EXCELENTÍSSIMO SENHOR PRESIDENTE DO SUPREMO …

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Flavio Galdino Felipe Brandão Ivana Harter Albuquerque Rebecca O. Pereira da Silva Carolina Pfeiffer Figueiredo Sergio Coelho Adrianna Chambô Eiger Fernanda Rocha David Beatriz Capanema Young Maria Victoria P. L. Marins Rafael Pimenta Pedro Mota Luan Gomes Peixoto Letícia Willemann Campanelli Thayssa Bohadana Martins Rodrigo Candido de Oliveira Mauro Teixeira de Faria Luciana Barsotti Machado Amanda Guimarães Torquetti Rafael Leandro Dantas Eduardo Takemi Kataoka André Furquim Werneck Júlia Leal Danziger Milene Pimentel Moreno Leonardo Mucillo Mathia Cristina Biancastelli Raissa de A. Lima Pereira Paulo F. G. Junqueira Claudia Tiemi Ferreira Mônica Franco Lima Gustavo Salgueiro Wallace Corbo Bruno Duarte Santos Carolina Bueno de Oliveira Felipe L. L. e Castro Perretti Isabel Picot França Isadora A. R. de Almeida Roberta Issa Maffei Isabella Bandeira de Mello Caroline Rabello Müller Marcelo Atherino Julianne Zanconato Jacques Felipe A. Rubens Sávio A. Capra Marinho Luíza M. Lima Valle Marta Alves Rodrigo Saraiva P. Garcia Michelle Sorensen Camilo Paula O. Barata Reis Victoria de Azevedo T. Silveira Cláudia Maziteli Trindade Vanessa F. F. Rodrigues Tomás de S. Góes M. Costa Bruna Villanova Machado João Pachá Pedro C. da Veiga Murgel Aline da Silva Gomes Marcela R. Silva Quintana Isabela Rampini Esteves Gabriel Rocha Barreto Maria Flávia J. F. Macarimi Ana Carolina S. Gasparine Isabela Augusta X. da silva Diogo Rezende de Almeida Yasmin Paiva Jorge Luiz da C. Silva Yuri A. da Costa Nascimento EXCELENTÍSSIMO SENHOR PRESIDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL URGENTE ASSOCIAÇÃO NACIONAL DAS UNIVERSIDADES PARTICULARES - ANUP, entidade sem fins econômicos, constituindo-se, na forma de seus estatutos sociais, como órgãos de representação oficial das universidades particulares brasileiras, inscrita no CNPJ sob o nº 26.445.429/0001-86, com sede em Brasília/DF, no SHIS, QI 07, Conjunto 09, Casa 01, Lago Sul, CEP 71615-900 (“ANUP”) (Doc. 1), vem, por seus advogados (Doc. 2), com fundamento no art. 102, I, ´a´ da Constituição Federal e na Lei nº 9.882/1999, ajuizar a presente ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL COM PEDIDO DE MEDIDA CAUTELAR em face do conjunto de decisões judiciais não transitadas em julgado, proferidas em ações individuais e coletivas, bem como dos conjunto de atos praticados em

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FlavioGaldino FelipeBrandão IvanaHarterAlbuquerque RebeccaO.PereiradaSilva CarolinaPfeifferFigueiredoSergioCoelho AdriannaChambôEiger FernandaRochaDavid BeatrizCapanemaYoung MariaVictoriaP.L.MarinsRafaelPimenta PedroMota LuanGomesPeixoto LetíciaWillemannCampanelli ThayssaBohadanaMartinsRodrigoCandidodeOliveira MauroTeixeiradeFaria LucianaBarsottiMachado AmandaGuimarãesTorquetti RafaelLeandroDantasEduardoTakemiKataoka AndréFurquimWerneck JúliaLealDanziger MilenePimentelMoreno LeonardoMucilloMathiaCristinaBiancastelli RaissadeA.LimaPereira PauloF.G.Junqueira ClaudiaTiemiFerreira MônicaFrancoLimaGustavoSalgueiro WallaceCorbo BrunoDuarteSantos CarolinaBuenodeOliveira FelipeL.L.eCastroPerrettiIsabelPicotFrança IsadoraA.R.deAlmeida RobertaIssaMaffei IsabellaBandeiradeMello CarolineRabelloMüllerMarceloAtherino JulianneZanconato JacquesFelipeA.Rubens SávioA.CapraMarinho LuízaM.LimaValleMartaAlves RodrigoSaraivaP.Garcia MichelleSorensenCamilo PaulaO.BarataReis VictoriadeAzevedoT.SilveiraCláudiaMaziteliTrindade VanessaF.F.Rodrigues TomásdeS.GóesM.Costa BrunaVillanovaMachado JoãoPacháPedroC.daVeigaMurgel AlinedaSilvaGomes MarcelaR.SilvaQuintana IsabelaRampiniEsteves GabrielRochaBarreto MariaFláviaJ.F.Macarimi AnaCarolinaS.Gasparine IsabelaAugustaX.dasilva DiogoRezendedeAlmeida

YasminPaiva JorgeLuizdaC.Silva YuriA.daCostaNascimento

EXCELENTÍSSIMOSENHORPRESIDENTEDOSUPREMOTRIBUNALFEDERAL

URGENTE

ASSOCIAÇÃONACIONALDASUNIVERSIDADESPARTICULARES-ANUP,

entidadesemfinseconômicos,constituindo-se,naformadeseusestatutossociais,

como órgãos de representação oficial das universidades particulares brasileiras,

inscritanoCNPJsobonº26.445.429/0001-86,comsedeemBrasília/DF,noSHIS,

QI07,Conjunto09,Casa01,LagoSul,CEP71615-900(“ANUP”)(Doc.1),vem,por

seusadvogados(Doc.2),comfundamentonoart.102,I,´a´daConstituiçãoFederal

enaLeinº9.882/1999,ajuizarapresente

ARGUIÇÃODEDESCUMPRIMENTODEPRECEITOFUNDAMENTAL

COMPEDIDODEMEDIDACAUTELAR

emfacedoconjuntodedecisõesjudiciaisnãotransitadasemjulgado,proferidasem

ações individuais e coletivas, bem como dos conjunto de atos praticados em

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administrativosemcurso,alémdeatoseprojetosdeatosnormativoseditadosnas

últimassemanas,todosestesque,emconjuntoeversandosobreotemadocontrole

de preços no ensino superior privado durante o Plano de Contingência do novo

Coronavírus, têm produzido verdadeiro estado de coisas violador de preceitos

constitucionais,nostermosqueseguem.

I. INTRODUÇÃO

1. Comoépúblicoenotório,oGovernoFederaleosGovernosEstaduais

intensificaram,desdemeadosdemarço,osmecanismosdecontroleecombateao

avanço da pandemia do novo Coronavírus (Covid-19), que variam desde

recomendaçõesdehigieneeregimedequarentenaàpopulaçãoatéaparalisação

compulsóriadeatividadeseconômicasecomerciaisconsideradasnãoessenciais.

2. Nessecontexto,paraamenizarosprejuízoscausadospelapandemiado

novocoronavírus,oSenadoFederalaprovouoDecretoLegislativon°6,de20de

marçode2020,quereconheceestadodecalamidadepúblicanopaís,emrazãoda

pandemiadaCovid-19.Nomesmosentido, váriosEstadosdaFederação também

decretaramestadodecalamidadepúblicapormeiodedecretos.

3. A gravidade da situação levou o Ministério da Educação (“MEC”) a

aprovar,em17demarço,aPortarianº343/2020,dispondosobreasubstituiçãodas

aulas presenciais por aulas em meios digitais enquanto durar a situação de

pandemiadonovoCoronavírus.NostermosdaportariadoMEC,asinstituiçõesde

ensino superior estão autorizadas a, durante a crise da pandemia, suspender os

cursospresenciaisouoferecê-lospormeiodemeiosetecnologiasdeinformaçãoe

comunicação,comoéocasodainternet.

4. Assim,porexemplo,ematençãoàsrecomendaçõesdasautoridadesedo

MinistériodaSaúdeeobservandoodispostonaPortarianº343/2020doMinistério

daEducação,asdiversasinstituiçõesdeensinosuperiorprivadas,quegarantemo

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acessoaomaisaltoníveldeeducaçãoparaparcelasubstancialdosalunosdenível

superiornoBrasil(3emcada4estudantesdenívelsuperiornoBrasil)1,realizaram

substanciaisinvestimentosdemodoaimpedirainterrupçãodaprestaçãodoserviço

públicodeeducação.

5. ValemencionarqueaPortarianº343/2020foisubstituídapelaPortaria

nº345,editadaem19demarçode2020.Posteriormente,pormeiodaPortarianº

473,de12demaiode2020,oMECaindaprorrogou,pormaistrintadias,oprazo

substituiçãodasaulaspresenciaisporaulasemmeiosdigitais.

6. Ocorreque,adespeitodosinvestimentosedamanutençãodosserviços

pelasinstituiçõesdeensinosuperiorprivado,namaioriaabsolutadoscasoscoma

manutençãodocorpodocente,docorpotécnicoeadministrativoeinvariavelmente

resguardada a qualidade do ensino oferecido, fato é que uma série de decisões

judiciais e administrativas, emanadas de órgãos distintos, em ações individuais,

coletivas e processos administrativos, têm pretendido impor às instituições de

ensino superior descontos obrigatórios e lineares nasmensalidades pagas pelos

alunos.

7. Taisdecisõesnãoguardam,contudo,qualqueruniformidade.Defato,há

casosdeacertadoindeferimentodepedidosdereduções;casosemqueasreduções

sãodeterminadasem15%,outrosemqueasreduçõesseimpõemem70%sobreo

valordamensalidade.Háhipótesesemquealgumasinstituiçõesestãoabrangidas

pelas decisões, outras não. O cenário, então, consolida uma situação de absoluta

insegurançajurídica,deviolaçãoàisonomiaederupturadoequilíbriodomercado

emprejuízodecentenasdeinstituiçõesdeensinosuperior.

1 Disponível em <http://portal.mec.gov.br/docman/setembro-2018-pdf/97041-apresentac-a-o-censo-superior-u-ltimo/file>.Acessoem28demaiode2020.

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8. Nãofossesuficiente,somouaessecenárioaediçãodeumaplêiadede

leis,promulgadaspordiversosentesfederativos,queigualmentepretendeaplicar

outrosparâmetrosdecontroledepreçosnosetordeensinosuperiorprivado.Nesse

sentido, o Estado do Ceará editou a Lei Estadual n. 17.208/2020, o Estado do

MaranhãoeditouaLeiEstadualn.11.259/2020,oEstadodoParáeditouaLein.

9.065/2020,oEstadodoRiodeJaneiroeditouaLein.8.864/2020eoEstadodo

MatoGrossoeditoualein.11.150/2020.

9. Trata-se,emtodososcasos,deleisquenãodialogamentresi–cadauma

aplicaumdeterminadopercentualdereduçãodemensalidades(variandode5%,

em algumas hipóteses, a 50%, em outras), valendo-se de critérios distintos

(faturamento,númerodealunosmatriculados,valordamensalidade,modalidade

deensino,entreoutros).Assim,paraalémdaviolaçãoaoprincípiofederativoque

decorre da usurpação da competência da União federal, como será apontado

adiante, cria-se um cenário de absoluta assimetria no sistema, submetendo

entidadessubstancialmentesemelhantesaregrasdistintasdecontroledepreços.

10. Eofatoéque,comoumaboladeneve,cadanovaleiestadualaprovada

faz avançar outros projetos de lei em curso perante os Poderes Legislativos de

diversos entes federativos.Assimé oProjetode Lei n º 142/2020doEstadodo

Amazonas;oProjetodeLeinº64/2020doEstadodoPiauí; oProjetodeLein º

1867/2020doEstadodeGoiás;oProjetodeLeinº23.799/2020doEstadodaBahia;

oProjetodeLeinº85/2020doEstadodoRioGrandedoSul;oProjetodeLeinº

212/2020doEstadodoParaná;oProjetodeLeinº203/2020doEstadodeSão

Paulo;oProjetodeLeinº1746/2020doEstadodeMinasGerais;oProjetodeLein.

43/2020 do Município de Recife; o Projeto de Lei n. 48/2020 do Município de

Muriaée tantosoutros.Cadaum,valedizernovamente, regulandoamatériapor

seusprópriosparâmetros,quenãoencontramfundamentoemanálisestécnicasou

científicas–mastãosomenteemintuiçõesdesconectadasdarealidade.

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11. O cenário indica não só a concretização de uma série de violações a

preceitosfundamentais,comotambémoriscodetaisviolaçõesseintensificarema

cada nova ação coletiva ou individual a cada novo projeto de lei que tramita

livremente – e, em tempos de isolamento social, muitas vezes sem a devida

publicidade e debate com a sociedade. Tudo em violação ao pacto federativo, à

isonomia e segurança jurídica, à livre iniciativa e à livre concorrência, à

proporcionalidadeeaoprincípiodaautonomiauniversitária.

12. O cenário inspira preocupação, porque esse conjunto de decisões

contraditórias e de iniciativas legislativas podem inviabilizar o ensino superior

privadonopaís.

13. Valeregistrarque,namaioriadessesestabelecimentos,amensalidadeé

aúnicafontedereceita.Écertoqueestafonteseráintensamenteimpactadapela

crisedapandemiadaCOVID-19,namedidaemquetornanecessáriae legítimaa

negociação de descontos individuais com alunos que efetivamente sofreram os

impactosdacrise.

14. Defato,asestatísticasapontamqueainadimplêncianoensinosuperior

emSãoPaulocresceuemmaisde70%emabril,emcomparaçãocomoanoanterior.2

Espera-sequeosíndicesdeevasãoeinadimplênciacresçamaindamaisportodoo

país,atingindoinstituiçõesdeensinosuperiorprivadas.Éprecisamenteparaconter

essesíndicesqueaatuaçãoindividual,noâmbitodalivreiniciativaedeacordocom

asnecessidadesparticularesdealunoseinstituiçõesserevelaessencial.Aoimpor

diferentescorteslinearesehorizontais,cadaumelegendoparâmetrosdistintos,as

decisõesjudiciaiseosprojetosdeleiemcursoinviabilizamtalestratégia,alémde

estarem aptos a reduzir ainda mais a principal fonte de recursos para a

2 Disponível em: <https://educacao.estadao.com.br/noticias/geral,inadimplencia-no-ensino-superior-de-sp-cresce-mais-de-70-em-abril,70003274524>.Acessoem28demaiode2020.

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sobrevivência das instituições de ensino e de toda uma cadeia de professores e

funcionáriosquedelasdependem.

15. Assim, nos termos em que estas legislações estão sendo propostas, o

desaguadouronaturaldestesestabelecimentosseráademissãoemmassadosseus

profissionais,começandoporaquelesquedesempenhamatividade-meio,atéchegar

nosprofissionaisdocentes,semqualquergarantiadequeessasprovidênciasserão

suficientesparaimpediroencerramentodassuasatividades.

16. Nessecenário,oimpactonãoserápequeno.Noensinosuperior,comojá

visto,opercentualdeestudantesmatriculadoseminstituiçõesprivadassupera80%

docorpodiscentesuperiornacional.

17. Significadizerquequalquermedidaquefiracomtamanhagravidadeo

equilíbriofinanceirodessesestabelecimentosdeensinotrarácomoconsequências

gravesprejuízosa80%dosestudantesdoensinosuperiorbrasileiroeaosmilhares

deprofissionaisqueserãodispensadosdosseuspostosdetrabalho.

18. Nesse contexto, a Arguente vem propor a presente Arguição de

Descumprimento de Preceito Fundamental (“ADPF”), baseada nas inúmeras

afrontasapreceitosfundamentaisdaConstituiçãodaRepúblicaFederativadoBrasil

(“CRFB/1988”),para:

a) Reparar a lesão aos preceitos fundamentais a seguir indicados,decorrente do conjunto de decisões judiciais (jurisprudência)proferidas em sede de ações individuais e coletivas, que têmpromovido o controle de preços sobre as parcelas dassemestralidades e anuidades devidas no ensino privado, aplicandodescontos em percentuais variados nos diferentes Estados eMunicípiosdaFederação;e

b) Preveniralesãoaosmesmospreceitosfundamentais,decorrentedapotencialaprovaçãode,pelomenos,10(dez)projetosdeleiseditados

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porEstadoeMunicípiosquepoderãogerarverdadeirocaosnosetorde ensino superior privado, causando assimetrias, demissões equebrasinevitáveis.

19. Estapetiçãoseestruturaemtrêsblocos.

20. No primeiro bloco (item II), são analisadas as questões processuais,

notadamentealegitimidadeativadaArguente,aidentificaçãodosatosobjetodesta

ADPFeocabimentodapresentemedida.Demonstra-seque,lamentavelmente,não

há como impugnar quaisquer dos atos que dão ensejo a esta ADPF demaneira

individual,oumesmocoletiva–detalmodoqueéapenaspormeiodaimpugnação

doconjuntodestesatosrelacionadosentresiquesepodefazercessasaviolaçãoa

preceitosfundamentaisoraapontada.

