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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR-PRESIDENTE DO EGRÉGIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE GOIÁS.
RAZÕES N. 112/10
RECURSO ESPECIAL NA APELAÇÃO CRIMINAL Nº 34875-0/213 (200804605836)
APELANTE : EUDES DE SOUZA
APELADO : MINISTÉRIO PÚBLICO
RELATOR : DES. HUYGENS BANDEIRA DE MELO
CÂMARA : PRIMEIRA CRIMINAL
PROCURADOR DE JUSTIÇA: PEDRO TAVARES FILHO
OBSERVAÇÃO QUANTO AO PRAZO: A intimação pessoal do
Ministério Público deu-se em 13.04.2010, conforme o
ciente e a certidão de fls. Assim, o prazo, que se
iniciou em 14.04.2010, vencerá em 28.04.2010.
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS, no
exercício das atribuições que lhe são conferidas por lei, nos
autos da APELAÇÃO CRIMINAL em que é apelante EUDES DE SOUZA,
inconformado, data venia, com o V. Acórdão de fls., por
entender que contraria os artigos 12, caput, 30 e 32, todos da
Lei 10.826/03 e art. 386, inciso III, do Código de Processo
Penal, vem, perante Vossa Excelência, com o habitual
acatamento, com base no Artigo 105, inciso III, alíneas "a" e
“c” da Constituição Federal, na forma dos artigos 26 e
seguintes, da Lei 8.038/90, e dos artigos 255 e seguintes do
Regimento Interno do Colendo Superior Tribunal de Justiça,
interpor o presente RECURSO ESPECIAL, fazendo-o nos termos das
razões anexas.
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Recebido e processado na forma da lei,
requer seja o presente Recurso admitido e encaminhado ao
Colendo Superior Tribunal de Justiça.
Goiânia, 22 de abril de 2010.
PEDRO TAVARES FILHO
Procurador de Justiça
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RECURSO ESPECIAL: Art. 105, III, “a” da CF - Contrariedade aos arts.
12, caput, 30 e 32, todos da Lei 10.826/2003; art.
386, inciso III, do Código de Processo Penal.
RECORRENTE : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS
RECORRIDO : EUDES DE SOUZA
I - DOS FATOS E DO DIREITO
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS
ofereceu denúncia em face de EUDES DE SOUZA pela prática do
delito previsto no artigo 14, caput, da Lei 10.826/03, por
deter, em sua residência, uma espingarda sem registro.
Após regular trâmite, sobreveio sentença
julgando procedente a denúncia para condená-lo na sanção
descrita no tipo penal indicado.
Inconformado com o referido decisum, o réu
interpôs apelação pleiteando sua absolvição sob o argumento de
ter agido em legítima defesa.
Processualizado o apelo, o Tribunal de
Justiça concedeu-lhe provimento para, após desclassificar a
conduta para a prevista no art. 12 da Lei 10.826/03, absolver
o ora recorrido com base nos arts. 30 e 32 do Estatuto do
Desarmamento e 386, inciso III, do CPP, em acórdão assim
ementado:
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APELACAO CRIMINAL. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO.
ABSOLVICAO. LEGITIMA DEFESA. NAO CABIMENTO.
DESCLASSIFICACAO PARA POSSE. ABOLITIO CRIMINIS
TEMPORALIS.
1 - TRATANDO-SE DE CRIME FORMAL, NAO HA QUE SE
FALAR EM LEGITIMA DEFESA NA PRATICA DO DELITO DE
PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO. 2 - ENCONTRANDO-SE A
ARMA DE FOGO NO INTERIOR DA RESIDENCIA A CONDUTA
AMOLDA-SE AQUELA TIPIFICADA NO ARTIGO 12, DO
ESTATUTO DO DESARMAMENTO, POSSE IRREGULAR DE ARMA
DE FOGO, QUE, NA DATA DO FATO, ENCONTRAVA-SE COM
SUA EFICACIA SUSPENSA, IMPONDO-SE A ABSOLVICAO DO
APELANTE. APELACAO CONHECIDA E PROVIDA. (1A CAMARA
CRIMINAL. 34875-0/213 - APELACAO CRIMINAL. DES.
HUYGENS BANDEIRA DE MELO.DJ 556 de 13/04/2010).
