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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE ECONOMIA MARIANA RÊIS MARIA Explorando o desenho de políticas públicas mais sustentáveis: é possível a transição energética de baixo- carbono? Campinas 2017

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE ECONOMIA

MARIANA RÊIS MARIA

Explorando o desenho de políticas públicas mais

sustentáveis: é possível a transição energética de baixo-

carbono?

Campinas 2017

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE ECONOMIA

MARIANA RÊIS MARIA

Explorando o desenho de políticas públicas mais

sustentáveis: é possível a transição energética de baixo-

carbono?

Prof. Dr. Paulo Sérgio Fracalanza – orientador

Prof. Dr. Renato de Castro Garcia – co-orientador

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Econômicas da Universidade Estadual de Campinas para obtenção do título de Mestra em Ciências Econômicas. ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELA ALUNA MARIANA RÊIS MARIA, ORIENTADA PELO PROF. DR. PAULO SÉRGIO FRACALANZA E COORIENTADA PELO PROF. DR. RENATO DE CASTRO GARCIA.

CAMPINAS

2017

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Agência(s) de fomento e nº(s) de processo(s): FUNCAMP, 787/15

Ficha catalográfica Universidade Estadual de Campinas Biblioteca do Instituto de Economia Célia Maria Ribeiro - CRB 8/3492

Informações para Biblioteca Digital Título em outro idioma: Exploring the design of more sustainable public policies : is it possible the low-carbon energy transition? Palavras-chave em inglês: Environmental economics Carbon lock-in Energy policy Clean energy Área de concentração: Teoria Econômica Titulação: Mestra em Ciências Econômicas Banca examinadora: Paulo Sérgio Fracalanza [Orientador] Anapatrícia de Oliveira Morales Vilha José Eduardo de Salles Roselino Júnior Célio Hiratuka Data de defesa: 17-11-2017 Programa de Pós-Graduação: Ciências Econômicas

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE ECONOMIA

MARIANA RÊIS MARIA

Explorando o desenho de políticas públicas mais sustentáveis: é possível a transição energética de baixo-

carbono?

Prof. Dr. Paulo Sérgio Fracalanza – orientador

Prof. Dr. Renato de Castro Garcia – co-orientador

Defendida em 17/11/2017

COMISSÃO JULGADORA

Prof. Dr. Paulo Sérgio Fracalanza Instituto de Economia / UNICAMP Prof.ª Dr.ª Anapatricia de Oliveira Morales Vilha Universidade Federal do ABC (UFABC) Prof. Dr. Célio Hiratuka Instituto de Economia / UNICAMP Prof. Dr. José Eduardo de Salles Roselino Júnior Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR)

A Ata de Defesa, assinada pelos membros da

Comissão Examinadora, consta no processo de

vida acadêmica da aluna.

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AGRADECIMENTOS

Escrever uma dissertação de mestrado é um grande desafio. São meses de muito

estudo, leituras, debates, questionamentos, dúvidas e escrita. Com toda certeza esse processo

seria mais difícil sem a presença de todas as pessoas que estiveram ao meu lado.

Agradeço primeiramente ao meu querido orientador Paulo Sérgio Fracalanza com que

venho trabalhando há mais de quatro anos. Foram duas iniciações científicas, uma monografia

e uma dissertação em que pude usufruir de seu grande estusiamo com os temas e sua

impressionante inteligência. Um intelectual capaz de transitar por vários assuntos complexos

com grande facilidade e clareza, sem medo de alçar vôos mais altos e muito fiel àquilo que

acredita. Com ele pude aprender muito, não só intelectualmente, mas também com o grande

coração que possui, tratando com respeito e estima todos que o cercam. Sem ele, com certeza,

esse trabalho não seria o mesmo.

Agradeço também ao meu também querido co-orientador Renato de Castro Garcia que

tornou a confecção desse trabalho muito mais leve e prazerosa. Devo imensamente esse

trabalho a sua dedicação nas leituras de cada capítulo, nas inúmeras conversas que tivemos

sobre o tema e sobre a vida acadêmica e também a sua disposição em organizar seminários e

apresentações para que meu trabalho pudesse ser compartilhado. Sua alegria e disposição

fizeram a diferença em cada página aqui escrita.

Ao meu marido, Douglas, os mais sinceros agradecimentos. Sem ele meus dias não

seriam tão alegres. Agradeço à paciência, o amor e o sempre incondicional apoio.

À minha família, especialmente aos meus amados pais Edson e Sirlei, agradeço

primeiramente o sacrifício de vida que fizeram para que eu chegasse até aqui. Meus pais

abriram mão de qualquer luxo e muitas vezes até do básico para que eu me formasse na

melhor universidade da América Latina e hoje, graças a eles, estou terminando um mestrado

na mesma universidade.

Não posso deixar de agradecer a todos os professores do Instituto de Economia da

UNICAMP, que participaram da minha formação, tanto da graduação quanto do mestrado,

especialmente aos professores Célio Hiratuka e Antônio Carlos Diegues que compuseram

minha banca de qualificação e cujos comentários e sugestões enriqueceram muito essa

dissertação. Além da qualificação, agradeço imensamente pela disposição e prontidão de

ambos sempre que precisei coversar sobre o tema. Além dos professores do Instituto de

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Economia, gostaria de agradecer a professora Rosana Corazza pelo carinho, conversas e

auxílio nos momentos mais difíceis desse processo e aos professores José Roselino e

Anapatrícia Moraes Vilha pelos comentários feitos a esse trabalho, que foram de fundamental

importância para o aprofundamento e constante melhora do debate.

Aos meus amigos da pós-graduação, Larissa, Christian, Lucas, Carol, Rafael Cattan,

Rafael Gava, Lílian, Nathalie, Elias, Felipe, Daniel, Ana, Fernanda, Thomáz, Guilherme e

muitos outros, agradeço pelos inúmeros almoços no restaurante universitário, pelas diversas

pausas para o café, pelas inúmeras risadas e pelos intermináveis questionamentos e mais

profundas conversas desses mais de dois anos de mestrado. Aos meus amigos da graduação,

Marcos, Fabiana, Sandro, Luís, Bárbara, Fábio, Dennis, Mariana, Leonardo, Lucila também

dirijo o meu imenso carinho e agradecimento pela presença constante e apoio que

transcenderam a vida acadêmica. Além da UNICAMP, devo um grande agradecimento

especial aos meus amigos Erivania, Henrique, Tiago, Abner, Paula, Ariane, Elisabeth e

Marina por me aguentarem tagarelar sobre o meu tema em diversos momentos desses meses e

por sempre estarem com os ouvidos abertos a ouvir meus questionamentos do mundo.

Agradeço também aos funcionários do Instituto de Economia da Unicamp, sempre

atenciosos no dia-a-dia e na resolução de grandes e pequenos problemas. Agradeço

especialmente à Lorenza, Jonathan, Fátima e Camila e também aos funcionários da Biblioteca

Lucas Gamboa.

Gostaria de agradecer também a FAEPEX que tornou possível minha dedicação

exclusiva a esse projeto nos meus dois anos de mestrado.

Agradeço por último e acima de tudo a Deus pelo dom da vida e pelo carinho que tem

guiado meus passos.

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“A lógica que dificulta a tomada de decisões

drásticas para inverter a tendência ao

aquecimento global é a mesma que não permite

cumprir o objetivo de erradicar a pobreza” (Papa

Francisco, Laudato Si).

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RESUMO

A discussão acerca da necessidade da transição para uma economia de baixo-carbono tem

sido cada vez mais presente no meio acadêmico e político. O entendimento de que ações

inteligentes precisam ser tomadas em um espaço cada vez mais curto de tempo e a percepção

de que as transformações necessárias se dão em ritmo mais lento do que deveria devem lançar

luzes sobre a necessidade de entender quais são as barreiras existentes ao crescimento e

dominância de energias mais limpas no sistema energético dos países e de que maneira essas

barreiras, cujo conjunto é denominado de lock-in do carbono, podem ser rompidas. A

dominância de determinadas tecnologias e o surgimento de novos paradigmas estão

intimamente relacionados a uma trajetória de desenvolvimento em que muito importam a

história e as escolhas políticas realizadas em seu caminho. A transição para uma economia de

baixo-carbono somente será acelerada quando se tornar uma escolha dos policy-makers e da

sociedade. Assim, essa pesquisa buscou discutir o arcabouço teórico necessário para entender

os entraves colocadas pela Sociedade do Hidrocarboneto à transição, o papel das políticas

públicas na construção de um Sistema de Inovação Sustentável e o regime político para a

transição construídos por dois países que têm declarado e realizado medidas concretas em

direção a um futuro mais limpo: Alemanha e China.

Palavras-chave: Economia ambiental; Lock-in do carbono; Política energética; Energia

limpa.

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ABSTRACT

The debate about the need of a transition toward a low-carbon economy has been increasingly

present in the academia and politics. The acquaintance that intelligent actions must be taken in

a progressively shorter period and the realization that the required transformations occur at a

slower course that it should must throw lights on the understanding of what kind of barriers

exist to the growth and dominance of cleaner energies and how these barriers, called carbon

lock-in, can be broken. The dominance of certain technologies and the emergence of new

paradigms are closely related to a developmental trajectory in which the political choises and

history matters. The transition to a low-carbon economy will only be accelerated when it

becomes a choice of the society and policy-makers. Thus, this research sought to discuss the

theoretical framework needed to understand the obstacles posed by the ‘Hydrocarbon Society’

to the transition, the role of public policies in the construction of a Sustainable Innovation

System and the political regime for the transition tha has been built by two countries that have

declared and implemented concrete measures toward a cleaner future: Germany and China.

Keywords: Environmental economy; Carbon lock-in; Energ policy; Clean energy.

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1-Comparação entre os projetos orientados para uma missão, antigos e novos ...................................... 86

Quadro 2- Linha do Ttempo da Energiewende, 1974-2011, fatos selecionados. ............................................... 106

Quadro 3- Redução de emissões, medidas selecionadas, Alemanha. ................................................................. 120

Quadro 4- Medidas selecionadas: fontes renováveis e eficiência energética. .................................................... 123

Quadro 5- Da abertura econômica à transição energética chinesa, 1978-2007, fatos selecionados. .................. 136

Quadro 6- Metas de eficiência energética nos planos quinquenais. ................................................................... 148

Quadro 7- Eficiência Energética, China, Políticas. Selecionadas. ..................................................................... 150

Quadro 8- Evolução da Política Climática Chinesa, 1988-2015. ....................................................................... 152

Quadro 9- Energia Renovável na China, Políticas Selecionadas. ...................................................................... 158

Quadro 10- 13º Plano Quinquenal para o Desenvolvimento Energético, principais metas. ............................... 162

Quadro 11- Características Principais dos Sistemas Nacionais de Inovação Sustentável. Alemanha e China... 165

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1-Evolução da emissão de CO2 global, 1920-1965 ................................................................. 40 Tabela 2– Fluxos de investimento em energias renováveis, segundo regiões, 2005-2015 ................................... 56

Tabela 3- Relação Reserva-Produção (R/P) (1), 2014 ........................................................................................ 147

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1– Variação da emissão de CO2 e do PIB mundial, 1961-2013 .............................................................. 44

Gráfico 2-Participação por país na emissão total de CO2 (excluindo uso da terra e silvicultura), 2013 .............. 45

Gráfico 3- Distribuição das emissões globais de gases do efeito estufa, segundo setor, 2010. ............................ 46

Gráfico 4-Consumo de energia primária, segundo combustível, 2015 ................................................................. 46

Gráfico 5-Total de gás carbônico (CO2 ) emitido pelo consumo de energia, 1980-2040 .................................... 47

Gráfico 6- Consumo total de energia global, segundo combustível, 2011-2040 .................................................. 49

Gráfico 7- LCOE médio global (1) para energias renováveis, 2010 e 2016 (2) ................................................... 54

Gráfico 8- Fluxo de investimento (bilhões de US$), segundo tecnologia, 2005-2015 ......................................... 57

Gráfico 9- Capacidade instalada global acumulada de energia renovável, segundo fonte, 2000-2015 ................ 58

Gráfico 10- Ranking de países por capacidade elétrica instalada em energia eólica, 2016. ................................. 60

Gráfico 11- Ranking de países por capacidade elétrica instalada em energia solar, 2016. ................................... 61

Gráfico 12- Maiores produtores de turbinas eólicas (onshore) por capacidade encomendada, 2016. .................. 62

Gráfico 13- Maiores produtores de módulos fotovoltaicos por capacidade encomendada, 2016. ........................ 63

Gráfico 14- Intensidade energética global (Koe/US$2005) (1), 1990-2015. ........................................................ 64

Gráfico 15- Empregos Acumulados no Setor de Energia Renovável, 2015. ........................................................ 65

Gráfico 16- Participação das fontes energéticas na Oferta Total de Energia Primária (OTEP), Alemanha, 1973.

............................................................................................................................................................................. 109

Gráfico 17- Participação das fontes energéticas na Oferta Total de Energia Primária (OTEP), Alemanha, 1985.

............................................................................................................................................................................. 109

Gráfico 18- Participação das fontes energéticas na Oferta Total de Energia Primária (OTEP), Alemanha, 1997.

............................................................................................................................................................................. 111

Gráfico 19- Emissão Anual de CO2 (1), Alemanha 1975-2013. ........................................................................ 119

Gráfico 20- Geração de Energia Elétrica na Alemanha, Total e Renovável (GW/h) . ....................................... 126

Gráfico 21- Capacidade Elétrica Instalada em Energia Renovável (GW) na Alemanha, 2000-2015. ................ 128

Gráfico 22- Consumo Energético Primário (Mtoe) e Intensidade Energética (1). .............................................. 129

Gráfico 23- Produção de Eletricidade por Fonte Nuclear (% do total), Alemanha, 1970-2014. ........................ 131

Gráfico 24- Importação de energia em relação ao total de energia primária consumida. ................................... 132

Gráfico 25- Número de Empregos Acumulados no Setor de Energia Renovável, Alemanha, 2015. ................. 134

Gráfico 26- Variação anual do PIB, Variação do Consumo de Energia Final e Variação da Emissão anual de

CO2, China, 1975-2013. ...................................................................................................................................... 138

Gráfico 27- Produção Energética Primária (Mtoe) China, 1970-2006. ............................................................. 140

Gráfico 28- Consumo de Energia Primária (1970-2015) em Mtoe (1). ............................................................. 146

Gráfico 29- Intensidade Energética, China, 1990-2014. ..................................................................................... 146

Gráfico 30- Importações líquidas de energia como porcentagem do uso energético, 1971- 2013. .................... 148

Gráfico 31- Capacidade de geração elétrica instalada por fonte, China, 2005 . ................................................. 155

Gráfico 32- Capacidade de geração elétrica instalada por fonte, China, 2015. .................................................. 156

Gráfico 33- Tendência de investimento em energia renovável, excluindo hidrelétrica, China, 2004-2015. ...... 160

Gráfico 34- Capacidade elétrica renovável instalada (GW) na China (hidrelétrica, solar e eólica), 2004-2015. 161

Gráfico 35- - Número de Empregos Acumulados, Indústria de Energia Renovável, China. .............................. 163

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO..................................................................................................................................................... 15

CAPÍTULO 1 ALTERNATIVAS TEÓRICAS E O LOCK-IN TECNOLÓGICO ............................................... 23

1.1 Conceitos de Lock-in Tecnológico e Institucional ................................................................................ 26

1.2 O Lock-in do Carbono e a Necessidade de Descarbonização ............................................................... 33

1.2.1 Entendendo a Sociedade do Hidrocarboneto ........................................................................................ 34

1.2.2 A Necessidade de Transição ................................................................................................................. 41

1.2.3 As Energias Renováveis e Economia de Energia: a descarbonização do sistema energético ............... 52

CAPÍTULO 2 COMO PROMOVER A EMERGÊNCIA DE ALTERNATIVAS DE BAIXO-CARBONO?...... 67

2.1 “A Nova Razão do Mundo” e o Estado versus Mercado ...................................................................... 71

2.2 O Estado e o Sistema Nacional de Inovação ........................................................................................ 75

2.3 O Sistema de Inovação Sustentável e o Sistema Político de Transição Energética .............................. 82

2.3.1 Políticas Públicas para a Transição Energética ..................................................................................... 90

2.3.1.1 Políticas de Demanda ........................................................................................................................... 90

2.3.1.2 Políticas de Oferta ................................................................................................................................ 95

2.3.1.3 Outras Políticas ................................................................................................................................... 100

2.3.2 Além das Políticas Públicas: a transformação de “baixo para cima”.................................................. 101

CAPÍTULO 3 ALEMANHA E CHINA: DESENHOS DO SISTEMA POLÍTICO PARA A TRANSIÇÃO

ENERGÉTICA .................................................................................................................................................... 103

3.1 O Caso Alemão................................................................................................................................... 105

3.1.1 Do Movimento Ambientalista e Antinuclear ao Energiewende ......................................................... 105

3.1.2 Princípios da Energiewende e as Políticas em Vigor.......................................................................... 117

i) Combate à mudança climática ............................................................................................................ 118

ii) Estímulo ao desenvolvimento das energias renováveis e eficiência energética.................................. 122

iii) Redução e eliminação dos riscos da energia nuclear .......................................................................... 130

iv) Importação de energia e segurança energética ................................................................................... 131

v) Fortalecimento das economias locais e justiça social ......................................................................... 132

3.2 O Caso Chinês .................................................................................................................................... 134

3.2.1 Da Abertura Econômica ao Novo Século ........................................................................................... 135

i) Segurança energética doméstica ......................................................................................................... 145

ii) Desenvolvimento sustentável ............................................................................................................. 151

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iii) Liderança no mercado de baixo-carbono ............................................................................................ 153

3.3 Alemanha e China: discussão sobre o desenho de políticas mais sustentáveis ................................... 164

4. CONCLUSÃO................................................................................................................................................. 171

5. REFERÊNCIAS .............................................................................................................................................. 177

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INTRODUÇÃO

Nos últimos anos, o desenvolvimento de tecnologias sustentáveis capazes de

mitigar os danos causados pelo homem ao meio ambiente sem, entretanto, frear o

desenvolvimento econômico1 retomou fôlego, mostrando-se novamente como uma questão

indispensável para aqueles que pretendem tratar os problemas recentes e seus desdobramentos

futuros. O debate presenciado nos anos 1970 que trouxe à tona a preocupação com a mudança

climática e a possibilidade de escassez de recursos volta a figurar como vital para o

entendimento profundo dos desafios colocados.

Esse debate teve origem com o trabalho publicado por Meadows et al. (1972),

pesquisadores do Massachusetts Institute of Tecnology (MIT) em 1972 – que previa a

insustentabilidade do crescimento econômico mediante os recursos naturais limitados e

propunha o crescimento zero como solução – fez nascerem no âmbito acadêmico posições

otimistas e pessimistas quanto à possibilidade da humanidade encontrar caminhos inteligentes

de ação para enfrentar o problema ambiental.

Christopher Freeman, um dos principais expoentes desse debate, afirmava que o

pessimismo representado pelo grupo de pesquisadores do MIT não levava em conta que,

mediante as evidências de catástrofes ambientais e falta de recursos futuros, a sociedade

poderia responder de forma adaptativa aos efeitos deletérios da ação humana sobre o meio

ambiente e complementa que “não deveríamos cair no erro de alguns ecologistas pessimistas:

falhar ao considerar o tremendo potencial da mudança técnica em relação aos sistemas sociais

humanos” (FREEMAN, 1973, p. 11).

Além disso, na periferia do sistema, autores como Furtado (1974) e Herrera et al.

(1976) advogavam que as hipóteses do modelo World 32 não levavam em conta a substancial

desigualdade produtiva e de consumo dos países centrais e periféricos. Furtado vai além,

afirmando que a hipótese de generalização do padrão de consumo do centro – uma das

principais hipóteses do modelo – representava um mito de desenvolvimento “vendido” pelo

centro e muitas vezes aceito pelos países periféricos e por seus estudiosos.3

Mais de 30 anos após esse debate, os problemas e os questionamentos não

diminuíram, podendo-se dizer que aumentaram de tamanho e de complexidade e imaginar

1 Sem demais considerações por ora sobre o tema, qualifico que “desenvolvimento econômico”, nesse trabalho, é

muito mais do que crescimento econômico e, mediante as necessidades ecossistêmicas que temos presenciado,

coloca-se em questionamento se o crescimento econômico como conhecemos atualmente, medido pelo PIB, seja

condizente com essas necessidades. Sobre isso ler Jackson (2009). 2 Como ficou conhecido o modelo do trabalho de Meadows et al. (1972). 3 Esse debate será aprofundado no segundo capítulo desse trabalho.

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caminhos de ação se tornou uma tarefa mais árdua. Isso porque o problema ambiental e seus

efeitos sobre a sociedade estão tomando grandes proporções e o tempo de ação frente às

grandes transformações necessárias fica cada vez menor. Atualmente há inúmeras evidências

de que a ação antropogênica de facto é o principal fator das mudanças ecossistêmicas

especialmente pela emissão de gases do efeito estufa 4que suas principais atividades

econômicas geram, algo que ainda era uma possibilidade nos anos 1970. A partir da gravidade

das evidências, o problema fica um pouco mais claro do que era nos anos 1970. Realmente os

recursos são limitados e a capacidade da Terra em absorver os impactos também, mas se as

transformações correntes têm como principal motor a ação humana, a sociedade não teria a

obrigação e a capacidade de revertê-las?

Uma das grandes contribuições desse primeiro debate foi trazer a questão

ambiental para as discussões acadêmicas e principalmente inseri-las no âmbito econômico e

tecnológico. Com as evidências crescentes de que a questão ambiental se tornava um tema

inescapável, duas eram as principais posturas existentes: advogar por um crescimento zero em

um mundo extremamente desigual em que grande parte das pessoas não tinha acesso aos

recursos básicos de subsistência ou acreditar que a sociedade poderia reverter o quadro

catastrófico mediante escolhas inteligentes que, além de mitigar os problemas ambientais,

permitiria incrementos nos padrões de vida dos países menos desenvolvidos.

Esse trabalho vai em direção à segunda opção, mas de uma maneira crítica,

considerando as ressalvas que ela possa exigir, especialmente ressaltando que não é possível

acreditar que somente o desenvolvimento tecnológico será responsável por solucionar os

problemas apresentados. A mudança do paradigma tecnológico para evitar que catástrofes se

realizem, como a prevista por Meadows et al. (1972), envolve a esfera tecnológica e

social/institucional. Mediante as mudanças ecossistêmicas que a sociedade tem presenciado e

a ineficácia de grande parte das ações realizadas nas últimas décadas para combater essas

mudanças, coloca-se o desafio de retomar e redesenhar esses caminhos que possam ser

seguidos, especialmente quanto à possibilidade de transição para uma economia de baixo-

carbono. A partir desses apontamentos, as duas grandes perguntas desse trabalho são: por que

a diminuição das emissões através do desenvolvimento de alternativas tecnológicas mais

limpas, especialmente na infraestrutura energética, se dá de maneira tão lenta mesmo

mediante tantas evidências que apontam a necessidade latente de sua realização? E, dada a

4 Segundo a The Royal Society and the US National Academy of Sciences (2010, p. 2) “Gases do efeito estufa

como o 𝐶𝑂2 absorvem o calor (radiação infravermelha) emitidos pela superfície terrestre. O aumento da

concentração desses gases na superfície terrestre causa um maior aquecimento da Terra por atuar como um

cobertor que segura o calor”.

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inércia que se verifica, quais os arranjos, atores e instituições são necessários para acelerar

esse processo?

De fato, os desafios são muitos e buscar desvendar essas questões não é trivial. As

mudanças ecossistêmicas em curso se caracterizam especialmente pela ultrapassagem das

fronteiras dos limites operacionais seguros para a Terra nas quais as mudanças climáticas

desencadeadas são as mais conhecidas. As consequências da ação deletéria do ser humano

irão afetar elementos básicos da vida, como o acesso à água, a produção de alimentos, a saúde

e o meio ambiente (ROCKSTRÖM et al., 2009). Nossas ações correntes e futuras podem

causar riscos de grande ruptura econômica e sociais semelhantes à escala das grandes guerras

e da grande depressão da primeira metade do século XX, e essas rupturas poderão ser muito

difíceis ou impossíveis de reverter caso mudanças profundas não sejam feitas (STERN, 2007).

Dentre os afetados por essas mudanças, os países mais pobres serão os mais

atingidos. Trabalhos como os de Burke, Hsiang e Miguel (2015) trazem previsões de efeitos

assimétricos para os países. Os impactos macroeconômicos da mudança climática trariam

uma queda do PIB per capita mundial de 23% ao longo do século XXI e dependeriam da

temperatura média inicial de cada região, ou seja, as regiões mais quentes – com temperatura

média anual maior que 13ºC – sofreriam queda no crescimento econômico com o aumento da

temperatura; o efeito não-linear das mudanças climáticas traria novos deslocamentos de

riqueza, afastando-a das regiões mais quentes, tradicionalmente mais pobres e concentrando-a

nas regiões mais frias.

A 21ª Conferência das Partes (COP21) em Paris, em 2015, a maior conferência

sobre o clima já realizada, retomou o estado de urgência e a necessidade de diminuir a

emissão de gases poluentes provenientes da queima de combustíveis fósseis, a fim de evitar

consequências econômicas e sociais drásticas provenientes das mudanças climáticas. Metas

mais duras, como tentar limitar em até 1,5ºC o aumento da temperatura média global em

relação à era pré-industrial (ao invés de 2ºC) foram colocadas em ampla discussão,5 além do

acordo de auxílio dos países desenvolvidos aos países em desenvolvimento para lidar com os

problemas climáticos e promover uma economia mais sustentável.

Segundo o Intergovernmental Panel on Climate Change – IPCC (2014a), a

redução significativa das emissões antropogênicas de gases de efeito estufa é vista como a

única saída para evitar a elevação da temperatura mundial e a consequente ocorrência de

catástrofes ambientais. Neste sentido, aconselha-se que o nível de dióxido de carbono (CO2

5 Apesar da ampla discussão, a meta acordada na COP21 foi de 2°C até o fim do século, mas com o

compromisso de buscar uma meta menor.

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)na atmosfera, estimado em 270 partes por milhão (ppm) na era pré-industrial e registrado em

400 ppm atualmente, não deva ultrapassar 450 ppm (IPCC, 2014a).

Portanto, as respostas a esses desafios exigem transformações estruturais

organizadas e planejadas se a sociedade não quiser ser “surpreendida” por grandes

transformações que, inclusive colocam ainda mais pressão sobre o meio ambiente. Estima-se

que uma grande mudança estrutural, econômica e social, já em curso, deslocará dois terços da

população mundial para áreas urbanas até 2050, e aumentará a demanda por energia em 70%

em média até o mesmo ano (IEA, 2016a). Outras previsões são ainda mais preocupantes:

estima-se que em um mundo de 9 bilhões de habitantes, em que todos aspirem a estilos de

vida ocidentais, a intensidade de carbono a cada unidade em dólar do PIB terá que alcançar,

em 2050, pelo menos 130 vezes os níveis atuais (JACKSON, 2009). Níveis incompatíveis

com a vida da Terra.

Como afirmou o secretário-geral da ONU na cerimônia de assinatura do Acordo

de Paris sobre mudança climática “a era do consumo sem consequências acabou”6 e é preciso

uma reestruturação da sociedade em várias frentes para que as graves consequências em curso

não sejam irreversíveis.

Vivemos na “Era do Antropoceno”, na qual os seres humanos são agentes

determinantes nas mudanças a nível planetário e o esforço para rever ou minimizar os

impactos já não são suficientes: há a urgência de ações que abram janelas para inovação e há

necessidade latente de novos paradigmas, que não quebrem somente as fontes de energia

fósseis, mas o padrão de consumo sem limites (ROCKSTRÖM et al., 2009). Portanto, ao se

tratar da necessidade da transição para uma economia de baixo-carbono não é suficiente lidar

apenas com a redução dos gases do efeito estufa, mas da transformação do modo de vida

contemporâneo que subestima a importância dos recursos ecossistêmicos, excluindo-os dos

cálculos básicos de manutenção do sistema.

Feitas essas considerações, essa dissertação busca endereçar as duas perguntas

anteriormente apresentadas em três frentes: 1) explorar o arcabouço teórico necessário para

entender os problemas apresentados; 2) entender como o papel do Estado pode estar

relacionado à saída da dependência existente no uso intensivo do carbono e 3) a partir de dois

exemplos concretos (Alemanha e China), explorar o desenho de políticas desses dois países

6 SECRETÁRIO-GERAL da ONU: “a era do consumo sem consequências acabou”. Rádio ONU, 22 abril 2016.

Disponível em: <http://www.unmultimedia.org/radio/portuguese/2016/04/seceretario-geral-da-onu-a-era-do-

consumo-sem-conquencias-acabou/#.V30KfrgrKUk>. Acesso em: 15 jun. 2016.

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que declaram estar comprometidos com uma transição para uma economia e, especialmente,

com um sistema energético de baixo-carbono.

Nesse ínterim, as políticas endereçadas à infraestrutura energética e seu papel na

redução das emissões será o foco desse trabalho, apesar de que os desafios são muito maiores

do que “apenas” reduzir as emissões de CO2 no meio ambiente. Busca-se aqui entender de que

maneira o Estado pode estimular o desenvolvimento e difusão de energias renováveis por

meio de políticas públicas que procurem aliar a busca por inovações com a questão ambiental,

ou seja, a busca por um sistema nacional de inovação sustentável,7 sem, entretanto

desconsiderar as questões bastante complexas que estão envolvidas, procurando sempre

mantê-las como questionamentos presentes nessa dissertação.

Trata-se aqui, especialmente, da transformação de uma das maiores infraestruturas

já existentes e de fundamental importância para a transição para uma economia de baixo-

carbono: a matriz energética na sociedade contemporânea e maneiras mais eficientes de

utilizá-la. Com políticas públicas fortes e deliberadas, acredita-se ser possível reduzir

emissões nos países desenvolvidos e em desenvolvimento, e por essas políticas passa o

incentivo ao desenvolvimento e difusão de inovações em tecnologias de baixo-carbono, como

as energias renováveis.

Entretanto, os desafios para a promoção dessa transição não são nada triviais.

Existe uma estrutura de custos irrecuperáveis, riscos e incertezas muito grandes quanto ao

sucesso dessas tecnologias mais limpas (HOPKINS; LAZONICK, 2012; MAZZUCATO,

2011; MAZZUCATO; SEMIENIUK; WATSON, 2015). Além disso, as várias tentativas de

introdução de inovações tecnológicas sustentáveis têm esbarrado em barreiras previamente

estabelecidas que compõem o que chamaremos aqui de lock-in do carbono8.

Assim, para entender a dificuldade apresentada no desenvolvimento de

tecnologias renováveis é necessário entender como as tecnologias se consolidam e, mais que

isso, como elas podem impedir que alternativas a elas se desenvolvam, por isso se justifica a

exploração teórica do desenvolvimento e difusão de tecnologias.

7 O termo sustentável, inclusive, também é fonte de debates acadêmicos, isso porque ele tem sido largamente

utilizado e tem adquirido tantas significações que fica bastante difícil entender realmente do que se trata. Nesse

caso, o termo é derivado da definição de desenvolvimento sustentável que é o “desenvolvimento que satisfaz as

necessidades da geração corrente sem comprometer a capacidade das futuras gerações a fazer o mesmo”

(WCED, 1987, p. 47), ou seja, um sistema de inovação sustentável busca contribuir tecnologicamente e

institucionalmente para esse objetivo. Para um maior aprofundamento desse debate ler Corazza, Bonacelli e

Fracalanza (2013). 8 O termo lock-in do carbono será largamente discutido nesse trabalho. Por ora, entende-se por lock-in do

carbono é o aprisionamento das economias em estruturas complexas que se estabelecem pelo uso intensivo de

combustíveis fósseis e impedem que alternativas, como energias limpas, se deselvolvam e se difundam. Essas

estruturas só podem ser verdadeiramente compreendidas, segundo Unruh (2000, 2002) a partir da consideração

de que os mesmos estão imersos em um contexto não só tecnológico e social.

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À luz dessa inspiração, a proposta desse trabalho é também analisar a existência

de obstáculos em direção ao uso de tecnologias energéticas mais sustentáveis, e as

possibilidades de quebrar essas barreiras. Unruh (2000, 2002) afirma que as economias

industriais, e cada vez mais as em desenvolvimento, estão presas a uma economia baseada em

combustíveis fósseis através de um processo de co-evolução tecnológica e institucional

alimentado pelos retornos crescentes auferidos dessas atividades já consolidados. Essa

dependência, chamada de lock-in do carbono, emerge da combinação de forças sistemáticas

que perpetuam infraestruturas baseadas em combustíveis fósseis, apesar de suas

externalidades ambientais conhecidas e também em detrimento de alternativas

economicamente viáveis e socialmente superiores.

O sucesso de uma inovação e da adoção de uma tecnologia depende de sua

trajetória de desenvolvimento, além de características iniciais do mercado, de fatores

institucionais e regulatórios que governam sua introdução e da expectativa dos consumidores

(FOXON, 2002, p. 2). Entretanto, o fato de tecnologias dominantes proporcionarem retornos

crescentes de escala, devido ao que Arthur (1990) chama de positive-feedbacks, possibilita o

aprisionamento de economias, mesmo as desenvolvidas, em trajetórias inferiores de

desenvolvimento, ainda que frente a alternativas potencialmente superiores.

Assim, aponta-se que o “aprisionamento” das economias industriais em trajetórias

intensivas em carbono é, de forma similar, resultado de barreiras criadas pelo

desenvolvimento de infraestruturas baseadas em tecnologias previamente adotadas.

Entender de que maneira essas relações preservam a estrutura da economia

baseada em carbono e como podem ser quebradas é a inquietação de muitos estudiosos

contemporâneos que acreditam na introdução de tecnologias renováveis como uma alternativa

viável e de urgência para evitar desastres ambientais com graves consequências sociais e

econômicas, como já colocado.

Políticas públicas são o principal instrumento para superar o lock-in do carbono

estabelecido, especialmente aquelas ligadas ao desenvolvimento tecnológico e difusão das

energias mencionadas (HOPKINS; LAZONICK, 2012; MAZZUCATO, 2011;

MAZZUCATO; SEMIENIUK; WATSON, 2015; UNRUH; CARRILLO-HERMOSILLA,

2006; UNRUH, 2000, 2002). Os autores afirmam que essas políticas podem agir no sentido

de promover retornos crescentes em políticas mais sustentáveis e assim promover o

desenvolvimento e estabelecimento dessas tecnologias, atuando tanto na pesquisa e

desenvolvimento de tecnologias de baixo-carbono, quanto no setor produtivo como market-

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maker, permitindo o aprendizado, a redução das incertezas e a aceitação de novas tecnologias

sustentáveis pelas firmas e famílias.

Entender que políticas públicas são importantes tanto na manutenção quanto na

quebra de trajetórias tecnológicas e institucionais é atribuir ao Estado um papel muito além

daquele atribuído pela lógica mainstream. Ao invés de meramente criar as condições para o

funcionamento do mercado, admite-se, nesse trabalho, que o Estado tem um papel ativo na

construção, manutenção e destruição de trajetórias tecnológicas. Apesar de considerar esse

papel importante do Estado e das políticas públicas, não se pretende estabelecer uma visão

ingênua do Estado, mas sim, discutir as suas possibilidades e limites de ação.

Assim, a partir dessas questões levantadas e dos objetivos do trabalho, essa

dissertação é composta de três capítulos.

O primeiro capítulo buscou inicialmente retomar o arcabouço teórico-conceitual

que serviu de base para o trabalho: visão evolucionária da economia e dos processos

tecnológicos, apresentados na seção 1.1. Essa retomada era importante justamente para fazer

frente a construtos teóricos convencionais que não estão abertos ao entendimento tecnológico

e institucional de forma dinâmica e orgânica e impedem o entendimento de fenômenos

complexos e não lineares como os aprisionamentos tecno-institucionais. A seção 1.2

desenvolve o conceito de lock-in na teoria evolucionária e o aplica para o lock-in do carbono,

especialmente o lock-in energético que envolve as grandes estruturas mantenedoras do

sistema capitalista contemporâneo. Além do conceito de lock in do carbono, realiza-se um

retomado histórico da formação do lock-in do carbono e da origem da “Sociedade do

Hidrocarboneto” e posteriormente, ao analisar o lock-in do carbono e a formação dessa

sociedade, faz-se um panorama da possibilidade de transição energética para uma economia

de baixo-carbono, levantando alguns pontos importantes concernentes às energias renováveis,

bem como algumas barreiras presentes em seu desenvolvimento.

O segundo capítulo dessa dissertação teve o intuito principal de discutir as

possibilidades de ação do Estado, mediante políticas públicas, na ruptura do lock-in

energético intensivo em combustíveis fósseis. Buscou-se, nesse capítulo apresentar

primeiramente na seção 2.1 a discussão Estado versus mercado, cuja visão dominante (a da

existência dessa divisão) tem promovido consequências graves em vários setores por limitar

ou mesmo impedir uma ação mais profunda do Estado em questões fundamentais do

desenvolvimento econômico e social – no qual a questão ambiental tem ganhado cada vez

mais destaque e cujo tratamento e entendimento parecem inevitáveis atualmente. Feita essa

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discussão, o capíitulo segue apresentando o conceito de sistemas nacionais de inovação na

seção 2.2, demonstrando com exemplos históricos a importância da formação de sistemas

nacionais maduros para a superação de desafios de desenvolvimento em que a questão

tecnológica tem papel central e o Estado exerce um papel fundamental. Posteriormente,

apresenta-se na seção 2.3, inspirado na discussão de sistemas nacionais de inovação, um

possível desenho de um sistema de inovação sustentável, conceito recente cujo desenho vem

sendo montado por economistas e demais estudiosos que acreditam que a busca da inovação

não pode mais ser separada das políticas ambientais. De forma complementar, sistematizam-

se alguns tipos de políticas púbicas possíveis (oferta, demanda e outras) para promoção de

energias renováveis, bem como o uso mais eficiente da energia existente, discutindo por fim a

necessidade de que essas políticas sejam acompanhadas de mudanças além das tecnológicas.

Já o terceiro capítulo buscou, a partir do caso Alemão e Chinês, entender como

esses países pretendem atingir as ambiciosas metas e objetivos que se colocaram nos últimos

anos quanto à transição energética. Pretende-se, portanto, entender a situação energética atual

desses países bem como traçar um perfil de ação de cada um, descobrindo qual a importância

das políticas públicas nesse processo e de que maneiras essas políticas se projetam na

sociedade como um todo (nas empresas, famílias e no próprio Estado); a primeira parte

exploratória dessa busca está presente na seções 3.1 e 3.2 referente à Alemanha e China,

respectivamente, onde trabalhou-se um pouco do histórico energético desses países e seus

resultados nas ações atuais. Pretendeu-se, posteriormente, sistematizar as ações envolvidas,

levando-se em conta as especificidades históricas, sociais e econômicas, bem como realizar

um panorama de “lições aprendidas” ou possíveis exemplos de ação inteligente, mais uma vez

não se esquecendo das especificidades nacionais, buscando identificar a presença do que se

chamou no segundo capítulo de um sistema nacional de inovação sustentável. Essas reflexões

estão presentes na seção 3.3.

Finalmente, a conclusão apresenta a retomada de alguns dos principais pontos

tratados nos capítulos precedentes, abrindo espaço para a discussão e aperfeiçoamento do

debate até aqui apresentado.

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CAPÍTULO 1

ALTERNATIVAS TEÓRICAS E O LOCK-IN TECNOLÓGICO

Entender como uma tecnologia se consolida é importante para o presente trabalho,

isso porque só é possível entender como sua presença elimina alternativas se entendermos que

vantagens estão envolvidas em sua permanência. Ao se deparar com manuais de

microeconomia, é possível perceber que parte significativa dos construtos teóricos

convencionais representam a economia como um sistema newtoniano, linear, com um único

equilíbrio determinado pela disposição de recursos naturais, geográficos, populacionais, pelos

gostos dos consumidores e pelas possibilidades tecnológicas.9 Essas abordagens têm como

hipótese principal os retornos decrescentes, já que as ações econômicas ocasionam feedbacks

negativos que no longo prazo levam a economia para um equilíbrio de preços e de divisão do

mercado – qualquer choque ou mudança gerará de forma automática o ajuste e a volta para o

inevitável equilíbrio (ARTHUR, 1990).10

Nesse tipo de economia, o futuro, ou seja, os caminhos tecnológicos e a

disposição de preços e quantidades de bens podem ser previstos por meio de distribuições

probabilísticas verdadeiras, de forma que os agentes saibam ex ante os riscos tomados, já que

as possibilidades tecnológicas são dadas, a racionalidade é absoluta e o equilíbrio – que

representa o melhor resultado possível – é calculável. O mercado, por si, seleciona dentre as

alternativas a melhor possível e a história não é determinante, já que significa unicamente que

no longo prazo o equilíbrio é o caminho. Qualquer choque nesse sistema virtuoso afasta-o

temporariamente de sua “vocação natural” ao equilíbrio, mas não de forma permanente, já que

o mesmo é capaz de compensar as perturbações externas, através do livre funcionamento do

mercado, de maneira a reestabelecer o equilíbrio anterior.

Os defensores dessas abordagens convencionais não acreditam, entretanto, que o

“mundo” funcione dessa maneira, mas acreditam que a assunção de pressupostos tão fortes é a

maneira mais acertada de analisar problemas complexos. A crítica abordada aqui é justamente

apontar que a adoção de muitos desses pressupostos traz incoerências grandes com a realidade

9 Aqui estamos a nos referir especialmente aos modelos neoclássicos em sua versão mais consagrada dos

manuais de Microeconomia. 10 Arthur utiliza o exemplo clássico do choque do Petróleo nos anos 1970 para explicar o funcionamento do

sistema econômico pela teoria convencional. Segundo os teóricos convencionais, o aumento do preço do

petróleo encorajou a economia de energia e aumentou a busca por novas fontes de petróleo, promovendo uma

queda dos preços nos anos 1980. Essa teoria explicaria esse fenômeno através do reestabelecimento do inevitável

equilíbrio. O próprio choque do petróleo, pelas forças da oferta e da procura, seria esgotado por retornos

decrescentes, que direcionariam novamente a economia para o estágio anterior. Nesse contexto não se

consideram os efeitos do que podemos chamar de histerese, termo emprestado da física para designar a

dependência de uma nova posição de equilíbrio em relação ao passado recente, ou seja, eventos durante o

processo de ajuste dinâmico de um sistema afetam o “resultado final” (BLACK, 2002).

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e, por mais que suas limitações sejam reconhecidas, muitas vezes são usados

indiscriminadamente como verdade econômica, afetando substancialmente as ações dos

policy-makers.

Se esse tipo de abordagem dos manuais de microeconomia pode ser adequada a

uma economia manufatureira e agrária do século XIX, ela não encontra aderência na realidade

tecnológica-intensiva que observamos em nossos dias. Numa realidade marcada pelos ventos

da destruição criadora11 e de concorrência entre grandes grupos empresariais, as condições

futuras colocam-se na medida em que são tomadas as decisões no presente, de forma que o

sistema parece evoluir.

Portanto, para entender a dinâmica do sistema capitalista contemporâneo,

precisam-se assumir hipóteses que permitam a inserção da complexidade de um sistema

orgânico, no qual o todo não é a soma de partes atômicas – que não se relacionam entre si –

mas sim o resultado da co-interação de partes que influenciam e que se deixam influenciar. A

assunção dessas hipóteses permite incorporar à análise que o desenvolvimento e difusão de

inovações e novas tecnologias fazem parte de um sistema maior composto por fatores técnicos

e sociais.

Dessa forma, alternativamente à teoria tradicional, esse trabalho parte de uma

concepção evolucionária do sistema econômico, tendo como base diversos autores (

ARTHUR, 1990; DAVID, 1985; FREEMAN, 1984; PEREZ, 1983; DOSI, 1982). A

observação da realidade demonstra que não é possível aceitar a hipótese de um único

equilíbrio resultante dos retornos decrescentes de escala, já que as “forças estabilizadoras” do

mercado na seleção de caminhos tecnológicos não se verificam. Ao contrário, feedbacks

positivos reforçam pequenas mudanças na economia e não geram, pela força automática do

mercado, estabilizadores como propõe a teoria convencional. Em uma economia de feedbacks

positivos, não há um único equilíbrio possível, mas vários, e não há garantia de que o

equilíbrio estabelecido é o melhor em relação a alternativas.

Portanto, o sucesso de uma inovação ou de uma nova tecnologia pode não

depender unicamente de seus fatores técnicos, mas de seu caminho de desenvolvimento, o

chamado path-dependency que inclui as características iniciais do mercado, as características

regulatórias presentes na introdução de uma inovação ou tecnologia e as expectativas dos

consumidores (DAVID, 1985) e que determinam se ela será ou não um projeto dominante

(UTTERBACK, 1996).

11 Schumpeter (2008).

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Também nessa perspectiva, as inovações – que são motores da dinâmica

econômica – não são analisadas e entendidas como parte de um processo linear que começa

com o P&D e termina com a comercialização de um novo produto/tecnologia, mas sim como

um processo de combinações de possibilidades técnicas e de oportunidades de mercado que

envolve múltiplas interações e tipos de aprendizado (FREEMAN; SOETE, 2008).

A dinâmica de cumulatividade de vantagens ou retornos dentro dos sistemas

tecnológicos dá origem – e realimenta – estruturas maiores denominadas paradigmas tecno-

institucionais,12 que colocam fronteiras institucionais implicitamente delimitadas para o

florescimento de trajetórias tecnológicas. Esse arcabouço teórico é muito mais coerente com a

física não-linear (em contraponto com a física newtoniana) e com a visão não-ergódiga, que

incorpora a incerteza fundamental da economia, um dos motivos pela qual têm sido ignorada

por muitos economistas. É, para muitos, bastante difícil se desvincular de um sistema de um

único equilíbrio, que preserva a economia de anomalias e permite que a mesma possa ser

analisada com o auxílio de um arcabouço matemático mais “simples” (ARTHUR, 1990).

O arcabouço evolutivo que busca uma maior aderência com a realidade empírica

permite entender que os caminhos tecnológicos estabelecidos em uma economia podem não

ser ótimos; mais que isso, permite o desafio teórico de entender a dificuldade que a economia

pode ter para escapar de caminhos tecnológicos específicos, ou seja, de promover rupturas

tecnológicas. Esse processo de inércia é o que se convencionou chamar de lock-in ou

aprisionamento tecnológico.

A constatação de que as economias podem estar aprisionadas em determinados

lock-in’s é consequência, portanto, da incorporação das influências sociais e culturais na

análise do desenvolvimento de tecnologias, que vai além dos fatores técnicos e econômicos

(KEMP, 2000). E com o lock-in do carbono não é diferente. O lock-in do carbono tem origens

no padrão de produção e consumo que move a sociedade capitalista e que atende às diversas

necessidades do homem contemporâneo – transporte, vestuário, moradia, alimentação, entre

outras.

Para Unruh (2000, 2002), o conceito de lock-in do carbono é determinado pelo

que o autor chama de Complexo Técnico-Institucional (CTI). O CTI surge como arcabouço

conceitual para entender profundamente o estabelecimento e permanência de sistemas

tecnológicos complexos – como a geração, distribuição e uso de energia elétrica. Esses

sistemas complexos, segundo Unruh, só podem ser verdadeiramente compreendidos a partir

12 Nos termos de Dosi (1982) e, especialmente de Perez (1983) e Freeman (1984).

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da consideração de que os mesmos estão imersos em um contexto social, de instituições

públicas e privadas condicionantes, uma vez que “o CTI é desenvolvido através do path-

dependency instituído a partir de feedbacks positivos entre as infraestruturas tecnológicas, as

organizações e instituições que as criam, as difundem e as empregam” (UNRUH, 2000,

2002).13 Uma vez estabelecidos, esses complexos são de difícil dissolução e, como já visto,

impedem o estabelecimento de alternativas com grande potencial. Essa condição cria erros de

política e mercado que dão suporte a lock-in’s tecnológicos como o do carbono (muitas vezes

como consequência de projetos de segurança nacional, serviço universal, segurança

energética, criação de demanda efetiva) ao mesmo tempo em que inibe a difusão de

alternativas socialmente e ambientalmente melhores, como as tecnologias renováveis.

1.1 Conceitos de Lock-in Tecnológico e Institucional

Alguns estudiosos vêm tentando entender, de maneira formalizada, como se dão

os lock-in’s tecnológicos desde meados dos anos 1980 (ARTHUR, 1990; COWAN, 1990;

DAVID, 1985; LIEBOWITZ; MARGOLIS, 2016) e mais recentemente como se dá a relação

entre mudança técnica e mudança ecológica (ELLIOTT, 2000; FOXON, 2002; FREEMAN,

1996; UNRUH, 2002).

Como visto, as tecnologias seguem caminhos de desenvolvimento específicos as

quais podem atribuir ao sistema uma grande dificuldade de mudança. Esses caminhos podem

persistir por longos períodos, mesmo quando confrontados com alternativas substitutas

potencialmente superiores. Quais seriam os fatores responsáveis por esse aprisionamento

tecnológico?

Basicamente, a literatura aponta dois instrumentos teóricos de análise para a

ocorrência de lock-in’s tecnológicos, ambos intimamente relacionados e não claramente

divisíveis: paradigmas tecno-institucionais e retornos crescentes de adoção. A divisão aqui

colocada tem o propósito de expor de forma didática os principais conceitos relacionados a

cada instrumental.

