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FACULDADE DE SÃO BENTO BACHARELADO EM TEOLOGIA TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO FÉ E RESILIÊNCIA: EM BUSCA DE UM SENTIDO PARA O SOFRIMENTO Julio Cesar de Oliveira São Paulo 2018

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FACULDADE DE SÃO BENTO

BACHARELADO EM TEOLOGIA

TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO

FÉ E RESILIÊNCIA:

EM BUSCA DE UM SENTIDO PARA O SOFRIMENTO

Julio Cesar de Oliveira

São Paulo

2018

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FACULDADE DE SÃO BENTO

BACHARELADO EM TEOLOGIA

TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO

FÉ E RESILIÊNCIA:

EM BUSCA DE UM SENTIDO PARA O SOFRIMENTO

Monografia apresentada como exigência para

obtenção do título de Bacharel em Teologia.

Orientador: Prof. Dr. Pe. Márcio Alexandre

Couto.

São Paulo

2018

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Julio Cesar de Oliveira

Fé e resiliência:

Em busca de um sentido para o sofrimento

Monografia apresentada ao Curso de Bacharelado em Teologia da

Faculdade de São Bento do Mosteiro de São Bento de São Paulo,

como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em

Teologia.

Orientador: Prof. Dr. Márcio Alexandre Couto.

Trabalho de Conclusão de Curso defendido e aprovado em 27/11/2018, pela banca

examinadora:

__________________________________________________________________________

Prof. Dr. Márcio Alexandre Couto

_________________________________________________________________________

Prof. Magno José Vilela

_________________________________________________________________________

Prof. Dr. Domingos Zamagna

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AGRADECIMENTOS

Ao Deus Trino...

Que acolhe em seu amor a humanidade sofredora.

À família...

Fonte de vida e vocação.

Aos professores...

Fontes de conhecimento e inspiração...

Um agradecimento afetuoso...

À minha família religiosa, Ordem dos Servos de Maria, chamada a estar aos pés das

infinitas cruzes da humanidade, a todos meus confrades que me apoiaram e incentivaram

em minha vocação, sendo presença e sinal do amor de Deus em minha vida.

Ao meu orientador, Prof. Dr. Frei Marcio Alexandre Couto, da Ordem dos Pregadores,

pela disponibilidade e doação no processo de desenvolvimento deste trabalho, sempre

com a cordialidade e a escuta evangélica, e por suas orientações que enriqueceram este

trabalho. Também aos estimados professores que compõem a banca examinadora Prof.

Dr. Domingos Zamagna e Prof. Dr. Magno José Vilela pelos quais tenho grande apreço.

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Mas o sofrimento insiste em ser notado. Deus sussurra em nossos

prazeres, fala em nossa consciência, mas grita em nosso sofrimento:

ele é o seu megafone para despertar um mundo surdo.

(C.S.LEWIS)

És perseverante, pois sofreste por causa do meu nome, mas não

esmoreceste.

(Apocalipse 2,3)

A fé esclarecida que tens, guarda-a para ti diante de Deus.

(Romanos 14, 22 )

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RESUMO

O Sofrimento constitui uma realidade inerente ao ser humano e tem uma pluralidade em suas

manifestações, abrangendo desde sua natureza física à sua capacidade psíquica e espiritual.

Nesse contexto as ciências procuram dar uma resposta sobre a realidade do sofrimento, e

encontram uma multidimensionalidade para sua abordagem. Em uma dimensão

antropológica, o sofrimento constitui-se como resultado de uma condição natural do ser

humano enquanto matéria, que possibilita alcançar outras dimensões a partir de sua vivência

e reflexão sobre sua própria existência. Frente a esta realidade este trabalho procura refletir

sobre caminho que o ser humano se coloca na busca de significar o sofrimento: é a busca de

sentido para o sofrimento que perpassa toda a história humana. A partir do método teológico,

este trabalho propõe uma abordagem sobre o sofrimento a fim de atribuir-lhe um sentido.

Essa abordagem tem a sua fundamentação na Revelação, que se encontra na Sagrada

Escritura, desde o Antigo Testamento e que alcança sua plenitude no Novo Testamento na

pessoa de Jesus Cristo. Partindo da compreensão de resiliência como capacidade do ser

humano de lidar com o sofrimento em convergência com a virtude da fortaleza, encontramos

na fé uma adesão pessoal do homem a Deus, que auxilia o homem no processo de resiliência.

Concomitante a esse processo encontramos a busca de sentido, que vai possibilitar ao ser

humano a compreensão de seu sofrimento e então poder ressignificá-lo e vivê-lo na

perspectiva da fé. Definindo o conceito de sentido e aplicando-o na dimensão da fé em Jesus

Cristo, o ser humano que sofre se vê inserido numa dinâmica que envolve três áreas

importantes do estudo teológico: a escatologia, a soteriologia e a eclesiologia. A busca de

sentido para o sofrimento, encontra uma resposta na experiência de Deus dentro da vivência

da fé, que envolve o ser humano num processo profundo de resiliência.

Palavras-chave: Sofrimento. Resiliência. Sentido. Fé.

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RÉSUMÉ

La Souffrance constitue une réalité inhérente à l’être humain et possède une pluralité dans

ses manifestations, en incluant depuis la nature physique jusqu’à sa capacité psychique et

spirituelle. Dans ce contexte, les sciences essaient de donner une réponse sur la réalité de la

souffrance et elles trouvent une multidimensionnalité à son approche. Dans une dimension

anthropologique, la souffrance s’achève comme le résultat d’une condition naturelle de

l’homme en tant que matière, ce qui permet d’atteindre d’autres dimensions à partir de

l’expérience et de la réflexion sur sa propre existence. Dû cette réalité, ce travail tente de

réflechir sur le chemin dans lequel l’homme se met à la recherche de comprendre la

souffrance : c’est la quête au sens pour la souffrance qui a lieu à travers toute l’histoire

humaine. À partir de la méthode théologique, ce travail propose une approche sur la

souffrance dans le but d’y trouver du sens. Cette approche a son fondament dans la

Révélation qui se trouve dans l’Écriture Sacrée, depuis l’Ancien Testament et qui atteind sa

plénitude au Nouveau Testament, dans la personne de Jésus Christ. Dans le cadre de la

compréhension de la résilience comme la capacité de l’être humain de gérer la souffrance en

convergence à la vertu de la forteresse, on trouve dans la foi un instrument d’aide dans le

processus de la résilience. En même temps, on trouve la quête au sens qui permet à l’homme

d’avoir la compréhension de sa souffrance et donc de pouvoir y attribuer la signification et

la vivre dans la perspective de la foi. À la définition du concept du sens et à la mise en place

de la foi en Jésus Christ, l’homme qui souffre se voit placé dans une dynamique qui entoure

trois domaines importants de l’étude théologique : l’eschatologie, la sotériologie et

l’ecclésiologie. La quête pour le sens de la souffrance trouve une réponse dans l’expérience

de Dieu à l’intérieur de la foi, qui insère l’homme dans un processus appronfondi de la

résilience.

Mots-clés : Souffrance. Sens, signification. Foi.

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Sumário

INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 10

1. SOFRIMENTO .......................................................................................................... 12

1.1 ABORDAGEM ANTROPOLÓGICA .................................................................. 12

1.2 SOFRIMENTO NA PERSPECTIVA BÍBLICO - TEOLÓGICA ...................... 15

1.2.1 O desenvolvimento da compreensão do sofrimento na literatura bíblica

do Antigo testamento: ............................................................................................... 16

1.2.1.1 O Sofrimento no pensamento pré-exílico............................................... 16

1.2.1.2 O Sofrimento na literatura deuteronomista ............................................ 18

1.2.1.3 O sofrimento na literatura profética. ...................................................... 20

1.2.1.4 O sofrimento na literatura sapiencial ..................................................... 23

1.2.2 A compreensão do sofrimento a partir de Jesus Cristo na perspectiva do

Novo Testamento ....................................................................................................... 25

1.2.2.1 O Sofrimento na perspectiva dos Evangelhos. ....................................... 26

1.2.2.2 Jesus Cristo diante do sofrimento........................................................... 30

1.2.2.3 O Sofrimento na Teologia Paulina ......................................................... 33

1.2.2.4 O Sofrimento na 1ª Carta de Pedro. ....................................................... 35

2. SOFRIMENTO, RESILIÊNCIA E SENTIDO ....................................................... 38

2.1 RESILIÊNCIA ...................................................................................................... 38

2.1.1 Resiliência e a Virtude da Fortaleza .......................................................... 42

2.2 SENTIDO ............................................................................................................. 45

2.2.1 A compreensão de “sentido”. ...................................................................... 46

2.2.1.1 Sentido como finalidade. ........................................................................ 46

2.2.1.2 Sentido como valor................................................................................. 47

2.2.1.3 Sentido como direção. ............................................................................ 49

2.2.2 O sentido da Vida ........................................................................................ 50

2.2.3 O sentido do Sofrimento ............................................................................. 51

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3. FÉ E O SENTIDO PARA O SOFRIMENTO ......................................................... 54

3.1 FÉ .......................................................................................................................... 55

3.1.1 A fé na busca de sentido para o sofrimento. ............................................. 57

3.1.1.1 Fé na dimensão escatológica e o sentido como finalidade. .................... 61

3.1.1.2 Fé na dimensão soteriológica e o sentido como valor. ........................... 64

3.1.1.3 Fé na dimensão eclesiológica e o sentido como direção. ....................... 66

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................ 69

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: ........................................................................... 73

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INTRODUÇÃO

A busca de sentido para o sofrimento perpassa toda história humana, uma vez que

o ser humano está sujeito ao sofrimento em suas várias possibilidades de manifestações.

O ser humano então se pergunta: Que sentido há no sofrimento? Por que sofremos? Como

lidar com o sofrimento e suas consequências na vida? Essas e outras reflexões surgem a

partir da capacidade do ser humano de pensar sua existência e, por conseguinte sua

finitude. Nesse processo de indagação acerca do sofrimento, o ser humano encontra-se

diante de outros fatores que colaboram na busca de uma resposta: sua capacidade de

superação, sua abertura à experiência transcendental, entre outros.

A busca de uma resposta a fim de encontrar um sentido para o sofrimento foi

sendo sistematizada pelas diversas ciências, o que possibilitou uma melhor compreensão

do sofrimento e suas manifestações na vida do ser humano. As abordagens realizadas

pelas ciências podem ser conjugadas a fim de apresentar um caminho de reflexão

sistêmico e sinérgico do conhecimento já adquirido a respeito do sofrimento.

No intento de colaborar com o ser humano na busca de uma resposta de sentido

para o sofrimento, neste trabalho propomos apresentar um caminho de reflexão a partir

da Teologia, em diálogo com outras áreas do conhecimento. Para realização da reflexão

aqui proposta, procuramos utilizar o pensamento de alguns autores sobre o tema, a fim de

buscar uma resposta coerente com o pensamento teológico. Desse modo, o método

consiste em apresentar conceitualmente alguns temas centrais na busca de sentido,

apresentando-os na perspectiva teológica.

Na primeira parte deste trabalho, procuramos compreender o sofrimento na

perspectiva antropológica, baseando-nos na apresentação do sofrimento em sua

multidimensionalidade pelo médico e professor Doutor Auro Del Giglio, que atua em

uma prática da medicina humanística. Outros autores que abordam temas importantes

nessa perspectiva do sofrimento também foram apresentados contribuindo para a

compreensão do sofrimento na perspectiva antropológica. Para compreensão do

sofrimento na perspectiva bíblico - teológica, seguimos de perto o autor Duarte Lourenço

em sua obra sobre o sofrimento no pensamento bíblico, entre outros autores.

Na segunda parte, após ter compreendido os aspectos fundamentais

antropológicos e bíblico-teológicos do sofrimento, propomos uma reflexão sobre a

importância da resiliência na busca de sentido. Para tanto, iniciamos com a abordagem

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do conceito da resiliência, termo mais recente na abordagem comportamental do ser

humano, demonstrando que o ser humano é capaz de lidar com o sofrimento de forma

ativa, e sua aproximação com a virtude da fortaleza, aplicando assim uma dimensão

teológica ao termo. A abordagem do sentido, a fim de contextualizá-lo neste trabalho,

fundamentou-se na definição de Clodovis Boff, em sua obra “O livro do sentido”, que

nos apresenta o sentido em três dimensões: finalidade, valor e direção, que contribuíram

sumamente para apresentar o sentido do sofrimento a partir do pensamento teológico.

Nessa parte, destacamos a busca de sentido, tanto para a vida quanto para as demais

dimensões que constituem um caminho de reflexão para o ser humano.

Na terceira parte, destacamos a fé como instrumento que contribui no processo de

resiliência e na busca de sentido para o sofrimento. A partir de alguns autores, podemos

compreender o que é a fé e sua manifestação na vida do ser humano. Compreendidos

sucintamente a importância da fé no processo de resiliência e busca de sentido,

empregamo-nos então numa reflexão teológica a fim de apresentar uma resposta que

conduza à compreensão de um sentido para o sofrimento. Nessa reflexão, retomamos a

definição de Clodovis Boff, das três dimensões do sentido aplicando-as à realidade

teológica da escatologia, soteriologia e da eclesiologia, baseando-nos na “Carta

Apostólica Salvifici Doloris” sobre o sentido cristão do sofrimento humano.

A estrutura da reflexão proposta no trabalho permite alcançar seu intuito inicial

de apresentar uma resposta na busca de sentido para o sofrimento, por meio da fé e da

capacidade de resiliência de cada ser humano.

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1. SOFRIMENTO

1.1 ABORDAGEM ANTROPOLÓGICA

O sofrimento do ponto de vista antropológico constitui uma realidade

multidimensional, ao qual o ser humano no decorrer da história procurou dar uma resposta

por meio dos diversos segmentos práticos e teóricos do conhecimento. As respostas não

encerram em si as possibilidades de abordagens da problemática sobre o sofrimento,

sendo possível conjugar antigas e novas formas de abordagens na busca de compreender

a inclinação natural do ser humano de resistir às condições que conotam o sofrimento nas

suas mais variadas formas.

Essa multidimensionalidade do sofrimento nos leva à busca de uma definição

capaz de sintetizar essa pluralidade de suas manifestações e então aprofundar-se seguindo

a especialização de cada dimensão. Segundo Giglio (2013, p.46): “sofrimento pode ser

definido como experiência de suportar dor ou desconforto”, a amplitude desta definição

nos permite trilhar por vários caminhos de abordagens do sofrimento, como o mesmo

autor afirma:

O sofrimento ocorre quando existe ameaça à destruição da pessoa e persiste

até que esse perigo de desintegração tenha desaparecido ou a pessoa tenha se

recomposto de alguma outra forma. Por envolver o ser humano em qualquer

uma de suas possíveis vertentes, o sofrimento é essencialmente uma

experiência multidimensional, pois pode se falar de sofrimento físico,

psicológico, espiritual, existencial. (CASSELL,1982, apud GIGLIO, 2013,

p.46)

Com base nessa compreensão podemos afirmar que o sofrimento sempre esteve

presente na história humana como uma realidade inseparável de sua própria natureza,

principalmente no que tange ao corpo, seu sofrimento físico. O sofrimento físico,

associado à dor, no decorrer da história vai sendo instrumentalizado pelas culturas e se

manifesta muitas vezes de forma ambígua. Se por um lado, há uma inclinação natural de

resistência e fuga do sofrimento, por outro lado, podemos verificar que em diversas

culturas o sofrimento é associado a rituais religiosos de penitência e purificação.

Encontramos também uma instrumentalização do sofrimento como o meio de tortura ou

então, como busca de prazer como o masoquismo, sadomasoquismo entre outros.

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Encontramos no sofrimento físico, para além de suas experiências

instrumentalizadas, a experiência da própria condição humana enquanto corpo, matéria

corruptível, porque “ Perante o fato de que os seres materiais (entre eles o corpo humano)

são corruptíveis e sujeitos à morte. ” (SCHLESINGER e PORTO, 1995, p. 2411).

Nesse âmbito encontramos as doenças, que afetam o ser humano na complexidade

de sua constituição física e que independe de sua vontade colocando-o a priori numa

condição passiva de sofrimento e sob ameaça daquela destruição da pessoa citada por

Giglio (2013).

O sofrimento físico encontra, por meio das diversas ciências, uma possibilidade

de amenização, alívio ou mesmo erradicação, sendo importante salientar que mesmo

erradicado um determinado sofrimento físico, o ser humano estará sempre sujeito a este

sofrimento decorrente de sua condição natural de matéria. O sofrimento físico quando

não passível de ser amenizado ou erradicado, tem seu fim naquela destruição da pessoa

citada por Giglio (2013), que aqui podemos denominar morte. Segundo Callia (2005, p.

8) “A morte, como advento da consciência, passou a ocupar uma posição básica na

existência da humanidade: o ser humano, como sabemos, é o único ser vivo que pensa a

sua existência e, consequentemente, a sua morte”.

A morte vista como fim do sofrimento, encerra em si aquela passividade de

sofrimento do ser humano decorrente de sua condição natural, mas deixa em aberto à

humanidade uma variável de fatores acerca de seu próprio fim. Por vezes a morte ganha

seu significado a partir da experiência acerca do sofrimento, segundo Reis:

Se a morte representar o alívio de dores físicas e aflições psíquicas

insuportáveis, ou de outros dissabores quaisquer – subtração de algo negativo

– diz-se que a morte é um bem negativo: por tirar o ruim, melhora. Se a morte,

contudo, for apenas o término de uma vida repleta de satisfações e alegrias –

subtração de algo positivo -, a morte é um mal negativo – o fim do bem bom.

(REIS, 2005, p. 21)

Surge então o sofrimento em torno da própria morte, pois ela revela a finitude da

natureza humana, e leva o ser humano a refletir sobre ela, debruçando-se sobre sua própria

existência.

No campo da reflexão sobre sua existência, o ser humano se depara com outras

dimensões além daquela de matéria em que o sofrimento também se faz presente, como

citado por Giglio (2013), a saber: psicológico, espiritual, existencial, entre outros. Essa

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contextualização pode ser verificada a partir de algumas afirmações do autor sobre o

atendimento aos seus pacientes:

Na busca de causas biológicas da febre não saberemos como abordar crises

existenciais, mas percebendo o sofrimento do paciente encontraremos tudo: a

febre, o papel do antibiótico, o medo, a angústia e, inclusive, as imensas

diferenças culturais dos seres humanos que tratamos. (GIGLIO, 2013, p. 14)

Ou ainda:

Ao abordarmos o sofrimento de um paciente sob diversos ângulos e sob

diversas formas de pensar, estaremos diante da possibilidade de uma

verdadeira síntese das várias vertentes que compõem o entendimento do ser

que sofre e, assim, mais próximos de um novo paradigma para melhor poder

compreendê-lo e tratá-lo. (GIGLIO, 2013, p. 30)

Por meio da reflexão em torno da existência humana é possível, portanto, perceber

o sofrimento nas suas mais variadas manifestações. Muitas vezes, o sofrimento é apenas

compreendido sob a ótica da dor, porém é preciso considerar: “Que o sofrimento

entendido como ato ou efeito de sofrer, suportar, tolerar, padecer com paciência ou

padecer dores, transcende a dor física para atingir o plano moral e espiritual. Por isso, ele

é considerado uma característica humana”. (VIEIRA; PIRES, 2009, p. 21)

Também por ultrapassar a dimensão física, é que o sofrimento apresenta sua

multidimensionalidade, tornando difícil uma compreensão sucinta de suas manifestações

na vida do ser humano. Essa compreensão muitas vezes é apresentada de forma coletiva,

uma vez que o ser humano é um ser relacional inserido em uma sociedade e sua relação

com o sofrimento é por vezes vivenciada sob os aspectos culturais, religiosos e sociais do

ambiente em que ele vive, como podemos constatar na seguinte afirmação:

O sofrimento não tem um significado único e universal. Muito pelo contrário.

Sua concepção varia conforme as diferentes épocas e culturas. Cada sociedade

estabelece uma relação com o sofrer que é captada por seus integrantes e ajuda

a configurar o existir daquela população. Sendo assim, as experiências de

sofrimento são elaboradas, interpretadas e expressas de formas diversas”

(VIEIRA; PIRES, 2009, p. 25)

O significado do sofrimento, encontra-se então na sua multidimensionalidade, na

sua pluralidade de manifestações não sendo único e universal, pois o próprio ser humano

em sua existência é um ser em contínua descoberta.

Como em toda experiência comum aos seres humanos as ciências procuram dar

uma resposta, também para o sofrimento. Podemos encontrar as várias abordagens que

procuram situar o sofrimento dentro de uma estrutura lógica de pensamento, mas as

subjetividades em torno das próprias experiências humanas tornam o sofrimento o objeto

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da reflexão das mais variadas ciências. A medicina, a psicologia, a filosofia, a teologia

entre outras ciências, procuram conceituar o sofrimento dando-lhe um significado e

sentido próprio.

Dentro das diversas ciências, que refletem sobre o sofrimento, encontramos na

Teologia, um papel importante que conjuga o sofrimento na sua multidimensionalidade,

no qual é possível refletirmos à luz de uma perspectiva histórica.

