EXPERIMENTAÇÃO ANIMAL: POR UM TRATAMENTO ÉTICO … · modificação da idéia ultrapassada de...

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EXPERIMENTAÇÃO ANIMAL: POR UM TRATAMENTO ÉTICO E PELO BIODIREITO ANIMAL EXPERIMENTATION: FOR AN ETHIAL TREATMENT AND FOR THE BIOLAW Mery Chalfun Fabio Corrêa Souza de Oliveira RESUMO O presente trabalho tem por objeto a análise da experimentação científica com animais não-humanos. O emprego de seres vivos, sencientes, os quais não querem integrar tais práticas, vez que submetidos a privações, dor e/ou morte, leva inevitavelmente à necessidade de efetuar a ponderação dos interesses em jogo, partindo, logo, da premissa de que o (suposto) interesse humano não invariavelmente haverá de prevalecer, sendo mesmo imperioso questionar se vence, por critérios morais, sem descambar para o especismo, para a força, em alguma hipótese, assim como nem goza de qualquer prioridade prima facie. Em todo caso, a pesquisa com animais não-humanos, em um raciocínio igual aos humanos, em causa da subjugação em questão, exige a regulação pela Bioética, pelo Biodireito, de modo a impor limites e condicionamentos. Importante assinalar que inúmeras pesquisas não são empreendidas a fim da salvaguarda da vida humana, para a cura ou tratamento de doenças, e sim para fins flagrantemente supérfluos. Aponta-se para a substituição dos animais, para métodos alternativos, para outras formas de investigação, o que atende ao princípio da proibição do excesso, isto é, ao subprincípio da necessidade, componente do princípio da razoabilidade. No que tange à estrutura deste texto, faz-se um breve esboço histórico, seguido por um inventário de posicionamentos acerca da matéria, quando então referências normativas são colacionadas e mencionadas outras vias que não dependentes dos animais, listados avanços e retrocessos. É de considerar que, neste campo, mais uma vez, a lógica que vem a dominar é a econômica, a da exploração da vida, a coisificação da vida, a da instrumentalização, em proveito de ganhos financeiros, dos animais não-humanos. Isto além do descaso e da ignorância. No que diz com a normatividade, crucial, incontornável, a disposição constitucional que impede que os animais sejam submetidos à crueldade (art. 225, § 1º, VII). Todo ser vivo, independente de pertencente à espécie humana, é detentor de dignidade (dignidade humana e não-humana – dignidade animal), possui valor em si mesmo, deve ser reconhecido como sujeito e não como objeto, é digno de compaixão, respeito e amor. PALAVRAS-CHAVES: ANIMAIS; EXPERIÊNCIAS CIENTÍFICAS; MÉTODOS ALTERNATIVOS, ÉTICA. ABSTRACT 1228

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EXPERIMENTAÇÃO ANIMAL: POR UM TRATAMENTO ÉTICO E PELO BIODIREITO

ANIMAL EXPERIMENTATION: FOR AN ETHIAL TREATMENT AND FOR THE BIOLAW

Mery Chalfun Fabio Corrêa Souza de Oliveira

RESUMO

O presente trabalho tem por objeto a análise da experimentação científica com animais não-humanos. O emprego de seres vivos, sencientes, os quais não querem integrar tais práticas, vez que submetidos a privações, dor e/ou morte, leva inevitavelmente à necessidade de efetuar a ponderação dos interesses em jogo, partindo, logo, da premissa de que o (suposto) interesse humano não invariavelmente haverá de prevalecer, sendo mesmo imperioso questionar se vence, por critérios morais, sem descambar para o especismo, para a força, em alguma hipótese, assim como nem goza de qualquer prioridade prima facie. Em todo caso, a pesquisa com animais não-humanos, em um raciocínio igual aos humanos, em causa da subjugação em questão, exige a regulação pela Bioética, pelo Biodireito, de modo a impor limites e condicionamentos. Importante assinalar que inúmeras pesquisas não são empreendidas a fim da salvaguarda da vida humana, para a cura ou tratamento de doenças, e sim para fins flagrantemente supérfluos. Aponta-se para a substituição dos animais, para métodos alternativos, para outras formas de investigação, o que atende ao princípio da proibição do excesso, isto é, ao subprincípio da necessidade, componente do princípio da razoabilidade. No que tange à estrutura deste texto, faz-se um breve esboço histórico, seguido por um inventário de posicionamentos acerca da matéria, quando então referências normativas são colacionadas e mencionadas outras vias que não dependentes dos animais, listados avanços e retrocessos. É de considerar que, neste campo, mais uma vez, a lógica que vem a dominar é a econômica, a da exploração da vida, a coisificação da vida, a da instrumentalização, em proveito de ganhos financeiros, dos animais não-humanos. Isto além do descaso e da ignorância. No que diz com a normatividade, crucial, incontornável, a disposição constitucional que impede que os animais sejam submetidos à crueldade (art. 225, § 1º, VII). Todo ser vivo, independente de pertencente à espécie humana, é detentor de dignidade (dignidade humana e não-humana – dignidade animal), possui valor em si mesmo, deve ser reconhecido como sujeito e não como objeto, é digno de compaixão, respeito e amor.

PALAVRAS-CHAVES: ANIMAIS; EXPERIÊNCIAS CIENTÍFICAS; MÉTODOS ALTERNATIVOS, ÉTICA.

ABSTRACT

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The present work takes as an object the analysis of the scientific experimentation with non-human animals. The job of you are lively, sentient, which do not want to integrate such practices, time what undergone to deprivations, pain and / or death, it takes inevitably to the necessity of effectuating the consideration of the interests in play, leaving, soon, from the premise of which the (assumption) interests I humanize not invariably it will prevail, being even imperious to question if it wins, for moral criteria, without deteriorating to the speciesism, to the strength, in any hypothesis, as well as it does not even enjoy any priority cousin facie. In any case, the inquiry with non-human animals, in an equal reasoning to the human ones, in question of the exploration open to question, demands the regulation for the Bioethical, for the Biolaw, in way to impose limits and conditionings. Important mark which countless inquiries are not undertaken in order to the safeguard of the human life, for the cure or treatment of diseases, and yes for aims superfluous. One points to the substitution of the animals, to alternative methods, to other forms of investigation, which it attends to the beginning of the prohibition of the excess, this, is to the subbeginning of the necessity, component of the beginning of the proportionateness. As regards the structure of this text, there is done a short historical sketch followed an inventory of positions about the matter, when then prescriptive references are quoted and when other roads than not dependants of the animals were mentioned, when advancements and retreats were listed. It is of thinking that, in this field, again, the logic that comes to dominate is the economical one, that of the exploration of the life, an object makes the life, to make instruments, for the benefit of financial profits, of the non-human animals. This besides the disregard and the ignorance. In what he says with the standards, crucially, at constitutional disposal that it prevents from subjecting the animals to the cruelty (art. 225, § 1st, VII). Any lively being, independent of pertaining one to the human sort, is a holder of dignity (human and non-human dignity – animal dignity), have value in you same, it must be recognized like subject and I do not eat object, it is worthy of compassion, respect and love.

KEYWORDS: ANIMALS; SCIENTIFIC EXPERIENCES; ALTERNATIVE METHODS, ETHICS.

INTRODUÇÃO

"A vida é valor absoluto. Não existe vida menor ou maior, inferior ou superior. Engana-se quem mata ou subjuga um animal por julgá-lo um ser inferior. Diante da consciência que abriga a essência da vida, o crime é o mesmo."- Olympia Salete

"A vivissecção é o pior de todos os piores crimes que o homem está atualmente cometendo contra Deus e sua bela criação." Mahatma Gandhi

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A trajetória da vida humana sempre esteve direta ou indiretamente permeada pelos animais não-humanos: relações de carinho e respeito, mas também e principalmente de mando, abuso e exploração. A moral nem sempre esteve ou está presente nos contatos entre animais humanos e animais não-humanos.

Nas mais diversas formas, tais como comida, entretenimento, manifestações culturais, caça, experiências científicas, cultos religiosos, entre tantas outras, o tratamento dispensado aos animais conflita com a racionalidade que se espera do homem, bem como com a sensibilidade que dele também se entende.

Entre avanços e retrocessos na luta pela libertação animal, algumas condutas humanas condenáveis despertaram maior atenção ou consenso, como, por exemplo, a utilização de animais em circos. No entanto, outras ações permanecem sendo consideradas como defensáveis ou normais, apesar das constantes e cabais demonstrações de que podem, ou melhor, devem ser abolidas ou modificadas. Esta triste constatação tem lugar, e.g., nas experiências científicas, onde os animais seguem percebidos, comumente, como cobaias ou instrumentos ou meios para objetivos humanos.

No entanto, um olhar mais fraterno e holístico é capaz de perceber que os animais não são objetos criados para a livre disposição humana, suas vidas não são simplesmente para o benefício do homem. Os demais seres não existem para servir ao ser humano. Quebra-se, desta feita, o paradigma antropocêntrico, carcomido, insuficiente, preconceituoso, e nasce o paradigma biocêntrico ou ecocêntrico, o paradigma do Animal Rights, do Direito dos Animais, isto é, dos animais como sujeitos de direitos. Perspectiva, aliás, em consonância com a redação da Declaração Universal dos Direitos dos Animais, que já conta mais de trinta anos. Ora, é o animal quem tem direito à vida, à liberdade ou à integridade física e mental, e não o ser humano que com o(s) animal(is) em questão mantém alguma relação, o proprietário. O fato de o animal não poder pleitear em juízo, por conta própria, o seu direito, não é motivo para que se sustente que não tem direito, o que, por outro lado, não implica em que não defenda, por si e por outros meios, os seus direitos. Basta ver a reação de um leão ou um pássaro que busca defender o seu direito à liberdade, debatendo-se nas grades da jaula ou da gaiola, ou o de um veado ou de um cão que pretende resguardar a sua vida. Ou por outras palavras: o ataque ou a fuga para se defender.