Paradigma tecnológico foi definido por Dosi (1982) como um conjunto de

soluções, um “modelo” para determinados problemas tecnológicos, “baseados em

determinados princípios derivados das ciências naturais e em determinadas tecnologias

materiais” (DOSI, 1982, p. 22).14 Esse conjunto de soluções é definido pelos membros da

comunidade tecnológica (engenheiros, firmas, institutos tecnológicos, instituições

13 Tradução própria. 14 Tradução própria.

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acadêmicas, policy-makers, etc.) e molda a natureza e a direção da mudança tecnológica.

Todavia, prefere-se nesse trabalho chamar esse padrão de solução de paradigma tecno-

institucional inspirado em Perez (1983) e Freeman (1984), pois se entende que um padrão

somente se torna dominante e aufere retornos crescentes quando está colado a uma

institucionalidade que o suporta. Segundo Freeman:

The widespread profitable generalization of the new paradigm throughout the

system is possible only after a period of change and adaptation of many social

institutions to the potentialities of the new technology. (FREEMAN, 1984, p. 499).

Dentro de um paradigma tecno-institucional existem ainda as trajetórias

tecnológicas que são evoluções das diferentes tecnologias dentro do padrão de solução pré-

estabelecido, derivadas das aplicações efetivas ou potenciais desse paradigma, isto é, a “[...]

atividade ‘normal’ de solução de problemas determinada pelo paradigma pode ser

representada pelo movimento de ‘trade-offs’ multidimensionais entre as variáveis

tecnológicas que o paradigma define como relevantes” (DOSI, 1982, p. 22).

O problema desse conjunto de soluções compartilhadas entre a comunidade

tecnológica é que ele acaba por realimentar recorrentemente esse mesmo padrão, de forma

que a evolução tecnológica se dá nos domínios das fronteiras pré-estabelecidas. Assim, os

avanços tecnológicos serão direcionados para trajetórias que estejam dentro do limiar do

paradigma, ou seja, serão realizadas inovações incrementais e não grandes rupturas

tecnológicas.

Agora, quando se trata do processo de manutenção e quebra de paradigmas,

atribui-se destaque à inovação como motor da dinâmica econômica. As inovações, que são

novos produtos, processos entre outras novas mercadorias seriam as responsáveis pelas

transformações tecnológicas e por novos ciclos de crescimento econômico. A mudança

técnica genericamente pode ser classificada de três maneiras: inovações incrementais,

inovações radicais e revoluções tecnológicas (FREEMAN, 1984).

As inovações incrementais estão relacionadas ao desenvolvimento “normal” do

progresso tecnológico dentro do paradigma estabelecido. Elas ocorrem de forma mais ou

menos contínua, mas estão presentes assimetricamente em diferentes indústrias. Não

apresentam grandes efeitos econômicos quando analisadas de forma individual, mas seus

efeitos conjuntos são importantes para o crescimento da produtividade. As inovações radicais

são eventos descontínuos e estão associadas a longos ciclos da economia, tendo grande papel

nos momentos de revoluções tecnológicas. Já as revoluções tecnológicas são os “ventos de

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destruição criativa” de Schumpeter, representando vários clusters de inovações incrementais e

radicais que têm efeitos pervasivos sobre a economia, ou seja, esse tipo de mudança técnica

não deve somente liderar a emergência de uma nova gama de produtos e serviços por si

próprio, mas deve afetar outros ramos da economia, mudando a estrutura de custo de insumos

e as condições de produção e distribuição do sistema (FREEMAN, 1984, p.497-498).

Ainda segundo Freeman (1984) podemos identificar uma revolução tecnológica a

partir da presença de cinco elementos. O primeiro deles é a drástica redução de custos de

muitos produtos e serviços. Essa redução pode não se dar de forma uniforme, mas de certa

maneira possibilitar uma maior percepção favorável de oportunidades para novos

investidores. O segundo elemento verificado é uma profunda melhora nas características

técnicas de produtos e processos em termos de confiabilidade, precisão, velocidade e demais

elementos de desempenho. O terceiro elemento que diferencia uma revolução tecnológica das

demais mudanças técnicas, de fundamental importância, é a aceitabilidade social e política.

Mesmo se os dois primeiros elementos estiverem presentes, é a aceitação social e política que

garante a verdadeira difusão de um novo paradigma tecnológico, “mudanças legislativas,

educacionais e regulatórias devem estar envolvidas [no processo de transformação

tecnológica] bem como mudanças fundamentais no gerenciamento de processos e da postura

dos trabalhadores” (FREEMAN, 1984, p. 498). Como um sub-elemento do terceiro, a

aceitabilidade ambiental é o quarto elemento citado pelo autor como um fator cada vez mais

importante para o sucesso de novas tecnologias. E por último, mas não menos importante, é a

presença de efeitos pervasivos pelo sistema econômico como enunciado, ou seja, novas

tecnologias que representam revoluções tecnológicas devem ter efeitos não somente dentro de

sua classe original de aplicação, mas provocar efeitos sobre as decisões de investimento em

todo o sistema econômico.

Voltando às raízes do lock-in, tem-se na literatura uma segunda fonte de

aprisionamento tecno-institucional: os retornos crescentes de adoção que determinadas

tecnologias propiciam. Como já afirmado anteriormente, feedbacks positivos são capazes de

reforçar a atratividade de adoção de uma tecnologia quanto maior a própria adoção,

aprisionando o mercado nessas tecnologias pioneiras e impedindo que outras tecnologias, por

vezes potencialmente melhores, compitam. Esse fator decorre diretamente do primeiro, mas

ao mesmo tempo o alimenta, o que mais uma vez é um motivo para olharmos a economia e os

fatores tecnológicos na perspectiva de processos dinâmicos e evolutivos.

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Segundo a teoria convencional, na disputa de mercado por duas tecnologias com a

mesma função, o mercado seleciona as tecnologias de acordo com suas potencialidades, ou

seja, as duas tecnologias acabam dividindo o mercado numa proporção previsível que melhor

explore o potencial de cada uma. Entretanto, a realidade empírica nos mostra algo diferente.

Os clássicos exemplos do QWERTY15 de David (1985), do VHS versus Betamax16 de Arthur

(1990) e mais recentemente dos reatores nucleares de Cowan (1990)17 demonstram que, dada

duas ou mais tecnologias disputando o mercado com condições semelhantes, um pequeno

ganho de parcela do mercado por qualquer uma delas frente às outras poderia levar a mesma a

uma posição competitiva mais elevada, promovendo uma liderança na competição que tem

vantagens cumulativas com o tempo.

As razões para os retornos crescentes de certas tecnologias podem ser divididas

em quatro grandes classes principais: economias de escala, efeitos de aprendizagem,

expectativas adaptativas e economias de rede (ARTHUR, 1990).

15 O estabelecimento do QWERTY – teclado como a tecnologia dominante para a datilografia – traz esses

aspectos de uma economia complexa, “determinada” por elementos muito mais variados do que a disposição de

recursos. Segundo David (1985), a história importa e não pode ser ignorada. Isso porque as mudanças

econômicas têm uma trajetória de dependência, um path-dependency, na qual os resultados podem ser

extremamente influenciados e modificados por eventos temporários, não levando os processos aleatórios à

convergência para um ponto de equilíbrio racionalmente determinado. Com a ilustração do QWERTY, David

demonstra três fontes do lock-in que estão dentro das classes que descreveremos acima: inter-relacionamento

tecnológico; economias de escala e quase-irreversibilidade dos investimentos. O inter-relacionamento

tecnológico, no caso do QWERTY, refere-se à compatibilidade entre o hardware e o software, ou seja,

utilizando uma linguagem moderna o autor trata da necessidade de compatibilidade entre a máquina e o

conhecimento sobre a máquina (nesse caso dos datilógrafos). Isso significa que a o uso do QWERTY,

primeiramente como teclado de datilografia, foi possibilitado pela existência de pessoas sendo treinadas para

utilizar esse tipo de teclado e isso reforçou as vantagens de utilizar esse tipo de tecnologia e não outra. Ao

mesmo tempo, a presença de um maior número de datilógrafos treinados nesta competência reforçou o ensino da

datilografia no padrão QWERTY e não quanto a outra tecnologia. A maior aceitação desse sistema frente aos

outros levou ao aumento de sua demanda e produção, o que por sua vez trouxe consigo ganhos de escala,

reforçando ainda mais as vantagens (de custo e difusão/aceitação) de sua adoção e promovendo uma tendência à

padronização para esse sistema cada vez mais dominante. O aprisionamento em certa tecnologia é ainda

reforçado pelo quase-irreversibilidade dos investimentos, ou seja, a dificuldade e o alto custo para “converter” os

ativos tangíveis e intangíveis para outra tecnologia. 16 A história da disputa entre o VHS e o Beta é, segundo Arthur, um exemplo simples de uma economia baseada

em feeedbacks positivos. Inicialmente, as duas tecnologias disputavam o mercado de VCR de forma muito

parecida, com preços muito semelhantes, qualquer uma das duas tecnologias poderia ter auferido de retornos

crescentes, mas a VHS começou a auferir desses retornos primeiro, o que inclinou o mercado para essa

tecnologia. Vários podem ter sido os fatores que levaram a isso, talvez “sorte” ou algum tipo de manobra

coorporativa, mas o certo é que a tecnologia VHS passou a propiciar primeiramente de retornos crescentes,

reduzindo seus custos, reduzindo a incerteza dos produtores e consumidores quando à sua eficácia e longevidade

e espraiando seu uso. Essas características fizeram com que essa tecnologia dominasse o mercado em detrimento

da Beta. 17 O caso dos reatores nucleares é um dos mais recentes exemplos utilizados pelos estudiosos para representar as

falhas de escolha pelo mercado. Reatores nucleares de água leve são considerados inferiores a outras tecnologias,

entretanto representam a tecnologia dominante. Segundo Cowan (1990), grande parte disso é responsável pela

adoção e desenvolvimento, na Marinha americana, do submarino com propulsão de água leve. Quando houve o

crescimento da demanda por energia nos anos 1980 essa tecnologia tinha auferido de muitas vantagens de

desenvolvimento e redução de custos em relação às demais devido a essa adoção.

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A primeira, e mais conhecida, são as economias de escala, que representam

basicamente a queda do custo unitário de produção de um produto na medida em que se

amplia a escala produtiva. Elas estão ligadas especialmente à diluição dos custos fixos com o

ganho de escala. Geralmente, uma tecnologia/projeto dominante possui grandes “custos

represados” provenientes dos investimentos nela realizados anteriormente. Assim, os

incentivos para investir em tecnologias alternativas serão diminutos se a tecnologia dominante

ainda proporcionar retornos financeiros provenientes de economias de escala.

A segunda fonte de retornos crescentes são os efeitos pelo aprendizado ou

learning-by-doing (ARROW, 1971) que reduzem os custos ou promovem melhorias dos

produtos conforme ocorre o acúmulo de habilidades e conhecimentos específicos sobre a

própria produção e o mercado.

A terceira fonte, que reforça as duas primeiras seriam as chamadas expectativas

adaptativas, que surgem da diminuição da incerteza quanto ao futuro de certa tecnologia

quando produtores e consumidores se encontram mais confiantes em relação a sua qualidade,

performance e longevidade.

E a última – e mais importante por ser a principal associada ao lock-in tecnológico

– são os efeitos de rede ou coordenação, que ocorrem quando o uso de dada tecnologia por

mais de um agente traz vantagens para aqueles que a utilizam (KATZ; SHAPIRO, 1985).

Neste caso temos como exemplo as tecnologias de telecomunicação: quanto mais pessoas

possuem, diga-se, um telefone celular, maior a vantagem de se ter um destes aparelhos, já que

o quadro de pessoas que podem se comunicar é maior. Isso ocorre porque as tecnologias não

são unidades físicas isoladas, mas parte de uma ampla rede que consiste em infraestruturas

múltiplas que as suportam e tecnologias interdependentes, resultando em uma rede não

somente física, mas técnica, econômica e institucional que permite a sobrevivência das

tecnologias.18

Segundo Arthur (1990), em um modelo de competição simples entre duas

tecnologias, esses efeitos sobre os retornos crescentes podem ampliar pequenas diferenças

aleatórias entre as tecnologias, ou seja, dado que uma tecnologia aufere de retornos maiores

ou previamente em relação a outras tecnologias, existe uma grande probabilidade que essa

tecnologia atinja a dominância completa do mercado em detrimento da outra. É importante

ressaltar que essas fontes de retornos crescentes não são necessariamente correspondentes às

18 As externalidades de rede são uma classe de retornos crescentes bastante estudadas na literatura. Para saber

mais sobre a co-evolução de tecnologias em clusters, resultantes das externalidades de rede consultar Freeman e

Perez (1988). Sobre clusters históricos uma importante referência é Grübler (1998).

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potencialidades das tecnologias, inclusive, não garantindo que a tecnologia estabelecida para

um determinado mercado seja a melhor entre todas as alternativas possíveis e é isso que se

procura enfatizar: a falácia da seleção ótima pelo mercado.

Como a competição entre tecnologias é determinado pelas vantagens crescentes

que surgem entre elas, o mercado não é capaz de selecionar a tecnologia com maior potencial

ou, revelar as limitações potenciais daquela tecnologia. E isso é mais do que esperado, uma

vez que o processo de desenvolvimento e pesquisa, uso e aprendizagem posteriores é que

serão capazes de revelar as potencialidades e limitações da tecnologia selecionada até porque

a economia está embebida no que se chama de incerteza knightiana, em que o futuro não pode

ser exatamente previsto por meio de probabilidades verdadeiras. Porém, chama-se a atenção

justamente para o fato de que, como os benefícios de adoção são crescentes, pode ser que os

avanços no uso de tal tecnologia tornem praticamente impossíveis o desenvolvimento de

alternativas. É mais fácil continuar com o padrão adotado do que partir para um novo padrão,

uma nova trajetória tecnológica. Isso ocorre não só devido a incerteza quanto às novas

tecnologias, mas devido a ativos imobilizados presentes na adoção da tecnologia estabelecida

que torna muito custosa a mudança.

Segundo Arthur:

A technology that improves slowly at first but has enormous long-term potential

could easily be shut out, locking an economy into a path that is both inferior and

difficult to escape […] Technologies typically improve as more people adopt them

and firms gain experience that guides further development. This link is a positive-

feedback loop: the more people adopt a technology, the more it improves and the

more attractive it is for farther adoption. When two or more technologies (like two

or more products) compete, positive feedbacks make the market for them unstable.

If one pulls ahead in the market, perhaps by chance, its development may accelerate

enough for it to corner the market. A technology that improves more rapidly as more

people adopt it stands a better chance of surviving- it has a “selection advantage”

(ARTHUR, 1990, p. 92).

Esse raciocínio está em linha com o conceito de projeto dominante de Utterback

(1996). Ao aprofundar exemplos históricos de modo a entender o papel na inovação na

estratégia de competição das firmas o autor procurou demonstrar dois momentos principais do

processo de inovação pelas firmas em determinado mercado. A primeira fase, caracterizada

pela inovação de produto se caracteriza por um ambiente com inúmeras empresas e diversos

projetos distintos; um ambiente de intensa e fluida gama de experimentações. Todavia em

algum momento do tempo alguma inovação se torna o “centro de gravidade” por algum

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retorno crescente que proporciona. A partir desse momento o universo de empresas é menor e

os produtos são muito semelhantes. Nessa fase, denominada inovação de processo, a

concorrência das empresas passa a ser a busca incessante por melhorias para aquele projeto já

definido de modo a promover reduções de custo e aumento da qualidade. Como o projeto

dominante fideliza o mercado, não há muitos caminhos de sobrevivência a não ser se render a

ele e essa dominância se perpetua através dos feedbacks positivos que a adoção de

determinado produto proporciona (UTTERBACK, 1996, p. 26).

Como anteriormente adiantado, as instituições exercem papel fundamental nesse

processo e também podem estar submetidas a um lock-in institucional. Elas se relacionam de

forma íntima com o estabelecimento das trajetórias tecnológicas e, por meio de lock-in

institucionais, desenvolve-se uma dinâmica de mútuos reforços.

Todos os tipos de retornos crescentes identificados na adoção de tecnologias

podem ser encontrados também nas instituições. O surgimento de novas instituições ou novas

formas de organização institucional sempre encontram grandes barreiras nos custos fixos que

emergem das estruturas já existentes. Há também efeitos de aprendizado importantes, efeitos

de coordenação diretos com outras organizações e indiretos por meio de investimentos

realizados e expectativas adaptativas de um determinado “modelo institucional” – o qual se

expressa por meio de conduta, contratos, entre outros fatores padrões – que reduzem a

incerteza quando esse mesmo modelo continua vigente (NORTH, 1990; FOXON, 2007).

As instituições também auferem de retornos crescentes, segundo Pierson (2000)

devido a quatro razões: i) o papel central que exerce a ação coletiva nos contextos

institucionais; ii) a alta densidade das instituições; iii) as possibilidades de usar da autoridade

política como forma de reforçar assimetrias de poder; iv) e a complexidade e opacidade das

políticas.

A ação coletiva requer coordenação entre os agentes, fazendo com as

consequências das decisões políticas sejam extremamente dependentes do conjunto. Essas

ações coordenadas necessitam da construção de instituições formais que, uma vez

estabelecidas, devem ser seguidas por todos, o que dificulta a mudança. Além das instituições

formais, políticas públicas respaldadas por leis e apoiadas pelo poder coercitivo do Estado

sinalizam para os agentes o que pode e o que não pode ser feito, estabelecendo ganhos e

perdas também para atividades privadas,

[...] em contextos de interdependência social complexa, novas instituições e políticas

têm custos altos de criação [...] quando os agentes sociais estabelecem

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compromissos baseados nas instituições e políticas existentes, o custo para sair desse

arranjo estabelecido cresce dramaticamente (PIERSON, 2000, p. 259).

Quanto às políticas, a complexidade das instituições torna quase impossível sua

mensuração. É muito difícil medir os aspectos da performance política, o que leva a grandes

dificuldades de entender os elementos que funcionam e os que devem ser ajustados para se

chegar na gama de objetivos perseguida inicialmente (PIERSON, 2000). Além disso, como as

instituições formais e políticas públicas colocam extensos limites legais à construção de

comportamentos, eles também estão sujeitos ao aprendizado, coordenação e efeitos

expectacionais, que tornam a possibilidade de mudança bastante difícil e lenta (UNRUH,

2000, 2002; FOXON, 2002).

Esses quatro fatores criam segundo Foxon (2007) path-dependency e lock-in

também de instituições políticas, bem como de quadros regulatórios específicos.

This helps to explain significant features of institutional development: specific

patterns of timing and sequence matter; a wide range of social outcomes may be

possible; large consequences may result from relatively small or contingent events;

particular courses of action, once introduced, can be almost impossible to reverse;

and, consequently, political development is punctuated by critical moments or

junctures that shape the basic contours of social life. (FOXON, 2007, p. 144).

Freeman (1984) já percebera a relação entre tecnologia e instituições, ao apontar o

papel fundamental das instituições para compreender a aceitação, difusão e aperfeiçoamento

de determinadas tecnologias, o que condicionaria ainda mais sua adoção. Como mencionado,

um descompasso entre institucionalidade e desenvolvimento tecnológico poderia resultar em

incompatibilidade e não aceitação político-social de um novo paradigma tecnológico.

Portanto, se um novo paradigma tecnológico deve tomar o lugar do paradigma

anterior, não é possível somente buscar estimular o desenvolvimento tecnológico de

alternativas que rompam esse lock-in, mas é fundamental que mudanças institucionais/sociais

profundas também ocorram. Esse raciocínio é importante para se desenvolver as próximas

seções.

1.2 O Lock-in do Carbono e a Necessidade de Descarbonização

Como examinado acima, o aprisionamento tecnológico e institucional de uma

economia pode levá-la a suprimir alternativas mais vantajosas. Muitos estudiosos têm

buscado entender como se dão essas barreiras tecnológicas e institucionais para um paradigma

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extremamente importante na sociedade capitalista contemporânea: o uso intensivo de

combustíveis fósseis, o lock-in do carbono.

As economias industriais – e cada vez mais as em desenvolvimento – estão presas

a um path-dependency tecnológico e institucional intensivo em carbono, em todos ou quase

todos os setores da sociedade contemporânea. Para entender o lock-in do carbono, é preciso

qualificar que existem estruturas denominadas por Unruh (2000, 2002) de Complexos Tecno-

Institucionais (CTI’s) compostos por sistemas tecnológicos e instituições públicas e privadas

que governam a difusão e uso desses sistemas e que se tornam interligadas, se realimentando

e reforçando a dependência do todo a esse mesmo referencial tecnológico.

Como exposto, uma vez que tecnologias auferem retornos crescentes em relação

às demais e se estabelecem também institucionalmente, elas ganham uma estabilidade

sistêmica e grande resistência à mudança. Essa composição de benefícios favorece mudanças

incrementais dentro das trajetórias pré-estabelecidas enquanto desencoraja mudanças radicais

que necessitariam de uma mudança sistêmica. Portanto, complexos como o elétrico,

transporte, construção entre outros, baseados intensivamente em combustíveis fósseis que se

beneficiam por muito tempo de retornos crescentes estão aprisionados a essa condição

“favorável” e impedem que alternativas como sistemas energéticos de baixo-carbono

baseados em energias renováveis se desenvolvam (UNRUH, 2000, 2002; FOXON, 2007).

Essa dependência cria um paradoxo político, tecnológico e institucional: ao

mesmo tempo em que existe um profundo consenso científico quanto às ameaças reais da

mudança climática para os seres humanos e para as demais espécies, bem como crescentes

evidências de que essas ameaças já estão em curso, as transformações necessárias não estão

ocorrendo na velocidade que os problemas demandam (UNRUH; CARRILLO-

HERMOSILLA, 2006). O conjunto de barreiras políticas, tecnológicas e institucionais

existentes no lock-in do carbono têm uma origem bastante complexa; emergem da formação

de uma sociedade contemporânea baseada em combustíveis fósseis, a “sociedade do

hidrocarboneto”.19

1.2.1 Entendendo a Sociedade do Hidrocarboneto

Segundo Unruh (2000), o problema climático que o ser humano enfrenta

atualmente tem suas raízes no padrão de produção e consumo dominantes no sistema

capitalista. A mudança climática tem sua origem – especialmente em países industrializados,

mas cada vez mais também na periferia do sistema – na busca pela produção de bens e

19 Nomenclatura utilizada por Yergin (2010).

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serviços para suprir um determinado padrão de consumo, através de tecnologias e sistemas

baseados em energia fóssil. As fontes primárias de energia que poluem o meio-ambiente

através dos gases do efeito estufa estão presentes nos principais setores dos países

desenvolvidos: transporte, eletricidade, indústria e construção. Esses setores, por sua vez,

fazem frente às necessidades de consumo da sociedade através da locomoção, aquecimento,

luz, abrigo, entre outros (UNRUH, 2000, 2002). A montagem da dependência da sociedade

para com os combustíveis fósseis, especialmente o petróleo, tem raízes históricas profundas,

ligadas a três grandes temas subjacentes: i) a ascensão e desenvolvimento do capitalismo e

dos negócios modernos; ii) o petróleo como produto intimamente relacionado às estratégias

nacionais, no poder e nas políticas globais (desenvolvimento, militar, segurança energética,

etc.); iii) “sociedade do hidrocarboneto” ou “homem hidrocarboneto” criados a partir do

motor de combustão interna, levando a sociedade industrial a depender de um novo

combustível e gerando uma nova civilização (YERGIN, 2010, p. 13).

A maneira como a Primeira Revolução Industrial transformou a vida do homem

ocidental não tem precedente. Em um intervalo de duas gerações, a revolução iniciada na

Inglaterra no final do século XVIII mudou completamente a relação do ocidente com a sua

sociedade, com o mundo e com o meio-ambiente. Profundas transformações tecnológicas

inter-relacionadas foram realizadas como a substituição da habilidade humana pelas

máquinas, das matérias-primas vegetais e/ou animais por minerais e, especialmente, das

fontes animadas de energia – animais e homens – por fontes inanimadas que foram capazes de

transformar calor em trabalho (PINTO JUNIOR et al., 2007). Essas mudanças-chave

promovidas pela Revolução Industrial desencadearam uma reorganização do trabalho, da

produção, do consumo e grande parte dessas transformações se deram mediante a capacidade

de máquinas, como a máquina à vapor, em transformar calor em energia de forma rápida e

intensa. O desenvolvimento da indústria mecanizada e a emergência de grandes fábricas só

poderia ser possível mediante a presença de uma fonte de energia mais vigorosa,

“independente” das intempéries da natureza e, de início, aparentemente ilimitada, e essa nova

força foi encontrada no carvão mineral e altamente explorada até o século XX (LANDES,

2005).

Assim, a partir da Revolução Industrial, o progresso, o desenvolvimento

econômico e o bem-estar social passaram a ser positivamente relacionados ao acesso à

energia, sendo o contrário também verdadeiro. Com o ingresso do petróleo na matriz

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energética mundial, essa dependência se tornou ainda maior e energia passou a ser origem de

conflitos políticos ainda maiores.

O “óleo de pedra”, como era chamado o petróleo no início de sua exploração, é

um velho conhecido do ser humano. Segundo Yergin (2010), há relatos da utilização do

betume (um produto do petróleo) a.C. na região do Oriente Médio, relatos de conhecimentos

árabes milenares sobre o refino do petróleo. Na história mais recente, o óleo era usado para

fins medicinais entre povos indígenas norte-americanos e antes de dominar o mercado de

iluminação em meados do século XVII, era usado de maneira rudimentar na Galícia e na

Romênia para a fabricação de querosene.

A exploração e comercialização do petróleo para a fabricação do querosene nas

terras norte-americanas, mais precisamente no Estado da Pensilvânia é considerado o

momento de criação da indústria do petróleo norte-americano e posteriormente mundial.

Segundo Yergin (2010), a necessidade de encontrar petróleo de forma abundante estava

relacionada à necessidade crescente da industrialização e urbanização que exigia a presença

de um iluminante e lubrificante mais acessível e mais seguro que a gordura animal e que o

“óleo de carvão”.

É fato que o carvão já tinha proporcionado uma profunda transformação na matriz

energética da sociedade industrial no século XX, entretanto, seu uso ocasionava diversos

inconvenientes que dificilmente possibilitariam sua difusão da mesma forma que o petróleo

faria posteriormente.20 O petróleo ganhou mercado em meados do século XIX com a

descoberta de grandes jazidas no nordeste dos Estados Unidos momento em que houve a

difusão do óleo de querosene para lampiões para a iluminação, um produto de seu refino. O

preço do querosene desbancou os concorrentes e se tornou dominante no mercado do norte

americano tendo sido favorecido também pela Guerra Civil (1861-1865) que cessou o

transporte de um concorrente bastante acessível, o canfeno.

O potencial de disponibilidade do petróleo levaria milhares de aventureiros a se

direcionaram especialmente para o Estado da Pensilvânia, mas dentre eles se destacaria John

D. Rockfeller, o nome mais importante da indústria petroleira. Com seu plano de monopolizar

o mercado desde seus fornecedores até a comercialização em um contexto histórico bastante

favorável de criação de mercado com a abertura do oeste americano, Rockfeller foi um dos

pioneiros da grande empresa moderna,

20 Yergin (2010) afirma que além da poluição extrema causada pela queima de carvão que impossibilitava a vida

nas cidades, o carvão era fonte de grandes problemas sindicais, sua extração era dificultosa e sua potencialidade

energética muito inferior ao petróleo.

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a Standard Oil [como veio a se chamar a grande empresa exploradora e refinadora

de petróleo após se tornar uma sociedade por ações], pretendendo ter a hegemonia e

o total controle sobre o comércio mundial de petróleo, evoluiu para uma empresa

global complexa que levava iluminação barata [...] para os lugares mais remotos da

terra. (YERGIN, 2010, p. 37).

O grande salto de Rockfeller, com a ajuda de seu sócio Henry Flagler, foi

substituir o antigo sistema de distribuição da indústria por sistema vertical próprio que

permitiu economias de escala gigantescas para a empresa. Em 1879, a Standard Oil

controlava 90% da capacidade de refino dos EUA, e também tinha sob seu controle os

oleodutos e os sistemas de coleta, além das ferrovias que faziam o transporte. A sua

grandiosidade e seus instrumentos suspeitos levantaram a ira dos demais produtores,

população americana e do governo; Rockfeller e a Standand Oil foram alvo de diversos

processos judiciais, especialmente pela administração de Theodore Roosevelt que promoveu

uma verdadeira “caça aos trustes”, o que sucumbiu no desmembramento da empresa em 1911

(YERGIN, 2010).21

O final do século XIX e início do século XX trariam consigo uma grande perda,

mas a abertura da maior oportunidade para a indústria petrolífera: o advento da eletricidade

tomaria completamente o lugar do querosene no mercado de iluminação, mas o motor à

combustão interna daria a essa indústria uma nova e grande oportunidade.

No início deste novo século, a eletricidade virou o paradigma da iluminação nos

Estado Unidos e na Europa, muito mais prático e seguro que o óleo a querosene. A indústria

petroleira via seu principal mercado consumidor sendo “roubado” pela invenção de Thomas

Edison. À época, a gasolina era um subproduto do petróleo bastante inferior sem valor de

mercado, além disso, o motor a combustão interna estava muito longe de concorrer com

demais alternativas de propulsão automotiva, era um meio de transporte barulhento, nocivo e

não muito confiável. Segundo Mowery e Rosenberg (2005), em 1900 os automóveis movidos

à gasolina eram bastante inferiores em números do que os carros elétricos e movidos à vapor

nos EUA. Todavia, já em 1905 se tornava a tecnologia dominante. Essa dominância no país

possibilitaria sua dominância mundial posteriormente.

Vários fatores pareciam estar a favor do automóvel de combustão interna. Um dos

principais era a presença abundante de petróleo barato e o significativo aprendizado no refino,

21 Em 1911, após uma intensa batalha judicial em que a Suprema Corte Americana decidira pela dissolução da

Standard Oil, a empresa foi dividida em várias companhias. A principal delas era a Exxon, que correspondia a

antiga Standard Oil of New Jersey, a segunda maior a Mobil Oil que correspondia a antiga Standard Oil of New

York e a terceira a Chevron que era a antiga Standard Oil of California, entre outras que continuaram dominando

o mercado de petróleo americano de forma separada, mas em sintonia com a antiga estruturação.

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transporte e comercialização dos derivados do petróleo auferido pelas empresas no Nordeste

americano. A indústria petroleira soube aproveitar a abertura de novas portas enquanto a porta

da iluminação se fechava, estimulando uma transformação da imagem do automóvel à

gasolina.22

Além da disponibilidade facilitada de combustível, outros fatores fundamentais

influenciaram o sucesso da nova tecnologia. Na segunda metade do século XIX, os EUA

desenvolveram uma densa produção de maquinaria especializada no trato com metais. A

produção de máquinas e ferramentas metálicas era essencial para o desenvolvimento de outras

indústrias importantes como a maquinaria têxtil, equipamentos ferroviários, armas de fogo,

equipamentos agrícolas, máquinas de costura e bicicletas. A demanda crescente de tais

produtos industriais, especialmente de bicicletas permitiu o aprimoramento dos processos e

produtos e permitiu que o país se destacasse na produção de baixo custo de produtos finais

padronizados. A bicicleta, inclusive, que sofreu quedas drásticas com a ascensão da indústria

automobilística, teve uma contribuição maior do que somente o refino de insumos, mas

“emprestou” seus profissionais a nova indústria e, literalmente abriu caminho para os carros

através da infraestrutura deixada pela demanda dos ciclistas por pavimentação (MOWERY;

ROSEMBERG, 2005, p. 65).

Outro fator fundamental para a dominância do motor à combustão interna movido

à gasolina foi o melhoramento drástico dos métodos de sua produção. Henry Ford introduziu

à indústria automobilística um sistema de produção em massa pautado na planificação da

produção e fragmentação do trabalho, o modelo “fordista” que dominaria o sistema de

produção capitalista no segundo pós-guerra, sendo aplicado para uma grande gama de

produtos.

Essa “nova tecnologia de produção” permitiu uma linha de produção mais rápida

e mais precisa que a dos concorrentes e em 1908, um carro relativamente barato foi lançado

por Ford no mercado e se tornaria um novo bem de consumo durável das massas: o Modelo T.

Os EUA se tornaram rapidamente os maiores produtores mundiais de automóveis e pós a I

Guerra Mundial o modelo fordista de produção foi aplicado a novos bens de consumo da

indústria elétrica americana – motores, máquinas de lavar, geladeiras, telefones, rádios –

produtos que revolucionaram o estilo de vida americano (MOWERY; ROSEMBERG, 2005).

22 A falta da confiabilidade no carro propelido à gasolina foi paulatinamente sendo combatido. Yergin (2010)

afirma que o marco para o fim do questionamento a esses veículos foi o terremoto de São Francisco em 1906.

Nesse episódio, 200 carros particulares foram solicitados e ajudaram no socorro e assistência das vítimas,

abastecidos por 15 mil galões de gasolina doados pela Standard Oil.

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Por último e não menos importante, o automóvel se converteu em um símbolo de

status, “o símbolo da idade moderna” segundo Yergin (2010) e foi fundamental para a

construção do American way of life, vendido para o resto do mundo no pós-guerra como o

novo ideal de vida da sociedade.

O motor a combustão interna não se limitou somente ao meio de transporte

individual, mas a tecnologia também possibilitou que caminhões, ônibus e outros veículos

comerciais e equipamentos agrícolas se tornassem acessíveis, bem como possibilitou o

surgimento de aviões para fins comerciais (MOWERY; ROSEMBERG, 2005).

Cabe ressaltar ainda que a indústria do petróleo não revolucionou somente o meio

de transporte, mas no pós-guerra foi responsável por uma profunda mudança tecnológica na

indústria de produtos químicos. A indústria petroquímica conduziu o desenvolvimento de

novos produtos e processos a partir do processamento de produtos químicos baseados em

petróleo, destacando-se a produção de plástico que passou a substituir materiais tradicionais

(MOWERY; ROSEMBERG, 2005).

No século XX, o petróleo foi determinante para as vitórias e as derrotas das duas

Guerras Mundiais e ainda é central em conflitos contemporâneos; foi pilar principal da

urbanização; esteve no centro do modo de produção capitalista do pós-guerra, na reconstrução

dos países europeus e nas tentativas de emancipação produtiva e tecnológica da periferia. E

mais do que isso, criou um novo estilo de vida, uma nova era chamada por Yergin de a “Era

do Hidrocarboneto”.

A tabela 1 exemplifica um pouco esse movimento histórico que estamos

descrevendo. É possível observar que a emissão de 𝐶𝑂2 no século XX já estava bastante

interligada aos altos e baixos momentos econômicos e políticos. Em 1935, com a grande crise

de 1930, apresenta-se uma queda de 2% na emissão de 𝐶𝑂2 global, com grande recuperação

no entre guerras (26%) e nova queda em 1945 (-17%) como consequência do fim da II Guerra

Mundial que diminuiu a demanda por combustíveis em gás, líquidos e sólidos quando

comparados com o ano de 1943 de plena guerra. Também, é possível perceber o alto

crescimento das emissões totais (40%) de 1950 em relação a 1945 e a manutenção de um

expressivo crescimento até a década de 1960. Esse momento é marcado pela recuperação do

pós-guerra e pelo desenvolvimento dos países europeus a convite dos Estados Unidos, na

vigência da Guerra-fria que teve como grande aliado o preço extremamente baixo do petróleo.

É o período de “exportação” do padrão fordista americano para o resto do mundo e representa

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40

a inflexão nos padrões de produção e consumo mundiais que deram origem à “Sociedade do

Hidrocarboneto”.

Muitos governos incentivavam sua utilização para atingir a pujança no crescimento

econômico, bem como atingir os objetivos sociais e ambientais [...] todo país

exportador queria vender volumes cada vez maiores de seu petróleo a fim de obter

rendimentos cada vez mais altos [...] Todos os números – produção, reservas e

consumo – apontavam para uma só realidade: escalas cada vez mais altas”

(YERGIN, 2010, p. 611).

Tabela 1-Evolução da emissão de CO2 global, 1920-1965

Milhões de toneladas

Anos Total Gás Líquidos Sólidos Produção de

cimento Outros

1920 932 11 78 843 - -

1925 975 17 116 842 - -

1930 1.053 28 152 862 10 -

1935 1.027 30 176 811 9 -

1940 1.299 42 229 1.017 11 -

1943 (1) 1.391 50 239 1.092 10 -

1945 1.160 59 275 820 7 -

1950 1.630 97 423 1.070 18 23

1955 2.042 150 625 1.208 30 31

1960 2.569 227 849 1.410 43 39

1965 3.130 337 1.219 1.460 59 55

Fonte: Elaboração própria a partir dos dados do Carbon Dioxide Information Analysis Center (CDIAC).

(1) Este ano foi adicionado para demonstrar melhor os efeitos da guerra sobre a emissão de CO2.

O petróleo representava uma “batalha” que envolvia poder e vaidade entre os

países. O consumo de energia mundial triplicou de 1949 a 1972 – período no qual o consumo

de petróleo contribuiu com a maior parte, quintuplicando sua participação relativa. O rápido

crescimento no pós-guerra estimulado pelos EUA se alimentou do petróleo e o petróleo dele.

A vida do homem contemporâneo foi totalmente permeada pela sua produção.

Ele [o petróleo] é o sangue vital das comunidades suburbanas. É (junto com o gás

natural) o componente fundamental da fertilização da qual depende a agricultura;

possibilita o transporte de alimentos para as megacidades do mundo, totalmente não

autossuficientes. Também fornece os plásticos e os elementos químicos, que são

tijolos e a argamassa da civilização contemporânea, uma civilização que

desmoronaria caso os poços de petróleo secassem subitamente (YERGIN, 2010, p.

15).

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41

A complexidade do lock-in do carbono se dá, portanto, porque o petróleo é o

“sangue vital” da sociedade contemporânea. É importante ressaltar o fato do modo de vida

pautado no consumo intensivo em combustíveis fósseis ser uma construção. Mediante a

necessidade latente da redução dos gases do efeito-estufa, entender que o modo de vida

contemporâneo é uma construção e não algo natural abre caminhos para a sua transformação.

Ao mesmo tempo, traz à análise a dificuldade em pensar a descarbonização além dos fatores

técnicos, visto que a “Sociedade do Hidrocarboneto” está totalmente ligada a mecanismos de

poder difíceis de serem rompidos.

1.2.2 A Necessidade de Transição

O montante de estudos e informações científicas quanto às consequências

ecossistêmicas da ação do homem sobre o ambiente é cada dia maior e ganhou novo impulso

desde o início do século (STERN, 2007). Grandes mudanças ecossistêmicas estão ocorrendo

além das mudanças climáticas, como o buraco na camada de ozônio, os ciclos de nitrogênio e

fósforo, a acidificação dos oceanos, o esgotamento de água potável, as mudanças no uso do

solo, a carga de aerossol na atmosfera, a perda de biodiversidade e a contaminação química

(ROCKSTRÖM et al., 2009).

Muitas são evidências das mudanças ecossistêmicas e da ação fundamentalmente

antropogênica nessas transformações. O United Nations Intergovernmental Panel on Climate

Change (IPCC) que reúne mais de 2.500 cientistas de mais de 130 países declara que “a

influência humana na mudança climática é clara, e as emissões antropogênicas recentes de

gases do efeito estufa são as maiores da história” (IPCC, 2014a, p. 2). O IPCC, a referência

mais utilizada quanto à mudança climática, por reunir uma grande gama de pesquisadores do

tema, não está sozinho ao fazer essa afirmação. Desde 2001, 34 academias nacionais de

ciência, 3 academias regionais e o Internacional Council of Academies of Engineering and

Technological Sciences fizeram declarações ressaltando as evidências do aquecimento global

e da ação humana deletéria (MARQUES FILHO, 2016).

Segundo a Royal Society and the US National Academy of Sciences (2014), a

superfície da Terra aqueceu 0.8ºC (com erro de ± 0.2ºC) desde 1850. Entretanto, o que mais

chama atenção é a distribuição temporal desse aumento. O aumento da temperatura média

verificada nesse período de tempo não foi gradual, mas se concentrou em dois períodos, de

1910-1940 e especialmente de 1975-2000. Esse aquecimento tem sido cientificamente

associado a maior presença de CO2 na atmosfera, o gás do efeito estufa mais comum e

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intimamente relacionado às atividades humanas. A concentração de CO2 saiu de 270 partes

por milhão (ppm) em meados do século XIX para 400 ppm atualmente, tendo metade desse

aumento ocorrido nos últimos 30 anos. Para a manutenção do aumento médio de temperatura

abaixo dos 2ºC – limite colocado pelo Acordo de Paris – a concentração máxima estimada

deve ser de 450 ppm. Grande parte do CO2 emitido nos últimos é proveniente da combustão

de combustíveis fósseis (gás, carvão e petróleo).

It is now more certain than ever, based on many lines of evidence, that humans are

changing Earth’s climate. The atmosphere and oceans have warmed accompanied by

sea-level rise, a strong decline in Arctic sea ice, and other climate-related changes

(THE ROYAL SOCIETY; US NATIONAL ACADEMY OF SCIENCES, 2014).

Estamos na “Era do Antropoceno” segundo Steffen, Crutzen e Mcneill (2007) era

em que os seres humanos constituem força de mudança dominante no Sistema Terrestre. A

estabilidade presente na era no Holoceno o período interglacial que se iniciou

aproximadamente dez mil anos atrás, está sendo agora ameaçada pela grande capacidade

humana de conduzir a condição planetária a uma terra incógnita, em que as mudanças têm se

dado de maneira rápida e profunda e de difícil mensuração (STEFFEN; CRUTZEN;

MCNEILL, 2007).

A transição da era do Holoceno para o Antropoceno tem grandes chances de

mudar o mundo como o conhecemos hoje. A relativa estabilidade do Holoceno permitiu ao

homem a produção agrícola e a formação e desenvolvimento de sociedades complexas.

Entretanto, essa estabilidade planetária – representada pela pouca variabilidade de parâmetros

bioquímicos e atmosféricos chave – tem sido colocada em xeque em um período muito

recente de tempo. Desde a Revolução industrial, os seres humanos vêm forçando o planeta

fora dos limites de estabilidade do Holoceno e isso está intimamente relacionado à expansão

do uso de combustíveis fósseis (ROCKSTRÖM et al., 2009).

Apesar das inúmeras e substanciais evidências das mudanças ecossistêmicas, com

destaque para a mudança climática, ainda existem correntes de céticos que se dividem em dois

grupos principais: os que acreditam que a mudança climática é uma farsa e os que acreditam

que é uma realidade, mas o ser humano não teve nenhuma ação sobre ela. O grande problema

é que esses dois grupos não conseguem apresentar nenhuma evidência cientificamente

relevante de seus argumentos, geralmente ganhando apoio crescente entre pessoas que já têm

posições políticas mais conservadoras (BAIN et al., 2012). Um estudo realizado por Anderegg

et al (2010) demonstra que aproximadamente 97% dos cientistas climáticos que mais

publicam ativamente concordam com a tese da mudança climática causada pela ação

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43

antropogênica e vai além ao afirmar que aqueles que são céticos quanto a essa afirmação são

substancialmente menos qualificado que os demais. Entretanto, a influência desse pensamento

sobre a população e sobre a política não é negligenciável, vide a crescente emergência política

mundial de partidos bastante conservadores que negam a existência da mudança climática, o

que pode retardar ou impedir ações concretas contra à permanência e aprofundamento dessas

mudanças.23

Antes de aprofundar esses custos e projeções econômicas, convém analisar alguns

fatores importantes do lock-in do carbono existe.

As emissões antropogênicas de gases do efeito estufa estão relacionadas ao padrão

de produção e consumo corrente da sociedade capitalista e especialmente ao padrão

energético que sustenta essa produção, como visto. Por mais de um século, as economias

desenvolvidas e em desenvolvimento se basearam no uso intensivo de combustíveis fósseis

para a geração de energia elétrica e combustível para o transporte, entre outras atividades

essenciais para o modo de vida corrente. Grande parte do crescimento econômico dessas

economias depende do acesso e preço desses combustíveis (HOPKINS; LAZONICK, 2012).

Assim, a emissão de CO2 o principal gás do efeito estufa emitido pelo homem, também tem

grande relação com a atividade econômica global. Grosso modo, essa relação pode ser

verificada no gráfico 1.

No gráfico, levando-se em conta e existência de lags temporais, existe um

movimento muito próximo da variação do crescimento do PIB com a variação da emissão de

𝐶𝑂2.

23 Dado à saída dos EUA do Acordo de Paris sob a administração Trump, a influência dos céticos tem se

mostrado ainda mais preocupante.

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Gráfico 1– Variação da emissão de CO2 e do PIB mundial, 1961-2013

Fonte: Elaboração própria a partir dos dados do Banco Mundial.

Já no gráfico 2, é possível verificar que as maiores economias do mundo também

são as maiores emissoras de 𝐶𝑂2. A segunda maior economia do mundo em termos de PIB, a

China, concentrou em 2013 29,6% do total de emissões de 𝐶𝑂2, excluindo-se as emissões

proveniente de uso da terra e silvicultura. Os EUA vêm em segundo lugar com 15%. Portanto,

as duas maiores economias mundiais, EUA e China, somaram juntas 44,6% das emissões em

2013. A Índia se destaca em terceiro com 5,8%.

-6.00%

-4.00%

-2.00%

0.00%

2.00%

4.00%

6.00%

8.00%1

96

1

19

63

19

65

19

67

19

69

19

71

19

73

19

75

19

77

19

79

19

81

19

83

19

85

19

87

19

89

19

91

19

93

19

95

19

97

19

99

20

01

20

03

20

05

20

07

20

09

20

11

20

13

Emissões de CO2 (toneladas métricas per capita) Crescimento anual PIB (%)

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45

Gráfico 2-Participação por país na emissão total de CO2 (excluindo uso da

terra e silvicultura), 2013

Fonte: Elaboração própria a partir dos dados do CAIT Climate Data Explorer.

A sociedade está imersa em sua dependência dos combustíveis fósseis. Os grandes

Complexos Tecnológicos-Institucionais (energia elétrica, transporte, construção, indústria,

agricultura, entre outros) têm grandes dificuldades de se desvencilhar do carbono.

O gráfico 3 demonstra, por exemplo, para 201024 que esses complexos foram

responsáveis pela maior parte das emissões globais de gases do efeito estufa na atmosfera. O

complexo elétrico e de aquecimento foi responsável por 25% dessas emissões; agricultura,

silvicultura e uso da terra por 24%; indústria 21%; transporte 14%; outros em energia, que se

refere a emissões do sistema do setor energético que não estão diretamente associados à

eletricidade ou produção de calor (extração de combustível, refino, processo e transporte) a

10%; e construção a 6%.

24 Quanto às emissões por setor, os dados mais atualizados são de 2010, o que não prejudica a análise uma vez

que essas estruturas possuem uma taxa de mudança bastante lenta.

Brasil, 1.4%Canada, 1.6%

China, 29.6%

Alemanha, 2.3%

Índia, 5.8%Japão, 3.7%

México, 1.4%

Rússia, 4.6%

Reino Unido, 1.3%

Estados Unidos, 15.0%

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Gráfico 3- Distribuição das emissões globais de gases do efeito estufa,

segundo setor, 2010.

Fonte: IPCC (2014b). Baseado nas emissões globais de 2010.

Nota: Detalhes de cada categoria podem ser encontrados no relatóriodo IPCC citado.

O sistema energético que contém “todos os processos de extração, conversão,

armazenamento, transmissão e distribuição que levam energia para os setores finais (indústria,

transporte, construção, bem como agricultura e silvicultura)” é uma das principais grandes

estruturas que devem ser qualitativamente modificadas para a redução das emissões de CO2,

sendo o foco desse trabalho. O sistema energético converte 75% da Oferta Total de Energia

Primária (OTEP) em outras formas como eletricidade, calor, produtos derivados do petróleo,

do carvão e gás natural. Os principais consumidores finais dessa energia são os setores da

indústria, transporte e construção (IPCC, 2014b, p. 516-519).

É dentro do sistema energético que as tecnologias limpas e energias renováveis

têm grande atuação. O investimento em energias limpas parece ser o grande aliado dos policy-

makers na transformação da matriz energética intensiva em combustíveis fósseis para uma

matriz energética de baixo-carbono.

O quadro da energia primária global é intensivo em combustíveis fósseis (gráfico

4) essa dependência é crescente, e se mantido o business as usual, existem previsões de que o

CO2 emitido pela matriz energética mundial continuará a crescer, como demonstra o gráfico 5.

Gráfico 4-Consumo de energia primária, segundo combustível, 2015

25%

24%

21%

14%

10%

6%Eletricidade e Aquecimento

Agricultura, Silvicultura e Uso da terra

Indústria

Transporte

Outras energias

Construção

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47

Fonte: Elaboração própria a partir do British Petroleum (BP, 2016a).

Gráfico 5-Total de gás carbônico (CO2 ) emitido pelo consumo de energia, 1980-2040

Fonte: Elaboração própria a partir dos dados históricos da EIA (2016b) e previsões do Annual Energy Outlook

EIA (2016a).

* Previsão.