1.2 SOFRIMENTO NA PERSPECTIVA BÍBLICO - TEOLÓGICA

Ao falarmos de antigas e novas formas de abordagens sobre o sofrimento,

encontramos no campo da Teologia um profundo desenvolvimento histórico da

compreensão do termo, decorrente da experiência social do povo judeu, transmitido entre

suas gerações e que vai ganhando novo significado nas diferentes épocas culturais,

sociais, entre outras.

A fonte principal desse conhecimento histórico do sofrimento no pensamento

teológico, encontra-se na Sagrada Escritura, é a partir de seus escritos redigidos nas

diferentes épocas que o pensamento a respeito do sofrimento vai se desenvolvendo.

É preciso, ao considerar tais escritos na perspectiva teológica, ressaltar seu valor

transcendental, ou seja, não apenas como uma estrutura lógica e racional do pensamento,

mas seu conteúdo da Revelação Divina, método onde razão e fé se conjugam, e se culmina

na experiência contemplativa da Verdade:

A fé e a razão (fides et ratio) constituem como que as duas asas pelas quais o

espírito humano se eleva para a contemplação da verdade. Foi Deus quem

colocou no coração do homem o desejo de conhecer a verdade e, em última

análise, de O conhecer a Ele, para que, conhecendo-O e amando-O, possa

chegar também à verdade plena sobre si próprio. (FIDES ET RATIO, n.1)

Ora, a verdade é o objeto final das ciências, na perspectiva teológica, a verdade

constitui o próprio Deus, e sua interação com o ser humano dá-se na história por meio da

Revelação:

A verdade que Deus confiou ao homem a respeito de Si mesmo e da sua vida

insere-se, portanto, no tempo e na história” ... Assim, a história constitui um

caminho que o Povo de Deus há de percorrer inteiramente, de tal modo que a

verdade revelada possa exprimir em plenitude os seus conteúdos, graças à ação

incessante do Espírito Santo. (FIDES ET RATIO, n.11)

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Na Sagrada Escritura, portanto, seguindo o método teológico, a Revelação de

Deus, se dá em meio à história de um povo eleito, que vai ganhando sua universalidade

no decorrer da mesma história. Por situar-se na história, a Revelação dá-se por meio dos

atributos próprios do ser humano, de fatores inerentes à sua existência:

A história torna-se, assim, o lugar onde podemos constatar a ação de Deus em

favor da humanidade. Ele vem ter conosco, servindo-Se daquilo que nos é mais

familiar e mais fácil de verificar, ou seja, o nosso contexto quotidiano, fora do

qual não conseguiríamos entender-nos. (FIDES ET RATIO, n.12)

Partindo dessa compreensão da Revelação contida na Sagrada Escritura, e que se

dá por meio da história, não podemos excluir a experiência do sofrimento, uma vez que

este se faz presente no contexto quotidiano da vida humana, e conforme afirma o papa

João Paulo II na Carta Apostólica Salvifici Doloris (1984, n.6) “A Sagrada Escritura é

um grande livro sobre o sofrimento.”.

Para uma melhor compreensão do pensamento sobre o sofrimento na Sagrada

Escritura, podemos apresentar seu desenvolvimento a partir de uma abordagem geral,

perpassando sua própria literatura; no Antigo Testamento por meio das tradições pré-

exílicas e de três linhas gerais: literatura deuteronomista, sapiencial, profética e nos

escritos neotestamentários.

1.2.1 O desenvolvimento da compreensão do sofrimento na literatura bíblica

do Antigo testamento:

1.2.1.1 O Sofrimento no pensamento pré-exílico.

O conjunto de textos que compõem o Antigo Testamento, foi escrito em diferentes

épocas, e possuem em si suas particularidades demonstrando um desenvolvimento

histórico no pensamento veterotestamentário sobre as mais diversas questões que

envolvem o ser humano, entre elas o sofrimento.

Os primeiros textos do Antigo Testamento remontam ao período pré-exílico: são

os textos mais representativos das chamadas “tradições mais antigas”. Nesses textos, o

ser humano é considerado em sua totalidade e nessa perspectiva não encontraremos

distinção das manifestações do sofrimento, estando o foco de sua abordagem mais

inteiramente ligado ao seu sentido, Segundo Lourenço (2006, p.20) “ Não se preocupando

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muito com a origem o escritor sagrado procura antes transmitir-nos uma perspectiva sobre

a razão e o sentido do sofrimento”.

Lourenço (2006) afirma que nessa tentativa de dar uma razão e um sentido para o

sofrimento, o escritor sagrado apresenta o sofrimento como um castigo por um pecado

cometido, estabelecendo desta forma uma forte relação entre pecado e sofrimento. Essa

forma de pensar, permitia também justificar a garantia da divindade de manter uma

correta ordem do universo, a partir de uma justa retribuição do comportamento humano

face a uma mesma ordem preestabelecida.

No início do livro do Gênesis encontramos a narrativa da criação e o relato da

queda do homem no paraíso1, onde podemos constatar a relação causa-efeito entre o

comportamento humano e o sofrimento, no qual o autor do livro do Gênesis busca

justificar por meio do pecado de Adão e Eva uma realidade vivida procurando dar uma

explicação e um sentido. Segundo Lourenço (2006, p.20) “Esta procura de uma

justificação encontrada no “pecado dos pais”, com as consequentes explicações deduzidas

a partir do mesmo, o cenário ideal de causa-efeito que assim explicitaria as origens do

sofrimento”

Para Lourenço (2006) esse pensamento sobre a origem do sofrimento a partir do

“pecado dos pais”, vai no decorrer do tempo encontrando um ponto de confronto, a

medida em que é possível constatar que essa ordem social preestabelecida não

correspondia a uma realidade objetiva em que o crente bíblico se via confrontado:

Na ordem social, e particularmente com a progressiva sedentarização da

sociedade israelita, o que constata é que nem sempre o justo prospera e, muitas

vezes, o ímpio e o pecador são bem-sucedidos e consegue obter grande sucesso

nos seus empreendimentos. (LOURENÇO, 2006, p.21)

Essa realidade confrontante com aquela noção de justa retribuição do

comportamento humano vai sendo verificada a partir da sedentarização da sociedade

israelita, ou seja, com o passar dos anos e das gerações, é possível verificar uma nova

realidade cultural e social que vai se configurando na sociedade israelita. Embora, em

meio aos escritos situados no período pré-exílico seja possível encontrar vestígios de um

pensamento que contraponha a noção originária criada a partir do “pecado dos pais” como

justificativa para o sofrimento, esse pensamento consolidar-se-á num período posterior,

1 Cf. Gn 3

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concomitante ao surgimento da teologia profética emergente ao período daquela

sedentarização da sociedade.

Um aspecto importante a ser considerado é a relação do contexto cultural e social

com o pensamento sobre o sofrimento. Devido a esta forte relação o sofrimento assume

uma caraterística coletiva e social:

Consciente do seu forte vínculo de pertença a um grupo, o crente bíblico sente

que o sofrimento é um componente dessa sua pertença, da sua vida coletiva e

da sua inserção comunitária, e por isso, ele assume o sofrimento não apenas

como consequência do seus atos, mas também como algo que resulta do

comportamento de outros membros do seu povo, mormente daqueles que são

considerados como ímpios ou mesmo dos seus ascendentes e dos próprios

governantes2. (LOURENÇO, 2006, p. 22)

Essa configuração do pensamento sobre o sofrimento a partir de uma coletividade,

vai sendo reforçada e notada no período exílico e pós exílico, marcada por uma forte

transformação cultural e social que marcou também o pensamento bíblico a respeito do

sofrimento, abrindo novas perspectivas a fim de encontrar um sentido ou solução para

este problema. Esse desenvolvimento de pensamento é notável a partir dos escritos da

literatura deuteronomista, redigidos no período supracitado.

1.2.1.2 O Sofrimento na literatura deuteronomista

Ao debruçarmos sobre o estudo do sofrimento na literatura deuteronomista

encontraremos alguns vestígios daquela concepção encontrada nas tradições pré-exílicas,

ou seja, o sofrimento apresentado como uma consequência do pecado. Conforme

apresentado, o desenvolvimento da compreensão do sofrimento dá-se concomitante aos

fatores sociais, culturais entre outros, que marcam a sociedade nas diferentes épocas. É

neste ponto que encontramos a contribuição da reflexão sobre o sofrimento na literatura

deuteronomista, uma vez que tais escritos foram escritos durante o exílio ou no período

pós-exílico, segundo Lourenço (2006, p. 22) “Será em boa parte, a experiência do exílio

que ajudará o pensamento bíblico a alargar as suas perspectivas e a procurar outras

motivações ou causas para uma solução deste problema”.

Segundo o autor, e experiência do exílio desperta a busca de novas respostas para

aqueles questionamentos existentes na sociedade, como encontrar respostas para o

2 Cf. Ex 20,5; 1Sam 22,18; 2 Re 21,10-11.

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sofrimento vivido no exílio, uma realidade em que a própria identidade vai se

desfigurando como podemos notar no seguinte salmo:

“Às margens dos rios de Babilônia, nos assentávamos chorando, lembrando-

nos de Sião. Nos salgueiros daquela terra, pendurávamos, então, as nossas

harpas, porque aqueles que nos tinham deportado pediam-nos um cântico.

Nossos opressores exigiam de nós um hino de alegria: Cantai-nos um dos

cânticos de Sião. Como poderíamos nós cantar um cântico do Senhor em terra

estranha? ” (Salmos 137:1-4)

A identidade de um povo é marcada por sua história, por sua pertença a um espaço

geográfico. Durante o exílio o povo de Israel se vê envolto por novas realidades sociais,

culturais, religiosas entre outros; é nos textos redigidos nesse período e, posteriormente,

que identificamos a intenção do autor de ressaltar a importância da fidelidade a Deus. Na

literatura deuteronomista, esta fidelidade a Deus é marcadamente centrada no

cumprimento da Lei e o sofrimento decorre do não cumprimento dela:

É por isso que a questão do sofrimento, mormente a trágica experiência do

exílio enquanto realidade sentida e vivida pelo crente, assuma aqui uma forte

relação com a vivência e a prática da Lei enquanto tal. No entanto, estando

essencialmente orientada para a vida prática e para a definição de normas

orientadoras do comportamento, a teologia deuteronomista não se preocupa

com a procura das causas, nem se detém em considerandos de natureza

abstrata; pelo contrário ela aponta exemplos de como o sofrimento decorre do

fato do não cumprimento da Lei, estabelecendo assim uma espécie de

correlação direta e automática entre esta e aquele. (LOURENÇO, 2006, p. 23)

Com base nessa afirmação do autor, podemos verificar que o sofrimento na

literatura deuteronomista tem como referência a Lei. Se na tradição pré-exílica o

sofrimento tinha como referencial a culpabilidade do “pecado dos pais”, na literatura

deuteronomista o referencial é a Lei, e o cumprimento ou descumprimento dela tem um

caráter mais pessoal, embora infira na realidade coletiva. Podemos constatar essa

perspectiva na seguinte afirmação:

A culpabilidade não é já transferida para um passado distante e anônimo, mas,

antes, é o resultado de uma escolha, de uma opção feita por cada um, sendo

essa opção posta a reflexão de cada crente através da centralidade que a Lei

assume na orientação do comportamento tanto coletivo como individual.

(LOURENÇO, 2006, p. 23)

Essa dimensão da compreensão do sofrimento a partir do descumprimento da Lei,

tanto individual como coletivamente, propicia a ideia de culpabilidade e orienta o povo

para o seu mau proceder, despertando-o para uma conversão a Deus; o sofrimento é tido

como resultado da desobediência à Lei. Nessa compreensão fica implícito no coração do

povo a mensagem: cumpra e ponha em prática a Lei.

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Se por um lado, a Lei se tornara o referencial na vida do povo de Israel, e dentro

da literatura deuteronomista isso nos fica bem claro, por outro, não bastou para que o

povo permanecesse sempre fiel à Lei, ou que a Lei assumisse no decorrer da história um

papel diferente daquele de fidelidade da Aliança, tornando instrumento de abusos por

parte daqueles que detinham o conhecimento da Lei.3

Diante da realidade do povo de Israel foram surgindo no decorrer da história, no

Antigo Testamento realidades sociais, culturais e religiosas que confrontavam a

mensagem de fidelidade à Deus, principalmente no risco de o povo adequar-se a uma

religião politeísta, e quanto à marginalização e opressão daqueles mais necessitados entre

o povo, mesmo no período do exílio. Nesse contexto, encontramos o surgimento do

profetismo em Israel, que delineou profundamente a história bíblica do Antigo

Testamento.

1.2.1.3 O sofrimento na literatura profética.

A teologia do Antigo Testamento é profundamente marcada pela literatura

profética, e dentre os temas que esta literatura contempla, encontramos também o

sofrimento, desta vez permitindo-nos uma visão singular da mensagem bíblica face ao

espaço cultural e social circunvizinho. (LOURENÇO, 2006)

Segundo Lourenço (2006) se compararmos a compreensão do sofrimento da

literatura profética com aquela noção empregada pela tradição pré-exílica e literatura

deuteronomista, encontraremos uma contraposição, pois a primeira difere diretamente do

legalismo tão caraterístico das outras duas correntes, ainda que a primeira tenha como

plano de fundo a própria experiência do exílio da Babilónia, experiência esta que marcará

para sempre a história do povo de Israel no que concerne à sua experiência de sofrimento.

Segundo Schwantes (2007, p.80) “no exílio as pessoas tinham passado pela

experiência dolorosa de terem suas terras invadidas e destroçadas pelos babilônios”. Se

voltarmos nossa reflexão para os textos pré-exílicos, encontraremos o valor da terra, como

propriedade da promessa de Deus ao seu povo, portanto, o período exílico no que tange

a compreensão do sofrimento por via da literatura profética, está profundamente ligado

ao sentido da bondade de Deus para com seu povo eleito e seu projeto de salvação:

3 No Novo Testamento podemos constatar esses abusos claramente na repreensão que Jesus faz aos escribas

e fariseus. Cf. Mt 23, 1-39.

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Ao pôr em causa a doutrina tradicional no que concerne às causas do

sofrimento, os profetas fazem-no, antes de mais, em nome da bondade de

Yahwé e do seu projeto de salvação, projeto este que não se confina aos limites

geográficos da terra de Israel nem se restringe à identidade étnica do seu povo,

mas antes de tudo assume uma universalidade sem confins que passa, acima

de tudo, pela adesão do coração a esse projeto. (LOURENÇO, 2006, p.24)

Encontramos no estudo da literatura profética, os denominados “profetas maiores”

e “profetas menores”, diferenciação não motivada por grau de importância, mas

primeiramente pelo volume de textos atribuídos a determinados profetas. Nestes textos

encontramos o sofrimento perpassando a literatura profética nas diferentes épocas da

história do povo de Israel.

Dentro da literatura profética, no estudo sobre o sofrimento podemos destacar

alguns profetas cujo sofrimento fica evidenciado tanto em sua mensagem quanto no

sofrimento do próprio profeta, como no caso do profeta Jeremias, pois sua abordagem

traz luz a uma nova maneira de interpretar o sofrimento:

Jeremias não faz do sofrimento uma tragédia, embora se lamente dele. Para

este profeta, o sofrimento não é imputado a Deus, nem assume qualquer

componente retributivo. Ao contrário, é imputado ao homem, ao poder mal

exercido e à falta de fidelidade e de atenção à palavra de Deus. Por isso o

sofrimento que Jeremias deve suportar é, acima de tudo, algo que resulta da

sua opção pessoal, da sua fidelidade e da sua paixão por Deus e pela Sua

Palavra” (LOURENÇO, 2006, p. 27)

Segundo o autor o testemunho de Jeremias marcará profundamente todo o

pensamento bíblico subsequente. O testemunho de vida de Jeremias contrapõe aquela

concepção legalista da literatura deuteronomista, sua vocação profética vivida com amor

e fidelidade à Deus, demonstra categoricamente não haver qualquer relação retributiva

entre pecado e sofrimento de que ele mesmo é vítima. Pelo seu testemunho demonstra o

contrário daquela concepção tradicional, que ele “homem de dores” não é pecador e que

seu sofrimento não é resultado de seu pecado.

Um outro profeta, cujo livro se destaca ao abordar o sofrimento no Antigo

Testamento é Isaías, e dentre seus textos podemos ressaltar o capitulo 53, que se refere

ao Servo Sofredor. Nesse texto é possível encontrar uma conjugação das abordagens

apresentadas: por um lado encontramos a posição tradicional na interpretação que os

interlocutores do Servo fazem de seu sofrimento, e por outro lado a novidade que consiste

na visão de que o sofrimento do Servo não é um castigo, nem mesmo por um pecado, mas

sim um momento de graça e intercessão em benefício de outros. (Lourenço 2006, p. 25)

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Nos textos de Isaías, encontramos a dimensão do perdão, embora se verifique o

sofrimento com resquícios da concepção tradicional. Para o profeta o amor e o perdão se

sobrepõem ao pecado, apresentando uma nova abordagem:

Para nosso profeta, a deportação não é fatalidade, mas castigo, resultado da

culpa dos exilados. Culpa e castigo são passíveis de perdão. O mesmo não pode

ocorrer com o acaso. Dêutero-Isaías anuncia perdão a deportados. Refuta a

ideia de que o exílio seria acidente histórico. E com este anúncio do perdão

começa o novo, o coração de seus anúncios. (SCHWANTES, 2007, p.121)

Segundo Schwantes (2007, p.120) “perdão significa que o passado deixou de ser

determinante. Já não continua a ser uma amarra”. Essa noção apresentada pelo autor nos

permite compreender como o desenvolvimento da compreensão sobre o sofrimento passa

por profundas mudanças, principalmente na literatura profética distanciando – se cada

vez mais daquela concepção inicial tradicional.

Outros profetas possuem igual relevância no estudo sobre o sofrimento, podemos

citar como exemplo o profeta Ezequiel, cuja mensagem profética nos apresenta outra

perspectiva, a saber:

Trata-se do sentido da responsabilidade pessoal. A consciência da dignidade

individual de cada crente pelos seus atos face a Deus assume aqui um valor

que poderemos chamar de ‘sagrado’, tornando assim cada um como um crente

de pleno direito. Desta forma, a tradicional concepção de uma retribuição

coletiva ou transferida de uma geração a outra é incompatível com a fé de Israel

e com a bondade de Yahwé. (LOURENÇO, 2006, p.28)

Basta-nos a apresentação, ainda que de forma superficial, sobre a mensagem

profética de Jeremias, Isaías e Ezequiel no que tange ao sofrimento, para verificarmos as

mudanças significativas na compreensão sobre o sofrimento no contexto histórico do

povo de Israel.

Essa compreensão, na perspectiva da relação individual com Deus, inferirá

profundamente na teologia do sofrimento, e terá suas repercussões marcantes nos escritos

sapienciais.

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1.2.1.4 O sofrimento na literatura sapiencial

Tendo compreendido o desenvolvimento do pensamento sobre o sofrimento na

história do povo de Israel por meio da tradição pré-exílica, pela literatura deuteronomista

e literatura profética, resta-nos abordar sua compreensão na literatura sapiencial, e

teremos um quadro geral do desenvolvimento do pensamento sobre o sofrimento nos

escritos do Antigo Testamento.

A compreensão sobre o sofrimento na literatura sapiencial não se distancia no que

tange ao contexto das abordagens anteriores, mas esta por sua vez, traz uma grande e

enriquecedora contribuição na compreensão do sofrimento “trata-se de algo inovador e

que naturalmente assume alguns contornos de influências recebidas da cultura grega: o

sofrimento visto como um elemento educativo e pedagógico na vida dos crentes”

(LOURENÇO, 2006, p. 28)

Segundo Lourenço (2006), o texto da literatura sapiencial tem grande valor

pedagógico, sua gênese é a experiência de vida, herdada e transmitida de geração em

geração, e tem como finalidade a preparação das novas gerações para saberem enfrentar

a vida em todas suas realidades. Dentre as literaturas já apresentadas, a literatura

sapiencial, segundo o autor, é a que melhor traduz as próprias limitações da existência

humana, entre as quais está presente o sofrimento e a experiência da dor.

Ainda que esta literatura tenha recebido influências da cultura grega, sua

finalidade se diferencia do pensamento helenístico:

Todavia, e ao contrário da literatura grega, a interpretação que os escritos

bíblicos dão acerca do sofrimento como um instrumento pedagógico não tem

uma orientação de caráter antropológico, ético ou filosófico e muito menos

fatalista, como acontecia na tragédia grega; pelo contrário, o seu enfoque é

mais teológico, soteriológico e religioso. O seu objetivo situa-se mais no

âmbito de uma formação de matriz espiritual e religiosa do que propriamente

numa formação cultural e intelectual como sucedia na cultura helenista.

(LOURENÇO, 2006, p.29)

O grande enfoque, da literatura sapiencial é a instrução, para Lourenço (2006), ao

contrário da literatura deuteronomista e profética, as tradições sapienciais reforçam como

método não tanto a punição ou castigo, mas o conhecimento, a aprendizagem daquele que

suporta o sofrimento a fim de permanecer fiel a Deus vivendo conforme aos Seus

preceitos. Segundo o autor, o sofrimento na literatura sapiencial não é um meio ou

instrumento, mas uma condição em que o crente que sofre pode por meio do sofrimento

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atingir um bem superior ou um fim tido como primordial no caminho de ordem e

aperfeiçoamento que se pôs a trilhar.

