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FACULDADE DE SERVIÇO SOCIAL PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL ÂNGELA MARIA PEREIRA DA SILVA ADOÇÃO: VIDA EM MINHA VIDA Porto Alegre 2008

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FACULDADE DE SERVIÇO SOCIAL PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL

ÂNGELA MARIA PEREIRA DA SILVA

ADOÇÃO: VIDA EM MINHA VIDA

Porto Alegre 2008

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ÂNGELA MARIA PEREIRA DA SILVA

ADOÇÃO: VIDA EM MINHA VIDA

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Faculdade de Serviço Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Serviço Social.

Orientadora: Profa. Dra. Gleny T. Duro Guimarães

Porto Alegre

2008

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

S586a Silva, Ângela Maria Pereira da

Adoção: vida em minha vida. / Ângela Maria Pereira da Silva. - Porto Alegre, 2008.

94 f. Dissertação (Mestrado em Serviço Social) -

Faculdade de Serviço Social, PUCRS. Orientação: Profa. Dra. Gleny T. Duro Guimarães. 1. Adoção - Aspectos Socioculturais. 2. Rede

Social. 3. Vínculos Afetivos. 4. Sociologia. 5. Adoção - Aspectos Sociais. I. Título.

CDD 301.427 342.16330982

Ficha elaborada pela bibliotecária Cíntia Borges Greff CRB 10/1437

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ÂNGELA MARIA PEREIRA DA SILVA

ADOÇÃO: VIDA EM MINHA VIDA

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Faculdade de Serviço Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Serviço Social.

Aprovada em 31 de março de 2008

Banca Examinadora:

______________________________________________ Profa. Dra. Gleny Terezinha Duro Guimarães

(Orientadora, PPGSS/PUCRS)

______________________________________________ Prof. Dr. Francisco Arseli Kern

(PPGSS/PUCRS)

___________________________________________ Profa. Dra. Cristiane de Oliveira Pereira

(Faculdade de Tecnologia Saint Pastous)

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AGRADECIMENTOS

À Professora Drª. Gleny, pela ternura e pela sua competência que me inspirou a

empreender na carreira docente através do cotidiano no Núcleo de Estudos e

Pesquisa em Políticas Sociais e Processos de Trabalho do Assistente Social -

NEPsTAS. As colegas que compõem no NEPsTAS pela acolhida e afetividade.

À Professora Drª. Cristiane de Oliveira Pereira e ao Professor

Dr. Francisco Arseli Kern por me acompanharem desde a

Graduação em Serviço Social e por contribuírem

significativamente no meu processo evolutivo.

À Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - Programa de

Pós-Graduação em Serviço Social, aos docentes e colegas do Mestrado, a Secretaria

do PPGSS pela partilha de informações, aprendizagens e conquistas durante esse período.

Ao CAPES por ter concedido a bolsa parcial para a realização do Mestrado.

Às Assistentes Sociais Rossânia Bittencourt Ferreira, Adriana Fialho Miller

e ao Doutor Juiz da Vara da Infância e Juventude José Antônio Prates Piccoli

por terem autorizado e me auxiliado no acesso às famílias que realizaram

o processo de adoção junto ao Fórum de São Leopoldo.

As famílias participantes deste estudo pelo carinho e pela confiança depositada.

A equipe de trabalho na Secretaria Municipal de Assistência, Cidadania e Inclusão Social

de São Leopoldo pela compreensão durante a realização do Mestrado.

A minha rede de pertencimento - família e amigos por me

acompanharem nessa caminhada, muito obrigada.

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Figura 1 - Campo de Girassóis

Fonte: Disponível em: <http://www.portalxanda.com.br/bebes/index.htm>

É preciso voar mais alto e mais além da miopia, da miudeza que supervaloriza injustamente os laços de sangue para aceitar o desafio amoroso da construção do vínculo pela escolha,

acreditando nos mistérios que ainda não entendemos suficientemente. São esses mistérios universais que colocam pessoas inesperadas em contato e em ligação

umas com as outras para a comunhão de vidas, de idéias, de amor e de convívio. A abertura para coisas que estão além da nossa capacidade

de pensamento e de entendimento, a busca de um sentido maior e mais elevado do nosso cotidiano são pontos fundamentais

que precisam reger nossas vidas.

Maria Tereza Maldonado

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RESUMO

Neste estudo buscou-se analisar a adoção numa perspectiva de garantia de direito à

infância a partir da compreensão das dimensões (social, cultural e emocional) que

incidem na família. Trata-se de um estudo, qualitativo, e, os sujeitos da pesquisa

constituíram-se de cinco famílias que vivenciaram a adoção, sendo cinco mães e

dois pais. Essas famílias realizaram o processo de adoção junto a Vara da Infância e

Juventude de São Leopoldo, lócus da pesquisa. As informações foram obtidas por

meio de entrevista, previamente elaboradas, aplicada individualmente, contendo

perguntas abertas. Num primeiro momento realizou-se comentários introdutórios

sobre a pesquisa e socializou-se Termo de Consentimento livre e esclarecido obtido

na ocasião junto às famílias participantes. Os temas que emergiram da análise

foram: os aspectos socioculturais que envolvem o processo de adoção, a relação

afetivo-emocional construída entre a criança e os pais, bem como a adoção para a

garantia do convívio familiar e comunitário. A reflexão sobre tais temas demonstrou

que, para os sujeitos da pesquisa, um dos motivos em buscarem a adoção foi não

terem tido seus próprios filhos. A adoção significou o fortalecimento dos vínculos

afetivos numa relação nutrida pelo amor, espontaneidade, respeito, afetuosidade

num aperfeiçoamento da convivência humana. Com a chegada da criança há o

desenho de uma nova rede social pela ampliação da rede primária e também pela

busca da rede secundária pelos serviços de ensino, saúde, do judiciário entre

outros. A convivência e os vínculos amorosos são fundamentais para que aconteça

a adoção mútua entre pais e filhos. Constatou-se a necessidade de criar grupos de

apoio à adoção em São Leopoldo.

Palavras-chave: Adoção. Aspectos socioculturais. Rede social. Vínculos afetivos.

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ABSTRACT

This dissertation examines adoption considering the guarantee of infancy rights

through comprehension of the social, cultural and emotional dimensions of family.

One is about a study, qualitative, and, the citizens of the research had consisted of

five families who had lived deeply the adoption, being five mothers and two parents.

These families had carried through the process of adoption next to Pole of Infancy

and Youth of Is Leopoldo, lócus of the research. The information had been gotten by

means of interview, previously elaborated, applied individually, contend open

questions. At a first moment one became fullfilled introductory commentaries on the

research and became social Term of gotten free and clarified Assent in the occasion

next to the participant families. The topics raised from the analyses were: the socio-

cultural aspects involved in the adoption process, the affectional and emotional

relation built between the adopted child and the parents, as well as adoption for

assuring the familiar and communitarian life. The study on these topics demonstrated

that, for the participants of this research, one of the motivations for adopting a child

was having no children of their own. The adoption meant strengthen of affectional

attachments in a relation nourished by love, spontaneousness, respect and

fondness, promoting improvement in human relationship. As the child arrives there is

a new arrangement of the social net due to the expansion of the primary net as well

as the search for the second net in order to access related services concerning

education, health, law and others. The living together and the affectional attachments

are essential for the mutual adoption between child and parents to happen. This

paper evidences the necessity of creating groups to support adoption in São

Leopoldo.

Keywords: Adoption. Socio-cultural aspects. Social net. Affectional attachments.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Campo de Girassóis .................................................................................04

Figura 2 - O Nascimento da Família Adotiva.............................................................12

Figura 3 - Dimensões do estudo da adoção..............................................................44 Figura 4 - Os fios que tecem a adoção .....................................................................56

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Trajetória Metodológica...........................................................................46

Quadro 2 - Na Trilha das Unidades de Significação e das Categorias......................55

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LISTA DE TABELAS

Tabela 01 - A realidade de crianças e adolescentes à espera da adoção ................39

Tabela 02 - Perfil desejado pelos pretendentes ...............................................................40

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................12

2 POLÍTICA SOCIAL E ADOÇÃO ............................................................................16

2.1 A EVOLUÇÃO DA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA E AS MUDANÇAS NO

ATENDIMENTO À INFÂNCIA APÓS 1988 .........................................................21

2.2 DIREITO À CONVIVÊNCIA FAMILIAR E COMUNITÁRIA..................................27

3 FAMÍLIA ADOTIVA: ENTRE O REAL E O IDEAL ................................................32

3.1 IMAGINÁRIO SOCIOCULTURAL SOBRE A ADOÇÃO ......................................37

3.2 ADOÇÃO: TEMPO DE GESTAÇÃO SÓCIOEMOCIONAL E AFETIVA ..............41

4 DELIMITAÇÃO DO PROBLEMA DE PESQUISA .................................................44

4.1 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS............................................................45

4.2 OBJETIVOS E QUESTÕES NORTEADORAS DA PESQUISA ..........................46

4.3 SUJEITOS DA PESQUISA..................................................................................48

4.4 TÉCNICAS E INSTRUMENTO DE PESQUISA ..................................................48

4.5 ANÁLISE DE CONTEÚDO..................................................................................50

5 O TEAR DA ADOÇÃO AFETO À VIDA.................................................................57

5.1 OS ASPECTOS SOCIOCULTURAIS DA ADOÇÃO ...........................................65

5.2 ADOÇÃO: DIREITO AO CONVÍVIO FAMILIAR E COMUNITÁRIO ....................72

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................78

REFERÊNCIAS.........................................................................................................81

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APÊNDICES .............................................................................................................87

APÊNDICE A - Termo de consentimento informado e esclarecido ...........................88

APÊNDICE B - Instrumento de entrevista (formulário)..............................................90

ANEXOS ...................................................................................................................92

ANEXO A - Guia da Adoção - Jornal Zero Hora........................................................93

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1 INTRODUÇÃO

Figura 2 - O Nascimento da Família Adotiva

Fonte: Disponível em: <http://www.andrea-schroeder.com/AGeddes59.html>

O que o destino me mandar Zé Miguel1

"Amar a quem nunca se viu É ter o coração

Em plena gestação É sem saber que mãe pariu

Amar de peito aberto por convicção É ver chegar quem não partiu

E conjugar verdadeiramente o verbo amar Mães, pais e filhos do coração

São os herdeiros da adoção Prontos a ter o que

O destino ofertar Frutos da mais pura paixão

Por onde a vida os levar O que o destino lhes mandar

Será Os filhos não só filhos são

São na verdade pedaços de nós Milagres que explicam a razão

Da nossa existência Sem eles o viver é vão

É ver tempo passar enfim Sem dar pra vida uma explicação

Da nossa existência“.

1 DISPONÍVEL em: <http://www.amb.com.br/mudeumdestino/index.asp?secao=video>. Acesso em:

12 mar. 2008.

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A “adoção é vida em minha vida”, é a declaração de uma mãe entrevistada

que sentiu a adoção como um sopro de energia e vitalidade que privilegiou seu

aperfeiçoamento como ser humano. A força das suas palavras afirma a importância

da adoção plena como uma experiência afetiva intensa e gratificante que fortalece a

família. Os filhos são sentidos como companheiros e amigos, extensão de si

mesmos.

Esse laço social também é simbolizado na figura 2 “o nascimento da família

adotiva” através de uma flor que acolhe, protege, zela e que ao mesmo tempo nutre

a criança num gesto de amor. Acontece que germinada em outro ventre a criança

cresce, floresce no coração e na força da paixão do pai, da mãe que a acolhe. Essa

interligação não se dá pelo cordão umbilical ou vinculação genética, mas pela

vinculação afetiva.

A música “O que o destino me mandar” revela que a adoção transcende a

natureza, pois significa acolher o diferente do seu próprio gene. A família que investe

num processo de adoção mútua busca amar e ser amada, nutrir e ser nutrida, regar

e ser regada pela força dos vínculos.

A fascinação sobre a temática da adoção deu-se durante a Graduação em

Serviço Social na disciplina ministrada pelo Professor Dr. Francisco Arseli Kern que

incentivou o aprofundamento da discussão e reflexão. Mediante a relevância do

tema para o Serviço Social que luta pela garantia do direito a convivência familiar e

comunitária.

Esta dissertação tem como objeto de pesquisa os aspectos socioculturais e

emocionais da adoção infantil2. A relação da criança e a família independe da

vinculação biológica para ser mútua, pois a relação é construída com o passar do

tempo, com amor, carinho, cuidado, zelo e respeito.

De fato, há uma consciência mais politizada a respeito da adoção no Brasil

ligada à prioridade da criança, a importância da solidariedade, empatia, altruísmo e

afinidade nas relações humanas, que prevalece aos laços sanguíneos. No entanto,

adoção como qualquer prática social envolve controvérsias e o preconceito,

consciente ou não.

De um lado desvendar os trâmites do processo de adoção e, do outro,

compreender o significado da adoção na vida da família: eis o desafio! Visto que, a

2 Salienta-se de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente, são consideradas crianças as

que têm até 12 anos incompletos e adolescentes, entre 12 e 18 anos de idade.

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“adoção significa a possibilidade de vinculação, legal e afetiva, concebida pela

convivência ao invés da gestação”. Sabe-se que o papel da família é primordial na

proteção e segurança, na iniciação da socialização e na construção de vínculos

afetivos da criança. Assim como a criança tem a importância de ressignificar a vida

da família, conforme demonstra Maldonado:

Os filhos se inscrevem na biografia dos pais de maneira profunda e extensa: ao acompanhar o desenvolvimento de cada filho - seja ele biológico ou adotivo - pai e mãe revivem passagens de sua própria evolução, repetem como pais muito do que viveram como filhos e criam, em si mesmos e no vínculo, novos aspectos de ser (MALDONADO, 1989, p. 27).

Na cartilha da campanha “Mude um Destino” da Associação dos Magistrados

Brasileiros a palavra adotar vem do latim adoptare, que significa escolher, perfilhar,

dar o seu nome a, optar, ajuntar, escolher, desejar. Do ponto de vista jurídico,

transfere os direitos e responsabilidades de pais biológicos para uma família

substituta e confere à criança o direito de filho. A adoção é regulamentada no

Código Civil e no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e ocorrerá depois de

esgotados todos os recursos junto à família de origem.

Bem lembra, Giselda Hironaka (2000) mudam os costumes, o ser humano e a

história, só não muda a atávica necessidade de cada um de saber que, em algum

lugar encontra-se o seu porto, o seu refúgio, vale dizer o seio da família. É preciso

levar-se-á em consideração que a adoção deve priorizar as reais necessidades,

interesses e direitos da criança/adolescente.

Nesse sentido, a dissertação, no segundo momento, contextualizará a política

social e adoção, a evolução da legislação brasileira e as mudanças no atendimento

à infância, assim como o direito à convivência familiar e comunitária.

O próximo capítulo abordará a família adotiva: entre o real e o ideal, o

imaginário sociocultural sobre a adoção e por fim a adoção: tempo de gestação,

laços afetivos e emocionais.

Após será demonstrada a metodologia de pesquisa, bem como a trajetória

metodológica. Nesse capítulo o leitor e/ou a leitora encontrará a operacionalização

das categorias de análise e o caminho percorrido para a realização da pesquisa.

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O capítulo “O tear da adoção afeto à vida”, apresentará os resultados da

pesquisa, tomando como categorias teóricas os aspectos socioculturais da adoção,

a relação afetivo-emocional entre a criança e os pais adotivos e a adoção como

direito ao convívio familiar e comunitário.

As considerações finais trarão aspectos reflexivos e constatações, a partir da

análise das entrevistas e alguns questionamentos que surgiram ao longo do

processo. Nesse sentido a necessidade de acompanhar famílias que pretendem

adotar uma criança como aquelas que já adotaram. Outro dado significativo é que os

sujeitos da pesquisa não conseguem reconhecer diferenças entre a maternidade e

paternidade biológica e adotiva, pelo envolvimento emocional com a criança. Para

as famílias entrevistadas as razões pelas quais os pais biológicos não assumiram

seus filhos não estão em julgamento e merecem respeito. Inclusive as famílias

entrevistadas nutrem sentimento de gratidão em relação aos pais biológicos.

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2 POLÍTICA SOCIAL E ADOÇÃO

Porque um dia, ver uma criança sem família,

ao relento ou sob a guarda de uma instituição, causará a indignação necessária, para mobilizar tudo e todos,

em prol de lhe garantir o direito fundamental à convivência familiar.

Gabriela Schreiner3

Mediante o risco de circulação de crianças pelas ruas ou sob a guarda de

uma instituição, faz-se necessário investir na proteção integral à infância defendida

pela Organização das Nações Unidas com base na Declaração Universal dos

Direitos da Criança. Esses princípios proclamados em 1959 com ênfase para o

desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social da criança sob a proteção

da família, da sociedade e das autoridades públicas.

A luta e a defesa dos direitos à infância teve repercussão através do

movimento social brasileiro a partir dos anos de 1980. Nesse cenário o movimento

social cresceu e se fortaleceu com o processo de redemocratização do país a partir

de 19854. A mobilização nacional ganhou repercussão internacional, na luta por

mudanças de âmbito jurídico, político e social quanto aos órgãos do estado que

implementavam a política destinada à infância.

Como reflexo deste contexto tanto a Constituição Federal de 1988 como o

ECA alterou a orientação destinada a esse segmento.

Vargas (1998, p. 25) destaca as mudanças introduzidas em relação à infância: [...] passa a considerar a criança e o adolescente 1) sujeitos de direito; 2) pessoas em condições peculiares de desenvolvimento; 3) de prioridade absoluta. Isto significa que já não poderão mais ser tratados como objetos passivos da intervenção da família, da comunidade e do Estado; adquiriram direitos especiais em virtude de: ainda não terem acesso ao conhecimento pleno de seus direitos e nem possuírem condições de defendê-los, não contarem com meios para a satisfação de suas necessidades básicas e estarem em pleno desenvolvimento físico, emocional, cognitivo e sociocultural, que lhes faculta a primazia no recebimento de proteção e socorro em qualquer circunstância.

3 Extraído do Informativo mensal "Nas Janelas da Adoção" - n. 2 - 29/09/98. 4 A dissertação se propõe ao resgate histórico quanto às políticas sociais dirigidas a infância a partir

da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

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Então a lei distingue o adulto da criança em termos físicos, psicológicos e

sociais. Consta na Constituição Federal, Capítulo II, artigo 6º “são direitos sociais a

educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social,

a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados”. Cabe

mencionar que os direitos sociais prevêem políticas de apoio à família no sentido de

evitar o rompimento de vínculos5 entre pais e filhos.

A discussão do tema na Constituinte significou um avanço sobre os direitos à

infância, como preconizado no artigo 227: É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar às crianças e aos adolescentes, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e a convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL, 2005).

Salienta-se que os direitos fundamentais em consonância com o ECA se

efetivam mediante políticas públicas voltadas à vida e a saúde no sentido de

proteção a gestante, na prevenção das enfermidades que afetam as crianças, a

vacinação e do atendimento prioritária à infância. No que se refere à educação, a

cultura, ao esporte e ao lazer para garantir o desenvolvimento pleno da criança e do

adolescente, bem como prepará-lo para o trabalho. Enquanto o direito a convivência

familiar e comunitária refere-se ao pertencimento na família, a participação na

comunidade e estabelece a medida protetiva em situações de violação de direitos.

As medidas de proteção reforçam o vínculo familiar como primeiro e

fundamental no desenvolvimento da criança e do adolescente. Nesse sentido a

destituição do poder familiar ocorrerá depois de esgotados os recursos que visam o

fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários. Salienta-se que a situação de

pobreza não é motivo suficiente para a destituição do poder familiar, entretanto na

5 PICHON-RIVIÉRE, Enrique. Teoria do Vínculo. Tradução: Eliane Toscano; Revisão: Mônica

Stahel, 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1988, destaca que o vínculo é uma estrutura dinâmica que engloba tanto o individuo como aquele com quem interage e se constitui em uma gestalt em constante processo de evolução. O vínculo é sempre um vínculo social. É uma relação estabelecida com o outro de uma maneira particular. O vínculo se relaciona com a noção de papel, de status e de comunicação.