32.6%

37.0%

29.3%

23.7%26.1%

22.0%

30.0%

19.1%

38.1%

4.4%

8.2%

1.7%

6.8% 5.7%7.6%

2.5%3.9%

1.4%

0.0%

5.0%

10.0%

15.0%

20.0%

25.0%

30.0%

35.0%

40.0%

Mundo OCDE Não-OCDE

Petróleo Gás Natural Carvão Energia Nuclear Energia hidrelétrica Renováveis

0

5,000

10,000

15,000

20,000

25,000

30,000

35,000

40,000

45,000

50,000

1980 1985 1990 1995 2000 2005 2010 2020* 2025* 2030* 2035* 2040*

Não-OCDE OCDE Mundo

Milhões de toneladas

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No gráfico 4, além de ser possível verificar a grande participação de combustíveis

fósseis na matriz energética global, destaca-se entre eles a alta participação dos países não

membros da OCDE, especialmente quanto ao carvão. O consumo do carvão tem sido forte na

China que foi responsável em 2015, sozinha, por 50% do consumo global total de carvão,

seguida pela Índia (10,6%) e pelos EUA (10,3%). Já o maior consumidor de petróleo em 2015

foram os EUA (19,6%), seguida pela China (12,9%) e Índia (4,5%). E para o gás natural os

EUA são os maiores consumidores mundiais (22,8%), seguidos pela Rússia (11,2%) e pela

China (5,7%) (BP, 2016b).

Em razão de sua fundamental importância para o funcionamento da economia

mundial, a transformação do sistema energético é uma das grandes apostas para a promoção

de uma economia de baixo-carbono, principalmente mediante as previsões de aumento

significativo da demanda por energia nas próximas décadas.

Como é possível verificar no gráfico 6, o International Energy Outllook da

Energy Information Administration (EIA, 2016a)25 prevê um crescimento do consumo de

energia global de 549 quadrilhões de BTU26 em 2012 para 815 quadrilhões de BTU em 2040

(aumento de 48%), dada as políticas, regulações e metas dos países no ano de 2012. Um fator

importante é a previsão de que maior parte desse crescimento (cerca de 70%) se dará em

países não membros da OCDE. As previsões trazem ainda que grande parte do consumo de

energia global se daria por combustíveis fósseis (líquidos,27 carvão e gás natural), apesar do

crescimento expressivo das energias renováveis (gráfico 6).

25 Esse relatório promove previsões energéticas até 2040 tendo a partir das políticas correntes, leis e regulações

dos países tendo como base o ano de 2012. 26 British Thermal Unit (BUT) é uma unidade de medida não-métrica equivalente a 252,2 calorias ou

1055,05585 joules. 27 Grande parte dos combustíveis líquidos é fóssil (gasolina, diesel e querosene, principalmente), mas nessa

categoria também estão inclusos combustíveis mais sustentáveis como etanol e biodiesel.

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49

Gráfico 6- Consumo total de energia global, segundo combustível, 2011-2040

Fonte: Elaboração própria a partir dos dados históricos da EIA (2016b) e previsões do Annual Energy Outlook

EIA (2016a).

* Previsão.

O fato é que está cada vez mais claro que a redução ou a estabilização das

emissões do sistema energético em patamares mais baixos no longo-prazo requer a

substituição das estruturas existentes por alternativas de baixo-carbono. O limite de aumento

da temperatura global em 2ºC em comparação a níveis pré-industriais, acordado na COP21,

exige que a emissão líquida global de gases do efeito estufa tenda a zero no longo-prazo e,

infelizmente, apenas melhorar a eficiência energética das plantas de combustíveis fósseis ou

promover substituições entre combustíveis fósseis mais ou menos “limpos” não será

suficiente (IPCC, 2014b).

Diversos estudos econométricos reunidos em Stern (2007)28 estimam que a falta

de ações para mitigar à mudança climática pode trazer muitos efeitos negativos para o

crescimento e desenvolvimento econômico através de seus efeitos sobre a terra, os alimentos,

a água, as espécies, a infraestrutura urbana especialmente para os países em desenvolvimento.

28 O relatório de Stern é uma grande referência no campo da mudança climática. O autor reúne nesse extenso

trabalho estudos quanto aos impactos econômicos, sociais e ambientais da mudança climática. Devido a isso, não

se faz referência a trabalhos econométricos específicos no texto sobre impactos da mudança climática, salvo

algumas exceções, mas às conclusões do relatório de Stern a partir da compilação de vários resultados

econométricos.

2011 2012 2020* 2025* 2030* 2035* 2040*

Combustíveislíquidos

180.3 183.6 204.2 212.5 221.8 233.2 246.0

Gás Natural 121.6 124.2 138.3 154.8 173.1 192.5 211.4

Carvão 152.0 153.3 168.6 173.2 174.4 176.9 180.2

Nuclear 26.2 24.5 30.9 34.6 40.2 43.4 46.0

Renováveis 60.4 63.8 87.0 98.8 108.1 119.5 131.4

0.0

50.0

100.0

150.0

200.0

250.0Quadrilhões de BTU

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50

Esses já são mais vulneráveis às mudanças climáticas devido à exposição geográfica, baixas

rendas e maior dependência dos efeitos climáticos sobre a agricultura, setor do qual deriva

grande parte das suas rendas.

Estima-se que para um aumento médio da temperatura global em 2ºC-3ºC em

relação aos níveis pré-industriais possa ocasionar a perda permanente do PIB global até 3%

comparado a um mundo sem aquecimento global. Entretanto, cada vez mais os cientistas vêm

considerando a possibilidade de um aumento de 5ºC-6ºC, dado a grande possibilidade de

permanência das emissões em níveis correntes (business as usual). Mediante um aumento

dessa magnitude, a queda do PIB global, considerado somente os efeitos climáticos extremos,

pode chegar a 5% e quando os demais efeitos sobre o ecossistema – desertificação do solo,

perda de biodiversidade, entre outros – são considerados, essa perda pode alcançar em média

10% para os países desenvolvidos e 20% para os em desenvolvimento em relação a um

mundo sem aquecimento global.

Os custos da transição para uma economia mais sustentável são bastante

consideráveis – cerca de 1% a.a do PIB – mas quando comparados aos custos da inação, são

significativamente menores (STERN, 2007, p. 143). Todavia, Stern (2007) ainda ressalta que

os impactos da mudança climática ocasionada pelo business as usual podem ser bastante

superiores devido a muitos riscos não incorporados nos modelos atuais e a novas descobertas.

Entre eles, a inclusão dos impactos diretos na saúde humana e meio-ambiente (fatores não

mercadológicos); a possibilidade de que o sistema climático seja mais suscetível aos gases do

efeito estufa do que se pensa e a desproporcionalidade dos impactos entre regiões ricas e

pobres, o que colocaria as perdas em patamares bem superiores.

A partir dessas constatações, as tensões quanto à urgência das ações se

intensificam e se revelam nas grandes conferências climáticas, necessitando progressivamente

do comprometimento dos países com a mitigação da ação predatória sobre o ecossistema. A

COP21 trouxe evoluções em relação às conferências anteriores, conseguindo o

comprometimento voluntário de todos os países participantes a fim de promover uma redução

da emissão de gases do efeito estufa, buscando emissões líquidas iguais a zero na segunda

metade do século XXI. Esse novo sistema de participação caracteriza uma nova fase do

combate à mudança climática, um sistema do tipo bottom-up em que todos os países têm

metas claras de comprometimento ao invés do sistema anterior estabelecido pelo Protocolo de

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51

Quioto que se caracterizou por ser do tipo top-down em que importantes países não se

comprometeram.29

Os principais pontos do acordo estão no comprometimento global de manter o

aquecimento do planeta abaixo dos 2ºC acima dos níveis pré-industriais, perseguindo esforços

para limitá-lo a 1,5ºC,30 e estimular instrumentos de adaptação e mitigação dos impactos

ambientais adversos, especialmente nos países mais pobres, promovendo o desenvolvimento

de tecnologias mais eficientes e renováveis – o acordo prevê um repasse de US$ 100 bilhões

por ano dos países desenvolvidos para os em desenvolvimentos. Um dos grandes

catalisadores de investimentos para essas tecnologias é o recém-criado Mission Innovation

and the Breakthrough Energy Coalition. Além do compromisso em âmbito nacional dos

países com as metas climáticas, mais de 500 instituições – que contabilizam ativos em US$

3,4 trilhões – assumiram compromissos de retirar aplicações de seus capitais de empresas e

atividades econômicas intensivas em carbono (NAÇÕES UNIDAS, 2015; IEA, 2016a).31

Apesar dos avanços conquistados pela COP21, ela já nasce com duras críticas as

suas metas e formas de comprometimento dos países. Isso porque se todos os 160 países

cumprirem rigorosamente suas iNDCs (intended Nationally Determined Contributions), ainda

teríamos um aumento da temperatura média da Terra entre 2,6ºC e 3,1ºC em 2100 no cenário

mais otimista (ROGELJ et al., 2016). O grande feito do Acordo de Paris foi o reconhecimento

da gravidade do problema. Todavia, o limite de 2ºC colocado pelo acordo não é

cientificamente compatível com as ações propostas (MARQUES FILHO, 2016). Além de

insuficiente, é preciso lembrar que o acordo é voluntário, podendo os países não cumprirem

plenamente ou mesmo romperem totalmente com suas iNDCs sem que nenhuma punição

formal seja aplicada.32

29 O Protocolo de Quioto não conseguiu a participação dos Estados Unidos e Canadá em sua primeira fase e do

Japão e da Rússia na segunda fase. 30 Com a revisão do progresso dessas metas a cada cinco anos. 31 Nesse sentido, o anúncio da Rockfeller Brothers Fund em 2015 afirmando que deixaria de investir no mercado

de petróleo e carvão e passaria a apostar na economia verde movimentou o mercado de fósseis e sinaliza grandes

mudanças também no meio corporativo. É interessante lembrar que a família Rockfeller foi uma das grandes

responsáveis pela dominância do petróleo no século XX. Disponível em:

<http://www.p22on.com.br/2016/06/29/campanhas-de-desinvestimento-em-fosseis-aumentam-a-relevancia-de-

estrategias-corporativas-de-combate-a-mudanca-do-clima/>. Acesso em: jul. 2016. 32 Os EUA, a partir da administração Donald Trump já dão claros sinais de que desejam desmantelar as políticas

concernentes ao meio ambiente construídas na administração anterior. Disponível em:

<https://www.nytimes.com/2017/03/21/climate/trump-climate-change.html?ribbon-ad-

idx=4&rref=climate&module=ArrowsNav&contentCollection=Climate&action=swipe&region=FixedRight&pgt

ype=article>. Acesso em: abr. 2017.

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52

1.2.3 As Energias Renováveis e Economia de Energia: a descarbonização do sistema

energético

Diversos caminhos para a redução das emissões do sistema energético mundial

têm sido apresentados, sendo um dos mais conhecidos as energias renováveis, com destaque à

energia solar e eólica, mas também o melhoramento da eficiência energética e da conversão,

transmissão e distribuição da energia.

Existe uma grande dificuldade em definir o que são energias limpas ou

renováveis, isso porque todos os tipos de energia, mesmo as consideradas limpas têm efeitos

colaterais sobre o meio ambiente. Utiliza-se, geralmente, o termo energias renováveis que se

referem às energias provenientes de fontes naturais que se renovam constantemente e segundo

o IPCC (2014b) incluem bioenergia, energia solar direta, energia geotérmica, energia

hidrelétrica, energia oceânica ou de marés e energia eólica.33 Existe também uma ampla

discussão se é propício considerar a energia nuclear como uma alternativa. Apesar de ser

considerada uma energia limpa por não emitir 𝐶𝑂2 diretamente, os custos e riscos envolvidos

na produção da energia nuclear podem ultrapassar muito os seus benefícios; entre os

principais malefícios estão a possibilidade de acidentes e o passivo ambiental que o lixo

nuclear deixa para as próximas gerações. Além do mais, a energia nuclear não é uma energia

renovável, pois seu principal insumo é o urânio, um metal que leva bilhões de ano para se

formar. De qualquer maneira, os países têm considerado ou não a utilização da energia

nuclear de maneira distinta. Como veremos no capítulo 3, a Alemanha promove uma transição

energética em que a saída de energia nuclear se constitui como um dos principais objetivos. Já

o contrário ocorre na China.

Uma das grandes dificuldades impostas ao desenvolvimento e, principalmente, à

difusão de energias renováveis e de processos energeticamente mais eficientes é estabilidade

proporcionada pela infraestrutura energética consolidada e madura.

Há décadas o mercado se moldou institucionalmente e industrialmente em tipos

de tecnologias energéticas intensivas em carbono e isso representa um enorme montante de

capital fixo, uma longa história de desenvolvimento tecnológico que traz retornos crescentes

diversos (diminuição de incerteza, ganhos de aprendizado, ganhos de escala) e uma grande

estrutura de incentivos disposta a encorajar sua perpetuação (ELLIOTT, 2000; HOPKINS;

LAZONICK, 2012).

33 A energia eólica se divide em solar fotovoltaica e solar concentrada (CSP). Em grande parte desse trabalho a

energia solar será analisada agregando esses dois tipos de tecnologia.

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53

Além disso, o lock-in é reforçado pelo longo tempo de vida útil dos investimentos

em sistemas energéticos – uma usina termelétrica média possui um tempo de vida útil entre 30

e 40 anos, por exemplo. O abandono prematuro dessas estruturas é geralmente muito custoso

e isso constitui uma barreira importante à transição energética de baixo-carbono (IPCC,

2014).

Essa condição dificulta muito a disponibilidade de empresários dispostos a

investir em novas tecnologias, que trazem consigo uma grande incerteza e muitas vezes taxas

de retorno muito pequenas ou nulas a curto e médio prazo. Soma-se a isso o fato de novas

estruturas energéticas mais limpas representarem grandes ameaças aos conglomerados

energéticos dominantes que auferem grandes recursos do controle das estruturas existentes.

Segundo Hopkins e Lazonick (2012) para conseguir competir com as tecnologias

correntes, as energias renováveis devem não somente alcançar um desenvolvimento

tecnológico que aumente sua eficiência em relação às demais tecnologias, bem como devem

ganhar participação no mercado para que seus custos unitários possam ser reduzidos e elas

possam atingir níveis comparáveis com as tecnologias dominantes. Para que isso ocorra é

necessária inovação tecnológica para produzir tecnologias mais eficientes e acessíveis para

que mais empresários sejam estimulados a produzir painéis solares ou turbinas eólicas, por

exemplo.

O custo de produzir energia renovável vem caindo nos últimos anos. Segundo o

REN21 (2016, p. 81), o Levelised Cost of Eletricity (LCOE) ou “Custo Nivelado de

Energia”34 – um dos principais índices utilizados para medir custo de novos investimentos em

energia – demonstra que novos projetos em 2015 em energia eólica terrestre custaram em

média entre US$0,06/kWh e os projetos mais competitivos em painéis solares chegaram a

operar eletricidade pelo custo US$0,08/kWh sem apoio financeiro, enquanto o valor das

energias provenientes de combustíveis fósseis variam entre US$0,045/kWh e US$0,14/kWh

(excluindo os custos das externalidades negativas). Isso demonstra que, em termos de preço,

as energias renováveis estão atingindo um patamar competitivo em relação às energias

fósseis, mas as barreiras são muito maiores que somente técnicas e de custo.

O gráfico 7 traz informações mais atualizadas sobre os LCOE’s das energias

renováveis e também sua evolução com dados preliminares de 2016 em relação a 2010.

34 O LCOE é calculado contabilizando todos os custos esperados ao longo da vida de uma usina. Nesses custos

são incluídos construção, financiamento, combustível, manutenção, impostos, seguros, incentivos e inflação. O

valor total é dividido pela potência (kWh) que é esperado que a usina produza no total de sua vida útil.

Informações disponíveis no site de Energia Heliotérmica do governo brasileiro,

<http://energiaheliotermica.gov.br/pt-br/glossario/lcoe>. Acesso em: abr. 2017.

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54

Gráfico 7- LCOE médio global (1) para energias renováveis, 2010 e 2016 (2)

Fonte: IRENA.

(1) Todos os custos são calculados em dólares de 2016. O custo médio do capital é de 7,5% para os países da

OCDE e China e 10% para o resto do mundo.

(2) Dados preliminares.

É possível perceber que as energias solares (painéis solares e térmica) bem como

as energias eólicas (especialmente a onshore) sofreram quedas consideráveis de custos,

chegando cada vez mais próximo dos valores competitivos das energias fósseis. Enquanto

isso, as energias por biomassa, geotérmica e hidroelétrica tiveram seus LCOEs aumentados

nesses anos, o que pode refletir um menor investimento nessas alternativas e uma migração

cada vez maior para as energias solares e eólicas.

Além da mudança da matriz energética mundial, alguns estudos apontam que a

transição energética de baixo-carbono exige também grandes transformações da logística da

energia. Enquanto as fontes fósseis compõem estruturas bastante centralizadas de geração,

distribuição e comercialização, energias mais limpas e eficientes tendem a exigir estruturas

mais descentralizadas. Portanto, a mudança não se limite às estruturas de geração de energia,

o que torna a transição energética de baixo-carbono ainda mais complexa (ELLIOTT, 2000).

0.056 0.047 0.035

0.347

0.301

0.071

0.133

0.081

0.064 0.051

0.131

0.242

0.056

0.123

-

0.050

0.100

0.150

0.200

0.250

0.300

0.350

0.400

Biomassa Geotérmica Hidroelétrica PainéisSolares

Solar térmica Eólica(onshore)

Eólica(offshore)

US$/kWh

2010 2016

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55

No ambiente macroeconômico, a transição energética de baixo-carbono também

encontra muitas barreiras. O sistema energético intensivo em combustíveis fósseis tem sido

um instrumento polivalente dos governantes desde o século XX. A energia não só representa

um insumo fundamental na atividade econômica, mas tem papel estratégico na soberania

nacional, na geração de emprego e crescimento econômico e, sendo a estrutura energética

intensiva em carbono dominante, o desinvestimento em combustíveis fósseis é visto por

muitos policy-makers como uma ameaça à atividade econômica.

A barreira mais importante, e a mais abstrata delas são os aspectos culturais e

institucionais, como vimos na seção “Sociedade do Hidrocarboneto”. Sovacool (2009) ao

estudar o caso da difusão das energias renováveis nos Estados Unidos, chegou à conclusão de

que se os políticos continuarem tratando a transição energética como uma questão meramente

técnica, elas continuarão a ter uma participação muito pequena na matriz energética dos

países, isso porque enormes barreiras sociais e culturais permanecerão impedindo que elas se

desenvolvam plenamente. A transição energética somente faz sentido mediante uma profunda

mudança social, pois o consumo de combustíveis fósseis está enraizado no padrão de vida

corrente da sociedade capitalista. Cada vez fica mais claro que a resolução do problema

climático e ambiental está em oposição aos padrões de consumo vigentes. Mais difícil do que

produzir energia renovável talvez seja promover a mudança do uso da energia (ELLIOTT,

2000).

A junção dessas condições faz com que os desafios a serem enfrentados sejam

bastante complexos. Como mencionado, o lock-in nunca é somente tecnológico, e sempre seu

aspecto institucional é de fundamental importância não só para entender suas origens, mas

para sistematizar seus limites e para tentar – por mais complexo que seja – desenhar possíveis

saídas.

Alguns dados podem ser úteis para entender de forma panorâmica como se

encontra o desenvolvimento das energias renováveis atualmente.

A tabela 2 expõe o fluxo de investimentos totais para cada tipo de energia

renovável no período de 2010-2015 e permite perceber algumas tendências de investimento

em relação a esse tipo de energia. O investimento em energias renováveis – sem considerar

projetos hidrelétrico >50 MW – cresceu na primeira década do século XX, saindo de menos

de US$100 bilhões em 2005 para mais de US$250 bilhões em 2011 e chegando a US$285,9

bilhões em 2015. Além disso, o que chama bastante a atenção é a concentração desse

investimento na China. A segunda maior economia mundial foi responsável em 2015 por 36%

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56

dos investimentos totais, enquanto os Estados Unidos detiveram 15,4% desse montante e o

continente europeu em conjunto por 17%. Pela primeira vez na história, o fluxo de

investimento em energia renovável nos países em desenvolvimento ultrapassou o fluxo de

investimento nos países desenvolvidos. Ao consideramos China, Índia e Brasil temos um total

de US$ 156 bilhões de investimentos em 2015, 42% do total nesse ano. Já o investimento nos

países desenvolvidos como grupo no ano de 2015 caiu 8%, com destaque para Europa (menos

21%).

Tabela 2– Fluxos de investimento em energias renováveis, segundo regiões, 2005-2015

Bilhões de US$

Regiões 2005 2007 2009 2011 2013 2015

China 8,3 16,7 38,8 47,4 62,0 102,9

Europa 33,3 66,8 82,7 122,9 60,0 48,8

Ásia e Oceania (excluindo China e Índia) 9,0 12,4 13,9 23,8 44,4 47,6

EUA 11,9 33,2 23,9 49,1 35,3 44,1

América (excluindo EUA e Brasil) 3,3 5,0 5,5 9,3 12,0 12,8

Oriente Médio e África 0,8 1,8 1,6 3,0 9,3 12,5

Índia 3,0 6,7 4,3 12,8 6,6 10,2

Brasil 3,2 11,4 7,9 10,2 4,4 7,1

Total 72,8 154,0 178,6 278,5 234,0 285,9

Fonte: Elaboração própria a partir dos dados de IRENA (2016b), Global Trends in Renewable Energy

Investment 2016.

Além da clara concentração dos fluxos de investimento na China, grande parte

desses investimentos têm sido realizados para energia solar e eólica, respectivamente. A

energia solar foi responsável em 2015 por US$161 bilhões (56% do total) dos novos

investimentos e a eólica por US$109 (38,9% do total), enquanto todas as demais tecnologias

apresentaram declínio de investimento (gráfico 8).

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Gráfico 8- Fluxo de investimento (bilhões de US$), segundo tecnologia, 2005-2015

Fonte: Elaboração própria a partir dos dados de IRENA (2016), Global Trends in Renewable Energy Investment

2016.

Os maiores investimentos em energias renováveis vieram acompanhados de um

crescimento também da capacidade instalada. O gráfico 9 demonstra que a capacidade

energética das energias renováveis tem crescido nos últimos 15 anos, tendo mais que dobrado

entre 2000 e 2015. Assim como a concentração de investimentos, os dados expõem uma

concentração, dessa vez tecnológica, em energias hidrelétrica, eólica e solar. Mesmo com o

crescimento muito expressivo das energias solares (559%) e eólicas (228%) de 2015 em

relação ao ano de 2010, a energia hidrelétrica respondeu ainda nesse ano por 30% do total de

capacidade elétrica instalada por energias renováveis no ano de 2015.

Mesmo com a concentração da capacidade em energia hidrelétrica, solar e eólica,

os outros tipos de energia obtiveram algum desenvolvimento, apesar da dificuldade em

concorrer com os baixos preços dos combustíveis fósseis e com a queda do preço de outras

energias renováveis – como a eólica e solar – bem como as incertezas de políticas. A energia

geotérmica teve 315MW de nova capacidade no ano de 2015, elevando a capacidade

acumulada para 12,35GW, sendo a Turquia a líder do mercado geotérmico, adicionando mais

da metade dos novos acréscimos. A bioenergia que inclui biomassa e biocombustíveis

apresentou crescimentos consideráveis de 2015 em relação a 2010 (42%). No ano de 2015 a

produção de bioenergia térmica para prédios e usos industriais cresceu 3% em relação a 2014.

O uso de eletricidade de biomassa cresceu 8%, com destaque para China, Japão, Alemanha e

Reino Unido. Já a produção de etanol obteve um aumento em relação a 2014 de 4%, com

destaque para produção no Brasil e Estados Unidos. A energia proveniente de marés, apesar

-

50.0

100.0

150.0

200.0

250.0

300.0

350.0

2005 2007 2009 2011 2013 2015

Bilhões de US$

De Marés

Geotérmica

Hidrelétrica (pequenas plantas)

Biomassa

Biocombustíveis

Solar

Eólica

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58

de ter dobrado a capacidade em 2015 em relação a 2010 ainda apresenta um crescimento

bastante tímido; a capacidade total acumulada é 530 MW em 2015. Grande parte das

implantações de energia de marés foram projetos de demonstração o que ressalta o caráter

bastante inicial da tecnologia (REN21, 2016).

Gráfico 9- Capacidade instalada global acumulada de energia renovável, segundo fonte,

2000-2015

Fonte: Elaboração própria a partir dos dados de IRENA (2016b), Renewable Energy Statistics 2016.

Ainda que tenham obtido crescimento do investimento na última década e da

capacidade energética instalada, as energias renováveis detêm um crescimento lento em

participação na matriz energética global continuando a representar muito pouco da oferta de

energia primária total. As energias renováveis cobriram somente 3,8% do total de oferta de

energia primária global no ano de 2014 (dos quais 2,4% é somente energia hidrelétrica). Os

combustíveis fósseis continuam a representar 80% da oferta de energia primária total (IEA,

2000 2005 2010 2015

Eólica 17.33 58.51 182.74 416.64

Geotérmica 8.29 8.60 9.95 12.35

Bioenergia 32.67 45.25 72.24 102.85

Solar 1.22 4.89 40.05 223.95

Marés 0.27 0.27 0.27 0.53

Hidrelétrica 782.64 869.47 1025.18 1207.66

Total Energia Renovável 842.45 987.07 1330.60 1964.69

0.00

500.00

1000.00

1500.00

2000.00

2500.00

3000.00

3500.00

4000.00

4500.00GW

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59

2016b). Já os dados quanto ao consumo global final de energia são mais otimistas. No ano de

2014, as energias renováveis atenderam a uma porcentagem estimada dede 19,2% do

consumo final (REN21, 2016).

Para comparação, os combustíveis fósseis obtiveram, em 2013, um investimento

conjunto próximo a US$1 trilhão (em dólares de 2012). Apesar do esforço inédito em

tecnologias de baixo-carbono, o gasto de capital em petróleo, gás natural e carvão mais que

dobrou nos últimos anos em relação aos anos 2000. Nesse ínterim, o continente norte-

americano se destacou visto o crescimento nos Estados Unidos de fontes fósseis não

convencionais como o gás e petróleo de xisto (IEA, 2014). Os EUA vêm desenvolvendo

técnicas de exploração de combustíveis fósseis não convencionais há mais de uma década e

diversos outros países como China, índia, Rússia, Reino Unido entre outros estão em fase

inicial de mapeamento de reservas e investimento em técnicas de exploração. Nos EUA, a

exploração de gás e petróleo de xisto é para muitos a grande revolução energética do século

XXI no país. Além de parar o declínio da produção de gás natural nos EUA, a possibilidade

de exploração do gás não convencional trouxe aumento da produção e estimativa de mais de

100 anos de oferta energética de gás ao país. A China, o maior detentor de reservas de gás de

xisto do planeta parece seguir o mesmo caminho (WANG et al., 2014).

Dessa maneira, as novas formas de exploração de gás natural e petróleo podem

significar uma ameaça ao combate de emissões de gases de efeito-estufa. Apesar de emitir

menos 𝐶𝑂2 que o carvão, o gás de xisto, por exemplo, emite volumes consideráveis de

metano (𝐶𝐻4), gás que causa um efeito de aquecimento vinte vezes maior que o 𝐶𝑂2, além de

outros efeitos ambientais bastantes sérios como a contaminação de águas superficiais e

lençóis freáticos por contaminação de metano e outros produtos químicos adotados no

“fraturamento hidráulico”, a técnica que tornou possível sua exploração (FRIENDS OF THE

EARTH EUROPE, 2014). Além dos problemas ambientais, existe a possibilidade de essas

novas formas de exploração de combustíveis fósseis não convencionais desloque

investimentos que poderiam ser direcionados às energias renováveis.

Retomando a produção global de energias renováveis, pode-se verificar nos

gráficos 10 e 11 os países com maior capacidade elétrica instalada em 2016 em energias

eólica e solar, respectivamente. Novamente, a China se destaca em ambas as tecnologias. O

país tem atualmente um total de 148,64 GW de capacidade eólica instalada, sendo que 19,3

GW foram adicionados somente em 2016. Em seguida, em um distante segundo lugar estão os

EUA com 81,3 GW (com 5,7GW adicionados em 2016) e em terceiro lugar Alemanha com

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45 GW (dos quais 4,8 GW foram adicionados em 2016). O Brasil está presente no ranking em

nono lugar com uma capacidade instalada de 10,74 GW, tendo adicionado 2GW em 2016.

Gráfico 10- Ranking de países por capacidade elétrica instalada em energia eólica, 2016.

Fonte: Elaboração própria a partir de IRENA (2016b).

-20

0

20

40

60

80

100

120

140

160

180

China EUA Alemanha Índia Espanha ReinoUnido

Canadá França Brazil Itália

GWAcumulado 2016 Capacidade adicionada em 2016

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61

Gráfico 11- Ranking de países por capacidade elétrica instalada em energia solar, 2016.

Fonte: Elaboração própria a partir de IRENA (2016b).

A China também se destaca na produção de energia solar. A capacidade

energética solar instalada chegou em 2016 a 77,43 GW com 34,24 GW adicionados somente

em 2016. Em segundo lugar se encontra o Japão com 41,6 GW (sendo 8,3 GW adicionados

em 2016) e em terceiro lugar novamente a Alemanha com 40,98 GW (1,32 GW adicionados

em 2016).

Olhando para os maiores produtores no mercado eólico (gráfico 12) é possível

perceber a grande presença da China e da Alemanha na produção de turbinas eólicas.

Dentro os dez maiores produtores de turbinas eólicas em 2016 – tendo como base

a capacidade encomendada – quatro são chineses (Goldwind, Guodian, Mingyang e Envision)

sendo uma delas estatal (Guodian) e três alemãs (Enercon, Nordex-group e Siemens).

Destacam-se também a Dinamarca, possuindo a maior produtora de turbinas em 2016, a

veterana Vestas, que voltou ao primeiro lugar após ser ultrapassada pela Goldwind em 2015.

Os EUA em segundo lugar com a GE Wind, que tem subido no ranking junto com o

crescimento do mercado norte-americano e com a aquisição da francesa Alstom em 2015. Em

terceiro está a Goldwind que é chinesa e caiu do primeiro lugar em 2015 para o terceiro em

2016, o que não significa maus resultados visto que a companhia é bastante nova, data de

1998, e escalou rapidamente o mercado de turbinas nos últimos anos, se tornando a maior

produtora chinesa. A Gamesa, que é espanhola, vem em quarto lugar e em quinto aparece a

primeira empresa alemã do ranking, a Enercon, que galgou uma posição em relação a 2015, e

-

20.00

40.00

60.00

80.00

100.00

120.00

China Japão Alemanha EUA Itália ReinoUnido

índia Espanha França Austrála

GW

Acumulado 2016 Capacidade adicionada em 2016

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62

é uma das empresas precursoras na produção de turbinas, reflexo do pioneirismo da

Alemanha no desenvolvimento dessa tecnologia e a partir do quinto lugar, as posições são

divididas entre China e Alemanha.

As dez maiores produtoras de turbinas eólicas obtiveram em 2016 mais de 70%

do mercado.

Gráfico 12- Maiores produtores de turbinas eólicas (onshore) por capacidade

encomendada, 2016.

Fonte: elaboração própria a partir de dados da Bloomberg New Energy Finance. Disponível em:

<http://www.renewableenergyworld.com/articles/2016/04/2015-top-ten-pv-cell-manufacturers.html>.

A presença da China é ainda maior quanto à produção de painéis solares. A cadeia

produtiva da energia solar é muito mais fragmentada e de difícil mensuração, dado que

existem diferentes empresas que realizam os diversos processos individuais de fabricação.

Todavia, a mensuração das maiores produtoras pode ser dada pela capacidade encomendada

referente à produção dos módulos solares, que são o coração dos painéis e estão presentes as

células fotovoltaicas responsáveis pela transformação da energia solar em energia elétrica

(gráfico13).

No gráfico 13, pode-se verificar que dentre as oito maiores empresas produtoras

de módulos fotovoltaicos no mundo em 2016, seis são chinesas (Jinko Solar, Trina Solar, JA

Solar, Hawha Q-Cells, GCL, Firt Solar, Yingli Solar), uma canadense (Canadian Solar) e uma

estadunidense (First Solar).

8.7

6.5 6.4

3.7 3.52.7

2.2 2.1 1.96 1.94

0123456789

10GW

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63

Gráfico 13- Maiores produtores de módulos fotovoltaicos por capacidade encomendada,

2016.

Fonte: Elaboração própria a partir de dados do site Clean Technica. Disponível em:

<https://cleantechnica.com/2017/02/15/jinko-solar-surpasses-trina-solar-worlds-leading-solar-pv-module-

supplier-2016/>.

Além do desenvolvimento de energias renováveis, a busca por uma maior

eficiência energética também pode ser um aliado na busca pela redução da emissão dos gases

do efeito estufa. Energias renováveis devem ser estimuladas e desenvolvidas simultaneamente

com sistemas energéticos mais descentralizados, eficientes e inteligentes. A medida padrão de

eficiência energética é a intensidade energética.

IE =𝑐𝑜𝑛𝑠𝑢𝑚𝑜 𝑑𝑒 𝑒𝑛𝑒𝑟𝑔𝑖𝑎

𝑃𝐼𝐵

O índice IE geralmente é expresso pelo consumo de energia primária, mas pode

ser realizado também para o consumo de energia final. É a expressão do PIB em termos de

petróleo, carvão, gás natural e outras fontes. Uma redução desse índice indica uma maior

eficiência dos recursos energéticos. O gráfico 14 apresenta a série de intensidade energética

global do último quinze anos. Houve uma redução da intensidade energética de

aproximadamente 0,23 Koe (Kg equivalente em petróleo) por dólar para 0,15 Koe por dólar, o

que pode sinalizar um maior esforço das economias em promover um uso mais eficiente dos

recursos energéticos.

6.6 6.4

5 4.9 4.8 4.6

2.8

2.1

0

1

2

3

4

5

6

7

JinkoSolar

(China)

TrinaSolar

(China)

CanadianSolar

(Canadá)

Ja Solar(China)

HanwhaQ-Cells(China)

GCL(China)

FirstSolar(EUA)

YingliSolar

(China)

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64

Gráfico 14- Intensidade energética global (Koe/US$2005) (1), 1990-2015.

Fonte: Elaboração da autora a partir de Global Energy Statistical Yearbook 2016. Disponível em:

<https://yearbook.enerdata.net>.

(1) Koe (Kg equivalentes em petróleo).

Uma maior eficiência energética pode ser conquistada especialmente através de

uma melhor conversão, distribuição e transmissão de energia. Uma alternativa que vem sendo

desenvolvida são as smart grids.

Smart grids são redes elétricas inteligentes e descentralizadas que adotam recursos

de tecnologia de informação (TI) e de elevado grau de automação o que aumenta muito a

eficiência operacional. Através dessas redes inteligentes é possível ter maior acesso e

controlar o fluxo de energia mediante a presença de medidores eletrônicos inteligentes. As

redes inteligentes coordenam as necessidades e capacidades de todos os geradores, operações

de rede, usuários finais e demais partes interessadas do setor elétrico para que operem da

maneira mais eficiente possível, reduzindo custos e impactos ambientais, enquanto buscam

maximizar a confiança, resiliência e estabilidade da rede (IEA, 2011). A construção dessas

redes de transmissão e distribuição inteligentes requerem investimentos e planejamentos

substanciais, além de significar uma grande mudança em relação ao sistema anterior

centralizado e pouco aberto a avaliações exteriores, o que pode gerar conflitos e barreiras a

sua implantação.

O desenvolvimento e difusão de energias renováveis, bem como da eficiência

energética precisam ser verdadeiramente incentivados, com projetos orientados para esse fim,

em que o Estado tenha participação ativa e condutora nesse processo, como será discutido no

segundo capítulo. Por ora, podem ser destacados os benefícios da transição energética de

baixo-carbono e da maior eficiência energética.

0.050

0.070

0.090

0.110

0.130

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0.190

0.210

0.230

19

90

19

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19

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19

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19

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19

99

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01

20

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20

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20

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20

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20

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10

20

11

20

12

20

13

20

14

20

15

Koe/US$2005

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65

A primeira grande vantagem do desenvolvimento de tecnologias limpas em geral

e de energias renováveis é a redução de gases do efeito estufa emitidos no meio-ambiente. Em

grande parte dos países, a produção de energia junto com o transporte são os maiores “vilões”

do aquecimento global, ou seja, são os setores que mais emitem esses gases. Sem uma

profunda mudança nesses setores não se pode esperar grandes avanços no combate às

mudanças climáticas (HOPKINS; LAZONICK, 2012). Segundo IEA (2015a, p.44), o carvão

foi responsável em 2013 por 46% das emissões de CO2 o petróleo por 33,6% e o gás natural

por 19,8%, contabilizando as demais fontes de energia 0,6% dessa emissão.

Outra grande vantagem das energias renováveis é a maior possibilidade de

independência energética. Fontes de energia fósseis são finitas, enquanto fontes de energia

como o sol e o vento são virtualmente fontes infinitas de energia (HOPKINS; LAZONICK,

2012). Todavia, é preciso pontuar que a possibilidade de suprimento energético por essas

fontes é heterogênea a cada país, dependendo da disponibilidade menor ou maior dessas

fontes, bem como de condições adequadas para a instalação de usinas.

Hopkins e Lazonick (2012) apontam ainda um terceiro ponto positivo das

energias renováveis: a criação de empregos. Mediante a crise de 2008, alguns países viram na

produção dessas energias um novo espaço de criação de demanda efetiva. Em 2015, o setor de

energia renovável chegou a 8,1 milhões de empregos direitos e indiretos com destaque para a

energia solar, hidrelétrica, biocombustíveis e eólicas, além de 1,3 milhões de empregos

adicionais contabilizando as grandes usinas hidrelétricas (gráfico 15).

Gráfico 15- Empregos Acumulados no Setor de Energia Renovável, 2015.

8,079.0

3,725.0

2,882.0

1,504.0

1,081.0

160.0

3.7

- 1,000.0 2,000.0 3,000.0 4,000.0 5,000.0 6,000.0 7,000.0 8,000.0 9,000.0

Total

Solar

Biocombustíveis

Hidrelétrica (pequeno…

Eólica

Energia geotérmica

Marés

Número de Empregos (em milhares)

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66

Fonte: Elaboração da autora a partir de IRENA (2016b).

Vistas algumas vantagens do incentivo às energias renováveis, discute-se no

capítulo 2 o papel do Estado na transição para uma economia de baixo-carbono.

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CAPÍTULO 2

COMO PROMOVER A EMERGÊNCIA DE ALTERNATIVAS DE BAIXO-

CARBONO?

Uma das grandes justificativas que sustentam a oposição contra alternativas de

baixo-carbono, a incerteza científica quanto às suas consequências ambientais, sociais e

econômicas tem cada vez menos força mediante as evidências de mudanças correntes. Como

ressaltado, academias nacionais de ciência, academias regionais e diversas instituições de

pesquisa afirmam que a influência humana na mudança climática é clara, sendo as emissões

antropogênicas de gases as maiores já registradas na história. Existem muitas evidências de

que os efeitos já estão presentes e se agravam a cada dia, e a mudança do paradigma

energético, produtivo, bem como do padrão de consumo vem ganhando mais destaque à

medida que se buscam soluções no médio e longo-prazo.

A história dá exemplos de que mudanças tecnológicas e institucionais ocorrem

repetidamente num longo período de tempo, dando sinais de que, no longo-prazo, mesmo a

estabilidade causada por paradigmas estabelecidos pode ter um fim. Todavia, não é só a

mudança científica que preocupa, já que alternativas tecnológicas mais sustentáveis aparecem

diariamente, mas também a inércia presente nas formas institucionais e organizacionais, sem

as quais as tecnologias não podem se difundir. Assim, corre-se o risco da mudança inevitável

se dar tarde demais.

As desvantagens de esperarmos a mudança serão muito maiores que as dores de

acelerá-la, até porque dessa transformação depende a disponibilidade de recursos não só

materiais, mas de serviços ecossistêmicos35 para as gerações futuras. Logo, o grande desafio é

facilitar a transição para uma economia de baixo-carbono antes que as consequências sejam

irreversíveis. Essa transição acelerada não se dará por forças internas devido às barreiras

impostas às energias mais limpas; são necessárias forças “exógenas”36 para a mudança do

paradigma tecnológico baseado intensivamente em combustíveis fósseis (UNRUH, 2002).

Tendo consciência de que boa parte da “solução” para os problemas apresentados

passa pela ruptura da economia intensiva em combustíveis fósseis, deve-se qualificar de que

forma ela pode ocorrer e que forças são capazes de promovê-la.

35 Tratam-se dos benefícios que o ser humano obtém direta ou indiretamente e que são essenciais para a vida no

planeta, como a absorção de CO2 pelas árvores. 36 Utilizaremos o adjetivo “exógena” aqui, mas se adianta que há uma discussão quanto à exogeneidade de facto

das políticas públicas. Mais adiante será discutida a grande participação do Estado na construção e manutenção

do lock-in do carbono, bem como as críticas e limites ao seu papel.

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Mencionamos que Freeman (1984, p. 498-499) afirma que revoluções

tecnológicas estabelecem novos paradigmas quando se observa os seguintes fatores: i)

redução drástica no custo de muitos produtos e serviços; ii) incremento drástico nas

características técnicas de produtos e serviços; iii) aceitação político-social, o que envolve

mudanças institucionais para receber a nova tecnologia; iv) aceitação ambiental, a qual pode

ser parte da institucionalidade anterior; v) e a presença de efeitos pervasivos por todo o

sistema econômico.

Os resultados dos grandes processos de transformação não podem ser exatamente

previstos ex ante, sendo as consequências calculadas e sentidas ex post. Dada a incerteza

quanto aos resultados de um novo paradigma tecnológico, quais seriam os agentes e/ou

fatores responsáveis por levar esse processo adiante?

Vários aspectos devem ler levados em conta para responder a essa pergunta,

dentre elas, considera-se: i) os interesses econômicos das corporações que se beneficiam das

tecnologias vigentes; ii) o caminho traçado, o histórico dessas novas áreas tecnológicas; iii)

variáveis institucionais como as “políticas públicas”; e iv) o surgimento de novos

competidores.37

O surgimento de novos competidores se mostra fundamental em processos de

mudança técnica, isso porque geralmente as infraestruturas tecno-institucionais tendem a criar

estabilidade para aqueles que utilizam as tecnologias dominantes, mas especialmente para

seus produtores e gerenciadores. Utterback (1996, p. 197-198) chama a atenção para a

relutância das empresas estabelecidas em adotar uma tecnologia radical o que faz que a

presença de “forasteiros” seja uma característica de momentos de quebra tecnológica;

momentos que em novas lideranças surgem quando as empresas líderes não realizam os saltos

das descontinuidades tecnológicas.

É difícil imaginar que as corporações as quais se beneficiam da estrutura intensiva

em combustíveis fósseis irão estimular de fato o surgimento de alternativas a sua própria

dominância, mesmo que tenham feito alguma intenção declarada. Portanto, motores de

mudança virão provavelmente de forças “exógenas”. Unruh (2002) ressalta que a dificuldade

é justamente encontrar essas forças em meio a um sistema energético dominado pelo uso de

combustíveis fósseis, mas ressalta que na sociedade os “grupos” por mais homogêneos que

pareçam sempre possuem elementos de divergência. Para representar essa ideia ele afirma que

“na realidade, é claro, os indivíduos [...] e governos representam interessem múltiplos e

37 Essas variáveis foram inspiradas em Dosi (1982, p. 155).

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muitas vezes conflituosos (como expandir a produção agrícola e proteger áreas naturais do

desmatamento)” (UNRUH, 2002, p. 321 tradução própria). Ao mesmo tempo em que grandes

economias se beneficiam do próprio lock-in do carbono, existem indivíduos e organizações

dentro dessas economias que buscam um combate à mudança climática e a transição para uma

economia de baixo-carbono.

Nesse ínterim, as “políticas públicas” têm papel fundamental por apresentarem a

possibilidade de ser a expressão da coalizão de interesses com um determinado fim específico

e por poderem permitir, justamente, a emergência de novos competidores dentro de um

mercado em que muitas barreias lhe são colocadas. Historicamente, elas têm desempenhado

um importante papel de catalizadoras da mudança técnica, como nos programas militares e

espaciais nos EUA, que definiram metas tecnológicas, além de providenciar o financiamento

para o P&D; o surgimento da indústria química alemã intimamente apoiada pelo governo; as

experiências de catching up dos países asiáticos coordenadas pelo Estado e mais recentemente

o desenvolvimento da bioquímica, da nanotecnologia e das telecomunicações nos EUA

(DOSI, 1982; FREEMAN, 1996; KIM; NELSON, 2005; MAZZUCATO, 2011).38 Em um

mundo dinâmico como o capitalista as práticas de políticas industriais, por exemplo, são

inevitáveis, mesmo nos países que defendem uma retórica de Estado diminuto; o que pode

variar é se essas políticas são feitas de maneira implícita ou explícita e sua forma de execução

(SUZIGAN, 2014).

É fundamental dizer que nesse trabalho considera-se que o agente capaz de reunir

e coordenar os fatores determinantes para a promoção da ruptura tecnológica necessária na

transição para uma economia de baixo-carbono é o Estado, através de políticas públicas tanto

para a pesquisa e desenvolvimento de tecnologias de baixo-carbono, quanto no setor

produtivo, permitindo o aprendizado, a redução das incertezas e a aceitação de novas

tecnologias sustentáveis pelas firmas e famílias (FOXON, 2002; HOPKINS; LAZONICK,

2012; MAZZUCATO, 2011; MAZZUCATO; SEMIENIUK; WATSON, 2015; UNRUH,

2000, 2002). Além, é claro, da possibilidade dessa instituição em estimular mudanças nos

padrões de consumo correntes. Todavia, não se considera que o Estado sozinho promoverá

essas mudanças, mas que ele pode coordenar a iniciativa privada e a sociedade para esse fim.

Assim, duas perguntas-chave devem ser feitas: que tipo de políticas e formas de

execução das mesmas é atualmente possível e quais os limites (econômicos, políticos e

institucionais) dessas políticas?

38 Exemplos que serão explorados posteriormente.

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Em relação ao tipo de políticas, pode-se adiantar que políticas científicas e

tecnológicas para promover as metas ambientais necessárias diferem dos mission-oriented

projects adotados nos anos 1950 e 1960 para apoiar o desenvolvimento nuclear, de defesa,

espacial, etc., que focavam em certas indústrias de maneira isolada do resto da economia. A

mudança em direção a uma economia de baixo-carbono requer uma abordagem política

sistêmica, reunindo simultaneamente vários atores como o governo, as firmas privadas e os

grupos de consumidores (FREEMAN, 1996; SOETE; ARUNDEL, 1993). É uma abordagem

muito mais complexa, pois requer a coordenação de inúmeros agentes no âmbito nacional e

internacional.

Quanto aos limites dessas políticas, é importante ressaltar que não há um

“endeusamento” do Estado, até porque ele se alimenta e é alimentado por arranjos

tecnológicos estabelecidos. Instituições, especialmente o Estado, têm um papel fundamental

na aceitação, difusão e aperfeiçoamento de determinadas tecnologias, o que gera uma grande

inércia, vale dizer, ainda maior do que a tecnológica, já que aquelas têm mais dificuldade de

serem transformadas do que essas (UNRUH, 2002).

Apesar de estar imerso a institucionalidade que apoia e realimenta uma economia

intensiva em combustíveis fósseis, o Estado mostrou ser historicamente capaz de reorientar

transformações tecnológicas e institucionais e é preciso entender como essa capacidade pode

ser canalizada para as demandas sociais e econômicas atuais, que não se dissociam das

questões ambientais. Como visto, o efeito das mudanças climáticas já podem ser sentidos em

grande parte do globo pelo crescimento de doenças relacionadas ao aumento da temperatura,

como a malária e têm afetado as populações historicamente mais marginalizadas e com menor

responsabilidade quanto às emissões (PATZ et al., 2007) O grande desafio é enfrentar os

problemas coletivos além dos limites impostos pelo lock-in, ou seja, se a mudança climática é

real e afeta todos em escala global e, especialmente, os mais pobres e as gerações futuras,

como estabelecer um consenso político-econômico que promova ações concretas em relação

ao problema? As forças potenciais de mudanças são, além de tecnológicas, sociais e

institucionais, até porque a tecnologia dissociada da institucionalidade não se torna

dominante.

O segundo capítulo, portanto, trabalha com a ideia de que a ação do Estado

através das políticas públicas é fundamental para a transição energética de baixo-carbono e

busca discutir seus limites e formas. Primeiramente, realizando uma crítica à visão antagônica

de Estado e mercado (seção 2.1) e apresentando exemplos históricos da visão e ação

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direcionada do Estado por meio dos sistemas nacionais de inovação (seção 2.2). Como

formato de ação de políticas, a ideia de sistemas nacionais de inovação direcionados à questão

ambiental foi colocada, o que se chamou de sistema de inovação sustentável (FOXON;

PEARSON, 2008) cuja possibilidade de desenho se apresenta na seção 2.3, na qual se

sistematizam também algumas políticas públicas (de demanda, de oferta e outras) que podem

fazer parte de um esforço de transição energética.