Para melhor exemplificar uma forma de pensamento sapiencial sobre o

sofrimento, podemos partir da compreensão dada por Lourenço:

Portanto a ideia de um sofrimento educativo a que tanto se alude na literatura

sapiencial, mais do que um método pedagógico em si, é a condição existencial

daquele que faz a experiência do ‘caminho da sabedoria’ e que quer atingir o

conhecimento de Deus, mesmo que isso implique sacrifício pessoal, sacrifício

esse que muitas vezes resulta na necessidade pessoal de alterar atitudes e

formas de vida e não tanto da imposição exterior de formas punitivas. Por outro

lado, esse sofrimento pode também traduzir uma profunda atitude de confiança

e entrega nas mãos de Deus, já que o homem que busca sabedoria confia a sua

vida a Deus e coloca n’Ele toda a sua confiança. (LOURENÇO, 2006, p. 31)

A partir da noção apresentada acima, podemos trazer à luz a experiência narrada

no livro de Jó. Sem margem de dúvidas, ao abordar a questão do sofrimento na

perspectiva bíblica do Antigo Testamento, sobressai no livro de Jó a sua experiência como

um servo sofredor e fiel, e sua perseverança e confiança em Deus mesmo diante das

situações que lhe foram infligidas. Podemos verificar, que mesmo confiante e fiel a Deus,

encontramos no livro de Jó seu lamento:

Enfim, Jó abriu a boca e amaldiçoou o dia do seu nascimento. Jó tomou a

palavra e disse: Pereça o dia que me viu nascer, a noite que disse: “um menino

foi concebido! ” Esse dia, que se torne trevas, que Deus do alto não se ocupe

dele, que sobre ele não brilhe a luz! Que o reclamem as trevas e sombra

espessa, que uma nuvem pouse sobre ele, que um eclipse o aterrorize! Sim, que

dele se apodere a escuridão, que não se some aos dias do ano, que não entre na

conta dos meses! [...] Para mim, nem tranquilidade, nem paz, nem repouso:

nada além de tormento! (Jó 3, 1-26)

Esse lamento que encontramos no livro de Jó, não diminui aquela noção de

fidelidade e confiança em Deus, é preciso ter consciência de que no Antigo Testamento

o lamento constitui uma forma de literatura própria:

No Antigo Testamento, e não só lá, a lamentação é a linguagem do sofrimento.

A reação do homem diante do sofrimento, da dor, da decepção, da humilhação

e da ofensa criou, na lamentação, a sua forma literária própria. Encontra uma

variada e rica forma nos Salmos de lamentações ou queixa. (WESTERMANN,

1970, p.23)

A compreensão do sofrimento a partir da literatura sapiencial, dando grande

relevância ao livro de Jó, nos permite compreender um pensamento mais próximo ao

pensamento que posteriormente será adotado nos escritos neotestamentários.

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A menção do livro de Jó, dentro dos livros sapienciais é apenas para aludir de

como tal literatura apresentou-nos um pensamento sobre o sofrimento, considerando que

em outros livros sapienciais o tema do sofrimento também aparece, como citado por

Westermann (1970) os próprios Salmos de lamentações.

No livro de Jó, o sofrimento é o tema central, e nos possibilita verificar claramente

o desenvolvimento do pensamento sobre sofrimento e justiça. Para Kinet (1970, p. 50) “a

essência do Livro de Jó é, sobretudo, a teologia conscientemente pluralista sobre o

sofrimento e a justiça [...] o livro inteiro é um testemunho vivo da fragilidade das imagens

tradicionais da fé e de Deus e mostra com ênfase os novos começos teológicos aqui

introduzidos”.

A compreensão do sofrimento na literatura sapiencial, juntamente com as

abordagens anteriores a saber: tradições pré-exílicas, literatura deuteronomista e literatura

profética, nos permite uma visão ampla do desenvolvimento da compreensão do tema nos

textos do Antigo Testamento. Esses pensamentos não se dão por encerrados na

perspectiva em que se desenvolvem no decorrer dos séculos, sendo possível verificar que

no tempo de Jesus Cristo encontramos resquícios das antigas formas de pensamento sobre

o sofrimento. No entanto os textos neotestamentários apresentam uma nova abordagem

centrada na pessoa de Jesus Cristo, n’Ele o sofrimento ganha uma nova compreensão.

1.2.2 A compreensão do sofrimento a partir de Jesus Cristo na perspectiva do

Novo Testamento

Se partimos da compreensão que o pensamento bíblico do Antigo Testamento foi

sendo construído num longo período da história do povo de Israel e a mensagem central

está centrada na Revelação de Deus, manifestada por meio da Aliança feita com Abraão

e nas experiências históricas que esse povo fez nos diferentes âmbitos, como social,

cultural, religioso entre outros, perceberemos no Novo Testamento uma relevante

transformação sobre a Revelação de Deus por meio da Encarnação de seu Filho, Jesus

Cristo. Porém, é importante ressaltar que há uma inteira ligação entre o Novo e Antigo

Testamento: “Foi por isso que Deus, inspirador e autor dos livros dos dois Testamentos,

dispôs sabiamente que o Novo Testamento estivesse escondido no Antigo, e o Antigo se

tornasse claro no Novo”. (DEI VERBUM, n.16)

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A Constituição Dogmática Dei Verbum, nos afirma que há uma excelência do

Novo Testamento, onde a Palavra de Deus apresenta-se de maneira especial manifestando

seu vigor. O período do Novo Testamento é apresentado por Paulo como o momento

ápice da Revelação de Deus. Na Carta aos Gálatas escreve: “Quando, porém, chegou a

plenitude do tempo, enviou Deus o seu Filho, nascido de mulher, nascido sob a Lei, para

resgatar os que estavam sob a Lei, a fim de que recebessem a adoção filial” (Gl 4, 4-5).

A mensagem central do Novo Testamento está na Salvação dos homens por meio

da paixão, morte e ressurreição de Jesus Cristo. É em Jesus Cristo que se configura os

pensamentos que decorrem dos textos neotestamentários, de forma primordial os

Evangelhos e subsequentemente as Epístolas Paulinas e outros escritos apostólicos:

O cânone do Novo Testamento encerra além dos quatros Evangelhos, as

Epístolas de São Paulo e outros escritos apostólicos redigidos por inspiração

do Espírito Santo. Segundo o plano da sabedoria divina, confirmam o que diz

respeito a Cristo Senhor, explicam mais ainda a sua genuína doutrina, são a

conhecer o poder salvífico da obra divina de Cristo, narram os começos da

Igreja e a sua admirável difusão, e anunciam a sua consumação gloriosa. (DEI

VERBUM, n. 20)

Com essa breve noção da configuração do Novo Testamento, podemos nos

perguntar: Em linhas gerais, que mensagem sobre o sofrimento encontramos no Novo

Testamento? A reflexão a partir desse questionamento, nos permite pontuar alguns

aspectos importantes sobre o sofrimento na perspectiva dos textos neotestamentários. Tal

reflexão, pode então seguir a seguinte lógica estrutural: a partir dos Evangelhos, da

Teologia Paulina e a 1ª Carta de Pedro. Outros livros que compõem o Novo Testamento

também apresentam alguns aspectos sobre o sofrimento, porém para uma orientação

geral, podemos nos restringir aos livros supracitados, a fim de poder entender a

compreensão sobre o sofrimento de modo mais sucinto.

1.2.2.1 O Sofrimento na perspectiva dos Evangelhos.

Ao abordar o sofrimento na perspectiva dos Evangelhos nesse tópico, não se trata

de fazer uma análise exegética dos textos dos evangelistas, ou um quadro de comparação

entre os quatros Evangelhos. Num estudo aprofundado nos depararíamos com diversas

particularidades além do quadro Sinóptico entre Mateus, Marcos e Lucas, bem como uma

teologia bem marcante em João, entre outros.

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Para início da reflexão, podemos considerar que o contexto histórico, geográfico,

social, cultural entre outros, em que se encontram os personagens presentes nos

evangelhos está inserido naquela linha histórica apontada na reflexão sobre o Antigo

Testamento, ou seja, Jesus, os apóstolos e todos os personagens que aparecem nos

evangelhos, de certo modo, inserem-se na continuação da histórica narrativa do povo de

Israel. Nesse contexto, encontramos o pensamento a respeito de diversas realidades,

herdadas de seus antepassados e que ganha novos significados em Jesus Cristo.

A sociedade judaica é fortemente marcada pela Lei, a vida do povo é centrada no

cumprimento da Lei, por isso a Lei vai ser o pano de fundo do desenvolvimento das novas

formas de pensamento no Novo Testamento. Jesus mesmo afirmou: “Não penseis que

vim revogar a Lei ou os Profetas. Não vim revogá-los, mas dar-lhes pleno cumprimento

porque em verdade vos digo que, até que passem o céu e a terra, não será omitido nem

um só i, uma só vírgula da Lei, sem que tudo seja realizado”. (Mt 5, 17-18).

Vimos que na literatura deuteronomista, a fim de reforçar o cumprimento da Lei,

o sofrimento foi compreendido como castigo, culpa de um pecado cometido

individualmente ou coletivamente do não cumprimento da Lei. No Evangelho de João,

encontramos Jesus sendo confrontado com esse pensamento:

“Ao passar, ele viu um homem, cego de nascença. Seus discípulos lhe

perguntaram: Rabi, quem pecou ele ou seus pais, para que nascesse cego? Jesus

respondeu “Nem ele nem seus pais pecaram, mas é para que nele sejam

manifestadas as obras de Deus” (Jo 9, 1-3).

A afirmação de Jesus, ao apontar a finalidade do sofrimento do cego de nascença,

rompendo com aquele pensamento deuteronomista, revela seu cumprimento na sua

própria pessoa: “Tendo dito isso, cuspiu na terra, fez lama com a saliva, aplicou-a sobre

os olhos do cego e lhe disse: “Vai lavar-te na piscina de Siloé – que quer dizer “Enviado”.

O cego foi, lavou-se e voltou vendo claro” (Jo 9, 6-7).

Jesus como enviado do Pai, realiza suas obras, o sofrimento daquele cego de

nascença teve sua finalidade na glorificação de Deus, por meio da obra realizada por

Cristo: “Brilhe do mesmo modo a vossa luz diante dos homens, para que, vendo as vossas

boas obras, eles glorifiquem vosso Pai que está nos céus” (Mt 5, 16). “Quem me vê, vê o

Pai. Como podes dizer: Mostra-nos o Pai? Não crês que estou no Pai e o Pai está em mim?

As palavras que vos digo, não as digo por mim mesmo, mas o Pai, que permanece em

mim, realiza suas obras” (Jo 14, 9-10).

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A narração da cura do cego de nascença é apenas um exemplo das inúmeras

narrativas de obras que Jesus realizou. Os quatros evangelhos nos apresentam a obra

redentora de Cristo, por meio de sua morte na Cruz, nessa perspectiva podemos entender

que:

Já que Jesus, encarregado por Deus de pôr fim a todo sofrimento, tornou-se o

sofredor por excelência, não é de admirar que no Novo Testamento ocupem

um lugar amplo e central os textos sobre o sofrimento do Messias e sobre o

sofrimento “por causa de Jesus”. Esse caráter específico da teologia do

sofrimento no Novo Testamento não deve fazer esquecer que o Novo

Testamento mantém em sua memória a experiência do Antigo Testamento em

toda sua amplitude e dela lança mão na interpretação do sofrimento de Cristo.

(BAUER, 2004, p.417)

Nos evangelhos podemos verificar que o sofrimento, não somente tem relação

com a mensagem salvífica de Cristo, mas também com sua própria experiência no

cumprimento de sua missão ao morrer crucificado. Certo é que, de forma geral o

sofrimento segundo os evangelhos ganha nova perspectiva, no sentido de redenção,

encontra na Cruz sua maior significação:

O Evangelho mostra que Jesus não poupou esforços com o fim de preparar os

discípulos para o choque de sua paixão e morte, tão contrárias a todas as suas

crenças messiânicas. Mas como as preparou? Ele não apresentou uma filosofia

ou uma teologia do sofrimento, que o tornaria racional e inteligível, ou mesmo

tolerável. Simplesmente afirmou sua necessidade. Sua morte próxima não foi

apresentada como uma fuga do sofrimento e ensinou aos discípulos que não

lhes oferecia fuga do sofrimento através de sua associação com ele. Identificar-

se com Jesus era identificar-se com o Servo Padecente e quem não negasse a

si mesmo e carregasse sua cruz não seria digno de ser seu discípulo.

(MCKENZIE, 1972, p.114)

Abordar o sofrimento na perspectiva dos evangelhos é um desafio que demanda

profundos estudos. Para fins dessa reflexão, podemos nos contentar com a noção do

sofrimento a partir de Jesus Cristo, tanto em sua doutrina como em seu testemunho de

vida, considerando nesse contexto o que afirma Lourenço:

Ao falarmos da questão do sofrimento no Novo Testamento não a podemos

reduzir apenas aos parâmetros que enquadram a vida de Jesus, quer eles

tenham a sua génese na autocompreensão que o Mestre configura de Si mesmo

quer eles assentem numa epistemologia da primitiva comunidade cristã em

ordem a conferir sentido a essa mesma vida. O problema é mais amplo e tem

a ver com a proposta de valores que a Sua mensagem comporta e que

configuram a identidade dessa mesma mensagem. Neste sentido o NT oferece-

nos um amplo campo de estudo sobre a questão do sofrimento nas suas

múltiplas vertentes. (LOURENÇO, 2006, p. 126)

Com base na afirmação supracitada, podemos afirmar que o estudo sobre o

sofrimento nos evangelhos não se encerra em si mesmo, pois faz parte de um conjunto de

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fatores que unidos configuram toda uma teologia da Revelação da Nova Aliança. Para

fins dessa reflexão, tomemos como base que nos evangelhos encontra-se a vida de Cristo,

sua mensagem e seu testemunho configuram uma nova abordagem sobre o sofrimento,

mantendo certamente um elo, com alguns aspectos daquelas abordagens do sofrimento

que encontramos no Antigo Testamento. Em síntese, o sofrimento de Cristo é fonte de

toda reflexão e abordagem do sofrimento no Novo Testamento, sua morte na cruz é o

evento central que marca o sofrimento nos Evangelhos, todo contexto de sua morte,

conforme nos afirma Lourenço (2006, p.126) “ [...] tem a ver com a proposta de valores

que a Sua mensagem comporta e que configuram a identidade dessa mesma mensagem”.

Ao falar do sofrimento na perspectiva cristocêntrica, não podemos deixar de

ressaltar em unidade com a literatura profética do Antigo Testamento, o texto de Isaías

que se refere ao servo sofredor. Segundo Lourenço (2006, p.126) “o Novo Testamento se

apossou da teologia do sofrimento do “Servo de Yahwé” e a aplicou a Jesus, servindo-se

dela como instrumento de compreensão da Sua vida e de leitura de Sua paixão e do Seu

mistério pascal”. O texto de Isaías 53 que se refere ao Servo de Yahwé, encontra fortes

alusões nos Evangelhos:

As alusões a Is 53 estão presentes e amplamente documentadas em todos os

textos dos Evangelhos, tanto na tradição sinóptica, incluindo os Atos, como

nos escritos joaninos. É particularmente nas referências à paixão quer nos

anúncios colocados na boca de Jesus, quer na sua interpretação por parte da

comunidade apostólica, que o recurso a essas alusões mais se faz sentir.

(LOURENÇO, 2006, p.133)

A alusão do sofrimento de Cristo ao canto do servo sofredor de Isaías, nos

possibilita compreender o significado profundo da missão de Cristo ao entregar-se à

morte para a salvação da humanidade. Sua entrega voluntária: “Por isso o Pai me ama,

porque dou minha vida para retomá-la. Ninguém a tira de mim, mas eu a dou livremente”

(João 10, 17-18), e todo seu sofrimento nos permite encontrar em Cristo as mesmas

atribuições do servo sofredor da profecia de Isaías:

O Canto do Servo sofredor contém uma descrição na qual se pode, de certo

modo, identificar os momentos da paixão de Cristo com vários pormenores dos

mesmos: a prisão, a humilhação, as bofetadas, os escarros, o rebaixamento da

própria dignidade do prisioneiro, o juízo injusto; e, a seguir, a flagelação, a

coroação de espinhos e o escárnio, a caminhada com a cruz, a crucificação e a

agonia. Mais do que esta descrição da paixão, impressiona-nos ainda nas

palavras do profeta a profundidade do sacrifício de Cristo. (SALVIFICI

DOLORIS, n. 17)

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Essa leitura da missão salvífica de Cristo por meio do sofrimento, à luz do texto

de Isaías sobre o servo sofredor, vai iluminar não somente os evangelhos, mas também

outros escritos do Novo Testamento4.

Podemos verificar a partir da contribuição do texto de Isaías, que o sofrimento de

Cristo tem um profundo significado soteriológico. Ao refletirmos o sofrimento na

perspectiva dos Evangelhos, encontramos a partir de Cristo uma nova compreensão, não

somente pelo seu próprio sofrimento, mas também como Cristo se posicionou diante do

sofrimento de seus contemporâneos.

1.2.2.2 Jesus Cristo diante do sofrimento.

Os Evangelhos narram a vida de Jesus Cristo, da qual procuramos ressaltar que

pela sua paixão e morte, o sofrimento adquire uma nova compreensão. Porém é

importante considerar como Jesus Cristo durante sua vida se posicionou diante do

sofrimento de seus contemporâneos. Essa reflexão permite verificar que durante sua vida,

Jesus Cristo colocou-se diante de tantos homens e mulheres que sofriam oferecendo-lhes

a cura, esperança e acima de tudo a salvação.

De acordo com o Evangelho segundo Marcos, existiu, originalmente, uma

relação especialmente estreita entre Jesus e o povo. Enquanto, de acordo com

Mc. 3,34, o povo é sua verdadeira “família” Mt 12,46 colocou “os discípulos”

no lugar do povo. Para onde quer que Jesus vá na Galiléia, em todas as partes

junta-se ao seu redor o pobre e miserável povo. Ele os ensina, eles lhe trazem

seus doentes, ele os cura, eles o acompanham. A miséria do povo desperta nele

a misericórdia divina (Mc 6,34). (MOLTMANN, 2014, p. 230)

Jesus Cristo não somente sofreu, mas esteve com os sofredores e seu modo de agir

diante do sofrimento foi configurando uma nova compreensão do sofrimento no

pensamento bíblico, que culminará na sua própria experiência de sofrimento:

De qualquer modo, Cristo aproximou-se do mundo do sofrimento humano,

sobretudo pelo fato de ter ele próprio assumido sobre si este sofrimento.

Durante a sua atividade pública, ele experimentou não só o cansaço, a falta de

uma casa, a incompreensão mesmo da parte dos que viviam mais perto dele,

mas também e acima de tudo foi cada vez mais acantoado por um círculo

hermético de hostilidade, ao mesmo tempo em que se iam tornando cada dia

mais manifestos os preparativos para o eliminar do mundo dos vivos.

(SALVIFICI DOLORIS, n. 16)

4 Ao apontar para a influência que o texto de Isaías sobre o Servo Sofredor teve sobre os escritos

neotestamentários, é importante considerar que estes mesmos textos possuem interpretações distintas no

que refere ao estudo exegético. O mesmo texto é atribuído por outra abordagem ao próprio povo de Israel,

o que nos permite compreender a grande relevância deste texto tanto para a tradição judaica como a tradição

cristã. O que podemos considerar de suma importância é que para ambas abordagens, o texto de Isaias é

um grande referencial sobre o sofrimento.

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Durante sua vida Jesus se familiarizou com os sofredores, aproximou-se daqueles

que viviam a margem da sociedade, deixou-se ser tocado, Ele moveu-se de compaixão

pelo povo que o seguia: “Assim que ele desembarcou, viu uma grande multidão e ficou

tomado de compaixão por eles, pois estavam como ovelhas sem pastor” (Marcos 6, 34).

Com uma leitura atenta sobre o sofrimento na leitura dos Evangelhos, é possível

verificar o quanto Jesus se tornara um referencial para os que sofriam:

Na sua atividade messiânica no meio de Israel, Cristo tornou-se

incessantemente próximo do mundo do sofrimento humano. “Passou fazendo

o bem”; e adotava este seu modo de proceder em primeiro lugar para com os

que sofriam e os que esperavam ajuda. Curava os doentes, consolava os aflitos,

dava de comer aos famintos, libertava os homens da surdez, da cegueira, da

lepra, do demônio e de diversas deficiências físicas; por três vezes restituiu a

vida aos mortos. Era sensível a toda espécie de sofrimento humano, tanto do

corpo como da alma. (SALVIFICI DOLORIS, n. 16)

Os Evangelhos, portanto, nos apresentam de modo pleno como em Jesus Cristo se

configurou uma nova compreensão sobre o sofrimento, quer seja como durante sua vida

lidou com os sofredores, quer seja na sua própria experiência de sofrimento que culminou

em sua morte na cruz.

