuir 128 milhões de euros em prêmios

para os participantes da disputa. Cada seleção recebeu quase cinco milhões de euros

somente para participar.207 Para 2008, estima-se que as receitas com direitos de

transmissão esportiva na Europa atinjam U$7,5 bilhões.

A história de Edward Freedman, responsável pela transformação do

Manchester United na mais poderosa marca de futebol do mundo e que disse

textualmente que “adoraria colocar as mãos no marketing da seleção brasileira”,

retrata como o futebol extrapola os gramados e é capaz de gerar receitas:

Até 1992, a área de merchandising do Manchester United resumia -se aduas pessoas e um telefone. Naquele ano, o clube surrupiou Freedman dorival Tottenhan Hotspur, de Londres, para desenvolver o ‘departamento’.E ele desenvolveu. A megastore anexa ao famoso estádio de Old Traffordé a terceira já inaugurada desde então – uma maior que a outra. Freedmanficou marcado (para o bem e para o mal) por ser capaz de asso ciar onome do time a praticamente qualquer coisa. Camisetas Nike erefrigerantes Pepsi foram só o começo. ‘Os fãs já estavam lá. Faltavaoferecer a eles produtos ligados ao time’, lembra o marqueteiro dosgramados. Não por acaso, foi depois do lançamento de uma agressivapolítica de licenciamentos com a marca Manchester que o dinheirocomeçou a entrar. Hoje, o time é dono de uma rede de tevê, uma rádio,uma cadeia de lojas de roupa e outra de restaurantes, chamada Red Cafe.208

207 EUROCOPA VAI PAGAR A MAIOR PREMIAÇÃO . Estado de São Paulo. São Paulo , 06 de novembrode 2003. p. 12.208 TEIXEIRA, Alexandre. O Midas da bola. Isto É Dinheiro . Disponível emhttp//:www.terra.com.br/istoedinheiro/325/negocio/325_midas_bola.htm . Acesso em 28 de dezembro de2006.

Page 97: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

90

A mesma reportagem faz referên cias a contratos gerados a partir da

exploração da marca ou simplesmente da vinculação com o clube inglês:

Seu torcedor pode comprar um celular na loja do time e usá -lo paraapostar nos resultados de seus jogos (uma mania tão inglesa como ofeijão doce no café da manhã). Pode usar a estrutura do clube para abriruma caderneta de poupança, financiar a compra de um imóvel, fazerseguro de vida ou programar sua próxima viagem. Tudo isso sem tirar opijama vermelho que é sucesso de vendas nas lojas do Manchest er. Dessemodo, o clube fatura quase US$ 200 milhões por ano, sem contar oacordo de patrocínio com a Nike, no valor US$ 400 milhões distribuídosao longo de 13 anos. Sua torcida soma algo como 50 milhões de fãs emmais de 100 países, com destaque para um enorme contingente na Ásia,para onde Freedman levou o Manchester pela primeira vez há mais de 10anos. É um patrimônio que desperta a cobiça de tubarões como RupertMurdoch, o barão australiano da mídia que ofereceu US$ 1 bilhão pelocontrole do Manchester – e saiu de mãos abanando.

E este fenômeno não é novo, como descreve Wesley CARDIA:

Em 1850, John Wisden, fabricante de confecções masculinas do ReinoUnido, teve a idéia de patrocinar um anuário sobre cricket associado à suamarca comercial, surgindo da í o Wisden’s Cricketer’s Almanack. Logoem seguida, ele foi imitado pelo Barclays Bank, que passou a editar oLeague Club Directory.No começo do século passado, em 1904, nos Estados Unidos, foi a vez dofabricante de artigos esportivos Spalding publicar s eu Spalding’s OfficialAthletic Manual, que trazia os resultados dos Jogos Olímpicos de SaintLouis. Nesse almanaque, eram dedicadas dezenove páginas aos produtosSpalding. (...).Logo depois, em 1912, nos Jogos de Estocolmo, pela primeira vezaparece a rubrica ‘receitas extraordinárias’. A empresa GrandbergIndustrial Art Company pagou U$3,600.00 (três mil e seiscentos dólares)em troca do direito de explorar e comercializar as fotografias dascompetições.209

Como menciona CARDIA, a forma de exploração do es porte, por

intermédio do marketing esportivo, evoluiu de forma dinâmica. Os primeiros jogos

209 CARDIA, Wesley. Marketing e patrocínio esportivo . Porto Alegre: Bookman, 2004. p. 1 3.

Page 98: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

91

olímpicos televisionados foram os de Berlim, em 1936, para cento e sessenta e dois

mil telespectadores. Em Roma, 1960, os Jogos foram transmitidos ao vivo, pela

primeira vez, para vinte e um países; quarenta e seis empresas patrocinaram o

evento. Em Montreal, 1976, foram cento e sessenta e oito empresas participantes

(patrocinadores oficiais, colaboradores e licenciados).

Em Sidney, 2000, a Austrália alcançou U$ 4,3 bilhões em benefício

econômico com os Jogos Olímpicos. O Comitê Olímpico Internacional alcançou

receitas de marketing de U$2,6 bilhões, dos quais U$550 milhões provieram de

receitas do patrocínio de onze empresas (o que demonstra, além da projeção

astronômica das quantias, a especialização do patrocínio).

CARDIA comenta, ainda, que o número de empresas envolvidas com

patrocínio esportivo nos Estados Unidos da América passou de mil e seiscentas, em

1985, para quatro mil e quinhentas, em 1992, segundo a Inter national Group Inc.

Atualmente, fala-se que o esporte nos Estados Unidos gera U$613 bilhões por ano.

Esta diversificação da exploração econômica da atividade desportiva atinge, por

exemplo, o nome de eventos (Bob Hope Chevrolet Classics, 3M Golfe Classic); o

nome da arena ou do estádio (American Airline Arena, em Miami; Kodak Theater,

em Los Angeles); o sorteio de partidas e, até mesmo os direitos de sediar eventos em

troca de exposição da mídia (“host city”). Segundo o autor:

Outra forma de demonstrar a ev olução do mercado de naming rights épelo crescimento dos valores pagos pelas propriedades ao longo dosúltimos 30 anos. Um dos primeiros negócios realizados nesse campo nosEUA foi a negociação dos naming rights do Rch Stadium, em Bufalo,1973. Ele teve os direitos negociados pelo prazo de 25 anos, pelo valor deU$1,5 milhão. O recorde pertence atualmente ao Reliant Stadium, dosTexans, da Liga de Futebol Americano (NFC), que atingiu a cifra deU$300 milhões pelo período de 32 anos. 210

210 CARDIA, Wesley. Marketing e patrocínio esportivo . p. 183.

Page 99: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

92

Como se vê, o fenômeno esportivo ganhou projeção fantástica na

perspectiva financeira, sendo possível identificar as marcas mais valiosas do mundo

esportivo, na atualidade: (i) Dallas Cowboys, U$274,3 milhões; (ii) Manchester

United, U$262,1 milhões; (iii) Washington Redskins, U$210,6 milhões; (iv) New

York Yankees, U$180,1 milhões; (v) New York Knicks, U$171,1 milhões; (vi) Real

Madrid, U$155,1 milhões; (vii) Bayern Munich, U$150,3 milhões.

No Brasil, a expansão da atividade esportiva coloca o país como o quinto

maior mercado mundial e um dos maiores em potencial para realização e consumo

de eventos esportivos211. Estima-se que os clubes de futebol devam receber, pelo

campeonato brasileiro no período de 2006 a 2009, aproximadamente trezentos

milhões de reais.

O Brasil conta com cerca de oitenta milhões de pessoas praticantes de um

ou mais esportes, abrindo um mercado de treze milhões de reais em bolas de futebol

ao ano; trezentos e sessenta milhões de dólares anuais em roupas de ginástica; dois

bilhões de dólares por ano em fatura mento das academias de ginástica. Em síntese, o

PIB brasileiro atingiu, em 2002, um trilhão e trezentos bilhões de reais; a fatia

atribuída ao mercado esportivo – neste mesmo período – é de 1,0 a 1,6%, atingindo

de treze a vinte bilhões de reais. 212

A noção do espetáculo desportivo agregou um contorno completamente

novo, permitindo uma nova forma de manifestação esportiva, destinada a gerar

receita. Na síntese de Antonio Carlos Kfouri AIDAR:

O fair play e o espírito de equipe são transformados, pelas classesdominadas, no gosto pela violência, na busca de recordes através dosacrifício. Vencer vira o combustível de uma indústria – privada oupública – do espetáculo esportivo.Na mesma estrada, a carreira esportiva deixa de ser uma opção deentretenimento para virar forma de ascensão social. O esporte, que nasceu

211 KRIEGER, Marcílio. op. cit. p. 686.212 COSTA. Lamartine Pereira da. Atlas do Esporte no Brasil . Rio de Janeiro: Shape, 2005. p. 106.

Page 100: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

93

dos jogos realmente populares, retorna depois ao povo sob a forma deespetáculos produzidos para o povo. 213

No Brasil, este ambiente envolve especialmente as entidades de prática

do futebol profissional, algumas estruturadas como sociedades empresárias, outras

como associações. Porém, todas têm à disposição e exploram em maior ou menor

grau a rede de contratos vinculados à prática desportiva.

O clube firma contratos de trabalho com atletas, preparadores fí sicos,

massagistas, médicos, fisioterapeutas, enfermeiros, técnicos, auxiliares técnicos,

nutricionistas, psicólogos, seguranças, administradores, advogados. Constrói e/ou

mantém a infra-estrutura do estádio, aluga espaços para venda de produtos, lojas,

lanchonetes, restaurantes. Vende espaços publicitários que podem ser placas fixas ao

redor do campo, nas cadeiras, corredores internos e mesmo nos banheiros; painéis

eletrônicos internos e externos, produtos exibidos antes e no intervalo das partidas,

filmes exibidos em televisões instaladas no estádio, material distribuído aos

espectadores, telões, placares. A publicidade pode estar de forma clássica nas

camisas dos jogadores ou no bilhete de entrada para a partida. Pode estar em um

balão que sobrevoa o campo de jogo ou no próprio nome do estádio.

O clube firma também contratos de imagem com os atletas, vinculando -

os à marca da equipe ou a outros produtos (esportivos ou não). Vende direitos de

transmissão de televisão e outras mídias (celulares, internet). Au fere receita com

formação e/ou transferência de jogadores. Vende ingressos e licencia produtos, que

podem estar vinculados à prática esportiva (uniformes esportivos, chuteiras, bonés,

bolas) ou não ter qualquer vinculação com o esporte, a não ser a marca d a equipe

(xícaras de café, aventais, celulares, cervejas, eventos, sorteios). Clubes europeus

promovem colônias de férias temáticas para crianças. Clubes brasileiros promovem

cursos de formação para garotos estrangeiros que pretendem se tornar atletas.

Equipes mundialmente conhecidas fazem turnês remuneradas por continentes.

213 AIDAR, Antônio Carlos Kfouri. op. cit., p. 42.

Page 101: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

94

Instalam-se escolas de futebol e parques temáticos em outros países. E alguns clubes

europeus iniciam a produção de filmes para o cinema.

No Brasil, a denominação e os símbolos das enti dades desportivas, os

nomes e apelidos dos atletas profissionais são protegidos pela legislação, por tempo

indeterminado e independente de registro. 214

Há uma rede contratual imbricada com a atividade esportiva. Esta rede

permite a geração de receitas, ao me smo tempo em que também permite visualizar

uma série de despesas, tais como a formação de jogadores, oferecimento de estrutura

de moradia, formação física e educacional, vestuário, acompanhamento médico,

odontológico, psicológico e nutricional. Não apenas para as equipes principais, mas

para todas as categorias, notadamente porque é comum que – dentre as obrigações

dos clubes que participam das competições principais – encontre-se a exigência de

que mantenham equipes que participem dos torneios de base.

O desafio está em não se deixar intuitivamente levar pelo assombro das

cifras e do volume contábil, dos salários dos grandes jogadores e dos valores

envolvidos nas negociações de transferências internacionais, para simplesmente

concluir que a única possibilid ade é a conversão das equipes em sociedades

empresárias. Ter um balanço patrimonial de altos valores não identifica

necessariamente uma sociedade. Um clube social com milhares de associados, que

oferece piscinas, infra-estrutura de lazer, atividades esport ivas, recreativas e

culturais, poderá ter receitas anuais superiores a empresas e até municípios, mas isso

– por si só – não o torna sociedade empresária. Por isso, partiu -se da atividade

desportiva para o próximo tópico, consistente na análise da associaç ão, da sociedade

empresária e da estruturação jurídica das entidades de prática do futebol.

214 De acordo com o artigo 87 da Lei 9.615/98.

Page 102: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

95

4.3 Associação, sociedade empresária e forma de estruturação jurídica

dos clubes

Neste ponto do trabalho já foi possível afirmar, na esteira de Eduardo

CARLEZZO, que a estruturação jurídica dos clubes de futebol seguia a modalidade

associativa mesmo antes da entrada em vigor do novo Código Civil 215. Pode-se

mesmo retroceder ao período anterior à entrada em vigor do Código Civil de 1916,

pois a Lei nº 173, de 10 de se tembro de 1893 já empregava a expressão

“associação”, cuja finalidade poderia ser religiosa, científica, artística, política ou de

“simples recreio”. PONTES DE MIRANDA ressalva que estava excluída desta

classificação “a entidade para fins econômicos” 216.