2.1 “A Nova Razão do Mundo”39 e o Estado versus Mercado

Nos últimos anos o papel protagonista do Estado na superação de desafios

econômicos, tecnológico, sociais e ambientais é alvo de intensas críticas. O ataque ao Estado

positivo criou raízes bastante profundas com a lógica neoliberal, levando à negação de seu

importante papel que existe independente das inúmeras falhas éticas ou políticas que ocorrem

e mesmo quando sua presença é fundamental na implantação dos conjuntos de práticas e

normas que regem a própria corrente neoliberal. O entendimento breve da origem desse

movimento é necessário para lhe fazer oposição e propor um papel importante do Estado na

promoção de um desenvolvimento mais sustentável.

Retomando brevemente o contexto histórico, a onda “neoliberal” renasceu da crise

do welfare state na década de 1970. O Estado “keynesiano” resultante do Acordo de Bretton

Woods já não era mais capaz de dar à economia americana e europeia o dinamismo de outrora

e foi atribuído a sua forma de governabilidade a responsabilidade pelo insucesso econômico

do período. Como complemento, os governos africanos e latino-americanos com seus aparatos

inchados, sua burocracia gananciosa e egoísta e muitas vezes antidemocrática serviam como

exemplos do mal causado pela presença de um Estado que ultrapassava os limites “aceitáveis”

e “as burocracias governamentais foram consideradas estranguladoras do espírito

empreendedor ou desviadas em atividades improdutivas [...]” (EVANS, 2004 p. 51).

Nos anos 1980, os grandes nomes desse renascimento foram Ronald Reagan e

Margareth Thatcher, que “simbolizavam o rompimento com o ‘welfarismo’ da social-

democracia e a implantação de novas políticas que supostamente poderiam superar a inflação

galopante, a queda dos lucros e a desaceleração do crescimento”, que em suas visões eram

consequências diretas de um Estado ineficiente. Suas políticas

pareciam uma resposta à regulação keynesiana macroeconômica, à propriedade

pública das empresas, ao sistema fiscal progressivo, à proteção social, ao

39 “A nova razão do mundo” faz referência ao título do livro de Dardot e Laval (2016).

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enquadramento do setor privado por regulações estritas. [...] A política de demanda

destinada a sustentar o crescimento e realizar o pleno emprego foi o principal alvo

desses governos [...] (DARDOT; LAVAL, 2016, p. 189).40

As “novas regras do jogo” estavam no caminho da disciplina monetária do Estado

e da desregulação da economia de forma a privilegiar a concorrência. Nela os atores privados,

que supostamente melhor conhecem a situação dos negócios e seus interesses, fariam melhor

alocação dos recursos.

Políticas públicas visando proteger indústrias ou tecnologias infantes se

encontravam no “pacote” considerado ineficiente, devendo ser fortemente evitadas. Indústrias

e tecnologias seriam selecionadas de acordo com a lógica da concorrência, evitando a

seletividade operada pelo Estado – característica do modo de governabilidade anterior, fonte

de distorções, improdutividade e ineficiência econômica e social, segundo essa corrente.

Nesse processo, o Estado desempenharia papel fundamental de incorporar e reorientar as

políticas numa nova direção, criando outra forma de governabilidade a partir de um novo

arcabouço normativo.

Essa constatação é fundamental para esse trabalho, pois demonstra que o

movimento neoliberal não se caracteriza basicamente por uma retirada do Estado e crença

cega no mercado, como comumente se afirma. As novas formas políticas se opõem às

anteriores no sentido de implantar uma nova lógica normativa, uma nova estratégia que para

atingir seus objetivos – desmantelamento do Estado de bem-estar social, privatização de

empresas públicas – precisa e se utiliza também de um Estado forte. O Estado continua sendo

forte no sentido de que é fundamental para a implantação de novas bases, novas regras de

funcionamento econômico e novas relações sociais pautadas pelo primado da concorrência

generalizada em todas as esferas da vida social.

A confusão se dá, pois existe sim uma luta ideológica que estabelece uma retórica

dessa natureza. A ilusão de o capitalismo de mercado poder existir sem o Estado tomou nova

forma a partir dos anos 1960 e 1970 sob duas frentes ideológicas, de um lado a oposição total

ao Estado e às políticas públicas sobre a égide da “desobrigação do Estado” e de outro uma

apologia ao capitalismo como ordem natural baseada na “incomparável eficiência dos

mercados”; ideias que construíram a ideologia do capitalismo livre a qual obteve grande

sucesso e se espalhou pela política e pelas universidades (DARDOT; LAVAL, 2016, p. 205).

40 O “neoliberalismo” dos anos 1980 não representa a volta do liberalismo tradicional; sua estruturação é muito

mais complexa do que as definições que o caracterizam como um retorno ao laissez-faire (DARDOT; LAVAL,

2016, p. 71).

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73

Nos anos 1980, o mercado autoregulador parecia estar de volta, mesmo que para isso fossem

necessárias as políticas públicas do Estado neoliberal, o que representava uma contradição

entre o discurso e a prática. O que se constata de fato não é a retirada do Estado a partir da

razão neoliberal, ao contrário, o que se observa é uma “Economia livre, Estado forte”.41

O que é importante para a continuidade da argumentação aqui proposta é que o

Estado não deixou de ser essencial apesar da intensa “propaganda” contrária a essa afirmação.

O Estado neoliberal é fundamental para atingir o objetivo máximo de implantar a lógica da

concorrência em todos os domínios da vida social e da empresa como modelo de

subjetivação.42

Portanto, em divergência com a retórica neoliberal, coloca-se que a própria

existência e manutenção do mercado estão totalmente relacionadas ao intervencionismo

Estatal. O mesmo foi o responsável pela imposição das condições necessárias para o

surgimento de uma economia de mercado (POLANYI, 2012). A ideia de que há uma oposição

entre ambos – uma separação do mercado com as demais instituições sociais na tentativa de

torná-lo uma esfera autônoma – é falaciosa (MAZZUCATTO, 2011). Muitos são os teóricos

que perceberam essa relação de simbiose. Um dos grandes nomes da economia, John

Maynard Keynes, acreditava que devido à instabilidade intrínseca às economias capitalistas o

governo tinha um papel fundamental, através do gasto público, de compensar nos períodos de

crise a escassez dos investimentos privados.

A variável investimento (I) para Keynes é a principal responsável pela criação e

manutenção do emprego e consequentemente da renda. Como a economia capitalista é por

regra incerta, os investimentos empresariais estão constantemente sujeitos a uma volatilidade

extrema.43 Portanto, flutuações do investimento fazem parte da economia monetária da

produção44 e a não intervenção do Estado no equilíbrio dessa variável fundamental pode levar

41 “Lema” real do neoliberalismo segundo Andrew Gamble, professor da Universidade de Cambridge. 42 Além da retórica construída nos países desenvolvidos, organizações internacionais como o FMI e o Banco

Mundial se encarregaram de disciplinar os países mais frágeis à nova cartilha chamada Consenso de

Washington, atrelando seu “desenvolvimento” à atração de capitais externos mediante a disciplina

macroeconômica e a abertura de seus mercados. A difusão dessa norma ganhou aliados na liberalização

financeira e na globalização tecnológica havendo, a partir dos diversos mecanismos de desregulamentação, um

boom das finanças mundiais a partir dos anos 1980, cujo movimento parece ser autônomo à esfera produtiva e

comercial (CHESNAIS, 2005; DARDOT; LAVAL, 2016). Sobre a discussão de uma autonomia da esfera

financeira em relação à produtiva e comercial ler Braga (2000). 43 Para aprofundamentos ler Keynes (2007). Dillard (1993) esmiúça os raciocínios de Keynes de uma maneira

bastante didática. 44 Segundo Keynes, o objetivo dos capitalistas na produção não é trocar mercadorias, mas sim trocar dinheiro

por uma quantia ainda maior de dinheiro, tendo as mercadorias apenas o papel social de gerar mais dinheiro (D-

M-D’). Para Keynes, assim como para Marx, fica claro que o objetivo final do sistema é a valorização monetária.

Portanto, o detentor do dinheiro o aliena com a intenção de se apoderar dele novamente e nessa circulação o

valor originalmente adiantado não só se mantém na circulação, mas altera nele sua grandeza, ou seja, gera o

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à queda do emprego e da renda e, consequentemente, do consumo o que catalisaria quebras no

mercado e depressões. Assim, o investimento é uma variável muito importante para ser

deixada nas mãos apenas do mercado e em suma, a própria manutenção do capitalismo passa

pela intervenção do Estado.

Inúmeros são os exemplos históricos dessa íntima relação entre Estado e mercado.

Em julho de 2008, o governo americano despejou, frente ao colapso da crise financeira,

US$200 bilhões para estatizar duas gigantes empresas de empréstimos e hipotecas: Fannie

Mae e Freddie Mac. Algo que se não fosse feito poderia mergulhar o país e o resto do mundo

em uma crise ainda mais profunda. Mesmo assim, o presidente Bush, à época, anunciou o

gigante passo de estatização como apenas mais uma intervenção necessária e pontual frente ao

“mar” de livre empreendedorismo em que repousava a economia norte-americana: claramente

mais um exemplo da retórica política-ideológica de qual papel o Estado deveria ter na

sociedade capitalista, mesmo que não corresponda à realidade e mesmo que os seus

defensores não a anunciem como uma posição política, mas como uma verdade econômica

natural e objetiva (CHANG, 2013).

Além dos seguidores de Keynes – que advogam pela importância do gasto público

– outros economistas heterodoxos de inspiração schumpteriana defendem que o Estado não só

deve investir como direcionar esses investimentos para áreas e atividades propensas a gerar

capacidades de inovação para as economias. No que tange a essa questão, é importante

entender e buscar construir uma ponte que interligue as esferas micro e macroeconômica e a

associação entre as inspirações de Keynes e Schumpeter45 podem ser um caminho interessante

(MAZZUCATTO, 2011).

lucro. As consequências dessas constatações são muito importantes para o entendimento da economia capitalista.

Primeiramente porque demonstra uma não neutralidade da moeda. Ao contrário, a busca pela valorização

monetária é o maior objetivo dessa economia, por isso denominada economia monetária da produção. E a

constatação mais importante é que as decisões capitalistas de investimento não têm como meta criar renda e

emprego e sim valorizar o capital. A decisão de investimento, apesar de ser a principal variável para a criação de

emprego e renda, é especialmente um meio para a valorização e não será realizado se não houver perspectivas de

valorização, mesmo se isso significar desemprego. 45 O papel do Estado é um grande ponto de divergência entre Keynes e Schumpeter. Enquanto Keynes buscava

soluções para eliminar os problemas de uma economia monetária de produção, colocando o Estado como um

agente fundamental que – através dos gastos públicos – compensaria as deficiências de demanda efetiva em

momentos oportunos, Schumpeter acreditava que não havia necessidade de intervenção estatal na economia. Na

crítica que esse faz à concorrência perfeita, ele afirma que o único papel do Estado seria a manutenção dessa

concorrência, mas como ela (a intervenção) é incompatível com o progresso, não há essa necessidade. O ajuste

se dá pela “Destruição Criadora” conduzida pelo grande capital, e uma intervenção estatal somente dificultaria

esse processo. Os autores de inspiração schumpeteriana, especialmente os neo-schumpeterianos conciliam a

importância dada à inovação por Schumpeter para a dinâmica capitalista, com o papel fundamental do Estado,

entendendo que o papel do capital está embebido em fatores institucionais e políticos indissociáveis da análise.

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A partir da constatação de que a oposição “Estado versus capitalismo” de mercado

é uma falácia, e que o papel do Estado pode estar relacionado não só a geração de

investimento, mas ao direcionamento desse investimento para atividades específicas, pode-se

buscar entender como o Estado está ligado ao desenvolvimento tecnológico e de inovação das

economias.

2.2 O Estado e o Sistema Nacional de Inovação

No século XIX, Alexander Hamilton nos EUA e Friedrich List na Alemanha

reconheceram a importância da condução do Estado das estruturas necessárias ao

desenvolvimento nacional por meio do desenvolvimento industrial e tecnológico. List (1986),

ao buscar as possibilidades de desenvolvimento da Alemanha atrasada constatou que o

processo de desenvolvimento requeria não só a proteção das empresas infantes, mas uma

gama de políticas desenhadas e direcionadas para permitir ou acelerar a industrialização e o

crescimento econômico, estrutura institucional que ele denominou de “sistema nacional de

economia política”, um precursor do “sistema nacional de inovação”.

Por sistema nacional de inovação se entende “a rede de instituições nos setores

público e privado cujas atividades e interações iniciam, importam, modificam e difundem

novas tecnologias” (FREEMAN, 1995). Os três principais agentes que compões esse sistema

são: 1) o Estado: que é responsável por desenhar e aplicar políticas públicas, especialmente de

ciência e tecnologia; 2) as universidades e institutos de pesquisa: responsáveis por realizar

pesquisas e criar conhecimento; 3) as empresas: que são responsáveis por realizar

investimentos para transformar o conhecimento em produto.

Segundo Jacobsson e Johnson (2000) os sistemas nacionais de inovação têm como

principais funções:

1) Criar e difundir “novo” conhecimento;

2) Guiar a direção do processo de demanda e oferta entre usuários e ofertantes das

tecnologias, ou seja, influenciar a direção na qual os atores empregam seus

recursos;

3) Ofertar recursos, incluindo capital, competências e outros;

4) Criar externalidades econômicas através da troca de informações,

conhecimentos (aprendizado) e concepções;

5) Facilitar a formação de mercados.

Assim, esses três agentes e suas interações são fundamentais para realizar essas

funções e para as diferentes composições dos diversos sistemas. Um sistema nacional de

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inovação maduro é aquele capaz de produzir um ambiente favorável ao desenvolvimento e

florescimento de inovações e para isso, o Estado tem um papel fundamental. O Estado reúne

os recursos e a “paciência” necessária para permitir que atividades científicas de pesquisa e

desenvolvimento – que envolvem longos períodos de pesquisa e se caracterizam por um

processo de ‘tentativa e erro’ – tenham tempo suficiente para amadurecer e produzir

conhecimento para a sociedade. Por isso, o papel das políticas públicas em apoiar o

desenvolvimento científico é tão importante.

Dentro do sistema nacional de inovação, a relação Estado-empresa é importante

porque o Estado deve garantir um ambiente macroeconômico favorável aos novos

investimentos. Além disso, ele tem o papel essencial de risk-taker em novas atividades

consideradas muito arriscadas e para as quais a iniciativa privada não estaria disposta a se

inserir até o surgimento de expectativas mais favoráveis (MAZZUCATTO, 2011).

A história traz diversos elementos que confirmam a presença da mão-visível do

Estado em situações de grandes interesses nacionais. Grande parte dos países desenvolvidos

teve um Estado protagonista no desenvolvimento de sistemas nacionais capazes de superar

barreiras tecnológicas aparentemente “inquebráveis”, com exemplos bastante significativos

nos EUA, Alemanha e Japão, bem como nas experiências de industrialização recente dos

países asiáticos.

Não se nega aqui a importância da iniciativa privada, ao contrário, acredita-se que

é preciso haver uma forte interação público-privada para desenvolvimento de projetos

tecnológicos, conjugando um sistema simbiótico de inovação em que o setor privado trabalhe

com o Estado e reconheça sua importância, ao invés de um sistema parasitário no qual a

iniciativa privada se aproveita dos benefícios do Estado e alimenta um discurso de repúdio ao

mesmo (MAZZUCATTO, 2011).46

É preciso, portanto, reconhecer que a Pesquisa e Desenvolvimento (P&D)

empregado pelas empresas é uma parte importante das transformações tecnológicas, mas não

é seu único determinante: o P&D empresarial está embebido em estruturas muito maiores

determinadas pela configuração do sistema nacional de inovação do qual faz parte.

46 Mazzucato reafirma que é preciso saber qual a contribuição do setor privado e do setor público. Existe um

discurso dominante de que o setor público pode, no máximo, incentivar inovações que seriam realizadas somente

pelo setor privado. Todavia, segundo a autora, essa visão ignora os inúmeros exemplos históricos em que o a

força principal veio no Estado. A falta de entendimento desses fenômenos afeta as parcerias público-privadas

que podem ocasionar uma relação parasitária entre o Estado e o setor privado tornando os sistemas de inovações

menos eficientes (MAZZUCATO, 2011, p. 256).

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A partir desses elementos, é interessante elencar alguns exemplos históricos da

importância de um sistema nacional de inovação para a superação de barreiras tecnológicas e

institucionais.

Os Estados Unidos têm uma história marcada pela presença de um Estado líder de

projetos de desenvolvimento, desempenhando um papel preponderante no desenvolvimento

nacional tecnológico, desde a doação de terras para empresas privadas, construção de

rodovias até suporte financeiro à pesquisa agrícola no século XX, mobilização de recursos ao

desenvolvimento e auxílio à indústria aeronáutica, espacial, entre outras. A P&D pública

estadunidense foi ainda responsável pelo financiamento da ciência pura, da indústria

farmacêutica e mais recentemente da nanotecnologia, biotecnologia e energia limpa

(MAZZUCATO, 2011).

Mowery e Rosemberg (2005) destacam as mudanças estruturais do sistema de P&D

americano que possibilitaram a institucionalização da inovação no país no século XX. Os

desenvolvimentos em várias áreas do conhecimento são atribuídos à rápida exploração das

firmas norte-americanas da “invenção da arte de inventar”, mas também aos papéis

fundamentais da indústria, do governo e das universidades como financiadoras e realizadoras

do P&D.

Os autores ressaltam que o papel das despesas federais nos períodos de guerra e

fora deles, alocando recursos e pesquisa através de suas agências e departamentos, foi de

extrema importância. O governo americano promoveu, pós II Guerra Mundial, massivos

investimentos públicos em instituições públicas de ensino superior. De 1953 a 1996, a

pesquisa básica realizada por universidades e centros de P&D financiados pelo governo saiu

de um terço para 61% do total (MOWERY; ROSEMBERG, 2005, p. 43).

Um dos grandes exemplos recentes da importância do Estado norte-americano na

formação do sistema nacional de inovação é o Silicon Valley, que se beneficiou do surgimento

da internet, desenvolvida pelo Departamento de Defesa americano (ARPANET) no período

da guerra-fria. O conjunto de gastos federais incentivaram parcerias universidade-indústria e

serviram de demanda para um conjunto de novas tecnologias.47

47 Mazzucato (2011) expõe quatro grandes iniciativas de ação do Estado como empreendedor inovador nos

Estados Unidos: DARPA (Agência de Projetos de Pesquisas Avançadas), que além de financiar a ciência básica,

direciona recursos para áreas específicas, cria novas oportunidades, intermedia a relação entre agentes públicos e

privados e facilita a comercialização de tecnologias desenvolvidas. Essa agência teve papel fundamental na

indústria de informática nos anos 1960 e 1970; SBIR (Programa de Pesquisa para Inovação em Pequenas

Empresas), um decreto de 1982 que exigia que as agências do governo que auferiam de grandes recursos para

pesquisa, destinassem uma parte desses recursos para apoio à pequenas empresas; a Orphan Drug Iniciative

(1983), que incluía incentivos fiscais, subsídios clínicos e também em Pesquisa e Desenvolvimento, bem como

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Dos grandes exemplos que temos da atuação do Estado podemos citar também o

caso japonês como um dos mais impressionantes do século XX. Vários estudiosos atribuem o

sucesso de desenvolvimento japonês a três pilares: ao Ministério da Indústria e Comércio

Internacional (MICI), à academia e ao P&D empresarial (CHANG, 2013; EVANS, 2004

FREEMAN, 1995). O sucesso do Japão em meados do século XX não está somente ligado à

quantidade impressionante de P&D empregado pelas empresas e centros de pesquisa

japoneses,48 mas à orientação desse P&D dada pelo Estado caracterizando um sistema

nacional de inovação voltado para o desenvolvimento de setores importantes, como a

microeletrônica.

Segundo Freeman (1995), um exemplo de que fatores institucionais influenciam

inovação, sua difusão e ganhos de produtividade tanto quanto o montante de P&D (ou mais)

vem da comparação dos sistemas nacionais de inovação japonês e soviético nos anos 1970.

Enquanto a relação de Despesas Internas Brutas em P&D em relação a Produto Interno Bruto

(PIB) soviético era de 4% (nível considerado bastante alto), essa relação para o Japão era de

2,5%. Isso não garantia à União Soviética um crescimento tecnológico sustentável no longo-

prazo. Essa diferença seria explicada, segundo o autor, por fatores institucionais como:

direcionamento da P&D pelo Estado; nível de integração desse P&D com a produção e

importação de tecnologia no nível da firma; relações entre os produtores e usuários das

tecnologias, bem como das empresas subcontratadas; do grau de incentivo para as firmas

inovarem, não só tecnologicamente, mas em gerenciamento e em pessoal e a experiência

proveniente da competição em mercados internacionais.

Vários autores destacam também o papel relevante das políticas públicas na

transformação de economias de industrialização recente (EIR’s) – Coréia do Sul, Taiwan,

Cingapura e Hong Kong – moldando o processo de progresso tecnológico desses países. De

maneira geral eles contaram com amplos incentivos do governo como proteção de indústrias

específicas e direcionamento de investimentos. Especialmente em relação à Coréia do Sul, o

governo foi responsável por grande parte das decisões de investimento, pelo controle de

mercado e proteção que favoreceram firmas estratégicas, deixando “os preços relativos no

direitos de comercialização para medicamentos desenvolvidos para o tratamento de doenças raras; por fim, a

Nanotechnology Iniciative, criada no final da década de 1990, foi uma atuação de várias agências

governamentais para a dinamização o que se esperava ser a grande revolução tecnológica após a internet, a

nanotecnologia. 48 Segundo Freeman (1995), o salto em P&D dado pelo Japão em relação aos EUA foi bastante significativo. Em

1970, o Japão ultrapassou os EUA em despesas industriais em P&D como proporção do produto industrial civil

líquido, e o total de despesas internas em P&D japonês em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) ultrapassou o

dos EUA em 1980.

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lugar errado”, política que possibilitou o desenvolvimento tecnológico do país (CHANG,

2013; KIM; NELSON, 2005 AMSDEN, 1989).

O papel do Estado, especialmente no que tange à inovação, tem se mostrado

muito mais importante do que querem os economistas, políticos e especialistas advogados do

livre-mercado. A história apresenta em muitos momentos um “Estado empreendedor”, que

assume a etapa de alto risco e incerteza dos novos investimentos, anteriormente inclusive à

ação da iniciativa privada. As áreas de mais alto risco, intensivas em tecnologia e capital, são

tipicamente evitadas pela iniciativa privada – especialmente em suas etapas mais iniciais de

desenvolvimento – sendo necessário o financiamento e a visão de longo prazo do setor

público (MAZZUCATTO, 2011).

O tipo de Estado presente nos exemplos apresentados de rompimento de barreiras

tecnológicas, especialmente no século XX, é denominado pelos autores citados de “Estado

Desenvolvimentista”, nomenclatura responsável há décadas por muitos debates e

controvérsias e cujo entendimento e definição passam pela necessidade latente de atualização

às demandas sociais e econômicas contemporâneas.49 O termo “Estado Desenvolvimentista”

não é só usado para denominar o tipo de Estado presente na industrialização dos países

centrais, mas especialmente para indicar o “mecanismo essencial” que reúne as políticas

necessárias para a superação do subdesenvolvimento na periferia do sistema (FONSECA,

2014, p. 4). Outra nomenclatura mais contemporânea e mais voltada à inovação é o “Estado

Empreendedor” cunhado por Mazzucato (2011), utilizado pela autora para caracterizar um

tipo de Estado que não somente tem a disposição de liderar iniciativas de alto risco (como a

transição energética), mas que mantém o apoio a tecnologias novas e transitórias até que a

indústria apossa “amadurecer” e competir com as tecnologias existentes (como os

combustíveis fósseis).

O Estado desenvolvimentista ou empreendedor deve ser capaz, em linhas gerais,

de i) coordenar a ação dos agentes privados para viabilizar financiamento e permitir a

realização de investimentos; ii) deve ter “visão de futuro” ou uma “estratégia de

desenvolvimento nacional”; iii) deve construir instituições com intuito de promover um

ambiente favorável ao desenvolvimento e sua manutenção através de “veículos institucionais”

e iv) deve saber administrar conflitos que estão na essência do processo de desenvolvimento

por sempre envolver ganhadores e perdedores (CHANG, 1999).

49 Para aprofundamento do conceito de desenvolvimentismo e Estado desenvolvimentista ler Fonseca (2014).

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Mais especificamente, segundo Fonseca (2014), um possível núcleo comum das

diversas definições de “desenvolvimentismo” ou de um “Estado desenvolvimentista” passa

pela existência de um projeto nacional, pela intervenção consciente e deliberada do Estado

com o intuito de atingir esse projeto nacional e pela industrialização como caminho para

acelerar esse processo por meio do aumento da produtividade e difusão do progresso técnico.

O presente trabalho empresta desse núcleo comum especialmente as duas

primeiras características e requalifica a terceira. Acredita-se que, assim como o desenho de

um projeto nacional bem delineado conduzido pela intervenção do Estado foi fundamental

para promover as transformações produtivas e/ou tecnológicas necessárias para a promoção

do desenvolvimento em economias avançadas, a promoção de um desenvolvimento

sustentável que é um “desenvolvimento que satisfaz as necessidades da geração corrente sem

comprometer a capacidade das futuras gerações a fazer o mesmo” (WCED, 1987, p. 47)

exigirá essas condições. Exigirá porque o desenvolvimento sustentável, que tem como

condição sine qua non a descarbonização da economia, tem pela frente grandes barreiras

construídas pela queima de combustíveis fósseis; barreiras perpetuadas pelos retornos

crescentes envolvidos com essas atividades e que não desaparecerão no tempo necessário

pelas mãos do business as usual. É preciso, portanto, a intervenção do Estado não somente

guiando investimentos em direção à descarbonização, mas promovendo um “plano nacional”

em que esse objetivo faça parte de um projeto de desenvolvimento econômico.

Ainda é preciso qualificar que esse desenvolvimento sustentável que está sendo

considerado não está de acordo com o padrão de desenvolvimento correntemente presente nas

economias avançadas e muitas vezes vislumbrado pelos países em desenvolvimento. Esse

padrão de desenvolvimento atual foi construído e continua sendo sob o uso intensivo de

combustíveis fósseis e é preciso lembrar que as experiências consideradas

“desenvolvimentistas” não se preocuparam muito com um desenvolvimento sustentável no

sentido ambiental. Por isso, a terceira característica, “a industrialização” precisa ser

requalificada (questão discutida na seção 2.3). Assim, entender o papel do Estado na transição

energética para a descarbonização passa também por rediscutir qual o desenvolvimento

desejado.

Debater qual é a forma de desenvolvimento desejável, todavia, não é o objetivo

principal desse trabalho, mas é impossível não sinalizar algumas discussões presentes. Como

afirmado, em 1972, Meadows et al. apresentavam ao mundo um trabalho projetivo, The

Limits to Growth, que atestava a insustentabilidade do crescimento econômico mediante o

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padrão de crescimento corrente. Segundo esse trabalho, a escassez de recursos naturais e a

degradação do meio ambiente seriam os principais limitadores do crescimento econômico e os

avanços tecnológicos não seriam capazes de frear as pressões ambientais decorrentes da ação

humana (CORAZZA, 2005). Esse trabalho deu origem à uma polarização do debate entre

otimistas e pessimistas tecnológicos.

Limits to Growth trouxe à tona a discussão acerca do meio ambiente, mas sofreu,

é claro, várias críticas à construção de seu modelo dado que a principal conclusão era a

necessidade de crescimento zero. Na época, a discussão foi muito direcionada pelas respostas

dos pesquisadores da Science Policy Research Unit (SPRU) especialmente representada por

Christofher Freeman que frisavam a possibilidade de escolhas inteligentes para evitar o

cenário catastrófico do modelo de Meadows et al. através do avanço tecnológico. O modelo

do MIT suscitou, como discutido, críticas de pensadores latino-americanos como Herrera et

al. (1976) que apontavam que as hipóteses do modelo World 3 tinham consequências muito

graves para os países em desenvolvimento, dado que sua análise não considerava que o

principal problema da humanidade era a presença de distúrbios sociopolíticos que levavam a

distribuição desigual do poder entre e dentro das nações, prejudicando especialmente parcela

mais pobre da população e não os limites de recursos

Em 1973, em meio ao alvoroço do debate ambientalista, Furtado (1974) também

deu sua contribuição, afirmando em O mito do desenvolvimento econômico que o

desenvolvimento econômico nos moldes dos países avançados não podia ser uma realidade

para os países do Terceiro Mundo e que a generalização desse padrão, como supunha a equipe

do MIT era fisicamente impossível. Mais preocupado em discutir o subdesenvolvimento do

que a questão ambiental, Furtado apresenta uma de suas mais interessantes teses: o

desenvolvimento econômico é um mito, pois existe um limite de recursos naturais não

renováveis que impede que a população da periferia do mundo tenha o mesmo padrão

produtivo e de consumo do centro. Esse limite físico real impediria que catástrofes ambientais

– como as previstas em Limits to Growth – acontecessem.

A partir da tese de Furtado, podem-se fazer duas constatações principais: i) a

afirmação de Furtado quanto à impossibilidade do desenvolvimento nos moldes das

economias avançadas para todo o resto do globo continua sendo uma verdade e ii) não só o

esse modelo de desenvolvimento não é possível para todos, como as evidências hoje presentes

demonstram que esse padrão não será mais possível como um todo, como já apresentado

anteriormente.

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Mediante essas conclusões, entender como possibilitar a melhora dos padrões de

vida os países menos desenvolvidos aliando a questão ambiental é um grande desafio.

A resposta não é facilmente encontrada e parece ser mais difícil de ser respondida

do que nos anos 1970. Saes e Miyamoto (2012) afirmam que a polarização presente nos 1970

entre otimistas e pessimistas tecnológicos se apresenta hoje menor do que antes, isso porque

há a percepção de que as que as questões são muito mais complexas do que ambos os grupos

imaginavam. As divergências entre a SPRU e o MIT continuam, mas os pesquisadores de

Sussex tem cada vez mais percebido a necessidade do aprofundamento das questões

ambientais e de um novo paradigma que os solucione e os pesquisadores do MIT têm

admitido que se posicionar contra ou a favor do crescimento econômico não é uma postura

suficiente para evitar a catástrofe que seus modelos preveem, já que a complexidade da

questão exige soluções mais elaboradas e as desigualdades substanciais entre os países do

globo não permitem que somente o controle de índices de crescimento ou eficiência possam

ser apresentados como resposta.

2.3 O Sistema de Inovação Sustentável e o Sistema Político de Transição Energética

Um dos grandes desafios da atualidade e das gerações futuras é a promoção de um

desenvolvimento sustentável. Esse desafio tem como um dos principais espaços de ação a

questão energética, mais especificamente a transformação da matriz energética atual. A

infraestrutura energética atual, bastante consolidada, traz altos custos irrecuperáveis e grande

dificuldade de florescimento de alternativas mais sustentáveis, como se ressaltou

anteriormente. Portanto, não é necessário somente suporte às novas tecnologias e empresas

que desejem desenvolver projetos inovadores na área, mas a criação de mercado e apoio na

competição em mercados já existente (HOPKINS; LAZONICK, 2012).

O presente trabalho defende que o papel do Estado deve ser transformado de

modo a entender que não há desenvolvimento quando se ignora a questão ambiental. E que,

dificilmente, a busca por resoluções ou ao menos mitigações dos problemas ambientais se

dará sem um Estado capaz de reunir, regulamentar e coordenar as ações em prol desse

desenvolvimento mais sustentável.

A história tem nos mostrado que transformações sociais e tecnológicas profundas

raramente se dão por forças automáticas do mercado, tendo o Estado um papel vital nesses

processos. A transição em direção a uma economia de baixo-carbono infelizmente não se dará

de maneira automática de acordo com as necessidades do ambiente econômico. Caso o

mercado fosse capaz de incorporar em suas análises os riscos embutidos na continuidade de

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um padrão de produção e consumo nos moldes atuais, as dezenas de previsões e evidências

científicas quanto à degradação do meio-ambiente já seriam suficientes para promover as

mudanças.

Assim, limitar a ação das políticas públicas às externalidades negativas causadas

pela ação antropogênica no meio ambiente parece não ser o caminho ideal. Quando se trata de

questões em que o retorno social sobre o investimento é maior do que o retorno privado, é

muito difícil esperar que a iniciativa privada sozinha busque soluções.

Entretanto, esperar que o Estado aja somente sobre essas “falhas de mercado”,

seja tentando mitigar os efeitos no estilo end of pipe50 ou apenas financiando pesquisa básica

de forma difusa não levará a uma transformação profunda. Considera-se que o papel do

Estado pode e deve ser maior do que isso, especialmente na questão ambiental em que “o

Estado pode agir como força de inovação e mudança, não apenas reduzindo o risco

econômico para os atores privados avessos ao risco, mas também audaciosamente liderando

[...]” (MAZZUCATO, 2011, p. 3).

A corrente convencional geralmente desencoraja o investimento público por se

basear na tese de que ele impede que o investimento privado seja realizado (crowding-out

system).51 Todavia, no presente caso, existem muitos riscos no cenário econômico que os

negócios não estão dispostos a assumir. Quando o risco é muito elevado, mas a não ação afeta

profundamente o bem-estar social, como na questão ambiental, cabe ao Estado agir, mesmo

em momento de plena utilização da capacidade (ou de não-crise). Portanto, mesmo que a

teoria de crowding-out seja válida, apenas resolver falhas de mercado não é uma opção em

situações de incerteza muito elevada, que impossibilite qualquer ação substancial do mercado.

As in the early stage of IT, biotech and nanotech industries, there is little indication

that the business sector alone would enter the new ‘green’ sector and drive it

forward in the absence of strong and active government policy (MAZZUCATO,

2011, p. 9).

Após a Conferência do Clima de Paris (COP21) (NAÇÕES UNIDAS, 2015), em

que os Estados se comprometeram com metas mais duras de combate às mudanças climáticas

e promoção de energia limpa, grandes corporações anunciaram projetos de desinvestimento

50 Políticas que buscam reduzir os efeitos poluidores no final da cadeia, como por exemplo, filtrar a fumaça de

uma chaminé, sem, entretanto, dar um salto qualitativo resolvendo a raiz daquela poluição. 51 Esse argumento teórico afirma que o aumento dos gastos públicos diminue o incentivo de investimento da

iniciativa privada. Isso porque o setor privado disputaria o mesmo montante de poupança (empréstimos) e uma

maior quantidade de empréstimos do Estado poderia resultar em uma maior taxa de juros, reduzindo a disposição

do setor privado em tomar emprestado e, portanto, investir.

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em energias fósseis, ações de grandes petroleiras despencaram, entre outros fatores que só

seriam possíveis mediante o comprometimento oficial dos governos com políticas de

descarbonização da economia. É claro que não se pode esperar que daqui para frente essas

transformações sejam facilmente realizadas, mas a sinalização dos governos e a cooperação

internacional é fundamental para que essas ações se mantenham. Isso nem deveria ser

diferente, já que as empresas movem suas decisões de investimento e/ou desinvestimento pelo

cálculo de rentabilidade futura dentro de um patamar aceitável de risco.52

Não se pode, todavia, ter uma visão ingênua da capacidade de ação do Estado.

Segundo Dardot e Laval (2016) a predominância da governamentalidade neoliberal veio

acompanhada de um intenso processo de financeirização da economia, resultante do conjunto

de mudanças da relação entre o setor financeiro e o setor real da economia, ganhando a esfera

financeira cada vez maior destaque. Esse processo vem transformando a capacidade de ação

do Estado, bem como facilitando a seu cooptação por interesses financeiros e essa condição

não foi transformada pela crise de 2008 como esperavam muitos economistas.

Marques Filho (2016) tem uma visão bastante cética da capacidade dos Estados

conseguirem promover as transformações necessárias para evitar um colapso ambiental. Ele

nos lembra de que as condições que permitiram a presença de um Estado com “senso público”

no século XIX e XX – capazes de aprovar leis trabalhistas e ambientais mediante a pressão de

movimento sociais e ambientais – não estão mais postas atualmente.

Segundo Marques Filho (2016) o Estado como “mediador da dinâmica conflituosa

da sociedade” existia a partir uma diferença de identidade entre Estado e corporações que,

desde os anos 1980, vem desaparecendo a passos largos, processo corroborado ainda por três

grandes fatores: i) a maior mobilidade do capital e mercadorias, o que diminui a capacidade

de movimentos ambientais e sociais influenciarem as políticas públicas; ii) a defesa de que o

déficit fiscal e endividamento público dos Estados devem constantemente serem limitados,

que constrangem sua capacidade de investimento e subordina suas políticas à lógica de

mercado; iii) o sistema político tornou-se mais dependente de recursos das grandes

corporações, como o financiamento de campanhas. O Estado seria então um Estado-

corporativo, “de modo que se torna por vezes impossível precisar onde termina o Estado e

52 Novamente fazendo referência à saída dos EUA do Acordo de Paris, existe uma grande preocupação se o

Acordo conseguirá se manter de pé sem o apoio da 2ª maior economia do mundo. Todavia, a divisão política

presente hoje nos EUA pode agir em favor do Acordo, pois nem todos os americanos e seus representantes

federais e municipais parecem concordar com o atual presidente Trump e algumas cidades e Estados estão

declarando apoio individual ao Acordo. Informação disponível em:

<https://www.nytimes.com/2017/06/01/climate/american-cities-climate-standards.html>. Acesso em: 12 ago.

2017.

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onde começa o grande capital corporativo” e “os Estados não têm mais o poder, nem o

interesse e nem mesmo a percepção de que lhes caberia agir como poder público, em nome da

preservação do mais universal dos bens – o patrimônio natural [...]” (MARQUES FILHO,

2016, p. 33-38).

Essas constatações pertinentes de Marques provocam um debate mais realista dos

limites impostos ao Estado atualmente na atuação de qualquer transformação social e

ambiental. Sem desconsiderar essas limitações, observa-se que a urgência das transformações

necessárias exige uma organização das políticas públicas em direção à questão ambiental.

Alternativas à organização da sociedade atual e do sistema econômico, como propõe

Marques, podem levar mais tempo do que a resiliência53 do meio-ambiente pode suportar.

Mas se as políticas públicas são fundamentais para a promoção de uma economia

de baixo-carbono, quais os desenhos de políticas são necessários para que os objetivos, como

a transição energética, sejam atingidos?

Para responder essa questão, primeiramente precisamos fazer um breve

comparativo com os projetos históricos de desenvolvimento e transformação industrial e

tecnológica que citamos para defender a importância das políticas públicas orientadas para um

fim específico.

Retomando as décadas de 1950-60, temos os mission-oriented projects, que

consistiam em grandes projetos coordenados pelo Estado com o intuito de atingir objetivos

públicos. Esses grandes projetos – por exemplo, a defesa nuclear, programas aeroespaciais,

segurança energética, etc. – tinham o objetivo de desenvolver tecnologias novas em setores

específicos, mesmo que sua difusão afetasse um grande número de setores através dos efeitos

pervasivos dessas tecnologias. Ao contrário, os projetos ambientais precisam ser mais

abrangentes, incluindo muitos atores e setores diversos da sociedade, ou seja, requer uma

abordagem de políticas sistêmicas. Seu controle também é diferenciado dos projetos antigos.

O Estado continua coordenando os novos objetivos, mas as decisões devem ser feitas em

conjunto com uma ampla gama de interessados, bem como os resultados devem ser acessíveis

a toda a sociedade (FREEMAN, 1996, p. 36).

53 Todos os ecossistemas são submetidos às mudanças climáticas graduais e a natureza geralmente absorve essas

mudanças de maneira “suave”. Entretanto, a resiliência, ou seja, a capacidade de um ecossistema permanecer em

um estado estacionário mediante choques é limitada. Estudos científicos têm constatado que a capacidade da

Terra absorver as mudanças abruptas consequentes da mudança climática acelerada pode estar próxima do fim.

A analogia que pode ser feita é com um rio em processos de assoreamento. Quando sedimentos se acumulam no

fundo de um rio por falta de uma mata ciliar protetora, esse processo, com o tempo, levará a formação de bancos

de areia até que em algum momento a água escorrerá para fora. A resiliência faz com que o estado estacionário

permaneça, mas não de forma infinita, dado que a cada adaptação do ambiente, a capacidade futura diminui

(SCHEFFER et al., 2001).

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O quadro a seguir, retirado de Freeman (1996, p. 37) faz um comparativo entre as

antigas e as novas necessidades dos mission-oriented projects:

Quadro 1-Comparação entre os projetos orientados para uma missão, antigos e novos

Antigos: defesa, nuclear e aeroespacial Novos: tecnologias ambientais

Definição

A missão é definida em termos do número e

dos tipos de resultados técnicos, sem muita

preocupação com sua viabilidade

econômica.

A missão é definida em termos de

soluções técnicas economicamente

viáveis, relativas a problemas

ambientes específicos.

Agentes

Os objetivos e a direção do

desenvolvimento tecnológico pretendido

são previamente definidos por um pequeno

grupo de especialistas

A direção da mudança técnica é

influenciada por uma ampla gama de

agentes, incluindo governos, firmas

privadas e grupos consumidores.

Controle Controles centralizados dentro de uma

administração governamental

Controle descentralizado, com um

grande número de agentes envolvidos.

Difusão das ideias

Difusão dos resultados fora do núcleo de

participantes é de menor importância ou

ativamente desencorajada.

A difusão dos resultados constitui um

objetivo central e é ativamente

encorajada

Grupos

participantes

Apenas um pequeno grupo de firmas pode

participar, devido à ênfase no pequeno

número de tecnologias fundamentais.

Dá-se ênfase ao desenvolvimento de

inovações tanto radicais como

incrementais a fim de permitir a

participação de um grande número de

firmas.

Desenhos das

políticas

Projetos autocontidos, com pouca

necessidade de políticas complementares e

escassa atenção prestada à coerência.

As políticas complementares são vitais

ao sucesso e muita atenção é prestada

à coerência com relação a outros

objetivos.

Fonte: Freeman (1996).

Os novos projetos necessitam criar um ambiente favorável para o

desenvolvimento de alternativas energéticas de baixo-carbono e para isso é necessário a

construção de um sistema de inovação sustentável, ou seja, que favoreça inovações

tecnológicas e institucionais que direcionem o sistema para o uso apropriado dos recursos

ambientais, respeitando seus limites e gerando justiça social. Esses novos sistemas de

inovação precisam conciliar, portanto, a busca por inovações e as questões ambientais.

Geralmente, essas duas questões fazem parte de sistemas distintos, baseados em distintas

análises, tipos de políticas e diferentes racionalidades de intervenção política. O desafio que

se coloca é pensar as políticas públicas de inovação voltadas para atingir objetivos ambientais

(FOXON, ; PEARSON, 2008).

A racionalidade que envolve a intervenção pública em questões ambientais está,

na maioria das vezes, relacionada a duas “falhas de mercado” que, grosso modo, envolvem a

não disponibilidade das firmas em investirem no desenvolvimento de conhecimento com

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retorno social maior que privado e na tentativa de “internalizar” os impactos ambientais não

precificados na economia (as externalidades negativas).

Essa abordagem desconsidera, em primeira instância, a inter-relação entre as duas

esferas, ou seja, desconsidera a relação tecnológico-institucional que envolve as decisões das

empresas e que estão dentro de um lock-in tecno-institucional, como discutido. Como

consequência, essas duas “falhas” são, em grande parte das vezes, combatidas por políticas

públicas distintas – ou voltadas à inovação ou voltadas às políticas ambientais (FOXON;

PEARSON, 2008).

Além dessa separação, essa abordagem considera “linear” o ambiente de

inovação, dando origem a políticas limitadas a incentivar o P&D em tecnologias limpas,

enquanto espera que isso seja suficiente para que elas cheguem ao mercado. Também o foco

limitado às externalidades negativas estreita as ações, geralmente estimulando ações

adaptativas das firmas (como políticas do tipo end-of-pipe) ou favorecendo somente

tecnologias que já estão próximas de um estado de comercialização, não permitindo o

florescimento ou desenvolvimento de um maior leque de alternativas (FREEMAN, 1996).

Parece, assim, uma alternativa interessante aliar a ideia de sistemas nacionais de

inovação, apresentada anteriormente, com a necessidade de promover a inovação sustentável.

Essa conciliação resultaria na criação de um regime político de inovação sustentável

(FOXON; PEARSON, 2008). Por meio dela, a concepção da complexidade do processo de

inovação – levando em conta sua dinâmica não-linear e incerta – seria contemplada no projeto

de transição para uma economia de baixo-carbono.

Apesar de recente, essa ideia de um regime político de inovação sustentável vem

obtendo algum desenho teórico nos últimos anos, sendo construída simultaneamente com

algumas experiências de busca pela transição energética. Foxon e Pearson (2008) apontam,

através das experiências de alguns países, especialmente a Alemanha, Nova Zelândia e Reino

Unido o que pode ou não caracterizar esse regime. As constatações quanto ao regime político

de inovação podem ser resumidas, por ora, em termos gerais, nos seguintes elementos:54

1) Possui o objetivo explícito de promover inovação sustentável. Isso exige a

construção de conhecimento em inovações e políticas públicas sistêmicas,

dentro de um processo dinâmico em que a incerteza deve ser enfrentada e não

se tornar uma desculpa para a inação. Para isso, a formulação de metas claras e

de longo-prazo pelos policy-makers é essencial;

54 Esse “guia” geral dos sistemas nacionais de inovação sustentável foi retirado de Foxon e Pearson (2008).

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2) Busca promover mudanças sistêmicas nas tecnologias, sistemas institucionais e

sociais correntes a fim de permitir que metas de longo-prazo sejam atingidas e

não barradas pelo lock-in do carbono.

3) Há necessidade da presença de um mix de instrumentos políticos que possam

permitir a paciência necessária para o desenvolvimento de novas tecnologias

que vão desde instrumentos de mercado (taxas, licenças negociáveis) para

internalizar as externalidades ambientais, o incentivo ao desenvolvimento

científico de alternativas de baixo-carbono (contratos de P&D, etc.) até a

criação de nichos de mercado55 para que as novas tecnologias tenham tempo

hábil de se desenvolverem e reduzirem seus custos para competirem com as já

estabelecidas.

A existência de metas claras e de longo-prazo é o primeiro grande passo de um

sistema de que se pretende promover uma transição sustentável. Essas metas devem ser

guiadas por avaliações de custos e benefícios econômicos, sociais e ambientais, bem como

estudos sobre o desenvolvimento tecnológico e de institucional necessários para que as metas

colocadas sejam atingidas. Entretanto, devido à incerteza inerente a esse processo, a

formulação de metas deve ter também um forte componente participativo e deliberado das

políticas públicas, como visto.

A complexidade da transição para regimes mais sustentáveis exige também que a

abordagem de políticas seja sistêmica. No lugar da estratégia de “falhas de mercado” a

intervenção pública deve ser baseada nas “falhas sistêmicas”, isto é, a identificação de

barreiras sistêmicas à transição em que o governo deve atuar. Foxon e Pearson (2008, p. 157)

identificam quatro delas: i) falhas de infraestrutura, provisão e investimento que se referem às

infraestruturas que são embebidas de grande incerteza e longos períodos de operação

impossibilitando o provimento de investimentos privados, como por exemplo, a infraestrutura

energética e de comunicação, de ciência e tecnologia (universidades, centros de pesquisa e

agências regulatórias) que exigem a intervenção e investimento público para seu provimento;

ii) falhas de transição que fazem referência às dificuldades das firmas existentes em

responder à mudança tecnológica (mudança de padrão de demanda ou grandes alterações de

regimes e paradigmas tecnológicos) que necessitam de políticas públicas para ajudar as

55 Alguns estudiosos da transição energética de baixo-carbono como Foxon e Pearson (2008) acreditam que a

criação de nichos de mercado é a principal medida para possibilitar a transição. Política que será discutida

adiante.

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empresas a promover as transformações e/ou incentivar e criar mercado para novos entrantes;

iii) falhas de lock-in que aprisiona o sistema em tecnologias estabelecidas e impede que novas

tecnologias concorram, o que exige um gama de incentivos públicos para as novas tecnologias

e novos sistemas tecnológicos a fim de romper essas barreiras; iv) falhas institucionais que

também fazem parte do lock-in tecnológico e representam o conjunto de instituições públicas,

sistemas regulatórios e políticos que impõem barreiras às novas tecnologias.

Para endereçar essas falhas, é necessário um conjunto de políticas que possam não

somente promover aprendizado das novas tecnologias, mas criar redes de conhecimento e

expectativas futuras positivas de mercado (FOXON; PEARSON, 2008). O ponto 3, das

características de um Sistema Nacional de Inovação Sustentável pode ser aprofundado pela

necessidade de uma estratégia industrial de baixo-carbono, ou seja, dentro desse sistema, há a

necessidade de “um conjunto de ideias que influenciam o formato e a construção de políticas

relacionadas à produção e ao consumo” (BUSCH; FOXON; TAYLOR, 2017, p. 7). Esse

grande conjunto de ideias chamado “estratégia industrial” depende da maneira como o papel

do Estado é construída, como trabalhado em seção anterior, e é constituído pelas políticas

industriais que descrevem as formas específicas de intervenção que o governo deve utilizar

para adotar tal estratégia.

