FABRETTI, Lígia Maria - Representação Da Escrita Feminina Na Literatura Juvenil Contemporânea,...
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7172019 FABRETTI Liacutegia Maria - Representaccedilatildeo Da Escrita Feminina Na Literatura Juvenil Contemporacircnea Uma Leitura de Alice No Espelho
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SIMPOacuteSIO 3 Narrativas juvenis
REPRESENTACcedilAtildeO DA ESCRITA FEMININA NA LITERATURA JUVENIL
CONTEMPORAcircNEA UMA LEITURA DE ALICE NO ESPELHO
Liacutegia Maria Fabretti (PG UEM)
ResumoO trabalho proposto pretende fazer uma leitura da narrativa juvenil Alice no espelho (2005)de Laura Bergallo (2005) analisando a subversatildeo da personagem feminina Alice em relaccedilatildeoao script social Sendo assim procurar-se-aacute mostrar duas visotildees diferentes de mundo o da
mulher-objeto personagem de Alice submissa aos padrotildees de beleza vigentes com os damulher-sujeito personagem de Ecila pouco disposta a aceitar tacitamente uma identidadeimposta pela cultura patriarcal Para a anaacutelise utilizaremos como aporte teoacuterico a TeoriaCriacutetica Feminista e textos acerca da discussatildeo de gecircnero e identidade O presente trabalhoresulta de discussotildees teoacutericas na disciplina de poacutes-graduaccedilatildeo Literatura de autoria feminina econstruccedilatildeo de identidades ministrada na Universidade Estadual de Maringaacute pela professoraLuacutecia ZolinPalavras-chave Literatura de autoria feminina Literatura juvenil Alice no Espelho
ldquoMeu corpo natildeo meu agentemeu envelope selado
meu revoacutelver de assustartornou-se meu carcereirome sabe mais que me seirdquo
Carlos Drummond de Andrade
1 Consideraccedilotildees iniciais
Satildeo com esses versos primeiros presentes na dedicatoacuteria do livro juvenil Alice
no espelho (2005) que a autora Laura Bergalho adentra no universo literaacuterio juvenil Aescritora nessa narrativa aborda pontos importantes e ao mesmo tempo problemaacuteticos no
que se refere a este universo Assim encontramos no ato da leitura um mundo repleto de
incertezas duacutevidas sonhos anseios enfim a busca contiacutenua pela proacutepria identidade da
personagem
Este livro de autoria feminina publicado no ano de 2005 pela editora SM
ganhou o Precircmio Jabuti na categoria de melhor livro juvenil em 2007 aleacutem de ter sido
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selecionado para participar do Cataacutelogo da Fundaccedilatildeo Nacional do Livro Infantil e Juvenil
(FNLIJ) na Feira de Bolonha (44th Bologna Childrenrsquos Book Fair )
Ilustrado por Edith Derdyk a temaacutetica apresentada no livro voltado
principalmente ao puacuteblico juvenil feminino trata a respeito do culto excessivo em relaccedilatildeo ao
proacuteprio corpo caracteriacutestico de preacute-adolescentes e adolescentes do sexo feminino e dilema da
personagem principal da narrativa Esse conflito vivido por Alice suscitou-nos
questionamentos no que diz respeito agraves relaccedilotildees de poder existentes em nossa sociedade tal
como a opressatildeo da mulher hierarquicamente e ideologicamente perpetuadas e que
corroboram para manter uma sociedade permeada por valores patriarcais e falocecircntricosUma vertente dos escritos de autoria feminina contemporacircnea por sua vez
notando criticamente essas implicaccedilotildees praacuteticas desse discurso machista socialmente
circulado procura problematizar em suas obras temas recorrentes e ainda presentes em nossa
sociedade Percebemos essa conscientizaccedilatildeo neste livro de Bergalho cuja problematizaccedilatildeo
ocorre em torno de duas doenccedilas relacionadas aos transtornos alimentares oriundos nesse
caso da visatildeo distorcida da proacutepria imagem a anorexia e a bulimia
Um estudo presente nas paacuteginas finais do livro revela-nos dados estatiacutesticosreferentes agrave anorexia que na aacuterea meacutedica estaacute associada tambeacutem agrave doenccedila denominada
bulimia Segundo a pesquisa no Brasil a anorexia ldquoatinge 05 da populaccedilatildeo feminina
mundialrdquo e ldquopelo menos 95 dos casos ocorrem em mulheresrdquo Outro dado importante eacute que
ldquoa faixa etaacuteria mais atingida eacute entre 14 e 18 anosrdquo ou seja a idade correspondente agrave
adolescecircncia Outro dado assustador refere-se agraves consequumlecircncias da doenccedila pois ldquo10 e 20
morrem em consequumlecircncia de inaniccedilatildeo parada cardiacuteaca ou suiciacutedio (associado agrave depressatildeo)rdquo
Nesse sentido este artigo proveniente de discussotildees na disciplina de poacutes-graduaccedilatildeo Literatura de autoria feminina e construccedilatildeo de identidades ministrada na
Universidade Estadual de Maringaacute pela professora Luacutecia Zolin e parte constitutiva de criteacuterio
avaliativo pretende fazer uma leitura da narrativa juvenil de autoria feminina Alice no
espelho (2005) analisando a subversatildeo da personagem feminina em relaccedilatildeo ao script social
ou seja buscar mostrar e contrapor duas visotildees diferentes de mundo o da mulher-objeto
personagem Alice submissa aos padrotildees de beleza vigentes com os da mulher-sujeito
personagem Ecila pouco disposta a aceitar tacitamente uma identidade imposta pela cultura
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patriarcal Para a anaacutelise utilizando como aporte teoacuterico a Teoria Criacutetica Feminista e textos
acerca da discussatildeo de gecircnero e identidade
2 Uma leitura de Alice no Espelho sob a perspectiva teoacuterica
Estruturalmente o livro Alice no espelho (2005) eacute composto por 176 paacuteginas e
dividido proporcionalmente em 30 capiacutetulos No entanto os dois uacuteltimos capiacutetulos satildeo notas e
explicaccedilotildees do narrador a respeito dos distuacuterbios alimentares Na dedicatoacuteria do livro nos
deparamos com a epiacutegrafe do escritor Carlos Drummond de Andrade e uma homenagem agraveCharles Beaumont e John Tomerlin que segundo a autora anteciparam a criacutetica agrave insensatez
da ditadura esteacutetica na histoacuteria ldquo Number twelve looks just like yourdquo Aleacutem desses autores
Bergalho oferece o livro ao escritor britacircnico Lewis Carrol que mostrou a beleza de ser
diferente Nitidamente esse texto dialoga com dois outros deste escritor Alice atraveacutes do
espelho e Alice no Paiacutes das Maravilhas
Alice no espelho (2005) contada sob a perspectiva de um narrador
heterodiegeacutetico narra a histoacuteria de Alice uma adolescente de 15 anos que sofre de anorexia ebulimia Alice mora com sua avoacute e sua matildee Quando ainda era pequena seu pais se
divorciaram e o pai constituiu outra famiacutelia A matildee de Alice pelo que a narrativa indica
nunca permitiu a aproximaccedilatildeo de pai e filha fazendo com que Alice desenvolvesse um grande
sentimento de abandono Logo no iniacutecio da narrativa a personagem comeccedila mostrar indiacutecios
de seu transtorno alimentar e sua visatildeo distorcida do proacuteprio corpo evita comer e quando
come provoca o proacuteprio vocircmito exagera na praacutetica de exerciacutecios e comeccedila se distanciar do
restante das pessoas A personagem comeccedila a sentir fraquezas e tonturas com frequumlecircncia e umdia entra em coma Em seu coma Alice se imagina entrando no espelho e descobrindo um
novo mundo o mundo de Ecila No mundo dentro do espelho Alice se depara com pessoas
que ela sempre sonhou ser lindas e magras Embora Alice se identifique com esse mundo ela
precisaraacute ajudar sua amiga Ecila tambeacutem chamada de ldquoGordardquo a fugir dessa padronizaccedilatildeo
Para nossa anaacutelise tomamos como foco essas duas personagens principais
compostas por identidades contraditoacuterias Alice e Ecila Por meio da simbologia existente nos
nomes jaacute percebemos que ambas as personagens satildeo construiacutedas de maneira completamente
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oposta Ao lermos ldquoEcilardquo de traacutes para frente temos o nome ldquoAlicerdquo Isso nos indica que
Ecila aleacutem de ser o reflexo que Alice vecirc no espelho (fruto de uma visatildeo distorcida) torna-se
tambeacutem uma personagem com caracteriacutesticas proacuteprias e ideologicamente contraacuterias aos
valores que Alice considera importantes como por exemplo o culto excessivo ao proacuteprio
corpo
Embora diferentes as personagens estatildeo inseridas em uma mesma sociedade
contemporacircnea denominada moderna Natildeo entraremos para fins didaacuteticos na discussatildeo de
modernidade e poacutes-modernidade que natildeo abrangeria este artigo O importante eacute entendermos
o conceito de identidade fragmentada para entendermos melhor o posicionamento de Alice eEcila
De acordo com Hall (2005) a sociedade moderna estaacute em contiacutenua
transformaccedilatildeo juntamente com a visatildeo que as ciecircncias adotam em relaccedilatildeo agrave postura do
indiviacuteduo Indiviacuteduo este como parte constitutiva dessa mudanccedila Ao discutir a questatildeo da
identidade o autor afirma que ldquoas velhas identidades que por tanto tempo estabilizaram o
mundo social estatildeo em decliacutenio fazendo surgir novas identidades e fragmentando o
indiviacuteduo moderno ateacute aqui visto como um sujeito unificadordquo (p7)
Esse novo entendimento do que estaria se tornando o sujeito leva o autor a
constatar que as identidades modernas estatildeo deslocadas ou fragmentadas Para Hall pensar
em um sujeito cuja individualidade seja una correspondente somente a uma classe poderia
levar-nos agrave falaacutecia O indiviacuteduo social antes soacutelido agora estaacute em constante transformaccedilatildeo
Essa mudanccedila estrutural na sociedade estaria ldquomudando nossas identidades pessoais abalando
a ideacuteia que temos de noacutes proacuteprios como sujeitos integradosrdquo (p 9) ou seja sujeitos
pertencentes a uma determinada classeNa narrativa de Bergalho temos a personagem Alice em busca de uma uacutenica
identidade (se isso fosse possiacutevel) ou seja uma identidade unificada em que ela se sentisse
pertencente a uma determinada classe dos indiviacuteduos magros Diferentemente temos o
posicionamento da personagem ldquoGordardquo que no mundo em que as pessoas possuem a mesma
identidade ela como uma forma de resistecircncia busca a sua proacutepria pensando diferente dos
demais
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Metaforicamente podemos associar a transformaccedilatildeo que Hall (2005) cita com
o processo de ldquotransformaccedilatildeordquo que ocorre no livro Vejamos No mundo de Ecila todos os
adolescentes no aniversaacuterio de dezesseis anos satildeo obrigados a passarem por um ato ciruacutergico
denominado ldquotransformaccedilatildeordquo Nesse procedimento o adolescente escolhe o modelo de
beleza que gostaria de ser A ironia preside na existecircncia de poucos modelos existentes
portanto fatalmente as pessoas existentes nesse mundo satildeo completamente padronizadas
Notamos assim uma sociedade com transformaccedilatildeo inversa se pensarmos em Hall uma
sociedade em que todos os indiviacuteduos necessitam serem iguais
O sujeito moderno segundo o teoacuterico pode ser composto de inuacutemerasidentidades ldquoalgumas vezes contraditoacuterias ou natildeo resolvidasrdquo (p12) pois para o autor ldquosomos
confrontados por uma multiplicidade desconcertante e cambiante de identidades possiacuteveis
com cada uma das quais poderiacuteamos nos identificar ndash ao menos temporariamenterdquo (p13) No
universo dentro do espelho essa multiplicidade eacute anulada As pessoas satildeo obrigadas a
mudarem sua aparecircncia fiacutesica e a optarem por um modelo para o resto da vida e aquelas que
se recusam satildeo exiladas e taxadas como ldquoloucasrdquo Ecila natildeo se importa com essa
discriminaccedilatildeo e adota uma postura perante essa sociedade padronizada como primeira opccedilatildeoalmeja a fuga quando essa se torna impossiacutevel busca na leitura de Alice no paiacutes das
maravilhas outra forma de ver o mundo
O posicionamento de Alice eacute o oposto Ela natildeo entende por que a amiga se
recusa a transformar-se a tornar-se bela e perfeita bons atributos na sua visatildeo distorcida No
entanto a transformaccedilatildeo natildeo fica apenas no acircmbito da aparecircncia a mudanccedila ocorre tambeacutem
na essecircncia do indiviacuteduo Isso eacute percebido em um diaacutelogo entre Alice e Ecila Ao questionar
Ecila sobre o motivo da recusa Alice pergunta ldquo- Mas por que vocecirc vai recusar Atransformaccedilatildeo natildeo eacute uma coisa boa Natildeo deixa as pessoas bonitasrdquo e Ecila responde ldquo -
Deixa as pessoas monotonamente iguais de corpo e almardquo (BERGALHO p79)
Dialogando com Hall (2005) Lauretis (1994) ao discutir a noccedilatildeo de gecircnero e o
posicionamento do sujeito feminino nessa nova percepccedilatildeo da realidade trabalha com a
concepccedilatildeo de sujeito muacuteltiplo ou seja
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um sujeito constituiacutedo no gecircnero sem duacutevida mas natildeo apenas pela diferenccedila sexual
e sim por meio de coacutedigos linguumliacutesticos e representaccedilotildees culturais um sujeitoacuteengedradorsquo natildeo soacute na experiecircncia de relaccedilotildees de sexo mas tambeacutem nas de raccedila eclasse um sujeito portanto muacuteltiplo em vez de uacutenico e contraditoacuterio em vez desimplesmente dividido (LAURETIS 1994 p204)
Alice por mais que natildeo se reconheccedila como portadora de inuacutemeras identidades
pode ser considerada com essa pluralizaccedilatildeo eacute mulher mas natildeo apenas uma mulher Dentro
desse gecircnero eacute mulher adolescente com todos os seus medos anseios e sonhos eacute filha neta
aluna E a todo o momento na narrativa Ecila tenta mostrar para a amiga essa multiplicidade
embora ela soacute se identifique com um modelo o de Mirna LeeA noccedilatildeo de sujeito constituiacutedo no gecircnero proposto acima por Lauretis (1994) e
discutido pela Teoria Criacutetica Feminista natildeo deixa de considerar o contexto histoacuterico e
poliacutetico em que o termo gecircnero eacute utilizado Cito Butler
o gecircnero nem sempre se constitui de maneira coerente ou consistente nos diferentescontextos histoacutericos e porque o gecircnero estabelece interseccedilotildees com modalidadesraciais classistas eacutetnicas sexuais e regionais de identidades discursivamenteconstituiacutedas Resulta que se tornou impossiacutevel separar a noccedilatildeo de ldquogecircnerordquo das
interseccedilotildees poliacuteticas e culturais em que invariavelmente ela eacute produzida e mantida(BUTLER 2003 p20)
A problematizaccedilatildeo da noccedilatildeo de gecircnero abriu novos caminhos para os estudos
feministas Passou-se a natildeo considerar a mulher como um uacutenica identidade e constituiacuteda de
um uacutenico gecircnero (branca ocidental patroa pertencente apenas agrave uma determinada classe
econocircmica e social) para se pensar em categorias de mulheres em diferentes contextos com
seus problemas particulares diferentemente do termo estaacutevel e permanente que tiacutenhamos
anteriormente (BUTLER 2003 p18)E considerando o contexto natildeo podemos nos esquecer que Alice eacute adolescente
E assim como a noccedilatildeo de gecircnero do sujeito feminino eacute problemaacutetica a noccedilatildeo de juventude
tambeacutem o eacute O conceito ldquojuventuderdquo e a concepccedilatildeo ldquoser jovemrdquo continua em constante
modificaccedilatildeo pois eacute vivido na vida cotidiana e nela se modifica e se recria No entanto natildeo eacute
uma concepccedilatildeo una e depende da cultura paiacutes localidade e ideologia na qual estaacute inserida
Assim a noccedilatildeo de gecircnero pode influir na concepccedilatildeo de juventude Por
exemplo uma adolescente e um adolescente da mesma classe social mesmo ambiente
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urbano mesma etnia reagiram diferentemente perante a sociedade e as dificuldades
encontradas nesse processo de amadurecimento Por outro lado gecircneros de uma classe
marginalizada podem criar uma mesma identidade juvenil como forma de proteccedilatildeo
(GROPPO p16 2000)
A personagem de Alice reage de forma destrutiva ao se deparar com os
problemas do dia-a-dia como o divoacutercio dos pais e a pressatildeo por parte da matildee Jaacute Ecila se
mostra determinada a lutar por aquilo que acredita sua liberdade Ambas as personagens satildeo
adolescentes possuem a mesma faixa etaacuteria mas dependendo do contexto que estatildeo inseridas
reagem de maneira diferente a determinadas situaccedilotildeesNo decorrer da narrativa percebemos que Alice comeccedila a ser influenciada
pelas atitudes de Ecila
Depois das experiecircncias que tem vivido no mundo do espelho Alice jaacute natildeo sabe quedireccedilatildeo tomar Seus caminhos parecem todos embolados e suas certezas cada vezmais incertas Eacute verdade que ainda sonha em ser como a Mirna Lee em conquistarTiago em tornar-se linda e magra para enfim ser feliz Mas comeccedila a admirar adeterminaccedilatildeo e a coragem de Ecila a independecircncia do pai dela o apego de ambos agraveideacuteia de liberdade Pensar na amiga e em seu pai que preferiu ser preso para poderser livre de repente acalma a afliccedilatildeo e o ataque de fome de Alice Ela passa amastigar os biscoitos mais devagar e a beber o leite com calma sentindo tudo descersuavemente sem que o estocircmago se revolte como de costume (BERGALHO 2005p134)
Nesse momento o mundo do espelho comeccedila a ajudar Alice ldquorealrdquo Aos
poucos a personagem vai percebendo que estaacute inserida em uma sociedade marcada pela
ditadura e imposiccedilatildeo Vejamos
Na TV o anuacutencio de um milagroso programa de emagrecimento chama a atenccedilatildeodas duas O produto anunciado promete quilos e anos a menos aleacutem de felicidadegarantida eacute claro Uma loura mageacuterrima sorridente e bela diz quanto sua vidamelhorou depois de ter usado a foacutermula () Uma imagem de lsquoantesrsquo mostra a louracheinha e muito desanimada agora magra e completamente triufante De novo Alicese lembra de Ecila e sem querer pensa alto - Eacute a gorda tinha razatildeoO mundo aquinatildeo eacute tatildeo diferente do dela (BERGALHO 2005 p152-153)
Nesse sentido entender os mecanismos aos quais a mulher estaacute
ldquoengendradamenterdquo submetida e como nos acrescenta Pierre Bourdieu (2005) ldquosubmissardquo
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poderia levar-nos a um distanciamento criacutetico (space-off) e um entendimento mais amplo das
estruturas de poder existentes em nossa sociedade e cuja mulher eacute submetida e contribui para
a perpetuaccedilatildeo de um discurso machista como aconteceu com a personagem Alice Segundo
Bourdieu
as estruturas de dominaccedilatildeo satildeo produto de um trabalho incessante (e como talhistoacuterico) de reproduccedilatildeo para o qual contribuem agentes especiacuteficos (entre os quaisos homens com suas armas como a violecircncia fiacutesica e a violecircncia simboacutelica) einstituiccedilotildees famiacutelias Igreja Escola Estadordquo (BOURDIEU 2005 p46)
Lauretis (1994) leva a discussatildeo mais aleacutem e diz que a dominaccedilatildeo natildeo
acontece soacute nos aparelhos ideoloacutegicos do Estado como ldquomiacutedia nas escolas puacuteblicas e
particulares nos tribunais na famiacutelia nuclear extensa ou monoparentalrdquo mas tambeacutem no meio
acadecircmico no feminismo e na comunidade intelectual (LAURETIS 1994 p209) Ou seja
essas instituiccedilotildees contribuem para a reproduccedilatildeo de discursos patriarcais e para a permanecircncia
destes
Ao retornarmos ao livro percebemos que a fixaccedilatildeo com o proacuteprio corpo eacute
transmitida para a personagem Alice por trecircs pilares mantedores e reprodutores dos discursos
patriarcais a sociedade as miacutedias e a famiacutelia
Primeiramente os valores de Alice satildeo discursivamente transmitidos de forma
inconsciente pela matildee ou seja pela instituiccedilatildeo familiar A matildee da personagem tem uma visatildeo
distorcida de si mesma No diaacutelogo a seguir conhecido apenas pelo narrador eacute possiacutevel notar
a visatildeo que a proacutepria matildee tem de seu corpo jaacute viacutetima dessa violecircncia simboacutelica imposta para
as mulheres Vejamos ldquoEacute por isso que largou a gente porque natildeo presta Natildeo foi soacute porque
eu engordei e fiquei uma pipardquo e Alice supostamente responderia ldquoMas vocecirc natildeo ficou uma pipa- Alice tentaria consolaacute-la sabendo que ela natildeo acreditariardquo (p10) Notamos assim que
a matildee de Alice correlaciona o fato de seu casamento natildeo ter sido ldquoeternordquo com o fato de ter
engordado ou seja a matildee se aceita como produto social No momento em que esse produto
(bonito aos olhos do esposo) se transforma o casamento fracassa Essa relaccedilatildeo de felicidade
relacionada agrave aparecircncia do corpo eacute passada para a filha que acredita que soacute seraacute feliz se for
magra
