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FACULDADE ESTADUAL DE EDUCAÇÃO CIÊNCIAS E LETRAS DE PARANAVAÍ

PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL

ARTIGO

EDUCAÇÃO PARA AS RELAÇÕES ÉTNICOS RACIAIS NO CONTEXTO DOS DISCURSOS ANTÍ-RACISTAS:

LIMITES E IMPASSES DOS MOVIMENTOS SOCIAIS NEGROS NO BRASIL

Orientanda IES: ADELAIDE SERRA DE OLIVEIRA Orientadora PDE: Dra. LUCIANA REGINA POMARI

UMUARAMA - PR 2012

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FACULDADE ESTADUAL DE EDUCAÇÃO CIÊNCIAS E LETRAS DE PARANAVAÍ

PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL

NA ESCOLA

Artigo apresentado ao Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE – Governo do Estado do Paraná – SEED – Turma de 2010 – Disciplina de História. Orientadora na FAFIPA: Profª. Drª: Luciana Regina Pomari. Professora PDE: Adelaide Serra de Oliveira.

UMUARAMA – PR 2012

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EDUCAÇÃO PARA AS RELAÇÕES ÉTNICOS RACIAIS NO CONTEXTO DOS DISCURSOS ANTÍ-RACISTAS:

LIMITES E IMPASSES DOS MOVIMENTOS SOCIAIS NEGROS NO BRASIL

Autora: Adelaide Serra de Oliveira1

Orientadora: Dra. Luciana Regina Pomari2

Resumo

Este artigo teve como objetivo relatar as reflexões e ações a cerca de referenciais pedagógicos para a implantação da Lei 10.639/03, junto a rede básica de Educação no Paraná. As estratégias de ação envolveram um conjunto de experiências pedagógicas, como questionário de sondagem, pesquisas, debates, apresentação de vídeocclips, músicas, imagens, elaboração de painéis temáticos pelos alunos, questionamentos, trabalhos em grupo, leitura e reflexões de documentários. As reflexões sobre a história da África e cultura afro-brasileira tiveram como ponto de partida referência a história do movimento social negro e a sua luta para que os negros fossem apresentados como protagonistas na formação da cidadania no Brasil. O resultado mais interessante das ações pedagógicas desenvolvidas foi a produção de textos pelos alunos, que estão inclusos no corpo deste artigo.

Palavras-chave: Movimento social negro; Lei n. 10.639/03; Democracia racial.

1 Introdução

Em busca de compreensão para a resolução de problemas que advém da

prática pedagógica não focada na educação para as relações étnico-raciais, os

docentes precisam reestruturar seus conhecimentos para levar aos alunos que o

continente africano tem história rica e complexa. Os africanos e seus descendentes

espalhados pelo mundo devido à Diáspora, fora de seu continente de origem

1 Professora Graduada em Geografia. Professora da Rede Estadual de Ensino do estado do Paraná.

2Professora da Universidade Estadual do Paraná - Campus de Paranavaí.

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passaram a fazer parte na construção econômica, social religioso e cultural das

várias nações do continente americano e entre eles o Brasil.

A Lei 10.639/03 oferece a oportunidade para a construção de uma

metodologia objetiva e eficiente para o ensino de História da África e a Cultura Afro-

brasileira. Dessa forma, a história da África deverá ser abordada no mesmo nível de

profundidade com que os outros continentes têm sido abordados.

As Diretrizes Curriculares da Educação Básica – DCEs Paraná (2008)

apontam a importância de desenvolver um trabalho pedagógico voltado à

diversidade, compreendendo uma possibilidade real de construção identitária, de

reconhecimento das contribuições dos diferentes grupos humanos à constituição

nacional, para o enfrentamento às mais diferente formas de violência. Nesse âmbito,

de forma ampla, merecem destaque o preconceito, a discriminação e,

particularmente, o racismo, sem que sejam abandonados os desafios antigos que

permanecerão na pauta da superação da comunidade escolar.

Consideramos que a escola não é neutra. Nesse sentido, é capaz de

reproduzir a discriminação e preconceito racial de várias formas, mas também é

apropriada para colaborar com uma convivência pacífica, mediante uma cultura

atenta à diversidade. Segundo Gomes (2005), “[...] no Brasil, o racismo ainda é

insistentemente negado no discurso brasileiro, mas se mantém presente nos

sistemas de valores que regem o comportamento da nossa sociedade, expressando-

se através das mais diversas práticas sociais”.

Nas salas de aula, a população afro-brasileira não pode ser lembrada

somente no que tange à problemática da escravidão do negro, minimizando a sua

importância para a cultura brasileira. O Art. 8º da Deliberação 04/06 declara que,

cada unidade escola/instituição, precisa compor uma equipe interdisciplinar

incumbida de orientar o desenvolvimento de ações efetivas sobre a cultura

afrodescendente, ao longo do período letivo e não apenas em datas festivas,

pontuais, deslocadas do cotidiano da escola (PARANÁ, 2006).

A formação das equipes disciplinares revela que, após seis anos do

estabelecimento legal, ainda é evidente a necessidade de desenvolvimento e

apropriação de metodologias alternativas que vincule os conteúdos escolares à

curiosidade e interesse dos escolares. Para Silva (2005, p. 21) é preciso “conhecer

para entender, respeitar para integrar, aceitando as contribuições culturais, oriundas

de várias matrizes culturais presentes na sociedade brasileira”

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Portanto, com o propósito de buscar a valorização da história e cultura afro-

descendente e, concomitantemente, perceber as relações com o preconceito e

discriminação, procuramos neste artigo apontar possíveis caminhos para o ensino

da disciplina de História, com base nas seguintes indagações: Como debater as

questões relacionadas aos termos preconceito e discriminação racial na escola?

Quais os recursos didático-pedagógicos a serem aplicados à prática na sala de

aula?

Acreditando na importância de efetivar um ensino em História que atenda à

diversidade e promova uma compreensão crítica de mundo nos alunos, sobretudo,

ao tratar da cultura afro-brasileira e a história da África reestruturada, esse artigo

teve como objetivo relatar as reflexões e ações a cerca de referenciais pedagógicos

para a implantação da Lei 10.639/03, junto a rede básica de Educação no Paraná.

2 Algumas Reflexões sobre a Cultura Afro-descendente

No longo período que antecedeu a divisão da sociedade em classes, o ser

humano ignorou a possibilidade de considerar a existência entre grupos étnicos de

diferenças de ordem natural que pudessem significar superioridade ou inferioridade.

Não existiam julgamentos baseados em preconceitos raciais. Acredita-se que até

“[...] o surgimento da divisão da sociedade em classes, outros critérios, entre eles os

religiosos, eram mais importantes que a existência de raças, como causa de

preconceitos entre os grupos humanos” (AZEVÊDO, 1990, p. 23).

Uma mudança na consciência étnica dos povos passou a existir com o

surgimento das primeiras sociedades escravistas. A escravidão precisou do

fortalecimento do discurso racista para ser legítimada e naturalizada como instituição

básica da economia colonial brasileira. Nesta estrutura de produção forjou-se a

noção de desigualdade social extensiva às relações entre os povos africanos

trazidos para América como escravos, consolidando, assim, uma divisão da

sociedade do ponto de vista jurídico, econômico, social, cultural, político-

administrativo e étnico-racial.