21. No segundobloco, (itens III, IV eV) trata-se da análise específica dos

preceitosfundamentaisviolados.Paratanto,aborda-se:

a) em primeiro lugar a violação ao princípio federativo. Neste item,demonstra-sequeoconjuntodedecisõesedeprojetosdeleistêmporconsequênciaproduzirumainadmissívelassimetriafáticaejurídicaentreosdiferentesentes,nosetordeensinosuperior.Nãosóisso,osmencionadosprojetosdelei,aoversarsobrematériadecompetêncialegislativaprivativadaUnião,extrapolamosistemaconstitucionalderepartiçãodecompetênciasemafrontaàprópriaFederação.

b) em segundo lugar, a violação ao princípio da isonomia e à livreconcorrência. Istoporque,ao impordiferentescritériosdecontroledepreçosnosetordeensinosuperior,asdiferentesdecisõesjudiciaisestabelecem(eosprojetosdeleiameaçamestabelecer)tratamentosdesiguaisapessoase situaçõesqueseencontramemcondiçõesdeabsolutaigualdade.Nadafundamenta,pois,queumaescolanoRiodeJaneiroestejasujeitaamecanismosdecontroledepreçosdiferentesdaqueles vigentes em uma escola no Espírito Santo. A violação àisonomia,porsuavez,implicaviolaçãotambémàlivreconcorrênciana medida em que as assimetrias criadas pelas decisões e leis

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conflitantes geram benefícios competitivos evidentes paradeterminadosagentesdemercado,emcontraposiçãoaoutros.

c) em terceiro lugar, a violação ao princípio da fundamentação dasdecisõesjudiciaiseaodevidoprocessolegislativo.Issoporqueasériededecisõeseprojetosdeleiquepretendempromoverocontroledepreçosnosetorvemdesacompanhadadequaisquerestudosoudadoscientíficosquejustifiquemaaplicaçãodedescontosoualteraçõesnasformasdepagamentosestabelecidascontratualmente.Trata-se,comoseverá,dedecisõesadotadascombaseemintuições(equivocadas),comoqueoEstadodeDireitoéefetivamenteincompatível.

d) em quarto lugar, a violação ao ato jurídico perfeito e à segurançajurídica.Istoporquetantoasdecisõesjudiciaisquantoaslegislaçõesexistentesouemformaçãobuscamatingirdiretamentecontratosdeensinoexistentesàdatadesuaedição.Significadizer,comisso,quepretendemproduzir efeitos futuros sobre atos jurídicos pretéritos,emviolaçãoaoprincípiodairretroatividadedasleis.Osgrausemqueissosedávariam–desdedecisõesquesepretendemaplicáveisdesdemarço(adespeitodascorrespondentesaçõeshaveremsidoajuizadasmuitotempodepois),atéleiseprojetosdeleisqueretroagemparaatingirnãosóovalordasmensalidades,comotambémbolsaseoutrosbenefícios concedidos por liberalidade pelas instituições de ensinosuperior.

e) ainda, a violação à autonomia universitária, no que diz respeito àsinstituiçõesdeensinosuperior.Issoporque,comoseverá,coroláriodeste princípio estruturante do ensino superior é a própriaautonomia financeira, pedagógica e de gestão das instituições deensino–públicasouprivadas.Aopretenderemimporocontroledepreçosnestasinstituições,asdecisõeseleislocaisinterferemnãosóna capacidade da instituição de planejar e gerir sua receita, mastambém de desenvolver suas atividades pedagógicas – que sãoviabilizadasapenasnoslimitesdosrecursosdisponíveis.

f) adicionalmente,fala-senaviolaçãoaoprincípiodaproporcionalidade,emdecorrênciadaexcessivainterferênciasobreospreçospraticadosnosetordeensinosuperior,promovidapeloconjuntodedecisõesetambémpelosprojetosdeleisapontadosnestaADPF.

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g) por fim, fala-se na impossibilidade de que o controle de preços jádeterminadooudecorrentede futurasdecisõesouatosnormativosincidasobreinstituiçõesquemantiveramsuasatividadespormeiodetecnologias da informação e às instituições que não reduziram ocalendárioacadêmico.

22. Noúltimobloco(itensVIeVII),demonstra-seapresençadosrequisitos

autorizadoresdaconcessãodamedidacautelarparadeterminarasuspensãodas

decisõesliminaresoudefinitivasquetenhamaplicadodescontosoudeoutraforma

alterado o pagamento devido em contratos de ensino, em ações individuais ou

coletivas que tenham como fundamento as medidas de isolamento social, a

superveniênciadoCOVID-19ouasuspensãodasatividadesdeensino,bemcomoa

suspensão dos processos judiciais e legislativos em curso sobre este tema, até

ulteriordecisãodestee.STF.

II. QUESTÕESPROCESSUAIS:LEGITIMIDADE,

OBJETOECABIMENTODESTAADPF

a. LEGITIMIDADEATIVADAREQUERENTE

23. Não há dúvida de que a Associação Nacional das Universidades

Particulares(ANUP)temlegitimidadeparaproposituradestaADPF.Afinal,trata-se

de entidade sem fins econômicos, constituindo-se, na forma de seus estatutos

sociais, como órgãos de representação oficial das universidades particulares

brasileiras(Doc.1).

24. Nestesentido,éevidenciadaaindaaestritavinculaçãoentreosobjetivos

institucionais da ANUP, como entidade representativa das universidades

particulares brasileiras, e objeto desta ADPF – que se volta contra atos que

interferemdiretamentenoscontratosfirmadosporestasinstituições.Comefeito,

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tanto a jurisprudência impugnada nesta medida, quanto os atos normativos

potenciais aqui indicadosvoltam-sediretamente contraas instituiçõesdeensino

superior – categoria plenamente representada pela associação, que conta com

associadosem24estadosdaFederação(Doc.3).

25. ConvémdestacarquenãoéaprimeiravezqueaANUPcompareceao

debate jurisdicional perante esta Corte para tratar de questões extremamente

relevantes para o ensino superior privado brasileiro. Com efeito, a Requerente

ajuizou a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 5.462, impugnando Lei

Estadualnº7.202/2016,doEstadodoRiodeJaneiro,queproibiuacobrançadetaxa

derepetência,taxasobredisciplinaeletivaetaxadeprovaporpartedasinstituições

particularesdeensinosuperior,ocasiãoemque foi reconhecidasua legitimidade

ativanaproposituradeaçõescomoapresenteADPF.

26. Assim,considerandoodispostonoart.2º,incisoI3daLeinº9.882/1999

enoart.2º,incisoIX4daLeinº9.868/1999,éinequívocaalegitimidadedaANUP

paraproposituradestademanda.

b. OBJETODESTAARGUIÇÃODE

DESCUMPRIMENTODEPRECEITOFUNDAMENTAL.

O recorrente, que numa das salas perdeu a causa, teriaganhado (com os mesmos argumentos) se tivesse sidojulgadonasalaaolado.Quandosaiuaocorredor,ondeasportasdas salas seabremumaao ladodaoutra, estavaestupefato com essa diferença, inexplicável para umprofano;enaturalmente,descontavaemseuadvogado:–Estáclaroqueosenhorerrounadefesa…

3Art.2º.Podemproporargüiçãodedescumprimentodepreceitofundamental:I-oslegitimadosparaaaçãodiretadeinconstitucionalidade4Art.2º.Podemproporaaçãodiretade inconstitucionalidade: (…) IX - confederaçãosindicalouentidadedeclassedeâmbitonacional.

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–Não–replicouoadvogado-,erreifoideporta.5

27. ApresenteADPFsevolta,primeiramente,contrainterpretaçãojudicial

revelada em um conjunto de decisões judiciais proferidas por diferentes juízos

vinculadosàpluralidadedeTribunaisdeJustiçaestaduais,segundoaqualcaberiaa

aplicaçãodemedidasdecontroledepreçosnosetordeensinosuperiorprivadoem

razãodasmedidasdeisolamentosocialdeterminadasporEstadoseMunicípios.

28. Note-sequenãosetrata,aqui,dedecisõesjudiciaisquegenericamente

versam sobre relações contratuais no setor de ensino superior. Fala-se

especificamente nas decisões tomadas em ações coletivas e individuais que têm

como causa de pedir remota asmedidas de isolamento social determinadas por

EstadoseMunicípiosquelevaramàsuspensãodasatividadespresenciaisdeensino.

29. Veja-seque,nesteaspecto,apresenteADPFsevoltacontraatosjudiciais

difusos,sendoinviáveleineficienteaindicaçãodetodasasdezenasdedecisõesque

vêm aplicando a mencionada tese jurídica. Nada obstante, para fins de

exemplificação e para demonstrar que a questão revela clara divergência entre

diversosórgãos,cumpretecerbrevesconsideraçõesacercadealgunsdosdiversos

julgadosque,atítuloexemplificativo,sãoaquijuntadoscomoprovadaviolaçãoaos

preceitosfundamentais(Doc.4).

30. Nocampodasações coletivas, cite-sea títuloexemplificativoasações

ajuizadasperanteosTribunaisdeJustiçadosEstadosdeAlagoas,deMinasGerais,

doRiodeJaneiroedaBahia.

5CALAMANDREI,Piero.Eles,osjuízes,vistorporumadvogado.2.ed.SãoPaulo:EditoraWMFMartinsFontes,2015,p.102.

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31. EmAlagoas, aDefensoriaPúblicadoEstado ajuizou ação civil pública

buscandoacondenaçãodasociedadeIREPSociedadedeEnsinoSuperior,Médioe

FundamentalLTDA.asercompelidaareduzirem30%ovalorlíquidodasparcelas

de semestralidade e anuidade devidas por seus alunos enquanto durarem as

medidas de isolamento social que impedem o desenvolvimento de atividades

presenciais.Opedidochegaaseraumentadopara50%nocasodeestudantesde

cursosquetenhamdisciplinasteóricasepráticas6.

32. Em Minas Gerais, a União Estadual dos Estudantes de Minas Gerais

(“UEE-MG”)ajuizouaçãocivilpúblicaemdesfavordecincoinstituiçõesprivadasde

ensinosuperior7,postulandoaconcessãodedescontosobreasparcelasdevidasa

títulodecontraprestaçãodosserviçoseducacionaisprestados.

33. NoRiodeJaneiro,aDefensoriaPúblicaeoProconestaduaisajuizaram

medidascoletivasemfacedeoutrainstituiçãodeensinosuperior(IES),aSociedade

deEnsinoSuperiorEstáciodeSáLtda.,requerendotambémocontroledepreços

mediantedecisãojudicial,reduzindo-seasprestaçõesdevidaspelosestudantesem

30%,alémderequereremdiversasoutrasprovidências8.

34. AindanoRiodeJaneiro,aDefensoriaPúblicatambémajuizouaçãocivil

públicaemfacedaUniversidadedoGrandeRio,daUniversidadeVeigadeAlmeida

edaFaculdadeSouzaMarques,postulando,maisumavez,odeferimentodopedido

liminar para impor controle de preços sobre as parcelas das semestralidades

devidasaestasinstituições9.

6Processon.07114887620208020001,emtrâmiteperantea4ªVaraCíveldaCapitaldoEstadodeAlagoas.7 São elas (i) Centro Universitário do Triângulo – UNITRI, (ii) Faculdade ESAMC Uberlândia,(iii)FaculdadePresidenteAntônioCarlosdeUberlândia, (iv)FaculdadeUberlandensedeNúcleosIntegradosdeEnsino,ServiçoSocialeAprendizageme(v)UniversidadedeUberaba.8Processosn.0095651-56.2020.8.19.0001e0094469-35.2020.8.19.0001,emtrâmiteperantea3ªVaraEmpresarialdaCapitaldoTribunaldeJustiçadoEstadodoRiodeJaneiro.9Processon.0095579-69.2020.8.19.0001,emtrâmiteperantea3ªVaraEmpresarialdaCapitaldoTribunaldeJustiçadoEstadodoRiodeJaneiro.

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35. NaBahia,emsededeprocedimentodetutelaantecipadarequeridaem

caráter antecedente à ação civil pública, ajuizado contra a Faculdade Santo

Agostinhoeoutras,oMinistérioPúblicoEstadualrequereuareduçãode30%do

valor das mensalidades de todos os cursos de graduação e de pós-graduação

ministrados, lato sensu ou stricto sensu, independente da forma de contratação

inicial(presencialouensinoadistância),mantendo-seonovovalordascobranças

enquantodurarapandemiadonovocoronavírus.

36. E em cada uma destas ações civis públicas, aqui citadas

exemplificativamente,osrespectivosjuízoschegaramaconclusõesdiametralmente

opostasousubstancialmentedistintas.

37. De fato, apenas oMM. Juízo da 10ª Vara de Relações de Consumo da

Comarca de Salvador concluiu, acertadamente, pelo descabimento damedida de

controledepreçosrequerida.

38. O MM. Juízo da 4ª Vara Cível de Maceió, por outro lado, chegou à

conclusãooposta.Naquelecaso,ojuízonãosódeterminoumedidadecontrolede

preços,comotambémasimpôsempatamarabsolutamentedesproporcional.Nos

termosdadecisão,aindanãotransitadaemjulgado,ainstituiçãodeensinodeveria

reduzirasparcelasdasemestralidadedevidapor seusestudantesempercentual

que varia entre 30% e 50%, incluindo alunos beneficiários de bolsas ou outros

benefíciosestudantis.

39. Aseuturno,oMM.Juízoda3ªVaraEmpresarialdoRiodeJaneiroadotou

soluçãodiversa.Aplicoudescontosnovalorde15%àsmensalidadespraticadaspor

quatroinstituiçõesdeensinosuperior.

40. TantonoRiodeJaneiro,quantoemAlagoas,taisdecisões–comosepode

verificar – aplicaram os descontos de maneira linear, independentemente de

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demonstraçãoespecíficadereduçãodecustosoudarealnecessidadeeconômico-

financeiradeestudanteseresponsáveis.

41. JáoMM. Juízoda10ªVaraCíveldaComarcadeUberlândiapreferiua

soluçãosalomômica:deumlado,deferiuopedidodeapresentaçãodasplanilhasde

custosdasIES,elaboradasparaoanoletivode2020,bemcomodasplanilhasde

cálculo e dos comprovantes relativos aos gastos com a eventual implantação de

sistemastecnológicosnecessáriosparareadequaçãoparamodalidadedeensinoa

distância;deoutrolado,indeferiuopedidodereduçãolinearde33,33%(1/3)dos

valoresdasmensalidades.

42. Aquestãonãoselimitaaessasseisaçõescivispúblicas,citadasatítulo

meramente exemplificativo. No âmbito de ações individuais, também, diversos

juízosespalhadospeloBrasiltêmdeterminadomedidasdíspares–havendomuitas

vezesdivergênciasatémesmoentreestudantesvinculadosàmesmainstituiçãode

ensinosuperior.

43. Assim,porexemplo,noestadodoRiodeJaneiro,dezenasdeliminares

foramdeferidasemfavordeestudantesdamesmainstituiçãodeensinoecombase

nosmesmos–eequivocados,valedestacar–fundamentosjurídicos.Dessaforma,

estudantesdemedicinadedeterminadaIESobtiveramliminaresquevãode15%a

70%,adespeitodeestaremrigorosamentenamesmasituaçãojurídica.

44. Nomesmosentido,oPoderJudiciáriobaianoconcedeuliminar,impondo

desconto na ordem de 50% sobre os valores devidos à instituição de ensino

superior10,patamaridênticoaofoiestabelecidopeloPoderJudiciáriopaulista11.

10Processonº8004593-58.2020.8.05.0150,emtrâmiteperantea1ªVaradosFeitosRelativosàsRelaçõesdeConsumo,Cíveis,ComerciaiseRegistroPúblicodoForodeLauroFreitasdoEstadodaBahia.11Processonº1000594-51.2020.8.26.0210,emtrâmiteperantea1ªVaradoForodaComarcadeGuaíradoEstadodeSãoPaulo.

15

45. Por outro lado, a demonstrar a absoluta incerteza jurídica que paira

sobre a temática, diversos juízos indeferiram, acertadamente, o pedido liminar

formulado, reconhecendoquea suspensãodasatividadespresenciaisdecorrede

fatodopríncipe,sendocertoqueumaparceladasinstituiçõesmanteveseupleno

funcionamento pormeio de tecnologias da informações, enquanto outra parcela

garantiuareposiçãodasaulasquenãoestãosendolecionadasnesseperíodo,sem

qualquerprejuízoparaocalendárioacadêmico.

46. Nalinhadesseraciocínio,menciona-seasdecisõesdoPoderJudiciário

mato grossense que indeferiram as liminares requeridas pelos estudantes, ao

argumentodeque,apósapandemia,aIESdeveráreporasaulas,destacandoainda

aNotaTécnican°14/2020publicadapeloMinistériodaJustiçaeSegurançaPública

junto à Secretaria Nacional do Consumidor e por entender que não foram

preenchidososrequisitoslegaisparaconcessão.

47. Note-se que a proliferação de uma interpretação jurisprudencial

equivocada viola a própria segurança jurídica, namedida emque indivíduos em

idêntica situação jurídica obtêm provimentos jurisdicionais absolutamente

díspares.O caso remonta à clássica narrativa dePieroCalamandrei, em “Eles, os

juízes,vistosporumadvogado”,transcritanaepígrafedesteitem.

48. Defato,emcadaportaaberta,umanovadecisãoliminarédescobertae

cadaqualpartedepremissasabsolutamentedistintas,sejaparadeferirouindeferir

o pedido formulado, gerando gravíssima insegurança jurídica, não só para as

instituiçõesdeensinosuperior,masparaosprópriosestudantes.

49. Valedizerque,apesardasdezenasdedecisõesacostadasàessainicial,a

questãoaindaéverdadeiramenteembrionária.Afinal,outrasaçõescivispúblicase

açõesindividuaisforamajuizadassemquenelassetenha,atéomomento,proferido

decisõesliminares(Doc.5).Eésobesteaspectoqueserevelaoinegávelcabimento

dapresenteADPF.

16

50. Istoporqueaindaquesejapossívelàsdiferentesinstituiçõesdeensino

superiorrecorreremnobojodecadaprocessoindividualoucoletivo,nãoexistem

mecanismosaptosasanaremagravelesãoapreceitosfundamentaisquedecorreda

interpretação coletiva e difusa adotada pelos tribunais. Afinal, cristaliza-se entre

diversosjuízosadescabidatesedequeépossívelpromoverocontroledepreçosno

setor de ensino superior, de maneira linear e a despeito de os diversos

estabelecimentosmanteremaprestaçãodeseusserviços.

51. A situação, portanto, é idêntica àquela enfrentadapor este e. STFpor

ocasião do julgamento da ADPF n. 324/DF. Naquela hipótese, tratava-se de

impugnarumconjuntodedecisõesproferidaspelaJustiçadoTrabalho,demaneira

difusa, e que representavam uma indevida interpretação violadora de preceitos

fundamentaisdaConstituiçãoFederal.Confira-se,porsuaclareza,ovotodoExmo.