Outrossim, sob a ótica egoística ou exclusivamente humana, inúmeros são os casos em que a utilização de animais em experimentos científicos causou mais retrocessos que avanços. A isto se soma que diversos mecanismos alternativos ao emprego de animais são disponíveis, o que demonstra a possibilidade e a necessidade da modificação da idéia ultrapassada de que a ciência só consegue progredir com testes em animais. Entretanto, como sói acontecer, antigas e enraizadas compreensões não são facilmente alteradas, insistem vorazmente em permanecer, conquanto a mudança esteja solidamente fundamentada e seja urgente. A transformação está situada, em primeiro passo, na pré-compreensão. É problema de valor, de ordem filosófica, ética.

É também na seara da Bioética e do Biodireito, âmbito de novas e complicadas questões, polêmicas, muitas vezes ainda a espera de consenso e de disciplina legal específica, celeiro de matérias a despertar posições inflamadas e divergentes, que a questão do Direito dos Animais está situada. O desafio é construir

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uma razão e um sentimento, pois, ao invés de contraditórios, são complementares, que compatibilize interesses ou direitos humanos e interesses ou direitos dos animais não-humanos. Enfim, a ponderação de bens, força do princípio da razoabilidade[1]. O princípio genérico, que se vem a defender, é o de que os mandamentos que valem para os seres humanos são também válidos para as outras criaturas.

Por outro lado, mas sem cair na miopia antropocêntrica e na tese dos deveres indiretos[2], levar em conta os interesses dos membros das outras espécies diz a favor da própria humanidade, é sinal de progresso, contribui para o bem-estar global, planetário, alicerçado em um vínculo de irmandade. Faz-se imprescindível o advento de uma nova consciência, de outro proceder quanto ao apelo para o uso de animais em experiências científicas, no ensino. Neste terreno, sem radicalismos e discursos panfletários, sem absolutismos, é preciso o exame da alegada justificativa, que, como regra, o homem pensa haver, para prender, impingir dor e/ou a morte a qualquer animal em nome dos ganhos para a humanidade mesma. É indispensável introduzir a discussão filosófica, o conteúdo ético, neste campo, sob pena de se acolher, como fundamento bastante, a lei do mais forte, há tanto tempo rejeitada como legitimidade para o Direito.

1 ORIGENS

"Não há diferenças fundamentais entre o homem e os animais nas suas faculdades mentais (...) os animais, como os homens, demonstram sentir prazer, dor, felicidade e sofrimento."- Charles Darwin

"A compaixão para com os animais é das mais nobres virtudes da natureza humana." Charles Darwin

A exploração dos animais pelo homem não é recente, sua utilização em procedimentos experimentais remonta aproximadamente há 2000 anos, ou seja, desde a antiguidade os animais são utilizados em experiências na área da saúde, ensino, ciência.

Um marco inicial se dá com Hipócrates (450 a.C), realizando estudos didáticos, relacionando aspectos de órgãos doentes do homem com o de animais. Almaecon (500 a.C), Herophilus (320-250 a.C) e Erasistratus (305-240 a.C)[3], anatomistas da antiguidade, realizavam vivissecções[4] em animais com intuito de observar suas estruturas e funcionamento.

Aristóteles (384-322 a.C) igualmente realizou estudos anatômicos, observando semelhanças e diferenças entre os órgãos humanos e de animais[5].

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Posteriormente, Galeno (131 -201 d.C) tornou-se conhecido por realizar vivissecções em animais, com objetivos experimentais, sendo assim um dos precursores das ciências médicas experimentais.

O século XVII é apontado como ápice nas experiências com animais, sem o cômputo do tempo hodierno. Na linha das postulações de René Descartes (1596-1650), emblemático expoente, a sensibilidade dos animais não-humanos foi ignorada, sob o argumento de que estes não possuem alma, de que são irracionais, tais como máquinas, e, deste modo, não passíveis de sofrer.

Descartes impulsionou a teoria mecanicista, iniciada anteriormente com Francis Bacon[6] (1561 – 1626), defendendo, em sua obra clássica Discurso do Método, “a teoria do animal-máquina”[7], e, assim, os animais já tão desconsiderados e inferiorizados, transformam-se em meros instrumentos e objetos de experiências científicas. Seus corpos são comparados a máquinas, conquanto máquinas superiores, pois, criados por Deus, seus órgãos são semelhantes aos do homem, o que permite proporcionar conhecimento à espécie humana. E, conforme esta visão, apesar das semelhanças com os homens, os animais são desprovidos de fala ou sinais que se façam entender. Além disto, não possuem razão e o seu complexo orgânico funciona em decorrência da disposição natural que lhe é inerente, não por outra inteligência, não por consciência.

Assim, o animal é desprovido de razão e, portanto, de alma, bem como de sensibilidade[8]. Uma máquina, seus órgãos são equiparados a um relógio que funciona impulsionado por suas molas. Portanto, desprovidos de alma racional, estão também desprovidos de qualquer sentimento ou consciência, não sentem dor, nem prazer, são seres brutos, estão à disposição do homem, máquinas livres de sofrimento.

O testemunho de um experimentador, narrado no livro de Peter Singer, demonstra a prática da vivissecção e a teoria do animal como máquina:

Para Descartes, o cientista, a doutrina ainda tinha outro resultado feliz. Foi nessa época que a prática da experimentação em animais vivos tornou-se amplamente difundida na Europa. Como então não havia anestésicos, esses experimentos devem ter feito os animais se comportar de tal forma que indicaria, para a maioria de nós, estarem sofrendo dor intensa. A teoria de Descartes permitia aos experimentadores que desconsiderassem quaisquer escrúpulos que pudessem ter nessas circunstâncias. O próprio Descartes dissecou animais vivos (...) O seguinte testemunho de um desses experimentadores, que trabalhava no seminário jansenista de Port – Royal, no final do século XVII, deixa clara a conveniência da teoria de Descartes: Batiam nos cães com perfeita indiferença e zombavam dos que sentiam pena das criaturas como se elas sentissem dor. Diziam que os animais eram relógios; que os gritos que emitiam quando golpeados não passavam do ruído provocado por alguma molinha que haviam acionado, mas, que o corpo, como um todo, não tinha sensibilidade. Pregavam as quatro patas dos pobres animais em tábuas para praticar a vivissecção e observar a circulação do sangue, tema que era motivo de muitas discussões.[9]

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Em 1638, no livro Exercitatio anatômica de motu cordis et sanguinis in animalibus, o médico britânico William Harvey (1578-1657), apresentou os resultados obtidos por meio de estudos experimentais em mais de oitenta espécies de animais sobre a fisiologia da circulação. Também o fisiologista francês Claude Bernard (1813-1878) prosseguiu defendendo as idéias de Descartes e o direito de fazer experimentos em animais e vivissecção. Em seu livro An Introduction to the Study of Experimental Medicine, publicado em 1865 e considerado por muitos como o livro mais importante para os vivissectores, justificava a utilização de animais em pesquisas:

Eu penso que temos esse direito, total e absolutamente. Seria estranho se reconhecêssemos o direito de usar os animais para serviços caseiros e alimentação, mas proibíssemos seu uso para o ensino de uma das ciências mais úteis para a humanidade. Experimentos devem ser feitos tanto no homem quanto nos animais. Os resultados obtidos em animais podem ser todos conclusivos para o homem, quando sabemos como experimentar adequadamente. Penso que os médicos já fazem muitos experimentos perigosos no homem, antes de estudá-los cuidadosamente nos animais. Eu não admito que seja moral testar remédios mais ou menos perigosos ou ativos em pacientes em hospitais, sem primeiro experimentá-los em cães; eu provarei, a seguir, que os resultados obtidos em animais podem ser todos conclusivos para o homem quando nós sabemos como experimentar adequadamente.[10]

Sua técnica consistia na retirada de órgãos ou tecidos de animais, utilizando aparelhos de contenção, incisões cirúrgicas e mutilações de membros, para observar seu funcionamento e os efeitos da retirada destes. Defendia que fazia parte da postura de um cientista a indiferença pelo sofrimento dos animais em laboratório[11], sendo tais experimentos necessários para evolução do homem. Enquanto recomendava uma postura ética com seres humanos, adotava uma postura de frieza em relação aos animais. E apesar de ter contribuído sobremaneira para a visão do animal-objeto, reconhecia que a sua utilização é passível de falhas, é frágil, o que acaba por acentuar questionamento de tais práticas.

É realmente certo que, para problemas de aplicação imediata à prática médica, as experiências feitas no homem são sempre as mais concludentes. Nunca ninguém disse o contrário; somente, como não é permitido pelas leis da moral nem pelas do Estado realizar no homem experiências imperiosamente exigidas pelo interesse da ciência, proclamamos bem alto a experimentação animal.[12]

De outro lado, porém, diversas vozes levantaram-se em favor dos animais, criticando a indiferença no tratamento dos animais e sua utilização de forma tão cruel, imoral e antiética. Portanto, apesar da preocupação central com o homem, e das teorias mecanicistas do século XVII, alguns filósofos podem ser citados como

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exemplo de uma concepção mais sensível, respeitosa e ética em relação aos animais, em especial em experimentos, como, por exemplo, Voltaire, Rousseau e Jeremy Bentham.

Rousseau (1712 – 1778) discorda da teoria de Descartes, entendendo que os animais não são autônomos, agem por instinto, possuindo sentimentos e sensações. Em sua obra Devaneios de um caminho solitário é possível observar sua crítica ao estudo experimental em animais.