Essa experiência de Cristo com os sofredores, atinge as várias dimensões de sua

mensagem. Ele denunciou o poder que explorava o povo, a violência, a hipocrisia dos

fariseus e doutores da Lei, entre outros; mas não o fez sem oferecer a possibilidade de

conversão, demonstrando a misericórdia de Deus, pois Ele acolheu a todos:

Por meio da aceitação dos “pecadores” e “publicanos” e das prostitutas, Jesus

não justifica o pecado, a corrupção ou a prostituição, mas rompe o círculo

vicioso de sua discriminação no sistema de valores dos justos. Com isso

também liberta potencialmente os “justos” da coerção da justiça própria, e os

“bons” da posse do bem. No entanto, volta-se unilateralmente aos pobres,

tomando partido. Ao fazer isso em sua própria pessoa, revela a eles e a seus

opressores a justiça messiânica de Deus que, pelo direito da graça, torna

injustos justos, maus bons, feios bonitos. Isso é um ataque violento à moral

religiosa e burguesa. (MOLTMANN, 2014, p. 181)

Esse testemunho de Cristo, diante do sofrimento narrado nos Evangelhos, tornou-

se já nos primeiros séculos fonte de profundas reflexões, constituindo-se na mensagem

central da Revelação de Deus em meio à humanidade sofredora. Jesus aproximou-se

daqueles cujos sofrimentos lhes impusera além da dor física a desumanização, a

indiferença e o isolamento:

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Os enfermos dos quais Jesus se aproxima padecem de doenças próprias de um

país pobre e subdesenvolvido: entre eles há cegos, paralíticos, surdos-mudos,

gente com doenças da pele, transtornados. Muitos são enfermos incuráveis,

abandonados à própria sorte e incapacitados para ganhar o sustento; vivem

arrastando sua vida numa situação de mendicância que beira a miséria e a fome.

Jesus encontra-os jogados pelos caminhos, na entrada dos povoados ou nas

sinagogas, procurando comover o coração das pessoas. (PAGOLA, 2010,

p.192-193)

Essa proximidade de Jesus diante do ser humano sofredor, despertava a mente e o

coração das pessoas e fortalecia sua pregação, voltada para o amor e misericórdia, por

isso as pessoas acorriam até ele, porque sua presença era sanadora:

O certo é que Jesus transmite como que por contágio saúde e vida. As pessoas

da Galileia o sentem como alguém que cura porque está habituado pelo

Espírito e pela força sanadora de Deus. Embora ao que parece, Jesus utilize

algumas vezes técnicas populares, como a saliva, o importante não é o

procedimento que ele possa empregar em alguns casos, mas ele mesmo: a força

curadora que sua pessoa irradia. As pessoas não acorrem a ela em busca de

remédios ou receitas, mas para encontrar-se com ele. (PAGOLA, 2010, p. 202)

Jesus se posicionava com tanto amor diante do ser humano sofredor que toda sua

ação transmitia a vida contida em sua mensagem. Ele curava e fazia o anúncio da

salvação: “tua fé te salvou”. Em síntese podemos verificar como Jesus se posicionava

diante do sofrimento na afirmação de Pagola:

A terapia que Jesus põe em funcionamento é sua própria pessoa: seu amor

apaixonado pela vida, sua acolhida afetuosa a cada enfermo ou enferma, sua

força para regenerar a pessoa a partir de suas raízes, sua capacidade de

transmitir sua fé na bondade de Deus. Seu poder de despertar energia

desconhecidas no ser humano criava as condições que tornavam possível a

recuperação da saúde. Na raiz desta força curadora e inspirando toda a sua

atuação está sempre seu amor compassivo. Jesus sofre ao ver a enorme

distância que há entre o sofrimento destes homens, mulheres e crianças

mergulhados na enfermidade, e a vida que Deus quer para seus filhos e filhas.

O que move é seu amor aos que sofrem e sua vontade de que experimentem já

em sua própria carne a misericórdia de Deus que os liberte do mal. Para Jesus,

curar é sua forma de amar. (PAGOLA, 2010, p.202-203)

A afirmação de Pagola, “Para Jesus, curar é sua forma de amar”, nos faz

compreender todo ministério de Jesus narrado nos evangelhos, Ele cura porque ama, Jesus

é movido pelo amor, é pela força do amor que Ele aceita seu próprio sofrimento até a

morte na cruz.

Nos textos neotestamentários encontramos além dos Evangelhos, o livro dos Atos

dos Apóstolos, que narram os acontecimentos da Igreja primitiva após a Ascensão de

Cristo, e as diversas Cartas atribuídas aos Apóstolos e o livro do Apocalipse. Nesse

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conjunto de livros, destacam-se a figura de Pedro e Paulo, na contribuição doutrinal que

se configurou na teologia cristã no decorrer da história.

O estudo do sofrimento a partir da teologia paulina e da 1ª Carta de Pedro nos

possibilitam compreender de forma sucinta o pensamento sobre o sofrimento que vai se

configurando na teologia cristã a partir da Igreja primitiva.

1.2.2.3 O Sofrimento na Teologia Paulina

Ao abordar o sofrimento na Teologia Paulina, seria uma errônea presunção

acreditar resumir toda mensagem paulina sobre esse tema. O que podemos tomar por

referência são algumas direções a respeito do pensamento paulino que nos permitam

compreender que a teologia do sofrimento possui uma conotação semelhante àquela da

literatura sapiencial do Antigo Testamento, porém iluminada e plenificada na pessoa de

Cristo. Nesta perspectiva, poderemos compreender que a interpretação do sofrimento a

partir de Cristo, tornara já nos escritos primitivos o tema central da mensagem

soteriológica.

Para obtermos uma noção paulina sobre o sofrimento, podemos partir nossa

reflexão da palavra que o apóstolo escreve na Carta aos Colossenses: “Agora regozijo-

me nos meus sofrimentos por vós, e completo o que falta às tribulações de Cristo em

minha carne pelo seu Corpo, que é a Igreja”. (Cl 1,24) Paulo nos fala de um regozijar-se

nos sofrimentos, numa dimensão Cristocêntrica em unidade com a Igreja. Essas palavras

de Paulo, nos permitem perceber aquela compreensão do sofrimento que vai se

aperfeiçoando no decorrer da história do povo de Israel, e que conforme já citado, para

Paulo encontra seu significado pleno no sofrimento de Cristo:

Estas palavras parecem encontrar-se no termo do longo caminho que se

desenrola através do sofrimento inserido na história do homem e iluminado

pela Palavra de Deus. Elas têm o valor de uma como que descoberta definitiva,

que é acompanhada pela alegria: « Alegro-me nos sofrimentos suportados por

vossa causa ». Esta alegria provém da descoberta do sentido do sofrimento; e

muito embora Paulo de Tarso, que escreve estas palavras, participe de um

modo personalíssimo nessa descoberta, ela é válida ao mesmo tempo para os

outros. O Apóstolo comunica a sua própria descoberta e alegra- se por todos

aqueles a quem ela pode servir de ajuda — como o ajudou a ele — para

penetrar no sentido salvífico do sofrimento. (SALVIFICI DOLORIS, n.1)

Podemos verificar pela citação supracitada, que Paulo aborda o sofrimento a partir

de sua própria experiência, iluminada pela dimensão salvífica do sofrimento de Cristo.

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Compreendendo o processo de Salvação em Cristo, Paulo apresenta uma teologia do

sofrimento baseada em uma perspectiva soteriológica:

Esta compreensão do processo de salvação também fornece a base para uma

profunda teologia do sofrimento. O próprio Paulo sofreu assombrosas

necessidades e mesmo ferimentos. Sua teologia do sofrimento não foi

construção elaborada numa torre de marfim. Era a maneira de ver seu

sofrimento como parte integrante do processo de salvação. (DUNN, 2003,

p.562)

Foi a partir de sua conversão que Paulo pôde fazer uma experiência de sofrimento,

a partir da qual, depois, vai orientar sua mensagem, tendo o sofrimento como participação

da vida em Cristo. Essa dimensão de sofrimento na mensagem paulina está correlacionada

a outras dimensões nas quais podemos destacar a dimensão escatológica, a tensão entre

carne e espírito tão presente no pensamento paulino. Podemos compreender essa

dimensão nas palavras de Dunn:

Paulo considerava o sofrimento como aspecto integrante da tensão

escatológica. Em 2 Coríntios Paulo pensava principalmente no seu próprio

sofrimento no decorrer do seu ministério apostólico. Mas as descrições mais

generalizadas de 4,16-5,5 indicam com suficiente clareza que Paulo via o

sofrimento como parte do já-ainda não para todos os que assim estão presos na

tensão escatológica. (DUNN, 2003, p. 548)

O autor continua seu pensamento, reforçando a noção paulina de tensão, de

dualidade entre espírito e carne, vida e morte, e essa tensão vivida pelo crente conota

também uma manifestação de sofrimento. Segundo Dunn (2003, p. 548) “Tanto a morte

como a vida a serem experimentadas pelo crente são de Cristo. A tensão, o sofrimento, a

morte e a vida que Paulo experimenta ele as experimentava como consequência da morte

e da vida ressuscitada de Cristo”.

Essa experiência de sofrimento de Paulo está profundamente relacionada ao seu

ministério apostólico, ele vê sua missão como uma continuação do ministério de Cristo,

como podemos verificar nas palavras de Cerfaux:

A seguir aparece um aprofundamento cristológico. Os sofrimentos que Paulo

suporta são os de Cristo (2Co 1,5) em outras palavras, ele completa as

tribulações de Cristo na sua própria carne (Cl 1,24). Sua vida apostólica

continua a obra de Jesus e ele se vê na situação de “Servo Sofredor”. A paixão

de Cristo pesa sobre ele, para que a ressurreição aja sobre os cristãos: “somos

entregues à morte por causa de Jesus, para que também a vida de Jesus apareça

em nossa carne mortal. Em nós opera a morte, e em vós a vida” (2 Co 4, 10-

12) (CERFAUX, 2012, p. 177)

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Segundo o autor, Paulo ao sofrer por motivo de seu ministério projeta essa sua

experiência de sofrimento para todos os cristãos, onde sua participação nos sofrimentos

e na ressurreição de Cristo é um exemplo; imitando Paulo os fiéis alcançarão a Cristo.

As citações apresentadas referentes à compreensão do sofrimento na perspectiva

da teologia paulina, nos direcionam para uma abordagem Cristocêntrica: é a luz da

experiência do sofrimento de Cristo que Paulo enfatiza sua compreensão sobre o

sofrimento. Esse sofrimento na mensagem paulina tem um caráter soteriológico, está

profundamente unido ao sofrimento de Cristo. Nesse aspecto Paulo apresenta um sentido

para o sofrimento. Lourenço ao abordar os escritos paulinos escreve:

Em todas estas fórmulas, numa espécie de seleção de muitas outras, podemos

facilmente constatar o sentido mediador e soteriológico da morte de Cristo [...].

Neste aspecto, a teologia paulina reforça apenas a componente do sofrimento

aplicando-a a Jesus de uma forma direta e explicita: a Sua paixão e morte.

(LOURENÇO, 2006, p. 131)

Podemos verificar esse sentido cristocêntrico, que fundamenta uma mensagem

soteriológica sobre o sofrimento na teologia paulina, e que apresenta traços marcantes

daquelas abordagens anteriores inseridas no contexto histórico do povo de Israel,

principalmente pela literatura profética de Isaías e literatura sapiencial que vemos no livro

de Jó, e uma ruptura com aquele pensamento deuteronomista fundamentalmente marcado

pela observância da Lei.

1.2.2.4 O Sofrimento na 1ª Carta de Pedro.

No estudo sobre o sofrimento a partir da Teologia Paulina, verificamos que Paulo

compreende o sofrimento a partir de sua própria experiência de conversão em Cristo. No

estudo sobre o sofrimento na 1ª Carta de Pedro, encontramos essa mesma perspectiva de

uma experiência pessoal que Pedro teve junto a Cristo.

Num primeiro momento narrado nos Evangelhos, Jesus precisou repreender Pedro

por ele não compreender o caminho de sofrimento que Cristo anunciava para si mesmo:

A partir dessa época, Jesus começou a mostrar aos seus discípulos ser

necessário que fosse a Jerusalém e sofresse muito por parte dos anciãos, dos

chefes dos sacerdotes e dos escribas, e que fosse morte e ressurgisse ao terceiro

dia. Pedro, tomando-o à parte, começou a repreendê-lo, dizendo: “Deus não

permita, Senhor! Isso jamais te acontecerá! ” Ele, porém, voltando-se para

Pedro, disse: “Afasta-te de mim, Satanás! Tu me serves de pedra de tropeço,

porque não pensas as coisas de Deus, mas as dos homens! ”. (Mt 16, 21-23)

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Porém, a experiência que Pedro vai fazendo no decorrer de sua história junto a

Cristo, vai configurando-se em uma profunda conversão e entrega de si mesmo a exemplo

de Cristo, assumindo o sofrimento como caminho de salvação. Segundo Brown:

Uma vez que Cristo mostrou que o sofrimento era a vereda para a glória, os

cristãos não devem surpreender-se se experimentarem “um incêndio

purificador” e grandes sofrimentos (1Pd 4,12-19). [...] Pedro, que foi

testemunha dos sofrimentos de Cristo e partícipe da glória a ser revelada,

encoraja os presbíteros da comunidade a cuidar do rebanho (1Pd 5,1-4).

(BROWN, 2004, p. 927)

Para entender a mensagem da 1ª Carta de Pedro sobre o sofrimento é importante

levar em consideração o contexto social que os destinatários da Carta estavam vivendo

naquele período. Nessa perspectiva podemos elucidar alguns pontos:

Por exemplo, se se pensa que Pedro escreveu a carta, podem-se interpretar as

indicações como se os leitores estivessem experimentando ou tivessem

experimentado algum tipo de tribulação (1Pd 1,6), e estivessem sendo tratados

como malfeitores pelos gentios (1Pd 2,12), referindo-se às lutas em Roma,

entre judeus que acreditaram em Cristo e judeus que não acreditaram – regras

que levaram o imperador Cláudio a expulsar os judeus de Roma por volta de

49 d.C. A provação por meio do fogo que estava para sobreviver aos

destinatários (1Pd 4,12) e os sofrimentos previstos, prestes a atingir os cristãos

em todo o mundo (1Pd 5,9), podem indicar perseguição em Roma no tempo de

Nero. (BROWN, 2004, p. 928)

Os estudos dos exegetas, nos aproximam de uma compreensão mais profunda dos

textos bíblicos, podendo apontar novas tendências sobre os mesmos textos, são

contribuições verdadeiramente importantes para podermos buscar a raiz da mensagem

textual, nesse sentido, voltado para a 1ª Carta de Pedro, Brown afirma:

Uma nova tendência mais recente tem buscado relacionar o texto de 1 Pedro

sobre tribulação/sofrimento não à perseguição imperial, mas à hostilidade local

na qual não-cristãos difamavam os cristãos, tratando-os como malfeitores (1Pd

2,12), detratando-lhes a conduta (1Pd 3,16), aviltando-os (1Pd 4,4) e

insultando-os por causa de sua fé em Cristo (1Pd 4,14). (BROWN, 2004, p.

929)

Por meio dessas citações, podemos observar que a mensagem de Pedro sobre o

sofrimento está diretamente ligada à uma realidade concreta em que os cristãos primitivos

estavam inseridos e esta realidade concreta afligia-lhes sofrimentos por causa de sua

adesão a Cristo.5 Verificamos portanto, que a mensagem teológica da 1ª Carta de Pedro

sobre o sofrimento é Cristocêntrica, e não se distingue de outros textos neotestamentários

nesse aspecto, em que o sofrimento tem uma conotação salvífica, como nos afirma

5 Vemos nesse sentido, uma aproximação à compreensão paulina, do sofrimento decorrente da adesão a

Cristo, o sofrimento como participação dos sofrimentos de Cristo.

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Lourenço ao comentar o texto de 1ª Pedro 2, 21-25 (Hino soteriológico) em menção ao

texto de Isaías sobre o servo sofredor em Isaías 53 (Poema):

Trata-se, portanto, de uma releitura da paixão que não tem em conta as

interpretações da componente gloriosa da condição messiânica, [...]. Isto,

mostra-nos, de forma evidente, como a comunidade cristã primitiva, incluindo

a de origem judaica e de acordo com os testemunhos dos escritos de Pedro,

assumiu o sentido do sofrimento e lhe conferiu uma dimensão soteriológica.

[...]. Este hino confere ao sofrimento de Cristo um sentido novo que o do

poema não tinha, conferindo-lhe uma nova perspectiva teológica. Ou seja, em

1ª Pedro 2, 21-25, o sofrimento de Cristo é redentor e torna-se para os crentes

‘remédio de salvação’. (LOURENÇO, 2006, p.133)

Podemos concluir nossa abordagem sobre o sofrimento na 1ª Carta de Pedro, com

as palavras do próprio apóstolo:

Nisso deveis alegrar-vos, ainda que agora, por algum tempo, sejais contristados

por diversas provações a fim de que a autenticidade comprovada da vossa fé,

mais preciosa do que ouro que perece, cuja genuinidade é comprovada pelo

fogo, alcance louvor, glória e honra por ocasião da Revelação de Jesus Cristo.

(1Pd 1, 6-7)

Esta Revelação de Jesus Cristo, que Pedro afirma, que nos possibilita

compreender o desenvolvimento do sofrimento a partir de um novo sentido, diferente

daquele descrito no Antigo Testamento. Jesus Cristo é, portanto, a fonte de compreensão

do sofrimento na perspectiva do Novo Testamento.

Podemos verificar que a compreensão do sofrimento na Sagrada Escritura passou

por grandes transformações durante toda narrativa da história do povo de Israel.

No Antigo Testamento fundamentada na experiência com o Deus único, o

sofrimento foi sendo apresentado segundo as experiências que o povo vivenciou

comunitariamente, e o sofrimento foi sendo compreendido por esse caráter social, em

vista de uma ordem comunitária, que se fundamentou na observância da Lei, e que aos

poucos foi ganhando nova dimensão através da abordagem sapiencial.

No Novo Testamento embora podemos encontrar o caráter social do sofrimento,

há uma mudança significativa em comparação com o Antigo Testamento pois a

compreensão do sofrimento é significada na pessoa de Jesus Cristo, do modo com que ele

encarou o sofrimento presente no contexto social, bem como, sua própria experiência de

sofrimento com sua paixão e morte na cruz. A partir dos Evangelhos, os escritos contidos

na Sagrada Escritura conotam o sofrimento dentro de uma dimensão redentora,

centralizando sua abordagem na salvação oferecida por Jesus Cristo.

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2. SOFRIMENTO, RESILIÊNCIA E SENTIDO

No estudo sobre o sofrimento, encontraremos sua multidimensionalidade na vida

do ser humano e nos depararemos com diversos conceitos que se correlacionam com o

conceito de sofrimento. À medida que o ser humano se esforça para encontrar respostas

sobre seu sofrimento, a fim de resistir e buscar um alívio; ao mesmo tempo se vê capaz

de suportar o sofrimento e encontrar um sentido para compreendê-lo e vivê-lo durante

esta busca. A individualidade de cada ser humano torna-se um fator importante no que

corresponde à maneira de se confrontar com o sofrimento, mas é possível verificar que a

busca por respostas e por um sentido, é um fator comum à grande parcela daqueles que

sofrem.

Diante das possíveis abordagens que procuram dar uma resposta para o

sofrimento, ou que procuram compreendê-lo a fim de auxiliar o ser humano na busca de

uma resposta, podemos encontrar dois conceitos importantes que colaboram na

construção de uma resposta: o conceito de Resiliência e Sentido.

A partir da compreensão do conceito de resiliência podemos verificar a

capacidade do ser humano de lidar com o sofrimento, encontrando forças a fim de resistir

às suas diversas manifestações.

Podendo resistir, suportar, empregar suas forças a fim de acabar com o seu

sofrimento, o ser humano procura simultaneamente encontrar um sentido que o direcione

e que o motive nesse processo de resiliência. A busca de sentido, caracteriza a busca de

uma resposta, portanto, resiliência e sentido se conjugam no processo de experiência do

sofrimento.

2.1 RESILIÊNCIA

A compreensão do termo resiliência aplicada ao comportamento humano é recente

se comparada a outros termos que se aproximam do processo de resiliência, tais como:

superação, resistência, recuperação, fortaleza entre outros. O termo resiliência atualmente

vem sendo empregado numa perspectiva antropológica por diversas áreas, como a

administração, a psicologia, sociologia, entre outras áreas que estudam o comportamento

humano. No entanto é importante salientar que o termo “resiliência” não tem sua origem

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no campo da abordagem comportamental do ser humano, e sim no estudo da física, como

nos afirma Sabbag:

Estranha a muitos que o conceito de resiliência não seja oriundo da psicologia,

e sim da engenharia, dos primeiros estudos em 1620 sobre a elasticidade de

materiais. Contudo, essa origem nos possibilita fazer uma interessante

metáfora sobre a resiliência. Resiliência deriva do latim, do verbo resilio (re +

salio) que significa “saltar para trás”, recuperar-se, voltar ao “normal”. Na

física, a resiliência é propriedade de corpos elásticos, que se deformam na

aplicação da força, absorvem energia e, quando cessa a força aplicada,

retornam à forma original usando a energia armazenada. (SABBAG, 2017,

p.24)

Ao abordar o termo resiliência, Sabbag (2017) discorre sobre a maneira com que

o termo foi sendo apropriado por outras áreas da ciência: na psicologia onde inicialmente

o termo passou a referir-se “à habilidade de recuperação após eventos estressantes,

traumas potenciais ou crises danosas” (SABBAG, 2017, p.25), posteriormente pela

sociologia onde o foco foi voltado para o estudo da resiliência em grupos ou comunidades

carentes inseridas num contexto de vulnerabilidade, e mais recentemente pela

administração onde o termo resiliência inicialmente esteve ligado às mudanças

significativas que ocorrem nas organizações e da capacidade de assimilação por parte da

organizações que lidam com essas mudanças.