O artigo 1363 do Código Civil de 1916 estabelecia que “celebram

sociedade as pessoas que mutuamente se obrigam a combinar seus esforços ou

recursos para lograr fins comuns.” Por isso, PONTES DE MIRANDA definia, ao

tratar da sociedade, que “o fim pode ser patr imonial, ou não-patrimonial (incremento

da ciência, da arte, da moral, da religião, do direito, da política, ou da própria

economia). Por vêzes, o caráter não era de enriquecimento, sem deixar de ser

patrimonial, como acontece com os clubes de diversões, o u de amadores, ou de

esportes, ou de lições.” 217 Mais, adiante, afirmava expressamente “a cada momento

assiste-se ao emprego das expressões ‘associação’ e ‘sociedade’ como se fossem

sinônimos.”218

CARVALHO SANTOS chega a afirmar que o conceito de sociedade

alcança o de associação, “pois o que constitui a sua essência não é a finalidade

lucrativa, mas a comunhão de interesses, morais ou econômicos, ocorrendo o

contrato, tanto nas sociedades civis, como nas associações religiosas ou

215 CARLEZZO, Eduardo. Direito Societário Desportivo . p. 64.216 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado. Tomo XLIX. Contrato desociedades. Sociedades de pessoas. 3. ed. 2. reimpressão. São Paulo: RT, 1984. p. 29.217 PONTES DE MIRANDA , Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado . Tomo XLIX. p. 12.218 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. op. cit., p. 27.

Page 103: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

96

beneficentes.”219 Mais adiante, classifica as sociedades de fins econômicos como

aquelas que visam obtenção de lucro; e, sociedades de fins não -econômicos, como

aquelas que não tem intenção de ganho, comumente denominadas associações. Para

CARVALHO SANTOS, contudo, a distinção seria irre levante, porque sua teoria

parte do contrato, comum para ambas categorias. 220

Ao comentar o projeto do Novo Código Civil, após a aprovação pelo

Senado Federal, Miguel REALE 221 menciona:

Tratamento novo foi dado ao tema das pessoas jurídicas, um dos pontosem que o Código Civil atual [referia -se ao Código Civil de 1916] serevela lacunoso e vacilante. Fundamental, por sua repercussão em todo osistema, é uma precisa distinção entre as pessoas jurídicas de fins nãoeconômicos (associações e fundações) e as de esc opo econômico(sociedades simples e sociedade empresária), aplicando -se a estas, no quecouber, as disposições concernentes às associações.

Para PONTES DE MIRANDA, a dicotomia dos fins não era relevante,

pois o autor escudava-se na previsão dos artigos 16, 22 e 23 do Código Civil de

1916 para reconhecer que havia associações de fim econômico e não -econômico;

sociedades de fim econômico e não -econômico. Para ele, o critério distintivo estava

em que a associação é essencialmente “corporativa”, vale dizer, “a reunião de

pessoas é associação quando de tal maneira se organizou que os seus membros se

apresentam como todo único e uno e os cobre.” 222 De todo modo, PONTES DE

MIRANDA afirma textualmente que “não são pessoas jurídicas de fins econômicos

219 CARVALHO SANTOS, J.M. Código Civil brasileiro interpretado . Tomo XIX. 6. ed. São Paulo : FreitasBastos, 1955. p. 07. O Autor faz referência às legislações francesa e italiana, para concluir que a sociedadenaqueles sistemas estrangeiros são definidas “sob a idéia de lucro a repartir, não satisfazendo o seu objeto assimples vantagens morais .”220 CARVALHO SANTOS, J.M. Código Civil brasileiro interpretado . p. 09.221 REALE, Miguel. O projeto do novo Código Civil – situação após a aprovação pelo Senado Federal . 2. ed.São Paulo: Saraiva, 1999. p. 65.222 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado . Tomo I. Parte Geral. 4. ed.2. tiragem. São Paulo: RT, 1983. p. 320.

Page 104: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

97

as que apenas se destinam a expor telas, esculturas, trabalhos de cerâmica, livros,

mercadorias, máquinas, se o seu fim não é o lucro.” 223

Com o advento do Código Civil de 2002, o artigo 53 estabeleceu que

“constituem-se as associações pela reunião de pessoas que se organize m para fins

não econômicos”. O parágrafo único do mesmo dispositivo determina que “não há,

entre os associados, direitos e obrigações recíprocos”.

De outro lado está a empresa, que segundo Rubens REQUIÃO, encontra

nos juristas italianos seus maiores estudi osos. O autor apresenta o conceito de

empresa no direito italiano, desde os elementos de organização e risco mencionados

por Vivante, passando pela organização do trabalho de outrem como elemento

constitutivo que qualifica a empresa para Rocco. Já na vigên cia do Código de 1942,

do regime fascista, ressalta que a doutrina lamentava a ausência de uma definição de

empresa, que resultava da definição do empresário 224 (art. 2.082 da codificação civil

italiana, isto é, “quem exercita profissionalmente uma atividade econômica

organizada com o fim de produção ou de troca de bens ou de serviços” 225)226.

É inegável a influência do dispositivo italiano sobre o artigo 966 do novo

Código Civil brasileiro, assim como a opção por evitar a definição de empresa,

contentando-se com o conceito de empresário 227. Bem lembra REQUIÃO que o

legislador brasileiro já intentara formular o conceito de empresa, por intermédio da

revogada Lei 4.137, de 10 de setembro de 1962 (substituída pela Lei 8.884, de 11 de

junho de 1994), ao declarar que “ considera-se empresa toda organização de natureza

223 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado . Tomo I. p. 295.224 Tradução livre: “Imprenditore.”225 Tradução livre: “chi esercita professionalmente unáttivitá economica org anizzata al fine della produzione odello scambio di beni o di servizi”.226 REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial . 1º. Volume. 26. ed. 2. tiragem. São Paulo: Saraiva ,2006. p. 55.227 ULHOA COELHO, Fábio. Curso de Direito Comercial . p. 24. O autor menciona que o projeto de CódigoCivil de Miguel Reale “inspira -se no Codice Civile e, adotando expressamente a teoria da empresa, incorporao modelo italiano de disciplina privada da atividade econômica.”

Page 105: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

98

civil ou mercantil destinada à exploração por pessoa física ou jurídica de qualquer

atividade com fins lucrativos.” 228

O artigo 982 do Código Civil impõe que “considera -se empresária a

sociedade que tem por objeto o exercício de atividade própria de empresário sujeito

a registro”. Segundo REQUIÃO, o sujeito de direito (empresário ou sociedade

empresária) exerce o objeto de direito (empresa), que é a atividade produtiva

organizada.229 Como se vê, prevalece o perf il funcional da empresa, identificado por

Fábio Ulhoa COELHO como o que “realmente corresponde a um conceito jurídico

próprio.”230

Do que se extrai, da previsão legal e doutrinária, é que os membros de

uma associação reúnem-se para fins não econômicos, enqua nto os membros de uma

sociedade empresária reúnem-se para o exercício de uma atividade econômica,

profissional e organizada, portanto com fins econômicos.

A esta altura, a questão enfrentada neste trabalho estaria superada, caso

fosse possível que a pesquisa se satisfizesse em reconhecer o esporte como uma

atividade una, mas despendeu-se razoável dose de investigação para se concluir que

há uma classificação para o esporte e que o esporte praticado de modo profissional

está agregado por uma cadeia de contra tos onerosos. Para uma investigação mais

simplista, bastaria constatar que a quase totalidade dos atos constitutivos dos clubes

de futebol, com ênfase naqueles que se encontram na primeira divisão do

campeonato brasileiro oficial, promovido pela entidade n acional de administração

do desporto (Confederação Brasileira de Futebol), apresenta -os organizados na

forma associativa.

228 REQUIÃO, Rubens. op. cit. p. 58.229 Idem. p. 60. Na mesma linha, COELHO, Fábio Ulhoa, op. cit. p. 61, afirma que “empresa é a atividade,enão a pessoa que a explora; e empresário não é o sócio da sociedade empresarial, mas a própria sociedade.”230 COELHO, Fábio Ulhoa. op. cit. p. 19.

Page 106: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

99

Abstrair a distinção entre esporte profissional e não -profissional e

satisfazer-se com a constatação de que os atos constitutivos dos clubes os

apresentam como entidades sem fins lucrativos seria, entretanto, fazer tábua rasa a

uma realidade inegável e presente. De outro lado, pretender regular uma atividade,

conceituando-a de modo cogente, sem que ela se insira realmente no estatuto

jurídico próprio, é adotar uma visão irrealista e deformada.

A solução está em depurar esta atividade exercida pelos clubes de futebol

profissional, para identificar realmente o que se insere nas suas finalidades e o que

serve como meio para que a sua ativid ade principal possa ser exercida. Caso se

constate que a atividade principal do clube de futebol é vender, licenciar, alugar, a

realidade se enquadra no escopo normativo de transformação dos clubes em

sociedades empresárias. Caso se constate que a atividad e principal do clube é

praticar a atividade desportiva, alcançar resultados desportivos positivos, a

imposição legislativa estará fadada ao insucesso, pois que pretende pôr foco sobre a

regulação dos meios pelos quais o clube busca condições patrimoniais p ara exercer

sua verdadeira atividade.

Além disso, é preciso considerar se os indivíduos que se tornam

associados de um clube de futebol o fazem com o escopo de auferir lucros ou se o

fazem pela afinidade de agregarem -se mutuamente com objetivo de organiza r a

atividade desportiva e buscar o resultado desportivo almejado.

Em busca da distinção entre sociedade e associação, Francisco de Assis

ALVES aproxima os conceitos de fins não econômicos e fins não lucrativos. Para o

autor, a associação está proibida de distribuir resultados positivos aos associados, o

que justificaria a conclusão de que “este é o significado da expressão ‘sem

finalidade de lucro’, e esse mesmo sentido deve ser mantido em relação à expressão

Page 107: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

100

‘fins não econômicos’, adotada pelo art. 53, da Código Civil.”231 Para o autor, o

exercício da empresa exige o intuito de lucro. Esta é a síntese do raciocínio:

Essas associações serão sempre de fins não econômicos. Isso, no entanto,não significa dizer, que elas não possam auferir resultados positivos.Nada impede que uma associação venda produtos de sua especificidade,por exemplo, que uma associação de fins religiosos venda medalhas,imagens de santos e outros produtos da espécie; que uma associaçãorecreativa venda flâmulas e camisetas; que uma ONG de dicada aotratamento da AIDs, venda camisinhas. Nada impede, também, que umaassociação aplique sua disponibilidade de caixa para manter ou aumentaro seu patrimônio. O que não pode ocorrer é a distribuição de resultadoseconômicos positivos entre os assoc iados. Este é o significado daexpressão ‘sem finalidade de lucro’, e esse mesmo sentido deve sermantido em relação à expressão ‘ fins não econômicos’, adotada pelo art.53, do Código Civil atual. 232

Caio Mário da Silva PEREIRA chama de associação ideal aqu ela que

realiza “negócios visando o alargamento patrimonial da pessoa jurídica, sem

proporcionar ganhos aos associados.” 233 Os autores compreendem como similares,

portanto, os conceitos de fins lucrativos e fins econômicos.

Portanto, há duas questões a serem consideradas: a atividade e a

finalidade lucrativa. Para tanto, neste ponto a investigação volta -se para a

estruturação dos clubes, para os atos constitutivos das entidades de prática do

futebol que atualmente ocupam as primeiras divisões profissionais do Campeonato

Brasileiro da modalidade.

O Clube Atlético Paranaense foi constituído em 1924 e apresenta -se

como uma sociedade civil sem fins lucrativos, que tem por finalidade “o

desenvolvimento das relações sociais através da prática de atividades recreativ as,

231 ALVES, Francisco de Assis. Associações, sociedades e fundações no Código Civil de 2002 – perfil eadaptações. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2004. p. 36.232 ALVES, Francisco de Assis. Associações, sociedades e fundações no Código Civil de 2002 – perfil eadaptações. p. 86.233 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil . vol. I. 19 ed. São Paulo: Forense, 2003. p.215.