MinistroRobertoBarrosonaquelaocasião:

14.Ainépcianãoseverifica.AArguentenãoseinsurgecontradecisõesespecíficasque transitaram em julgado ou contra a Súmula 331 do TST especificamente.Tampoucodeixoude individualizar o objetoda ação.Tal objeto emuito claro.AADPFvolta-secontraoconjuntodedecisõesqueexpressaainterpretaçãodaJustiçado Trabalho acerca dos limites e condições aplicáveis a terceirização. Essainterpretaçãoencontra-seexplicitadanaSúmula331doTSTe,ainda,emumamploconjunto de julgados que a aplicam, muitas vezes, de forma conflitante e/ouimprevisível.Taisjulgadosforamanexadosaoprocessopelarequerente.15.Ainicialindica,commuitaclareza,asrazõespelasquais,emseuentendimento,osaludidosacórdãosviolamosprincípiosdalegalidade,dalivreiniciativaedalivreconcorrência, além de não ensejarem previsibilidade mínima do direito outratamentoisonômicoentreosjurisdicionados.16.E_ perfeitamenteviávelajuizarumaADPFcontraentendimentoouinterpretaçãojurisprudencial.12

12STF,ADIn.324/DF,rel.MinistroRobertoBarroso,TribunalPleno,j.em30.08.2018.

17

52. Evidenciado,nesteprimeiroponto,oobjetodapresenteADPF.Masofato

é que a violação a preceitos fundamentais temextrapolado atémesmoo âmbito

judicial.

53. Defato,emsegundo lugar,apresenteADPFvolta-se tambémcontraa

interpretação decorrente de um conjunto de decisões e atos administrativos

proferidos por diversos órgãos de fiscalização das relações mantidas entre

estudantes e instituições de ensino, com o objetivo de compelir a imposição de

desconto e, em alguns casos, até mesmo sancionar as instituições que ousam

questionareventuaisimposiçõesinconstitucionais,que,atítuloexemplificativo,são

aquijuntadascomoprovadaviolaçãoaospreceitosfundamentais(Doc.6).

54. Nesse sentido, diversos órgãos de proteção e defesa do consumidor

espalhadospelopaísvêminstaurandoprocessosadministrativos,aplicandomultas

às instituições e compelindo-as a reduzir cobrança realizada a título de

contraprestação pelos serviços educacionais prestados durante o período de

suspensãodasatividadespresenciais.

55. Trata-se,maisumavez,deumconjuntoinúmerodedecisõesqueaplicam

interpretaçãoequivocadanosentidodeque,emrazãodasmedidasdeisolamento

social – impostas pelo Poder Público, e não pelas instituições privadas – os

estabelecimentosdeensinodeveriamnãosósuportarasconsequênciasgravesda

crise(comoporexemplooaumentosubstancialdosníveisdeinadimplência),como

tambémdescontos adicionais que reduzemdemaneira aindamais drástica suas

receitas.

56. Soma-se,ainda,àsinterpretaçõesjudicialeadministrativaobjetodesta

ADPF,tambémainterpretaçãoquevemsedesenvolvendonoâmbitodospoderes

legislativosestaduaisemunicipaisdesdeoiníciodacrisedoCOVID-19.

18

57. Defato,emterceirolugar,estaADPFtambémbuscapreveniralesãoa

preceitosfundamentaisqueserácausadapelaseventuaisepossíveisaprovaçõesde

umamultiplicidadeincontáveldeprojetosdeleitendentesaaplicarigualmedidade

controledepreçossobreasinstituiçõesdeensinosuperior.

58. Nãoseignora,aesterespeito,aposturadedeferênciaadotadaporeste

e.STFnocontroledeprojetosdelei.Trata-sedeposturanecessáriaeessencialpara

assegurarofuncionamentodosprocessosdemocráticosdesenvolvidosnoâmbito

dasinstituiçõesrepresentativas.

59. Ocasosobanálise,noentanto,apresentainequívocaespecificidade.Isto

porque, em pouco menos de três meses, surgiram mais do que 50 (cinquenta)

projetosdeleiderapidíssimotramiteperanteAssembleiasLegislativaseCâmaras

Municipais,muitosdosquaisvieramaserinclusiveaprovados.

60. Há, de fato, diversos projetos de lei municipais e estaduais com tais

objetivosquetramitamperantediferentesassembleiaslegislativas–aexemplodo

ProjetodeLeinº142/2020doEstadodoAmazonas;doProjetodeLeinº64/2020

doEstadodoPiauí;doProjetodeLeinº1867/2020doEstadodeGoiás;doProjeto

deLeinº23.799/2020doEstadodaBahia;doProjetodeLeinº85/2020doEstado

doRioGrandedoSul;doProjetodeLeinº212/2020doEstadodoParaná;doProjeto

deLeinº203/2020doEstadodeSãoPaulo;doProjetodeLeinº1746/2020do

EstadodeMinasGerais;doProjetodeLein.43/2020doMunicípiodeRecife;edo

ProjetodeLein.48/2020doMunicípiodeMuriaé(Doc.7).

61. Significadizerque,danoiteparaodia,osestabelecimentosdeensinoem

diversosEstadoseMunicípiosdafederaçãoseviramobrigadosnãosóasujeitar-se

adecisõesjudiciaisconflitantes,comotambémalegislaçõesqueapontamcadauma

emumsentidoespecífico.

19

62. Seindividualmentetaisatospodemviraser impugnadospormeiode

ADI ou ADPF própria, fato é que tais medidas individualizadas não permitem

apreciarocenáriodeinconstitucionalidadeestruturalesistêmicaquesedesenha.

Defato,jáforamajuizadasperanteestae.Cortenadamenosque4(quatro)açõesde

controletendoporobjetoleisjáaprovadaspelosEstados.Seestee.STFnãotomar

umamedidadeimediatasuspensãodosprocessoslegislativos,nospróximosdias

espera-sequeaomenos10(dez)projetosseconvertamemlei.Trata-sedemais10

(10)açõesdecontrolequedeverãoserajuizadas.Eaconsequência?Ainafastável

lesãoapreceitosfundamentais.

63. Afinal,mesmoqueadoteprocedimentocéleredejulgamento,atendência

édeque,atéaprolaçãomesmodedecisãoliminarnobojodeprocessosespecíficos,

aslegislaçõesestaduaisemunicipaisproduzirãoseusefeitos.Ocontroledepreços

será efetivado, multas serão aplicadas. A posterior declaração de

inconstitucionalidadedestasleis–hojeprojetos–nãoserásuficienteparasanaros

preceitosfundamentaisjáviolados.Afinal,nãohaverámeiosadequadospelosquais

osestabelecimentosdeensinopoderãosevoltarcontraseusestudantes,cobrando-

lhes os valores indevidamente descontados por força das legislações enfim

aprovadas.

64. Neste sentido, o objeto desta ADPF não são os projetos de lei

propriamenteditos,mas simaprevençãodeumverdadeiro cenário estrutural e

sistêmicodeinconstitucionalidade(ouumestadodecoisasinconstitucional,como

reconhecidoporestee.STFporocasiãodo julgamentocautelarnaADPFn.347)

causadopelaeventualaprovaçãodetaisprojetosdelei.

65. Feita,então,aexposiçãoinicialacercadosobjetosdestaADPF,passa-se

àanálisedosrequisitosespecíficosparaseucabimento,demodoquenãorestem

dúvidasacercadoacertonoempregodestamedida.

20

c. CABIMENTODAPRESENTEARGUIÇÃODE

DESCUMPRIMENTODEPRECEITOFUNDAMENTAL

66. O cenário fático relativo à imposição por órgãos judiciais, Estados e

Municípiosdedescontossobreovalordasmensalidadespagasporestudantesda

rede privada de ensino é absolutamente incompatível com a Constituição da

República. Nesse contexto, a Arguição de Descumprimento de Preceito

Fundamental,previstanoart.102,§1°,daCRFB/1988,eregulamentadapelaLein°

9.882/1999,éaaçãovocacionadaparaoenfrentamentodaquestão.

67. Como se sabe, a ADPF é amedida própria para controle de atos dos

PoderesPúblicosqueimportememlesãoouameaçaapreceitosfundamentaisda

Constituição,desdequenãohajaoutromeioeficazparasanaralesividade.Dessa

forma,paraoseucabimento,éessencialqueestejampresentesosrequisitoslegais

deadmissibilidade,asaber:(i)apresençadelesãoouameaçadelesãoapreceito

fundamental,(ii)causadaporatodoPoderPúblico,e(iii)a inexistênciadeoutro

instrumentoaptoasanaressalesãoouameaça(subsidiariedade).

68. Tais pressupostos estão plenamente configurados no presente caso.

Senão,vejamos.

i) Lesãoeameaçadelesãoapreceitosfundamentais

69. NemaConstituiçãonemaLein°9.882/1999definiramquaispreceitos

constitucionaissãofundamentais.Nadaobstante,hásólidoconsensodoutrináriono

sentidodeque,nessacategoria,figuramosfundamentoseobjetivosdaRepública,

bemcomoosprincípiosedireitosfundamentais13.

13Confira-se,portodos:(i)MENDES,GilmarFerreira;BRANCO,PauloGustavoGonet.Cursodedireitoconstitucional.9.ed.SãoPaulo:Saraiva,2014,p.1267-1269;(ii)BARROSO,LuísRoberto.Ocontrolede constitucionalidadenodireitobrasileiro:Exposição sistemáticadadoutrinae análise críticadajurisprudência.SãoPaulo:Saraiva,2012,p.562-563.

21

70. Além disso, na esteira da jurisprudência desta Corte, compete ao

SupremoTribunalFederal(“STF”)ojuízoacercadoquesehádecompreender,no

sistemaconstitucionalbrasileiro,comopreceitofundamental.Nessatoadaenoque

aqui interessa, esta Corte reconhece a qualidade de preceito fundamental aos

princípiosprotegidosporcláusulapétreabemcomoàsdisposiçõesqueconfiram

densidadenormativaousignificadoespecíficoaumdessesprincípios14.

71. Nopresentecaso,a lesividadedecorrenteda interpretação judicialea

ameaça de lesão decorrente da pluralidade de projetos de leis estaduais e

municipais dizem respeito a diversos preceitos fundamentais, quais sejam (1) o

princípio federativo; (2) o princípio da isonomia e da livre concorrência; (3) o

princípiodafundamentaçãodasdecisõesjudiciais;(4)odevidoprocessolegislativo;

(5) a proteção ao ato jurídico perfeito e à segurança jurídica; (6) a autonomia

universitária;e(7)oprincípiodaproporcionalidade.

72. Muitoemboranãohajadefiniçãoobjetivaquantoaoreferidoconceito,

não há qualquer dúvida que as violações ao pacto federativo constituem efetiva

lesão a preceito fundamental, tendo em vista que se trata de matéria inserida

expressamentenoroldecláusulaspétreasdoordenamentojurídico,nostermosdo

art.60,§4ºincisoI15daCRFB/1988.

73. Na linha desse raciocínio, esta Corte admitiu, em diversas ocasiões, a

propositura de ADPF para impugnar ato normativo violador da repartição de

14Assim:STF.ADPFnº388.Relator:Min.GilmarMendes.TribunalPleno.Julgamentoem09.03.2016.DJem29.07.2016.15Art.60.AConstituiçãopoderáseremendadamedianteproposta:§4ºNãoseráobjetodedeliberaçãoapropostadeemendatendenteaabolir:I-aformafederativadeEstado

22

competênciaslegislativas,tendoemvistaqueamatériaestádiretamenteassociada

aoprincípiofederativo,amplamenteadmitidocomopreceitofundamental16.

74. Domesmomodo, não existemdúvidas quanto à natureza de preceito

fundamental do princípio da livre iniciativa (art. 1º, inciso IV, CRFB/1988), da

isonomia(art.5º,caput,CRFB/1988),doatojurídicoperfeitoedasegurançajurídica

(art. 5º, incisoXXXVI, CRFB/1988).Afinal, trata-sedenormas jurídicasprevistas

expressamentenoroldosprincípiosegarantiasfundamentais,respectivamentee

que,noâmbitodaordemsocialdaconstituição,seconcretizamtambémnaabertura

daeducaçãoàlivreiniciativa(art.209,CRFB/1988).Nãoésemrazão,aliás,queeste

e.SupremoTribunalFederal,emacórdãolavradopeloExmo.Min.EdsonFachin,já

admitiu a ADPF proposta com fundamento em violação ao princípio da livre

iniciativa17.

75. Omesmo se diz quanto ao princípio da proporcionalidade. Conforme

noticiamoExmo.Min.GilmarMendesePauloGustavoBranco,trata-sedeprincípio

que tem como típicamanifestação o excesso de poder legislativo, que se revela

mediantecontraditoriedade,incongruênciaeirrazoabilidadeouinadequaçãoentre

meiosefins18.

76. Nessa quadra, o princípio da proporcionalidade é considerado como

elemento integranteoucláusula implícitadosdireitos fundamentais,motivopelo

qualeventuaisatosdoPoderPúblicoqueviolemoreferidoprincípioconstituem

atoslesivosapreceitofundamental.

16Veja-se:(i)STF.ADPFnº235.Relator:Min.LuizFux.TribunalPleno.Julgamentoem14.08.2019.DJ em 30.08.2019; (ii) STF. ADPF nº 337/MA. Relator: Min. Marco Aurélio. Tribunal Pleno.Julgamentoem17.10.2018.DJem26.06.2019;(iii)STF.ADPFnº514/SP.Relator:Min.EdsonFachin.TribunalPlano.Julgamentoem11.10.2018.DJem30.11.2018;e(iv)STF.ADPFnº316/DF.Relator:Des.MarcoAurélio.TribunalPleno.Julgamentoem25.09.2014.DJem01.12.2014.17Confira-se:(i)STF.ADPFnº109/SP.Relator:Des.EdsonFachin.TribunalPleno.Julgamentoem30.11.2017.18MENDES,GilmarFerreira;BRANCO,PauloGustavoGonet.Cursodedireitoconstitucional.9.ed.SãoPaulo:Saraiva,2014,p.225.

23

77. Ébemverdadequeaautonomiauniversitárianãoestáexpressamente

previstanoroldeprincípiosedireitosfundamentais.Todavia,issonãolheretiraa

condiçãodegarantiainstitucionalfundamental19oudeprincípiosetorialdaordem

social20.

78. Tratando-se,pois,deverdadeiropreceito fundamentaleconsiderando

que a autonomia universitária contribui para garantir a densidadenormativa ao

direitosocialàeducação(art.6º,caput,CRFB/1988),impõe-seoreconhecimentode

quealesividadeaesseprincípiodáensejoaocontroledeconstitucionalidadepela

viadapresenteADPF.

ii) AtodoPoderPúblico.

79. Deacordocomoart.1ºdaLein°9.882/1999,osatosquepodemser

objetodeADPFsãotodosaquelesemanadosdoPoderPúblico,aí incluídososde

naturezanormativa,administrativaoujudicial.

80. Como já se viu, esta ADPF se volta contra (1) interpretação

jurisprudencial decorrente de uma pluralidade difusa de atos judiciais que tem

determinado mecanismos de controle de preços no setor de ensino; (2)

19 Veja-se: “Também fora do rol dos direitos e garantias fundamentais (Título II) podem serlocalizadasgarantias institucionais, taiscomoagarantiadeumsistemadeseguridadesocial (art.194), da família (art. 226), bem como da autonomia das universidades (art. 207), apenas paramencionarosexemplosmaistípicos.Ressalte-sequealgunsdessesinstitutospodematémesmoserconsideradosgarantias institucionais fundamentais,emfacedaaberturamaterialpropiciadapeloart.5º,§2º,daConstituição”(MENDES,GilmarFerreira;BRANCO,PauloGustavoGonet.Cursodedireitoconstitucional.9.ed.SãoPaulo:Saraiva,2014,p.620).20Confira-se:“Princípiossetoriaisouespeciaissãoaquelesquepresidemumespecíficoconjuntodenormas afetas a determinado tema, capítulo ou título da Constituição. Eles se irradiamlimitadamente,masnoseuâmbitodeatuaçãosãosupremos.Háprincípiossetoriaistributários,comoodaanterioridadeda leique instituaouaumente tributo;daAdministraçãoPública, comoosdamoralidadeeimpessoalidade;daordemeconômica,comoodalivreconcorrência;edaordemsocial,comoodaautonomiauniversitária,emmeioamuitosoutros”(BARROSO,LuísRoberto.Cursodedireitoconstitucionalcontemporâneo:Osconceitosfundamentaiseaconstruçãodonovomodelo.7.ed.SãoPaulo:Saraiva,2018,p.198).

24

interpretaçãoadministrativaqueseverificaapartirdeatosdeentidadeseórgãos

administrativosconsistentesnaaplicaçãodemultaseoutrassançõesemrazãoda

nãoaplicaçãododescontoinconstitucionalmenteimpostoàinstituiçõesdeensino

superiore(3)ameaçadelesãoaospreceitosfundamentaisindicados,emrazãoda

provávelaprovaçãodeumaplêiadedeprojetoslegislativosquevemencontrando

rápidotrâmiteperanteosórgãoslegislativosestaduaisemunicipais.

81. Nãohádúvidas,portanto,dequeparafinsdecabimentodestamedida

estácaracterizadoo“atodoPoderPúblico”aquealudeoart.1º,caput,daLeinº

9.882/9921. Afinal, em todos os casos se está diante de atos normativos,

administrativos e judiciais emanados de órgãos públicos, que efetiva ou

potencialmentepromovemagravelesãoaospreceitosfundamentaisapontados.

iii) Subsidiariedade

82. NãosóestãocaracterizadasalesividadeeoatodoPoderPúblico,como

igualmentepresente,nocaso,orequisitodasubsidiariedadeaplicávelàADPF.