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O discurso machista circulado socialmente tambeacutem pode ser percebido no
trecho ldquotodo mundo dizia que ela era linda e magrardquo (p10) Demostrando que o discurso
corrente na sociedade estaacute sempre associando o ldquobelordquo com a quantidade de calorias que o
corpo possui Assim a cultura vigente quer unificar todas as mulheres em um mesmo padratildeo
Essa unificaccedilatildeo eacute completamente ilusoacuteria e desconsidera o sujeito como algueacutem com
muacuteltiplas identidades
Outro pilar transmissor desse discurso eacute a miacutedia Alice tem extrema veneraccedilatildeo
pela famosa Mirna Lee modelo presente em vaacuterias capas de revistas Descrita como dona de
um corpo sequinho e sem nenhum grama de gordura Mirna Lee torna-se a musa dapersonagem que por sua vez coleciona pilhas de revistas de sua ldquodeusardquo Aleacutem de Mirna
Lee Alice coleciona e folheia revistas de moda a procura dos segredos das top models entre
elas o narrador cita a revista chamada ldquoBeleza e Levezardquo
Embora segundo o autor as mulheres natildeo escolham adotar praacuteticas submissas
ao contraacuterio ldquoeacute preciso assinalar natildeo soacute que as tendecircncias agrave ldquosubmissatildeordquo dadas por vezes
como pretexto para ldquoculpar a viacutetimardquo satildeo resultantes das estruturas objetivasrdquo (p52) ou
seja voltada apenas no objeto (casa fogatildeo cozinha lavanderia ) e natildeo no sujeito elas estatildeoenvoltas em uma estrutura de dominaccedilatildeo em que encontram-se como se magicamente
dominadas o que Bourdieu iraacute chamar de ldquosubmissatildeo encantadardquo Submissatildeo maacutegica que por
meio de uma forccedila simboacutelica e um acordo taacutecito entre dominado e dominante faz com que
esse processo torne-se natural (BOURDIEU 2005 p46)
E as proacuteprias mulheres aplicam a toda realidade e particularmente agraves relaccedilotildees depoder em que se vecircem envolvidas esquemas de pensamentos que satildeo produto daincorporaccedilatildeo dessas relaccedilotildees de poder e que se expressam nas oposiccedilotildees fundantes
da ordem simboacutelica (BORDIEU 2005 p45)
Essa inversatildeo da relaccedilatildeo entre as causas e os efeitos da dominaccedilatildeo masculina e
a construccedilatildeo social naturalizada de algo que eacute imposto pela sociedade levam as mulheres
ingenuinamente a acreditarem que satildeo donas de suas proacuteprias decisotildees e de seu proacuteprio
corpo
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Sempre vi na dominaccedilatildeo masculina e no modo como eacute imposta a vivecircncia o
exemplo por excelecircncia desta submissatildeo paradoxal resultante daquilo que eu chamode violecircncia simboacutelica violecircncia suave insensiacutevel invisiacutevel a suas proacuteprias viacutetimasque se exerce essencialmente pelas vias puramente simboacutelicas de comunicaccedilatildeo e doconhecimento ou mais precisamente do desconhecimento do reconhecimento ouem uacuteltima instacircncia do sentimento (BOURDIEU 2005 p 7-8)
Para Bordieu (2005) seria ilusatildeo acreditarmos que a violecircncia simboacutelica
poderia ser vencida apenas pela conscientizaccedilatildeo e pela vontade de mudanccedila pois ldquoos efeitos e
as condiccedilotildees de sua eficaacutecia estatildeo duradouramente inscritas no mais iacutentimo dos corpos sob a
forma de predisposiccedilotildeesrdquo (p51) Contudo no depoimento da personagem nas paacuteginas finais
do livro percebemos uma tomada de consciecircncia se natildeo completa o suficiente para lutar
contra o transtorno alimentar que aflige a personagem ldquoPara mim todos os outros valores
aleacutem da aparecircncia natildeo tinham importacircncia Minha realizaccedilatildeo como pessoa dependia
inteiramente do meu corpo transformado em objeto de consumo Eu natildeo gostava de mimrdquo
(p156)
Segundo Lauretis ldquoa sexualizaccedilatildeo do corpo feminino tem sido com efeito uma
das figuras ou objetos de conhecimento favoritos nos discursos da ciecircncia meacutedica da religiatildeo
arte literatura cultura popular e assim por dianterdquo (p221) Para a criacutetica o corpo feminino eacute
visto comumente como atributo ou propriedade do masculino em outras palavras o corpo
feminino estaacute relacionada com o prazer visual masculino Isso pode gerar nas mulheres uma
auto-depreciaccedilatildeo ou autodesprezo pelo proacuteprio corpo como tambeacutem nos lembra Bourdieu
(2005) No caso da personagem em questatildeo levou Alice quase agrave morte
Consideraccedilotildees finais
Em linhas gerais tentamos evidenciar neste trabalho as diferenccedilas das
personagens principais da narrativa Alice e Ecila mostrando os papeacuteis que elas ocupam no
script social e as formas de dominaccedilatildeo a que satildeo submetidas Por meio da anaacutelise do livro e da
leitura de textos teoacutericos notamos que ambas reagem diferentemente agraves formas de subversatildeo
feminina Enquanto a personagem de Alice posiciona-se de forma destrutiva (doenccedila
sensaccedilatildeo de abandono) diante agraves imposiccedilotildees ideoloacutegicas que sofre temos a personagem Ecila
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que natildeo aceita tacitamente esse jogo da relaccedilatildeo de poder entre dominante e dominado Em
outras palavras Ecila se distancia e posiciona-se criticamente em relaccedilatildeo a esta imposiccedilatildeo
Aleacutem disso notamos na narrativa de Laura Bergalho elementos internos
capazes de seduzir por meio da identificaccedilatildeo com o jovem A linguagem vocabulaacuterio
caracterizaccedilatildeo dos personagens e a proacutepria temaacutetica abordada no livro repleto de assuntos
polecircmicos como a anorexia bulimia e a separaccedilatildeo dos pais satildeo abordados de uma forma
responsaacutevel e interessante Por esse motivo acreditamos que o livro poderia ser um
instrumento riquiacutessimo para o trabalho em sala de aula e trabalhado com seacuteries de ensino
fundamental e meacutedio poderia contribuir na quebra de uma ideologia hegemocircnica presente nasociedade
Em um panorama mais amplo este trabalho buscou tambeacutem averiguar como
um livro de autoria feminina destinada ao puacuteblico infantojuvenil representa em seu texto as
reflexotildees suscitadas pela Criacutetica Feminista contemporacircnea Constatamos que Laura Bergalho
eacute uma das vozes de escritoras contemporacircnea que problematiza essas questotildees pondo agrave luz
temas conflitantes da sociedade e por meio da personagem Ecila se posicionando de forma
criacutetica diante do discurso patriarcal
Referecircncias bibliograacuteficas
BOURDIEU Pierre A dominaccedilatildeo masculina traduccedilatildeo Maria Helena Kuumlhner- 4ordfed-Rio de Janeiro Bertrand Brasil 2005BERGALHO Laura Alice no espelho Satildeo Paulo Ediccedilotildees SM 2005 ndash (Muriqui)BUTLER Judith P Problemas de gecircnero feminismo e subversatildeo da identidade TradRenato Aguiar Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2003GROPPO Luiacutes Antonio Juventude ensaios sobre sociologia e histoacuteria das juventudes
modernas Rio de Janeiro DIFEL 2000 (coleccedilatildeo Enfoques Sociologia)HALL Stuart A identidade cultural na poacutes-modernidade Traduccedilatildeo Tomaz Tadeu Silva 10ed Rio de Janeiro DP amp A Editora (306 H179i 10 d 2005)LAURETIS T A tecnologia do gecircnero In HOLLANDA H B (Org) Tendecircncias eimpasses o feminismo como criacutetica da cultura Rio de Janeiro Rocco 1994 p 206-242
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selecionado para participar do Cataacutelogo da Fundaccedilatildeo Nacional do Livro Infantil e Juvenil
(FNLIJ) na Feira de Bolonha (44th Bologna Childrenrsquos Book Fair )
Ilustrado por Edith Derdyk a temaacutetica apresentada no livro voltado
principalmente ao puacuteblico juvenil feminino trata a respeito do culto excessivo em relaccedilatildeo ao
proacuteprio corpo caracteriacutestico de preacute-adolescentes e adolescentes do sexo feminino e dilema da
personagem principal da narrativa Esse conflito vivido por Alice suscitou-nos
questionamentos no que diz respeito agraves relaccedilotildees de poder existentes em nossa sociedade tal
como a opressatildeo da mulher hierarquicamente e ideologicamente perpetuadas e que
corroboram para manter uma sociedade permeada por valores patriarcais e falocecircntricosUma vertente dos escritos de autoria feminina contemporacircnea por sua vez
notando criticamente essas implicaccedilotildees praacuteticas desse discurso machista socialmente
circulado procura problematizar em suas obras temas recorrentes e ainda presentes em nossa
sociedade Percebemos essa conscientizaccedilatildeo neste livro de Bergalho cuja problematizaccedilatildeo
ocorre em torno de duas doenccedilas relacionadas aos transtornos alimentares oriundos nesse
caso da visatildeo distorcida da proacutepria imagem a anorexia e a bulimia
Um estudo presente nas paacuteginas finais do livro revela-nos dados estatiacutesticosreferentes agrave anorexia que na aacuterea meacutedica estaacute associada tambeacutem agrave doenccedila denominada
bulimia Segundo a pesquisa no Brasil a anorexia ldquoatinge 05 da populaccedilatildeo feminina
mundialrdquo e ldquopelo menos 95 dos casos ocorrem em mulheresrdquo Outro dado importante eacute que
ldquoa faixa etaacuteria mais atingida eacute entre 14 e 18 anosrdquo ou seja a idade correspondente agrave
adolescecircncia Outro dado assustador refere-se agraves consequumlecircncias da doenccedila pois ldquo10 e 20
morrem em consequumlecircncia de inaniccedilatildeo parada cardiacuteaca ou suiciacutedio (associado agrave depressatildeo)rdquo
Nesse sentido este artigo proveniente de discussotildees na disciplina de poacutes-graduaccedilatildeo Literatura de autoria feminina e construccedilatildeo de identidades ministrada na
Universidade Estadual de Maringaacute pela professora Luacutecia Zolin e parte constitutiva de criteacuterio
avaliativo pretende fazer uma leitura da narrativa juvenil de autoria feminina Alice no
espelho (2005) analisando a subversatildeo da personagem feminina em relaccedilatildeo ao script social
ou seja buscar mostrar e contrapor duas visotildees diferentes de mundo o da mulher-objeto
personagem Alice submissa aos padrotildees de beleza vigentes com os da mulher-sujeito
personagem Ecila pouco disposta a aceitar tacitamente uma identidade imposta pela cultura
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patriarcal Para a anaacutelise utilizando como aporte teoacuterico a Teoria Criacutetica Feminista e textos
acerca da discussatildeo de gecircnero e identidade
2 Uma leitura de Alice no Espelho sob a perspectiva teoacuterica
Estruturalmente o livro Alice no espelho (2005) eacute composto por 176 paacuteginas e
dividido proporcionalmente em 30 capiacutetulos No entanto os dois uacuteltimos capiacutetulos satildeo notas e
explicaccedilotildees do narrador a respeito dos distuacuterbios alimentares Na dedicatoacuteria do livro nos
deparamos com a epiacutegrafe do escritor Carlos Drummond de Andrade e uma homenagem agraveCharles Beaumont e John Tomerlin que segundo a autora anteciparam a criacutetica agrave insensatez
da ditadura esteacutetica na histoacuteria ldquo Number twelve looks just like yourdquo Aleacutem desses autores
Bergalho oferece o livro ao escritor britacircnico Lewis Carrol que mostrou a beleza de ser
diferente Nitidamente esse texto dialoga com dois outros deste escritor Alice atraveacutes do
espelho e Alice no Paiacutes das Maravilhas
Alice no espelho (2005) contada sob a perspectiva de um narrador
heterodiegeacutetico narra a histoacuteria de Alice uma adolescente de 15 anos que sofre de anorexia ebulimia Alice mora com sua avoacute e sua matildee Quando ainda era pequena seu pais se
divorciaram e o pai constituiu outra famiacutelia A matildee de Alice pelo que a narrativa indica
nunca permitiu a aproximaccedilatildeo de pai e filha fazendo com que Alice desenvolvesse um grande
sentimento de abandono Logo no iniacutecio da narrativa a personagem comeccedila mostrar indiacutecios
de seu transtorno alimentar e sua visatildeo distorcida do proacuteprio corpo evita comer e quando
come provoca o proacuteprio vocircmito exagera na praacutetica de exerciacutecios e comeccedila se distanciar do
restante das pessoas A personagem comeccedila a sentir fraquezas e tonturas com frequumlecircncia e umdia entra em coma Em seu coma Alice se imagina entrando no espelho e descobrindo um
novo mundo o mundo de Ecila No mundo dentro do espelho Alice se depara com pessoas
que ela sempre sonhou ser lindas e magras Embora Alice se identifique com esse mundo ela
precisaraacute ajudar sua amiga Ecila tambeacutem chamada de ldquoGordardquo a fugir dessa padronizaccedilatildeo
Para nossa anaacutelise tomamos como foco essas duas personagens principais
compostas por identidades contraditoacuterias Alice e Ecila Por meio da simbologia existente nos
nomes jaacute percebemos que ambas as personagens satildeo construiacutedas de maneira completamente
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oposta Ao lermos ldquoEcilardquo de traacutes para frente temos o nome ldquoAlicerdquo Isso nos indica que
Ecila aleacutem de ser o reflexo que Alice vecirc no espelho (fruto de uma visatildeo distorcida) torna-se
tambeacutem uma personagem com caracteriacutesticas proacuteprias e ideologicamente contraacuterias aos
valores que Alice considera importantes como por exemplo o culto excessivo ao proacuteprio
corpo
Embora diferentes as personagens estatildeo inseridas em uma mesma sociedade
contemporacircnea denominada moderna Natildeo entraremos para fins didaacuteticos na discussatildeo de
modernidade e poacutes-modernidade que natildeo abrangeria este artigo O importante eacute entendermos
o conceito de identidade fragmentada para entendermos melhor o posicionamento de Alice eEcila
De acordo com Hall (2005) a sociedade moderna estaacute em contiacutenua
transformaccedilatildeo juntamente com a visatildeo que as ciecircncias adotam em relaccedilatildeo agrave postura do
indiviacuteduo Indiviacuteduo este como parte constitutiva dessa mudanccedila Ao discutir a questatildeo da
identidade o autor afirma que ldquoas velhas identidades que por tanto tempo estabilizaram o
mundo social estatildeo em decliacutenio fazendo surgir novas identidades e fragmentando o
indiviacuteduo moderno ateacute aqui visto como um sujeito unificadordquo (p7)
Esse novo entendimento do que estaria se tornando o sujeito leva o autor a
constatar que as identidades modernas estatildeo deslocadas ou fragmentadas Para Hall pensar
em um sujeito cuja individualidade seja una correspondente somente a uma classe poderia
levar-nos agrave falaacutecia O indiviacuteduo social antes soacutelido agora estaacute em constante transformaccedilatildeo
Essa mudanccedila estrutural na sociedade estaria ldquomudando nossas identidades pessoais abalando
a ideacuteia que temos de noacutes proacuteprios como sujeitos integradosrdquo (p 9) ou seja sujeitos
pertencentes a uma determinada classeNa narrativa de Bergalho temos a personagem Alice em busca de uma uacutenica
identidade (se isso fosse possiacutevel) ou seja uma identidade unificada em que ela se sentisse
pertencente a uma determinada classe dos indiviacuteduos magros Diferentemente temos o
posicionamento da personagem ldquoGordardquo que no mundo em que as pessoas possuem a mesma
identidade ela como uma forma de resistecircncia busca a sua proacutepria pensando diferente dos
demais
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Metaforicamente podemos associar a transformaccedilatildeo que Hall (2005) cita com
o processo de ldquotransformaccedilatildeordquo que ocorre no livro Vejamos No mundo de Ecila todos os
adolescentes no aniversaacuterio de dezesseis anos satildeo obrigados a passarem por um ato ciruacutergico
denominado ldquotransformaccedilatildeordquo Nesse procedimento o adolescente escolhe o modelo de
beleza que gostaria de ser A ironia preside na existecircncia de poucos modelos existentes
portanto fatalmente as pessoas existentes nesse mundo satildeo completamente padronizadas
Notamos assim uma sociedade com transformaccedilatildeo inversa se pensarmos em Hall uma
sociedade em que todos os indiviacuteduos necessitam serem iguais
O sujeito moderno segundo o teoacuterico pode ser composto de inuacutemerasidentidades ldquoalgumas vezes contraditoacuterias ou natildeo resolvidasrdquo (p12) pois para o autor ldquosomos
confrontados por uma multiplicidade desconcertante e cambiante de identidades possiacuteveis
com cada uma das quais poderiacuteamos nos identificar ndash ao menos temporariamenterdquo (p13) No
universo dentro do espelho essa multiplicidade eacute anulada As pessoas satildeo obrigadas a
mudarem sua aparecircncia fiacutesica e a optarem por um modelo para o resto da vida e aquelas que
se recusam satildeo exiladas e taxadas como ldquoloucasrdquo Ecila natildeo se importa com essa
discriminaccedilatildeo e adota uma postura perante essa sociedade padronizada como primeira opccedilatildeoalmeja a fuga quando essa se torna impossiacutevel busca na leitura de Alice no paiacutes das
maravilhas outra forma de ver o mundo
O posicionamento de Alice eacute o oposto Ela natildeo entende por que a amiga se
recusa a transformar-se a tornar-se bela e perfeita bons atributos na sua visatildeo distorcida No
entanto a transformaccedilatildeo natildeo fica apenas no acircmbito da aparecircncia a mudanccedila ocorre tambeacutem
na essecircncia do indiviacuteduo Isso eacute percebido em um diaacutelogo entre Alice e Ecila Ao questionar
Ecila sobre o motivo da recusa Alice pergunta ldquo- Mas por que vocecirc vai recusar Atransformaccedilatildeo natildeo eacute uma coisa boa Natildeo deixa as pessoas bonitasrdquo e Ecila responde ldquo -
Deixa as pessoas monotonamente iguais de corpo e almardquo (BERGALHO p79)
Dialogando com Hall (2005) Lauretis (1994) ao discutir a noccedilatildeo de gecircnero e o
posicionamento do sujeito feminino nessa nova percepccedilatildeo da realidade trabalha com a
concepccedilatildeo de sujeito muacuteltiplo ou seja
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um sujeito constituiacutedo no gecircnero sem duacutevida mas natildeo apenas pela diferenccedila sexual
e sim por meio de coacutedigos linguumliacutesticos e representaccedilotildees culturais um sujeitoacuteengedradorsquo natildeo soacute na experiecircncia de relaccedilotildees de sexo mas tambeacutem nas de raccedila eclasse um sujeito portanto muacuteltiplo em vez de uacutenico e contraditoacuterio em vez desimplesmente dividido (LAURETIS 1994 p204)
Alice por mais que natildeo se reconheccedila como portadora de inuacutemeras identidades
pode ser considerada com essa pluralizaccedilatildeo eacute mulher mas natildeo apenas uma mulher Dentro
desse gecircnero eacute mulher adolescente com todos os seus medos anseios e sonhos eacute filha neta
aluna E a todo o momento na narrativa Ecila tenta mostrar para a amiga essa multiplicidade
embora ela soacute se identifique com um modelo o de Mirna LeeA noccedilatildeo de sujeito constituiacutedo no gecircnero proposto acima por Lauretis (1994) e
discutido pela Teoria Criacutetica Feminista natildeo deixa de considerar o contexto histoacuterico e
poliacutetico em que o termo gecircnero eacute utilizado Cito Butler
o gecircnero nem sempre se constitui de maneira coerente ou consistente nos diferentescontextos histoacutericos e porque o gecircnero estabelece interseccedilotildees com modalidadesraciais classistas eacutetnicas sexuais e regionais de identidades discursivamenteconstituiacutedas Resulta que se tornou impossiacutevel separar a noccedilatildeo de ldquogecircnerordquo das
interseccedilotildees poliacuteticas e culturais em que invariavelmente ela eacute produzida e mantida(BUTLER 2003 p20)
A problematizaccedilatildeo da noccedilatildeo de gecircnero abriu novos caminhos para os estudos
feministas Passou-se a natildeo considerar a mulher como um uacutenica identidade e constituiacuteda de
um uacutenico gecircnero (branca ocidental patroa pertencente apenas agrave uma determinada classe
econocircmica e social) para se pensar em categorias de mulheres em diferentes contextos com
seus problemas particulares diferentemente do termo estaacutevel e permanente que tiacutenhamos
anteriormente (BUTLER 2003 p18)E considerando o contexto natildeo podemos nos esquecer que Alice eacute adolescente
E assim como a noccedilatildeo de gecircnero do sujeito feminino eacute problemaacutetica a noccedilatildeo de juventude
tambeacutem o eacute O conceito ldquojuventuderdquo e a concepccedilatildeo ldquoser jovemrdquo continua em constante
modificaccedilatildeo pois eacute vivido na vida cotidiana e nela se modifica e se recria No entanto natildeo eacute
uma concepccedilatildeo una e depende da cultura paiacutes localidade e ideologia na qual estaacute inserida
Assim a noccedilatildeo de gecircnero pode influir na concepccedilatildeo de juventude Por
exemplo uma adolescente e um adolescente da mesma classe social mesmo ambiente
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urbano mesma etnia reagiram diferentemente perante a sociedade e as dificuldades