Dentre essas áreas que abordam o conceito de resiliência, a abordagem da

psicologia é a que melhor nos insere numa abordagem comportamental do ser humano

frente ao sofrimento. É no campo da psicologia que sofrimento e resiliência encontram

um estudo significativo do comportamento humano, uma vez que o processo de

resiliência estará voltado para a capacidade do indivíduo de lidar com situações adversas

que podem afetá-lo integralmente. Nessa perspectiva, encontramos algumas definições

de resiliência aplicada ao indivíduo:

Resiliência é a competência de indivíduos ou organizações que fortalece,

permite enfrentar e até aprender com adversidades e desafios. É uma

competência porque pode ser aprimorada: reúne consciência, atitudes e

habilidades ativadas nos processos de enfrentamento de situações em todos os

campos da vida. (SABBAG, 2017, p.26)

Ou:

A definição que podemos propor para resiliência é simples: o processo

intersubjetivo que se organiza como uma das possíveis respostas após um

traumatismo, mas com peculiaridade de levar a retomada a algum tipo de

desenvolvimento. Contudo, compreende-se que o mais difícil a se descobrir

são as condições que permitem essa retomada. (CYRULNIK; CABRAL, 2015,

p.19)

Ou:

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Quando falamos de resiliência referimo-nos, principalmente à capacidade de

enfrentamento dos obstáculos, sem se deixar abater ou se corromper. O

indivíduo resiliente absorve o impacto do ambiente e desenvolve estratégias de

adaptação e de superação. (JUBRAM, 2017, p. 184)

É possível notar uma similaridade na conceituação do termo resiliência nos

autores apresentados, porém ao desenvolver sua abordagem sobre resiliência, cada autor

vê-se diante de um campo aberto para reflexão, tais como: A resiliência é uma

competência que pode ser desenvolvida? Ser resiliente, significa não sofrer? Resiliência

tem a ver com a personalidade do indivíduo? Uma vez resiliente, sempre resiliente? Estas

e tantas outras questões nos colocam diante de uma complexidade do termo resiliência,

que sendo objetiva e definida, enquanto no estudo da física, assume um papel subjetivo e

aberto a definições quando aplicado ao comportamento humano.

Ao conjugar resiliência e sofrimento, podemos encontrar algumas respostas que

nos auxiliam na compreensão da importância de entender o que é resiliência, e como ela

tem um papel fundamental na busca de sentido. Algumas respostas referem-se aqueles

questionamentos feitos no parágrafo anterior, por meio destas respostas podemos

construir uma compreensão da resiliência no processo de busca de sentido no sofrimento.

Na busca de sentido para o sofrimento, a resiliência contribui para que o indivíduo

encontre sua capacidade de lidar como o sofrimento, porém esse processo tem um caráter

pessoal, subjetivo, além dos fatores exteriores que colaboram com cada indivíduo na

busca de sentido. O estudo do comportamento pessoal e coletivo possibilita criar

ferramentas que possam ajudar o ser humano nas mais diversas áreas. Ao tratarmos sobre

resiliência, podemos afirmar que sua abordagem permite criar um conhecimento

necessário, que contribui para que cada indivíduo possa descobrir intrinsecamente sua

capacidade resiliente. Essa capacidade intrínseca de resiliência está presente em todos

indivíduos, porém “capacidade” não quer dizer propriamente realização, por isso,

resiliência é um processo, que cada indivíduo deve esforçar-se em colocar em prática,

mesmo com ajuda de fatores externos, porém sempre a partir de sua própria interioridade.

Nessa perspectiva, é importante compreender resiliência, como um processo, no

qual todo ser humano é capaz de desenvolver, como nos afirma Sabbag:

Assim, prefiro adotar a resiliência como processo (e não como atributo da

personalidade). Com essa premissa, resiliência é aptidão que pode ser

compreendida, praticada e, portanto, desenvolvida. Ela agrega estratégias que

podem ser aprendidas, dado o seu conteúdo cognitivo, e pode ser reforçada,

dado o conteúdo emocional envolvido. (SABBAG, 2017, p.14)

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Ou ainda:

A resiliência tem pouco a ver com a personalidade do indivíduo, prefiro julgar

que é uma competência que pode ser desenvolvida em qualquer um de nós.

Não depende de inteligência, nível educacional, classe social, idade, gênero ou

nacionalidade. Está ao alcance de todos e de quem quiser. (SABBAG, 2017,

p.6)

Essa compreensão de resiliência como processo afirmada por Sabbag, enriquece

a abordagem da busca de sentido para o sofrimento, pois nessa perspectiva, resiliência

torna-se um fator motivador, impulsionador para o ser humano colocar-se na busca de

respostas diante do sofrimento. Um indivíduo que esteja sofrendo, a priori sem uma

perspectiva resiliente, pode então na busca de sentido, descobrir sua capacidade resiliente,

e mesmo essa busca podemos entender como um início do processo de resiliência, pois é

uma reação diante do sofrimento. Ser resiliente, não significa ausência de sofrimento ou

adversidades e obstáculos, mas sim como lidar com elas sem ficar estagnado, sem reação.

Essa correlação de resiliência e sofrimento pode ser compreendida nas palavras de

Jubram:

A “habilidade de superar adversidades” – termo adorado por muitos autores

para nomear a resiliência – não significa que o indivíduo passe pelo processo

sem que haja desgaste ou sofrimento. E quando falamos em sofrimento,

estamos considerando tanto o sofrimento físico, quanto o psicológico, tristeza,

angústia, ansiedade e até mesmo momentos de desespero ou depressão podem

ser experimentados por um indivíduo considerado resiliente. Assim como os

sintomas físicos: insônia, dores causadas por tensões musculares, inapetência,

cansaço, sudorese e as somatizações em geral, causadas pelo impacto sofrido

– até o momento no qual o indivíduo retorna à condição anterior ao impacto.

(JUBRAM, 2017, p.170)

Por se tratar de fatores também subjetivos de cada indivíduo, o processo de

resiliência é complexo, e exige uma busca pessoal de cada indivíduo, pois a própria

história, experiências, assimilações, entre outros, vão colaborar no processo de

desenvolvimento da resiliência, segundo Jubram:

Nesse espaço de tempo, que é subjetivo e indefinido, ocorrem uma série de

desconfortos que não podem ser negados e uma intensidade que também não

pode ser mensurada, a não ser pelo próprio sujeito. Em síntese, estamos

falando, portanto da notável capacidade de se refazer do sofrimento, e não da

“impossível” capacidade de não sofrer, quando o ambiente nos apresenta as

mais terríveis condições. (JUBRAM, 2017, p. 171)

Podemos verificar que a abordagem da resiliência é complexa, tal como podemos

afirmar sobre o sofrimento, por se tratarem de fatores que afetam o ser humano

subjetivamente. O importante é ter a compreensão básica que nos permite entender o

processo humano de lidar com o sofrimento por meio da resiliência, e como já abordado

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pela busca de sentido. O ser humano capaz de suportar, de superar, lidar, enfrentar,

resistir, às adversidades e ao sofrimento, encontra nesse processo a busca de sentido.

Nesse contexto, resiliência, sofrimento e sentido se conjugam num processo importante

para o ser humano.

2.1.1 Resiliência e a Virtude da Fortaleza

Embora o termo resiliência, conforme apresentado, seja um termo recentemente

aplicado ao comportamento do ser humano, podemos inferir a partir de sua compreensão

sua aproximação com a virtude da Fortaleza. Nessa perspectiva o termo resiliência ganha,

no campo da abordagem teológica, um significado mais profundo em diálogo com o

sofrimento.

Podemos iniciar, a reflexão a partir da compreensão da virtude da Fortaleza:

A fortaleza é a virtude moral que dá segurança nas dificuldades, firmeza e

constância na procura do bem. Ela firma a resolução de resistir às tentações e

superar os obstáculos na vida moral. A virtude da fortaleza nos torna capazes

de vencer o medo, inclusive da morte, de suportar a provação e as perseguições.

Dispõe a pessoa a aceitar até a renúncia e o sacrifício de sua vida para defender

uma causa justa. (CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA, n. 1808)

Do mesmo modo que a resiliência pode ser compreendida como uma competência

e pode ser desenvolvida pelo indivíduo, a virtude fortaleza é compreendida como:

Uma disposição habitual e firme para fazer o bem. Permite à pessoa não só

praticar atos bons mas dar o melhor de si. Com todas as suas forças sensíveis

e espirituais, a pessoa virtuosa tende ao bem, procura-o e escolhe-o na prática

[...] são atitudes firmes, disposições estáveis, perfeições habituais da

inteligência e da vontade que regulam nossos atos, ordenando nossas paixões

e guiando-nos segundo a razão e a fé. Propiciam, assim, facilidade, domínio e

alegria para levar uma vida moralmente boa. Pessoa virtuosa é aquela que

livremente pratica o bem. As virtudes morais são adquiridas humanamente.

São os frutos e o germes de atos moralmente bons; dispõem todas as forças do

ser humano para entrar em comunhão com o amor divino. ” (CATECISMO

DA IGREJA CATÓLICA, n. 1803-1804)

Compreender a resiliência na ótica da virtude da fortaleza, enriquece a reflexão da

busca de sentido para o sofrimento na abordagem teológica, pois se une à dimensão da fé

e alcança outras dimensões da própria experiência espiritual do indivíduo.

Como na resiliência, a virtude da fortaleza conduz o ser humano a uma superação

das dificuldades diante do sofrimento, de seus limites na busca de um bem maior:

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A virtude da fortaleza requer sempre alguma superação da fraqueza humana e

sobretudo do medo. O homem, de facto, por natureza teme espontaneamente o

perigo, os dissabores e os sofrimentos. Preciso, por isso, procurar os homens

corajosos não só nos campos de batalha, mas também nas salas dum hospital

ou num leito de dor. Tais homens podiam-se encontrar muitas vezes nos

campos de concentração e nos locais de deportação. Eram autênticos heróis.

O medo tira, às vezes, a coragem cívica aos homens que vivem num clima de

ameaça, de opressão ou de perseguição. Especial valor tem então os homens

que são capazes de transpor a chamada barreira do medo, com o fim de

testemunhar a verdade e a justiça. Para chegar a tal fortaleza, o homem deve

em certo modo "ultrapassar" os próprios limites e "superar-se" a si mesmo,

correndo "o risco" de uma situação desconhecida, o risco de ser mal visto, o

risco de expor-se a consequências desagradáveis, injúrias, degradações, perdas

materiais, talvez a prisão ou as perseguições. Para conseguir tal fortaleza, o

homem precisa ser sustentado por grande amor pela verdade e pelo bem, a que

se dedica. A virtude da fortaleza anda a par com a capacidade de cada um a

sacrificar-se. Esta virtude tinha já para os antigos um perfil bem definido. Com

Cristo adquiriu um perfil evangélico, cristão. O Evangelho dirige-se aos

homens fracos, pobres, mansos e humildes, mensageiros de paz,

misericordiosos e, ao mesmo tempo, contém em si constante apelo à fortaleza.

Repete muitas vezes: Não tenhais medo (Mt 14, 27). Ensina ao homem que,

por uma justa causa, pela verdade, pela justiça, é preciso saber dar a

vida (Jo 15, 13). (JOÃO PAULO II, 1978)

As palavras de João Paulo II demostram a capacidade do ser humano de lidar com

o sofrimento, tendo em vista uma causa maior, “sustentado por grande amor pela verdade

e pelo bem” pela vivência da virtude da fortaleza. Os termos que conotam a virtude da

fortaleza em suas palavras, nos remetem ao processo de resiliência apresentado

anteriormente: “ultrapassar os próprios limites”, “superar-se a si mesmo”, “ser sustentado

por...”, “capacidade de sacrificar-se”, “por uma justa causa”. Dentro dessa vivência da

virtude da fortaleza, continua:

Temos necessidade de fortaleza para ser homens. De fato, só é homem

verdadeiramente prudente aquele que possui a virtude da fortaleza; assim como

também só é homem verdadeiramente justo aquele que tem a virtude da

fortaleza. Peçamos este dom do Espírito Santo que se chama o "dom da

fortaleza". Quando ao homem faltam as forças para "superar-se" a si mesmo

em vista de valores superiores — como a verdade, a justiça, a vocação e a

fidelidade matrimonial — é necessário que este "dom do alto" faça de cada um

de nós um homem forte e, no devido momento, nos diga "no íntimo": coragem!

(JOÃO PAULO II, 1978)

Nessas palavras de João Paulo II, encontramos um elemento de suma importância

para nossa reflexão, ele nos fala de “dom da fortaleza” que deve ser pedido ao Espírito

Santo. Essa dimensão da fortaleza como dom do Espírito Santo, enriquece profundamente

nossa compreensão de resiliência na busca de sentido pelo viés da fé. Nessa perspectiva

no processo de resiliência o ser humano pode contar com o auxílio do Espírito Santo; é

uma ação de Deus junto ao ser humano.

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O Papa Francisco, em uma de suas catequeses, ao refletir sobre o dom da fortaleza

nos afirma:

Mas, pensemos naqueles homens, naquelas mulheres, que enfrentam uma vida

difícil, lutam para sustentar a família, educar os filhos: fazem tudo isto porque

há o espírito de fortaleza que os ajuda. Quantos homens e mulheres — nós não

conhecemos os seus nomes — honram o nosso povo, honram a nossa Igreja,

porque são fortes: fortes ao levar em frente a própria vida, a própria família, o

seu trabalho, a sua fé. Estes nossos irmãos e irmãs são santos, santos no dia-a-

dia, santos escondidos no meio de nós: têm precisamente o dom da fortaleza

para cumprir o seu dever de pessoas, pais, mães, irmãos, irmãs, cidadãos.

Temos muitos! Agradecemos ao Senhor por estes cristãos que têm uma

santidade escondida: é o Espírito Santo que têm dentro que os leva em frente!

E far-nos-á bem pensar nestas pessoas: se eles têm tudo isto, se eles o podem

fazer, por que nós não? E far-nos-á bem também pedir ao Senhor que nos dê o

dom da fortaleza. (FRANCISCO, 2014)

Podemos verificar nesse contexto, que o dom da fortaleza é dado ao ser humano

pelo Espírito Santo, para vivência da virtude da fortaleza, é um auxílio de Deus que

coopera com o ser humano na busca do bem. Podemos simplificar essa compreensão na

seguinte afirmação:

A virtude da Fortaleza habilita-nos a perseguir o difícil bem na jornada

espiritual. O Dom da Fortaleza, entretanto, leva-nos muito mais longe. Ele dá

energia para superar os principais obstáculos no caminho do crescimento

espiritual; é um reforço enorme da natural e inspirada virtude da fortaleza.

(KEATING, 2010, p.47)

O processo de resiliência pode, na perspectiva da busca de sentido pela fé, ser

visto nesta aproximação da virtude da fortaleza, sustentada pelo Espírito Santo, como

dom concedido ao ser humano para que alcance o bem, colocando-o diante da sua

capacidade de superação, como nos afirma o Papa Francisco:

Queridos amigos, por vezes, podemos ser tentados a deixar-nos levar pela

inércia ou pior pelo desconforto, sobretudo diante das dificuldades e das

provações da vida. Nestes casos, não desanimemos, invoquemos o Espírito

Santo, para que com o dom da fortaleza possa aliviar o nosso coração e

comunicar nova força e entusiasmo à nossa vida e à nossa sequela de Jesus.

(FRANCISCO, 2014).

Esse “bem”, que caracteriza a busca do ser humano na vivência das virtudes, é

também o fator que motiva o processo de resiliência, é a busca do sentido que caracteriza

essa capacidade do ser humano em vista de uma causa maior.

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2.2 SENTIDO

O termo “sentido” pode ser considerado de modo bem amplo, desde uma

abordagem psicofisiológica que o aponta como sendo: “cada uma das funções

psicofisiológica pelas quais um organismo recebe informações do meio externo, de

natureza física (visão, audição, sensibilidade à pressão, ao tato) ou química (gosto,

olfato)” (LAROUSSE, 2008, p. 728), a uma abordagem existencial, filosófica: “Sentido

compreende tanto a capacidade de receber sensações quanto à consciência que se tem das

sensações, e em geral, das próprias ações: capacidade que na filosofia moderna é chamada

mais frequentemente de sentido interno ou reflexão” (ABBAGNANO, 1992, p. 1039).

Dentro da amplitude de abordagem sobre o sentido, podemos encontrar a

abordagem existencial, mais ligada à concepção que encontramos na descrição de

Abbagnano (1992, p. 1039) “quanto à consciência que se tem das sensações”. O sentido

na perspectiva da “consciência” ganha profundo significado, pois coloca o ser humano

dentro daquilo que o distingue dentre todos os outros seres vivos; a capacidade racional

e que eleva o sentido para uma esfera de interioridade, em termos filosóficos Abbagnano

(1992, p.217) nos afirma “é só por existir uma esfera de interioridade, que é uma realidade

privilegiada, de natureza superior ou, de qualquer forma, acessível ou mais indubitável

para o ser humano, que a consciência constitui um instrumento importante de

conhecimento e de orientação prática”.

O sentido pode ser visto como um processo reflexivo próprio do ser humano, e

que possui um caráter pessoal, ainda que processos coletivos exteriores possam

corroborar nesse caráter pessoal de reflexão. Esse caráter pessoal do sentido, torna-se um

campo vasto para o estudo do termo, pois embora seja de caráter pessoal suas

manifestações ganharão relevo no campo social.

A complexidade da abordagem sobre o sentido, nos coloca diante de várias

vertentes: psicofisiológica, filosófica, teológica, sociológica entre outras. Dentre essas

variáveis encontramos a busca do ser humano de dar sentido às realidades naturais e

existenciais que por vezes ultrapassam o campo concreto da experiência e atinge seu

campo metafísico.6 Na busca dessas respostas encontramos dois grandes questionamentos

6 Apontar para um “campo metafisico” no estudo do sentido, tem por objetivo ressaltar que a busca de

sentido ultrapassa o campo da ciência experimental e alcança o nível da capacidade de reflexão a partir de

realidades transcendentais.

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feitos pelo ser humano no decorrer de sua existência: Qual o sentido da vida? e Qual é o

sentido do sofrimento?.7

A própria complexidade da reflexão sobre a vida e o sofrimento em suas possíveis

abordagens nos colocam diante dessa busca de sentido, ou seja, cada ciência ao seu modo

procurará dar uma resposta à vida e ao sofrimento segundo seu método próprio.

Para fins de uma reflexão existencial, no que tange à busca de respostas a

realidades que transcendem o ser humano, como algumas dimensões do sofrimento8,

podemos refletir na perspectiva teológica o sentido da vida e do sofrimento, sendo

necessário porém, compreender o próprio significado de sentido.

2.2.1 A compreensão de “sentido”.

Para realizar o estudo sobre o sentido da vida e do sofrimento, é imprescindível

primeiramente compreender o significado de sentido, para melhor direcionar a

abordagem do estudo.

Segundo Boff (2014), essa busca de compreender o significado de sentido, antes

de empreender-se na busca do sentido da vida, ou outra dimensão é de suma importância,

pois como método é preciso saber o que se busca para então poder empreender a busca:

Antes, pois, de discutir teoricamente a questão do sentido, é preciso proceder

a esta operação elementar: fazer um esclarecimento semântico do termo

“sentido”. Esse é um trabalho fundamentalmente conceitual. Ele busca afinar

os instrumentos linguísticos e ordená-los de modo que contribuam a produzir

clareza, especialmente nessa questão, que hoje se mostra bastante confusa.

(BOFF, 2014, p. 12)

Segundo o autor, podemos compreender o sentido em três perspectivas: sentido

como finalidade, sentido como valor e sentido como direção:

2.2.1.1 Sentido como finalidade.

Para compreender o sentido como finalidade, Boff (2014), faz uma comparação

entre o termo fim e finalidade, que aparentemente parecem conotar o mesmo conteúdo,

porém segundo o autor: “fim é um termo equívoco: pode significar, positivamente,

7 Sofrimento visto naquela compreensão citada por Giglio (2006) no capítulo anterior, que transcende a

ordem física a saber: psicológico, espiritual existencial. (Podemos acrescentar também: moral). 8 Importante considerar nesse aspecto o sofrimento além de suas manifestações físicas, como apresentado

no capítulo anterior.

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“objetivo”, mas também, negativamente, “extinção”. [...] temos, pois aí, duas acepções

diversas, se não contrárias” (BOFF, 2014, p. 13). Porém ressalta que o termo fim é mais

consagrado, e ao usar o termo fim, aplica-lhe essa conotação de finalidade enquanto

objetivo e não como extinção.