83. A doutrina e a jurisprudência convergem no entendimento de que o

pressuposto da subsidiariedade da ADPF (art. 4º, § 1º, Lei n° 9.882/1999) se

configura sempre que inexistirem outros instrumentos, na esfera da jurisdição

constitucional concentrada, aptos ao enfrentamento da questão constitucional

suscitada.Nessesentido,decidiuesteSTF:

21Aexpressãonãoestárestritaaosatosnormativos,englobandotambémosatosadministrativos.Poressarazão,oExmo.MinistroLuísRobertoBarroso,emsededoutrinária,ensinaqueareferidaação“serácabívelcontraqualquermanifestaçãodevontadedoPoderPúblico,dequalquerdostrêsPoderes”(BARROSO,LuísRoberto.Temasdedireitoconstitucional.2.ed.RiodeJaneiro:Renovar:2009,tomo2,p.412).Namesmalinha,MirnaCiancieGregóriaAssagradeAlmeidaafirmamque“qualquer ato do Poder Público poderá ser objeto da arguição autônoma, seja ele de caráternormativo, seja de caráter administrativo comissivo ou omissivo, seja da administração públicadireta,sejadaindireta”(CIANCI,Mirna;ALMEIDA,GregórioAssagrade.Direitoprocessualdocontroledeconstitucionalidade.SãoPaulo:Saraiva,2011,p.222)

25

Princípiodasubsidiariedade(art.4º,§1º,daLeinº9.882/99):inexistênciadeoutromeioeficazdesanaralesão,compreendidonocontextodaordemconstitucional global, como aquele apto a solver a controvérsiaconstitucionalrelevantedeformaampla,geraleimediata.22

84. Trata-seprecisamentedahipótesesobanálise.Senão,vejamos.

85. Em primeiro lugar, é certo que as decisões indicadas como

representativas da intepretação judicial violadora de preceitos fundamentais

poderiam ser atacadas por meio de recursos individualizados. Esse mecanismo

processual, no entanto, seria insuficiente para sanar a violação apontada. Em

primeirolugar,porquesemanterãoasassimetriaseassoluçõesdiversas,noâmbito

de cada processo individual ou coletivo. Em segundo lugar, e mais importante,

porqueoquesebuscanessaADPFnãoéareversãodeumaououtradecisão–oua

adequação de umou outro percentual. Não se trata, aqui, de usar a ADPF como

sucedâneorecursal,esimdeimpugnarespecificamenteumainterpretaçãojudicial

queviolasistemáticaeestruturalmenteospreceitosfundamentaisaquiapontados.

Trata-se de situação idêntica aquela apreciada por este e. STF por ocasião do

julgamentodajámencionadaADPF324/DF.E,paraestahipótese,nãohádefato

qualquer meio – recursal ou de controle concentrado – que seja apto a sanar

adequadamenteasviolaçõesapontadas.

86. Em segundo lugar, é certo ainda que inexiste em nosso ordenamento

jurídico um mecanismo processual específico pelo qual se possa conter a

proliferaçãodeprojetosdeleismultitudinários,capazesdeabalarcompletamente

um setor econômico, tornando-o inviável e ineficiente, gerando ainda uma crise

econômicasemprecedentesparaoensinoparticularnoBrasil.Afinal,seosEstados

eMunicípiosinsistememlegislaçõesdecurtoprazo,cujosefeitosserãoirreversíveis

apesardesuasinconstitucionalidadesmanifestas,restaráàsinstituiçõesdeensino

22STF.ADPFn°33.Relator:Min.GilmarMendes.TribunalPleno.Julgamentoem07.12.2005.DJem27.10.2006.

26

sesujeitaremàabsurdalegislação,emdetrimentodamanutençãodoempregoeda

atividadeeconômica.

87. Veja-se, por fim, que o reconhecimento da violação de preceitos

fundamentaisquantoaapenasumentresconjuntosdeatos,apesarderelevante,é

absolutamente insuficiente para dar solução constitucionalmente adequada à

questão. Afinal, impedir a atuação inconstitucional por parte de órgãos de

fiscalizaçãonão impediráaproliferaçãodemedidas judiciaisdifusasa impediro

mínimodecoerêncianosistema–assimcomooinversoéigualmenteverdadeiro.

88. Da mesma forma, impedir a perpetuação da interpretação judicial e

administrativavioladoradospreceitosaseguirapontadosperdeseuefeitose,com

aaprovaçãodeleisestaduaisemunicipaisbaseadasnessaexatainterpretação,tais

órgãos voltarem a agir com fundamento (indevido) nestes atos legislativos

supervenientes.

89.

90. Dessemodo,incontestequeseestádiantedeato(s)dePoderPúblicoe

que não há outro meio processual adequado para impugná-lo, satisfazendo-se,

portanto,orequisitodasubsidiariedade.

91. À luz destes fundamentos, está demonstrado o preenchimento dos

requisitosnecessáriosparaocabimentodapresentearguiçãodedescumprimento

depreceitofundamentale,porisso,deveserconhecidaporestaCorte.

III. VIOLAÇÕESAPRECEITOSFUNDAMENTAIS

a. VIOLAÇÕESAOPACTOFEDERATIVO:ASSIMETRIASFÁTICASEJURÍDICASEVIOLAÇÃOÀ

REPARTIÇÃOCONSTITUCIONALDECOMPETÊNCIASFEDERATIVAS.

27

92. OmodelodeorganizaçãodoEstadobrasileiroadotadopelaCRFB/1988

assumiucomoformadeestadoofederalismo.Trata-sedematériaquefoiinserida

no roldecláusulaspétreasdoordenamento jurídico,nos termosdoart.60,§4º

incisoI23daCRFB/1988,demaneiratalqueostraçosgeraisquedefinemessaforma

estatalconstituemlimitesaoprópriopoderconstituintederivado.

93. Dentreessestraçosgeraisquepodemserapontadoscomotípicosdessa

formaestatal,destacam-seasoberaniadoEstadoFederal,aautonomiadosEstados-

membros, a existência de uma Constituição Federal, a inexistência de direito de

secessãoearepartiçãodecompetênciasprevistasconstitucionalmente24.

94. Nessesentido,PauloGustavoGonetBrancoapontaque“oEstadoFederal

expressaummododeserdoEstado(daísedizerqueéumaformadeEstado)emque

se divisa uma organização descentralizada, tanto administrativa quanto

politicamente,erigidasobreumarepartiçãodecompetênciasentreogovernocentral

e os locais, consagrada na Constituição Federal, em que os Estados federados

participamdasdeliberaçõesdaUnião,semdispordodireitoderecessão”(g.n.)25.

95. No caso sob análise, o conjunto de decisões judiciais, de um lado, e a

existênciademúltiplosprojetosdeleiemsentidosopostos,deoutro,violamdois

importantesconteúdosdopactofederativoconstitucional:oprincípiodasimetria

ou isonomia entre os entes federativos e o próprio sistema constitucional de

repartiçãodecompetências.

96. Comrelaçãoàsimetria,ocenáriofoiexpostonoscapítulosanteriores.De

fato, semqueEstadoseMunicípiospossuamqualquerparticularidadeespecífica,

23Art.60.AConstituiçãopoderáseremendadamedianteproposta:§4ºNãoseráobjetodedeliberaçãoapropostadeemendatendenteaabolir:I-aformafederativadeEstado24Confira-se,nessesentido:DALLARI,DalmodeAbreu.ElementosdeteoriageraldoEstado.32.ed.SãoPaulo:Saraiva,2013,p.254-256.25MENDES,GilmarFerreira.BRANCO,PauloGustavoGonet.Cursodedireitoconstitucional.9.ed.SãoPaulo:Saraiva,2014,p.806.

28

diferentes decisões judiciais têm aplicado diferentesmecanismos de controle de

preço.Significadizerque,noEstadodoRiodeJaneiro,porforçadedecisãotomada

emaçãocivilpública,vigeumareduçãocompulsóriadepreçosopatamarde15%.

NoAlagoas,essareduçãosedáem30%.EmSantaCatarina,adequadamentenão

ocorreu.

97. A situação é ainda mais escancarada quando se somam ao cenário,

também, as decisões proferidas em ações individuais. Assim, no mesmo Rio de

Janeiro em que vige a redução compulsória no patamar de 15% sobre o valor

mensalidades,háestudantesqueobtémdescontosadicionaisde30%,40%,50%ou

atémais. Não hámais uniformidade, não hámais segurança, não hámais regra.

Alunosemsituaçõesjuridicamenteidênticassãotratadosdemaneirasemelhante

porqueentraramporumaououtraportajudicial.Prejudicando,emúltimaanálise,

aqueles estudantes que não têm acesso ao Poder Judiciário e que efetivamente

requereriam alguma atenção especial das instituições que – sem margem para

negociação–nãopoderãoatendê-lossemcomprometersuaprópriamanutenção.

98. Ainda,porforçadosprojetosdeleiemcurso,oquadrodeassimetrias

tendeasemultiplicarportantosquantossãoosEstadoseMunicípiosbrasileiros,

tornandoverdadeiramente impossívelnãosóquegruposdeensinodesenvolvam

suas atividades em diferentes entes federativos, como também gerando para

estabelecimentos de ensino individuais o ônus financeiro e administrativo de

identificação adequada das diferentes normativas de preços que podem incidir

sobresi(decisãojudicial,leimunicipal,leiestadual).

99. Ofatoéque,paraalémdoproblemadaassimetria,osprojetosdeleiem

específico produzem evidente ameaça de violação ao sistema constitucional de

repartiçãodecompetênciasqueconstitui,naspalavrasdeJoséAfonsodaSilva,“o

29

fulcrodoEstadofederal”26,nãoestandosujeitoapropostadeemendaconstitucional

tendente a aboli-lo, tampouco a iniciativas legislativas estaduais ou municipais

propensasaignorá-lo.

100. Nesse cenário, , conforme já destacou o Exmo.Ministro Alexandre de

Moraes,oprincípiogeralquenorteiaarepartiçãodecompetênciaentreosentes

componentes do Estado Federal brasileiro é o princípio da predominância do

interesse27, segundo o qual as matérias pertinentes ao interesse nacional serão

atribuídasàUnião,aopassoqueasmatériasrelacionadasaosinteressesregionais

oulocaisficarãosobacompetênciadosentesdescentralizados.

101. A própria Constituição Federal, portanto, presumindo para algumas

matérias a presença do princípio da predominância do interesse, estabeleceu, a

priori,diversascompetênciasparacadaumdosentesfederativose,apartirdessas

opções, pode ora acentuarmaior centralização de poder na União, ora permitir

maiordescentralizaçãonosEstados-membroseMunicípios.

102. Partindo dessa premissa, o art. 22 da CRFB/1988 estabelece o rol de

matériascujacompetêncialegislativaéprivativadaUnião.NostermosdoincisoI

dodispositivo, competeprivativamenteàUnião legislar sobredireito civil, oque

inclui,naturalmente,todasasquestõesreferentesacontratos.

103. Adespeitodisso,emflagranteusurpaçãodecompetêncialegislativada

União, diversos Estados eMunicípios insistem em dar continuidade ao processo

legislativo de projetos que pretendem impor descontos obrigatórios ou

26SILVA,JoséAfonsoda.Cursodedireitoconstitucionalpositivo.36.ed.SãoPaulo:Malheiros,2013,p.102.27 STF. AgR no RE nº 1.247.930. Relator: Min. Alexandre de Moraes. 1ª Turma. Julgamento em13.03.2020.DJem23.03.2020.Nomesmosentido:STF.ADInº4.615.Relator:Min.RobertoBarroso.TribunalPleno.Julgamentoem20.09.2019.DJem25.10.2019.

30

modificaçõesnasformasdecobrançadasmensalidadesdasinstituiçõesdeensino

particular,aexemplodoProjetodeLein.2.197/2020doEstadodoRiodeJaneiro.

104. Primeira razão: a contraprestação paga às instituições privadas de

ensino superior é matéria contratual inserida no âmbito do direito civil, cuja

competêncialegislativaéprivativadaUnião,conformemencionadoanteriormente.

105. Nãoésemmotivo,aliás,queédeiniciativadaUniãoaLeinº9.870/1999,

quedispõesobre–eesgotao temado–valor totaldasanuidadesnoensino.De

acordocomoart.1ºdareferidaLei,“ovalordasanuidadesoudassemestralidades

escolaresdoensinopré-escolar,fundamental,médioesuperior,serácontratado,nos

termosdestaLei,noatodamatrículaoudasuarenovação,entreoestabelecimentode

ensinoeoaluno,opaidoalunoouoresponsável”.

106. Na linha desse raciocínio, esta Eg. Corte reconheceu a

inconstitucionalidadeformal,porvíciodeiniciativa,daLeinº670/1994doDistrito

Federal,quetratavadacobrançadasanuidadesescolares.Confira-se,poroportuno,

aementadojulgadoeumtrechodovotolavradopeloMin.CezarPeluzo:

INCONSTITUCIONALIDADE. Ação Direta. Lei nº 670, de 02 de março de1994,doDistritoFederal.Cobrançadeanuidadesescolares.Naturezadasnormasqueversamsobrecontraprestaçãodeserviçoseducacionais.Temaprópriodecontratos.DireitoCivil.UsurpaçãodecompetênciaprivativadaUnião.Ofensaaoart.22,I,daCF.Vícioformalcaracterizado.Açãojulgadaprocedente.Precedente.ÉinconstitucionalnormadoEstadooudoDistritoFederal sobre obrigações ou outros aspectos típicos de contratos deprestaçãodeserviçosescolaresoueducacionais.

[Trecho do voto]: Nítida, portanto, a impossibilidade constitucional dequalquer Estado ou o Distrito Federal editar normas sobre obrigações,contraprestaçõesououtrosaspectostípicosdecontratosdeprestaçãodeserviçosescolaresoueducacionais,queissoimplica,claramente,legislarem

31

matéria de direito civil, reservada à competência daUnião (art. 22, I, daConstituiçãodaRepública)(g.n.).28

107. Em outra ocasião, esta Corte entendeu que a Lei nº 10.989/93 de

Pernambuco,quedispunhasobreadatadevencimentodasmensalidadesescolares,

tambémincorriaemvíciodeinconstitucionalidadeformal,porusurparcompetência

privativadaUniãoparalegislarsobredireitocivil29.

108. Veja-se que a própria Comissão de Justiça e Redação da Câmara dos

VereadoresdoRiodeJaneiroreconheceuqueoProjetodeLeinº1744/2020,que

“dispõesobreareduçãoproporcionaldasmensalidadesdaredeprivadadeensinono

municípiodoriode janeiro,duranteoplanodecontingênciadonovocoronavírus,

covid-19,edáoutrasprovidências”,“invadematériaPrivativadaUnião,comoprevêo

Art.22,incisoIdaConstituiçãoFederal,pois,tratasedeDireitoCivil”30,motivopelo

qualopinoupelainconstitucionalidadedareferidainciativalegislativa(Doc.8).

109. Sendo assim, os alunos e as instituições de ensino superior, por

imperativolegal,sevinculampormeiodecontratos,emquesãoestabelecidos,por

força do artigo 1º da Lei Federal nº 9.870/1999, os termos e as condições de

cobrança e pagamento da contraprestação pecuniária devida pelos serviços

educacionais fornecidos pelas instituições. Neste sentido, é certo concluir que o

descontoobrigatórioimpostoaosetoreducacionalprivadopelosdiversosprojetos

de lei em curso, caso aprovados, versam sobre matéria contratual inserida no

âmbitododireitocivil,queé,comosesabe,dacompetêncialegislativaprivativada

União.

28STF.ADInº1.042.Relator:Min.CezarPeluzo.TribunalPleno.Julgamentoem12.08.2009.DJem05.11.2009.29 STF. ADI nº 1.007. Relator:Min. ErosGrau. Tribunal Pleno. Julgamento em31.08.2005.DJ em24.02.2006.30 Disponível em: <https://mail.camara.rj.gov.br/APL/Legislativos/scpro1720.nsf/f6d54a9bf09ac233032579de006bfef6/c04e35a38b6647bf0325853d0059085c?OpenDocument&ExpandSection=1#_Section1>.Acessoem28demaiode2020.

32

110. Asegundarazãoconsistenaextrapolaçãodacompetênciaconcorrente

paralegislarsobredireitodoconsumidoreeducação.

111. De fato, o art. 24daCRBF/1988estabeleceque compete àUnião, aos

EstadoseaoDistritoFederallegislarconcorrentementesobreconsumo(incisoV)e

educação(incisoIX).Noâmbitodalegislaçãoconcorrente,acompetênciadaUnião

é limitada ao estabelecimentodenormasgerais, oquenão exclui a competência

suplementardosentesfederativos.Poroutrolado,inexistindoleifederal,osentes

poderãoexerceracompetêncialegislativaplena,paraatenderasuaspeculiaridades,

sendocertoqueasuperveniênciadeleifederalsuspendeaeficáciadaleiestadual,

noquelheforcontrário.

112. Apesardeseramplaacompetêncialegislativaconcorrenteemmatéria

de defesa do consumidor, ainda assim restará violado o artigo 22, inciso I, da

CRFB/1988 se a norma estadual, a pretexto de editar normas consumeristas,

adentrar em matéria contratual afeta ao ramo do direito civil/contratual da

competêncialegislativaexclusivadaUnião.

113. ConformejáreconheceuoExmo.Min.RobertoBarroso,“pormaisampla

queseja,acompetêncialegislativaconcorrenteemmatériadedefesadoconsumidor

(CF/88,art.24,VeVIII)nãoautorizaosEstados-membrosaeditaremnormasacerca

derelaçõescontratuais,umavezqueessaatribuiçãoestáinseridanacompetênciada

UniãoFederalparalegislarsobredireitocivil(CF/88,art.22,I)”.31

114. Domesmomodo, não se ignora a competência concorrente dos entes

federativos para legislar sobre educação. Nessa esteira, a Suprema Corte já

reconheceuaconstitucionalidadedeleidistritalquedeterminouaofertadeensino

31STF.ADInº4.701.Relator.Min.RobertoBarroso.TribunalPleno.Julgamentoem13.08.2014.DJem25.08.2014.

33

dalínguaespanholaaosalunosdaredepúblicadodistritofederal32,edeleiestadual

deSantaCatarinaquefixouonúmeromáximodealunosemsaladeaula,noafãde

viabilizaroadequadoaproveitamentodosestudantes33.

115. Note-se, contudo,que taismatériasemnadaseassemelhamaoobjeto

dosprojetosdeleiaquesefazreferência.Elastrataram,efetivamente,dotemada

educaçãoemseuconteúdo:ouseja,nosmecanismosdeprestaçãodoserviçopúblico

deeducação.

116. Os diversos projetos estaduais emunicipais, por sua vez, pretendem,

pelocontrário,regularaaplicaçãodeumdescontosobreaprestaçãodeumserviço

que, por acaso, está relacionado à educação. Não se trata de legislação sobre

educaçãoouensino,masapenasetãosomentedelegislaçãosobrecontratos.

117. Emcasosimilaraeste,oargumentodequealegislaçãolocalforaeditada

com fundamento na competência concorrente para legislar sobre educação não

convenceuestaCorte,queanalisoudetidamenteamatériaeconcluiupelausurpação

decompetênciaprivativadaUniãoparalegislarsobredireitocivil34.

