EXPLICAÇÃO_PARTE FINAL TEETETO

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Teeteto modifica então a sua definição de modo a que o conhecimento seja um juízo ou crença que seja não apenas verdadeiro mas também justificado/articulado racionalmente. Sócrates explora então três maneiras diferentes segundo as quais se poderia dizer que uma crença poderia ser justificada/articulada. EXPRESSAR 1) A mais óbvia de todas é quando alguém tem uma crença que é capaz de explicar/expressar por meio de palavras; mas toda a gente que tenha uma crença verdadeira e que não seja surdo ou mudo é capaz de fazer isto, de modo que este dificilmente contaria como um critério para distinguir entre a crença verdadeira e o conhecimento. ANALISAR 2) A segunda maneira é a que Sócrates leva mais a sério: ter uma crença justificada racionalmente acerca de um objecto é ser capaz de proporcionar uma análise dela . O conhecimento de algo é adquirido ao reduzi-lo aos seus elementos. Mas, nesse caso, não pode haver conhecimento dos elementos básicos, que não são analisáveis. Os elementos que formam as substâncias do mundo são como as letras que formam as palavras de uma língua; e analisar uma substância pode ser comparado a soletrar uma palavra. Mas, ao passo que se pode soletrar "Sócrates", não se pode soletrar a letra "S". Assim como uma letra não pode ser soletrada, também os elementos básicos do mundo não podem ser analisados e, portanto, não podem ser conhecidos. (Ex. Física quântica) Mas, se os elementos não podem ser conhecidos, como podem os complexos formados por eles ser conhecidos? Além disso, apesar de o conhecimento dos elementos ser necessário ao conhecimento dos complexos, não é suficiente; uma criança pode saber todas as letras e, mesmo assim, não ser capaz de soletrar proficientemente. DESCREVER 3) Segundo a terceira interpretação, uma pessoa tem uma crença justificada racionalmente acerca de um objeto se for capaz de produzir uma descrição que só se aplique a esse objeto . Assim, podemos descrever o Sol como o mais brilhante dos corpos celestes. Mas, deste ponto de vista, como pode alguém ter qualquer ideia que seja acerca do que quer que seja sem ter uma crença racionalmente justificada

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Teeteto modifica então a sua definição de modo a que o conhecimento seja um juízo ou crença que seja não apenas verdadeiro mas também justificado/articulado racionalmente.

Sócrates explora então três maneiras diferentes segundo as quais se poderia dizer que uma crença poderia ser justificada/articulada.

EXPRESSAR1) A mais óbvia de todas é quando alguém tem uma crença que é capaz de

explicar/expressar por meio de palavras; mas toda a gente que tenha uma crença verdadeira e que não seja surdo ou mudo é capaz de fazer isto, de modo que este dificilmente contaria como um critério para distinguir entre a crença verdadeira e o conhecimento.

ANALISAR 2) A segunda maneira é a que Sócrates leva mais a sério: ter uma crença justificada

racionalmente acerca de um objecto é ser capaz de proporcionar uma análise dela. O conhecimento de algo é adquirido ao reduzi-lo aos seus elementos. Mas, nesse caso, não pode haver conhecimento dos elementos básicos, que não são analisáveis. Os elementos que formam as substâncias do mundo são como as letras que formam as palavras de uma língua; e analisar uma substância pode ser comparado a soletrar uma palavra. Mas, ao passo que se pode soletrar "Sócrates", não se pode soletrar a letra "S". Assim como uma letra não pode ser soletrada, também os elementos básicos do mundo não podem ser analisados e, portanto, não podem ser conhecidos. (Ex. Física quântica) Mas, se os elementos não podem ser conhecidos, como podem os complexos formados por eles ser conhecidos? Além disso, apesar de o conhecimento dos elementos ser necessário ao conhecimento dos complexos, não é suficiente; uma criança pode saber todas as letras e, mesmo assim, não ser capaz de soletrar proficientemente.

DESCREVER3) Segundo a terceira interpretação, uma pessoa tem uma crença justificada

racionalmente acerca de um objeto se for capaz de produzir uma descrição que só se aplique a esse objeto. Assim, podemos descrever o Sol como o mais brilhante dos corpos celestes. Mas, deste ponto de vista, como pode alguém ter qualquer ideia que seja acerca do que quer que seja sem ter uma crença racionalmente justificada acerca disso? Eu não posso estar realmente a pensar em Teeteto se tudo o que eu for capaz de incluir na descrição forem coisas que ele tem em comum com as outras pessoas, como ter nariz, olhos e boca. Nesta perspectiva, ter conhecimento de quem é Teeteto, implica que eu tenha conhecimento daquilo que diferencia Teeteto das demais pessoas.

Sócrates conclui, um pouco precipitadamente, que a terceira definição que Teeteto faz de conhecimento não é melhor do que as duas anteriores. O diálogo termina numa atmosfera de perplexidade, como os diálogos socráticos do primeiro período. Mas, de facto, chegou bastante longe. A explicação que dá da percepção sensorial, modificada depois por Aristóteles, viria a ser moeda corrente até ao fim da Idade Média. A definição de conhecimento como crença verdadeira justificada, interpretada como significando crença verdadeira justificada, foi ainda aceite por muitos filósofos do nosso século. Mas aquilo que Platão provavelmente via como o maior feito do Teeteto foi a cura que proporcionou para o cepticismo de Heraclito, ao mostrar que a doutrina do fluxo universal se derrotava a si mesma.

Anthony Kenny - Retirado de História Concisa da Filosofia Ocidental, de Anthony Kenny. Trad. Desidério Murcho, Fernando Martinho, Maria José Figueiredo, Pedro Santos e Rui Cabral (Temas e Debates, 1999).