O próprio conceito de fim/finalidade foi sendo estudado no decorrer da história

principalmente pela filosofia, e foi encontrando sua compreensão nas diferentes correntes

de pensamento, e definições dos grandes filósofos. Dentro do pensamento filosófico o

conceito de fim, está ligado a outros termos que articulam a ideia de sua própria

compreensão. Na perspectiva aristotélica encontramos o fim, como o “ que põe em

movimento todas as outras causas, inclusive a eficiente, de sorte que, sem ele, nada se

move. É como dizer sem sentido, tudo para, e é a morte”. (BOFF, 2014, p. 14).

Sentido, compreendido como finalidade, tem em vista o que está à frente, o que

estar por vir, ou que se espera como resultado, finalidade. Sobre essa ótica, Boff (2014)

afirma que não somente as filosofias, mas também as religiões orientaram a questão do

sentido em termos de fim ou finalidade, ao colocar sobre suas questões o uso do “para

que”, (Para que fomos criados? Para que Deus nos criou?), mesmo que em outros casos

as perguntas sejam formúlas com o uso de “por que? ”, este por sua vez tem valor de

“para que? ”, o que importa é considerar que dentro desses questionamentos está a busca

de sentido.

Nessa compreensão de sentido enquanto finalidade, Boff (2014, p. 14) afirma, “é

pois, a intenção da mente, enquanto visa um fim, que põe em movimento as coisas,

conferindo-lhes, assim um sentido.”.

Podemos concluir, que sentido como finalidade, tem em vista a causa final, “mas

é um olhar para frente, visando o “fim”, como aquilo que motiva o viver, aquilo que atrai

a vida para frente e para cima”. (BOFF, 2014, p. 17)

2.2.1.2 Sentido como valor.

Sentido pode ser compreendido também como valor, para Boff (2014) a

dimensão de valor é correlacionada à finalidade, falar em valor é falar em finalidade e,

portanto, falar de sentido. A compreensão de valor como sentido, deriva também do

pensamento filosófico, no qual o termo “valor” é tido como o “bem”, para Aristóteles

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esse “ bem é o que cada coisa busca”, nestes termos o “bem” constitui o “fim” do que se

busca.

Essa compreensão de “valor” como “bem”, aplica um sentido imanente ao ser,

aponta que o ser, a coisa, é boa em si mesma. Valor está ligado a algo mais profundo do

que finalidade, é um valor em si do ser, podemos entender melhor essa distinção quando

falarmos de valor da vida, ou finalidade da vida por exemplo, segundo Boff:

De fato, dizer “ a vida tem valor” sublinha que ela é boa em si mesma, que seu

sentido lhe é imanente. É a experiência da vida enquanto ela “flui”, ou seja,

quando “as coisas vão bem”. Já dizer “ a vida tem uma finalidade” destaca que

ela vai dar num termo bom, apesar de, no momento atual, “as coisas

atravessarem”. (BOFF, 2014, p.19)

Essa noção de bem, quanto ao ser, aquilo que é bem em si mesmo, nos coloca

diante do sentido, pois “quanto mais ser e bem tem uma coisa, tanto mais valor possui”

(Boff, 2014, p.20), a questão de valor tem uma dimensão mais profunda do que aquela

usualmente conhecida, nas palavras de Boff:

A constituição “valoral” das coisas é uma propriedade ontológica delas, e não

uma qualidade meramente subjetiva, nelas projetada por via lógica ou

psicológica. Quanto mais densidade ontológica tem um ser, mais valor tem e,

portanto, mais sentido. Se é assim, Deus, portanto, sendo Ser subsistente, não

“tem” propriamente sentido: ele “é” eminentemente o Sentido” (BOFF, 2014,

p.20)

Podemos verificar, que ao falar de sentido como valor, temos uma relação também

com finalidade, mas o valor enquanto um bem, de propriedade ontológica nos coloca

diante de uma realidade transcendental do próprio ser. O Sentido nesse caso, atribui um

valor ontológico, transcendental, que está em todas as coisas, e esse sentido encontra

maior ou menor valor na capacidade do “ser”, por exemplo “um ser ínfimo, como um

grão de pó, contém pouco ser e, por isso, tem um valor reduzido e, daí também, um sentido

pobre” (BOFF, 2014, p.20).

Embora, essa compreensão do sentido como valor, nos coloque diante de uma

compreensão mais filosófica e exigiria um estudo mais aprofundado, podemos nos deter

na compreensão sucinta de que o sentido pode ser considerado na dimensão própria “de

valor” que se tem em si mesmo, um valor, o bem em si mesmo, na capacidade do “ser”.

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2.2.1.3 Sentido como direção.

Uma terceira e última dimensão de sentido que podemos apresentar é a de sentido

como direção, segundo Boff (2014) ao falar de sentido no ponto de vista estritamente

semântico, a primeira acepção não é de fim, mas de direção, orientação, rumo:

Portanto, na base de “sentido” temos a ideia de relação a outra coisa, de

referência a uma alteridade, de remissão a algo que está fora ou além. Uma

representação formal dessa ideia poderia ser um vetor, ou, mais concretamente,

uma seta. Essa ideia de “para” é o fundo comum presente em todas as acepções

de “sentido”, não importa o plano em que se situem” (BOFF, 2014, p.23)

O sentido como direção, tem uma conotação de algo exterior que indica, que

aponta; mas esse sentido está ligado àqueles sentidos anteriores, de finalidade e valor. Se

sentido como finalidade e valor, estão voltados para um fim e para o bem em si mesmo;

o sentido como direção está ligado também a uma expressão exterior de ser, tomando

como exemplo a reflexão do sentido da vida, Boff afirma:

“Passando do plano semântico para o existencial, “ter um sentido na vida” é

ter uma direção de vida. Isso significa concretamente ter um caminho ético e

espiritual. Assim, o sentido da vida consiste em ter uma regra de ação, uma

conduta interior e exterior, um projeto fundamental de vida, uma posição de

existência. (BOFF, 2014, p.24)

O sentido como direção, segundo o autor, está intimamente ligado ao sentido de

finalidade, pois direção supõe um fim, um destino, um alvo; ter um “por onde” andar,

supõe ter um “para onde” ir.

Na abordagem do sentido, podemos verificar uma compreensão mais profunda

apresentada por Boff, em síntese:

“Sentido” é fundamentalmente “fim”. “Fim” é sempre um “valor” ou um

“bem” que o ser humano e as coisas em geral buscam. Portanto, falar em

“sentido da vida” é falar na “finalidade da vida” ou no “valor da vida”, real ou

potencial que seja. Ademais, o fim é uma potência extremamente ativa. É uma

causa: a “causa final”. Tal causa tem o primado sobre todas as outras. É ela

que confere à vida: direção ética e espiritual, razão de ser ou inteligibilidade,

motivação ou estímulo para viver, esperança de chegar à própria realização,

centralidade e harmonia de viver e, ainda, alegria de estar no caminho certo e

encantamento ou graça em tudo o que se vive e se faz. ” (BOFF, 2014, p.35)

Essa compreensão foi apresentada aqui de modo superficial, porém suficiente

para nos permitir entender as três dimensões de sentido, que se correlacionam e que nos

permitirá apontar uma melhor abordagem sobre o sentido do sofrimento mais adiante na

perspectiva da Fé.

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2.2.2 O sentido da Vida

Ao refletirmos sobre o sentido da vida, podemos fazer menção às duas citações já

feitas anteriormente, a ideia de Callia (2005), no qual afirma que com o advento da

consciência a morte passou a ocupar uma posição básica na existência da humanidade,

reforçando que o ser humano é o único ser vivo que pensa a sua existência, e a definição

de Abbagnano (1992) que aponta para a consciência que o ser humano tem de suas

sensações e das próprias ações. Partindo dessas duas afirmações, podemos verificar a

capacidade que o ser humano tem no uso de sua razão, de refletir sobre sua existência e

poder direcionar por meio de sua reflexão suas ações em vista de dar um sentido à sua

vida. Essa ideia pode ser melhor compreendida na seguinte definição:

Desde os primitivos gráficos da pré-história até às multíplices expressões

artísticas e literárias, bem como às incessantes inovações tecnológicas, deseja

o homem comunicar a inteligência adquirida acerca do real, acerca da sua

expressão e da sua interpretação. Em toda a comunicação humana está sempre

presente, de modo mais ou menos patente, a proposta de um significado para a

existência. [...] Ele exprime, assim a concepção que tem a realidade, manifesta

a intuição e a consciência alcançada acerca do mistério da sua origem e do seu

destino último. E isto ele realiza com a linguagem cotidiana, com a ciência,

com a filosofia, com a arte, com a oração. (SCHLESINGER e PORTO, 1995,

p. 2345).

Podemos verificar, segundo Schlesinger e Porto (1995), que o ser humano em toda

sua história buscou um significado para sua existência, ou seja, a reflexão e a busca sobre

o sentido da vida sempre estiveram presentes na realidade humana.

A reflexão sobre o sentido da vida nos coloca diante inúmeras possibilidades de

abordagens, nesse aspecto, podemos ver a complexidade do tema. Para fins desse

trabalho, importante é considerar essa busca do ser humano de refletir, de conhecer suas

realidades, e buscar respostas frente a seus questionamentos. Concomitante a busca do

sentido da vida, o ser humano depara-se com as variadas realidades que essa mesma vida

se apresenta diante de sua reflexão, surge então, a busca de compreensão sobre a

felicidade, o sofrimento, o amor, as angústias, etc.

Buscar compreender o sentido do sofrimento, é buscar ao mesmo tempo, dar uma

resposta ao sentido da vida daquele que sofre. Podemos verificar, que há indivíduos que

diante do sofrimento, afirmam perder o sentido da vida. Possibilitar uma compreensão do

sentido sobre o sofrimento, é ampliar a compreensão do sentido da própria vida.

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A busca de compreensão sobre o sentido da vida, pode ser vista a partir da

compreensão sobre sentido apresentado por Boff (2014) em que sentido tem suas

dimensões de finalidade, valor e direção. Sem aprofundar-se nessas dimensões, por sua

profunda complexidade, fica-nos a ideia central, dessa busca do ser humano de

compreender o sentido da vida, que perpassou toda a história humana, como afirma Boff:

Qual é o sentido da vida? É uma pergunta recorrente, nunca totalmente

aquietada. É a questão decisiva de todo ser humano. Ela não diz respeito a isso

ou àquilo, mas à existência como um todo e ao mundo em geral. E não é uma

questão de ontem ou de hoje, mas de sempre, porque humana, existencial.

(BOFF, 2014, p. 7)

A busca da compreensão do sentido da vida, é o eixo principal da busca de sentido,

porque “vida”, conota a totalidade do ser humano. Toda busca de sentido, culminará na

compreensão do próprio ser humano, pois como já apresentado, o ser humano é o único

ser que pode pensar sua existência. (CALLIA 2005).

2.2.3 O sentido do Sofrimento

Após uma abordagem sobre o sofrimento, resiliência, e sentido, nos aproximamos

da grande questão em torno do sofrimento, a busca de uma resposta que possa

corresponder aos anseios interiores daqueles que buscam o sentido no sofrimento.

Para uma abordagem que conjugue sentido e sofrimento, devemos primeiramente

elaborar bem o caminho de reflexão, para não correr o risco de nos perdermos na

interpretação da resposta. Podemos falar de “buscar o sentido do sofrimento” ou “buscar

sentido no sofrimento”. A primeira abordagem nos remeteria ao sentido como razão,

consequência, por meio das causas do sofrimento, a questão seria por exemplo “Por quê

sofremos? ” e nos indicaria um caminho talvez, mais antropológico, enquanto a segunda

abordagem nos coloca diante do sentido como direção, tendo conhecimento do sofrimento

busca-se fatores para dar uma finalidade, na segunda abordagem a questão seria “Para

que sofremos?”.

As duas questões o “por que?” e “para quê?” se relacionam, pois as duas

constituem-se da mesma realidade, porém o sentido de “para” transcende os dados

antropológicos e coloca o ser humano diante de sua capacidade transcendental de acordo

com sua escolha na busca de sentido. Podemos verificar que:

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No fundo de cada sofrimento experimentado pelo homem, como também na

base de todo o mundo dos sofrimentos, aparece inevitavelmente a pergunta:

por quê? É uma pergunta acerca da causa, da razão e também acerca da

finalidade (para quê?); trata-se sempre, afinal de uma pergunta acerca do

sentido. (SALVIFICI DOLORIS, n.9)

Podemos nos questionar de que maneira então, encontramos uma resposta para

estas questões que remetem à busca de sentido do/no sofrimento? Que caminho devemos

empreender para alcançar um sentido que responda aos anseios de cada ser humano diante

do sofrimento? Estes e muitos outros questionamentos que podem surgir, nos colocam

diante de uma necessidade objetiva de exposição dos meios que possam ser empregados

a fim de alcançar uma resposta. Certo é que:

O sofrimento constitui um espaço singular de busca de sentido. É diante do

sofrimento que o ser humano prova para si mesmo sua capacidade de resistir,

de fazer frente às situações mais duras e adversas da vida, de atribuir um

sentido à realidade que vive e que o cerca, de avaliar o valor do próprio

sofrimento no concreto da vida. O sentido torna-se possibilidade de significar

a situação de sofrimento e transformá-lo em espaço privilegiado de

aprendizado na construção de si mesmo e dos próprios ideais de vida. [...] o

sofrimento tem sentido quando se tem um motivo par tal, ou quando se atribui

um motivo. (SELLI, 2008, p. 122)

Nessa mesma perspectiva Kovács nos afirma que:

O sofrimento pode ser a possibilidade de buscar sentido, rever situações,

chacoalhar a apatia. Observamos que, atualmente , há uma tendência de logo

eliminar o sofrimento, como uma anestesia, impedindo um processo tão

importante implicado na expressão e elaboração da tristeza, na compreensão

do que pode ser levado à situação em questão. (KOVÁSCS, 2008, p.149)

É importante considerar que devido à multidimensionalidade do sofrimento, a

busca de sentido, embora possa ter elementos comuns exteriores, haverá sempre uma

dimensão interior, própria de cada indivíduo que pode contribuir distintamente nessa

busca de sentido.

A complexidade da abordagem sobre o sentido do sofrimento, que permitiu surgir

as diferentes possibilidades de reflexões a fim de dar uma resposta; certo é que, as

reflexões que buscam dar uma resposta ao sentido do sofrimento não podem ser dadas

por encerradas, uma vez que, como já dito anteriormente cada ser humano responderá

também por fatores intrínsecos próprios a essas reflexões.

A reflexão em torno do sentido do sofrimento vai perpassar os diferentes campos

do conhecimento: da filosofia, da teologia, da medicina, da psicologia, entre outros.

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Dentro da reflexão sobre o sentido do sofrimento, encontramos a ênfase dado pelas

religiões, que pode ser abordada de forma mais cientifica por meio da Teologia.

No estudo da teologia, que caminho de reflexão nos permite encontrar uma

resposta sobre o sentido do sofrimento? Para tentarmos chegar a uma resposta a essa

questão, podemos refletir por meio da Sagrada Escritura, e como apresentado no primeiro

Capítulo deste trabalho, o sentido pleno da Revelação de Deus, deu-se na pessoa de seu

Filho, Jesus Cristo.

Na perspectiva teológica, podemos afirmar que o cristianismo possibilitou ao ser

humano encontrar um sentido no sofrimento, e para encontrar esse sentido o ser humano

deve abrir-se à sua dimensão transcendental, pois o sentido do sofrimento no cristianismo

envolve o ser humano integralmente. Essa abertura do ser humano ao transcendental dá-

se por meio da fé, processo de adesão pessoal do homem a Deus, e vai alimentar sua busca

de sentido no sofrimento. Segundo Sanches (2008, p.39) “aqueles que aceitam a

existência do Transcendente, e que possivelmente vivem esta aceitação numa crença

religiosa bem específica, articulam um sentido para o mundo e para sua vida no mundo

com muito mais facilidade”.

A fé em Jesus Cristo, como instrumento na busca de sentido no sofrimento,

permite ao ser humano trilhar um caminho de descoberta do sentido da própria vida, pois

no sentido do sofrimento, pela fé em Cristo, encontrará uma dimensão mais profunda e

substancial, que é a própria participação da vida em Cristo, onde o sofrimento por sua vez

encontrará um sentido.

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3. FÉ E O SENTIDO PARA O SOFRIMENTO

Na busca de sentido para o sofrimento é imprescindível ao ser humano, reconhecer

que, seja qual for o caminho que colocar-se a trilhar, exigirá de si, uma resposta subjetiva,

interior, pessoal. São seus questionamentos, diante da multidimensionalidade de seu

próprio ser, enquanto corpo e razão. Nessa busca, a partir de sua capacidade resiliente,

podemos encontrar vários fatores que colaboram para que o ser humano encontre uma

resposta satisfatoriamente aceitável: é o amor pela família, sua autoestima, seu trabalho,

sua fé, entre muitos outros. Nessa resposta encontra-se o sentido, que por sua vez é

pessoal e ligado a cada momento que o indivíduo se situa, segundo afirma Victor Frankl:

Sentido é, por conseguinte, o sentido concreto em uma situação concreta. É

sempre “a exigência do momento”. Esta, por seu turno, encontra-se sempre

direcionada a uma pessoa concreta. E assim como cada situação tem sua

singularidade, de igual modo cada pessoa tem algo de singular. Cada dia, cada

hora, atende, pois com um novo sentido, e a cada homem espera um sentido

distinto. Existe, portanto, um sentido para cada um, e para cada um existe um

sentido especial. De tudo isso resulta o fato de que o sentido, de que aqui se

trata, deve mudar de situação para situação e de pessoa para pessoa. Ele é,

contudo, onipresente. Não há nenhuma situação na qual a vida cesse de

oferecer possibilidade de sentido e não há nenhuma pessoa para quem a vida

não coloque à disposição um dever. (FRANKL, 2015, p.26)

A fé, aparece como um instrumento que auxilia o ser humano na busca de uma

resposta diante de seu sofrimento, podemos dizer que conduz para aquele “sentido

especial”. A fé, no campo teológico, situa-se na relação do ser humano com o Ser

Transcendente, e o insere numa dinâmica de imanência (Deus se revela ao ser humano) e

de transcendência (o ser humano faz a experiência de Deus).

No estudo da Teologia, podemos encontrar o sofrimento de forma marcante na

relação do ser humano com Deus, no campo Bíblico – Teológico, essa relação de fé e

sofrimento vai ganhando um sentido que culmina na pessoa de Jesus Cristo. Podemos

então, falar do sofrimento a partir do Cristianismo, no caminho daquela busca de sentido

em que o ser humano se coloca diante do sofrimento. A resposta dessa busca de sentido

a partir do Cristianismo, só será possível de ser alcançada mediante a experiência de fé,

que não é um fator estático, mas dinâmico, vivo, multiforme.

Para compreender a fé, como meio de auxílio na busca de sentido para o

sofrimento, devemos primeiramente buscar compreender a própria fé, e a partir de sua

compreensão refletir como ela nos coloca diante do sentido para o sofrimento.

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3.1 FÉ

Para compreendermos a fé, podemos fazer um caminho de reflexão que nos

possibilite abranger seu conteúdo de forma sistêmica. Partindo do conceito encontrado

no dicionário podemos dizer que fé é uma “adesão total a um ideal, fidelidade em honrar

compromisso, lealdade, confiança em alguém ou alguma coisa, crença nos dogmas de

uma religião” (LAROUSSE, 2005. p.347).

Essa definição nos permite afirmar que a fé, é um elemento no qual o indivíduo

tem um papel ativo, ou seja, ele desempenha sua autonomia ao exercer sua fé, porém é

importante considerar que a fé, no campo teológico tem um significado bem mais

profundo. Na perspectiva de compreender fé no campo teológico, pelo viés do

Cristianismo, obrigatoriamente nos debruçamos sobre a Revelação Divina: é nesse

contexto de interação do ser humano com Deus, que a fé vai sendo vivenciada. Essa fé,

exclui aquelas concepções limitadas de definir fé, como simples ato de confiança a

alguém ou coisa, pois a fé na experiência da Revelação tem seu caráter transcendente e

imanente, o ser humano tem fé em Deus que se Revelou à humanidade:

A fé é primeiramente uma adesão pessoal do homem a Deus; é, ao mesmo

tempo e inseparavelmente, o assentimento livre à toda verdade que Deus

revelou. Como adesão pessoal a Deus e assentimento à verdade que ele

revelou, a fé cristã é diferente da fé em uma pessoa. É justo e bom entregar-se

totalmente a Deus e crer absolutamente no que ele diz. Seria vão e falso pôr tal

fé em uma criatura. (CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA, n.150)

Segundo essa definição dada pelo Catecismo da Igreja Católica, a fé, tem por

fundamento a “verdade que Deus revelou”. Ora, a revelação Divina tem sua plenitude na

pessoa de Jesus Cristo, o Filho de Deus, que se se fez homem para salvação da

humanidade9. De forma sucinta, podemos afirmar que o conjunto de verdades que

compõe a fé cristã, tem sua fonte e fim na pessoa de Jesus Cristo. Esse conjunto de

verdades, é em si, uma grande e profunda sistematização da Revelação de Deus, pois

compõe- se desde o Antigo Testamento, até culminar em Jesus Cristo, sendo Ele mesmo

a Verdade Revelada.10

9 Cf. Gálatas 4,4. 10 Cf. João 14,6.

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Do conjunto de verdades que compõe a fé cristã, deriva toda experiência da Igreja,

denominada “Tradição”; É da Revelação de Deus contida na Sagrada Escritura e na

Tradição da Igreja, que encontramos o depósito da nossa fé: “Portanto, esta Sagrada

Tradição, e a Sagrada Escritura dos dois Testamentos, são como que um espelho no qual

a Igreja, peregrina na terra, contempla a Deus, de quem tudo recebe, até chegar a vê-Lo

face a face qual ele é (cf. 1Jo 3,2) ”. (DEI VERBUM, n.7).