118. De fato, conforme observa Alonso Freire, a competência concorrente

suplementar dos estados sobre questões associadas a serviços prestados por

estabelecimentosdeensinoélimitadaaserviçossecundárioseacessórios,cobrança

32STF.ADInº3.669.Relator:Min.CármenLúcia.TribunalPleno.Julgamentoem18.06.2007.DJem28.06.2007.33 STF. ADI nº 4.060. Relator: Min. Luiz Fux. Tribunal Pleno. Julgamento em 25.02.2015. DJ em30.04.2015.34Veja-se:“Nãovislumbro,notextonormativo, legislaçãosobreeducaçãoouensino.Ospreceitostratamtão-somentedaestipulaçãodedatadovencimentodasmensalidadesescolares,matériadedireitocontratual.ALein.10.989doEstadodePernambuco,tornoarepetir,nadadispõearespeitodaquela matéria” (STF. ADI nº 1.007. Relator: Min. Eros Grau. Tribunal Pleno. Julgamento em31.08.2005.DJem24.02.2006).

34

pararealizaçãodeprovasdesegundachamada,finaiseequivalentes35.Exatamente

porissoqueestaeg.Cortereconheceuaconstitucionalidadedeleifluminenseque

proibiu a cobrança de taxa de repetência, taxa sobre disciplina eletiva e taxa de

provaporpartedasinstituiçõesparticularesdeensinosuperior36.

119. Aindaqueseentendaqueoatonormativoimpugnadotratadedireitodo

consumidoredeeducação,oqueseadmitepeloprincípiodaeventualidade,fatoé

queacompetênciaconcorrentedosentesfederativosparalegislaremnashipóteses

previstasnoart.24daCRFB/1988pressupõeaexistênciadesingularidaderegional

que justifique a adequação da norma geral à situação específica da comunidade

local,sendoaindavedadoaosEstados“desbordaroscontinenteseosconteúdosdas

normasgeraisfixadaspelolegisladornacional”37.

120. Não se vê, ainda, quaisquer especificidades regionais ou locais que

legitimem a intervenção dos legisladores estaduais e municipais em relação ao

pagamentointegraldasmensalidadesdevidaspelosalunospeloserviçoprivadode

educação prestado. Pelo contrário, as circunstâncias que justificaram a iniciativa

legislativa estão longe de ser uma peculiaridade de uma ou outra comunidade.

Trata-se de uma pandemia que alcançou todos os estados brasileiros e cujos

impactossãoinclusiveobjetodeanálisedoCongressoNacional.

121. Aameaçadeseagravaroestadodeassimetria,aliás,éevidente.Tome-

secomoexemploaleicearense,objetodaADIn.6.432:naquelalegislaçãoestadual,

impõe-sedescontode15%a50%sobreasmensalidades,servindoofaturamento

anualdainstituiçãocomoparâmetrodeeventualreduçãodospercentuais.Jáalei

35FREIRE,Alonso.“Osestadospodemlegislarsobredescontosemmensalidadesescolares?”.Jota,30demaio de 2020. Disponível em: <https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/os-estados-podem-legislar-sobre-descontos-em-mensalidades-escolares-30052020#_ftnref5>.Acessoem01dejunhode2020.36STF.ADInº5.462.Relator:Min.AlexandredeMoraes.TribunalPleno.Julgamentoem11.10.2018.DJem26.10.2018.37STF.ADInº3.669.Relatora:Min.CármenLúcia.TribunalPleno.Julgamentoem18.06.2007.DJem29.06.2007.

35

paraensenº9.065/2020, recentemente aprovadae sancionada, impõedescontos

mínimosde10%a30%,variandoopercentualdeacordocomascaracterísticasda

instituição.Proliferando-seleisdestetipoentreosEstadoseMunicípios,noentanto,

é evidenteo risco tratamentosdiametralmenteopostos sobre amatéria, criando

assimetrias de direito e de fato quenão se justificamà luz de peculiaridades ou

interesseslocais.

122. De fato, a legislação em comento não revela qualquer particularidade

regional que pudesse atrair a competência legislativa remanescente dos Estados

(art. 25, §1º, CRFB/1988) ouMunicípios e servir de base para sua tentativa de

intervençãonasinstituiçõesprivadasdeensinosuperior.Pelocontrário,aexistência

demúltiplosprojetoseditadospordiferentesEstadoseMunicípiossobreo tema

apenascomprovaocaráternacionaldaquestão–eoriscoevidentedetratamentos

assimétricosentrediferentesentesfederativos.

123. Nessecontextodeintensaproduçãolegislativasobreotema,opróprio

PrefeitodeJuizdeForareconheceuqueprojetosdeleiscomprevisãodedescontos

em mensalidades em instituições de ensino são inconstitucionais por vício de

competência,motivopeloqualvetouoProjetodeLeinº30/2020,quedeuorigemà

Leioraimpugnada.Confira-seumtrechodasrazõesdoveto(Doc.9):

Esclarece-sequeocontratodeprestaçãodeserviçoseducacionaisregula,entre outras questões, o pagamento das mensalidades escolares comocontraprestação ao serviço contratado. As mensalidades escolaresconstituemumaespéciedeparcelamentodefinidoemcontrato,demodoaviabilizar uma prestação de serviço semestral ou anual. O pagamentocorresponde a uma prestação de serviço que ocorrera ao longo do ano.Assim como suas obrigações, esse contrato e matéria de Direito Civil e,portanto,deacordocomoquedispõeaConstituiçãoFederalemseuartigo22,incisoI,acompetênciaparalegislarsobreoassuntoeprivativadaUnião.Portanto, constata-se que, o tema atinente a mensalidade escolar versasobredireitoobrigacional,portanto,denaturezacontratual,temaafetoaoDireitoCivil.ApesardehaverumacompetênciaconcorrencialentreaUnião,o Estado e o Distrito Federal para tratar de educação e direito do

36

consumidor,diferentemente,aquestãodepagamentodamensalidadedizrespeitonãoapolíticaeducacionalnemadireitosconsumeristas,massimaocontratoparticularentreoparticulareaescola.EamatériadecontratoseumamatériadeDireitoCivil,cujacompetêncialegislativaeexclusivadaUnião.

124. Logo, também pelos motivos adicionais acima aludidos, resta

evidenciadaaviolaçãoaosistemaconstitucionalderepartiçãodecompetências.

125. A isso se soma, ainda, terceira razão, que decorre da indevida

intervençãodeEstadoseMunicípiosnoSistemaFederaldeEnsino.

126. Conformemencionado,osdiversosprojetosdeleitambémimpõemos

descontos sobre as mensalidades devidas às Instituições Privadas de Ensino

Superior,queintegramoSistemaFederaldeEnsino,comoseextraidoart.1638da

LeideDiretrizeseBasesdaEducaçãoNacional.Nessesentido,portratardesistema

de educação sujeito à regulação e supervisão federal, caberia exclusivamente à

Uniãotratardotema.

127. Registre-sequeasujeiçãodasInstituiçõesPrivadasdeEnsinoSuperior

ao Sistema Federal de Ensino e a inconstitucionalidade de norma estadual que

indevidamenteinterferenoseufuncionamentojáforamreconhecidasporestaCorte

Supremano julgamentodaADInº2.501,derelatoriadoExmo.MinistroJoaquim

Barbosa,39bemcomonaADInº3.757,queexcluiuasentidadesdeensinosuperior

privado da incidência de legislação editada pelo Estado do Paraná, em vista de

integraremosistemafederaldequetratamosartigos209e211daConstituiçãoc/c

osartigos16e17daLein.9.394/1996-

38Art.16.Osistemafederaldeensinocompreende:I-asinstituiçõesdeensinomantidaspelaUnião;II-asinstituiçõesdeeducaçãosuperiorcriadasemantidaspelainiciativaprivada;III-osórgãosfederaisdeeducação.39STF.ADInº2.501.Relator:Min.JoaquimBarbosa.TribunalPleno.Julgamentoem04.09.2008.DJem18.12.2008.

37

128. Assim,tambémsobesseaspecto,osprojetosdeleiemtramiteperante

assembleiaslegislativasecâmarasmunicipaisevidenciamclaraameaçaaoprincípio

federativo,interferindoindevidamentenoSistemaFederaldeEnsino,extrapolando

acompetênciaconcorrenteprevistanoart.24,incisoIXdaCRFB/1988paralegislar

sobrematériaeducacional.

b. VIOLAÇÃOAODEVIDOPROCESSOLEGISLATIVOEAODEVERDEFUNDAMENTAÇÃO:AUSÊNCIADE

ANÁLISETÉCNICAOUCIENTÍFICAPARAADOÇÃODOSPARÂMETROSDECISÓRIOSOUNORMATIVOS.

129. Emrelação à ausênciade fundamentação, quenemosprojetosde lei,

nem as decisões tomadas em ações individuais e coletivas trazem qualquer

fundamentoparaospercentuaisapontados.Nãoháindicaçãodequalquerestudo

empírico que tenha concluído que os referidos descontos são proporcionais à

suposta redução de custos dos estabelecimentos de ensino superior. Trata-se

apenas e tão somente de “achismos” oumeros intuicionismos a respeito de um

percentualquedeveserimpostoàsinstituiçõesdeensinosuperior.

130. Bastaverquediferentesleiseprojetoslegislativosindicampercentuais

absolutamente distintos. Nesta linha, por exemplo, a Lei Estadual nº 17.208 do

EstadodoCeará,impugnadanaADIn.6.423,estabeleceudescontoscompletamente

diversos–eigualmentearbitrários-quevariamentre15%e50%adependerdo

níveldeensinoeindependentementedonúmerodealunosmatriculadosemcada

instituição.Porsuavez,aLeiEstadualnº11.694/2020,doEstadodaParaíba,prevê

descontosquevariamde10%a30%,utilizandocomocritérioonúmerodealunos.

131. Oquadroéomesmoquantoaosjámencionadosprojetosdeleiemcurso,

semfalarnosem-númerodeprojetosdeleismunicipaisversandosobreamesma

matéria,aexemplodoPLn.43/2020doMunicípiodeRecifeedoProjetodeLein.

48/2020doMunicípiodeMuriaé.

38

132. Trata-se de iniciativas legislativas que distribuem descontos sem

qualquerfundamentoconcreto,motivopeloqualsãotãodistintasemconteúdose

proporções.

133. Já as decisões judiciais prolatadas em ações individuais e coletivas

aplicampercentuaisde15%,30%,50%,nuncaindicandoparâmetrostécnicospara

chegaratalconclusão.

134. Em quaisquer dos percentuais adotados, o fato é que a proposta de

descontoslineares,caracterizadopelomesmopercentualaplicadoindistintamente

atodososalunos,ignoraumasériedecircunstânciasrelevantes,valendodestacar

aomenosquatro.

135. Emprimeiro lugar,destaca-seque, emmédia, asmaioresdespesasde

instituiçõesdeensinosereferemapessoal,chegandoa70%doscustos.Dessemodo,

o corte de até 50% determinado por certas decisões judiciais praticamente

comprometetudooquenãoforpagamentodeprofessores.

136. Em segundo lugar, as decisões abrangem especificamente o ensino

superior, também atingido pelos mencionados projetos de lei. Com isso, suas

determinações alcançam centenas de instituições espalhadas por diferentes

localidades,comportesdistintosecomlogísticaspróprias,deformaqueodesconto

linearafetadesproporcionalmenteentidadesdiversasedemonstraaviolaçãoaum

devidoprocedimentodeelaboraçãonormativa.

137. Em terceiro lugar, o desconto linear impede que as instituições

estabeleçammecanismosespecíficosparaaproteçãodeestudantesemsituaçãode

vulnerabilidadedecorrentedapandemiadaCOVID-19,namedidaemquebeneficia

tanto aqueles afetados pela crise quanto os não afetados, impedindo qualquer

margemfinanceiraparaa instituiçãoresguardarosalunosvulneráveis.Comisso,

39

beneficiam-secom10%,30%ouatémesmo50%dedescontoosalunosquenão

precisariam de nenhum abatimento, enquanto aqueles que necessitam de um

descontoemmaior escala são taxativamentealcançadospelomesmopercentual.

Ignora-se,portanto,amaiscomezinhadasliçõesclássicassobreigualdadematerial.

138. Emquarto lugar,note-sequeosdiversosprojetosde leiemcursonão

suprem tais vícios de fundamentação nemmesmo no âmbito de seus processos

legislativos.Pelocontrário,osprojetostramitam,nocontextodeisolamentosocial,

semefetivaparticipaçãodapopulaçãoeemtemporecorde,semquenenhumdado

efetivamenteaponteoacertonopercentualdefinido.

139. Essa extrema brevidade do processo legislativo, com mínima

transparênciaeparticipaçãosocialrevelaevidenteviolaçãoàquiloqueAnaPaulade

Barcellosidentificoucomoumdireitodifusoaodevidoprocedimentonaelaboração

normativa. Conforme afirma a professora titular de Direito Constitucional da

UniversidadedoEstadodoRiodeJaneiro,“odireitoaumdevidoprocedimentona

elaboração normativa constitui uma incidência específica do direito de acesso à

informaçãoedocorrelatodeverdepublicidadeprevistosconstitucionalmente”.40

Nenhumadessasinformaçõesestiveramouestão,contudo,disponíveis.

140. Valedizerqueatransparênciaquesedeveexigirdosatosnormativos–

equefaltouaoprocessoquedeuorigemàleioraimpugnada–consistenodireitoà

consulta e participação ativa e equilibrada dos diversos setores da sociedade

afetadospelanormaaserelaborada.Apresençadegrupossociaiserepresentantes

declassesnasinstânciasdecisóriaséumacaracterísticadasnaçõesdemocráticas

que reforça as instituições e amplia a cidadania. Nesse sentido, a abertura à

participaçãonoProcessoLegislativopromoveamelhoriadaqualidadedalegislação

porincluirnosdebatesasimpressõestrazidaspelosdestinatáriosdamesma.

40BARCELLOS,AnaPaulade.Direitosfundamentaisedireitoàjustificativa:devidoprocedimentonaelaboraçãonormativa.BeloHorizonte:Fórum,2016,p.254.

40

141. Assim,GustavoBinenbojmdestacaque“quantomaiorograudeefetiva

participação social (direta ou indireta) no processo de deliberação que resultou a

decisão,menosintensodeveserograudecontrolejudicial”.Paraoautor,ograude

consensodemocrático obtidona aprovaçãodas leis tambémdeve ser levado em

contaparaograudecontrolejudicialdaqueleatolegislativo41.

142. Emlinhasemelhante,DanielSarmentoeClaudioPereiradeSouzaNeto

afirmam que a falta de legitimidade democrática é um primeiro e relevante

elementoadesqualificar apresunçãode constitucionalidadedeatosnormativos.

Como sustentam os autores, é relevante verificar, entre outros elementos, a

“existênciadeefetivaparticipaçãopopularnaelaboraçãodanorma”42,detalmodo

queaausênciadetalparticipação–comonocasodaleifluminenseobjetodestaADI

–desconstituiaconstitucionalidadepresumidadalei.

143. Incasu,ograudeconsensodemocráticoobtidoémínimo.Ainda,nãose

identificaafundamentaçãoadequadadasdecisõesjudiciais–édizer,nãoépossível

verificarosparâmetrosobjetivosquelevamaadoçãodeumououtropatamarde

controle de preços. Apenas se afirma a tese genérica de que o isolamento social

permite a redução de preços – o que em absoluto não procede, pelas razões já

expostas.

144. Porestarazão,confia-sequeestádemonstrada,aindaaesterespeito,a

violaçãoaospreceitosfundamentaisapontados.

41BINENBOJM,Gustavo.Umateoriadodireitoadministrativo.2.ed.RiodeJaneiro:Renovar.2008.p.240.42 SOUZA NETO, Claudio Pereira; SARMENTO, Daniel. Notas sobre jurisdição constitucional edemocracia:aquestãoda ‘últimapalavra’ealgunsparâmetrosdeautocontenção judicial.RevistaQuaestioIuris,vol.06,n.2.

41

c. VIOLAÇÃOÀLIVREINICIATIVAEAOATOJURÍDICOPERFEITO

145. Soma-se à violação ao princípio federativo, anteriormente exposta, a

violaçãoaindaaopreceitofundamentaldalivreiniciativa,insculpidonoartigo1º,

inciso IV e no artigo 170 da Constituição de 1988. Como apontado pelo Exmo.

MinistroGilmarMendes,alivreiniciativafigura,inclusive,comolimiteàexpansão

dacompetênciadosEstadosemmatériadeproteçãoaoconsumidor.Detalforma

que esta competência “cessa de ser exercida validamente se interferir

irrazoavelmentecomalivreiniciativa”43.

146. Oprincípiodalivreiniciativa,comojáafirmadoporestae.Corte,consiste

emumdosfundamentosdaRepúblicaedaordemeconômicaconstitucional.Trata-

se, nas palavras do saudoso professor Diogo de Figueiredo44, de princípio geral

atinenteàordemeconômica,dosquaisderivamprincípiosepreceitosespecíficos

deconteúdoeconômicoexpostosnoartigo170daCartaMagna.

147. Assim,a livre iniciativaconsagradapelaConstituiçãoFederaldeveser

protegidaàluz(i)dasoberanianacional,(ii)dapropriedadeprivada,(iii)dafunção

social da propriedade, (iv) da livre concorrência, (v) da defesa do consumidor,

(vi)da reduçãodasdesigualdades, (vii) dabuscapeloplenoemprego, e (viii) do

favorecimentoàsempresasdepequenoporte.

148. Lembre-se,ainda,quealivreiniciativaproduzseusefeitostambémno

campoespecíficodaordemsocialconstitucional.Defato,aoestabelecer,noartigo

209,aaberturadaeducaçãoàlivreiniciativa,aConstituiçãode1988estendeueste

preceito fundamental às instituições de ensino superior privado. E a norma

43STF.ADInº451.Relator:Min.RobertoBarroso.TribunalPleno.Julgamentoem01.08.2017.DJem08.03.2018.44MOREIRANETO,DiogodeFigueiredo;ROCHA,HenriqueBastos.Liberdadeeconomicaesançoesadministrativas nas reorganizaçoes societarias.RevistaBrasileira deDireito Público –RBDP, BeloHorizonte,ano12,n.44,p.23-41,jan./mar.2014.