encontradas nesse processo de amadurecimento Por outro lado gecircneros de uma classe
marginalizada podem criar uma mesma identidade juvenil como forma de proteccedilatildeo
(GROPPO p16 2000)
A personagem de Alice reage de forma destrutiva ao se deparar com os
problemas do dia-a-dia como o divoacutercio dos pais e a pressatildeo por parte da matildee Jaacute Ecila se
mostra determinada a lutar por aquilo que acredita sua liberdade Ambas as personagens satildeo
adolescentes possuem a mesma faixa etaacuteria mas dependendo do contexto que estatildeo inseridas
reagem de maneira diferente a determinadas situaccedilotildeesNo decorrer da narrativa percebemos que Alice comeccedila a ser influenciada
pelas atitudes de Ecila
Depois das experiecircncias que tem vivido no mundo do espelho Alice jaacute natildeo sabe quedireccedilatildeo tomar Seus caminhos parecem todos embolados e suas certezas cada vezmais incertas Eacute verdade que ainda sonha em ser como a Mirna Lee em conquistarTiago em tornar-se linda e magra para enfim ser feliz Mas comeccedila a admirar adeterminaccedilatildeo e a coragem de Ecila a independecircncia do pai dela o apego de ambos agraveideacuteia de liberdade Pensar na amiga e em seu pai que preferiu ser preso para poderser livre de repente acalma a afliccedilatildeo e o ataque de fome de Alice Ela passa amastigar os biscoitos mais devagar e a beber o leite com calma sentindo tudo descersuavemente sem que o estocircmago se revolte como de costume (BERGALHO 2005p134)
Nesse momento o mundo do espelho comeccedila a ajudar Alice ldquorealrdquo Aos
poucos a personagem vai percebendo que estaacute inserida em uma sociedade marcada pela
ditadura e imposiccedilatildeo Vejamos
Na TV o anuacutencio de um milagroso programa de emagrecimento chama a atenccedilatildeodas duas O produto anunciado promete quilos e anos a menos aleacutem de felicidadegarantida eacute claro Uma loura mageacuterrima sorridente e bela diz quanto sua vidamelhorou depois de ter usado a foacutermula () Uma imagem de lsquoantesrsquo mostra a louracheinha e muito desanimada agora magra e completamente triufante De novo Alicese lembra de Ecila e sem querer pensa alto - Eacute a gorda tinha razatildeoO mundo aquinatildeo eacute tatildeo diferente do dela (BERGALHO 2005 p152-153)
Nesse sentido entender os mecanismos aos quais a mulher estaacute
ldquoengendradamenterdquo submetida e como nos acrescenta Pierre Bourdieu (2005) ldquosubmissardquo
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poderia levar-nos a um distanciamento criacutetico (space-off) e um entendimento mais amplo das
estruturas de poder existentes em nossa sociedade e cuja mulher eacute submetida e contribui para
a perpetuaccedilatildeo de um discurso machista como aconteceu com a personagem Alice Segundo
Bourdieu
as estruturas de dominaccedilatildeo satildeo produto de um trabalho incessante (e como talhistoacuterico) de reproduccedilatildeo para o qual contribuem agentes especiacuteficos (entre os quaisos homens com suas armas como a violecircncia fiacutesica e a violecircncia simboacutelica) einstituiccedilotildees famiacutelias Igreja Escola Estadordquo (BOURDIEU 2005 p46)
Lauretis (1994) leva a discussatildeo mais aleacutem e diz que a dominaccedilatildeo natildeo
acontece soacute nos aparelhos ideoloacutegicos do Estado como ldquomiacutedia nas escolas puacuteblicas e
particulares nos tribunais na famiacutelia nuclear extensa ou monoparentalrdquo mas tambeacutem no meio
acadecircmico no feminismo e na comunidade intelectual (LAURETIS 1994 p209) Ou seja
essas instituiccedilotildees contribuem para a reproduccedilatildeo de discursos patriarcais e para a permanecircncia
destes
Ao retornarmos ao livro percebemos que a fixaccedilatildeo com o proacuteprio corpo eacute
transmitida para a personagem Alice por trecircs pilares mantedores e reprodutores dos discursos
patriarcais a sociedade as miacutedias e a famiacutelia
Primeiramente os valores de Alice satildeo discursivamente transmitidos de forma
inconsciente pela matildee ou seja pela instituiccedilatildeo familiar A matildee da personagem tem uma visatildeo
distorcida de si mesma No diaacutelogo a seguir conhecido apenas pelo narrador eacute possiacutevel notar
a visatildeo que a proacutepria matildee tem de seu corpo jaacute viacutetima dessa violecircncia simboacutelica imposta para
as mulheres Vejamos ldquoEacute por isso que largou a gente porque natildeo presta Natildeo foi soacute porque
eu engordei e fiquei uma pipardquo e Alice supostamente responderia ldquoMas vocecirc natildeo ficou uma pipa- Alice tentaria consolaacute-la sabendo que ela natildeo acreditariardquo (p10) Notamos assim que
a matildee de Alice correlaciona o fato de seu casamento natildeo ter sido ldquoeternordquo com o fato de ter
engordado ou seja a matildee se aceita como produto social No momento em que esse produto
(bonito aos olhos do esposo) se transforma o casamento fracassa Essa relaccedilatildeo de felicidade
relacionada agrave aparecircncia do corpo eacute passada para a filha que acredita que soacute seraacute feliz se for
magra
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O discurso machista circulado socialmente tambeacutem pode ser percebido no
trecho ldquotodo mundo dizia que ela era linda e magrardquo (p10) Demostrando que o discurso
corrente na sociedade estaacute sempre associando o ldquobelordquo com a quantidade de calorias que o
corpo possui Assim a cultura vigente quer unificar todas as mulheres em um mesmo padratildeo
Essa unificaccedilatildeo eacute completamente ilusoacuteria e desconsidera o sujeito como algueacutem com
muacuteltiplas identidades
Outro pilar transmissor desse discurso eacute a miacutedia Alice tem extrema veneraccedilatildeo
pela famosa Mirna Lee modelo presente em vaacuterias capas de revistas Descrita como dona de
um corpo sequinho e sem nenhum grama de gordura Mirna Lee torna-se a musa dapersonagem que por sua vez coleciona pilhas de revistas de sua ldquodeusardquo Aleacutem de Mirna
Lee Alice coleciona e folheia revistas de moda a procura dos segredos das top models entre
elas o narrador cita a revista chamada ldquoBeleza e Levezardquo
Embora segundo o autor as mulheres natildeo escolham adotar praacuteticas submissas
ao contraacuterio ldquoeacute preciso assinalar natildeo soacute que as tendecircncias agrave ldquosubmissatildeordquo dadas por vezes
como pretexto para ldquoculpar a viacutetimardquo satildeo resultantes das estruturas objetivasrdquo (p52) ou
seja voltada apenas no objeto (casa fogatildeo cozinha lavanderia ) e natildeo no sujeito elas estatildeoenvoltas em uma estrutura de dominaccedilatildeo em que encontram-se como se magicamente
dominadas o que Bourdieu iraacute chamar de ldquosubmissatildeo encantadardquo Submissatildeo maacutegica que por
meio de uma forccedila simboacutelica e um acordo taacutecito entre dominado e dominante faz com que
esse processo torne-se natural (BOURDIEU 2005 p46)
E as proacuteprias mulheres aplicam a toda realidade e particularmente agraves relaccedilotildees depoder em que se vecircem envolvidas esquemas de pensamentos que satildeo produto daincorporaccedilatildeo dessas relaccedilotildees de poder e que se expressam nas oposiccedilotildees fundantes
da ordem simboacutelica (BORDIEU 2005 p45)
Essa inversatildeo da relaccedilatildeo entre as causas e os efeitos da dominaccedilatildeo masculina e
a construccedilatildeo social naturalizada de algo que eacute imposto pela sociedade levam as mulheres
ingenuinamente a acreditarem que satildeo donas de suas proacuteprias decisotildees e de seu proacuteprio
corpo
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Sempre vi na dominaccedilatildeo masculina e no modo como eacute imposta a vivecircncia o
exemplo por excelecircncia desta submissatildeo paradoxal resultante daquilo que eu chamode violecircncia simboacutelica violecircncia suave insensiacutevel invisiacutevel a suas proacuteprias viacutetimasque se exerce essencialmente pelas vias puramente simboacutelicas de comunicaccedilatildeo e doconhecimento ou mais precisamente do desconhecimento do reconhecimento ouem uacuteltima instacircncia do sentimento (BOURDIEU 2005 p 7-8)
Para Bordieu (2005) seria ilusatildeo acreditarmos que a violecircncia simboacutelica
poderia ser vencida apenas pela conscientizaccedilatildeo e pela vontade de mudanccedila pois ldquoos efeitos e
as condiccedilotildees de sua eficaacutecia estatildeo duradouramente inscritas no mais iacutentimo dos corpos sob a
forma de predisposiccedilotildeesrdquo (p51) Contudo no depoimento da personagem nas paacuteginas finais
do livro percebemos uma tomada de consciecircncia se natildeo completa o suficiente para lutar
contra o transtorno alimentar que aflige a personagem ldquoPara mim todos os outros valores
aleacutem da aparecircncia natildeo tinham importacircncia Minha realizaccedilatildeo como pessoa dependia
inteiramente do meu corpo transformado em objeto de consumo Eu natildeo gostava de mimrdquo
(p156)
Segundo Lauretis ldquoa sexualizaccedilatildeo do corpo feminino tem sido com efeito uma
das figuras ou objetos de conhecimento favoritos nos discursos da ciecircncia meacutedica da religiatildeo
arte literatura cultura popular e assim por dianterdquo (p221) Para a criacutetica o corpo feminino eacute
visto comumente como atributo ou propriedade do masculino em outras palavras o corpo
feminino estaacute relacionada com o prazer visual masculino Isso pode gerar nas mulheres uma
auto-depreciaccedilatildeo ou autodesprezo pelo proacuteprio corpo como tambeacutem nos lembra Bourdieu
(2005) No caso da personagem em questatildeo levou Alice quase agrave morte
Consideraccedilotildees finais
Em linhas gerais tentamos evidenciar neste trabalho as diferenccedilas das
personagens principais da narrativa Alice e Ecila mostrando os papeacuteis que elas ocupam no
script social e as formas de dominaccedilatildeo a que satildeo submetidas Por meio da anaacutelise do livro e da
leitura de textos teoacutericos notamos que ambas reagem diferentemente agraves formas de subversatildeo
feminina Enquanto a personagem de Alice posiciona-se de forma destrutiva (doenccedila
sensaccedilatildeo de abandono) diante agraves imposiccedilotildees ideoloacutegicas que sofre temos a personagem Ecila
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que natildeo aceita tacitamente esse jogo da relaccedilatildeo de poder entre dominante e dominado Em
outras palavras Ecila se distancia e posiciona-se criticamente em relaccedilatildeo a esta imposiccedilatildeo
Aleacutem disso notamos na narrativa de Laura Bergalho elementos internos
capazes de seduzir por meio da identificaccedilatildeo com o jovem A linguagem vocabulaacuterio
caracterizaccedilatildeo dos personagens e a proacutepria temaacutetica abordada no livro repleto de assuntos
polecircmicos como a anorexia bulimia e a separaccedilatildeo dos pais satildeo abordados de uma forma
responsaacutevel e interessante Por esse motivo acreditamos que o livro poderia ser um
instrumento riquiacutessimo para o trabalho em sala de aula e trabalhado com seacuteries de ensino
fundamental e meacutedio poderia contribuir na quebra de uma ideologia hegemocircnica presente nasociedade
Em um panorama mais amplo este trabalho buscou tambeacutem averiguar como
um livro de autoria feminina destinada ao puacuteblico infantojuvenil representa em seu texto as
reflexotildees suscitadas pela Criacutetica Feminista contemporacircnea Constatamos que Laura Bergalho
eacute uma das vozes de escritoras contemporacircnea que problematiza essas questotildees pondo agrave luz
temas conflitantes da sociedade e por meio da personagem Ecila se posicionando de forma
criacutetica diante do discurso patriarcal
Referecircncias bibliograacuteficas
BOURDIEU Pierre A dominaccedilatildeo masculina traduccedilatildeo Maria Helena Kuumlhner- 4ordfed-Rio de Janeiro Bertrand Brasil 2005BERGALHO Laura Alice no espelho Satildeo Paulo Ediccedilotildees SM 2005 ndash (Muriqui)BUTLER Judith P Problemas de gecircnero feminismo e subversatildeo da identidade TradRenato Aguiar Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2003GROPPO Luiacutes Antonio Juventude ensaios sobre sociologia e histoacuteria das juventudes
modernas Rio de Janeiro DIFEL 2000 (coleccedilatildeo Enfoques Sociologia)HALL Stuart A identidade cultural na poacutes-modernidade Traduccedilatildeo Tomaz Tadeu Silva 10ed Rio de Janeiro DP amp A Editora (306 H179i 10 d 2005)LAURETIS T A tecnologia do gecircnero In HOLLANDA H B (Org) Tendecircncias eimpasses o feminismo como criacutetica da cultura Rio de Janeiro Rocco 1994 p 206-242
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patriarcal Para a anaacutelise utilizando como aporte teoacuterico a Teoria Criacutetica Feminista e textos
acerca da discussatildeo de gecircnero e identidade
2 Uma leitura de Alice no Espelho sob a perspectiva teoacuterica
Estruturalmente o livro Alice no espelho (2005) eacute composto por 176 paacuteginas e
dividido proporcionalmente em 30 capiacutetulos No entanto os dois uacuteltimos capiacutetulos satildeo notas e
explicaccedilotildees do narrador a respeito dos distuacuterbios alimentares Na dedicatoacuteria do livro nos
deparamos com a epiacutegrafe do escritor Carlos Drummond de Andrade e uma homenagem agraveCharles Beaumont e John Tomerlin que segundo a autora anteciparam a criacutetica agrave insensatez
da ditadura esteacutetica na histoacuteria ldquo Number twelve looks just like yourdquo Aleacutem desses autores
Bergalho oferece o livro ao escritor britacircnico Lewis Carrol que mostrou a beleza de ser
diferente Nitidamente esse texto dialoga com dois outros deste escritor Alice atraveacutes do
espelho e Alice no Paiacutes das Maravilhas
Alice no espelho (2005) contada sob a perspectiva de um narrador
heterodiegeacutetico narra a histoacuteria de Alice uma adolescente de 15 anos que sofre de anorexia ebulimia Alice mora com sua avoacute e sua matildee Quando ainda era pequena seu pais se
divorciaram e o pai constituiu outra famiacutelia A matildee de Alice pelo que a narrativa indica
nunca permitiu a aproximaccedilatildeo de pai e filha fazendo com que Alice desenvolvesse um grande
sentimento de abandono Logo no iniacutecio da narrativa a personagem comeccedila mostrar indiacutecios
de seu transtorno alimentar e sua visatildeo distorcida do proacuteprio corpo evita comer e quando
come provoca o proacuteprio vocircmito exagera na praacutetica de exerciacutecios e comeccedila se distanciar do
restante das pessoas A personagem comeccedila a sentir fraquezas e tonturas com frequumlecircncia e umdia entra em coma Em seu coma Alice se imagina entrando no espelho e descobrindo um
novo mundo o mundo de Ecila No mundo dentro do espelho Alice se depara com pessoas
que ela sempre sonhou ser lindas e magras Embora Alice se identifique com esse mundo ela
precisaraacute ajudar sua amiga Ecila tambeacutem chamada de ldquoGordardquo a fugir dessa padronizaccedilatildeo
Para nossa anaacutelise tomamos como foco essas duas personagens principais
compostas por identidades contraditoacuterias Alice e Ecila Por meio da simbologia existente nos
nomes jaacute percebemos que ambas as personagens satildeo construiacutedas de maneira completamente
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oposta Ao lermos ldquoEcilardquo de traacutes para frente temos o nome ldquoAlicerdquo Isso nos indica que
Ecila aleacutem de ser o reflexo que Alice vecirc no espelho (fruto de uma visatildeo distorcida) torna-se
tambeacutem uma personagem com caracteriacutesticas proacuteprias e ideologicamente contraacuterias aos
valores que Alice considera importantes como por exemplo o culto excessivo ao proacuteprio
corpo
Embora diferentes as personagens estatildeo inseridas em uma mesma sociedade
contemporacircnea denominada moderna Natildeo entraremos para fins didaacuteticos na discussatildeo de
modernidade e poacutes-modernidade que natildeo abrangeria este artigo O importante eacute entendermos
o conceito de identidade fragmentada para entendermos melhor o posicionamento de Alice eEcila
De acordo com Hall (2005) a sociedade moderna estaacute em contiacutenua
transformaccedilatildeo juntamente com a visatildeo que as ciecircncias adotam em relaccedilatildeo agrave postura do
indiviacuteduo Indiviacuteduo este como parte constitutiva dessa mudanccedila Ao discutir a questatildeo da
identidade o autor afirma que ldquoas velhas identidades que por tanto tempo estabilizaram o
mundo social estatildeo em decliacutenio fazendo surgir novas identidades e fragmentando o
indiviacuteduo moderno ateacute aqui visto como um sujeito unificadordquo (p7)
Esse novo entendimento do que estaria se tornando o sujeito leva o autor a
constatar que as identidades modernas estatildeo deslocadas ou fragmentadas Para Hall pensar
em um sujeito cuja individualidade seja una correspondente somente a uma classe poderia
levar-nos agrave falaacutecia O indiviacuteduo social antes soacutelido agora estaacute em constante transformaccedilatildeo
Essa mudanccedila estrutural na sociedade estaria ldquomudando nossas identidades pessoais abalando
a ideacuteia que temos de noacutes proacuteprios como sujeitos integradosrdquo (p 9) ou seja sujeitos
pertencentes a uma determinada classeNa narrativa de Bergalho temos a personagem Alice em busca de uma uacutenica
identidade (se isso fosse possiacutevel) ou seja uma identidade unificada em que ela se sentisse
pertencente a uma determinada classe dos indiviacuteduos magros Diferentemente temos o
posicionamento da personagem ldquoGordardquo que no mundo em que as pessoas possuem a mesma
identidade ela como uma forma de resistecircncia busca a sua proacutepria pensando diferente dos
demais
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Metaforicamente podemos associar a transformaccedilatildeo que Hall (2005) cita com
o processo de ldquotransformaccedilatildeordquo que ocorre no livro Vejamos No mundo de Ecila todos os
adolescentes no aniversaacuterio de dezesseis anos satildeo obrigados a passarem por um ato ciruacutergico
denominado ldquotransformaccedilatildeordquo Nesse procedimento o adolescente escolhe o modelo de
beleza que gostaria de ser A ironia preside na existecircncia de poucos modelos existentes
portanto fatalmente as pessoas existentes nesse mundo satildeo completamente padronizadas
Notamos assim uma sociedade com transformaccedilatildeo inversa se pensarmos em Hall uma
sociedade em que todos os indiviacuteduos necessitam serem iguais
O sujeito moderno segundo o teoacuterico pode ser composto de inuacutemerasidentidades ldquoalgumas vezes contraditoacuterias ou natildeo resolvidasrdquo (p12) pois para o autor ldquosomos
confrontados por uma multiplicidade desconcertante e cambiante de identidades possiacuteveis
com cada uma das quais poderiacuteamos nos identificar ndash ao menos temporariamenterdquo (p13) No
universo dentro do espelho essa multiplicidade eacute anulada As pessoas satildeo obrigadas a
mudarem sua aparecircncia fiacutesica e a optarem por um modelo para o resto da vida e aquelas que
se recusam satildeo exiladas e taxadas como ldquoloucasrdquo Ecila natildeo se importa com essa
discriminaccedilatildeo e adota uma postura perante essa sociedade padronizada como primeira opccedilatildeoalmeja a fuga quando essa se torna impossiacutevel busca na leitura de Alice no paiacutes das
maravilhas outra forma de ver o mundo
O posicionamento de Alice eacute o oposto Ela natildeo entende por que a amiga se
recusa a transformar-se a tornar-se bela e perfeita bons atributos na sua visatildeo distorcida No
entanto a transformaccedilatildeo natildeo fica apenas no acircmbito da aparecircncia a mudanccedila ocorre tambeacutem
na essecircncia do indiviacuteduo Isso eacute percebido em um diaacutelogo entre Alice e Ecila Ao questionar
Ecila sobre o motivo da recusa Alice pergunta ldquo- Mas por que vocecirc vai recusar Atransformaccedilatildeo natildeo eacute uma coisa boa Natildeo deixa as pessoas bonitasrdquo e Ecila responde ldquo -
Deixa as pessoas monotonamente iguais de corpo e almardquo (BERGALHO p79)
Dialogando com Hall (2005) Lauretis (1994) ao discutir a noccedilatildeo de gecircnero e o
posicionamento do sujeito feminino nessa nova percepccedilatildeo da realidade trabalha com a
concepccedilatildeo de sujeito muacuteltiplo ou seja
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um sujeito constituiacutedo no gecircnero sem duacutevida mas natildeo apenas pela diferenccedila sexual
e sim por meio de coacutedigos linguumliacutesticos e representaccedilotildees culturais um sujeitoacuteengedradorsquo natildeo soacute na experiecircncia de relaccedilotildees de sexo mas tambeacutem nas de raccedila eclasse um sujeito portanto muacuteltiplo em vez de uacutenico e contraditoacuterio em vez desimplesmente dividido (LAURETIS 1994 p204)
Alice por mais que natildeo se reconheccedila como portadora de inuacutemeras identidades
pode ser considerada com essa pluralizaccedilatildeo eacute mulher mas natildeo apenas uma mulher Dentro
desse gecircnero eacute mulher adolescente com todos os seus medos anseios e sonhos eacute filha neta