O racismo não é somente uma ideologia elaborada voluntariamente pelos

indivíduos, é um fenômeno mais estrutural e sistêmico de manutenção de repartição

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de desigual e realizada dos grupos sociais. E na necessidade de manter certos

grupos sociais expropriados dos bens culturais e materiais de uma sociedade, que

encontramos as estruturas constitutivas do racismo.

Historicamente, o racismo é uma consciência coletiva segregadora que cria

as ideologias racistas. Na sociedade brasileira, o racismo não é um fenômeno

passageiro, ele tem sido mantido no dia a dia em todos os níveis do convívio social,

principalmente, nas escolas. No ambiente escolar, a discriminação racial é um

componente prático no dia a dia, moldando comportamentos discriminatórios isto é,

legitimando a repartição dos bens culturais e materiais de forma desigual e

racionalizada.

As novas leis 10.639/03 e 11.645/08 surgiram como resultado da luta do

movimento negro e dos povos indígenas. Para alcançar o desmantelamento

estrutural do racismo, é preciso buscar a erradicação dele no bojo das consciências

coletivas, presentes hegemonicamente na sociedade brasileira. Necessariamente a

erradicação do racismo nas consciências coletivas depende de estratégias concretas

de contenção e combate à circulação e manutenção de ideologias racistas no

ambiente escolar. O primeiro passo para concretizar estas estratégias de ação é

demonstrar que o aluno negro e afro-descendente não se sente valorizado pela

escola.

Mesmo a escravidão antiga, não era justificada tendo por base critérios de

inferioridade racial dos escravizados, ao contrário da escravidão moderna. Como

evidencia Finley (1991):

[...] ninguém se envergonha que seus ancestrais gregos ou romanos fossem escravos, tampouco existem males sociais políticos cuja culpa recaia sobre a escravidão antiga, não importa quão remotamente. Contrariamente, o escravo do Novo Mundo carregava na cor de sua pele um sinal externo de sua origem escrava, mesmo após várias gerações com gravíssimas conseqüências econômicas, sociais, políticas e psicológicas (FINLEY 1991, p. 101).

O critério demarcador de diferenças entre os indivíduos que eram escravos e

os não escravos na antiguidade tinha base no caráter econômico e jurídico e no fato

de ser membro de uma tribo conquistada. Já na escravidão da era Moderna, a

justificativa para se escravizar é sustentada por uma suposta inferioridade ou não

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humanidade de indivíduos que apresentam características fenotípicas diferentes, no

caso a pigmentação da pele, textura do cabelo, formato dos cabelos e lábios.

Isso não significa afirmar que antigamente os homens simplesmente

ignoravam as diferenças entre eles. Pelo contrário, como mostra Schawacz (1996, p.

148) “[...] já na antiguidade clássica os homens se interessavam pela questão da

diferença”. Os romanos chamavam de “bárbaros” todos aqueles que não fossem

eles mesmos; a cristandade chamou de pagãos todos aqueles que não eram ela

própria, e a Europa na época da exploração do Novo Mundo designou como

“primitivos” os homens que encontraram em estágios tecnológicos diferentes do que

se encontrava.

A existência de diferenças naturais entre os homens passa a ser postulada conjuntamente no período que corresponde à passagem para o modo de produção capitalista, mostrando a filiação das idéias de diferença, superioridade, inferioridade às modificações que ocorrem no modo de produzir a vida material (SCHWARCZ, 1996, p. 163).

No marco das sociedades industriais capitalistas, o racismo, antes de ser

uma ideologia para justificar a conquista de outros povos, foi, muitas vezes, uma

forma de justificar “as diferenças entre classes, principalmente, nos países em que a

linha divisória das classes sociais tende a coincidir com a linha divisória das raças, o

que significa afirmar que ele serviu como arma na luta de classes” (PATTO, 1997, p.

32).

Para o autor supracitado, os intelectuais brasileiros discutiram sobre a

identidade nacional buscando captar sua essência orientados, especialmente, pelas

teorias que pregavam a supremacia racial branca. Nesse sentido, até os anos 50

preocupavam-se com a questão da miscigenação racial brasileira para entender em

que medida ela viabilizava/invibilizava a construção de uma identidade nacional.

Ianni (1988) enfatiza que as discussões sobre as relações raciais precisam

começar por se concentrar na análise das relações de produção, pois este é o

contexto em que florescem e ganham sentido as condições de integração e

antagonismos étnico-raciais. No ponto de vista do autor citado, foram as

modificações a que foi submetido o negro no plano jurídico que produziram

alterações econômicas, atingindo em escala variável, é claro, o conjunto da

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sociedade brasileira. Atualmente, estas alterações, é necessário ressaltar, não foram

revolucionadas e continuam afetando, pois, o siestema social e as relações

interpessoais e a estrutura dos padrões vigentes em nossa sociedade. Para o autor,

o branco continua a ser identificado como o senhor, como grupo dominante, e o

negro, por sua vez, continuava associado ao trabalho escravo, basta verificar os

livros didáticos presentes nas escolas.

Em seus trabalhos destinados a discutir a questão racial, Ianni (1988) traçou

uma análise não muito profunda das imbricações raciais e sociais do negro na

estrutura de classe no Brasil.

O negro e o mulato com freqüência são duplamente alienados, porque são alienados como membros de uma raça diferente, inferior, em face do branco e como membros de uma classe social também subordinada a outra, na qual a maioria pode ser branca. Há casos em que a situação se complica, pois que a maioria negra é subordinada a grupos brancos e mulatos (IANNI, 1988, p. 97).

Nessse sentido, não discutiu as tensões interclasses e não ressaltou os

conflitos étnico-raciais entre brancos e pardos na sociedade brasileira. Na análise de

Ianni, o racismo não foi considerado como elemento forjador das relações entre

senhores e escravos. O racismo era a base das práticas e das relações sociais.

Nesse contexto, “as práticas eram fundadas na assimetria, na hierarquia e na

extrema desigualdade entre homens e negros” (ARENDT, 1989, p. 93).

O negro deve ser analisado em sua dupla alienação: como raça e como

membro da classe. Neste sentido, para reduzir ou eliminar as condições da sua

alienação, da sua condição duplamente subalterna, o negro é levado a elaborar

uma consciência política dúplice; é levado a pôr-se diante de si mesmo e do branco

como membro de outra raça e de outra classe. “Enquanto membro de raça, está só,

e precisa lutar a partir dessa condição. Nesse contexto, raça e classe subsumem-se

recíproca e continuamente, tomando mais complexa a consciência e a prática

políticas do negro” (IANNI, 1988, p. l0l). Mas, em nosso entendimento, os resultados

atuais do racismo devem oferecer questões para aprofundar as discussões sobre as

assemetrias étnico-raciais no Brasil.

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Maues (1997, p. 77) pontua sobre “[...] a necessidade de priorizar o

presente nas explicações das relações raciais”. De acordo com a autora, esta

perspectiva decorre de uma análise vinculada a interpretação histórico-estrutural.

Para Fernandes (1989), no início da formação do capitalismo brasileiro, o

negro foi preterido em favor da mão-de-obra imigrante, ao mesmo tempo em que

certos traços culturais da população negra não se coadunavam com a necessidade

de uma sociedade de homens livres - o preconceito e a discriminação como

reminiscências do arcaísmo da sociedade escravista. Para este autor o

esclarecimento da situação pós-abolição do ponto de vista da sociedade de classes

em desenvolvimento, pode mostrar que a situação social do negro não sofreu uma

modificação substancial: devido à falta de preparo; à exclusão das oportunidades

sociais e econômicas; ao isolamento econômico e sóciocultural, na qual o negro foi

situado dentro da sociedade colonial brasileira.