II. DO CABIMENTO DO RECURSO
É cabível o presente Recurso com base na
alíneas "a" e “c”, do inciso III, do artigo 105 da
Constituição Federal, senão vejamos:
"Art. 105 - Compete ao Superior Tribunal de Justiça:
III - julgar, em recurso especial, as causas decididas,
em única ou última instância, pelos tribunais Regionais
Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito
Federal e Territórios, quando a decisão recorrida:
a) contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes
vigência;
c) der a lei federal interpretação divergente da que lhe
haja atribuído outro tribunal."
Satisfeitos que se encontram os requisitos
genéricos da tempestividade, legitimidade, interesse e
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adequação, e ainda, os específicos de última instância e do
prequestionamento, resta demonstrar a contrariedade à lei
federal, o que faz na forma seguinte:
III – DA CONTRARIEDADE À LEI FEDERAL
O V. Acórdão nega vigência ao art. 12,
caput, da Lei 10.826/03, ao reconhecer a conduta do recorrido,
mas absolvê-lo, aplicando ao caso, incorretamente, os arts. 30
e 32 da Lei 10.826/03 e o artigo 386, inciso III, do Código de
Processo Penal, os quais também contraria.
Dispõem os artigos indigitados:
Lei 10.826/2003
Art. 12. Possuir ou manter sob sua guarda arma de
fogo, acessório ou munição, de uso permitido, em
desacordo com determinação legal ou regulamentar, no
interior de sua residência ou dependência desta, ou,
ainda no seu local de trabalho, desde que seja o
titular ou o responsável legal do estabelecimento ou
empresa:
Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e
multa.
Art. 30. Os possuidores e proprietários de arma de
fogo de uso permitido ainda não registrada deverão
solicitar seu registro até o dia 31 de dezembro de
2008, mediante apresentação de documento de
identificação pessoal e comprovante de residência
fixa, acompanhados de nota fiscal de compra ou
comprovação da origem lícita da posse, pelos meios
de prova admitidos em direito, ou declaração firmada
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na qual constem as características da arma e a sua
condição de proprietário, ficando este dispensado do
pagamento de taxas e do cumprimento das demais
exigências constantes dos incisos I a III do caput
do art. 4º desta Lei.
Art. 32. Os possuidores e proprietários de arma de
fogo poderão entregá-la, espontaneamente, mediante
recibo, e, presumindo-se de boa-fé, serão
indenizados, na forma do regulamento, ficando
extinta a punibilidade de eventual posse irregular
da referida arma.
Código de Processo Penal
Art. 386. O juiz absolverá o réu, mencionando a
causa na parte dispositiva, desde que reconheça:
III - não constituir o fato infração penal;
Vejam-se os termos do acórdão, na parte em
que a ofensa se verifica:
(...) tendo em vista que a espingarda se encontrava
no interior da residência do ora apelante, a
conduta praticada amolda-se àquela prevista no
artigo 12 da Lei nº 10.826/03. Todavia, o fato
teria ocorrido em 22 de julho de 2007, data em que
referido delito encontrava-se com sua eficácia
suspensa (abolitio criminis temporalis), ao teor do
disposto nos artigos 30 e 32 do Estatuto do
Desarmamento, modificados pela Leis nº 10.884/2004,
nº 11.118/2005, 11.191/2005, nº 11.579/2007 e nº
11.706, o qual passou a ter vigência a partir de 31
de dezembro de 2008.
Desta forma, caracterizado o delito de posse
irregular de arma de fogo, uma vez que a espingarda
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encontrava-se no interior da residência do apelante
e tendo em vista que na data do fato o referido
crime encontra-se com sua eficácia suspensa, impõe-
se a reforma da sentença a fim de absolver o
apelante EUDES DE SOUZA.
Ante o exposto, desacolho o parecer ministerial,
conheço do recurso e dou-lhe provimento para
absolver o apelante Eudes de Souza com fulcro no
disposto no artigo 386, inciso III, do Código de
Processo Penal.
Os artigos 30 e 32 da Lei 10.826/03, em sua
redação original, ao preverem a possibilidade de regularização
das armas de fogo sem registro e em desacordo com as
disposições legais, criou no estatuto do desarmamento uma
espécie de abolitio criminis temporária no período da vacatio
legis indireta por ela instituída, consistente na isenção de
pena aos possuidores dos referidos artefatos que no lapso
temporal designado entregassem suas armas às autoridades ou as
regularizassem.