aluna E a todo o momento na narrativa Ecila tenta mostrar para a amiga essa multiplicidade
embora ela soacute se identifique com um modelo o de Mirna LeeA noccedilatildeo de sujeito constituiacutedo no gecircnero proposto acima por Lauretis (1994) e
discutido pela Teoria Criacutetica Feminista natildeo deixa de considerar o contexto histoacuterico e
poliacutetico em que o termo gecircnero eacute utilizado Cito Butler
o gecircnero nem sempre se constitui de maneira coerente ou consistente nos diferentescontextos histoacutericos e porque o gecircnero estabelece interseccedilotildees com modalidadesraciais classistas eacutetnicas sexuais e regionais de identidades discursivamenteconstituiacutedas Resulta que se tornou impossiacutevel separar a noccedilatildeo de ldquogecircnerordquo das
interseccedilotildees poliacuteticas e culturais em que invariavelmente ela eacute produzida e mantida(BUTLER 2003 p20)
A problematizaccedilatildeo da noccedilatildeo de gecircnero abriu novos caminhos para os estudos
feministas Passou-se a natildeo considerar a mulher como um uacutenica identidade e constituiacuteda de
um uacutenico gecircnero (branca ocidental patroa pertencente apenas agrave uma determinada classe
econocircmica e social) para se pensar em categorias de mulheres em diferentes contextos com
seus problemas particulares diferentemente do termo estaacutevel e permanente que tiacutenhamos
anteriormente (BUTLER 2003 p18)E considerando o contexto natildeo podemos nos esquecer que Alice eacute adolescente
E assim como a noccedilatildeo de gecircnero do sujeito feminino eacute problemaacutetica a noccedilatildeo de juventude
tambeacutem o eacute O conceito ldquojuventuderdquo e a concepccedilatildeo ldquoser jovemrdquo continua em constante
modificaccedilatildeo pois eacute vivido na vida cotidiana e nela se modifica e se recria No entanto natildeo eacute
uma concepccedilatildeo una e depende da cultura paiacutes localidade e ideologia na qual estaacute inserida
Assim a noccedilatildeo de gecircnero pode influir na concepccedilatildeo de juventude Por
exemplo uma adolescente e um adolescente da mesma classe social mesmo ambiente
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urbano mesma etnia reagiram diferentemente perante a sociedade e as dificuldades
encontradas nesse processo de amadurecimento Por outro lado gecircneros de uma classe
marginalizada podem criar uma mesma identidade juvenil como forma de proteccedilatildeo
(GROPPO p16 2000)
A personagem de Alice reage de forma destrutiva ao se deparar com os
problemas do dia-a-dia como o divoacutercio dos pais e a pressatildeo por parte da matildee Jaacute Ecila se
mostra determinada a lutar por aquilo que acredita sua liberdade Ambas as personagens satildeo
adolescentes possuem a mesma faixa etaacuteria mas dependendo do contexto que estatildeo inseridas
reagem de maneira diferente a determinadas situaccedilotildeesNo decorrer da narrativa percebemos que Alice comeccedila a ser influenciada
pelas atitudes de Ecila
Depois das experiecircncias que tem vivido no mundo do espelho Alice jaacute natildeo sabe quedireccedilatildeo tomar Seus caminhos parecem todos embolados e suas certezas cada vezmais incertas Eacute verdade que ainda sonha em ser como a Mirna Lee em conquistarTiago em tornar-se linda e magra para enfim ser feliz Mas comeccedila a admirar adeterminaccedilatildeo e a coragem de Ecila a independecircncia do pai dela o apego de ambos agraveideacuteia de liberdade Pensar na amiga e em seu pai que preferiu ser preso para poderser livre de repente acalma a afliccedilatildeo e o ataque de fome de Alice Ela passa amastigar os biscoitos mais devagar e a beber o leite com calma sentindo tudo descersuavemente sem que o estocircmago se revolte como de costume (BERGALHO 2005p134)
Nesse momento o mundo do espelho comeccedila a ajudar Alice ldquorealrdquo Aos
poucos a personagem vai percebendo que estaacute inserida em uma sociedade marcada pela
ditadura e imposiccedilatildeo Vejamos
Na TV o anuacutencio de um milagroso programa de emagrecimento chama a atenccedilatildeodas duas O produto anunciado promete quilos e anos a menos aleacutem de felicidadegarantida eacute claro Uma loura mageacuterrima sorridente e bela diz quanto sua vidamelhorou depois de ter usado a foacutermula () Uma imagem de lsquoantesrsquo mostra a louracheinha e muito desanimada agora magra e completamente triufante De novo Alicese lembra de Ecila e sem querer pensa alto - Eacute a gorda tinha razatildeoO mundo aquinatildeo eacute tatildeo diferente do dela (BERGALHO 2005 p152-153)
Nesse sentido entender os mecanismos aos quais a mulher estaacute
ldquoengendradamenterdquo submetida e como nos acrescenta Pierre Bourdieu (2005) ldquosubmissardquo
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poderia levar-nos a um distanciamento criacutetico (space-off) e um entendimento mais amplo das
estruturas de poder existentes em nossa sociedade e cuja mulher eacute submetida e contribui para
a perpetuaccedilatildeo de um discurso machista como aconteceu com a personagem Alice Segundo
Bourdieu
as estruturas de dominaccedilatildeo satildeo produto de um trabalho incessante (e como talhistoacuterico) de reproduccedilatildeo para o qual contribuem agentes especiacuteficos (entre os quaisos homens com suas armas como a violecircncia fiacutesica e a violecircncia simboacutelica) einstituiccedilotildees famiacutelias Igreja Escola Estadordquo (BOURDIEU 2005 p46)
Lauretis (1994) leva a discussatildeo mais aleacutem e diz que a dominaccedilatildeo natildeo
acontece soacute nos aparelhos ideoloacutegicos do Estado como ldquomiacutedia nas escolas puacuteblicas e
particulares nos tribunais na famiacutelia nuclear extensa ou monoparentalrdquo mas tambeacutem no meio
acadecircmico no feminismo e na comunidade intelectual (LAURETIS 1994 p209) Ou seja
essas instituiccedilotildees contribuem para a reproduccedilatildeo de discursos patriarcais e para a permanecircncia
destes
Ao retornarmos ao livro percebemos que a fixaccedilatildeo com o proacuteprio corpo eacute
transmitida para a personagem Alice por trecircs pilares mantedores e reprodutores dos discursos
patriarcais a sociedade as miacutedias e a famiacutelia
Primeiramente os valores de Alice satildeo discursivamente transmitidos de forma
inconsciente pela matildee ou seja pela instituiccedilatildeo familiar A matildee da personagem tem uma visatildeo
distorcida de si mesma No diaacutelogo a seguir conhecido apenas pelo narrador eacute possiacutevel notar
a visatildeo que a proacutepria matildee tem de seu corpo jaacute viacutetima dessa violecircncia simboacutelica imposta para
as mulheres Vejamos ldquoEacute por isso que largou a gente porque natildeo presta Natildeo foi soacute porque
eu engordei e fiquei uma pipardquo e Alice supostamente responderia ldquoMas vocecirc natildeo ficou uma pipa- Alice tentaria consolaacute-la sabendo que ela natildeo acreditariardquo (p10) Notamos assim que
a matildee de Alice correlaciona o fato de seu casamento natildeo ter sido ldquoeternordquo com o fato de ter
engordado ou seja a matildee se aceita como produto social No momento em que esse produto
(bonito aos olhos do esposo) se transforma o casamento fracassa Essa relaccedilatildeo de felicidade
relacionada agrave aparecircncia do corpo eacute passada para a filha que acredita que soacute seraacute feliz se for
magra
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O discurso machista circulado socialmente tambeacutem pode ser percebido no
trecho ldquotodo mundo dizia que ela era linda e magrardquo (p10) Demostrando que o discurso
corrente na sociedade estaacute sempre associando o ldquobelordquo com a quantidade de calorias que o
corpo possui Assim a cultura vigente quer unificar todas as mulheres em um mesmo padratildeo
Essa unificaccedilatildeo eacute completamente ilusoacuteria e desconsidera o sujeito como algueacutem com
muacuteltiplas identidades
Outro pilar transmissor desse discurso eacute a miacutedia Alice tem extrema veneraccedilatildeo
pela famosa Mirna Lee modelo presente em vaacuterias capas de revistas Descrita como dona de
um corpo sequinho e sem nenhum grama de gordura Mirna Lee torna-se a musa dapersonagem que por sua vez coleciona pilhas de revistas de sua ldquodeusardquo Aleacutem de Mirna
Lee Alice coleciona e folheia revistas de moda a procura dos segredos das top models entre
elas o narrador cita a revista chamada ldquoBeleza e Levezardquo
Embora segundo o autor as mulheres natildeo escolham adotar praacuteticas submissas
ao contraacuterio ldquoeacute preciso assinalar natildeo soacute que as tendecircncias agrave ldquosubmissatildeordquo dadas por vezes
como pretexto para ldquoculpar a viacutetimardquo satildeo resultantes das estruturas objetivasrdquo (p52) ou
seja voltada apenas no objeto (casa fogatildeo cozinha lavanderia ) e natildeo no sujeito elas estatildeoenvoltas em uma estrutura de dominaccedilatildeo em que encontram-se como se magicamente
dominadas o que Bourdieu iraacute chamar de ldquosubmissatildeo encantadardquo Submissatildeo maacutegica que por
meio de uma forccedila simboacutelica e um acordo taacutecito entre dominado e dominante faz com que
esse processo torne-se natural (BOURDIEU 2005 p46)
E as proacuteprias mulheres aplicam a toda realidade e particularmente agraves relaccedilotildees depoder em que se vecircem envolvidas esquemas de pensamentos que satildeo produto daincorporaccedilatildeo dessas relaccedilotildees de poder e que se expressam nas oposiccedilotildees fundantes
da ordem simboacutelica (BORDIEU 2005 p45)
Essa inversatildeo da relaccedilatildeo entre as causas e os efeitos da dominaccedilatildeo masculina e
a construccedilatildeo social naturalizada de algo que eacute imposto pela sociedade levam as mulheres
ingenuinamente a acreditarem que satildeo donas de suas proacuteprias decisotildees e de seu proacuteprio
corpo
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Sempre vi na dominaccedilatildeo masculina e no modo como eacute imposta a vivecircncia o
exemplo por excelecircncia desta submissatildeo paradoxal resultante daquilo que eu chamode violecircncia simboacutelica violecircncia suave insensiacutevel invisiacutevel a suas proacuteprias viacutetimasque se exerce essencialmente pelas vias puramente simboacutelicas de comunicaccedilatildeo e doconhecimento ou mais precisamente do desconhecimento do reconhecimento ouem uacuteltima instacircncia do sentimento (BOURDIEU 2005 p 7-8)
Para Bordieu (2005) seria ilusatildeo acreditarmos que a violecircncia simboacutelica
poderia ser vencida apenas pela conscientizaccedilatildeo e pela vontade de mudanccedila pois ldquoos efeitos e
as condiccedilotildees de sua eficaacutecia estatildeo duradouramente inscritas no mais iacutentimo dos corpos sob a
forma de predisposiccedilotildeesrdquo (p51) Contudo no depoimento da personagem nas paacuteginas finais
do livro percebemos uma tomada de consciecircncia se natildeo completa o suficiente para lutar
contra o transtorno alimentar que aflige a personagem ldquoPara mim todos os outros valores
aleacutem da aparecircncia natildeo tinham importacircncia Minha realizaccedilatildeo como pessoa dependia
inteiramente do meu corpo transformado em objeto de consumo Eu natildeo gostava de mimrdquo
(p156)
Segundo Lauretis ldquoa sexualizaccedilatildeo do corpo feminino tem sido com efeito uma
das figuras ou objetos de conhecimento favoritos nos discursos da ciecircncia meacutedica da religiatildeo
arte literatura cultura popular e assim por dianterdquo (p221) Para a criacutetica o corpo feminino eacute
visto comumente como atributo ou propriedade do masculino em outras palavras o corpo
feminino estaacute relacionada com o prazer visual masculino Isso pode gerar nas mulheres uma
auto-depreciaccedilatildeo ou autodesprezo pelo proacuteprio corpo como tambeacutem nos lembra Bourdieu
(2005) No caso da personagem em questatildeo levou Alice quase agrave morte
Consideraccedilotildees finais
Em linhas gerais tentamos evidenciar neste trabalho as diferenccedilas das
personagens principais da narrativa Alice e Ecila mostrando os papeacuteis que elas ocupam no
script social e as formas de dominaccedilatildeo a que satildeo submetidas Por meio da anaacutelise do livro e da
leitura de textos teoacutericos notamos que ambas reagem diferentemente agraves formas de subversatildeo
feminina Enquanto a personagem de Alice posiciona-se de forma destrutiva (doenccedila
sensaccedilatildeo de abandono) diante agraves imposiccedilotildees ideoloacutegicas que sofre temos a personagem Ecila
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que natildeo aceita tacitamente esse jogo da relaccedilatildeo de poder entre dominante e dominado Em
outras palavras Ecila se distancia e posiciona-se criticamente em relaccedilatildeo a esta imposiccedilatildeo
Aleacutem disso notamos na narrativa de Laura Bergalho elementos internos
capazes de seduzir por meio da identificaccedilatildeo com o jovem A linguagem vocabulaacuterio
caracterizaccedilatildeo dos personagens e a proacutepria temaacutetica abordada no livro repleto de assuntos
polecircmicos como a anorexia bulimia e a separaccedilatildeo dos pais satildeo abordados de uma forma
responsaacutevel e interessante Por esse motivo acreditamos que o livro poderia ser um
instrumento riquiacutessimo para o trabalho em sala de aula e trabalhado com seacuteries de ensino
fundamental e meacutedio poderia contribuir na quebra de uma ideologia hegemocircnica presente nasociedade
Em um panorama mais amplo este trabalho buscou tambeacutem averiguar como
um livro de autoria feminina destinada ao puacuteblico infantojuvenil representa em seu texto as
reflexotildees suscitadas pela Criacutetica Feminista contemporacircnea Constatamos que Laura Bergalho
eacute uma das vozes de escritoras contemporacircnea que problematiza essas questotildees pondo agrave luz
temas conflitantes da sociedade e por meio da personagem Ecila se posicionando de forma
criacutetica diante do discurso patriarcal
Referecircncias bibliograacuteficas
BOURDIEU Pierre A dominaccedilatildeo masculina traduccedilatildeo Maria Helena Kuumlhner- 4ordfed-Rio de Janeiro Bertrand Brasil 2005BERGALHO Laura Alice no espelho Satildeo Paulo Ediccedilotildees SM 2005 ndash (Muriqui)BUTLER Judith P Problemas de gecircnero feminismo e subversatildeo da identidade TradRenato Aguiar Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2003GROPPO Luiacutes Antonio Juventude ensaios sobre sociologia e histoacuteria das juventudes
modernas Rio de Janeiro DIFEL 2000 (coleccedilatildeo Enfoques Sociologia)HALL Stuart A identidade cultural na poacutes-modernidade Traduccedilatildeo Tomaz Tadeu Silva 10ed Rio de Janeiro DP amp A Editora (306 H179i 10 d 2005)LAURETIS T A tecnologia do gecircnero In HOLLANDA H B (Org) Tendecircncias eimpasses o feminismo como criacutetica da cultura Rio de Janeiro Rocco 1994 p 206-242
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oposta Ao lermos ldquoEcilardquo de traacutes para frente temos o nome ldquoAlicerdquo Isso nos indica que
Ecila aleacutem de ser o reflexo que Alice vecirc no espelho (fruto de uma visatildeo distorcida) torna-se
tambeacutem uma personagem com caracteriacutesticas proacuteprias e ideologicamente contraacuterias aos
valores que Alice considera importantes como por exemplo o culto excessivo ao proacuteprio
corpo
Embora diferentes as personagens estatildeo inseridas em uma mesma sociedade
contemporacircnea denominada moderna Natildeo entraremos para fins didaacuteticos na discussatildeo de
modernidade e poacutes-modernidade que natildeo abrangeria este artigo O importante eacute entendermos
o conceito de identidade fragmentada para entendermos melhor o posicionamento de Alice eEcila
De acordo com Hall (2005) a sociedade moderna estaacute em contiacutenua
transformaccedilatildeo juntamente com a visatildeo que as ciecircncias adotam em relaccedilatildeo agrave postura do
indiviacuteduo Indiviacuteduo este como parte constitutiva dessa mudanccedila Ao discutir a questatildeo da
identidade o autor afirma que ldquoas velhas identidades que por tanto tempo estabilizaram o
mundo social estatildeo em decliacutenio fazendo surgir novas identidades e fragmentando o
indiviacuteduo moderno ateacute aqui visto como um sujeito unificadordquo (p7)
Esse novo entendimento do que estaria se tornando o sujeito leva o autor a
constatar que as identidades modernas estatildeo deslocadas ou fragmentadas Para Hall pensar
em um sujeito cuja individualidade seja una correspondente somente a uma classe poderia
levar-nos agrave falaacutecia O indiviacuteduo social antes soacutelido agora estaacute em constante transformaccedilatildeo
Essa mudanccedila estrutural na sociedade estaria ldquomudando nossas identidades pessoais abalando
a ideacuteia que temos de noacutes proacuteprios como sujeitos integradosrdquo (p 9) ou seja sujeitos
pertencentes a uma determinada classeNa narrativa de Bergalho temos a personagem Alice em busca de uma uacutenica
identidade (se isso fosse possiacutevel) ou seja uma identidade unificada em que ela se sentisse
pertencente a uma determinada classe dos indiviacuteduos magros Diferentemente temos o
posicionamento da personagem ldquoGordardquo que no mundo em que as pessoas possuem a mesma
identidade ela como uma forma de resistecircncia busca a sua proacutepria pensando diferente dos
demais
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Metaforicamente podemos associar a transformaccedilatildeo que Hall (2005) cita com
o processo de ldquotransformaccedilatildeordquo que ocorre no livro Vejamos No mundo de Ecila todos os
adolescentes no aniversaacuterio de dezesseis anos satildeo obrigados a passarem por um ato ciruacutergico
denominado ldquotransformaccedilatildeordquo Nesse procedimento o adolescente escolhe o modelo de
beleza que gostaria de ser A ironia preside na existecircncia de poucos modelos existentes
portanto fatalmente as pessoas existentes nesse mundo satildeo completamente padronizadas
Notamos assim uma sociedade com transformaccedilatildeo inversa se pensarmos em Hall uma
sociedade em que todos os indiviacuteduos necessitam serem iguais
O sujeito moderno segundo o teoacuterico pode ser composto de inuacutemerasidentidades ldquoalgumas vezes contraditoacuterias ou natildeo resolvidasrdquo (p12) pois para o autor ldquosomos
confrontados por uma multiplicidade desconcertante e cambiante de identidades possiacuteveis
com cada uma das quais poderiacuteamos nos identificar ndash ao menos temporariamenterdquo (p13) No
universo dentro do espelho essa multiplicidade eacute anulada As pessoas satildeo obrigadas a
mudarem sua aparecircncia fiacutesica e a optarem por um modelo para o resto da vida e aquelas que
se recusam satildeo exiladas e taxadas como ldquoloucasrdquo Ecila natildeo se importa com essa
discriminaccedilatildeo e adota uma postura perante essa sociedade padronizada como primeira opccedilatildeoalmeja a fuga quando essa se torna impossiacutevel busca na leitura de Alice no paiacutes das
maravilhas outra forma de ver o mundo
O posicionamento de Alice eacute o oposto Ela natildeo entende por que a amiga se
recusa a transformar-se a tornar-se bela e perfeita bons atributos na sua visatildeo distorcida No
entanto a transformaccedilatildeo natildeo fica apenas no acircmbito da aparecircncia a mudanccedila ocorre tambeacutem
na essecircncia do indiviacuteduo Isso eacute percebido em um diaacutelogo entre Alice e Ecila Ao questionar
Ecila sobre o motivo da recusa Alice pergunta ldquo- Mas por que vocecirc vai recusar Atransformaccedilatildeo natildeo eacute uma coisa boa Natildeo deixa as pessoas bonitasrdquo e Ecila responde ldquo -
Deixa as pessoas monotonamente iguais de corpo e almardquo (BERGALHO p79)
Dialogando com Hall (2005) Lauretis (1994) ao discutir a noccedilatildeo de gecircnero e o
posicionamento do sujeito feminino nessa nova percepccedilatildeo da realidade trabalha com a
concepccedilatildeo de sujeito muacuteltiplo ou seja
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um sujeito constituiacutedo no gecircnero sem duacutevida mas natildeo apenas pela diferenccedila sexual
e sim por meio de coacutedigos linguumliacutesticos e representaccedilotildees culturais um sujeitoacuteengedradorsquo natildeo soacute na experiecircncia de relaccedilotildees de sexo mas tambeacutem nas de raccedila eclasse um sujeito portanto muacuteltiplo em vez de uacutenico e contraditoacuterio em vez desimplesmente dividido (LAURETIS 1994 p204)
Alice por mais que natildeo se reconheccedila como portadora de inuacutemeras identidades
pode ser considerada com essa pluralizaccedilatildeo eacute mulher mas natildeo apenas uma mulher Dentro
desse gecircnero eacute mulher adolescente com todos os seus medos anseios e sonhos eacute filha neta
aluna E a todo o momento na narrativa Ecila tenta mostrar para a amiga essa multiplicidade
embora ela soacute se identifique com um modelo o de Mirna LeeA noccedilatildeo de sujeito constituiacutedo no gecircnero proposto acima por Lauretis (1994) e
discutido pela Teoria Criacutetica Feminista natildeo deixa de considerar o contexto histoacuterico e
poliacutetico em que o termo gecircnero eacute utilizado Cito Butler