A estratégia industrial de baixo-carbono deve conter um conjunto de objetivos

estratégicos concernentes à redução das emissões, ao interesse público (desenvolvimento

econômico, bem-estar social), bem como indicar e/ou escolher tipos de atividades econômicas

que são tidas como fundamentais para os objetivos estabelecidos. A estratégia industrial de

baixo-carbono deve criar e moldar mercados, ou seja, o papel do governo em identificar e

ajudar na identificação de setores industrial chaves no processo de transição dada a

consideração de que a mudança tecnológica não é automática, é o primeiro passo

fundamental.

As políticas industriais presentes no sistema nacional de inovação sustentável

devem ser desenhadas a partir de um projeto orientado para uma missão como afirmado por

Freeman (1996) e devem fazer parte de um conjunto de políticas diretamente desenhadas para

o desenvolvimento de novos mercados (desde seu desenvolvimento científico até a sua

difusão), mas também capazes de regulamentar mercados existentes e emergentes. Dividiu-se

aqui essas políticas, grosso modo, em políticas de demanda e oferta. A próxima seção buscou

listar alguns exemplos de políticas existentes.

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2.3.1 Políticas Públicas para a Transição Energética

Antes de analisar duas experiências correntes de transição energética, objeto do

terceiro capítulo, pretende-se identificar na literatura os diversos tipos de instrumentos

políticos que são ou que possam vir a ser utilizados pelas economias que desejam promover

uma transição energética de baixo-carbono. Esses instrumentos serão apresentados aqui de

forma isolada, ou seja, sem levar em conta nesse momento o arranjo sistêmico necessário para

caracterizar um sistema de inovação sustentável. O intuito aqui é analisar os principais

instrumentos conhecidos que possam fazer parte de projetos reais de transição.

As políticas foram divididas em três grandes grupos: políticas de demanda,

políticas de oferta e outras. O agrupamento dessas políticas foi realizado levando-se em conta,

especialmente, se elas atuam sobre o padrão de demanda e tendem a não alterar o padrão

existente ou se atuam especialmente sobre o padrão de oferta, alterando as estruturas

existentes. As demais são políticas que não se encaixam em nenhum os dois grupos

anteriores.

2.3.1.1 Políticas de Demanda

Políticas de demanda foram aqui consideradas o conjunto de políticas públicas

que se utilizam de órgãos reguladores, poder legislativo e/ou instrumentos econômicos para

“moldar” o padrão de demanda de energia. Esse conjunto de políticas não estabelece uma

intervenção direta na oferta de energia, mas estabelece normas energéticas e/ou ambientais

que podem ou não afetar qualitativamente as estruturas ou mesmo se utiliza de taxas,

subsídios e isenções que se encontram no lado da demanda.

Algumas críticas a essas políticas têm origem justamente nessa natureza. Apesar

de fundamentais, elas não se mostram suficientes para a promoção da transição energética

necessária, pois tendem a atuar sobre estruturas já consolidadas, não incentivando mudanças

qualitativas que surgiriam com novas estruturas de baixo-carbono, além de considerar, muitas

vezes, que a mudança virá de um pequeno diferencial de custos – desconsidera a

complexidade do lock-in do carbono – ou de uma sugestão do Estado ou da comunidade

internacional. Há décadas, milhares de políticas energéticas de demanda vêm sendo

implantadas em vários países, partindo da tese principal de que elas seriam suficientes para

“empurrar” a iniciativa privada para novos investimentos mais limpos.

Muitos [...] esquecem que até que as turbinas e painéis solares fotovoltaicos possam

produzir energia a um custo igual ou inferior ao dos combustíveis fósseis,

provavelmente continuarão a ser tecnologias marginais que não conseguem acelerar

a transição necessária para aliviar a mudança no clima [...] O apoio do Estado para

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as energias limpas deve continuar até que elas superem a vantagem dos custos

irrecuperáveis das tecnologias existentes, e em alguns casos esses custos

irrecuperáveis levam um século. (MAZZUCATO, 2011, p. 159).

Consideradas suas limitações, as políticas de demanda atuam de forma

complementar às demais políticas – especialmente as de oferta – tendo um caráter

fundamental nesse processo, sendo importantes para estabelecer uma direção tecnológica.

Os sub-grupos de políticas de demanda destacados aqui atuam basicamente em

duas frentes: normas e leis que afetam indiretamente o portfólio de produção das empresas de

energia; instrumentos econômicos que afetam, especialmente, a demanda secundária e final de

energia (leia-se a eficiência energética e o consumo de energia final por produtores e

consumidores finais).

Os principais tipos de políticas indiretas/ regulatórias são as seguintes:

1) Metas de redução de gases do efeito-estufa

São metas estabelecidas por cada país (ou por um bloco deles, como a União

Europeia) que se comprometem com a redução das emissões nacionais de

gases do efeito-estufa. Geralmente, essas metas estão alinhadas com grandes

negociações e acordos internacionais como o Protocolo de Quioto e, mais

recentemente, o Acordo de Paris. São fundamentais para sinalizar aos agentes

a direção das políticas nacionais e internacionais no médio e longo-prazo e

são consideradas o ponto de partida das demais políticas. A partir dessas

metas, os países estabelecem ou deveriam estabelecer ações concretas nos

planos nacionais.

2) Sistema de cotas para energias renováveis e metas de capacidade instalada

para energias renováveis

A partir da definição de metas para a redução dos gases do efeito-estufa, as

ações podem ser voltadas para várias frentes, especialmente para o estímulo à

produção de energia renovável. O sistema de cotas para energias renováveis é

um tipo de política que estabelece que um percentual mínimo (que varia de

1% a 20%) de toda a energia comprada pelas concessionárias de energia seja

proveniente de fontes renováveis. As empresas que cumprem essas metas

podem ser certificadas e essas certificações podem ser vendidas para outras

empresas que não conseguiram atingir o percentual mínimo.

Esse tipo de política tem sido largamente utilizado na Europa e nos Estados

Unidos e tem suscitado algumas críticas que provêm de sua natureza. A

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determinação de um percentual mínimo não estimula, necessariamente, a

mudança qualitativa da infraestrutura energética e acaba, muitas vezes, se

aproveitando de tecnologias renováveis já comercialmente mais avançadas,

não promovendo avanços em outras possibilidades tecnológicas (FOXON;

PEARSON, 2008).

Além dos sistemas de cotas, cabe aos governos traçarem metas, em nível

nacional, para a capacidade instalada de cada energia renovável, como forma

de sinalizar e direcionar os investimentos.

3) Imposto de carbono

O imposto de carbono é uma maneira de “internalizar” os custos não

contabilizados provenientes das externalidades negativas geradas pelo uso de

energia intensiva em carbono. É uma forma de limitar a poluição, cobrando

uma taxa sobre a produção, distribuição ou uso final de combustíveis fósseis

a partir da quantidade de carbono que essa atividade libera na atmosfera. O

Estado decide um preço por tonelada de carbono56 e o converte em imposto

sobre diversas atividades (como o uso de gás natural ou petróleo, ou mesmo

sobre eletricidade gerada por combustíveis fósseis).

Existem grandes benefícios da aplicação de um imposto dessa natureza, como

a redução imediata de emissão, aumento da competitividade de combustíveis

alternativos e previsibilidade econômica, já que, diferentemente das políticas

de limitação e negociação de emissões, o preço da tonelada do carbono não

varia conforme mudanças econômicas e climáticas, dando alguma

previsibilidade maior aos investimentos. Além disso, os recursos arrecadados

pelo governo podem ser direcionados para projetos sustentáveis dos mais

diversos tipos.

Entretanto, alguns inconvenientes podem ocorrer nesse tipo de política.

Apesar de a taxação poder ocorrer em diferentes pontos da produção e do

consumo, esse custo “extra” é direta ou indiretamente repassado ao

consumidor final, o que pode gerar conflitos entre questões ambientais e

consumo de bens e serviços. Além disso, não necessariamente, um imposto

sobre o carbono significa uma mudança qualitativa da infraestrutura

56 O preço da tonelada de carbono varia conforme a fonte (gás natural, carvão, petróleo). Para refletir de maneira

justa os impactos de cada combustível, o preço se baseia em unidades calóricas de BTU, unidade de medida

padronizável e mensurável. O preço seria maior quanto mais “sujo” o combustível.

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energética. Sabe-se que o investimento e o uso de energia fóssil se mantêm

não somente por um diferencial de custos, mas por barreiras institucionais

consolidadas que, em contrapartida, também alimentam custos mais baixos. A

medida seria, assim, uma política complementar a outras ações. Por esse e

outros conflitos, o imposto do carbono não é uma medida amplamente aceita

pelos Estados, sendo sua aplicação causa de diversos debates entre os

especialistas.

4) Metas de intensidade energética

As metas de intensidade energética buscam reduzir a intensidade energética

(IE) – índice que mede a quantidade de energia utilizada para cada dólar do

PIB e promover um melhor uso dos recursos energéticos, como mencionado

no primeiro capítulo. As metas de intensidade energética são, assim como as

metas de redução de emissão de gases, grandes sinalizadores de médio e

longo-prazo da direção buscada pelos governos, mas não funcionam sozinhas,

tendo que desencadear políticas que transformem em realidade as metas

colocadas, como o incentivo a processos e produtos mais eficientes. Dentre

elas estão incentivo do consumo de produtos energeticamente mais eficientes.

Uma maneira de moldar o consumo em direção a padrões mais sustentáveis é

promovendo políticas que levem ao consumidor final a possibilidade de

escolher produtos energeticamente mais eficientes. A rotulagem de produtos

(certificações, selos) que explicitem o consumo de energia dos produtos, bem

como mecanismo fiscais de financiamento e isenção de impostos para esses

produtos podem impulsionar o mercado a produzi-los. Essa é um tipo de

política indireta bastante consolidada e utilizada por vários países, mas que

promove mudanças marginais no padrão de consumo, muito aquém das

transformações qualitativas necessárias.

i. Incentivos à eficiência energética na indústria

Existem alguns mecanismos que podem incentivar a busca pela eficiência

energética nos processos produtivos: auditorias e relatórios de avaliação voltados a

dimensionar os efeitos produtivos de cada firma e apontar as áreas com maiores ganhos

potenciais de eficiência (IEDI, 2011). Nos EUA, o Departamento de Energia (DOE) realiza

esse tipo de procedimentos em setores específicos e tem exercido uma pressão crescente nas

organizações para que se preocupem com os impactos de suas atividades – da produção ao

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pós-consumo – e busquem estabelecer metas de redução do consumo. Essas medidas

geralmente vêm acompanhadas de recompensas para as empresas que cumprirem as metas

e/ou punições para que as não obtiverem êxito.

Outro mecanismo – aplicado na China – é a negociação de incentivos fiscais para

que as empresas consigam atingir metas de eficiência energética, mediante monitoramento

constante das mesmas (e punições bastante severas, no caso chinês).

ii. Promoção de eficiência energética em construções novas e antigas

Dentro das possibilidades de melhoramento da eficiência energética, pode-se

encontrar desde a promoção de construções energeticamente mais eficientes e a adaptação de

edificações antigas para tal propósito. Um dos principais mecanismos para tal objetivo é o uso

de legislação e regulação que estabelecem códigos para obras. Os códigos para obras são leis

que determinam o que deve ser respeitado na elaboração de projetos arquitetônicos e devem

incluir o processo de construção e operação das construções.

Esses códigos envolvem a utilização mais racional de recursos para a construção

(matérias-primas ambientalmente melhores) e, principalmente, a fase de operação das

construções, ou seja, de seu funcionamento. Nessa fase, o foco são tecnologias que diminuam

o gasto com energia ao longo da vida útil das edificações, utilizando de luminosidade natural,

ventilação natural e isolamento térmico, reaproveitando água da chuva, utilizando de sistemas

de energia solar, podendo chegar à autossuficiência de residências (IEDI, 2011).

O sucesso desses códigos depende, especialmente, de duas variáveis: a formação

adequada de arquitetos e engenheiros que entendam a importância dessas modificações e a

força da legislação que estabelece esses códigos. Além desses fatores, outra forma de garantir

os investimentos em eficiência enérgica nas edificações é por meio de isenções e/ou reduções

de impostos para a cadeia de suprimentos de construção e para as edificações. Ademais, esses

incentivos têm o poder de sinalizar ao mercado a direção de novos investimentos na área da

construção (IEDI, 2011).57

Essas adaptações e novas construções mais sustentáveis devem incluir também as

edificações públicas que deve inserir na construção de prédios públicos e licitações padrões

mínimos obrigatórios de eficiência energética.

iii. Estímulo à eficiência energética nos transportes

57 Projetos do tipo podem ser encontrados na França, Espanha, Alemanha, China que estabeleceram incentivos

para o financiamento facilitado de adaptações de edificações antigas em conjunto com incentivos à energias

renováveis e produtos verdes.

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Políticas direcionadas à mobilidade urbana como a priorização do transporte

público e de veículos que utilizam energias mais limpas são essenciais para atingir o objetivo

de eficiência energética.

Dentre os mecanismos possíveis estão a redução de tributação sobre automóveis

com baixos níveis de poluição e/ou tributação sobre os automóveis mais poluidores, nos

moldes do que foi instituído no Japão desde 2001. A aplicação de subsídios para o

desenvolvimento e produção de carros híbridos, elétricos, movidos de etanol e de outras

alternativas limpas também faz parte de um projeto que pretenda o uso de energia final mais

limpa.

iv. Estímulos à eficiência energética na transmissão, distribuição e consumo de

eletricidade na rede

O estímulo à eficiência no setor elétrico pode ser feito em duas frentes:

minimização das perdas de energia em estruturas já operantes e por meio da reorganização e

construção de sistemas de redes inteligentes, as smart grids.

A perda de eficiência no processo de transmissão e distribuição de energia se dá,

especialmente, por dois aspectos: i) a perda técnica, referente às limitações físicas da rede e ii)

por fraudes e adulteração de medidores. Minimizar esses percalços no processo levam a um

menor peso na necessidade de geração de energia elétrica e esse efeito não é marginal. Em

2015, a perda de distribuição registrada pela Associação Brasileira de Distribuidores de

Energia Elétrica (ABDEE) para o Brasil foi de 13,5% do total de energia distribuída.58

Entretanto, as iniciativas de mais destaque – por aliarem-se à necessidade de

descentralização exigida pelas energias mais limpas – são aquelas relacionadas à pesquisa e

desenvolvimento de smart grids.59

2.3.1.2 Políticas de Oferta

As políticas de oferta são consideradas o conjunto de políticas que representam

uma intervenção do Estado mais direta na oferta de energia. São tipos de políticas que atuam

especialmente sobre a estrutura de oferta, permitindo a geração de novas estruturas ou

transformação qualitativa de estruturas existentes. Essas políticas vão desde o investimento

em pesquisa até a difusão da tecnologia e várias delas atuam como criadoras de mercado para

as novas tecnologias.

58 Dados na página da ABDEE. Disponível em: <http://www.abradee.com.br/setor-de-distribuicao/perdas/furto-

e-fraude-de-energia>. Acesso em: maio 2017. 59 O primeiro capítulo traz a explicação do que são smart grids.

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Políticas do lado da oferta são importantes para pôr o discurso em prática,

financiando as empresas direta ou indiretamente por meio de subsídio de

crescimento do mercado ao longo prazo, esperando que ele acelere a formação de

empresas inovadoras [...] (MAZZUCATO, 2011, p.161).

As políticas de oferta são bastante utilizadas pelos governos que pretendem

promover uma transformação tecnológica. Imbuída de uma lógica de longo prazo, esse tipo de

política pode proporcionar às novas tecnologias recursos e tempo hábil para se

desenvolverem, reduzirem custos e incerteza e competir no longo prazo com as estabelecidas

Alguns especialistas defendem, inclusive, uma política sistêmica de nichos que configuram

mercados de “teste”, protegidos e incentivados pelo governo como forma de promover a

transição para novas estruturas (KEMP, 2000; FOXON; PEARSON, 2008).60

As principais políticas de oferta consideradas são:

1) Garantias de preço ao produto de energias renováveis (tarifas feed-in)

É um mecanismo que garante que o produtor de energias renováveis possa

vender a energia a um preço fixo contratado por um período de tempo

determinado (que tem variado entre 5 a 20 anos). Parte dos custos é assim

pulverizada entre os consumidores, não sendo arcada somente pelos produtores

de energia renovável, o que representa um grande incentivo para a produção. É

um dos instrumentos mais conhecidos (implantados por mais de 40 países) e

utilizados para incentivar a produção de energias limpas e uma das principais

políticas utilizadas nas estratégias de nichos.

Elas podem ser tarifas fixas ou prêmio. As tarifas fixas dão a garantia de preço

mínimo de energia elétrica às produtoras independente das variações do

mercado de eletricidade. Já as tarifas prêmio pagam ao produtor um valor

adicional acima daquele de mercado, as quais variam de acordo com fatores de

mercado, incorporando os riscos referentes à variação dos custos de produção,

entre outros.61

O preço ou prêmio devem cobrir os custos de produção, mas também

proporcionar um lucro atraente para os produtores, além de repassar ao

consumidor um adicional que não seja muito alto.

60 A estratégia de criação de nichos será discutida dentre as políticas de oferta. 61 O pagamento de prêmios no lugar do estabelecimento de tarifas fixas é, inclusive uma evolução a partir das

críticas feitas às tarifas feed-in. Preços fixos trazem mais dificuldades de refletir mudanças nos custos de

produção das tecnologias renováveis. Esse tipo de política criada na Alemanha e seus desenvolvimentos são

tratados com mais detalhamento no terceiro capítulo.

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De forma geral, o estabelecimento da tarifa fixa ou do prêmio dependem do

tipo de energia, tamanho e localização da produção. Além disso, existem

algumas implementações que promovem garantias de acesso a redes elétrica,

para que a energia de geração possa ser distribuída. Alguns países também

colocam obrigações de compra dessa energia injetada no sistema (KLEIN et

al., 2006; MENDONÇA; JACOBS, 2009).

As tarifas feed-in diminuem a incerteza devido a estabilidade financeira que

proporciona aos investidores a partir dos contratos de compra e venda, bem

como as possíveis garantias de acesso à rede e de venda preferencial de

energia. Além de incentivar muito a produção de energias renováveis, essa

medida tem sido uma grande aliada do planejamento energético dos países que

a adotam por ser um grande instrumento de realização de metas de energia

renovável estabelecidas pelos países.

2) Sistemas de licitação e leilão

Os processos de licitação e leilões podem ser usados também para apoiar os

beneficiários em termos de investimento, produção ou outros direitos limitados

– locais para a produção eólica, solar, etc. Antes dos processos de licitação,

devem ser selecionados e determinados os critérios quanto ao nível desejado de

nova energia gerada, a potência a ser instalada por cada fonte de energia

(eólica, solar, hidrelétrica, etc.), taxa de crescimento de cada energia gerada,

entre outros parâmetros que podem auxiliar no cumprimento de metas de

crescimento de geração de energia mais limpa. O grande ponto negativo de

processos de licitação é que acaba não atraindo grandes investimentos pela

própria característica instável e de longo-prazo do setor e a não efetivação dos

projetos cumpridos, o que necessita amplo acompanhamento e avaliação dos

órgãos públicos (GREENPEACE BRASIL, 2008)

No sistema de leilões o regulador define previamente as reservas de mercado

que serão leiloadas para uma determinada quantidade de energia renovável. Os

produtores realizam propostas que são classificadas em ordem crescente de

custos até que o total da reserva de mercado seja atingida. Com os preços finais

dos leilões se elaboram contratos de longo prazo com garantias de pagamento

de energia para cada produtor de energia renovável. Podem ser realizados para

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98

a construção de projetos específicos ou para suprir uma capacidade fixa de

energia renovável em um país ou Estado (GREENPEACE BRASIL, 2008).

3) Subsídios, incentivos fiscais e linhas de financiamento especiais para

energias renováveis

Os subsídios, incentivos fiscais (isenções tributárias, créditos fiscais) e

empréstimos a taxas favorecidas são um dos instrumentos bastante importantes

para possibilitar a superação de barreiras impostas pelas estruturas já

estabelecidas e tornam realidade políticas de demanda como o sistema de cotas

e metas de capacidade instalada de energias renováveis. Isso por possibilitarem

que o custo inicial elevado de novos projetos, como a produção de energia

renovável, sejam, pelo menos em parte, reduzidos. Eles podem ter diversos

arranjos e níveis de incentivo, mas são largamente utilizados por países que

têm metas ambiciosas de transição energética.

É interessante e importante que os subsídios, incentivos fiscais e financiamento

especial se estendam a toda a cadeia de componentes e que sejam

arbitrariamente direcionados pelo Estado. É preciso que o aporte de recursos

facilitado pelo Estado seja alocado realmente na produção de energias

renováveis, sendo necessária a exigência de aprovação de projetos e de

resultados.

Um grande aliado em vários países para a concessão de financiamento

facilitado têm sido os bancos públicos que podem providenciar recursos de

longo-prazo e juros bem menores do que os bancos comerciais, algo essencial e

determinante para o sucesso de projetos mais arriscados.

Os instrumentos mencionados podem ser aliados a pagamentos por produção

de energias renováveis. Além de receber incentivos para construir novas usinas

de energia renovável, os produtores podem ter apoio financeiro posterior na

fase comercial dessa energia. Eles podem ser feitos por pagamentos diretos por

kWh gerado.

Políticas de crédito fiscal são utilizadas nos EUA, no Canadá, República

Tcheca, Reino Unido, Alemanha, Finlândia, entre outros.

4) Apoio à pesquisa e desenvolvimento em energias renováveis, eficiência

energética

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O apoio à pesquisa e desenvolvimento de energias limpas e eficiência

energética são parte importante do processo de transição energética.

Paralelamente à difusão de tecnologias mais maduras, deve-se fomentar a

pesquisa em alternativas que estão na franja do conhecimento, bem como no

aprimoramento de tecnologias mais consolidadas. Programas governamentais

específicos de P&D para a energia limpa que destinam recursos pré-

determinados diretamente a esse fim têm sido utilizadas por alguns países

como Alemanha, França, Espanha, China, Coréia do Sul, Japão Estados

Unidos, entre outros. No que tange ao P&D, o Estado pode atuar desde a

pesquisa básica e aplicada até a demonstração em energias renováveis através

de projetos-piloto que permitem testar as novas tecnologias em menores

escalas possibilitando aprendizado, redução de custos, aprimoramento e

prospecção para escalas maiores.

Além de programas específicos direcionados ao P&D em energias mais limpas

e eficiência energética, alguns países estão criando fundos públicos voltados

especialmente para esse fim. A criação de fundos públicos é politicamente e

juridicamente mais complexa e deve ser constitucionalmente planejada, mas se

mostra bastante interessante por prover uma fonte específica de longo-prazo

para a transição energética.

5) Criação de nichos de mercado

A criação de nichos de mercado não pode ser caracterizada como uma única

política, mas sim como um gama de políticas integradas a fim de permitir o

desenvolvimento e difusão de uma determinada tecnologia. Um programa

governamental de transição energética deve se utilizar dos nichos de mercado

como um dos principais instrumentos para possibilitar o florescimento de

alternativas de baixo-carbono. Por meio de políticas públicas coordenadas que

mudem os custos marginais de determinadas tecnologias, com metas claras de

redução de emissões de gás-carbônico, mas principalmente através da

formulação de metas de longo-prazo e de redes de suporte as novas trajetórias

tecnológicas, esses nichos podem permitir a redução das incertezas quanto à

viabilidade desses novos projetos que seriam de outra forma, evitados. Esse

conjunto de políticas voltadas à criação de nichos permite inclusive entender

mais profundamente que tipos de barreiras (econômica, técnica, social e

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institucional) impedem que essas tecnologias compitam em um ambiente de

mercado e dá espaço e tempo para que elas possam se desenvolver, criar

retornos de aprendizado e reduzir custos (KEMP, 1994).

2.3.1.3 Outras Políticas

Novamente, é importante lembrar que as políticas não podem ser totalmente

separadas e a divisão realizada aqui é para uma sistematização didática. Por isso, alguns

fatores mais complexos, que estão presentes nos diversos tipos de políticas listadas, serão

colocadas separadamente das demais em “outras políticas”. Esses fatores são podem ser

chamados de “vínculos sociais”, que “são influências que delimitam os tipos de tecnologias

tanto social quanto economicamente viáveis” (SCHOT, 1994 apud FREEMAN; SOETE,

2008, p. 713).

1) Programas educacionais

Para que as transformações necessárias ocorram é preciso ter mão-de-obra

qualificada e não só qualificada, mas com consciência dos problemas

ambientais. A inclusão de cursos em profissões estratégicas (engenheiros,

gestores, economistas, etc.) que tratem o meio-ambiente e a transição

energética como uma demanda presente e futura pode impulsionar a

emergência da gama de profissionais capazes de endossar metas colocadas pelo

governo através das demais políticas públicas.

Os programas educacionais que coloquem em destaque a questão ambiental

não devem, é claro, se restringir ao ensino superior e podem e devem ser

introduzidos no ensino primário e secundário, permitindo aos alunos o contato

com os problemas e percepção das consequências da ação humana sobre o

meio-ambiente, bem como das alternativas possíveis.

2) Apoio às organizações públicas e privadas que exerçam papel regulador

sobre o setor privado e público

Além da implantação de metas de redução de emissões de gás-carbônico e de

eficiência energética, é importante a criação de organizações e fortalecimento

das já existentes (agências, secretarias, ministérios, institutos de pesquisa,

ONG’s, etc.) que promovam pressão sobre empresas e governos para que os

objetivos ambientais sejam de fato buscados e atingidos e também divulguem

conhecimento e informação dos problemas a serem enfrentados e do papel que

a sociedade pode exercer em relação aquilo que a afeta diretamente. Além

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disso, essas organizações podem auxiliar no processo de autocrítica da

sociedade no que tange ao padrão de produção e consumo contemporâneos que

se tornam cada vez mais insustentáveis e que para serem transitados a um

padrão ambientalmente melhor precisam contar com a disposição social de

mudança.

2.3.2 Além das Políticas Públicas: a transformação de “baixo para cima”

Mencionou-se algumas vezes nesse trabalho que muito provavelmente o maior

desafio presente em relação ao lock-in do carbono não seja o de estimular tecnologias mais

limpas, como as energias renováveis ou tecnologias que promovam a eficiência energética,

mas mudar profundamente a maneira como a energia é utilizada.

A “infraestrutura social” talvez seja, segundo Elliott (2000), o mais complexo

fator de mudança. Para que uma tecnologia se desenvolva de fato, ela tem que ser bem aceita

pela sociedade, especialmente devido ao impacto em escala global que a saída das tecnologias

energéticas convencionais acarretaria.

O uso de energias renováveis poderia exigir mudanças do uso da terra e também

levar a uma descentralização da geração de energia, muito mais pautada em suprir

necessidades locais a partir de fontes locais de energia. Esse tipo de mudança pode, por

exemplo, provocar uma redistribuição de localidades das indústrias de acordo com a

disponibilidade de energia, o que poderia causar impactos econômicos gigantescos para

determinadas regiões, além é claro dos impactos locais relacionados à instalação, por

exemplo, de turbinas eólicas que podem se tornar um incômodo real para populações que

vivem em seu entorno (ELLIOTT, 2000).

Mencionou-se que as energias renováveis podem ser entendidas como parte de

uma estrutura maior, um paradigma mais sustentável, no qual tanto as tecnologias quanto os

padrões institucionais e sociais devem ser transformados a partir do objetivo de transitar para

uma economia de baixo-carbono. Assim, tecnologias mais limpas como as renováveis só

fazem sentido em um cotexto de significativa mudança social, isto é, da mudança do estilo de

vida, dos padrões de consumo e isso pode representar um grande obstáculo. A geração e uso

da energia são fundamentais para a sociedade e representam os padrões de produção e

consumo.

The key question is therefore, what scale of social change is likely to be needed to

achieve an environmentally sustainable future? [...]From the purely ‘technical fix’

point of view, a move to energy sustainability would seem to be technically feasible

without the need for significant social change. (ELLIOTT, 2000, p. 268).

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A grande dificuldade é que a sociedade continua a acreditar que a postura de

combate pessoal às mudanças climáticas continua a se limitar à economia de energia

doméstica (e demais recursos naturais, como água) e à reciclagem de materiais. Entretanto,

parece cada vez mais provável que a mudança de um padrão de consumo seja de fato

necessária. Dentre essas mudanças, pode-se ressaltar o padrão de transporte individual como

um dos mais relevantes, mas também o consumo de roupas,62 alimentos, eletrodomésticos e

eletrônicos de forma mais sustentável, o que pode acarretar mudanças significativas no modo

de vida de parte crescente da população mundial, especialmente a dos países industrializados.

Caso os problemas ambientais sejam de fato enfrentados, dificilmente os hábitos de consumo

e produção correntes sairão ilesos desse processo.

Portanto, políticas de oferta e demanda para incentivar o desenvolvimento,

comercialização e difusão de energias renováveis e produtos e processos energeticamente

mais eficientes não podem ocorrer de forma separada da conscientização da gravidade do

problema e das possibilidades reais de uma mudança social profunda.

62 Especialmente em relação ao consumo de roupas, existe um debate concernente não só a questão ambiental,

mas moral da produção do que se chama de fast fashion. Esse padrão de produção dominante na moda que tem

como mote a produção da maior quantidade de peças, em menor quantidade de tempo e pelos menores custos

envolve grandes problemas ambientais como a produção cada vez maior de peças descartáveis que aumentam as

quantidades de resíduos produzidos, mas também sociais como precarização do trabalho e inclusive uso de

trabalho escravo.

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CAPÍTULO 3

ALEMANHA E CHINA: DESENHOS DO SISTEMA POLÍTICO PARA A

TRANSIÇÃO ENERGÉTICA

Discutiu-se até aqui que as mudanças tecnológicas se configuram como

fenômenos complexos que não dependem somente de questões técnicas de um conjunto de

tecnologias, mas envolve uma face institucional ainda mais profunda. Discutiu-se também que

as sociedades capitalistas estão presas no que se chama de lock-in do carbono e que sua

quebra depende da ação ativa de governos não somente mediante a importante cooperação

internacional, mas também por políticas domésticas indispensáveis para que a transição para

uma economia de baixo-carbono se dê de forma mais aceleradas. Para isso, foram ressaltados

o papel dos Estados e buscou-se definir algum desenho possível para um regime político

capaz de suportar a transição. De forma adicional, considerou-se que o conjunto de ações

institucionais capazes de promovê-la podem ser denominadas de Sistema Nacional de

Inovação que pretende aliar os objetivos ambientais, com os tecnológicos, integrando a

redução das emissões com o consumo e produção e, consequentemente, com o

desenvolvimento socioeconômico dos países. Pretende-se agora realizar uma análise de duas

experiências correntes de transição, que apesar das características históricas e políticas

bastantes distintas, guardam bastantes semelhanças quanto à construção de seus Sistemas

Nacionais de Inovação.

Esses dois países têm se destacado quanto ao desejo de promoção de uma

transição energética em direção a uma economia de baixo-carbono. A Alemanha pelo seu

longo histórico ambientalista, que fez com que o país se tornasse pioneiro no mundo na

promoção de eficiência energética e suporte às energias renováveis e se tornasse um líder, no

Bloco Europeu, no desenho e condução de metas conjuntas de redução de emissões e de

alternativas tecnológicas mais limpas.63 A China, por sua vez, que se destaca pela sua guinada

recente e bastante poderosa em direção à transição energética, desperta grande interesse da

comunidade internacional em razão dos esperados efeitos econômicos, sociais e ambientais

que as políticas do maior emissor de gases do efeito-estufa mundial podem ocasionar.

Esse capítulo tem o objetivo de entender o que o governo Alemão e Chinês tem

feito para promover a transição energética que declaram almejar de forma a caracterizar o

regime político existente. Para tal, a metodologia consistiu na análise de relatórios divulgados

pelo governo alemão e chinês e pela International Energy Agency (IEA) e International

63 Atualmente, existem diversos países que adotam medidas ambiciosas de transição energética na Europa, mas o

país continua sendo a referência na construção de um sistema político para energias renováveis e combate às

mudanças climáticas entre os países desenvolvidos.

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Renewable Enery Agency (IRENA), bem como na análise qualitativa de dados disponíveis nos

mesmos veículos. A partir desses dados, o presente trabalho buscou dividir a análise das

políticas de cada país por meio de eventos importantes na história política de cada um que

estiveram intimamente relacionados às políticas energéticas. Esses eventos estão devidamente

indicados em quadros temporais. Para a Alemanha,a análise temporarl parte de 1974, quando

da criação da Agência Federal do Meio- Ambiente Alemã até os dados atuais disponíveis que

são de sua maioria do ano de 2016. Para a China, o horizonte temporal considerado se inicia

em 1978, quando da abertura externa do país até os dados atuais disponíveis. Tanto o

histórico de políticas da Alemanha quanto da China são influenciados por eventos políticos e

ambientais, como a emergência do Partido Verde na Alemanha e o Acidente Nuclear de

Fukushima quanto as variações de intensidade do controle do governo chinês sob o setor

energético e o fato do país ter se tornado o maior emissor de CO2 do mundo. Os principais

eventos que influenciaram a direção dos diferentes momentos políticos são abordados.

É importante salientar que há uma dificuldade característica dos dados

energéticos que dificulta bastante o trabalho do pesquisador: grande parte dos dados

desagregados por países são privados. Outra dificuldade encontrada nesse trabalho foi,

especialmente para o caso chinês, a pouca disponibilidade de relatórios e dados em língua

inglesa. Dados mais específicos do sistema energético tanto alemão quanto chinês se

encontravam, em grande parte, na língua nativa desses países. Por isso, existe certa

desigualdade de análise de alguns fatores entre os países – como por exemplo a

indisponibilidade gratuita de dados sobre investimento total alemão em energias renováveis

nos últimos anos. Houve, entretanto, um esforço de padronização da análise para os dois

países, buscando-se, sempre que possível, lançar o olhar sobre os mesmos pontos analisados.

É válido ressaltar que o objetivo do capítulo não é analisar resultados dos regimes

políticos para transição existentes nesses países – apesar de algumas vezes esses resultados

serem expostos e utilizados para reforçar decisões políticas – mas sim de analisar a construção

e desenho corrente das ações políticas desses dois países com respeito à transição energética.

O resultado dessa busca se apresenta em quadros sistemáticos de algumas das principais

políticas recentes de cada país endereçadas aos problemas ambientais/energéticos e também

na discussão acerca da intencionalidade expressa por cada um na resolução dos problemas

apresentados que pode ser inferido da composição de suas políticas.

A partir dessas considerações, esse capítulo é dividido em duas partes principais (

seção 3.1- O caso Alemão e 3.2- O caso Chinês). Cada uma dessas seções apresentam os

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principais pontos da escolha de ambos esses países para o presente trabalho, apontam o

histórico das políticas marcados por movimentos políticos/sociais/ambientais que

determinaram ações posteriores e também elenca as características e principais objetivos

presentes nos projetos de transição energéticas apresentados atualmente para cada país.

3.1 O Caso Alemão

A Alemanha é mundialmente conhecida como um dos principais países que

mantém metas ambiciosas de política energética e que assume um papel de liderança na

transformação do sistema energético em direção às energias renováveis. Segundo Hake et al.

(2015) seus instrumentos políticos e econômicos têm sido observados pela sua efetividade e

eficiência por diversos países do globo e estão presentes constantemente no debate global

sobre a necessidade de descarbonização. Em 2010/2011, o governo alemão, ao comando de

Angela Merkel, anunciou um novo pacote de medidas, o Energy Concept que estabeleceu os

princípios para um caminho energético integrado e de longo-prazo e que pretende levar o país

a um futuro (2050) em que as energias renováveis sejam sua principal fonte energética (IEA,

2013).

O esforço promovido pela Alemanha para a transição energética tem como

medida mais conhecida e copiada a Renewable Energy Sources Act (RESA) ou a

Erneuerbare-Energien-Gesetz (EEG), o maior instrumento de apoio às energias renováveis.

Todavia, a Energiewende, como é chamado o conjunto de ações para a transição energética

adotados desde 2011 vai muito além da RESA e constitui umas das mais complexas estruturas

político-institucionais e econômicas de reestruturação da matriz energética de um país. O

termo, entretanto, não surgiu no período recente, ele carrega um significado bastante caro aos

alemães pelo seu simbolismo e por sua relação com a luta histórica ambiental e antinuclear

(MORRIS; PEHNT, 2017).

3.1.1 Do Movimento Ambientalista e Antinuclear ao Energiewende

O arcabouço político e institucional para a transição de baixo-carbono presente

hoje na República Federal da Alemanha é resultado de pelo menos cinquenta anos de

conflitos políticos, coalisões partidárias e movimentos sociais que abriram caminho e

consolidaram novas ideias e ações. O início dessa história é reconhecidamente o final dos

anos 1960 e toda a década de 1970, períodos que fizeram emergir diversos movimentos que

mudaram a estabilidade social em relação ao padrão de consumo e produção como o

movimento ambientalista e antinuclear global que tiveram grande influência sob o país e cujos

representantes alemães se tornaram figuras importantes no movimento global.

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106

Na década de 1960, a Alemanha Ocidental,64 assim como outros países, buscou na

energia nuclear uma nova fonte energética. O governo alemão criou nesse período o

Ministério de Assuntos Nucleares e junto a esse movimento a Atomic Energy Act (AEA),

instrumento legal que pretendia promover a pesquisa, o desenvolvimento e uso da nova

energia. Esse movimento contou com suporte financeiro do governo e com a disposição de

corporações como a Siemens, AEG e ThussenKrupp. Em 1967, o governo alemão lançou o 3º

Programa Nuclear Alemão como consequência da busca pelo desenvolvimento nuclear.

Todavia, nos anos 1970, os questionamentos quanto aos malefícios dessa nova energia,

especialmente relacionados ao lixo residual de sua produção fizeram emergir uma parcela

crescente da população contra seu desenvolvimento (JAHN; KOROLCZUK, 2012).

O movimento antinuclear desejava a promoção de energias alternativas à energia

nuclear devido aos riscos que esse tipo de energia representava, sendo também críticos das

energias fósseis. Ele estava intimamente ligado ao pacifismo e ao ambientalismo e recebia

grande influência de obras que debatiam os limites ao crescimento como Limits to Growth

(1972) e Small is Beautiful (1973). O próprio termo Energiewende é o nome dado à

publicação do cientista Florentin Krause para o Instituto de Ecologia Aplicada em 1980;

estudo que advogava pela necessidade de transição energética para além das energias

estabelecidas, como o carvão e o petróleo, além da oposição à energia nuclear. O movimento

ganhou força e apoio de progressistas e conservadores, de grupos de estudantes e de cientistas

importantes, tendo se ramificado em diversas organizações ambientalistas e antinucleares

(HAKE, et al., 2015).

O quadro 2 coloca em perspectiva os principais acontecimentos que marcaram a

formação política da Energiewende e que serão discutidos com mais detalhamento nesta

seção.

Quadro 2- Linha do Tempo da Energiewende, 1974-2011, fatos selecionados.

Anos Acontecimentos

1974 • Criação da Agência Federal do Meio Ambiente

1977-78

1986

• Decreto de “Isolamento Térmico” e “ Controle do calor” entram em vigor e

criação das etiquetas Blauer Engel.

• Acidente Nuclear de Chernobyl.

64 É importante ressaltar que a análise que será aqui apresentada até 1989 se refere exclusivamente à Alemanha

Ocidental. As políticas energéticas concernentes à Alemanha Oriental sob o regime soviético não estão aqui

representadas.

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107

1988 • Desenho dos programas de criação de mercado: “100 MW de energia eólica”;

“1000 tetos fotovoltaicos”.

1980 • Publicação do estudo Energiewende pelo Instituto de Ecologia Aplicada;

Fundação do Partido Verde.

1991 • Lei Feed-in é adotada.

1998 • O mercado de energia alemão é “liberalizado” pela Energy Supply Industry

Act (Gesetz zur Neuregelung des Energiewirtschaftsrechts) separando as

empresas geradores e distribuidoras de energia.

1999 • Lançamento do programa “100 mil tetos fotovoltaicos”; Programa de

Incentivo de Mercado.

• Adoção da “eco-taxa” que adicionou alguns centavos ao litro da gasolina e ao

KWh de toda a eletricidade gerada por combustíveis fósseis.

• Mais um programa de criação de mercado é adotado: “100.000-tetos”

2000 • A Renewable Energy Sources Act (RESA) substitui Lei Feed-in.

2007 • Criação do Integrated Climate and Energy Programme.

2010 • Criação do Energy and Climate Act.

• O governo lança o Energy Concept

2011 • O acidente nuclear de Fukushima reforça e acelera a corrida pela eliminação

da energia nuclear.

Fonte: Elaboração própria com base em Morris e Pehnt (2017), Hake et al. (2015) e Lauber e Mez (2006).

Além do movimento antinuclear/ambientalista, as crises do petróleo que

marcaram a década de 1970, ocasionadas pelo choque de oferta promovido pela Organização

dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), foram outros acontecimentos que alimentaram a

necessidade da busca por alternativas e levantaram outra importante questão: a de que a

segurança energética podia ser profundamente prejudicada pela instabilidade do preço dos

combustíveis fósseis. Afetando profundamente a questão econômica, as sucessivas crises do

petróleo de 1973 e 1979 expuseram, segundo Morris e Pehnt (2017, p. 60), ainda mais a

divergência entre os anseios da população alemã e as políticas energéticas tradicionais do

governo.

Em resposta às pressões populares, a Alemanha promoveu na década de 1970

algumas políticas de pesquisa e ações especialmente voltadas à questão energética. Essa fase

da política energética alemã, governada pela coalizão Social-liberal,65 foi marcada pela

criação da Agência Federal do Meio-Ambiente (1974), pelos decretos de isolamento térmico e

controle do calor com vistas a limitar o consumo e eficiência máxima de construções e

65 Coalizão formada Partido Social Democrata da Alemanha com o Partido Democrata Livre. Essa coalizão

mantinha os objetivos de expandir energia nuclear na Alemanha, estratégia construída no pós II Guerra Mundial.

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sistemas de aquecimento e também pela criação das etiquetas Blauer Engel66 primeiro

instrumento do tipo no mundo voltado à classificar produtos e serviços de acordo com seu

impacto sobre o meio ambiente (SAVADKOUHI, 2012).67 Algumas políticas pontuais em

relação às energias renováveis também foram realizadas. Em 1974, o governo Alemão,

inspirado pela administração Carter nos EUA, lançou através do Ministério de Pesquisa e

Tecnologia um programa de P&D para o desenvolvimento de energias renováveis, além de

incentivos individuais para algumas tecnologias, especialmente painéis fotovoltaicos, mas

nada que pudesse representar um objetivo claro de desenvolvimento dessas fontes (HAKE et

al., 2015, p. 546).

Essas ações, somadas a algumas medidas em relação ao lixo nuclear e a poluição

do ar e da água, tinham como principal objetivo acalmar os ânimos do crescente movimento

ambientalista e antinuclear. Entretanto, as principais medidas energéticas do período foram

ainda o aprofundamento dos investimentos em energia nuclear. Durante a década de 1970, as

crises do petróleo somadas a crescente dependência de importações energéticas e a maior

integração comercial e financeira da Alemanha ocidental levaram os governantes a elegerem a

energia nuclear como o principal pilar da segurança energética doméstica e o 3º Programa

Nuclear Alemão, iniciado em 1967, permaneceu tendo pleno apoio da burocracia estatal

(HAKE et al., 2015, LAUBER; MEZ, 2006).

O gráfico 16 ilustra um pouco esse movimento, a energia nuclear representava em

1973 1% (3,15 Ktoe) da Oferta Total de Energia Primária (OTEP), percentagem bastante

pequena quando comparada à participação do carvão e petróleo bruto na OTEP, que

representavam respectivamente 42% (139,9 Ktoe) e 40% (135,3 Ktoe). Um grande salto,

entretanto, é dado na década de 1980. Em 1985, a energia nuclear já representava 10% da

matriz energética alemã (36,1 Ktoe), o carvão mantinha sua participação praticamente estável

(41%) e o petróleo bruto sofria uma queda bastante elevada chegando a 25% da OTEP. É

interessante ressaltar a pouca participação das energias renováveis nesses dois momentos,

representando 1% em 1973 e 2% em 1985.

66 Anjo Azul, em uma tradução livre. 67 As etiquetas alemãs se tornaram um grande sucesso e viraram referência mundial das chamadas etiquetas eco-

friendly.

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Gráfico 16- Participação das fontes energéticas na Oferta Total de Energia Primária

(OTEP), Alemanha, 1973.

Fonte: Elaboração da autora a partir de dados da International Energy Agency (IEA), Energy Balance of OCDE

Countries, 2015.

Gráfico 17- Participação das fontes energéticas na Oferta Total de Energia Primária

(OTEP), Alemanha, 1985.

Fonte: Elaboração da autora a partir de dados da International Energy Agency (IEA), Energy Balance of OCDE

Countries, 2015.

Todavia, os políticos que apoiavam a manutenção dos combustíveis fósseis e o

crescimento da energia nuclear sofreriam um importante choque na década de 1980. Pode-se

42%

40%

7%

9%

1%1% e

Carvão

Petróleo bruto

Derivados do petróleo

Gás Natural

Nuclear

Renováveis

Total: 333,7 Ktoe

41%

25%

8%

14%

10%

2%1985

Carvão

Petróleo bruto

Derivados do petróleo

Gás Natural

Nuclear

Renováveis

Total: 356,9 Ktoe

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110

considerar que os principais feitos do movimento ambientalista/antinuclear foram o

amadurecimento da insatisfação da população quanto ao estado corrente da política

energética, o que gerou instabilidade social e uma pressão enorme sob as autoridades do país,

bem como o surgimento de uma importante força política, o Partido Verde, fundando em

1980 e que elegeu representantes para o Parlamento Alemão (Bundestag) já em 1983 com

5,6% dos votos nas eleições nacionais (HAKE et al., 2015) . Esses fatores construíram as

bases para as primeiras políticas de transição energética iniciada no final dos anos 1980. Isso

porque, pela primeira vez, um partido ambientalista e antinuclear teria influência direta nas

decisões do governo alemão.

O movimento antinuclear tinha agora também se tornado uma voz explícita e um

importante fator dentro do parlamento nacional, mesmo o Partido Verde ainda

enfrentando a linha de batalha dos três partidos pró-nucleares, União Democrática

Cristã/ União Social Cristã, Partido Social Democrata da Alemanha e Partido

Democrata Livre, que juntos tinham 95% dos assentos (HAKE et al., 2015, p. 536,

tradução própria).

O Partido Verde encontrou em seus primeiros anos de representação no

Parlamento a resistência de partidos pró-nucleares que desejavam manter a produção do

carvão e expandir a produção energética nuclear. Essa barreira enfrentada pelo partido na

busca de alternativas para além das energias fósseis e nuclear arrefeceu com o acidente de

Chernobyl, que ocorreu na Ucrânia em 1986. O acidente aumentou a oposição da sociedade

alemã à energia nuclear e pressionou as autoridades a tomarem medidas efetivas para reduzir

drasticamente a energia proveniente dessa fonte. Frente aos acontecimentos, convencer a

população de que as usinas nucleares alemãs eram seguras ficou cada vez mais difícil. Além

disso, o movimento ambientalista se fortaleceu mediante novas evidências de danos

ambientais causados pelos combustíveis fósseis – como a morte de florestas pela “chuva

ácida” e o aprofundamento das evidências científicas quanto ao aquecimento global. Ainda

segundo Hake et al. (2015, p. 236) as consequências de Chernobyl não quebraram somente o

já frágil ‘consenso carvão-nuclear’ na sociedade, mas também acabou com o consenso nuclear

entre os três partidos estabelecidos que tinham moldado a política energética alemã nas

últimas três décadas”, sendo que o Partido Social Democrata da Alemanha, historicamente

pró-nuclear, mudou de lado e passou a atuar ao lado do Partido Verde em prol das energias

renováveis.

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111

A administração Kohl,68 que governou a Alemanha de 1982 a 1998, continuou a

ter a energia nuclear como um pilar importante da oferta energética do país como demonstra o

gráfico 18; em 1997, a energia nuclear já representava 13% da OTEP. Todavia, Kohl não

conseguiu salvar o status da energia como uma tecnologia inovadora. Os novos projetos

nucleares foram um a um sendo abandonados mediante a grande pressão da população agora

representada por dois partidos relevantes no Parlamento, o Partido Verde e o Partido Social

Democrata da Alemanha. Ainda assim, as plantas em funcionamento continuaram tendo sua

manutenção defendida pelos conservadores. Essa rixa entre pró e antinucleares quanto à

duração das plantas em funcionamento só seria resolvida muito mais tarde com o acidente

nuclear de Fukushima em 2011.

Gráfico 18- Participação das fontes energéticas na Oferta Total de Energia Primária

(OTEP), Alemanha, 1997.

Fonte: Elaboração da autora a partir de dados da International Energy Agency (IEA), Energy Balance of OCDE

Countries, 2015.

Nessa administração, a representação antinuclear/ambientalista promovida agora

pelo Partido Verde e pelo Partido Social Democrata possibilitou que importantes medidas

fossem adotadas para desenvolver um novo mercado para as energias renováveis. Ainda que

essas energias não fossem consideradas como a prioridade energética para a maioria do

Parlamento, esses partidos foram aos poucos formando alianças para abrir espaços para o

crescimento de alternativas tecnológicas não fósseis e não nucleares.