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prática a pobreza6 e a violação de direitos acarretam danos ao desenvolvimento

infantil.

Becker salienta (2004, p. 62), o Estatuto explicita, no art. 23 que a:

falta ou carência de recursos materiais não constitui motivo suficiente para a perda ou suspensão do pátrio poder e que não existindo outro motivo que por si só autorize a decretação da medida, a criança ou adolescente será mantido em sua família de origem, a qual deverá obrigatoriamente ser incluída em programas oficiais de auxílio.

A atenção à família, através de políticas públicas contribui na defesa do direito

de crianças e adolescentes, pois garante à proteção, cidadania e a convivência

familiar para o seu desenvolvimento humano. Segundo Mioto “a situação de

sofrimento e abandono7 de milhares de crianças e adolescentes em todo o mundo

tem colocado em pauta o discurso sobre a importância da família no contexto da

vida social (2004, p. 43)”. Num retrocesso histórico é atribuído à família, o papel de

agente de bem-estar, substituindo a política pública para esse segmento.

Na prática há a desresponsabilização do Estado e da sociedade e recai sobre

a família a garantia das necessidades de seus membros, bem como a culpabilização

pela violação dos direitos da criança e do adolescente.

6 No curso de extensão “Processos e Práticas em Serviço Social” realizado na Universidade Católica

de Pelotas em 2006 a palestrante Profª Drª Vera Mª Ribeiro Nogueira abordou a pobreza e a escassez de recursos como eixos argumentativos centrais nas políticas sociais, ocasionando o deslocamento da ótica de satisfação das necessidades sociais para mínimos sociais. Pobreza como destituição de meios de subsistência satisfatórios, de privação absoluta, bem como carência de quaisquer meios para satisfação das necessidades ligadas à sobrevivência física e à sanidade da pessoa e de sua família numa sociedade de sobrantes, sociedade de excluídos, sociedade das classes A, B e C e sociedade dos 20 X 80.

7 A percepção do abandono como um problema que atinge tragicamente nossa sociedade, requer que busquemos conceituá-lo e compreendê-lo para que novas formas de ação em relação à questão possam ser encontradas. As definições jurídicas do abandono de crianças e adolescentes são ligados ao exercício do poder familiar e da guarda e têm sido consideradas para apoiar a prática da adoção e da colocação de crianças em instituições ou lares substitutos. Ao nosso ver, sua definição jurídica não só é suficiente como também leva a uma compreensão tendenciosa do conceito. [...] (RODRIGUES, S. Direito Civil: direito de família. São Paulo: Saraiva,1993. v. 6) argumenta que o abandono não é apenas o ato de deixar o filho sem assistência material fora do lar, mas inclui o descaso intencional pela sua criação, educação e moralidade. Sendo assim, declaram-se legalmente abandonados àqueles que tenham pai, mãe ou tutor reconhecidamente impossibilitado ou incapaz de cumprir os deveres para com o filho (MOTTA, Maria Antonieta Pisano. Mães Abandonadas: a entrega de um filho em adoção. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2005, p. 39-40).

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A política de proteção integral à infância, estabelecida no ECA, no que se

refere à convivência familiar e comunitária, de acordo com Silva, Mello e Aquino

(2004, p. 224): Com relação à convivência familiar, consideram-se quatro quesitos: preservação dos vínculos com a família de origem; apoio à reestruturação familiar; incentivo à convivência com outras famílias e semelhança residencial dos abrigos. [...] à convivência comunitária, são considerados a realização de ações que visam à participação de crianças e adolescentes na vida da comunidade local e a realização de ações que proporcionam a participação de pessoas da comunidade no processo educativo do abrigo.

Quando há necessidade de afastamento do ambiente familiar, existem opções

intermediárias, não definitivas como programas de apadrinhamento e de famílias

acolhedoras. No entanto, esgotadas as chances de retorno à família de origem e,

frente ao risco de permanência nos abrigos até a maioridade, busca-se a colocação

em família substituta sob as formas de guarda, tutela ou adoção.

A partir da Constituição Federal de 1988, no que tange a adoção equiparou-

se os direitos do filho adotivo ao do filho biológico, sem qualquer distinção. Situação

socialmente significativa para romper com preconceitos8, contribuindo para o vínculo

afetivo entre pais e filho e propiciando um melhor desenvolvimento emocional da

criança.

A adoção moderna evoluiu quanto três aspectos básicos, conforme Pilotti

(1988, p. 23):

Aspectos psicossociais - enfatiza a relevância da consideração das características e necessidades dos atores do processo (a criança, seus pais biológicos e adotivos); aspectos jurídicos - salienta as vantagens da adoção plena no que se refere aos requisitos, efeitos e procedimentos legais que envolve; aspectos institucionais e de procedimento - propõe como necessária a assessoria institucional e profissional, multidisciplinar, como forma de garantir aos autores do processo que os procedimentos utilizados cumpram com todas as exigências técnicas e éticas que a situação demanda.

8 Crochik (1995) - o preconceito é considerado como um pré-julgamento que predispõe o indivíduo a

ter atitudes frente ao objeto em questão, e este pré-julgamento, por sua vez, é determinado pela relação entre o indivíduo e aquilo que a cultura lhe oferece para se expressar e ser expressada por ele. Os preconceitos, segundo Kant apud CROCHIK, José Leon. Preconceito: indivíduo e cultura. São Paulo: Robe, 1995, são incutidos nos homens, os quais são impedidos e se impedem de pensar por si próprios.

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Esses aspectos são importantes pelo fato que no Brasil há a prática

denominada de “adoção à brasileira” que prevalecia aos trâmites legais do processo

de adoção pelo excesso de burocracia imposta pela legislação vigente até 1988. Na

cartilha da campanha “Mude um Destino” a adoção à brasileira consiste em pessoas

de qualquer estado civil registrarem como filho biológico uma criança, sem que ela

tenha concebido como tal. Nesses casos há o desconhecimento que a mãe biológica

tem o direito de reaver a criança se não tiver consentido legalmente a adoção ou se

não tiver sido destituída do poder familiar.

Outro ato é quando a mãe biológica determina para quem deseja entregar o

seu filho, chamado de ”intuito personae”. Há juízes que compreendem o direito da

mãe biológica escolher para quem entregar seu filho como a preservação dos

vínculos entre a criança e a família adotante. Por outro lado, há juízes que

consideram desaconselhável pelos riscos em relação aos pretendentes não serem

adequados, ao tráfico de crianças ou pela escolha da mãe ser induzida.

A adoção avançou no sentido da primazia dos interesses, da necessidade da

criança, pois as outras formas de circulação de crianças citadas anteriormente

voltam-se aos interesses dos adultos. Na adoção jurídica são tomadas medidas que

buscam que a adoção mútua aconteça pelo acompanhamento psicossocial, pelos

trâmites éticos e legais que dão segurança à criança, aos pais e aos adotantes.

Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente a adoção depende do

consentimento dos pais biológicos ou dos representantes legais do adotando. Esse

procedimento é dispensado se os pais forem desconhecidos ou desaparecidos, se

tiverem sido destituídos do poder familiar ou se a criança for órfã e não tenha sido

reclamada por parente por mais de um ano. Após a sentença da adoção pelo Juiz a

família de origem perde todo e qualquer direito sobre a criança.

A adoção é irrevogável, desde que os pais adotivos não cometam violações,

negligência, abandono ou o descumprimento de determinações judiciais. Caso

contrário à família corre o risco de destituição do poder familiar.

De acordo com as orientações do ECA, no que se refere aos requisitos

relativo ao adotante alterou a idade mínima para vinte e um anos de idade e deve

ser pelo menos dezesseis anos mais velho do que o adotando. Também autorizou a

adoção independentemente do estado civil e não faz qualquer referência a opção

sexual do adotante. Assim podem adotar pessoas solteiras, viúvas, que vivem em

concubinato, divorciadas, não havendo impedimento para a adoção por um só dos

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cônjuges. É cada vez mais crescente o número de pessoas do mesmo sexo que

convivem informalmente, na qual um deles poderá requerer a paternidade ou

maternidade adotiva de uma criança.

O ECA deixou ao arbítrio do magistrado dispensar o estágio de convivência

se o adotando tiver até um ano de idade ou independente de sua idade se já estiver

convivendo com o adotante durante tempo suficiente para avaliação. O Estatuto da

Criança e do Adolescente admitiu a adoção póstuma e tornou pleno o direito

sucessório, principalmente considerou os interesses e reais vantagens ao adotando.

Embora os direitos fundamentados na legislação brasileira tanto na

Constituição de 1988 quanto no ECA de 1990 o processo de construção

sóciohistórico revela violações à infância por parte da Família, do Estado e da

Sociedade. Essa violação de direitos é divulgada nas manchetes de jornais, rádio e

televisão, tais como maus-tratos, abuso e exploração sexual, trabalho infantil, fome,

exclusão social, abandono e negligência. Diante das dificuldades encontradas faz-se

necessário à reflexão sobre a evolução da legislação brasileira e as repercussões no

atendimento a infância, a fim do seu pleno desenvolvimento biopsicossocial.

2.1 A EVOLUÇÃO DA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA E AS MUDANÇAS NO

ATENDIMENTO À INFÂNCIA APÓS 1988

A Constituição Federal de 1988 representou um marco na garantia de direitos

básicos e ao reconhecer as crianças e adolescentes na sua condição peculiar de

pessoas em desenvolvimento. Além de introduzir ao arcabouço legal o conceito de

seguridade social, agrupando as políticas de assistência, previdência social e saúde.

Em 1990, em decorrência do ECA foi extinta a Fundação Nacional do Bem-

Estar do Menor (FUNABEM) e foi criada a Fundação Centro Brasileiro para a

Infância e a Adolescência (FCBIA) dentro do Ministério da Ação Social.

Em 1995 com a implementação da Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS)

foi extinta a FCBIA, juntamente com a Legião Brasileira de Assistência (LBA) pelo

governo de Fernando Henrique Cardoso. Então, as atribuições desses órgãos foram

assumidas pela Secretaria de Defesa dos Direitos da Cidadania, no Ministério da

Justiça e pela Secretaria de Assistência Social, no Ministério da Previdência e

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Assistência Social. Em 2003 no governo de Luis Inácio Lula da Silva a área de

direitos humanos vinculou-se a Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH),

ligada a Presidência da República.

A área governamental através da Secretaria Especial de Direitos Humanos

assumiu as ações de suporte, promoção e articulação para a efetivação dos direitos

preconizados no ECA. Cabe ao Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à

Fome pela Secretaria de Assistência Social baseado na Política Nacional de

Assistência Social a execução do atendimento. Assim como suporte técnico e

financeiro para os programas destinados à infância e a adolescência.

Silva e Mello (2004, p. 26) destacam: No campo das competências do governo federal para o atendimento integral dos direitos da criança e do adolescente, observam-se a atuação em tripé. Primeiro, o atendimento aos direitos sociais básicos, cuja responsabilidade está com os ministérios setoriais, que contemplam as políticas de educação, saúde, esporte, cultura, lazer etc. Em segundo, está a política pública de assistência social, que se volta para aqueles que se encontram, por algum motivo, desatendidos de suas necessidades básicas: carência alimentar e material, falta de moradia. Em terceiro, estão as ações vinculadas à proteção especial, que se voltam para garantir e proteger a dignidade, inerente a pessoa humana, daqueles que já tiveram seus direitos violados: assistência médica, psicológica, jurídica, oferecimento de abrigo, segurança entre outras.

A legislação brasileira avançou à medida que assegurou direitos com primazia

à infância e definiu uma nova dimensão ao atendimento combinando ações privadas

e governamentais. Visto que o atendimento à criança e ao adolescente assumido

tanto pelas organizações religiosas e o Estado devia-se ao interesse da preservação

da ordem social. O Estado não deixou de intervir com o objetivo de conter a

delinqüência, priorizando a institucionalização em detrimento de políticas de

fortalecimento de vínculos.

Especialistas sobre legislação brasileira à infância foram ouvidos no balanço

feito pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância pelos quinze anos de criação do

Estatuto da Criança e do Adolescente9 e destacam:

9 DISPONÍVEL em: <http://www.diarioon.com.br/arquivo/4227/cadernos/viver-13359.htm> Acesso

em: 12 mar. 2008.

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[...] dizem em coro que o ECA é um instrumento para transformação da realidade da infância e adolescência no país. Com ele, foram criados conselhos tutelares e conselhos de direitos, fundos da criança e do adolescente, varas da infância e da juventude e delegacias especializadas. Irene Rizzini, da PUC-RJ [...] explica que a principal mudança é de criança e adolescente em situação de pobreza e marginalidade (os menores) para a criança e adolescente como sujeitos de direitos. José Fernando da Silva, presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, diz que o ECA foi escrito para toda criança e adolescente. Mas, para negros e pobres, por exemplo, o Estatuto ainda é uma realidade distante. Segundo Enid Rocha Andrade da Silva, pesquisadora do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, o ECA trouxe um novo olhar sobre essa parcela da população. Mas ainda há muito que se avançar, uma vez que crianças e adolescentes seguem sendo a parcela da população mais exposta à violação de direitos. A socióloga Marlene Vaz volta o problema da distância entre lei e realidade para o Estado, a família e a sociedade. O ECA cumpriu o seu papel enquanto lei. Agora, governo, todos os segmentos sociais e a família têm de garantir sua aplicação.

Destaca-se a parceria do Estado e organizações não-governamentais para o

atendimento redimensionado que visa o corte de custos governamentais. Isso

significou uma mudança na filantropia, antes custeada pela caridade religiosa ou

pelo Estado, passa ser desempenhada pelo empresariado que deixa de pagar para

o Estado. Nas palavras de Telles (2001, p. 23-24):

Pois o que chama a atenção é a constituição de um lugar em que a igualdade prometida pela lei reproduz e legitima desigualdades; um lugar que constrói os signos do pertencimento cívico, mas que contém dentro dele próprio o princípio que exclui as maiorias; um lugar que proclama a realização da justiça social, mas bloqueia os efeitos igualitários dos direitos na trama das relações sociais.

A autora (2001) reafirma que após a Constituição de 1988, multiplicaram-se

os fóruns públicos sob diversos formatos e representatividade desigual na busca de

alternativas a pobreza e a precarização do trabalho. Tanto a Constituição de 1988,

quanto o Estatuto da Criança e do Adolescente estabeleceram nova concepção,

organização e gestão de políticas de atenção à criança num sistema de garantia de

direitos. Esse sistema envolve um conjunto de atores, instrumentos e espaços

institucionais que atuam na promoção dos direitos instituídos, na defesa em resposta

à violação e no controle na implementação.

Como destaca Brancher (2000, p. 131):

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Quando se fala em “Sistema de Garantia de Direitos”, melhor se tem em mente a compreensão teórica, abstrata e estática do conjunto de serviços de atendimento previstos idealmente em lei, enquanto a expressão “Rede de Proteção” expressa esse mesmo sistema concretizando-se dinamicamente, na prática, por meio de um conjunto de organizações interconectadas no momento da prestação de serviços.

A interconexão de diversos serviços e órgãos governamentais e não-

governamentais revela a teia de atendimento à criança e ao adolescente desde a

promoção, a defesa e o controle social para a garantia de direitos preconizados na

Constituição de 1988 e no ECA.

A rede de promoção de direitos é formada pelos órgãos governamentais e

não-governamentais que atuam na ampliação dos direitos legalmente previstos, por

meio da formulação e execução de políticas públicas. Volta-se ao atendimento das

necessidades básicas da criança e do adolescente até medidas de proteção

especial aos que vivenciam situação de risco. Nessa dinâmica interagem órgãos

executores das políticas públicas, os conselhos paritários de deliberação, os

Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente e as entidades públicas e

privadas de prestação de serviços.

A defesa dos direitos da criança e do adolescente congrega o Judiciário, o

Ministério Público, as Secretarias de Justiça, os Conselhos Tutelares e os órgãos de

defesa da cidadania. O objetivo da rede é assegurar o cumprimento e a exigibilidade

dos direitos junto à família, do poder público ou da sociedade.

E o controle social volta-se à aferição contínua do poder público e dos setores

da sociedade que prestam serviços de atendimento a crianças e adolescente. A rede

de proteção é representada pelos fóruns de direitos e instâncias não-

governamentais, conforme previsto na Constituição de 1988 pelo princípio da

participação social.

Na prática o atendimento de crianças e adolescentes normalmente está a

cargo dos órgãos responsáveis pela política de assistência social. No campo do

direito a assistência social a Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS - Lei nº

8.742/1993) dispôs conforme Capítulo I, artigo 2º:

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I - a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; II - o amparo à criança e adolescentes carentes; III - a promoção da integração ao mercado de trabalho; IV - a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária (LOAS, 2005).

A Assistência Social, definida no texto constitucional como política pública

componente da Seguridade Social, foi regulamentada pela LOAS, que estabelece

seus princípios doutrinários e organizativos de descentralização, democratização,

eqüidade, complementaridade entre o poder público e a sociedade. A partir da

Constituição de 1988 e da Lei Orgânica de Assistência Social várias iniciativas

buscaram tornar realidade os princípios inscritos na Lei. Aquino (2004, p. 333)

destaca a Norma Operacional Básica da Assistência Social como “esse modelo

preconiza maior autonomia ao gestor municipal na implementação da política e o

controle da sociedade civil sobre as ações públicas”.

Em 2004, com a aprovação da Política Nacional de Assistência Social - PNAS

instituiu-se o Sistema Único de Assistência Social. Esse sistema preconiza os

serviços, programas, projetos e benefícios como foco prioritário à atenção às

famílias, seus membros e indivíduos. Inclusive determina o território como base de

organização, a descentralização do atendimento aos usuários da política de

assistência social e pela sua complexidade.

Nessa perspectiva o município de São Leopoldo (lócus da pesquisa)

implementou o SUAS nas quais serviços, programas, projetos e benefícios da

assistência social são reorganizados por níveis de proteção. A Proteção Social Básica

volta-se à prevenção de situações de riscos pessoal e social, fortalecendo a

potencialidade das famílias e dos seus membros. Enquanto a Proteção Social Especial

volta-se à proteção de famílias e membros em situação de risco pessoal e social.

A rede de proteção integral a partir do processo de descentralização e

reorganização das políticas à infância aproxima-se das reais demandas e

prioridades locais. Sendo assim o atendimento aos direitos básicos sociais

competem aos órgãos municipais executores das políticas setoriais. E aos órgãos de

assistência social cabe o suporte técnico e financeiro referentes ao atendimento à

infância carente. Enfim são realizadas de forma integrada pelas áreas de assistência

social e de defesa de direitos o atendimento à criança e o adolescente em situação

de abandono, maus-tratos e violência.

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No campo das políticas sociais busca-se intervir junto à família numa

articulação com a rede sócioassistencial buscando o seu empoderamento e

independização. Essa intersetorialidade requer interdisciplinaridade, assim a rede

precisa se fortalecer e se integrar. A atuação de quaisquer componentes da rede

precisa estar entrelaçada a fim de promover e assegurar direitos à criança ou

adolescente.

Na prática a operacionalização do sistema de garantia de direitos e a rede de

proteção em nível local incorporam programas de apoio sociofamiliar. Nesse

contexto a maior parte dos municípios encontra dificuldade na efetivação do

atendimento à criança e/ou à família devido à desarticulação da rede e dificuldade

de acesso às políticas públicas de saúde, educação, cultura e lazer. Isso acontece

na maioria dos casos pelos órgãos atuarem isoladamente, pela ausência de

comunicação e não existir fóruns de discussão.