o gecircnero nem sempre se constitui de maneira coerente ou consistente nos diferentescontextos histoacutericos e porque o gecircnero estabelece interseccedilotildees com modalidadesraciais classistas eacutetnicas sexuais e regionais de identidades discursivamenteconstituiacutedas Resulta que se tornou impossiacutevel separar a noccedilatildeo de ldquogecircnerordquo das
interseccedilotildees poliacuteticas e culturais em que invariavelmente ela eacute produzida e mantida(BUTLER 2003 p20)
A problematizaccedilatildeo da noccedilatildeo de gecircnero abriu novos caminhos para os estudos
feministas Passou-se a natildeo considerar a mulher como um uacutenica identidade e constituiacuteda de
um uacutenico gecircnero (branca ocidental patroa pertencente apenas agrave uma determinada classe
econocircmica e social) para se pensar em categorias de mulheres em diferentes contextos com
seus problemas particulares diferentemente do termo estaacutevel e permanente que tiacutenhamos
anteriormente (BUTLER 2003 p18)E considerando o contexto natildeo podemos nos esquecer que Alice eacute adolescente
E assim como a noccedilatildeo de gecircnero do sujeito feminino eacute problemaacutetica a noccedilatildeo de juventude
tambeacutem o eacute O conceito ldquojuventuderdquo e a concepccedilatildeo ldquoser jovemrdquo continua em constante
modificaccedilatildeo pois eacute vivido na vida cotidiana e nela se modifica e se recria No entanto natildeo eacute
uma concepccedilatildeo una e depende da cultura paiacutes localidade e ideologia na qual estaacute inserida
Assim a noccedilatildeo de gecircnero pode influir na concepccedilatildeo de juventude Por
exemplo uma adolescente e um adolescente da mesma classe social mesmo ambiente
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urbano mesma etnia reagiram diferentemente perante a sociedade e as dificuldades
encontradas nesse processo de amadurecimento Por outro lado gecircneros de uma classe
marginalizada podem criar uma mesma identidade juvenil como forma de proteccedilatildeo
(GROPPO p16 2000)
A personagem de Alice reage de forma destrutiva ao se deparar com os
problemas do dia-a-dia como o divoacutercio dos pais e a pressatildeo por parte da matildee Jaacute Ecila se
mostra determinada a lutar por aquilo que acredita sua liberdade Ambas as personagens satildeo
adolescentes possuem a mesma faixa etaacuteria mas dependendo do contexto que estatildeo inseridas
reagem de maneira diferente a determinadas situaccedilotildeesNo decorrer da narrativa percebemos que Alice comeccedila a ser influenciada
pelas atitudes de Ecila
Depois das experiecircncias que tem vivido no mundo do espelho Alice jaacute natildeo sabe quedireccedilatildeo tomar Seus caminhos parecem todos embolados e suas certezas cada vezmais incertas Eacute verdade que ainda sonha em ser como a Mirna Lee em conquistarTiago em tornar-se linda e magra para enfim ser feliz Mas comeccedila a admirar adeterminaccedilatildeo e a coragem de Ecila a independecircncia do pai dela o apego de ambos agraveideacuteia de liberdade Pensar na amiga e em seu pai que preferiu ser preso para poderser livre de repente acalma a afliccedilatildeo e o ataque de fome de Alice Ela passa amastigar os biscoitos mais devagar e a beber o leite com calma sentindo tudo descersuavemente sem que o estocircmago se revolte como de costume (BERGALHO 2005p134)
Nesse momento o mundo do espelho comeccedila a ajudar Alice ldquorealrdquo Aos
poucos a personagem vai percebendo que estaacute inserida em uma sociedade marcada pela
ditadura e imposiccedilatildeo Vejamos
Na TV o anuacutencio de um milagroso programa de emagrecimento chama a atenccedilatildeodas duas O produto anunciado promete quilos e anos a menos aleacutem de felicidadegarantida eacute claro Uma loura mageacuterrima sorridente e bela diz quanto sua vidamelhorou depois de ter usado a foacutermula () Uma imagem de lsquoantesrsquo mostra a louracheinha e muito desanimada agora magra e completamente triufante De novo Alicese lembra de Ecila e sem querer pensa alto - Eacute a gorda tinha razatildeoO mundo aquinatildeo eacute tatildeo diferente do dela (BERGALHO 2005 p152-153)
Nesse sentido entender os mecanismos aos quais a mulher estaacute
ldquoengendradamenterdquo submetida e como nos acrescenta Pierre Bourdieu (2005) ldquosubmissardquo
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poderia levar-nos a um distanciamento criacutetico (space-off) e um entendimento mais amplo das
estruturas de poder existentes em nossa sociedade e cuja mulher eacute submetida e contribui para
a perpetuaccedilatildeo de um discurso machista como aconteceu com a personagem Alice Segundo
Bourdieu
as estruturas de dominaccedilatildeo satildeo produto de um trabalho incessante (e como talhistoacuterico) de reproduccedilatildeo para o qual contribuem agentes especiacuteficos (entre os quaisos homens com suas armas como a violecircncia fiacutesica e a violecircncia simboacutelica) einstituiccedilotildees famiacutelias Igreja Escola Estadordquo (BOURDIEU 2005 p46)
Lauretis (1994) leva a discussatildeo mais aleacutem e diz que a dominaccedilatildeo natildeo
acontece soacute nos aparelhos ideoloacutegicos do Estado como ldquomiacutedia nas escolas puacuteblicas e
particulares nos tribunais na famiacutelia nuclear extensa ou monoparentalrdquo mas tambeacutem no meio
acadecircmico no feminismo e na comunidade intelectual (LAURETIS 1994 p209) Ou seja
essas instituiccedilotildees contribuem para a reproduccedilatildeo de discursos patriarcais e para a permanecircncia
destes
Ao retornarmos ao livro percebemos que a fixaccedilatildeo com o proacuteprio corpo eacute
transmitida para a personagem Alice por trecircs pilares mantedores e reprodutores dos discursos
patriarcais a sociedade as miacutedias e a famiacutelia
Primeiramente os valores de Alice satildeo discursivamente transmitidos de forma
inconsciente pela matildee ou seja pela instituiccedilatildeo familiar A matildee da personagem tem uma visatildeo
distorcida de si mesma No diaacutelogo a seguir conhecido apenas pelo narrador eacute possiacutevel notar
a visatildeo que a proacutepria matildee tem de seu corpo jaacute viacutetima dessa violecircncia simboacutelica imposta para
as mulheres Vejamos ldquoEacute por isso que largou a gente porque natildeo presta Natildeo foi soacute porque
eu engordei e fiquei uma pipardquo e Alice supostamente responderia ldquoMas vocecirc natildeo ficou uma pipa- Alice tentaria consolaacute-la sabendo que ela natildeo acreditariardquo (p10) Notamos assim que
a matildee de Alice correlaciona o fato de seu casamento natildeo ter sido ldquoeternordquo com o fato de ter
engordado ou seja a matildee se aceita como produto social No momento em que esse produto
(bonito aos olhos do esposo) se transforma o casamento fracassa Essa relaccedilatildeo de felicidade
relacionada agrave aparecircncia do corpo eacute passada para a filha que acredita que soacute seraacute feliz se for
magra
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O discurso machista circulado socialmente tambeacutem pode ser percebido no
trecho ldquotodo mundo dizia que ela era linda e magrardquo (p10) Demostrando que o discurso
corrente na sociedade estaacute sempre associando o ldquobelordquo com a quantidade de calorias que o
corpo possui Assim a cultura vigente quer unificar todas as mulheres em um mesmo padratildeo
Essa unificaccedilatildeo eacute completamente ilusoacuteria e desconsidera o sujeito como algueacutem com
muacuteltiplas identidades
Outro pilar transmissor desse discurso eacute a miacutedia Alice tem extrema veneraccedilatildeo
pela famosa Mirna Lee modelo presente em vaacuterias capas de revistas Descrita como dona de
um corpo sequinho e sem nenhum grama de gordura Mirna Lee torna-se a musa dapersonagem que por sua vez coleciona pilhas de revistas de sua ldquodeusardquo Aleacutem de Mirna
Lee Alice coleciona e folheia revistas de moda a procura dos segredos das top models entre
elas o narrador cita a revista chamada ldquoBeleza e Levezardquo
Embora segundo o autor as mulheres natildeo escolham adotar praacuteticas submissas
ao contraacuterio ldquoeacute preciso assinalar natildeo soacute que as tendecircncias agrave ldquosubmissatildeordquo dadas por vezes
como pretexto para ldquoculpar a viacutetimardquo satildeo resultantes das estruturas objetivasrdquo (p52) ou
seja voltada apenas no objeto (casa fogatildeo cozinha lavanderia ) e natildeo no sujeito elas estatildeoenvoltas em uma estrutura de dominaccedilatildeo em que encontram-se como se magicamente
dominadas o que Bourdieu iraacute chamar de ldquosubmissatildeo encantadardquo Submissatildeo maacutegica que por
meio de uma forccedila simboacutelica e um acordo taacutecito entre dominado e dominante faz com que
esse processo torne-se natural (BOURDIEU 2005 p46)
E as proacuteprias mulheres aplicam a toda realidade e particularmente agraves relaccedilotildees depoder em que se vecircem envolvidas esquemas de pensamentos que satildeo produto daincorporaccedilatildeo dessas relaccedilotildees de poder e que se expressam nas oposiccedilotildees fundantes
da ordem simboacutelica (BORDIEU 2005 p45)
Essa inversatildeo da relaccedilatildeo entre as causas e os efeitos da dominaccedilatildeo masculina e
a construccedilatildeo social naturalizada de algo que eacute imposto pela sociedade levam as mulheres
ingenuinamente a acreditarem que satildeo donas de suas proacuteprias decisotildees e de seu proacuteprio
corpo
7172019 FABRETTI Liacutegia Maria - Representaccedilatildeo Da Escrita Feminina Na Literatura Juvenil Contemporacircnea Uma Leitura de Alice No Espelho
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Sempre vi na dominaccedilatildeo masculina e no modo como eacute imposta a vivecircncia o
exemplo por excelecircncia desta submissatildeo paradoxal resultante daquilo que eu chamode violecircncia simboacutelica violecircncia suave insensiacutevel invisiacutevel a suas proacuteprias viacutetimasque se exerce essencialmente pelas vias puramente simboacutelicas de comunicaccedilatildeo e doconhecimento ou mais precisamente do desconhecimento do reconhecimento ouem uacuteltima instacircncia do sentimento (BOURDIEU 2005 p 7-8)
Para Bordieu (2005) seria ilusatildeo acreditarmos que a violecircncia simboacutelica
poderia ser vencida apenas pela conscientizaccedilatildeo e pela vontade de mudanccedila pois ldquoos efeitos e
as condiccedilotildees de sua eficaacutecia estatildeo duradouramente inscritas no mais iacutentimo dos corpos sob a
forma de predisposiccedilotildeesrdquo (p51) Contudo no depoimento da personagem nas paacuteginas finais
do livro percebemos uma tomada de consciecircncia se natildeo completa o suficiente para lutar
contra o transtorno alimentar que aflige a personagem ldquoPara mim todos os outros valores
aleacutem da aparecircncia natildeo tinham importacircncia Minha realizaccedilatildeo como pessoa dependia
inteiramente do meu corpo transformado em objeto de consumo Eu natildeo gostava de mimrdquo
(p156)
Segundo Lauretis ldquoa sexualizaccedilatildeo do corpo feminino tem sido com efeito uma
das figuras ou objetos de conhecimento favoritos nos discursos da ciecircncia meacutedica da religiatildeo
arte literatura cultura popular e assim por dianterdquo (p221) Para a criacutetica o corpo feminino eacute
visto comumente como atributo ou propriedade do masculino em outras palavras o corpo
feminino estaacute relacionada com o prazer visual masculino Isso pode gerar nas mulheres uma
auto-depreciaccedilatildeo ou autodesprezo pelo proacuteprio corpo como tambeacutem nos lembra Bourdieu
(2005) No caso da personagem em questatildeo levou Alice quase agrave morte
Consideraccedilotildees finais
Em linhas gerais tentamos evidenciar neste trabalho as diferenccedilas das
personagens principais da narrativa Alice e Ecila mostrando os papeacuteis que elas ocupam no
script social e as formas de dominaccedilatildeo a que satildeo submetidas Por meio da anaacutelise do livro e da
leitura de textos teoacutericos notamos que ambas reagem diferentemente agraves formas de subversatildeo
feminina Enquanto a personagem de Alice posiciona-se de forma destrutiva (doenccedila
sensaccedilatildeo de abandono) diante agraves imposiccedilotildees ideoloacutegicas que sofre temos a personagem Ecila
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que natildeo aceita tacitamente esse jogo da relaccedilatildeo de poder entre dominante e dominado Em
outras palavras Ecila se distancia e posiciona-se criticamente em relaccedilatildeo a esta imposiccedilatildeo
Aleacutem disso notamos na narrativa de Laura Bergalho elementos internos
capazes de seduzir por meio da identificaccedilatildeo com o jovem A linguagem vocabulaacuterio
caracterizaccedilatildeo dos personagens e a proacutepria temaacutetica abordada no livro repleto de assuntos
polecircmicos como a anorexia bulimia e a separaccedilatildeo dos pais satildeo abordados de uma forma
responsaacutevel e interessante Por esse motivo acreditamos que o livro poderia ser um
instrumento riquiacutessimo para o trabalho em sala de aula e trabalhado com seacuteries de ensino
fundamental e meacutedio poderia contribuir na quebra de uma ideologia hegemocircnica presente nasociedade
Em um panorama mais amplo este trabalho buscou tambeacutem averiguar como
um livro de autoria feminina destinada ao puacuteblico infantojuvenil representa em seu texto as
reflexotildees suscitadas pela Criacutetica Feminista contemporacircnea Constatamos que Laura Bergalho
eacute uma das vozes de escritoras contemporacircnea que problematiza essas questotildees pondo agrave luz
temas conflitantes da sociedade e por meio da personagem Ecila se posicionando de forma
criacutetica diante do discurso patriarcal
Referecircncias bibliograacuteficas
BOURDIEU Pierre A dominaccedilatildeo masculina traduccedilatildeo Maria Helena Kuumlhner- 4ordfed-Rio de Janeiro Bertrand Brasil 2005BERGALHO Laura Alice no espelho Satildeo Paulo Ediccedilotildees SM 2005 ndash (Muriqui)BUTLER Judith P Problemas de gecircnero feminismo e subversatildeo da identidade TradRenato Aguiar Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2003GROPPO Luiacutes Antonio Juventude ensaios sobre sociologia e histoacuteria das juventudes
modernas Rio de Janeiro DIFEL 2000 (coleccedilatildeo Enfoques Sociologia)HALL Stuart A identidade cultural na poacutes-modernidade Traduccedilatildeo Tomaz Tadeu Silva 10ed Rio de Janeiro DP amp A Editora (306 H179i 10 d 2005)LAURETIS T A tecnologia do gecircnero In HOLLANDA H B (Org) Tendecircncias eimpasses o feminismo como criacutetica da cultura Rio de Janeiro Rocco 1994 p 206-242
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Metaforicamente podemos associar a transformaccedilatildeo que Hall (2005) cita com
o processo de ldquotransformaccedilatildeordquo que ocorre no livro Vejamos No mundo de Ecila todos os
adolescentes no aniversaacuterio de dezesseis anos satildeo obrigados a passarem por um ato ciruacutergico
denominado ldquotransformaccedilatildeordquo Nesse procedimento o adolescente escolhe o modelo de
beleza que gostaria de ser A ironia preside na existecircncia de poucos modelos existentes
portanto fatalmente as pessoas existentes nesse mundo satildeo completamente padronizadas
Notamos assim uma sociedade com transformaccedilatildeo inversa se pensarmos em Hall uma
sociedade em que todos os indiviacuteduos necessitam serem iguais
O sujeito moderno segundo o teoacuterico pode ser composto de inuacutemerasidentidades ldquoalgumas vezes contraditoacuterias ou natildeo resolvidasrdquo (p12) pois para o autor ldquosomos
confrontados por uma multiplicidade desconcertante e cambiante de identidades possiacuteveis
com cada uma das quais poderiacuteamos nos identificar ndash ao menos temporariamenterdquo (p13) No
universo dentro do espelho essa multiplicidade eacute anulada As pessoas satildeo obrigadas a
mudarem sua aparecircncia fiacutesica e a optarem por um modelo para o resto da vida e aquelas que
se recusam satildeo exiladas e taxadas como ldquoloucasrdquo Ecila natildeo se importa com essa
discriminaccedilatildeo e adota uma postura perante essa sociedade padronizada como primeira opccedilatildeoalmeja a fuga quando essa se torna impossiacutevel busca na leitura de Alice no paiacutes das
maravilhas outra forma de ver o mundo
O posicionamento de Alice eacute o oposto Ela natildeo entende por que a amiga se
recusa a transformar-se a tornar-se bela e perfeita bons atributos na sua visatildeo distorcida No
entanto a transformaccedilatildeo natildeo fica apenas no acircmbito da aparecircncia a mudanccedila ocorre tambeacutem
na essecircncia do indiviacuteduo Isso eacute percebido em um diaacutelogo entre Alice e Ecila Ao questionar
Ecila sobre o motivo da recusa Alice pergunta ldquo- Mas por que vocecirc vai recusar Atransformaccedilatildeo natildeo eacute uma coisa boa Natildeo deixa as pessoas bonitasrdquo e Ecila responde ldquo -
Deixa as pessoas monotonamente iguais de corpo e almardquo (BERGALHO p79)
Dialogando com Hall (2005) Lauretis (1994) ao discutir a noccedilatildeo de gecircnero e o
posicionamento do sujeito feminino nessa nova percepccedilatildeo da realidade trabalha com a
concepccedilatildeo de sujeito muacuteltiplo ou seja
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um sujeito constituiacutedo no gecircnero sem duacutevida mas natildeo apenas pela diferenccedila sexual
e sim por meio de coacutedigos linguumliacutesticos e representaccedilotildees culturais um sujeitoacuteengedradorsquo natildeo soacute na experiecircncia de relaccedilotildees de sexo mas tambeacutem nas de raccedila eclasse um sujeito portanto muacuteltiplo em vez de uacutenico e contraditoacuterio em vez desimplesmente dividido (LAURETIS 1994 p204)
Alice por mais que natildeo se reconheccedila como portadora de inuacutemeras identidades
pode ser considerada com essa pluralizaccedilatildeo eacute mulher mas natildeo apenas uma mulher Dentro
desse gecircnero eacute mulher adolescente com todos os seus medos anseios e sonhos eacute filha neta
aluna E a todo o momento na narrativa Ecila tenta mostrar para a amiga essa multiplicidade
embora ela soacute se identifique com um modelo o de Mirna LeeA noccedilatildeo de sujeito constituiacutedo no gecircnero proposto acima por Lauretis (1994) e
discutido pela Teoria Criacutetica Feminista natildeo deixa de considerar o contexto histoacuterico e
poliacutetico em que o termo gecircnero eacute utilizado Cito Butler
o gecircnero nem sempre se constitui de maneira coerente ou consistente nos diferentescontextos histoacutericos e porque o gecircnero estabelece interseccedilotildees com modalidadesraciais classistas eacutetnicas sexuais e regionais de identidades discursivamenteconstituiacutedas Resulta que se tornou impossiacutevel separar a noccedilatildeo de ldquogecircnerordquo das
interseccedilotildees poliacuteticas e culturais em que invariavelmente ela eacute produzida e mantida(BUTLER 2003 p20)
A problematizaccedilatildeo da noccedilatildeo de gecircnero abriu novos caminhos para os estudos
feministas Passou-se a natildeo considerar a mulher como um uacutenica identidade e constituiacuteda de
um uacutenico gecircnero (branca ocidental patroa pertencente apenas agrave uma determinada classe
econocircmica e social) para se pensar em categorias de mulheres em diferentes contextos com
seus problemas particulares diferentemente do termo estaacutevel e permanente que tiacutenhamos
anteriormente (BUTLER 2003 p18)E considerando o contexto natildeo podemos nos esquecer que Alice eacute adolescente
E assim como a noccedilatildeo de gecircnero do sujeito feminino eacute problemaacutetica a noccedilatildeo de juventude
tambeacutem o eacute O conceito ldquojuventuderdquo e a concepccedilatildeo ldquoser jovemrdquo continua em constante
modificaccedilatildeo pois eacute vivido na vida cotidiana e nela se modifica e se recria No entanto natildeo eacute
uma concepccedilatildeo una e depende da cultura paiacutes localidade e ideologia na qual estaacute inserida
Assim a noccedilatildeo de gecircnero pode influir na concepccedilatildeo de juventude Por
exemplo uma adolescente e um adolescente da mesma classe social mesmo ambiente
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urbano mesma etnia reagiram diferentemente perante a sociedade e as dificuldades
encontradas nesse processo de amadurecimento Por outro lado gecircneros de uma classe
marginalizada podem criar uma mesma identidade juvenil como forma de proteccedilatildeo
(GROPPO p16 2000)
A personagem de Alice reage de forma destrutiva ao se deparar com os
problemas do dia-a-dia como o divoacutercio dos pais e a pressatildeo por parte da matildee Jaacute Ecila se
mostra determinada a lutar por aquilo que acredita sua liberdade Ambas as personagens satildeo
adolescentes possuem a mesma faixa etaacuteria mas dependendo do contexto que estatildeo inseridas
reagem de maneira diferente a determinadas situaccedilotildeesNo decorrer da narrativa percebemos que Alice comeccedila a ser influenciada
pelas atitudes de Ecila