A principal barreira à ascensão social do negro e do mulato é de natureza estrutural. Se a passagem para a ordem social competitiva se desse de forma rápida e homogênea do ponto de vista da absolvição dos estoques raciais em presença teria desaparecido o paralelismo entre “raça negra e “a posição inferior”, como o monopólio da dominação racial pelos extratos superiores da “raça branca” (FERNANDES, 1978, p. 196).

O autor reflete, portanto, também a respeito da falta de uma política oficial

para reeducar o negro e fazê-los compreender os novos padrões e ideais de

homem criado pelo trabalho livre, o que dificulta sua inclusão na nova estrutura

social. Devemos ressaltar que a busca de construir políticas para integrar

gradativamente o negro na sociedade após a abolição foi quase inexistente.

De acordo com Fernandes (1978), o preconceito existe, mas ao mesmo

tempo se redefine na dinâmica da modernização da sociedade brasileira. Não é que

ele seja superado, mas tem particularidades provenientes do passado brasileiro - o

preconceito de ter preconceito - redefinido na dinâmica da modernização. Para o

autor, o negro deve se mobilizar, eliminando a separação de raça e classe, porque,

no Brasil, as categorias raciais não contém potencialidades revolucionárias e,

portanto, o negro tem de praticar uma estratégia de luta que funde raça e classe.

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Para o autor citado acima, o racismo e as relações raciais vigentes na

sociedade capitalista não se manifestam como herança do passado escravista, mas

foram incorporados, reforçados, transformados e institucionalizados para a

manutenção das desigualdades raciais e sociais. Desta forma, ele resgata em seus

estudos sobre a problemática negra o dado racial ao tentar explicar sua situação na

sociedade brasileira. Assim, se configura todo um discurso sobre o negro, suas

relações e interpretações diferentes para sua condição e problemática.

As explicações para o surgimento do movimento negro brasileiro, de acordo

com Fernandes (1978, p.10) “são justificadas sobretudo no sentimento de exclusão

de que a população negra foi vítima logo após a abolição e de suas tentativas

frustradas de participação integral como cidadão em todas as esferas da sociedade

(trabalho, política, lazer, etc.)”, em caráter de igualdade, com os demais extratos

sociais que foram lentamente adquirindo formulações coletivas, ou seja, o “protesto

negro” somente foi ganhando espaço como luta pelos direitos dentro da ordem

vigente e busca da ascensão social com muitas dificuldades e lentidão.

As primeiras organizações negras se configuraram como tentativa de

aglutinação dos negros como estratégia de superação da condição posta pelo novo

sistema de produção. Fernandes (1978) ao analisar as organizações negras do

início do século XX, deixa transparecer que elas surgiram tendo por base as

condições sociais nitidamente desfavoráveis do negro em relação ao branco dentro

da sociedade brasileira e, por isto, eles buscavam, entre outras coisas, a

consolidação da ordem social competitiva.

[...] a situação de miséria, o tratamento diferencial e o isolamento vão provocar um doloroso processo de auto-afirmação e de protesto, que projetará o “homem de cor” no cenário histórico, como agentes de reivindicações econômicas, sociais e políticas próprias. O sentido dessas reivindicações é bem conhecido. Correspondendo ansiosamente às expectativas assimilacionistas da sociedade inclusiva, as inquietações e os movimentos sociais amparam-se sob o signo de uma ordem econômica, social e política estabelecida. Mas, contra a espécie que ela acobertava, graças aos mecanismos imperantes de acomodação entre “negros” e brancos (FERNANDES, 1978, p. 10).

Os movimentos sociais negros orientados, principalmente, pela ideia de se

integrar e de transgredir as barreiras impostas pelo preconceito é que surgem no

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início do século as primeiras organizações negras3, constituídas essencialmente por

uma minoria, que teve ascensão social, como a classe média negra e tomar

iniciativa de se congregar em associações, fossem elas recreativas, beneficentes ou

culturais.

A partir da década de 20, por exemplo, a imprensa negra contribuiu para

amenizar a problemática do negro brasileiro, sobretudo, pelas críticas ao modelo

segregracionista de relações raciais nos Estados Unidos, acompanhado por um

discurso de integração e participação do negro em todas as esferas da sociedade

brasileira, ressaltando as condições de igualdade com os demais extratos socio-

raciais.

Cardoso (2008, p. 16) relata que:

Foi na imprensa Negra de São Paulo, nos períodos criados inicialmente para divulgar as produções literárias e a movimentação social, que estas experiências foram re-elaboradas e termos como dignidade, respeito e civilização passaram a ganhar outros sentidos nas páginas de joranais.

Para os estudiosos dos movimentos sociais, a promeira metade XX foi um

período importante para esses movimentos, em especial, a Frente Negra Brasileira –

FNB que contribuiu para mostrar o potencial mobilizador do segmento negro.

[...] na medida das suas possibilidades, tentou e vem tentando alterar o triste quadro que se encontra o plano educacional e social através de uma ação bastante consistente no campo da educação, seja empenhando-se para que a população negra se eduque, se instrua, seja tomando medidas para que isso se concretize. De fato, se considerarmos o movimento negro como um indicador de atitude do negro, percebemos que a educação sempre esteve no centro de suas preocupações. Nas primeiras décadas do século, surgiram na cidade de São Paulo inúmeras associações negras que desenvolveram diversas atividades educacionais, desde a encenação de peças teatrais, sessões de declamações de poesias - os chamados festivais litero-dançantes - promoção de palestras educativas, formação de bibliotecas, até atividades educativas mais formais, como cursos de atualização, de alfabetização e mesmo de um curso primário regular, como o mantido pela Frente Negra Brasileira. Essa associação, cujas atividades no campo educacional merecem ser conhecidas, tal o seu grau de abrangência e organização, promoveu cursos de música, inglês, educação física, corte e costura, formação social (segundo alguns, uma espécie de

3 No período compreendido entre 1927 e 1945, surgiram várias associações beneficentes, culturais ou

recreativas. Entre elas pode-se citar: Associação José do Patrocínio, Associação dos Negros Brasileiros, Centro Cívico Beneficente Senhoras Mães Pretas, Centro Cívico Palmares, Clube Negro Cultural Social, Federação dos Homens de Cor, Grêmio Recreativo e Cultural, Grêmio Recreativo Kosmos, Legião Negra Brasileira, entre outros, sendo expoente máximo deste período a Frente Negra Brasileira (FERNANDES, 1989).

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preparatório para o ginásio), além de atividades como carpintaria, costura, que, embora não se configurassem como cursos profissionalizantes, na prática funcionavam como tal (PINTO, l993, p. 28).

As organizações negras existentes nos anos 20 e 30 colocaram uma maior

preocupação com a integração do negro na sociedade de classes, reivindicando

modificações nas relações raciais. Contudo, mesmo diante das transformações

históricas e com a alteração do sistema de produção, a situação do negro não sofreu

alterações significativas no Brasil (CARDOSO, 2008).

Os pontos importantes da pauta de reivindicações das primeiras

manifestações e lideranças negras foi focada na luta pela integração seja política,

econômica, social e religiosa e, ainda, a defesa de posições nacionalista e

anticomunista, embora refletissem as ideologias da época, segundo Pinto (1993, p.

153), “[...] certamente expressavam as necessidades do negro que naquele

momento lutava para conquistar um espaço onde o estrangeiro se configurava como

sério concorrente”.