42

constitucional, neste aspecto, estabeleceu tão-somente duas condicionantes à

atuação destas entidades: o cumprimento das normas gerais de educação e a

autorizaçãoeavaliaçãodaqualidadedoPoderPúblico.

149. Veja-se que a única intervenção possível do Estado, no âmbito da

educaçãoprivada,dizrespeitoaoestabelecimentodasdiretrizeseducacionaiseda

fiscalizaçãodasentidades.Emnenhumamedidasepodefalar,portanto,emcontrole

depreços,comopretendidopelalegislaçãoaquiimpugnada.

150. Neste sentido, o Exmo. Ministro Presidente desta e. Corte tem

reconhecido,emreiteradasdecisõestomadasnocontextodocoronavírus,quenão

cabeaoPoderPúblicoprivilegiarumououtrosetoreconômicoemdetrimentodos

demais.Confira-se:

Nãoseignoraqueasituaçãodepandemia,oravivenciada,impôsdrásticasalteraçõesnarotinadetodos,atingindoanormalidadedofuncionamentodemuitasempresasedopróprioEstado,emsuasdiversasáreasdeatuação.Mas,exatamenteemfunçãodagravidadedasituação,exige-seatomadademedidascoordenadasevoltadasaobemcomum,nãosepodendoprivilegiardeterminadosegmentodaatividadeeconômica,emdetrimentodeoutro,oumesmodopróprioEstado,aquemincumbe,precipuamente,combaterosnefastosefeitosdecorrentesdessapandemia.Assim, não cabe ao Poder Judiciário decidir quem deve ou não pagarimpostos, ou mesmo quais políticas públicas devem ser adotadas,substituindo-seaosgestoresresponsáveispelaconduçãodosdestinosdoEstado,nestemomento.45

151. No âmbito do Poder Executivo, a Secretaria Nacional do Consumidor

(Senacon),órgãodoMinistériodaJustiça,editounotatécnicaemqueseposicionou

contra descontos lineares, como propõe a lei em comento. Na avaliação da

secretaria,descontosdevemseravaliadoscasoacaso,levandoemconsideraçãoas

peculiaridadesdecadaestudanteedecadainstituiçãodeensino(Doc.10).

45STF.MCnaSTPn.193.Relator:Min.PresidenteDiasToffoli,decisãoproferidaem05.05.2020.DJem06.05.2020.

43

152. Posteriormente, em 08.05.2020, a SecretariaNacional do Consumidor

voltouatratardotema,pormeiodaNotaTécnicanº26/2020,reiterandoque“não

érecomendávelaadoçãodecritérioslinearesdedescontosdemensalidades,aplicáveis

indistintamenteparatodasasinstituiçõesdeensino,bemcomoderegrasgeraisque

prevejamrepassedeeventuaisreduçõesdecustosoperacionaispelasinstituiçõesde

ensino,sobpenadecomprometeracontinuidadedaprestaçãodoserviçoporpartede

algumasinstituiçõesdeensinoe/ouaqualidadedoserviçoprestado”(Doc.11)46.

153. No mesmo sentido é a Nota Técnica nº 17/2020 do Conselho

AdministrativodeDefesaEconômica–CADE,tambémvinculadoaoMinistérioda

Justiça. Ao avaliar potenciais efeitos da imposição de descontos percentuais em

contratosdeprestaçãodeserviçoseducacionais,oCADEdestacouqueessetipode

interferência pode gerar mais efeitos maléficos do que benéficos, como, por

exemplo, desemprego e redução de salários de professores, dificuldade de

realocação desses profissionais, diminuição da demanda agregada e redução da

arrecadaçãodeimpostos(Doc.12)47.

46 Disponível em: <https://www.novo.justica.gov.br/news/coronavirus-senacon-emite-nova-nota-tecnica-com-orientacoes-complementares-sobre-relacao-entre-consumidores-e-instituicoes-educacionais/sei_mj-nota-tecnica_escolas.pdf>.47“Nestecenário,osPoderesExecutivo,LegislativoeJudiciáriosãosensíveisaestetipodesituaçãoebuscam,àsvezes,demaneiraproativa,aliviarosefeitosdacriseaoscidadãosbrasileiros,buscando,em determinadas situações, soluções que passam por interferir nos contratos e na economia demaneirageral,paraprotegerosbrasileiros.Noentanto,emquepeseestetipodeinterferênciapossaserbemintencionada,épossívelque,adependerdecomosefaçaainterferência,sejamgeradosmaisefeitosmaléficosdoquebenéficos,queprecisamser,pelomenos,considerados.Abaixoestãoalgunsefeitospotenciais,sobaperspectivaeconômica,quemerecemserconsideradospeloslegisladorespátriosedecisoresemgeral,quandoocorrerodebatedestetipodeinterferêncianasmensalidadesescolares,quaissejam:Desemprego ou menores salários: Professores, também, precisam se manter em tempos depandemiae,também,sãoconsumidores.Diminuiramensalidadeescolaremtemposdepandemiapode significar, na situaçãomais otimista, a diminuição de custos ou a redução temporária dossaláriosdealgunsprofessores,mas,emumcenáriomaispessimista,podeocorrerafalênciadeváriasinstituiçõesdeensinoe,porconsequência,umcenáriopiordopontodevistasocial,tantodurantecomoapósapandemia;Dificuldadederealocação:Casoexistadesemprego,dificilmente,osprofessoresconseguirãoumempregoalternativoemépocadeisolamentosocial,ondeademandajáestábaixaeainteraçãosocial,necessáriaparaumaatividadedeensino,diminui.Talpodesignificardopontodevistapessoal,porsisó,umasituaçãoextremamentedifícil;

44

154. Ratificandotalposicionamento,oMinistérioPúblicoFederal,pormeio

deNotaPública, condenouveementementea imposiçãodedescontos linearesàs

instituiçõesdeensinoprivadas,destacandoquetaismedidas“devemconsideraras

especificidades dos serviços de ensino ofertados, a situação financeira, o porte e o

quantitativo de alunos de cada instituição de ensino”. Assim, o MPF orientou a

realizaçãodeuma“análiseequitativaqueconsidere,porumlado,aquantidadede

alunosporunidadefamiliareaeventualperdaderendabrutadafamíliae,deoutro,

os esforços empregados pela instituição para se manter a qualidade do serviço

prestadopormeiovirtual”(Doc.13).

155. Veja-se que ao permitir a imposição indiscriminada sobre todas as

instituiçõesdeensinoparticularesdereduçõesdesproporcionaisnovalordesuas

mensalidades, o conjuntodedecisõesobjetodestaADPFvioladiretamente estes

diversosconteúdosdalivreiniciativaresguardadapelaConstituição.Nãoédiferente

aconclusãoqueseextraiacercadaameaçadelesãoaomesmopreceito,decorrente

dosprojetosdeleiconjuntamenteconsiderados,emtrâmiteperanteoslegislativos

estaduaisemunicipais.

156. Emprimeirolugar,restavioladaaproteçãoàpropriedadeprivada.Isto

porque,sedeumladosetratadereduçãocompulsórianamensalidadepreviamente

estabelecida no contrato de ensino, por outro nenhuma norma ou decisão tem

previstoqualquerindenizaçãooucontraprestaçãoadequadaàsinstituições.

Outros efeitos macroeconômicos: Além de um desemprego persistente, com dificuldade derealocaçãonomercadodetrabalho,noâmbitomacro,pode-segerarumadiminuiçãodademandaagregada,diminuiçãodaarrecadaçãode impostose,por conseguinte,diminuiçãoatémesmodascondiçõesdoEstadogeriroorçamentoreferenteàsaúdepública.Especialistassustentamqueseestabelecimentos privados falirem, é possível que a rede pública seja obrigada a absorver osreferidosalunos,aumentando,também,oorçamentopúblicocomeducação;Efeitosconcorrenciais:Dopontodevistaconcorrencial,casoexistamempresasquetenhamsidolevadasàfalência,épossívelqueexistaaconcentraçãodomercado(peladiminuiçãodonúmerodeplayersexistentes)(...)”.Disponívelem<http://www.cade.gov.br/acesso-a-informacao/publicacoes-institucionais/publicacoes-dee/nota-tecnica-17.pdf>,acessadoem28demaiode2020.

45

157. Significadizerque,mantidoomesmoserviço,prestadodeformaremota

–semimplicarmudançanamodalidadedeensino–,as instituiçõespassamaser

compelidas a suportar ônus econômico substancial, na maior parte dos casos,

superioràsuamargemderesultado,oque inviabilizaaoperaçãodeensinocom

consequênciasgravíssimasparaasociedade.Trata-se,assim,deefetivahipótesede

desapropriaçãosem indenização,vedadanos termosdoartigo5º, incisoXXIVda

ConstituiçãoFederal.

158. Nessalinha,nãosepodeignorarasviolaçõesaatosjurídicosperfeitos.

Afinal, aopretenderemproduzir efeitosnão só sobrenovos contratosde ensino,

como também sobre aqueles já existentes, estes atos judiciais e legislativos

concebemdeumaultra-atividadeinconcebívelsoboprismadasegurançajurídica.

159. Trata-sedachamadaretroatividademínimaounormal,quandoaleiou

atonormativonovoatingeosefeitosdosatosaelesanteriores,produzidosapósa

dataemquevêmaentraremvigor.NaliçãodoExmo.MinistroGilmarMendes,“seria

ocasoseleinovaviesseaestabelecerprazomínimomaislongoparaarrendamento

ruralemandasseaplicaresseprazoaoscontratosemcursonomomentodoiníciode

vigênciaou,ainda,sealeinovaviessereduziromáximodataxalegaldejurosese

declarasseaplicávelaosjurosdoscontratosdemútuoemcursonomomentodoseu

iníciodevigência,relativamenteaosjurosqueviessemavencernofuturo”48.

160. Nessesentido,nojulgamentodaMedidaCautelarnaADIn.1.081,estee.

Supremo Tribunal Federal houve por bem suspender medida provisória que

pretendiadisporsobreosaspectoseconômicosdecontratosdeensinojávigentesà

época.49

48MENDES,GilmarFerreira;BRANCO,PauloGustavoGonet.Cursodedireitoconstitucional.9.ed.SãoPaulo:Saraiva,2014,p.380.49STF.ADIn.1.081.RelatorMin.FranciscoRezek.Julgamentoem22dejunhode1994.

46

161. No Recurso Extraordinário nº 188.366, de relatoria do Min. Moreira

Alves,emquesediscutiaaconstitucionalidadedeleisfederaisquedispunhamsobre

preçosdemensalidadesnoensino,estaCortedestacouaindaqueasleisqueafetam

osefeitosfuturosdecontratoscelebradosanteriormentesãoretroativas,afetando

a causa, que é um fato anterior no passado. Com base nesse raciocínio, foi

reconhecidaainconstitucionalidadedosatosnormativos,aoargumentodeviolarem

aproteçãodoatojurídicoperfeito50.

162. Da mesma maneira, o Exmo. Min. Celso de Mello consignou que “a

incidênciaimediatadaleinovasobreosefeitosfuturosdeumcontratopreexistente,

precisamenteporafetaraprópriacausageradoradoajustenegocial, reveste-sede

caráterretroativo(retroatividadeinjustadegraumínimo),achando-sedesautorizada

pela cláusula constitucional que tutela a intangibilidade das situações jurídicas

definitivamenteconsolidadas”51.

163. Emsegundolugar,restavioladooconteúdoespecíficodalivreiniciativa

na educação. Isto porque, enquanto de um lado o artigo 209 faculta à iniciativa

privadaatuarnocampodoensino,poroutrooartigo208estabelececlaramenteas

hipótesesdeatuaçãodoEstadonestaseara.EoEstadonãoestáautorizado,repise-

50Veja-se:“Recursoextraordinário.Mensalidadeescolar.Atualizaçãocombaseemcontrato. -Emnossosistemajurídico,aregradequealeinovanãoprejudicaráodireitoadquirido,oatojurídicoperfeitoeacoisajulgada,porestarinseridanotextodaCartaMagna(art.5º,XXXVI),temcaráterconstitucional, impedindo, portanto, que a legislação infraconstitucional, aindaquandodeordempública,retroajaparaalcançarodireitoadquirido,oatojurídicoperfeitoouacoisajulgada,ouqueoJuizaapliqueretroativamente.Earetroaçãoocorreaindaquandosepretendeaplicardeimediatoaleinovaparaalcançarosefeitosfuturosdefatospassadosqueseconsubstanciememqualquerdasreferidaslimitações,poisaindanessecasoháretroatividade-aretroatividademínima-,umavezqueseacausadoefeitoéodireitoadquirido,acoisajulgada,ouoatojurídicoperfeito,modificando-seseus efeitos por força da lei nova, altera-se essa causa que constitucionalmente é infensa a talalteração.Essaorientação,queéfirmenestaCorte,nãofoiobservadapeloacórdãorecorridoquedeterminou a aplicação das Leis 8.030 e 8.039, ambas de 1990, aos efeitos posteriores a elasdecorrentesdecontratocelebradoemoutubrode1.989,prejudicando,assim,atojurídicoperfeito.Recursoextraordinárioconhecidoeprovido”(STF.REnº188.366.Relator:Min.MoreiraAlves.1ªTurma.Julgamentoem19.10.1999.DJem19.11.1999).51STF.AgRnoAInº363.159.Relator:Min.CelsodeMello.2ªTurma.Julgamentoem16.08.2005.DJem03.02.2006.

47

se,nempeloartigo208,nempeloartigo209,aefetivarqualquerformadecontrole

depreços.

164. Em terceiro lugar, é evidente a violação à livre concorrência. Como

lecionouoExmo.MinistroRobertoBarroso,alivreconcorrência“significaliberdade

de fixação dos preços e do lucro, como regra geral”52. Disto decorre que cabe às

próprias instituiçõesdeensinoregularseussistemasdepreçodeacordocomos

incentivosdomercado.

165. Veja-se que o conjunto de decisões e projetos de lei em comento não

buscamatuarnoâmbitodasexcepcionalíssimassituaçõesemqueaintervençãodo

Estado sobre os preços demercado poderia ser eventualmente legítima. Não se

busca,pois,conteraumentossubstanciaisemmensalidades,prevenirmonopólios

oureaquecerumdeterminadosetoreconômico.

166. De fato, não se pode ignorar que, em antigo julgado, esta e. Corte

convalidou a Lei nº 8.039/1990, que dispunha sobre critérios de reajuste das

mensalidadesdeensino.Note-sequeocasoésubstancialmentedistintodapresente

hipótese.

167. Primeiramenteporquesetratava,comosevê,delegislaçãofederal–de

quenãodecorria,portanto,ainconstitucionalidadeformalapontadaanteriormente.

Maisdoque isso, note-seque a legislação em comento, editada emmomentode

notória crise inflacionária, buscava limitar o reajuste abusivo de mensalidades

escolares.

52BARROSO,LuísRoberto.Estadoelivre-iniciativanaexperiênciaconstitucionalbrasileira.RevistaBrasileiradeDireitoPúblico–RBDP,BeloHorizonte,BeloHorizonte,ano12,n.45,p.9-19,abr./jun.2014.

48

168. Tanto os projetos de lei quanto as decisões objeto desta ADPF, no

entanto,nãotratamde limitarreajustesnasmensalidadesobjetodecontratosde

ensino.Oqueelaspretendem,naverdade,érealizarumareduçãodemensalidades

estabelecidas em atos jurídicos perfeitos e regularmente pagas como

contraprestaçãodosserviçosprestadospelas instituições.Nãoporoutrarazão,a

hipóteseanalisadaporestee.STFporocasiãodojulgamentodaADInº319/DFé

substancialmentedistintadapresente,nãocabendodesta formachegaràmesma

conclusãoqueaquelaadotadaporestae.Corteemmomentotãosensíveldenossa

aindanovademocracia.

169. De fato, a situação aqui não é de excepcional legitimação de tamanha

intervençãoincisivadoEstadosobreapropriedadeealivreiniciativa.Oqueosatos

impugnadosbuscamé interferir emummercadoque funciona regularmente em

todooterritórionacional.Mercadoestenoqualatuamdiversosagenteseconômicos

quetêmenvidadoesforçospara,porexemplo,nostermosdaPortarianº343/2020

doMEC,manteraprestaçãodoserviçoeoacessoaoensinosuperior,semperdade

qualidade e sem nenhum indício de tentativas de aumentos abusivos nas

mensalidadespraticadas.

170. Como bem expressou o Exmo. Ministro Roberto Barroso, em lição

doutrinária,ocontroledepreços,noBrasil,éumadas“tentaçõespermanentes,que

levamdiretoparaoinferno”53.Trata-se,ainda,naspalavrasdoprofessorDiogode

Figueiredo, de medida proibida pela Constituição de 1988, após ter sido tão

“largamenteutilizadanoautoritarismoeconômicoduranteváriasdécadasnestePaís,

mas tão prejudicial à competição, tão incompatível com uma política de

desenvolvimento(...),tãoperigosapelasdistorçõesquegera...”.54

53BARROSO,LuísRoberto.Estadoelivre-iniciativanaexperiênciaconstitucionalbrasileira.RevistaBrasileiradeDireitoPúblico–RBDP,BeloHorizonte,BeloHorizonte,ano12,n.45,p.9-19,abr./jun.2014.54MOREIRANETO,DiogodeFigueiredo.OrdemeconômicaedesenvolvimentonaConstituiçãode1988.RiodeJaneiro:Apec,1989.

49

171. E,defato,sobo–datamaximavenia–demagógicodisfarcedadefesado

consumidor, tanto as decisões quanto os projetos legislativos põem em risco a

própria manutenção do serviço. As instituições não poderão se manter. Os

estudantesnãopoderãoestudar.Ojogoédeperde-perde,emumcenárionoqualas

perdasjásãoincontáveis.

172. Nessalinha,sequersepodedizerquetaisdecisõespromovemqualquer

defesadoconsumidor.Pelo contrário, a consequênciapráticada legislaçãoedos

projetosdeleiétornarinsustentávelaprestaçãodosserviçoseducacionaisdurante

apandemiae,mesmoapósacrise,emdetrimentodosprópriosestudantes.

