PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM...

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FACULDADE DE SÃO BENTO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM FILOSOFIA MESTRADO ACADÊMICO Hugo Américo Pita Lisman EDUCAÇÃO E EDUCADOR: INTERPRETAÇÃO DE UMA SITUAÇÃO HISTÓRICA À LUZ DO EXISTENCIALISMO DE SARTRE São Paulo 2011

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FACULDADE DE SÃO BENTO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM FILOSOFIA

MESTRADO ACADÊMICO

Hugo Américo Pita Lisman

EDUCAÇÃO E EDUCADOR: INTERPRETAÇÃO DE UMA

SITUAÇÃO HISTÓRICA À LUZ DO EXISTENCIALISMO DE

SARTRE

São Paulo

2011

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FACULDADE DE SÃO BENTO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM FILOSOFIA

MESTRADO ACADÊMICO

EDUCAÇÃO E EDUCADOR: INTERPRETAÇÃO DE UMA

SITUAÇÃO HISTÓRICA À LUZ DO EXISTENCIALISMO DE

SARTRE

HUGO AMÉRICO PITA LISMAN

Dissertação apresentada ao Programa de

Pós-Graduação Stricto Sensu em Filosofia da

Faculdade de São Bento do Mosteiro de São

Bento de São Paulo, como requisito parcial para

obtenção do título de Mestre em Filosofia.

Área de Concentração: Ética e Política

Orientador: Prof. Dr. Franklin Leopoldo e Silva

São Paulo

2011

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HUGO AMÉRICO PITA LISMAN

EDUCAÇÃO E EDUCADOR: INTERPRETAÇÃO DE UMA

SITUAÇÃO HISTÓRICA À LUZ DO EXISTENCIALISMO DE

SARTRE

Esta dissertação foi julgada adequada para a

obtenção do título de Mestre em Filosofia

aprovada em sua forma final pelo Orientador e pela

Banca Examinadora.

Banca Examinadora:

Orientador: ____________________________________

Prof. Dr. Franklin Leopoldo e Silva

Doutor Universidade de São Paulo – BR – USP / 1989

Prof. Dr. ____________________________________________

____________________________________________________

Prof. Dr. _____________________________________________

_____________________________________________________

Coordenador do PPGFSB: _______________________________

Prof. Dr. Franklin Leopoldo e Silva

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho aos familiares e amigos que se

fizeram presentes nessa jornada.

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AGRADECIMENTOS

Ao Programa de Pós-Graduação em Filosofia, PGFSB,

pela oportunidade de realização de trabalhos em

minha área de pesquisa.

Aos colegas do PPGFSB pelo seu auxílio nas

tarefas desenvolvidas durante o curso e apoio na

revisão deste trabalho.

Ao coordenador Prof. Dr. Franklin Leopoldo e Silva.

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RESUMO

A dissertação tem por objetivo procurar entender e localizar o ponto de partida,

o início e os motivos pelos quais a profissão de professor/educador está atualmente

desvalorizada, desprezada, abandonada e ridicularizada.

O objetivo é entender o motivo deste deslocamento de valor que a sociedade faz

da atividade do professor, tão valiosa e importante para a emancipação do povo e o

engrandecimento de uma nação.

Esta imagem de professor, que os outros constroem, mas que ele muitas vezes

introjeta, corresponde a um aspecto da filosofia da existência de Sartre, ligado as relações

intersubjetivas que ocorrem numa dada situação. Por isso recorremos às idéias do filósofo

para que se possa compreender melhor um fenômeno social e histórico que é também vivido

como angústia, alienação ou má-fé por aqueles a quem a degradação social, no contexto da

sociedade utilitária, parece ter roubado a capacidade de resistência.

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ABSTRACT

The dissertation aims to find, understand and locate the starting point, the start

and the reasons why the profession of teacher / educator is currently undervalued, neglected,

abandoned and ridiculed.

We want to understand is why this shift value that society makes the activity of

the teacher, so valuable and important for the emancipation of the people and the greatness

of a nation.

This image of the teacher, the others built, but he often interjects reflects one

aspect of Sartre's philosophy of existence, on interpersonal relationships that occur in a

given situation. We used the ideas of the philosopher so we can better understand a social

and historical phenomenon that is also experienced as anxiety, alienation or bad faith by

those to whom the social degradation in the context of utilitarian society, seems to have

stolen the ability to resistance.

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Sumário

Introdução.................................................................................................................................1

1. Capítulo 1.1– Uma visão filosófica sobre a condição do educador ............................................3

1.2- Profissão em crise..............................................................................................................4

1.3- Ingredientes que contaminam............................................................................................4

1.4- Introjetando a síndrome do “Patinho Feio”.......................................................................6

1.5- O papel da Filosofia..........................................................................................................6

2. Capítulo 2.1-A fundamentação histórica............................................................................12

2.2 - A imprensa.....................................................................................................................12

2.3- A escola...........................................................................................................................13

2.4- Educação para o controle das almas................................................................................15

2.5-Educação Enfadonha E Os Professores Pobres Diabos...................................................17

2.6- A Educação na sociedade da administração....................................................................19

2.7-Pedagogia libertária..........................................................................................................24

2.8- Pedagogia libertária no Brasil.........................................................................................27

2.9- Marketing e Publicidade no controle...............................................................................32

2.10- A escola nova Brasileira em época de transição...........................................................36

2.11- Cecília Meireles cronista de educação..........................................................................39

3. Capítulo 3.1 Subjetividade e existência em Sartre.............................................................42

3.2- Liberdade em situação....................................................................................................47

3.3- Alteridade ou intersubjetividade: “O olhar” de O ser e o nada......................................50

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3.4- Crítica da razão dialética (1960) Sartre e o marxismo...................................................53

3.5- Questão de método..........................................................................................................55

4.Capítulo 4.1- Interpretação da educação e dos educadores à luz do existencialismo de

Sartre.......................................................................................................................................57

4.2- A história de outrora confirma a situação de agora........................................................58

4.3- A educação para a manutenção da sociedade de interesses............................................59

4.4- Sartre e o problema da educação....................................................................................61

4.5- A cristalização por meio do “Olhar”...............................................................................64

4.6- A metáfora hegeliana no pensamento de Sartre.............................................................66

4.7- Entendendo a situação.....................................................................................................67

CONCLUSÃO.......................................................................................................................73

BIBLIOGRAFIA....................................................................................................................81

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1

INTRODUÇÃO

A dissertação tem por objetivo procurar entender e localizar o ponto de

partida, o início e os motivos pelos quais a profissão de professor/educador está

atualmente desvalorizada, desprezada, abandonada e ridicularizada.

Entende-se que recaiu sobre este trabalho uma opinião generalizada e

dada como verdadeira, única e de grande aceitação social, até por parte dos educadores

e educadoras. Estes que, ao mesmo tempo, são professores e fazem parte da sociedade

de que alguma maneira acabaram introjetando esse tipo de opinião.

Uma crítica destrutiva que vai silenciosa e sorrateiramente minando o

valor, a auto-estima e a confiança de muitos educadores e educadoras.

Tantas profissões são valorizadas e tidas como a dos sonhos, guardadas

apenas para grandes homens e mulheres; outras são reconhecidas como as mais

respeitadas por toda a opinião pública e credenciadas por todas as outras profissões. A

profissão bombeiros é, por exemplo, creditada como uma das mais nobres e dignas de

nossa sociedade. Os bombeiros são capazes de arriscar suas vidas pelos outros em troca

de nada, apenas por salvar vidas, uma vez que seus salários são baixíssimos.

Porém, se por um lado ser educador é menosprezado e lastimável, por

outro é reconhecidamente valorizado. Entre jogadores de futebol e juízes a palavra

“professor” é usada como forma de respeito, obediência e submissão absoluta. Os

pupilos de todas as equipes de futebol adotaram uma maneira de mostrar admiração e

respeito supremo ao comandante ou técnico, e esta forma é chamá-lo “professor”

Pode-se notar ainda neste meio que, quando um técnico refere-se ao juiz,

dirige-se a ele como “professor” para, uma vez mais, mostrar também uma forma

respeitosa de intervenção e ao mesmo tempo se colocando numa posição de subjugado

ante o juiz da partida.

Nesta pesquisa de dissertação de mestrado em filosofia da educação quer

se entender é o motivo deste deslocamento de valor que a sociedade faz da atividade do

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professor, tão valiosa e importante para a emancipação do povo e o engrandecimento de

uma nação.

Por que tantos educadores aceitam como inegável e imutável a situação e

apenas vêem passar os dias numa incansável conta pela espera da aposentadoria?

Impotentes, escravizados, relegados, subservientes, muitas vezes conformes e partícipes

da opinião generalizada. A angústia diária de exercer uma profissão tão desacreditada é

de certa maneira desacreditar em si mesmo. Em que momento da história esse problema

se iniciou e chegou até a atualidade? Discutir a degradação da profissão de educador na

segunda metade do século XX período em que surgiram as primeiras organizações de

escolas.

Uma imagem de professor, que os outros constroem, mas que ele muitas

vezes introjeta, corresponde a um aspecto da filosofia da existência de Sartre, ligado as

relações intersubjetivas que ocorrem numa dada situação. Por isso recorremos às idéias

do filósofo para que se possa compreender melhor um fenômeno social e histórico que é

também vivido como angústia, alienação ou má-fé por aqueles a quem a degradação

social, no contexto da sociedade utilitária, parece ter roubado a capacidade de

resistência. Não se trata de “aplicar a filosofia de Sartre a um tema extrínseco. Trata-se

de utilizar algumas noções da filosofia da existência para reconhecer uma situação em

que os aspectos sociais e históricos, bem como os existenciais, se cruzam em relações

dialéticas características da realidade humana

O primeiro capítulo trata-se de um artigo de mesmo tema, que relata a

inquietação e as angústias como educador, o que foi a mola propulsora desses estudos e

da vontade de entender melhor a situação que os educadores e educadoras vivem (os) no

dia a dia. Este capítulo que coincide com a abertura deste trabalho, diz respeito à

situação atual do educador.

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CAPÍTULO 1

1.1- UMA VISÃO FILOSÓFICA SOBRE A CONDIÇÃO

DO EDUCADOR

“Tudo é precioso para aquele que foi, por muito tempo, privado de tudo”.

Friedrich Nietzsche

Com este título, não é difícil de acreditar que todos, ou pelo menos uma

grande parte, educadores ou não, são consciente ou inconscientemente levados a fazer

uma varredura imediata, um tipo de viagem mental avaliativa sobre sua carreira

profissional. Dirigido especialmente aos educadores, contudo, pode ser aplicado a

qualquer outro ramo ou atividade profissional.

Por alguns segundos, a ação de educar é colocada numa balança. Essa

balança refere-se àquela usada como símbolo da justiça e do direito, descritos como

duas bandejas dependuradas por correntes a uma barra de ferro na horizontal, presa

exatamente no meio por outra barra na vertical, formando uma espécie de pêndulo. Esse

aparelho explicita que para haver equilíbrio é obviamente necessário que os pesos sejam

exatamente iguais. Ao se fazer uma analogia com esse mecanismo, vimos que em dados

momentos pode ser colocado de lado toda uma conquista, tudo o que é adquirido no

setor intelectual, o reconhecimento de amigos, família e a satisfação pessoal; não

obstante, na outra parte da balança, vem o financeiro, a valorização e o reconhecimento

da sociedade.

Em meio a todo esse embrolho, encontra-se a forma como o indivíduo

“Eu”, o ser humano pensante, seja reconhecido na profissão.

O que se espera é uma reflexão acerca da profissão de educador, sem o

questionamento de metodologias, técnicas, formação continuada, métodos

governamentais de avaliações ou exigências do mercado educativo. O intuito do levante

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dessa problemática é de como o profissional educador se vê e se enxerga dentro de toda

essa dinâmica.

1.2- PROFISSÃO EM CRISE

Profissão em crise. Não há uma precisão no momento histórico que essa

carreira passou a ser desrespeitada pelos que não a compõem. Não obstante, esta fama

ganhou notoriedade com quem deveria defender a classe, principalmente por quem de

certo modo faz parte dela. A exemplo, pode ser citada a infeliz frase do então famoso

prefeito de São Paulo, Paulo Salim Maluf, que dizia na época, referindo-se às

professoras da prefeitura no momento em que reivindicavam melhores condições de

trabalho e salário, que as mesmas não eram mal pagas, e sim mal casadas. Além de

ignorar a presença masculina no setor, fez explicitamente apologia à incompetência na

escolha da profissão, como também à escolha equivocada do parceiro, como se uma

pudesse compensar a outra.

Ao tentar racionalizar a colocação do então prefeito Maluf, observamos

que, em seu entendimento, as senhoras que escolheram a profissão de educadora, uma

vez mal remuneradas, dever-se-iam casar com um homem de posses para a

compensação da renda. As que não haviam logrado a felicidade, na opinião do prefeito,

de compartilhar a vida com um homem bem-sucedido financeiramente, não poderiam

ser educadoras, pois para elas não haveria compensação de renda. Enfim, em sua

concepção, as que reclamavam eram as mal-casadas.

Deve pesar sobre o relato citado que há outra versão sobre a expressão popular “mal-

casada”, a qual não merece que seja empregado nenhum tipo de referência ou

comentário, mesmo pela condição de mau gosto.

1.3- INGREDIENTES QUE CONTAMINAM

Mas, o que há por trás desse tipo de manifestação, provinda de um líder

político e como ela pode repercutir e influenciar a opinião sobre uma profissão?

Parece que a intenção do prefeito, no ato irresponsável do ataque à reivindicação das

professoras, foi a do menosprezo à profissão, resultando por fim, na ofensa generalizada

a todas as mulheres, sejam professoras ou não.

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No primeiro caso, tratava-se de uma evidência clara de ataque às professoras, com o

intuito único de desvio do ato de pedido legítimo de melhores condições de trabalho e

melhoria dos salários. Uma agressão machista, como ingrediente que unido a outros,

agrava e fomenta o desrespeito às pessoas que se dedicam à educação não só de uma

cidade, mas de todo um país. Pessoas formadas que acreditam em um ideal de igualdade

de conhecimento, livres de qualquer preceito político ou religioso, educadores que estão

à frente das salas de aula, as quais serviram de espaço para a formação de indivíduos

que hoje podem encontrar-se nos mais variados cargos e profissões, inclusive de

professores.

Entretanto, ainda há pessoas desatentas formadoras de nossa sociedade

que não elaboraram uma interpretação cuidadosa, seja do pronunciamento político

usado apenas como exemplo ilustrativo, seja de qualquer outro tema que se apresente, e

que são envolvidas pelos meandros da desatenção de apreciação intelectualizada,

bombardeadas pelas opiniões que se difundem na massa sem fazer uso de precisão de

peso e medida. Há um rigor necessário quando se quer formar opinião com a balança

da igualdade e da justiça. Se deixarmos de lado todos esses critérios, somos e

continuaremos sendo, presas fáceis. Por fim, continuaremos agindo como sujeitos de

um erro crasso, caindo na incapacidade ou inabilidade de reconhecer que esse citado

exemplo pode produzir, afetar, propagar, incutir e até modelar opiniões nubladas

inferindo aos indiretamente relacionados, àqueles que não enxergam a profissão do lado

de dentro. Simultaneamente, pode suscitar acordo e aceitação nos que estão diretamente

relacionados, os que compõem o rol da educação. Esse é exatamente o foco da

inquietação, o qual, consecutivamente, resulta no alvo reflexivo e objeto de estudo que

merece ser compartilhado com toda a sociedade, em especial, os professores.

Este tipo de situação fragiliza, menospreza e relega esta profissão,

remetendo-a aos anais das menos procuradas e respeitadas, intervindo, obviamente na

qualidade da educação e de tudo que um educador ou educadora possa desenvolver.

O que vemos são educadores e educação subjugados a um estágio próximo, se já não

estiverem, de subserviência da escravidão velada e sofrida, da morte silenciosa e

agonizante da relação do educador, do amor e prazer com sua profissão. Essas

afirmações referem-se ao congelamento que muitos de nós sucumbimos ante as opiniões

massacrantes e diversas sobre nosso labor. Congelados, fragilizados, subjugados e

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subservientes, admitimos permissivamente; basta que emirja o que pode se chamar de

senso comum em sociedade, opinião que de alguma maneira se aceita e se ventila como

a verdadeira, única e imutável, resultando muitas vezes em um propósito negativo, que

sobrecai nos ombros do educador e principalmente no papel que desempenha na

sociedade.

1.4- INTROJETANDO A SÍNDROME DO “PATINHO FEIO”

Essa sensação de impotência diante do sentido comum nos guia

silenciosa e sorrateiramente cada vez mais a introjetar o que não somos.

Cair na armadilha inconsciente dessa introjeção é, ao mesmo tempo, fomentar e

corroborar com o sentido comum instaurado por muitos educadores e grande parte da

sociedade intelectual.

A falta de vontade e de potência é uma ação, pois até a ausência de ação

é uma ação, a ação de introjetar aquilo que não se é, ao mesmo tempo em que se aceita

como sendo.

Ao relatar vivências, sentimentos e sofrimentos abertamente, este

trabalho almeja mostrar inicialmente uma inquietação sobre o tema, que aflige

principalmente o educador.

1.5- O PAPEL DA FILOSOFIA

A busca de apoio na filosofia parece ser lógica, uma vez que essa é a arte

do pensar, relativizar e reflexionar a incansável busca por múltiplas facetas da

misteriosa humanidade. A história revela que o primeiro pensador grego a usar a palavra

filosofia pode ter sido Pitágoras de Samos1, no século VIII a.C. Há várias definições

1 Pitágoras nasceu em Samos, uma das ilhas do Dodecaneso na Grécia e provavelmente recebeu instrução

matemática e filosófica de Tales e de seus discípulos. Após viver algum tempo entre jônicos, viajou pelo

Egito e Babilônia - possivelmente indo até a Índia. Durante suas peregrinações, ele absorveu não só

informações matemáticas e astronômicas como também muitas idéias religiosas. Quando voltou ao

mundo grego, Pitágoras estabeleceu-se em Crotona, na Magna Grécia (na costa sudoeste da atual Itália),

onde fundou a Escola Pitagórica dedicada a estudos religiosos, científicos e filosóficos. À Pitágoras são

atribuídas várias descobertas sobre as propriedades dos números inteiros, a construção de figuras

geométricas e a demonstração do teorema que leva seu nome (cujo enunciado já era conhecido pelos

babilônios). Os próprios termos Filosofia (amor a sabedoria) e Matemática (o que é aprendido) seriam

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para seu significado. Um entre os muitos, não referindo-se apenas a filósofos, que

tentaram ou de alguma maneira conseguiram conceituar o vocábulo Filosofia foi

William Shakespeare, com uma frase que sintetiza tudo: “O Filósofo é um mítico em

busca da verdade velada. Só pensamos naquilo que cremos, e só cremos naquilo que

queremos. O mito para a Filosofia é vital, pois cria ícones possíveis do mundo das

idéias. [...] Há mais mistérios entre os céus e a terra do que pressupõe a vossa vã

Filosofia”.

Entretanto, gera-se um convite para que, unidos e apoiados em legados

filosóficos, possamos vislumbrar alternativas para minimizar, reconhecer e pontuar,

tanto no sentido comum estabelecido pela opinião generalizada que desdenha e

menospreza educadores, como na profissão em forma de escravizante introjeção. Esses

fatores se dão em grande parte na classe de educadores e educadoras, já portadores

dessa síndrome, a qual por permissão denominará de “patinho feio da sociedade”.

Não há, de maneira alguma, a pretensão de solucionar o conflito relacionado, entretanto,

é pertinente refugiar-se em opções reflexivas para de alguma forma minimizar a

condição em que os educadores se encontram, por meio do engendro do fundamento

filosófico.

Segundo a teoria hegeliana, a relação “senhor/escravo” baseia-se e

fundamenta-se na aceitação de uma condição preestabelecida, ou seja, o senhor sabe que

é o dominador e o escravo, o dominado. Todavia, não basta que o segundo apenas seja

escravo, ele se sente escravo e sequer questiona essa situação.

O escravo nem em pensamento sonha com a liberdade ou reconhece que necessita como

ser humano libertar-se da escravatura. Ao contrário, o senhor espera que o dominado

seja totalmente inconsciente e incapaz de se enxergar livre, apenas deve entender que

assim deve ser, pois desta maneira, o escravo colabora para que a relação se dê por

completa, fortalecendo, alavancando e creditando o senhor. Com isso, esse senhor é

elevado ao grau máximo do domínio, por outro lado, o escravo é lançado ao nível mais

baixo que a condição humana pode experimentar. Há um processo de transfiguração em

um objeto, em uma coisa, em algo que pertence ao senhor.

Cabe a dúvida sobre uma possível transformação do indivíduo em coisa,

criações de Pitágoras para descrever suas atividades intelectuais. Extraído do site:

http://www.ime.usp.br/~leo/imatica/historia/pitagoras.html em 11/11/2009 às 11h47.

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ao hipoteticamente não ser esse, capaz de se enxergar e deixar dominar por um conceito.