Page 108: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

101

culturais, artísticas e esportivas.” 234 E, para tanto, estabelece que “constitui receita

do Clube: I – Contribuições dos sócios; II – Taxas e emolumentos; III – Alugueres;

IV – Venda de material esportivo; V – Permissão de uso de direito de imagem; VI –

Permissão e cessão do direito de arena; VII – Ingressos de espetáculos e jogos; VIII

– Doações em geral; IX – Outras receitas não especificadas.” 235

O Botafogo de Futebol e Regatas, fundado 08 de dezembro de 1942 (a

partir da fusão do Club de Regatas Botafog o, de 1º de julho de 1894, com o

Botafogo Football Club, de 12 de agosto de 1904), apresenta -se como uma

sociedade civil “com a finalidade de proporcionar e fomentar o desenvolvimento da

educação física, moral e cultural da mocidade, pela prática dos desp ortos, sem

prejuízo de outras atividades sociais nobres que possa exercitar.” 236 A receita,

segundo o estatuto social, é constituída por :

“a) jóias, mensalidades, taxas, anuidades e demais contribuições dossócios; b) renda das competições desportivas e das f estas e reuniõessociais; c) alugueres e arrendamentos de dependências, instalações,utilidades e serviços; d) renda de serviços internos e anúncios; e) vendaou aluguel de material desportivo; f) venda de material de qualquernatureza; g) cessão ou transferência de atletas profissionais; h) multas; i)donativos e subvenções; j) juros de depósitos e indenizações pecuniárias,provenientes de contratos; l) renda eventual.” 237

O Cruzeiro Esporte Clube diz -se “associação civil sem fins econômicos

fundada em 02 de janeiro de 1921”, que tem por finalidade “promover,

proporcionar, desenvolver, difundir e aprimorar a prática dos esportes nas suas

234 Artigos 1º e 2º do estatuto social arquivado no Ofício do Registro Civil de Pessoas Jurídicas e Registro deTítulos e Documentos de Curitiba. Docum ento 8656, Livro (A) 815798.235 Artigo 100 do estatuto social arquivado no Ofício do Registro Civil de Pessoas Jurídicas e Registro deTítulos e Documentos de Curitiba. Documento 8656, Livro (A) 815798.236 Artigo 1º do estatuto social arquivado no Cartório d as Pessoas Jurídicas do Rio de Janeiro sob n. 40983,em 23 de setembro de 1975. Publicado no Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro de 22 de setembro de1975.237 Artigo 117 do estatuto social arquivado no Cartório das Pessoas Jurídicas do Rio de Janeiro sob n. 40983,em 23 de setembro de 1975. Publicado no Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro de 22 de setembro de1975.

Page 109: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

102

diversas modalidades, bem como a realização de atividades recreativas, sociais,

formativas, cívico-culturais, artísticas e de lazer.”238 Segundo seu estatuto:

“constituem, dentre outras, fontes de recursos para manutenção doCruzeiro Esporte Clube: I – taxa de admissão de associado familiar eindividual; II – taxa de administração; III – exploração da marca; IV –franquias; V – venda de convites e outras rendas de eventos organizadospelo Clube; VI – aluguel dos salões de festa ou outros imóveis do Clube;VII – renda de lojas do Clube; VIII – receitas do futebol profissional e debase; IX – dividendos recebidos de sociedade empre sária de que sejaacionista controlador.” 239

O Figueirense Futebol Clube apresenta -se como “associação civil sem

fins econômicos fundada em 12 de junho de 1921”, que :

“tem por fim: I – Desenvolver a educação física em todas as suasmodalidades; II – Promover reuniões e diversões de caráter desportivo,social, cultural e cívico; III – Participar ou promover campeonatos etorneios oficialmente patrocinados pelas entidades a que estiver filiado,nos termos dos respectivos regulamentos; IV – Desenvolver o atletismonas modalidades olímpicas de basquetebol, voleibol, futebol de salão,tênis de mesa, xadrez, judô, corrida de fundo e outras modalidades; V –Participação no quadro societário de outras sociedades empresariais, naforma prevista e autorizada pela legis lação desportiva vigente, emespecial naquelas que tenham por objeto social a atuação no ramo degestão esportiva.”240 O estatuto define que as fontes de recursos paramanutenção do patrimônio são “haveres em materiais imóveis e móveis,

238 Artigo 1º do estatuto social arquivado no Registro Civil das Pessoas Jurídicas de Belo Horizonte.Averbado sob n. 211 e 212 no Re gistro 55288. no Livro A, em 09 de agosto de 2006.239 Artigo 1º, par. 5º do estatuto social arquivado no Registro Civil das Pessoas Jurídicas de Belo Horizonte.Averbado sob n. 211 e 212 no Registro 55288. no Livro A, em 09 de agosto de 2006. O estatuto men cionaque “Art. 1º (omissis). §3º. É facultado ao Cruzeiro constituir ou controlar sociedade empresária de práticadesportivo-profissional, celebrar contrato com sociedade empresária e com associação com ou sem finseconômicos”. “Art. 82. Enquanto não cons tituída sociedade empresária, por ele controlada, que tenha porobjeto a prática desportiva profissional, o Cruzeiro Esporte Clube continuará a disputar competiçõesprofissionais de acordo com o que dispuser a legislação brasileira a respeito. §1º. Constit uída a sociedadeempresária de prática desportiva profissional, o Cruzeiro Esporte Clube fica, desde já, autorizado a transferirpara ela todo o setor de esporte profissional e o futebol de base. §2º A sociedade empresária constituída seráregistrada e mantida com o nome Cruzeiro Esporte Clube S/A e adotará as cores oficiais, o pavilhão, oescudo, os símbolos da associação civil Cruzeiro Esporte Clube, descritos nos artigos 70 a 73 deste estatuto.”240 Artigos 1º e 2º do estatuto social constantes da Ata de a lteração estatutária realizada em 28 de maio de2003 e devidamente registrada no Ofício do Registro Civil Tit. Doc. e Pessoas Jurídicas 1º. Subdistrito deFlorianópolis sob n. 010105, fls. 218, Livro A -46.

Page 110: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

103

haveres em fundos sociais, e, ainda, são bens patrimoniais os direitosfederativos dos atletas, a marca, o símbolo, entre outros.”

O Fluminense Football Club apresenta -se como sociedade civil de caráter

desportivo fundada em 21 de julho de 1902, com “objetivo básico de estimul ar a

prática da educação física e dos desportos comunitários, assim como promover e

intensificar atividades recreativas, sociais, culturais e cívicas. O Fluminense

empenhar-se-á na prática do desporto em geral, especialmente do futebol, seja

amador ou profissional, de acordo com a legislação vigente.” 241 A receita

orçamentária é constituída por : “I – as contribuições sociais, jóias e taxas; II – os

aluguéis de instalações sociais e desportivas; III – as rendas dos departamentos

desportivos; IV – o produto da venda de materiais de qualquer natureza; V – as

multas; VI – as receitas dos órgãos de publicidade e todas as outras oriundas do

Departamento de Marketing; VII – os donativos e outras receitas de qualquer

natureza.”242

O Goiás Esporte Clube, segundo seu estat uto, “é uma entidade de prática

desportiva, organizada sob forma de associação sem fins lucrativos, fundada em 06

de abril de 1943”, que “tem por finalidade: I – desenvolver a prática do futebol

profissional e não-profissional; II – implantar e intensificar, em caráter profissional e

não-profissional, as várias modalidades de esportes; e III – proporcionar aos

associados a prática de esportes em geral e atividades conexas, principalmente com

vistas a integrar pessoas e comunidades de Goiânia, do Estado de G oiás e do País e

estas com as de outras nações.” Para tanto :

241 Artigos 1º e 2º do estatuto social constantes da Ata de alteração estatutária realizada em 28 de maio de2003 e devidamente registrada no Ofício do Registro Civil Tit. Doc. e Pessoas Jurídicas 1º. Subdistrito deFlorianópolis sob n. 010105, fls. 218, Livro A -46.242 Artigo 133 do estatuto social arquivado no Registro Civil de Pessoas Jurídicas do Rio de Janeiro, matrícula567, protocolo 200501141537492, em 02 de março de 2005. O estatuto prevê, ainda, que: “Art. 131 – aadministração financeira do FLUMINENSE reger -se-á pela estrita observância das seguinte s normas: II – ofutebol profissional terá tratamento independente, devendo a sua contabilidade ser escriturada à parte.’ ‘Art.152 – O FLUMINENSE poderá constituir sociedade comercial de natureza desportiva, independente eautônoma, na qual controlará a maioria do capital votante. Parágrafo único. A sociedade a ser constituída teráo seu estatuto previamente aprovado pelo Conselho Deliberativo.”

Page 111: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

104

“constituem fontes de recursos para manutenção do clube, a venda detítulos patrimoniais, as doações, legados, taxas de manutenção,mensalidades, taxas oriundas da ocupação de suas instalações, d e locaçãoou arrendamento, rendas provenientes de competições, de promoçõesrealizadas, de aplicações financeiras, direitos peculiares [sic] oriundos decontratos ou disposições de leis desportivas e outros recursos arrecadadosem decorrência de atividades diversas, desenvolvidas pelo clube.” 243

O Grêmio de Foot-Ball Porto Alegrense “é uma sociedade civil sem

finalidade econômica fundada em 15 de setembro de 1903”, que :

“tem por fim: I - desenvolver e estimular a educação física, em todas assuas modalidades, e em particular o futebol, sem visar a lucros materiaisde qualquer espécie para si ou para os seus associados; e II - incentivar eexercer atividades de caráter desportivo, social, cultural e cívico.” Paratanto, “constituem receita I – ordinária: a) as contribuições e taxas a quesão obrigados os sócios; b) o produto de aluguéis de imóveis, bem comode dependências do Grêmio para realização de jogos, festas e reuniõescompatíveis com as finalidades sociais; c) o lucro auferido na venda dematerial desportivo ou de outra natureza; d) a renda dos serviçosinstalados nas dependências do Grêmio; e) as rendas dos jogosdesportivos e as indenizações que forem recebidas a qualquer título. II –extraordinárias: a) as importâncias provenientes da colocação de Títul osde Fundo Social; b) as quantias decorrentes de promoções patrocinadaspelo Grêmio; c) os donativos de qualquer espécie.” 244

O Sport Club Internacional, “fundado em 4 de abril de 1909, é uma

sociedade civil sem fins lucrativos, com prazo indeterminado de d uração e tem por

finalidade atividades desportivas, sociais e culturais. Em suas atividades desportivas,

o Clube se propõe à prática do futebol profissional e amador, bem como de outros

esportes, profissionais e amadores, olímpicos ou não, a critério da Di retoria.”. A

receita é proveniente de:

243 Artigos 1º, 2º e 21 do estatuto social arquivado no 2º Tabelionato de Protesto e Registro de PessoasJurídicas, Títulos e Documentos de Goiânia, sob n. de registro 404.244 Artigos 1º, 2º e 88 do estatuto social arquivado no Cartório de Registro Especial, Títulos e Documentosdas Pessoas Jurídicas de Porto Alegre.

Page 112: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

105

“I – a obrigação social, constituída de mensalidades, taxas demanutenção, jóias, anuidades e outras regularmente instituídas peloConselho Deliberativo; II – os aluguéis de instalações sociais edesportivas; III – as rendas provenientes de competições desportivas; IV– as receitas dos diversos serviços e empreendimentos do Clube; V – asrendas dos diversos serviços do clube; VI – os donativos e outras receitaseventuais de qualquer natureza; VII – as subvenções e auxí liosconcedidos pelo Poder Público.” 245

A Associação Atlética Ponte Preta “é uma sociedade civil sem fins

lucrativos, (...) fundada em 11 de agosto de 1900”, com a finalidade de “em proveito

de seus associados, proporcionar a prática dos esportes em geral, b em como

promover a realização de atividades sociais, cívico -culturais, artísticas e de lazer.”

São arroladas como meios de receita: “I – as contribuições sociais, provenientes das

três unidades desportivas; II - o produto de aluguéis de instalações sociais e

desportivas; III – as rendas das cessões desportivas; IV – as multas; V – os

donativos de qualquer natureza; VI – o resultado financeiro correspondente à

participação societária na sociedade comercial Ponte Preta Esportes Ltda.” 246 O

estatuto social prevê que “considera-se como receita toda e qualquer arrecadação

feita pelo clube, sob as diversas rubricas contábeis adotadas, inclusive as

importâncias recebidas a título de: I – jóia ou valor de título; II – contribuição ou

mensalidade; III – taxas; IV – distribuição de dividendos e juros sobre capital

próprio; V – contratos diversos que gerem receita para o clube; e VI – bilheteria.”247

O São Paulo Futebol Clube, fundado em 16 de dezembro de 1935, “é

uma entidade de prática desportiva, constituída na forma de associação civil sem

fins econômicos”, que “tem por objetivo promover, desenvolver, difundir e

aprimorar o desporto em todas as suas modalidades, em particular o futebol,

formando atletas em todas as suas categorias, visando a participação em

245 Artigos 1º e 44 do estatuto social arquivado no Li vro 41-A do Registro Civil das Pessoas Jurídicas dePorto Alegre.246 Artigos 1º, e 93 do estatuto social arquivado no Registro Privativo de Pessoas Jurídicas de Campinas.247 Artigos 1º e 7º do estatuto social arquivado no Cartório de Registro de Títulos e Do cumentos e Civil – P.Jurídica Santos.