68 A administração Kohl era proveniente da coalização entre a União Cristã Democrática e o Partido Liberal.

25%

30%8%

21%

13%

3%1997

Carvão

Petróleo bruto

Derivados do petróleo

Gás Natural

Nuclear

Renováveis

Total: 345 Ktoe

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112

Dentre essas iniciativas, as principais foram os programas “100 MW de energia

eólica” e “1000 tetos fotovoltaicos” que foram possíveis a partir do convencimento do

Parlamento pelo grupo político antinuclear/ambientalista de que era preciso permitir a

experiência prática de novas tecnologias energéticas. A partir desses programas, 100 MW de

energia eólica foram subsidiados pelo governo (através de uma transferência de €0,04/kWh) e

2250 tetos foram equipados com painéis solares (correspondendo 5MW de nova capacidade

instalada). Os inscritos no programa de “1000 tetos fotovoltaicos”, por exemplo, receberam

no período de 1991-1995 50% dos custos de investimento do governo federal e 20% do

governo estadual (LAUBER; MEZ, 2006).

Além dessas primeiras políticas de criação de mercado para as energias

renováveis, dois momentos ainda devem ser destacados no governo de Kohl. O primeiro deles

foi a criação, em 1990, por parte dos conservadores69 e pelo Partido Verde e Partido Social

Democrata a Lei Feed-in de Eletricidade, o embrião da Renewable Energy Sources Act, o

principal instrumento atual de suporte às energias renováveis. A Lei Feed-in exigia que as

instalações energéticas conectassem geradores de energias renováveis à rede. Além disso, essa

lei obrigava as empresas que operavam a rede elétrica pública a pagar prêmios (tarifas feed-

in) pela energia suprida pelas plantas de energia renovável. Esses prêmios seriam calculados

anualmente como uma porcentagem (de 60 a 90%) do preço médio da energia paga pelos

consumidores para cada tipo de energia (solar, eólica, biomassa, hidrelétrica, etc.). Um dos

objetivos declarados da Lei era “munir” as energias renováveis de instrumentos favoráveis

para a competição com as energias estabelecidas (LAUBER; MEZ, 2006).

Segundo Jacobsson e Lauber (2006, p. 264), juntamente aos programas de criação

de mercado e aos diversos subsídios estaduais e regionais existentes, a Lei das tarifas Feed-in

significou um grande montante de incentivo financeiro aos investidores de energias

renováveis que estimulou a formação de mercados e encorajou o aprendizado tecnológico e

político do setor. Em 1997, as energias renováveis chegavam a representar 3% da Oferta Total

de Energia Primária (gráfico 17).

As grandes empresas de energia, que foram diretamente afetadas pela nova lei,

demoraram em se mobilizar contra a medida por dois motivos principais. O primeiro foi a

subestimação da importância da lei e o segundo foi a prioridade colocada na possibilidade de

ocupação do mercado que se abriu com a reunificação da Alemanha. A oposição foi tardia,

69 Um pequeno grupo formado por membros da União Democrática Cristã e União Social Cristã provenientes de

áreas do país que se beneficiavam do uso de turbinas eólicas e de plantas hidrelétricas formaram um lobby junto

ao Partido Verde.

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mas ocorreu. Em 1996, a Associação da Indústria de Eletricidade da Alemanha entrou com

uma reclamação junto a Comissão Europeia alegando que as tarifas feed-in representavam

uma violação das leis comercias europeias significando uma ajuda estatal indevida. A Corte

Europeia definiu que as tarifas não constituíam subsídios ilegais e estavam de acordo com as

metas europeus de combate à mudança climática. A partir desse momento, com o aval da

Comissão Europeia, as energias renováveis na Alemanha sofreram um boom suportado pelas

tarifas feed-in.

No último ano da administração Kohl, ocorreu o segundo movimento de destaque

no setor energético na década de 1990: a Reforma Energética de Liberalização do setor pela

Energy Supply Industry Act (1998). Até a década de 1990, o Tratado de Roma protegia da

competição diversos setores nacionalmente estratégicos para os países-membros do Bloco

Europeu, visão que foi se transformando conforme a liberalização de setores como o de

telecomunicações e de energia em alguns países do bloco (NEWBERY, 2002). Segundo

Brunekreeft e Keller (2001), uma liberalização total do mercado elétrico foi colocada em

prática em 1998 e tinham como justificativa a necessidade de submeter o setor a uma maior

competição e um controle público mais efetivo. Seus defensores criticavam as práticas

monopolistas praticadas na indústria e a a separação entre geração e distribuição estava como

uma das principais exigências desse grupo. A reforma somente foi verdadeiramente efetivada

em 1999, devido à resistência da nova administração formada pelo Partido Social Democrata

e o Partido Verde (coalizão red-green) em aceitá-la.70

A coalizão red-green,71 com Gerhard Schöder como primeiro ministro, substituiu

a administração Cristã-liberal72 no poder depois de 16 anos de maioria no Bundestag.73 Pela

primeira vez na história um partido que tinha como foco a temática ambiental (Partido Verde)

se tornava parte do governo federal. Essa nova coalisão tinha como propósito coordenar a

saída da energia nuclear do portfólio energético alemão, eliminando novos projetos nucleares

e regulando duramente as unidades em funcionamento, ao mesmo tempo em que pretendia

não só convidar as companhias de energia a buscarem alternativas limpas como garantir por

70 Para o aprofundamento dessa política e das críticas a sua adoção ler Brunekreef e Keller (2001), Newbery

(2002) e Klessmann, Nabe e Burges (2008). 71 Assim chamada por caracterizar uma visão política de centro-esquerda. Partidos Sociais Democratas, devido a

suas raízes de esquerda são geralmente caracterizados pela cor vermelha, já Partidos Verdes, devido a suas raízes

progressistas e ambientais são ligados à cor verde. 72 Formada pelo União Democrática Cristã, a União Social Cristã e o Partido Democrata Livre. 73 Nesse momento, a Alemanha Ocidental e Oriental haviam acabado de se reunificar. Nesse movimento, o

Partido Verde se fundiu à Aliança 90, um partido que surgiu como resistência ao regime comunista.

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meio de leis o acesso não discriminatório à rede e a criação de oportunidades de mercado

justas às energias renováveis domésticas (HAKE et al., 2015, p. 539).

Nos primeiros anos do novo governo, algumas iniciativas importantes foram

lançadas como o programa de “100 mil tetos solares” (1999), um novo programa que tentava

impulsionar o ainda insipiente mercado solar que não respondeu com a mesma velocidade às

tarifas feed-in como a energia eólica, o Programa de Incentivo de Mercado (1999), um

programa financeiro de grande porte que pretendia apoiar sistemas de aquecimento renovável

e a “eco-taxa” que introduziu uma taxa sob o consumo de eletricidade74 e taxas crescentes

sobre a gasolina,75 produtos do petróleo e gás natural no período de 1999-2003. Todavia, o

maior destaque vai para a substituição da Lei das Tarifas Feed-in pela Renewable Energy

Sources Act (RESA).

O grupo Social Democrata junto ao Partido Verde pressionava o congresso

alemão para que condições mais favoráveis fossem dadas às energias renováveis. Enquanto a

manutenção ou não das plantas nucleares continuava promovendo separação dentro do

parlamento alemão, a necessidade de desenvolver alternativas renováveis ia se tornando cada

vez mais um consenso. Segundo Lauber e Mez (2006), a mudança para a RESA também era

consequência da queda brusca dos preços gerais de eletricidade pela “liberalização” do

mercado promovida em 1998. A Reforma de Liberalização tornou muitos renováveis ainda

menos lucrativos que antes. Isso porque sob a Lei Feed-in, as tarifas estavam vinculadas ao

preço médio da eletricidade e com a liberalização e queda do preço médio, as tarifas

destinadas às energias renováveis também ficaram menores. A nova Lei RESA promoveu a

alteração dessa vinculação; ao invés de as tarifas feed-in se basearem no preço de varejo, elas

passaram a ser uma porcentagem do custo do investimento de acordo com o tamanho das

instalações e do tipo de tecnologia adotada.

Outra diferença correspondia à duração da taxa de remuneração. Enquanto as

tarifas não tinham garantia de duração sob a lei anterior, a RESA garantia taxas fixadas por

vinte anos, com exceção da energia eólica.76 Contudo, as taxas teriam uma redução geral

anual para novas plantas a fim de incorporar de alguma forma a curva de aprendizado das

tecnologias. A RESA ainda tinha como fator-chave a redistribuição dos custos das tarifas

feed-in, passando a exigir que todos os ofertantes de energia elétrica tivessem a mesma 74 Adição de €0,0206/kWh para residências em cinco etapas de 1999-2003. Com taxas menores para indústria

(LAUBER; MEZ, 2006). 75 Adição de €0,1535/L também em cinco etapas no período (LAUBER; MEZ, 2006). 76 As energias eólicas receberiam cinco anos de taxas fixas, após esse período as taxas decresceriam de acordo

com a qualidade da localização da planta. Por exemplo, as plantas com localização menos privilegiada, leia-se

com local de menor incidência solar, teriam uma redução menor das tarifas ao longo do tempo.

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percentagem de energia proveniente de fontes renováveis. Desde sua adoção, a Renewable

Energy Sources Act sofreu várias emendas (2004, 2009, 2012, 2014, 2017) que promoveram

renovações das metas e modificações no texto da lei.77 Junto a outras leis, a RESA continua

sendo atualmente um dos principais pilares da transição energética alemã.

Outra medida importante da coalizão red-green foi a alteração nos anos 2000 da

Atomic Energy Act.78 Essa alteração buscava promover um acordo com as companhias elétrica

para retirar a Alemanha da produção nuclear. A nova emenda continha duas medidas

principais: a proibição de construção de novas usinas nucleares e a determinação de um tempo

de vida útil de máximo 32 anos para as já existentes. Ela representava a promessa da coalizão

em acabar com a produção de energia nuclear no país (HAKE et al., 2015).

No período mais recente, mudanças políticas importantes não arrefeceram as

políticas de apoio às energias renováveis, mas promoverem mudanças de postura em relação à

energia nuclear. Nas eleições de 2005, a coalisão red-green foi substituída por uma coalisão

conservadora,79 chamada de grande coalizão e formada por União Democrática Cristã/ União

Social Cristã e Social Democrata da Alemanha sob o comando da Chanceler Angela Merkel.

A nova coalizão conservadora, diferentemente da coalizão conservadora anterior

(Cristã-liberal) não colocou empecilhos ao desenvolvimento do sistema político em prol das

energias renováveis, ao contrário, mantiveram a RESA e expandiram o compromisso com as

novas energias.

Relatórios como o de Stern (2007) e do IPCC sobre a mudança climática

influenciaram a política alemã fortemente no período, tendo o governo assumido, inclusive,

um papel de destaque nas decisões europeias sobre como agir para combater o aquecimento

global. A Alemanha coordenou, por exemplo, a criação do Emissions Trading System

Europeu (EU-ETS), um sistema do tipo cap and trade.80

Medidas ambiciosas como o Integrated Energy and Climate Program (2007) e a

Energy and Climate Act (2010), inspiradas em iniciativas semelhantes em âmbito europeu

coordenadas pela Alemanha, foram destaques dos primeiros anos da administração Merkel. A

primeira buscou, através de 29 medidas,81 um desenvolvimento profundo das energias

77 As alterações e informações mais relevantes na RESA serão discutidas na seção 3.1.1. 78 Como discutido no início da seção, a Atomic Energy Act foi criada na década de 1960 para desenvolver a

energia nuclear na Alemanha. 79 Apesar da presença do Partido Social Democrata, essa coalizão foi caracterizada por conservadora por ser

liderada pela chanceler Angela Merkel cuja filiação é da União Democrática Cristã/União Social Cristã, um forte

partido de centro-direita que obteve a maioria no Parlamento. 80 Tipo de política explicada no item 2.3.1.1. 81 Dentre essas 29 medidas estão a criação de novas leis e alteração de leis existentes a fim de aprimorar o

suporte ao desenvolvimento do setor de energia renovável e eficiência energética.

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renováveis, eficiência energética e modernização das plantas energéticas com o intuito de

reduzir drasticamente as emissões de gases do efeito estufa. A segunda, estabeleceu a criação

de um Fundo Climático e Energético, inicialmente a partir dos recursos provenientes dos

leilões de certificados alemães de emissões dentro do EU-ETS e de recursos provenientes de

contratos com os operadores de energia nuclear.82 O intuito do fundo é promover recursos

para um sistema energético favorável ao meio-ambiente (IEA, 2017). Durante a grande

coalizão “a proteção climática e a política energética se tornaram finalmente questões

políticas dominantes” (HAKE et al., 2015, p. 540, tradução própria).

O padrão de comportamento dessa coalizão em relação às questões ambientais e

energéticas se manteve no mandato seguinte da chanceler Merkel, eleita novamente em 2009.

Um importante passo da segunda administração de Merkel foi a instituição, em 2010, do

Energy Concept, um grande pacote de medidas desenhado para garantir segurança energética

e proteger o meio ambiente, além de reunir medidas de competividade e crescimento da

indústria alemã reconhecendo nos renováveis e demais tecnologias verdes como caminho

inevitável e desejável para isso, bem como a eficiência energética. O Energy Concept, o atual

plano que orienta as ações do governo alemão em relação à transição energética teve, todavia,

dois momentos divididos pelo acidente nuclear de Fukushima.

O debate quanto à manutenção das usinas nucleares em funcionamento continuou

dividindo as opiniões políticas em dois campos durante os anos 2000 e início da década de

2010: um lado, representado pelo Partido Social Democrata, Partido Verde e o partido Die

Linke,83 a favor da manutenção da Atomic Energy Act (2000), que determinava o fechamento

das usinas nucleares em 32 anos, e de outro a União Democrática Cristã/União Social Cristã e

o Partido Democrático Livre a favor da adoção da energia nuclear como uma fonte barata e

segura para a transição em direção aos renováveis. A administração Merkel, diferentemente

da anterior, queria ter na energia nuclear um aliado para a transição energética, estratégia

exposta, por exemplo, pela emenda em 2010 da Atomic Energy Act , expandindo a vida útil

das usinas nucleares por mais 12 anos (HAKE et al., 2015, p. 541). Entretanto, essa postura

iria mudar em meados do segundo mandato de Merkel com o advento do acidente nuclear de

Fukushima, Japão.

Após o acidente, a estratégia dos conservadores sofreu um novo choque. A mídia

e os movimentos sociais geraram grande pressão sobre o governo que tornou insustentável

82 Em uma segunda fase, a partir de 2012, esses recursos passaram a fluir somente dos leilões de certificados de

emissões. 83 Die Linke, em uma tradução literal, significa “a esquerda”. É um partido político considerado extrema-

esquerda.

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qualquer ação favorável a esse tipo de energia. Merkel foi obrigada a decretar uma “moratória

nuclear” que parou imediatamente o funcionamento das sete usinas nucleares mais antigas,

que nunca voltariam a funcionar; o aumento da vida útil das usinas, decretado anteriormente,

foi suspenso. Foi acordado entre o parlamento que a saída da energia nuclear era inevitável e

deveria se dar o mais rápido possível, mais precisamente até 2022 (HAKE, et al., 2015, p.

542). Desde então, o conjunto de medidas para a transição energética tem sido chamada pela

comunidade científica de Energiewende em clara referência à publicação antinuclear do

Instituto de Ecologia Aplicada, que apontava que a transição energética deveria excluir a

energia nuclear como descrito anteriormente.

O Energy Concept, que estabelece os princípios para a transição de maneira

integrada atingiu sua primeira versão, portanto, em 2011(BMWI; BMU, 2011). Ele é o atual

plano que absorveu todos os planos subsidiários, programas, leis e decretos ainda em vigor e

os novos estabelecidos após sua criação. O Energy Concept determinada estratégias básicas

para a transição energética, eficiência e segurança energética, e oferta de energia de forma

sustentável e competitiva através de diversas medidas complementares (MORRIS; PEHNT,

2017). A seção seguinte tem o intuito de apresentar os princípios do Energy Concept como o

plano de desenvolvimento energético atual da Alemanha e também apresentar seu

desenvolvimento e alterações até o ano de 2016/2017.

3.1.2 Princípios da Energiewende e as Políticas em Vigor

Até o momento, identificaram-se alguns períodos importantes da história alemã

que sedimentaram um cenário político e legal favorável à transição energética em direção às

energias renováveis no país. Como afirmado, os mais de cinquenta anos de debates dentro da

burocracia política e fora dela (movimentos sociais, academia, mídia) possibilitaram à

Alemanha a construção de um plano de longo-prazo bastante claro, o Energy Concept.

Como afirmado, o Energy Concept foi estabelecido em 2010 e alterado pela

primeira vez já em 2011 com o advento do acidente nuclear de Fukushima. O plano tem como

grandes objetivos tornar a Alemanha uma das economias mais “verdes” e energeticamente

eficientes do globo ao mesmo tempo que desejar manter uma base industrial competitiva no

longo-prazo através do aumento da produtividade e modernização do setor energético

(BMWI; BMU, 2011, p. 3). Para que isso ocorra, a estrutura de oferta energética do país deve,

segundo o governo, passar por uma profunda transformação no médio e longo-prazo, cujas

diretrizes foram desenhadas no plano.

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118

Os princípios imbuídos na transição energética alemã, segundo Morris e Pehnt

(2017) são o combate à mudança climática, especialmente através da redução das emissões, a

segurança energética, a redução da importação de energia, o estímulo à inovação tecnológica

e à economia verde, a redução e eliminação dos riscos da energia nuclear e o fortalecimento

das economias locais e promoção de justiça social. Pretende-se nessa seção, descrever os

principais pontos de cada eixo, bem como listar algumas das políticas mais importantes em

vigor para cada grande objetivo buscado pela transição energética.

De forma resumida, o Energy Concept tem como metas principais:

1) Reduzir a emissão de gases do efeito estufa em 40% até 2020, 55% até 2030 e

entre 80%-90% até 2050 tendo 1990 como ano-base;

2) Atingir 60% do consumo final de energia proveniente de energias renováveis até

2030 (em 2015 esse percentual correspondeu a 12,5%);

3) Em relação a 2008, deve haver uma queda de 20% no consumo de energia

primária em 2020, e 50% em 2050;

4) Aumentar a participação das energias renováveis no consumo final para 60% em

2050;

5) Fechar as operações das nove plantas nucleares ainda em funcionamento até o ano

de 2022.

As relações dessas metas com o perfil energético atual e as políticas relacionadas

serão discutidas nas subseções a seguir:

i) Combate à mudança climática

A redução das emissões de gases do efeito estufa é um dos principais objetivos da

transição energética alemã e um dos grandes instrumentos no combate às mudanças

climáticas. O país foi o 6º maior emissor de CO2 no mundo em 2013 e, na Europa, somente

ficou atrás da Rússia segundo dados de 2013 (CAIT, 2016). Entretanto, seus níveis de

emissão estão em queda desde os anos 1990, o que tem diminuído sua contribuição no total de

emissões mundiais de CO2 (gráfico 19). O país se comprometeu no Acordo de Paris,

juntamente com a União Europeia, em reduzir as emissões de gases do efeito estufa em 40%

até 2030 (1990 como ano-base), segundo as Intended Nationally Determinded Constributions

(iNDCs) do bloco. Ademais, o país se comprometeu com esforços para buscar uma redução

das emissões de 80-95% até 2050, segundo o Energy Concept.

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119

Gráfico 19- Emissão Anual de CO2 (1), Alemanha 1975-2013.

Fonte: Elaboração própria a partir dos dados do CAIT- Country Greenhouse Gas Emissions Data.

(1) Emissões totais de CO2 excluindo uso da terra e uso florestal.

A principal instituição alemã responsável por coordenar as políticas de combate às

mudanças climáticas é o Ministério Federal do Meio Ambiente, Conservação da Natureza e

Segurança Nuclear (BMU). Esse Ministério tem sob seu controle as políticas ambientais,

promovendo também a interação destas com as políticas energéticas. O BMU também tem

sob sua responsabilidade as políticas de proteção da saúde da população alemã no que tange

aos problemas ambientais e ainda é responsável pela cooperação internacional do país na

promoção de redução de emissões e adaptação climática (IEA, 2013).

Como ressaltado, o forte movimento antinuclear no país caminhou junto com o

movimento ambientalista e fez amadurecer na sociedade alemã uma consciência ambiental

bastante apurada. Segundo a pesquisa realizada pelo Pew Research Center (STOKES; WIKE;

CARLE, 2015), 55% dos alemães acreditavam em 2015 que a mudança climática global era

um “problema muito sério”, percentual abaixo somente da França (56%) entre os países

desenvolvidos, além disso, 87% dos alemães apoiavam o engajamento do país em acordos de

limitação de emissões de gases de efeito estufa. A percepção da população sobre a questão

ambiental é bastante relevante e o governo alemão tem buscado traduzir em ações as

reivindicações de seus cidadãos, não só se comprometendo com metas de redução de gases do

0.0%

1.0%

2.0%

3.0%

4.0%

5.0%

6.0%

7.0%

0

200

400

600

800

1000

1200

Alemanha % em relação ao mundo

Milhões de toneladas

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120

efeito estufa em seu Energy Concept, mas promovendo incentivos fortes às tecnologias

energéticas alternativas e à eficiência energética.

O quadro 3 faz referência a algumas das principais medidas e políticas

promovidas pelo governo alemão que têm como intuito diminuir as emissões de gases do

efeito-estufa.

Quadro 3- Redução de emissões, medidas selecionadas, Alemanha.

Medidas Descrição

Eco-taxas A primeira versão das eco-taxas foi promovida pela reforma fiscal

em 1999. Em 2003, a Act on the Further Development of the

Ecological Tax Reform expandiu a reforma. Uma série de taxas

foram colocadas sobre os preços de energia e especialmente sobre

o preço de combustíveis fósseis.

Emissions Trading System (ETS) A Alemanha faz parte do sistema europeu do tipo cap and trade

para redução das emissões. As instalações que fazem parte do

sistema recebem ou compram “certificados de emissões”. Ao

final de cada ano, as companhias devem ter certificados

equivalentes a suas emissões anuais cujo não cumprimento

incorre em multas.

Climate Change Action Plan 2050 Controlado pelo Federal Ministry of Environment, Nature

Conservation, Building and Nuclear Sefaty (BMUB) promove

uma série de orientações para diversos setores a fim de atingir as

metas climáticas comprometidas no Acordo de Paris.

International Climate Iniciative Desde 2008 o BMUB tem financiado projetos de biodiversidade e

combate às mudanças climáticas em países em desenvolvimento.

Os financiamentos são do Special Energy and Climate Fund.

Fonte: elaboração da autora a partir do IEA (2013, 2017).

Uma das principais medidas direcionadas à redução da emissão de carbono são as

eco-taxas e as taxas sobre veículos. O país foi um dos primeiros a adotar taxas ecológicas. A

primeira versão da eco-taxa foi adotada em 1999 com a Ecological Tax Reform Act que

aumentou de forma gradual as tarifas sobre combustíveis fósseis e implantou uma taxa sob o

consumo de eletricidade. O objetivo da reforma das tarifas era, segundo o governo alemão,

diminuir as emissões de CO2 e estimular a criação de empregos pela inovação em energias

alternativas. Desde então, ela tem ajudado a reduzir o consumo de energia e

consequentemente as emissões, especialmente no setor de transporte. Um dos tipos de taxas,

as que são incididas sobre veículos de combustão interna, foram se aprimorando com os anos.

Em 2009 o governo lançou o New Vehicle Car Tax System obrigando os novos carros

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121

registrados a partir de julho daquele ano a se enquadrarem em um novo sistema

correspondente à capacidade do motor e às emissões do veículo.

A tolerância para com os veículos mais poluentes parece estar, todavia, chegando

ao fim. Em outubro de 2016 o Conselho Federal alemão aprovou uma resolução para banir

motores de combustão interna a partir de 2030 (SCHIMTT, 2016). Essa medida depende

ainda da aprovação da União Europeia para ser efetivada, mas deixa claro as reais intenções

do governo alemão quanto às emissões provenientes de veículos. É preciso lembrar que o

esforço para diminuição das emissões na Alemanha não só está alinhado com as políticas do

Bloco Europeu, mas exerce o papel de referência no bloco, tendo o governo alemão um

grande papel na aprovação de metas e políticas em nível europeu. Se essa influência se

mantiver, medidas como a interdição de motores à combustão interna podem se espalhar pelo

continente.

A Europa apresenta as metas de redução de emissões de forma conjunta, isto é, o

Bloco Europeu determina as principais medidas a serem tomadas pelos países-membros para

atingir as metas, por exemplo, do Acordo de Paris, ratificado pelo bloco no ano de 2016. Uma

das grandes políticas desse tipo é o Emissions Trading System (ETS) que coloca um limite

para as emissões de gases do efeito-estufa no longo prazo. O ETS europeu foi estabelecido em

2013 e é um sistema do tipo cap-and-trade que foca os dez maiores setores intensivos em

energia: instalações à combustão (geradoras de eletricidade e calor), processos de refino,

fornos de coque, minérios metálicos, cimento e aço, vidro, cal, cerâmico, papel e celulose. As

instalações que exercem esses tipos de atividade têm duas formas principais de cumprir com

as obrigações: promover medidas próprias de emissão e comprar certificados de outras

instalações que também estão dentro do sistema.

Além das metas compartilhadas, a Alemanha possui alguns planos em nível

nacional, relacionados às emissões, mas integrados a um conjunto de medidas de eficiência

energética e desenvolvimento de energias renováveis como o Climate Change Action Plan

2050 (2014) que determina medidas adicionais para atingir as metas acordadas pelo Acordo

de Paris para 2020 e para 2050. O Bloco Europeu se comprometeu em reduzir a emissão de

gases do efeito estufa em 40% até 2020, 55% até 2030 e entre 80%-90% até 2050 tendo 1990

como ano-base. A fim de atingir essas metas, a Alemanha planeja uma série de medidas extras

que estão relacionadas especialmente com a colaboração internacional, expansão de

renováveis a nível nacional, eficiência energética, reestruturação das construções, melhor

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122

gestão da água, lixo, terras e transporte, bem como o investimento em Pesquisa &

Desenvolvimento (IEA, 2017).

Além das ações coordenadas ao Bloco Europeu e ações nacionais, a Alemanha

promove também suporte financeiro para redução das emissões e adaptação climática em

países em desenvolvimento, o International Climate Initiative, criado em 2008. A Alemanha

financiou, entre 2008 e 2016, 289 projetos de mitigação das emissões de gases do efeito estufa

(totalizando um financiamento de € 1,08 bilhões) e 98 projetos para adaptação às mudanças

climáticas (€ 481 milhões), além de projetos para preservação de florestas e da diversidade

biológica. Nos primeiros anos da iniciativa, os recursos para o financiamento de projetos eram

provenientes dos leilões de certificados de emissões do Emission Trading Scheme. Para

assegurar a continuidade dos financiamentos, recursos adicionais são provenientes do Special

Energy and Climate Fund, fundo especial criado em 2010 através da Energy and Climate Act.

Os dois mecanismos de financiamento estão atualmente vinculados ao orçamento do Federal

Environment Ministry (BMUB, 2017).84

ii) Estímulo ao desenvolvimento das energias renováveis e eficiência energética

A mudança tecnológica e a promoção de eficiência energética são as grandes

apostas da Energiewende e para promovê-las a Alemanha possui um conjunto de medidas

centrais e complementares que estão dentro dos seus últimos grandes planos e programas

energéticos e que, desde a criação do Energy Concept, são parte integrante dele.

É importante ressaltar que o mesmo ministério que é o principal responsável pelas

políticas de combate à mudança climática, o BMU, também foi eleito o órgão responsável

pelas políticas concernentes aos renováveis, o que sinaliza uma preocupação com a integração

das políticas ambientais e energéticas. O BMU tem duas agências federais subordinadas que

oferecem suporte ao ministério no que se refere às energias renováveis. A Agência Federal do

Meio Ambiente é responsável por oferecer suporte científico ao governo federal, observar a

adoção das leis ambientais e informar o público em geral sobre questões ambientais. E a

Agência de Conservação da Natureza (BfN) é a autoridade central do governo para

conservação nacional e internacional da natureza (IEA, 2013, p. 113).

O projeto de transição energética alemã conta também com banco público alemão:

o kfW Bankengrupp. O sistema político para a transição atribuiu ao banco a tarefa de

direcionar financiamento para projetos com a missão de promover eficiência energética e

desenvolver fontes de energia renovável (MAZZUCATO; PENNA, 2015). Entre outros

84 Informações presentes no site do Federal Ministry for the Environment, Nature Conservation, Building and

Nuclear Safety.

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123

serviços, o banco cria programas de financiamento de projetos nos quais são oferecidos

recursos de longo-prazo e com juros baixos para cobrir até 100% do montante de seus custos

(IEA, 2013), como o Renewable Energies Programme85 descrito no quadro 4.

O quadro 4 traz algumas medidas que compõem o cenário recente de políticas

para transição energética alemã no que tange à promoção de fontes renováveis e eficiência

energética, divididos em leis, fundos, programas do banco KfW, pesquisa, desenvolvimento e

difusão de tecnologias e monitoramento.

Quadro 4- Medidas selecionadas: fontes renováveis e eficiência energética.

Tipos Medidas Propósito

Leis

Renewable

Energy Sources

Act – (EEG)

A última versão da Lei, promulgada em 2016 com validade a partir

de 2017, mantém o objetivo principal de estabelecer prioridade no

acesso à rede por energias renováveis e garantias fixas de

pagamentos para energia renovável. Estabelece também a meta de

renováveis em sua matriz elétrica em 40%-45% em 2015, 50%-60%

em 2035 e um mínimo de 80% em 2050.

Energy

Industry Act

(Energiewirtsc

haftsgesetz)

Conjunto de medidas que buscam aumentar a competição, segurança

e oferta de produtos/serviços energéticos.

Também tem o objetivo de estimular a oferta de energia limpa,

estipulando provisões suplementares para o acesso da rede elétrica

por energia proveniente de fonte renovável, bem como a construção

de redes inteligentes.

Renewable

Energies Heat

Act

(Erneurbare-

Energien-

Wärmegeset-

EEWärmeG)

Com o objetivo de aumentar a proporção de energia renovável no

consumo final para aquecimento e resfriamento em 14% até 2020 a

lei determinada que donos de certas categorias de construções devem

ter parte de seu aquecimento e resfriamento proveniente de energias

renováveis sob a multa de €50000 por descumprimento.

Energy Saving

Act

(Energieeinspa

rungsgesetz-

EnEG)

Implantada a primeira vez em 1976 para aumentar a eficiência

energética e diminuir as importações energéticas a lei serve

atualmente de arcabouço legal para a promoção de eficiência

energética em construções (edifícios, residências, etc.)

Law on Energy

Consumption

Labelling

(EnVKG)

A lei criada a partir da EU Framework Directive 2010/30/EU exige

que informações sobre o consumo energético e de outros recursos

relacionados à energia de produtos estejam claramente disponíveis

para os consumidores por meio de etiquetas elétricas. Ela cobre não

somente produtos residenciais, mas comerciais e industriais.

Fundos

Fundo do

Clima e

Energia

(EKFG)

Cria um fundo especialmente para projetos ambientais e promoção

de oferta energética. Inicialmente os recursos viriam de parte dos

lucros e sobretaxas das usinas nucleares, mas com o fechamento das

usinas o fundo está sendo composto pelos fluxos do Emissions

Trading System europeu.

Fundo de

Eficiência

Energética

Fundado em 2011 com o orçamento de €89 milhões, teve um

aumento de sua provisão em 2013 para €100 milhões. O fundo tem o

intuito de dar suporte a uma gama variada de medidas para

85 KfW-Programm Erneuerbare Energien.

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124

promoção de eficiência energética para pequenas e médias empresas

e indústrias, consumidores privados e municípios. Dentre as

iniciativas financiadas estão: melhor informação ao consumidor,

inovação de produtos, lançamento ao mercado de produtos mais

eficientes e medidas municipais de eficiência energética.

Programas

KfW

KfW-

Programme

Energy-

Efficient

Rehabilitation

(Enerfieeffizien

t Sanieren)

É um programa destinado às construções residenciais que oferecem

financiamento de longo prazo com taxas favorecidas para

reabilitação ou reforma de construções. Há também a possibilidade

de reembolso caso a casa siga os padrões do KfW Efficiency House

Standards.

KfW

Renewable

Energies

Programme

(kfW-

Programm

Erneuerbare

Energien)

É um programa de suporte aos investimentos em energia renovável

composto de duas categorias: “standard” e “premium”. O “standard”

disponibiliza financiamento favorável para investimentos em

eletricidade solar, biomassa, biogás, eólica, hidrelétrica, geotérmica

e também para eletricidade renovável que combina energia elétrica e

aquecimento (CHP). O programa “premium” oferece financiamento

favorável e reembolso para plantas maiores que gerem eletricidade e

calor por meio de fontes renováveis

Pesquisa,

Desenvolviment

o e Difusão de

Tecnologias

Financiamento

para o Centro

de

Desenvolvimen

to de Energia

Solar

Disponibilidade de €11,2 milhões para o provimento de teste de

instalações e equipamentos em escala de produção industrial.

Através do Photovoltaic Tecnology Evaluation Center (PV-tec) os

produtores de painéis e sistemas solares que tenham objetivos de

desenvolver e produzir industrialmente podem testar seus novos

produtos.

6º Programa de

Pesquisa

Energética

Estabelece princípios e prioridades do governo alemão no que tange

à inovação energética: energias renováveis, eficiência e

armazenamento e integração energética, tecnologias de redes. O foco

é apoiar inovação tecnológicas imaturas ou a exploração de novas

tecnologias. O orçamento previsto para o período de 2011-2014 foi

de € 3,4 bilhões.

Programa

Piloto

Einsparzähler

Promover incentivos financeiros e aconselhamento técnico para a

implantação de projetos de eficiência energética no setor industrial,

comercial e residencial por meio de tecnologias digitais.

Programa

“Show Cases

Eletricity

Mobility”

O governo federal estabeleceu em 2011 um número limitado “testes”

para mobilidade elétrica como um programa de P&D aplicado à

mobilidade. Desde sua criação, 4 regiões foram escolhidas para

testar os veículos: Bavaria/Saxony, Baden-Württemberg, Lower

Saxony, Berlin/Brandenburg.

Monitoramento

Processo de

monitoramento

“Energy of the

Future”

Processo de monitoramento do Energy Concept e de seu pacote de

medidas e metas. O Ministério Federal de Economia e o Ministério

do Meio-Ambiente devem elaborar relatórios anuais e trianuais sobre

os resultados do Energy Concept que devem ser disponibilizados à

comunidade.

Fonte: Elaboração própria a partir do IEA (2013, 2017).

Dentre as medidas descritas acima, a Renewable Energy Resource Act (RESA)

tem sido o principal e mais conhecido instrumento político alemão para o desenvolvimento de

fontes renováveis. A lei RESA que sofreu várias emendas desde a sua criação especifica em

termos gerais que as energias renováveis têm prioridade na rede de distribuição e que aqueles

que investem em energias renováveis devem receber uma compensação que promova um

retorno para seu investimento independentemente dos preços da energia elétrica (tarifas feed-

in). A eletricidade produzida sob a lei RESA é geralmente vendida no modelo de mercado

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125

day-ahead86 pelos Transmission System Operators (TSOs), as concessionárias de distribuição

de energia. As concessionárias são obrigadas a pagar aos geradores de energia renovável um

valor por kWh de energia produzida acima do calor de mercado, mecanismo garantido em

contrato por 20 anos. A diferença de custos entre esses pagamentos obrigatórios e as receitas

obtidas no mercado de energia com a venda de eletricidade pelas concessionárias são

repassados ao consumidor na forma de tarifas. Essas tarifas variam de acordo com a

capacidade de geração e fonte geradora e declinam anualmente a fim de levar em conta a

queda dos custos associados às tecnologias (IEA, 2013, p. 114-115).

A última emenda da lei foi realizada em 2016, mas mudanças mais substanciais

foram feitas em 2014. O principal instrumento de incentivo de mercado – as tarifas feed-in –

foi mantido, entretanto pela primeira vez foi instituído que a nova capacidade energética

renovável será atingida por meio de leilões – inicialmente para a energia solar por meio de um

projeto piloto e, a partir de 2017 para energia eólica e biomassa. Essas mudanças foram

justificadas pelo governo como uma forma de transitar no longo-prazo de tarifas feed-in para

um mecanismo orientado pelos preços de mercado. Três leilões por ano foram planejados para

o período de 2015-2017 e metas de capacidade (nomeadas como ‘corredores de expansão’)

foram colocadas para cada ano. Além de estabelecer pela primeira vez leilões de energia, a

alteração da lei em 2014 determinou que novas grandes instalações geradores de energia

renovável (>500kW comissionadas a partir de 1º de Janeiro de 2016) são responsáveis por

negociar diretamente a energia renovável no mercado, portanto sem o intermédio das

concessionárias, recebendo assim um “prêmio de mercado” correspondente a valor da tarifa

fixa estabelecida para cada tecnologia menos o valor mensal de mercado para cada tecnologia.

Essa mudança tem como justificativa a necessidade de promover maior integração das

geradoras ao mercado elétrico (BMWi, 2017a).87

A emenda de 2016, além de estender os leilões públicos para outras energias,

atualizou os limites de capacidade disponíveis e reafirmou as metas para o total de energia

renovável postas em 2014, isto é, uma porcentagem de 40-45% de renováveis na produção de

energia elétrica total para 2025, 50-55% em 2035 e o alcance de um mínimo de 80% até 2050.

Atualmente esse percentual se encontra em torno de 30%, como mostra o gráfico 20.

86 Esse modelo de mercado é típico dos países europeus em que as empresas operadoras do sistema negociam

preços e quantidades de energia em leilões no curto-prazo, mais precisamente para o dia seguinte à demanda. 87 Informações disponíveis em: <http://www.bmwi.de/Redaktion/EN/Dossier/renewable-energy.html>. Acesso

em: 14 mar. 2017.

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126

Gráfico 20- Geração de Energia Elétrica na Alemanha, Total e Renovável (GW/h) .

Fonte: Energy Environment Forecast Analysis.

Essas mudanças recentes na lei são consequências de anos de críticas ao

instrumento mais utilizado pelo governo alemão para promover energias renováveis no país.

Deve-se lembrar de que o primeiro formato da lei foi estabelecido em 1991 com a Lei das

tarifas feed-in. Nesse momento, a adoção da lei foi atacada frontalmente pela Sociedade da

Indústria de Eletricidade Alemã e por setores mais conservadores da sociedade com o apoio

dos partidos de centro-direita. A grande justificativa era que essas tarifas constituíam uma

ajuda do governo a determinados tipos de energia o que feriria as leis comerciais europeias.

Entretanto, a corte europeia não viu a política da mesma maneira e seu uso foi autorizado e

até incentivado como forma de atingir as metas ambientais e energéticas do bloco. Mesmo

assim, essa medida é até hoje bastante criticada por estudiosos que acreditam que sua ação

permite a existência de uma indústria artificial que não se sustentaria sozinha. Alguns desses

críticos, como Frondel et al. (2010, p. 4048) acreditam que esse tipo de política “falhou em

criar os incentivos de mercado necessários para assegurar uma introdução das energias

renováveis que fossem economicamente viáveis” e além disso “resultou em gastos massivos

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que mostram pouca promessa e longo-prazo para estimular a economia, proteger o meio-

ambiente e aumentar a segurança energética”.88

A RESA apesar de ser o principal, não é o único instrumento legislativo utilizado

pelo governo alemão para promover a transição energética. Dentre 24 leis e diversos decretos

que compõem o sistema de oferta energético alemão, destaca-se no quadro 3.2, além da

RESA, a Energy Industry Act que atua especialmente na regulação da oferta de eletricidade e

de gás natural a fim de garantir a competição seja efetiva e sem distorções de preços. Ela

garante a Directive Internal Eletricity Market (Diretiva 2009/72/EC) estabelecida pela União

Europeia e que exige que o mercado elétrico seja desregulado e descentralizado (separação

efetiva entre geração e distribuição) com o objetivo de criar um mercado europeu único de

eletricidade. Essa lei tem importantes consequências para a oferta energética alemã, porque a

partir dela é permitido que qualquer cidadão ou empresa seja produtor de energia, com poucas

restrições existentes e que cada cidadão ou empresa possa escolher seu fornecedor de energia.

Outra lei voltada ao estímulo de energias renováveis, mas no aquecimento e

resfriamento é a Renewable Energies Heat Act que atua especialmente sobre o uso de energia

para aquecimento e resfriamento, obrigando certas categorias de construção a terem parte de

seu uso energético por aquecimento/resfriamento proveniente de fontes renováveis, sendo o

não cumprimento passível de multa de até € 50 mil. Esse esforço está relacionado à meta de

atingir 14% de consumo final para aquecimento e resfriamento proveniente de fontes

renováveis até 2020.

O pacote de medidas do Energy Concept voltado ao desenvolvimento de energias

renováveis conta ainda com fundos especiais de financiamento para desenvolvimento de

energias renováveis e promoção de eficiência energética, programas do grupo KfW, medidas

de pesquisa e desenvolvimento, bem como de difusão de tecnologias e um programa de

monitoramento, o Energy for the future. Essa e mais algumas medidas foram detalhadas no

quadro 4.

Independentemente das críticas à natureza das políticas alemãs ou a sua

capacidade em gerar competitividade industrial no setor de baixo-carbono, as evidências

quanto ao crescimento das energias renováveis no país são significativas. Desde 1991, com a

introdução da primeira versão da Lei das tarifas feed-in as energias renováveis ganharam

grande fôlego. Um dos indícios desse movimento pode ser constatado pela participação desse

tipo de energia na geração elétrica total (gráfico 20). No momento da adoção da Lei das

88 Tradução própria.

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Tarifas Feed-in em 1990, as energias renováveis representavam menos de 5% do total da

geração elétrica do país. Na década de 1990, após a lei, essa parcela começou a crescer, ainda

que de forma moderada, chegando a 6,6% nos anos 2000. Após a Renewable Energy Sources

Act (2000) que corrigiu algumas distorções importantes citadas anteriormente, a contribuição

da energia renovável disparou, chegando em 2015 aos 30% do total de energia elétrica gerada

no país. Como afirmado no capítulo 1, empresas alemãs também estão entre as maiores

produtoras mundiais de turbinas eólicas onshore (gráfico 12).

Outro indício importante desse desenvolvimento é o crescimento da capacidade

elétrica instalada das energias renováveis. De acordo com o gráfico 21, a capacidade instalada

da indústria de energia renovável está em ritmo crescente desde os anos 2000, com grande

destaque para a energia solar e, especialmente, eólica. Em 2015, a capacidade elétrica em

energia eólica e solar chegou próximo aos 45 GW e 40 GW respectivamente, o que

corresponde a 80% de toda a capacidade em energia renovável do país (105 GW). A

Alemanha se encontra atualmente em 2º lugar na produção e capacidade instalada em energia

solar (atrás da China) e em 3º lugar em energia eólica (atrás de China e Estados Unidos),

segundo dados de 2015 (IRENA, 2015).

Gráfico 21- Capacidade Elétrica Instalada em Energia Renovável (GW) na Alemanha,

2000-2015.

Hidrelétrica Eólica Solar Bioenergia Geotérmica Marinha

2000 9,49 6,10 0,11 1,11 0,00 0,00

2005 10,86 18,38 2,06 3,53 0,00 0,00

2010 11,22 27,18 17,55 6,61 0,01 0,00

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Energia Renovável Total

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GW

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2015 11,23 44,95 39,64 9,13 0,04 0,00

Fonte: IRENA (2016b).

A Alemanha tem na eficiência energética outro importante caminho para a

transição. Diversos planos recentes como o 3º Plano de Ação Nacional para Eficiência

Energética (2014) e o Plano Nacional de Eficiência Energética determinam, por exemplo, a

diminuição do consumo de energia primária em 20% até 2020 (2008 ano-base). No ano de

2014 houve uma queda do consumo primário de energia em 4,5% quando comparado a 2008

(gráfico 22), o que indica que os esforços ainda precisam ser intensos para que a meta seja

atingida até 2020.

Gráfico 22- Consumo Energético Primário (Mtoe) e Intensidade Energética (1).

Fonte: BP (2016a) e Banco Mundial (2013).

(1) Consumo Energético Primário (MJ)/ PIB ($2011 PPP).

Para que isso ocorra, o governo alemão estabeleceu algumas leis especialmente

relacionadas ao uso energético em construções e à etiquetagem de produtos e serviços

energéticos; leis que derivam ações nesse mesmo sentido. Destacam-se assim a Energy Saving

Act e a Energy Conservation Ordinance. A Energy Saving Act cria a base legal para que o

decreto de Conservação Energética possa atuar. Sua atuação é especialmente sobre o objetivo

de promover eficiência energética em construções (prédios, residências, entre outras). A

última versão da lei, estabelecida em 2013, introduz a obrigação para que novas construções

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Intesidade Energética Consumo Energético Primário

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tenham consumo líquido de energia próximo de zero, ou seja, que a diferença entre consumo e

produção de energia seja cada vez menor. Essa exigência começa a valer para construções

públicas a partir de 2019 e para os demais a partir de 2021 (BMWi, 2017b).89

Outro instrumento legal para a conservação energética tem sido a Law on Energy

Consumption Labelling (EnVKG). Essa lei foi a construção legal da Alemanha para a

exigência realizada pela União Europeia para que os países do bloco adotassem indicações

claras de consumo energético e outros serviços e produtos relacionados à energia, a chamada

EU Framework Directive 2010/30/EU. A lei tem o objetivo de estimular a eficiência

energética através de informações claras e objetivas aos consumidores quanto ao consumo

energético de produtos tanto residenciais quanto utilizados na indústria. Esse objetivo é

atingido através das etiquetas de energia (BMWi, 2017b).90

iii) Redução e eliminação dos riscos da energia nuclear

A eliminação gradual da energia nuclear é parte fundamental da Energiewende. O

consenso antinuclear conseguido após mais de 30 anos de debates repousa na visão de que a

energia nuclear é desnecessariamente arriscada, muito cara e incompatível com as energias

renováveis (MORRIS; PEHNT, 2017). O país pretende encerrar as atividades da última planta

nuclear em 2022, segundo prevê a German Atomic Act, como visto anteriormente. Para suprir

o gap que será deixado pela energia nuclear, o país aposta nas energias renováveis e na

eficiência energética.

O gráfico 23, que apresenta a produção de eletricidade por fonte nuclear, retoma

alguns momentos importantes tratados anteriormente da relação da política energética alemã

com a produção energética nuclear. O primeiro momento representado é o crescimento

expressivo desse tipo de energia nos anos 1970-1990, período de grande incentivo à energia

nuclear suportado pelas coalisões conservadoras no poder. O segundo momento, que

corresponde ao período 1990-2000 é o momento de certa estabilização da eletricidade por

fonte nuclear, que passou a sofrer maior oposição política com a emergência de grupos

políticos anti-nucleares no poder e dividir a atenção dos policy-makers com as energias

renováveis. O terceiro período que se iniciou aproximadamente nos anos 2000 marca o

começo do arrefecimento da energia nuclear e do aprofundamento da busca pelo

89 Informações disponíveis em: <https://www.bmwi.de/Redaktion/EN/Artikel/Energy/energy-conservation-

legislation.html>. Acesso em: 14 maio 2017. 90 Informações disponíveis em:

<https://www.bmwi.de/Redaktion/EN/Textsammlungen/Energy/energieverbrauchskennzeichnung-von-

produkten.html?cms_artId=255482>. Acesso em: 14 maio 2017.

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desenvolvimento das energias renováveis, especialmente pós anos 2011, com o acidente de

Fukushima e a moratória nuclear.

Gráfico 23- Produção de Eletricidade por Fonte Nuclear (% do total), Alemanha, 1970-

2014.

Fonte: Banco Mundial.

A política energética nuclear alemão é, desde o Energy Concept, uma política de

saída e abandono das usinas nucleares mais antigas, o que reforça ainda mais a importância

das energias renováveis na matriz energética alemã para as próximas décadas.

iv) Importação de energia e segurança energética

Outra questão de extrema relevância para a transição energética é a segurança

energética. Além de apostar nas energias renováveis para descarbonizar sua economia, o

governo alemão tem nas energias renováveis um instrumento de promoção de menor

dependência de importações energéticas. Devido a demanda crescente por energia,

especialmente entre os países em desenvolvimento como mostrado no primeiro capítulo, a

Alemanha, que é um país bastante importador de energia, teme escaladas de preços

energéticos em um futuro próximo.

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A Alemanha importou em 2014 em torno de 60% do total de energia primária91

consumida no país (gráfico 24), representando um recorde da participação das importações na

matriz energética alemã pelo menos desde os anos 1960. Do total de energia importada para

diversos tipos de energia primária, 88,5% do carvão tipo hulha consumidos no país foram

importados em 2014, 99,5% do petróleo, 88,9% do gás natural e 100% do urânio para energia

nuclear (MORRIS; PEHNT, 2017).

Gráfico 24- Importação de energia em relação ao total de energia primária consumida.

Fonte: elaboração da autora a partir de dados do Banco Mundial.