Nesses termos, verifica-se que a Lei
10.826/03 assinalou o prazo de 180 dias, a contar de sua
publicação, para que os possuidores e proprietários de armas
de fogo não registradas entregassem-nas à Polícia Federal,
sendo presumida a boa-fé a isentá-los de penalização:
“Art. 32 - Os possuidores e proprietários de armas
de fogo não registradas poderão, no prazo de 180
(cento e oitenta) dias após a publicação desta Lei,
entregá-las à Polícia Federal, mediante recibo e,
presumindo-se a boa-fé, poderão ser indenizados,
nos termos do regulamento desta Lei.”
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Entretanto, pela Medida Provisória nº
174/2004, convertida na Lei 10.884/2004, determinou-se a
fluência do aludido prazo não mais da publicação da norma em
testilha, mas de seu decreto regulamentador (Decreto nº
5.123/2004), publicado em 02.07.2004. Todavia, como a referida
lei previu um prazo limite para o início de contagem do prazo,
qual seja, 23 de junho de 2004, e o decreto foi publicado
posteriormente, a contagem se deu desta data até 19 de
dezembro de 2004:
Art. 1º. O termo inicial dos prazos previstos nos arts.
29, 30 e 32 da Lei no 10.826, de 22 de
dezembro de 2003, passa a fluir a partir da
publicação do decreto que os regulamentar, não
ultrapassando, para ter efeito, a data limite de 23 de
junho de 2004.
Posteriormente, sobreveio nova alteração
(MPV nº 229 de 18/12/2004, convertida na Lei nº 11.118/2005),
prorrogando o prazo de regularização até 23 de junho de 2005:
Art. 3º Os prazos previstos nos arts. 30 e 32 da
Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003,
com a redação dada pela Lei n
o
10.884, de 17 de junho de
2004, ficam prorrogados, tendo por termo final o dia 23
de junho de 2005.
Novamente, o prazo foi alterado pelo texto
da Medida Provisória nº 253 de 23/06/2005, convertida na Lei
11.191/2005, para 23 de outubro de 2005:
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Art. 1º. O termo final do prazo previsto no art. 32 da
Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003,
fica prorrogado até 23 de outubro de 2005.
Ocorre que, após esse período – de
23.06.2004 a 23.10.2005 – que pode ser considerado contínuo
porquanto houve prorrogações sucessivas dentro dos prazos
assinalados, verificou-se grande lapso temporal sem previsões
dessa natureza, de modo que voltou a ter eficácia a norma
incriminadora, voltando a ser legítima, assim, a
responsabilização daqueles que fossem encontrados na posse de
armas de fogo.
Somente em 2008, por intermédio da Medida
Provisória 417 de 1º de fevereiro, convertida na Lei
11.706/2008, adveio nova redação aos artigos 30 e 32 da Lei
10.826/03 e, com ela, nova possibilidade de regularização da
posse de arma:
“Art. 30. Os possuidores e proprietários de arma de
fogo de uso permitido ainda não registrada deverão
solicitar seu registro até o dia 31 de dezembro de
2008, mediante apresentação de documento de identificação
pessoal e comprovante de residência fixa, acompanhados de
nota fiscal de compra ou comprovação da origem lícita da
posse, pelos meios de prova admitidos em direito, ou
declaração firmada na qual constem as características da
arma e a sua condição de proprietário, ficando este
dispensado do pagamento de taxas e do cumprimento das
demais exigências constantes dos incisos I a III do caput
do art. 4 desta Lei.
(...)
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“Art. 32. Os possuidores e proprietários de arma de
fogo poderão entregá-la, espontaneamente, mediante
recibo, e, presumindo-se de boa-fé, serão indenizados, na
forma do regulamento, ficando extinta a punibilidade de
eventual posse irregular da referida arma.
Nesse contexto, não se instituiu termo
inicial específico para a execução da medida, apenas deixou-se
expressa nova possibilidade de regularização da posse de arma
até a data de 31 de dezembro de 2008, de modo que se considera
a norma eficaz da data de sua publicação.
Assim, pela mencionada norma, compreende-se
como novo termo inicial da vacatio legis, a ser considerada
para o fim da extinção da punibilidade (abolitio criminis) do
crime de posse de arma, a data da publicação da Medida
Provisória que a instituiu (01.02.2008), e como termo final o
expresso na própria norma (31.12.2008).
Após, em 2009, por meio da Lei 11.922/2009,
foi estabelecido novo prazo:
Art. 20. Ficam prorrogados para 31 de dezembro de 2009 os
prazos de que tratam o § 3º do art. 5º e o art.
30, ambos da Lei no 10.826, de 22 de
dezembro de 2003.