Com relação ao preconceito, Pinto (1993) observa duas posições: uma

acreditava que o preconceito dificilmente deixaria de existir, mesmo se o negro

conseguisse se integrar na sociedade; outra concebia que este preconceito deixaria

de existir através da reeducação de negros e brancos. Em síntese,

De acordo com as idéias expressas no discurso negro da década de 1930, ganhar a vida, dessa forma determinada é o passo crucial não só para o negro sobreviver fisicamente mas, fundamentalmente, para que ele tenha uma identidade livre dos estigmas que a continuidade de sua situação de “marginal” só ajudava a reproduzir. Pelo menos na crença de suas lideranças que tanto clamavam e lutavam para que o negro também acreditasse nisso (MAUÊS, 1997, p. 137).

Nesse ponto, o autor supracitado evidencia que a educação apareceu como

um instrumento importante para a promoção e integração do negro na sociedade e

na cidadania. A educação se tornou necessariamente, o instrumento de preparação

do negro para o seu novo papel na luta contra a ignorância, na introdução de valores

e na efetivação de práticas ligadas, principalmente, à organização da família, à

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conduta moral e de convivência social, aos hábitos de poupança, “formas sadias” de

lazer.

No decorrer da história houve um considerável esforço do negro em

entender a sua situação nos mais diversos campos, entre eles o da educação. O

negro a partir daí, poderia buscar várias soluções para a sua perfeita integração na

sociedade brasileira. Pinto (1993, p. 335) entende que “[...] mesmo não se referindo

a condicionantes mais amplos, ele já possuía consciência crítica de sua situação e

dos seus determinantes” sociohistóricos.

No final dos nos 70, o Movimento Negro Unificado que esteve desmobilizado

desde a implantação do governo militar, ressurgiu no Brasil, passando a se constituir

uma nova fase no processo histórico das mobilizações negras. O Governo Médici,

apesar de ser o período o mais repressivo do regime militar, nesse período deu

início à retomada da luta dos negros contra o preconceito e a discriminação racial,

principalmente, influenciados por acontecimentos em nível nacional e internacional

como a abertura política, os movimentos de libertação dos países africanos, a

radicalização da luta pelos direitos civis nos Estados Unidos e a libertação de

Angola.

Segundo Mauês (1997), a orientação dos movimentos negros que ganharam

impulso nesse contexto histórico foi marcada pela denúncia da discriminação racial e

contestação da ordem existente, demarcando, assim, uma luta que compreende ao

mesmo tempo a questão racial e a de classes (o que nem sempre é consenso).

Houve um rompimento total com a adesão aos valores (brancos), afirmação de

valores ditos negros, no compromisso com a destruição de mitos tais como a

democracia racial brasileira e sua substituição pela verdadeira história do negro no

Brasil, o que significou dar visibilidade positiva aos negros e resgatar a sua memória

social, o que significou dar maior visibilidade positiva aos negros e resgatar a sua

memória social.

A partir dos anos 70, o movimento negro foi marcado pela valorização da

diferença, ou seja, valorização de um negro diferente do branco. O discurso do

movimento negro dos anos 70 e 80 foi marcado por uma ênfase na identidade

étnica, através da afirmação da identidade negra, fazendo referência à África, numa

espécie de estética negra, com críticas àqueles que não assumem o modo de “ser

negro”. Os discuros demosntram preocupação com a exaltação do negro afro-

brasileiro, defendendo a existência de uma “cultura negra” e valorizando os sinais

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diacríticos que reforçam o pertencimento a um grupo étnico-racial, como uso de

cabelo afro, a aceitação do ritmos afros, da estética africana, da religiosidade de

diversos bens culturais afro-descendentes.

Essas simbologias e valores parecem funcionar como marcadores de

diferença, tornando o negro diferente do branco, oposto e, ao mesmo tempo, servem

como indicador de união do negro em torno de uma causa comum, ou seja,

converge-se para a formação de uma identidade e estabelecer um pertencimento

identitário positivo podendo se autovalorizar.

Pode-se então dizer que os discursos dos movimentos negros dos anos 70 e 80 se dirige, com as duas chamadas - denúncia do racismo/contestação da ordem e assunção da negritude/ volta as raízes -, no primeiro caso à sociedade brasileira (branca em particular), no segundo, ao negro especificamente. Caudatário de um projeto mais amplo das elites negras, esse discurso coloca em pauta os seus eixos principais e o resgate histórico, de um lado, a denúncia e o protesto, de outro (MAUÊS, 1997, p. 245).

Ressalta Pinto (1993), que o movimento negro que se organiza nesse

período tem formas de ver e de reivindicar a educação. Para este autor, esse

movimento foi marcado por uma tendência de reconhecimento da necessidade da

educação para os negros, denunciando os prejuízos causados pela escola, pois é

nela que o negro tem a possibilidade de receber a maior carga de branqueamento.

Por isso, o movimento conclamou os negros a se posicionarem criticamente em

relação à postura da história do negro, ao seu modo de ser, as suas habilidades,

costumes, omissão dos motivos subjacentes à abolição, o silêncio nos currículos e a

espoliação cultural do negro.

Sendo assim, militantes e pesquisadores sugerem que os currículos

deveriam conter os conteúdos relativos à participação do negro na história e ainda

informações sobre as raízes culturais da população negra. Através do que alguns

denominam estudos africanos, a cultura negra e sua complexidade passam a ser

vistas como de grande importância para a formação da criança negra, nas décadas

de 70 e 80 do século XX.

O movimento negro cobrou uma postura mais crítica com relação à

responsabilidade do sistema educacional do negro, ressaltando que as autoridades

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devem ter o empenho em valorizar e estimular uma maneira de ser negra que é

diferente do branco. Colocou-se assim uma reivindicação do mundo negro frente ao

sistema educacional brasileiro. O movimento propôs o reconhecimento da cultura

afro-brasileira, contribuindo para o fortalecimento da identidade étnica de grande

parte da população brasileira.

Atualmente, há falta de consenso em torno da problemática negra, sobre

qual política seja a mais acertada para encaminhar os debates sobre a diversidade

cultural na escola. De acordo com Brandão (1987) foi o próprio encaminhamento

tomado pelos estudos sobre os negros no Brasil que trouxeram um efeito perverso

ao tentar desmistificar o mito da democracia racial. Ele ressalta, principalmente,

aqueles feitos a partir da década de 50 que isolaram os problemas da população

negra dos problemas das camadas populares e urbanas, que até hoje continuam a

passar por fora das dimensões institucionais do problema, isto é, do social e

econômico, mas também do político e do cultural.

Na contemporaneidade, a ênfase nas barreiras da afirmação do negro,

enquanto sujeito coletivo, passou a legitimar qualquer manifestação cultural de

afirmaação da afro-diversidade, postura que foi retomada do movimento negro dos

anos 50, e que passou a ser vista criticamente pelos que militavam contra o

preconceito como uma resposta imanente e produtiva do negro (BRANDÃO, 1987, p.

39). Tal postura, às vezes, legitimava até instituições político culturais como modelos

de organização social”quase perfeitas” ou insquestionáveis, pois só por ser

instituições negras eram inquestionáveis e boas.

Por uma inversão perversa, a mística erudita do específico cultural aproxima-se então da alienação. A implicação é que o mundo exuberante e grossamente desconhecido das instituições negras acaba sempre visto como inquestionável, e sempre necessariamente “bom”. Não à dialética! (BRANDÃO, 1987, p. 39).