Como observar, dissecar, estudar, conhecer os pássaros no ar, os peixes na água, os quadrúpedes mais leves do que o vento, mais fortes do que o homem e que não estão mais dispostos a se oferecer às minhas pesquisas do que eu a correr atrás deles para submetê-los pela força? (...) O estudo de animais não é nada sem a anatomia (...). Não possuo nem o gosto nem os meios de mantê-los cativos, nem a agilidade necessária para segui-los em seu andar, quando em liberdade. Será, portanto, necessário estudá-los mortos, rasgá-los, desossá-los, escavar à vontade suas entranhas palpitantes! Que horrível conjunto é um anfiteatro de anatomia, cadáveres fétidos, pastosas e lívidas carnes, sangue, intestinos repugnantes, esqueletos medonhos, vapores pestilentos! Dou minha palavra de que não é lá que J.J. irá procurar seus divertimentos (...) Aliás, nunca julguei que tanta ciência contribuísse para a felicidade da vida.[13]

O francês François Marie Arouet (1694 – 1778), Voltaire, entendia que seria uma enorme contradição, um animal possuir diversos órgãos semelhantes ao homem, porém ser desprovido de medos e sentimentos. O homem não é capaz de definir o que é a alma, que os animais são desprovidos da alma ou do sofrimento. Não se mostra plausível afirmar que o animal, vez que possui uma fisiologia semelhante ao homem, não é capaz de sofrer. Contudo, o homem dotado do dom da reflexão acaba por sobrepor-se ao animal de forma positiva e negativa.

Esse animal, que excede o homem em sentimentos de amizade, é pego por algumas criaturas bárbaras, que pregam-no numa mesa, dissecam-no vivo ainda, para te mostrar as veias mesentéricas. No corpo deste animal encontras todos os órgãos das sensações que também existem em ti. Acaso ainda atreve-se a argumentar, se fores capaz, que a natureza colocou todos estes instrumentos do sentimento no animal para que ele não possa sentir? Dispõe de nervos para manter-se impassível? Será que não te ocorre ser por demais impertinente essa contradição da natureza?[14]

Quanto a Jeremy Bentham, seus argumentos tornaram-se fundamentais em todos os argumentos de defesa animal, já que incluiu formalmente os animais na esfera das preocupações morais. No mesmo período em que o famoso filósofo Immanuel Kant defendia a idéia de que o animal poderia ser um meio para se alcançar um fim, Bentham (1748 – 1832)[15] um dos principais pensadores do utilitarismo clássico, demonstrava, através do seu livro Uma introdução aos princípios da Moral e

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da legislação, o princípio da utilidade ou da maior felicidade e incluía, como sujeito deste princípio, os animais.

Comparando o tratamento dos animais ao tratamento que já foi dado aos escravos e criticando a exclusão do animal da preocupação ética, Bentham inclui os animais dentro das preocupações morais, com base na sensibilidade, na capacidade de sentir, como se observa nesta célebre passagem de sua obra:

Pode vir o dia em que o resto da criação animal adquira aqueles direitos que nunca lhes deveriam ter sido tirados, se não fosse por tirania. Os franceses já descobriram que a cor preta da pele não constitui motivo algum pelo qual um ser humano possa ser entregue, sem recuperação, ao capricho do verdugo. Pode chegar o dia em que se reconhecerá que o número de pernas, a pele peluda, ou a extremidade do os sacrum constituem razões igualmente insuficientes para abandonar um ser sensível à mesma sorte. Que outro fator poderia demarcar a linha divisória que distingue os homens dos outros animais? Seria a faculdade de raciocinar, ou talvez a de falar? Todavia, um cavalo ou um cão adulto é incomparavelmente mais racional e mais social e educado que um bebê de um dia, ou de uma semana, ou mesmo de um mês. Entretanto, suponhamos que o caso fosse outro: mesmo nesta hipótese, que se demonstraria com isso? O problema não consiste em saber se os animais podem raciocinar; tampouco interessa se falam ou não; o verdadeiro problema é este: PODEM ELES SOFRER? (grifo nosso)[16]

Sua concepção da consideração moral tem por base a senciência e não mais a racionalidade, autonomia ou linguagem. Ao considerar os animais como seres sensíveis, capazes de sentir e, assim, de sofrer, a infelicidade, conclui que não há o que explique submeter os animais ao sofrimento sem necessidade.

Entretanto e apesar destes e de outros pensamentos e posturas favoráveis aos animais, certo é que o estado comum, majoritário, vivenciado pelos animais não-humanos diante do homem é de explorados, coisas, servos. Ainda quando se os reconheça como sencientes, assevera a noção corriqueira, mais difundida, a dor de um animal não-humano não é comparável a dor experimentada por um humano. A infelicidade dos seres das outras espécies é menos relevante do que a infelicidade daqueles pertencentes à espécie humana. Urge uma modificação radical de percepção e de atitude.

2 REFERÊNCIAS NORMATIVAS

"Jamais creia que os animais sofrem menos do que os humanos. A dor é a mesma para eles e para nós. Talvez pior, pois eles não podem ajudar a si mesmos." Dr. Louis J. Camuti

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"O que eu penso da vivissecção é que se as pessoas acham que têm o direito de tirar a vida ou arriscar a vida de seres viventes para o benefício da maioria, então não haverá limite para a sua crueldade." Leo Tolstoy

As primeiras leis[17] em defesa dos animais não possuíam enfoque na proteção ou regulamentação do uso de animais em experiências. Na verdade, eram mais aplicáveis à proteção dos animais domesticados, daqueles empregados para transporte, dos tidos como bens de valor financeiro, em escala produtiva, industrial, para alimentação, vestuários, etc.

Em 1909, a Associação Médica Americana editou publicação relativa a aspectos éticos na utilização de animais em experimentos. Em 1959, o zoologista M.S. Russel e o microbiologista Rex L. Burch, no livro The Principles of Humane experimental Techinique, propugnaram que as experiências com animais deveriam se pautar pelos três “Rs”: reduction (redução), refinement (refinamento) e replacement (substituição). O espírito é mais bem-estarista do que abolicionista[18]. Postulava-se, notadamente, o bem- estar dos animais empregados em experiências, o desenvolvimento de métodos que capazes de minimizar a severidade e a incidência dos testes, diminuindo, portanto, a dor e o número de animais utilizados, a adoção de métodos alternativos sempre que possível.

Estes princípios foram adotados pela Europa somente na década de 1980, quando editada a European Directive 86/609, uma convenção que disciplina a proteção dos animais e laboratórios.

Cabe destacar que, em 27 de janeiro de 1978, em Bruxelas, a UNESCO estabeleceu a Declaração Universal dos Direitos dos Animais[19], o documento internacional mais importante em prol da defesa dos animais, símbolo potencial do advento de um novo entendimento em relação à vida e à dignidade dos animais não-humanos, em que pese não ostentar, consoante majoritariamente se afirma, status normativo, bem como ser freqüentemente diminuída na sua interpretação. Considerada uma carta de princípios, é referendada por diversos países, sendo o Brasil um dos seus signatários.

A Declaração contou com a participação fundamental da União Internacional dos Direitos Animais[20], tradicional e mais antiga entidade brasileira de proteção dos animais. É digno de nota a verificação de que o avanço histórico em prol dos animais não-humanos, no que a Declaração Universal dos Direitos dos Animais é ilustração capital, é impulsionada principalmente por instituições privadas que se dedicam à causa, no mais das vezes com trabalhos voluntários, ONGs e ações pessoais independentes, ao lado, mais recentemente, do aumento de iniciativas acadêmicas, da produção em Universidades.

No Brasil, a Lei nº 6.638/1979 estabeleceu normas para a prática didático-científica, permitindo a vivissecção de animais. Determinou o uso de anestesia, proibiu a realização das práticas por estudantes menores de idade em estabelecimentos de

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ensino de 1º e 2º grau e sem supervisão de técnicos especializados. Estabeleceu que os animais submetidos à vivissecção devem receber cuidados especiais antes e depois do procedimento. Estipulou por fim que fosse regulamentada a existência de órgãos e autoridades para fiscalização de biotérios e centros de experiências.

A regulamentação de biotérios, órgãos de fiscalização e controle de experimentação animal, ocorreu apenas com a Lei nº 11.794/2008, a chamada Lei Arouca, que regulamenta atualmente a prática da experimentação animal, seja com finalidade científica ou de ensino.

É considerada por alguns como um progresso e por outros, notadamente os abolicionistas, como um retrocesso, pois, ao regulamentar a utilização de animais em práticas de ensino e pesquisas científicas, acabou por estimular, regular ou humanizar a prática de experiências com animais. Vale notar que o incentivo legal para os métodos substitutivos já estava contemplado na Lei de Crimes Ambientais.

A Lei de Crimes Ambientais, Lei nº 9605/98, em seu artigo 32, caput e § 1º, incentiva o desenvolvimento de métodos alternativos, além de tornar crime a utilização de animais em experiência dolorosa, maus tratos e abusos. Assim, seria de cogitar, nos termos da legislação, as experiências com animais como cruéis, as quais deveriam ser extintas e não regulamentadas.

Lei nº 9.605/98 (...)

Dos Crimes contra a fauna: (...)

Art. 32: Praticar ato de abuso, maus tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos: Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa.

§ 1º Incorre nas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos.

§ 2º A pena é aumentada de um sexto a um terço, se ocorre morte do animal.

Portanto, a Lei nº 11.794/2008 entrou em vigor com ares de anacronismo. Quando foi apresentada pelo então deputado Sergio Arouca (PPS –RJ), em 1995, a vivissecção era permitida, regulada pela Lei nº 6.638/1979, sem incentivo a métodos alternativos. No entanto, em 2008, quando a Lei Arouca entrou em vigor, já havia a incidência da Lei nº 9.605/98, a Lei de Crimes Ambientais, que estipulava a proteção de todos os animais e a vedação tácita aos experimentos científicos, com a ressalva apenas para a hipótese da inexistência de métodos alternativos.