Contudo, pela referida lei, não se logrou o
legislador a dar continuidade à suspensão da punibilidade pelo
crime de posse de arma, pois apesar de prever a prorrogação do
prazo, não o fez ainda dentro do período de vigência da lei
anterior (Lei 11.706/2008), fazendo-o somente em abril de
2009, de modo que após 31.12.2008, não havendo ainda nova
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prorrogação, voltou mais uma vez a ter eficácia a norma
incriminadora, até ser suspensa pela aludida lei em 14.04.2009
(data de publicação da Lei de 11.922) até a data de
31.12.2009.
É o que também deverá ocorrer com eventual
lei sobre a matéria que seja editada daqui em diante, pois
após o término do prazo previsto na Lei 11.922/2009, não houve
ainda produção legislativa sobre a matéria, voltando a ter
plena eficácia, portanto, a norma que prevê como típica a
conduta de possuir arma de fogo.
Diante do exposto, conclui-se como períodos
de vacatio legis indireta, os seguintes lapsos temporais:
23.06.2004 a 23.10.2005,
01.02.2008 a 31.12.2008 e
14.04.2009 a 31.12.2009.
Nos citados períodos, portanto, ficou
suspensa a norma incriminadora pela previsão da possibilidade
de regularização ou entrega das armas de fogo às autoridades
competentes, extinguindo, assim, a punibilidade dos delitos de
posse de arma.
Assim definido, passemos ao exame do caso
concreto.
Da análise do acórdão impugnado, verifica-
se que o recorrido foi detido por posse ilegal de arma no dia
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22 de julho de 2007, ou seja, em data não compreendida em
nenhum dos períodos da vacatio legis estabelecidos pelo
legislador, o que significa não estar amparado pela abolitio
criminis temporária.
O Tribunal de Justiça, porém, tem
equivocadamente entendido, em algumas situações, que o prazo
de suspensão da eficácia da norma incriminadora seria
contínuo, desde a primeira previsão até a última prorrogação,
ou seja, de 23.06.2004 à 31.12.2009, e, em outras, pela
possibilidade de retroatividade da lei, conquanto mais
benéfica, nos termos dos artigos 5º, inciso XL, da
Constituição Federal e 2º, parágrafo único, do Código Penal.
Contudo, tal extinção de punibilidade
somente se verifica no período instituído em lei, não
abarcando condutas anteriores e nem protraindo-se entre os
períodos previstos entre as legislações pertinentes, como
elucida a própria Corte Superior:
"As condutas previstas nos arts. 12 (posse ilegal de
arma de fogo de uso permitido) e 16 (posse ilegal
de armas de fogo de uso restrito) da Lei
10.826/2003 praticadas dentro do período de
regularização ou entrega da arma de fogo à Polícia
Federal não são dotadas de tipicidade.
Assim sendo, flagrado o paciente dentro do período
chamado de vacatio legis indireta (...), em que
estava suspensa a eficácia do dispositivo legal que
lhe foi imputado, há reconhecer a atipicidade da
conduta e a ausência de justa causa para a ação
penal" (STJ, HC 58703/RJ; Habeas corpus
2006/0098212-0; Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima;
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5ª Turma; julgado em 19/10/2006, publicado no DJ em
06/11/2006, p. 351).
É que, tratando-se de situação transitória,
tais normas caracterizam-se leis de vigência temporária que
somente possuem eficácia no período expressamente previsto e,
como tal, só podem atingir fato praticado durante sua
vigência, conforme art. 3º do Código Penal.
Compreende-se, assim, que todas as
prorrogações do lapso temporal previsto na lei em voga somente
encontram aplicabilidade para o período especificamente
instituído, não abarcando situações outras que não as
ocorridas durante sua vigência.
Este é, inclusive, o entendimento do
Supremo Tribunal Federal, em manifestação específica para o
tema em destaque:
Habeas Corpus. Posse ilegal de arma de fogo de uso
restrito cometida na vigência da Lei nº 9.437/97.
Lei nº 10.826/03 (Estatuto do Desarmamento).
Vacatio legis especial. Atipicidade temporária.
Abolitio criminis.