É assim que deve ser, e ao mesmo tempo há um credenciamento do senhor, para que

essa relação seja fortalecida e legitimada.

Para que haja uma relação perfeita nos moldes mais perversos, faz-se

necessário um “dominador” e um “dominado-coisa”. Não é tarefa árdua encontrar o

“dominador”, pois já discutimos a síndrome de patinho feio e a entendemos como

proposição social. Sendo assim, somos “dominador” e “dominado-coisa”.

Fazemos parte da sociedade que por sua vez é constituída, em parte, por educadores,

isso quer dizer que estamos com a sociedade, pois somos a sociedade.

Sartre não descreve nem naturalmente, nem psicologicamente os fenômenos dentro das

disciplinas filosóficas, ele usa a ontologia.

Entretanto, em O ser e o nada, de Sartre resvala em problemas

metafísicos, porém o filósofo acha que não produz teoria e não descreve a conduta

humana e, sim, a fenomenologia. Sartre recupera o conceito de sujeito como existência.

“Queremos definir o ser do homem na medida em que condiciona a aparição do nada,

ser que nos apareceu como liberdade” (SARTRE, 1997, p. 68).

Existir significa desejar ser; o desejo de ser significa projetos. O sujeito é um sujeito

existencial, é um agente histórico; na filosofia sartriana, não há nenhum projeto em que

não haja ação.

O sujeito projeta-se e projeta para se constituir e constituir o mundo em que quer viver.

Para que aconteça a existência histórica, são necessários dois quesitos: condições

subjetivas (“história pessoal”) e condições objetivas (“história geral”).

Não se pode chamar causa e efeito, trata-se de entender a dialética entre cada um dos

dois processos e as relações entre eles.

Há uma vinculação com o pensamento marxista, pois o marxismo é

ligado à história. Vale dizer que os homens fazem livremente a história quanto à

história tem o poder de determinação sobre os homens. “A história de todas as

sociedades que existiram até hoje tem sido a história das lutas de classes” (MARX,

1988, p. 75). A dialética ocorre conservando as diferenças numa tensão - esse é o

verdadeiro pensamento dialético.

O primeiro ato histórico é, portanto, a produção dos meios que permitam a satisfação

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dessas necessidades, a produção da própria vida material, e de fato este é um ato

histórico, uma condição fundamental de toda a história, que ainda hoje, como há

milhares de anos, deve ser cumprido todos os dias e todas as horas, simplesmente para

manter os homens vivos (Cf. MARX, 1987, p. 39).

Sartre parece afirmar em seu pensamento que o homem é sujeito da história e sujeito à

história:

[...] a consciência define-se como sendo aquilo que não é e não

sendo aquilo que ela é. Enquanto o Ser-Em-Si é inteiramente

preenchido por si mesmo e sem nenhum vazio, a consciência é

constituída por uma descompressão de ser. Essa fissura, ou

deslocamento, é a marca do nada no interior da consciência. O

nada é um „buraco‟ mediante o qual se constitui o Ser-Para-Si

(SARTRE, 1978, p. XI).

Sujeito, gramaticalmente significa o agente da ação, aquele que pratica a

ação e o que é sujeito de sua história.

Podemos ainda dizer que somos escravos e senhores do conceito, transformamo-nos em

criadores e criaturas do patinho feio. Somos escravos de nós mesmos. Sartre remete-nos

à ideia de que nos projetamos e projetamos o mundo que queremos viver.

Na filosofia sartriana, há dois quesitos: o histórico pessoal e o histórico geral, e nós

fazemos parte dos dois, tanto na opinião social como na profissão que recai sobre essa

opinião.

Buscamos, então, fazer parte desta história; não obstante, como encontrar meios e força

para modificá-la?

O forte não precisa mostrar sua força nem sobrepor-se a outros para mostrar-se forte.

Em Nietzsche e a filosofia de Deleuze, é a “moralidade escrava”. Seriam os

educadores/escravos tão fortes que chegam a amedrontar os senhores. Segundo o

pensamento nietzschiano, são fortes os que não precisam demonstrar sua força e aqueles

que usam a ostentação de força são os verdadeiros fracos.

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Em Nietzsche, a relação essencial de uma força com outra nunca

é concebida como um elemento negativo na essência. Em sua

relação com uma outra, a força que se faz obedecer não nega a

outra ou aquilo que ela não é, ela afirma sua própria diferença e

se regozija com essa diferença (DELEUZE, 1975, p. 7).

Não há profissão que não tenha passado pelo banco da escola, nem

mesmo a profissão de educador, que, por sua vez, é um contínuo aprendiz.

O professor é forte, mas ironicamente é por meio da força que por vezes tentam

conformá-lo à ideia de ser supérfluo e incapaz.

Quisessem aceitar e permitir a dialética senhor/escravo ao mostrarem os verdadeiros

fortes ou a força desprendida em fazê-los crerem ter o domínio.

Entretanto, surge uma grande preocupação exposta no pensamento social. Karl Marx

desenvolveu uma série de pertinentes pensamentos, obtendo a atenção do mundo, entre

eles a “mais-valia” e o “Socialismo”. Até hoje seu legado norteia vários pensadores na

incessante busca de uma sociedade mais justa.

A igualdade de direitos cívicos como a liberdade irrestrita de opinião são

legítimas e necessárias para que todos, individualmente, possamos expressá-la e não

supô-la idêntica como se todos pensassem da mesma maneira dentro de uma sociedade.

Não obstante, como mensurar numa sociedade os pensamentos sobre a ação educadora e

os educadores, uma vez que se tem a impressão que todos senhores e que todos os

educadores são os senhores e ao mesmo tempo escravos?

Como transfigurar esse valor que já está enraizado em ambos, social e

moralmente? Como modificar um valor que se tornou como verdadeiro introjetado por

muitos educadores como a indelével marca desta profissão?

Na condição de voltar ao pensamento de Nietzsche dada as inúmeras leituras e

discussões acerca do controverso filósofo alemão, pode-se dizer que, por um lado,

houve um grande e impactante susto, causado pela extrema violência com a qual

Nietzsche filosofa, marca da filosofia do martelo. Contudo, Nietzsche mudou o modo de

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filosofar: na transvaloração, há uma conversão em bom o que antes era mal e em ruim o

que antes era bom. Já a moral do ressentimento diz que o forte é livre para exteriorizar

sua força ou não: e, quando a exterioriza, é ruim. O filósofo alemão nunca negou as

dificuldades da vida e da dor, critica a moral como uma contra-natureza, que é a moral

da tradição cristã e socrática; a moral platônico-socrática; a ideia de uma ordem moral

do mundo; e que nega a vida, justificando-se em Deus.

Nietzsche muitas vezes declara aberta e francamente o quão angustiante é

viver; entretanto, foi provavelmente o maior defensor e norteador dos escravos e dos

plebeus contra as imposições dos senhores e tudo que por analogia eles representam.

Com a sua “vontade de potência positiva” mostrou ao mundo que era possível inverter a

dialética senhor/escravo, bem como seria possível chegar enfim à “transvaloração de

valores”.

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CAPÍTULO 2

2.1- A FUNDAMENTAÇÃO HISTÓRICA

Neste capítulo iniciar-se-á a pesquisa da educação brasileira, como base

para que se possa entender a sua trajetória histórica e a sua relação com educadores e os

momentos políticos e sociais que estava inserida. Para tanto, tomar-se-á como

fundamento norteador o livro: “Outras histórias da educação do Iluminismo à Indústria

Cultural” (1823-2005), da autora Sonia Marrach.

2.2- A IMPRENSA

A imprensa merece um aparte sobre o grande valor que desempenhou na

construção do novo país que surgiria, contudo, para alguns jornalistas, tratava-se de uma

nova forma de se fazer notícias.

Cipriano Barata comenta que uma nova concepção histórica surgia em

meados da Independência de 1822, em Pernambuco, que em sua opinião surgia um

novo produto jornalístico político: a opinião pública.

“A opinião pública faz a história”: a imprensa de opinião do início do século XIX sofre

algumas mudanças, pois não se retratavam mais fatos heróicos ou grandes façanhas

nascidas entre vinhos em salões.

Fez-se um movimento, uniu-se Pernambuco, aclamou-se o

imperador etc., mas tudo isso foi operado pela opinião pública e

pelo estado das relações políticas entre Brasil e Portugal. [...]A

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opinião pública é essa Rainha do Mundo, que tudo governa, que

estabeleceu muitos reinos sobre as ruínas de Roma, que tem

destruído as pretensões dos Papas, que tem combatido o

despotismo e feito as revoluções na América do Norte e do Sul,

que derrubou Bonaparte etc.(SL, 2.7.1823,n.26 p.54)

Entende-se então que a história já não é mais um produto oriundo das

ações de reis ou príncipes ou outros soberanos, não é obra de indivíduos importantes e

poderosos, a história passa pela imprensa de opinião, e esta é chamada a que “dá luzes

ao povo” (p.55). A imprensa coloca-se como preceptor do povo, aquela que fiscaliza,

que denuncia os arranjos políticos, os conluios, a história passa a ser feita pela opinião

pública. A opinião pública e o encontro do povo com a razão é o povo informado,

esclarecido. A força da opinião depende apenas de conseguir impor-se em relação aos

poderosos.

A força da opinião pública é reconhecida no Brasil e não é de estes

tempos. Pode-se entender que desde os primeiros tempos de Brasil independente a

opinião pública assumia caráter elucidativo do público.

Nestes tempos de mundo globalizado e de internet a opinião pública

sobre o educador é massificada e implacável. A força dessa opinião negativa e

tendenciosa recai forte sobre a educação e o educador, formando uma opinião

massificada como negativa, que responsabiliza apenas um lado: o corpo docente.

Depositada sobre os ombros dos educadores, esta opinião isenta políticas públicas e o

abandono sofrido pela educação, espalhando-se e criando consenso esclarecedor contra

toda uma classe.

2.3- A ESCOLA

A organização da escola Brasileira do XIX refletia a situação social em

que o país se encontrava, a verticalização da estrutura social norteava a ordem escolar.

O Brasil sofria com uma sociedade de oligarquias proeminentes em que os grupos

dirigentes eram compostos por poucas famílias. A sociedade era hierarquizada

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demarcada por rígidos obstáculos raciais e de classes. A educação conforme Henri-

Irénée(1969) constitui um fenômeno secundário, subordinado à civilização, da qual

representa um resumo. A escola inicia a juventude na cultura real de uma civilização, de

uma sociedade. A educação reflete o momento social.

Pode-se usar como referência a obra de Machado de Assis para

compreender as mudanças entre o rito e o mito do esclarecimento, a transformação do

ritual revolucionário da educação democrática no mito da modelagem ou controle das

almas. Sob a visão de Sidney Chalhoub, no texto machadiano é possível encontrar mais

que histórica, é uma fonte histórica e interpretativa da exploração da ideologia

senhorial. Em sua obra há exemplo de posição ambivalente, como na personagem

Helena.

“condenada a uma introjeção dos valores e significados que

organizam o mundo a partir do ponto de vista de Estácio. A

contemplação exclusivista do próprio nariz, tão saliente em

Estácio e Brás, seria a essência de um ser político específico,

historicamente determinado, aqui apelidado de classe senhorial”.

[...]

A obra machadiana “buscava representar a classe senhorial no período em que vivera o

ápice de seu poder e prestígio social, ou seja, entre os anos 1840 e o aprofundamento da

crise política que resultaria na lei de 28 de setembro de 1871” (Chalhoub,2003, p.24-5).

No Brasil monárquico os discursos parlamentares falavam em educação

para todos, porém o que se via na prática era um descaso total e educação para poucos.A

ausência de educação básica deve-se ao fato de repressão externa, ao controle as

ameaças e até uso de violência física, não refere-se apenas aos escravos, esse controle

recaia também nos homens livres e pobres, chamados “mestiços”, “pardos”, “cabras” e

“crioulos”, que na teoria eram livre e na prática submetidos e presos à lógica do controle

das almas e do mito da educação para todos.

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Durante o Segundo Reinado (1840-1889) a escola era para os grandes

comerciantes e para os proprietários rurais de grande porte, os meninos eram os únicos

que freqüentavam a escola, para as meninas restavam apenas os cursos de línguas, piano

e aulas de refinamento, porém apenas as famílias mais abastadas mandavam as meninas

aos conventos franceses e as aulas eram ministradas por mestres estrangeiros.

Os currículos das instituições de ensino no período seguiam o modelo

padrão clássico francês voltado para língua, literaturas antigas e modernas, retórica,

história, filosofia e religião. Apenas no final do império a matemática e a ciência natural

ganharam terreno. A metodologia era o “decoreba”, e questionado uma vez por um ex-

aluno o professor explicou que era a forma de garantir que o educando não cometesse

gafes ou recaísse em distorções do que devia ter entendido.

“Menino, estudante que não decora só não diz besteira quando

compreende o ponto, e isso não acontece sempre.Por isso tomei

o partido de exigir sempre que me decorassem a matéria, porque

desse modo não diriam tolices, embora sem compreender o

assunto”(Needel,1993,p.77).

2.4- EDUCAÇAO PARA O CONTROLE DAS ALMAS

Foram os acadêmicos que formaram o quadro político e administrativo

do Império, os de outrora estudantes e agora bacharéis. Entenda-se, quando se diz de

“outrora estudantes” que refere-se às mesmas pessoas, àqueles poucos que tinham

acesso à educação, os filhos dos poderosos, dos grandes comerciantes e dos grandes

donos rurais. Sofreram o principal efeito da vida acadêmica dos “ aprendizes do poder”

constitui uma elite de políticos profissionais coesa e diversa, que

sintetizava harmonia e contradição, que expressava tantos os

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interesses agrários quanto os urbanos e- sobretudo- que se

constituía como agrupamento multifacetado, porém, que

representava a única parcela politicamente organizada da

sociedade.(Adorno,1988,p.155)

Os bacharéis fora das salas de aulas eram formados e disciplinados sob o

modelo de interesse do Estado Monárquico, capazes de manter e controlar o aparato

administrativo, ainda que não acreditassem em sua legitimidade estavam habilmente

convencidos de sua legalidade. Eis a transformação de iluminismo/esclarecimento, que

propunha a educação democrática, em mito da modelagem do controle das almas.

Poucos escritores, de refinada intuição, tais como Machado de Assis e Eça de Queirós,

foram capazes de identificar o que nos tempos atuais se confirmam com as pesquisas

fundamentadas nos trabalhos de Sonia Marrach, Sérgio Adorno, Sérgio Buarque de

Holanda, Fernando de Azevedo, Paulo Mercadante, entre outros. Ao longo do século

XIX viveu-se a passagem da busca do esclarecimento ao mito do controle das almas.

O jovem país livre passa por muitas transformações e para novos

comandos, os quais em seu livro Sonia chamou de a nobreza de toga que representavam

a continuidade da colônia, vale lembrar que o lema de seu conservadorismo era

reformar para conservar.

Tempos de crise no velho mundo senhorial e a nobreza de toga, filha da

aristocracia rural, minou aos poucos um dos esteios da monarquia e de suas classes, que

já havia se transformado.

Quando a campanha de abolição foi iniciada, restavam ainda

dois milhões de escravos [...].A humanidade estava por demais

adiantada para que se pudesse defender em princípio a

escravidão , como o haviam feito nos Estados Unidos.A Raça

latina não tem dessas coragens.O sentimento de ser a última

nação de escravos humilhava a altivez e emulação de país

novo.[...].Nossos proprietários emancipavam aos centos os seus

escravos, em vez de se unirem para linchar os abolicionistas,

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como fariam os criadores de Kentucky ou os plantadores da

Luisiana.[...] Nabuco, Joaquim (1963,p.193-4)

2.5- EDUCAÇÃO ENFADONHA E OS PROFESSORES POBRES DIABOS

O mundo burguês era moderador, conservadorismo era seu lema e a

juventude representa a inquietação, o rompimento da tranqüilidade, o fim do equilíbrio,

do enfadonho. A burguesia desconfiava do ímpeto da juventude. Aí o segredo da

educação enfadonha, do desinteresse pela escola e pelo método tradicional escolar.

Os jovens, que por instinto sempre pretendem alterações rápidas

e radicais, eram, pois, considerados como elemento perigoso,

que pelo maior tempo possível deveria ficar afastado ou ser

reprimido. Por isso não havia razão para que nos tornassem

agradáveis os anos de escola; deveríamos fazer jus a toda forma

de ascensão mediante paciente espera. (Zweig,1953,p.38)

E com os educadores não era diferente. Vítimas ou não da transição em

que a escola era submetida, os professores também eram obrigados, os bons ou os ruins,

a jogarem o jogo da educação aristocrática da obediência com vistas a uma formação de

aceitação e sublimação. O plano de ensino estabelecido e imposto pelo Estado aos

educadores. Os educandos tinham apenas obrigações e principalmente a da docilidade

permanecendo assim até que atingissem a maturidade e aí então, conheceriam seus

direitos. Vivia-se uma época na qual os cabelos grisalhos, os óculos, a moderação e a

experiência eram muito valorizados. A pedagogia tradicional encontrava apoio, uma vez

que a voz dos pais era irrefutável assim como a dos professores.

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Também os nossos professores não tinham culpa da falta de

atrativo daquela atividade escolar. Não eram bons nem maus,

não eram tiranos nem camaradas prestimosos, mas sim pobres

diabos que, presos escravos ao esquema, ao plano de ensino

estabelecido pelo Estado, tinham de executar a sua tarefa como

nós a nossa, e se sentiam- isto percebíamos claramente- tão

felizes como nós quando ao meio-dia tocava o sino da escola,

que a eles e a nós dava liberdade. Não gostavam de nós, não nos

odiavam, e mesmo não tinham motivo para isso, pois não

sabiam a respeito de nós. Ainda após alguns anos só conheciam

pelo nome poucos de nós; de acordo com o método de ensino de

então, nada lhes preocupava senão verificar quantos erros o

“aluno” cometera no último exercício. Eles estavam sentados em

cima, na cátedra, e nós embaixo, nos bancos, perguntavam e

tínhamos que responder; fora disso não havia entre eles e nós

relação alguma, pois entre o professor e o aluno, entre a cátedra

e o banco escolar, entre o visível que estava em cima, e o visível

que estava embaixo, se achava a barreira invisível, a

“autoridade” que impedia todo o contato. (Zweig 1953,p.40)

“A ausência de união espiritual entre Zweig e seus professores era tanta

que simplesmente esquecera o nome e a fisionomia de todos” (Marrach, Sonia. 2009,

p.106.)

A educação não formava e tampouco discutia a sociedade. A imposição

do estado forjava uma sociedade moldada aos parâmetros pré-estabelecidos pelo estado

e os educadores, por conseguinte, submetidos ao mesmo.

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2.6- A EDUCAÇÃO NA SOCIEDADE DA ADMINISTRAÇÃO

Pode-se entender que se vivia um momento que a administração, o

estado, procurava o domínio de poucos sobre muitos e para que esse domínio ocorresse

havia de ser planejado em todos os setores da sociedade. Acontecia tanto no controle da

informação pública, nos meios de comunicação, e a educação não era ignorada e

incluía-se como fator importante a educação em massa sob os rígidos regulamentos do

planejamento estratégico estatal.

Segundo Mannheim:

Trata-se de uma sociedade que passou pela transição do laissez-

faire para a sociedade administrada, planificada. Isto é, uma

sociedade com grandes técnicas sociais de controle do

comportamento humano, que favorecem o predomínio da

minoria sobre a maioria. Assim, no campo militar, por exemplo,

enquanto os exércitos do século XVIII e XIX eram equipados

com fuzis e canhões, os do século XX possuíam “bombas

aviões, gases e unidades mecanizadas. Um homem armado de

fuzil ameaça apenas umas quantas pessoas, porém o que possui

uma bomba pode ameaçar milhares. Isso quer dizer que em

nossa era a modificação da técnica militar contribui muito para a

possibilidade de domínio da minoria” (Mannheim, 1973, p.14

apud Marrach, Sonia. 2009, p.116)

A tendência à concentração ocorreu em todos os setores e a produção

mecanizada de idéias feitas pelos meios de comunicação, agiu no sentido de controle

social. As novas possibilidades técnicas permitiram ainda o controle da educação e da

ciência.

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Os efeitos da primeira guerra mundial sobre a cultura e os indivíduos

também incidiram sobre a cultura burguesa tradicional; o pós primeira guerra, aliado ao

mundo do controle, o mundo da burocracia e das grandes organizações aniquilaram os

indivíduos por meio dos controles sociais e como resultado a clássica burguesia foi

devorada pela Indústria Cultural. Quiçá interprete-se melhor a educação contemporânea

entendendo-se que a cultura burguesa, seja ela erudita ou tradicional, dos livros ou de

óperas, de teatros ou da música deixou de ser hegemônica há muito tempo, ficando

restrita a pequenos grupos de intelectuais das classes altas e médias, aos vanguardistas

artistas e as áreas específicas das universidades. Compreende-se então que daí surgiu

uma indústria cultural do ensino, a cultura dominante sobre as grandes massas regida

pelos e para os interesses das grandes organizações. A cultura para o controle de massa

afetou profundamente a educação e o esclarecimento, produzindo o que se chamou

Indústria da Cultura do Ensino no final do século XX. Para muitos, a época da

catástrofe o século XX foi o século das técnicas sociais de controle, da sociedade

administrada, planificada, em que poucos tinham poder sobre muitos.