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Percebe-se que a Lei nº 11.794/2008 regulamenta um procedimento já previsto na Lei de Crimes Ambientais como cruel. Assim, o próximo passo direciona para a extinção das experiências com animais, o maior incentivo para a descoberta e o emprego dos métodos alternativos. Ao contrário, o que a Lei Arouca fez foi promover a regulamentação das experiências, biotérios e órgãos de controle, o que na prática acaba por incentivar o emprego de animais em laboratório.

Há que se lembrar ainda que a Constituição Federal de 1988, no artigo 225, § 1º, VII, veda as práticas que submetem os animais à crueldade. Ora, utilizar animais sadios, restringir sua liberdade, dispor das suas vidas, integridade física e moral, não podem ter outra denominação a não ser maus-tratos, crueldade.

3 DEFESA PELA ÉTICA ANIMAL: POCISIONAMENTOS

"Pergunte para os vivisseccionistas por quê eles experimentam em animais e eles responderão: "Porque os animais são como nós". Pergunte aos vivissecccionistas por quê é moralmente 'OK' experimentar em animais e eles responderão: "Porque animais não são como nós". A Experimentação animal apoia-se em contradição de lógica." - Professor Charles R.Magel

“Como podem pessoas que não são sádicas passar a vida provocando depressão em macacos, esquentando cães até a morte ou viciando gatos em drogas? Como podem tirar o jaleco branco, lavar as mãos e ir para casa jantar com a família?” Peter Singer

É possível identificar pelo menos três vertentes de pensamento no que respeita à utilização de animais em experiências científicas. Iniciemos pelas duas mais radicais. Em uma margem estão aqueles que entendem que os experimentos são fundamentais para evolução da ciência, indispensáveis para o aprendizado, e que desconsideram ou emprestam pouca atenção aos animais, em função dos ganhos ou interesses humanos em questão. Em outra margem se colocam aqueles que não admitem nenhuma pesquisa com animais, que consideram os experimentos, em qualquer situação, antiéticos, imorais, injustificáveis. Uma terceira corrente, intermediária, não condena toda pesquisa com animais, admite a realização em algumas hipóteses, conquanto assuma, como regra, a interdição de tais práticas, bem como procure ter como baliza outros argumentos que não de cunho especista.

Entre os vivisseccionistas, então, existem aqueles que defendem acaloradamente o emprego de animais e outros que, resignados, aceitam a conduta por entender que não existem outras formas equivalentes. Isto não impede, todavia, o acolhimento do programa dos três “Rs”, antes aduzidos (reduction, refinement e replacement), notadamente pelo segundo grupo referido. É fato que se pode notar um paulatino despertar de cuidado ou atenção por parte da comunidade acadêmica ou científica em

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relação aos animais, inclusive daquela que recorre a animais em laboratório, em boa parte por pressão de entidades protetoras dos animais, por denúncias de abusos, assim entendidos mesmo pelo homem médio, tolerante com a coisificação dos seres vivos não-humanos. Se no passado a prática não era questionada com maior impacto ou um maior número de interlocutores, hoje o debate está posto e cada vez mais ganha espaço na sociedade.

E aqui surge uma ponderação. Se os animais não-humanos são parecidos com os animais humanos, inclusive a ponto de se fazer experiências em projeção de um aproveitamento humano, se há semelhança de órgãos e sistemas orgânicos, porque não admitir uma igualdade, ainda que não absoluta, ensejadora, como tal, de igual consideração moral, particularmente em virtude do sofrimento imposto e do perecimento da vida, da perda da felicidade, entre seres humanos e não-humanos?

(...) ou o animal não é como nós e, neste caso, não há razão para fazer o experimento, ou o animal é como nós, e, neste caso, não deveríamos realizar no animal um experimento que seria considerado ultrajante se realizado em um de nós.[21]

Ressalte-se, muito embora, que a dignidade dos animais não está refém da semelhança maior ou menor apresentada pelos diferentes animais em comparação ao homem. Isto refletiria a manutenção da ótica antropocêntrica, que se quer romper. Um animal não tem ou deixa de ter direitos ou dignidade em razão de parecer mais ou menos ou em nada lembrar os seres humanos. Todos os animais, independente da sua proximidade ou distância com a humanidade, possuem dignidade e direitos, isto pela única razão de serem seres vivos.

Outro ponto que se levanta é acerca da valia de tais experimentos. É que, como fartamente demonstra a literatura especializada, inúmeras experiências não revelam aptidão à passagem dos resultados para os humanos. Além disto, inúmeras outras são feitas por motivos reconhecidamente frívolos, desimportantes, para provar teses esdrúxulas. Outros tantos experimentos são seguidamente repetidos apesar de já efetuados e com os resultados documentados na bibliografia científica, práticas que se repetem meramente pela vontade de se fazer também, de se fazer de novo, embora já exauridas e/ou com conclusões notoriamente conhecidas.

Hoje não se abandonou, ao menos oficial ou formalmente, a teoria do animal-máquina. Não restam dúvidas de que o animal é senciente. A propriedade de o animal sentir dor é algo evidente, que pode ser observado por sinais demonstrativos, sintomáticos, que estão presentes também nos seres humanos, tais como contorções, contrações da fronte, gemidos, tentativas de evitar o sofrimento, demonstração de medo. Dor que, repita-se, não é somente física, pois que também psicológica.

Como afirma Peter Singer, dor é dor, independente da raça, sexo ou da espécie[22]. Não há fundamento moral, afirma Singer, que alicerce a tese de que a dor humana é mais grave do que a mesma dor de qualquer outro ser vivente. A dor de furar o olho de uma pessoa humana ou de um macaco é igualmente a mesma. Privar um ser

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humano de alimento ou um tigre é o mesmo. Queimar o corpo de um homem ou de um coelho é idêntico. Não há o que explique atribuir maior gravidade quando a vítima ou o agente passivo é da espécie humana.

Vale reparar que o argumento do fator da razão em nada afeta. Ora, ninguém irá advogar que a dor causada a um ser humano que é chicoteado é mais grave do que o mesmo grau de dor imposta a um cavalo que recebe chicoteadas pelo fato do ser humano ser racional e o cavalo (supostamente) não. Ora bem: o próprio conceito de razão é relativo e a doutrina se inclina para a admissão da racionalidade entre os animais não-humanos, fora da espécie humana. Aliás, se a razão fosse uma qualidade determinante, nada de problemático existiria em mutilar um humano débil mental ou em estado vegetativo, em coma, ou mesmo uma criança em tenra idade, já que desprovidos do atributo da razão.

Na verdade, o fundamental, não é a razão, mas sim a consideração pela vida de todos os seres, e mais especificamente a capacidade de sentir dor, medo, sofrer, e neste aspecto, não restam dúvidas de que as semelhanças entre animal humano e não-humano comprovam tais sentimentos em ambos.

A médica veterinária Dra. Irvênia Prada expõe que tanto o homem como o animal possuem corpo, órgãos, tais como coração, rins, músculos (principalmente os mamíferos), vida, mente, bastando observar seu comportamento para perceber que manifestam emoções, vontade, demonstrações de que são suscetíveis de sofrimento. Além disso, a organização e modelo do sistema nervoso humano são as mesmas daquelas encontradas em muitos animais. “De uma espécie animal para outra, existem diferenças anatômicas no sistema nervoso, que atendem às necessidades de cada um deles, mas, basicamente, o modelo é o mesmo. (...) Ele é essencialmente constituído por medula espinhal, tronco encefálico, cérebro e cerebelo.”[23]

Incontáveis experiências, várias agudamente cruéis e/ou evidentemente desnecessárias, sobre o comportamento animal demonstraram à exaustão, cabalmente, a capacidade não apenas de sofrer dor física, mas de sentir sofrimento psicológico, mental, com traumas e seqüelas desta ordem. Um exemplo: a experiência realizada, em 1930, pelo psiquiatra americano Harry F. Halow, no zoológico de Madison, sobre psicose maníaco depressiva, com sensações de solidão e angústia. Filhotes de macacos foram colocados dentro de um longo tubo de material rígido, com água e comida disponíveis, mas em solidão, durante aproximadamente seis meses. Tal túnel foi denominado pelo cientista como “túnel do desespero”. A experiência causou distúrbios irreversíveis nos animais, que se tornaram “irreversivelmente psicóticos”[24], o que serviu para demonstrar que possuem personalidade, já que só se torna psicótico quem possui personalidade.

Singer aponta diversos casos, como, por exemplo, outros estudos no campo da psiquiatria realizados pelo psiquiatra Halow e seus alunos com primatas, onde foram analisados os efeitos da separação e repulsa da mãe em relação a macacos-bebês. Casos repugnantes e desnecessários, como a criação de uma mãe-monstro artificial que primeiro lançava ar comprimido contra o bebê, depois chacoalhava e por fim soltava espinhos, constatou-se que, mesmo diante de tais manifestações, o bebê tentava se aproximar da mãe. Em outro caso, outra mãe-monstro: macacas foram criadas em isolamento e emprenhadas através de uma máquina denominada “rack de estupro”. O

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comportamento observado foi a repulsa da mãe pelo filho, recusa de amamentar, bem como mesmo um comportamento letal como triturar o crânio do bebê. Estes e outros diversos padrões de comportamento foram analisados através de experiências cruéis, desumanas, sem qualquer contribuição de relevo para a medicina, para a psicologia, com a transformação dos animais em meros instrumentos, plenamente desconsiderados.[25]

Experiências são realizadas para demonstrar algo que já se conhece, compromissadas eminentemente com fins comerciais. Para testar toxidade, por exemplo, na Inglaterra, 40 macacos foram envenenados com herbicida letal paraquat: todos ficaram doentes, vomitaram, não conseguiram respirar e morreram por hiportemia. Morreram lentamente e provaram algo que já se sabia, ou seja, o envenenamento com este herbicida causa morte lenta e dolorida.[26]

Outros exemplos podem demonstrar capacidade de sentir e inteligência nos animais, sem que para isso, haja necessidade de sofrimento, como os estudos realizados pela primatóloga Jane Goodall, com chimpanzés na Tanzânia na década de 1950. Ao observar que estes animais utilizavam pedaços de pau como bengala para capturar formigas e cupins, que quebravam a casca dura da castanha utilizando pedras, confirmou capacidade de raciocínio, inteligência, manipulação de objetos e habilidade técnica em primatas.