Depois das experiecircncias que tem vivido no mundo do espelho Alice jaacute natildeo sabe quedireccedilatildeo tomar Seus caminhos parecem todos embolados e suas certezas cada vezmais incertas Eacute verdade que ainda sonha em ser como a Mirna Lee em conquistarTiago em tornar-se linda e magra para enfim ser feliz Mas comeccedila a admirar adeterminaccedilatildeo e a coragem de Ecila a independecircncia do pai dela o apego de ambos agraveideacuteia de liberdade Pensar na amiga e em seu pai que preferiu ser preso para poderser livre de repente acalma a afliccedilatildeo e o ataque de fome de Alice Ela passa amastigar os biscoitos mais devagar e a beber o leite com calma sentindo tudo descersuavemente sem que o estocircmago se revolte como de costume (BERGALHO 2005p134)
Nesse momento o mundo do espelho comeccedila a ajudar Alice ldquorealrdquo Aos
poucos a personagem vai percebendo que estaacute inserida em uma sociedade marcada pela
ditadura e imposiccedilatildeo Vejamos
Na TV o anuacutencio de um milagroso programa de emagrecimento chama a atenccedilatildeodas duas O produto anunciado promete quilos e anos a menos aleacutem de felicidadegarantida eacute claro Uma loura mageacuterrima sorridente e bela diz quanto sua vidamelhorou depois de ter usado a foacutermula () Uma imagem de lsquoantesrsquo mostra a louracheinha e muito desanimada agora magra e completamente triufante De novo Alicese lembra de Ecila e sem querer pensa alto - Eacute a gorda tinha razatildeoO mundo aquinatildeo eacute tatildeo diferente do dela (BERGALHO 2005 p152-153)
Nesse sentido entender os mecanismos aos quais a mulher estaacute
ldquoengendradamenterdquo submetida e como nos acrescenta Pierre Bourdieu (2005) ldquosubmissardquo
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poderia levar-nos a um distanciamento criacutetico (space-off) e um entendimento mais amplo das
estruturas de poder existentes em nossa sociedade e cuja mulher eacute submetida e contribui para
a perpetuaccedilatildeo de um discurso machista como aconteceu com a personagem Alice Segundo
Bourdieu
as estruturas de dominaccedilatildeo satildeo produto de um trabalho incessante (e como talhistoacuterico) de reproduccedilatildeo para o qual contribuem agentes especiacuteficos (entre os quaisos homens com suas armas como a violecircncia fiacutesica e a violecircncia simboacutelica) einstituiccedilotildees famiacutelias Igreja Escola Estadordquo (BOURDIEU 2005 p46)
Lauretis (1994) leva a discussatildeo mais aleacutem e diz que a dominaccedilatildeo natildeo
acontece soacute nos aparelhos ideoloacutegicos do Estado como ldquomiacutedia nas escolas puacuteblicas e
particulares nos tribunais na famiacutelia nuclear extensa ou monoparentalrdquo mas tambeacutem no meio
acadecircmico no feminismo e na comunidade intelectual (LAURETIS 1994 p209) Ou seja
essas instituiccedilotildees contribuem para a reproduccedilatildeo de discursos patriarcais e para a permanecircncia
destes
Ao retornarmos ao livro percebemos que a fixaccedilatildeo com o proacuteprio corpo eacute
transmitida para a personagem Alice por trecircs pilares mantedores e reprodutores dos discursos
patriarcais a sociedade as miacutedias e a famiacutelia
Primeiramente os valores de Alice satildeo discursivamente transmitidos de forma
inconsciente pela matildee ou seja pela instituiccedilatildeo familiar A matildee da personagem tem uma visatildeo
distorcida de si mesma No diaacutelogo a seguir conhecido apenas pelo narrador eacute possiacutevel notar
a visatildeo que a proacutepria matildee tem de seu corpo jaacute viacutetima dessa violecircncia simboacutelica imposta para
as mulheres Vejamos ldquoEacute por isso que largou a gente porque natildeo presta Natildeo foi soacute porque
eu engordei e fiquei uma pipardquo e Alice supostamente responderia ldquoMas vocecirc natildeo ficou uma pipa- Alice tentaria consolaacute-la sabendo que ela natildeo acreditariardquo (p10) Notamos assim que
a matildee de Alice correlaciona o fato de seu casamento natildeo ter sido ldquoeternordquo com o fato de ter
engordado ou seja a matildee se aceita como produto social No momento em que esse produto
(bonito aos olhos do esposo) se transforma o casamento fracassa Essa relaccedilatildeo de felicidade
relacionada agrave aparecircncia do corpo eacute passada para a filha que acredita que soacute seraacute feliz se for
magra
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O discurso machista circulado socialmente tambeacutem pode ser percebido no
trecho ldquotodo mundo dizia que ela era linda e magrardquo (p10) Demostrando que o discurso
corrente na sociedade estaacute sempre associando o ldquobelordquo com a quantidade de calorias que o
corpo possui Assim a cultura vigente quer unificar todas as mulheres em um mesmo padratildeo
Essa unificaccedilatildeo eacute completamente ilusoacuteria e desconsidera o sujeito como algueacutem com
muacuteltiplas identidades
Outro pilar transmissor desse discurso eacute a miacutedia Alice tem extrema veneraccedilatildeo
pela famosa Mirna Lee modelo presente em vaacuterias capas de revistas Descrita como dona de
um corpo sequinho e sem nenhum grama de gordura Mirna Lee torna-se a musa dapersonagem que por sua vez coleciona pilhas de revistas de sua ldquodeusardquo Aleacutem de Mirna
Lee Alice coleciona e folheia revistas de moda a procura dos segredos das top models entre
elas o narrador cita a revista chamada ldquoBeleza e Levezardquo
Embora segundo o autor as mulheres natildeo escolham adotar praacuteticas submissas
ao contraacuterio ldquoeacute preciso assinalar natildeo soacute que as tendecircncias agrave ldquosubmissatildeordquo dadas por vezes
como pretexto para ldquoculpar a viacutetimardquo satildeo resultantes das estruturas objetivasrdquo (p52) ou
seja voltada apenas no objeto (casa fogatildeo cozinha lavanderia ) e natildeo no sujeito elas estatildeoenvoltas em uma estrutura de dominaccedilatildeo em que encontram-se como se magicamente
dominadas o que Bourdieu iraacute chamar de ldquosubmissatildeo encantadardquo Submissatildeo maacutegica que por
meio de uma forccedila simboacutelica e um acordo taacutecito entre dominado e dominante faz com que
esse processo torne-se natural (BOURDIEU 2005 p46)
E as proacuteprias mulheres aplicam a toda realidade e particularmente agraves relaccedilotildees depoder em que se vecircem envolvidas esquemas de pensamentos que satildeo produto daincorporaccedilatildeo dessas relaccedilotildees de poder e que se expressam nas oposiccedilotildees fundantes
da ordem simboacutelica (BORDIEU 2005 p45)
Essa inversatildeo da relaccedilatildeo entre as causas e os efeitos da dominaccedilatildeo masculina e
a construccedilatildeo social naturalizada de algo que eacute imposto pela sociedade levam as mulheres
ingenuinamente a acreditarem que satildeo donas de suas proacuteprias decisotildees e de seu proacuteprio
corpo
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Sempre vi na dominaccedilatildeo masculina e no modo como eacute imposta a vivecircncia o
exemplo por excelecircncia desta submissatildeo paradoxal resultante daquilo que eu chamode violecircncia simboacutelica violecircncia suave insensiacutevel invisiacutevel a suas proacuteprias viacutetimasque se exerce essencialmente pelas vias puramente simboacutelicas de comunicaccedilatildeo e doconhecimento ou mais precisamente do desconhecimento do reconhecimento ouem uacuteltima instacircncia do sentimento (BOURDIEU 2005 p 7-8)
Para Bordieu (2005) seria ilusatildeo acreditarmos que a violecircncia simboacutelica
poderia ser vencida apenas pela conscientizaccedilatildeo e pela vontade de mudanccedila pois ldquoos efeitos e
as condiccedilotildees de sua eficaacutecia estatildeo duradouramente inscritas no mais iacutentimo dos corpos sob a
forma de predisposiccedilotildeesrdquo (p51) Contudo no depoimento da personagem nas paacuteginas finais
do livro percebemos uma tomada de consciecircncia se natildeo completa o suficiente para lutar
contra o transtorno alimentar que aflige a personagem ldquoPara mim todos os outros valores
aleacutem da aparecircncia natildeo tinham importacircncia Minha realizaccedilatildeo como pessoa dependia
inteiramente do meu corpo transformado em objeto de consumo Eu natildeo gostava de mimrdquo
(p156)
Segundo Lauretis ldquoa sexualizaccedilatildeo do corpo feminino tem sido com efeito uma
das figuras ou objetos de conhecimento favoritos nos discursos da ciecircncia meacutedica da religiatildeo
arte literatura cultura popular e assim por dianterdquo (p221) Para a criacutetica o corpo feminino eacute
visto comumente como atributo ou propriedade do masculino em outras palavras o corpo
feminino estaacute relacionada com o prazer visual masculino Isso pode gerar nas mulheres uma
auto-depreciaccedilatildeo ou autodesprezo pelo proacuteprio corpo como tambeacutem nos lembra Bourdieu
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Consideraccedilotildees finais
Em linhas gerais tentamos evidenciar neste trabalho as diferenccedilas das
personagens principais da narrativa Alice e Ecila mostrando os papeacuteis que elas ocupam no
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leitura de textos teoacutericos notamos que ambas reagem diferentemente agraves formas de subversatildeo
feminina Enquanto a personagem de Alice posiciona-se de forma destrutiva (doenccedila
sensaccedilatildeo de abandono) diante agraves imposiccedilotildees ideoloacutegicas que sofre temos a personagem Ecila
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que natildeo aceita tacitamente esse jogo da relaccedilatildeo de poder entre dominante e dominado Em
outras palavras Ecila se distancia e posiciona-se criticamente em relaccedilatildeo a esta imposiccedilatildeo
Aleacutem disso notamos na narrativa de Laura Bergalho elementos internos
capazes de seduzir por meio da identificaccedilatildeo com o jovem A linguagem vocabulaacuterio
caracterizaccedilatildeo dos personagens e a proacutepria temaacutetica abordada no livro repleto de assuntos
polecircmicos como a anorexia bulimia e a separaccedilatildeo dos pais satildeo abordados de uma forma
responsaacutevel e interessante Por esse motivo acreditamos que o livro poderia ser um
instrumento riquiacutessimo para o trabalho em sala de aula e trabalhado com seacuteries de ensino
fundamental e meacutedio poderia contribuir na quebra de uma ideologia hegemocircnica presente nasociedade
Em um panorama mais amplo este trabalho buscou tambeacutem averiguar como
um livro de autoria feminina destinada ao puacuteblico infantojuvenil representa em seu texto as
reflexotildees suscitadas pela Criacutetica Feminista contemporacircnea Constatamos que Laura Bergalho
eacute uma das vozes de escritoras contemporacircnea que problematiza essas questotildees pondo agrave luz
temas conflitantes da sociedade e por meio da personagem Ecila se posicionando de forma
criacutetica diante do discurso patriarcal
Referecircncias bibliograacuteficas
BOURDIEU Pierre A dominaccedilatildeo masculina traduccedilatildeo Maria Helena Kuumlhner- 4ordfed-Rio de Janeiro Bertrand Brasil 2005BERGALHO Laura Alice no espelho Satildeo Paulo Ediccedilotildees SM 2005 ndash (Muriqui)BUTLER Judith P Problemas de gecircnero feminismo e subversatildeo da identidade TradRenato Aguiar Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2003GROPPO Luiacutes Antonio Juventude ensaios sobre sociologia e histoacuteria das juventudes
modernas Rio de Janeiro DIFEL 2000 (coleccedilatildeo Enfoques Sociologia)HALL Stuart A identidade cultural na poacutes-modernidade Traduccedilatildeo Tomaz Tadeu Silva 10ed Rio de Janeiro DP amp A Editora (306 H179i 10 d 2005)LAURETIS T A tecnologia do gecircnero In HOLLANDA H B (Org) Tendecircncias eimpasses o feminismo como criacutetica da cultura Rio de Janeiro Rocco 1994 p 206-242
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um sujeito constituiacutedo no gecircnero sem duacutevida mas natildeo apenas pela diferenccedila sexual
e sim por meio de coacutedigos linguumliacutesticos e representaccedilotildees culturais um sujeitoacuteengedradorsquo natildeo soacute na experiecircncia de relaccedilotildees de sexo mas tambeacutem nas de raccedila eclasse um sujeito portanto muacuteltiplo em vez de uacutenico e contraditoacuterio em vez desimplesmente dividido (LAURETIS 1994 p204)
Alice por mais que natildeo se reconheccedila como portadora de inuacutemeras identidades
pode ser considerada com essa pluralizaccedilatildeo eacute mulher mas natildeo apenas uma mulher Dentro
desse gecircnero eacute mulher adolescente com todos os seus medos anseios e sonhos eacute filha neta
aluna E a todo o momento na narrativa Ecila tenta mostrar para a amiga essa multiplicidade
embora ela soacute se identifique com um modelo o de Mirna LeeA noccedilatildeo de sujeito constituiacutedo no gecircnero proposto acima por Lauretis (1994) e
discutido pela Teoria Criacutetica Feminista natildeo deixa de considerar o contexto histoacuterico e
poliacutetico em que o termo gecircnero eacute utilizado Cito Butler
o gecircnero nem sempre se constitui de maneira coerente ou consistente nos diferentescontextos histoacutericos e porque o gecircnero estabelece interseccedilotildees com modalidadesraciais classistas eacutetnicas sexuais e regionais de identidades discursivamenteconstituiacutedas Resulta que se tornou impossiacutevel separar a noccedilatildeo de ldquogecircnerordquo das
interseccedilotildees poliacuteticas e culturais em que invariavelmente ela eacute produzida e mantida(BUTLER 2003 p20)
A problematizaccedilatildeo da noccedilatildeo de gecircnero abriu novos caminhos para os estudos
feministas Passou-se a natildeo considerar a mulher como um uacutenica identidade e constituiacuteda de
um uacutenico gecircnero (branca ocidental patroa pertencente apenas agrave uma determinada classe
econocircmica e social) para se pensar em categorias de mulheres em diferentes contextos com
seus problemas particulares diferentemente do termo estaacutevel e permanente que tiacutenhamos
anteriormente (BUTLER 2003 p18)E considerando o contexto natildeo podemos nos esquecer que Alice eacute adolescente
E assim como a noccedilatildeo de gecircnero do sujeito feminino eacute problemaacutetica a noccedilatildeo de juventude
tambeacutem o eacute O conceito ldquojuventuderdquo e a concepccedilatildeo ldquoser jovemrdquo continua em constante
modificaccedilatildeo pois eacute vivido na vida cotidiana e nela se modifica e se recria No entanto natildeo eacute
uma concepccedilatildeo una e depende da cultura paiacutes localidade e ideologia na qual estaacute inserida
Assim a noccedilatildeo de gecircnero pode influir na concepccedilatildeo de juventude Por
exemplo uma adolescente e um adolescente da mesma classe social mesmo ambiente
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urbano mesma etnia reagiram diferentemente perante a sociedade e as dificuldades
encontradas nesse processo de amadurecimento Por outro lado gecircneros de uma classe
marginalizada podem criar uma mesma identidade juvenil como forma de proteccedilatildeo
(GROPPO p16 2000)
A personagem de Alice reage de forma destrutiva ao se deparar com os
problemas do dia-a-dia como o divoacutercio dos pais e a pressatildeo por parte da matildee Jaacute Ecila se
mostra determinada a lutar por aquilo que acredita sua liberdade Ambas as personagens satildeo
adolescentes possuem a mesma faixa etaacuteria mas dependendo do contexto que estatildeo inseridas
reagem de maneira diferente a determinadas situaccedilotildeesNo decorrer da narrativa percebemos que Alice comeccedila a ser influenciada
pelas atitudes de Ecila
Depois das experiecircncias que tem vivido no mundo do espelho Alice jaacute natildeo sabe quedireccedilatildeo tomar Seus caminhos parecem todos embolados e suas certezas cada vezmais incertas Eacute verdade que ainda sonha em ser como a Mirna Lee em conquistarTiago em tornar-se linda e magra para enfim ser feliz Mas comeccedila a admirar adeterminaccedilatildeo e a coragem de Ecila a independecircncia do pai dela o apego de ambos agraveideacuteia de liberdade Pensar na amiga e em seu pai que preferiu ser preso para poderser livre de repente acalma a afliccedilatildeo e o ataque de fome de Alice Ela passa amastigar os biscoitos mais devagar e a beber o leite com calma sentindo tudo descersuavemente sem que o estocircmago se revolte como de costume (BERGALHO 2005p134)
Nesse momento o mundo do espelho comeccedila a ajudar Alice ldquorealrdquo Aos
poucos a personagem vai percebendo que estaacute inserida em uma sociedade marcada pela
ditadura e imposiccedilatildeo Vejamos
Na TV o anuacutencio de um milagroso programa de emagrecimento chama a atenccedilatildeodas duas O produto anunciado promete quilos e anos a menos aleacutem de felicidadegarantida eacute claro Uma loura mageacuterrima sorridente e bela diz quanto sua vidamelhorou depois de ter usado a foacutermula () Uma imagem de lsquoantesrsquo mostra a louracheinha e muito desanimada agora magra e completamente triufante De novo Alicese lembra de Ecila e sem querer pensa alto - Eacute a gorda tinha razatildeoO mundo aquinatildeo eacute tatildeo diferente do dela (BERGALHO 2005 p152-153)
Nesse sentido entender os mecanismos aos quais a mulher estaacute
ldquoengendradamenterdquo submetida e como nos acrescenta Pierre Bourdieu (2005) ldquosubmissardquo
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poderia levar-nos a um distanciamento criacutetico (space-off) e um entendimento mais amplo das
estruturas de poder existentes em nossa sociedade e cuja mulher eacute submetida e contribui para
a perpetuaccedilatildeo de um discurso machista como aconteceu com a personagem Alice Segundo
Bourdieu
as estruturas de dominaccedilatildeo satildeo produto de um trabalho incessante (e como talhistoacuterico) de reproduccedilatildeo para o qual contribuem agentes especiacuteficos (entre os quaisos homens com suas armas como a violecircncia fiacutesica e a violecircncia simboacutelica) einstituiccedilotildees famiacutelias Igreja Escola Estadordquo (BOURDIEU 2005 p46)
Lauretis (1994) leva a discussatildeo mais aleacutem e diz que a dominaccedilatildeo natildeo
acontece soacute nos aparelhos ideoloacutegicos do Estado como ldquomiacutedia nas escolas puacuteblicas e
particulares nos tribunais na famiacutelia nuclear extensa ou monoparentalrdquo mas tambeacutem no meio
acadecircmico no feminismo e na comunidade intelectual (LAURETIS 1994 p209) Ou seja
essas instituiccedilotildees contribuem para a reproduccedilatildeo de discursos patriarcais e para a permanecircncia
destes
Ao retornarmos ao livro percebemos que a fixaccedilatildeo com o proacuteprio corpo eacute
transmitida para a personagem Alice por trecircs pilares mantedores e reprodutores dos discursos
patriarcais a sociedade as miacutedias e a famiacutelia
Primeiramente os valores de Alice satildeo discursivamente transmitidos de forma
inconsciente pela matildee ou seja pela instituiccedilatildeo familiar A matildee da personagem tem uma visatildeo
distorcida de si mesma No diaacutelogo a seguir conhecido apenas pelo narrador eacute possiacutevel notar
a visatildeo que a proacutepria matildee tem de seu corpo jaacute viacutetima dessa violecircncia simboacutelica imposta para
as mulheres Vejamos ldquoEacute por isso que largou a gente porque natildeo presta Natildeo foi soacute porque
eu engordei e fiquei uma pipardquo e Alice supostamente responderia ldquoMas vocecirc natildeo ficou uma pipa- Alice tentaria consolaacute-la sabendo que ela natildeo acreditariardquo (p10) Notamos assim que
a matildee de Alice correlaciona o fato de seu casamento natildeo ter sido ldquoeternordquo com o fato de ter
engordado ou seja a matildee se aceita como produto social No momento em que esse produto
(bonito aos olhos do esposo) se transforma o casamento fracassa Essa relaccedilatildeo de felicidade
relacionada agrave aparecircncia do corpo eacute passada para a filha que acredita que soacute seraacute feliz se for
magra
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O discurso machista circulado socialmente tambeacutem pode ser percebido no
trecho ldquotodo mundo dizia que ela era linda e magrardquo (p10) Demostrando que o discurso
corrente na sociedade estaacute sempre associando o ldquobelordquo com a quantidade de calorias que o
corpo possui Assim a cultura vigente quer unificar todas as mulheres em um mesmo padratildeo
Essa unificaccedilatildeo eacute completamente ilusoacuteria e desconsidera o sujeito como algueacutem com
muacuteltiplas identidades
Outro pilar transmissor desse discurso eacute a miacutedia Alice tem extrema veneraccedilatildeo
pela famosa Mirna Lee modelo presente em vaacuterias capas de revistas Descrita como dona de
um corpo sequinho e sem nenhum grama de gordura Mirna Lee torna-se a musa dapersonagem que por sua vez coleciona pilhas de revistas de sua ldquodeusardquo Aleacutem de Mirna
Lee Alice coleciona e folheia revistas de moda a procura dos segredos das top models entre
elas o narrador cita a revista chamada ldquoBeleza e Levezardquo
Embora segundo o autor as mulheres natildeo escolham adotar praacuteticas submissas
ao contraacuterio ldquoeacute preciso assinalar natildeo soacute que as tendecircncias agrave ldquosubmissatildeordquo dadas por vezes