A compreensão da fé perpassa todos os campos da Teologia, é o fio condutor do

estudo teológico, é o pensar científico com a oração e exercício da fé, é fazer a Teologia

de joelhos:

Por isso, há um só modo de fazer teologia: de joelhos. Para nós, pensar a

teologia não se trata apenas de um ato piedoso de oração. Trata-se de uma

realidade dinâmica entre pensamento e oração. Uma teologia de joelhos é ousar

pensar rezando e rezar pensando. Implica um jogo, entre o passado e o

presente, entre o presente e o futuro. Entre o já e o ainda não. É uma

reciprocidade entre a Páscoa e tantas vidas não realizadas que nos perguntam:

onde está Deus? É santidade de pensamento e lucidez de amor. É, sobretudo,

humildade que nos permite colocar o nosso coração, a nossa mente em sintonia

com o «Deus sempre maior» Não devemos ter medo de nos pôr de joelhos

diante do altar da reflexão e de o fazer com «as alegrias e as esperanças, as

tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de quantos

sofrem» (Gaudium et spes, 1), diante do olhar d’Aquele que move todas as

coisas. (FRANCISCO, 2015)

A teologia nos coloca diante das várias possibilidades de abordagem sobre a fé,

podemos frisar essa experiência do ser humano com Deus, pela afirmação: “Deus, o

Totalmente-Outro, vem a nós e encontra-se em nosso caminho: eis o acontecimento a que

vai responder ao evento do ato de fé. Trata-se agora de saber onde, como, de que forma,

se realiza este acontecimento da “vinda” de Deus ao nosso encontro” (GIBIN, JUNIOR,

1979, p.20).

Esse encontro com o Totalmente-Outro, dá-se nas realidades da vida humana, mas

tem seu caráter transcendental, pois:

A fé cristã não surge da observação das estruturas e processos do mundo, e

neste sentido transcende tudo o que a razão pode descobrir por si mesma. Mas

este transcender não é um contradizer, mas um abranger. A partir da fé é

possível entender de maneira nova o mundo, mas a partir do mundo não é

possível mostrar a fé. (GONZALEZ, 2009, p.222)

Ao refletir a fé, na perspectiva da busca de sentido para o sofrimento, podemos a

partir da afirmação de Gibin e Junior (1979) ter no sofrimento esta “vinda” de Deus ao

encontro do ser humano. É justamente desse encontro, que o ser humano encontrará

sentido e na perspectiva de Gonzalez (2009) uma nova maneira de ver o mundo.

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Pela complexidade da compreensão da fé, na multidisciplinaridade da Teologia,

podemos nos restringir a abordar e compreender a fé a partir da busca do sentido para o

sofrimento.

3.1.1 A fé na busca de sentido para o sofrimento.

Pela compreensão que o estudo da fé é amplo e profundo no campo da Teologia,

podemos nos deter em alguns pontos relevantes para a compreensão da fé na busca de

sentido para o sofrimento. Podemos situar a fé, no contexto do indivíduo que sofre, e em

meio ao seu sofrimento busca um sentido para significá-lo. Perguntamo-nos como a fé

pode contribuir para essa busca de sentido? E como o indivíduo experimenta a fé?

Tomamos por base, um indivíduo que não se insere nesse contexto de uma adesão

à pessoa de Jesus Cristo, não fez uma experiência capaz de introduzi-lo na dinâmica da

fé e que se depara com o sofrimento, como poderá fazer uma experiência de fé? Tratamos

aqui, da fé que brota da experiência do sofrimento, onde o sofrimento é como que um

despertar para fé, é o caminho da busca de sentido, onde o ser humano sofredor encontra-

se com o Deus Amor, e a partir de sua experiência vai significando não somente seu

sofrimento, mas por meio deste, também sua vida. Nesse contexto, podemos compreender

que Deus não está a parte do sofrimento do ser humano. Já no Antigo Testamento uma

demonstração importante está no chamamento de Moisés para libertar o povo de Israel da

escravidão do Egito; libertação esta, central na vida do povo Judeu e de grande

significância na compreensão da História da Salvação no contexto cristão:

Iahweh disse: “Eu vi a miséria do meu povo que está no Egito. Ouvi o seu grito

por causa dos seus opressores: pois eu conheço as suas angústias, Por isso desci

a fim de libertá-lo da mão dos egípcios, e para fazê-lo subir desta terra para

uma terra boa e vasta, terra que mana leite e mel ... Agora o grito dos israelitas

chegou até mim, e também vejo a opressão com que os egípcios os estão

oprimindo. Vai, pois, e eu te enviarei a Faraó, para fazer sair do Egito o meu

povo, os israelitas. ” (Exôdo 3, 7-12)

A libertação do povo de Israel da escravidão egípcia é unida a uma promessa de

vida, mas uma promessa na qual o povo se põe a caminho e durante esse caminho o povo

vai conhecendo suas próprias limitações, e desafios, concomitante com a experiência de

Deus que se revela nessa caminhada.

Esse contexto que encontramos no Antigo Testamento, nos coloca diante da

possibilidade de reflexão na busca de sentido para o sofrimento, onde o indivíduo que

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sofre coloca-se a caminho da descoberta de sentido na medida em que se abrir à

possibilidade da promessa de Vida que Cristo oferece: “Eu vim para que tenham vida, e

a tenham em abundância” (João 10,10).

Fato similar nesse caminho de experiência de Deus no sofrimento, é a experiência

humana, que em meio ao sofrimento abre-se à sua dimensão transcendental, o povo no

deserto clamou por Iahweh; da mesma forma o ser humano que hoje sofre, pode buscar

sua resposta em Deus. Esse povo que liberto da escravidão egípcia, coloca-se a caminho

de uma promessa, vai defrontar-se com exigências necessárias para esse caminho, e estará

ligado necessariamente ao seu compromisso com Deus que os libertou. Nesse contexto

encontramos a Lei, dada a Moisés no Monte Sinai11, e podemos fazer menção à reflexão

feita no primeiro capítulo sobre a literatura deuteronomista, sobre a importância da Lei

na vida do povo de Israel.

Em suma, todo ser humano é capaz de Deus, e há fatores existenciais que são

como as chaves para sua experiência de fé:

O caráter compromissivo da fé, consiste em seus laços com a experiência: ter

fé significa existir de certo modo: “Para ter fé é preciso que haja uma situação

que dever ser produzida com um passo existencial do indivíduo”. Esse passo

marca a ruptura com o mundo e seu ideal de inteligibilidade. O que é crer? É

querer (o que se deve e por que se deve), em obediência reverente e absoluta,

defender-se do vão pensamento de querer compreender e da vã imaginação de

poder compreender”. Desse ponto de vista, a fé não é feita de certezas, mas de

decisão e risco. (ABBAGNANO,2012, p. 503)

Com base na afirmação de Abbagnano (2012), podemos ver nessa “situação que

deve ser produzida com um passo existencial do indivíduo” dentre outras, a experiência

do sofrimento. Essa situação, desperta no ser humano sua abertura ao transcendental, e

então coloca-o a caminho de uma experiência profunda da fé. Podemo-nos questionar,

sobre a fé em Iahweh no contexto da libertação apresentado, pois aquele povo naquela

experiência de sofrimento, já tinha seus fundamentos de fé no Deus que se revelou a

Abraão12. E quanto ao indivíduo que atualmente não se vê inserido na dinâmica da fé?

Não tem as bases, para compreensão da busca de Deus diante do seu sofrimento?

Para respondermos a essas questões podemos partir da ideia de que, sendo o

sofrimento essa “situação que deve ser produzida com um passo existencial do

indivíduo”, ela coloca o indivíduo a empreender-se em busca de uma resposta É nessa

11 Cf. Êxodo 34. 12 Cf. Gênesis, 17.

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busca que situamos a experiência de fé. E nessa experiência o indivíduo abre-se ao

transcendente, faz a adesão, passa a crer, e esse processo como citado por Abbagnano

(2012) exige “defender-se do vão pensamento de querer compreender e da vã imaginação

de poder compreender”. Com essa definição enquadramo-nos diante da afirmação

paulina: “A fé é a garantia dos bens que se esperam, a prova das realidades que não se

veem “ (Hebreus, 11,1).

Encontrar Deus, na busca de sentido para o sofrimento é no fundo, um despertar

da fé ao ser humano que se vê indiferente da existência de Deus. A fé dinamiza a busca

de sentido, e passa a assumir valores que condicionam a vida do ser humano. Deus não

inflige o sofrimento ao ser humano. O sofrimento insere-se na realidade humana própria

de matéria corruptível e demais dimensões de seu ser, “Ninguém, ao ser provado, deve

dizer. “É Deus que me prova”, pois Deus não pode ser provado pelo mal e a ninguém

prova. Antes, cada qual é provado pela própria concupiscência, que o arrasta e seduz. ”

(Tiago, 113-14). Mas diante do sofrimento, o ser humano pode despertar-se para

existência de Deus, segundo Lewis (1986, p.46) “Mas o sofrimento insiste em ser notado.

Deus sussurra em nossos prazeres, fala em nossa consciência, mas grita em nosso

sofrimento: ele é o seu megafone para despertar um mundo surdo”.

Na experiência do sofrimento, Deus se revela ao ser humano; o ser humano é

capaz de reconhecê-lo, pois seu chamado para comunhão com Deus, não se dá somente

pelo sofrimento, mas sim desde sua origem. O sofrimento é apenas uma realidade que

desperta o ser humano para essa comunhão já pré-existente ao seu sofrimento:

A razão mais sublime da dignidade do homem consiste na sua vocação à união

com Deus. É desde o começo da sua existência que o homem é convidado a

dialogar com Deus: pois, se existe, é só porque, criado por Deus por amor, e

por ele, por amor, constantemente conservado; nem pode viver plenamente

segundo a verdade, se não reconhecer livremente esse amor e entregar ao seu

Criador. (GAUDIUM ET SPES, n.19)

Em meio às realidades humanas, Deus se manifesta, em sua interação de amor.

Na dinamicidade da vida o ser humano depara-se com a possiblidade de reconhecer a

manifestação de Deus, tende a aceitá-lo livremente, ou a fechar-se em si mesmo,

rejeitando-O. O sofrimento coloca o ser humano diante dessas possiblidades, conforme

nos afirma o Catecismo da Igreja Católica:

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A enfermidade e o sofrimento sempre estiveram entre os problemas mais

graves da vida humana. Na doença, o homem experimenta sua impotência,

seus limites e sua finitude. Toda doença pode fazer-nos entrever a morte. A

enfermidade pode levar a pessoa à angústia, a fechar-se sobre si mesma, e às

vezes, ao desespero e à revolta contra Deus. Mas também pode tornar a pessoa

mais madura, ajudá-la a discernir em sua vida o que não é essencial, para

voltar-se àquilo que é essencial. Não raro, a doença provoca uma busca de

Deus, um retorno a Ele. (CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA, n.1500-

1501)

Essa dimensão do sofrimento na perspectiva da fé que aproxima o ser humano de

Deus, traz consigo aquela concepção da literatura sapiencial, e que no Novo Testamento

encontra sua plenitude em Jesus Cristo, onde pelo sofrimento o ser humano pode tornar-

se participante de seu sofrimento “à medida que participais dos sofrimentos de Cristo,

alegrai-vos, para que também na revelação da sua glória possais ter alegria transbordante”

(I Pedro, 414). Esse caminho de fé na busca de sentido do sofrimento, desperta o ser

humano para suas realidades, como já afirmado neste trabalho, dar um sentido para o

sofrimento é ao mesmo tempo encontrar um sentido para vida, como nos afirma Faus:

A Cruz, o sofrimento, purifica-nos, o sofrimento abre-nos os olhos para

panoramas de vida maiores, mais verdadeiros e mais belos. O sofrimento

ajuda-nos a escalar os cumes do amor a Deus e do amor ao próximo. São

inúmeras as histórias de homens e mulheres que sacudidos pelo sofrimento,

acordaram: adquiriram uma nova visão – que antes era impedida pela vaidade,

pela cobiça e pelas futilidades – e perceberam, com olhos mais puros, que o

que vale a pena de verdade na vida é Deus que nunca morre, nem trai, nem

quebra, descobriram que nEle se acha o verdadeiro amor pelo qual todos

ansiamos e que nenhuma outra coisa consegue satisfazer... perceberam, enfim

que os outros também sofrem, e por isso decidiram-se a esquecer-se de si

mesmo e dedicar-se a aliviá-los e ajudá-los a bem sofrer. (2001, p. 39)

A experiência de fé tem suas variadas manifestações, de modo sucinto na

perspectiva da busca de sentido para o sofrimento, podemos verificar a participação do

ser humano na experiência de fé, e de Deus que se revela na pessoa de seu Filho Jesus

Cristo que assumiu o sofrimento por obediência.13

Uma última consideração a ser feita é, como já abordado anteriormente, que a fé,

na perspectiva do cristianismo tem sua fonte e fim em Jesus Cristo, em quem encontramos

a plenitude da Revelação de Deus. Portanto, fazer uma experiência de fé, é fazer uma

experiência com a pessoa de Jesus Cristo, “com os olhos fixos naquele que é o iniciador

e consumador da fé, Jesus” (Hebreus 12,2) e o seu testemunho de Paixão nos insere por

excelência no sentido do sofrimento.

13 Cf. Filipenses 2,8.

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Na experiência do sofrimento, a adesão a Jesus Cristo, insere o cristão em uma

experiência profunda de fé, a dinamicidade de sua experiência o condiciona a uma

profunda compreensão do sentido. Podemos a partir da fé em Jesus Cristo, encontrar o

sentido para o sofrimento, esse caminho de reflexão nos coloca diante de três grandes

áreas da Teologia a saber: escatológica, soteriológica e eclesiológica, entre outras áreas,

porém detemo-nos nessas três citadas para podermos situar a fé no contexto de sentido

apresentado por Boff (2014).

A reflexão a seguir, insere a experiência da fé, como busca de sentido para o

sofrimento; esse sentido encontra-se nas dimensões teológicas apresentadas, não visa

fazer um estudo aprofundado sobre tais dimensões, apenas conjugar a ideia básica de cada

dimensão elevando a experiência do sofrimento na perspectiva da fé em Jesus Cristo

naquela compreensão de sentido apresentada por Boff (2014) refletida no capítulo

anterior.

3.1.1.1 Fé na dimensão escatológica e o sentido como finalidade.

Podemos fazer algumas referências à compreensão da escatologia, para podermos

situar a fé na busca de sentido. Uma definição básica de escatologia no dicionário

Larousse (2005, p. 306) é apresentada como “conjunto de doutrinas e crenças sobre o

destino último do ser humano e do Universo”. No campo teológico, encontramos tratados

sobre escatologia, como já afirmado, de modo básico para a contextualização na busca de

sentido para o sofrimento, podemos partir da afirmação de Tamayo:

A escatologia não se centra nos hipotéticos acontecimentos do final dos

tempos, mas no destino da humanidade em seu conjunto e do ser humano em

seu peregrinar pelo mundo, no sentido último e na finalidade da história, e

definitivamente no éschaton. Este remete, no cristianismo, a uma pessoa, Jesus

Cristo, e a um acontecimento, sua ressurreição por obra de Deus,

experimentada no âmbito da fé pelos homens e mulheres que haviam vivido

com ele. (TAMAYO, 2009, p.169)

Nessa definição, encontramos nas palavras do autor que a escatologia se centra

“... no sentido último e na finalidade da história”, tal definição nos coloca diante daquela

dimensão de sentido como fim/finalidade apresentada por Boff (2014). E como afirma

Tamayo (2009), no cristianismo esse sentido remete à pessoa de Jesus Cristo. Na busca

de sentido para o sofrimento, encontramos na dimensão escatológica, a finalidade, um

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fim último para o sofrimento, que está na participação dos sofrimentos de Cristo “e a um

acontecimento, sua ressurreição por obra de Deus” (TAMAYO, 2009).

A ressurreição de Cristo, é o acontecimento que nos permite compreender pela

experiência da fé, uma vivência do Reino de Deus em parte aqui no tempo presente14,

daquilo que Cristo prometeu à humanidade no reino de Deus definitivo: “Na casa de meu

Pai há muitas moradas. Se não fosse assim eu vos teria dito, pois vou preparar-vos um

lugar, virei novamente e vos levarei comigo, a fim de que, onde eu estiver, estejais vós

também. (João 14, 2-3).

O fundamento escatológico para o sofrimento presente, é que aderindo à fé em

Cristo, aquele que sofre com Cristo pela fé, torna-se participante de seu sofrimento, mas

também se torna participante de sua Glória que será revelada. Essa experiência só é

possível viver por meio da fé: “Contudo, alegrai-vos por serdes participantes dos

sofrimentos de Cristo, para que também vos alegreis e exulteis na revelação da sua

glória.” (I Pedro 4,13); Paulo nos atesta a participação na vida de Cristo nas seguintes

palavras:

Mas se morremos com Cristo, temos fé que também viveremos com ele,

sabendo que Cristo, uma vez ressuscitado dentre os mortos, já não morre, a

morte não tem mais domínio sobre ele. Porque, morrendo, ele morreu para o

pecado uma vez por todas; vivendo, ele vive para Deus. Assim também vós,

considerai-vos mortos para o pecado e vivos para Deus em Cristo Jesus.

(Romanos 6, 8-11)

A morte compreendida como fim/finitude da vida, enquanto no mundo presente,

tem uma dimensão escatológica, quando assumimos a fé em Jesus Cristo; pois tendo

ressuscitado dentro os mortos, Cristo nos insere numa dinâmica do Reino de Deus

presente em parte neste mundo como já citado. Essa morte, citada por Paulo não se refere

à morte tal como compreendemos usualmente, mas sim a uma mudança de vida, uma

conversão por meio da fé em Cristo, a vivência dos valores dessa vida em Cristo nos

insere na vivência do reino de Deus, em parte no tempo presente, e que será plenificada

no reino definitivo. Nessa perspectiva a vida tem um valor pós morte, que dá sentido vivê-

lo já, no presente, nas palavras de Boff:

Mas também Platão, depois de constatar que a vida terrena não vale as penas

que comporta, agregou a cláusula condicional decisiva: isso só é verdade se

não existe uma “esperança sublime”, a imortalidade feliz. Mas se esta existe,

então fica claro que ela não tem seu fim-extinção na morte, mas tem seu fim-

realização no post mortem. Com isso a vida temporal ganha um novo sentido

14 Cf. I Cor 13, 12; Rm 8,18.

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e um novo encanto: passa a valer fundamentalmente como primeira etapa para

a vida plena e bem-aventurada. (BOFF, 2014, p. 50)

Essa afirmação de Boff (2014), resume o pensamento escatológico sobre a

vivência da vida bem-aventurada já no tempo presente, pois possui a dimensão

escatológica da fé, num sentido de finalidade. Todo ser humano possui essa capacidade

de encontrar esse sentido como finalidade, através da experiência de fé:

Há ainda a transcendência vertical da vida. Pois a vida não para na

horizontalidade da espera, mas se ergue para verticalidade da esperança

escatológica. Todo ser humano, embora incrédulo carrega em seu íntimo, de

modo explícito ou implícito, a esperança da permanência eterna de seu ser. É

o “instinto da eternidade”. (BOFF, 2014, p.51)

Colocamo-nos diante da realidade do sofrimento: como essa fé vivenciada na

perspectiva escatológica pode ser uma resposta na busca de sentido? Afinal,

empreendemo-nos na busca de um sentido para o sofrimento a partir da capacidade

resiliente e da adesão à fé em Cristo, que o ser humano assume em sua vida.

Se partimos da noção que a vivência do Reino de Deus está na prática da fé por

meio das obras de misericórdia15 e das virtudes, podemos afirmar que o sofrimento nos

insere nessa dinâmica:

No programa messiânico de Cristo, que é ao mesmo tempo o programa do

reino de Deus, o sofrimento está presente no mundo para desencadear o amor,

para fazer nascer obras de amor para com o próximo, para transformar toda a

civilização humana na “civilização do amor”. Com este amor é que o

significado salvífico do sofrimento se realiza totalmente e atinge sua dimensão

definitiva. (SALVIFICI DOLORIS, n.30)

O sentido do sofrimento pela fé na dimensão escatológica antecipa a “finalidade”

do reino de Deus para o tempo presente, é a certeza de participar da Glória de Cristo,

aquele que participa de seus sofrimentos:

À perspectiva do reino de Deus está unida também a esperança daquela glória,

cujo início se encontra na Cruz de Cristo. A Ressurreição revelou esta glória –

a glória escatológica – que na Cruz de Cristo era ofuscada pela imensidão do

sofrimento. Aqueles que participam dos sofrimentos de Cristo, estão também

chamados, mediante os seus próprios sofrimentos, para tomar parte da glória.