Muitos exemplos poderiam ser citados, inclusive do senso comum da população. A capacidade de cachorros e gatos, por ex., de pressentirem a chegada de humanos, notadamente daqueles que convivem com eles; cães e gatos, por ex., que percebem quando humanos estão doentes ou deprimidos; cachorros, gatos, cavalos que conseguem achar o caminho de casa. Relatos podem ser encontrados no livro Cães sabem quando seus donos estão chegando, de 1999, autoria de Rupert Sheldrake, pesquisador da Universidade de Cambridge[27]. A alegria dos animais de estimação quando as suas companhias humanas retornam para casa, o que ressalta suas capacidades cognitivas, sentimentais.

Se a premissa da utilização animal está baseada em sua incapacidade de consciência ou sentimento, uma postura moral não deixa margem para a continuidade de tais práticas laboratoriais, porquanto há muito já se concluiu afirmativamente acerca das aludidas capacidades nos animais.

Contudo, há que se respeitar não somente o sofrimento, mas também a vida dos animais não-humanos. São colacionados a seguir os posicionamentos de três autores, que são referências na temática. Peter Singer, Tom Regan e Gary L. Francione.

Peter Singer[28] defende a igual consideração de interesses entre animais humanos e não-humanos. A inteligência não pode ser o parâmetro, mas sim o sofrimento, esta é a linha demarcatória para que exista a consideração moral, de outra forma, não haveria motivos para considerar o ser humano com reduzida capacidade mental, até porque, muitos animais não-humanos são mais desenvolvidos que muitos humanos, como por exemplo; um chimpanzé[29] e uma pessoa com grave deficiência mental.

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Seu livro Libertação Animal, fundamental para causa animal, relata de forma detalhada diversos experimentos, sejam para armamentos, cosméticos, remédios, no campo da psicologia, demonstrando o acentuado grau de desnecessidade e coisificação da vida animal.[30]

Conforme Tom Regan, os animais, seres vivos que são, devem ter sua dignidade respeitada, ou seja, vida, liberdade, integridade. Portanto, o erro das pesquisas com animais e a necessidade de se investir em métodos alternativos. Em seu livro Jaulas Vazias relata, assim como Singer, diversos casos dramáticos. Em uma experiência com cães para pesquisa de sarna, filmada pela Ong. Peta, animais infectados pela sarna eram observados sem que recebessem tratamento veterinário, pois poderia influenciar no resultado do experimento. Note-se o caso da cadela Genesee, que de tão infectada girava constantemente em círculos, incapaz de descansar; quando tocada gania, não comia e não tomava água, uivava vorazmente de dor, até que morreu sem receber qualquer tratamento. Esta experiência cruel foi realizada na Universidade Wright nos Estados Unidos.[31]

De acordo com o abolicionista Gary Lawrence Francione, na obra Animals, Property and Law, não se deve utilizar, sob nenhuma maneira, animais em pesquisa independente de parâmetros consignados pelo homem, porquanto os animais não são serventia para a humanidade, não são coisas, não são propriedades. Aponta quatro razões principais para que não sejam utilizados em experiências científicas, bem como para o crescimento do número de defensores dos animais.

A primeira delas é o crescente ceticismo em relação ao reducionismo cartesiano. Na perspectiva de Descartes, uma perspectiva mecanicista filha do século XVII , afirma-se que é possível conhecer a natureza estudando-a em pedaços e recompondo-a, ao final, em um todo sistemático. Desde então a aceitação generalizada da vivissecção deveu-se a essa tese, reducionista adotada pelos cientistas da área da vida. A ciência é refém do modelo mecanicista cartesiano, mesmo passados quase quatrocentos anos. A segunda razão para mudança de perspectiva na concepção dos próprios cientistas é a de que a ciência já não é mais tida como a descobridora de “verdades”, ou uma espécie superior de conhecimento ao qual tudo o mais deva ser submetido. A terceira é a questão de que o bem-estar animal e os direitos animais tem sido profunda, ampla e criticamente estudada por filósofos nos últimos vinte anos, o que fez muitos cientistas despertarem para a investigação da natureza animal e contribuiu para descobertas que corroboram as teses zooéticas e põem em cheque a filosofia moral tradicional, o reducionismo cartesiano e toda a ciência animal especista até então desenvolvida de modo incipiente. Finalmente, a quarta questão é a das revelações feitas pelos abolicionistas tornando públicos os experimentos cruéis com animais. [32]

4 PROCEDIMENTO NECESSÁRIO?

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“Se fôssemos capazes de imaginar o que se passa, constantemente, nos laboratórios de vivissecação, não poderíamos dormir em paz e em nenhum dia estaríamos felizes e tranqüilos." Dr. Ralph Bircher

"Eu desprezo e abomino desculpas em nome da infame prática da vivissecção...Eu preferiria ser submetido à pior das mortes, aguentando dor indefinidamente, a ter um único cão ou gato torturado , sob o pretexto de me dar alguns momentos de alívio." Robert Browning (poeta)

Nos experimentos científicos com utilização de animais não-humanos um questionamento se destaca e persiste como argumento em sua defesa: aquele de que visam à descoberta de remédios e a cura de várias doenças, para a vida, inclusive no que tange aos próprios animais.

Como expõe Regan é comum ouvir que experiências são necessárias em benefício do avanço da ciência, da cura de doenças como diabetes e câncer, entre outras. No entanto, estas são apenas parte das experiências, pois existem aquelas que não aparecem na publicidade, como documentado pelo Dr. Jeff Diner:

Eis um resumo de alguns dos exemplos que ele descreve:

Pesquisa sobre o olho: São usados macacos, coelhos, cães, gatos e outros animais. Os olhos são queimados ou feridos de outras maneiras; às vezes, as pálpebras são fechadas com suturas, ou os olhos removidos.

Pesquisa sobre queimaduras: Os animais (cobaias, ratos, camundongos e cães, por exemplo) são queimados usando-se químicas ou radiação, ou então sofrem “queimaduras térmicas”, desde amenas até de terceiro grau. As queimaduras térmicas são causadas imergindo-se todo o corpo do animal, ou parte dele, em água fervente, ou pressionando-se uma chapa quente sobre sua pele, ou usando-se vapor.

Pesquisa sobre radiação: Todo o corpo de uma animal, ou parte dele, é submetido a radiação; em alguns casos, os animais de testes são forçados a inalar gases radioativos. Entre os animais usados estão cães, macacos, ratos, camundongos e hamsters.

Pesquisa sobre o cérebro: A atividade e o comportamento do cérebro são estudados em gatos, cães, macacos, coelhos e ratos, por exemplo. Os animais sofrem o trauma experimental (normalmente produzido por um ferimento físico direto na cabeça), são submetidos à manipulação cirúrgica, ou são estimulados eletricamente (por exemplo, depois de sofrerem um implante cirúrgico).

Pesquisa sobre choques elétricos: As reações fisiológicas e psicológicas ao choque elétrico são estudadas em vários animais, principalmente ratos. Choques elétricos em graus e intervalos variados são administrados principalmente pelo pé ou pelo rabo.

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Pesquisa sobre agressão: São investigados os efeitos, no comportamento agressivo, de fatores como isolamento social, disfunção cerebral induzida e privação de sono.

Pesquisa sobre estresse: Os animais de teste são expostos ao frio e ao calor extremos, privados de sono REM, imobilizados ou mal nutridos, por exemplo, para se investigar fisiologia e comportamento.

Pesquisa militar: Com verba do Departamento de Defesa dos Estados Unidos, vários animais, incluindo primatas não-humanos, são submetidos a armas convencionais, biológicas e químicas, assim como a radiação nuclear, raios laser e microondas de alta potência.” [33]

Na verdade, o argumento de que são necessárias cai por terra quando se percebe que inúmeras experiências são realizadas por motivos fúteis, sem o devido cuidado com os seres envolvidos contra a sua própria vontade. Experimentos com choques, radiação, queimaduras, privação de sono, de cuidados maternais, cegueira, isolamento, privação de alimentos, de água, submissão ao stress, o que leva inúmeros animais à morte, à loucura, à seqüelas permanentes, traumas, com elevado nível de sofrimento.

Dois exemplos podem ser particularmente citados por demonstrarem acentuado grau de desproporcionalidade, desnecessidade, crueldade, ainda que persista a convicção do predomínio dos interesses humanos. Severamente criticados e atualmente proibidos por alguns países o teste DL50 e o teste Draize demonstram o equívoco.

No primeiro, DL50, que significa dose letal para 50% dos animais testados, o produto é ministrado via oral nos animais, que normalmente acabam morrendo. O objetivo é testar o maior ou menor grau de toxidade do produto quando ingerido e a observação de seus estados pode durar até duas semanas. Durante este período os produtos são forçados aos animais através de tubos, já que naturalmente não comeriam tintas para solventes, produtos de limpeza, cosméticos, giz de cera, lustrador de móveis e tantos outros. Não é preciso afirmar que o teste provoca grande sofrimento e sintomas como diarréia, convulsões, perda de sangue pela boca, olhos, reto.