como pretexto para ldquoculpar a viacutetimardquo satildeo resultantes das estruturas objetivasrdquo (p52) ou
seja voltada apenas no objeto (casa fogatildeo cozinha lavanderia ) e natildeo no sujeito elas estatildeoenvoltas em uma estrutura de dominaccedilatildeo em que encontram-se como se magicamente
dominadas o que Bourdieu iraacute chamar de ldquosubmissatildeo encantadardquo Submissatildeo maacutegica que por
meio de uma forccedila simboacutelica e um acordo taacutecito entre dominado e dominante faz com que
esse processo torne-se natural (BOURDIEU 2005 p46)
E as proacuteprias mulheres aplicam a toda realidade e particularmente agraves relaccedilotildees depoder em que se vecircem envolvidas esquemas de pensamentos que satildeo produto daincorporaccedilatildeo dessas relaccedilotildees de poder e que se expressam nas oposiccedilotildees fundantes
da ordem simboacutelica (BORDIEU 2005 p45)
Essa inversatildeo da relaccedilatildeo entre as causas e os efeitos da dominaccedilatildeo masculina e
a construccedilatildeo social naturalizada de algo que eacute imposto pela sociedade levam as mulheres
ingenuinamente a acreditarem que satildeo donas de suas proacuteprias decisotildees e de seu proacuteprio
corpo
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Sempre vi na dominaccedilatildeo masculina e no modo como eacute imposta a vivecircncia o
exemplo por excelecircncia desta submissatildeo paradoxal resultante daquilo que eu chamode violecircncia simboacutelica violecircncia suave insensiacutevel invisiacutevel a suas proacuteprias viacutetimasque se exerce essencialmente pelas vias puramente simboacutelicas de comunicaccedilatildeo e doconhecimento ou mais precisamente do desconhecimento do reconhecimento ouem uacuteltima instacircncia do sentimento (BOURDIEU 2005 p 7-8)
Para Bordieu (2005) seria ilusatildeo acreditarmos que a violecircncia simboacutelica
poderia ser vencida apenas pela conscientizaccedilatildeo e pela vontade de mudanccedila pois ldquoos efeitos e
as condiccedilotildees de sua eficaacutecia estatildeo duradouramente inscritas no mais iacutentimo dos corpos sob a
forma de predisposiccedilotildeesrdquo (p51) Contudo no depoimento da personagem nas paacuteginas finais
do livro percebemos uma tomada de consciecircncia se natildeo completa o suficiente para lutar
contra o transtorno alimentar que aflige a personagem ldquoPara mim todos os outros valores
aleacutem da aparecircncia natildeo tinham importacircncia Minha realizaccedilatildeo como pessoa dependia
inteiramente do meu corpo transformado em objeto de consumo Eu natildeo gostava de mimrdquo
(p156)
Segundo Lauretis ldquoa sexualizaccedilatildeo do corpo feminino tem sido com efeito uma
das figuras ou objetos de conhecimento favoritos nos discursos da ciecircncia meacutedica da religiatildeo
arte literatura cultura popular e assim por dianterdquo (p221) Para a criacutetica o corpo feminino eacute
visto comumente como atributo ou propriedade do masculino em outras palavras o corpo
feminino estaacute relacionada com o prazer visual masculino Isso pode gerar nas mulheres uma
auto-depreciaccedilatildeo ou autodesprezo pelo proacuteprio corpo como tambeacutem nos lembra Bourdieu
(2005) No caso da personagem em questatildeo levou Alice quase agrave morte
Consideraccedilotildees finais
Em linhas gerais tentamos evidenciar neste trabalho as diferenccedilas das
personagens principais da narrativa Alice e Ecila mostrando os papeacuteis que elas ocupam no
script social e as formas de dominaccedilatildeo a que satildeo submetidas Por meio da anaacutelise do livro e da
leitura de textos teoacutericos notamos que ambas reagem diferentemente agraves formas de subversatildeo
feminina Enquanto a personagem de Alice posiciona-se de forma destrutiva (doenccedila
sensaccedilatildeo de abandono) diante agraves imposiccedilotildees ideoloacutegicas que sofre temos a personagem Ecila
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que natildeo aceita tacitamente esse jogo da relaccedilatildeo de poder entre dominante e dominado Em
outras palavras Ecila se distancia e posiciona-se criticamente em relaccedilatildeo a esta imposiccedilatildeo
Aleacutem disso notamos na narrativa de Laura Bergalho elementos internos
capazes de seduzir por meio da identificaccedilatildeo com o jovem A linguagem vocabulaacuterio
caracterizaccedilatildeo dos personagens e a proacutepria temaacutetica abordada no livro repleto de assuntos
polecircmicos como a anorexia bulimia e a separaccedilatildeo dos pais satildeo abordados de uma forma
responsaacutevel e interessante Por esse motivo acreditamos que o livro poderia ser um
instrumento riquiacutessimo para o trabalho em sala de aula e trabalhado com seacuteries de ensino
fundamental e meacutedio poderia contribuir na quebra de uma ideologia hegemocircnica presente nasociedade
Em um panorama mais amplo este trabalho buscou tambeacutem averiguar como
um livro de autoria feminina destinada ao puacuteblico infantojuvenil representa em seu texto as
reflexotildees suscitadas pela Criacutetica Feminista contemporacircnea Constatamos que Laura Bergalho
eacute uma das vozes de escritoras contemporacircnea que problematiza essas questotildees pondo agrave luz
temas conflitantes da sociedade e por meio da personagem Ecila se posicionando de forma
criacutetica diante do discurso patriarcal
Referecircncias bibliograacuteficas
BOURDIEU Pierre A dominaccedilatildeo masculina traduccedilatildeo Maria Helena Kuumlhner- 4ordfed-Rio de Janeiro Bertrand Brasil 2005BERGALHO Laura Alice no espelho Satildeo Paulo Ediccedilotildees SM 2005 ndash (Muriqui)BUTLER Judith P Problemas de gecircnero feminismo e subversatildeo da identidade TradRenato Aguiar Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2003GROPPO Luiacutes Antonio Juventude ensaios sobre sociologia e histoacuteria das juventudes
modernas Rio de Janeiro DIFEL 2000 (coleccedilatildeo Enfoques Sociologia)HALL Stuart A identidade cultural na poacutes-modernidade Traduccedilatildeo Tomaz Tadeu Silva 10ed Rio de Janeiro DP amp A Editora (306 H179i 10 d 2005)LAURETIS T A tecnologia do gecircnero In HOLLANDA H B (Org) Tendecircncias eimpasses o feminismo como criacutetica da cultura Rio de Janeiro Rocco 1994 p 206-242
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urbano mesma etnia reagiram diferentemente perante a sociedade e as dificuldades
encontradas nesse processo de amadurecimento Por outro lado gecircneros de uma classe
marginalizada podem criar uma mesma identidade juvenil como forma de proteccedilatildeo
(GROPPO p16 2000)
A personagem de Alice reage de forma destrutiva ao se deparar com os
problemas do dia-a-dia como o divoacutercio dos pais e a pressatildeo por parte da matildee Jaacute Ecila se
mostra determinada a lutar por aquilo que acredita sua liberdade Ambas as personagens satildeo
adolescentes possuem a mesma faixa etaacuteria mas dependendo do contexto que estatildeo inseridas
reagem de maneira diferente a determinadas situaccedilotildeesNo decorrer da narrativa percebemos que Alice comeccedila a ser influenciada
pelas atitudes de Ecila
Depois das experiecircncias que tem vivido no mundo do espelho Alice jaacute natildeo sabe quedireccedilatildeo tomar Seus caminhos parecem todos embolados e suas certezas cada vezmais incertas Eacute verdade que ainda sonha em ser como a Mirna Lee em conquistarTiago em tornar-se linda e magra para enfim ser feliz Mas comeccedila a admirar adeterminaccedilatildeo e a coragem de Ecila a independecircncia do pai dela o apego de ambos agraveideacuteia de liberdade Pensar na amiga e em seu pai que preferiu ser preso para poderser livre de repente acalma a afliccedilatildeo e o ataque de fome de Alice Ela passa amastigar os biscoitos mais devagar e a beber o leite com calma sentindo tudo descersuavemente sem que o estocircmago se revolte como de costume (BERGALHO 2005p134)
Nesse momento o mundo do espelho comeccedila a ajudar Alice ldquorealrdquo Aos
poucos a personagem vai percebendo que estaacute inserida em uma sociedade marcada pela
ditadura e imposiccedilatildeo Vejamos
Na TV o anuacutencio de um milagroso programa de emagrecimento chama a atenccedilatildeodas duas O produto anunciado promete quilos e anos a menos aleacutem de felicidadegarantida eacute claro Uma loura mageacuterrima sorridente e bela diz quanto sua vidamelhorou depois de ter usado a foacutermula () Uma imagem de lsquoantesrsquo mostra a louracheinha e muito desanimada agora magra e completamente triufante De novo Alicese lembra de Ecila e sem querer pensa alto - Eacute a gorda tinha razatildeoO mundo aquinatildeo eacute tatildeo diferente do dela (BERGALHO 2005 p152-153)
Nesse sentido entender os mecanismos aos quais a mulher estaacute
ldquoengendradamenterdquo submetida e como nos acrescenta Pierre Bourdieu (2005) ldquosubmissardquo
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poderia levar-nos a um distanciamento criacutetico (space-off) e um entendimento mais amplo das
estruturas de poder existentes em nossa sociedade e cuja mulher eacute submetida e contribui para
a perpetuaccedilatildeo de um discurso machista como aconteceu com a personagem Alice Segundo
Bourdieu
as estruturas de dominaccedilatildeo satildeo produto de um trabalho incessante (e como talhistoacuterico) de reproduccedilatildeo para o qual contribuem agentes especiacuteficos (entre os quaisos homens com suas armas como a violecircncia fiacutesica e a violecircncia simboacutelica) einstituiccedilotildees famiacutelias Igreja Escola Estadordquo (BOURDIEU 2005 p46)
Lauretis (1994) leva a discussatildeo mais aleacutem e diz que a dominaccedilatildeo natildeo
acontece soacute nos aparelhos ideoloacutegicos do Estado como ldquomiacutedia nas escolas puacuteblicas e
particulares nos tribunais na famiacutelia nuclear extensa ou monoparentalrdquo mas tambeacutem no meio
acadecircmico no feminismo e na comunidade intelectual (LAURETIS 1994 p209) Ou seja
essas instituiccedilotildees contribuem para a reproduccedilatildeo de discursos patriarcais e para a permanecircncia
destes
Ao retornarmos ao livro percebemos que a fixaccedilatildeo com o proacuteprio corpo eacute
transmitida para a personagem Alice por trecircs pilares mantedores e reprodutores dos discursos
patriarcais a sociedade as miacutedias e a famiacutelia
Primeiramente os valores de Alice satildeo discursivamente transmitidos de forma
inconsciente pela matildee ou seja pela instituiccedilatildeo familiar A matildee da personagem tem uma visatildeo
distorcida de si mesma No diaacutelogo a seguir conhecido apenas pelo narrador eacute possiacutevel notar
a visatildeo que a proacutepria matildee tem de seu corpo jaacute viacutetima dessa violecircncia simboacutelica imposta para
as mulheres Vejamos ldquoEacute por isso que largou a gente porque natildeo presta Natildeo foi soacute porque
eu engordei e fiquei uma pipardquo e Alice supostamente responderia ldquoMas vocecirc natildeo ficou uma pipa- Alice tentaria consolaacute-la sabendo que ela natildeo acreditariardquo (p10) Notamos assim que
a matildee de Alice correlaciona o fato de seu casamento natildeo ter sido ldquoeternordquo com o fato de ter
engordado ou seja a matildee se aceita como produto social No momento em que esse produto
(bonito aos olhos do esposo) se transforma o casamento fracassa Essa relaccedilatildeo de felicidade
relacionada agrave aparecircncia do corpo eacute passada para a filha que acredita que soacute seraacute feliz se for
magra
7172019 FABRETTI Liacutegia Maria - Representaccedilatildeo Da Escrita Feminina Na Literatura Juvenil Contemporacircnea Uma Leitura de Alice No Espelho
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O discurso machista circulado socialmente tambeacutem pode ser percebido no
trecho ldquotodo mundo dizia que ela era linda e magrardquo (p10) Demostrando que o discurso
corrente na sociedade estaacute sempre associando o ldquobelordquo com a quantidade de calorias que o
corpo possui Assim a cultura vigente quer unificar todas as mulheres em um mesmo padratildeo
Essa unificaccedilatildeo eacute completamente ilusoacuteria e desconsidera o sujeito como algueacutem com
muacuteltiplas identidades
Outro pilar transmissor desse discurso eacute a miacutedia Alice tem extrema veneraccedilatildeo
pela famosa Mirna Lee modelo presente em vaacuterias capas de revistas Descrita como dona de
um corpo sequinho e sem nenhum grama de gordura Mirna Lee torna-se a musa dapersonagem que por sua vez coleciona pilhas de revistas de sua ldquodeusardquo Aleacutem de Mirna
Lee Alice coleciona e folheia revistas de moda a procura dos segredos das top models entre
elas o narrador cita a revista chamada ldquoBeleza e Levezardquo
Embora segundo o autor as mulheres natildeo escolham adotar praacuteticas submissas
ao contraacuterio ldquoeacute preciso assinalar natildeo soacute que as tendecircncias agrave ldquosubmissatildeordquo dadas por vezes
como pretexto para ldquoculpar a viacutetimardquo satildeo resultantes das estruturas objetivasrdquo (p52) ou
seja voltada apenas no objeto (casa fogatildeo cozinha lavanderia ) e natildeo no sujeito elas estatildeoenvoltas em uma estrutura de dominaccedilatildeo em que encontram-se como se magicamente
dominadas o que Bourdieu iraacute chamar de ldquosubmissatildeo encantadardquo Submissatildeo maacutegica que por
meio de uma forccedila simboacutelica e um acordo taacutecito entre dominado e dominante faz com que
esse processo torne-se natural (BOURDIEU 2005 p46)
E as proacuteprias mulheres aplicam a toda realidade e particularmente agraves relaccedilotildees depoder em que se vecircem envolvidas esquemas de pensamentos que satildeo produto daincorporaccedilatildeo dessas relaccedilotildees de poder e que se expressam nas oposiccedilotildees fundantes
da ordem simboacutelica (BORDIEU 2005 p45)
Essa inversatildeo da relaccedilatildeo entre as causas e os efeitos da dominaccedilatildeo masculina e
a construccedilatildeo social naturalizada de algo que eacute imposto pela sociedade levam as mulheres
ingenuinamente a acreditarem que satildeo donas de suas proacuteprias decisotildees e de seu proacuteprio
corpo
7172019 FABRETTI Liacutegia Maria - Representaccedilatildeo Da Escrita Feminina Na Literatura Juvenil Contemporacircnea Uma Leitura de Alice No Espelho
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Sempre vi na dominaccedilatildeo masculina e no modo como eacute imposta a vivecircncia o
exemplo por excelecircncia desta submissatildeo paradoxal resultante daquilo que eu chamode violecircncia simboacutelica violecircncia suave insensiacutevel invisiacutevel a suas proacuteprias viacutetimasque se exerce essencialmente pelas vias puramente simboacutelicas de comunicaccedilatildeo e doconhecimento ou mais precisamente do desconhecimento do reconhecimento ouem uacuteltima instacircncia do sentimento (BOURDIEU 2005 p 7-8)
Para Bordieu (2005) seria ilusatildeo acreditarmos que a violecircncia simboacutelica
poderia ser vencida apenas pela conscientizaccedilatildeo e pela vontade de mudanccedila pois ldquoos efeitos e
as condiccedilotildees de sua eficaacutecia estatildeo duradouramente inscritas no mais iacutentimo dos corpos sob a
forma de predisposiccedilotildeesrdquo (p51) Contudo no depoimento da personagem nas paacuteginas finais
do livro percebemos uma tomada de consciecircncia se natildeo completa o suficiente para lutar
contra o transtorno alimentar que aflige a personagem ldquoPara mim todos os outros valores
aleacutem da aparecircncia natildeo tinham importacircncia Minha realizaccedilatildeo como pessoa dependia
inteiramente do meu corpo transformado em objeto de consumo Eu natildeo gostava de mimrdquo
(p156)
Segundo Lauretis ldquoa sexualizaccedilatildeo do corpo feminino tem sido com efeito uma
das figuras ou objetos de conhecimento favoritos nos discursos da ciecircncia meacutedica da religiatildeo
arte literatura cultura popular e assim por dianterdquo (p221) Para a criacutetica o corpo feminino eacute
visto comumente como atributo ou propriedade do masculino em outras palavras o corpo
feminino estaacute relacionada com o prazer visual masculino Isso pode gerar nas mulheres uma
auto-depreciaccedilatildeo ou autodesprezo pelo proacuteprio corpo como tambeacutem nos lembra Bourdieu
(2005) No caso da personagem em questatildeo levou Alice quase agrave morte
Consideraccedilotildees finais
Em linhas gerais tentamos evidenciar neste trabalho as diferenccedilas das
personagens principais da narrativa Alice e Ecila mostrando os papeacuteis que elas ocupam no
script social e as formas de dominaccedilatildeo a que satildeo submetidas Por meio da anaacutelise do livro e da
leitura de textos teoacutericos notamos que ambas reagem diferentemente agraves formas de subversatildeo
feminina Enquanto a personagem de Alice posiciona-se de forma destrutiva (doenccedila
sensaccedilatildeo de abandono) diante agraves imposiccedilotildees ideoloacutegicas que sofre temos a personagem Ecila
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que natildeo aceita tacitamente esse jogo da relaccedilatildeo de poder entre dominante e dominado Em
outras palavras Ecila se distancia e posiciona-se criticamente em relaccedilatildeo a esta imposiccedilatildeo
Aleacutem disso notamos na narrativa de Laura Bergalho elementos internos
capazes de seduzir por meio da identificaccedilatildeo com o jovem A linguagem vocabulaacuterio
caracterizaccedilatildeo dos personagens e a proacutepria temaacutetica abordada no livro repleto de assuntos
polecircmicos como a anorexia bulimia e a separaccedilatildeo dos pais satildeo abordados de uma forma
responsaacutevel e interessante Por esse motivo acreditamos que o livro poderia ser um
instrumento riquiacutessimo para o trabalho em sala de aula e trabalhado com seacuteries de ensino
fundamental e meacutedio poderia contribuir na quebra de uma ideologia hegemocircnica presente nasociedade
Em um panorama mais amplo este trabalho buscou tambeacutem averiguar como
um livro de autoria feminina destinada ao puacuteblico infantojuvenil representa em seu texto as
reflexotildees suscitadas pela Criacutetica Feminista contemporacircnea Constatamos que Laura Bergalho
eacute uma das vozes de escritoras contemporacircnea que problematiza essas questotildees pondo agrave luz
temas conflitantes da sociedade e por meio da personagem Ecila se posicionando de forma
criacutetica diante do discurso patriarcal
Referecircncias bibliograacuteficas
BOURDIEU Pierre A dominaccedilatildeo masculina traduccedilatildeo Maria Helena Kuumlhner- 4ordfed-Rio de Janeiro Bertrand Brasil 2005BERGALHO Laura Alice no espelho Satildeo Paulo Ediccedilotildees SM 2005 ndash (Muriqui)BUTLER Judith P Problemas de gecircnero feminismo e subversatildeo da identidade TradRenato Aguiar Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2003GROPPO Luiacutes Antonio Juventude ensaios sobre sociologia e histoacuteria das juventudes
modernas Rio de Janeiro DIFEL 2000 (coleccedilatildeo Enfoques Sociologia)HALL Stuart A identidade cultural na poacutes-modernidade Traduccedilatildeo Tomaz Tadeu Silva 10ed Rio de Janeiro DP amp A Editora (306 H179i 10 d 2005)LAURETIS T A tecnologia do gecircnero In HOLLANDA H B (Org) Tendecircncias eimpasses o feminismo como criacutetica da cultura Rio de Janeiro Rocco 1994 p 206-242
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poderia levar-nos a um distanciamento criacutetico (space-off) e um entendimento mais amplo das
estruturas de poder existentes em nossa sociedade e cuja mulher eacute submetida e contribui para
a perpetuaccedilatildeo de um discurso machista como aconteceu com a personagem Alice Segundo
Bourdieu
as estruturas de dominaccedilatildeo satildeo produto de um trabalho incessante (e como talhistoacuterico) de reproduccedilatildeo para o qual contribuem agentes especiacuteficos (entre os quaisos homens com suas armas como a violecircncia fiacutesica e a violecircncia simboacutelica) einstituiccedilotildees famiacutelias Igreja Escola Estadordquo (BOURDIEU 2005 p46)
Lauretis (1994) leva a discussatildeo mais aleacutem e diz que a dominaccedilatildeo natildeo
acontece soacute nos aparelhos ideoloacutegicos do Estado como ldquomiacutedia nas escolas puacuteblicas e
particulares nos tribunais na famiacutelia nuclear extensa ou monoparentalrdquo mas tambeacutem no meio
acadecircmico no feminismo e na comunidade intelectual (LAURETIS 1994 p209) Ou seja
essas instituiccedilotildees contribuem para a reproduccedilatildeo de discursos patriarcais e para a permanecircncia
destes
Ao retornarmos ao livro percebemos que a fixaccedilatildeo com o proacuteprio corpo eacute
transmitida para a personagem Alice por trecircs pilares mantedores e reprodutores dos discursos
patriarcais a sociedade as miacutedias e a famiacutelia
Primeiramente os valores de Alice satildeo discursivamente transmitidos de forma
inconsciente pela matildee ou seja pela instituiccedilatildeo familiar A matildee da personagem tem uma visatildeo
distorcida de si mesma No diaacutelogo a seguir conhecido apenas pelo narrador eacute possiacutevel notar
a visatildeo que a proacutepria matildee tem de seu corpo jaacute viacutetima dessa violecircncia simboacutelica imposta para