O sistema brasileiro de garantia de direitos de crianças e adolescentes tem

como obstáculos: a ausência de integração, a dificuldade de atuação conjunta e o

desconhecimento ou não utilização dos instrumentos colocados à disposição dos

diferentes órgãos. Desde o Sistema de Informações para a Infância e Adolescência

- SIPIA, o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo - SINASE e o Plano

Nacional de Convivência Familiar e Comunitária.

No entanto as práticas adotadas no atendimento à infância denúncia ações

isoladas, sem o engajamento de todos os atores envolvidos tanto na promoção, na

defesa e no controle social. A legislação brasileira serve de subsídio, porém

enfrentam na sua efetivação limites de recursos humanos, financeiros e materiais

por parte das organizações não-governamentais e governamentais, que afetam a

consolidação das políticas sociais.

Assim coloca-se o desafio proposto no Plano Nacional que defende à

convivência familiar e comunitária de crianças e adolescentes. Visto que a família e

a comunidade são os espaços mais apropriados ao desenvolvimento integral de

crianças e adolescentes. Com o objetivo de aprofundar a reflexão, o próximo texto

volta-se ao direito à convivência familiar e comunitária.

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2.2 DIREITO À CONVIVÊNCIA FAMILIAR E COMUNITÁRIA

A convivência familiar e comunitária constitui um dos direitos fundamentais

preconizados no Estatuto da Criança e do Adolescente que defende o

desenvolvimento da criança no seio da sua família, excepcionalmente em família

substituta. Assegura a participação da criança nos espaços comunitários através da

prática de esportes, no culto religioso, pelos cuidados com a saúde, pela

participação em instituições de ensino.

Weil (1979) faz uma analogia sobre o enraizamento numa perspectiva de

pertencimento, participação na família e na comunidade. Nas palavras de Weil

(1979, p. 349):

O enraizamento é talvez a necessidade mais importante e desconhecida da alma humana. É uma das mais difíceis de definir. O ser humano tem uma participação real, ativa e natural na existência de uma coletividade, que conserva vivos os tesouros do passado e outros pertencentes ao futuro. Participação natural, que vem automaticamente do lugar, do nascimento, profissão, do ambiente. Cada ser humano precisa ter múltiplas raízes. Precisa receber quase que a totalidade da sua vida moral, intelectual e espiritual por intermédio do meio ambiente de que faz parte.

Acontece que a família e a comunidade são espaços de socialização,

proteção e de formação de sujeitos. Nessa convivência são transmitidos valores,

conhecimentos e a cultura que contribuem para o desenvolvimento humano de

crianças e adolescentes.

Entende-se por convivência familiar e comunitária a possibilidade da criança

permanecer no meio a que pertence. De preferência junto à sua família, ou seja,

seus pais e/ou familiares. Caso não seja possível em outra família que a possa

acolher (Rizzini, Rizzini, Naiff, Baptista, 2006). O acolhimento institucional e o

acolhimento familiar procuram garantir o direito à convivência familiar e comunitária

nos casos em que é necessário o afastamento do convívio com a família de origem.

Nesse sentido a Secretaria Especial de Direitos Humanos a partir de 2004

criou a Comissão Intersetorial em parceria com o Ministério do Desenvolvimento

Social e de Combate a Fome numa mobilização pela promoção ao direito à

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convivência familiar e comunitária. O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e

do Adolescente (CONANDA) junto com o Conselho Nacional de Assistência Social

(CNAS) aprovaram, em uma assembléia em 2006, o Plano Nacional de Convivência

Familiar e Comunitária.

O Plano Nacional de Convivência Familiar e Comunitária tem como diretriz as

medidas protetivas à infância e adolescência respaldadas nos marcos legais

vigentes na Constituição Federativa, no ECA e na LOAS. A concepção do Plano

prevê: [...] o mapeamento e análise das iniciativas de apoio sócio-familiar e a inclusão dos dados sobre crianças e adolescentes que vivem com adultos sem vínculo legal, estejam em situação de rua ou em programas de acolhimento institucional. Outro objetivo é a ampliação de serviços como os Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) e os Centros Especializados (CREAS) e de projetos de inclusão produtiva. A capacitação dos gestores e atividades de mobilização também fazem parte das estratégias10.

Este Plano constitui um marco nas políticas públicas no Brasil, ao romper com

a cultura da institucionalização de crianças e adolescentes e ao fortalecer o

paradigma da proteção integral e da preservação dos vínculos familiares e

comunitários. Essa iniciativa está diretamente relacionada ao investimento nas

políticas públicas de atenção à família, reafirmando a importância de mobilização do

Estado e da sociedade. Também destaca a implementação do Sistema Único de

Assistência Social (SUAS) através do Centro de Referência de Assistência Social

(CRAS) e o Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) a fim

de garantir o acesso as políticas públicas.

Em consonância com o Plano o município de São Leopoldo em 2006

implementou o SUAS com a criação de quatro Centros de Referência de Assistência

Social, baseado no mapeamento do orçamento participativo. O Centro de Referência

de Assistência Social volta-se a proteção social básica enquanto o Centro de

Referência Especializado de Assistência Social volta-se a proteção social especial

com ações de média e alta complexidade.

10 DISPONÍVEL em: <http://www.mds.gov.br/arquivos/plano-nacional-defende-a-convivencia-familiar-

de-criancas-e-adolescentes/html2pdf>. Acesso em: 15 mar. 2008.

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As estratégias, objetivos e diretrizes deste Plano estão fundamentados primordialmente na prevenção ao rompimento dos vínculos familiares, na qualificação do atendimento dos serviços de acolhimento e no investimento para o retorno ao convívio com a família de origem. Somente se forem esgotadas todas as possibilidades para essas ações, deve-se utilizar o recurso de encaminhamento para família substituta, mediante procedimentos legais que garantam a defesa do superior interesse da criança e do adolescente.11

Outro avanço proposto nesse Plano é o “Programa de Famílias Acolhedoras”

que se caracteriza como um serviço que organiza o acolhimento, na residência de

famílias para crianças e adolescentes afastados da família de origem pela medida

de proteção. Representa uma modalidade de atendimento a crianças e adolescentes

num acolhimento provisório, até que seja viabilizada a reintegração familiar ou

excepcionalmente a adoção. A “Família Acolhedora” está contemplada na Política

Nacional de Assistência Social, constando nos serviços de proteção social especial

de alta complexidade.

A ênfase do Plano é no monitoramento, avaliação e publicização de

informações sobre os programas, oportunizando a colocação da criança ou do

adolescente numa família substituta ao invés de recorrer ao abrigamento. A questão

relevante é que o acolhimento institucional possa ser substituído gradativamente

pelo acolhimento familiar. Assim a responsabilidade dos profissionais no cuidado da

criança e do adolescente passa a ser desenvolvido num contexto familiar até que

ocorra o resgate dos vínculos familiares e dos laços sociais.

O Plano Nacional de Direito à Convivência Familiar e Comunitária tem o

objetivo de defender e difundir o direito de proteção integral, propõe o trabalho em

parceria como recursos da comunidade e a identificação de situação de

violência/violação dos direitos da criança e do adolescente. Nesse sentido o Juiz

Daltoé12 - Representante do Poder Judiciário do Rio Grande do Sul, mencionou a

importância da fiscalização dos abrigos por parte do Ministério Público atendendo ao

Sistema Nacional de Atendimento Sócio-educativo e o próprio Plano Nacional de

Convivência Familiar e Comunitária.

11 DISPONÍVEL em: <http://www.mds.gov.br/arquivos/plano-nacional-defende-a-convivencia-familiar-

de-criancas-e-adolescentes/html2pdf>. Acesso em: 15 mar. 2008. 12 Evento “Ressignificar Vínculos Familiares e Laços Sociais” realizado em 06/07/2007 na II Ciranda

da Infância promovido pelo Instituto Salesiano de Pesquisa sobre a Criança e o Adolescente junto a Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre.

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Tomando-se a realidade de São Leopoldo, lócus da pesquisa, a rede de

atendimento tem como desafio para a promoção, defesa e garantia do direito à

convivência familiar e comunitária transpor a dificuldade no acesso a Fundação de

Assistência à Criança e ao Adolescente (Casa Aberta). Isso se torna obstáculo para

o fortalecimento dos vínculos familiares; a mobilização da rede; a superação de

conflitos e de vulnerabilidades sociais ou, se inevitável, proceder aos trâmites

judiciais para a destituição do poder familiar.

Outro aspecto no Município é a ação por parte do Conselho Tutelar quanto à

institucionalização como medida de proteção em situações as quais a família

extensa pode ser acionada ou referenciar a família no atendimento da rede

sócioassistencial. O direito à convivência familiar e comunitária passa pelo viés do

papel da rede de atendimento envolvida em incentivar o controle social, publicizar os

direitos sociais e lutar pela implementação do SUAS, do SINASE e do referido Plano

nas esferas estaduais e municipais.

Na verdade o Plano Nacional de Promoção, Defesa e Garantia do Direito de

Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária/2006 revela a

necessidade de reflexão sobre a sua co-responsabilização do Estado, da Família e

na Sociedade nas situações de violação desses direitos.

A posição defendida neste Plano é que:

1) políticas preventivas proporcionem a permanência da criança e do adolescente com sua família de origem; 2) o afastamento do ambiente familiar seja medida excepcional e provisória; 3) realize-se um investimento efetivo para a reintegração familiar, desde o primeiro dia da separação da criança ou do adolescente de sua família; 4) não se assuma uma postura de defesa intransigente dos laços biológicos, mas sim de laços afetivos e estruturantes para a personalidade da criança e do adolescente; 5) haja comunicação permanente entre os serviços de acolhimento e a Justiça da Infância e Juventude; 6) a adoção seja medida excepcional, realizada apenas quando esgotadas as possibilidades de reintegração à família de origem; 7) avaliem-se as situações caso a caso, tendo sempre como princípio norteador básico o melhor interesse da criança e do adolescente. A nação brasileira não pode mais aceitar passivamente a existência de crianças e adolescentes “esquecidos” nos abrigos e deve exercer sobre o tema o necessário controle social (CONANDA/CNAS, 2006, p. 44).

A defesa do direito à convivência familiar e comunitária depende do

desenvolvimento de ações intersetoriais, amplas e coordenadas que envolvam todos

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os níveis de proteção social. Assim como implica numa mudança nas condições de

vida, nas relações familiares e principalmente na cultura brasileira para o

reconhecimento das crianças e adolescentes como pessoas em desenvolvimento e

sujeitos de direitos.

Assim a manutenção dos vínculos familiares e comunitários é fundamental

para a estruturação das crianças e adolescentes como sujeitos e cidadãos, mediante

o investimento nas políticas públicas de atenção à família. Com esta iniciativa,

reconhece-se a importância da mobilização de Estado e sociedade para que as

crianças e os adolescentes sejam vistos de forma indissociável de seu contexto

familiar e comunitário.

O próximo capítulo volta-se à família que cria, ampara, dá amor, educação,

carinho, dignidade à criança, em decorrência da destituição do poder familiar, do

consentimento dos pais ou dispensado se os pais são falecidos ou desconhecidos.

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3 FAMÍLIA ADOTIVA: ENTRE O REAL E O IDEAL

Amar e ser amado... dar e receber afeto...

é o caminho para o aperfeiçoamento da convivência humana... e para a conquista da paz...

tanto da paz interior quanto da paz social.

Dalmo de Abreu Dallari13

A mensagem expressa a adoção no interesse do adotante14 em assumir a

maternidade e paternidade de braços abertos à criança, independente dos traços

físicos, da vinculação biológica, da história pregressa ou qualquer outra condição.

Do mesmo modo, a criança está de braços abertos para garantir sua sobrevivência,

já que, segundo Bowlby (1984), “precisa do cuidado do outro, depende da

manutenção da proximidade de adultos que desempenhem funções de proteção e

fornecimento de alimentação, conforto e segurança”. Então, a adoção requer

maturidade da família e respeito à dignidade da criança, favorecendo seu

desenvolvimento biopsicossocial.

De acordo com Maldonado (1989, p. 63): É na questão da adoção que encontramos a ampliação da noção de dar a vida: os pais adotivos não transmitiram a vida biológica, mas são os que acompanham o desdobramento existencial da criança, dentro de suas possibilidades humanas, reais [...]. Deste modo, na geração da vida a partir da intimidade do dia-a-dia, os afetos - o carinho, as “broncas”, a diversão, as tarefas, a impaciência e a tolerância - passam a ser ingrediente básico do crescimento num vínculo predominantemente amoroso.

Nesse sentido, a maternidade e a paternidade estão ligadas às mais diversas

motivações em compor e recompor uma família, na qual o cuidado floresce

naturalmente e está arraigado na cultura social. Bee (1996) usa o relacionamento

pais e filhos para demonstrar a diferença entre apego e vínculo afetivo. O sentimento

do bebê em relação a seus pais é um apego, na medida em que ele sente nos pais a

13 DISPONÍVEL em: <http://www.cecif.org.br/>. Acesso em: 16 mar. 2008. 14 Esta dissertação concentra-se nas famílias adotivas e sua relação com a criança.

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base segura para explorar e conhecer o mundo à sua volta. O sentimento dos pais

em relação ao filho é mais corretamente descrito por vínculo afetivo, já que os pais

não experimentam um aumento em seu senso de segurança na presença do filho, e

tampouco o filho tem para os pais a característica de base segura.

A adoção não garante a reciprocidade de sentimentos, não é raro casos em

que a criança teve outras colocações anteriores, rompeu laços e experimentou

separações. O insucesso pode relacionar-se as motivações da adoção, em suprir

carência afetiva, estabilizar um casamento, a maturidade quanto à incapacidade de

conceber os próprios filhos, substituir a perda de um filho ou responder a cobrança

social quanto à capacidade de ser pai e/ou mãe. O adotante ao abrir mão do poder

familiar faz com que a criança vivencie sucessivas rupturas.

No entanto, a dissertação “Adoção: vida em minha vida” aborda a adoção

mútua, na qual pais e filhos relacionam-se pelo afeto nutrindo um sentimento que

verdadeiramente constitui o vínculo familiar. Adoção mútua pelo significado na vida

da criança e dos pais, pelos sentimentos de afeição, desmistificando a supremacia

da consangüinidade.

No entanto, durante os trâmites da adoção, a família vivencia a angústia com

as exigências legais, bem como, teme que a família de origem intervenha no sentido

de impedir a continuidade do processo. Nesse período de espera entre o estágio de

convivência e a guarda definitiva a família e a criança vivenciam a incerteza, o medo

de um rompimento inesperado que pode inibir o investimento afetivo.

Cabe destacar que a noção legal de adoção definida pelos legisladores volta-

se à família moderna e começa a desvincular-se do modelo conjugal. Conforme

Fonseca (2002) “na família moderna, todas as atenções são voltadas para a criança;

ela é veículo central de um projeto de longo prazo e para terem sucesso na vida é

necessário o investimento coordenado e contínuo de seus pais”. É certo que o

convívio familiar oportuniza a criança desenvolver habilidades, sucessos,

frustrações, interesses para a construção da sua identidade.

Na fase contemporânea do Direito de família com enfoque no tema

paternidade socioafetiva destaca-se:

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A família não se restringe mais a um grupo de pessoas unidas por possuírem a mesma herança genética. Trata-se agora de instituto afetivo que ratifica o conteúdo do seguinte brocardo: “pai e mãe é quem cuida, é quem cria” e não quem apenas cede o material genético. Inclusive João Batista Vilella criou uma expressão interessante para explicar esse novo fenômeno - Desbiologização da Paternidade - que demonstra claramente a diferença entre a figura do genitor e a do pai. Pai é aquele que se doa e ensina os mais nobres sentimentos ao filho e não apenas quem o produz. Assim, surgiria uma nova forma de parentesco civil, a parentalidade socioafetiva, baseada na posse de estado de filho.15

Salienta-se que o termo “desbiologização da paternidade” enfatiza o afeto na

relação pai e filho, bem como concebe que as relações familiares são fruto da

afetividade. De acordo com Paulillo16 “a desbiologização das relações familiares

revela que para ser pai não basta ser a fonte do espermatozóide fecundante, assim

como para ser mãe não basta gerar o feto”. No entanto sabe-se que a fecundação

depende do sêmen de um homem que, contendo espermatozóide fértil, venha a

fecundar um óvulo, também fértil, de uma mulher. Então o óvulo da mãe é essencial

para gerar a vida.

Ademais, o poder familiar deve considerar os laços de afeto e a

responsabilização assumida na paternidade e/ou maternidade socioafetiva

preponderando aos vínculos biológicos.

Nesse contexto, a adoção é um ato jurídico que leva em consideração as

relações familiares de amor, de solidariedade, de afeto, de cuidado, de acolhida ao

filho gerado no coração. O vínculo familiar tem dimensão afetiva e social na medida

que oportuniza espaço para partilhar conversas, conquistas, esperanças,

preocupações, bem como aprender, receber e fornecer informação.

Dessa forma, a nova lei nº 10.421/2002 deu às mães adotivas os mesmos

direitos sociais já garantidos as mães biológicas no que diz respeito ao recebimento

de salário-maternidade e de um período de licença. Assim a mãe que adotar ou tiver

a guarda judicial para fins de adoção de criança, com idade até um ano terá direito a

cento e vinte dias de licença; de um ano até quatro anos de idade, o período de

licença será de sessenta dias. E a partir de quatro anos até oito anos de idade, o

período de licença será de trinta dias. Salienta-se que a lei contribui para que a mãe

15 DISPONÍVEL em: <http://www.direitonet.com.br/artigos/x/37/48/3748/>. Acesso em: 20 mar. 2008. 16 PAULILLO, Sérgio Luiz. A desbiologização das relações familiares . Jus Navigandi, Teresina, ano

7, n. 78, 19 set. 2003. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4228>. Acesso em: 20 mar. 2008.

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e a criança possam estabelecer um vínculo de afeto ao garantir o direito à licença-

maternidade.

Também é garantida à mãe adotiva se for segurada da Previdência Social o

direito ao benefício do salário-maternidade pelo mesmo período da licença. Sendo

assim, o único direito que não se concede à mãe adotiva, é a estabilidade de

emprego.

Percebe-se que a família na busca de compor ou recompor uma família se

defronta com motivações conscientes e inconscientes que podem ser contrários aos

interesses da criança. Cabe ao Serviço Social17 no âmbito do Poder Judiciário,

contribuir para que o adotante amadureça seu projeto, bem como tenha as

orientações sobre os procedimentos, os trâmites legais, a primazia dos interesses e

a realidade das crianças aptas à adoção. O acompanhamento desses profissionais

busca evitar o insucesso da adoção, ocasionado por problema de convivência e/ou

pela situação se mostrar diferente da idealizada pela família, entre outras.

O processo de adoção é complexo, floresce em um projeto de vida em que

crianças se sintam filhos e os adotantes se sintam pai e/ou mãe. Nas palavras de

Goldstein, Freud e Solnit “o fato de qualquer adulto vir a ser pai ou mãe de uma

criança se baseia, portanto, na interação cotidiana, no companheirismo e na partilha

de experiências” (1987, p. 13). O ambiente acolhedor favorece que as pessoas

incluam, construam laços de amor e estabeleçam vínculos de confiança com a

criança.

O sucesso da adoção depende, em sua maior parte, da história da criança e

da atitude dos pais adotivos (Tizard e Rees, 1975). Sugere-se que as famílias que

incluem a adoção, desde cedo, nas conversas familiares, proporcionam um

ambiente adequado para o desenvolvimento de uma criança. Visto que, as crianças

são afetadas pela forma com que seus pais sentem a adoção e como manejam a

situação com elas. A família adotiva precisa lidar com a obscuridade da origem da

criança com maturidade e diálogo, ao invés de viver o fantasma do segredo velado.