Com essa afirmação, Brandão (1987) enfatiza que, devido à extinção do

racismo institucionalizado em todo o mundo, a razão essencial da persistência das

desigualdades raciais, deve-se ao fato de os negros sofrerem de uma falta de cultura

e instrução não compatíveis com a inserção na economia atual, de forma autônoma

e igualitária.

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Conforme Munanga (1996), a razão maior, segundo esse tipo de raciocínio,

não está mais no racismo da sociedade, mas essencialmente nas forças de

mercado, indiferentes à raça e às atitudes baseadas apenas nas carências dos

negros. Numa economia em que a inteligência, fundamentada no domínio da

informática e das telecomunicações, o sofrimento da identidade atributo

indispensável para a sobrevivência de qualquer pessoa, independente de sua raça,

sexo e religião. Portanto, nesta perspectiva, combater o racismo supõe uma guerra

contra a pobreza, com medidas que promovam o crescimento econômico e pleno

para os negros.

Para muitos intelectuais de esquerda, a visão do racismo é uma questão de

classe, e as desigualdades raciais são interpretadas como reflexo do conflito de

classes e os preconceitos raciais considerados como atitudes socais propagadas

pela classe dominante visando à divisão dos membros da classe dominada para

legitimar a exploração e garantir a dominação. Para a esquerda radical, lutar contra

o racismo significa transformar profunda e radicalmente a estrutura de uma

sociedade de classes. Essa situação leva esses movimentos a se isolarem das

esferas da sociedade e passam a ser vistos corno “exotismo ou cultos”, “coisas de

negros”, estranhos (MUNANGA, 1996).

Sendo assim, apesar de em nível de discurso existir urna confluência entre

os dois aspectos (raça e classe), as lideranças negras parecem minimizar ora um,

ora outro aspecto da questão. Portanto, a ação política do movimento negro se

dicotomiza entre aqueles que optam por um projeto político visando ao todo social

brasileiro e aqueles que priorizam somente o conjunto da população negra, não

enfatizando seu caráter de classe na luta contra o racismo e não compreendendo a

existência de um contigente populacional não negro que também é explorado.

Nascimento (1989) considera duas diferentes maneiras de conceber a luta

antiracista no Brasil: alguns acham que a luta contra o racismo deve ser

independente da luta de classes; outros acentuam a questão de classe como

primordial. Há outros que, ao defenderem a relevância do recorte social, justificam

que tomar urna postura mais abrangente na luta contra a discriminação racial, pode

levar a um equacionamento dos problemas do negro no contexto de problemáticas

mais amplas. Isto pode significar abandonar ou tornar secundária a questão racial ou

mesmo acarretar a abdicação de sua especificidade enquanto negro “portador de

uma cultura e uma tradição”, tornando a questão racial invisível.

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Souza (1991, p. 97) esclarece que “[...] a posição que defende a inserção da

luta do negro numa luta mais abrangente é justificada pelo pertencimento da maioria

dos negros brasileiros aos extratos mais baixos da estrutura social”. Para este autor,

quando a questão racial é predominante na luta política dos movimentos sociais,

essa questão constitui-se em alvo de críticas por colocar a situação de opressão de

forma independente de nacionalidade, raça, sexo, crença, etc., evitando-se o risco

de se considerar que a questão particular (de raça) sobrepondo-a à questão

universal (de classe).

Cardoso (2008) afirma que o pensamento das lideranças negras das

organizações das primeiras décadas do século XX foi marcado por uma posição

assimilacionista integracionista. Além de apresentar como preocupação maior a

integração do negro na sociedade nos campos político, social e econômico,

delineou-se também uma acentuada inquietude com o comportamento moral e social

do homem negro. Para tanto, a educação assumiu uma dimensão muito importante

para preparar e colocar o negro em nível de condições para ser competitivo com o

branco.

A partir da Constituição Federal barsileira de 1988, sob “[...] pressão do

protesto negro com a criminilização do racismo, é que todo o arcabouço jurídico

passou a ser organizado de modo a redefinir e combater a exclusão racial, caso da

Lei de 1989, e mais tarde da lei Paim de 1997” (CARDOSO, 2008, p. 22).

Pinto (1993) mostra que o movimento negro atual tem como uma das suas

principais estratégias de luta a tentativa de marcar “diferenças” numa forma de se

contrapor, o que pode ser perigoso, haja vista o ressurgimento do racismo amparado

justamente pela hipervalorização das diferenças ou identidades culturais. Neste

sentido, a defesa do direito de diferença, da singularidade das culturas e a apologia

das particularidades e especificidades culturais podem ser negativas, uma vez que

apropriadas por aqueles que, em nome dessa diferença, possam defender ideias

racistas.

É preciso considerar as especificidade presentes no próprio meio negro,

atigem as diferentes camadas da sociedade. Apesar dos afro-brasieleiros formarem

a maioria entre as classes oprimidas, eles têm pontos de vista e orientações

político-ideológicas diferentes, não existe um negro genérico, pois a população

negra apresenta diferenças, seja de sexo, seja de escolaridade, seja de classe

social, e o apelo para a formação de uma “identidade negra” tem de considerar estas

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especificidade do próprio meio negro (CARDOSO, 2008). É nas diferenças que que

o negro deve ser analisado.

O processo de construção histórica das teorias racistas mostra sua

vinculação com as transformações ocorridas no modo de produção da vida material,

evidenciando que a “naturalização das diferenças” se deu em um contexto onde o

grupo dominante de argumentos irrefutáveis, sob sua ótica, para justificar sua

dominação e as desigualdades sociais. O modelo positivista de ciência foi útil neste

processo e a educação serviu para divulgar e legitimar tais teorias.

A educação é um dos caminhos para resolver a situação do negro. Contudo,

são necessárias modificações nos currículos, por exemplo, com a introdução da

história da África nos currículos escolares, redefinição da historiografia do negro

brasileiro trabalho de informação e preparo de educadores, funcionários, pais e

alunos para lidarem com as diferenças (SOUZA, 2008).

Direcionar as ações do movimento negro para os campo das denúncias e da

conscientização é importante, porém insuficiente para alcançar mudanças mais

amplas e significativas para a sociedade, pois as lideranças do movimento negro

têm que levar em conta que centralizar o discurso e a linha de ação nos aspectos

raciais/culturais significa essencializar uma questão de complexidade maior. E

manter um discurso racionalizador é necessário por enquanto, mas deverá ser

apresentado por outro mais integrador.

Entretanto, não basta resumir a problemática à questão de classes.

Conforme Savoia e Lima (2008), o desafio é considerar a simultaneidade destas

questões, que não são excludentes, mas complementares. Superar o racismo

melhora a cidadania dos negros, mas também melhora a dos brancos.

Para conseguir tal intento e propor mudanças que articule estes dois pólos

de uma luta anti-racista consciente é preciso redefinir a concepção de homem, negro

e de educação, buscando compreender as limitações educacionais que atrapalham

a luta antírracista, a partir de práticas intencionais travadas no cotidiano escolar.

3 Estratégias de Ação

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Para o desenvolvimento da proposta de implementação optou-se pela

pesquisa-ação como método de trabalho. A pesquisa-ação parte do pressuposto de

que os homens vivem em uma sociedade, e sua conduta é marcada por outros

homens que interagem constantemente. Nesta linha de investigação, há a crença de

que os problemas são partes do contexto interativo entre indivíduo e comunidade.