Page 113: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

106

competições profissionais ou não profissionais, nos níveis municipal, estadual,

nacional e internacional.” O patrimônio é formado “pelo estádio Cícero Pompeu de

Toledo, pela equipe de futebol profissional e por todos os demais bens móveis,

imóveis, títulos, valores, troféus e direitos pertencentes ao clube.” 248

A Sociedade Esportiva Palmeiras “é uma entidade civil de caráter

desportivo, com personalidade jurídica de direito privado, sem fins econômicos

lucrativos, constituída na forma da lei, mediante exercício de livre a ssociação,

fundada com o nome de Sociedade Esportiva Palestra Itália, em 16 de agosto de

1914.” Tem por finalidade “promover, difundir e aperfeiçoar a prática da educação

física, de desportos em geral, formais e não formais, bem como promover as culturas

morais, artísticas, cívicas, sociais, recreativas e educacionais dos associados que a

compõem, além de todas as atividades complementares inerentes ao alcance dos

objetivos sociais, podendo, ainda, participar de outras sociedades, como quotista ou

acionista, mediante a aprovação do seu Conselho Deliberati vo.” São consideradas

receitas:

“arrecadação das contribuições dos sócios, produto da arrecadação dasbilheterias, a renda dos serviços internos, as percentagens e asparticipações em jogos, torneios e campe onatos, os aluguéis e osarrendamentos de dependências, utilidades e serviços; os direitospeculiares [sic] oriundos de contratos ou disposições de leis desportivas;os donativos e os auxílios financeiros; as subscrições promovidas paradeterminados fins; as indenizações pecuniárias provenientes ou não decontratos; arrecadações advindas de promoções de sorteios, concursos,bingos e similares, de acordo com a legislação vigente; as rendasprovenientes da participação societária da SEP em sociedades;rendimentos advindos de eventuais aplicações financeiras e qualquerarrecadação eventual não mencionada nos itens anteriores.” 249

O Santos Futebol Clube, fundado em 14 de abril de 1912, “é uma

associação civil sem fins econômicos e com personalidade jurídica própri a, e tem

248 Artigos 1o. e 111 do estatuto social arquivado no 4º Registro de Pessoas Jurídicas de São Paulo.249 Artigos 1º, 2º e 126 do estatuto social arquivado no 3º Cartório de Registro de Títulos e Documentos deSão Paulo.

Page 114: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

107

por objetivo cultivar, praticar e desenvolver atividades sociais, educacionais,

recreativas, culturais, cívicas, assistenciais, de benemerência, esportivas e de

educação física, em todas suas modalidades, podendo exercer outras atividades cuja

renda reverta em benefício dos seus objetivos sociais, podendo ainda participar de

outras sociedades, como quotista ou acionista, mediante aprovação do Conselho

Deliberativo do clube.”

O Paraná Clube, fundado em 19 de dezembro de 1989, “é uma associação

civil de duração indeterminada”, cuja finalidade é “I – implantar, praticar e cultivar

todos os ramos do desporto; II – promover atividades relativas à educação física,

moral, cívica, artística e cultural; III – promover e incentivar atividades sociais; IV –

cooperar em atividades beneficentes e filantrópicas junto à comunidade, desde que

devidamente aprovadas pelo Conselho Deliberativo; V – firmar contratos e

convênios com terceiros, no interesse dos sócios, desde que devidamente aprovados

pelo Conselho Deliberativo; VI – desenvolver e incentivar projetos voltados para o

meio ambiente, desde que devidamente aprovados pelo Conselho Deliberativo.” As

receitas são constituídas por:

“a) valor de títulos, mensalidades, taxas e demais contribuições de sócios;b) rendas de competições desportivas e das festas e atividades sociais; c)aluguéis e arrendamentos de dependências, instalações, utilidades eserviços; d) renda de serviços internos e anúncios; e) venda ou aluguel dematerial desportivo; f) venda ou aluguel de ma terial de qualquer natureza;g) cessão ou transferência de direitos federativos, bem como direito àindenização por ser clube formador de atletas, conforme legislação emvigor; h) multas; i) rendimento de capital e indenizações pecuniárias; j)donativos e subvenções; k) rendas eventuais e extraordinárias; e l)resultado na participação em empresas.” 250

A par de algumas impropriedades constatadas, a análise dos atos

constitutivos revela que os clubes são associações constituídas – em regra – há

várias décadas, com objetivos destinados à prática de uma ou várias modalidades

250 Artigos 1º, 2º e 110 do estatuto social arquivado no 4º Ofício de Pessoas Jurídicas de Curitiba.

Page 115: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

108

desportivas. Mostram-se claramente como entidades formadas por pessoas reunidas

para desenvolver um objetivo comum não lucrativo, mas focado no alcance de

resultados desportivos locais, regio nais, nacionais e internacionais. Isto é o que um

indivíduo que se vincula a um clube de futebol pretende: auxiliá -lo a alcançar

resultados desportivos inerentes ao desporto de rendimento praticado de modo

profissional.

O que o diferencia da prática não pr ofissional é, basicamente, que o clube

se obriga a buscar meios de subsistência e proteção da capacidade patrimonial, que

envolvem contratos com altas cifras monetárias. Estes contratos são destinados a

gerar receitas e estas receitas são destinadas a perm itir o exercício do objeto para o

qual o clube foi formado: conquistar resultados desportivos.

A partir destas conclusões parciais, provenientes da investigação

realizada, seguem considerações sobre as associações, as sociedades desportivas

empresárias e sua efetividade.

4.4 Associação, sociedade desportiva empresária e efetividade normativa

O artigo 981 do Código Civil de 2002 avança com especial preocupação

sobre a atividade econômica, ao identificar que “celebram contrato de sociedade as

pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o

exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados”.

Alfredo de Assis GONÇALVES NETO 251, a par de criticar o conceito

legal à luz da teoria do contrato organização, ressal ta que “ao mencionar a finalidade

econômica visada com sua criação, o conceito encolhe -se para excluir outras figuras

que, à semelhança da sociedade, são criadas pela atuação da vontade humana na

formação de outras entidades a que o direito outorga capacid ade de direito ou atribui

251 GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis. Lições de Direito Societário . 2. ed. São Paulo: Editora Juarez deOliveira, 2004. p. 9.

Page 116: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

109

personalidade jurídica, sem que tenham tal escopo, como as fundações, as

associações, as autarquias e, enfim, as pessoas políticas de nossa federação”.

A atividade econômica ganha ênfase na própria função das sociedades,

identificada pelo autor como “facilitar a prática de atos ou negócios jurídicos

voltados à realização de certos fins econômicos por elas pretendidos.” 252

Com já se afirmou, a análise dos artigos 981 e 53 do Código Civil de

2002 permite identificar uma distinção no re gime jurídico das sociedades e das

associações, respectivamente, pois a associação é união de pessoas que se organizam

para fins não econômicos. A pesquisa sobre os atos constitutivos dos clubes de

futebol revela que as entidades desportivas se propõem a e xplorar o desporto

profissional, mas não com finalidade precípua de aumentar seu patrimônio.

Pretendem auferir receitas que lhes permitam sobreviver e fazer frente aos altos

custos inerentes ao desporto praticado de modo profissional e seus desdobramentos.

A evolução incidiu sobre os meios de auferir receitas, mas não se altera

na perspectiva dos resultados desportivos. A análise dos estatutos dos clubes e suas

atividades demonstra que não estão dirigidos ao exercício de atividade econômica e

a partilha, entre os associados, destes resultados.

O que a legislação que obriga um clube a tornar -se empresa está fazendo,

em verdade, é desnaturar-lhe a finalidade e presumir que seus associados reuniram -

se com objetivo de auferir resultados econômicos para distribu í-los ao final do

exercício financeiro. Esta é uma presunção que não encontra respaldo na

investigação efetiva das finalidades dos clubes, pois, como se constatou, a inserção

dos clubes no denominado mercado desportivo é uma exigência para que os mesmos

alcancem resultados contábeis e patrimoniais positivos, mas isso não significa que o

objetivo seja auferir lucros.

252 GONÇALVES NETO, Alfredo de Assi s. Lições de Direito Societário . p. 9.

Page 117: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

110

Uma pessoa jurídica não é criada para, ano a ano, apresentar prejuízo.

Isso seria economicamente incoerente e mesmo socialmente prejudicial. O fato de

uma associação ou fundação, mesmo que tenha objetivo estritamente beneficente,

tentar desenvolver atividades que lhe permitam alcançar patrimônio para fazer frente

às despesas necessárias à consecução de seus objetivos não permite aplicar a

presunção de que se trata de uma sociedade empresária. Isso não se modifica quando

se trata do desporto, mesmo o desporto praticado de modo profissional. Remunerar

atletas e firmar contratos (ainda que bilionários) não são os requisitos jurídicos para

identificação de uma sociedade empresária ou fundamento para que a legislação

estabeleça uma presunção neste sentido.

Portanto, pode-se até imaginar a constituição de sociedades empresárias

para o desenvolvimento da atividade desportiva profissional com intuito econô mico,

em que os torcedores estivessem eventualmente alijados do corpo social ou inseridos

apenas com objetivo de partilhar os resultados ao final de cada exercício financeiro.

Mas não é o que se encontra no Brasil e esta hipótese não autoriza que se presum a,

de lege lata, que todos os clubes são sociedades empresárias e que devam submeter -

se a esta estruturação societária sob pena de sanções aplicáveis às entidades e aos

seus associados.

Aqui reside situação ainda mais grave, pois, como já se afirmou, as

associações foram constituídas e tiveram seus atos constitutivos arquivados há

décadas.

Não se pretende buscar suporte na proteção constitucional ao direito

adquirido ou ao ato jurídico perfeito (artigo 5º. XXXVI, CF/88), especialmente

porque o Supremo Tribunal Federal firmou entendimento de que tais garantias não

são oponíveis a novos regimes jurídicos. 253 Entretanto, é certo que lhes impingir o

tratamento jurídico das sociedades em comum é desconsiderar que foram

253 Neste sentido, RE 146.331, RE 141.190, RE 164.836, RE 136.901, RE 167.987 e RE 170.484. Não seolvidam alguns entendimentos em sentido diverso, tais como AI 292.979 e ADI 493.

Page 118: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

111

regularmente constituídas e que a extinção de uma pessoa jurídica regularmente

constituída só ocorre pela baixa do ato constitutivo (artigo 51, do Código Civil).

Ao impor a sanção do regime jurídico da sociedade em comum às

entidades de prática desportiva profissional que não optem por uma das modalid ades

de sociedade empresária, o artigo 27, par. 11 da Lei n. 9.615/98 aplica a uma pessoa

jurídica o regime atribuído às sociedades não personificadas. 254

PONTES DE MIRANDA 255 conceitua a sociedade de fato da seguinte

forma:

A sociedade a que não corresponde c ontrato por escrito é a sociedade defato, porque se puseram em comum, no mundo fáctico, as contribuiçõesdos sócios. Não tem responsabilidade jurídica, porque essa sómente poderesultar do registro, ou de lei que a crie e a faça pessoa jurídica. A mão -comum ocorre, o que estabelece situação que há se ser atendida. Daí oart. 673 do Código de Processo Civil que se refere a liquidação daschamadas sociedades de fato.

De plano se constata que uma associação não pode ser incluída no rol

mencionado, por diversas razões. A primeira é a presença (e não ausência) de ato

constitutivo escrito, como se afirmou acima, pois o artigo 986 do Código Civil

aponta claramente que o regime de sociedade não personificada se aplica “enquanto

não inscritos os atos constitutivos”.

A segunda é que as contribuições dos sócios (associados) não se

presumem postas em comum, pois o princípio da boa fé prevalece sobre a mera

presunção de que os associados reuniram -se para contribuir e retirar posteriormente

quantia maior (partilhar result ados financeiros). Não basta simplesmente afirmar que

“há, realmente, um grande rombo nos cofres deste País, oriundos dos ilícitos

254 Não se ignora a distinção doutrinária entre sociedades irregulares e de fato, como advogam CARVALHODE MENDONÇA. Tratado de direito comercial brasileiro . Rio de Janeiro: Freitas Bastos. 1946. eMIRANDA VALVERDE. Sociedade por ações . vol. 1. Rio de Janeiro: Forense. 1956., mas o tema não édissecado porque o tratamento legislativo é uno e as duas situações se mostram inaplicáveis diante dosargumentos adiante apresentados.255 PONTES DE MIRANDA. Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado . Tomo XLIX. p. 160.