Quanto ao teste Draize, inventado por John Draize, também com a finalidade de medir o índice de toxidade em cosméticos, pesticidas, produtos de limpeza, herbicidas e shampoos, é ministrado, e.g., nos olhos de coelhos. Quando realizado na pele dos animais o experimento denomina-se Draize skin Test. O mais cruel deles, todavia, é o Draize Eye test, em que se ministra a substância química nas órbitas oculares de coelhos, os quais permanecem imobilizados pelas patas e pelo pescoço em múltiplo e circular aparelho de contenção. A substância é pingada ou injetada em uma das córneas do coelho. O outro olho permanece preservado para servir de modelo comparativo. Desse modo, a reação primeira do animal submetido ao teste é um lacrimejamento abundante. Depois de alguns dias, a córnea, a conjuntiva e a íris se alteram. O olho fica irritado, inflamado, comprometido pela toxidade da substância nele aplicada. A última etapa pode ser a cegueira após toda essa sessão de sofrimento ocasionada ao animal. Ocorrido isso, o pesquisador normalmente extrai o olho lesionado para submetê-lo a estudos de ordem anatômica ou fisiológica. Os produtos

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que menos causam irritação no olho do coelho costumam ser lançados no mercado com a advertência “testado em animais”.[34]

Outra questão fundamental se coloca: diversos produtos testados em animais geram resultados negativos no homem. O que se explica pelo fato de que, apesar das semelhanças de tecidos e órgãos, existem diferenças significativas. Os resultados gerados a partir das experiências com animais não-humanos guardam a potencialidade de não serem confirmados quando dos seres humanos. Inúmeros casos demonstram que a passagem para a espécie humana não é retilínea ou automática e, em muitos casos, houve prejuízo, graves, para o homem.

Diversos exemplos podem ser citados. Fumar provoca câncer. No entanto, pensava-se que não gerava tal efeito já que relacionar o câncer ao fumo é de difícil reprodução em animais de laboratório. A exposição à benzina causa leucemia em humanos. No entanto, a substância não contou inicialmente com esta advertência, pois testes realizados em camundongos não demonstraram tal resultado[35]. A aspirina, que nos serve como analgésico, é capaz de matar gatos. A morfina acalma o ser humano, mas provoca excitação excessiva em cães e gatos. A salsa e a amêndoas são usadas na alimentação humana, porém a primeira é capaz de matar papagaios e a segunda é altamente tóxica para cães[36]. O medicamento para diabetes troglitazone não causou danos em animais, porém gerou graves lesões no fígado humano, com caso de morte e a necessidade de transplante. A penicilina é ineficaz em coelhos, causa a morte em porquinhos da índia e hamsters, mas é um importante antibiótico para o homem. O flúor causa câncer em ratos, porém é importante para prevenir cáries. Pesquisas em animais demonstraram que o vírus HIV se reproduzia com uma rapidez equivocada, o que gerou tratamento inadequado para os humanos. O zelmid (antidepressivo) foi testado em ratos e cães, mas causou graves problemas neurológicos em seres humanos. O clioquinol (antidiarréico) foi testado em ratos, gatos, cães e coelhos, porém causa cegueira e paralisia em humanos, tendo sido retirado de venda em 1982.[37]

Diversos remédios testados em animais causaram sérios efeitos colaterais, internações e morte quando utilizados pelos seres humanos. Outros exemplos são apresentados na obra da filósofa Sônia T. Felipe, tais como: o alphaxalone, considerado um importante anestésico, causa choque anafilático; o benoxaprofen, antiinflamatório, provocava sérios efeitos colaterais, inclusive morte; o fenclofenac é cancerígeno; o feprazone, utilizado para combater artrite reumática, reumatismo e osteoartrite, causa anomalias sanguíneas letais.[38]

Percebe-se, assim, entendimentos equivocados em defesa dos experimentos. Na verdade, grande parte dos resultados terminou por gerar sérios malefícios à saúde humana. Há uma verdade insofismável: se é para testar, a melhor cobaia é o próprio homem. Somente não é assim porque se acredita que a vida humana é mais importante do que a vida dos demais animais e que, assim, atos que não se justificam com humanos são justificáveis com não-humanos. É melhor cegar um coelho do que um homem, queimar um porco do que um ser humano, testar drogas possivelmente nocivas em um cachorro do que em um ser da espécie humana. Algo como: antes ele do que eu.

Outra questão, por fim, merece ser destacada: o entendimento de que se faz imprescindível a utilização de animais no aprendizado científico, médico, biológico,

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procedimentos indispensáveis para o estudo, para o ensino. Não se pode desconhecer que, ao submeter animais a experimentos, passa-se a mensagem de que os seres não pertencentes à espécie humana são menos importantes ou mesmo de nenhuma relevância, que se tem direito a proceder assim. Ensina-se a frieza, a desconsideração, a insensibilidade. Isto tem especial implicação na formação ética dos médicos, veterinários, biólogos.

5 ESPERANÇA DE NOVOS TEMPOS: ALTERNATIVAS

"Atrocidades não são atrocidades menores quando ocorrem em laboratórios, ou quando recebem o nome de 'pesquisa médica." George Bernard Shaw (Dramaturgo, Nobel 1925)

"A Vivissecção é bárbara, inútil e um impecilho ao progresso científico." Dr. Werner Hartinger (cirurgião, Alemanha, 1988).

Como já tantas vezes ressaltado, a ética clama pela aplicação e desenvolvimento dos métodos alternativos, já existentes, diga-se, em grande número e utilizados por diversos cientistas.

“1)sistemas biológicos in vitro (cultura de células, tecidos e orgãos passíveis de utilização em genética, micribiologia, bioquímica, imunologia, farmacologia, radiação, fisiologia, toxicologia, produção de vacinas, pesquisa sobre o vírus do câncer); 2) Cromatografia e espectometria de massa (técnica que permite a identificação de compostos químicos e sua possível atuação no organismo, de modo não-invasivo); 3) farmacologia e mecânica quânticas (avaliam o metabolismo das drogas no corpo); 4) estudos epidemiológicos (permitem desenvolver a medicina preventiva com base em dados comparativos e na própria observação do processo de doenças); 5) estudos clínicos (análise estatística da incidência de moléstias em populações diversas); 6) necropsias e biópsias (métodos que permitem mostrar a ação das doenças no organismo humano); 7) simulações computadorizadas (sistemas virtuais que podem ser usados no ensino das ciências biomédicas, substituindo o animal); 8) modelos matemáticos (traduzem analiticamente os processos que ocorrem nos organismos vivos); 9) culturas de bactérias e protozoários (alternativas para testes cancerígenos e preparo de antibióticos); 10) uso da placenta e do cordão umbilical (para treinamento de técnica cirúrgica e testes toxicológicos); 11) membrana corialantóide (teste CAME, que se utiliza de membrana dos ovos de galinha para avaliar a toxidade de determinada substância); 12) pesquisas genéticas (estudos com DNA humano), etc.”

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“Culturas de tecidos, provenientes de biópsias, cordões umbilicais ou placentas descartadas, dispensam o uso de animais. Vacinas também podem ser fabricadas a partir da cultura de células do próprio homem, sem a necessidade das técnicas invasivas experimentais em cavalos, envolvendo a sorologia... processos de análise genômica e sistemas biológicos in vitro, que, se realizados com ética, tornam absolutamente desnecessárias antigas metodologias relacionadas à vivissecção (...)”.[39]

Diversos são os métodos alternativos. O teste Draize, método cruel e com resultados nem sempre seguros, pode ser substituído pelo método Came ou por uma córnea artificial. A União Européia firmou algumas diretrizes para que não ocorram experiências consideradas cruéis, como o DL 50 e o Draize.

Vacinas podem ser fabricadas utilizando cultura de células do homem, o que substitui a utilização de cavalos e o sofrido experimento da sorologia[40]. Além disso, as culturas de tecidos, provenientes de biópsias, cordões umbilicais ou placentas descartadas, também dispensam o uso de animais.

Segundo as informações da Professora e Médica Veterinária Julia Maria Matera, Presidente da Comissão de Bioética da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootécnica da USP, diversas universidades limitam ou não utilizam animais vivos para ensino, realizando treinamento com cadáveres e, em animais vivos, castrações, tais como as escolas médicas britânicas Cambridge e Oxford, as estadunidenses Columbia, Harvard, Yale, Johns Hopkins, Stanford, Tufts, Washington, Illinois, Califórnia – Davis, Flórida, Cornell, Wiscosin, entre outras. Além disso, segundo informa a referida Professora, mais de 70% das Faculdades de Medicina dos EUA não utilizam animais vivos e na Alemanha, Canadá e Austrália este percentual é de praticamente 100%.[41]

No Brasil, a Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo (FMVZ/USP) é um exemplo referencial: adota, desde o ano 2000, radical restrição ao emprego de animais. O treinamento cirúrgico é realizado em duas fases: na primeira são utilizados cadáveres quimicamente preservados; na segunda, exclusivamente a castração de animais, em programa de parceira com ONGs para controle populacional de cães e gatos. Tal método foi aprovado e aceito com excelentes resultados pelos alunos, auxiliando em uma educação humanitária e sem conflitos éticos.

Outros métodos alternativos utilizados nas faculdades são protótipos de baço, rim, fígado, sistemas computadorizados. A UNIFESP (Universidade Federal de São Paulo) usa rato de PVC nas salas de aulas de micro-cirurgia. Na UNB (Universidade de Brasília), o programa de farmacologia básica do sistema nervoso autônomo é realizado através de simulação computadorizada. A FMVZ (Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia) no departamento de patologia utiliza cultivo de células vivas no departamento de patologia.

Percebe-se, assim, que é possível a substituição dos animais, bastando para tal que se ultrapassem antigas compreensões. Aliás, os alunos podem se valer da escusa de consciência[42], direito à recusa do estudante[43] em praticar vivissecção ou

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experimentação animal, em conflito com sua consciência, princípios filosóficos, morais, espirituais.[44]

Há que se mencionar ainda que diversas empresas não realizam mais testes com animais. Entre outras podem ser citadas: Avon, Revlon, Herbalife, Victoria Secrets, Chanel, Clarins of Chanel, O Boticário, Natura, Marogany, Granado.