1. A vacatio legis especial prevista nos artigos 30
a 32 da Lei nº 10.826/03, conquanto tenha tornado
atípica a posse ilegal de arma de fogo havida no
curso do prazo assinalado, não subtraiu a ilicitude
penal da conduta que já era prevista no artigo 10,
§ 2º, da Lei nº 9.437/97 e continuou incriminada,
até com maior rigor, no artigo 16 da Lei nº
10.826/03. Ausente, portanto, o pressuposto
fundamental para que se tenha por caracterizada a
abolitio criminis. 2. Além disso, o prazo
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estabelecido nos referidos dispositivos expressa,
por si próprio, o caráter transitório da
atipicidade por ele criada indiretamente. Trata-se
de norma que, por não ter ânimo definitivo, não
tem, igualmente, força retroativa. Não pode, por
isso, configurar abolitio criminis em relação aos
ilícitos cometidos em data anterior. Inteligência
do artigo 3º do Código Penal. 3. Habeas corpus
denegado.(HC 90995, Relator(a):Min. MENEZES
DIREITO, Primeira Turma, julgado em 12/02/2008,
DJe-041 DIVULG 06-03-2008 PUBLIC 07-03-2008 EMENT
VOL-02310-02 PP-00408)
HABEAS CORPUS. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO.
ABOLITIO CRIMINIS. NÃO-OCORRÊNCIA. 1. O prazo de
cento e oitenta dias previsto nos artigos 30 e 32
da Lei n. 10.826/2003 é para que os possuidores e
proprietários armas de fogo as regularizem ou as
entreguem às autoridades. Somente as condutas
típicas 'possuir ou ser proprietário' foram
abolidas temporariamente. 2. Delito de posse de
arma de fogo ocorrido anteriormente à vigência da
Lei que instituiu a abolitio criminis temporária.
Não cabimento da pretensão de retroação de lei
benéfica. Precedente. Ordem denegada.
(HC 96168, Relator(a): Min. EROS GRAU, Segunda
Turma, julgado em 09/12/2008, DJe-152 DIVULG 13-08-
2009 PUBLIC 14-08-2009 EMENT VOL-02369-05 PP-00991)
Assim, como tem entendido o Supremo
Tribunal Federal, o prazo estabelecido nos referidos dispositivos
expressa, por si próprio, o caráter transitório da atipicidade por
ele criada indiretamente. Trata-se de norma que, por não ter ânimo
definitivo, não tem, igualmente, força retroativa. Não pode, por
isso, configurar abolitio criminis em relação aos ilícitos cometidos
em data anterior.
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Nos termos do julgado supra, o Superior
Tribunal de Justiça também já se manifestou:
PENAL – PROCESSUAL PENAL – RECURSO ORDINÁRIO EM
HABEAS CORPUS – POSSE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO
PERMITIDO – LEI 11.706/08 – POSSIBILIDADE DE
ENTREGA VOLUNTÁRIA DE ARMAS ATÉ 31.12.2008 –
ABOLITIO CRIMINIS – CRIME PRATICADO ANTES DA EDIÇÃO
DESSE DIPLOMA LEGAL – IMPOSSIBILIDADE DE
RETROATIVIDADE – PRECEDENTE DO STF – NEGADO
PROVIMENTO AO RECURSO.
Permanece típica a conduta de possuir arma de fogo,
não obstante a edição da Medida Provisória
417/2008, posteriormente convertida na Lei
11.706/2008, possibilitando novamente a devolução
voluntária das armas até 31 de dezembro de 2008,
que trata apenas de vacatio legis indireta.
Inviável a aplicação retroativa de norma de caráter
transitória que possibilita a referida devolução.
Precedente do STF. Negado provimento ao
recurso.(RHC 22.668/RS, Rel. Ministra JANE SILVA
(DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/MG), SEXTA TURMA,
julgado em 02/09/2008, DJe 15/09/2008).
Nesse sentido, não há que se falar em
abolitio criminis temporalis ou novatio legis in mellius no
caso em tela, pois a conduta do recorrido não ocorreu dentro
dos períodos de vacatio legis indireta previstos em lei, e,
como dito, as previsões contidas nas leis posteriores -
11.706/2008 e 11.922/2009 – por se tratarem de normas
transitórias - não podem retroagir para que seja
descriminalizada sua conduta.
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Ante as razões expostas, incabível é a
aplicação, ao presente caso, dos arts. 30 e 32 da Lei
10.826/03, para absolver o réu nos termos do art. 386, inciso
III, do Código Penal, já que a conduta ocorreu quando estava
em plena eficácia a norma incriminadora, qual seja, o artigo
12 do Estatuto do Desarmamento, dispositivo ao qual, assim
decidindo, o Tribunal de Justiça também contraria por negar-
lhe vigência.