Page 119: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

112

praticados no mundo do futebol. Há crimes contra a ordem tributária, contra o

Sistema Financeiro Nacional. Constatam -se ilícitos decorrentes da evasão de divisas,

do crime de sonegação da cobertura cambial, da elisão fiscal, da sonegação fiscal” 256

Diante da presença destes elementos de utilização desvirtuada da associação para

fins de locupletamento, quando a mão comum ocorre de modo devidamente

comprovado257, a questão é de simulação, hipótese que prescindiria até da

desconsideração da personalidade jurídica. É a situação dos contratos inválidos de

sociedade, para os quais, segundo PONTES DE MIRANDA 258:

Se há nulidade, ou se foi decretada a anulação do contrato de sociedade,tem-se de tratar a sociedade como inexistente, porque ela seria efeito e, exhypothesi, foi decretada a invalidade do contrato de sociedade. Há, então,o problema da liquidação da sociedade, que não existiu (o con trato eranulo) ou se há de tratar como se não tivesse existido (foi anulado ocontrato). Em verdade, a sociedade não pode ser considerada existente,mas é inegável que existiu comunidade de pessoas que obedeceram aregras jurídicas, regras que supõem a participação de duas ou maispessoas em campo comum, que o direito não pode deixar de levar emconsideração e vontade unitária no trato e na defesa dos interêssescomuns. Não há sociedade, mas algo há que pôs em relações jurídicas aspessoas que seriam sócios, se o contrato valesse e fôsse eficaz. Não sepode negar que as pessoas que figuraram no contrato nulo ou anuladotiveram dever de atividade e de cuidado dos interêsses comuns.(...) A solução mais acolhida foi a de dar -se como existente, para osterceiros, qualquer sociedade que se teria irradiado de contrato desociedade que foi devidamente registrado. Os terceiros que estiveram em

256 BRASIL. Senado Federal. Pronunciamento relacionado ao Requerimento 497/2000, de 27 de dezembro de2000. CPI do Futebol. DIAS, Álvaro. Disponível emhttp//:senado.gov.br/pls/prodasen/PRODASEN.LAYOUT_DISC_ DETALHE.SHOW_INTEGRAL?p=313515. Acesso em 28 de dezembro de 2006.257 Ementa: Execução forçada. Associação esportiva. Desconsideração da pers onalidade jurídica. Penhora dosbens do diretor-presidente. Inobservância dos pressupostos consagrados na jurisprudência do STJ para que selevante o véu da sociedade. Necessária a prova, sob o crivo do devido processo legal, da existência de uso deassociação para fraudar credores, escudar -se da indenização de atos ilícitos de seus sócios, além dademonstração de sua insolvência. Desnecessária a cópia da publicação do decisum se o recurso foi ajuizadodentro do decêndio. Decisão do relator mantida. Agravo desprovido. Decisão do relator mantida. Agravodesprovido. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Agravo de instrumento 2006.002.06538. Des. BernardoMoreira Garcez Neto. Julgamento 06/06/2006. 10ª. Câmara Cível.258 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado . Tomo XLIX., p. 165.

Page 120: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

113

contacto com alguma pessoa, que fêz aparecer, para êles, sociedade, quenão existia, têm de ser protegidos pelo direito.

O sistema não admite a mera presunção de que se está diante de uma

sociedade em comum, quando a pessoa jurídica foi regularmente constituída e

exerce as atividades previstas em seu ato constitutivo. É equivocada e destoada do

sistema, a imputação de conseqüê ncias legais punitivas advindas da não

transformação de um clube associativo em sociedade empresária, mesmo que este

clube explore atividade desportiva profissional, desde que o faça de modo regular.

Pensar de modo diverso seria admitir que, esgotada a vacatio legis, a

partir da constatação de que a imposição legal de transformação não foi respeitada, o

ato constitutivo da associação passaria a ser inexistente, nulo ou anulável, gerando

como conseqüência a responsabilização solidária 259 e ilimitada de todos os

associados, pelas obrigações contraídas pelo clube (artigo 990 do Código Civil). Isso

não é adequado sob nenhum ponto de vista, pois ignora, por exemplo, que uma

sociedade em comum deve apresentar affectio societatis, isto é, um elemento

comum intencional de formar sociedade 260, não uma associação. E, como se

constatou, mesmo na hipótese de constituição de clubes profissionais, não se

exterioriza esta intenção.

Em síntese, não se pode designar sociedade em comum, um ente coletivo

dotado de personalidade jur ídica em que não há affectio societatis entre os

integrantes e em que não há possibilidade de distribuição de lucros.

Como se constata, a ânsia legiferante gerou uma norma que – a par de

não ser materialmente inconstitucional, pois albergada pelo fundament o de

intervenção estatal sobre uma atividade eleita como direito social e dever do Estado

259 Admitido o benefício de ordem para aqueles que não contrataram pela sociedade.260 REQUIÃO, Rubens. op. cit. p. 408.

Page 121: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

114

– não encontra efetividade normativa porque destoada do sistema infraconstitucional

que rege as pessoas jurídicas.

Ao partir da presunção de que a “mão comum” rege a s entidades de

prática desportiva do futebol e obrigá -las a se tornar sociedades empresárias sob

pena de serem consideradas sociedades em comum, a legislação gera uma situação

jurídica incompatível, pois impõe um regime jurídico de sociedade não

personificada a entes devidamente constituídos, registrados e no exercício de uma

atividade lícita e coerente com seus atos constitutivos.

Apesar do desporto profissional não se confundir com o desporto não -

profissional, isso não significa que o primeiro é exercido sempre como atividade

econômica em que os integrantes do clube objetivam alcançar a partilha de

resultados positivos ao final de cada exercício. A presença de grandes cifras e de

uma rede de contratos é meio de aquisição de receitas destinadas à aplicação no

próprio clube, para realização de uma atividade ulterior 261, com objetivo de alcançar

o verdadeiro resultado pretendido, que é a conquista desportiva exigida pelo

desporto de espetáculo.

Isso leva à conclusão de que a imputação de sanção consistente na

aplicação do regime de sociedade em comum às associações desportivas

profissionais, isto é, aos clubes desportivos que não exerçam a opção de conversão

em sociedade empresária, é incompatível com o próprio sistema previsto pelo

Código Civil. Tal aferição impede que se atribua efeito jurídico ao comando

normativo sancionador, a não ser que se constate efetivamente que a mão comum

prevalece nesta ou naquela associação.

261 ASCARELLI, Tullio. Problemas das sociedades anônimas e direito comparado . 2. ed. São Paulo: Saraiva.1969, p. 272. Como leciona o Autor: “Concluindo uma sociedade, as partes querem organizar -se para arealização de uma atividade ulterior; esta constitui o objetivo da sociedade, e a sua determinação e, portanto,juridicamente relevante.”

Page 122: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

115

Além disso, neste cenário, a norma – tal qual posta – ao invés de ensejar

um necessário aprimoramento do sistema desportivo, acaba por gerar desequilíbrios

e desconformidades no mundo fático, como adiante demonstra.

4.5 Funcionalidade do clube-empresa e efetividade social

A idéia central de que o Estado delimite a atividade desportiva de prática

profissional não é inconstitucional, como se aferiu ao longo deste trabalho. Está

coadunada com o papel do Estado e as normas de cunho programático estipuladas

constitucionalmente para o desporto brasileiro.

A opção pela imposição à conversão dos clubes em sociedade empresária,

aliada à penalização daquelas entidades que não se convertam, é que revela a falta

de efetividade normativa e de compatibilidade com o sistema jurídico aplicável às

pessoas jurídicas no Brasil. Contudo, a questão não se resume a es te inaplicável

efeito legislativo pretendido, mas aos efeitos no mundo fático, decorrentes do

natural receio das sanções verberadas pela legislação desportiva.

A situação tem criado a peculiaridade de adoção, por diversos clubes de

futebol, de uma alternativa intermediária consistente na criação de uma sociedade

empresária da qual faria parte – como sócio – o próprio clube mantido em sua

estruturação associativa. Diversos estatutos dos clubes analisados ao longo deste

trabalho cuidaram de prever, em alteraç ões recentes, a possibilidade de participar de

outras sociedades.

Situação similar ocorre na Argentina, o que gerou um conflito decorrente

da expedição de resolução, pela Inspeção Geral de Justiça daquele país, negando a

inscrição de um aumento de capital da Sociedade Boca Crece S/A, sob o argumento

de que (i) não haveria verdadeira sociedade, porque um dos acionistas é detentor de

99% (noventa e nove por cento das ações) e (ii) uma associação não poderia deter o

controle de uma sociedade anônima, por viola r-lhe objeto e finalidade.

Page 123: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

116

José Octavio CLARIÁ262 opõe à decisão denegatória os seguintes

argumentos:

(i) não há disposição legal que determine percentuais mínimos e máximos

de participação societária, extraindo -se daí a aplicação do princípio

constitucional da legalidade (art. 19)263;

(ii) “tampouco concordamos com o critério de que uma associação civil,

no caso um clube de futebol, não possa ser titular de ações de uma

sociedade anônima. Se o clube pode cobrar entrada para partidas de

futebol, se pode firmar contratos milionários com jogadores,

patrocinadores, cadeias de televisão e celebrar todos os contratos

desportivos usuais, não vemos a razão de não poder ser acionista de uma

sociedade comercial” 264; e,

(iii) segundo o art. 33, inc. 1 º do Código Civil, o principal objeto das

pessoas jurídicas privadas é o “bem comum”, o que não se torna

empecilho para que a associação busque fundos para realizar suas

atividades.

Para evitar este embate, a legislação portuguesa – por exemplo –

estabelece que a participação di reta da associação em um clube -empresa deve

observar limites percentuais mínimos e máximos estabelecidos em decreto -lei, bem

como há definição normativa acerca das prerrogativas conferidas ao clube fundador,

262 CLARIÁ, José Octavio. Nota a la Resolución de la Inspección General de Justicia en el expediente BocaCrece S.A. elDial - DC71F. elDial.com - editorial albrematica. Pesquisa realizada na Biblioteca de Direito daUniversidade de Buenos Aires.263 ARGENTINA. Constituição Nacional da Argentina. Art. 19. Las acciones privadas de los hombres que deningún modo ofendan al orden y a la moral pública, ni perjudiquen a un tercero, están sólo reservadas a Dios,y exentas de la autoridad de los magistrados. Ningún habitant e de la Nación será obligado a hacer lo que nomanda la ley, ni privado de lo que ella no prohíbe.264 “Tampoco coincidimos con el criterio de que una asociación civil, en el caso un club de fútbol, no puedaser titular de acciones de una sociedad anónima. - Si el club puede cobrar entrada a los partidos de fútbol, sipuede firmar millonarios contratos con jugadores, sponsors, cadenas de televisión y celebrar todos loscontratos deportivos usuales, no vemos por qué razón no puede ser accionista de una sociedad comercial.”

Page 124: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

117

tais como direito de veto em determinadas situaç ões e designação de membro(s) do

órgão de administração.

Trazendo o debate para o ambiente jurídico brasileiro, não há vedação

para que uma associação torne -se sócia de uma sociedade empresária. Ao contrário,

constituía hipótese legislativa prevista anteri ormente à alteração da legislação

desportiva que implementou o atual sistema do clube -empresa. Em verdade, a

jurisprudência brasileira permite constatar a admissibilidade de associações com

participação em sociedades:

“PROCESSUAL CIVIL E COMERCIAL. EMBARGO S DE TERCEIROS.

PENHORA DE AÇÕES PREFERECIAIS DE ASSOCIAÇÃO ACIONISTA DA

EMPRESA EXECUTADA. IMPOSSIBILIDADE. ADMINISTRADOR. ATO

REGULAR DE GESTÃO, RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. NÃO

CARACTERIZAÇÃO.”265

Esta parece ser, inclusive, a melhor interpretação do artig o 27, par. 2º, da

Lei n. 9.615/98, quando exige aprovação da maioria absoluta dos associados para

que o clube profissional possa utilizar bens patrimoniais para integralizar parcela de

capital.

Todavia, não há razão para que tal participação societária aco nteça, a não

ser para tentar suprir a obrigação imposta pelo artigo 27 da Lei n. 9.615/98.

Diante das conclusões anteriores, de tudo parece ilógico que se constitua

uma sociedade e que se permita a esta sociedade admitir uma associação, que

receberá sua parcela de receita ao final do exercício. O resultado prático desta

providência será a criação e a manutenção de duas pessoas jurídicas, com o

deslocamento dos contratos para a sociedade empresária. Esta sociedade empresária

265 Tribunal Regional Federal da 1a. Região. Remessa ex -officio 199701000054109. UF: MA. Órgãojulgador: Terceira Turma Suplementar. Data da decisão: 21/10/2004. Fonte: DJ 18/11/2004 p. 50. Juiz FederalWilson Alves de Souza (conv.). A turma, à unanimidade, negou provimento à remessa oficial. Publicação:18/11/2004.

Page 125: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

118

viverá para transferir seus lucro s para a associação, revelando-se completamente

desnecessária e, mais do que isso, ofensiva do ponto de vista tributário, pois a

própria associação poderia firmar estes mesmos contratos sem a incidência tributária

que atinge as sociedades.266

E, situação ainda mais grave é a constatação de que, em alguns casos, a

criação de sociedades empresárias está deixando participação societária minoritária

aos clubes, que se tornam sócios de terceiros detentores da maioria do capital social

de empresas que, por sua vez, acabam detendo a cessão de todo o patrimônio da

associação. Gera-se, assim, situação de maior risco social e econômico do que se

pretendia originalmente evitar com a legislação do clube -empresa.

De outro lado, a par dos dispositivos que obrigam a transfor mação dos

clubes em sociedades empresárias, é preciso investigar se a legislação desportiva

brasileira alcança o objetivo de imprimir a transparência e garantir a segurança

jurídica que o sistema do clube -empresa originalmente pretendia, sem a imposição

de dispositivos carentes de efetividade normativa e adequação ao sistema jurídico

vigente e sem a presunção de que a atividade desportiva profissional exercida por

associação seria, por si só, irregular.