Weber (1999) destaca que não existem receitas de “relação perfeita”, nem

receita de felicidade. Também sugere que a dinâmica familiar saudável é aquela em

que as pessoas enfatizam o “encontro” e não a falta ou abandono. Nesse sentido, a

revelação deve se basear no respeito pela família biológica, pois essa faz parte da

17 A respeito dos desafios, das competências e da importância do Serviço Social no processo de adoção serão aprofundados no capítulo 5 “O tear da adoção afeto à vida”.

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história da criança. Trata-se de questões ligados à origem sobre “quem somos”, “por

que estamos aqui” e “para onde vamos”, questões duplas para o filho adotivo, as

quais tem direito de conhecer.

À medida que a questão da origem é partilhada com o filho, a família precisa

enfatizar o quanto foi desejado, investindo para uma relação de cumplicidade, de

ternura e de confiança. Para Audusseau-Pouchard (1997) o desejo e o amor são as

condições imprescindíveis para que a criança possa ser feliz, mas também deve

sentir-se desejada, senão restará para a criança um sentimento de gratidão e ela se

verá obrigada a superar-se permanentemente para encontrar um modo de pagar

essa “dívida”.

Além disso, a família, independentemente, biológica ou adotiva tem passado

por constantes alterações no que se refere: a mulher envolvida em atividades fora

da casa como trabalhar e estudar para contribuir na renda familiar e/ou realizar-se;

os homens mais participativos nas atividades domésticas e no cuidado com os filhos

e quando preciso o apoio/participação da família extensa. Essas modificações

repercutem nos relacionamentos entre pais e filhos, cujos efeitos podem gerar

tensão e conflitos, devido a superproteção, a intolerância, a permissividade, a

ansiedade entre outras.

Conforme Lya Luft (2004, p. 47):

Amor em família é uma arte, um malabarismo, por vezes um heroísmo. Essencial como o ar que respiramos. Preparar alguém para viver não se faz com frases, mas convivendo. Preparar alguém para futuros relacionamentos, para ter um dia sua profissão, sua família, sua vida, se faz sendo humano, sendo terno, sendo generoso, sendo firme, sendo ético. Sendo gente.

A família adotiva brota no desejo da paternidade e maternidade; cresce na

preparação e floresce ao acolher a criança. Uma história de pessoas que

vivenciaram a dor, perda, frustração, mas elas alegram, comovem e inspiram pela

força com que enfrentam os desafios e ultrapassam dificuldades num

aperfeiçoamento da convivência humana.

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3.1 IMAGINÁRIO SOCIOCULTURAL SOBRE A ADOÇÃO

A adoção como toda prática social provoca distorções e controvérsias sobre a

família de origem, a família adotiva e, principalmente, em relação à criança a ser

adotada. Fonseca (2002) destaca que a adoção é um tema que atiça a imaginação.

Suscita a imagem de bebês indo para os braços de algum casal repleto de bondade,

assim como aqueles que violam os direitos, tais como tráfico de órgãos e de

crianças.

No imaginário social a adoção está envolta em uma complexa rede de

preconceitos e mitos18 que consideram os casos mal sucedidos, o laço sanguíneo

versus ao envolvimento afetivo, bem como em relação à constituição familiar.

Salienta-se que a família de origem, a criança e o adotante, não são apenas parte

de um processo no fórum, mas pessoas que consciente ou inconsciente, buscam a

necessária inclusão social.

Algumas idéias preconceituosas existentes sobre a adoção são apontadas

por Schettini (1998) em relação à criança a ser adotada - porque nela não se registra

a marca genética, nem se satisfaz à expectativa social da reprodução; a

inferioridade por pressupor que nascem com uma história de fragilidades; o

“diferente” é desqualificado; o desconhecimento da sua história pregressa; como

intruso; principalmente o medo da herança genética influir no seu comportamento.

Os autores Vargas (1998), Abreu (2000) e Levy (2001) abordam a idéia de

fracasso da adoção associada à família adotiva devido às motivações que vão

nortear a busca da paternidade/maternidade - pelas restrições na escolha da criança

desejada; interesse em recém-nascido para transformá-lo de seu jeito; a tendência

em “imitar” a filiação biológica; a idéia de generosidade e como lidam com a

impossibilidade de procriar.

De acordo com Weber (1999, p. 97):

18 Consta no Dicionário Aurélio, o mito significa “a representação dos fatos ou personagens reais,

exagerada pela imaginação popular, pela tradição, ou ainda, idéia falsa, sem correspondente na realidade, imagem simplificada, não raro ilusória, elaborada ou aceita pelos grupos humanos e que representa significativo papel em seu comportamento”.

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Os pais, muitas vezes, na tentativa de proteger a criança e a si próprios, escondem da sociedade que possuem um filho adotivo e, sem saber, também estão agindo de forma preconceituosa. Todos nós sabemos que é impossível enganar todo mundo, o tempo todo! Algum dia a criança passa, a saber, o que lhe foi ocultado a vida inteira. [...] o importante seria a compreensão de que todo amor é construído; ele não nasce pronto porque as pessoas têm o mesmo tipo de sangue! [...] Muitas vezes, nestes casos, a família, os vizinhos, os conhecidos, tomam ciência da situação e dizem a famosa frase: “Viu só, toda adoção traz problemas, cedo ou tarde”.

Isso demonstra a existência de preconceitos e estereótipos associados à

adoção, que implica na dificuldade dos pais e da própria criança em assumir,

reconhecer a paternidade, a maternidade e/ou a filiação adotiva. A adoção é um

desses “assuntos humanos” complexos e ligados mais à “emoção do que ao

intelecto” e sobre os quais todos nós em nosso discurso do senso comum temos

algumas verdades a ponta da língua (WEBER, 1999, p. 94).

E Weber (1999) e Costa (1988) enfatizam as interpretações que recaem

sobre a família de origem - vista como “marginal”, ou seja, marcada por fatores como

prostituição, drogadição, violência, assim como a rebeldia da criança é atribuída à

rejeição materna. Com isso, há a condenação da mãe que entrega seu filho, sem

considerar a situação de exclusão social, a história de vida desta mulher, tão pouco

a responsabilidade paterna em relação à criança. No imaginário social, geralmente,

a família de origem é representada de forma negativa diante da impossibilidade de

criar a criança.

Percebe-se que o imaginário social está arraigado de estereótipos e

preconceitos que não contribuem para a adoção mútua da criança e a família.

Acontece que o imaginário sociocultural que cercam a adoção dificultam os vínculos,

pois geram receios, incerteza e a desvalorização dos pais, da criança e do adotante.

É fato que a filiação adotiva desperta curiosidade, questionamento e

desconfiança, embora a legislação tenha avançado no que se refere à primazia da

criança de viver em família e em comunidade. Nesse contexto, faz-se necessário

salientar a importância das campanhas de esclarecimento, os grupos de apoio, a

divulgação nos jornais, televisão e rádio em favor das crianças aptas a adoção.

Observou-se, ainda, que em 2007, foi amplamente divulgada na mídia a

realidade de cerca de 80 mil crianças e adolescentes, em acolhimento institucional

(abrigos) à espera da reinserção familiar quer em sua família de origem ou em uma

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família substituta, consta na cartilha da campanha “Mude um Destino” da

Associação dos Magistrados Brasileiros.

Assim, utilizam-se os dados estatísticos publicados no Guia da Adoção19 no

que se refere ao perfil de 642 crianças e adolescentes que aguardam no abrigo à

espera de uma família no Rio Grande do Sul, conforme demonstrado na tabela 1.

Tabela 01 - A realidade de crianças e adolescentes à espera da adoção

642 Crianças e Adolescentes à espera de família Menos de 1 ano: 3 (0,47%)

1 ano: 12 (1,87%)

2 anos: 12 (1,87%)

3 anos: 9 (1,40%)

4 anos: 25 (3,89%)

5 anos: 24 (3,74%)

6 anos: 20 (3,12%)

7 anos: 31 (4,83%)

8 anos: 24 (3,74%)

9 anos: 42 (6,54%)

10 anos: 33 (5,14%)

Entre 11 e 14 anos: 203 (31,62%)

Entre 15 e 18 anos: 173 (26,95%)

Por Sexo

Masculino: 340 (52,96%)

Feminino: 302 (47,04%)

Fonte: Jornal Zero Hora, 2007

Um dilema que separa pais e filhos muitas vezes é a exigência, tais como

opção por sexo, a idade da criança desejada, entre outras particularidades. Na

verdade isso gera um descompasso entre o número de crianças aptas à adoção em

19 JORNAL Zero Hora, ano 44, n. 15.384, Guia da Adoção publicado em: 11 out. 2007.

Segue em Anexo a fotocópia que contempla dados sobre a cor da pele, cor do cabelo, por particularidades e síndromes.

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relação ao número de famílias candidatas. Essa situação implica na demora no

processo de adoção.

De acordo com Goldstein, Freud e Solnit (1987, p. 15) “a adoção durante as

primeiras semanas de vida de um bebê dá aos pais adotivos oportunidade igual à

dos pais biológicos de desenvolverem um relacionamento psicológico com a

criança”. Salienta-se que o convívio da criança recém-nascida e seus pais adotivos

são construídos no apego e no vínculo pelos cuidados, tais como o momento da

amamentação, do banho entre outras experiências dessa fase.

O Guia da Adoção revela o perfil desejado pelos quatro mil e oitenta e nove

candidatos no Estado, demonstrado na tabela 2.

Tabela 02 - Perfil desejado pelos pretendentes

4.089 Candidatos Menos de 1 ano: 3.727 (91,15%)

1 ano: 2.313 (56,57%)

2 anos: 1.576 (38,54%)

3 anos: 943 (23,06%)

4 anos: 501 (12,25%)

5 anos: 294 (7,19%)

6 anos: 133 (3,25%)

7 anos: 62 (1,52%)

8 anos: 42 (1,03%)

9 anos: 32 (0,78%)

10 anos: 24 (0,59%)

Entre 11 e 14 anos: 12 (0,29%)

Entre 15 e 18 anos: 4 (0,10%)

Por Sexo Masculino: 2.810 (68,72%)

Feminino: 3.656 (89,41%)

Fonte: Jornal Zero Hora, 2007

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Esses dados dão visibilidade ao número de crianças e adolescentes aptos à

adoção versus o número de candidatos, porém (91,15%) 3.727 dos 4.089

candidatos desejam bebês que representam apenas (0,47%) três das 642 crianças e

adolescentes que aguardam no abrigo à espera de uma família no Estado. Essa

predisposição dos adotantes pelas crianças com menos de um ano de idade, faz

com que os demais corram o risco de crescerem à espera de famílias que não vêm.

Daí a importância da mídia e das campanhas com ênfase a adoção de

crianças maiores ou de adolescentes, rompendo com o preconceito e garantindo o

direito à convivência familiar e comunitária. A “adoção tardia” remete a idéia de

adoção fora do tempo, reforçando a prerrogativa de bebês e recém-nascidos. Trata-

se de uma adoção que exige atenção especial, pois requer reciprocidade da criança

ou adolescente e do adotante. Ambos de coração aberto e mãos estendidas para a

adoção mútua e para o enfrentamento do preconceito social.

Isso tudo enfatiza a relevância da adoção, que considera “de fato” os

interesses de crianças, o desejo do adulto de exercer a maternidade ou paternidade

como motivação real, a maturidade de lidar com a história pregressa e,

principalmente, o respeito em relação à família de origem.

Assim a adoção representa uma alternativa para garantir à criança e ao

adolescente o direito ao convívio familiar e comunitário, não como substituição de

políticas sociais. Assim faz-se necessário romper tabus e desvincular a noção de

adoção com fracasso, mito de laços sanguíneos, herança genética entre outras

distorções. Na verdade, a adoção não é um processo artificial, falso ou ilegítimo,

pelo contrário envolve relações humanas de afeto e amor que florescem a partir da

reciprocidade entre adotante e adotando.

3.2 ADOÇÃO: TEMPO DE GESTAÇÃO SÓCIOEMOCIONAL E AFETIVA

A família durante o processo de adoção judicial deve cumprir uma diversidade

de requisitos, tais como: pedido de habilitação; certidões negativas policiais e

criminais; atestado médico de saúde física e mental; estudo social; comprovação de

residência; prova da idoneidade moral e financeira e demais exigências constantes

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dos artigos 1.618 a 1.629 do Código Civil e dos artigos 39 a 52 do Estatuto da

Criança e do Adolescente.

Esse período de preparação não é estático, é dinâmico e à medida que o

tempo avança a adoção deixa de ser sonho e materializa-se na vida do adotante e

da criança. Como bem disse Carlos Drumond de Andrade, “entre a raiz e a flor existe

o tempo”. A família e a criança embora longe por algum tempo aguardam o dia que

no tear seus fios se entrelacem.

Numa analogia da adoção com a gravidez, a escolha pela adoção - a

fecundação; a preparação - o desenvolvimento da criança dentro do útero; os

trâmites legais - o pré-natal; a significado da aprovação - o final da gravidez. No

entanto, a gestação emocional do filho adotivo demanda tempo, requer o

planejamento consciente, paciência e não raro surge da dor frente ao diagnóstico de

infertilidade.

A gestação sócioemocional e afetiva não se produz de modo instantâneo,

requer um tempo para sua consolidação, visto que a um tempo de espera desde o

ingresso na lista de espera até o momento tão esperado de acolher o filho nos

braços. Nesse sentido, o momento que o adotante conhece a criança vivencia uma

mistura de sentimentos, tais como emoção, alegria, medo, amor, zelo, cuidado,

ansiedade sobre a sua capacidade de ser pai e de ser mãe.

Os laços adotivos da mãe com o filho, não raro é tão intenso que acontece a

ressignificação, visto que a criança precisa ser amada, receber carinho, ser

protegida e do aconchego.

Segundo a poetisa Cora Coralina20:

[...] muitas vezes basta ser: colo que acolhe, braço que envolve, palavra que conforta, silêncio que respeita, alegria que contagia, lágrima que corre, olhar que acaricia, desejo que sacia, amor que promove. E isso não é coisa de outro mundo, é o que dá sentido à vida. É o que faz com que ela não seja nem curta, nem longa demais, mas que seja intensa, verdadeira, pura... enquanto durar.

20 DISPONÍVEL em: <http://www.pensador.info/autor/Cora_Coralina/>. Acesso em: 20 mar. 2008.

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Os laços afetivos são construídos no dia a dia pela convivência e cuidado. O

fortalecimento dos vínculos, naturalmente, vai sendo construído pelos pais e pela

criança na brincadeira, na descoberta, nas trocas de carinho (abraço, beijo, elogio,

afago). O jardim floresce, cresce na medida que é regado, nutrido, assim como os

laços adotivos vão florescer num ambiente acolhedor e afetivo.

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4 DELIMITAÇÃO DO PROBLEMA DE PESQUISA

A revisão bibliográfica apresentada revela que a adoção é um fenômeno

complexo, cuja compreensão requer a consideração de aspectos socioculturais e

emocionais.

Do ponto de vista social, a adoção é um processo judicial, mas está

intimamente relacionada com a família de origem, a criança a ser adotada e o

adotante. Magagnin (1992) coloca a adoção como uma ação paliativa, frente ao fato

de que crianças e adolescentes tem direito ao convívio familiar e comunitário, mas

há o afastamento da sua família de origem por situações extremas (maus-tratos,

violência, negligência, fatores decorrentes da pobreza entre outras). Na verdade, a

adoção surge como uma suposta resposta frente à ausência ou dificuldade de

acesso às políticas sociais de saúde, educação, moradia, assistência social, no

sentido dos filhos permanecerem na família biológica.

Já, Marmitt (1993) aborda que a adoção é instituto essencialmente

assistencial que cumpre a função social de dar proteção ao adotado, familiarizando-

o no lar de uma nova família com status de filiação legítima.

Do ponto de vista cultural, a adoção, como toda e qualquer prática social,

reflete as crenças, os valores e os padrões de comportamento construídos

historicamente. Santos (1997) enfatiza que os mitos e preconceitos que povoam a

cultura da adoção são a subvalorização da filiação; o segredo como proteção contra

o preconceito; a prioridade as famílias conjugais/tradicionais no processo de adoção.

Isso tudo, impede atitudes de respeito e tolerância às diferenças na constituição da

família adotiva.

No que se refere ao aspecto emocional, a adoção é uma experiência singular

na vida da criança e do adotante que estabelecem laços afetivos e amorosos. O

desenvolvimento emocional está no coração aberto para acolher, na mão estendida

para dar proteção e segurança, nisso a adoção mútua em que pai, mãe e criança

unem-se pelo afeto e não pelos laços de sangue.

Assim, definiu-se o problema da pesquisa: Como se articulam as dimensões

sociocultural e emocional nos processos de adoção realizadas na Vara da Infância e

Juventude de São Leopoldo?

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A figura a seguir demonstra as três dimensões orientadoras do presente

estudo.

Figura 3 - Dimensões do estudo da adoção

Fonte: Elaborado pela autora

4.1 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

A metodologia é uma parte importante e requer maior cuidado do

pesquisador. Mais que uma descrição formal dos métodos e técnicas a serem

utilizados, indica as opções e a leitura operacional que o pesquisador fez do quadro

teórico. Define, sinteticamente, os principais elementos da metodologia como

definição da amostra; coleta de dados/organização e análise dos dados.

Dessa forma, os caminhos e os meios para se chegar ao resultado final da

pesquisa, deu-se pela construção de um plano detalhado de como alcançar os

SOCIAL

CULTURALEMOCIONAL

ADOÇÃO

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objetivos, respondendo as questões norteadoras que segue no Quadro 1 da

“Trajetória Metodológica”.

Assim, mediante a autorização do Juiz da Vara da Infância e da Juventude da

Comarca de São Leopoldo, contou-se com o auxílio das Assistentes Sociais do

Poder Judiciário na obtenção dos dados dos sujeitos da pesquisa.

Cabe esclarecer que as famílias entrevistadas representam os cinco

processos mais recentes de adoção acompanhados pelo Serviço Social da Comarca

de São Leopoldo até o momento da coleta dos dados.

4.2 OBJETIVOS E QUESTÕES NORTEADORAS DA PESQUISA

Nesse momento apresenta-se um quadro contendo os objetivos, questões

norteadoras e instrumento utilizado que subsidiou as entrevistas, favorecendo a

compreensão do(a) leitor(a) do que, para que e como se pesquisou.

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Objetivo Geral

Objetivos Específicos

Questões Norteadoras

Questões da pesquisa

1) Desvendar os motivos das

famílias/adotantes que efetivarem o

processo de adoção.

1) Quais as características da família/adotante?

2) Quais os

propósitos do adotante

ao decidir assumir a paternidade,

a maternidade de uma criança?

3) Como se

preparou para tornar-se mãe/pai

adotivo?

1. Identificação do(a) participante 1.1 Faixa Etária 1.2 Escolaridade 1.3 Profissão 2. Em que ano foi realizada a adoção? 2.1 O que levou a opção pela adoção? 2.2 A opção foi de ambas as partes (casal)? 3. Como foi que se deu o processo de adoção? 3.1Como se preparou para tornar-se candidata(o)

a adoção? 3.2 A história pregressa da criança foi

investigada? 3.3 A possibilidade de a criança ter

problemas/trauma pela rejeição da família de origem é considerada?

3.4 As conseqüências da questão biológica/genética da criança são consideradas?

2) Compreender os aspectos sócioculturais da adoção, assim como

o conhecimento das políticas à infância por

parte das famílias.

1) Como as famílias/adotantes

avaliam a cultura de adoção no país?

2) Quais as

interferências da sociedade sobre a

família adotiva?

3) Como é a socialização na sua rede social quanto à

adoção?

4) Qual o conhecimento sobre as políticas sociais

que representam os direitos voltados à

infância?