Para Eric Hobsbawn o século XX ficou conhecido como “era da

catástrofe” (1914-1945); duas guerras mundiais, uma revolução, duas formas de

totalitarismo.

Nunca se matou tanto na história humana como, com tecnologia

desenvolvida pelo próprio homem. E foi no século XX que as

massas começaram a participar da vida social e política. Daí as

exigências de novas formas de controle social, dentre elas

destaca-se a educação, que passou a atingir as novas classes

médias e o proletariado, pois cresceu o medo do esclarecimento

das massas.(Hobsbawn, 1997 apud Marrach,Sonia. 2009, p.118.)

“O medo do Iluminismo conseguiu sobreviver ao próprio Iluminismo”

( Enzensberger,1995,p.45 in Marrach, Sonia.2009, p.118)

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A educação substituiu o Iluminismo, que por sua vez estava a serviço do

controle social exigido pelo estado por meio de políticas educacionais. O que outrora

almejavam os filósofos da Ilustração e pela burguesia revolucionária fora trocado, pois,

já não servia, agora havia que se preparar operários para as indústrias e funcionários

para a burocracia. Mannheim escreveu sobre o problema e Sonia Marrach diz que assim

ele se exilou em Londres em 1914 e que a sociedade das técnicas sociais, de controle

burocrático, tendem a um planejamento autoritário em que poucas pessoas decidem a

vida de muitos. Então, se desejamos uma sociedade com planejamento participativo,

temos que ensinar aos jovens o que é democracia e o que é um planejamento

participativo e como se faz. A juventude não nasce com a consciência democrática.

A escola do século XIX era compartimentada, ensinava matemática,

história, geografia, ciências e valores eternos para crianças e jovens das classes

tradicionais e proprietárias, que já traziam consigo as normas de civilidade e bom

comportamento.

No século XX a escola é colocada num compartimento à parte da

sociedade da vida. Há o nascimento de partidos e movimentos que arrebanham as

massas, que começam a participar da vida social. Mannheim propõe uma educação para

a vida, pois ele acreditava que a vida para os jovens tornou-se incompreensível. É

diferente viver em um pequeno povoado no qual se entende como tudo funciona e viver

em uma sociedade contemporânea industrial e administrativa, cujas forças sociais e

econômicas atuam de forma invisível, e assim veladamente, nada se entende. A

sociedade torna-se um enigma para o jovem.

O crescimento de uma sociedade que ninguém entende, em que ninguém

se entende provoca crise de valores, crise de autoridade e liberdade, provoca o desajuste

social a falta de senso e de bom senso comum, um total desajuste pessoal e social de

como o indivíduo se vê, se sente inserido e socialmente participativo. Como participar e

entender o que não se entende?

Necessita-se uma escola não compartimentada, capaz de superar a

escolástica, uma educação capaz de emancipar o educando de fazê-lo entender e

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interpretar os conflitos individuais e coletivos, levar os educandos a uma apreciação da

sociedade e um esclarecimento mais complexo dos fatos.

Trata-se de um esclarecimento mais complexo que coloca para a

escola a necessidade de refazer o “elo de entre as disciplinas que

tratam dos assuntos humanos”, pois “é impossível imaginar um

professor que não enfrente, dia a dia, dificuldade de

comportamento dos alunos que, convenientemente observadas,

não passam de sintomas de conflitos dentro da família, da

comunidade, entre diversos grupos de idade, etc.

(Mannheim,1973,p.78 apud Marrach, Sonia. 2009, p.119)

Desta maneira, a autora comenta que os problemas escolares ganham

uma dimensão humana muito mais profunda e enfrentá-los no cotidiano exige uma

educação em que as ciências humanas são o elo para aprofundar e ampliar a consciência

humana, para com ela desvendar e compreender as motivações do ser humano, suas

mazelas, suas misérias, suas angústias, seus enigmas e os enigmas de uma sociedade.

A consciência que o educando deve adquirir significa a capacidade de

perceber prontamente e compreender o conjunto da situação em que se encontra, não

apenas para situar-se e empreender a ação de acordo com os fins que ele mesmo

preestabelece, mas também com o objetivo de fundamentá-la em uma visão globalizada.

Entenda-se a necessidade de criar um elo entre a educação e a sociedade

contemporânea, a ampliação do indivíduo e sua capacidade de tolerância com seus

problemas e conflitos.

“Alguns pensadores como Zweig, Mannheim, Einstein, Adorno e Erich

Fromm, embora com linhas de pensamentos diferenciadas compartilham do mesmo

ponto de vista citado na página anterior”. (Marrach, Sonia. 2009 p.119)

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A consciência, dessa visão global, mais profunda da sociedade é

fundamental para o indivíduo viver em sociedade em épocas de mudança. Menciona

Mannheim

É impossível que venhamos, depois desta guerra, a mais

desumana de toda a história, a condições de tempo de paz, sem

contar com ajuda dos professores para atacar essas tendências

desintegradoras. Hoje ninguém pode pensar na paz após guerra

como um mero retorno às condições do pré-guerra. Haverá

demasiadas convulsões, e, por conseguinte, uma necessidade

premente de regeneração fundamental de nossa sociedade. Na

sociedade de antanho, era possível passar de mão em mão

hábitos, costumes e uma filosofia de vida estabelecida, que

habilitavam o indivíduo a exercer papéis sociais mais ou menos

predeterminados. Numa sociedade como a nossa, só uma

educação para a mudança pode auxiliar-nos. (Mannheim 1973,

p.79 apud Marrach, Sonia. 2009, p.119)

A reafirmação da necessidade constante de revisão do sistema

educacional como fundamento para desvelar um educando capaz de reconhecer-se em

sociedade e entender as mudanças sociais e os efeitos destas mudanças trazem consigo.

Um indivíduo capaz de reconhecer-se partícipe de um momento histórico como parte da

história e ator dessa mesma história. O problema encontra-se em entender a quem

educar? O que ensinar? Mudança social em que direção?

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2.7 - PEDAGOGIA LIBERTÁRIA

Um das questões cruciais que aparecem na discussão da educação em seu

perfil tradicional e o autoritarismo e o dogmatismo sistematicamente incluídos na

função educativa. A educação libertária buscou substituir tais características por uma

formação em que o aluno fosse desde o início o sujeito do processo. Essa concepção

tem raízes no anarquismo político desta mesma época.

A crença central do movimento Anarquista era uma educação

primeiramente associada à revolução e livre de qualquer comando do estado, pois como

se entende, os anarquistas não confiavam em nenhum tipo de governo, ainda que o

governo fosse revolucionário. Os anarquistas acreditavam no progresso da humanidade,

do homem do século XIX. Tinham convicção que a educação deveria despertar anseios

individualizados e mentalidades libertárias. Por Sonia Marrach, segundo Malatesta,

“não existem homens excepcionais nem partidos providenciais

capazes de substituir a vontade própria de fazer o bem pela

força. A vida toma sempre as formas que resultam do contraste

dos interesses e idéias daqueles que pensam e querem. Portanto,

provocamos a todos a pensar e a querer” ( Luizzeto,1987,p.44

apud Marrach Sonia,2009, p.124)

O mundo vivia um momento de transição entre os séculos XIX e XX,

nesta época surge um educador espanhol que colocou as práticas libertárias a serviço da

educação. Francisco Ferrer (1859-1909) criou as escolas livres com uma disposição

incansável de desafiar a educação oficial e a confessional, as escolas gerenciadas pelo

estado. Ferrer é oriundo da geração que sofreu grandes mudanças na Espanha com as

invasões napoleônicas. Período de mudanças políticas e culturais, assim como o

crescimento das artes e da literatura.

No plano político, com a maioridade de Isabel II (1843), emerge o

reformismo com a manutenção da tradicional união Igreja e Estado. Em 1869 a

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liberdade de culto é votada pela primeira vez na Espanha. A rainha refugia-se na França.

As cortes proclamam a República. O exército era o único dono do poder ostensivo.

Apesar do acordo entre estado e Igreja, as ideias democráticas aos poucos conseguem

penetrar.

Ferrer entre outros revolta-se contra o passado político espanhol e contra

a burguesia mais interessada no poder do Estado que na liberdade. Revolta-se contra a

carência da educação que havia na Espanha de 1845.

O “ensino primário obrigatório, conforme lei 21 de Julio de 1838,não foi efetivado.

Quatro milhões de habitantes, em dezesseis, sabiam ler. Durante os 30 anos posteriores,

até 1907, essa cifra elevou-se para 6 milhões em 18 milhões de habitantes”

(Tragtenberg,1982,p.97 in Marrach, Sonia, p.125).

Francisco Ferrer, entre muitas escolas e universidades, funda também “a

editorial” para publicar obras pedagógicas racionalistas. Percebeu que o ensino das

escolas laicas tornava-se tão deturpado e preconceituoso como o das escolas católicas e

oficiais, e mostrou seu desapontamento assim:

Deus foi substituído pelo Estado; a virtude cristã pelo dever

cívico; a religião pelo patriotismo; a submissão e a obediência

ao rei, ao aristocrata e ao clero pelo atacamento ao funcionário,

ao proprietário e ao patrão [...]

[Daí que] a idéia de ensino não deveria ser acompanhado de

nenhum qualificado; responde, unicamente, à necessidade e ao

dever que sente a geração atual de preparar a nova geração,

entregando-lhe o patrimônio da sabedoria humana” ( apud

Luizzeto, 1987, p.60 apud Marrach Sonia, 2009, p.129)

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Ferrer cria a escola moderna, uma escola com propostas diferentes, uma

escola liberal, uma forma de educação que visava a um ensino racional e científico, livre

do domínio do estado e da Igreja. Baseava-se nos princípios da razão e da ciência.

Fundamentada “Desenvolvimento da dignidade e da independência pessoal, e não na

piedade e na obediência”; fundada “ na abolição da ficção divina, causa eterna e

absoluta da servidão”( in Marrach, Sonia, 2009, p.126)

Defendia a união entre a teoria e a prática, um ensino ligado à realidade, onde o saber

retórico e livreiro é substituído pelas indagações, pela capacidade de unir razão,

sensibilidade e método científico. Numa sociedade profundamente patriarcal e

hierárquica a nova escola de Ferrer propunha uma prática de educação de coeducação

das classes sociais para promover o companheirismo e as relações horizontais.

Promoveu a coeducação de gêneros com o intuito de educar integral e harmoniosamente

a homens e mulheres. A escola libertária acabou com algumas práticas rotineiras das

escolas tradicionais.

1) A disciplina férrea pela disciplina necessária. Em vez de impor uma disciplina na

qual se fingia obediência e atenção e em segredo se brincava.

2) Fim dos programas oficiais. Estabelecidos por uma autoridade centralizadora, criava

uma uniformidade educacional. Oferecia a livre iniciativa e a originalidade.

3) Eliminar o sistema vertical de exames, classificação e notas, que gerava rivalidade e

rancor entre os educandos.Promovia relações de desenvolvimento da liberdade e da

solidariedade.

Época de crise da sociedade burguesa, ebulição social e ascensão do

movimento operário, a questão social era tratada como caso de polícia, um momento em

que não havia direitos sociais, nem políticos, nem educacionais. A educação era

extremamente elitista. A ausência de estado na cultura, na área trabalhista, na educação,

na área previdenciária, impede o acesso da classe trabalhadora à educação a aos bens

culturais.

Em meio a toda essa dinâmica a educação estreita a relação com os

movimentos sociais e com isso demonstra a preocupação com um mundo melhor. E a

parir daí será o norteador da nova educação. A escola tradicional entra em crise e abre-

se o caminho para a proposta libertária de educação. Uma escola articulada com a

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ideologia popular e a cultura anarquista. A nova escola promulgava uma educação

emancipadora, com ideologia anarquista, que buscava esclarecer o trabalhador e

promover uma sociedade livre, sem Estado.

2.8- PEDAGOGIA LIBERTÁRIA NO BRASIL

Após a abolição da escravatura no Brasil, e temos de lembrar que o

Brasil foi um dos últimos países em que ocorreu de fato o fim da escravidão, inicia-se o

processo de substituição dos escravos por trabalhadores. Quantidades e quantidades de

imigrantes oriundos da Espanha, da Itália, do Japão, da Arábia e da Suíça chegam para

fazer o serviço de lavoura e os primeiros citadinos, acelera-se a transição entre a

sociedade agrária-escravocrata e sociedade urbano-industrial. Em 15 de novembro de

1889 o Marechal Deodoro da Fonseca proclamou a República, o povo não entendia o

que ocorria e ignorava o significado de República que é a coisa pública , o bem público

do qual todo cidadão deveria cuidar e representar de forma democrática.Ao contrário o

que se viu foi uma República dos militares, dos coronéis, do voto de cabresto, da

política do café com leite, do liberalismo nos quadros do coronelismo, da enxada e do

voto, bem estudados por Vitor Nunes Leal(1948)

O Brasil passava pelo processo da industrialização, provocado pela

dificuldade das importações causadas pela explosão da primeira guerra mundial que

fechava os mercados e obrigava aos países importadores a industrializar-se rapidamente.

A necessidade promulgou a industrialização brasileira. As indústrias nasciam e os

imigrantes garantiam a mão de obra. Os operários trabalhavam 12, 14, 16 horas diárias e

desconheciam qualquer tipo de direito, nem seguro saúde ou previdência social. Porém

esta situação mobilizou muitos imigrantes, principalmente italianos e espanhóis, que

traziam consigo a cultura de lutas sociais e políticas. Nasceria, então, o movimento

operário anarquista, que lutava por uma sociedade livre, coletivista e sem Estado.

Nas primeiras décadas do século XX fundaram-se muitas escolas e

universidades, centros culturais, bibliotecas e grupos de teatros com o único intuito de

promover o esclarecimento no sentido de autoemancipação

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“verificamos o nascimento de uma classe operária sem vínculos

diretos com a cultura nacional, mas, pelo contrário, sendo uma

combinação internacional de tradições culturais europeias

diversas, trazidas com os imigrantes, com experiência [...]

advinda do trabalho camponês, do trabalho escravista do

pequeno setor artesanal e industrial das cidades (Harman,1983,

p.68)

As escolas libertárias eram mantidas por doações e pagamento de

mensalidades por alguns alunos que podiam pagar, as escolas sobreviveram

precariamente por seis anos, de 1913 a 1919, um período de grande ascensão do

movimento operário anarquista e de grande repressão a partir da grave de 1917. Na

época dos fechamentos das escolas livres havia 150 alunos. As escolas em sua maioria

eram ministradas por professores que trabalhavam em outras escolas e davam suas

contribuições nas escolas libertárias.

Em 1914 foi inaugurada a universidade popular de ensino livre

no Rio de Janeiro. Esta universidade seguia a proposta de Ferrer

y Guardiã. Era dirigida por Elísio de Carvalho, Vitor Schobnel,

Tito de Miranda e Mota Assunção, que integram o conselho

administrativo. Os cursos eram Direito, Psicologia, História,

Sociologia, Antropologia, literatura, Matemática e Biologia(

Rago,1997)

O objetivo da escola tradicional é adaptar o indivíduo à

sociedade, formando personalidades dóceis com os superiores, e

autoritárias com os inferiores, a pedagogia libertária é contra o

exercício do poder e o verticalismo da hierarquia social. A

pedagogia libertária visa à formação integral do indivíduo capaz

de interagir igualmente com outros indivíduos, em sociedade

onde todos possam conviver de forma horizontal. Assim

sacrifica os dogmas, a cultura oficial, as autoridades estatais e

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eclesiásticas, para formar um indivíduo que tenha iniciativa,

criatividade, imaginação, vontade própria, capacidade de

observação, independência, enfim, autonomia intelectual.

Diferente das escolas de massas, que vê a criança como um

pequeno selvagem que precisa ser civilizado, os anarquistas

acreditavam no princípio da bondade natural de Rousseau. A

matriz do pensamento libertário e iluminista, fundamentada na

concepção rousseauniana da bondade natural do homem.

( Marrach, Sonia, 2009, p.131)

Ferrer opta por uma educação libertária, sem prêmios ou castigos, uma

educação que procura ministrar os conhecimentos de acordo com tendências e as

curiosidades da criança. Diferentemente da concepção originária do vocábulo educar

que vem do latim educare e significa “endireitar o que está torto”.

Na educação libertária o professor se aproveita das curiosidades e

oportunidades para chegar ao conhecimento. O ensino, das escolas livres, deve ser

prazeroso, por meio de jogos e atividades lúdicas, rompendo as barreiras entre trabalhos

manuais e intelectuais.

“ falando mais ao olhar que ao ouvido, dedicando-se mais à

inteligência do que à memória, esforçando-se por desenvolver

harmônica e integralmente seus órgãos.O professor tem pouco a

ensinar, mas deve observar muito, e aproveitar as circunstâncias

para que seu aluno descubra por si mesmo os inúmeros fatos de

todo o gênero, as múltiplas relações que mantém entre si”

( Rago, 1997, p.150).

Porém, diferentemente da matriz iluminista, em que o filósofo e o

professor passam, ou seja, levam conhecimento ao povo, esclarecem o povo, na

educação libertária é diferente se valoriza a auto-aprendizagem, se individualiza, ao

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contrário de uma educação de massa que se passa de mesma forma para todos,

ignorando as diferenças cognitivas e a capacidade que o indivíduo tem de aprender por

si só. Nas escolas livres se valoriza a iniciativa pessoal, embora se trabalhasse em

grupos de alunos e professores, porém, tratava-se de valorizar o interesse e o

conhecimento individual de cada educando. Sobre esse ponto de vista a escola

tradicional e a escola de massificação uniformizam os indivíduos e a segunda massifica

o conhecimento, todos indistintamente devem aprender o determinado pelo programa

oficial do curso em que o educando se encontra, todos têm que chegar ao conhecimento

ao mesmo tempo, ignorando-se diferenças individuais de conhecimento prévio e a

velocidade de apreensão. Os conceitos fundamentais na educação libertária de Ferrer

são os de autodidatismo e autoemancipação, vinculados às práticas sociais anarquistas.

É importante sinalizar que o autodidatismo é inerente à capacidade humana de

conhecer. Forma importante de conquistar liberdade individual, o sujeito do

conhecimento afirma-se opondo-se ao ensino massificado despolitizado de transferência

de noções desarticuladas e fragmentadas em doses homeopáticas.

Tragtenberg foi um grande exemplo de autodidatismo por resistência às

práticas de dominação escolar e por sobrevivência intelectual. Tornou-se professor

universitário e expressivo crítico do regime militar entre os anos 60 e 80. Durante seus

anos de escola adorava ler, porém não aguentava as regras escolares. Era leitor de livros

proibidos e costumava ler escondido e frequentar a biblioteca municipal de São Paulo e

em algumas de suas “universidades”como ele dizia conheceu Antonio Candido,

Florestan Fernandes e outros intelectuais, com os quais passou a conviver e a discutir.

Frequentou outras bibliotecas e Centros Culturais Anarquistas. Esses centros culturais

tinham papel de formação política e cultural.

O indivíduo acreditava ver claro, o esclarecimento era favorecido pela

polarização ideológica, ou se estava de um lado ou do outro, havia certa clareza nas

posições ideológicas e políticas. Comparando aos novos tempos com a massificação da

cultura o esclarecimento está muito mais difícil, pois não se encontra mais definições

políticas e posições culturais. Marrach faz uso das palavras de Ferro para ilustrar tal

situação:

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Hoje em dia, através da televisão e do cinema, as pessoas estão

mais bem informadas do que há 30 anos atrás. Isso produz uma

chuva de informações que são bem gravadas pelo público, más

não são coordenadas, são totalmente disparatadas. Há 30 anos

havia menos informação, mas, como havia polarização

ideológica, o individuo era chamado a aderir ou a combater, e,

assim acreditava ver claro, enquanto hoje se sabe que não é

possível ter clareza de nada. (FERRO, Marc 2004, p.3 apud

Marrach, Sonia, 2009, p.136)

Segundo as palavras de Ferro, hoje, com a massificação das informações

o indivíduo as recebe, porém não consegue coordená-las e interpretá-las. Parte da

imprensa, seja ela escrita, radiofônica ou audiovisual, veicula informações tendenciosas

e vinculadas a interesses políticos, patronais e comerciais. A imensa quantidade de

informações sobre diversos temas de interesses coletivos apenas chegam às grandes

massas se aprovadas e vistoriadas pelo crivo dos interessados de que esta, ou aquela

informação, se ventile entre a massa. A seleção e restrição de informações, assim como

o tempo controlado das pautas são minuciosamente calculados para ministrar o

conhecimento de muitos, subjugados as considerações de poucos. Estes, os

controladores da informação, avaliam o tempo das matérias; algumas não se delongam

com assuntos se não reverenciam seus interesses patronais ou políticos, encurtando e

administrando em um pequeno flash, por outro lado, em uma demonstração de domínio

e força superior total de controle, pautam autopropagandas e artigos nos quais

visivelmente respondem a apelos emocionais com fins de domínio do conhecimento; é o

informar desinformando. Informam o que lhes interessa e distorcem o que lhes afetaria

se a grande massa chegasse ao esclarecimento. O esclarecimento está cada vez mais

distante, pois sabe-se que o conhecimento se faz com uma avaliação da informação,

porém, frente aos televisores a massa entrega-se aos impulsos visuais e auditivos sem

perceber que controlam pensamentos e emoções e, por conseguinte, retiram-lhe a

possibilidade de esclarecimento. A falta de esclarecimento evidencia e justifica a falta

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de entendimento e quão difícil pode ser avaliar a situação real ou velada da sociedade, o

indivíduo sequer se reconhece como partícipe envolvido e crítico do processo de

desenvolvimento social.