O desenvolvimento e produção de renováveis, bem como a conservação

energética, principais motores da transição, podem diminuir essa grande dependência da

Alemanha em relação às importações energéticas, essa é a grande aposta de seus governantes.

v) Fortalecimento das economias locais e justiça social

Uma das grandes peculiaridades da transição energética alemã é o envolvimento

de pequenos proprietários e comunidades no processo de promoção de energias renováveis. O

governo alemão vem incentivando a difusão das energias renováveis em comunidades (por

meio de cooperativas) e grande parte desse apoio é financiado pelo banco de desenvolvimento

alemão (KfW) cujo suporte legal provêm da Renewable Energy Sources Act (EEG). A

intenção vai além de incentivar a utilizar uma fonte limpa de energia, mas fortalecer

91 Relembrando que energia primária é toda a forma de energia disponível na natureza antes de ser convertida ou

transformada. Por exemplo a energia disponível em combustíveis crus, energia solar, energia eólica, geotérmica,

entre outras.

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economias locais através do efeito multiplicador do investimento local em energia que, em

grande parte é revertido para as próprias comunidades. Segundo a Renewable Energies

Agency da Alemanha, em 2012, 46% da propriedade de toda a capacidade instalada de energia

renovável estava nas mãos de particulares ou pequenos produtores rurais estando somente 5%

nas mãos das quatro grandes produtoras energéticas na Alemanha (EnBW, Rwe, Eon e a

Vattenfall da Suécia).92

O valor adicionado [ pela produção local de energia] tem ainda um outro efeito

positivo- aumenta a aceitabilidade de mudança [..]. Na Alemanha, centenas de

cooperativas surgiram nos últimos anos; nelas, os cidadãos investem de forma

coletiva em energias renováveis- e, gradativamente em eficiência energética

(MORRIS; PEHNT, 2017).

O número de cooperativas energéticas na Alemanha chegou a 10.000 unidades em

2015, enquanto em 2001 elas eram apenas compostas por 66 unidades. Esse crescimento

impressionante começou a ser percebido em 2006-2007, momento a partir do qual sofreu um

boom (MORRIS; PEHNT, 2017).

O desenvolvimento das energias renováveis não se limita somente aos objetivos

ambientais ou de segurança energética, mas é um meio que a Alemanha tem encontrado de

criar mais empregos especialmente mediante o fechamento das principais usinas nucleares e

da diminuição da produção das energias mais poluentes. O país foi responsável em 2015 por

4,4% do total de empregos acumulados globalmente no setor, o que corresponde a criação de

aproximadamente 356 mil postos de trabalho (gráfico 25).

Dentro do setor, indústria que mais se destaca nesse papel é a eólica que

corresponde a 42% dos postos de trabalho acumulados na Alemanha no setor de renováveis (e

a 2% globalmente) seguido pela indústria solar (fotovoltaica e aquecimento) que tem 13,7%

desses empregos acumulados. Destacam-se também os empregos acumulados na indústria de

biomassa e biogás.

92 Informação disponível em: <https://www.unendlich-viel-energie.de/features/good-reasons/2-more-public-

participation>. Acesso em: mar. 2017.

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Gráfico 25- Número de Empregos Acumulados no Setor de Energia Renovável,

Alemanha, 2015.

Fonte: Elaboração própria a partir de IRENA (2016a).

* Correspondem a energia de marés, biocombustíveis, energia geotérmica.

Em relação aos empregos totais da economia alemã, os empregos existentes no

setor de energia renovável representam ainda uma pequena parcela do total. Em 2015, o total

de empregos acumulados no setor correspondiam a 0,8% do total que foi aproximadamente de

43 milhões segundo o Instituto Federal de Estatísticas (DESTATIS, 2017).93

3.2 O Caso Chinês

É praticamente impossível entender a história econômica recente sem considerar o

papel fundamental que a China exerce nas relações econômicas internacionais, especialmente

neste século, quanto à questão climática e a descarbonização não é diferente. O país enfrenta

um grande paradoxo que é o desejo em manter o crescimento econômico, ao mesmo tempo

em que busca maneiras de mitigar os efeitos desse crescimento sobre o meio-ambiente.

O grande desafio é proveniente da base material que sustentou o pujante

crescimento econômico apresentado no século XXI: tanto o boom de exportação de produtos

manufaturados quanto o desenvolvimento doméstico da China se deram baseados

intensivamente em combustíveis fósseis, mais especificamente o carvão, o mais poluente

93Dados do mercado de trabalho alemão podem ser encontrados no site do DESTATIS, disponível em:

<https://www.destatis.de/EN/FactsFigures/NationalEconomyEnvironment/LabourMarket/Employment/TablesE

mploymentAccounts/PersonsEmploymentSectorsEconomic.html>. Acesso em: 3 jun. 2017. A porcentagem dos

empregos acumulados no setor de energia foi obtida a partir dos dados do IRENA (2016b) sobre os empregos

renováveis e da DESTATIS sobre o mercado de trabalho.

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deles. Esse crescimento ao mesmo tempo em que tornou a economia chinesa a segunda maior

economia exportadora do mundo (atrás dos Estados Unidos) e tirou milhões de chineses da

pobreza trouxe consigo grandes problemas ambientais. O país é o maior emissor global de

gases do efeito estufa (gráfico 2) desde 2007 e em 2015 1,1 milhões de mortes foram

atribuídas à poluição do ar no país (COHEN et al., 2017). A China é vista pelos demais países

e organismos internacionais como detentora de grande responsabilidade para com o combate

às mudanças climáticas, mas também como um país com grande capacidade para realizar a

transição energética de baixo-carbono.

Segundo Zhang (2010), a China não pode e, de uma perspectiva internacional, não

deve continuar seu caminho convencional de crescimento econômico à custa do meio-

ambiente. O país precisa transformar sua economia de modo que os problemas ambientais

decorrentes da queima de combustíveis fósseis sejam mitigados. A necessidade de combater a

crescente poluição que afeta as grandes cidades chinesas somadas à responsabilidade de

contribuir com as metas globais de redução de emissão fez com que o país se dedicasse nos

últimos anos à eficiência energética e à promoção de energia limpa. Apesar de recente, a

história da política energética chinesa em prol de uma transição energética tem sido

desenhada com ambição (ZHANG, 2010). Na próxima seção, retoma-se a história política

energética do país e como ela foi mudando de acordo com as próprias transformações

institucionais e econômicas da economia chinesa até chegar ao século XXI, a partir do qual o

país passou a desenhar de fato um sistema político para a transição energética.

3.2.1 Da Abertura Econômica ao Novo Século

No final dos anos 1970, a China começou a abrir as portas de sua economia para o

mundo.94 Esse movimento foi marcado por uma transição institucional, transformando a

economia chinesa de centralmente planejada para um capitalismo de Estado. A transformação

das “estruturas sociais de acumulação” foram acompanhadas de uma intensa urbanização, da

emergência de uma classe capitalista e de um setor privado doméstico e internacionalizado

robusto além da formação de um imenso mercado de trabalho (MEDEIROS, 2013, p. 435).

A constituição de um “capitalismo de Estado” é um fato importante a se ressaltar.

A China, diferentemente de outras experiências de transição institucional como as que

ocorreram no Leste Europeu e na Rússia, não promoveu a eliminação completa das estruturas

provenientes da economia centralmente planejada, “o processo foi atingido com o mínimo de

94 Anteriormente o país havia passado pela chamada “Revolução Cultural” promovida pelo líder do Partido

Comunista, Mao Tsé-Tung. Para aprofundamento no tema ler Robinson (1969) e Naugthon (2007).

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ruptura econômica e com relativa estabilidade social” (NAUGTHON, 2007, p. 88 tradução

própria). Segundo Medeiros (2013, p. 436), mesmo com transformações importantes em

direção ao mercado e no sentido de descentralização dos investimentos, o governo chinês

manteve alto controle sobre os investimentos na indústria pesada por meio de empresas

estatais e bancos públicos, além de grande coordenação do processo de desenvolvimento

econômico que pôde ser observado pela presença de planos quinquenais, controle de preços

(sobre a energia, por exemplo) e especialmente sobre os fluxos de capital estrangeiros.

Além da manutenção do controle sobre setores econômicos estratégicos e de

preços fundamentais, a abertura econômica chinesa se deu de maneira gradual. Os

reformadores chineses foram paulatinamente diminuindo as barreiras e abrindo o sistema,

possibilitando a criação de “nichos” no qual os negócios poderiam atuar, como por exemplo,

as “zonas econômicas especiais” nas quais o capital estrangeiro poderia operar livremente e

que tinham o objetivo de aumentar o investimento estrangeiro na China, além de incentivar a

transferência tecnológica (NAUGTHON, 2007, p. 87).

Transformações do sistema energético chinês estiveram relacionadas às mudanças

institucionais e políticas pós-abertura, sendo as motivações de atuação do setor transformadas

ao longo do tempo (ZHAO, 2001). A política energética chinesa era, até o final do século XX,

bastante responsiva às necessidades do crescimento econômico e da oferta e demanda de

energia. A preocupação com uma possível transição energética, por exemplo, somente

começa a surgir no início dos anos 2000 com a Renewable Energy Law e o 11º Plano

Quinquenal. Essas mudanças de postura serão discutidas adiante. Para isso, o quadro 5 abaixo

elenca alguns movimentos políticos importantes que foram construindo as ações do Estado

chinês no setor energético desde a abertura a partir de 1978.

Quadro 5- Da abertura econômica à transição energética chinesa, 1978-2007, fatos

selecionados.

Ano/Período Acontecimento

1978 • Início da abertura externa

1981-1983 • Início do 6º Plano Quinquenal (1980-1985)

• Primeira Fase- Reforma Energética

1985-1989 • 7º Plano Quinquenal (1985-1990)

• Segunda Fase- Reforma Energética

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137

1991 • Início do 8º Plano Quinquenal (1991-1995)

1993-1997 • Reafirmação do controle estatal sobre o setor

energético

• Início do 9º Plano Quinquenal (1996)

• Eletric Power Law

• Energy Conservation Law

1998-99 • 2ª onda de reformas liberalizantes

• Law of the Highway

• China Energy Conservation Label

2000-2005 • 10º Plano Quinquenal

• 3ª onda de reformas liberalizantes

2006 • Renewables Energy Law

• 11º Plano Quinquenal

2007 • China se torna a maior economia emissora

de gases de efeito estufa

Fonte: Elaboração própria a partir de Medeiros (2013), Boyd (2012), Naugthon (2007) e Zhao (2001).

Como afirmado, até o final do século XX, as ações políticas chinesas direcionadas

ao setor energético tinham o intuito principal de responder as necessidades de demanda

energética, garantindo a oferta e controlando o uso de energia (ZHAO, 2001). O gráfico 26

nos ajuda a compreender esses movimentos. A partir da variação anual do PIB chinês, bem

como da variação anual da demanda final de energia e da emissão de CO2, pode-se marcar

alguns momentos importantes da política energética chinesa, complementada pelas

informações adicionais do quadro 5. O gráfico 26 apresenta quatro períodos da política

energética (marcados por 1º, 2º, 3º e 4º) relacionados especialmente aos booms de

crescimento econômico e demanda energética.

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Gráfico 26- Variação anual do PIB, Variação do Consumo de Energia Final e Variação

da Emissão anual de CO2, China, 1975-2013.

Fonte: Elaboração própria a partir dos dados do Banco Mundial.

O primeiro movimento de política energética registrado pós-abertura fez parte do

desejo do governo chinês em promover crescimento econômico que, de fato, foi acelerado

logo após alguns anos de reforma juntamente com as transformações institucionais já em

curso (no gráfico 26 é possível verificar o 1º boom do PIB chinês pós abertura, no período de

1982-1985). O arranjo institucional pré-abertura controlava totalmente o setor energético

chinês sob a responsabilidade da State Planning Commission (a atual State Developnent

Planning Commission, SDPC). A SPC controlava a produção, distribuição e a alocação de

investimentos de energia e demais setores chineses a partir dos Planos Quinquenais, que

davam as diretrizes do desenvolvimento. No início dos anos 1980, imediatamente pós-

abertura, o governo chinês passou a promover mudanças importantes. A reforma do setor

energético acompanhou as reformas do sistema econômico e o país experimentou um

crescimento acelerado nos anos que se seguiram, mais precisamente entre 1982-1985. O

crescimento econômico trouxe consigo uma maior demanda por energia e o governo

presenciou a diminuição rápida de sua capacidade de suprir a demanda. Dado que a prioridade

do governo continuava sendo, assim como era pré-abertura, o crescimento econômico –

desejo expresso no 6º Plano Quinquenal95 que se iniciava em 1981 – seus governantes

precisaram realizar dois movimentos: aumentar a produção de energia e arrefecer o

crescimento da demanda.

95 Os pontos principais do 6º Plano Quinquenal podem ser encontrados no site China.org. Disponível em:

<http://www.china.org.cn/english/MATERIAL/157619.htm>. Acesso em: 31 maio 2017.

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Variação Emissão de CO2 per capita Variação Consumo de Energia Final Variação PIB

3º2º

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O governo chinês buscou, portanto, reestruturar as instituições de modo a colocar

em prática políticas direcionadas para esse fim. Segundo Zhao (2001), o governo promoveu

duas grandes reestruturações governamentais (1981-1983 e 1985-1989) no setor energético

que marcaram as primeiras políticas, de fato, concernentes ao setor. Essas mudanças

buscavam separar a produção e a distribuição da energia da administração governamental a

fim de dar maior autonomia às empresas do setor, introduzir corporações energéticas ao

sistema energético institucional e estabelecer instituições capazes de promover a economia

energética. Um dos grandes marcos desse movimento foi a criação em 1981 da State Energy

Commission (SEC), órgão que passou a ser responsável pela coordenação do desenvolvimento

energético, mas que logo em 1983 foi dissolvido sob a justificativa de era preciso simplificar

a estrutura institucional (ZHAO, 2001, p. 4).

A primeira onda (1981-1983) de mudanças se deu especialmente na indústria de

petróleo. Em 1960, o país descobriu grandes jazidas domésticas de petróleo e era necessária a

criação de instituições adequadas para estimular sua produção. Para isso, o governo dividiu o

Ministério do Petróleo em três organizações: I) China National Offshore Oil Corporation

(CNOOC), responsável pelo petróleo offshore e internacional, ii) China National

Petrochemical Corporation (Sinopec), responsável pelo petróleo como insumo da indústria

química e iii) China National Petroleum Corporation (CNPC), responsável pelo petróleo e

gás natural doméstico. Segundo Yang, Dual e Zhijie (1994) o desmembramento desse

ministério pode ser considerado o primeiro movimento de “descentralização” do setor

energético pelo governo central.

Na segunda onda (1985-1988), com o 7º Plano Quinquenal, as reformas se

estenderam para os demais sub-setores, reforçando a saída do governo central da produção de

energia. Nesse contexto, os ministérios governamentais foram sendo substituídos por

corporações energéticas públicas responsáveis pela produção de carvão, petróleo e energia

elétrica, como a Huaneng Eletricity Generation Corporation,96 a China National and Oil and

Natural Gas Corp, China National Coal Corp, entre muitas outras. O Ministério de Energia

era formado por um corpo coordenador, cujas funções estavam delimitadas a desenvolver

estratégias de desenvolvimento energético, planejamento produtivo de longo-prazo e de

“avistar” projetos energéticos futuros, além de supervisionar as ações das corporações sob sua

tutela (YANG; DUAN; ZHIJIE, 1994, p. 8-10).

96 Renomeada Huaneng Group em 1988. Constitui hoje uma das cinco maiores empresas públicas na China. Ela

é administrada pelo State Council of the People’s Republic of China.

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Destaca-se que, nos anos 1980, o carvão já dominava a oferta energética chinesa

(gráfico 27) e grande parte dos esforços do governo no setor energético consistia em manter a

oferta das plantas de carvão. Todavia, ressalta-se que também nos anos 1980 o governo chinês

iniciou a condução de P&D para a energia nuclear, mas que nesse momento, nenhuma política

foi criada propriamente com o intuito de transformar a energia nuclear em fonte energética,

muito menos para se preparar para seus inconvenientes ambientais e sociais (ZHAO, 2001).

Gráfico 27- Produção Energética Primária (Mtoe) China, 1970-2006.

Fonte: China Energy Databook.

Os principais instrumentos utilizados no período foram sistemas de contrato de

responsabilidade, reforma dos preços e políticas de eficiência energética. O sistema de

contratos foi estabelecido com o intuito de facilitar a transição da economia planificada para

uma economia de mercado e consistiam na definição de cotas de produção para as empresas e

às empresas era permitido vender seus produtos acima da cota no mercado. Esse sistema

pretendia encorajar a produção energética já que o preço de mercado era superior ao preço

controlado pelo governo. Já a reforma de preços tentava promover a transição dos preços

energéticos totalmente controlados e altamente subsidiados pelo governo até os anos 1980

para preços de mercado estabelecendo diferentes faixas de acordo com critérios como fonte

energética, tamanho da planta de produção, entre outras (estrutura de preços duplos ou

múltiplos) inicialmente para carvão e petróleo e, posteriormente, para o gás natural e setor

elétrico (YANG; DUAN; ZHIJIE, 1994).

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Carvão Petróleo Gás natural Eletricidade

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As políticas de eficiência energética são o destaque do período de transição. O

estabelecimento de estruturas institucionais para a conservação de energia estava aliado ao

desejo declarado do governo chinês em promover um grande crescimento econômico no pós-

abertura. Isso somente seria possível com a garantia de oferta energética e de melhor

aproveitamento energético. Para isso, o governo chinês criou uma série de regulações e

instituições desde o começo da década de 1980, como o estabelecimento do Office of Energy

Conservation sob a tutela do State Council, várias divisões de conservação de energia e mais

de 200 centros tecnológicos de conservação energética,97 além de uma estrutura burocrática

(comissões e ministérios) alinhadas ao objetivo de fazer melhor uso dos recursos energéticos.

O intuito principal do governo era segundo Zhao (2001) o de reduzir a demanda energética

através da queda da intensidade energética.98 O governo chinês liderou investimentos no setor

energético e instaurou atividades de regulação com o intuito de promover economia.

Após um período de desaceleração no final dos anos 1980, a China retoma uma

nova trajetória de crescimento econômico (1991-1995), mesmo ano em que seu 8º Plano

Quinquenal foi lançado (2º momento do gráfico 26). Nesse período, a China atingiu seu maior

crescimento econômico desde 1950, chegando seu PIB a um crescimento médio de 13% a.a.

Esse novo boom reforçou a necessidade das políticas de conservação energética que vinham

sendo realizadas.

Todavia, existe a partir de 1993 uma quebra importante das reformas

liberalizantes que estavam sendo postas em prática desde a década passada. O governo chinês

retomou o controle de alguns poderes em relação à energia, por exemplo, voltando a interferir

diretamente no planejamento de curto prazo da produção de energética e na sua supervisão,

bem como aumentou seu controle sobre os investimentos do setor. Um exemplo desse

movimento foi a dissolução do Ministério de Energia em 1993 e a criação em seu lugar da

State Economic and Trade Commission (SETC)99 em 1994. Segundo (ZHAO, 2001) essas

variações entre maior e menor controle do governo sobre a economia é consistente com a

lógica do sistema institucional chinês que transita entre controle (shou) e não-interferência

(fang) de acordo com a percepção da perda ou não de controle do governo sobre as atividades.

Quando o governo chinês está a controlar demais, há uma tendência a descentralizar o poder

em direção aos governos locais e indústrias e o contrário também é verdadeiro. Portanto, 97 Esses centros tecnológicos eram responsáveis por prover consultoria tecnológica, monitoramento e

treinamento, especialmente para a indústria, em relação ao uso mais eficiente da energia (ZHAO, 2001, p. 6). 98 O conceito de intensidade energética e seu cálculo foram explicados na seção 1.2.3. 99 Agência subordinada ao State Planning Commission (SPC) que se tornou a National Development and Reform

Comissiono of the People’s Republic of China (NDRC), que atualmente, como antes, controla o planejamento

econômico da economia chinesa.

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nesse período, as reformas que pretendiam descentralizar o setor energético pararam e, em

certa medida, regrediram.

A conservação energética, entretanto, se apresentava ainda como o principal

objetivo do governo e os problemas ambientais começavam a ganhar um status mais

importante, devido à poluição que começava a se apresentar nas grandes cidades chinesas.

Um importante marco de política energética da década foi a Energy Conservation Law de

1997100 que, em termos gerais, buscou promover a conservação energética na sociedade

chinesa, aumentar os benefícios econômicos de medidas que buscassem maior eficiência

energética, proteger o meio ambiente e garantir desenvolvimento social e econômico.

No 9º Plano Quinquenal (1996-2000), o país iniciou diversos programas nacionais

que tinham como foco promover a eficiência energética e aumentar a preocupação com o

meio ambiente. Outras ações foram desencadeadas após o 9º Plano para diversos setores, no

setor elétrico foi instituído pela primeira vez a China Energy Conservation Label (1999),

derivada da Energy Conservation Law que exigiu a etiquetagem de produtos de acordo com

seu consumo de energia e no setor de transportes a Law of the Highway (1998)101 que inseriu

um sistema de taxação para combustíveis que tinha a intenção de incentivar o

desenvolvimento de tecnologias automobilísticas mais eficientes e limpas, bem como reduzir

imediatamente a poluição. O país começa também na década de 1990 a diversificar suas

fontes iniciando o desenvolvimento de energias renováveis – especialmente geotérmica e

eólica – e gás natural e a energia nuclear. As políticas desenhadas a partir do 9º Plano

Quinquenal pretendiam promover as energias renováveis com o apoio do governo através de

subsídios, baixas taxas de juros para financiamento de projetos, isenção de taxas entre outras

políticas estimuladoras.

O período de 1998-1999 marca a transição para uma nova onda de reformas

liberalizantes na economia chinesa. Em março de 1998, o governo chinês anunciou uma série

de medidas com a justificativa da necessidade de reorganizar e racionalizar recursos de

agências governamentais, bem como reestruturar companhias estatais. Nesse período, o

número de ministérios sob a tutela do State Coucil foi reduzido de 40 para 29, havendo

também redução do efetivo público. No setor energético, as principais medidas repousaram na

tentativa de simplificar o setor, bem como separar o controle comercial dos policy makers e

reguladores (IEA, 2006). Essa reestruturação teve como consequência o aumento do poder de

100 Texto de lei disponível em inglês no site do National People’s Congress of the People’s Republic of China:

<http://www.china.org.cn/english/environment/34454.htm>. Acesso em: 15 jun. 2017. 101 Texto de lei disponível em inglês: <http://www.npc.gov.cn/englishnpc/Law/2007-

12/11/content_1383545.htm>. Acesso em: 15 jun. 2017.

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143

decisão das grandes corporações no planejamento e produção, bem como no investimento,

ainda que sempre observadas pelo governo central. Dentre essas corporações que emergiram

na reestruturação e que se destacam estão a State Power Corporation, que detinha o grande

monopólio de geração e distribuição de energia elétrica (46% da capacidade de geração

elétrica e 90% da capacidade de distribuição).

Nos primeiros anos do século XXI, o mundo presenciou o enorme crescimento da

economia chinesa (indicado como 3º no gráfico 26). Esse momento do país, marcado por uma

nova escalada do PIB veio acompanhado de uma explosão da demanda energética e,

especialmente, pelo aumento exorbitante da emissão de gases do efeito estufa, representatos

no gráfico pela variação de emissão per capita de CO2.

O início do século foi marcado também pela 3ª última onda recente de reformas

liberalizantes no setor energético em 2002. O marco dessas reformas foi a fragmentação da

State Power Corporation em 11 empresas estatais novas ou reagrupadas. Duas grande

companias de distribuição, a State Grid Corporation of China (SG) cobrindo 26 províncias e

a China Southern Power Grid Company (CSG) cobrndo 5 provincías do sul. Cinco companias

de geração elétrica: China Huaneng Group, China Datang Corporation, China Huadian

Corporation, China Guodian Corporation, China Power Investment Corporation, as quais

não devem ultrapassar 20% de market-share cada nas respectivas regiões que atuam, além de

outras quatro companias de serviços elétricos.

Como anunciado em 2007, a China ultrapassa os EUA em montante anual de

emissões e isso está intimamente relacionado ao padrão de crescimento chinês, fator

anunciado também no início dessa seção. Mediante essa realidade, as principais mudanças de

política energética do país em direção aos renováveis foram apresentadas no novo século. Até

o 10º Plano Quinquenal (2000-2005), as metas de eficiência energética, políticas de promoção

de energias renováveis e de controle de emissões eram mínimas.102 Com o 11º Plano

Quinquenal (2006-2010) a China passou a apresentar ao mundo uma nova perspectiva. A

política ambiental passou a ser introduzida no planejamento do governo interagindo com

políticas energéticas e tecnológicas existentes e a China passou a se apresentar ao mundo

como uma economia disposta a ser protagonista no combate às mudanças climáticas e na

transição energética para uma economia de baixo-carbono, característica que vem se

reforçando a cada novo plano quinquenal.

102 Mais informações sobre isso estão presentes no quadro 8.

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144

O grande destaque dessa “inflexão” (4º momento do gráfico 26) de políticas foi a

primeira versão da Renewable Energy Law criada em 2005, no último ano do 10º Plano

Quinquenal. Essa lei estabeleceu políticas-chave incluindo metas nacionais de energia

renovável, uma política mandatória de compra de energia renovável, um sistema nacional de

tarifas feed-in103 e acordos para o custeamento e financiamento compartilhado de incentivos

econômicos para energias renováveis, características que serão aprofundadas posteriormente.

Em seu atual 13º Plano Quinquenal o governo Chinês ressaltou a recente

preocupação ambiental e incluiu metas inéditas para a redução de mini partículas atmosféricas

(PM 2.5), além de reforçar metas de conservação do uso da água e de tratamento da rede

hidrográfica. Um Sistema Nacional de Emissões é previsto para 2017 e um Fundo de

Desenvolvimento Verde também foi previsto pelo plano para prover financiamento para a

indústria invista em consumo renovável e mais eficiente. Grande parte das metas energéticas e

ambientais existentes no plano são provenientes do Plano de Ação Estratégico de

Desenvolvimento Energético 2014-2020 e da Environment Protection Law (2015) e algumas

delas, especialmente as relacionadas à emissão de CO2, foram atualizadas com as Intended

Nationally Determined Contribution (INDC’s) para a COP21. O 13º Plano Quinquenal

estabelece uma redução da intensidade energética (Consumo Energético por unidade de PIB)

em 15%.

Apesar dos claros avanços recentes a empolgação com a nova posição política da

China no combate às mudanças climáticas não é uma unanimidade. A principal motivação do

governo chinês é ainda muito questionada, dado que não ficou totalmente claro para os

observadores se as políticas com foco em meio-ambiente são meras consequências da

necessidade urgente de lidar com problemas de poluição doméstica e estão a reboque do

crescimento econômico ou se são parte de um verdadeiro desejo de evitar uma catástrofe

climática, mesmo com o comprometimento inédito do país com metas de redução de emissões

no Acordo de Paris.

Uma questão importante e que merece destaque no processo de transição

energética chinês é o papel da energia nuclear. Diferentemente do que ocorre na Alemanha e

em outros países, a China tem na energia nuclear uma grande aposta para suportar suas metas

de crescimento econômico – outro elemento utilizado pelos críticos para afirmar que a

preocupação chinesa em promover a transição não é a questão ambiental já que muitos

103 As tarifas feed-in chinesas, assim como em todos os países, foram inspiradas no sistema alemão, mas foi

criada com algumas características particulares. Questão que será discutida com mais detalhamento adiante.

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145

consideram a energia nuclear como não limpa. E além disso, não existe uma intenção clara de

abandonar o uso do carvão, mas sim de fechar plantas antigas, mais ineficientes e pequenas e

encorajar a construção de plantas maiores, mais eficientes e limpas, as chamadas plantas

efficient supercritical (SC) ou ultra-supercritical (USC)104 (ZHANG, 2010)

Segundo (BOYD, 2012), desde a Renewable Energy Law três ideias principais

suportam a novo foco da política energética e climática chinesa. A primeira delas é a

redefinição de segurança energética para incluir os riscos quanto ao suprimento interno de

oferta energética mediante a explosão do consumo energético do país na primeira década do

século XXI, algo que promoveu a emergência de metas ambiciosas de eficiência energética

nos últimos dois Planos Quinquenais. A segunda corresponde à crescente preocupação com as

limitações ao crescimento colocadas pelas questões ambientais, bem como os deletérios

efeitos ambientais da atividade econômica que têm construído no país uma retórica para um

desenvolvimento sustentável. E por último e também muito importante está o desejo por

liderança no mercado de baixo-carbono. Grandes montantes de financiamento público para

desenvolver o setor eólico e solar tem dado indicações de que o governo tem imensos

interesses em tornar a China uma grande competidora e, possivelmente, a economia líder no

mercado de baixo-carbono. Cada um desses objetivos será aprofundado adiante.

i) Segurança energética doméstica

Um dos grandes objetivos da política energética contemporânea chinesa é fazer

face à crescente demanda energética resultante do crescimento econômico sem precedentes

dos últimos anos. No gráfico 28 é possível observar a elevação do consumo de energia

primária a partir dos anos 2000. No gráfico 29, tem-se uma estabilização da intensidade

energética, que vinha caindo desde os anos 1990, ou seja, dado que a intensidade energética é

a razão entre o consumo de energia primária e o PIB, o crescimento anual do consumo de

energia compensou o crescimento anual do PIB e, em alguns momentos, o superou, como no

caso do próprio ano 2000 cujo crescimento do consumo de energia primária em relação a

1999 superou o crescimento do PIB em 5%. Foi justamente no meio desse boom do PIB –

que atingiu o maior patamar no ano de 2007 (14,2%) – que o Estado chinês percebeu que essa

trajetória se tornaria insustentável em breve e medidas concretas para aumentar a eficiência

energética e desenvolver novas fontes de energia eram necessárias.

104 Plantas SC ou USC são tecnologias altamente eficientes que, consequentemente, usam menos carvão e

reduzem a emissão de CO2. Segundo o IEA Clean Coal Center, a emissão de CO2 pode ser reduzida em 23% por

unidade elétrica gerada se as plantas subcríticas existentes fossem substituídas por essas tecnologias.

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146

Gráfico 28- Consumo de Energia Primária (1970-2015) em Mtoe (1).

Fonte: BP (2016a).

(1) Million Tonnes of Oil Equivalent.

Gráfico 29- Intensidade Energética, China, 1990-2014.

Fonte: Banco Mundial.

O país sofreu em 2002 crises energéticas que causaram blackouts e cortes de

energia de grande escala e mais de uma vez desde então cortes no fornecimento de carvão e

-

500.0

1000.0

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20

14

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147

de eletricidade ocorreram deixando fábricas, empresas e até mesmo redes locais inteiras com

racionamento energético. Durante o Festival de Primavera105 de 2008, 19 províncias sofreram

com grandes interrupções de energia (BOYD, 2012).

Além disso, a relação entre o total de reservas existentes e a produção anual total

de energia demonstram que, ao continuar com a mesma taxa de produção, a China teria

reservas para uma quantidade de anos bem menor que para o resto do mundo o que pode

significar que grandes quantidades de recursos energéticos terão que ser importados para

suportar um crescimento futuro, caso sua matriz energética continue dependente de

combustíveis fósseis que são fontes energéticas limitadas, como pode ser observado na tabela

3. Pela relação reserva-produção, a China teria 30 anos de reservas próprias disponíveis de

carvão, 11,9 anos de petróleo e 25,7 anos de gás natural segundo o Statistical Yearbook da

British Petroleum.

Tabela 3- Relação Reserva-Produção (R/P) (1), 2014

China OCDE Não-OCDE Mundo

Carvão 30,0 191,0 83,0 110,0

Petróleo 11,9 30,3 60,1 52,5

Gás Natural 25,7 15,6 75,8 54,1

Fonte: BP (2016b).

(1) O índice (R/P) é calculado a partir do montante de reservas existentes em um ano sobre a produção de

energia primária de cada fonte naquele ano.

Frente a um consumo crescente de energia, a China tem visto suas importações

energéticas dispararem. Ao final dos anos 1990, a China passou de exportadora líquida de

energia para importadora líquida de energia, ou seja, a diferença entre exportações e

importações é negativa. O gráfico 30 expõe a porcentagem de importações presentes no total

de uso ou consumo energético de energia primária no país.

105 O Festival da Primavera é a celebração do ano novo chinês que ocorre no primeiro dia do primeiro mês lunar,

na transição do inverno para a primavera.

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148

Gráfico 30- Importações líquidas de energia como porcentagem do uso energético, 1971-

2013.

Fonte: Banco Mundial.

Em 2004, a National Development and Reform Commision (NDRC), o principal

órgão responsável pelas estratégias econômicas de longo-prazo do país, afirmou em nota

oficial que “não importa se aumentarmos a oferta energética ou usarmos recursos

internacionais, [ o sistema energético da China] estará sob enorme pressão”. Mediante essa

situação alarmante, o governo chinês iniciou medidas mais ambiciosas e no 11º Plano

Quinquenal determinou uma meta de redução da intensidade energética em 20% para 2010

em relação a 2005, uma redução de 3,71% a.a, a chamada Energy Intensity Reduction Target,

um dos programas do Medium and Long-tern Plan of Energy Conservation. O 11º Plano

Quinquenal incorporou, pela primeira vez, um grande programa de eficiência energética se

tornando um grande ponto de inflexão na política e refletindo um novo patamar de ambição

do governo chinês em relação à política energética (quadro 6).

Quadro 6- Metas de eficiência energética nos planos quinquenais.

Anos Plano Metas

1953-1980 1º ao 5º sem metas

1981-1985 6º redução da intensidade energética entre 2,3%-3,5%

1986-1990 7º redução do consumo de energia em 1,29 – 1,14 tce a cada ¥1000

1991-1995 8º redução da intensidade energética entre 2,2%

1996-2000 9º redução geral do consumo energético em 1,45 tco

-10

-5

0

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%

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149

2001-2005 10º sem metas

2006-2010 11º redução da intensidade energética em 20%

2011-2015 12º redução da intensidade energética em 16%

2016-2020 13º redução da intensidade energética em 15%

Fonte: elaboração própria baseado em Boyd (2012) e IEA (2017).

O Medium and Long-tern Plan of Energy Conservation foi criado em 2004 para

fazer face aos desafios de eficiência energética a partir do 11º Plano Quinquenal, cobrindo até

então os períodos de 2005-2010 e 2010-2020. Esse é um grande plano que inclui 10

programas de conservação energética, cujas metas procuram atingir usinas de carvão, sistemas

de motores elétricos, co-geração de energia (eletricidade e aquecimento), reaproveitamento do

lixo industrial para fins energéticos, otimização dos sistemas energéticos, monitoramento do

gasto energético, entre outros. Dentro e fora desse programa outras medidas mais específicas

foram sendo implantadas como a Energy Label (2005), o Energy Conservation in

Government (2006), Vehicle Fuel Economy Standards (2006), a Top 1000 Industrial Energy

Conservation Programme (2006) e o National Building Standards como descritas no quadro

7.

Após a transformação da política energética iniciada no início dos anos 2000,

novos planos foram sendo desenhados dentro 12º e 13º Planos Quinquenais como o Energy

Saving and New Energy Automotive Industry Development Plan (2012) que tem como

objetivo principal atingir o setor automobilístico, acelerando e incentivando a indústria a

produzir veículos mais eficientes ou que utilizem energias limpas. Outro plano interessante é

o Plan for accelerating the development of energy conservation and envirnmental protetion

related industries (2013) lançado pela Energy Conservation and Environmental Protection

Group106 que tem como principal objetivo apoiar indústrias de conservação energética que

desenvolvam e fabriquem produtos, equipamentos e serviços com foco em eficiência

energética. Por meio desse plano o governo chinês atua em sete direções políticas principais:

acelerar a reforma dos preços de energia/recursos, aumentar o apoio promovido por política

fiscal e tributárias, aumentar canais de investimento e financiamento, melhorar políticas de

importação e exportação, melhorar o suporte técnico, melhorar regulações e padronização e

enfatizar monitoramento, execução e gestão (IEA, 2017).

O Strategic Action Plan for Energy Development (2014), por exemplo, foi criado

para reforçar o papel estratégico da economia energética, tornando-a prioridade no setor

elétrico, industrial, construção e transporte. Algumas de suas medidas incluem um teto de

106 Uma empresa estatal que tem como missão promover a eficiência energética e proteção ambiental.

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150

consumo energético primário em 4,8 bilhões de toneladas de carvão equivalente (tce), com o

consumo de carvão limitado a 4,2 bilhões de toneladas até 2020. Apesar do consumo primário

crescente, a China conseguiu diminuir o nível de sua intensidade energética que tem, nos

últimos anos, permanecido estável.

Dentro desses novos planos derivados dos 12º e 13º Plano Quinquenais, as

medidas citadas anteriormente continuam em vigor e algumas novas merecem destaque como

o Tax Reduction for Energy Saving and New Energy Automobiles (2012), Subsidies for

Efficient Household Appliances (2012) e Energy Efficiency Leader Scheme (2015), também

descritas abaixo.

Quadro 7- Eficiência Energética, China, Políticas. Selecionadas.

Tipos Medidas e Programas Propósitos

Leis

Energy Conservation

Law

Reduzir o consumo energético doméstico. Incorporar a conservação e eficiência

energética no planejamento econômico e social da China.

Energy Label

Derivada da Energy Conservation Label de 1999, instituiu uma etiqueta de eficiência

energética aos produtos que vai de 1 (menos eficiente) para 5 (mais eficiente). Além

disso, a medida ordena que os produtores apresentem relatórios de desempenho

desses produtos.

Padrões

Econômicos

Vehicle Fuel Economy

Standards (tarifas sobre

veículos)

Implantou padrões de eficiência energética para veículos pesados em sua primeira

fase. No segundo momento, em 2008, estendeu as exigências para veículos leves. Os

padrões classificam os veículos em 16 categorias baseadas no peso do veículo sob os

quais incidem tarifas próprias sobre o preço dos veículos.

National Buildins

Standards

O governo chinês estabeleceu pela primeira vez em 2007 (passando a valer em 2008)

um Padrão Energético de Construção como parte do 11º Plano Quinquenal. Esse

padrão exigia uma redução de 50% da carga energética total de operação de

construções em relação ao consumo presente nos anos 1980. Essa regulamentação é

válida para construções residenciais, comerciais e prédios públicos, sendo o seu não-

cumprimento passível de multa de ¥ 200 a ¥500 mil para construtoras.

Assessoria

técnica e

certificações

públicas

Top 1000 Industrial

Energy Conservation

Programme “

Prover informação técnica e assistência para que as empresas tenham informações

sobre a evolução de seu consumo energético e recebam treinamentos e orientações

para evoluírem no sentido da eficiência energética

Energy Efficiency Leader

Scheme

Promover maior eficiência energética entre produtos e equipamentos de alto

consumo energético, indústrias intensivas em energia e instituições públicas. Marcas

e produtores recebem etiquetas do programa China Energy Label quando atingem ou

ultrapassam patamares específicos de eficiência energética.

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151

Compra

pública

Energy Conservation in

Government

Ao adquirir produtos e equipamentos (compras públicas), os governos federais,

estaduais e municipais devem dar prioridade aqueles presentes na Lista de Eficiência

Energética e em caso de contratos públicos o responsável pelo serviço e/ou produto

deve deixar explícito as normas de eficiência energética, qualificação dos produtos e

prioridade de eficiência energética, caso o contrário pode sofrer recurso legal e não-

pagamento. Em 2012, o governo complementou essas medidas com a aplicação de

taxas sob produtos e serviços menos eficientes, bem como o oferecimento de

subsídios para incentivar o uso público de aparelhos mais eficientes e de baixo-

carbono

Preços

diferenciais

Esquema de preços

diferenciais

Preço diferentes para indústrias e produtos intensivos em energia. Além disso, os

consumidores são cobrados pelo aquecimento de acordo com o consumo residencial

médio

Incentivos

Financeiros

Subsidies for Efficient

Household Appliances

Adotada somente no ano de 2012, essa medida liderada pelo State Council tinha um

orçamento de U$4,2 bilhões para subsidiar a compra de variados aparelhos

domésticos elétricos de baixo-consumo (entre eles refrigeradores, máquinas de lavar,

ar-condicionado), lâmpadas mais eficientes e LEDs, veículos com motores abaixo de

1.6L e máquinas elétricas altamente eficientes.

Tax reduction for energy

saving and new energy

automobiles

Desde 2012, essa medida reduziu pela metade os impostos sobre veículos e

embarcações energeticamente eficientes e isentou do pagamento de impostos

veículos movidos por novas energias (leia-se não fósseis)

Fonte: elaboração própria a partir de IEA (2017).

As medidas de eficiência energética não estão, entretanto, isoladas de outros

sustentáculos da política energética contemporânea na China se dando em conjunto com

políticas de mitigação das mudanças climáticas e, principalmente com o desenvolvimento

tecnológico de alternativas energéticas aos combustíveis fósseis.

ii) Desenvolvimento sustentável

Segundo Boyd (2012), nos anos 1980 e 1990, a frase “primeiro desenvolvimento;

depois meio ambiente, primeiro poluir, depois limpar” se encaixava perfeitamente na

realidade chinesa que subordinava totalmente as questões ambientais ao crescimento

econômico e não suscitava nenhuma preocupação ou ação do governo chinês, no entanto,

assim como a conservação de energia passou a ter destaque a partir do 11º Plano Quinquenal,

a questão ambiental passou a figurar no planejamento de longo-prazo do governo. Duas

razões principais estão ligadas a essa mudança de postura: a pressão internacional e as

consequências ambientais desastrosas do padrão de crescimento intensivo em carbono.

É amplamente reconhecido que vencer o desafio das mudanças climáticas sem a

participação da China – o maior emissor de CO2 no mundo – é impossível. A pressão dos

organismos internacionais para que a China se comprometesse com a descarbonização teve,

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152

todavia, resultados somente nos últimos anos quando o país deixou de adotar uma postura

defensiva quanto à redução das emissões e passou a se considerar uma peça-chave no

combate aos problemas climáticos. Aliada à pressão internacional por ações, a China vem

sofrendo com a poluição doméstica resultante do predomínio do uso do carvão mineral como

fonte de energia e aquecimento. O carvão não só é responsável por grande parte das emissões

de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera, mas de dióxido de enxofre (SO2), além de outras

substâncias altamente nocivas ao meio ambiente. Em 2014, 1,1 milhão de mortes foram

atribuídas à poluição na China (COHEN et al., 2015) . Portanto, combater o problema

ambiental doméstico e seus efeitos globais são inevitáveis.

Após o 11º Plano, a necessidade de combater a mudança climática começou a ter

relevância crescente no debate acadêmico e político e alguns documentos importantes como o

National Assessment Report on Climate Change (2007) e White Paper on China’s Climate

Change Actions and Policies (2008) ressaltavam as consequências de um padrão de produção

e consumo baseado em carbono, bem como os perigos da manutenção do crescimento sobre

essas bases. Todavia, somente no 12º Plano Quinquenal (2011-2015) essa postura foi

formalizada e o governo chinês cunhou a necessidade de um caminho de desenvolvimento

mais sustentável. Ressaltou-se nesse plano a necessidade de estabelecer a ideia de um

desenvolvimento verde, de baixo-carbono, com ênfase na eficiência energética e redução das

emissões, além de acelerar a construção de modelos de produção e de consumo sustentáveis

(BOYD, 2012).

Segundo o (NDRC, 2014, p. 1),

uma responsabilidade ativa pela mudança climática não é somente responsabilidade

da China por sua extensa participação na governança global e construção de um

destino comum para a humanidade, mas também pela necessidade inerente de atingir

um desenvolvimento sustentável.

O quadro 8 traz características da política climática chinesa de 1988-2015.

Quadro 8- Evolução da Política Climática Chinesa, 1988-2015.

Anos Eventos Políticas

1988 China entra no IPCC Não há política climática doméstica

1992 China entra na UNFCCC Não há política climática doméstica

1991-

2005

8º ao 10º Plano Não há política climática doméstica/foco do governo é no

direito da China em se desenvolver sem limites de emissão

2006 11 º Plano Declarações da necessidade de reduzir a emissão de gases do

efeito estufa

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153

2007 Lançamento do National Assessment Report

on Climate Change

O relatório destaca a importância da busca de um

desenvolvimento sustentável e dá origem ao National

Climate Change Program

2008 Lançamento do White Paper on China's

Climate Change Actions and Policies

Reforça os perigos da poluição e mudança climática

2009 UNFCC COP15 Conferência de Copenhagen Garantias voluntárias de redução das emissões de 40-45%

até 2020

2011 12º Plano Quinquenal Redução das emissões em 17%; pilotos de Esquema de

Preços de Carbono

2011 Segundo White Paper of China's Climate

Change Actions and Policies

Ressalta a importância de políticas complementares ao 12º

Plano

2013 National Strategy for Climate Change

Adaptation

Conjunto de diretrizes e princípios para adaptar a economia

à mudança climática para 2020

2014 China's Policies and Actions on Climate

Change

Conjunto de medidas que reforçam as diretrizes do 12 Plano

2015 Contribuições Nacionalmente Determinadas

para o Acordo de Paris

Reduzir a emissão de gases do efeito estufa em 60-65% até

2030; aumentar a parcela de consumo energético de não-

fósseis para 20% até 2030

Fonte: Elaboração baseada em Boyd (2012) e IEA (2017).

A partir do 12º Plano Quinquenal, o desenho de um desenvolvimento sustentável

desde a China já estava mais consolidado. Relatórios importantes do governo chinês, como o

White Paper of China’s Climate Change Actions and Policies (2011) e o National Strategy

for Climate Change Adaptation (2013) mostram a intenção da China em introduzir em sua

política de desenvolvimento a proteção ambiental, controle de gases do efeito estufa e

promover a capacidade do país em possuir um desenvolvimento sustentável, bem como a

adaptação de diversos setores às mudanças climáticas. China’s Policies and Actions on

Climate Change (2014), imediatamente antes do Acordo de Paris, reforça as diretrizes que

vinham sendo tomadas desde o 12º Plano: mitigação do efeitos sobre o meio-ambiente,

adaptação e desenvolvimento de projetos de baixo-carbono.

iii) Liderança no mercado de baixo-carbono

Um dos principais meios de se atingir os dois grandes objetivos anteriores de

segurança energética e mitigação das mudanças climáticas é reconhecidamente o

desenvolvimento tecnológico e industrial de energias renováveis. E a China tem se tornado

uma referência em investimento e desenvolvimento dessa indústria nos últimos anos.

A China tem demonstrado cada vez mais estar interessada não só em desenvolver uma

indústria doméstica de baixo-carbono, mas se tornar uma líder mundial no setor. Em meio à

crise de 2008, em que vários países abandonaram projetos ou reduziram drasticamente os

investimentos em energias renováveis e novas energias, o país revisou sua meta de produção

solar doméstica para 20GWs até 2015; naquele momento o país possuía 3GWs de energia

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154

solar, o que correspondia a 0,4% do total de capacidade elétrica doméstica do país. No mesmo

período, a China adotou tarifas feed-in para energia solar e eólica. Até aqui, as metas de

energias renováveis e novas energias só tem sido mais e mais ambiciosas (MAZZUCATO;

SEMIENIUK; WATSON, 2015).

O país começou a desenvolver energias renováveis nos anos 1980, focando em

energia solar e eólica nos anos 1990. Todavia, à época, seu interesse era essencialmente

técnico; as energias renováveis foram vistas como uma solução para áreas rurais que careciam

de energia elétrica (HOPKINS; LAZONICK, 2012). Esse pequeno desenvolvimento de

energias alternativas estava, portanto, muito longe de ser uma solução, um instrumento contra

uma crise energética. Entretanto, como afirmado anteriormente, com o rápido crescimento

econômico e o aumento substancial do consumo energético, as condições de desenvolvimento

econômico nos padrões até então adotados se deterioraram. Segundo Zeng, Li e Zhou (2013,

p. 37) desenvolver energias renováveis na China é a chave para saúde da população chinesa,

bem como para uma busca rápida de um desenvolvimento sustentável e o governo chinês,

mediante as metas bastantes ambiciosas para as energias renováveis que vem apresentando,

parece ter percebido essa relação.

O marco do início de um sistema político de energia renovável é de 2005 com a

aprovação da Renewable Energy Law. Essa foi a primeira lei aprovada no país que fazia

referência às energias renováveis e foi fundamental para direcionar sua evolução. A

Renewable Energy Law coloca o desenvolvimento das energias renováveis como uma política

estratégica de desenvolvimento e possibilitou um conjunto de políticas que estabelece as

condições para que as energias renováveis se tornem a principal energia do país e inclui todas

as suas formas modernas, i.e eólica, solar, hidro, biomassa, geotérmica e oceânica. A partir

dessa lei, as energias renováveis se tornaram uma área preferencial da pesquisa e

desenvolvimento, do desenvolvimento industrial e tecnológico da China e sua principal

política de fomento, as tarifas feed-in, ganharam base legal, bem como a compra obrigatória

pelas distribuidoras de toda energia renovável produzida (IEA, 2017).