CONCLUSÃO

"Não estou interessado em saber se a vivissecção produz ou não resultados lucrativos para a raça humana ... A dor que ela inflige sobre os animais à sua revelia é a base da minha inimizade contra ela, e isso é justificativa suficiente para a minha inimizade, sem mais considerações”. Mark Twain (Escritor)

“O erro da ética até o momento tem sido a crença de que só se deva aplicá-la em relação aos homens." - Dr. Albert Schweitzer

Atualmente, incontáveis experiências prosseguem utilizando animais como cobaias. Biotérios[45] são construídos e o sofrimento animal prossegue. No entanto, apesar dos retrocessos, não se pode deixar de observar que avanços ocorreram, ainda que lentamente. Métodos alternativos, denúncias de experiências cruéis, a crescente, a opinião pública cada vez mais sensível à causa dos animais não-humanos. A academia vem despertando para a temática, inclusive a jurídica e no Brasil: há uma revista especializada, artigos se sucedem, trabalhos de conclusão de Mestrado e Doutorado, livros foram lançados, debates, seminários, congressos.

Percebe-se que a vida do animal não-humano não pode ser reduzida a uma máquina, um objeto a ser utilizado para benefício do animal humano. Não se advoga com isto uma posição contra o progresso, mas sim pela evolução em respeito à moral e consciente de que não se pode progredir à custa do sofrimento e desrespeito, subjugando o mais fraco, o mais frágil. De outra forma, através da indiferença, corre-se o risco de anuir com crueldades, barbáries, alienados do amor, da piedade, da solidariedade, para com qualquer forma de vida, muito além da vida humana.

O antigo preceito de que os fins justificam os meios não pode e não deve ser adotado. Afinal, de onde vem a pretensa autoridade do homem para afirmar que a vida humana é mais importante do que as outras, idéia concebida normalmente como pressuposto inquestionável?

É preciso ter em mente que os animais não-humanos, assim como os humanos, possuem necessidades básicas: dormir, comer, andar. Direitos: liberdade, vida

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respeitada e digna, integridade física e mental. Nenhum ser vivo pode ser meio para outro, ser explorado, como se objeto fosse, por outro. Todos são fins em si.

Pensar de outra forma é induzir futuras gerações à desconsideração pelo sofrimento alheio; em um primeiro momento do animal, depois do próprio homem. Aqui é bem verdade o dizer de que o feitiço volta-se contra o feiticeiro.

Esta mudança de conceitos é, portanto, como se costuma dizer, interdisciplinar. É o desafio da Bioética e do Biodireito, em novos paradigmas, revolucionários. É o Direito dos Animais, onde os direitos humanos se compatibilizam com os direitos dos animais não-humanos.

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[1] OLIVEIRA, Fábio Corrêa Souza de. Por uma teoria dos princípios: o princípio constitucional da razoabilidade. 2.ed., rev., atual., ampl. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. Para um estudo sobre a transposição de categorias tradicionais dos direitos humanos para a esfera dos direitos dos animais – Animal Rights –, na compreensão de que os animais não-humanos também são titulares de direitos fundamentais, confira-se OLIVEIRA, Fábio Corrêa Souza de. Estado Constitucional Ecológico: em defesa do Direito dos Animais (Não-Humanos). In: Revista Âmbito Jurídico, nº 58, ano XI, outubro de 2008. Disponível em <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_caderno&revista_caderno=5> Acesso em 10.04.09.

[2] Na doutrina brasileira, v. LOURENÇO, Daniel Braga. Direito dos animais: fundamentos e novas perspectivas. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2008. p. 285-337.

[3] RAYMUNDO, Márcia Mocellin; GOLDIN, José Roberto. Aspectos éticos relativos ao manejo de animais utilizados em atividades didáticas e em experimentação científica.

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In: MARRONI, Norma Possa; CAPP, Edison (Org.). Fisiologia Prática. Rio de Janeiro: ULBRA, 2001. p. 9-17.

[4] Cabe esclarecer o que é experimentação animal e vivissecção: a primeira “pode ser definida como todo e qualquer procedimento que utiliza animais, independentemente do emprego de anestesia, para fins científicos ou didáticos, a vivissecção – modalidade específica daquele gênero – consiste na dissecação de bichos vivos para estudos de natureza anatômica ou fisiológica.”

LEVAI, Laerte Fernando. Crueldade consentida – crítica à razão antropocêntrica. Revista Brasileira de Direito Animal, Salvador, Instituto de Abolicionismo Animal, ano 1, n. 1 jan/dez 2006, p.180.

Segundo Aurélio Buarque de Holanda: “Dissecação: Separação (com instrumento cirúrgico) das partes de um corpo ou órgão de animal morto, para estudo da respectiva anatomia; retalhação anatômica.” No mesmo dicionário: “Vivissecção. Do latim. Vivu, ‘vivo’ + i + lat. Seccione, ‘secção’. Operação feita em animais vivos para estudo de fenômenos fisiológicos.” FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986. p. 599 e 1786.

[5] Em sua obra História dos animais, Aristóteles empreende uma classificação dos animais, a qual é por muitos, tida como a primeira divisão sistemática do reino animal. “O macaco, como já foi observado, tem uma cauda. Em todas as criaturas desse tipo os órgãos internos mostram-se, à dissecção, correspondentes aos do homem (...)” Em relação ao acordar e ao dormir dos animais, todas as criaturas de sangue vermelho e providas de pernas dão sensível evidência de que vão dormir e acordam desse sono; pois, na verdade, todos os animais providos de pálpebras fecham-nas quando vão dormir. Além disso, parece que não somente os homens sonham, mas também os cavalos, os cães, bois, carneiros, bodes e todos os quadrúpedes vivíparos (animal que gera filho); os cães mostram estar sonhando latindo durante o sono. Quanto aos animais ovíparos (animal que se reproduz por meio de ovos) não podemos ter certeza de que sonham, mas eles sonham, sem dúvida (...)”.

Disponível em <http://greciaantiga.org/arquivo.asp?num=0312> Acesso em 01.01.09.

[6] Nos séculos XVI e XVII, na Inglaterra, Francis Bacon defendeu o materialismo naturalista; e, no século XVII, na França, Descartes defende o materialismo mecanicista, com base em uma teoria dualista, separando matéria de espírito. Disponível em <http://www.encfil.goldeye.info/materialismo.htm - 16k- enciclopédia de filosofia> Acesso em 23.09.08.

[7] DESCARTES, René. Discurso do Método. Porto Alegre: L&PM, 2008. p. 95-96.

[8] Descartes entendia que os animais assim como as plantas não possuem alma racional, apenas vegetativa, ao contrário do homem, que possui uma alma racional e, portanto, sensibilidade.

DESCARTES, op. cit., p. 84 - 99.

[9] SINGER. Libertação Animal. Porto Alegre: Lugano, 2004. p. 228.

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[10] ALVES, Maria Júlia Manso; COLLI, Walter. Disponível em <http://cienciahoje.uol.com.br/60958> Acesso em 17.04.09.

[11] Essa indiferença pelo sofrimento animal gerou um episódio familiar na vida de Claude Bernard que deve ser registrado. Aproximadamente em 1860, o fisiologista Claude Bernard utilizou o cachorro de estimação de sua filha para dar aula a seus alunos, tal acontecimento gerou perplexidade no seio de sua família, tanto que sua esposa em resposta fundou a primeira associação para defesa dos animais de laboratório.

SPINSANTI, S. Ética Biomédica. São Paulo: Paulinas, 1990. p. 44.

[12] BERNARD. Claude. Introdução à medicina experimental. p. 152. Apud, LEVAI, Laerte Fernando; DARÓ, Vânia Rall. Experimentação animal: histórico, implicações éticas e caracterização como crime ambiental. In: TRÉZ, Thales (Org.) Instrumento Animal: O uso prejudicial de animais no ensino superior. Bauru, SP: Canal 6, 2008. p. 46.

[13] ROUSSEAU apud Dias, Edna Cardozo. Tutela jurídica dos animais. Disponível em <http://www.sosanimalmg.com.br/sub.asp?pag=livros&id=6> Acesso em 18.09.08

[14] VOLTAIRE. Dicionário Filosófico. São Paulo: Martin Claret, 2008. p. 31.

[15] O filósofo e jurista inglês Jeremy Bentham (1748 – 1832), seguido de Jonh Stuart Mill (1806 – 1873), é considerado o fundador do utilitarismo clássico. O utilitarismo é um dos paradigmas da ética e da filosofia, existindo outras formas como o utilitarismo das preferências (Alfred Jules Ayer – 1910 – 1989) e utilitarismo social (Jonh Charles 1920 – 2000 e Amartya Sem 1933).

O utilitarismo de Bentham rejeita convenções sociais, crenças religiosas e moral ordinária, possui caráter humanista, e revela engajamento quanto aos debates sobre legislação da Inglaterra e revoluções políticas no âmbito internacional, busca a maior felicidade possível para o maior número de pessoas.

MARTINS, Aloysio Augusto Paz de Lima. Jeremy Bentham. In: BARRETO, Vicente de Paulo (Coord.). Dicionário de Filosofia do Direito. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 94 – 96.

[16] BENTHAM, Jeremy. Uma Introdução aos princípios da moral e da legislação. São Paulo: Abril Cultural, 1974. (Os Pensadores). p. 69.

[17] Exemplo: A Martin’s Act que tinha por fim evitar o tratamento cruel com o gado, proibia a todos açoitar brutal ou cruelmente: cavalo, égua, potranca, mula, asno, boi, vaca, novilho, bezerro, ou qualquer outro gado[17], além de proibir os maus tratos por terceiros aos animais que fossem propriedade de alguém.

[18] O movimento em defesa dos animais está dividido hoje em dois grandes grupos, os bem-estaristas e os abolicionistas. Os bem-estaristas buscam melhores condições de vida para os animais, ainda que não preguem ou independente da abolição de sua

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utilização, enquanto os abolicionistas aceitam apenas a extinção total da utilização e exploração animal em todas as suas formas.