2.9- MARKETING E PUBLICIDADE NO CONTROLE

Há algum tempo o Marketing e a Publicidade de massa tem decidido

eleições, derrubado e eleito presidentes, entre outras provas cabais de domínio massivo.

Hoje não se encontram mais as antigas e bem definidas ideologias partidárias, os

partidos e seus políticos, que o constituem, não carregam consigo a cara e a ideologia de

outrora, esvaindo o sentido claro de forma de pensamento que em outros momentos era

absolutamente entendido pela massa. Esvaído de ideologia e filtrado pelos controles dos

meios de comunicação de massa, a cultura política perde sentido e confunde o

eleitorado comum, àquele que antigamente podia facilmente definir-se ao seguir um

partido que afirmava suas características. O indivíduo encontrava nos partidos

semelhanças na forma de vida social em que acreditava.

Diferentemente da cultura de massa que fundiu a propaganda à

publicidade e levou tudo ao mercado, a cultura libertária na primeira década do século

XX usava a propaganda a serviço da difusão das ideias anarquistas e da divulgação das

práticas sociais e pedagógicas do movimento. A propaganda das Escolas Livres era feita

pelo jornal A Lanterna, um dos jornais que mais as divulgou.

Esta Escola servir-se-á do método indutivo demonstrativo

objetivo, e basear-se-á na experimentação, nas afirmações

científicas e raciocinadas, para que os alunos tenham uma idéia

clara do que se lhes quer ensinar. Educação Artística, Intelectual

e Moral- Conhecimento de tudo quanto nos rodeiam-

Conhecimento das ciências e das artes- Sentimento do belo, do

verdadeiro e do real- Desenvolvimento e compreensão sem

esforço e por iniciativa própria –As matérias a serem iniciadas,

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segundo o alcance das faculdades de cada aluno- constarão de

leitura, caligrafia, gramática, aritmética, geometria,geografia,

botânica, zoologia, mineralogia, física, química, fisiologia,

história, desenho, etc. (Hardman, 1983,p.75)

O anúncio evidencia a opção pelo método científico, voltado para o

entendimento da realidade, fazendo com que o educando pensasse e entendesse a

realidade em que vivia, ao contrário de uma cultura de massificação em que o educando

era preparado para algum fim. Os educandos na escola livre eram personalizados e

aprendiam dentro de seu ritmo, independente de sua idade e da série em que se

encontravam, a individualidade era muito valorizada, como também as curiosidades e os

anseios e a vontade de aprender de cada educando. O trabalho era norteado com base

nas vontades levantadas pelo próprio educando, não havia um planejamento fechado,

igualitário e geral.

Também foi na primeira década do século XX que iniciou-se o combate

entre os meios de comunicação. A publicação de anúncios como o citado eram comuns

nos jornais de movimento anarquista, contudo, com a difusão desta ideologia e

crescimento do esclarecimento que os jornais proporcionavam, surgiu o levante

contrário. Era o início dos jornais de cultura de massa produzidos pela Igreja e o

Estado.Vejamos artigo produzido pelo jornal A Plebe.

Os padres, coitados, andam às tontas para ver se conseguem

escorar o edifício da sua seita parasitária [...] eles lançam mão

de todos os recursos de catequização a fanatismo. Domingo, na

igreja do Belenzinho, houve sessão cinematográfica com o

intuito evidentíssimo de atrair para aí meia dúzia de pobres de

espírito. De modo que a igreja- que já era taverna, casa de

tavolagem, bordel elegante e frege tenebroso- acrescentou,

agora, a todas essas boas qualidades, a de casa de. . .

espetáculos! (Hardman, 1983, p.78)

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O artigo retratava a grande preocupação que os anarquistas tinham com o

aumento da cultura de massa estabelecido pela Igreja e o Estado. Outro fator importante

era o crescimento do extraordinário poder de comunicação e persuasão da linguagem

cinematográfica.

Lembrando um pouco a história pregressa durante os primeiros anos de

República, o que caracterizava o momento histórico era a exploração das indústrias, no

auge da crise burguesa em versão liberal, época marcada pela ausência de lazer de

massa. Houve espaço para o crescimento de cultura popular e para o desenvolvimento

pedagógico libertário. Não existia legislação trabalhista, fato que fortalecia a revolta

contra a tirania das fábricas e do Estado, alimentando a luta de classes cultivada pelos

movimentos operários idealizados pelos imigrantes que trouxeram a experiência das

lutas sociais de seus países de origem.

Para os libertários, a escola pública no modelo iluminista, assim como a

religiosa, era vista como uma escola opressora, repressora, de doutrinação ideológica e

de intervenção na cultura popular. Os iluministas colocaram em discussão a escola

pública em prol do esclarecimento, por outro lado, os adeptos da escola libertária

mostraram que o iluminismo ficou reduzido a uma forma de controle e domesticação,

que reduzia a imaginação criativa dos educandos. Segundo Enzensberger

A substituição do conceito de iluminismo pelo de educação

associada à preocupação de pôr fim ao analfabetismo das massas

foi uma notícia boa demais para ser verdadeira. Os povos

aprenderam a ler e a escrever não por vontade própria, mas

porque se viram obrigados a tanto. A emancipação deles foi

simultaneamente uma cassação dos seus direitos. A partir de

então, o ato de aprender passou a ser controlado pelo Estado e

suas agências: a escola, o exército e a justiça. ( Enzensberger,

1995, p. 47- 139)

A pedagogia libertária queria resgatar o Iluminismo clássico, o de

Rousseau, a noção de autoemancipação como forma de substituir a escola opressora e

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doutrinária, em que o educando tinha que reproduzir conceitos, educandos presos

durantes horas em uma sala de aula. Ao contrário, idealizavam uma escola aberta, em

que educando pudesse desenvolver a curiosidade, a vontade de entender, os desejos de

conhecimento espontâneo, de forma lúdica e prazerosa.

Ao contrário da pedagogia de massa a pedagogia libertária foca a

educação no educando, desenhando e estabelecendo juntos educador e educando as

metas e prioridades que devem ser trabalhadas, com vistas sempre em aproveitar as

curiosidades e os interesses do educando na busca da construção do conhecer

esclarecedor.

Um educando que participa de sua educação e de sua formação como o

protagonista da mesma, por outro lado, a pedagogia da igualdade que não respeita as

curiosidades dos educandos, afastava cada vez mais o autodidatismo, o envolvimento e

o protagonismo do educando e transformava-o em um repetidor de conteúdos.

Conteúdos sem significado, sem bases sólidas, sem porquês, havia de se estudar, pois

urgia a necessidade de cumprir com o conteúdo programático imposto pelo Estado.

Programas estabelecidos que seguiam as normas de educação do controle das

almas.Uma educação opressora, castradora e ausente, uma educação que desrespeitava

as diferenças e punia a genialidade da criatividade colocando a todos no bojo da

mesmice.

Enquanto uma resgatava a vontade de conhecer e reconhecer a forma de

pensar e aprender e reaprender por meio de atividades emancipadoras, em que o

educando é figura indispensável e a mais importante dentro do processo de ensino

aprendizagem, na outra, a educação vem em blocos engessados de conhecimento como

única forma correta de ver os fatos e entendê-los como irrefutáveis e inquestionáveis.

Os educandos eram meros expectadores, criaturas de absorção de retenção de realidades

e valores inquestionáveis.

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2.10- A ESCOLA NOVA BRASILEIRA ÉPOCA DE TRANSIÇÃO

Os novos tempos e os velhos problemas se misturavam em meio à

transição entre a sociedade burguesa em sua versão liberal para a sociedade industrial

administrativa, somado aos efeitos da primeira Guerra Mundial e, sobretudo, a partir

dos anos 20, anos de crise da velha República. Vivia-se uma explosão de movimentos e

de lutas sociais, com diferentes tendências políticas e ideológicas que buscavam

mudanças em vários setores. Depois da sociedade Agrária-escravocrata e

posteriormente pelo Urbano Industrial, a sociedade clamava por mudanças e

exteriorizava a sua vontade organizada em grupos, como o Comunista e o Integralista.

Na esfera cultural surgiu o Movimento Modernista, que contestava o estudo realista

parnasianista e cultivava o gosto pela pesquisa e a busca da compreensão da realidade

nacional, vinculada às novas tendências vanguardistas européias.

Com a semana de arte Moderna de 1922 os professores, educadores,

escritores, intelectuais e jornalistas expressaram os anseios pela renovação educacional

do País. O movimento expressou o pensamento liberal democrático da Escola Nova,

que adequava a educação à realidade vivida pelos educandos, de forma que, colocava-se

o esclarecimento a serviço da razão voltado ao desenvolvimento da ordem social e

econômica atual. Para seus idealizadores a escola nova era um laboratório de vida

democrática que dever-se-ía transformar em agente de desenvolvimento social,

econômico, político, cultural da sociedade capitalista liberal-democrática.

[...] constituiu uma das maiores expressões desta corrente, e teve

grande influência nos educadores brasileiros que atuaram entre

as décadas de 1920 – 1960, como Fernando Azevedo, Anísio

Teixeira e Cecília Meireles. Esta última só se tornou conhecida

como educadora escola-novista recentemente, após a publicação

de suas Crônicas de Educação [...] Anísio Teixeira doutorou-se

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na Universidade de Colúmbia, onde conheceu o mestre da

Escola Nova, que tanto influenciou seus trabalhos. Fernando de

Azevedo, redator do célebre Manifesto dos pioneiros de 1932,

fez seus o pensamento da Escola Nova, então, endossada pela

maioria dos intelectuais e educadores da época.

(Jonh Dewey 1859-1952 apud Marrach,Sonia, 2009, p. 170)

A ideia era fazer uma educação para esclarecer o povo, para criar a

cidadania, propunha-se uma ampla reforma na educação. Precisava-se educar para a

cidadania, o povo tinha de aprender a cuidar da República e de tudo que fosse público.

A escola foi eleita como a instituição que reformularia a República,

“Tratava-se de esclarecer o povo, de formar a cidadania para reconstruir a República”

(Boto 1996).

Tempo de terreno fértil para a expansão das ideias da escola nova, uma

vez, que a economia cafeeira crescia e trazia consigo a multiplicação das atividades

urbanas com o crescimento dos setores de serviço público e de serviços, assim como o

crescimento das atividades financeiras. Tudo contribuía para a necessidade de se formar

cidadãos capazes de trabalhar nas máquinas das indústrias, havia-se de preparar o

funcionário para trabalhar no comércio, de escritórios técnicos, de planejamento, o

contador, o professor, o funcionário público, sem esquecer as carreiras tradicionais

como médico, engenheiro e advogado, militares e burocráticos da República. Período de

grande “entusiasmo pela educação e de otimismo pedagógico1”

O primeiro foi resposta ao estado republicano de educar a população, e o

segundo, a crença nos novos modelos educativos. Tudo isso deu base à reforma

educativa feita por Fernando Azevedo, Anísio Teixeira e Sampaio Dória em diversos

estados da federação, entretanto, o momento exigia muito mais que o que se fazia,

exigia uma reforma educacional de toda a nação, já que a escola nova prepararia o

indivíduo para o trabalho, para a cidadania e para o desenvolvimento da nação. Pode-se

comparar a Semana de Arte Moderna de 1922 como um marco e divisor de águas para a

1 Termos utilizados por Jorge Nagle, 1978 na Primeira Conferência Brasileira de Educação comenta

MARRACH, Sonia, 2009, p. 171 em Outra histórias da educação Do Iluminismo à Indústria Cultural (

1823-2005)

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arte contemporânea brasileira, com o manifesto dos pioneiros da nova educação,

publicado no Jornal O Estado de São Paulo. Após balanço de 43 anos de regime

republicano em 1932, Fernando Azevedo afirma que na “hierarquia dos problemas

nacionais, nenhum sobreleva em importância e gravidade do da educação”( AZEVEDO,

Fernando, 1932, p. 59), Fernando propõe uma educação em que alargue os limites para

além das classes sociais, uma educação em que todos tenham as mesmas chances, que

se faça uma educação sem hierarquias de classes, e sim, por capacidade. Acreditava que

a educação não devia ser para poucos, devia ser para todos sem distinção de classes ou

credos e, conseqüentemente um dever do estado. Um estado capaz de dar oportunidades

de igualdades básicas para então selecionar os mais capazes, principalmente no ensino

médio e superior.

Os pensadores da escola nova acreditavam que a educação era a única

forma e a chave para o progresso individual. Os idealizadores da escola nova desejavam

uma escola única para crianças de 7 a 15. Era preciso garantir a laicidade e a

obrigatoriedade do ensino da gratuidade e da coeducação dos gêneros, das classes e das

etnias para se harmonizarem com os direitos do Homem e do Cidadão. Após a escola

primária e o ginasial, hoje nomeadas de Ensino Fundamental I e Fundamental II,

somente os melhores, os que por merecimento chegariam à escola secundária e à

superior, hoje conhecida por Ensino Médio e Superior. Cada nível teria seu papel,

caberia a escola primária ministrar o ensino básico a todos de modo que todos pudessem

competir em regime de igualdade.

Assim à escola secundária caberia unificar para evitar o divórcio entre os

trabalhadores manuais e intelectuais. A escola forneceria uma base comum cultural

geral durante três anos, para então possibilitar a escolha entre humanidades, ciências,

física, matemática etc ou a seção de preferência manual, a escola técnica, em que os

alunos poderiam escolher entre cursos profissionalizantes agrícolas, industriais,

comerciais etc. Apenas depois disto os mais capazes iriam para as universidades.

Na Universidade, caberia a ela ampliar os conhecimentos científicos e

culturais, mudando a mentalidade estatal, e abrindo o quadro à formação de diversas

profissões que exigem conhecimento científico mais profundo, não ficando apenas

restritos aos cursos mais tradicionais como Medicina, Engenharia e Direito. À

universidade caberia sobretudo a formação de professores para todos os graus de ensino.

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Daí o papel fundamental das ciências humanas e pedagógicas para

divulgar as ciências e a cultura por meio de instituições sociais. A universidade

proporcionaria ao indivíduo um meio de conquistar espírito crítico, capacidade de

síntese, coerência nas ideias e os princípios metodológicos e teóricos necessários à

conquista do método do pensamento científico. As ideias de Fernando Azevedo

nortearam a criação da USP em 1934, durante o governo de Armando Salles de

Oliveira, uma grande marca entre as grandes conquistas que o manifesto trouxe consigo

para o benefício da cultura. Por um lado em meados do século XX parecia que tudo

caminhava para o sucesso de uma nova organização escolar que ia ao encontro das

necessidades do ainda jovem país. Por outro lado e do outro lado, em época do

manifesto dos pioneiros, a intervenção do estado na economia, na área social,

educacional e trabalhista, por meio de uma ditadura de 15 anos que sacrificou os

conceitos centrais de democracia e liberdade do manifesto. A ditadura instituiu a

modernização conservadora pela força. A escola, durante a ditadura passaria por outra e

nova reformulação à sua frente o mineiro Francisco Campos que remodelou apenas a

escola secundária dividindo-a em dois ciclos: Durante os três primeiros anos se

ministrava uma base cultural geral, aí então o aluno optaria entre os cursos clássico,

científico, normal ou técnico, em diversas áreas do conhecimento.

2.11- CECÍLIA MEIRELES, CRONISTA DE EDUCAÇÃO

A Ditadura trouxe consigo um grande retrocesso no caminho galgado

pelo país, é deveras difícil comensurar os malefícios que a ditadura causou. Viveu-se o

fim da liberdade de expressão e liberdade de produções literárias, censurar sobre todos

os meios de comunicação, tortura, assassinatos, controle total e absoluto garantido por

meio de violência. Época em que não se respeitava nenhum tipo de direito civil. Nas

escolas, voltou-se ao controle total do estado. A nova organização sobre a nova

organização visava responder aos interesses da ditadura e evitar qualquer tipo de

esclarecimentos. O sonho de uma educação esclarecedora e para todos ficaria

engavetado por 15 anos.

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Muitos intelectuais e pensadores em geral se exilaram em outros países,

muitos foram presos e alguns mortos e torturados. Intelectuais que ficaram encontraram

algumas formas de lutar contra o regime que assolava o Brasil. Nesta pesquisa vale

lembrar a poeta, Cecília Meireles, que “procurava o verdadeiro nome das coisas, que

nunca deixou de diferenciar o sonho de realidade, o ideal do real”. Sonia (p.178).

Assim disse sobre a reforma de educação de Francisco Campos

“Chama-se isso de liberal. [...] Oh! Mas, afinal, sejamos

coerentes. Façamos o déspota. Façamos o vizir, façamos, de

certo modo, o César do século XX. Mas conservemos a

significação dos nomes.” [...]” nos coloca nas velhas situações

de rotina, de cativeiro de atraso que aos olhos atônitos do mundo

proclamarão, só por si, o formidável fracasso da nossa

malograda revolução. [...] Pois na sociedade que desejamos, os

homens e as mulheres adquirem liberdade por meio da

educação. É preciso, portanto, facilitar-lhes a evolução, o

desenvolvimento, as capacidades – coisas impensáveis na

Reforma Francisco Campos, que constitui um feixe de

“pontudos espinhos de taxas”, uma verdadeira “reforma de

preços” (MEIRELES, Cecília, 2001, p. 24)

Cecília Meireles acredita que o grande problema da educação é o medo

da liberdade, e ao mesmo tempo é o maior desafio do mundo moderno. A liberdade é o

problema fundamental da educação humana.

“E fomos educados para o medo”( Drummond ,1973, p. 81).

O grande segredo é enfrentar os medos, segundo Cecília Meireles , temos medo da

liberdade, medo da vida, medo de tudo.... somos refratários a tudo à evolução, às

mudanças, à educação, à vida. Quando encontramos uma maneira repetida de realizar

alguma atividade nos agarramos à forma num meio de segurança e conforto do

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conhecido. Costumamos confundir educação com modos afáveis dos que tem certo

número de fórmulas de cortesia.

Questionada Meireles - Então o que é Educação com E maiúsculo?

- Educação para a vida . Responde Cecília - E o que é a vida? O que é a vida para

uma criança?

Cecília ( 2001, p. 12) extrai do livro de Piaget o diálogo abaixo entre o educador e uma

criança:

- Tu achas que água vive?

- Água também vive. Tudo vive. Se não vivesse, não estava no mundo. Como é que

podia estar no mundo se não vivesse.

[ Ela comenta] tudo que está no mundo, segundo essa menina, vive. A prova de que

vive é esta: estar, ser. Quanto ao por que dessa vida, confessa a incapacidade de o

definir.

No mundo acelerado, correndo contra o tempo na direção supostamente

do progresso, o indivíduo se concentra em manter o equilíbrio, em busca de evitar o que

parece pior. Entretanto neste olhar de auto-sobrevivência deixa-se de lado uma

apreciação mais ampla do que rodeia, perde-se o olhar atento, vigilante, e perde-se a

capacidade de apreciar a vida. Cecília questiona se a vida não é alguma coisa de sentido

mais profundo, de alguma coisa mais lenta, feita de coisas interiores? Essa vida mais

interior e mais profunda passa pela busca da liberdade. Liberdade interior, liberdade de

reconhecer, liberdade social e política.

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CAPÍTULO 3

Pode-se ver algo sartriano no questionamento da Cecília Meireles. O

medo de exercer a liberdade é algo inerente ao ser humano. Meireles refere-se do medo

à liberdade seja ela na educação, ou de existir em uma sala de aula, ou em uma

sociedade democrática, anarquista ou ditatorial, ou o problema de existir em sua

amplitude, sem nenhuma referência à profissão ou credo. Em todas as situações o

indivíduo não está livre da influência que a situação histórica, política e social exercem

sobre a sua vida. Cecília Meireles entende que, de alguma maneira, o indivíduo agarra-

se a uma forma repetida de fazer as coisas, pois assim sente-se confortável e seguro,

considera o ser humano refratário a mudanças, pois as teme. Para Meireles, o medo da

liberdade é o grande problema da educação e do mundo moderno. O terceiro capítulo

fez com que esta pesquisa buscasse os fundamentos do existencialismo sartriano, pois,

como se sabe, o grande filósofo francês não dedicou seu trabalho à educação, dedicou-

se a elucidar a luta que é exercer a liberdade e o quão angustiante e frustrante podem ser

as escolhas. Nota-se leve pensamento sartriano nos comentários e nos pensamentos de

Cecília Meireles. Portanto, neste quarto capítulo estudar-se-á a filosofia existencialista

de Sartre como fundamentação filosófica para entender a questão da liberdade.