1. O que pensa sobre a adoção? 1.1 Uma avaliação sobre a cultura de adoção no

país? 2. Houve algum momento que marcou esse

período? 2.1 Como a família, amigos reagiram com a

notícia da adoção? 2.3 Houve influencia por parte da família, amigos

quanto à adoção? 3. Em que momento familiares, amigos, rede

social, foram informados sobre a adoção? 3.1 Como é a socialização na sua rede quanto à

adoção? 4. Existe reconhecimento em relação aos

direitos e a legislação voltada à adoção?

Investigar como

os aspectos sócioculturais e emocionais incidem nas famílias que

adotaram na Comarca

de São Leopoldo.

3) Desvelar como se desenvolvem os vínculos afetivos

durante o estágio de convivência e/ou nos

1ºs meses após a adoção entre a família

e a criança.

1) Como se deu o período de estagio

de convivência?

2) Como avalias a preparação para o adotante/adotado?

1. Que trâmites jurídicos ocorreram durante o processo de adoção?

1.1 Quais sentimentos vinculados a adoção? 1.2 Como foi/é construída a relação afetiva

estabelecida com a criança? 2. Qual a avaliação do estágio de convivência? 2.1 Como tratam a questão da família de origem

da criança? 2.2 Como será tratada a questão da adoção com

a criança?

Quadro 1 - Trajetória Metodológica

Fonte: Elaborado pela autora.

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4.3 SUJEITOS DA PESQUISA

Os sujeitos da pesquisa foram constituídos de cinco famílias, nas quais cinco

mães e dois pais adotivos concederam as entrevistas. A opção por essas famílias

deve-se ao fato de serem os últimos cinco processos de adoção realizados no

Juizado da Vara da Infância e da Juventude de São Leopoldo/RS, acompanhados e

registrados junto ao Serviço Social do Judiciário.

Definiu-se em realizar a pesquisa com as famílias adotivas indicadas pelo

Serviço Social Jurídico da Comarca de São Leopoldo/RS, por tratar-se de um estudo

inédito nesse Município. Também pelo fato da pesquisadora desenvolver sua

atividade profissional como Assistente Social na Secretaria Municipal de Assistência

Social de São Leopoldo no Departamento de Proteção Social Especial - Centro de

Referência Especializado de Assistência Social (média complexidade). Com isso,

dedica-se à defesa do direito da criança ao convívio familiar e comunitário.

Apresenta-se a identificação dos sujeitos pesquisados no próximo capítulo “O

tear da adoção afeto à vida” a partir dos resultados da pesquisa, tais como o sexo

dos sujeitos; a escolaridade; a distribuição da faixa etária do sujeito, bem como a

distribuição da faixa etária da criança no ano da adoção entre outros dados.

4.4 TÉCNICAS E INSTRUMENTO DE PESQUISA

Para a busca de informações e coleta de dados foram utilizadas as seguintes

técnicas e/ou instrumentos: entrevista e a observação, bem como o diário de campo.

Como explicam Bauer e Gaskell (2002, p. 68) a finalidade real da pesquisa

qualitativa não é contar opiniões ou pessoas, mas ao contrário, explorar o espectro

de opiniões, as diferentes representações sobre o assunto em questão.

Nesse intuito num primeiro momento foi socializado o Termo de

Consentimento livre e esclarecido21, bem como realizados comentários elucidativos

21 Termo de Consentimento livre e esclarecido - consta em Apêndice A.

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sobre a pesquisa junto às famílias participantes. Isso permitiu que fossem prestados

esclarecimentos aos sujeitos da pesquisa.

Percebeu-se que isso propiciou que os sujeitos da pesquisa ficassem a

vontade para responder o formulário22. A partir do consentimento das famílias,

efetuaram-se entrevistas que foram gravadas e transcritas, respeitando o anonimato

dos sujeitos pesquisados23. A duração dessas entrevistas foram cerca de trinta

minutos a sessenta minutos realizada em local de melhor conveniência para os

participantes.

Cabe salientar que a técnica de entrevista admite a realização de correções

no transcorrer do processo a fim de explorar de forma mais intensa determinada

especificidade, assunto ou detalhe.

Minayo (2000, p. 135) também destaca a importância da observação como

forma complementar de captação da realidade empírica. Conforme Prates (2003)

observar não é um simples olhar, mas destacar de um conjunto aquilo que é

especifico, prestando atenção em suas características, é abstrair do contexto

dimensões singulares.

Especificamente, a pesquisa de campo evidenciou três questões centrais

voltadas aos aspectos culturais e sociais da adoção, a relação afetivo-emocional

entre as crianças e os adotantes e a adoção quanto direito à convivência familiar e

comunitária.

As anotações de campo realizadas durante e após as entrevistas foram

registradas no diário de campo. De acordo com May (2004) as anotações

dependerão do foco das interrogações, onde são destacadas observações

particulares, fazer notas analíticas ou lembretes para investigar um evento ou

relacionamento com mais profundidade. Destaca que é importante anotar a ordem e

a situação as quais os eventos desdobram-se assim como as regras empregadas e

as reflexões sobre os eventos observados, a fim de incitar a memória.

22 O referido instrumento de entrevista (formulário) consta em Apêndice B. 23 Optou-se pela escolha do nome de flor, na qual cada entrevistado elegeu de acordo com a sua

preferência ou identificação.

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4.5 ANÁLISE DE CONTEÚDO

De acordo com Guimarães24 a análise de conteúdo segundo Moraes é usada

para ler, descrever e interpretar o conteúdo. Através de sua técnica ajuda a

reinterpretar as mensagens e a atingir uma compreensão de seus significados num

nível que vai além de uma leitura comum.

Este esforço, na medida em que tem como preocupação elementar evidenciar

as categorias como “formas de ser da realidade”, deve estar, portanto pautado no

tão enfatizado “banho de realidade” de que nos fala Iamamoto (2000). Isto significa

dizer, na captura constante do movimento do real sistematizada em pesquisas

capazes de aproximar-se de forma cada vez mais concreta da questão social e suas

multifacetadas expressões.

Esta é, sem dúvida, a forma mais adequada de atestar a atualidade da razão

dialética e seu potencial explicativo: submetê-la à prática, à realidade que a constitui

ontologicamente.

Dessa forma a pesquisa “Adoção: vida em minha vida” foi desenvolvida a

partir da análise de conteúdo. De acordo com Minayo (2000) esse tratamento de

dados é parte de uma busca teórica e prática no campo das investigações sociais.

Bardin (1979, p. 42) define como: Um conjunto de técnicas de analise de comunicação visando obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos as condições de produção / recepção destas mensagens.

Minayo (2000, p. 200-1) refere que o termo “Análise de Conteúdo” é uma

expressão atual. Surgiu nos Estados Unidos na época da Primeira Guerra Mundial.

Assim, também na Análise de Conteúdo o rigor científico invocado é a pretensa

objetividade dos números e das medidas.

24 Material Didático elaborado pela Profª Gleny T. D. Guimarães, a partir dos textos de Roque

Moraes/2005 disponibilizado na Disciplina Análise de Conteúdo e Análise de Discurso no período 2006.

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O rigor cientifico requer trabalhar com amostras reunidas de maneira

sistemática; interrogar-se sobre a validade dos procedimentos de coleta e dos

resultados; trabalhar com codificadores que permitam verificação de fidelidade;

enfatizar a análise da freqüência como critério de objetividade e cientificidade e ter

possibilidade de medir a produtividade da análise.

Bardin (1979, p. 20) apresenta a Análise de Conteúdo como método não

possui qualidades mágicas e raramente se retira mais do que nela se investe e

algumas vezes menos, no final das contas nada há que substitua idéias brilhantes.

Estudando as propostas opta-se nessa pesquisa pela Análise Temática25 que

de acordo com Minayo (2000) é definida como a unidade de significação que se

liberta naturalmente de um texto analisado segundo critérios relativos à teoria que

serve de guia a leitura.

De acordo com Minayo (2000, p. 209):

Fazer uma análise temática consiste em descobrir os núcleos de sentido que compõem uma comunicação cuja presença ou freqüência signifiquem alguma coisa para o objetivo analítico visado [...] se encaminha para a contagem de freqüência das unidades de significação como definitórias do caráter do discurso. Ou ao contrário, qualitativamente a presença de determinados temas denota os valores de referência e os modelos de comportamento presentes no discurso.

Minayo (2000) propõe três etapas num processo de aproximação com o

material entre a pré-análise, a exploração do material, o tratamento dos resultados

obtidos e interpretação.

A pré-análise representa a fase pré-analítica determinam-se à unidade de

registro, de contexto, os recortes, a forma de categorização, a modalidade de

codificação e os conceitos teóricos que orientarão a análise.

Depois de explorado o material coletado e dimensionado como a unidade de

registro, definiu-se a unidade de contexto para a agregação dos dados, então a

delimitação das categorias teóricas que comandarão a especificação dos temas.

25 Para isso a Análise de Conteúdo segue uma série de técnicas, tais como: Análise de Expressão; de

Relações; Temática e de Enunciação. Estudando as propostas opta-se nessa pesquisa pela Análise Temática.

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Conforme Minayo (2000, p. 210) a partir daí o analista propõe inferências e

realiza interpretação prevista no seu quadro teórico ou abre outras pistas em torno

das dimensões teóricas sugeridas pela leitura do material. Nessa dinâmica,

verificaram-se critérios de acordo com a semelhança, ou seja, as categorias.

Aqui é importante constar que o processo de construção do quadro teórico

“Na trilha das unidades de significação e das categorias” segue abaixo e viabilizou a

identificação das unidades de registro como a pressão social, o tempo ligado à

categoria teórica “aspectos culturais e sociais”. Assim como as unidades de registro:

família de origem, família adotiva, vinculados à categoria teórica “relação afetivo-

emocional”. As unidades de registro: os trâmites jurídicos, o Serviço Social Jurídico e

o estágio de convivência relacionado à categoria teórica “adoção”. No que se refere

às unidades de registro: motivo e motivação estão ligados tanto à adoção, quanto ao

significado do filho na sua vida.

Unidade de Registro Unidade de Contexto

Categorias teóricas

Sofria demais, a cada gravidez... Porque a gente queria demais ter um filho, a gente tinha loucura por ter um nenê. Adoção significou para nós se despojar dos preconceitos, das coisas que as pessoas falam. Eu vejo as pessoas que dizem “é jogar na sorte”, “é loteria” acho isso muito cruel. Levei lá, aí eu botei de zero a dois anos, aí a Assistente Social disse “vai ser mais fácil porque muitos querem bebês”. Muita gente até deu os parabéns pra gente por ter pegado ele grande, porque ninguém quer quatro anos. A minha sogra que sempre diz “coitadinho, coitadinho”, eu digo “coitadinho por que?” ela responde “porque foi abandonado”. Têm desvios nessa área, muitos que são adotados fora do país e bebê como a gente queria era bem complicado. A gente aprendeu que não dá para dificultar muito o perfil querer loirinho, crespinho, de olho azul não sei o que. Ouvimos mais coisas negativas do que positivas “depois ele cresce e fica sabendo se revolta”, “vai para as drogas”. Isso tudo do imaginário, para mim não é assim, tudo está ligado com a criação. Isso machuca... A reportagem no Jornal RBS adote cachorrinho abandonado, me indigno por que não incentivam a adoção nos meios de comunicação! Às vezes a gente vê as pessoas essa é minha filha de criação. Quando eu faço entrevista com as famílias: “eu tenho três filhos e um adotivo” sabe essa diferenciação. Pra nós é nossa filha, se é adotiva ou não, é uma questão que não interessa e a gente conversa com ela, tu não vai ter esse estigma “Ah eu sou adotiva”.

Pressão social

Aspectos Socioculturais

da Adoção

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Tu é filha da mamãe e do papai.

Foi passando o tempo, eu não engravidava, e nisso se passaram três anos. Não quis preencher lacuna, aguardei “dei um tempo” quando senti que estava bem, mentalmente preparada fui à procura. Davam depoimentos da demora do processo, tanto que não fiz grande enxoval. Foi menos de um ano... Daí fomos na Casa Aberta (abrigo), no outro dia já começou o processo de adaptação, nós íamos todos os dias lá ver Hibisco. A gente falava bastante, tem que fazer um quarto... Só que a gente estava esperando que fosse demorar mais. E no fim ele veio muito rápido. A gente se inscreveu para adoção, aí a gente ficou quatro anos até vir o Jasmim. O processo poderia ser menos burocrático, até vi na TV que as crianças vão para o abrigo pequenas e por causa da burocracia crescem ali A gente aguardou quatro anos e está inscrito de novo, a gente sabe que não é um processo rápido.

Tempo

Eu não quis ir a fundo no que foi que aconteceu. Sei que ele não chegou nem a ser amamentado. Não se falava do pai. Pelo que eu tenho no registro consta só o nome da mãe. Não condeno os motivos pelos quais a mãe a deixou, penso que pode ter sido por motivos de necessidade. Peróla tinha 15 dias de vida e até oito meses pouco ria, acreditava que pudesse ser da rejeição. Ela superou perto de um ano... Esses dias ele me disse assim “mãe eu não sai da tua barriga né?”, eu disse “não, e tu sabe muito bem disso, tu saiu da barriga de uma outra mãe”. Ele sabe tudo, tem um monte de roupinha dele que não serve mais, eu quero levar lá na Casa Aberta, eu digo “filho, vamos junto com a mãe lá?” A psicóloga que eu fui me disse “Sempre é pra fazer ele lembrar de onde ele veio”. Agora como eu vou tratar esse assunto me traz muita dúvida, medo, esse tipo de coisa, mas acho que esse risco é valido. Torço para que dê tudo certo, que ele entenda A gente vai falar, até porque de qualquer maneira não temos como esconder isso para o resto da vida, até nas escolas fazem aquelas experiências tipo de sangue: “Nós somos A e ele é O”. Ele teve bronquite asmática que dizem que é hereditário. Na audiência que a gente conheceu. A gente não sabe nada, nem onde mora, não tivemos qualquer contato. Sempre vai ter a rejeição, vai ter o abandono da família de origem, no inconsciente dela vai ter o registro. Ela teve uma mãe que por algum motivo não pode ficar com ela. A gente vai tentar fazer com que isso seja tranqüilo pra ela, não queremos que ela tenha uma imagem negativa da mãe de origem. Foi um amor de verão, não teve contato nenhum com o pai. E que não queria, já tinha outro filho, já tinha feito um aborto anterior e o que se sabe é isso. No processo conta que ela é jovem, vinte e poucos anos e me parece que seja uma pessoa saudável, fez todo Pré-natal.

Família de Origem

Adoção é maravilhoso. No meu caso foi essencial, não consigo me imaginar sem o Narciso. Já imagino uma irmã pra ele. Ele vem e faz carinho em mim. Ele é carinhoso com todo mundo

Relação afetivo-emocional

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“É a pérola negra” nas nossas vidas, é mais dos que saíram das minhas entranhas. O principal era o carinho, o amor que a gente tinha, mas qual mãe não quer botar o filho num quartinho bonitinho, tudo arrumadinho...

Hoje é eu e o Hibisco. Claro que eu não falei isso para meu marido. Mas é ele e eu. A adoção é vida pra minha vida porque depois que ele veio mudou muita coisa.

A palavra “adoção” diz tudo é adotar é pegar aquele serzinho e incluí-lo na família e amá-lo de coração, então é tudo para gente.

A gente fala: “tu é o filho do coração!”. A gente não consegue ver ele como criança adotiva. Todo lugar que tu vai as pessoas

dizem “-ele é parecido contigo”. Mudou nossa vida, pois a gente gostava muito de sair,

parou tudo radical, foi uma troca, meu Deus do Céu eu faria tudo de novo, não me arrependo eu amo o Jasmim como se fosse meu mesmo.

Na minha família já pensam em se habilitar em virtude do

sucesso da adoção da Primavera e do apego que a gente tem a ela.

No próprio consultório, pelo trabalho que eu tenho, atendo muitos casais que também não tão conseguindo engravidar, eu incentivo. Conto da nossa experiência, então para nós tem sido maravilhosa. Tanto que a gente está tentando de novo. Já estamos habilitados. Ela foi extremamente bem acolhida por todos É a priminha, é a sobrinha, é a netinha, é da família. Muito desejada! É uma benção. É nossa filha... Por mais que apareça um familiar, se ela quiser conhecer é claro é uma decisão dela no futuro, a gente não vai impedi, vai ser um simples conhecer, os pais somos nós e a família dela somos nós. Ela é super parecida conosco, com o nosso jeito. Nós dissemos não é sorte dela, mas sim nossa nós escolheela. Se eu tivesse engravidado eu ia ter um filho e não saberia como seria. No caso da Primavera, nós escolhemos ela e ela faz tão bem a nós, ela modificou tanto as nossas vidas, trouxe tanta alegria pra nossa casa. A sortnossa.

Família Adotiva

Como a gente ainda não tinha conseguido que eu engravidasse. Se não é pra ser, não vai ser assim. Agora a gente vai partir pra adoção. Adoção pra mim significa tudo. Eu não vejo sentido sem ter acontecido à adoção pra mim, que foi maravilhoso. Porque eu acho que era uma mesmice, uma rotina. Hoje não, hoje é tudo diferente... A mulher negra tem uma história de pré-disposição cria um e outro. Criei-me vendo esse tipo de coisa, dá para criar mais um. Onde come um, come outro... Eu desenvolvi isso em mim. Eu sempre pensava em adotar. Aí como eu não engravidava eu parei de fazer tratamento e adotei. Mas eu nunca me vi grávida. Eu sempre dizia pra minha mãe que eu ia adotar um dia.

Motivo e Motivação

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Daí aquele dia (abrigo) ele tava jogando as bolinhas de gude. Ele tinha três aí quando eu vinha embora ele dava as bolinhas pra mim, para saber que eu ia voltar lá... Quem adota está com boas intenções, então eu não vejo adoção como uma coisa ruim, no meu ponto de vista ninguém adota para fazer mal à criança. Adota por que não pode ter o seu e quer ter uma família.

Ganhei cama, carrinho, sacolas e sacolas. Todo muito acolheu bastante, curtiram bastante. Depois dos quatro meses, ele foi pra creche, lá às tias adoram ele.

Eu engravidei e com seis meses eu perdi. E daí já pensei na adoção, isso já era muito conversado na família. Independe pra nós, o que a gente quer é permitir que a Primavera tenha um irmãozinho, uma irmãzinha. A gente sabe que mãe e pai não são eternos, a gente quer que ela tenha mais alguém na vida dela. Então a gente foi no fórum, fizemos toda a ficha, tivemos a visita da assistente social, depois a gente foi fazer a entrevista, e nisso se passaram três anos. Não conhecemos a legislação que rege a adoção. Dos direitos da criança já ouvi falar alguma coisa. Hoje a sociedade avançou, perante a justiça, para evitar problemas, evitando vexames para a família. Passar pelo processo judicial é segurança. Pelo Juiz nós poderíamos ter levado Jasmim para casa no mesmo dia, o Fórum fechava às 18h, mas naquele dia nós tiramos para ir no comprar mamadeira, sabonete, banheira. O processo poderia ser menos burocrático, até vi na tv que as crianças vão para o abrigo pequenas e por causa da burocracia crescem ali. A gente a adotou e entramos com pedido judicial em seguida e daí o próprio advogado encaminhou tudo. A mãe registrou no nome dela e depois a gente recebeu a certidão no nosso nome, agora que o processo judicial foi concluído.