as mulheres Vejamos ldquoEacute por isso que largou a gente porque natildeo presta Natildeo foi soacute porque
eu engordei e fiquei uma pipardquo e Alice supostamente responderia ldquoMas vocecirc natildeo ficou uma pipa- Alice tentaria consolaacute-la sabendo que ela natildeo acreditariardquo (p10) Notamos assim que
a matildee de Alice correlaciona o fato de seu casamento natildeo ter sido ldquoeternordquo com o fato de ter
engordado ou seja a matildee se aceita como produto social No momento em que esse produto
(bonito aos olhos do esposo) se transforma o casamento fracassa Essa relaccedilatildeo de felicidade
relacionada agrave aparecircncia do corpo eacute passada para a filha que acredita que soacute seraacute feliz se for
magra
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O discurso machista circulado socialmente tambeacutem pode ser percebido no
trecho ldquotodo mundo dizia que ela era linda e magrardquo (p10) Demostrando que o discurso
corrente na sociedade estaacute sempre associando o ldquobelordquo com a quantidade de calorias que o
corpo possui Assim a cultura vigente quer unificar todas as mulheres em um mesmo padratildeo
Essa unificaccedilatildeo eacute completamente ilusoacuteria e desconsidera o sujeito como algueacutem com
muacuteltiplas identidades
Outro pilar transmissor desse discurso eacute a miacutedia Alice tem extrema veneraccedilatildeo
pela famosa Mirna Lee modelo presente em vaacuterias capas de revistas Descrita como dona de
um corpo sequinho e sem nenhum grama de gordura Mirna Lee torna-se a musa dapersonagem que por sua vez coleciona pilhas de revistas de sua ldquodeusardquo Aleacutem de Mirna
Lee Alice coleciona e folheia revistas de moda a procura dos segredos das top models entre
elas o narrador cita a revista chamada ldquoBeleza e Levezardquo
Embora segundo o autor as mulheres natildeo escolham adotar praacuteticas submissas
ao contraacuterio ldquoeacute preciso assinalar natildeo soacute que as tendecircncias agrave ldquosubmissatildeordquo dadas por vezes
como pretexto para ldquoculpar a viacutetimardquo satildeo resultantes das estruturas objetivasrdquo (p52) ou
seja voltada apenas no objeto (casa fogatildeo cozinha lavanderia ) e natildeo no sujeito elas estatildeoenvoltas em uma estrutura de dominaccedilatildeo em que encontram-se como se magicamente
dominadas o que Bourdieu iraacute chamar de ldquosubmissatildeo encantadardquo Submissatildeo maacutegica que por
meio de uma forccedila simboacutelica e um acordo taacutecito entre dominado e dominante faz com que
esse processo torne-se natural (BOURDIEU 2005 p46)
E as proacuteprias mulheres aplicam a toda realidade e particularmente agraves relaccedilotildees depoder em que se vecircem envolvidas esquemas de pensamentos que satildeo produto daincorporaccedilatildeo dessas relaccedilotildees de poder e que se expressam nas oposiccedilotildees fundantes
da ordem simboacutelica (BORDIEU 2005 p45)
Essa inversatildeo da relaccedilatildeo entre as causas e os efeitos da dominaccedilatildeo masculina e
a construccedilatildeo social naturalizada de algo que eacute imposto pela sociedade levam as mulheres
ingenuinamente a acreditarem que satildeo donas de suas proacuteprias decisotildees e de seu proacuteprio
corpo
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Sempre vi na dominaccedilatildeo masculina e no modo como eacute imposta a vivecircncia o
exemplo por excelecircncia desta submissatildeo paradoxal resultante daquilo que eu chamode violecircncia simboacutelica violecircncia suave insensiacutevel invisiacutevel a suas proacuteprias viacutetimasque se exerce essencialmente pelas vias puramente simboacutelicas de comunicaccedilatildeo e doconhecimento ou mais precisamente do desconhecimento do reconhecimento ouem uacuteltima instacircncia do sentimento (BOURDIEU 2005 p 7-8)
Para Bordieu (2005) seria ilusatildeo acreditarmos que a violecircncia simboacutelica
poderia ser vencida apenas pela conscientizaccedilatildeo e pela vontade de mudanccedila pois ldquoos efeitos e
as condiccedilotildees de sua eficaacutecia estatildeo duradouramente inscritas no mais iacutentimo dos corpos sob a
forma de predisposiccedilotildeesrdquo (p51) Contudo no depoimento da personagem nas paacuteginas finais
do livro percebemos uma tomada de consciecircncia se natildeo completa o suficiente para lutar
contra o transtorno alimentar que aflige a personagem ldquoPara mim todos os outros valores
aleacutem da aparecircncia natildeo tinham importacircncia Minha realizaccedilatildeo como pessoa dependia
inteiramente do meu corpo transformado em objeto de consumo Eu natildeo gostava de mimrdquo
(p156)
Segundo Lauretis ldquoa sexualizaccedilatildeo do corpo feminino tem sido com efeito uma
das figuras ou objetos de conhecimento favoritos nos discursos da ciecircncia meacutedica da religiatildeo
arte literatura cultura popular e assim por dianterdquo (p221) Para a criacutetica o corpo feminino eacute
visto comumente como atributo ou propriedade do masculino em outras palavras o corpo
feminino estaacute relacionada com o prazer visual masculino Isso pode gerar nas mulheres uma
auto-depreciaccedilatildeo ou autodesprezo pelo proacuteprio corpo como tambeacutem nos lembra Bourdieu
(2005) No caso da personagem em questatildeo levou Alice quase agrave morte
Consideraccedilotildees finais
Em linhas gerais tentamos evidenciar neste trabalho as diferenccedilas das
personagens principais da narrativa Alice e Ecila mostrando os papeacuteis que elas ocupam no
script social e as formas de dominaccedilatildeo a que satildeo submetidas Por meio da anaacutelise do livro e da
leitura de textos teoacutericos notamos que ambas reagem diferentemente agraves formas de subversatildeo
feminina Enquanto a personagem de Alice posiciona-se de forma destrutiva (doenccedila
sensaccedilatildeo de abandono) diante agraves imposiccedilotildees ideoloacutegicas que sofre temos a personagem Ecila
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que natildeo aceita tacitamente esse jogo da relaccedilatildeo de poder entre dominante e dominado Em
outras palavras Ecila se distancia e posiciona-se criticamente em relaccedilatildeo a esta imposiccedilatildeo
Aleacutem disso notamos na narrativa de Laura Bergalho elementos internos
capazes de seduzir por meio da identificaccedilatildeo com o jovem A linguagem vocabulaacuterio
caracterizaccedilatildeo dos personagens e a proacutepria temaacutetica abordada no livro repleto de assuntos
polecircmicos como a anorexia bulimia e a separaccedilatildeo dos pais satildeo abordados de uma forma
responsaacutevel e interessante Por esse motivo acreditamos que o livro poderia ser um
instrumento riquiacutessimo para o trabalho em sala de aula e trabalhado com seacuteries de ensino
fundamental e meacutedio poderia contribuir na quebra de uma ideologia hegemocircnica presente nasociedade
Em um panorama mais amplo este trabalho buscou tambeacutem averiguar como
um livro de autoria feminina destinada ao puacuteblico infantojuvenil representa em seu texto as
reflexotildees suscitadas pela Criacutetica Feminista contemporacircnea Constatamos que Laura Bergalho
eacute uma das vozes de escritoras contemporacircnea que problematiza essas questotildees pondo agrave luz
temas conflitantes da sociedade e por meio da personagem Ecila se posicionando de forma
criacutetica diante do discurso patriarcal
Referecircncias bibliograacuteficas
BOURDIEU Pierre A dominaccedilatildeo masculina traduccedilatildeo Maria Helena Kuumlhner- 4ordfed-Rio de Janeiro Bertrand Brasil 2005BERGALHO Laura Alice no espelho Satildeo Paulo Ediccedilotildees SM 2005 ndash (Muriqui)BUTLER Judith P Problemas de gecircnero feminismo e subversatildeo da identidade TradRenato Aguiar Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2003GROPPO Luiacutes Antonio Juventude ensaios sobre sociologia e histoacuteria das juventudes
modernas Rio de Janeiro DIFEL 2000 (coleccedilatildeo Enfoques Sociologia)HALL Stuart A identidade cultural na poacutes-modernidade Traduccedilatildeo Tomaz Tadeu Silva 10ed Rio de Janeiro DP amp A Editora (306 H179i 10 d 2005)LAURETIS T A tecnologia do gecircnero In HOLLANDA H B (Org) Tendecircncias eimpasses o feminismo como criacutetica da cultura Rio de Janeiro Rocco 1994 p 206-242
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O discurso machista circulado socialmente tambeacutem pode ser percebido no
trecho ldquotodo mundo dizia que ela era linda e magrardquo (p10) Demostrando que o discurso
corrente na sociedade estaacute sempre associando o ldquobelordquo com a quantidade de calorias que o
corpo possui Assim a cultura vigente quer unificar todas as mulheres em um mesmo padratildeo
Essa unificaccedilatildeo eacute completamente ilusoacuteria e desconsidera o sujeito como algueacutem com
muacuteltiplas identidades
Outro pilar transmissor desse discurso eacute a miacutedia Alice tem extrema veneraccedilatildeo
pela famosa Mirna Lee modelo presente em vaacuterias capas de revistas Descrita como dona de
um corpo sequinho e sem nenhum grama de gordura Mirna Lee torna-se a musa dapersonagem que por sua vez coleciona pilhas de revistas de sua ldquodeusardquo Aleacutem de Mirna
Lee Alice coleciona e folheia revistas de moda a procura dos segredos das top models entre
elas o narrador cita a revista chamada ldquoBeleza e Levezardquo
Embora segundo o autor as mulheres natildeo escolham adotar praacuteticas submissas
ao contraacuterio ldquoeacute preciso assinalar natildeo soacute que as tendecircncias agrave ldquosubmissatildeordquo dadas por vezes
como pretexto para ldquoculpar a viacutetimardquo satildeo resultantes das estruturas objetivasrdquo (p52) ou
seja voltada apenas no objeto (casa fogatildeo cozinha lavanderia ) e natildeo no sujeito elas estatildeoenvoltas em uma estrutura de dominaccedilatildeo em que encontram-se como se magicamente
dominadas o que Bourdieu iraacute chamar de ldquosubmissatildeo encantadardquo Submissatildeo maacutegica que por
meio de uma forccedila simboacutelica e um acordo taacutecito entre dominado e dominante faz com que
esse processo torne-se natural (BOURDIEU 2005 p46)
E as proacuteprias mulheres aplicam a toda realidade e particularmente agraves relaccedilotildees depoder em que se vecircem envolvidas esquemas de pensamentos que satildeo produto daincorporaccedilatildeo dessas relaccedilotildees de poder e que se expressam nas oposiccedilotildees fundantes
da ordem simboacutelica (BORDIEU 2005 p45)
Essa inversatildeo da relaccedilatildeo entre as causas e os efeitos da dominaccedilatildeo masculina e
a construccedilatildeo social naturalizada de algo que eacute imposto pela sociedade levam as mulheres
ingenuinamente a acreditarem que satildeo donas de suas proacuteprias decisotildees e de seu proacuteprio
corpo
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Sempre vi na dominaccedilatildeo masculina e no modo como eacute imposta a vivecircncia o
exemplo por excelecircncia desta submissatildeo paradoxal resultante daquilo que eu chamode violecircncia simboacutelica violecircncia suave insensiacutevel invisiacutevel a suas proacuteprias viacutetimasque se exerce essencialmente pelas vias puramente simboacutelicas de comunicaccedilatildeo e doconhecimento ou mais precisamente do desconhecimento do reconhecimento ouem uacuteltima instacircncia do sentimento (BOURDIEU 2005 p 7-8)
Para Bordieu (2005) seria ilusatildeo acreditarmos que a violecircncia simboacutelica
poderia ser vencida apenas pela conscientizaccedilatildeo e pela vontade de mudanccedila pois ldquoos efeitos e
as condiccedilotildees de sua eficaacutecia estatildeo duradouramente inscritas no mais iacutentimo dos corpos sob a
forma de predisposiccedilotildeesrdquo (p51) Contudo no depoimento da personagem nas paacuteginas finais
do livro percebemos uma tomada de consciecircncia se natildeo completa o suficiente para lutar
contra o transtorno alimentar que aflige a personagem ldquoPara mim todos os outros valores
aleacutem da aparecircncia natildeo tinham importacircncia Minha realizaccedilatildeo como pessoa dependia
inteiramente do meu corpo transformado em objeto de consumo Eu natildeo gostava de mimrdquo
(p156)
Segundo Lauretis ldquoa sexualizaccedilatildeo do corpo feminino tem sido com efeito uma
das figuras ou objetos de conhecimento favoritos nos discursos da ciecircncia meacutedica da religiatildeo
arte literatura cultura popular e assim por dianterdquo (p221) Para a criacutetica o corpo feminino eacute
visto comumente como atributo ou propriedade do masculino em outras palavras o corpo
feminino estaacute relacionada com o prazer visual masculino Isso pode gerar nas mulheres uma
auto-depreciaccedilatildeo ou autodesprezo pelo proacuteprio corpo como tambeacutem nos lembra Bourdieu
(2005) No caso da personagem em questatildeo levou Alice quase agrave morte
Consideraccedilotildees finais
Em linhas gerais tentamos evidenciar neste trabalho as diferenccedilas das
personagens principais da narrativa Alice e Ecila mostrando os papeacuteis que elas ocupam no
script social e as formas de dominaccedilatildeo a que satildeo submetidas Por meio da anaacutelise do livro e da
leitura de textos teoacutericos notamos que ambas reagem diferentemente agraves formas de subversatildeo
feminina Enquanto a personagem de Alice posiciona-se de forma destrutiva (doenccedila
sensaccedilatildeo de abandono) diante agraves imposiccedilotildees ideoloacutegicas que sofre temos a personagem Ecila
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que natildeo aceita tacitamente esse jogo da relaccedilatildeo de poder entre dominante e dominado Em
outras palavras Ecila se distancia e posiciona-se criticamente em relaccedilatildeo a esta imposiccedilatildeo
Aleacutem disso notamos na narrativa de Laura Bergalho elementos internos
capazes de seduzir por meio da identificaccedilatildeo com o jovem A linguagem vocabulaacuterio
caracterizaccedilatildeo dos personagens e a proacutepria temaacutetica abordada no livro repleto de assuntos
polecircmicos como a anorexia bulimia e a separaccedilatildeo dos pais satildeo abordados de uma forma
responsaacutevel e interessante Por esse motivo acreditamos que o livro poderia ser um
instrumento riquiacutessimo para o trabalho em sala de aula e trabalhado com seacuteries de ensino
fundamental e meacutedio poderia contribuir na quebra de uma ideologia hegemocircnica presente nasociedade
Em um panorama mais amplo este trabalho buscou tambeacutem averiguar como
um livro de autoria feminina destinada ao puacuteblico infantojuvenil representa em seu texto as
reflexotildees suscitadas pela Criacutetica Feminista contemporacircnea Constatamos que Laura Bergalho
eacute uma das vozes de escritoras contemporacircnea que problematiza essas questotildees pondo agrave luz
temas conflitantes da sociedade e por meio da personagem Ecila se posicionando de forma
criacutetica diante do discurso patriarcal
Referecircncias bibliograacuteficas
BOURDIEU Pierre A dominaccedilatildeo masculina traduccedilatildeo Maria Helena Kuumlhner- 4ordfed-Rio de Janeiro Bertrand Brasil 2005BERGALHO Laura Alice no espelho Satildeo Paulo Ediccedilotildees SM 2005 ndash (Muriqui)BUTLER Judith P Problemas de gecircnero feminismo e subversatildeo da identidade TradRenato Aguiar Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2003GROPPO Luiacutes Antonio Juventude ensaios sobre sociologia e histoacuteria das juventudes
modernas Rio de Janeiro DIFEL 2000 (coleccedilatildeo Enfoques Sociologia)HALL Stuart A identidade cultural na poacutes-modernidade Traduccedilatildeo Tomaz Tadeu Silva 10ed Rio de Janeiro DP amp A Editora (306 H179i 10 d 2005)LAURETIS T A tecnologia do gecircnero In HOLLANDA H B (Org) Tendecircncias eimpasses o feminismo como criacutetica da cultura Rio de Janeiro Rocco 1994 p 206-242
7172019 FABRETTI Liacutegia Maria - Representaccedilatildeo Da Escrita Feminina Na Literatura Juvenil Contemporacircnea Uma Leitura de Alice No Espelho
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ldquoJUVENTUDE E LETRAMENTO LITERAacuteRIOrdquo19 a 21092011
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983120 983265 983143 983145 983150 983137
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Sempre vi na dominaccedilatildeo masculina e no modo como eacute imposta a vivecircncia o
exemplo por excelecircncia desta submissatildeo paradoxal resultante daquilo que eu chamode violecircncia simboacutelica violecircncia suave insensiacutevel invisiacutevel a suas proacuteprias viacutetimasque se exerce essencialmente pelas vias puramente simboacutelicas de comunicaccedilatildeo e doconhecimento ou mais precisamente do desconhecimento do reconhecimento ouem uacuteltima instacircncia do sentimento (BOURDIEU 2005 p 7-8)
Para Bordieu (2005) seria ilusatildeo acreditarmos que a violecircncia simboacutelica
poderia ser vencida apenas pela conscientizaccedilatildeo e pela vontade de mudanccedila pois ldquoos efeitos e
as condiccedilotildees de sua eficaacutecia estatildeo duradouramente inscritas no mais iacutentimo dos corpos sob a
forma de predisposiccedilotildeesrdquo (p51) Contudo no depoimento da personagem nas paacuteginas finais
do livro percebemos uma tomada de consciecircncia se natildeo completa o suficiente para lutar
contra o transtorno alimentar que aflige a personagem ldquoPara mim todos os outros valores
aleacutem da aparecircncia natildeo tinham importacircncia Minha realizaccedilatildeo como pessoa dependia
inteiramente do meu corpo transformado em objeto de consumo Eu natildeo gostava de mimrdquo
(p156)
Segundo Lauretis ldquoa sexualizaccedilatildeo do corpo feminino tem sido com efeito uma
das figuras ou objetos de conhecimento favoritos nos discursos da ciecircncia meacutedica da religiatildeo
arte literatura cultura popular e assim por dianterdquo (p221) Para a criacutetica o corpo feminino eacute
visto comumente como atributo ou propriedade do masculino em outras palavras o corpo
feminino estaacute relacionada com o prazer visual masculino Isso pode gerar nas mulheres uma
auto-depreciaccedilatildeo ou autodesprezo pelo proacuteprio corpo como tambeacutem nos lembra Bourdieu
(2005) No caso da personagem em questatildeo levou Alice quase agrave morte
Consideraccedilotildees finais
Em linhas gerais tentamos evidenciar neste trabalho as diferenccedilas das
personagens principais da narrativa Alice e Ecila mostrando os papeacuteis que elas ocupam no
script social e as formas de dominaccedilatildeo a que satildeo submetidas Por meio da anaacutelise do livro e da
leitura de textos teoacutericos notamos que ambas reagem diferentemente agraves formas de subversatildeo
feminina Enquanto a personagem de Alice posiciona-se de forma destrutiva (doenccedila
sensaccedilatildeo de abandono) diante agraves imposiccedilotildees ideoloacutegicas que sofre temos a personagem Ecila
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que natildeo aceita tacitamente esse jogo da relaccedilatildeo de poder entre dominante e dominado Em
outras palavras Ecila se distancia e posiciona-se criticamente em relaccedilatildeo a esta imposiccedilatildeo
Aleacutem disso notamos na narrativa de Laura Bergalho elementos internos
capazes de seduzir por meio da identificaccedilatildeo com o jovem A linguagem vocabulaacuterio
caracterizaccedilatildeo dos personagens e a proacutepria temaacutetica abordada no livro repleto de assuntos
polecircmicos como a anorexia bulimia e a separaccedilatildeo dos pais satildeo abordados de uma forma
responsaacutevel e interessante Por esse motivo acreditamos que o livro poderia ser um
instrumento riquiacutessimo para o trabalho em sala de aula e trabalhado com seacuteries de ensino
fundamental e meacutedio poderia contribuir na quebra de uma ideologia hegemocircnica presente nasociedade
Em um panorama mais amplo este trabalho buscou tambeacutem averiguar como
um livro de autoria feminina destinada ao puacuteblico infantojuvenil representa em seu texto as
reflexotildees suscitadas pela Criacutetica Feminista contemporacircnea Constatamos que Laura Bergalho
eacute uma das vozes de escritoras contemporacircnea que problematiza essas questotildees pondo agrave luz
temas conflitantes da sociedade e por meio da personagem Ecila se posicionando de forma
criacutetica diante do discurso patriarcal
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BOURDIEU Pierre A dominaccedilatildeo masculina traduccedilatildeo Maria Helena Kuumlhner- 4ordfed-Rio de Janeiro Bertrand Brasil 2005BERGALHO Laura Alice no espelho Satildeo Paulo Ediccedilotildees SM 2005 ndash (Muriqui)BUTLER Judith P Problemas de gecircnero feminismo e subversatildeo da identidade TradRenato Aguiar Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2003GROPPO Luiacutes Antonio Juventude ensaios sobre sociologia e histoacuteria das juventudes
modernas Rio de Janeiro DIFEL 2000 (coleccedilatildeo Enfoques Sociologia)HALL Stuart A identidade cultural na poacutes-modernidade Traduccedilatildeo Tomaz Tadeu Silva 10ed Rio de Janeiro DP amp A Editora (306 H179i 10 d 2005)LAURETIS T A tecnologia do gecircnero In HOLLANDA H B (Org) Tendecircncias eimpasses o feminismo como criacutetica da cultura Rio de Janeiro Rocco 1994 p 206-242
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