3.1- SUBJETIVIDADE E EXISTÊNCIA EM SARTRE

Há muitas referências de Sartre na história da filosofia, porém alguns

historiadores costumam dizer que foi a partir de Hegel e Heidegger que Sartre

fundamentou seus estudos. É de Hegel que provém à possibilidade de compreensão da

realidade por via de sua historicidade, a prioridade do devir sobre o ser, a negação como

o impulso do movimento constituinte do real, a razão dialética e o papel da totalidade

do conhecimento. De Heidegger Sartre herda a noção de existência como ser-no-mundo

e a necessidade de compreender a subjetividade pela temporalidade que a constitue.

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Primeiramente Sartre demonstrou diferenças com a tradição no que diz

respeito à subjetividade metafísica e à subjetividade formal. Para Sartre o movimento é

a conseqüente superação da subjetividade tradicional. O movimento constitui a

consciência e toda consciência é consciência de, com isso, a realidade pode ser atribuída

a consciência, porém uma consciência é somente movimento.

Sartre chegou a esta conclusão quebrando o conceito tradicional

moderno de interioridade como ponto de partida da consciência. A partir desse

movimento intencional compreende-se o que Sartre chama de Para-si, a consciência ou

sujeito, contrária à ideia tradicional de consciência e subjetividade como substância ou

identidade.

O sujeito não é algo que se mantenha idêntico, variando apenas nos

atributos acidentais. O Para- si evoca o movimento da consciência em busca de sua

totalização, que se encontra fora dele e que seria a identidade. Este movimento faz

pensar o sujeito em caminho de autoconstituição e não como uma forma constituída;

pelo contrário, o movimento em busca de completude na transformação de elevar-se do

Para-si ao Em-si.

Se pensarmos no sujeito em movimento (Para-si) voltado para si

chegamos ao que seria o fim do caminho, o ser em sua completude o estatuto máximo, o

Em-si, o ser completo, o ser da tradição moderna, o ser em si, como se de alguma

forma o Em-si fosse o padrão de ser.

Para entender melhor a diferença entre o ser Em-si e o Para-si, pode-se

inicialmente dizer que o Para-si é a negação do Em-si, entretanto caímos na armadilha

da indefinição; se o ser Em-si é o ser acabado, em sua plenitude e completude, como

padrão de ser, qual é o ser do Para-si, se acabamos de reconhecer que o Para-si é o

movimento da consciência em reconhecimento exterior da realidade do mundo, maneira

pela qual o Para-si vai se constituindo por meio deste movimento. Existem então, dois

seres em cada ser? Não, não há dois seres no mesmo indivíduo; o que há, sim, são

modalidades, se levarmos em conta que a existência precede a essência e o ser da

realidade humana consiste na existência. Logo, existir é uma modalidade de ser que se

opõe ao modo essencialista do Em-si. A diferença encontra-se entre o ser Em-si que se

reconhece como ser completo e repousa em si mesmo, na sua completude, e o ser Para-

si cuja existência se define pela sua incompletude e pelo movimento de vir-a-ser.

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O Para-si é o movimento de vir-a-ser, e muito embora o sentido do

vocábulo remeta à contradição no vocabulário tradicional, a contradição ou mal

entendido consiste em que, no caso da realidade humana, ser significa existir, pois vir-a-

ser se deve entender como o que está em busca de se transformar em ser o que ainda não

o é. Embora se aceite que uma maneira de definir o Para-si é a negação do Em-si, não

há entre eles uma dependência do Para-si com o Em-si. Basta clarear que o Para-si traz

em si o não-ser e faz que seja definido como o que não é Em-si. Portanto, o ser Em- si é

referência fundamental e aquilo que o Para- si não é em si e só pode ser compreendido

em relação ao ser pleno. O Para- si é a negação do Em- si e, este, permanece como sua

referência. Então o estatuto do Para-si é a negação do que é constantemente referido ao

Em-si, comparando como o ser nega o não–ser.

Não obstante, Sartre comenta que o não-ser não é simplesmente o

contrário de ser, pois esta dualidade acarretaria estatuto de positividade às modalidades.

O Para-si não é o Em-si, como no exemplo se diz: Que um carro não é preto, querendo

dizer que o carro é azul, neste caso, a negação é imediatamente seguida pela afirmação.

O carro não é preto, pois é azul e não poderia ser de duas cores ao mesmo tempo.

Quando Sartre diz que o Para- si é a negação do Em-si, não diz que ele não é uma coisa,

pois é outra, como no exemplo da cor do carro. O Para-si pode ser definido não pela

negação do Em-si, a sua realidade consiste em negação do ser, na falta de ser, na sua

incompletude, por isso que ele é movimento, e não algo que está no movimento, ele é o

próprio movimento, é o vir-a-ser. Concebido com radicalidade, ele é a própria mudança.

O Para-si possui um caráter de autoconstituição: o sujeito não é, ele se

constitui no movimento de subjetivação. O sujeito está sempre em constante construção

em seu movimento, em constante subjetivação e em ação de subjetivar-se, construindo

aquilo que se torna, pois não há nada no caminho à sua espera. E como não há essência

e nenhuma outra instância determinante, o sujeito será exatamente a sua

autoconstituição, ele será o que ele fizer dele mesmo. Pois na busca incessante do Para-

si o sujeito é livre para suas escolhas e a liberdade é, primeiramente, uma

indeterminação no nível ontológico. O sujeito é livre, sendo assim, o que constitui o

sujeito é o próprio movimento, a indeterminação é a constituição do Para-si. O processo

de existência de constituição da subjetividade, da formação do indivíduo mesmo, é

inseparável do exercício da liberdade.

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A descrição desse processo é o tema de O ser e o nada, que por

isso traz como subtítulo Ensaio de Ontologia fenomenológica.

Não se trata de produzir uma teoria metafísica que explique o

sujeito e sua relação com o mundo e os objetos; tampouco se

trata de elaborar uma psicologia que desvende as características

do ego e de suas vinculações. Assim como Husserl pretendia,

com a fenomenologia, voltar “às próprias coisas”, assim também

Sartre pretende, com o método fenomenológico, uma descrição

da subjetividade em termos das próprias condutas concretas.

Não é caso de explorar a ideia do sujeito ou de sua consciência,

mas sim de descrever compreensivamente as condutas que

manifestam a consciência e a subjetividade. (SILVA, Franklin;

O Filósofo e seu Tempo, 2009, p. 109 in PECORARO, Rossano,

Os Clássicos da Filosofia Vol. III)

Contudo, este movimento do vir-a-ser, da busca de sua consciência, da

construção do Para-si, pois a consciência é vista como o movimento, de acordo com

Sartre e de acordo com a interpretação existencial da intencionalidade, movimento em

constituição da subjetividade, é primeiramente designado como Para-si. Entretanto, vale

sinalizar que para Sartre há dois significados para o termo mencionado; o primeiro Para-

si está ligado à reflexividade, ou seja, voltado para si mesmo, visa a si mesmo no ideal

de coincidência; o outro é o processo propriamente dito, o sujeito no processo de existir,

no seu processo de completude, os dois significados se encontram, uma vez que existir é

vir-a-ser e o processo de constituição caminha para si mesmo, os dois convergem, logo

pode-se entender que a consciência de si é a consciência de algo que não se é. O

indivíduo tem consciência do que é e o do que não é. Ou como diz Sartre:

“A realidade humana é o ser cujo ser está além de si” (Idem, p.109)

Esta forma de existir e de constituir Para-si é explicada pela constante

projeção de mim mesmo, o indivíduo está constantemente se projetando, é uma relação

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entre o ser e o não ser, o ser agora, comparado ao ser que será. O ser da realidade

humana é constantemente projetado ao que virá-a-ser. O ser que ele se autoconstituirá.

Este projeto de autoconstituição está sempre à frente do ser, isto faz que, de alguma

maneira, entenda-se que o ser está adiante, lançado fora de si, como projetado, adiante,

como um projétil, em constituição no decorrer do processo.

Ao projetar-se o ser se assume no futuro, que é justamente a constituição

da subjetividade que virá-a-ser. O Para-si é a realidade humana cujo ser não é

determinado essencialmente, constata-se nesse sentido que o Para-si é a negação do Em-

si. O Em-si pode ser entendido como o ser na acepção essencialista da filosofia

tradicional. A fenomenologia da existência de Sartre parte da oposição entre o ser e o

nada, porque o Para-si, que é vazio de ser, só pode ser pensado em relação ao Em-si que

é a plenitude do ser, a completude do ser. Pode-se pensar no ser da realidade humana

como no ser que designa existência, o ser da essência e da plenitude o vir-a-ser é o ser

em autoconstituição, pelo projeto de ser, na medida em que o ser é tudo que falta à

realidade humana.

Daí a paradoxal frase: “O homem é o que não é e não é o que é”. Pois

sua realidade consiste em negar o ser que o constitui, é a negação da essência e o projeto

consiste em vir-a-ser diante de si, negando, superando o que veio a ser o ser que o

constituiu. Transformando o Para-si num percurso nunca completado, um projeto que

lhe escapa ao ser, numa realidade que sempre foge do ser como num contínuo projeto de

ser e refazer-se, algo como uma totalização sempre incompleta. Projeto de vir-a-ser de

uma realidade que não atinge o ser. “A transcendência é o movimento para-ser que,

enquanto constitutivo de existência, só deixará de acontecer com a morte, que é a

interrupção do processo de fazer-se (fazer-se ser); autoconstituição do sujeito”. (SILVA,

Franklin; O Filósofo e seu Tempo, 2009, p. 107 in PECORARO, Rossano, Os Clássicos

da Filosofia Vol. III)

Em meio a todo esse processo o sujeito se vê e se reconhece e toma

consciência de si, pois não se trata de um objeto, o qual, de acordo com suas

características, pode ser definido. O sujeito não é resultado de uma cadeia de causas,

entendendo-se que a realidade humana é um resultado, uma vez que não há ser dado

como causa e efeito de causalidade, em suma o sujeito, compreendido como realidade

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humana, não pode conhecer-se como objeto. A impossibilidade da objetivação

representa uma dificuldade talvez insuperável para o conhecimento do Para-si. Porém,

não é apenas esse experimento que o sujeito vive em sua existência, há outras relações

que devem ser levadas em consideração, tal como a completude no movimento, o fato

de o sujeito deparar-se com outros Para-si. Logo, o Para-si não apenas se opõe ao Em-si

como fator de realidade constitutiva do Para-si, como também a oposição de um Para-si

a outro Para-si é formadora de subjetividade. Essa relação entre sujeitos, constitutiva da

subjetividade, resulta em consequências no percurso do sujeito em direção de si, afeta o

Para-si.

3.2- LIBERDADE EM SITUAÇÃO

Os sujeitos, ao se depararem uns com os outros no decurso do devir,

(Para-si) de certa maneira exercem algum tipo de influência nos processos de

subjetivações dos sujeitos. Outra consequência seria a consciência de si, um

autoconhecimento lato, como já se viu o sujeito não pode se por como objeto para si

mesmo, este fato não deve ser entendido como se o sujeito não tem consciência alguma

de si, entenda-se que não se trata de uma consciência tética. Não há um afastamento

suficiente para que o sujeito se veja e se conheça. A reflexão é um movimento derivado,

que acontece pegado à consciência não- tética de si.

O sujeito que estava, conforme as teorias tradicionais, imediatamente

presente a si, no existencialismo Sartriano está sempre longe de si, no processo de auto-

constituição de si mesmo, que implica em estar sempre no processo do vindo-a-ser,

jamais o sujeito coincide com ele mesmo, fator pelo qual a reflexão não significa voltar-

se para si mesmo. Reflexão implica em perda de espontaneidade, por que o sujeito só se

vê se o movimento de vir-a-ser se detiver e cristalizar em uma representação de si

mesmo. É sujeito na medida em que vive o contínuo processo de se constituir, porém

pode-se entender que uma maneira de definir a realidade humana seria que o ser

consiste em existir, entretanto esse processo implica no ser fora de si, sempre adiante e

essa forma de existir Para-si fundamenta o projeto.

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A realidade humana é fundamentada pelo processo de existir por meio

de projetos, é um constante vir-a-ser, o ser da realidade humana nunca descansa, está

em constantes projetos que constituirá o paradoxo de não ser o que é, e ser o que não é.

O ego nunca repousa em si mesmo, porque seu ser consiste em projetar-se para

constituir-se. O tempo tem papel muito importante no projeto, pois como se constitui

sempre adiante, numa constante negação do presente, fazendo do futuro mais forte e

marcante que o agora, lançando ao futuro que é o tempo forte, o vir da formação da

subjetividade. Projetar-se implica em escolhas de ações, e as escolhas levam a pensar

em liberdade de escolhas e de ações ligadas aos projetos. Pode-se entender que para

Sartre há uma vinculação entre a Liberdade e os projetos.

A vinculação entre os projetos e as escolhas é a manifestação concreta do

exercício de liberdade do ser, porém a liberdade da realidade humana é exercida dentro

de um contexto e esse contexto é de certa maneira limitador, este contexto Sartre chama

de situação. O sujeito é livre, entretanto, dentro de uma liberdade situada, ou seja, não

há liberdade sem situação e não há situação sem liberdade. Sartre divide essa situação

dentro da qual o indivíduo tem que exercer sua liberdade em duas vertentes: a primeira

ele chama de facticidade e pode-se entender como fatos da realidade do indivíduo; o

lugar onde vive a situação política, o momento histórico, o tempo, a família, a situação

econômica, entorno social. Em relação a todos esses fatos, o indivíduo nada pode fazer

para mudá-los, pois quando nasceu já existiam e, é neste contexto que o indivíduo tem

que exercer sua liberdade. Surge a questão: como se pode exercer a liberdade plena, ao

mesmo tempo em que se está sujeito a todos esses fatores que, muitas vezes

constrangem e tendem a determinar a existência? A resposta está na relação do

indivíduo com o meio, a representação, uma realidade à qual o sujeito atribui

significação. Segundo Sartre não existe fato que não possa receber uma significação,

vale a pena sinalizar que no mundo humano não existem fatos brutos, ou seja,

destituídos de sentido humano, pois, neste caso, seria desconhecido e completamente

estranho à experiência. Pois quando se vive um fato, se atribui a ele imediatamente uma

significação. Essa significação é livremente atribuída, de acordo com a importância que

se dá aos fatos. A maneira que se interpreta algo ou alguma coisa. As significações

variam de acordo com a forma que o sujeito relaciona os fatos à sua realidade.

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Assim, por exemplo, alguém que nasce operário num país

capitalista pode atribuir pelo menos duas significações a esse

fato: pode conformar-se com a situação de ser explorado como

se esta representasse um destino; ou pode tentar mudar essa

situação militando em prol da transformação social. Ambas as

atitudes são possíveis e a adoção de qualquer uma delas depende

do projeto que o sujeito institui livremente para si e para a

coletividade. No plano dos fatos naturais essa atribuição é

igualmente viável; uma montanha representa para o camponês, a

sobrevivência através do cultivo; para o engenheiro que

pretende abrir uma estrada, representa um obstáculo a transpor;

para o alpinista um desafio etc. Para muitos de nós, o gelo do

ártico, representa a impossibilidade de sobrevivência, mas para

os lapões e esquimós representa o meio de vida. Os fatos não

são apenas fatos, são possibilidades que se abrem através de

significação a eles atribuídas. (SILVA, Franklin; O Filósofo e

seu Tempo, 2009, p. 110 in PECORARO, Rossano, Os

Clássicos da Filosofia Vol. III)

Entende-se então que uma relação entre existência e liberdade nos

impede de aceitar uma natureza humana totalmente constituída. Como a existência se

constrói por meio de projetos, de ações, e essas ações passam pelo crivo da

singularidade do sujeito, que é o exercício de liberdade demonstrado através das

escolhas e tudo isso submetido ao mundo em que se vive, no momento em que se vive,

e a situação que se apresenta, em que nada se pode fazer para mudá-la. De acordo com o

visto, é mais correto chamar de condição e não de natureza humana. A condição é o que

se constrói no processo de existir como autoconsciência e a consciência do mundo em

que o indivíduo vive. É algo que não define o indivíduo essencialmente, mas assinala a

singularidade do modo de ser, isto é, o de existir de cada sujeito.

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3.3- Alteridade ou intersubjetividade: “O olhar” de O ser e o nada

Além da facticidade, que é o conjunto de fatos, naturais e sociais, que

constituem o contexto em que o sujeito exerce a sua liberdade, outro grande

componente da situação é a alteridade ou intersubjetividade. Esse componente Sartre

chama de ser-para-outro, essa relação com outras subjetividades, outras consciências,

outras liberdades, com outras singularidades. O ser exerce a sua liberdade a sua

subjetividade, junto a outras liberdades e outras subjetividades; a intersubjetividade. A

intersubjetividade é um problema difícil para a tradição e para Sartre não foi diferente,

trata-se de tarefa árdua. Explicar a relação entre um Para-si e outro Para-si, uma vez que

para a estrutura sartriana o Para-si é e se constitui projetando-se, o sujeito não coincide

com ele mesmo, é como se de alguma maneira o sujeito estivesse sempre à frente,

mesclado a outro, e chega-se até a confundir o eu de um Para-si com o eu de outro

Para-si, pois estruturalmente o Para-si já é Para outro. A grande dificuldade encontra-se

em entender que o eu de um Para-si não é o eu do outro Para-si. O eu que um Para-si vê

no outro Para-si não é o seu.

Entretanto, Sartre diz que o sujeito torna o outro objeto de seu olhar, é

como se no fluxo de sua existência o objetivasse, nesta passagem por entre um sujeito

com outro num trajeto do seu movimento, um sujeito fixa o outro e atribui a este, com o

qual se cruzou no processo de existir, significado essencial. Um sujeito fixa o outro em

dado momento do fluxo de seu existir e o transforma em objeto de seu olhar, pois o

sujeito só pode apanhar o outro nesse momento, momento em que se cruzam os

“existires”. O sujeito vê o outro como sujeito constituído, não o vê como sujeito se

constituindo e, é por isso que o sujeito estabelece essência objetiva no sujeito com o

qual cruzou, o outro Para-si. A essência com a qual o sujeito determina o outro

muitas vezes pode adjudicar ao outro uma essência que o sujeito não é, e a

probabilidade do erro é muito grande, como o próprio Sartre dizia: “Eu não posso existir

no outro”. Sartre agride a língua, transformando o verbo intransitivo existir com a

expressão existir no outro, quiçá para melhor explicar que não se pode acompanhar o

movimento de outro sujeito, chegando assim a melhor esclarecimento da alteridade,

cujo tema nem a tradição conseguia explicar. Pode-se interpretar também nessa

dialética, pois até este momento se discutiu o efeito do olhar voltado para quem olha,

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entretanto Sartre, no livro O ser e o Nada, chama a atenção para outro detalhe, o outro

em que o olhar recai, pode ao reconhecer que está sendo visto e nesse instante rebate

sobre ele uma imagem fixa de objetivação do outro sujeito, este ao se ver visto, sofre

uma objetivação e que poderá até mesmo aceitá-la, assimilá-la como si - mesmo.

Quando um sujeito confere ao outro uma identidade pela qual o reconhece, ocorre a

objetivação, a liberdade do outro , que é sua consciência, será para o primeiro sujeito a

cristalização da identidade objetivada do outro, é por meio das condutas do outro que o

sujeito o objetiva e o cristaliza, e lhe refere identidade, estabelecendo assim a sua

identidade objetivada e fixada. Tenta-se de entender melhor assim o que Sartre chama

de conflito de liberdades, pois um sujeito objetiva outro em meio a liberdade exercida

ou vivida em situação, ou seja, na intersubjetividade. Sartre chega a seu entendimento

de subjetividade e os conflitos da intersubjetividade partindo do capítulo sobre a luta

das consciências( O senhor e o escravo) da Fenomenologia do espírito de Hegel, porém

em Hegel, segundo Sartre, o conflito se dá num contexto e no final as dimensões

subjetivas e objetivas seriam superadas pela totalidade que as reconciliaria, por outro

lado para Sartre essa finalidade não seria atingida, pois no pensamento sartriano a

subjetividade total ou a subjetividade constituída seria a identidade. Entretanto, como se

trata em Sartre, a formação de subjetividade no processo de existir, o percurso é

interminável. A subjetividade nunca se dá por constituída e, por conseguinte a

consciência, que é a totalização da subjetividade, também não chega à totalidade, essa

busca da consciência nunca cessará, a não ser com a morte. A realidade humana nunca

chegará a uma totalidade idêntica a si, porém sempre buscará um processo de

totalização, o qual, nunca chegará ao ponto final, um ponto final inatingível. Contudo,

vale a pena sinalizar que para Sartre a busca da totalização intangível que seria a

concretização da identidade plena é a mola propulsora do processo de existir, que tem

como projeto fundamental o desejo de ser. Sartre entende que esse desejo de ser nunca é

anulado, independentemente da condição existencial em que o sujeito se encontra. Há

um fenômeno existencial que Sartre chama de má-fé, que seria como se o sujeito, para

tentar fugir da angústia de ser livre, ou seja, de sua constante constituição por meio de

sua liberdade, escolhesse assumir uma identidade fixa, como uma essência total.