A menção a diversos artigos da legislação de regência (Lei n. 9.615/98)

demonstra que a transparência das associações desportivas é bastante focada pela lei

vigente. Em verdade, pela comparação entre o marco legal do clube -empresa e

demais normas desportivas, constata -se que a imposição legal do clube -empresa não

traz vantagem em relação à funcionalidade das entidades, às garantias jurídicas para

associados e terceiros. Isto é, mesmo que a legislação desportiva não impusesse o

clube-empresa, os interessados estão dotados de prerrogativas legais que viabilizam

266 Em outras palavras, esta é a mesma constatação alcançada na análise do sistema jurídico das sociedadesanônimas desportivas em Portugal. Na oportunidade, se afirmou (acima): “Contud o, se o objetivo é imporcritérios de gestão e permitir que a associação encontre recursos para consecução de seus fins, bastaria que seimpusessem normas de controle de gestão das associações participantes de competições profissionais e, emparalelo, se permitisse que as mesmas realizassem contratos onerosos dirigidos à obtenção de recursosdestinados à própria associação.”

Page 126: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

119

reflexos sociais favoráveis à transparência e à segurança jurídica no ambiente

desportivo.

As ligas, confederações, federações e clubes envolvidos em competições

profissionais são obrigados a 267: “I - elaborar e publicar, até o último dia útil do mês

de abril, suas demonstrações financeiras na forma definida pela Lei n o 6.404, de 15

de dezembro de 1976, após terem sido auditadas por auditores independentes; e, II -

apresentar suas contas juntamente com os relatórios da auditoria de que trata o

inciso I ao Conselho Nacional do Esporte - CNE, sempre que forem beneficiárias de

recursos públicos, na forma do regulamento.”

Caso não cumpram esta determinação, além das penalidades tributárias,

trabalhistas, previdenciárias, cambiais, civis e penais, a legislação prev ê as seguintes

sanções: “I - para as entidades de administração do desporto e ligas desportivas, a

inelegibilidade, por dez anos, de seus dirigentes para o desempenho de cargos ou

funções eletivas ou de livre nomeação, em quaisquer das entidades ou órgãos

referidos no parágrafo único do art. 13 desta Lei; II - para as entidades de prática

desportiva, a inelegibilidade, por cinco anos, de seus dirigentes para cargos ou

funções eletivas ou de livre nomeação em qualquer entidade ou empresa direta ou

indiretamente vinculada às competições profissionais da respectiva modalidade

desportiva.” Tudo isso sem prejuízo do afastamento de seus dirigentes 268 e nulidade

de todos os atos praticados em nome da entidade após a prática da infração.

De outro lado, qualquer isenção fiscal e mesmo repasses de recursos

públicos federais dependem da comprovação de que a entidade (i) possui viabilidade

financeira, (ii) encontra-se com suas obrigações fiscais e trabalhistas quitadas (art.

18, da Lei n. 9615/98), independentemente da es trutura jurídica que adote.

267 BRASIL. Lei 9.615, de 24 de março de 1998. “Art. 46 -A. As ligas desportivas, as entidades deadministração de desporto e as de práti ca desportiva envolvidas em qualquer competição de atletasprofissionais, independentemente da forma jurídica adotada, ficam obrigadas a: [...]” (Incluído pela Lei nº10.672, de 2003)268 O presidente da entidade, ou aquele que lhe faça as vezes; e o dirigen te que praticou a infração ainda quepor omissão.

Page 127: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

120

Financiamentos de recursos públicos para entidades desportivas profissionais

exigem (i) identificação exata de sua situação financeira, (ii) apresentação de plano

de resgate e plano de investimento, (iii) garantia de independênc ia dos conselhos

fiscal e de administração, (iv) adoção de modelo profissional e transparente e (v)

publicação das demonstrações financeiras precedidas de auditoria, tudo na forma da

Lei n. 6.404, de 15 de dezembro de 1976.

Os processo eleitorais de todas as entidades desportivas são objeto de

regulação, em relação ao colégio eleitoral, defesa prévia em caso de impugnação,

publicidade para convocação, sistema de recolhimento de votos e apuração (artigo

22, da Lei n. 9.615/98).

Independentemente da forma ju rídica que adotem, todos os clubes

profissionais devem prever em seus atos constitutivos a inelegibilidade de seus

dirigentes, caso (i) condenados por crime doloso, (ii) inadimplentes nas prestações

de contas de recursos públicos ou da própria entidade; (i ii) afastados de cargos em

virtude de gestão patrimonial ou financeira irregular ou temerária da entidade, (iv)

inadimplentes das contribuições previdenciárias e trabalhistas e (v) falidos (artigo

23, c/c artigo 27, par. 5º da Lei n. 9.615/98). Ainda, os d irigentes de clubes

profissionais constituídos como associações ou sociedades empresárias que

aplicarem créditos ou bens sociais em proveito próprio ou de terceiros têm seus bens

particulares sujeitos a responder pelas obrigações da entidade desportiva (ar tigo 50

do Código Civil). Tudo isso sem prejuízo de ter de restituir os bens e créditos à

sociedade, respondendo pelos prejuízos e lucros cessantes (artigo 1.017 do Código

Civil).

Da mesma forma, a legislação protege os bens patrimoniais das entidades

de prática profissional exigindo aprovação de maioria absoluta dos associados ou

sócios, para oferecê-los como garantia. (artigo 27, par. 2º., da Lei n. 9.615/98).

Page 128: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

121

Mesmo que o clube não realize a conversão em sociedade empresária,

para fins de fiscalização e controle, será assim equiparado para efeitos tributários,

fiscais, previdenciários, financeiros, contábeis e administrativos (artigo 27, par. 13,

da Lei n. 9.615/98). Fica também obrigado, se participar de competições

profissionais, a (i) elaborar, dispor a auditores independentes e publicar suas

demonstrações financeiras anualmente, na forma da Lei das Sociedades Anônimas;

(ii) se beneficiário de recursos públicos, apresentar suas contas e relatórios de

auditoria ao Conselho Nacional do Esporte (artigo 46 -A, da Lei n. 9.615/98). Caso

estas obrigações não sejam observadas, além das sanções tributárias, trabalhistas,

previdenciárias, cambiais, responsabilização civil e criminal, a (i) inelegibilidade

dos dirigentes para qualquer cargo ou função eletiva ou de l ivre nomeação em

qualquer entidade ou empresa direta ou indiretamente vinculada às competições

profissionais da respectiva modalidade, (ii) afastamento dos dirigentes e (iii)

nulidade dos atos praticados (artigo 46 -A, par. 1º e 2º, da Lei n. 9.615/98).

A despeito de todo este aparato legislativo, o Estatuto do Torcedor (Lei n.

10.671, de 15 de maio de 2003) ainda exige que a entidade de prática (i) dê

acessibilidade ao portador de deficiência ou dificuldade motora, (ii) mantenha a

segurança e informação no local da partida, (iii) solicite providências da

Administração Pública em relação a segurança, transporte e higiene, (iv) mantenha

central de monitoramento por imagem do público presente em estádio com

capacidade superior a vinte mil pessoas, além de (v) c oloque à venda ingressos com

setenta e duas horas de antecedência, em cinco postos diferentes na cidade, (vi)

adote sistema imune às fraudes na emissão e venda de ingressos, que devem ser

numerados e, em determinadas situações, emitidos por meios eletrônic os que

vinculem público e movimento financeiro da partida, (vii) solicite estacionamento e

meios de transporte, ao Poder Público, para as imediações do estádio, (viii)

convoque agentes públicos para garantir a segurança da equipe de arbitragem, (ix)

publique diretrizes básicas de relacionamento com o torcedor, mencionando

questões relacionadas ao estádio, transparência financeira do clube, meios de

Page 129: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

122

comunicação com o torcedor. A inobservância destas obrigações é fato gerador de

penalidades dirigidas às entidades e seus dirigentes, independentemente da forma

jurídica que adotarem.

Para concluir, ainda, o artigo 4º, par. 2º. da Lei n. 9.615/98 considera a

organização desportiva do País como parte do patrimônio cultural brasileiro e

enquadra sua defesa dentre as funções institucionais do Ministério Público da União

(artigo 5º, I e III da Lei Complementar n. 75/93). Com isso, abre -se caminho para o

reconhecimento de legitimidade para o Ministério Público em ações judiciais que

objetivem o cumprimento das imposiçõe s legais pelas entidades desportivas e seus

dirigentes.

Averigua-se que a função do clube-empresa é cumprida pela estrita

regulação que a legislação impinge às entidades de prática desportiva, mesmo que

não se constituam em sociedades empresárias. A associ ação desportiva está sujeita a

um regime que a aproxima, do ponto de vista prático, de uma sociedade empresária

e, por vezes, com vigor imposto a apenas alguns tipos societários, como a

obrigatoriedade de auditar e publicar resultados financeiros periodica mente. A

conversão em sociedade empresária não muda esta situação.

Portanto, também do ponto de vista da eficácia social, constata -se que as

associações desportivas que exploram o futebol profissional carregam tantas

obrigações quanto as que carregariam c omo sociedades empresárias. E o fazem de

modo cada vez mais eficiente, como comprovam as alterações dos estádios, a

redução da violência e aprimoramento da relação com o torcedor.

Page 130: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

123

CONCLUSÃOA legislação desportiva brasileira focaliza -se na modalidade de futebol

para estabelecer o regime jurídico do clube -empresa e impor a estruturação dos

clubes esportivos em sociedades empresárias. A classificação desportiva pela

modalidade não é a mais recomendada, pois o desporto é um fenômeno de muitas

faces comuns a todas as modalidades ou indiferentes a cada uma delas. A despeito

da contradição, a legislação brasileira que trata do desporto estabelece classificação,

adotada pelo presente trabalho, que considera o lazer, o desporto de educação, o

desporto de participação e o desporto de rendimento; este último subdividido em

desporto profissional e não-profissional.

O desporto profissional, por força da conceituação legal, é aquele

praticado por atleta com contrato formal de trabalho firmado com uma entidade de

prática desportiva (clube). Novamente, a legislação olvida aspectos relevantes,

Page 131: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

124

inclusive relacionados ao próprio conceito de profissionalidade, que envolve

elementos diversos do, e antecedentes ao contrato de trabalho. De todo modo, todo o

regime aplicado ao clube-empresa se origina do reconhecimento do atleta

profissional, conceito que se expande para a competição profissional, o clube

profissional, a liga profissional e assim sucessivamente.

O regime normativo do clube-empresa guarda especial preocup ação com

o desporto profissional, afastando a aplicação dos princípios de autonomia

desportiva e liberdade de associação, ao fundamento de que ao Estado incumbe

regular, em prol do interesse público, especificamente o desporto que explora o

espetáculo e firma contratos de altas cifras financeiras. Entretanto, o compromisso

hermêutico exige que o intérprete compatibilize normas constitucionais, que se

encontram no mesmo patamar hierárquico. A compatibilização de valores se dá

considerando que o esporte está inserido como direito fundamental social

instrumentalizado em norma constitucional de eficácia limitada de princípio

programático, capaz de orientar a compreensão do fenômeno constitucional. Assim,

independentemente de se tratar de associações ou sociedade s empresárias, é possível

que se encontre - por intermédio da cedência recíproca de valores – o convívio

harmonioso entre liberdade de associação, autonomia desportiva (ligadas à

organização para aplicação das regras das modalidades desportivas) e interve nção

estatal (ligada à noção de que esporte é direito fundamental constitucionalmente

protegido e que o Estado tem prerrogativa para delimitar ações, mesmo em nível

privado).

De outro lado, apesar de claramente inspirado em modelos europeus, o

regime de clube-empresa implantado no Brasil é sui generis, pois o sistema

desportivo brasileiro é diferente dos sistemas em que as federações são meros

prolongamentos do corpo estatal. Na Itália, França, Portugal e Espanha, o esporte é

serviço público e as federações atuam como delegatárias deste serviço, mediante

observação de regras impostas pelo Estado, no exercício deste serviço público.

Page 132: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

125

Neste sentido, o Brasil se aproxima mais da Alemanha, em que as federações

independem da autorização estatal, com a ressalva de que no sistema constitucional

alemão o esporte não está contemplado como um direito fundamental. Por isso, a

Alemanha não admite a mesma solução de constitucionalidade identificada no

Brasil, ainda que – naquele país – a conversão dos clubes-empresa venha ocorrendo

como uma iniciativa autoregulatória das próprias ligas profissionais.

No âmbito infraconstitucional, a legislação brasileira traveste uma

obrigatoriedade em faculdade. Aponta que as associações desportivas que exploram

a atividade profissional têm a opção de adotar uma das tipologias de sociedade

empresária previstas no Código Civil, mas impõe a penalidade do regime da

sociedade em comum para aquelas que não exerçam a facultatividade escamoteada.

Tudo isso sem um rigor muito claro entre o que cons idera sociedade em comum,

sociedade irregular ou sociedade de fato, para estipular uma responsabilidade

solidária e ilimitada (salvo benefício de ordem) que – pelo que se pode constatar

pela ausência de ressalvas – atingiria todos os associados das entidad es de prática

não transformadas em sociedades empresárias.