Trâmites jurídicos

Isso foi indicado pelo Serviço Social (diálogo sobre a origem do filho). A Assistente Social me falou que eu conte quando ele dorme. Eu sei pelo que a assistente social me disse a avó criou o irmão e não tinha condições de ficar com ela, aí deu para adoção. Faz uns três meses atrás veio a assistente social, aqui. Mas graças a Deus nunca tive problema, ele é maravilhoso. Tudo que a gente fala ele entende. Quando nós fomos assinar a guarda, daí eu brinquei com a assistente social, eu disse assim “ninguém me tira ele, se alguém me quiser tirar eu vou fugir com ele”. Daí ela disse assim “eu te ajudo a fugir!”. A Assistente Social ligou e disse tem um bebê para vocês conhecerem, estávamos trabalhando daí foi uma choradeira, gamamos na 1ª vez. Foi a Assistente Social do Hospital que ligou para gente e ela soube pelo Serviço Social do Fórum. Teve a visita da Assistente Social aqui em casa para ver as condições da família, da casa, todo acompanhamento.

Serviço Social

Adoção

Quadro 2 - Na Trilha das Unidades de Significação e das Categorias

Fonte: Elaborado pela autora

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No próximo capítulo “O tear da adoção afeto à vida” serão demonstrados os

resultados da pesquisa. Os dados foram submetidos à análise de conteúdo e

agrupados em três categorias sob os títulos: os aspectos socioculturais da adoção; a

relação afetivo-emocional entre a criança e os pais e por fim a adoção - direito ao

convívio familiar e comunitário.

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5 O TEAR DA ADOÇÃO AFETO À VIDA

Figura 4 - Os fios que tecem a adoção

Fonte: Disponível em: <http://www.fotosearch.com.br/UNW233/u15212457/>

A imagem acima representa o tear à adoção ao unir os fios, os pais acolhem

o diferente do seu próprio gene, gestam uma criança que é alimentada no coração,

ao invés do cordão umbilical. Envolve tamanha paciência em esperá-lo sem saber

ao certo quando vai chegar. Viver a adoção é tecer uma infinidade de fios

simbolizados pelos sentimentos, vínculos, laços afetivos, significados e emoções.

Para compreender o humano em sua teia social, Kern propõe (2002, p. 11):

Uma rede só pode ser potencializada na medida em que as próprias conexões

”injetam” elementos de potencialização, o que se expressa na interação social das

pessoas, de amar, do sentir-se bem, da passagem da solidão à convivência, da

carência para as expressões de afetividade, entre outros elementos.

A partir da interação social dá-se a significação da existência da teia social.

Por este prisma, faz-se necessário que as famílias adotivas possam expressar suas

vivências e significações em relação à adoção. Neste estudo, os sujeitos da

pesquisa vivenciaram o processo de adoção, em sua plenitude, provavelmente, vão

contribuir para uma nova cultura de adoção. Mediante a socialização na sua teia de

relações, por vir a participar em grupos de apoio à adoção ou pela perspectiva de

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divulgação deste estudo, a exemplo: Quando foi agradecida sua disponibilidade em

conceder a entrevista no ambiente de trabalho, após seu expediente - a mãe adotiva

Girassol disse “é para isso que estou aqui para que os outros possam ler e avaliar a

adoção de outra forma”. Essa fala revela o interesse desta mãe em entrelaçar os fios

numa tentativa de romper com os preconceitos que envolvem a adoção.

Por meio dos relatos dos sujeitos da pesquisa, nas quais 71% são mães

adotivas e 29% pais adotivos, observou-se que há uma expectativa social para que

a mulher se torne mãe, o homem pai, bem como a criança apta à adoção se torne o

filho. Conforme Kern (2002) “o humano lança-se para fora de si através de dois

pólos que se caracterizam como o ser e o não-ser. O sentido do não-ser é que o

motiva o ser a buscar aquilo que ele deve ser”. Nesse sentido, a criança que o

adotante deseja acolher em sua teia, faz parte do amadurecimento para um novo

papel na sua vida ligado à paternidade e/ou a maternidade.

Percebeu-se que as mães adotivas ao falarem sobre a adoção e do filho não

continham as lágrimas, pois relembravam passo a passo o desejo da maternidade,

da decisão em adotar, dos trâmites legais e, principalmente, da preparação para o

encontro com a criança. A emoção aflorava quando partilhavam a dor pelas perdas.

Conforme o relato de Rosa - 33 anos: “eu estava entrando para o terceiro mês [...]

quando eu ia ao ginecologista chegava ir a minha irmã, a minha mãe, o meu marido.

Nossa, ficava todo mundo felicíssimo. Só que eu já tinha perdido [...]”. E da mãe

Girassol - 57 anos: “poderia ser uma família grande. Perdi três filhos homens: dois

faleceram por afogamento, um faleceu por insuficiência renal”.

No entanto, também, tomadas pela emoção esses sujeitos da pesquisa

relatavam a alegria de contemplar e participar do desenvolvimento de uma criança,

como o depoimento do casal Orquídea Miltônia - 41 anos e Rosa Azul - 44 anos: Esse gurizinho é a coisa mais querida. A gente como em toda família tem aquele que mima e aquele que dá as regras, eu dou a hora dos remédios, de comer, do banho e as brincadeiras ficam com ele. Mas o Jasmim entende, ele obedece, ele é muito querido, é tudo de bom.

Destaca-se, também, a experiência vivida pelo casal Margarida - 42 anos e

Girassol - 39 anos:

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Então a gente tem muita troca afetiva, ela nos abastece muito, ela é o tipo de criança que ela está ali sentada brincando e ela diz - mamãe como tu está magra, mamãe como tu está bonita. Ela se liga nessas coisas. Livros, ela adora livros, porque a gente também lê bastante, você viu ali, ela lendo jornal.

A partir, dessa interação com os pais adotivos, constatou-se que os cinco

últimos processos de adoções realizados em São Leopoldo até o momento da coleta

de dados, a prevalência de casais. Desses, 70% estavam casados cerca de oito

anos; 15% a vinte e três anos e por fim 15% casados há quarenta anos. Essa teia de

relações caracteriza a rede interna e a partir do tear da adoção é constituída uma

nova configuração familiar.

De acordo com Türck (2002, p. 30): O sentimento de solidariedade nasce a

partir do sujeito, que sente uma necessidade individual de compartilhar afeto,

conhecimento, alimento, dor e alegria. Esse sentimento só nasce quando o sujeito

ensaia colocar-se no lugar do outro. Nesse movimento, processa-se o espaço

fundamental para que a rede interna passe a se constituir.

Então, a rede interna decorre do interesse comum das pessoas que nela se

inserem, no tear da adoção afeto à vida, adotante e adotando compartilham do

desejo do convívio. Aliás, a autora (2002) destaca que o compartilhar traz, na sua

essência, a possibilidade de ser incluído. Conforme a escritora Clarice Lispector:

“Haverá fome mais profunda do que aquela de não pertencer?”.

E o pertencimento social é um processo constante que se inicia na rede

primária e se reconstrói em grupos sociais, através das redes secundárias numa

constante relação social. O pertencimento social provoca segurança, auto-estima,

afeto e referência ao sujeito.

No que se refere, aos adotantes entrevistados houve investimento em sua

escolaridade, devido à conscientização da responsabilidade assumida com a

maternidade/paternidade de uma criança. Nisso, 58% dos sujeitos de pesquisa tem

curso superior completo; 14% pós-graduação e 28% ensino médio completo. Esse

dado revela que os sujeitos com nível superior estão mais predispostos a adotar,

provavelmente, pelo fato do esclarecimento e compreensão da adoção na sua

complexidade. Cabe destacar, que os adotantes com nível universitário buscam a

maternidade e paternidade pela adoção através dos Juizados, ao invés da adoção à

brasileira.

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Em relação à idade, 58% dos adotantes entrevistados tem entre 41 a 50 anos,

28% entre 31 a 40 anos e 14% entre 51 anos e 60 anos. Percebeu-se que as

circunstâncias que contribuem para que os adotantes entre 41 a 50 anos adotem

associa-se à estabilidade profissional, a experiência de vida, a maturidade para o

enfrentamento do preconceito social, o amadurecimento da adoção pelo casal e a

superação da infertilidade. Esse dado demonstra a decisão tomada em família com

a cabeça e coração abertos à criança a ser adotada, no sentido pleno de direito ao

convívio familiar. Acredita-se que os sujeitos antes dos 30 anos, provavelmente, não

adotam por esgotarem as tentativas do filho biológico, por amadurecerem a

frustração da incapacidade de uma gestação ou devido à organização de tempo,

renda, rotina para cuidarem de uma criança.

A pesquisa de campo revelou que as profissões exercidas pelos adotantes

não incidem na decisão pela adoção, aliás, os sujeitos da pesquisa atuam em áreas

distintas. Então os fatores que influenciam a adoção são de outra ordem. É

importante ressaltar que a maioria das famílias participantes não tem filhos

biológicos. Exceto a família de Pérola Negra, pelo fato dos seus pais adotivos terem

vivenciado a perda dos três filhos biológicos. E da família de Jasmim, pois o seu pai

adotivo foi casado, anteriormente, dessa relação teve três filhos biológicos.

Quase a metade dos adotantes revelou casos de adoção na sua família,

como mostram os relatos: “Eu já tenho na minha família um casal de sobrinhos que

são adotivos. Mas eles não são irmãos, tem diferença de nove ou oito anos. Então a

gente já tinha, eu já tinha na minha família” (Rosa - mãe de Narciso) e “Tanto que eu

adotei, mais, por causa da minha mãe, a pessoa que ela era, sendo adotado, o que

meu avô e minha avó passaram pra ela [...]” (Orquídea - mãe de Hibisco). Isso

significa que a adoção é uma experiência bem sucedida e de fortalecimento dos

vínculos familiares pelos laços de afeto, amor, respeito e diálogo. Esses laços tecem

a adoção entre mãe, pai e filho ligados pela gestação emocional.

Outro aspecto relevante, na pesquisa de campo é a faixa etária da criança no

ano da adoção que dá visibilidade ao interesse de 80% dos sujeitos da pesquisa por

crianças com menos de um ano de idade. Para esses sujeitos a predisposição pelos

bebês, deu-se pela construção dos vínculos, da relação de pertencimento, da

afetividade e da afinidade que aproxima o filho e os pais no dia a dia.

De acordo com Vicente (2004, p. 48):

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O vínculo é vital. Nos primeiros anos de vida a criança depende destas ligações para crescer. Ela carece de cuidados com o corpo, com a alimentação e com a aprendizagem. Mas nada disso é possível se ela não encontrar um ambiente de acolhimento e de afeto.

Essa escolha pelo bebê é clarificada por um adotante que representa o relato

dos demais:

O dia que ela chegou assim não tem palavras, a gente tem as fotos. Nossa era um sonho. A gente se prepara pra isso, mas nunca está suficientemente preparado para chegar acolher e pegar o nenê no colo. Momento forte foi quando pude pegar ela no colo e amamentar. Todo aquele processo de maternagem: trocar fraldinha. O 1º mama a insegurança será que vai ser o suficiente, não vai se engasgar. Aquela coisa toda. A 1ª noite não dormiu a noite toda, ficamos ao lado do berço olhando. Depois o 1º bainho, a 1ª papinha, o crescimento dela pra nós tudo foi importante (Margarida e Girassol - pais da Primavera).

Nesse sentido, os pais participam do cuidado do filho, desde a troca de

fraldas, a amamentação, o choro, os primeiros sons balbuciados, os passinhos entre

outras descobertas.

Essa constatação dá visibilidade aos dados estatísticos publicados no Guia

da Adoção mencionados no capítulo 3.1 “Imaginário sociocultural sobre a adoção”

que revelam o descompasso entre a realidade de crianças à espera da adoção e o

perfil desejado pelos pretendentes. Esses fatores contribuem para o crescimento do

número de pessoas em filas de espera, que crianças permaneçam em abrigos e na

demora para que se concretize a adoção.

No entanto, 20% dos sujeitos da pesquisa optou pela “adoção tardia”, visto

que a criança a ser adotada tinha quatro anos de idade. É importante salientar a

dinâmica do casal envolvido com as exigências do trabalho, viagens, graduação,

vinte e três anos de casamento e com isso a preocupação na adaptação com o filho.

O relato revela a adoção mútua:

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Daí aquele dia ele estava jogando as bolinhas de gude (abrigo) [...] Ele tinha três bolinhas. Aí quando eu vinha embora ele dava as bolinhas para saber que eu ia voltar lá para ficar com ele. Na última semana, eu peguei as bolinhas, daí ele disse assim - mãe, leva as bolinhas junto, e nisso passou, não sei se era diretora. Ela disse assim “tu não pode incentivar ele a te chamar de mãe”, daí eu disse, “mas eu não incentivei ele a me chamar de mãe, ele me chamou porque ele quis”.

Nas palavras de Prestes26 (Gazeta do Povo, 11/07/1997), na adoção de

crianças mais velhas são elas que adotam os pais.

Embora o sexo da criança não fosse condicionado para esses sujeitos, notou-

se que 60% são meninos e 40% meninas. Esse dado demonstra a possibilidade do

número de meninos ser superior ao de meninas nessa Comarca.

No entanto, a questão da preferência pelo sexo da criança é considerada para

40% dos sujeitos pesquisados no segundo processo de adoção, aos quais constam

habilitados, a exemplo: Eu vejo o Narciso crescendo [...] Eu estou vendo uma criança crescer e esperando outra que está vindo. Que dentro de um tempo vai vir. Não sei quanto tempo vai levar [...] Eu não me vejo sem ser uma mãe adotiva. E eu estou esperando por uma menina” (Rosa - mãe de Narciso).

Também há uma preferência no relato do casal (Margarida e Girassol - pais

de Primavera):

[...] Conto da minha experiência, então para nós tem sido maravilhosa. Tanto que a gente está tentando de novo. Já estamos habilitados. Se vier um menino forma um casal e se vier uma menina, a gente tem toda uma estrutura de menina [...].

Essa trama de fios que une os adotantes e o adotando há motivos e

motivações em relação à adoção, as expectativas sobre a maternidade, à

paternidade e a criança a ser adotada. A maioria dos adotantes revelou que a

verdadeira motivação para a adoção foi à impossibilidade de gerar filhos biológicos.

26 GAZETA DO POVO. Adoção. Suplemento Viver Bem, 707(14). Curitiba, 11 maio 1997.

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As cinco famílias entrevistadas, das cinco mães participantes - quatro mães e

os dois pais adotivos partilharam o desejo de querer adotar por essa questão:

Eu sofria demais, a cada gravidez. Porque eu tinha que fazer curetagem. Então além do físico tinha o emocional. Porque a gente queria demais ter um filho, a gente tinha loucura por ter um nenê. Tanto é que a gente tinha assim a casa, a gente comprou a casa, sempre assim, tem que ter três quartos. Um quarto pra cada criança, e sempre no nosso, na nossa visão, um casal. Tanto é que desde o momento que a gente entrou com o processo de adoção, como eu achava que não ia ter o meu mesmo, eu comecei a fazer enxoval, eu bordava, fiz todo enxoval em ponto cruz (Rosa - mãe de Narciso).

Eu sempre pensava em adotar. Aí como eu não engravidava eu parei de fazer tratamento e adotei. Mas eu nunca me vi grávida. Eu sempre dizia pra minha mãe que eu ia adotar um dia. E deu certo porque eu fiz vários tratamentos e não engravidei (Orquídea - mãe de Hibisco). Bom aí já vem uma história minha particular de antes, eu era casada daí eu tentei ter um filho com o meu marido, não consegui. Meu marido faleceu. Aí eu conheci Rosa Azul e falei para ele do problema que eu não posso ter filho, ele concordou e a gente encaminhou os papéis (Orquídea Miltônia e Rosa Azul - pais de Jasmim). Eu engravidei e com seis meses eu perdi. Daí já pensei na adoção, pois isso já era muito conversado na família [...]. Até por que na minha família já pensam em se habilitar em virtude até do sucesso da adoção [...] (Margarida e Girassol - pais da Primavera).

Percebeu-se que os adotantes, antes de recorrerem à adoção, fizeram vários

tratamentos médicos para tentar uma gravidez. A história de vida de Girassol - mãe

de Pérola Negra, demonstrou uma motivação diferente em relação à adoção Já tinha essa vontade, poderia ter tido pensava na estrutura que precisava dar para os filhos, e fui incentivada pelos filhos, não posso dizer que foi a perda, pois protelei, não quis preencher lacuna, aguardei “dei um tempo” quando me senti bem, mentalmente, preparada fui a procura. Eu e meu marido conversamos que a criança renovou tudo na gente, “a consciência como pessoa”, sentir as necessidades das pessoas [...].

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O amadurecimento da decisão da adoção e a vivência do luto pela perda dos

filhos fizeram com que esse casal estendesse as mãos para a filha adotiva.

No entanto o caminho da adoção desvela a ambigüidade de sentimentos, a

exemplo do relato: “Eu sempre pensava o que eu vou estar fazendo. Vou estar

trocando fralda, ou vou [...]. Essa hora o que será que eu vou estar fazendo? Vou

estar brincando, vou estar passeando?” (Rosa - mãe Narciso). A Girassol - mãe de

Pérola Negra “O sentimento que sempre digo as pessoas, é uma coisa tão

maravilhosa, as pessoas têm que estar preparadas. Não é para qualquer um

mesmo, é preparar-se para a chegada desse filho tão querido”. Esses depoimentos

revelam que ao desejar uma criança o casal cria lugar para uma terceira pessoa na

relação.

As famílias entrevistadas demonstram que a relação afetivo-emocional com a

criança ressignificou o cotidiano. A fala de Orquídea - mãe de Hibisco reforça essa

idéia A adoção é vida para minha vida. Vida para minha vida porque depois que o Hibisco veio mudou muita coisa. Hoje eu penso assim: é eu e meu filho, o resto é o resto. Tem outro significado. Hoje é eu e o Hibisco. Claro que eu não falei isso pro meu marido. Mas é ele e eu.

E a força desses sentimentos de potencialização de afeto, de amor, de

disposição, de coração e braços abertos para acolher o diferente é o que dá o

sentido da vida desses pais adotivos. Conforme o depoimento de (Rosa - mãe

Narciso) “Adoção para mim significa tudo. Eu não vejo sentido sem ter acontecido à

adoção, que foi maravilhoso. Porque eu acho que era uma mesmice, uma rotina.

Hoje não, hoje é tudo diferente [..].” que revela que a adoção transcende a natureza,

de fato, pois os vínculos se dão pela paixão no coração e não pelo cordão umbilical.

Então, o processo de adoção sugere um trançado, uma trama que envolve,

intimamente, a criança e a família. O tear da adoção afeto à vida significa mudar,

brincar, participar e, principalmente, sensibilizar-se com as descobertas do convívio com

a criança dia a dia. Adoção é convivência humana que oportuniza a maternidade,

paternidade e filiação no sentido de igualdade, independentemente, dos laços

sanguíneos. Ao relacionar-se de forma consciente e amorosa contribuem para que sua

rede social abandone os preconceitos e desconfianças a respeito da adoção.

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5.1 OS ASPECTOS SOCIOCULTURAIS DA ADOÇÃO

A adoção oportuniza a convivência familiar e comunitária às crianças que

inevitavelmente crescem em abrigos, depois de esgotadas os recursos de

reinserção familiar. Assim como àqueles que desejam a maternidade e paternidade

acolhendo em sua vida o filho que nasceu de outro ventre. Trata-se de um jeito

diferente de nascer uma família, porém, uma família no sentido maior da palavra.

Por outro lado à adoção é uma prática social e está arraigada tanto pelos

aspectos sociais quanto culturais27 da sociedade em geral. E, por isso, mesmo faz-

se necessário à reflexão e a ampliação da discussão sobre os aspectos

socioculturais que incidem sobre os pais e a criança adotiva.

Percebe-se que na sociedade brasileira, ainda, persiste a cobrança social

quanto a compor e recompor uma família. A voz dos sujeitos evidencia esta

realidade: “Eu sofria demais, a cada gravidez eu sofria demais. Por que a gente

queria demais ter um filho [...]” (Rosa - mãe de Narciso). Essa pressão social

estabelecida pode estar associada aos aspectos sociais, religiosos ou familiares do

“crescei e multiplicai-vos”, nos quais todo casal deve ter filho.