173. Não só isso, o impacto negativo dos atos impugnados também se faz

sentir à luz do ideal de promoção do pleno emprego, que deve reger a leitura

constitucionalmenteadequadadoprincípiodalivreiniciativa.

174. Note-seque,naformadaPortarianº343/2020doMEC,asinstituições

quenãooptaremporsuspenderasaulasduranteoperíododepandemia,podem

seguirprestandooserviçoeducacionalpormeiodigital.

175. Significa dizer que parcela substancial das instituições mantém a

estruturadeprestaçãodoserviçodeensino–preservandomilharesdeempregos

de professores, técnicos administrativos e pessoal especializado nos sistemas de

telecomunicaçõesempregadosparaamanutençãodasatividades.

176. Ocorreque,sedeumladomantém-seaprestaçãodoserviçoobjetodo

contratodeensino,deoutroaimposiçãodedescontoartificialimpactadiretamente

asustentabilidadedaatividadeprestadapelasinstituições.Sendoamensalidadea

principalfontederecursosdasinstituições,nãohácomodeixardeconcluirquesua

redução em patamar substancial de até 50%, consequência necessária para a

50

manutençãodasatividadesserá,porcerto,ocortededespesas–entreasquais,por

certo,aquelasrelativasaopessoalcontratado.

177. É de se concluir, pois, que a interpretação extraída do conjunto de

decisões objeto desta ADPF, bem como o conjunto de projetos legislativos em

comentovãodeencontroàlivreiniciativa,tambémsobaperspectivadoobjetivode

promoção do emprego. Muito pelo contrário, o acirramento do desemprego é

consequênciaprováveldaslegislaçõesdessanatureza.

d. VIOLAÇÃOÀPROPORCIONALIDADE

178. Deve-se destacar, ainda, a manifesta violação ao princípio da

proporcionalidade decorrente da interpretação judicial extraída do conjunto de

decisõesimpugnadas,bemcomodosprojetosdeleidequetrataestaADPF.

179. Comoassentadonadoutrinaenajurisprudênciadestee.STF,oprincípio

da proporcionalidade exige do legislador que, ao interferir em princípios

constitucionais–taiscomoospreceitosfundamentaisaquiindicados–devaatender

51

àsmáximasdeadequação,necessidadeeproporcionalidadeemsentidoestrito55-56-57.

180. Ocorrequeosatosemcomentonão sobrevivemanenhumdos testes

decorrentesdamáximadaproporcionalidade.

181. Em primeiro lugar, falham em apresentar a devida adequação lógica

entremeiosefins.Sabe-seque,nessaetapa,busca-seanalisarseamedidalegislativa

temopotencialdeatingirofimpretendido.Comosevê,oobjetivodosatosobjeto

destaADPFé,atodaevidência,resguardardireitosdosestudantes,nacondiçãode

consumidores.

55 Confira-se: “Em resumo, o princípio da razoabilidade ou da proporcionalidade permite aoJudiciárioinvalidaratoslegislativosouadministrativosquando:(a)nãohajaadequaçãoentreofimperseguidoeoinstrumentoempregado;(b)amedidanãosejaexigívelounecessária,havendomeioalternativoparachegaraomesmoresultadocommenorônusaumdireitoindividual(vedaçãodoexcesso);(c)nãohajaproporcionalidadeemsentidoestrito,ouseja,oqueseperdecomamedidaédemaiorrelevodoqueaquiloqueseganha.Nessaavaliação,omagistradodeveterocuidadodenãoinvalidarescolhasadministrativassituadasnoespectrodoaceitável,impondoseusprópriosjuízosdeconveniênciaeoportunidade.NãocabeaoJudiciárioimporarealizaçãodasmelhorespolíticas,em sua própria visão, mas tão somente o bloqueio de opções que sejam manifestamenteincompatíveis com a ordem constitucional. O princípio também funciona como um critério deponderaçãoentreproposiçõesconstitucionaisqueestabeleçamtensõesentresiouqueentrememrotadecolisão”(BARROSO,LuísRoberto.Cursodedireitoconstitucionalcontemporâneo:osconceitosfundamentaiseaconstruçãodonovomodelo.7.ed.SãoPaulo:Saraiva,2018,p.158-159).56Comfundamentonaviolaçãoaoprincípiodaproporcionalidade,oSTFjulgouprocedenteaADInº855parasuspenderaLei10.248/93,doestadodoParaná,quedeterminavaaobrigatoriedadedapresençadoconsumidornomomentodapesagemdebotijõescomercializadospelasdistribuidorasdeGásLiquefeitodePetróleo(GLP),quandodasuavendaousubstituição(STF.ADIn855.Relator:Min. OctavioGallotti. Relator paraAcórdão:Min. GilmarMendes. Tribunal Pleno. Julgamento em06.03.2008).57Tambémfoireconhecidaainconstitucionalidade,porviolaçãoaoprincípiodaproporcionalidade,deleiestadualquedeterminavaaobrigatoriedadedeprestaçãodoserviçodeempacotamentoemsupermercados:“Poroutrolado,aLeinº2.130/1993,doEstadodoRiodeJaneiro,padecedevíciomaterial.Issoporquearestriçãoaoprincípiodalivreiniciativa,protegidopeloart.170,caput,daConstituição,apretextodeprotegerosconsumidores,nãoatendeaoprincípiodaproporcionalidade,nassuastrêsdimensões:(i)adequação;(ii)necessidade;e(iii)proporcionalidadeemsentidoestrito.Aprovidênciaimpostapelaleiestadualéinadequadaporqueasimplespresençadeumempacotadoremsupermercadosnãoéumamedidaqueaumenteaproteçãodosdireitosdoconsumidor,massimuma mera conveniência em benefício dos eventuais clientes. Trata-se também de medidadesnecessária, pois a obrigação de contratar um empregado ou um fornecedor de mão-de-obraexclusivamentecomessafinalidadepoderiaserfacilmentesubstituídaporumprocessomecânico.Porfim,assançõesimpostasrevelamadesproporcionalidadeemsentidoestrito,eisquecapazesdeverdadeiramentefalirumsupermercadodepequenooumédioporte”(STF.ADInº907.Relator:Min.AlexandredeMoraes.Relatorp/Acórdão:Min.RobertoBarroso.Tribunal Pleno. Julgamento em01.08.2017.DJem23.11.2017).

52

182. Ocorreque, como jávisto, ao imporoarbitráriodescontodeaté50%

sobreasmensalidadescobradaspelasinstituiçõesprivadas,osatospõememrisco

aprópriapossibilidadedesemanteraprestaçãodoserviço.Um“jogo”de“perde-

perde”,comojáindicadoanteriormente.

183. Com efeito, a medida gera grandes dificuldades financeiras aos

estabelecimentos de ensino, que possivelmente encerrarão suas atividades

empresariais em razão da insustentabilidade econômica. Trata-se de solução

legislativa que prejudica não somente os proprietários desses estabelecimentos,

mais os milhares de alunos do ensino superior privado no Brasil, além de

profissionaisqueserãodesempregadosemdecorrênciadessasmedidas.

184. Tampoucosepodefalarnamedidacomonecessária.Sabe-sequeoteste

de necessidade impõe a análise da existência de medidas menos gravosas,

igualmentecapazesdepromoverosobjetivospretendidospelalegislação.Trata-se

deumimperativodevedaçãodoexcesso.

185. Ocorreque,aimposiçãodedescontosemqualquercontraprestaçãoàs

instituiçõesdeensinogeramedidaabsolutamenteexcessivaedesnecessária.

186. Mais que isso, a própria previsão de desconto desacompanhada de

qualquerjustificaçãomínimaqueindiqueasrazõespelasquaisestepatamar–enão

outros–éadequadoparaapromoçãodosobjetivosdalegislaçãoindicaquesetrata

demedidaexcessiva.

187. Por fim, e não menos importante, as medidas sob análise tampouco

podem ser reputadas proporcionais em sentido estrito. Como sabido, a

proporcionalidadeemsentidoestritoexigeumcotejoentreosdiversosprincípios

em jogo,de formaaensejaraanálise–em linhasgerais– sobre seas restrições

53

impostas a um princípio constitucional são compensadas pela promoção do

princípiocontraposto.Nãoéocaso.

188. Com efeito, não se pode falar em efetiva promoção do direito do

consumidor, pelas razões expostas adiante. Falta aos atos impugnados, afinal,

sequer a demonstração de que suas premissas empíricas – a necessidade, por

exemplo,dodescontonopatamarestabelecidopelalei–sãoadequadas.Tudoindica

quenão–aoimporemsubstancialreduçãodasmensalidades,osatosinviabilizama

atividade educacional, gerando perda de empregos e de oportunidades para

milharesdeestudantes.

189. Deoutro lado,arestriçãoà livre iniciativa,aoato jurídicoperfeitoeà

autonomiauniversitáriarevelam-seemgrauextremo.Osatosimpugnados,afinal,

pretendemimporefetivocontroledepreços,incidindosobrecontratosjáexistentes

e impedindo que centenas de instituições de ensino possam definir suas

necessidades financeiras e alcançá-las para desenvolver seus objetivos

institucionais.

190. Alémdisso,nãoháproporcionalidadenosdescontospropostos,diante

da manutenção dos serviços educacionais. Registre-se que há diversos

estabelecimentosquemantêmasatividadesnos limitesdoqueéautorizadopelo

PoderPúblicoduranteapandemia, sendocertoqueocalendárioacadêmicoserá

adequado e as aulas repostas para assegurar o cumprimento da carga horária

mínimaanual,nostermosdaMedidaProvisórian.934/2020.Demodoque,mesmo

nasinstituiçõesemqueasaulasestãosuspensas,aatividadenãoestáinterrompida

enãohádesequilíbrionarelaçãoentreasinstituiçõesealunos.

191. Veja-se,aesterespeito,queoConselhoNacionaldeEducação,pormeio

darespostaaoOfício008/2020de12demarçode2020,afirmouqueasinstituições

deensinodeverãocumprirocalendárioacadêmico–aindaqueessecalendário,em

razão da COVID-19, não coincida com o ano civil. Trata-se da mesma solução

54

aplicadaàépocadapandemiadoGrupoH1N1,porocasiãodaelaboraçãodoParecer

CNE/CEB/0010/2009. Tratando do tema, ainda, a recente Medida Provisória n.

934/2020 expressamente dispôs acerca da obrigatoriedade do cumprimento da

cargahoráriamínimaanualestabelecidanaLeideDiretrizeseBases(“LDB”),ainda

que excepcionalmente tais horas sejam distribuídas em número de dias letivos

diversodaqueleestabelecidonaLDB.

192. Valenotar,aesterespeito,queamensalidadeescolarnãoremunerao

correspondente mês de aula. Nos termos do artigo 1º da Lei n. 9.870/1999, os

serviços de ensino prestados por entidades privadas no nível superior são

remuneradospormeiodeanuidadesousemestralidades.Tão-somenteparafacilitar

o pagamento destas anuidades ou semestralidades por diversas famílias, a

legislaçãopossibilitaquesejamfracionadasemparcelasmensais.

193. Nesse sentido, ao pagar a mensalidade escolar, um aluno está tão-

somentepagandoparceladaquelaanuidadeousemestralidade–que,porsuavez,

correspondeaoserviçodeensinoreferenteaumanoouumsemestre.Ora,como

visto, tais serviços seguirão sendo prestados pelas entidades de nível superior

impedidas, em razão da pandemia COVID-19, de oferecer as aulas normalmente.

Tudo seguindoosditames regulatóriosdoMinistériodaEducação, comadevida

adequaçãodocalendárioacadêmico.

194. Não haverá perda ou prejuízo. Haverá apenas, se necessário, o

oferecimentoposteriordasaulasjácontratadasequenãopossamserministradas

emrazãodasmedidasdeisolamento(comoalgumasespéciesdeaulaspráticas).É

por esta razão que os atos em comento, ao imporem desconto de mensalidade

quando, na prática, o ensino seguirá sendo regular e integralmente prestado,

acabam por gerar efetivo “empobrecimento sem causa”, absolutamente

desproporcional,contraasinstituiçõesdeensinoprivadas.

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195. Frise-se:algumasatividadespodemestarsuspensas,masasinstituições

não estão paradas! A maciça maioria mantém as aulas, outras já planejam as

reposições devidas e, em todos os casos, professores seguem empregados,

fornecedoresseguemsendopagosetodacomunidadeseguesendoindiretamente

sustentadaporestasinstituições.

196. Nãoporoutra razão, tambémaviolação àproporcionalidade impõea

procedênciadapresenteADPF.

e. VIOLAÇÃOÀAUTONOMIAUNIVERSITÁRIA

197. Porfim,note-sequeincideaindavedaçãoconstitucionalespecíficacom

relação à imposição de redução de mensalidades devidas no âmbito do ensino

superiorprivado.

198. Comefeito,apesardesituadonoTítuloVIIIdaConstituiçãode1988,a

centralidadedoprincípioda autonomiauniversitária (art. 207,CRFB/88)parao

direito social à educação vem sendo reconhecida pela doutrinamais autorizada.

Trata-se, como lecionam o Exmo. Ministro Gilmar Mendes e o professor Paulo

GustavoGonet,deprincípioquerevela“garantiainstitucionalfundamental,emface

daaberturamaterialpropiciadapeloart.5º,§2º,daConstituição”.58

199. Em sentido semelhante, o Exmo. Ministro Roberto Barroso, em lição

doutrinária, aponta que o princípio da autonomia universitária consiste em

princípiosetorialdaordemsocial,presidindo“umespecíficoconjuntodenormas

afetas”aotemadaeducação.59

58MENDES,GilmarFerreira;BRANCO,PauloGustavoGonet.Cursodedireitoconstitucional.9.ed.SãoPaulo:Saraiva,2014.p.620)59 BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitosfundamentaiseaconstruçãodonovomodelo.7.ed.SãoPaulo:Saraiva,2018,p.198.

56

200. AnnaCândidadaCunhaFerrazexpõedemaneirapristinaarelevânciado

princípioemnossaestruturaconstitucional:

“Inscrito na Constituição Federal, o princípio da autonomia universitáriatem uma dimensão fundamentadora, integrativa, diretiva e limitativaprópria,oquesignificadizerqueénaprópriaConstituiçãoFederal:a)queseradicaofundamentodoinstituto;b)queédelaqueseextraisuaforçaintegrativa em todo o sistema federativo do País; c) que a ConstituiçãoFederalpreordenaainterpretaçãoquesepossadaraoinstituto;d)queoslimitesquesepodemoporàautonomiauniversitáriatêmcomosedeúnicaa própria Constituição Federal; e) que o princípio da autonomiauniversitária, como princípio constitucional, deve ser interpretado emharmonia – mas no mesmo nível – com os demais princípiosconstitucionais”60

201. Nãotemsidooutrooentendimentodestae.Corte,quereiteradamente

temafirmadoa centralidadedoprincípioda autonomiauniversitária61. Éo caso,

assim,doparadigmáticojulgadodaADPFn.186,emqueaautonomiauniversitária

foisuscitadacomoumdosprincípiosaconvalidaraspolíticasdeaçõesafirmativas

emfavordapopulaçãonegra.

202. Nessa linha,estae.Corte temafirmadoqueaautonomiauniversitária

impede,comrelaçãoàsuniversidades,o“exercíciodetutelaouindevidaingerência

no âmago próprio das suas funções, assegurando à universidade a

discricionariedade de dispor ou propor (legislativamente) sobre sua estrutura e

funcionamentoadministrativo,bemcomosobresuasatividadespedagógicas”.62

203. Vê-seque,porforçadoartigo207daConstituiçãode1988,aautonomia

universitária se desdobra em diversas vertentes. Fala-se, assim, na autonomia

60FERRAZ,AnnaCândidadaCunha.Aautonomiauniversitárianaconstituiçãode1988.Revistadedireitoadministrativo,RiodeJaneiro,n.215,jan.-mar./1999,p.123.61 STF. ADI 4406. Relatora: Des. RosaWeber. Tribunal Pleno. Julgamento em 18.10.2019. DJ em04.11.2019.62STF.ADInº3.792.Relator:Min.DiasToffoli.TribunalPleno.Julgamentoem22.09.2016.DJemde01.08.2017.

57

disciplinar, na autonomia administrativa, na autonomia didático-científica e na

autonomiadegestãofinanceiraepatrimonial.63

204. Éprecisamentenestaúltimaperspectiva–financeiraepatrimonial–que

osatosemcomentoviolamfrontalmenteopreceitofundamentalsobanálise.Como

apontouoExmo.MinistroCelsodeMelo,porocasiãodojulgamentodaADIn.51,a

autonomia financeira“outorgaàUniversidadeodireitodegerireaplicarosseus

própriosbenserecursos,emfunçãodeobjetivosdidáticos,científicoseculturaisjá

programados”.

205. É certo que, tratando-se de instituições de ensino públicas, esta

autonomiafinanceirapermiteàsuniversidadessevaleremdosrecursosprevistos

no orçamento aprovado pelo correspondente Poder Legislativo para livremente

alocá-los de acordo com os objetivos institucionais da instituição. No caso de

instituiçõesprivadas,noentanto,aquestãoassumefeiçõesmaisprofundas.

206. Isto porque as instituições privadas, para financiar seus objetivos

institucionaisdepesquisa, extensãoe ensino,dependemdireta e exclusivamente

dasmensalidadespagasporseusestudantesouresponsáveisfinanceiros.Significa

quearegradaautonomia financeira, tratando-sede instituiçõesprivadas,nãose

limitaàpossibilidadedegestãodosrecursospelasentidadesdeensinosuperior.

Poisnãoháautonomianagestãoderecursos,senãohárecursosaseremgeridos.

207. E, precisamente, ao impor substancial corte nas mensalidades pagas

pelos estudantes, a consequência dos atos objeto desta ADPF é restringir

substancialmente a possibilidade de livre desenvolvimento das finalidades

institucionaisdedezenasdeinstituiçõesdeensinosuperior.

63BASTOS,CelsoRibeiro;MARTINS,IvesGandra.ComentáriosàConstituiçãodoBrasil.Imprenta:SãoPaulo,Saraiva,2004,p.487.

58

208. Necessário ressaltar que, ao impor a redução de até 50% sobre as

mensalidadesdeinstituiçõesprivadas,nãoháalternativaparaosestabelecimentos

de ensino senão sacrificar uma entre as atividades desenvolvidas em seu seio –

ensino,extensãooupesquisa–,ousubstancialmenteafetá-las.