Chama-se de má-fé, no sentido sartriano, a tentativa de fugir das escolhas, de descansar

na zona de conforto. Má-fé consiste na fixação de uma identidade, como se o sujeito

desempenhasse um papel que se confundisse com ele mesmo.

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Segundo Sartre, cada sujeito inventa a sua trajetória, postulando valores e

sequência de ação, contudo, ao agir e ao exercer as decisões o sujeito leva consigo o

peso da universalidade, entende-se como se o sujeito levasse consigo a decisão de todos

os sujeitos, a ação e a decisão se revestem de um valor imperativo uma vez que

assumidas pelo sujeito. Quando o sujeito escolhe para si, está escolhendo para todos. Há

uma relação dialética, segundo o pensador, entre o singular e o universal, pode-se dizer

que o sujeito encarna o universal, não apenas se submete a ele. O peso de todo o

universo sobre quem está decidindo, talvez se tenha aí parte da explicação pela qual

Sartre dizia que ser livre é angustiante. O sujeito faz a todo o momento a opção singular

e o faz por todos os homens: em cada decisão reinventa o homem. A liberdade no

pensamento sartriano traz consigo o peso da responsabilidade de fazer de si reflexo de

suas escolhas, o fardo da responsabilidade pode ser ao mesmo tempo radical, pois sobre

o existencialismo de Sartre pesa um grande rigor moral e um afastamento definitivo do

relativismo.

O sujeito, a partir de sua gratuidade e contingência, assume a

humanidade não como uma generalidade extrínseca, mas a

encarna na imanência de cada opção. Esse humanismo difícil

consiste na impossibilidade de dividir com qualquer instância

externa ao universo humano o exercício da liberdade e o peso da

responsabilidade inerente no processo de existir [...](SILVA,

Franklin; O Filósofo e seu Tempo, 2009, p. 113 in PECORARO,

Rossano, Os Clássicos da Filosofia Vol. III)

O processo de existir pode ser visto como o conjunto de projetos das

escolhas do sujeito por meio dos quais o sujeito se transcende pela vontade sempre

renovada de ser, é o desejo de ser que impulsiona o processo, porém neste processo o

sujeito leva consigo a irremediável situação de se deparar com desejos sempre

insatisfeitos, pois o desejo de ser é constitutivamente impossível de se realizar. O Para-

si, que é a busca da totalização impossível do sujeito, feita por meio de suas escolhas

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com impedimentos tais como a facticidade e a intersubjetividade, essa dialética na busca

da essência constituída, na busca do Em-si, nunca se completará, então, ao mesmo

tempo em que serve como marco regulador de dialética funciona como horizonte

inatingível.

A realidade humana é constituída pela falta, o que não deve ser entendido

como a necessidade de completar algum elemento, mas como a constante falta de

completude do ser na projeção em movimento ao inatingível e essa falta também pode

ser interpretada como um elemento de obstáculo ao mesmo tempo em que não se

entende exatamente o que falta. A totalização que nunca chega à totalidade entenda-se

como situação, elementos limitantes e ao mesmo tempo possibilidades de exercício da

liberdade. Neste sentido, exercer a liberdade pode ter um caráter dramático que envolve

escolhas e o exercício de liberdade dentro de uma situação que pode se apresentar como

radical e originária ao se deparar com todo tipo de obstáculo.

3.4- Crítica da razão dialética (1960) - Sartre e o marxismo

Sabe-se que a liberdade é exercida dentro de uma situação, a qual o

sujeito não pode escolher viver ou não viver, que é o que Sartre chama de facticidade, e

seria o conjunto de fatos que determinam e limitam as escolhas: dentre essa facticidade

encontra-se o momento histórico em que o sujeito se encontra. O sujeito exerce a sua

liberdade limitada pelo contexto histórico, trata-se de uma situação concretamente

determinada e pode-se entender que a existência do sujeito também é histórica, portanto

há uma relação entre a história pessoal e a história universal, fato estudado por Sartre

em seu livro em 1960 Crítica da razão dialética, considerado um monumento teórico e

que fez com que por algum tempo se entendesse que Sartre teria abandonado a

perspectiva existencialista e se convertido ao marxismo.

Entretanto o que se viu foi uma crítica a uma relação realmente dialética

entre a história singular subjetiva e a história geral ou universal. Após a leitura do

ensaio sobre a ontologia de 1943 e o empreendimento crítico-histórico de 1960,

podemos entender a conexão entre as duas obras, com aspectos de ênfases que mais as

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diferenciam do que sugere o abandono por Sartre da filosofia existencialista; pelo

contrário, Sartre passa a fazer pesadas críticas ao marxismo.

Segundo as leituras pode-se entender que ao escrever a crítica da razão

dialética o que Sartre queria era exatamente criticar o marxismo, e a pedra fundamental

entre as diferenças filosóficas que deu o toque de polêmica foi a questão sujeito singular

(questão subjetiva) e a condição objetiva (questão universal). Para os marxistas a

relação era vista como determinação causal, o marxismo entendia que a consciência

subjetiva só poderia ser efeito ou reflexo das condições objetivas que se manifestam

num determinado regime. O sujeito histórico não poderia ser mais do que um

transmissor do movimento gerado pelas condições objetivas, comparando o sujeito

histórico a correias que transmitem o movimento mecanicamente sem intervenção

alguma de sua singularidade, pois qualquer tipo de pensamento singular, ou intervenção

subjetiva, era considerada idealista e, por conseguinte, um pensamento com cunho de

ideologia burguesa.

Sartre em contrapartida mostrou que o materialismo histórico não deveria

ser orientado nos dogmas marxistas, não deveria ser pensado a partir das determinações

objetivas como causa geral do movimento histórico e a ação do sujeito como simples

efeito dessa causa determinante, pois sendo assim o sujeito não age dialeticamente,

apenas reproduz o raciocínio linear da racionalidade analítica que insiste em mostrar a

determinação do efeito pela causa, como única instância produtora de realidade. Essa

relação mostra um encadeamento linear em que se simplifica a dialética prevalecendo

apenas um dos lados em detrimento do outro, trata-se do efeito histórico como o único

que prevalece em detrimento da subjetividade do sujeito histórico. Esse raciocínio faz

com que se conceda realidade apenas a um elemento da dialética, a objetividade, e faz

do outro elemento apenas efeito da causa. O efeito não pode conter mais do que a causa,

como já disse Descartes: o predicado já está a priori contido no sujeito. Logo a tensão

dialética não comporta encadeamento linear, a tensão dialética se dá quando a cada um

dos elementos lhes é atribuído realidade suficiente para criar um vínculo de não

depende exclusivamente de nenhum deles, mais exatamente do vínculo que se forma

entre eles, ou seja, o contraditório que se forma entre os elementos. Pensando nisso não

se pode entender que o sujeito seja apenas efeito unilateral da objetividade histórica em

que se vê inserido, como um efeito particular de uma causa geral extremadamente

determinante de caráter linear.

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Para Sartre a relação seria muito pobre se submetida ao esquema causa-

efeito. Já no estudo abordado pelo pensador no livro O ser e o nada Sartre descreve que

a subjetividade não é dada, mas é constituída pelo sujeito em relação com as suas

escolhas. O sujeito faz a interiorização do mundo que se lhe apresenta; confere ao fato

significados ligados à sua subjetividade e singularidade e o exterioriza constituindo seu

mundo histórico, e assim Sartre acredita ser fiel ao espírito da tese de Marx: O sujeito

faz a história que o faz. Logo pode-se entender que o sujeito é agente da própria história

e da história universal, ao mesmo tempo em que a história universal age sobre o sujeito,

o sujeito também a constitui. Entende-se que isso explica a dialética entre o sujeito

histórico e a universalidade objetiva, pois o processo se dá pela oposição

exteriorização/interiorização. Em suma escapa-se da idéia de sujeito como efeito da

história , assim como da história como efeito de consciência.

O sujeito dá significado no mundo em que se encontra, em meio a todos

os fatores já mencionados, uma vez apreciados decide agir, e em sua ação o sujeito é

sujeito da história e sujeito à história, não há história sem intervenção de um sujeito,

assim como o sujeito sempre sofrerá limitações provenientes dessa história e, em meio a

essa dialética, é que ambos se constituem.

3.5- Questão de método

Portanto, a grande questão de método era para Sartre encontrar a forma de compreender

a dialética entre subjetividade e história, foi por isso que Sartre expôs seu projeto de

crítica à razão dialética, associado à tarefa de Kant. Sartre procurou de alguma maneira

relacionar uma ciência materialista histórica ligada a dimensões subjetivas e objetivas

com as quais se chega ao conhecimento dessa história.

Como já se viu, não podendo ser reduzido a reflexo idealizado da

objetividade histórica universal, o sujeito é uma consciência em autoconstituição, um

sujeito constituinte da história, no processo de singularização, significação, ao mesmo

tempo em que é constituído por ela. Então como já vimos que todo sujeito no processo

de existir sofre com a objetivação histórica, porém com a mediação entre a

interiorização e a exteriorização o sujeito responde individualmente de uma maneira

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singular definindo as condições de sua própria autoconstituição, portanto o sujeito é em

parte determinado pela objetivação universal e ele responde com a mediação de sua

singularidade, pois se todos os sujeitos respondessem da mesma maneira não haveria

singularização e a tese dos marxistas estaria correta, pois o que prega o marxismo é a

ignorância do sujeito em sua singularidade subjetiva, e reproduz a generalidade

conceitual da razão. O sujeito como reprodutor de objetividade. Como se os sujeitos

fossem efeitos determinados por causas determinantes.

Quando o marxismo ignora a singularidade subjetiva, reproduz a

generalidade conceitual da razão analítica e produz um

conhecimento abstrato que repousa no dogma da causalidade

renomeado como determinismo histórico. Os sujeitos seriam

efeitos determinados de causas determinantes se a história fosse

governada por uma lógica analítica. O problema dos marxistas é

que, apesar de se dizerem dialéticos, persistem na adoção de

esquemas analíticos de compreensão e por via desse equívoco

congelam o movimento histórico em conceitos abstratos. Assim

entendemos que compreender a relação dialética entre

subjetividade e história significa compreender a relação entre

liberdade e determinismo. (SILVA, Franklin; O Filósofo e seu

Tempo, 2009, p. 116 in PECORARO, Rossano, Os Clássicos da

Filosofia Vol. III)

Deve-se entender então que segundo Sartre há uma dialética entre

determinismo e liberdade, porém há de se sinalizar que Sartre nunca foi a favor de uma

ou outra, basta lembrar que em O “Ser e o Nada” a objetividade era vista como

possibilidade, logo se pode entender que o sujeito histórico é livre e determinado, porém

não se deve, na tentativa de interpretar o paradoxo da existência histórica, eliminar o

sujeito ou a história ou aliar o sujeito à história, em suma, nem eliminá-los ou conciliá-

los numa totalidade conceitual. “O sujeito é sujeito da história e sujeito à história”.

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CAPÍTULO 4

Neste capítulo confrontar-se-ão e ao mesmo tempo unir-se-ão às bases

estudadas tanto da trajetória da educação como a filosofia existencialista de Sartre, para

que, com esses fundamentos, se faça uma tentativa de esclarecer a maneira como o

educador e a educação se encontram nos dias atuais. Não se tem a pretensão de resolver,

nem sequer esgotar o problema em que a educação e o educador se encontram, contudo,

que ao menos se possa entender melhor a relação de educação e do educador com o

medo da liberdade à luz da filosofia existencialista.

4.1- Interpretação da educação e dos educadores à luz do existencialismo de Sartre

A educação, como se viu com as pesquisas feitas pode-se dizer que teve

início com a chegada dos portugueses ao Brasil, com os famosos catequizadores,

momento em que o objetivo era a disseminação da igreja católica na nova colônia

portuguesa. Vinham do velho continente pessoas com um único pensar: fazer fortuna no

novo mundo. Novas oportunidades se abriam a comerciantes, desempregados, políticos,

jovens, negociantes, bancários, especuladores, nobres ligados aos reis de Portugal etc.

Tempo em que ler e escrever era para pouquíssimas pessoas. No Brasil monárquico os

discursos parlamentares falavam em educação para todos, porém o que se via na prática

era um descaso total e educação para poucos. A ausência de educação básica, segundo

Marrach, deve-se ao fato de repressão externa, ao controle das ameaças e até uso de

violência física, Sonia não se refere apenas, em seu livro, aos escravos, esse controle

recaía também nos homens livres e pobres, chamados “mestiços”, “pardos”, “cabras” e

“crioulos”, que na teoria eram livres e na prática submetidos e presos à lógica do

controle das almas e do mito da educação para todos.

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4.2- A história de outrora confirma a situação de agora

Após resumo do que já havia sido visto como fundamentação e dados da

trajetória da educação especialmente no Brasil, e, para poder concluir, é necessário

entender o processo histórico da educação. É necessário inserir-se numa perspectiva

histórica para entender o presente. O presente é produto de um processo histórico, só é

possível pensar no futuro e os problemas que se vai enfrentar se compreender o passado

histórico que resultou na situação da educação do presente. Foram as políticas

educacionais que levaram a educação ao processo que estamos hoje. Na origem deste

presente que estamos inseridos, existem marcos históricos que a explicam. No final do

século XVIII europeu ocidental explode a Revolução Francesa, que foi construída ao

longo dos séculos XV, XVI e XVII, desenvolvendo uma nova classe social: a burguesia.

Os burgueses enriquecem por meio da exploração e querem mais espaço político. A

revolução francesa culmina quando surge um novo homem por meio da racionalidade e

que quer acabar com os conceitos concebidos sobre a influência da igreja. A luz do

conhecimento virá através da razão humana e não de luz divina. Além da revolução

francesa, aparece a revolução industrial, surgindo o operário. A revolução francesa é

uma revolução do povo, que tem como símbolo a bandeira dos ideais de igualdade,

liberdade e fraternidade. As condições da classe trabalhadora são miseráveis e aparecem

dois movimentos: um justificando esta realidade e outro criticando esse horror de

realidade das cidades capitalistas. A sociedade que surgiu é uma sociedade histórica. A

acumulação de capital se dá pela exploração do trabalhador, produz riqueza por um lado

e pobreza, miséria pelo outro, isto é inerente ao capitalismo.

O século XIX é o século do capitalismo e do anticapitalismo, produzindo

insatisfação. É preciso justificar a desigualdade real e ela aparece ao longo do século

XIX. O que na realidade existe são desigualdades de oportunidades e não igualdade

entre os homens. Cria-se uma educação de mecanismos produtores de desigualdade

entre os homens, de desigualdade entre as raças, etnias, indivíduos e classes.

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4.3- A educação para a manutenção da sociedade de interesses

O discurso da carência cultural dos pobres é outra justificativa que

aparece mais tarde para desarmar esta sociedade que não é nada igualitária, liberal e

fraterna, pelo contrário, é competitiva, competição desvairada por um lugar. O sonho de

igualdade não se realizou, também não, pela justificativa das teorias racistas que

mistificam como sendo uma falha individual e na realidade é produção de uma

economia social. O olhar sobre o outro não é neutro, é informado, conformado por

concepções das quais todos herdam. A visão de mundo é justificada na escola para uma

sociedade desigual. Os indivíduos têm que pensar como pensa toda a sociedade para

manter o sistema formador de uma sociedade desigual, e a escola é um instrumento

conservador, mantenedor deste sistema, e as políticas públicas educacionais

conhecedoras disto manipulam os atores participantes da escola. Quem são os atores

principais das educação: educandos e educadores.

Segundo Maria Helena Patto, na palestra do dia 29 de

novembro de 2008 na FE da USP: “Dom Pedro I falava: “Eu

sou a ciência”. Ele acreditava ser superior ao resto da

população existente no Brasil. Ela também coloca que o

Conde de Gobinau, francês, visitou Dom Pedro, resultando

sua visita em um livro no qual escreve que a raça mais pura é

a francesa. O Conde de Gobinau defendia a idéia de que os

mestiços, do Brasil, eram degenerados, os índios eram

malandros, também colocava que os brasileiros eram a ralé

da raça humana”.

Estas ideias são as que tiveram influência na construção do pensamento

brasileiro. Este espírito classificatório ou justificador das classes raciais tiveram enorme

influência no atual cotidiano, e faz parte do dia a dia na educação e na sociedade. Estas

teorias que falam que os mestiços são degenerados, que os negros e índios eram o pior

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do país, evidentemente bloquearam o desenvolvimento e o progresso do país. Como

poderia crescer um país assim?

O Brasil era uma sociedade escravocrata sem os direitos à cidadania,

educação, saúde, emprego e à vida, constituída como uma colônia em cima de dois

pilares, como diz Maria Helena Patto:

“de um lado, a transformação dos direitos em favor dos que mandam”. Isso, hoje, cria

um vínculo que abafa o direito à crítica. O povo não percebe e confunde favor com

direito. “Do outro lado, a sociabilidade com a violência entre as classes”.

As relações atravessadas por uma grande violência que não precisa nem

ser justificada, começando pela violência com os escravos. O Brasil é um país que foi

construído na violência, o domínio pela violência. Este histórico da construção do

pensamento da sociedade brasileira faz perceber que no Brasil nunca houve um

empenho de garantir o ensino das classes populares. Há, sim, falta de interesse de

educar deveras as classes populares, pois povo educado e escolarizado sabe de seus

direitos, é crítico e luta por seu lugar na sociedade. Os professores também são vítimas,

pois os preceitos e o estereótipo de educador incompetente ou que é educador por não

ter outra opção foi propositalmente ou não estabelecido e instaurado desde o Brasil de

outrora e vem sendo reiterado no de agora pelas políticas educacionais. A educação de

massa transforma os professores e professoras nos algozes da educação, e, aos olhos da

sociedade, os únicos e verdadeiros culpados, isentando as políticas educacionais e seus

dirigentes, e, uma vez mais, convencendo a grande massa. Os moldes da educação de

agora e os de outrora maquilam inúmeras mudanças, fala-se de novos rumos da

educação, surgem novos chavões, contudo ambas, a educação antiga ou atual,

coincidem no mais perverso da cultura de dominação e controle das almas, que se pode

resumir em educar para a manutenção da sociedade de interesses, em lugar de educar

para a transformação/formação de uma sociedade igualitária em que não se valorizem os

indivíduos pela raça ou posição social. Que a educação seja uma ferramenta

emancipadora e libertária. Após pesquisa e avaliação da situação tanto da educação e do

educador em que ambos são vítimas dos controles e posto a serviço das políticas

educacionais com direcionamentos de interesses sociais e econômicos, passar-se-á a

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uma avaliação costurando o existencialismo sartriano com a vida dos educadores, as

educadoras e suas relações com a educação à luz do pensamento de Sartre.

4.4- Sartre e o problema da educação

Para Sartre existir é existir em movimento e esse movimento é visto

como a autoconstituição do ser e, por conseguinte da consciência. Trata-se da incessante

busca do indivíduo para ser na sua plenitude, na sua impossível completude, como o ser

Em-si, o qual, o Para-si nunca alcançará. Pode-se costurar um paralelo na vida dos

educadores e educadoras, pois o educador busca todo dia reverter a situação na qual se

encontra que entende-se como a busca do ser que não é, na negação do ser que é,

inclusive na opinião de outros (adiante se discutirá a relação com Para-outros).

Ao negar o educador que é, pois não aceita e acredita que pode

ser melhor, o educador projeta-se na afirmação do que não é. Faz o que Sartre chama do

futuro mais forte que o presente, em uma negação do agora com o fortalecimento do

futuro. Lança-se no amanhã, guardando a promessa de um professor melhor e como

conseqüência uma educação melhor. Nessa procura interminável num caminho em que

nada o espera e que nunca acaba e não o leva a lugar nenhum, pois não há o fim do

caminho, nem tampouco a conformação, um momento de tranqüilidade e conforto, pois

o educador nunca coincidirá com ele mesmo e os projetos só cessarão com a morte.

O que causa a angustia no educador é esse renovar de todos os

dias. Para Sartre é a liberdade, e ser livre no pensamento sartriano não é prerrogativa de

alguns, é de todo ser humano e ser livre não é adjetivo positivo, a liberdade para Sartre é

angustiante, pois se deve decidir todos os dias a todos os instantes os rumos, o agir e o

atuar. Logo, como dizia Sartre, negar o presente na afirmação dos projetos do futuro, é

de alguma maneira existir no futuro, como se o educador fosse outro, e conseguinte

existir num momento melhor, ainda que este seja efêmero. Ainda que o futuro seja a

reiteração do presente, o sujeito, no caso, o educador, por meio da escolha que é o

exercício constante da liberdade de certa maneira vive a possibilidade com mais força

do que vive a realidade. Há uma associação entre a liberdade do educador e as

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possibilidades que se apresentam que é o que caracteriza a condição humana como o ser

dos projetos, e com o educador na avaliação de sua atuação não é diferente, o educador

faz as escolhas sempre pensando na melhoria da educação e de seu desempenho como

educador.