A investigação acerca da origem associativa e da evolução do futebol e

dos clubes da modalidade, no Brasil e no exterior, além da análise detalhada dos atos

constitutivos dos clubes de futebol bras ileiro, demonstram que estas entidades

realmente buscam o desporto de espetáculo e estão inseridas em um ambiente

contratual que compõe o substrato do desporto profissional. Contudo, isso não as

torna entidades destinadas a produzir bens e serviços com a f inalidade de distribuir

lucros ao final do exercício. A finalidade de um clube esportivo é a finalidade do

esporte: vencer; alcançar resultados desportivos positivos. Para tanto, estes clubes

formam estruturas que precisam ser alimentadas financeiramente, mas isso é o meio

para atingir o verdadeiro resultado desportivo, isto é, são meios de aquisição de

receita.

Page 133: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

126

Assim como um clube não contrata para alcançar lucro e dividí -lo ao

final do exercício financeiro, um indivíduo que se vincula a um clube – em regra – o

faz pela afinidade e pela força cativante do esporte. Isso não o torna um sócio

pretendente a repartir resultados financeiros com as demais pessoas que compõem o

quadro associativo. O legislador esqueceu, ao estabelecer o cenário normativo do

clube-empresa, de compatibilizar a norma à sua pretendida efetividade.

E o que se constata, então, é a verdadeira incompatibilidade entre o

tratamento legislativo atribuído ao clube -empresa e o próprio sistema legal

vinculado às atividades empresariais e às socie dades empresárias. Com isso, geram -

se situações intermediárias capazes de prejudicar a própria segurança jurídica dos

clubes, diante da criação de sociedades empresárias cessionárias do patrimônio doas

associações, que ficam relegadas a receber uma pequena participação societária e

pouca – senão, nenhuma – gestão administrativa.

Ainda, em complemento às perspectivas da efetividade, vale ressaltar a

regulação apertada imposta para todas as entidades de prática desportiva e seus

respectivos dirigentes, no que diz respeito à responsabilização pessoal por

obrigações da pessoa jurídica. Todo este modelo já impõe aos clubes e seus

dirigentes, independente de estarem constituídos em associações ou sociedades

empresárias, um nível de responsabilização tão abrangente e profundo que supera

em rigor até mesmo alguns tipos empresariais previstos pelo Código Civil e

legislação especial.

O desporto profissional reclama um tratamento jurídico diferenciado, seja

por sua natureza, seja pela imposição constitucional. Este trat amento diferenciado

encontra respaldo constitucional, mas deve estar comprometido com sua efetividade

normativa e social, o que não ocorre atualmente. E, por não encontrar

compatibilidade com o sistema civil vigente, a imposição travestida de faculdade

prevista pela legislação desportiva atual não deve ser aplicada. O mesmo se diga, de

conseqüência, acerca da sanção de aplicação do regime da sociedade em comum.

Page 134: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

127

Em síntese, portanto, o desporto – em especial a prática profissional –

reclama um tratamento diferenciado que compatibilize a situação especial dos

clubes, sua finalidade que não se confunde com os meios de aquisição de receitas. A

legislação deve se preocupar em estabelecer um ambiente de segurança jurídica – e

não de terror – para todos os envolvidos na atividade desportiva profissional,

reconhecendo que as associações capazes de gerar altas receitas e grandes despesas

não se confundem, somente por isso, com sociedades empresárias.

REFERÊNCIAS

ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS. Vocabulário ortográfico da LínguaPortuguesa - Formulário Ortográfico da Academia Brasileira de Letras . Disponívelem http://www.academia.org.br/abl/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?sid=23. Acesso em28 de dezembro de 2006.

AIDAR, Antônio Carlos Kfouri et alli. A nova gestão do futebol. São Paulo: FGV,2001.

AIDAR, Carlos Miguel (coord.). Direito desportivo. Campinas: Mizuno, 2000.

_____. Os clubes desportivos e o novo Código Civil. Migalhas. Disponível emhttp://www.migalhas.com.br/mostra_noticia_articuladas.aspx?co d=3399. Acesso em14 de janeiro de 2004.

Page 135: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

128

ALVES, Francisco da Assis. Associações, sociedades e fundações no Código Civilde 2002 – perfil e adaptações . São Paulo: Juarez de Oliveira, 2004.

ALVES, Hedeson. Vendas puxam lucro atleticano. Gazeta do Povo, Paraná, 28 deabril de 2006, Caderno de Esportes. p. 1.

AMADO, João Leal. O contrato de trabalho desportivo no ordenamento jurídicoportuguês. Revista Brasileira de Direito Desportivo, São Paulo, Instituto Brasileirode Direito Desportivo, n. 3, Primeiro semestre de 2003.

ARRITMIA EM ATLETAS. Agência FAPESP. Disponível emhttp://www.agencia.fapesp.br/boletim_dentro.php?data[id_materia_boletim]=4303 .Acesso em 08 de setembro de 2005.

ASCARELLI, Tullio. Problemas das sociedades anônimas e direito comp arado. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 1969.

GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis. Lições de Direito Societário . 2. ed. SãoPaulo: Juarez de Oliveira, 2004.

BALANÇOS FINANCEIROS SOB ANÁLISE DO CFC. O Lance!. Rio de Janeiro,25 de abril de 2006. p. 28.

BARBIERI, Pablo C. A necessidade de reformular a organização jurídica dos clubesde futebol argentinos. Revista Brasileira de Direito Desportivo, São Paulo, InstitutoBrasileiro de Direito Desportivo, n. 2, Segundo semestre de 2002.

BARBOSA, Alberto Puga. Legislação Desportiva: Desafios para o Século XXI. In:_____. Desafios para o século XXI – Coletânea de textos da 1 a ConferênciaNacional de Educação, Cultura e Desporto, Brasília, Centro de Documentação eInformação da Câmara dos Deputados, 2001 .

_____. Clube-empresa: a transição de um novo modelo de organização desportiva.Revista Brasileira de Direito Desportivo, São Paulo, Editora da Ordem dosAdvogados do Brasil – Seção São Paulo, n 1, Primeiro semestre de 2002.

_____. O modelo societário como resposta organizativa do futebol profissional emPortugal e no Brasil – uma análise hermenêutico-dialética na perspectiva dasciências do desporto. Porto, 2001. Tese (doutorado) Faculdade de Ciências doDesporto e de Educação Física da Universi dade do Porto – Portugal. 2001.

BERESFORD, Heron. A ética e a moral social através do esporte . Rio de Janeiro:Sprint, 1994.

BESTER, Gisela Maria. Direito Constitucional – Fundamentos Teóricos . Vol. 1.São Paulo: Manole, 2005.

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional . 11. ed. São Paulo:Malheiros, 2001.

Page 136: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

129

BONAVIDES, Paulo; ANDRADE, Paes de. História Constitucional do Brasil . 5 ed.Brasília: Editora da OAB, 2004.

BRASIL. Justificativa de proposta para edição de Medida Provisória, de 14 de junhode 2002. E.M. 035/2002 – Ministério do Esporte e Turismo. Disponível emhttp://www.planalto.gov.br/ccivil/Exm/2002/35 -MET-02.htm. Acesso em 28 dedezembro de 2006.

BRASIL. Lei 9.615, de 24 de março de 1998. Institui normas gerais sobre desportoe dá outras providências. Diário Oficial, Brasília, 25 de março de 1998. Disponívelem http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9615consol.htm. Acesso em 28 dedezembro de 2006.

BRASIL. Lei n. 9.981, de 14 de junho de 2000. Altera dispositivos da Lei n. 9.615,de 24 de março de 1998, e dá outras providê ncias. Diário Oficial, Brasília, 17 dejulho de 2000. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9981.htm.Acesso em 28 de dezembro de 2006.

BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil . DiárioOficial, Brasília, 11 de janeiro de 2002. Disponível emhttp://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm. Acesso em 28 dedezembro de 2006.

BRASIL. Lei n. 10.672, de 15 de maio de 2003. Altera dispositivos da Lei n. 9.615,de 24 de março de 1998 e dá outras providênc ias. Diário Oficial, Brasília, 16 demaio de 2003. Disponível emhttp://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2003/_Quadro -2003.htm. Acesso em 28de dezembro de 2006.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Diário Oficial,Brasília, 05 de outubro de 1988. Disponível emhttp://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm. Acesso em 28de dezembro de 2006.

BRASIL. Lei n. 8.672, de 06 de julho de 1993. Institui normas gerais sobredesportos e dá outras providências . Diário Oficial, Brasília, 07 de julho de 1993.Redação consolidada até a revogação disponível emhttp://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8672.htm. Acesso em 28 de dezembrode 2006.

BRASIL. Lei nº 9.940, de 21 de dezembro de 1999. Altera dispositivos da Lei n.9.615, de 24 de março de 1998, que “institui normas gerais sobre desportos e dáoutras providências” . Redação consolidada até a revogação disponível emhttp://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9940.htm. Acesso em 28 de dezembrode 2006.

BRASIL. Ministério da Justiça. Secretaria de Estado dos Direitos Humanos.Direitos humanos no cotidiano . 2 ed. Brasília. 2001.

Page 137: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

130

BRASIL. Senado Federal. Pronunciamento relacionado ao Requerimento 497/2000,de 27 de dezembro de 2000. CPI do Futebol. DIAS, Álvaro. Disponível emhttp//:senado.gov.br/pls/prodasen/PRODASEN.LAYOUT_DISC_DETALHE.SHOW_INTEGRAL?p=313515. Acesso em 28 de dezembro de 2006.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 146.331, RE 141.190, RE 164.836, RE136.901, RE 167.987 e RE 170.484. AI 292.979 e ADI 493. Dispo nível emhttp//:www.stf.gov.br. Acesso em 28 de dezembro de 2006.

BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Agravo de instrumento2006.002.06538. Disponível em http://www.tj.rj.gov.br. Acesso em 28 de dezembrode 2006.

BRASIL. Tribunal Regional Federa l da 1a. Região. Remessa ex -officio199701000054109. Disponível em http://www.trf1.gov.br. Acesso em 28 dedezembro de 2006.

BREILLAT, Jean-Cristophe; LAGARDE, Franck; KARAQUILLO, Jean -Pierre.Code du sport. 10. ed. Paris: Dalloz, 2001.

CAGIGAL, J. M. El deporte en la sociedad moderna. Madrid: Prensa Española,1975.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria daconstituição. 6. ed. Coimbra; Almedina, 2002.

CARDIA, Wesley. Marketing e patrocínio esportivo . Porto Alegre: Bookman, 2004.

CARLEZZO, Eduardo. Direito Societário Desportivo. Revista Brasileira de DireitoDesportivo, São Paulo, Instituto Brasileiro de Direito Desportivo, n. 3, Primeirosemestre de 2003.

_____. Direito desportivo empresarial . São Paulo: Juarez de Oliveira, 2004.

CARRION, Valentin. Comentários à CLT . 22. ed. São Paulo: Saraiva, 1997.

CARTÃO VERMELHO - Grêmio é condenado a indenizar torcedor agredido eroubado. Revista Consultor Jurídico . Disponível emhttp://conjur.estadao.com.br/static/text/1007,1. Acesso e m 30 de janeiro de 2004.

CARVALHO DE MENDONÇA. Tratado de direito comercial brasileiro . Rio deJaneiro: Freitas Bastos, 1946.

CARVALHO SANTOS, J.M. Código Civil brasileiro interpretado . Tomo XIX. 6.ed. São Paulo: Freitas Bastos, 1955.

CENTRO ESPORTIVO VIRTUAL – CEV-LEIS. WWW.CEV.ORG.BR

CIRAC, Maria Josefa Garcia. Régimen jurídico del deportista en Portugal. In:PALOMAR, Alberto (coord.). El deportista en el mundo . Madrid: Dykinson, 2006.p. 183/214.

Page 138: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

131

CLARIÁ, José Octavio. Nota a la Resolución de la Inspecció n General de Justiciaen el expediente Boca Crece S.A. elDial - DC71F. elDial.com - editorialalbrematica. Pesquisa realizada na Biblioteca de Direito da Universidade de BuenosAires.

COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial . Vol. 1. São Paulo: Saraiva.1998.

COELHO, Luiz Fernando. O renascimento do direito comparado. Revista deInformação Legislativa, Brasília, Senado Federal, a. 41, n. 162, abr./jun. 2004. p.247/264.

COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos . 2 ed.São Paulo: Saraiva, 2001.

CONSELHO FEDERAL DE CONTABILIDADE (BRASIL). Resolução CFC nº1.005/04 - Aprova a NBC T 10.13 - Dos Aspectos Contábeis Específicos emEntidades Desportivas Profissionais.

COSTA. Lamartine Pereira da. Educação física e esporte não formai s. Rio deJaneiro: Ao Livro Técnico, 1988.

_____. Atlas do Esporte no Brasil . Rio de Janeiro: Shape, 2005.

COSTA, Roberto. A metamorfose do futebol – Brasil mantém o brilho dentro dogramado, mas fora dele tropeça nas próprias pernas. Jornal da Unicamp. Disponívelem http://www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/ju/jan2001/pagina16 -Ju158.html. Acesso em 31 de janeiro de 2001.

CRISAFULLLI, Vezio. La costituzione e le sue disposizioni di principio . Milão:Giuffrè, 1952.

DWORKIN, Ronald. Taking rights seriously . Cambridge: Harvard University Press,1977.

ENGISCH, Karl. Introdução ao pensamento jurídico . 7 ed. Tradução João BaptistaMachado (do original de 1983). Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian, 1996.