(SALVIFICI DOLORIS, n.22)

Essa participação nos sofrimentos e na glória de Cristo mediante a fé, coloca o ser

humano que sofre diante de uma resposta na busca de sentido. Esta primeira dimensão

que apresentamos insere-se numa visão escatológica da fé, e como visto na abordagem

15 Cf. Mateus 25, 31-46.

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de sentido segundo Boff (2014) essa dimensão de fim/finalidade de sentido, se une à

dimensão de valor e de direção, nessa reflexão teológica aplicamos como soteriológica e

eclesiológica.

Em síntese, a fé na dimensão escatológica na abordagem do sofrimento, encontra

o sentido de finalidade, uma antecipação daquele fim que se espera e que é a participação

do Reino de Deus, de sua Glória. O ser humano sofre, mas seu sofrimento o eleva a

experiência do fim desejado que é a participação no reino definitivo, o sentido do

sofrimento está nessa experiência escatológica; que só lhe é permitido por meio da sua fé

em Jesus Cristo.

3.1.1.2 Fé na dimensão soteriológica e o sentido como valor.

Para empreendermos na compreensão da fé da dimensão soteriológica e

apresentar o sentido como valor do sofrimento, torna-se necessário entender basicamente

o conceito de soteriologia.

Soteriologia é o “tratado teológico que tem como objeto a redenção do homem. A

salvação opera-se numa autocomunicação de Deus em Cristo, pela qual se redime e

liberta” (SCHLESINGER e PORTO, 1995, p.2418). A soteriologia, é o tratado da

redenção do ser humano por meio de Jesus Cristo, ou seja, a Salvação oferecida ao ser

humano por meio da paixão, morte e ressurreição de Cristo.

Se o sofrimento na dimensão escatológica eleva o ser humano à participação

antecipada do Reino de Deus, onde encontramos o sentido como finalidade, e se dá por

meio da participação dos sofrimentos de Cristo, a dimensão soteriológica nos coloca

diante do valor que esse sofrimento tem em si mesmo, pois ainda que se viva na esperança

do reino definitivo, sofre-se no presente. Esse sofrer tem um valor em si mesmo e é

significado no agora, no tempo presente.

Como apresentado anteriormente segundo Boff (2014), vimos que “valor” é tido

como “bem” e citando Aristóteles afirma que “bem é o que cada coisa busca” e que o

bem constitui o fim do que se busca. Podemos aplicar essa concepção a partir da fé na

dimensão soteriológica, a fim de apresentar o sentido como valor para o sofrimento.

Como “finalidade” está para “valor”, assim “escatologia” está para “soteriologia”,

pois em ambas afirmações há uma convergência conceitual à luz da fé. Pela escatologia,

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o fim que se busca é a participação do Reino de Deus, essa participação se faz presente

porque Cristo morreu e tornou-nos participantes de sua morte, como o apóstolo Paulo nos

afirma:

Porque se nos tornamos uma coisa só com ele por morte semelhante à sua,

seremos uma coisa só com ele também por ressurreição semelhante à sua,

sabendo que nosso velho homem foi crucificado com ele para que fosse

destruído este corpo de pecado, e assim não sirvamos mais ao pecado.

(Romanos 6, 5-6)

A adesão a Cristo, por meio da fé, na vivência do sofrimento eleva o ser humano

a filiação adotiva de Deus, “Mas a todos que o receberam deu o poder de se tornarem

filhos de Deus: aos que creem em seu nome, eles, que não foram gerados nem do sangue,

nem de uma vontade da carne, nem de uma vontade do homem, mas de Deus” (João, 1,

12-13)

A fé em Cristo, tem a dimensão da salvação da humanidade, sua morte é redentora.

A redenção da humanidade encontra-se na morte de Cristo na Cruz, foi sua morte que

resgatou a humanidade do pecado, o apóstolo Pedro nos afirma:

E se chamais Pai aquele que com imparcialidade julga a cada um de acordo

com suas obras, comportai-vos com temor durante o tempo do vosso exílio.

Pois sabeis que não foi com coisas perecíveis, isto é, com prata ou com ouro,

que fostes resgatados da vida fútil que herdastes de vossos pais, mas por sangue

precioso, como de cordeiro sem defeitos e sem mácula, Cristo, conhecido antes

da fundação do mundo, mas manifestado, no fim dos tempos, por causa de vós.

Por ele, vós crestes em Deus, que o ressuscitou dos mortos e lhe deu a glória,

de modo que a vossa fé e a vossa esperança estivessem postas em Deus. (I

Pedro 1, 17-21)

Por meio da fé, e esperança depositada em Deus, que o ser humano tem a

possibilidade de fazer a experiência de sentido para sua vida, e o sofrimento torna essa

possibilidade mais próxima, pois:

Nesta concepção, sofrer significa tornar-se particularmente receptivo,

particularmente aberto à ação das forças salvíficas de Deus, oferecidas em

Cristo à humanidade. Nele, Deus confirmou que quer operar de modo especial

por meio do sofrimento, que é a fraqueza e o despojamento do homem e ainda,

que é precisamente nesta fraqueza e neste despojamento que ele quer

manifestar o seu poder. (SALVIFICI DOLORIS, n. 23)

O sofrimento concomitante à participação escatológica do Reino de Deus, tem seu

valor salvífico. É essa dimensão salvífica que introduzirá o ser humano no reino

definitivo; é o ponto de convergência conceitual onde crer no Reino de Deus viver o Reino

de Deus pela fé, no sofrimento se convergem.

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O sofrimento do ser humano tem seu valor salvífico se iluminado pelo sofrimento

de Cristo, em outras palavras o sentido como valor para o sofrimento tem seu fundamento

na salvação oferecida por Cristo em sua morte de Cruz; “A Cruz de Cristo projeta a luz

salvífica de um modo assim tão penetrante sobre a vida do homem e em particular, sobre

o seu sofrimento, porque, mediante a fé, chega até ele juntamente com a Ressurreição: o

mistério da paixão está contido no mistério pascal”. (SALVIFICI DOLORIS, n.21).

Podemos concluir que na busca de sentido para o sofrimento, encontramos na

experiência da fé a resposta do sentido como valor, é a fé numa dimensão soteriológica,

o ser humano que sofre, pode significar seu sofrimento unindo-o ao sofrimento de Cristo,

e encontrando o valor da redenção mediante a participação de seu sofrimento ao

sofrimento de Cristo, conforme nos afirma Faus:

Tenhamos presente que – como ensina a Igreja – “o Filho de Deus, pela sua

Encarnação, se uniu de certo modo a cada homem”, a cada um de nós. Dizer

isto não é exagero nem retórica; pelo contrário, nós os cristãos, podemos

afirmar, com alegre convicção, que Cristo está unido aos nossos sofrimentos

como se fossem seus. Ele sofre conosco, une a nossa dor à sua dor na Cruz, e

quer ajudar-nos a transformar os nossos padecimentos – dando-lhes o mesmo

sentido que aos dEle – num tesouro de amor, de graça, de salvação, de gozo.

(FAUS, 2001, p.30)

Nessa afirmação de Faus (2001), Cristo ao participar de nosso sofrimento dá-lhe

o mesmo sentido que ao sofrimento dEle, ou seja, uma dimensão soteriológica ao

sofrimento, cujo sentido de valor está na salvação do ser humano oferecida por Cristo.

Essa salvação do ser humano é o centro da missão da Igreja de Cristo, todo aquele

que adere a Cristo, insere-se por meio do Batismo ao seu Corpo Místico que é a Igreja.

“Agora regozijo-me nos meus sofrimentos por vós, e completo o que falta às tribulações

de Cristo em minha carne pelo seu Corpo, que é a Igreja” (Colossenses 1,24). A fé,

vivenciada na comunidade eclesial, que possibilitará encontrar o sentido como direção

para o sofrimento.

3.1.1.3 Fé na dimensão eclesiológica e o sentido como direção.

Uma terceira e última dimensão da fé que abordaremos é a dimensão

eclesiológica, na qual nos permite encontrar um sentido de direção para o sofrimento.

Seguindo o método aplicado anteriormente podemos partir da compreensão básica de que

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eclesiologia é “o tratado sobre a Igreja. Parte da teologia cristã que versa sobre a origem,

natureza e a atividade da Igreja na história e no mundo”. (SCHLESINGER e PORTO,

1995, p. 897), por esta definição podemos verificar a complexidade e profundidade do

estudo da eclesiologia.

Para a reflexão da fé na dimensão eclesiológica, a fim de apresentar o sentido

como direção do sofrimento, retomemos a abordagem de Boff (2014) sobre o sentido

como direção. Segundo o autor, o sentido como finalidade, valor e direção se

complementam entre si, tendo visto o sentido de finalidade e valor, ressaltamos que o

sentido como direção indica aquele fim último no qual o sentido de finalidade e valor de

fundamentam.

Sentido como direção, segundo Boff (2014, p.23) aponta para algo, para aquela

realidade última, “Essa ideia de “para” é o fundo comum presente em todas as acepções

de “sentido”, não importa o plano em que se situem”. O sentido como direção tem

profunda relação com o sentido de finalidade no qual encontra-se a causa final, e esta tem

sua primazia sobre todas as outras causas, portanto é ela que confere o sentido de direção.

Simplificando essa compreensão do sentido como direção, podemos afirmar que

aquela realidade escatológica do Reino de Deus, tem sua causa no próprio Deus, ou seja,

o sentido pleno baseia-se na participação definitiva com Deus, mas que só pode ser vivida

de forma parcial aqui neste mundo, Deus então exerce sua primazia sobre todas as coisas

atraindo e orientando o ser humano para Si, diante de suas realidades presentes, no

fundamento dessas realidades presentes encontra-se o sentido como direção, e na

dimensão da fé esse sentido é exercido na Igreja de Cristo.

O sofrimento humano vivenciado à luz da fé insere o ser humano na vida eclesial,

onde seu sofrimento colabora na obra redentora que a Igreja exerce junto à obra redentora

de Cristo:

Deste modo, com tal abertura a todos os sofrimentos humanos, Cristo operou

com o seu próprio sofrimento a Redenção do mundo. Esta Redenção, no

entanto, embora tenha sido realizada em toda a sua plenitude pelo sofrimento

de Cristo, à sua maneira vive e desenvolve-se ao mesmo tempo na história dos

homens. Vive e desenvolve-se como Corpo de Cristo que é a Igreja; e nesta

dimensão todo sofrimento humano, em razão da sua união com Cristo no amor,

completa o sofrimento de Cristo. Completa-o como a Igreja completa a obra

redentora de Cristo. (SALVIFICI DOLORIS, n. 24)

Essa dimensão eclesiológica da fé insere o ser humano na vida em comunidade,

na Igreja de Cristo, o ser humano que sofre, não se vê sozinho, mas inserido numa

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multidão que constitui o Povo de Deus, que também tem seus sofrimentos. Esse Povo de

Deus, que constitui a Igreja de Cristo, caminha rumo à promessa do reino definitivo:

Do mesmo modo que Israel segundo a carne, peregrinou no deserto, é já

chamado Igreja de Deus, assim também o novo Israel do tempo atual, que anda

em busca da cidade futura e permanente, se chama Igreja de Cristo, porque ele

a conquistou com seu sangue, a encheu do seu Espírito e a dotou com meios

aptos para uma união visível e social. (LUMEM GENTIUM, n. 114)

Essa Igreja de Cristo que caminha em direção à cidade futura e permanente, acolhe

em seu seio todo aquele que sofre, “De igual modo, a Igreja abraça com amor todos os

afligidos pela enfermidade humana; mais ainda, reconhece nos pobres e nos que sofrem

a imagem do seu fundador pobre e sofredor, procura aliviar as suas necessidades, e intenta

servir neles a Cristo” (LUMEN GENTIUM, n.8).

O sentido como direção para o sofrimento na dimensão da fé, fundamenta-se na

vivência eclesial do sofredor, onde a Igreja o acolhe e o eleva junto de si, à sua missão

salvífica:

A igreja, precisamente, que sem cessar vai haurir nos infinitos recursos da

Redenção, introduzindo esta na vida da humanidade, é a dimensão na qual o

sofrimento redentor de Cristo pode ser constantemente completado pelo

sofrimento do homem. Nisto é posta também em relevo a natureza divino-

humana da Igreja. O sofrimento parece participar, de certo modo, das

características desta natureza; e, por isso, reveste-se também deum valor

especial aos olhos da Igreja. É um bem diante do qual a Igreja se inclina com

veneração, com toda a profundidade da sua fé na Redenção. Inclina-se também

diante dele com toda a profundidade daquela fé com que acolhe em si mesma

o inexprimível mistério do Corpo de Cristo. (SALVIFICI DOLORIS, n.24).

O sofrimento na perspectiva da fé, encontra seu sentido no campo eclesiológico

na medida em que aquele que sofre, deixa-se abraçar pela missão salvífica da Igreja, e

participa com ela dos mistérios de Cristo.

A fé como busca de sentido para o sofrimento, encontra sua resposta na dimensão

eclesial o sentido de direção, em vista daquela causa final que constitui o próprio Deus,

no qual toda Igreja, Povo de Deus coloca-se a caminho de seu reino definitivo.

A Igreja, direciona, caminha rumo à “cidade futura e permanente” (LUMEN

GENTIUM, n.114), por meio da fé o ser humano adere a esse caminho, e vai participando

da vida e missão da Igreja, e nesse contexto seu sofrimento tem profunda participação ao

mistério salvífico de Cristo exercido na Igreja.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na sociedade atual, onde o desenvolvimento científico e tecnológico apresenta

seu grande expoente, ecoa uma necessidade cada vez mais emergente: a busca de sentido.

Cada vez mais, grandes pensadores alertam para uma crise de sentido na sociedade atual,

no eixo central na busca de sentido está o sentido da vida. Ao passo que as tecnologias

permitem uma maior acessibilidade à informação e melhor qualidade de vida para aqueles

que podem obtê-las, o ser humano depara-se com um crescente sentimento de vazio

existencial:

Nossa sociedade vivencia profundas transformações e ruptura de valores.

Estamos sob a ênfase do mais; mais riqueza, prazer, juventude; ganhar e

vencer, enfim, materialismo, consumismo, aparências e prazer. “Ao magnífico

desenvolvimento científico e tecnológico de nossa época correspondeu uma

assustadora carência de sabedoria e introspecção” (Jung. Oc., v. 11/1).

Vivemos voltados para o mundo externo, com todos os riscos da massificação

e, com isso, um profundo vazio existencial se apossa de nossas vidas.

(PESSINI, 2008, p,66)

Esse vazio existencial, apontado por Pessini (2008), desperta o ser humano para a

busca de sentido, um olhar para si, a fim de descobrir o significado de sua existência.

Nessa busca de sentido, o ser humano vai defrontar-se com as dimensões próprias de sua

existência, a felicidade, o sofrimento, a morte, entre outros.

Atualmente, nos deparamos com diversas realidades de sofrimento presentes na

sociedade, algumas delas perceptíveis aos nossos olhos, outras, no entanto são vividas

nos sombrios recônditos da existência de cada indivíduo. Essa realidade nos apresenta a

multidimensionalidade do sofrimento, que foi apresentado no início deste trabalho a fim

de criarmos uma visão ampla da complexidade que o sofrimento coloca em questão.

Não basta identificar as manifestações do sofrimento, é preciso oferecer

possibilidades de superá-los, buscando meios para erradicá-los ou ao menos aliviá-los

para aqueles que sofrem. É o papel das ciências, cada qual a seu modo, apresentar

respostas, alternativas para ajudar o ser humano diante do sofrimento. Essa busca de

respostas, alternativas, entre outros, apontam para diversas abordagens sobre o sofrimento

e em meio a todas elas, fica-nos a grande questão: qual o sentido do sofrimento?

A resposta do sentido para o sofrimento encontra uma profunda fundamentação

por meio da Teologia. Neste trabalho foi possível, por meio do método teológico, verificar

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o desenvolvimento da compreensão do sofrimento em diferentes épocas, e a partir dessa

compreensão construir uma reflexão que apresentasse uma resposta diante da busca de

sentido.

Por meio do método teológico, a compreensão do sofrimento vai sendo

fundamentada na experiência que o ser humano faz a partir de sua capacidade

transcendental. Nesse contexto, o sofrimento e os demais conceitos com que se

correlaciona, é estudado a partir dos conhecimentos teológicos em diálogo com outras

formas de conhecimento. Sendo assim, neste trabalho, a capacidade de superação que o

ser humano tem diante do sofrimento, entre outras competências conhecidas como

resiliência, são apresentadas em suas aproximações com a virtude da fortaleza, própria do

pensamento teológico. Esse diálogo da teologia com outras ciências foi fundamental na

construção de uma reflexão que pretende apresentar uma resposta na busca de sentido

para o sofrimento.

Nessa mesma perspectiva, a compreensão de sentido na linha filosófica,

possibilitando uma reflexão teológica do sentido do sofrimento, abriu espaço para uma

resposta coerente diante do sofrimento. Imprescindível, em todo esse contexto foi

considerar o papel que a fé exerce no processo de superação do sofrimento, bem como,

na sua busca de sentido. A fé, categoricamente é fundamental para se encontrar uma

resposta:

Portanto, nossas crenças e valores alteram nossa realidade somática. A questão

espiritual pode nos articular em direção a uma profunda crença intrínseca, à fé.

A fé nos permite acreditar que sempre há uma margem dentro da qual a vida

tem um significado, pois se tudo é possível para Deus, também será para o ser

humano; isto permite uma emancipação absoluta de toda lei natural. (PESSINI,

2008, p.79-80)

Este trabalho ao apresentar o papel da fé na busca de resposta para o sofrimento,

teve sua centralidade na pessoa de Jesus Cristo. A partir de como Jesus Cristo lidou com

o sofrimento, bem como sua paixão e morte, significou o sentido do sofrimento. Tal

compreensão do sofrimento de Cristo que dá sentido ao sofrimento do ser humano é

expresso por Lorda:

Não é concebível que Cristo, nosso irmão, nosso caminho, nossa verdade e

nossa vida, tenha sofrido, e nós não. Ele não pode desejar para nós que

passemos por este mundo sem experimentar a Cruz que Ele experimentou, sem

ver, ao menos um pouco, que gosto tem, sem termos sido abençoados com esse

sinal. Não pode ser que seja algo bom para Ele, e não a queira para nós. Na dor

encontramo-lo mais que em nenhum outro lugar. Fazemo-nos como Ele e nos

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preparamos para ressuscitar com Ele. São as dores de parto da criatura imortal

que há em nós. (LORDA, 2003,89)

A fé possibilita significar o sofrimento, encontrar um sentido: “Então, essa nossa

fé – dom precioso de Deus que não queremos extinguir – permite-nos o paradoxo inefável

de sofrer e ter paz, de sofrer e manter no íntimo da alma uma misteriosa e fortíssima

alegria, uma imorredoura esperança. ” (FAUS, 2002, p.38).

Apontar para fé no processo de busca de sentido para o sofrimento, na sociedade

atual voltada ao cientificismo pode parecer arriscado, se não ousado e inadequado; mas é

possível verificar que pela fé, pessoas encontram respostas diante de seus sofrimentos:

Todo o cartesianismo e o ceticismo de muitos cientistas ficou extremamente

abalado com os acontecimentos que ocorreram nos santuários marianos do

mundo inteiro. Incapazes de provar eventuais fraudes, foram obrigados a

admitir os fatos, embora não conseguissem explicá-los. Isso ocorreu em

Lourdes, pequena cidade nos Pirineus franceses, onde anualmente acontecem

milhares de curas inexplicáveis pela ciência, mas atribuídas a resultado das

orações por comitê internacional de médicos. (SAVIOLI, 2008, p.125)

A experiência da fé pode alcançar resultados comprováveis de curas, é a

capacidade do ser humano de abrir-se à dimensão transcendental, que pode ajudá-lo

também na busca de sentido.

A partir da compreensão do sofrimento, da resiliência, do sentido e da fé foi

possível construir um caminho de reflexão que eleva o sentido para a dimensão teológica.

O terceiro capítulo deste trabalho é o resultado dessa reflexão, que possibilitou propor

uma resposta na busca de sentido para o sofrimento.

É certo que a reflexão proposta em todo trabalho não encerra a busca de sentido

para o sofrimento, sendo possível aprofundar-se cada vez mais sobre essa reflexão. A

própria compreensão do sofrimento neste trabalho baseou-se no contexto bíblico, mas os

primeiros séculos da Igreja nos abrem um caminho para novas reflexões, a partir das

perseguições dos cristãos e os martírios que lhes foram infligidos. A história é esse campo

fértil de reflexão, no contexto teológico é possível debruçar-se ainda, nos textos dos

Padres da Igreja, e na dimensão sacramental sobre a penitência e a unção dos enfermos

tidos como sacramentos de cura, entre outros, e no campo da história podemos abordar o

sofrimento instrumentalizado, como ocorreu durantes as Guerras, ou mesmo durante o

nazismo.

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Certo é que este trabalho é apenas uma abertura, uma pequena parcela de

colaboração para aqueles que desejam buscar um sentido para o sofrimento, um pequeno

facho de luz diante das incertezas do sofrimento ainda tão presente na nossa sociedade.

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