Também a partir dela, várias outras políticas foram criadas como a constituição

pelo Ministério das Finanças de um Fundo Especial para a Industrialização de Equipamentos

Eólicos até grandes programas de P&D como o Programa de Cooperação Tecnológica e

Científica para Energias Renováveis e Novas Energias (2008) engajado pelo Ministério de

Ciência e Tecnologia. Esse conjunto de políticas pode ser chamado de sistema político da

energia renovável (ZENG, LI; ZHOU, 2013, p. 37) e algumas delas foram descritas no

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155

quadro 9. O gráfico 31 exemplfica o quadro de capacidade elétrica na China antes do

momento de inflexão com a Renewable Enery Law. Nele é possível perceber a dominância

das energias fósseis na capacidade de geração elétrica do país, o destaque da energia

hidrelétrica na geração de capacidade elétrica, a pequena participação da energia nuclear e a

ínfima e quase nula presença da energia eólica (energia solar não aparece no gráfico por se

aproximar de 0 frente ao total nesse ano). Todavia, quando analisamos os dados disponíveis

de geração elétrica por fonte em 2015, podemos observar uma mudança substancial no

período de 10 anos após a configuração e execução de instrumentos favoráveis às novas

energias. Tomando espaço da eletricidade gerada por fontes fósseis especialmente, a energia

eólica chega a 8,6% do total e a energia solar, que 10 anos antes não aparecia nas estatísticas

por seu valor ínfimo, chega a 2,8% da geração elétrica.

Observando os valores absolutos, os números desagregados das tecnologias eólica

e fotovoltaica são ainda mais impressionantes. Apesar do crescimento expressivo do uso

fóssil para energia elétrica (156%), o crescimento da energia eólica foi muito maior (297%) e

a energia fotovoltaica saiu de um patamar próximo de 0 GW para 42,18 GW de capacidade.

Gráfico 31- Capacidade de geração elétrica instalada por fonte, China, 2005 .

Fonte: elaboração própria a partir dos dados da China Energy Databook.

Hidrelétrica, 22.7%

Fóssil, 75.7%

Nuclear, 1.3%

Eólica, 0.2%Paineis

Solares, 0outros, 0.1%2005

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156

Gráfico 32- Capacidade de geração elétrica instalada por fonte, China, 2015.

Fonte: elaboração própria a partir dos dados da China Energy Databook.

(1) Representam as demais fontes renováveis como geotérmica, bioenergia e de marés.

Esse crescimento das energias alternativas é apontado como consequência das

diversas políticas levadas adiante pelo governo chinês em prol de um projeto de transição

energética. A partir do 11º Plano Quinquenal que iniciou o desenho de metas e diretrizes e do

estabelecimento do suporte legal, diversas outras medidas puderam ser derivadas. O quadro 9

descreve algumas dessas medidas. Entre elas se destacam as tarifas feed-in, principal

instrumento de fomento à produção de energia por fonte renovável. Inspirada nas tarifas feed-

in originárias da Alemanha, o governo chinês estabeleceu primeiramente a Renewable

Eletricity Surcharge (2006) que determinava uma tarifa fixa adicionada ao preço de cada kWh

de eletricidade vendida pela rede. A arrecadação deveria ser distribuída entre distribuidores e

produtores de forma a compensar os altos preços da energia elétrica por fonte renovável.

Hidrelétrica20.9%

Fóssil65.6%

Nuclear1.8% Eólica

8.6%

Paineis Solares2.8%

outros0.3%

2015

GW

Anos Hidrelétrica Fóssil Nuclear Eólica Painéis

Solares Outros (1) Total

2005 117,39 391,38 6,85 1,06 - - 516,68

2015 319,54 1000,55 27,17 130,75 42,18 5,08 1525,27

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157

Posteriormente, o governo foi estabelecendo as tarifas para cada tipo de tecnologia em

formato muito semelhante ao que foi estabelecido na Alemanha: o estabelecimento de tarifas

fixas ao preço da energia elétrica pelo período de 20 anos. A primeira do tipo foi para energia

eólica onshore em 2009, recentemente se estendendo para tecnologias eólicas offshore. Em

2010, foram estabelecidas tarifas específicas para eletricidade produzida a partir de biomassa

e em 2011 para painéis solares. É importante ressaltar que as tarifas feed-in chinesas, assim

como as alemãs, são divididas em categorias de acordo com o tamanho das plantas e região

em que se localizam e também têm seus valores revisados para baixo de tempos em tempos

para os novos projetos, a fim de incorporar de certa forma a redução de custo das tecnologias

no tempo.

Além das tarifas feed-in, o governo estabeleceu nos últimos anos diversas medidas

interessantes como a construção de um Fundo Especial para Industrialização de Equipamentos

Eólicos (2010) que não é somente responsável por arrecadar recursos para novos projetos,

mas também por promover com esses recursos assessoria técnica, avaliação de desempenho e

projetos-piloto para que novas tecnologias ou inovações processuais possam ser testadas.

Também merece destaque o aprofundamento da obrigatoriedade estabelecida pelo governo às

distribuidoras quando à compra de energia elétrica proveniente de fontes renováveis. Com a

Renewable Energy Law, foi estabelecida a compra compulsória, de toda energia renovável

utilizada pelas distribuidoras. Todavia, nos últimos anos, o nível de perdas desse tipo de

energia ocasionada por cortes das distribuidoras por diversos motivos – como falta de

estrutura para receber uma elevada quantidade de carga – tem se elevado. Para coibir esse tipo

de ação, o governo chinês passou a obrigar, através da Renewable Energy Power Purchase

Management Guidelines (2016), o pagamento de taxas também sob a eletricidade perdida

nesse processo. Além dessas medidas, algumas outras ações são descritas no que tange à

instrumentos regulatórios, P&D e difusão de tecnologias e programas liderados pelo China

Development Bank (CDB).

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158

Quadro 9- Energia Renovável na China, Políticas Selecionadas.

Tipo Medida Propósito

Leis Renewable Energy Law

(2006)

Base-legal e política para desenvolver as

energias renováveis. Traz prioridade de

investimento em energias renováveis, bem

como para o desenvolvimento industrial de

baixo-carbono. Sua aprovação permitiu o

estabelecimento de metas de médio e longo-

prazo para o desenvolvimento de energias

renováveis. Bem como o desenvolvimento

de tarifas feed-in para energias renováveis.

Exemplos de medidas derivadas da lei:

Renewable Eletricity Surcharge (2006):

• Tarifa feed-in para energia eólica onshore

e offshore (2009)

• Tarifas feed-in para biomassa (2010)

• Tarifas feed-in para paíneis solares (2011)

Fundo

Fundo Especial para

Industrialização de

equipamentos Eólicos

(2007)

Criado pelo Ministério das Finanças, essa

instituição é responsável por alocar fundos

para projetos eólicos, dando-lhes assessoria,

estudos avaliativos, pesquisa tecnológica e

construção de projetos-piloto. O projeto

apoia também a produção de novas turbinas

eólicas (subsídio de ¥600/kWh ou

U$87,41/kWh para as primeiras 50 turbinas)

Instrumentos Regulatórios

(padrões de mercado,

compras compulsórias)

Padrões para Entrada de

Mercado na Indústria de

Equipamentos Eólicos

(2010)

Introdução de regulações específicas pela

National Develpment Reform Commission

(NDRC) para melhorar a eficiência e

competitividade da indústria local de

equipamentos eólicos. Entre as exigências

estão a produção de uma capacidade mínima

de 2.5MW, a necessidade prévia de

experiência de 5 anos da companhia em

indústria mecânica elétrica de larga-escala,

bem como o estabelecimento de um time

profissional de P&D, entre outras

exigências.

Renewable Energy Power

Purchase Management

Guidelines (2016)

A NDRC determina que as empresas

distribuidoras de energia precisam comprar

toda a energia elétrica por fonte renovável

de acordo com o fornecimento de energia

sob novas bases mais específicas do que as

determinadas pela Renewable Energy Law

devido ao crescente nível de perdas de

energia renovável na distribuição. A partir

desse documento as distribuidoras são

obrigadas a pagar as geradoras por toda a

energia utilizada, inclusive pela

desperdiçada, com pequenas exceções. Esse

documento tem o objetivo de fazer valer a

promessa do governo de garantir acesso à

rede para as geradoras de energias

alternativas.

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159

Pesquisa & Desenvolvimento

e Difusão de Tecnologia

Projeto de Demonstração

“Golden Sun”(2012)

A primeira versão do projeto foi adotada em

2009. Ele provê subsídios (de até 70% dos

custos totais de instalação) para projetos de

desenvolvimento e produção de painéis

fotovoltaicos para sistemas não ligados à

rede de distribuição e subsídios de 50% para

projetos ligados à rede.

Projeto de Instalação de

Painéis Solares em

Residências carentes (2014)

Um projeto da National Energy Agency

(NEA) e da Poverty Alleviation Office que

prevê a instalação de painéis solares em

domicílios carentes pelo período de 6 anos,

iniciando-se em 2014/2015.

Programa de Cooperação

Tecnológica e Científica

para Energias Renováveis e

Novas Energias (2008)

Implantada pelo Ministério de Ciência e

Tecnologia, tem o objetivo de introduzir

tecnologias de ponta no mercado nacional,

atrair pesquisadores do mundo inteiro e

desenvolver programas de intercâmbio com

centros de pesquisa. Em 2010, 103 acordos

de cooperação foram assinados, com

destaque para energia solar, aquecimento

solar, biomassa e energia eólica.

Programas do China

Development Bank (CDB)

Projeto Rudong de Energia

eólia offshore (2011-2012)

O CDB financiou dos primeiros programas

de energia eólica offshore do país, na

Província de Jiangsu. O projeto tem uma

capacidade de instalação elétrica de 150mw.

Projeto Integrado de Energia

Fotovoltaica (2015)

Em 2015, o CDB investiu ¥ 900 milhões um

projeto de 100mw de energia fotovoltaica

que também integra

Fonte: IEA (2017) e China Devolopment Bank (2015).

Alguns programas de desenvolvimento de tecnologias renováveis pelo China

Development Bank (CDB) foram descritos acima em uma tentativa de representar a

importância do banco de desenvolvimento chinês no processo de transição energética de

baixo-carbono. O CDB alocou no ano de 2015, ¥1,57 trilhões em projetos através do chamado

green credit (que inclui novas energias e energias renováveis, eficiência energética, controle

de poluição, entre outros). Durante o 12º Plano Quinquenal (2011-2015) o banco destinou ¥

300 bilhões para 1000 projetos relacionados às novas energias e energias renováveis,

tornando-se o maior banco de financiamento da indústria renovável na China.

Em relação aos investimentos gerais em energia renovável, a China se destaca

mundialmente. O país representou em 2015 36% – excluindo a energia hidrelétrica – do total

de investimento em energia renovável no mundo, totalizando um montante de U$102 bilhões

(um crescimento de 17% em relação a 2014).

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160

Gráfico 33- Tendência de investimento em energia renovável, excluindo hidrelétrica,

China, 2004-2015.

Fonte: IRENA (2016b).

Graças ao forte aporte financeiro e a um sistema político que deu suporte, as

energias renováveis tiveram uma boa base para o desenvolvimento rápido. A capacidade

elétrica instalada em energias renováveis (hidrelétrica, de marés, eólica, solar, bioenergia,

biocombustíveis líquidos, geotérmica) na China saiu de menos de 200 GW em 2006, quando

do início da Renewable Energy Act, para próximo dos 500GW no ano de 2015, um

crescimento de 150% (20% a.a) correspondendo a 25,6% da capacidade instalada global em

energias renováveis.

3.08.2 11.1

16.6

25.7

39.5 38.7

49.1

62.869.6

83.3

102.9

0

20

40

60

80

100

120

2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015

U$ bilhões

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161

Gráfico 34- Capacidade elétrica renovável instalada (GW) na China (hidrelétrica, solar

e eólica), 2004-2015.

Anos Hidrelétrica De Marés Eólica Solar Bioenergia Geotérmica

2000 79,35 0,00 0,34 0,02 1,10 0,03

2005 117,39 0,00 1,27 0,07 2,00 0,03

2010 214,70 0,00 31,41 0,80 5,50 0,03

2015 320,91 0,00 129,34 43,19 10,32 0,03

Fonte: IRENA (2016b).

A energia hidrelétrica continua se destacando no país, mas o cenário já é bastante

distinto daquele observado no início dos anos 2000. A partir de 2006, com a Renewable

Energy Law e o 11º Plano Quinquenal outros tipos de tecnologia começaram a se desenvolver

como resultado do grande suporte e atenção dadas a elas pelo governo chinês. Entre eles,

destacam-se a energia eólica e solar como é possível observar no gráfico.

Mesmo frente ao crescimento expressivo das energias renováveis em menos de

uma década, o país pretende chegar ainda mais longe. O 13º Plano Quinquenal para o

Desenvolvimento Energético (parte do 13º Plano que se dedica às questões energéticas),

apresentado no quadro 10, anunciou intenções ambiciosas como ter 680 GW de capacidade

instalada em energias renováveis até 2020, um aumento de 35% em relação a 2015 (ou um

-

100.00

200.00

300.00

400.00

500.00

600.00

2000 2005 2010 2015

Hidrelétrica Marinha Eolica Solar Bioenergia Geotérmica

GW

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162

aumento de 6,18% a.a). Essa promessa de crescimento está especialmente centrada nas

energias solar e eólica. O governo chinês pretende aumentar até 2020 143,1% (19,4% a.a) e

70,1% (11,2% a.a) a capacidade instalada de energia solar e eólica, respectivamente.

Enquanto isso, o aumento da energia hidrelétrica seria bem menor, de 18,4% (3,4% a.a).

Quadro 10- 13º Plano Quinquenal para o Desenvolvimento Energético, principais metas.

Foco Metas

Consumo Energético Primário de fontes Não-

Fósseis Aumentar para 15% em 2020 e 20% em 2030

Capacidade Renovável Total Instalada Aumentar para 680 GW para 2020

Capacidade Eólica (on-shore e off-shore) Instalada Aumentar para 220 GW para 2020

Capacidade Hidrelétrica Instalada Aumentar para 380 GW para 2020

Capacidade Solar Fotovoltaica Instalada Aumentar para, ao menos, 105 GW

Capacidade de Energia de Marés Instalada Chegar a 50 MW de capacidade acumulada

Fonte: elaboração própria a partir da IEA (2017).

O desenvolvimento da indústria de renováveis na China cresce e,

consequentemente gera empregos. A China também tem se destacado pelos números de

empregos que tem gerado a indústria de baixo-carbono. Em 2015, a indústria de renováveis na

China gerou um acumulado de 3,52 milhões de empregos, 40% do total de empregos criados

por essa indústria globalmente, destacando-se no país a indústria de painéis solares (47%) e de

aquecimento/resfriamento por energia solar (21%) e a eólica (14,3%).

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163

Gráfico 35- - Número de Empregos Acumulados, Indústria de Energia Renovável,

China.

Fonte: IRENA (2016a).

Como mencionado anteriormente, a composição de alternativas energéticas

almejadas pela China não se limita às energias renováveis, a China aposta na energia nuclear

para suprir sua demanda energética futura e mitigar os problemas climáticos ocasionados

pelos combustíveis fósseis.

Segundo a World Nuclear Association107 a China possui atualmente 36 reatores

Nucleares em operação e 21 em construção, além de outros projetos de construção que ainda

não iniciaram. O 13º Plano Quinquenal sinalizou o desejo do governo de tornar uma fonte

importante a partir da meta de atingir até 2030 de 120 a 150 GW de energia nuclear o que

seria, aproximadamente, 8% a 10% do total de eletricidade produzida na China em 2030. Hoje

a produção elétrica produzida por energia nuclear está em torno de 3%.

A China também vem desenvolvendo sua própria tecnologia de desenho e

construção de reatores nucleares tendo se tornado autossuficiente tecnologicamente nos

últimos anos. Além de ter como objetivo aumentar expressivamente sua capacidade

energética nuclear, a China pretende exportá-la bem como componentes da cadeia de

produção da energia nuclear.

107 Informações disponíveis em: <http://www.world-nuclear.org/information-library/country-profiles/countries-

a-f/china-nuclear-power.aspx>. Acesso em: mar. 2017.

3,523

1,652

743

507

100

71

0 1,000 2,000 3,000 4,000

Total

Solar fotovoltaica

Solar aquecimento/resfriamento

Eólica

Hidrelétrica (pequeno porte)

Biocombustíveis

Número de empregos acumulados ( em milhares)

Total de empregos acumulados na China (2015): 774,51 milhões

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164

3.3 Alemanha e China: discussão sobre o desenho de políticas mais sustentáveis

As seções anteriores sobre a Alemanha e China tiveram a intenção de elencar os

principais pontos declarados pelos países ou identificados pelos observadores no que tange as

suas ações concernentes à transição energética. Já essa seção tem o intuito de retomar esses

pontos, bem como alguns elementos fundamentais tratados em capítulos anteriores a fim de

promover uma discussão em torno das ações tomadas por esses dois países, bem como

realizar uma comparação entre elas.

No segundo capítulo, expuseram-se algumas tentativas de construir um

instrumental teórico capaz de “definir” um possível desenho de políticas públicas para o

desenvolvimento sustentável, chamando-o de um “sistema nacional de inovação sustentável”.

Dentro desse sistema nacional, ressaltou-se que a transição energética tem papel fundamental

e que, para a transição energética é mister o desenvolvimento de tecnologias mais limpas

capazes de quebrar a dependência das economias para com os combustíveis fósseis. Dentre

essas tecnologias, destacaram-se as energias renováveis e tecnologias que promovam

eficiência energética. Retomando as grandes características desse sistema nacional voltado à

inovação sustentável, pontua-se que ele deve permitir e incentivar a criação de “novo”

conhecimento voltado à promoção de inovação sustentável baseado em um projeto para essa

missão específica, fundamental para a construção de novas trajetórias e paradigmas, deve

promover mudanças sistêmicas nas tecnologias e sistemas sociais e institucionais para abrir

espaço para sua aceitação e deve conter um mix de políticas que vão desde regulamentação e

estímulo ao P&D até subsídios à construção de plantas e difusão dessas tecnologias, tendo

assim uma estratégia industrial sustentável.

Ressaltou-se também durante todo o trabalho que o sistema nacional de inovação

sustentável está dentro de uma estrutura maior e complexa: o sistema político para a transição

renovável ou de baixo-carbono, fundamental para romper o lock-in do carbono . Por isso, para

analisarmos o desenho dos respectivos sistemas foi preciso entender mais profundamente a

construção política e histórica de cada um, seus principais pilares e atores. Dessa maneira o

quadro abaixo buscou representar uma “fotografia” do sistema político para transição alemão

e chinês, respectivamente.

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165

Quadro 11- Características Principais dos Sistemas Nacionais de Inovação Sustentável.

Alemanha e China.

Destaques Alemanha China

Instrumento de

planejamento

Energy Concept 13º Plano Quinquenal para o

Desenvolvimento Energético

Suporte Legal Renewable Energy Sources Act

(EEG)

Renewable Energy Law

Principais

instituições • BMUB

• Federal Environment Agency

• BAFA

• NDRC

• NEA

Tecnologias

favorecidas • Eólica

• Solar

• Biomassa

• Tecnologias de Eficiência

Energética

• Eólica

• Solar

• Nuclear

• Tecnologias de Eficiência Energética

Principal política • Tarifas feed-in (EEG) com

transição para leilões energéticos

(EEG-2014)

• Sistema misto de tarifas feed-in e leilões

energéticos

Fonte: elaboração da autora.

A partir do quadro 11 pode-se resgatar e discutir os principais pontos que foram

apresentados nas seções anteriores de maneira mais descritiva. Como apontado, o papel do

Estado na transição energética da Alemanha e da China é bastante forte e esse papel se

explicita inicialmente por meio de seus grandes instrumentos de planejamento. Ambos os

países possuem planos de planejamento energético, instrumento fundamental para estabelecer

metas e prazos, mobilizar as instituições envolvidas no processo, direcionar investimentos,

além de sinalizar à comunidade (nacional e internacional) os respectivos papéis políticos

desses países no combate às mudanças climáticas. Ambos os planos estão em linha com as

metas de redução de emissões apresentadas pelos países na ocasião da 21ª Conferência das

Partes (COP21) e constituem metas claras não somente para o objetivo final (redução das

emissões), mas dos meios pelos quais essa redução ocorrerá.

O Energy Concept alemão é a culminância de um debate protagonizado pela

sociedade alemã por mais de 40 anos. O grande plano de transição energética do país reúne os

rumos de uma economia essencialmente baseada em energias renováveis que transita não

somente das energias fósseis, mas da energia nuclear, cuja saída (da energia nuclear) é parte

inseparável do desejo e busca de uma economia mais sustentável. As grandes apostas

tecnológicas do plano, além da eficiência energética, são a energia eólica, tecnologia que o

país já apresenta um nível bastante significativo de experiência e sucesso de sua difusão,

energia solar e, mais recentemente, o foco na produção energética por biomassa. Como

afirmado, as grandes questões que movem a transição energética alemã são o combate às

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mudanças climáticas, o desenvolvimento de novas tecnologias renováveis, a eliminação dos

riscos apresentados pela energia nuclear, segurança energética e o fortalecimento das

economias locais e justiça social. O Energy Concept é, em essência, um plano para transição e

esse é, aliás, um dos pontos que o difere do principal instrumento de planejamento chinês.

O 13º Plano Quinquenal para o Desenvolvimento Energético, o principal

instrumento de planejamento energético chinês, tem explicitamente como seus principais

objetivos promover a transição energética chinesa para o baixo-carbono e tem como apostas

principais a energia solar, eólica e nuclear e um importante papel da eficiência energética,

todavia, uma sutileza de sua natureza é que o plano é derivado de projeto de crescimento e

desenvolvimento econômico maior: o 13º Plano Quinquenal. Esse fato não diminui a

importância dos esforços gigantescos da economia chinesa em direção à transição, mas expõe

uma natureza distinta do sistema político para transição da Alemanha: o ponto de partida e seu

momento de exeução.

No que tange ao ponto de partida, a transição alemã é, em grande parte,

consequência de um intenso debate de décadas da comunidade alemã – que é claro, não está

desvinculada de interesses políticos e econômicos – enquanto a transição chinesa claramente

faz parte de um projeto maior de crescimento econômico do tipo top-down108 que, como

observamos anteriormente, esbarrou em limites físicos e políticos impostos pelas “mudanças

climáticas”, problemas dos quais o modelo anterior de crescimento é incompatível. Essa

diferença, é claro, reflete a natureza dos sistemas econômicos e políticos de cada país e não

somente isso, como a temporalidade de seus respectivos desenvolvimentos econômicos.

Enquanto o processo de transição energética de baixo-carbono alemã é essencialmente

democrático e representa a confluência de diversos setores da sociedade em um país que

iniciou seu processo de aprisionamento tecnológico em energias intensivas em carbono na II

Revolução Industrial, a transição chinesa é legitimada principalmente pela burocracia estatal

que deseja fazer parte do combate as emissões, ao mesmo tempo que precisa garantir que o

crescimento econômico alcançado recentemente e a segurança energética necessária para

movê-lo seja garantida. Enquanto a Alemanha, um país desenvolvido, tem problemas seus

desigualdade, emprego, habitação, saneamento, transporte, entre outros minimizados, dando

espaço para que projetos de transição possam ser mais facilmente aceitos pelas autoridades e

pela população, a China recentemente entrou em um processo intenso de crescimento e

desenvolvimento, aumentando a renda e qualidade de vida da população e, consequentemente,

108 Que vem “de cima para baixo” em tradução livre.

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devido ao paradigma dominante, entrando no lock-in do carbono, padrão dominante dos

países desenvolvidos. É difícil ainda para o governo e também para a população chinesa que

progressivamente consome mais dentro do sistema intensivo em combustíveis fósseis pensar

dar passos para trás. A China se encontra em um paradoxo, como afirmado anteriormente, e

tem feito esforços importantes e criativos para conciliar o desejo de desenvolvimento com a

necessária transição energética, especialmente encontrando na economia de baixo-carbono

uma nova oportunidade de liderança no mercado internacional. Em meio a esse paradoxo, a

transição chinesa muitas vezes parece ambígua, e parece dividir espaço constantemente coom

outros objetivos do governo chinês.

Novamente, reforça-se que a Alemanha também busca com a transição o

desenvolvimento econômico, segurança energética e novas frentes de desevolvimento e

expansão tecnológica, mas a pressão social para que os objetivos ambientais tenham

prioridade é bastante explicito na Alemanha, como dito pela característica mais democrática e

também temporal de seu desenvolvimento. Essas afirmações podem ser coroboradas pelo

levantamento dos órgãos que controlam as políticas ambientais, industriais e tecnológicas

voltadas à transição em ambos os países.

No quadro 11 foram elencadas algumas das principais instituições que compõem

os sistemas nacionais de inovação de cada país. Na Alemanha, existe uma gama maior de

agentes que coordenam e executam projetos sob o guarda-chuva da Energy Concept, entre

eles o principal é Federal Ministry for the Environment, Nature Conservation and Nuclear

Safety (BMUB) cujo nome já diz bastante sobre a característica da transição energética alemã.

As políticas energéticas voltadas à transformação da matriz são conduzidas especialmente

pelo ministério que tem como principal missão lidar com desafios ambientais que atinjam a

população alemã, com destaque para a contaminação radioativa. O BMUB, além disso,

trabalha em conjunto com a Federal Environment Agency e a Federal Agency for Nature

Conservation (BAFA) Todavia, as diversas medidas e projetos envolvem outras agências e

ministérios quando necessário. Essa é uma característica distinta do sistema chinês cujo

coordenação legal e política da transição está nas mãos especialmente da National

Development Reform Commission (NDRC) que é o principal órgão de gerenciamento

macroeconômico do país, e que formula e implementa estratégias econômicas e sociais de

desenvolvimento. Dentro da NDRC existem departamentos mais específicos como o National

Energy Administration (NEA) responsável por formular e aplicar planos de desenvolvimento

e políticas industriais no setor energético em geral, ou seja, não especificamente para energias

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renováveis. O NEA administra a produção e consumo de carvão, petróleo, gás natural, energia

nuclear e renovável, além das medidas de eficiência energética. A partir das instituições que

controlam o projeto de transição, que são as mesmas que promovem o desenvolvimento

econômico e desenvolvem outros tipos de energia, pode-se retomar o caráter paradoxal da

transição chinesa que desenvolve alternativas limpas ao mesmo tempo que não abre mão da

promoção de alternativas fósseis que ainda são a base de seu desenvolvimento econômico,

mesmo com os pesados investimentos em alternativas mais limpas. Essa característica deixa

claro que a China tem consciência de que para manter o desenvolvimento que deseja e

também que para se destacar no mercado internacional, deve promover grandes esforços de

transição e não permitir que sua economia permaneça aprisionada aos combustíveis fósseis..

É importante ressaltar um fator que caracteriza o principal ponto de divergência

entre a transição alemã e chinesa: o papel da energia nuclear. Como visto, a Alemanha tem

como premissa de sua transição energética a saída da energia nuclear. O órgão que

coordenada as políticas energéticas para a transição é o mesmo que regula os efeitos

deletérios da produção energética nuclear e garante a segurança dos cidadãos contra eventos

radioativos. Enquanto isso, a China tem como um de seus principais pilares de transição a

energia nuclear. Por várias vezes, é possível encontrar nos relatórios chineses o termo “novas

energias” em vez de “energias renováveis”, isso porque como a energia nuclear não é

considerada uma energia renovável pelos órgãos competentes como a Agencia Internacional

de Energia (IEA) o termo não seria adequado e a presença de “novas energias” sinaliza que a

intenção do governo chinês é transitar para um sistema composto de energia nuclear mais

energias renováveis.

Visto os instrumentos de planejamento utilizados por cada país para a promoção,

pode-se retomar os principais suportes legais descritos nas seções anteriores e que legitimam

as diversas medidas da transição. Para a Alemanha a Renewable Energy Sources Act (EEG) e

para a China a Renewable Energy Law. É claro que, em ambos os países, existem outras leis

importantes concernentes ao setor energético e algumas foram citadas e descritas nas seções

anteriores. Todavia, essas duas leis representam o principal suporte legal para o

desenvolvimento institucional, econômico e tecnológico de energias alternativas. Por meio

delas, energias alternativas aos fósseis passam a ter prioridade no desenvolvimento de

medidas ambientais, energéticas e industriais. Ambas as leis instituíram também a principal

política para a transição energética desses países: as tarifas feed-in.

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As tarifas feed-in são consideradas atualmente o principal instrumento de

intervenção dos governos na seleção e desenvolvimento tecnológico das energias renováveis.

Esse tipo de tarifa estabelece a garantia por contrato de longo-prazo de um preço fixo por

kWh aos produtores de eletricidade renovável. Amplamente discutido nesse trabalho, a

primeira versão desse instrumento é originalmente alemã, sendo copiada não só pela China,

mas por diversos países que desejam incentivar energias alternativas. Entretanto, as tarifas

feed-in chinesas tiveram desde seu início, uma característica divergente das tarifas alemãs: a

coexistência com sistema de leilões energéticos. Ao contrário da Alemanha, a China adotou

um sistema misto de tarifas feed-in e leilões. Antes da Renewable Energy Law, em 2003, o

país introduziu leilões renováveis para energia eólica onshore e posteriormente para painéis

solares e aquecimento solar (CSP) e eólica offshore; os leilões renováveis são utilizados para

determinar o preço real da eletricidade baseada em energias renováveis e, consequentemente,

definir o nível da tarifa, que é determinada em última instância pela NDRC (IRENA, 2013).

As tarifas feed-in tem sido relacionas ao sucesso das energias renováveis nesses dois países.

As tarifas feed-in são os principais instrumentos de incentivo as energias

renováveis, mas não estão sozinhas. Nas seções anteriores foram descritas também algumas

políticas tanto de promoção de energias renováveis como de eficiência energética guiados

pelas metas de redução das emissões para ambos os países. Percebeu-se que tanto a Alemanha

quanto a China têm um conjunto de políticas de demanda e de oferta como definidos no

capítulo 2 que compõem seus sistemas nacionais de inovação sustentável. Nesse capítulo,

afirmou-se que uma das características principais desse sistema é a presença de um mix de

políticas de demanda e oferta que definem uma estratégia industrial sustentável. Definiu-se

também que políticas de demanda são aquelas que têm como característica principal moldar o

padrão de demanda de energia e políticas de oferta como políticas que são desenhadas para

intervir mais diretamente na estrutura de oferta. Tanto a Alemanha quanto a China possuem

um desenho de estratégia industrial bastante consolidado, que explicita aos observadores a

intenção de criar uma nova trajetória de desenvolvimento tecnológico e econômico baseados

em uma matriz energética mais limpa. Elas vão desde políticas regulatórias como taxas sobre

combustíveis fósseis, obrigatoriedade da existência de etiquetas ecológicas em produtos

elétricos ou tarifas e penalidades para o consumo elétrico além do determinado, que podem

ser denominadas essencialmente políticas de formatação da demanda energética ou políticas

de demanda, até subsídios diretos à construção de plantas renováveis, financiamentos com

taxas favorecidas para projetos renováveis disponibilizados por bancos de desenvolvimento

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públicos a grandes programas de P&D e cooperação internacional, políticas caracterizadas

aqui como sendo de oferta, por representarem em grande parte o objetivo de transformar a

estrutura de oferta energética da economia.

Esse mix de políticas é legitimado por um arcabouço legal compatível com a

busca pela transição energética e também por uma noção do papel que o Estado deve ter um

papel maior do que apenas consertar “falhas de mercado”, mas sim de criar e moldar os

mercados (MAZZUCATO, 2011). É claro que Alemanha e China possuem tanto um histórico

de construção de suas transições distintos, como um sistema político distinto, mas os dois

sistemas vão ao sentido contrário da lógica mainstream de um que o mercado é capaz de

seguir sozinho um caminho de desenvolvimento e ambos levam em conta que diversas

trajetórias são possíveis, inclusive àquelas sujeitas à aprisionamentos tecnológicos

(ARTHUR, 1990). Essas considerações podem ser verificadas quando o caminho inverso de

análise é realizado, ou seja, olhando os tipos de políticas principais utilizadas por esses países

para promover a transição. Ambos os países estão intervindo diretamente na construção de

trajetórias tecnológicas, primeiramente sinalizando aos agentes o caminho a ser seguido, e

posteriormente direcionando esses investimentos, investindo diretamente ou indiretamente na

reestruturação da oferta energética. Existe para ambos os que Freeman denominou de projetos

orientados para uma missão que devem, em linhas gerais, “definir soluções técnicas

economicamente viáveis relativas a problemas ambientais específicos” (FREEMAN, 1996).

A transição energética de baixo-carbono não se limita, entretanto, ao âmbito

nacional; ambos os países desejam ser líderes no mercado internacional de baixo-carbono,

algo que já vem sendo concretizado pelo market-share das empresas alemãs e chinesas na

produção de tecnologias renováveis como visto no capítulo 1. O mercado de baixo-carbono se

abre para ambos como uma nova oportunidade de expansão internacional de sua produção e

mesmo de liderança política internacional. A Alemanha historicamente é presença obrigatória

na liderança dos acordos climáticos e ações contra as mudanças climáticas desde os anos

1970. Como visto, o país tem sido a voz das políticas ambientais e de transição no Bloco

Europeu e também foi a principal liderança das Conferências das Partes da ONU dado a

ausência de liderança de grandes economias como os EUA e China. A China por sua vez,

assumia uma postura defensiva contra os Acordos Climáticos, postura essa que foi se

transformando no século XXI até se tornar a principal liderança da última conferência, ao lado

dos EUA. Com a saída dos EUA do Acordo de Paris sob a administração Trump, a China se

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apresenta atualmente como o principal país porta-voz do combate às mudanças climáticas e da

promoção da transição energética de baixo-carbono.

4. CONCLUSÃO

Essa dissertação teve como principal objetivo entender os limites impostos pelo lock-

in ou aprisionamento do carbono e arranjos propostos para a sua quebra de modo que as

economias possam transitar para um sistema energético de baixo-carbono especialmente

através de tecnologias renováveis. Essa transição tem se apresentado como condição

necessária para que a meta limite de aumento médio da temperatura em relação aos níveis pré-

industriais (2ºC até 2100), como ratificado pelo Acordo de Paris, possa ser algo próximo de

ser realizado.

Para realizar essa discussão, percorreu-se um longo caminho. O primeiro capítulo

buscou situar a discussão do lock-in do carbono na teoria microeconômica, especialmente em

uma abordagem crítica àquela presente nos manuais mais consagrados de Microeconomia. O

sucesso ou não de inovações tecnológicas na visão convencional está relacionado aos retornos

decrescentes de escala que levam a economia para um equilíbrio de preços e de divisão de

mercado ótimo, sem levar em conta que a história do desenvolvimento das tecnologias pode

influir e influi no sucesso ou não de uma determinada tecnologia e, mais que isso, sem

considerar que os caminhos tecnológicos dominantes podem não ser ótimos. Resgatou-se,

portanto, para o entendimento dessas questões o arcabouço teórico evolutivo que considera

que o desenvolvimento de tecnologias (path dependence) está intimamente relacionado a uma

dinâmica co-evolutiva de acumulação de vantagens e retornos crescentes que dão origem e

alimentam estruturas maiores denominadas de paradigmas tecno-institucionais, dentro de um

ambiente de incerteza fundamental.

Esse entendimento da economia como um sistema dinâmico, evolutivo e orgânico, ou

seja, de um sistema complexo em que as interações entre os agentes importam e evoluem com

o tempo, permite incorporar à análise que o desenvolvimento e difusão de inovações fazem

parte de um sistema composto não somente por fatores técnicos, mais sociais/institucionais.

Essa introdução teórica se justifica, pois, entender a dificuldade em se transitar para uma

economia de baixo-carbono significa entender que os caminhos tecnológicos nem sempre são

ótimos, mas também é entender que eles podem aprisionar as economias em trajetórias

tecnológicas inferiores e com graves consequências sociais e ambientais, como é o caso do

lock-in do carbono.

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Buscou-se nesse primeiro capítulo discutir a relação entre mudança técnica e mudança

ecológica, discussão necessária para desenhar possíveis caminhos de ação para a emergência

de novas tecnologias mais limpas, bem como o amadurecimento e difusão das já existentes

frente a um ambiente hostil dominado por um paradigma tecno-institucional intensivo em

carbono. Ressaltou-se que uma revolução tecnológica é composta por cinco elementos como

afirmado por Freeman (1984) e descrito na seção 1.1. O principal deles, que difere uma

revolução das demais mudanças técnicas, é aceitação social e política de um conjunto de

tecnologias. Somente ela, segundo o autor, garante a verdadeira difusão de um novo

paradigma tecnológico

O lock-in do carbono tem origens no padrão de produção e consumo que move a

sociedade capitalista e que atende às diversas necessidades do homem contemporâneo –

transporte, vestuário, moradia, alimentação, entre outras (UNRUH, 2000, 2002). A

dependência da sociedade para com o carbono é consequência da construção do que Daniel

Yergin denominou de “Sociedade do Hidrocarboneto”, ou seja, uma sociedade que se

construiu sobre o consumo de combustíveis fósseis e depende deles para existir da maneira

que é. Essa definição tem forte relação com a análise de Freeman (1984) de que uma

revolução tecnológica somente é possível mediante a aceitação social de um novo “conjunto

de soluções”. Essa perspectiva traz um lado ainda mais complexo das barreiras impostos à

transição de baixo-carbono: a mudança social e institucional. Dadas as raízes e constituição

dessa sociedade, como visto na seção 1.2.1, a transição para uma economia de baixo-carbono

parece estar longe de ser somente uma mudança tecnológica, apesar das tecnologias mais

limpas terem um papel central nesse processo.

Realizou-se também um levantamento de algumas evidências quanto à dependência

das economias para com os combustíveis fósseis, bem como das consequências da

permanência do business as usual. Nesse processo ressaltou-se a centralidade do sistema

energético na causa e nas consequências do uso intensivo de combustíveis fósseis, bem como

se apresentou o desenvolvimento das energias renováveis como um grande caminho de

descarbonização. A transição do sistema energético para um sistema de baixo-carbono não é

somente um caminho para reduzir as emissões, mas também é indispensável para que as

previsões de crescimento de consumo energético futuro possam, ao menos em parte, serem

suportadas de uma maneira compatível com os limites físicos do planeta. Como visto no

gráfico 5, a Energy Information Admnistration, a principal agência americana de energia,

prevê um crescimento do consumo de energia global em 48% até 2040 (2012 como ano base),

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crescimento que, caso não haja uma maior difusão de energias mais limpas, será suprido por

combustíveis fósseis (EIA, 2016). Portanto, está cada vez mais latente a necessidade de uma

transformação estrutural de baixo-carbono que não se limite somente ao consumo mais

eficiente de combustíveis fósseis, mas que torne dominantes energias renováveis e mais

limpas. As energias limpas podem também serem vistas como uma nova oportunidade de

criação de empregos, algo que foi sinalizado com a crise de 2008 em que vários governos

adotaram medidas anticíclicas para criação de demanda efetiva, e as energias renováveis

estiveram no foco desses novos investimentos.

O preço da não ação, entretanto, pode ser bastante alto, trazendo diversos efeitos

negativos para o crescimento e desenvolvimento econômico por meio dos efeitos sobre o

planeta que afetariam recursos básicos da vida na Terra como a disponibilidade de água, de

espécies, além das consequências para a infraestrutura urbana em especial para os países em

desenvolvimento (STERN, 2007).

Mediante a necessidade de mudanças e das dificuldades impostas à transição para um

sistema energético de baixo-carbono, o grande desafio é acelerar esse processo. Todavia, a

transição mais acelerada não se dará de maneira automática. Abordou-se nesse trabalho que as

barreiras internas, ou seja, àquelas que mantêm o paradigma tecno-instituional baseado em

carbono não permitem que as transformações sejam feitas de acordo com as necessidades

mais latentes da sociedade. Acredita-se que a mudança se dará por meio de forças

“exógenas”.

Considerou-se aqui que as políticas públicas têm papel fundamental na transformação

estrutural da matriz energética. Historicamente, apresentou-se que as políticas públicas dentro

de um projeto orientado para uma missão foram catalizadoras fundamentais da mudança

técnica como visto nos programas militares e espaciais nos EUA, no surgimento da indústria

química alemã, nas experiências de catching up asiáticas, entre outras. O desafio de transitar

para um sistema energético de baixo carbono frente aos enormes desafios impostos às

tecnologias mais limpas sugere que esse processo requer um conjunto de políticas

coordenadas e um regime político favorável ao desenvolvimento de energias mais limpas.

Esse conjunto de fatores foi denominado aqui como “sistema político de inovação

sustentável”, que deve conter projetos orientados para uma missão (mission-oriented projects)

e cujo vertente principal é a presença de um mix de políticas, descritas aqui especialmente

como sendo de “demanda” e de “oferta” que definam uma estratégia industrial sustentável.

Esse sistema nacional de inovação deve aliar os objetivos ambientais aos objetivos

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industriais/tecnológicos e os projetos orientados para uma missão devem ter uma abordagem

sistêmica que reúna diversos atores e setores da sociedadecomo exposto no quadro 1.

Todavia, esse arranjo político sistêmico requer uma visão de papel do Estado muito

maior do que de meramente consertar as “falhas de mercado” existentes e isso representa um

grande desafio visto que a noção dicotômica entre Estado e Mercado, ou seja, a visão de que

ambos não podem trabalhar em conjunto, mas são competidores vêm se consolidando há

algumas décadas. Entender que o Estado pode ser um ator fundamental na transição

energética exige que o papel do Estado possa ser, inclusive, o de empreendedor. A estratégia

industrial sustentável requer que as políticas realizadas pelo Estado criem e moldem os

mercados (Mazzucato, 2011) e essa concepção é diferente do que concebe a lógica maistream

por dois motivos: primeiro, porque parte do princípio de que a ideia de um único caminho

ótimo para o desenvolvimento econômico é uma falácia, acreditando-se que o

desenvolvimento econômico pode seguir diferentes trajetórias que podem estar sujeitas a lock-

ins, como afirmado anteriormente e, segundo, porque considera que o “caminho ótimo” é

necessariamente normativo, ou seja, pode variar no tempo e no espaço e depende de

negociações políticas (FOXON, 2017). Esses dois fatores, especialmente o último, abre

espaço para que as escolhas públicas sejam papel fundamental na determinação de novos

caminhos tecnológicos, o que atribui ao Estado um papel importante na definição de

trajetórias dominantes e no surgimento de novas.

Apesar da importância fundamental do Estado no processo de transição, discutiu-se

também que existem limitações bastante importantes a sua atuação. Primeiramente porque o

Estado também faz parte dos paradigmas tecno-institucionais estabelecidos e o Estados são

grandes responsáveis pela criação de uma Sociedade do Hidrocarboneto, além da deste em ser

cooptado por interesses privados no lugar de interesses coletivos, o que Marques (2015)

denominou de “Estado Corporativo”. Todavia, reforçou-se que lock-ins, inclusive os

institucionais e sua estabilidade coexistem o tempo todo com tensões que ameaçam a sua

existência.

O terceiro capítulo buscou trazer para essa dissertação, por meio das experiências

correntes de transição energética, os desenhos do sistema nacional de inovação da Alemanha

e da China, de maneira que essas pudessem contribuir com o aprofundamento do esforço

teórico realizado no segundo capítulo para definir o que seriam esses sistemas que aliam

propósitos de desenvolvimento industrial e tecnológico com questões ambientais a fim de

romper o lock-in do carbono apresentado no capítulo 1.

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O aprofundamento da experiência Alemanha e Chinesa é bastante rico e também

muito complexo. Como afirmado por diversas vezes nesse trabalho, a transição para uma

economia de baixo-carbono exige ações sistêmicas, isso porque o lock-in não se trata

meramente de barreiras técnicas, mas de uma infraestrutura bastante consolidada, que traz

retornos crescentes de escala aos agentes e que está profundamente relacionada à construção

do capitalismo contemporâneo, influindo sobre a maneira como as pessoas se locomovem,

comem, se vestem, moram, entre outros, além de estar fortemente relacionado a grupos

financeiros poderosos.

Apesar da complexidade do tema, diversos pontos importantes puderam ser

levantados. O primeiro deles é a natureza inicial distinta da construção dos regimes políticos

para a transição desses países. A Alemanha possui um grande plano de transição, o

Energiewende, como consequência de mais de quarenta anos de debates públicos que alia a

questão ambiental à anti-nuclear. A China deriva seu planejamento de transição do 13º Plano

Quinquenal de Desenvolvimento, mas especificamente do 13º Plano Quinquenal para o

Desenvolvimento Energético, um plano essencialmente construído pela burocracia estatal e

seus colaboradores caracterizando um projeto de transição bastante ligado ao intuito principal

de crescimento econômico do país e com um desenho mais centralizado, mais “de baixo para

cima” do que a Alemanha vem apresentando. Isso também é consequência da ainda recente

preocupação do país com questões ambientais. Até o início do século XXI, a China

representava uma grande e poderosa força contrária ao Protocolo de Kyoto e às posteriores

conferências do clima, tendo inflexionado sua postura somente em meados da primeira década

do século XXI. E segundo, do momento de seu desenvolvimento econômico. Enquanto a

Alemanha, um país que se desenvolveu com a II Revolução Industrial e nesse processo se

aprisionou ao carbono, a China apresenta um processo de franco desenvolvimento bastante

recente e entrou na “Sociedade do Hidrocarboneto” em finais do século XX. Essa diferença na

temporalidade de seus desenvolvimentos também se reflete na postura de seus governantes e

na aceitação da população. Enquanto na Alemanha, o combate às mudanças é mais explícito e

democrático, a China se divide em combater os efeitos das emissões e manter e promover

ainda mais o aumento da renda e qualidade de vida de seus cidadãos, desenvolvimento que se

deu e ainda se dá baseados no uso intensivo de combustíveis fósseis, especialmente o carvão.

É para a China ainda mais desafiador do que para a Alemanha se portar como um líder no

combate às emissões, mas o país tem direcionado esforços gigantescos para conciliar seus

objetivos aparentemente paradoxais e, especialmente vendo no mercado de baixo-carbono

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uma grande oportunidade de liderança produtiva interncional e um novo vetor de crescimento

e desenvolvimento econômico.

Ressaltou-se também no terceiro capítulo que uma diferença fundamental entre o

regime de transição presente nos dois países se refere ao papel da energia nuclear. Enquanto o

projeto de transição Alemão tem como um dos seus principais pontos o abandono da energia

nuclear, a China coloca a energia como central para a sua transição de baixo-carbono.

Apesar das diferenças dos regimes para transição de ambos os países, várias

semelhanças estruturais foram encontradas, como a presença de um arcabouço legal bastante

favorável ao desenvolvimento de energias renováveis e eficiência energética, a presença das

tarifas feed-in como principal instrumento de política industrial para o estímulo à produção de

energia renováveis, além de um conjunto e políticas que buscam estimular desde à P&D de

novas tecnologias mais limpas até subsídios à construção de novas usinas, caracterizando uma

estratégia industrial aliada aos objetivos de redução de emissões, em linha com o que se

acredita ser um sistema nacional de inovação sustentável.

Especificidades da transição energética Alemã e Chinesa, bem como maiores

comparações dos sistemas nacionais de inovação sustentável dos dois países foram feitos no

terceiro capítulo dessa dissertação, mas a principal “lição aprendida” à luz dessas experiências

pode ser ressaltada aqui: a transição energética de baixo-carbono exige uma organização

política/institucional que alie os objetivos tecnológicos/industriais de forma sólida com os

objetivos ambientais e isso pressupõe vontade e grande esforço político já que o papel do

Estado nesse processo é indispensável. Para além do esforço da burocracia estatal, a transição

só é de fato legitimada quando a sociedade entende e faz parte desse processo, talvez o maior

desafio de qualquer projeto de transição energética. E por fim, ressalta-se que a colaboração

internacional é condição necessária para que os objetivos de redução das emissões possam ser

atingidos a nível global, exigindo o comprometimento das economias desenvolvidas e em

desenvolvimento, guardadas as especificidades e desigualdades. Por isso, posturas como o do

atual presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de abandonar o Acordo de Paris

dificultam as ações e aprofundam as incertezas. Mesmo que parcela considerável dos

estadunidenses e de seus representantes afirme que irão contra a saída do país do Acordo e

darão continuidade às ações, as relações diplomáticas e os compromissos assumidos são

bastante abalados quando a maior economia do mundo tem como principal líder um

negacionista do aquecimento global e das mudanças climáticas.

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Tratamos aqui de um país desenvolvido europeu e de um país em desenvolvimento

bastante peculiar. Todavia, em se tratando dos demais países desenvolvidos, especialmente os

latino-americanos, a questão da transição ainda é muito pouco explorada e parece ser ainda

mais desafiadora. O tratamento da questão ambiental, mesmo quando se limita à redução das

emissões, está intimamente ligado ao desenvolvimento e justiça social e qualquer abordagem

que busque entendê-las deve ter a conciência dessa relação e da complexidade envolvida. Ao

olhar o desenvolvimento tecnológico das energias renováveis e eficiência energética nos

países em desenvolvimento latino-americanos é preciso também analisar a inserção periférica

desses países na estrutura produtiva e financeira global. Estariam esses países realmente

aprisionados a um paradigma carbono-intensivo ou não? Que tipo de desenvolvimento

econômico eles devem buscar para conciliar a inexorável relação entre meio-ambiente e

justiça social? Somente o desenvolvimento tecnológico é suficiente para intermediar essas

questões? A constatação furtadiana do “Mito do Desenvolvimento Econômico” de que o

desenvolvimento das economias do centro não é possível a todos os países do globo continua

válida? Essas e muitas outras questões foram somente pinceladas nesse trabalho e exigem um

tratamento aprofundado que, muito provavelmente, não escaparão aos economistas no futuro

próximo. Por ora, esse trabalho termina apontando esses questionamentos fundamentais para

que a discussão da transição energética e da construção de um sistema de inovação

sustentável possam ser pensadas do ponto de vista do subdesenvolvimento.

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