De acordo com Severino (2007):

A pesquisa ação é aquela que, além de compreender, visa intervir na situação, com vistas a modificá-la. O conhecimento visado articula-se a uma finalidade intencional de alteração da situação pesquisada. Assim, ao mesmo tempo em que realiza um diagnóstico e a análise de uma determinada situação, a pesquisa-ação propõe ao conjunto de sujeitos envolvidos mudanças que levem a um aprimoramento das práticas analisadas (SEVERINO, 2007, p. 120).

A pesquisa ação subsidiou o trabalho dando visibilidade ao contexto da

cultura afro-descendente brasileira, permitindo que professor e alunos

problematizarem a sua realidade, compreendendo os conteúdos trabalhados. Para

tal, foram oferecidos suporte teórico-práticos necessários à compreensão da

temática a partir dos seguintes passos.

1- Sondagem inicial: Foi realizada por meio de questões subjetivas, a fim de

diagnosticar o que os alunos sabem sobre as temáticas trabalhadas no

desenvolvimento do projeto:

2- Leituras e discussões: grupos de leitura, sistematização e discussões

acerca da mitologia africana;

3- Pesquisas: levantamento de livros (atuais ou de anos anteriores) que

versam sobre o negro no Brasil ou na África;

4- Filmes, músicas e poesias: leituras e discussões sobre a história do negro

(discriminação, preconceito e inferiorização);

5- Pesquisa e produção de texto coletivo: levantamento de poetas e artistas

negros que se destacaram na luta pelo reconhecimento do negro como parte “real”

da formação do povo brasileiro;

6- Levantamento de informações: personalidades negras do passado e do

presente e heróis negros que se destacaram na luta e resistência contra os maus

tratos e desprestígios dos povos africanos trazidos para o Brasil como escravos.

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7- Amostra para comunidade: Destaque comemorativo dia da “Consciência

Negra”;

8- Painel temático: História da África.

4 Implementação da Temática da Discriminação e Preconceito Racial na Escola

Muitas medidas têm sido elaboradas no sentido de proporcionar ações

efetivas para o combate à discriminação e o preconceito racial, confirmando,

sobretudo, a responsabilidade do Estado em promover o acesso negado durante

séculos de opressão aos instrumentos de cidadania à população negra. No Art. 5º

da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, incisos 41 e 42 tem-se

que a prática do racismo é afirmada como “crime inafiançável e imprescritível, sujeito

à pena de reclusão, nos termos da lei” (BRASIL, 1996).

O discurso atual centra-se na afirmação de valores da cultura

afrodescendente. A Lei 10.639/03 aponta como obrigatório o ensino de História e

Cultura Afro-Brasileiras nas escolas, com a intenção de implementar ações para a

efetiva superação de práticas preconceituosas seguidas de racismo e discriminação

no espaço escolar.

Conforme Souza (2008, p. 42), a escola é um espaço onde ocorre parte do

desenvolvimento humano, território este “[...] onde o educar corresponde a ações de

criar e recriar mundos e possibilidades, local em que a principal possibilidade se faz

na constituição do indivíduo, enquanto parte do coletivo”.

Pensando nisso, a proposta de intervenção foi desenvolvida a partir dos

seguintes objetivos:

- Valorizar a história da cultura afrodescendente no Brasil;

- Reconhecer as participações históricas dos africanos e seus descendentes

na produção de riquezas materiais e culturais na África e no Brasil;

- Compreender a diferença entre os conceitos preconceito e discriminação

racial;

- Debater sobre as formas e métodos que viabilizam a superação da

discriminação e preconceito racial no cotidiano escolar;

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- Indicar subsídios teórico-práticos norteadores para o trabalho com a

temática, no sentido de fornecer um reconhecimento da história da África de forma

crítica;

- Fornecer aos alunos negros e afro-descendentes imagens, conceitos,

produtos culturais que estimulem o orgulho de ter como ancestrais os povos

africanos.

4.1 Valorização da História da Cultura Afro-descendente

De início foi realizada uma sondagem por meio de um questionário a fim de

diagnosticar o que os alunos sabem sobre a questão da discriminação e

preconceitos. Você já sofreu situações de constrangimento em relação à sua etnia?

Qual foi a sua reação no momento? Por que você acha que isso aconteceu? Será

que é comum ocorrer casos como esse? Onde ocorreu e quem mais presenciou?

Houve alguma intervenção de alguém? Você já presenciou conflitos dentro da

escola em relação à discriminação ou preconceito racial? Você acha que esses

conflitos e situações têm prejudicado a você ou a algum colega de sala? O que você

faria se ocorresse com você? Como você acha que poderia ser resolvido esse tipo

de problema?

No fundo eu nunca fui discriminada pessoalmente e diretamente, o que acontece às vezes são aquelas piadas sem graça, que deixa a gente triste com a situação, porque ninguém gosta de ser motivo de brincadeira dos outros (Aluna 1). Na escola as coisas são mais tranquilas, mas se a gente for olhar para a sociedade em geral vai perceber que a discriminação ainda existe, por exemplo, na escola tem poucos professores negros, geralmente a gente vê eles trabalhando na limpeza e na portaria, isso a gente vê em outros lugares também (Aluno 2). Nem gosto muito de falar sobre isto, porque quando isso acontece eu fico muito triste. Os pedagogos conversam com as pessoas, mas depois da conversa, passa um tempo e as coisas ficam da mesma forma, mas dá para levar (Aluno 3). Hoje falam muito em bullying, e eu acredito que a discriminação racial é uma forma de maltratar as pessoas. Ninguém merece ser vítima de preconceito (Aluno 4).

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Após os comentários iniciais foram apresentados dois vídeos para reflexão e

debates: “África um elo perdido na história”, e a “Construção da igualdade Parte I e

II.

Na sequência, os alunos (em duplas) refletiram sobre: O que vocês acharam

dos documentários? Qual a contribuição dos povos africanos? O que vocês acham

dos castigos físicos sofridos pelos negros? Debater sobre: a exclusão econômica e

cultural dos negros e afrodescendentes: uma cartografia do resumo no Brasil;

Depois de assistir os vídeos a gente percebe bem o que aconteceu com os negros que vieram para o Brasil, eles preferiam ter ficado na terra deles. Pior ainda, muitos deles nem chegaram aqui, morreram pelo caminho. Ao chegar no Brasil foram tratados pior que animal e o castigo que era dado para eles não era justo, eles sofreram muito. O que deve ter sido pior foi deixar para trás a história deles e sua família. O que aconteceu no passado não dá para voltar mais, e hoje a gente percebe que mudou algumas coisas, mas o espaço do negro na sociedade ainda não é bem respeitado. No trabalho os negros ainda fazem os piores serviços e se a gente for ver, a maioria ainda vive em lugares ruins. É preciso pensar nisto, pois os povos africanos são muito importantes para a história do Brasil, assim como os nordestinos em São Paulo (Grupo 1). Ninguém merece passar o que os negros passaram no tempo da escravidão, os castigos eram horríveis. Eles trabalhavam muito e não eram reconhecidos pelo que faziam e isso não mudou tanto assim na sociedade atual. É preciso respeitar a história dos povos que vieram da África e dar oportunidades iguais para todos, pois eles também são brasileiros (Grupo 2).

Posteriormente, foram explorados os elementos da história africana e/ou da

presença africana na História do Brasil, em conformidade com os conhecimentos

prévios dos alunos. Na sequencia foi apresentado o vídeo intitulado “A Influência

afro-descendente no Brasil.