Alguns autores e estudiosos criticam esta divisão como, por exemplo; Peter Singer, por entender que enfraquecem a luta pelos direitos animais, na verdade, o importante é que se lute de uma forma ou de outra para que um dia a exploração animal torne-se parte do passado, como uma parte triste e lamentável da história.

[19] Em trecho da Declaração: “Preâmbulo: Considerando que cada animal tem direitos; considerando que o descobrimento e o desprezo destes direitos levaram e continuam a levar o homem a cometer crimes contra a natureza e contra os animais; considerando que o reconhecimento por parte da espécie humana do direito à existência das outras espécies animais, constitui o fundamento da coexistência das espécies no mundo; considerando que genocídios são perpetrados pelo homem e que outros ainda podem ocorrer; considerando que o respeito pelos animais por parte do homem está ligado ao respeito dos homens entre si; considerando que a educação deve ensinar à infância a observar,compreender, respeitar e amar os animais. Proclama-se o seguinte: Artigo 1º: Todos os animais nascem iguais diante da vida e têm o mesmo direito à existência. (...) Artigo 8º: a. A experimentação animal, que implica um sofrimento físico, é incompatível com os direitos do animal, quer seja uma experiência médica, científica, comercial ou qualquer outra. b. As técnicas substitutivas devem ser utilizadas e desenvolvidas.”

[20] SANTANA, Luciano Rocha. OLIVEIRA, Thiago Pires. Guarda Responsável e dignidade dos animais. Revista Brasileira de Direito Animal, Salvador, Instituto de Abolicionismo Animal, ano 1.n.1. jan/dez. 2006. p. 80.

A UIPA, União Internacional Protetora dos Animais, é uma das mais antigas Ongs do Brasil, formada em 1895. É uma associação civil, sem fins lucrativos, que instituiu o Movimento de Proteção Animal no país, no século XIX, ou seja, a luta contra a exploração, o abandono e a crueldade que vitimam os animais, promovendo o reconhecimento de seus direitos, a edição e o fiel cumprimento das leis que os protegem. Com iniciativa do suíço Henri Ruegger, que em 1893, tendo presenciado o sofrimento de um eqüino, em cuja fronte, impunemente, um homem quebrava tijolos, em uma praça pública da Capital de São Paulo, dispôs-se assim a denunciar o ocorrido à Sociedade Protetora dos Animais. No entanto, não encontrou nenhuma entidade do gênero, recorreu assim ao jornal “Diário Popular”, lançando a idéia de se criar no Brasil uma associação protetora dos animais. Disponível em <http://www.uipa.org.br/portal> Acesso em 05.01.09.

[21] SINGER, op. cit., p. 58.

[22] SINGER, op. cit., p. 12-20.

[23] PRADA, Irvênia. A alma dos animais. Campos de Jordão: Mantiqueira, 1997. p. 22.

[24] PRADA, Irvênia. Os animais são seres sencientes. In: TRÉZ, Thales (Org.) Instrumento Animal: O uso prejudicial de animais no ensino superior. Bauru, SP: Canal 6, 2008.p. 33.

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[25] SINGER, op. cit., p. 35-39.

[26] Ibidem, p. 61.

[27] PRADA, op. cit., p. 37.

[28] Sobre o entendimento de Peter Singer v. as obras: SINGER, Peter. Libertação Animal. Porto Alegre: Lugano, 2004. SINGER, Peter. Ética Prática. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

[29] Os grandes primatas (chimpanzés, gorilas, bonobos e orangotangos) possuem cerca de 99% do DNA semelhante ao do homem. O projeto dos grandes primatas, possui uma Declaração Mundial dos grandes Primatas e tenta conferir-lhes direitos básicos como vida, liberdade, integridade física e psíquica, incluindo-os no gênero humano.

[30] SINGER, op. cit., p. 02 – 105.

[31] REGAN, Tom. Jaulas Vazias. Porto Alegre, RS: Lugano. p. 109-221. p.206

[32] FRANCIONE, Gary L. Animals, Property and Law. Philadelphia: Temple University Press, 1995. p.175 apud FELIPE, Sônia T. O estatuto dos animais usados em experimentos: da negação filosófica ao reconhecimento jurídico. In: TRÉZ, Thales (Org.) Instrumento Animal: O uso prejudicial de animais no ensino superior. Bauru, SP: Canal 6, 2008. p. 97 - 98.

[33] REGAN, Tom. Jaulas Vazias. Porto Alegre, RS: Lugano, 2006. p. 213-214.

[34] LEVAI, Tâmara Bauab. Vítimas da ciência. 2.ed. Campos do Jordão: Mantiqueira, 2001.p. 29.

[35] Disponível em <http://www.luzanimal.org/crueldades/crueldades4.htm> Acesso em 05.12.08.

[36] LEVAI, Laerte Fernando; DARÓ, Vânia Rall. Experimentação animal: histórico, implicações éticas e caracterização como crime ambiental. In: TRÉZ, Thales (Org.) Instrumento Animal: O uso prejudicial de animais no ensino superior. Bauru, SP: Canal 6, 2008. p. 53.

[37] Disponível em <http://www.pea.org.br> Acesso em 20.04.09.

[38] FELIPE, Sônia T. Ética e experimentação animal: Fundamentos abolicionistas. Florianópolis: UFSC, 2007. p. 89.

[39] LEVAI. Crueldade Consentida – Crítica à razão antropocêntrica. Revista Brasileira de Direito Animal, Salvador, Instituto de Abolicionismo Animal, ano 1.n.1. jan/dez. 2006. p. 182.

[40] Sorologia, testes em cavalos: “O soro antiofídico é o único medicamento para o veneno de cobra, atualmente. A produção das ampolas no país é feita por três institutos de pesquisas: o Butantã-SP, Fundação Ezequiel Dias-MG e o Instituto Vital Brasil-RJ

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(...) O processo da fabricação de soros consiste em se injetar veneno de cobra, escorpião ou aranha na região lombar dos cavalos para que seus organismos produzam anticorpos. O impacto do veneno é tão forte que ele precisa ser recebido em três dosagens. Os cavalos são amarrados em um tronco, sem chance de defesa e recebem em dias alternados, as doses do veneno. Cheios de dor arrastam-se até o cercadão, onde descansam alguns dias e voltam ao tronco para serem sangrados.” Alguns dias de descanso e recomeça o martírio, que só termina com a morte do animal. Hoje existem várias pesquisas com plantas de forma a substituir a sorologia. DIAS, Edna Cardozo. Tutela jurídica dos animais.

Disponível em <http://www.sosanimalmg.com.br/sub.asp?pag=livros&id=6> Acesso em 14.12.08.

[41] MATERA, Julia Maria. Método de ensino substitutivo na disciplina de técnica cirúrgica. In: TRÉZ, (Org.) Instrumento Animal: O uso prejudicial de animais no ensino superior. Bauru, SP: Canal 6, 2008.p 201 – 208.

LEVAI, Laerte Fernando; DARÓ, Vânia Rall. Experimentação animal: histórico, implicações éticas e caracterização como crime ambiental. In: TRÉZ, Thales (Org.) Instrumento Animal: O uso prejudicial de animais no ensino superior. Bauru, SP: Canal 6, 2008. p. 58.

[42] Conforme o biólogo e mestre Thales Trez “Enquanto a objeção de consciência geralmente se manifesta através de uma formalização da postura em desacordo, recorrendo aos dispositivos legais aplicáveis, a desobediência civil já se manifesta contrariamente à lei, ainda que motivados por um senso de justiça – e não mais por motivos religiosos ou de ordem pessoal, como na objeção de consciência” Entretanto, em ambos há um senso de justiça, de moralidade, de se manifestar contra algo que se considera errado.

Exemplo de desobediência civil, é o caso de um aluno que sabendo da prática de uma aula teórica com um cachorro, invade o local e resgata o animal, cometendo assim uma infração invasão e roubo de patrimônio público, porém há uma caráter de apelo à justiça. Já no caso da escusa de consciência o aluno se recusaria a realizar a aula por estar em contrariedade com sua consciência.

TRÉZ, Thales de A. “Não matarei”: considerações e implicações da objeção de consciência e da desobediência civil na educação científica superior. In: TRÉZ, Thales (Org.). Instrumento Animal: O uso prejudicial de animais no ensino superior. Bauru, SP: Canal 6, 2008. p. 159 – 160.

[43] Esta objeção deve ser feita pelo aluno através do protocolo de seu pedido ao professor da disciplina ou mesmo ao diretor, devendo ser citado ainda o artigo 5º incisos VI e VIII (escusa de consciência), inciso XXXIV, alínea a (direito de petição) da Constituição Federal, e com possibilidade de mandado de segurança, no caso do professor e estabelecimento de ensino entender como sendo obrigatórias as práticas reclamadas como forma de método adotado, bem como autonomia didática científica do estabelecimento de ensino (Lei de Diretrizes e Bases – Lei nº 9.384/96).

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[44] O primeiro caso de que se tem notícia ocorreu nos EUA em 1987, quando a estudante Jenifer Grahan da Universidade da Califórnia, ao recusar dissecar um animal sofreu ameaça da escola, apesar disso, manteve-se firme e recorreu ao tribunal. Tal caso abriu precedentes e leis que permitem a escusa ou objeção de consciência com adoção de métodos alternativos de ensino.

No Brasil, a Constituição Federal confere este direito aos alunos, além disso, merece ser citado o Código estadual de Proteção dos Animais de São Paulo, Lei 11.977/2005, que permite a escusa ou objeção de consciência, importante instrumento que pode ser utilizado por todos os estudantes de medicina e biologia entre outros.

[45] Exemplo é a construção recentemente noticiada do biotério de Azambuja.

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