A liberdade de todo educador é sempre exercida dentro de um contexto

determinado, que Sartre chama de situação. Este contexto para o educador, além do

contexto focar-se-á na parte profissional, entenda-se no tipo de escola em que trabalha,

seja ela pública ou privada, o educador não está imune ao contexto/ situação. Não há

nada que se possa fazer o educador pode ter nascido na época do Brasil colônia ou no

nordeste ou até em São Paulo de agora, talvez trabalhe numa escola católica ou

protestante, numa escola judia, ou em uma escola laica. Ainda pode ser uma escola que

segue o método tradicional, uma escola em que há no mínimo cinco instrumentos

avaliativos e noutra que há dois. Uma escola em que há um planejamento

interdisciplinar ou em uma escola que não se fazem projetos. Uma escola da periferia ou

uma escola de alto padrão financeiro. Todos esses fatores da situação em que o

professor exerce a sua profissão Sartre chama de facticidade, um contexto de fatores

situacionais e sociais. Pois então como o educador pode exercer sua profissão de direito

uma vez que necessita exercê-la junto às exigência da facticidade? O educador está em

uma realidade humana a qual Sartre chama de significação, ou seja, qual é o significado

que cada educador dá aos fatos que se apresentam no caminho do exercício de sua

profissão. Para um educador quiçá signifique o fim do mundo trabalhar como educador

em uma favela, pois o significado que ele deu é negativo: não obstante, outro educador

entenda como a sua grande missão e use esse fato, não como regulador e limitador, e

sim como possibilidade. A possibilidade de ajudar centenas de educandos carentes e

usar seu conhecimento como alavanca de emancipação intelectual. Para Sartre a

facticidade tem um caráter castrador, mas ao mesmo tempo em que é limitador,

significa também, possibilidade, não há no mundo humano fatos brutos destituídos de

sentido humano. Assim como a montanha representa o sustento do agricultor, é para o

engenheiro um obstáculo a ser vencido e um desafio para o alpinista. Enfim, para os

educadores as escolhas, de lugar, de missão, ou distância para exercer sua função são

feitas pelo crivo do exercício da significação. Um educador, escolhe o filme “O crime

do padre Amaro”, para que com os educandos discutam valores morais, sociais em um

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projeto junto a outras disciplinas, usando este filme para fomentar um tema transversal,

e talvez a direção do colégio não entenda como o filme adequado, e o educador se verá

obrigado a seguir outra estratégia, logo e assim em sucessivos eventos os educadores

têm, como se diz popularmente, de dançar conforme a música, num exercício

interminável entre a liberdade e a limitação da facticidade em particular do educador.

Exercer sua liberdade pode ser, e na maioria das vezes é, angustiante e frustrador.

Quantos e quantos momentos o educador se vê e enxerga seu trabalho junto aos

educandos como mera propaganda da escola, situação na qual se ressalta mais a

aparência e o impacto visual em detrimento do atitudinal, conceitual, transformador de

educandos em artífices de seu próprio caminho, protagonistas de sua vida e de sua

educação do trabalho realizado. As famílias presenciam mostras culturais que mais

parecem desfiles de egos e ostentações, papéis comuns em escolas que atendem

discentes com grande poder aquisitivo. Tais situações fomentam e corroboram o atual

conceitual atribuído por parte discentes e familiares sobre a educação e do educador/a.

A facticidade aí são para os educadores: a escola que procura seus interesses de

inúmeros sentidos, sejam eles comerciais ou econômicos e transformam mostras

culturais em propaganda. A política educacional pré-estabelece o modelo de educação,

assim como determina os livros que devem ser usados em escolas públicas, fundamenta

e determina o formato da educação nacional, em blocos blindados e engessa a educação.

Diretrizes que limitam e selecionam o que deve ser abordado ou não nas escolas

públicas e privadas.

Outro componente da situação em que os educadores e todos os seres

humanos exercem a sua liberdade, segundo a filosofia sartriana, é intersubjetividade, o

Para-si de outros sujeitos, o Para-outro que os educadores encontram na constituição do

ser, o educador se depara com outras liberdades, outras consciências, entre essas

consciências há coordenadores, outros educadores, senhores pais, mães e responsáveis,

diretores ou diretoras, diretorias de ensino etc. No existir em projetos, existir em

movimento em meio a facticidade, que já é angustiante, há de se somar a relação com

outros indivíduos.Outros indivíduos que seguem a sua história e que, em alguns

momentos, e aceitar-se-ia dizer em inúmeros momentos, rompe-se o silêncio do

movimento e da significação singular, da avaliação silenciosa e continuada da formação

do ser no anseio angustiante da plenitude numa inconsciente busca do Em-si, modelo de

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ser da tradição moderna, aquele que descansa em berço esplêndido que é essência e

símbolo de completude, o ser em excelência. Esse romper do silêncio se dá com o

encontro de um Para-si com outro Para-si, nesta relação é mais um obstáculo em que o

educador defronta-se com outras consciências, com outros movimentos, com outros

projetos. Desde a tradição este é um tema de grande dificuldade. Sartre chama de

Alteridade, que para o filósofo significa exercer a liberdade em meio a outros sujeitos

que também exercem a sua liberdade, a intersubjetividade como foi classicamente

classificada, e o Sartre designou com a expressão ser-para-outro. A dificuldade se

encontra, segundo a filosofia sartriana, em primeiramente em supor a representação de

si, e, em seguida reconhecer a representação do outro, na filosofia tradicional o sujeito

não podia transferir para outro a intuição de existir, motivo pelo qual na filosofia

tradicional esta questão encontra-se em aberto. Por outro lado na filosofia de Sartre o

Para-si já é de certa maneira Para-outro, por conta do afastamento do ser nos projetos, o

ato de pró... jetar implica em lançar à frente, como viver o projeto adiante mais forte até

que a realidade vivida no momento, quiçá pode-se entender, porque o Para-si é de

alguma maneira um Para-outro, logo é nesse caminho dos projetos que os indivíduos se

cruzam e o grande nó que surge é entender que o eu de um sujeito não é o eu de outro.

Nas palavras de Sartre “O eu que não sou eu”.

4.5- A cristalização por meio do “Olhar”

Sartre trata desse assunto em “O olhar” de “O ser e o Nada” entretanto,

esclarecer a intersubjetividade não é tarefa fácil. Sartre usa o olhar como metáfora que

se encontra nessa relação. Os educadores ao se depararem com outras consciências e

outras liberdades em meio aos projetos individuais sofrem o que se chamou de

cristalização do outro, que seria a objetivação de um sujeito para o outro, entende-se que

nenhum sujeito pode viver o que o outro vive, porém podem-se cruzar no exercício de

existir. Neste momento ocorre o fenômeno do olhar, naquele instante em que um sujeito

se cruza com outro, é cristalizado, objetivado. Um sujeito atribui essência ao outro por

meio da observação do olhar, o transforma em ser constituído, deixa-se de lado toda a

incompletude do ser, um sujeito simplesmente atribui ao outro por meio do olhar a sua

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impressão e o cristaliza, determinando a sua essência, objetivando o outro. Ao objetivar

o outro o sujeito abandona o princípio do existencialismo sartriano de ser em

constituição. Ora se um ser está em constante movimento, em auto-constituição não se

poderia considerá-lo constituído e determinar a sua essência, uma vez que um sujeito

não pode acompanhar a existência do outro, a singularidade do outro sujeito é invadida

e cristalizada.

Há uma parte da obra de Sartre em que ele agride a língua transfigurando

o verbo intransitivo existir para esclarece em muito o trecho tão importante e ao mesmo

tempo tão difícil de explicar e diz ; “Eu não posso existir no outro” . Pode-se entender

que o fato de que um sujeito não acompanhe o existir alheio, o impossibilitaria de

opinar ou fazer qualquer juízo de valor sobre este ou aquele sujeito que se cruzaram na

existência, na intersubjetividade, seja numa reunião de trabalho, no trânsito, na

academia ou em qualquer momento da vida. Talvez esta representativa e

importantíssima parte da obra sartriana ajude a entender a situação vivida pela educação

e os educadores. Para todo ser existir em liberdade é angustiante e some-se a facticidade

a intersubjetividade que fomenta e ao mesmo tempo limita a liberdade de um educador

em seu Para-si e as relações com outros Para-si. Observe-se o educador na

intersubjetividade com outros educadores. A liberdade entre educadores talvez seja mais

pesada se comparada a outras profissões, pensada do lado de dentro, pois na luta das

consciências, inconscientemente, ou não, há educadores que determinam hierarquia de

matérias, determinando algumas como as mais importantes e outras como menos

importantes no processo de ensino aprendizagem. Ao adjudicar matéria com

importância pode-se entender educador dessa determinada matéria como importante ou

não, objetivando educador e matéria numa única constituição, relegados a um único

patamar préestabelecido por outros e hierarquizado pelo determinismo de escolas e

parâmetros curriculares. Surge então um dos maiores obstáculos da liberdade na

intersubjetividade entre Para-outros ou como Sartre diz o ser-para-outro. Muito além da

dolorosa constituição do ser em liberdade, há a liberdade de ser educador hierarquizado

e determinado cristalizado como sendo o de menor expressão no que tange ao global do

processo de aprendizagem. Nesta luta de consciências há os educadores que aceitam

essa posição e se entregam numa espécie de simbiose com o sistema, que não se

assumem como indivíduos, se assumem dentro do sistema, acreditam que nada pode ser

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feito, que assim é, e assim deve continuar. Porém outros educadores acreditam e não se

acomodam, culpam sim o sistema, entretanto, continuam enfrentando-o e renovando os

votos de um ser em constituição, pois a situação para Sartre é ao mesmo tempo

determinante, limitadora e reguladora de possibilidades, com as quais se poderia

explicar a singularidade humana, com o significado que cada educador dá aos fatores

contingentes com os quais, tem de exercer a sua liberdade. Em meio a esta situação, a

escolha do educador exercida por meio da liberdade e significação dos fatos confirma

de certa forma que a relação entre existência e liberdade impede de aceitar uma natureza

humana constituída, e que é pela liberdade que se constrói a existência, da qual o

educador dispõe mesmo em relação a que não pode mudar, e com a qual se torna artífice

de sua própria condição. Tal como diz Sartre seria mais pertinente chamar de condição

humana em lugar de natureza humana. Logo, alguns educadores com a clara finalidade

de evitar a condição de uso de sua liberdade se acomodam numa espécie de simbiose.

Toda liberdade começa por uma negação, um sujeito só pode pensar em deixar de ser

preso se estiver preso, o princípio de liberdade exige a negação de uma situação, o

educador ao sucumbir ao sistema procura evitar o desgaste das escolhas, evita a angustia

do exercício da liberdade.

4.6- A metáfora hegelina no pensamento de Sartre

A realidade humana nunca será uma totalidade idêntica a ela mesma, será

sempre um processo de totalização que nunca chegará ao final. Contudo os educadores

exercem ao mesmo tempo seus papéis de senhores e escravos. A dialética senhor/

escravo é uma metáfora das antigas guerras gregas. Lembrando essas guerras sabe-se

que os guerreiros que perdiam nas batalhas eram capturados e convertidos em escravos

dos vitoriosos. Os vencidos já sabiam dessa condição, os que abandonavam a luta em

prol da vida, sabiam que a partir desse momento decretariam a sua escravidão. Os

guerreiros eram conscientes e entendiam a condição e assim faziam a sua escolha.

Lutavam até a morte ou se entregavam e aceitavam a escravidão. A metáfora se voltada

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para os educadores pode-se usar uma como exemplo entre muitas formas de escravidão

o caso mencionado a priori: educadores das matérias tidas como as importantes em

detrimento das matérias tidas como as menos importantes. Nesta espécie de luta de

consciências o escravo é o educador da matéria menos valorizada e o senhor o educador

da matéria mais importante. Porém esta situação dialética, segundo Sartre só ocorre se o

educador escravo aceita a condição de menos relevante, pois há uma dependência do

Senhor (matéria mais relevante) e esta relação apenas se completa e chega ao mais

perverso da relação quando o escravo admite e aceita essa relação, confirmando e

corroborando com a afirmação do senhor. A relação dos ser-para-outro dos educadores

entre educadores é apenas um obstáculos que compõem o universo da intersubjetividade

do educador. Outro seria a intersubjetividade entre outros Para-si tais como

coordenadores e diretores com os quais a luta das consciências exerce um poder muito

mais limitante que da relação com outros colegas: primeiramente é a insatisfação e o

questionamento de por que as figuras com as quais os educadores das consideradas

matérias menos importantes não podem contar com a intervenção dos dirigentes dos

colégios, que assistem aos conflitos com parcimônia e aceitação revoltante, segundo as

imposições de ordem organizacional, mais de agrado patronal que conceitual, e o que

prevalece é o que os pais e familiares vão pensar. O que vale é a manutenção da

aparência e da propaganda do colégio. A grande e última relação de intersubjetividade

ressaltada, pelo menos neste trabalho, é a intersubjetividade com a sociedade em geral,

todos os que não participam diretamente do lado de dentro da educação. Seria a

intersubjetividade com alunos, pais, responsáveis e outras profissões.

4.7- Entendendo a situação

Talvez com a pesquisa se logre entender um pouco o descrédito sobre os

educadores e a educação, se a história explica a trajetória da educação, pode-se dizer

que ela traz consigo arrastando junto o educador em geral. A história da educação, por

um lado, fundamenta a situação da educação e, acredita-se muito difícil desassociar a

educação do educador, pois os dois se fundem e se confundem, por outro, o

existencialismo de Sartre pode ajudar a esclarecer com o apoio do capítulo “O olhar” do

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“O ser e o nada” a situação do educador ante a sociedade em geral. Viram-se problemas

de ordem interna entre subjetividade educador-educador, educador-patronais e

educador-educador-patronais, agora refletir-se-á sobre a intersubjetividade entre

educador-sociedade.

A história mostrou por que grande parte da carga de responsabilidade do

fracasso educacional que assola o Brasil é adjudicada ao tipo de educação que se faz no

país, contudo a história não isentou os educadores em geral, pois não há educação sem

educadores, assim como não há educadores sem educação. Esta situação tráz à tona uma

fase na trajetória histórica do Sartre em que se pensou que fosse marxista, pois

comentava e discutia o marxismo. Sartre focou muito seu estudo na dialética entre a

história e o sujeito, diferenciando do pensamento marxista convencioanal que focava o

analítico em lugar do dialético.

Segundo Marx o sujeito era apenas entendido como simples correia de

transmissão da situação histórica em que vivia, sem nenhum tipo de interferência, uma

vez que qualquer tipo de interferência pessoal, independente, era vista como ideologia

burguesa. Por outro lado, Sartre em estudo do marxismo movimento o qual, Sartre

acreditava estar sendo o mais fiel possível, dizia que o homem não poderia ser pensado

como apenas causa do efeito da situação histórica, apenas num pensamento analítico

racional, em que, o sujeito é resultado da história em que está inserido, para Sartre a

história era possibilidade e reguladora do sujeito, numa dialética em que nem um nem

outro poderiam ser conciliados ou eliminados, transformando a frase de Marx “O

homem faz a historia que o faz”em uma frase sartriana “O homem é sujeito da história e

sujeito à história”.

Pode-se concluir que o sujeito é ao mesmo tempo constituidor da história

e constituído pela história em que está inserido. O sujeito age dentro de um determinado

momento histórico, social, político e educacional, é nesta situação que o educador

exerce a sua liberdade, por meio de escolhas, com fundamentações significativas, com a

intermediação da facticidades, com as implicações do olhar cristalizador, os Para-si que

se cruzam em um momento no percurso do ser em busca da sua identidade, porém como

já foi dito, não se pode acompanhar o existir do outro, aí poder-se-ia entender a

cristalização dos Para-si dos outros para com os Para-si dos educadores e por

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conseguinte a educação. A educação e os educadores foram objetivados pelo olhar dos

outros Para-si, em suma o olhar dos outros significa tornar os educadores e a educação

objeto da visão objetiva. Nunca se verá a educação e os educadores como se

constituindo, ao contrário se vê como constituído. É a imagem da constituição que faz

às vezes da essência que a educação e os educadores não possuem, porém que o

educador passa a possuir para os Para-si que vem o educador como objeto de sua

objetivação. O educador que se vê sendo visto e no qual reflete a sua imagem que e

fixada e objetivada pode até mesmo ser assimilada como real e os educadores, não

todos, como de alguma maneira acabam introjetando a objetivação de outros Para-si, e

aceitam a cristalização.

É por meio do olhar, e a soma de objetivações sejam elas de grande

veiculação ou de objetivação singular que os Para-outros chegam à essência objetivada

dos educadores. Importante dizer que para Sartre não existe ser constituído, não há ser

completo e nunca se chegará à essência, à completude de um ser. Pois o processo de

existir é de constituição que só cessará com a morte. Contudo a totalidade e a identidade

plena estão presentes no horizonte, no futuro, como processo existencial, como projeto

fundamental de desejo de ser, porém existir exige ser em liberdade, alguns educadores

no anseio de fugir da angústia de liberdade que implica em escolhas, o que há de ser em

forma de projetos, usam um fenômeno existencial que Sartre chamou de má-fé que seria

um mecanismo que o sujeito encontra de encarnar uma personagem como se assim

fosse a sua essência. Sartre para explicar esse fenômeno existencial, utiliza como

exemplo o garçom de café, que carrega consigo os traços de sua própria personagem,

como se viver um garçom fosse a sua essência. O individuo exerce e credita a sua

profissão tal qual a sua essência, como de alguma maneira abandona a liberdade dura,

que é a obrigação de escolher seu rumo.

Esta é a maneira, com a qual, muitos educadores, por meio da má-fé,

criam uma personagem de professor-objetivado com traços de sua própria personagem,

fato que demonstra uma tentativa de renúncia à liberdade, fugir da liberdade significa

não ter que decidir e ao não decidir escapa da angústia da escolha e a procura incessante

da sua auto constituição. Pois o existir é movimento, e a busca da identidade em

projetos. Ao evitar a liberdade por meio da mesmice da Má-fé o educador cria um

sistema de proteção com o qual evita a angústia de ter que exercer a sua liberdade. O

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educador por meio da má-fé repete sempre a mesma ação educativa eliminando

qualquer tipo de intervenção singular, reage como simples efeito do sistema, e o culpa.

Rende-se numa espécie de subserviência. Poder-se-ia entender que este fenômeno se

chama má-fé, já que existir é inevitável e existir exige projetos e a renovação dos

mesmos, porém, o educador acredita que aceitar essa condição sem nenhum tipo de

racionalização dialética entre situação, facticidade e significação é por algum tempo

livrar-se da inoportuna e insaciável cobrança que a liberdade exerce. O indivíduo/

educador num apelo ao desespero anula a sua singularidade humana e abandona a sua

apreciação da situação e utiliza-se da má-fé, contudo até a má-fé é uma demonstração

de ação reproduzida pelo efeito causado pela angustia que é existir como educador

cristalizado, um educador objetivado, por outros Para-si que determinam a essência dos

educadores e por extensão da educação. A objetivação sobre os educadores recai sobre a

educação e vice versa, entende-se depois das leituras e pesquisas para a fundamentação

deste trabalho que em muitos momentos tanto no caminho traçado pela educação e do

educador, como na história da evolução nacional da educação que todos se fundem em

um único elemento e, se, como fundamentação inicial voltasse a mencionar as críticas

de Sartre sobre o marxismo, poder-se-ia comparar o que se chamou de pedra de toque

da polêmica se encontraria alguma similaridade entre a educação de massa e a relação

com o educador cristalizado.

A pedra da polêmica Sartre x marxismo consiste nas condições subjetivas

(sujeito singular) e condições objetivas (universal histórico). A consciência subjetiva é

apenas resultado do efeito da condição objetiva. O sujeito era para os marxistas apenas

o reflexo do sistema em que se encontrara. A relação é unilateral, trata-se de uma

relação analítica na que prevalece o regime de relações de produção e a condição

subjetiva é apenas condutor de transmissão do movimento gerado pela condição

objetiva. O sujeito histórico é apenas um reprodutor reflexivo de determinado regime. O

sujeito é considerado apenas como resultado da história universal na qual desenvolve

sua liberdade, segundo a crítica de Sartre em “Questão de Método”.