Por essas razões, os adotantes na grande maioria, assim como os sujeitos

dessa pesquisa optam pela adoção de recém-nascidos e bebês, a exemplo “Têm

desvios nessa área, muitos que são adotados fora do país e bebê como a gente

queria era bem complicado” (Orquídea Miltônia e Rosa Azul - pais de Jasmim). Outro

depoimento nesse sentido:

Levei os papéis lá (Fórum), aí eu botei de zero a dois anos, aí a Assistente Social disse “vai ser mais fácil porque muitos querem bebês”. Muita gente até deu os parabéns pra gente por ter pegado ele grande, porque ninguém quer quatro anos (Orquídea - mãe de Hibisco).

27 CHAUI, Marilena. Convite à filosofia. 10. ed. São Paulo: Ática, 1998, p. 292. Dois são os

significados iniciais da noção de cultura: 1) vinda do verbo latino colere, que significa cultivar, criar, tomar conta e cuidar, Cultura significa o cuidado do homem com a natureza. [...] Significa o cuidado com a alma e o corpo das crianças, com a educação e formação. Donde: puericultura (em latim: puer significa menino; puera, menina). A cultura era o cultivo ou a educação do espírito das crianças para tornarem-se membros excelentes ou virtuosos da sociedade pelo aperfeiçoamento e refinamento das qualidades naturais (caráter, índole e temperamento). 2) A partir do séc. XVIII, Cultura passa a significar os resultados daquela formação ou educação dos seres humanos, resultados expressos em obras, feitos, ações e instituições.

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Considera-se os aspectos de acompanhamento do desenvolvimento da

criança, bem como da subjetividade dessa escolha. No entanto, as crianças com

mais de dois anos de idade correm o risco de crescerem num abrigo ou sem o

direito de sentir-se filho. Como revela o depoimento do pai Rosa Azul “O processo

poderia ser menos burocrático, até vi na TV que as crianças vão para o abrigo

pequenas e por causa da burocracia crescem ali”.

Outro aspecto, relevante, ligado ao processo de adoção é o filho “idealizado”,

observou-se na entrevista com o casal Orquídea Miltônia e Rosa Azul (pais de

Jasmim) “A gente aprendeu que não dá para dificultar muito o perfil querer loirinho,

crespinho, de olho azul, não sei o que [...]”. Outro depoimento demonstra à

consciência em relação à maternidade, a paternidade e do respeito com a

singularidade da criança, na fala dos pais de Primavera o casal Margarida e Girassol

“Se eu tivesse engravidado eu ia ter um filho e não saberia como seria. No caso da

Primavera, não, nós a escolhemos e ela faz tão bem a nós, ela modificou tanto as

nossas vidas, trouxe tanta alegria pra nossa casa. A sorte foi nossa”.

Embora a diferença da história de vida de cada família observou-se

semelhanças no que diz respeito, também, ao preconceito no que se refere à filiação

Às vezes a gente vê as pessoas essa é minha filha de criação. Quando eu faço

entrevista com as famílias: “eu tenho três filhos e um adotivo” sabe essa

diferenciação. Para nós é nossa filha, se é adotiva ou não, é uma questão que não

interessa e a gente conversa com ela, tu não vai ter esse estigma “Ah! Eu sou

adotiva”. Tu é filha da mamãe e do papai (Margarida e Girassol - pais de Primavera).

De acordo com Weber o preconceito é um conceito formado

antecipadamente, sem fundamento razoável: uma opinião formada sem reflexão,

sem base; uma idéia que não leva em conta os fatos, mas o que se “diz sobre ele”

(2006, p. 19).

Ademais, é sempre fundamental o adotante ter clareza e reconhecimento da

sua paternidade e maternidade, caso contrário, corre o risco de perpetuar essas

idéias descabidas á respeito da adoção. Assim como a atitude partilhada pelos pais

de Primavera o casal Margarida e Girassol No próprio consultório, pelo trabalho que eu tenho, atendo muitos casais que também não tão conseguindo engravidar, eu incentivo. Conto da nossa experiência, então para nós tem sido maravilhosa. Tanto que a gente está tentando de novo. Já estamos habilitados.

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No entanto, as falas dos sujeitos demonstram a prevalência dessas distorções

a respeito da filiação pelo desconhecimento do processo de adoção legal: “Uma só

negativa. ‘Ai porque tu não tens medo? Pode ter uma doença ou tu não tens medo

que de repente à mãe venha atrás?’ Mas não passou disso. Nunca, nem absorvi

nada disso. Não influenciou” (Rosa - mãe de Narciso).

Eu liguei e disse “vem aqui eu estou com um filho agora”, até ela (amiga) achou que era um gato [...] Daí ela disse assim, “ah, mas onde tu compraste?”, “não, estou falando de filho, filho” eu disse [...] e ela “como assim?”, “eu estou com um menino em casa”. Fazia quase um mês. Daí ela disse [...] “eu vou tentar mais uma vez, mas meu marido não quer nem saber”, eu disse “mas porque?”, “não, ele não quer saber, porque ele disse que não sabe de onde vem”, eu disse “olha, só vou te dizer uma coisa a minha mãe era adotada, foi adotada com oito anos, sabia tudo, e assim, era uma pessoa maravilhosa, assim, tudo que eu sei eu devo a ela [...]. (Orquídea - mãe de Hibisco). Ouvimos mais coisas negativas do que positivas “depois ele cresce e fica sabendo se revolta”, “vai para as drogas”. Isso tudo do imaginário, para mim não é assim, tudo está ligado com a criação. Isso machuca [...] (Orquídea Miltônia e Rosa Azul - pais de Jasmim).

Para essas participantes o preconceito não foi empecilho, pois tinham a

maturidade e respeito em relação à criança. Inclusive em algumas famílias tinham

histórias pessoais envolvendo a adoção. Nas palavras de Orlando Gomes (Direito de

Família), a adoção é o “ato jurídico pelo qual se estabelece, independentemente do

fato natural da procriação vínculo da filiação”. Essa concepção está em consonância

com o ECA, considerando os laços de ternura e afeição.

Contudo, o imaginário sociocultural valoriza a filiação biológica pela

“normalidade” da concepção, gestação e parto, infelizmente, subvaloriza a filiação

adotiva. Essa distorção desconsidera a adoção como uma possibilidade de

vinculação, legal e afetiva. A família adotiva que se constrói pela convivência, que

não depende da gestação ou da descendência de sangue para ser protetiva e

amorosa.

Outro aspecto que povoa a imaginação, no que se refere à adoção é a

condenação da mãe, sem considerar o contexto e a história de vida desta mulher.

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Essa idéia é enfatizada na fala da Orquídea (mãe de Hibisco) “A minha sogra que

sempre diz: ‘coitadinho, coitadinho’, eu digo ‘coitadinho por que?’ Ela responde

‘porque foi abandonado’”.

Motta (2005, p. 41) aborda essa questão sobre a correlação direta e estreita

entre abandono e adoção: O uso do terno “abandono”, livre de questionamentos, revela uma postura preconceituosa e paradoxal em relação à mãe biológica que “desiste” de criar seu filho. Sua aplicação é indiscriminada e escora-se em nossa ignorância em relação à mãe ou pais biológicos que entregam seus filhos em adoção, seus motivos e a diversidade de fatores presentes nessa entrega.

A autora revela como o termo “abandono” estigmatiza e, isso, pode induzir ao

segredo da adoção pelo medo da família com a reação e o sofrimento do filho. E a

própria fantasia da família que a criança se sinta rejeitada. Como na própria fala de

Girassol (mãe de Peróla Negra) “Ela é uma criança extremamente alegre nunca

acorda chorando, acorda rindo. Percebo que ela no início sentiu a rejeição que

viveu, demorou a rir por volta dos oito meses”.

De acordo com a Drª Shelley Taylor (2004, p. 23):

[...] Os genes definitivamente não são o nosso destino, pois o ambiente influencia bastante a maneira pela qual os genes se manifestarão. [...] Exemplos de crianças com risco genético hereditário que, entretanto, desenvolveram-se normalmente. Em cada caso, o zelo e a atenção, geralmente manifestados pela figura materna, impedem de emergir esse “risco” hereditário. É uma mensagem poderosa: os cuidados maternos são capazes de eliminar completamente a expressão de uma herança genética.

O ambiente acolhedor e afetuoso que é fortalecido pelos vínculos afetivos e

de afinidade, independentemente, dos laços sanguíneos, podem promover a

segurança e a proteção necessárias à criança. Com isso, favorecendo o seu

desenvolvimento biopsicossocial.

Na ótica de Girassol - mãe de Pérola Negra a adoção:

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É uma realidade da sociedade, antigamente por caminhos tortos retiravam da família acho que hoje a sociedade avançou, perante a justiça, para evitar problemas [...]. Passar pelo processo judicial é segurança. Adoção é doação, está dentro da gente, entendo que é uma coisa que vem de dentro, é disposição sentimental, questão de maternidade/paternidade, essa coisa de família institucional tem que ser enfrentada como a convivência dos primos sobre sua origem, da curiosidade.

Por todas essas razões, é de extrema importância que se realize uma ruptura

com essas práticas tão arraigadas culturalmente. Embora, as campanhas de

esclarecimento a respeito da adoção tenham ganhado mais destaque no rádio,

jornais e na televisão, persiste no imaginário sociocultural a idéia que a adoção

serve aos interesses dos adultos e como uma solução para a exclusão e

desigualdade social. Para os sujeitos da pesquisa faz-se necessário intensificar na

mídia a realidade da adoção associada como uma possibilidade de vinculação legal,

afetiva, a exemplo “A reportagem no Jornal RBS adote cachorrinho abandonado, me

indigno por que não incentivam a adoção nos meios de comunicação!” (Orquídea

Miltônia e Rosa Azul - pais de Jasmim).

Fica evidente, para esses sujeitos da pesquisa os motivos, pelos quais

realizaram a adoção não recaem, exclusivamente, sobre a pressão social, está

intimamente ligada à expectativa de exercer a maternidade e a paternidade e de

poder cuidar de uma criança.

Dessa forma observou-se que para além da pressão social, outro ponto,

considerado pelos sujeitos da pesquisa é o fator tempo.28 Para esses sujeitos a

gestação ocorreu de forma particular, desde o planejamento consciente, o

transcorrer dos trâmites jurídicos, o amadurecimento da impossibilidade de

alcançarem a gestação biológica, até recorrerem à adoção para compor ou

recompor a sua família. Esta compreensão pode ser percebida nas falas dos

sujeitos:

28 No entender de Maffesoli “o espírito do tempo se expressa na precipitação e na velocidade. Mas

uma velocidade que, em fim de corrida, por sua própria aceleração, apresenta uma certa forma de imobilidade. [...] Ao mesmo tempo esse cuidado com os bons momentos, não se orientando de forma alguma no sentido de uma finalidade a ser atingida, acentua, paradoxalmente, a própria idéia de caminhar. Um caminhar com uma sucessão de instantes intensos” (Ou o Eterno Instante. Michel MAFESSOLI, 2001, p. 121).

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Foi passando o tempo, eu não engravidava, e nisso se passaram três anos. A gente se inscreveu para adoção, aí a gente ficou quatro anos até vir o Jasmim. A gente aguardou quatro anos e está inscrito de novo, a gente sabe que não é um processo rápido (Rosa - mãe de Jasmim).

Davam depoimentos da demora do processo, tanto que não fiz grande enxoval [...]. A gente falava bastante, tem que fazer um quarto [...]. Só que a gente estava esperando que fosse demorar mais. E no fim ele veio muito rápido. Foi menos de um ano [...]. Daí fomos na Casa Aberta (abrigo), no outro dia ele já começou o processo de adaptação, nós íamos todos os dias lá ver Hibisco (Orquídea - mãe de Hibisco).

A gente já vinha conversando há muito tempo. Ficamos na expectativa. Surgiram algumas possibilidades de o Conselho Tutelar entrar em contato, mas não foram bem sucedidas e tal. Depois eu engravidei de novo e a gente continuou inscrito, aí eu perdi de novo. Aí bom não vamos mais tentar pelo método natural, então agora vamos só pra adoção (Margarida e Girassol - pais de Primavera).

“Não quis preencher lacuna, aguardei ‘dei um tempo’ quando senti que estava

bem, mentalmente preparada fui à procura” (Girassol - mãe de Perola Negra).

Conforme Magagnin (1992, p. 79) passando anos sem ter uma criança, o

espaço permanece fisicamente vazio, mas psicologicamente vem a ser preenchido

com a criança idealizada. O tempo contribui para que as famílias amadureçam a

perda da identidade paternal e maternal biológicas. Segundo Renne (1977), a

infertilidade, assim como a morte, é um momento de crise na família, e como tal

vivida e elaborada. Esse aspecto é pertinente na história de vida dos sujeitos da

pesquisa, pois os depoimentos revelam a dor da perda.

Nesse sentido, o fator tempo revelou que os sujeitos da pesquisa prepararam-

se para enfrentar as exigências do processo de adoção legal e para acolher a

criança. Esse tempo de espera passa a ser um ingrediente básico para que a mãe, o

pai e o filho estabeleçam vínculos e laços afetivos no cotidiano. Nesse contexto a

inclusão da criança e a relação de pertencimento com a família têm probabilidade de

transcorrer naturalmente dia-a-dia. Inclusive algumas famílias entrevistadas

partilharam que a vivência dessa gestação prolongada “Eu estou vendo uma criança

crescer e estou esperando uma outra que está vindo. Que dentro de um tempo vai

vir. Não sei quanto tempo vai levar”.

De acordo com a Psicóloga Maldonado (1989, p. 62-3):

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Por todos esses motivos, a elaboração da adoção costuma ser um processo penoso e prolongado na maioria das famílias. No entanto, todas essas dores e dificuldades fazem parte da construção do vínculo afetivo entre adotantes e adotados, desde o momento da gestação emocional da mulher e do homem que planejam uma adoção (- Eu esperei, desejei, escolhi essa filha, sou o pai dela mais do que tudo. Mesmo se um dia ela virar para mim e disser: - Você não é meu pai - eu vou dizer que sou, sim!).

É importante salientar que a entrevistada (Girassol mãe de Pérola Negra),

registrou a importância do fator tempo em relação ao processo de adoção:

Poderia ser uma família grande. Perdi três filhos homens: dois faleceram por afogamento, um faleceu por insuficiência renal. [...] Eu e o meu companheiro somos casados - 40 anos de união. [...] Já tinha essa vontade, poderia ter tido pensava na estrutura que precisava dar para os filhos, e fui incentivada pelos filhos, não posso dizer que foi a perda, pois protelei, não quis preencher lacuna, aguardei “dei um tempo” quando me senti que estava bem, mentalmente preparada fui à procura. Eu e meu marido conversamos que e a criança renovou tudo na gente.

Já Lya Luft ao falar das naturais dificuldades em lidar com qualquer perda:

primeiro não queremos perder; segundo, perder dói mesmo; terceiro, precisamos de

recursos internos para enfrentar tragédia e dor (2004, p. 139-140). Numa metáfora

com os sujeitos da pesquisa, se a flor é a vida de um jardim é da semente que cai

que brotam a esperança, transpondo para o processo de adoção a semente

simboliza o tempo e a flor a criança a ser adotada, o jardim a teia social que se

amplia com a chegada da criança.

É importante ressaltar que o fator tempo repercute na vida da criança que

aguarda num abriga o dia em que será acolhido e chamado de filho por um pai e

uma mãe. Visto que, as medidas de proteção reforçam o vínculo familiar como

primeiro e fundamental no desenvolvimento da criança e do adolescente. Nesse

sentido a destituição do poder familiar ocorrerá depois de esgotados os recursos que

visam o fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários. É impossível

estabelecer prazos, com isso a morosidade dos processos de adoção ou

infelizmente a criança cresce no abrigo à espera da reinserção familiar. Fato

mencionado pelo pai Rosa Azul na entrevista “O processo poderia ser menos

burocrático, até vi na TV que as crianças vão para o abrigo, pequenas e, por causa

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da burocracia crescem ali”.

Nesse contexto os obstáculos que contribuem para a morosidade do processo

de adoção podem ser atribuídos às lacunas na lei e, sobretudo pelo interesse dos

adotantes em relação aos bebês. Também, não raro pelo desconhecimento do

processo judicial que legitima a filiação adotiva e com a sentença se torna

irrevogável ou ainda pelos aspectos socioculturais mencionados no item anterior.

Com isso no próximo capitulo é abordado a adoção como uma das formas

alternativas para a efetivação do direito da criança e do adolescente a convivência

familiar e comunitária, pelo viés do Judiciário e do Serviço Social.

5.2 ADOÇÃO: DIREITO AO CONVÍVIO FAMILIAR E COMUNITÁRIO

O Estatuto da Criança e do Adolescente, defende e legitima que deve-se dar

prioridade à manutenção e ao fortalecimento dos laços familiares da criança. Nessa

perspectiva o ECA dispõe a adoção como uma medida excepcional. Então, faz-se

necessário e certo que cabe a todos encontrar alternativas de amparo e de afeto à

infância. Acontece que a adoção representa uma alternativa de convivência familiar

e comunitário, depois de esgotado os investimentos de retorno para a família de

origem.

Essa trama envolve a Família, a Sociedade e o Estado, nas quais cada um

deve assumir a responsabilidade para a garantia da proteção integral à infância. Se

de fato “adotassem” no sentido da etimologia da palavra “optassem, desejasse e

escolhessem” a criança como prioridade e trabalhassem de forma integrada.

O ECA significou um avanço em favor do direito das crianças e adolescentes,

mas na prática, vários segmentos da sociedade ainda não seguem as leis. Visto

que, algumas das famílias participantes da pesquisa expuseram que desconhecem a

legislação para esse segmento, a exemplo: “Não conhecemos a legislação que rege

a adoção. Dos direitos da criança já ouvi falar alguma coisa” (Rosa - mãe de

Narciso); A Orquídea Miltônia - mãe de Jasmim “Na verdade eu não conheço”.

A questão do conhecimento dos direitos e da lei há casos em que o trabalho

dos pais exige um aprofundamento sobre o tema, como confirmam dos depoimentos

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a seguir: “Sim porque sou professora, sempre lidei com criança, isso eu tenho

claríssimo para mim, lido há 20 anos (Girassol - mãe de Perola Negra). Eu já conheço mais, pois lido, mais diretamente com isso. A questão do lado legal da adoção do momento que abriu (família de origem) mão é para a vida toda [...]. Não tem mais como chegar ah é meu eu quero [...]. Esse lado eu me preocupei mais com isso, aquela coisa legal de sair pela porta da frente do Hospital (Rosa Azul - pai de Jasmim). Sim, no momento em que a gente decidiu, a gente começou [...]. Eu já tinha algum conhecimento até pelo meu trabalho, por ter trabalhado como Assistente Social na Casa Aberta (abrigo). Participei de alguns processos de adoção, mas como profissional. Como mãe é diferente, tu tens algumas inseguranças, tive que estudar sobre isso, conversei com pessoas que já tinham participado desse processo. Então a gente procurou buscar todos subsídios para ter segurança, claro até a gente ter a Audiência foi um momento de muita ansiedade (Margarida e Girassol - pais de Primavera).

Esses dados confirmam que é necessária a ampliação da discussão e do

nível de reflexão sobre o processo de adoção como uma alternativa de convivência

familiar e comunitária. A falta de informação sobre a adoção e os direitos de

proteção integral à infância podem impedir que pessoas interessadas ingressem

com o pedido de adoção. Por isso a adoção tem sido objeto de campanhas de

conscientização a fim de desmistificar as idéias distorcidas, tais como os critérios

para os pretendentes; a sombra dos pais biológicos; o medo da herança genética

entre outras tantas.