Após a apresentação do vídeo foram levantados os conhecimentos dos

alunos acerca das relações sociais estabelecidas, das visões que foram construídas

sobre africanos e afro-descendentes no Brasil, sobre a cultura africana e/ou a

mescla de culturas que se convencionou chamar "cultura brasileira" com forte

influência de elementos africanos.

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O objetivo do debate foi destacar as culturas africanas, suas crenças,

religiões, músicas, danças, artes visuais e o que representou a escravidão para o

povo africano, como vivem as comunidades quilombolas, compreendendo de que

forma a cultura africana influência a cultura brasileira. Para complementar foi

apresentado um vídeo que tratou da “A Influência africana no Brasil. Os alunos

foram instigados a refletir sobre a presença ou ausência desses elementos no modo

de vida deles.

Após as reflexões, o professor trabalhou com uma aula expositiva, com a

utilização de slides desenvolvidos no movie macker, com imagens, músicas e

citações sobre a história da cultura afrodescendente no Brasil, dando ênfase nas

participações históricas dos africanos e seus descendentes na produção de riquezas

materiais e culturais na África e no Brasil. Indagou-se sobre o que entenderam das

lutas e as formas de resistência, bem como dos elementos da cultura trazida pelos

africanos, destacando os principais movimentos sociais negros no Brasil: lutas,

projetos e políticas públicas. Na sequencia, os alunos foram divididos em dois

grandes grupos para redigir uma síntese sobre a influência da cultura negra no Brasil

e das relações sociais estabelecidas entre os diferentes grupos étnicos. O objetivo

foi levar os alunos a perceberem as relações entre o passado (os conteúdos

estudados em História) e o tempo presente, observando as mudanças e

permanências nas relações estabelecidas entre os diferentes grupos étnicos e da

situação dos afro-descendentes na sociedade brasileira.

Achamos importante começar o nosso texto falando de Zumbi dos Palmares, ele foi um herói para o povo africano e ele representa a luta deles para ficar livre. Isso é uma prova de que eles não aceitavam a escravidão e que lutaram para se libertar. O passado dos afrodescendentes no Brasil não foi fácil, no presente está um pouco melhor, mas ainda faltam algumas coisas para que eles conquistem mais espaço na sociedade e possam viver como verdadeiros brasileiros, tendo acesso a escola de qualidade, moradia e outras coisas importantes (Síntese do Grupo1). Nós já ouvimos falar muito sobre os negros, principalmente o que aparece nos livros da escola e na televisão, mas agora a gente para e fica pesando se a história foi assim mesmo. Quando assistimos televisão vemos que os negros ocupam um lugar secundário nas novelas e na maioria dos filmes, só agora é que vemos eles fazendo papeis mais importantes. Além disto, no mercado de trabalho a gente ainda vê que são poucos os negros que ocupam cargos de gerentes e chefes, nas escolas a maioria dos professores são brancos e assim por diante. Isso significa que os negros ainda não conseguiram ocupar um espaço maior na sociedade brasileira, apesar da lei e de outras coisas ainda falta muito para que todos sejam

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verdadeiramente iguais, como diz a Constituição Brasileira (Síntese do Grupo 2).

Após as reflexões, os alunos pesquisaram sobre a cultura africana no

laboratório de informática da escola. O professor dividiu a turma em grupos,

deixando que cada grupo escolhesse seu tema de pesquisa. Os alunos pesquisaram

sobre religião, culinária, expressão artística (artes visuais), música, dança,

brincadeiras e lendas, esportes, comunidades quilombolas. Para cada tema os

alunos abordaram o ontem e hoje, isto é, como era na África, como essa cultura veio

para o Brasil e como ela se aplica hoje.

Como atividade complementar, os alunos (em duplas) refletiram sobre

algumas questões importantes para a compreensão da pesquisa realizada, com

registros no caderno e posterior debate.

4.2 Debatendo sobre Preconceito e Discriminação Racial

Com o objetivo de analisar a relação entre o negro e o preconceito foram

debatidas questões relativas ao preconceito e discriminação racial, com base no

texto “A Questão do Preconceito, da Discriminação e do Racismo numa Reflexão

Crítica”, proposto por Otaviano Afonso Pereira (2008), primeiramente, para leitura e

reflexão.

O texto evidencia que o racismo no Brasil se apresenta com um grande

desafio a ser superado pela população negra, já que esta condição, acrescida da

distribuição injusta da riqueza e dos inúmeros benefícios gerados pela política

econômica à classe dominante, notadamente "branca", relegou a grande maioria

negra a condições extremamente precária de sobrevivência.

Os alunos foram levados a refletir que a luta política pela igualdade entre

negros e "brancos" não está desconectada da luta pelo fim de uma sociedade que

apresenta uma tendência de homogeneizar culturas, hierarquizar e coisificar as

relações entre as pessoas que, em última instância, estão condenadas a serem

reduzidas simultaneamente a consumidores e mercadorias.

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Assim sendo, para que homens e mulheres sejam humanamente

emancipados, já que a emancipação política já ocorreu e tenham todos as mesmas

condições de desenvolver suas potencialidades, em uma autêntica individualidade,

se faz necessária, antes de tudo, repensar radicalmente este modelo de organização

da vida econômica social e política.

Nesta análise, evidenciou-se que a esfera da luta política é expressão direta

do modelo econômico adotado, sendo impossível alterar àquela significativamente

de uma maioria subjugada, independentemente da cor da pele e do gênero, sem

que o campo da reprodução da vida, ou seja, a estrutura econômica e produtiva seja

alterada em profundidade.

Desta forma, refletiu-se que ao pensar na luta pela promoção da igualdade

entre os seres humanos, e aqui especificamente entre negros e "brancos", que

tenham como principal parceiro o Estado burguês na luta contra a discriminação,

deve-se levar em consideração que nenhuma medida estatal será tomada

contrariamente à reprodução dessa lógica que se fundamenta pela exploração,

dominação e acumulação de capital em escala planetária. Ou seja, esperar que o

Estado nacional, por meio de medidas legais elimine de fato as injustiças e

discriminações sociais, principalmente, àquelas ao acesso a postos de trabalho, é no

mínimo ingenuidade tendo em vista a natureza capitalista do Estado...

Após as discussões propostas os alunos teceram comentários sobre: O que

é necessário para que homens e mulheres sejam humanamente emancipados? O

que você entendeu sobre preconceito e discriminação? Por que atitudes de

preconceitos e discriminação não podem ser legitimadas na sociedade?

Refletiram sobre a seguinte frase destacada no texto: Animais-vos, que está

por chegar o tempo feliz da nossa liberdade, o tempo em que seremos todos irmãos,

o tempo em que seremos todos iguais. Comentaram, ainda, sobre atitudes de

preconceitos e discriminação verificadas na escola e por que isso acontece. O que

você acha que é preciso fazer para que o preconceito e a discriminação não

adentrem os muros da escola?