Sartre acredita que o sujeito por meio da apreciação subjetiva, ou seja, a

significação faz uma interiorização dos fatos constituindo valores e agindo conforme

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seu critério referendando um processo entre interiorização/exteriorização. O sujeito

sartriano age conforme a significação que dá a facticidade, a subjetivação da

objetividade universal, uma relação entre a sua história e a história em que está inserido,

entretanto Sartre acreditava ser fiel ao pensamento marxista que dizia que o sujeito faz a

história que o faz, pois ao mesmo tempo em que o sujeito fazia a sua história singular

com limitações impingidas pela história universal, em que, se encontrava criava uma

nova história, pois a história universal também sofre as intervenções do sujeito. Para

Sartre o sujeito estava submetido à história e também era agente da história criando a

sua própria história subjetiva e participando da história universal. Contudo pode

costurar um paralelo entre a pedra da polêmica entre Sartre e o pensamento marxista e o

tema em destaque, pois se entende que para muitos educadores a educação é para o

educador os limites em que esse educador está inserido. E há alguns educadores que são

meras correntes de transmissão dessa educação de massa, assim repassam as imposições

da educação que reflete em uma educação engessada e castradora, numa simetria com o

pensamento marxista no que tange a esta comparação se refere: a história universal

como causa e o sujeito como efeito, assim como, a educação como efeito sobre o

educador como causa. Num pensar marxista o relacionamento linear de uma simples

causa do efeito abandonando a dialética que se faz necessária em que nenhum dos

elementos podem ser desconsiderado nem conciliados, logo, em uma fundamentação

mais sartriana a relação entre educador e educação seria dialética e, salvo incorrer em

erros, uma vez que verdadeiramente Sartre e Marx não criaram estas frases se eles as

tivessem feito seriam inicialmente a de Marx “O educador faz a educação que o faz.”

mantendo de certa maneira fidelidade ao seu pensamento daria uma relação de causa e

efeito, em que o universal estabelecido pela educação traz consigo toda as limitações e

obrigações de uma educação de massa. Como se a educação universal fosse responsável

pelo efeito do trabalho produzido pelos educadores e os educadores fossem apenas

reprodutores dessa educação sem nenhuma interferência singular, pois qualquer

interferência singular seria tida como idealista e de educadores que sonham com uma

educação com a qual não se pode trabalhar, considerados adeptos da escola libertária e

com isso sonhadores que querem esconder a realidade.

Em seguida pensa-se a de Sartre “O educador é sujeito da educação e

sujeito à educação” mantendo, se é possível, fidelidade ao pensamento sartriano em

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crítica a Marx, pois para o grande filósofo existencialista em simetria dialogada entre a

sua filosofia e esta pesquisa se poderia entender que o educador por meio de sua

interiorização, a sua singularidade, decide os caminhos da aula e da maneira que

formulara mecanismos para que os alunos acessem o conhecimento, logo se a educação

vem com as limitações e suas imposições o educador recebe uma educação na qual está

inserido ao mesmo tempo em que cria uma educação por meio de seus critérios de

escolhas.

O educador faz a educação por meio de sua singularidade ao mesmo

tempo em que é moldado pela educação e seus parâmetros, numa dialética entre o

educador e a educação, em que nenhum dos dois termos pode ser eliminado. O educador

como o agente da educação o grande promotor do processo de ensino aprendizagem e o

modelo de educação como limitadora, porém uma realidade com a qual o educador nada

pode fazer, a princípio, pois, é a realidade de modelo de educação que lhe é impingida.

Os dois termos procuram manter uma tensão, atribuindo a cada um deles

a realidade suficiente para sustentar um vínculo que não depende exclusivamente de

nenhum deles, mas, precisamente, do vínculo tenso e contraditório que se estabelece.

Logo, pode-se entender que o educador e seu trabalho é uma realidade singular que se

defronta com a condição do modelo de educação universal. Essa relação comporta a

ação do educador como agente da educação e a educação como agente sobre o

educador. A educação age sobre o educador no sentido de determiná-lo e o educador

age sobre a educação na medida em que esta decorre de sua ação.

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CONCLUSÃO

Se por um lado, exercer a liberdade em tempos atuais e, em específico,

em relação à profissão de educador com a sua carreira, outros educadores, os

educandos, a sociedade, a educação em termos regimentais e, finalmente, a relação do

educador com ele mesmo, traz consigo obrigações intermináveis, frustrações e angústias

difíceis de explicar e a sensação de impossibilidade de superação, por outro, se acredita

que este fenômeno existencial, que Sartre tanto clarificou, entender-se-ía melhor se

voltássemos aos tempos medievais, época em que o homem sentia-se de certa forma

seguro em exercer a sua liberdade dentro dos limites rigidamente estabelecidos.

Descreve Fromm uma época em que o filho do camponês sentia-se muito tranquilo e

seguro, pois sabia que seu futuro e seu segmento de história seria trabalhar nas terras de

sua família, assim como aprendera e assim seria com seu filho.

O homem daquela época acreditava que chegar ao sucesso era ter a

capacidade de plantar, colher e negociar o necessário para garantir o sustento próprio e

o dos seus. As pessoas trabalhavam para viver, ao contrário de viver para trabalhar.

Havia, segundo Fromm, uma unicidade entre o homem e a natureza, o homem não se

via como um ser independente. Ligado à natureza e aos seus afazeres para a sua

sobrevivência trazia segurança e significado à vida do homem medieval.

A relação com Deus era mais de confiança e amor do que de dúvidas e

temor. A grande característica da sociedade medieval em contraste com a atual é a

ausência de liberdade individual. Inicialmente, todos os indivíduos encontravam-se

agrilhoados, nas palavras de Fromm, ao seu papel na ordem social. O homem tinha

pouquíssimas chances de mudar de posição social, ou deixar de negociar com o mesmo

comprador e no preço determinado, pois os seus atos já estavam, de alguma maneira,

direcionados.

Muitos tinham que usar determinado tipo de vestimenta e alguns jamais

deixaram o local onde nasceram, porém, se por um lado o homem medieval não se

sentia livre no sentido moderno de liberdade, não se encontrava isolado e insignificante.

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O homem permanecia ligado ao seu papel e ao lugar onde nasceu e, desta maneira,

sentia-se seguro, estruturado e, logo, sem margens para dúvidas ou insegurança. Havia

relativamente pouca competição entre os homens, e a ordem social era concebida como

algo imutável, aceitável entendido como natural. Dentro de sua esfera social, o homem

tinha de fato liberdade para expressar seu ego. Pode-se entender que, embora não

houvesse individualismo considerado nos moldes da forma moderna, aquela no sentido

de escolha irrestrita entre as muitas possibilidades que há de maneira de viver (esta

possibilidade irrestrita é também abstrata), havia individualidade no sentido concreto de

vida real.

A sociedade medieval não despojava o indivíduo de seu direito à

individualidade, pois o homem medieval não tinha consciência de indivíduo, o homem

não havia quebrado seus vínculos primários, o homem não se concebia indivíduo, salvo

exceção ao seu papel social e que se pode chamar de papel natural. Se um forasteiro que

chegasse à cidade fosse considerado um estranho, e de fato era, pois se tratava da

primeira vez que pelo local passava, este forasteiro poderia ser considerado tão estranho

como os que não faziam parte de um mesmo grupo, enfim, até as pessoas que

conviviam em mesmo espaço, porém em grupos diferentes, eram consideradas tão

estranhas como aquelas vistas pela primeira vez, já que o conceito de indivíduo dava-se

se ele fosse membro de algum grupo, incorporado pela sua raça, família ou algum tipo

de categoria.

“Na idade Média, ambos os lados da consciência humana -

o que se voltava para dentro assim como o que se voltava para

fora – permaneciam adormecidos ou semidespertos sob um véu

comum. O véu era feito de fé, ilusão e preconceito infantil,

através dos quais o mundo e a história eram revestidos de

estranhas cores. O homem só se dava conta de si mesmo como

membro de uma raça, povo, partido, família ou corporação

através de uma categoria geral qualquer”. (FROMM, Erich; O

medo à liberdade, 1962, p.44)

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O homem medieval não tinha consciência de liberdade se pensada no

sentido moderno, entretanto, a história da liberdade em moldes atuais poderia ter tido

seu início com o que Fromm chamou de “individuação”. O homem iniciou a sua

independência, ou seja, reconheceu-se como independente da natureza e dos outros

homens com os quais se relacionara. O indivíduo se reconheceu uno, separado

organicamente dos outros indivíduos com os quais formava um grupo e que dividia

tarefas e entendia a posição que cada um exercia para viver em sociedade. A leitura

sobre a sociedade medieval era absolutamente clara para o homem daquela época.

Talvez para alguns, a maneira de viver na idade média consistia apenas,

de certa maneira, em tentar manter o controle de posição social ou evitar que o

indivíduo sequer pensasse em ascender socialmente; contudo, para o indivíduo medieval

o significado de sua vida era seguir no mesmo patamar em que havia nascido, pois

assim sentia-se significante e seguro. Entendia seu papel no andamento de sua vida, da

vida em coletividade e a relação com a natureza. Vivia de seu trabalho e trabalhava

para sua necessidade. Sentia-se importante e partícipe, pois entendia a formação e o

desenvolvimento da sociedade da época. O poder estava restrito ao estado e à igreja,

entretanto, o poder do dinheiro e a quebra da coletividade e com o nascimento dos

novos endinheirados surgia um novo poder, quiçá mais forte que todos os outros juntos:

o poder do mercado. O mercado passou a reger tudo.

As exigências do mercado forjavam o novo indivíduo, este agora envolto

em uma sociedade em que as relações dos grupos passaram a ser extrínsecas e

inorgânicas. Os grupos continuavam existindo, porém regidos pelo poder e assolados

pelas exigências do mercado. A individuação trouxe o individualismo, que por sua vez

trouxe a dependência ao dinheiro. Com a dependência do poder absoluto do

mercado/dinheiro sob a batuta dos novos endinheirados, o homem medieval perdeu a

relação natural com as obrigações sociais e deixou de reconhecer-se como indivíduo

importante e participativo integrante de uma sociedade, velado pela liberdade de

escolher e conforme seu esforço poderia ascender ou decrescer socialmente, pois agora,

com o poder do dinheiro, se o possuísse poderia até comprar e usar as roupas que

desejasse, não havia mais obrigações e determinações. A estrutura social e a

personalidade do homem medieval mudariam com o fim da idade média. A unidade

enfraqueceu, o capital e a iniciativa junto à competição ganharam importância. Surge a

nova classe endinheirada. O estilo de vida tradicional medieval seria abalado. O

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indivíduo emerge da sociedade feudal rompendo o vínculo primário que lhe dava

segurança com restrições. Por um lado se viu o surto da poderosa classe: a endinheirada,

que com o espírito da iniciativa privada e a ambição se animaram e, como

consequência, a classe feudal perdeu status. Por outro lado, multiplicavam-se massas de

trabalhadores explorados e politicamente anulados.

A partir do século XII, nobres e burgueses passaram a viver juntos

dentro dos muros das cidades, a casta passou a ser ignorada, o berço e a origem menos

relevantes que a riqueza. O resultado foi o fim da estrutura social feudal e o surgimento

do indivíduo na acepção moderna. O homem, ao se descobrir como entidade isolada,

descobre-se também perdido, pequeno e percebe-se, mesmo em grupo, absolutamente

só. A relação com a liberdade está sob suspeita, e para Fromm, não se trata de um fato

novo vivido a partir do fim da idade média, com a queda do sistema feudal; portanto,

para ele, esta desconfiança talvez possa ter iniciado com a escolha de Adão.

Metaforicamente, ao cair na tentação do pecado, Adão fez a sua primeira escolha e

trouxe consigo todas as consequências de seu ato - o rompimento com o paraíso, e

também como consequência o suposto abandono de Deus, fazem o nascimento do livre

arbítrio, para Adão e toda a humanidade: o fardo de se governar.

Governar-se é fazer suas escolhas, e o homem, durante muitos anos,

segue em grupos ainda que ignorando o sentido de individualidade conhecido

atualmente, agrupado acorde a situação social, política ou familiar. Em meados do fim

da idade média e o com o crescente domínio totalitarista do mercado (mercado regido

pelo poder dos endinheirados), as relações dos grupos perderam força e os indivíduos se

transformaram em uma massa homogênea, confirmando e chegando ao auge do

totalitarismo esmagador. Um totalitarismo que transforma a todos os indivíduos em

seres iguais, levando todos a uma sensação de pequenez e insignificância ante o poderio

gigantesco do mercado/dinheiro que domina a situação. O mercado rege preços,

salários, moda, gostos e obriga a todos a se encaixarem em suas normas. A

solidariedade com os semelhantes, pelo menos com os membros da mesma classe, foi

substituída pela alienação, os indivíduos transformados em objetos, manipulados e até

destruídos, caso isso atendesse o objetivo pessoal de outro. A liberdade trouxe: o

sentimento de força e o de pequenez, isolamento e dúvida. No sistema medieval, o

capital era servo do senhor, porém, no sistema moderno, o capital é o senhor. No

sistema capitalista, o sucesso, as vantagens passam a ser mais importantes que o

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indivíduo e a ter um fim em si mesmo. O homem é apenas um dente da engrenagem do

vasto sistema econômico, no qual o indivíduo é usado para chegar aos objetivos do

sistema. Trata-se de uma relação análoga, na qual o indivíduo garante o sucesso do

sistema em detrimento de sua vida e de seu “eu”. Há uma anulação total do indivíduo

transformando a todos em iguais, servos do sistema, mais dentes da engrenagem. É

importante se ganha muito dinheiro, insignificante, no caso contrário; entretanto,

sempre um dente da engrenagem para servir a uma finalidade do sistema, uma

finalidade totalmente alheia, diferentemente da dialética medieval entre o sistema e o

indivíduo. O homem trabalhava e fazia parte do sistema, e o fim era seu sustento para a

sua própria felicidade.

A pequenez, a solidão e o sentimento de abandono levam o indivíduo

moderno a um paradoxo. Assim como o homem medieval, ele procura grupos por

diferentes critérios e categorias, no intuito de identificar-se e logo sentir conforto e

amenizar o sofrimento que traz a um sentimento de abandono. Por outro lado, a

identificação fomenta e corrobora com o mercado, pois identificar pode-se também

entender como a busca pelos idênticos, os iguais, que é a premissa do totalitarismo do

mercado que transforma a todos em uma massa uniforme. As relações em grupo são

extrínsecas e inorgânicas, os grupos são abstratos. O homem reconhece-se como “livre”

e a situação econômica incentiva a iniciativa privada do novo indivíduo e mostra-se

como o único meio de afirmação e diminuição do sentimento de insegurança e

insignificância, porém, a possibilidade de iniciativa está limitada a muito poucos. Para a

grande maioria resta a subserviência impingida pelo mercado e pelos senhores dos

grandes negócios. As mudanças sociais trazem consigo uma espécie de substituição da

autoridade externa pelo domínio da autoridade interiorizada. A “consciência” perde

significado, é como se a autoridade externa não desempenhasse mais um papel de

destaque na vida do indivíduo.

Com as vitórias políticas da nascente classe média, a autoridade

externa perdeu prestígio e a própria consciência do homem

assumiu o lugar antes ocupado pela autoridade externa. Esta

modificação afigurou-se a muitos como sendo a vitória da

liberdade. Submeter-se a ordens vindas de fora (pelo menos em

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questões espirituais) [...] mas a vitória sobre as suas inclinações

naturais e o estabelecimento do domínio de uma parte do

indivíduo, sua natureza, por outra, sua razão, vontade ou

consciência assemelhavam-se à essência mesma da liberdade. A

análise demonstra que a consciência governa com rigor tão

grande como de autoridade externa e, outrossim, que

frequentemente o conteúdo das ordens expedidas pela

consciência do homem são ditadas, em última instância, não

pelas exigências do eu individual, porém por exigências sociais

que assumiram a dignidade de normas éticas. O império da

consciência pode ser ainda mais severo que o das autoridades

externas, pois desde que o indivíduo encara as ordens dela como

sendo dele próprio, como irá rebelar-se contra si mesmo?

(FROMM, Erich; O medo à liberdade, 1962, p.135)

A consciência passa a exercer a grande pressão sobre o novo homem,

torna-se uma luta de contradições aumentando ainda mais a insatisfação e o sentimento

de pequenez, desamparo e insignificância, uma vez que a luta é contra a própria

consciência.

Ela disfarça-se como senso comum, ciência, saúde mental,

normalidade, opinião pública. Nada exige além do que é

evidente por si mesmo. Parece não empregar pressão, mas

apenas uma persuasão suave. Quer se trate de uma mãe dizendo

à filha “Gostaria que você não fizesse questão de sair com esse

rapaz” ou de um anúncio sugerido “Fume esta marca de

cigarros. Você sentirá seu frescor”, é o mesmo ambiente de sutil

sugestão de que está realmente embebida toda a nossa vida

social. (FROMM, Erich; O medo à liberdade, 1962, p.135)

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A luta da massa contra o poder autoritário tem marcado em muitos

momentos a história da humanidade, entretanto, as lutas que marcaram a humanidade e

fizeram história tinham um poder claro, aparente para todos, e as vitória das massas

sobre esses poderes desenvolviam (e desenvolvem) a independência, a coragem e

muitas vezes forjam a grandeza e orgulho de um povo. Ao passo que a autoridade

interiorizada, se bem visível em nome da opinião pública, das leis de mercado, do

poderio do patrão, nas normas rígidas da moda e do dinheiro, em resumo, a regência do

mercado - esta autoridade - o mercado -, que pode-se chamar de um comando anônimo,

pois não está personificado em ninguém especificamente, como tal torna-se um regime

de comando invisível. Como se, de alguma forma, o indivíduo passasse a ser seu

próprio comandante e algoz, como se fosse atingido por algo indefinido, intocável,

porém muito poderoso. Logo, se intocável e invisível, não há nada nem ninguém para

contrarreagir. A “consciência” personifica todos os comandos e é como um regente

absoluto de autoridade máxima, como uma espécie de Deus, uma vez que não há como

se desvencilhar dela, sempre bombardeando os pensamentos, funciona como uma

espécie de freio, impulso e o grande regulador de tomadas de decisões. Como se o

indivíduo tivesse invadido, em seu pensamento, o rigor do peso da ética, a cobrança do

sucesso, deve-se ter a capacidade de inovar todos os dias, a obrigação da competência,

conhecimento contemporâneo na ponta da língua, o zelo pelo seu trabalho, as

obrigações sociais, políticas, civis e acreditasse em Deus.

O homem moderno tenta resolver a massificação de seu eu e procura o

equilíbrio dialético entre o individualismo que separava e a comunidade que unia da

idade média, porém, não há como voltar atrás à velha sociedade comunitária. Procura a

afirmação como indivíduo e acaba anulando o seu eu. Na tentativa de restabelecer a

integridade de seu ego, ele se incorpora a forças que o ultrapassam e às quais ele mesmo

terá de se submeter e acaba destruindo o eu individual, como resultado, esta forma de

fuga confere-lhe uma identidade falsa, que aumenta o círculo vicioso entre a fuga e o

aumento da sensação de abandono, angústia, insignificância e a busca sem norte de seu

verdadeiro eu.

Neste trabalho não se pretendia livrar o ser humano do sofrimento de ter

que fazer escolhas todos os dias, nem tampouco do aterrorizante medo de ser livre,

porém, de alguma maneira, se pensou em recorrer a um caminho com a intuito de

elencar origens e circunstâncias com o intenção apenas de, senão eliminá-lo, entendê--

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lo. Entende-se que o que motivou inicialmente este trabalho era abordar apenas a

profissão de educador, esta, tratada com desrespeito e sublimada aos caprichos do

mercado e da regência de uma educação de massa, contudo, ao passar pelos caminhos

percorridos pela educação, somados à filosofia Sartriana e com a finalização dos

pensamentos de Fromm, pode-se reconhecer que não se trata de um fenômeno

existencial limitado apenas a uma profissão. Todos os seres humanos, independente de

carreira, credo ou posição social vivem este fenômeno existencial.

Os educadores, tema deste trabalho, sofrem o grande medo de ser livres,

temem a exposição social, ao mesmo tempo em que fazem parte da sociedade. Fazem a

educação ao mesmo tempo em que a educação os faz. Vivem a grande dificuldade de

decodificar uma sociedade regida pelo mercado, ao mesmo tempo em que o mercado

determina as suas ações. O mercado, que rege a educação para o domínio das almas,

para os interesses políticos e das grandes corporações, regimenta, molda e transforma a

todos numa massa homogênea, atingindo o máximo de sua eficiência, involucrando a

todos numa cegueira velada e confusa, pois não há personificação autoritária, o grande

controle da massa é interno, “inconscientemente” a “consciência” é a grande autoridade.

O mercado atinge o sujeito em seu maior crítico e máxima autoridade -

“ele mesmo” - pois passa a ele a responsabilidade da liberdade, pois em uma visão de

mercado, as oportunidades estão aí para todos, se alguns chegam à riqueza (que pode-se

traduzir como poder e felicidade), os que não chegam, nas palavras veladas do mercado

e da nova sociedade livre, seria por incompetência ou falta de empenho. O sol está para

todos e só alguns o aproveitam. A autoridade disfarça-se como senso comum, a opinião

pública e pressão social passam a exercer junto à consciência a autoridade máxima.

“O medo de si mesmo é o maior controle que pode existir”.

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