ERDELYI, Maria Fernanda. Futebol nos tribunais - Conheça os clubes maisacionados na Justiça do Trabalho. Revista Consultor Jurídico . Disponível emhttp://conjur.estadao.com.br/static/text/35061,1. Acesso em 29 de maio de 2005.

ESPANHA. Lei 10-1990, de 15 de junho de 1990. Disponível emhttp://noticias.juridicas.com/base_datos/Admin/10-1990.html. Acesso em 28 dedezembro de 2006.

EUROCOPA VAI PAGAR A MAIOR PREMIAÇÃO. Estado de São Paulo, SãoPaulo, 06 de novembro de 2003. p. 12.

FRANÇA. Lei 84-610, de 16 de julho de 1984. Disponível emhttp://www.admi.net/jo/loi84-610.html. Acesso em 28 de dezembro de 2006.

Page 139: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

132

FRANÇA. Lei 2000-627, de 6 de julho de 2000. Disponível emhttp://www.senat.fr/apleg/pjl99 -207sports.html. Acesso em 28 de dezembro de2006.

FRANÇA. Lei 99-223, de 23 de março de 1999. Disponível emhttp://www.legifrance.gouv.fr/WAspad/UnTexteDeJorf?numjo=MJSX9800040L.Acesso em 28 de dezembro de 2006.

FREIRE. João Batista. Pedagogia do esporte. Coletânea do 3o. Congresso Latino-Americano de Esporte, Educação e Saúde no Movimento Humano, Cascavel,Gráfica Universitária Unioeste, 1996, p. 02/18.

GÁMEZ, Manuel. El deportista en Alemania. In: PALOMAR, Alberto (coord.). Eldeportista en el mundo . Madrid: Dykinson, 2006. p. 75/104.

GOMES, Orlando; GOTTSCHALK, Elson. Curso de direito do trabalho . 11. ed.Rio de Janeiro: Forense, 1990.

GONZÁLEZ, Carmen Pérez. Los deportistas en Itália. In: PALOMAR, Alberto(Coord.). El deportista en el mundo . Madrid: Dykinson, 2006. p . 173/182.

GLOBO PODE PERDER EXCLUSIVIDADE NO FUTEBOL . Estado de SãoPaulo. São Paulo, 06 de janeiro de 200 3, p. 16.

HESSE, Konrad. Elementos de direito constitucional da República Federal daAlemanha. Tradução da 20 ed. alemã por Luis Afonso Heck. Porto Alegre: SergioAntonio Fabris Editor, 1998.

HUIZINGA, Johan. Homo Ludens: o jogo como elemento da cultura. T radução deJoao Paulo Monteiro. São Paulo: Perspectiva, 1980.

ITÁLIA. Lei 586, de 18 de novembro de 1996 ( leggi di conversione). Disponível emhttp://www.senato.it. Acesso em 30 de dezembro de 2006.

ITÁLIA. Lei 91, de 23 de março de 1981. Disponível em htt p://www.senato.it.Acesso em 30 de dezembro de 2006.

ITÁLIA. Decreto-lei 485, de 20 de setembro de 1996. Disponível emhttp://www.senato.it. Acesso em 30 de dezembro de 2006.

JOGO NO MINEIRÃO - Administradora deve indenizar ferido por bomba. RevistaConsultor Jurídico. Disponível em http://conjur.estadao.com.br/static/text/38015,1.Acesso em 20 de setembro de 2005.

JUNYENT BAS, Francisco; MOLINA SANDOVAL, Carlos A. Salvataje deentidades deportivas . Santa Fé: Rubinzal-Culzoni, 2000.

KRIEGER, Marcílio. Clube-empresa: uma análise dos resultados da legislação naárea do desporto e propostas de alterações, que atendam às necessidades nacionais.In _____. Desafios para o Século XXI – Coletânea de textos da 1 ª Conferência

Page 140: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

133

Nacional de Educação, Cultura e Desporto. Brasília: Centro de Documentação eInformação da Câmara dos Deputados. 2001.

LAPOUBLE, Jean-Christophe. Droit du Sport. Paris: LGDJ, 1999.

BREILLAT, Jean-Cristophe; LAGARDE, Franck; KARAQUILLO, Jean -Pierre.Code du Sport, deuxième édition. Paris: Dalloz, 2001.

LYRA FILHO, João. Introdução ao direito desportivo . Rio de Janeiro: Pongetti,1952.

MÁFIA DO APITO - 34 mil reais de indenização. Veja on line. Disponível emhttp://vejaonline.abril.com.br/notitia/servlet/newstorm.ns.presentation.NavigationServlet?publicationCode=1&pageCode=1&textCode=117152&date=1147438320000.Acesso em 11 de maio de 2006.

MARTINS, Ives Gandra da Silva. Inteligência do art. 59 do Código Civil e do art.217, inciso I, da Constituição Federal para as associação desportivas – aspectosespaciais e temporais dos regimes jurídicos pertinentes. Revista Brasileira deDireito Desportivo, São Paulo, Instituto Brasileiro de Direito Desportivo, n. 4,Segundo semestre de 2003.

_____. Instituições Desportivas. Jornal do Brasil. Brasília. 08 de janeiro de 2004, p.12.

MELO FILHO, Álvaro. Direito Desportivo Atual . Rio de Janeiro: Forense, 1986.

_____. Novo Regime Jurídico do Desporto . Brasília: Brasília Jurídica, 2001.

_____. O novo direito desportivo . São Paulo: Cultural Paulista, 2002.

MELO FILHO, Álvaro; KRIEGER, Marcílio César Ramos. Relações atletas/clubes:especificidades jus-desportivas. Anais da XIX Conferência Nacional dos Advogados,Volume 1, Brasília, OAB, Conselho Fed eral, 2006.

MENDES. Gilmar Ferreira. Tendências e expectativas do Direito Desportivo. In:Carlos Miguel Aidar (coord.). Direito Desportivo. São Paulo: Mizuno, 2000.

MIRANDA, Jorge. Teoria do Estado e da Constituição . Rio de Janeiro: Forense.2003.

MIRANDA VALVERDE. Sociedade por ações . vol. 1. Rio de Janeiro: Forense.1956.

MIROLO, René R. (org.). Régimen jurídico del futbolista y de las entidadesdeportivas. Córdoba: Advocatus, 2004.

NA BOLSA, COLO-COLO ATRAI EMPRESAS. MBPress. São Paulo. Disponívelem http://listas.cev.org.be/pipermail/cevgestao/2005 -july/000137.html. Acesso em20 de julho de 2005.

NEVES, Serrano. Direito penal desportivo . Rio de Janeiro: Minerva, 1963.

Page 141: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

134

NIERO, Nelson. KPMG deve ser julgada pela CVM em polêmica sobre c lubes defutebol. Valor Econômico, São Paulo, 13 de setembro de 2003. Disponível emhttp://www.dpf.gov.br/DCS/clipping/novembro/CS%2013%20de%20Novembro.htm#n29919. Acesso em 14 de setembro de 2003.

OPPORTUNITY DEVE INTERVIR NO BAHIA. Agência Placar. São Paulo, 18 dedezembro de 2003, Disponível emhttp://placar.abril.uol.com.br/aberto/clubes/meiocampo/122003_215228.shtml.Acesso em 19 de dezembro de 2003.

OUTERELO, Norberto Osvaldo. Ley Nº 25284. Régimen Especial deadministración de las entidades deportiv as con dificultades económicas.Fideicomiso de administración con control judicial. "Algo huele mal enDinamarca". elDial - DC94B. elDial.com - editorial albrematica. Pesquisa realizadana Biblioteca de Direito da Universidade de Buenos Aires.

PALOMAR, Alberto (coord.). El deportista en el mundo . Madrid: Dykinson, 2006.

PARENTE FILHO, Marcos Santos (org.); MELO FILHO, Álvaro; TUBINO,Manoel José Gomes. Esporte, educação física e constituição . Ibrasa: São Paulo,1988.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. vol. I. 19 ed. SãoPaulo: Forense, 2003.

PEREIRA, Leonardo Affonso de Miranda. Footballmania – uma história social dofutebol no Rio de Janeiro – 1902-1938. Rio de Janeiro, Nova Fronteira. 2000.

PERRY, Valed. O Direito Desportivo. Revista Brasileira de Direito Desportivo , SãoPaulo, Editora da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção São Paulo, n 1, Primeirosemestre de 2002.

PICCINO, Valter. Novo conceito de empresa à luz do Código Civil – aplicação àsentidades de prática desportiva – perfis do clube empresa – visão institucionalista –função social do clube empresa. Revista Brasileira de Direito Desportivo , SãoPaulo, Instituto Brasileiro de Direito Desportivo, n. 4 , Segundo semestre de 2003.

PONTES DE MIRANDA, Franci sco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado . TomoI. Parte Geral. 4. ed. 2. tiragem. São Paulo: RT, 1983.

_____. Tratado de Direito Privado. Tomo XLIX. Contrato de sociedades.Sociedades de pessoas. 3. ed. 2. reimpressão. São Paulo: RT, 1984.

PORTUGAL. Lei 30/2004, de 21 de julho e demais dispositivos legais. Disponívelem http://www.idesporto.pt. Acesso em 28 de dezembro de 2006.

PRONI, Marcelo Weishaupt. A metamorfose do futebol. Campinas: Editora daUnicamp, 2000.

QUADROS, Alexandre Hellender de; SCHMIT T, Paulo Marcos. Justiça Desportivavs. Poder Judiciário: um conflito constitucional aparente. Revista Brasileira de

Page 142: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

135

Direito Desportivo, São Paulo, Instituto Brasileiro de Direito Desportivo, n. 4.Segundo semestre de 2003.

REALE, Miguel. Lições preliminares do Direito . 19. ed. rev. São Paulo: Saraiva,1991.

_____. O projeto do novo Código Civil – situação após a aprovação pelo SenadoFederal. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1999.

REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial . 1º Volume. 26. ed. 2. tiragem.São Paulo: Saraiva, 2006.

RITUERTO, Ricardo M. de. Clubes europeus mais poderosos levam Fifa aostribunais: o G-14 apóia a demanda do Charleroi, que exige compensação paraemprestar jogadores internacionais. Agência EFE, Bruxelas, 08 de setembro de2005, p. 2.

_____. de. G-14 e Fifa brigam de novo sobre liberação de atletas às seleções.Agência EFE, Bruxelas, 15 de setembro de 2005, p. 3.

RUSSOMANO, Mozart Victor. Comentários à CLT . Vol. 1, 17. ed. Forense: Rio deJaneiro, 1997.

SÃO-PAULINO DESEJA MUDANÇA NAS LEIS TRABALHISTAS. Esportebizz.São Paulo. 15 de dezembro de 2003. p. 4.

SCHMITT, Paulo Marcos. Curso de justiça desportiva . São Paulo: Quartier Latin,2006.

SICHES, Luís Recaséns. Nueva filosofia de la interpretación del derecho . México,1956.

SILVA, João Bosco; SCHMITT, Paulo Marcos. Entenda o Projeto Pelé . Londrina:Lido, 1997.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo . 19. ed. SãoPaulo: Malheiros, 2000.

_____. Aplicabilidade das normas constitucionais . 6. ed. 2. tiragem. São Paulo:Malheiros, 2003.

STRECK, Lenio Luiz. A jurisdição con stitucional e as possibilidades hermenêuticasde efetivação da constituição: breve balanço crítico nos quinze anos da constituiçãobrasileira. RÚBIO, David Sanchez; FLORES, Joaquín Herrera; CARVALHO, Salo(org.). Direitos humanos e globalização : fundamentos e possibilidades desde ateoria crítica. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2004.

TEIXEIRA, Alexandre. O Midas da bola. Isto É Dinheiro . Disponível emhttp//:www.terra.com.br/istoedinheiro/325/negocio/325_midas_bola.htm. Acesso em28 de dezembro de 2006.

TUBINO, Manoel Gomes. Teoria geral do esporte . São Paulo: Ibrasa, 1987.

Page 143: FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/AlexandreHellenderQuadros.pdf · em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no

136

VALLVÉ, Marta Lora-Tamayo. El regimen del deportista en Francia. PALOMAR,Alberto (Coord.). El deportista en el mundo . Madrid: Dykinson, 2006. p. 123/146.

VIEIRA DE ANDRADE, José Carlos. Os direitos fundamentais na Constituiçãoportuguesa de 1976 . 2. ed. Coimbra: Almedina, 2001.

WOLKMER, Antonio Carlos. Novos pressupostos para a temática dos direitoshumanos. RÚBIO, David Sanchez, FLORES, Joaquín Herrera. CARVALHO, Salo(org.). Direitos humanos e globalização : fundamentos e possibilidades desde ateoria crítica. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2004.

ZAMBRANA, Karel L. Pachot. El derecho al deporte en la Constitución Cubana.Revista Brasileira de Direito Desportivo, São Paulo, Instituto Brasileiro de DireitoDesportivo, n. 3, Primeiro Semestre de 2003.

ZIMERMMANN, Patrícia. Globosat perde exclusividade em jogos. Folha de SãoPaulo, São Paulo, 1º. de junho de 2006. p. B10.