Nota-se que no âmbito do Poder Judiciário é de suma importância o

fornecimento de esclarecimentos de dúvidas, bem como representa a oportunidade

de publicizar aos pretendentes à adoção sobre os procedimentos, trâmites legais e

a legislação específica à infância. Inclusive, isso contribui para que o adotante e a

criança possam investir numa relação afetiva, a exemplo “Hoje a sociedade

avançou, perante a justiça, para evitar problemas, evitando vexames para a família.

Passar pelo processo judicial é segurança” (Girassol, mãe de Perola Negra).

Visto que, o primeiro passo que a pessoa dá é em direção ao Fórum quando

decide adotar. Depois de encaminhado a documentação à pessoa dá o passo

seguinte ao comparecer nas entrevistas junto à equipe de profissionais da área

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judiciária. E o terceiro passo é aguardar a decisão judicial, bem como constar na

lista de espera como habilitado e do encontro com a criança numa aproximação

gradativa. Nas palavras de Paulo Freire: “o caminho se faz caminhando”. Esse

passo a passo na caminhada é o que aproxima adotantes e crianças a serem

adotadas para a materialização da adoção.

Na fala dos sujeitos da pesquisa observou-se esse percurso de quem decide

adotar, como segue: “Então a gente foi no fórum, fizemos toda a ficha, tivemos a

visita da assistente social, depois a gente foi fazer a entrevista [...]. (Orquídea

Miltônia e Rosa Azul - pais de Jasmim).

“A gente a adotou e entramos com pedido judicial em seguida e daí o próprio

advogado encaminhou tudo. A mãe registrou no nome dela e depois a gente

recebeu a certidão no nosso sobrenome, agora que o processo judicial foi concluído”

(Girassol - mãe de Perola Negra).

“A gente estava habilitado, já tinha feito entrevista e visita tudo e daí depois foi

via Fórum, a gente pegou advogado que fez tudo e tivemos essa audiência. Temos

a guarda definitiva. Foi oito meses entre a provisória e a definitiva” (Margarida e

Girassol pais de Primavera).

Esses trâmites legais têm o objetivo de garantir a preservação dos

verdadeiros interesses da criança e do adolescente previsto em lei. Bem como, o

acompanhamento da equipe psicosocial que subsidia o Juiz quanto as reais

motivações e se o pretendente é a pessoa mais indicada para a adoção. Outro

aspecto relevante refere-se ao caráter irrevogável da adoção, então o

acompanhamento em cada etapa desse processo visa evitar possíveis rupturas por

dificuldade de convivência entre os pais e o filho adotivo. O rigor no processo de

adoção é no sentido de evitar que a criança fique em risco; que a mãe entregue seu

filho sem estar informada e assistida; evitar o crime de tráfico de crianças.

Nesse sentido, o Serviço Social no âmbito do Poder Judiciário, corrobora para

as decisões judiciais no processo de adoção. Na atuação do Serviço Social no

campo jurídico, o assistente social por meio de seu saber, é demandado, na

interface com as ciências jurídicas, a aportar conhecimento especializado para

subsidiar os mais diversos procedimentos jurídicos e as decisões (CHUAIRI, 2001).

Isso se confirma no relato das famílias entrevistadas, a exemplo: “Teve a

visita da Assistente Social aqui em casa para ver as condições da família, da casa,

para todo o acompanhamento” (Rosa - mãe de Narciso). Reforçada pelo depoimento

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de outra família participante “Faz uns três meses atrás veio a assistente social, aqui.

Mas graças a Deus nunca tive problema, ele é maravilhoso. Tudo que a gente fala

ele entende” (Orquídea Miltônia e Rosa Azul - pais de Jasmim).

Esse processo se dá conforme Türck (2002) através de uma escuta em que o

sujeito está voltado ao seu interlocutor para compreendê-lo não só intelectual como

afetivamente. Essa dinâmica revelou-se na fala da Rosa - mãe de Narciso “Isso foi

indicado pelo Serviço Social (diálogo sobre a origem do filho). A Assistente Social

me falou que eu conte quando ele dorme”. A assistente social percebeu que os pais

adotivos desejavam introduzir o tema da adoção desde o começo da relação afetiva

com o filho, então lhes mostrou formas alternativas.

De acordo com Rodrigues (2006, p. 59):

A intervenção29 profissional no campo sociojurídico ocorre em instâncias diversas e por meio de ações planejadas e instrumentais técnicos utilizados historicamente pelo Serviço Social, destaca-se como um processo dinâmico, com tentativas de democratização e abertura para a atuação interdisciplinar.

Atuação interdisciplinar que transcende o espaço sócio jurídico, envolve a

rede socioassistencial, conforme a fala da família “A Assistente Social ligou e disse

tem um bebê para vocês conhecerem, estávamos trabalhando daí foi uma

choradeira, gamamos na 1ª vez. Foi a Assistente Social do Hospital que ligou para

gente e ela soube pelo Serviço Social do Fórum” (Orquídea Miltônia e Rosa Azul -

pais de Jasmim).

Segundo Türck (2001, p. 49) afirma que: Daí a necessidade da conexão dos recursos sociais governamentais em rede social de apoio. A finalidade é buscar também a articulação da família em rede afetiva, entendida aqui como o espaço de pertencimento e de continente, capaz de garantir o necessário para o desenvolvimento sadio de seus integrantes, muito além dos laços consangüíneos. Só assim é possível

29 Rodrigues (1993) a intervenção é uma ação pela qual o profissional interfere nas relações de

outrem (usuários), por meio de técnicas, estratégias e habilidades específicas inerentes à profissão, com a finalidade de dar assistência ao problema que se pretende resolver. É um trabalho sistemático que envolve pessoas problemas que precisam ser resolvidas. Se caracteriza por sua ética e por exigências básicas de caráter operacional. Uma ação estudada, planejada e constantemente avaliada.

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reconstruir as relações familiares dentro do espaço relacional, evitando situações de risco pessoal e social e de conflito com a lei que suas crianças e/ou adolescentes vivenciam. O movimento é concomitante à responsabilização comunitária na execução de políticas de atendimento às demandas sociais.

Para tanto, o assistente social nesse processo com base no funcionamento

dos cadastros de adoção verificam a situação legal da criança; o perfil da criança

desejada e buscam a maior compatibilidade com o cadastro de pretendentes

favorecendo a construção de vínculos afetivos. A importância do Serviço Social na

adoção é reforçar a importância da família na construção da identidade da criança

quanto cidadão na vivência tanto de pertencimento, quanto de individualização. Sem

deixar passar desapercebido no processo de avaliação se o espaço é acolhedor

para o filho crescer, sonhar, vencer, aprender, errar e, principalmente, sentir-se

membro da família e da comunidade.

As assistentes sociais do Fórum de São Leopoldo/RS se inserem na rede de

saúde, assistência social, educação, moradia para solidificar a política de

atendimento a crianças e adolescentes em risco social e pessoal. Essa integração

potencializa sua ação, bem como está em sintonia com o que dita o ECA no que se

refere à defesa do direito à convivência familiar e comunitária. Visto que, defesa do

direito à convivência familiar e comunitária depende do desenvolvimento de ações

intersetoriais, amplas e coordenadas que envolvam todos os níveis de proteção

social.

De acordo com Faleiros (1999, p. 25):

Na intervenção de redes, o profissional não se vê nem impotente nem onipotente, mas como sujeito inserido nas relações sociais para fortalecer, a partir das questões históricas do sujeito e das suas relações particulares, as relações destes mesmos sujeitos para ampliação de seu poder, saber e de seus capitais. Trata-se de uma teoria relacional do poder, de uma teoria relacional de construção da trajetória.

Então o papel do Serviço Social no âmbito do judiciário no que se refere à

adoção volta-se a escuta do usuário sobre sua história, não raro, de perdas ao

lidarem com o luto da impossibilidade de gerarem o filho biológico, do falecimento do

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filho biológico; da crise pessoal ou conjugal; da ansiedade na espera da criança a

ser adotada. Por outro lado o amadurecimento do processo de adoção, a partir de

esclarecimento de dúvidas, da compreensão da maternidade/paternidade construída

na convivência e pelos vínculos, entre outros aspectos.

Assim, o assistente social que atua na área do judiciário, tem uma

oportunidade concreta de contribuir para uma nova cultura de adoção. Visto que

junto à equipe interdisciplinar desenvolve entrevistas, grupos, visitas domiciliares

para garantir o direito à convivência familiar e comunitária de crianças e

adolescentes. No tear da adoção afeto à vida, por um lado o assistente social pode

ser o elo que une a criança na família de origem, caso necessário mobilizar a rede

para garantir o convívio familiar e comunitário. De outro lado quando inviabilizada a

reinserção o profissional tece os fios que se entrelaçam para a configuração de uma

nova família.

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6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Longe de esgotar o assunto proposto nesta dissertação, tendo em mente o

objetivo que norteou a pesquisa analisa a articulação das dimensões sociocultural e

emocional nos processos de adoção realizadas na Vara da Infância e Juventude de

São Leopoldo.

Verificou-se para esses sujeitos participantes da pesquisa o processo de

adoção é o eixo central da paternidade e da maternidade, pois a troca afetiva e os

vínculos amorosos são vitais. Outra vivência significativa é representada pelo

processo de díade “marido/esposa” numa dinâmica e a chegada do filho torna-se

uma tríade “pai/mãe/filho”. Essa dinâmica difere-se da gestação de até nove meses,

pois os pretendentes à adoção aguardam pela chegada do filho sem saber ao certo

quando vão chegar, mas desejam gestações a gestações em que o colo, o abraço, o

choro, a mamadeira, os cuidados, os brinquedos espalhados vão acontecer na sua

vida.

A morosidade da adoção de um lado favorece o amadurecimento da decisão,

a elaboração dos sentimentos que levam a adotar e, principalmente elaborar a

concepção dessa família no que se refere aos novos papeis e responsabilidades. Do

outro lado o sentimento do adotante é revelada do espaço vazio, o filho é sentido

com uma falta e do desejo de complementar sua teia, questões que podem

conspirar para que outras formas alternativas sejam realizadas, a exemplo da

adoção à brasileira.

Outra constatação é a predisposição à segunda adoção, a partir da vivência

com o filho adotivo. Também, não raro a revelação que a adoção estava no projeto

de vida, mesmo que tivessem um filho biológico. Na maioria das famílias há uma

experiência de adoção que contribui para o entendimento da adoção como

vinculação, legal e afetiva entre pais e filhos. A medida que os vínculos afetivos vão

dando forma a teia a vida do humano vai adquirindo novos sentidos, inclusive de

cuidado de si para o cuidado com o outro.

É perceptível o envolvimento da criança com os pais e isso faz com que

naturalmente crie-se um processo de identificação, seja nos hábitos, afinidades e na

busca de traços físicos que se assemelhem a família. Outro aspecto relevante é a

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maturidade com o qual os pais lidam com a família de origem e sobre formas

alternativas de introduzir a questão na vida da criança (lendo histórias infantis,

desenhos que tratam do tema e no momento do sono - momentos de revelação da

sua identidade). Isso faz parte do cuidado, do zelo e do respeito com a história da

criança.

Embora com os avanços da lei que prioriza os interesses da criança e

adolescente e até mesmo da intensificação de campanhas de conscientização os

aspectos socioculturais ressurgem e fere a família por subvalorizar a filiação adotiva,

ao fantasiar que a criança cedo ou tarde se rebelará, a família de origem bater na

porta entre tantas outras. Na verdade o que está em questionamento é como a

sociedade lida com o diferente da “normalidade” da concepção, gestação e parto.

Numa dinâmica que há o encontro de pessoas que se unem sem obrigação

biológica, mas baseado na escolha em assumir a paternidade/maternidade de uma

criança.

Nisso tudo, constatou-se que a preparação e acompanhamento são

essenciais para contribuir numa adoção mútua e recíproca. Inclusive da importância

do Serviço Social no processo de adoção, confirmado pelos depoimentos das

famílias. O Serviço Social se integra na rede social da família, tanto que depois de

materializada a adoção, a grande maioria retorna ao Fórum para levar o filho,

partilhar o desenvolvimento da criança e mostrar fotos de momentos significativos

em família, tais como os aniversários.

As assistentes sociais do Fórum de São Leopoldo recorrem a rede

socioassistencial para garantir direitos à família de origem, incentivando o

pertencimento como preconiza o ECA. No entanto, faz-se necessário investir em

grupos de apoio e incentivo à adoção no Município, pois se percebeu que as famílias

têm necessidade de partilhar seus sentimentos e sua experiência da adoção. Essa

proposta, inclusive, surgiu numa entrevista na pesquisa de campo, caracterizou-se

mais num convite para a criação e legitimação desse espaço com o objetivo de

ampliar a discussão e o nível de reflexão em relação à adoção.

Na prática o grupo de discussão e esclarecimento sobre a adoção é

necessário para o apoio aos pretendentes, aos adotantes e de publicização para

todos segmentos da sociedade. No entanto para essa idéia tornar-se uma realidade

faz-se necessário buscar a participação da rede de serviços de entidades

governamentais e não-governamentais e, principalmente, a inclusão de pessoas

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solteiras, viúvas, homossexuais, idosos, pessoas com modestas condições

econômicas que desejam adotar. Nesse sentido a contribuição dessa dissertação

para despertar que as concepções sobre a adoção são permeadas de preconceitos

e estereótipos que perpetuam a intolerância.

No momento em que a adoção se concretiza pelo viés de primazia dos

interesses da criança, no desejo de ser pai e mãe, o âmbito familiar e social é

acolhedor, há valorização dos vínculos afetivos e de afinidade e uma escuta respeitosa

para a família de origem - a adoção representa uma forma alternativa “de fato” depois

de esgotado as tentativas de manutenção da criança com a família de origem. Trata-se

de uma família, real, intensa, verdadeira, não ilegítima, falsa ou irreal, mas família para

àqueles que correm o risco de ficarem “esquecidos” no abrigo.

Confirmou-se nesta pesquisa de campo a preferência dos adotantes por

crianças recém-nascidas, respeita-se essa escolha pelos vínculos, pelos cuidados e

pelo fortalecimento dos laços entre o filho e os pais. No entanto, a grande dificuldade

de conciliar o perfil das crianças a serem adotadas e as crianças desejadas. Visto

que, há uma resistência em adotar crianças acima de dois, três anos de idade. Isso

está relacionado com o tempo de amadurecimento dos pais para a adaptação, a

angústia da rejeição e da revelação da adoção. Na verdade trata-se de uma adoção

tardia que envolve a adoção mútua da criança com seus pais e vice-versa.

Também, faz-se necessário o trabalho integrado entre os serviços que se

voltam ao atendimento de crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade.

Não raro, os serviços da organização governamentais e não governamentais

atendem a mesma situação familiar o que dificulta um atendimento mais efetivo, pois

não há comunicação entre esses profissionais. Nisso a importância de um sistema

de informações integrado que servisse como o fio condutor para o atendimento da

família, da criança viabilizando buscar recursos para o seu fortalecimento e sua

organização.

Por fim, a adoção é um processo complexo, subjetivo e singular na família. A

sinceridade, o respeito, o afeto, o amor, a proteção que nutrem os relacionamentos

humanos, no caso da adoção é fundamental para que a convivência assegure um

ambiente acolhedor à criança. A adoção é um jeito diferente de nascer uma família.

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APÊNDICES

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APÊNDICE A - Termo de consentimento informado e esclarecido

Pesquisa de Mestrado: A Cultura Social da Adoção Infantil

Famílias adotivas indicadas pelo Serviço Social do Poder Judiciário da

Comarca de São Leopoldo//RS

Informações Referentes à Pesquisa:

O estudo investigativo sobre as Políticas Sociais é parte integrante do Curso

de Mestrado do Programa de Pós-Graduação de Serviço Social da Pontifícia

Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS, com sede em Porto Alegre.

Destaca-se que a presente pesquisa tem por objetivo geral: “Investigar a

cultura social da adoção infantil, bem como os reflexos na família/adotante” a fim de

contribuir para a compreensão do processo de adoção enquanto proteção ao direito

da criança a viver em família.

Para realização da coleta de dados, será utilizado formulário, que respaldará

a entrevista junto às famílias/adotantes. A entrevista será transcrita; realizada no

município, em local de melhor conveniência para o entrevistado, com duração

prevista de no máximo uma hora e trinta minutos, quando necessário ocorrerá novo

encontro, previamente agendado.

O conteúdo das entrevistas receberá tratamento fidedigno, quando de sua

análise, bem como será garantido o anonimato do(a) entrevistado(a), tanto em

apresentação oral quanto escrita, que venha a ser publicado. Registra-se ainda, que

o resultado final da pesquisa, será socializado com todos os participantes, de forma

a garantir o retorno do estudo realizado, apresentando possíveis contribuições para

a defesa de direito da criança a convivência familiar.

A participação nesta pesquisa não oferece nenhum risco/prejuízo, nem

beneficio direto de qualquer natureza à pessoa entrevistada. Estando garantida ao

(a) participante a liberdade, de em qualquer fase da pesquisa, a abandoná-la, sem

qualquer prejuízo para si.

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Na condição de pesquisadora, eu, ÂNGELA MARIA PEREIRA DA SILVA,

assistente social, especialista em gestão do capital humano, mestranda em serviço

social, sob a orientação da Professora Dra. Gleny Guimarães, coordenadora do

Núcleo de Estudos e Pesquisa em Políticas Sociais e Processo de Trabalho do

Assistente Social, pertencente ao Programa de Pós-Graduação em Serviço Social

da PUCRS, comprometo-me em oferecer quaisquer esclarecimentos no momento da

pesquisa ou posterior a mesma, pelos telefone: (51) 92364052 ou (051) 3320-3500

ramal 4113, ou ainda, através do Comitê de Ética em Pesquisa da PUCRS, pelo

fone (051) 33203345..

Por estar devidamente informado(a) e esclarecido(a) de todos os aspectos

desta pesquisa, eu, _______________________________, concordo em participar

desta pesquisa e, declaro ter recebido cópia do presente termo de consentimento.

Assinatura do Participante - família/adotiva

Assinatura da Pesquisadora - Ângela Maria Pereira da Silva

Porto Alegre, ______/______ de 2007.

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APÊNDICE B - Instrumento de entrevista (formulário)

Identificação do sujeito Nome:

Idade:

Escolaridade:

Composição familiar:

Profissão:

Quetões da Pesquisa 1) O que levou a opção pela adoção?

2) Em que ano foi realizada a adoção?

3) Como foi que se deu o processo de adoção?

4) A opção foi de ambas as partes (casal)? (Conforme resposta - Questionar

quem tinha mais motivação)

5) Como preparou-se para tornar-se candidata(o) a adoção?

6) Quais sentimentos vinculados a adoção?

7) Como tratam a questão da família de origem da criança?

8) O que pensa sobre a adoção?

9) Como a família, amigos reagiram com a notícia da adoção?

10) Houve influencia por parte da família, amigos quanto a adoção?

11) Como é a socialização na sua rede quanto a adoção?

12) Em que momento familiares, amigos, rede social, foram informados sobre

a adoção?

13) Como será tratada a questão da adoção com a criança?

14) A possibilidade da criança ter problemas/trauma pela rejeição da família

de origem é considerada?

15) As conseqüências da questão biológica/genética da criança são

consideradas?

16) A história pregressa da criança foi investigada?

17) Houve algum momento que marcou esse período?

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18) Existe reconhecimento em relação aos direitos e a legislação voltada a

adoção?

19) Que trâmites jurídicos ocorreram durante o processo de adoção?

20) Qual a avaliação do estágio de convivência?

21) Como foi/é construída a relação afetiva estabelecida com a criança?

22) Uma avaliação sobre a cultura de adoção no país?

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ANEXOS

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ANEXO A - Guia da Adoção - Jornal Zero Hora

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