209. Énestesentidoque,tambémàluzdaviolaçãoaopreceitofundamental

autonomiauniversitária,coroláriododireitoàeducação,apresenteADPFmerece

serjulgadaprocedente.

IV. INCONSTITUCIONALIDADEDODESCONTOAPLICÁVELÀS

MENSALIDADESDEVIDASÀSINSTITUIÇÕESQUEMANTIVERAMSUAS

ATIVIDADESPORMEIODETECNOLOGIASDAINFORMAÇÃO

210. Ainda que se entenda, em remotíssima hipótese, que seriam

constitucionaisosatossobanálise,deve-seteceraomenosumarelevantedistinção

entreasmúltiplasrealidadesexistentes.

211. Istoporque,sedeumladoháinstituiçõesimpedidas,peloPoderPúblico,

defuncionarplenamente–oque,repita-se,nãosignificaqueasaulaseatividades

nãoserãorespostasaofimdapandemia–deoutrohádiversasinstituiçõesdeensino

superiorqueseguemfornecendooserviçoeducacional,pormeiodemecanismosde

tecnologiadainformação(emtermosgerais,pelainternet).

212. Nessalinha,valedestacarapermissãoregulatóriacontidanaPortarianº

343/2020 doMinistério da Educação, que permitiu amodalidade de ensino por

meiodetecnologiasdainformaçãonoscursospresenciaisdeensinosuperior.Não

setrata,lembre-sedemudançanoserviçooudeconversãodoensinopresencialem

ensino a distância. As aulas seguem sendo oferecidas nos horários pré-

determinados,comcontemporaneidadenaexposiçãopeloprofessoreparticipação

59

dos alunos, com perguntas e respostas ao vivo – enfim, com o regular

prosseguimentodavidaacadêmica,pelosmeiosdigitais.

213. Assim é que, mesmo na hipótese remota de se entender possível a

reduçãodamensalidadeimpostajudicialmenteouporleiestadualoumunicipal,não

sepodeafastaroreconhecimentodeque,aomenoscomrelaçãoàsinstituiçõesde

ensinosuperiorqueaderiramaodispostonaPortarian.343/2020doMinistérioda

Educaçãoedeoutrosatos regulatórios subsequentes, eque seguemprestandoo

serviço por meios digitais, há manifesta inconstitucionalidade na imposição de

descontos.

214. Veja-se:oserviçoseguesendoprestado,osprofessoresseguemdando

aulas,aatividadeadministrativanãopara.Nãohácomoafirmarqueumaredução

da mensalidade, nessa hipótese, violaria ainda mais gravemente os preceitos

fundamentaisacimaexpostos.

215. Nesse sentido, confia-se que mesmo na hipótese de se rejeitar a

inconstitucionalidade in totumda legislação objeto desta demanda, esta e. Corte

haveráporbemjulgarparcialmenteprocedenteapresenteADPF,paraafastarda

incidência das decisões judiciais concessivas de redução de mensalidade e de

eventuais leismunicipais e estaduais aprovadas neste sentido as instituições de

ensinosuperiorqueaderiramàPortarian.343/2020doMinistériodaEducaçãoou

que, respeitando os atos regulatórios vigentes, seguiram prestando o serviço de

ensinopormeiosdigitaisduranteasmedidasdeisolamentosocial.

V. INCONSTITUCIONALIDADEDODESCONTOAPLICÁVELÀS

MENSALIDADESDEVIDASÀSINSTITUIÇÕESQUENÃOREDUZIREMO

CALENDÁRIOACADÊMICO.

216. Por fim, na remotíssima hipótese de se entender não ser o caso de

reconhecer a procedência total desta ADPF, não se pode ignorar o fato de que

60

diversas instituiçõesde ensino superior quenão estejamna situação expostano

itemanterior–ouseja,quenãoestejamprestandooserviçodeeducaçãopormeio

detecnologiasdeinformação–aindaassimmanterãoocalendárioacadêmico,nos

termosdaLeideDiretrizeseBases.

217. E, como já apontado nesta petição, as mensalidades devidas às

instituições privadas de ensino superior nada mais são que fração da

contraprestaçãovinculadaaoensinoprestado.Nos termosdoartigo1ºdaLeinº

9.870/1999,àsinstituiçõesdeensinosuperiorprivadassãodevidasanuidadesou

semestralidades–quepodemserparceladaspeloresponsávelfinanceiro.

218. Ora, é certo que, diante das medidas de isolamento social, algumas

instituições – por suas características específicas – podem ser efetivamente

impossibilitadasdemantersuasatividadesparcialouintegralmente.Masissonão

significa qualquer redução no serviço. Afinal, as instituições de ensino superior

seguemnormasregulatóriasemitidaspeloMinistériodaEducaçãoouprevistasem

leiestabelecendocargashoráriasmínimasparadiversoscursoseníveisdeensino.

219. Forçoso concluir, nessa linha, que esta ADPF merece ser julgada

parcialmente procedente para declarar-se que as instituições que não venham a

reduzirocalendárioacadêmicodeaulasanuaisesemestrais,nostermosdaLeide

DiretrizeseBasesedosatosregulatóriosemanadosdoMinistériodaEducação,não

podem sofrer a incidência de decisões judiciais concessivas de descontos em

mensalidades,e igualmentenãopodemestarsujeitasaeventuais leisestaduaise

municipaispromovendotaismedidas.

VI. MEDIDACAUTELARNECESSÁRIA

220. Por todo exposto, resta evidenciado o fumus boni iuris – é dizer, a

relevância jurídica e a verossimilhança do direito apresentado – na presente

demanda.Fatoéque,associadoa isso,aeficáciadasdiversasdecisões judiciaise

61

administrativas, bem como o risco de aprovação de projetos legislativos que

tornarão compulsória a redução de mensalidades produzem ainda efeitos

severamentegravesedeimpossívelreparaçãoàsociedade.

221. Comefeito,opretendidotabelamentoinconstitucionaldepreçostempor

efeito reduzir artificial e drasticamente a receita de dezenas de instituições de

ensino superior privado. Diante do contexto de crise atual, associado ainda aos

efeitos futuros e desconhecidos da crise, é certo que tal redução forçada de

mensalidades poderá causar uma ainda mais acentuada crise nas próprias

instituições de ensino superior, gerando (1) cortes de posições de trabalho, (2)

reduçãonaqualidadedaprestaçãodoserviçopúblicoeducacional,e,oqueémais

grave, (3)a impossibilidadeeconômicadesequersemantero funcionamentode

instituiçõesdeensinodiversas.

222. Diante deste cenário, dois grupos de medidas liminares tornam-se

necessárias.

223. Primeiramente, com relação aos atos jurisdicionais impugnados nesta

ADPF, revela-se essencial suspender os efeitos de decisões judiciais e

administrativas que tenham aplicado quaisquer descontos às parcelas de

semestralidades e anuidades devidas às instituições de ensino superior, por

decorrênciadosplanosdecontingênciadonovocoronavírus.Igualmenteessencial,

ainda,suspenderasaçõesindividuaisecoletivasqueversemsobreaimposiçãode

taisdescontos,atéulteriordecisãodestee.STF.

224. Subsidiariamente,nahipótesedea suspensão in totumdasdecisõese

processos judiciais e administrativos não parecer adequada a esta e. Corte, é

essencialquesejadeterminadaasuspensãoaomenoscomrelaçãoàsinstituições

deensinosuperiorprivadoquetenhammantidoaprestaçãodoserviçodeensino

pormeiodetecnologiadacomunicação–nostermosdaPortarianº343/2020do

62

MEC, garantindo-se assim o regular acesso à educação pelos estudantes e a

manutençãodaatividadedasinstituições.

225. Também subsidiariamente, na hipótese de a suspensão in totum das

decisões e processos judiciais e administrativos não parecer adequada a esta e.

Corte,éessencialquesejadeterminadaasuspensãodeseusefeitoscomrelaçãoàs

instituições de ensino superior privadas que não venham a reduzir o calendário

acadêmicodeaulasanuaisesemestraisnostermosdaLeideDiretrizeseBasese

dosatosregulatóriosemanadosdoMinistériodaEducação,inclusivepormeiode

tecnologiasdainformação.

226. Em segundo lugar, com relação ao caráter preventivo desta ADPF, é

igualmente essencial que esta e. Corte igualmente determine a suspensão dos

processos legislativos em curso perante assembleias legislativas e câmaras

municipais e que versem sobre projetos de lei tendentes a aplicar a redução de

parcelasdasemestralidadeouanuidadedevidasàsinstituiçõesdeensinosuperior

navigênciadeplanosdecontingênciadonovocoronavírus.

227. Subsidiariamente, caso este e. STF entenda pela impossibilidade de

suspensãodosprocessoslegislativosemcurso,pugna-separaquesejamsuspensos

osefeitosdoseventuaisatosnormativosproduzidosapartirdetaisprocessoseque

disponhamem igual sentidoacercada reduçãonasmensalidadescobradaspelas

instituiçõesdeensinoprivadas,atéulteriorjulgamentoporestae.Corte.

VII. CONCLUSÃOEPEDIDOS.

228. Por todo o exposto, a Arguente requer, em sede cautelar e diante da

extremaurgênciaeiminênciaderiscodelesãograve,queesteExmo.Relator,nos

termosdoartigo5º,§1ºdaLein.9.882/99,determine,adreferendumdoPlenário

destee.Corte:

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a. a suspensãodosefeitosdedecisões judiciais e administrativasquetenhamaplicadoquaisquerdescontosàsparcelasdesemestralidadese anuidades devidas às instituições de ensino superior, pordecorrênciadosplanosdecontingênciadonovocoronavírus;

b. a suspensão das ações individuais e coletivas, bem como dosprocessos administrativos que versem sobre a imposição de taisdescontosnoensinosuperior,atéulteriordecisãodestee.STF;

c. subsidiariamente,nahipótesedeasuspensãointotumdasdecisõeseprocessos judiciais e administrativos não parecer adequada, asuspensão de seus efeitos com relação às instituições de ensinosuperior privado que tenham mantido a prestação do serviço deensino por meio de tecnologia da comunicação – nos termos daPortarianº343/2020doMEC,garantindo-seassimoregularacessoàeducação pelos estudantes e a manutenção da atividade dasinstituições.

d. Tambémsubsidiariamente,nahipótesedeasuspensãointotumdasdecisões e processos judiciais e administrativos não pareceradequada,asuspensãodeseusefeitoscomrelaçãoàsinstituiçõesdeensino superior privadas que não venham a reduzir o calendárioacadêmico de aulas anuais e semestrais nos termos da Lei deDiretrizeseBasesedosatosregulatóriosemanadosdoMinistériodaEducação,inclusivepormeiodetecnologiasdainformação.

e. adicionalmente e ainda em sede cautelar, que se determine asuspensãodosprocessos legislativosemcursoperanteassembleiaslegislativas e câmarasmunicipaisqueversemsobreprojetosde leitendentesaaplicarareduçãooumodificaçãonacobrançadeparcelasdasemestralidadeouanuidadedevidasàsinstituiçõesdeensinonavigênciadeplanosdecontingênciadonovocoronavírus.

f. Subsidiariamente,casoseentendapelaimpossibilidadedesuspensãodosprocessoslegislativosemcurso,quesejamsuspensososefeitosdoseventuaisatosnormativosproduzidosapartirdetaisprocessosequedisponhamemigualsentidoacercadareduçãonasmensalidadescobradaspelasinstituiçõesdeensinosuperiorprivadas,atéulteriorjulgamentoporestae.Corte.

64

229. Em sede de julgamento definitivo, requer-se inicialmente a oitiva dos

Tribunais de Justiça dosEstados, especialmentedeAlagoas, Bahia,MinasGerais,

MatoGrossodoSul,MatoGrosso,RiodeJaneiroeSãoPaulo;daCâmaraMunicipale

daPrefeiturasdosMunicípiosdeRecifeedeMuriaé,dasAssembleiasLegislativase

dosGovernadoresdosEstadosdoAmazonas,doPiauí,deGoiás,daBahia,doRio

GrandedoSul,doParaná,deSãoPauloedeMinasGerais,responsáveispelosatos

impugnados, bem como do Advogado-Geral da União e do Procurador-Geral da

República.

230. Ainda, requer-se a intimação do Conselho Administrativo de Defesa

Econômica–CADE,paraquesemanifestenestaADPFacercadosimpactosnegativos

daspolíticasdecontroledepreçossobreosistemabrasileirodelivreconcorrência,

nostermosdoartigo6º,§1ºdaLein.9.882/99.

231. Ao fim, requer-se seja julgada procedente a presente ADPF, para ver

reconhecidaaviolaçãoaospreceitosfundamentaisindicadosnestainicial,para:

a. Quesejadeclaradaaviolaçãoapreceitosfundamentais,quaissejam,(1) o princípio federativo; (2) o princípio da isonomia e da livreconcorrência; (3) o princípio da fundamentação das decisõesjudiciais; (4) o devido processo legislativo; (5) a proteção ao atojurídicoperfeitoeàsegurançajurídica;(6)aautonomiauniversitária;e (7) o princípio da proporcionalidade, em decorrência dainterpretação judicial extraída do conjunto de atos judiciais eadministrativosobjetodestaADPF,quepermiteouimpõeareduçãocompulsóriadeparcelasdasemestralidadeouanuidadedevidasaosestabelecimentos de ensino superior, na vigência dos planos decontingênciadonovocoronavíruseemdecorrênciadasmedidasdeisolamentosocialdeterminadaspelaUnião,EstadoseMunicípios.

b. Quesejadeclaradaaviolaçãoapreceitosfundamentais,quaissejam,(1) o princípio federativo; (2) o princípio da isonomia e da livreconcorrência; (3) o princípio da fundamentação das decisõesjudiciais; (4) o devido processo legislativo; (5) a proteção ao atojurídicoperfeitoeàsegurançajurídica;(6)aautonomiauniversitária;

65

e(7)oprincípiodaproporcionalidade,emdecorrênciadosprojetosde lei tendentes a impor reduções compulsórias sobre parcelas dasemestralidadeouanuidadedevidasaosestabelecimentosdeensinosuperior,navigênciadosplanosdecontingênciadonovocoronavíruseemdecorrênciadasmedidasdeisolamentosocialdeterminadaspelaUnião,EstadoseMunicípios.

c. Que seja fixada tese jurídica que, concessa venia, é proposta nos

seguintes termos: “É inconstitucional a imposição, por ato judicial,administrativo ou legislativo, de redução de mensalidades,semestralidades ou anuidades devidas às instituições de ensinosuperior privadas em razão das medidas de isolamento social esuspensão de aulas determinadas no âmbito do combate ao novocoronavírus”.

232. Subsidiariamente, caso se entenda não ser hipótese de declaração de

procedência totaldospedidosora formulados, requer-seseja julgadaprocedente

estaADPFparaafastarosefeitosdedecisões judiciaiseadministrativas,alémde

eventuaisatosnormativosoriundosdoprojetosdeleijáapontadoscomrelaçãoàs

instituiçõesdeensinosuperiorprivadoquetenhammantidoaprestaçãodoserviço

de ensino por meio de tecnologia da comunicação – nos termos da Portaria nº

343/2020doMECoudaregulaçãovigente;bemcomoàsinstituiçõesdeensinoque

não venham a reduzir o calendário acadêmico de aulas anuais e semestrais nos

termosdaLeideDiretrizeseBasesedosatosregulatóriosemanadosdoMinistério

daEducação,inclusivepormeiodetecnologiasdainformação.

233. Nahipótesedeacolhimentodopedidosubsidiáriosupra,quesejafixada

tese jurídica que, concessa venia, é proposta nos seguintes termos: “É

inconstitucional a imposição de redução sobre as mensalidades devidas às

instituições de ensino superior privadas que, durante asmedidas de isolamento

socialdecorrentesdapandemiadaCOVID-19,mantiveramaprestaçãodoserviçode

ensino pormeio de tecnologia da comunicação ou que não venham a reduzir o

calendárioacadêmicodeaulasanuaisesemestraisnostermosdaLeideDiretrizes

eBasesedosatosregulatóriosemanadosdoMinistériodaEducação”.

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234. Por fim, requer-se a juntada dos instrumentos de procuração e

substabelecimento anexos (Doc. 2), bem como que sejam todas as intimações

realizadas em nome de Flavio Galdino eWallace Corbo, advogados inscritos na

OAB/RJ,respectivamente,sobosnº94.605e186.442.

Nestestermos,Pedemdeferimento.

RiodeJaneiro,2dejulhode2020.

FLAVIOGALDINOOAB/RJn.94.605

FELIPEBRANDÃOOAB/RJN.163.343

WALLACECORBOOAB/RJn.186.442

FERNANDADAVIDOAB/RJn.201.982

JORGELUISDACOSTASILVAOAB/RJn.230.048

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RELAÇÃODEDOCUMENTOS

Doc.1 AtosconstitutivosdaANUP

Doc.2 Procuraçãoesubstabelecimentos

Doc.3 RelaçãodeassociadosdaANUP

Doc.4 Decisões judiciais que tratam de redução das prestações devidas às

instituiçõesprivadasdeensinonoperíododapandemiadocoronavírus

Doc.5 Levantamentodemonstrativodacontrovérsiajurisprudencial

Doc.6 Decisões proferidas em processos administrativos que tratam de

reduçãodasprestaçõesdevidasàs instituiçõesprivadasdeensinono

períododapandemiadocoronavírus

Doc.7 Projetosdeleiquedispõemsobreareduçãodasprestaçõesdevidasàs

instituiçõesprivadasdeensinonoperíododapandemiadocoronavírus

Doc.8 Relatório da Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro sobre a

inconstitucionalidadedoProjetodeLeinº1744/2020

Doc.9 VetodoPrefeitodeJuizdeFora/MGaoProjetodeLeinº30/2020

Doc.10 NotaTécnicanº14/2020/CGEMM/DPDC/SENACON/MJ

Doc.11 NotaTécnicanº26/2020/CGEMM/DPDC/SENACON/MJ

Doc.12 NotaTécnicadoConselhoAdministrativodeDefesaEconômica–CADE

Doc.13 NotaPública3ªCCRnº1,de12demaiode2020