Alguns relatos evidenciam a opinião da maioria dos alunos:

Não adianta ler e estudar muito, também é preciso reconhecer o outro, respeitando as suas diferenças e particularidades. Ninguém é igual ao outro, a cor não é algo que serve para diferenciar as pessoas, todos são

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filhos de Deus e capazes de fazer qualquer coisa, discriminar, além de crime é desumano (Aluno 1). Vivemos em uma sociedade democrática, mas no fundo ainda falta muito para que essa sociedade seja efetivamente democrática, principalmente na garantia de direitos de todos os cidadãos, independente da cor ou situação social. Para isto, acreditamos que o primeiro lugar para ir aprendendo sobre democracia e respeito ao outro é a escola. Aprendemos a viver juntos quando vamos estabelecendo relações uns com os outros, sem discriminar ninguém por nenhuma característica física, religiosa, sexual, etc, (Aluno 2). Todos são semelhantes perante Deus e isso deve acontecer na sociedade também, porque todo mundo tem direito de ter uma vida digna e se o Brasil é um país que está ficando cada vez melhor é porque os negros fizeram parte da história e contribuem para construir um país melhor (Aluno 3).

Para complementar o trabalho com a questão do preconceito e

discriminação, a música foi um recurso utilizado que contribuiu para estimular a

interpretação, o debate e a reflexão. A música possibilitou que os alunos se

expressassem e falassem de si mesmos (seus sonhos, desejos, descobertas,

angústias, dúvidas e experiências), de sua família e do mundo. Assim. foi

apresentado um vídeoclip que tratou sobre o racismo e discriminação, na

composição de “Gabriel O Pensador”. Sobre o vídeo os alunos elaboraram a

seguinte paródia:

Ainda, com a intenção de refletir sobre a questão da discriminação e

preconceito racial foi organizado um tempo para o trabalho com a música “Olhos

Coloridos” de Sandra de Sá. A música levou os alunos a refletirem sobre algumas

características afrodecendentes e que estão presentes no sangue de todo brasileiro.

Os alunos ouviram a música e teceram considerações sobre a sua letra.

Na parte da música da Sandra de Sá “A verdade é que você (todo brasileiro tem!), tem sangue crioulo, tem cabelo duro, sarará, sarará, sarará crioulo [...]” a cantora fala uma verdade muito grande, que no fundo a grande maioria das pessoas do Brasil tem sangue de afrodescendentes, mas muita gente quer negar isso. Na escola isso acontece, mas é preciso respeitar todo mundo, porque cada um tem a sua característica física e outras que fazem com que cada um seja único (Grupo 1).

Na música tem uma parte que muitas vezes é verdadeira quando a gente fala de discriminação racial na escola, é quando a Sandra de Sá diz “Cê ri da minha roupa, Cê ri do meu cabelo, Cê ri da minha pele, Cê ri do meu sorriso [...]. Isso ainda acontece na escola e na rua, mas de forma bem escondida, as pessoas já respeitam mais os outros e a lei cuida mais das pessoas (Grupo 2).

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A música deixa bem claros os pontos que servem para discriminar os afrodescendentes, mas isso não é certo, todos somos iguais perante Deus e a justiça. Nenhuma pessoa tem direito de julgar o outro por conta da cor da sua pele ou qualquer outra característica, porque todos são capazes e inteligentes. O que falta é oportunidades iguais para todo mundo, daí tudo ficaria igual para todos (Grupo 3).

A seguir os alunos pesquisaram sobre poetas e artistas negros que se

destacaram na luta pelo reconhecimento do negro como parte “real” da formação do

povo brasileiro. Levantaram informações sobre as personalidades negras do

passado e do presente e dos heróis negros que se destacaram na luta e resistência

contra os maus tratos e desprestígios dos povos africanos trazidos para o Brasil

como escravos.

4.3 Consciência Negra

Os alunos assistiram um documentário sobre “Homenagem à Consciência

Negra Mundial” e partilharam conhecimentos. Após as discussões sobre o vídeo, o

professor trabalhou com um texto intitulado “Consciência Negra, Consciência e com

Ciência”.

O texto evidenciou que a consciência negra não é coisa só para negros, mas

sim para todos, negros, brancos e de todas as cores, pois antes de tudo somos

iguais. Iguais, semelhantes, esta é a consciência que todos devemos ter. A Lei N.º

10.639, de 9 de janeiro de 2003, incluiu o dia 20 de novembro no calendário escolar,

o Dia Nacional da Consciência Negra. A mesma lei também tornou obrigatório o

ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira. Com isso, professores devem inserir

em seus programas aulas sobre os seguintes temas: História da África e dos

africanos, luta dos negros no Brasil, cultura negra brasileira e o negro na formação

da sociedade nacional. Com a implementação dessa lei, o governo brasileiro espera

contribuir para o resgate da contribuição dos povos negros nas áreas social,

econômica e política ao longo da história do país.

A escolha dessa data não foi por acaso: em 20 de novembro de 1695, Zumbi

- líder do Quilombo dos Palmares que foi morto em uma emboscada na Serra Dois

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Irmãos, em Pernambuco, após liderar uma resistência que culminou com o início da

destruição do quilombo Palmares. Então, a comemoração do Dia Nacional da

Consciência Negra nessa data é uma forma de homenagear e manter viva em nossa

memória essa figura histórica. Não somente a imagem do líder, como também sua

importância na luta pela libertação dos escravos, concretizada em 1888. Contudo,

mencionou-se que hoje as estatísticas sobre os brasileiros ainda espelham

desigualdades entre a população de brancos e a de pretos e pardos. Por isso, é

importante conhecer algumas informações sobre o assunto.

Após a leitura e comentários sobre o texto proposto, os alunos (em duplas)

refletiram sobre a importância da Lei N.º 10.639, de 9 de janeiro de 2003, como

surgiu o Dia da Consciência Negra, quem foi Zumbi dos Palmares, o que dizer da

determinação desse herói negro, se atualmente existem heróis assim. Dia da

Consciência Negra, ensaiar uma dança para apresentação à comunidade escolar.

As atividades foram finalizadas com a elaboração de painéis temáticos. Para

o desenvolvimento das atividades, os alunos foram divididos em duplas para

apresentação das atividades. Os alunos apresentaram as paródias, pesquisas,

textos, enfim, tudo o que foi produzido no decorrer da proposta de intervenção. O

objetivo dos painéis foi fornecer aos alunos negros e afro-descendentes imagens,

conceitos, produtos culturais que estimulem o orgulho de ter como ancestrais os

povos africanos. As atividades foram encerradas com a apresentação de uma

dança.

5 Considerações Finais

Objetivando relatar as reflexões e ações acerca de referenciais pedagógicos

para a implantação da Lei 10.639/03, junto à rede básica de Educação no Paraná.,

concluiu-se que a inclusão deste conteúdo favoreceu a adoção, pelos professores

e alunos de História, de um referencial pedagógico baseados em estudos da historia

da África de forma crítica e reflexiva, contribuindo para desconstruir e

superar/minimizar estereótipos e representações preconceituosas construídos sobre

os africanos e seus descendentes.

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As reflexões sobre a história da África e cultura afro-brasileira tiveram como

ponto de partida referência a história do movimento social negro e a sua luta para

que os negros fossem apresentados como protagonistas na formação da cidadania

no Brasil. O resultado mais interessante das ações pedagógicas desenvolvidas foi a

produção de textos pelos alunos, que estão inclusos no corpo deste artigo.

A vivência deixou clara a necessidade do desenvolvimento de ações na

escola que leve os escolares a repensarem as suas relações de convivência, a partir

da temática. A prática desenvolvida contribuiu estimular os alunos e professores a

pensar em novas formas de sentir e agir, ampliando a leitura de mundo dos

educandos em relação à problemática da discriminação e preconceito racial na

escola, possibilitando-lhes ações críticas e transformadoras.

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