III – DA DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL
Como visto, ao decidir pela aplicação dos
artigos 30 e 32 da Lei 10.826/03 ao caso em exame, isto é, à
conduta praticada em 2007, não compreendida no período de
vacatio legis instituído pelo legislador, o Tribunal de
Justiça não somente violou as normas apontadas, como divergiu
do entendimento da Suprema Corte (HC 96168, Relator(a): Min. EROS
GRAU, Segunda Turma, julgado em 09/12/2008, DJe-152 DIVULG 13-08-2009
PUBLIC 14-08-2009 EMENT VOL-02369-05 PP-00991) – inteiro teor anexo, bem
como do Superior Tribunal de Justiça proferido em conformidade
com aquele (RHC 22.668/RS, Rel. Ministra JANE SILVA (DESEMBARGADORA
CONVOCADA DO TJ/MG), SEXTA TURMA, julgado em 02/09/2008, DJe 15/09/2008) –
inteiro teor anexo, merecendo o recurso conhecimento também pela
alínea “c” do permissivo constitucional para sanar a
divergência.
Em observância ao disposto no § 2º do art.
255 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça,
verifica-se dos acórdãos (recorrido e paradigmas) a similitude
entre a matéria neles tratada, vez que neles se discute o
alcance da abolitio criminis temporária para os crimes de
posse ilegal de armas decorrente da vacatio legis instituída
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pelo legislador na Lei do Desarmamento, com a possibilidade ou
não de retroatividade da lei para abarcar condutas praticadas
antes de seu advento, como se infere dos mesmos:
ACÓRDÃO RECORRIDO
“Descreve a denúncia que: na data de 22 de julho de 2007
por volta das 21h30min, na Chácara Bambuzal, nesta
cidade, policiais militares apreenderam em poder do
denunciado uma arma de fogo tipo espingarda, calibre 32,
devidamente municiada e eficiente para produzir
disparos”.
Diante diante da narrativa, o apelante foi denunciado
como incurso nas sanções do artigo 14, caput, da Lei nº
10.826/03.
(...) Todavia, há que se observar que o apelante tinha
arma de fogo no interior de sua residencia, o que
configura o delito previsto no artigo 12 da Lei nº
10.826/03, ou seja, posse irregular de arma de fogo.
(...) o fato teria ocorrido em 22 de julho de 2007, data
em que referido delito encontrava-se com sua eficácia
suspensa (abolitio criminis temporalis) (...).
ACÓRDÃOS PARADIGMAS
STF: “Trata-se de habeas corpus, com pedido de liminar,
impetrado contra decisão monocrática proferida pela
Ministra Jane Silva (...)
O paciente foi condenado a 7 (sete) anos, 6 (seis) meses
e 15 (quinze) dias de reclusão, em regime inicial
fechado, pela prática dos delitos previstos no artigo 333
do Código Penal (corrupção ativa) e 16, parágrafo único,
inciso IV, da Lei nº 10.826/03 (posse de arma de fogo).
A defesa alega que “ocorreu a figura da abolitio criminis
temporária, até o prazo final estipulado pela Medida
Provisória nº 417/08, ou seja, dia 31 de dezembro de
2008.
Requer a concessão de medida liminar a fim de que seja
relaxada a prisão do paciente. No mérito, a extinção da
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punibilidade, com fundamento nos artigos 5º, XL, da CB/88
e 107, III, do CP.”
STJ: Trata-se de Recurso Ordinário interposto em face de
decisão denegatória de habeas corpus, interposto em favor
de Roberto Britto da Fonseca, denunciado pela prática do
crime do artigo 12, da Lei 10.826/03. É alegado
constrangimento ilegal, exercido pelo Tribunal de Justiça
do Rio Grande do Sul, que denegou o writ anteriormente
impetrado, sob o fundamento de que não é cabível, ao
caso, o trancamento da ação penal, posto que se
vislumbra, na denúncia, a prática de crime em tese.
É sustentado que “a denúncia é clara ao atribuir ao
recorrente o delito de 'posse ou manutenção sob sua
guarda arma de fogo, em desacordo com determinação legal
ou regulamentar', sendo tal conduta atípica enquanto não
espirar o prazo de regularização”.
Eis as respectivas ementas:
RECORRIDO:
APELACAO CRIMINAL. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO.
ABSOLVICAO. LEGITIMA DEFESA. NAO CABIMENTO.
DESCLASSIFICACAO PARA POSSE. ABOLITIO CRIMINIS
TEMPORALIS. 1 - TRATANDO-SE DE CRIME FORMAL, NAO HA QUE
SE FALAR EM LEGITIMA DEFESA NA PRATICA DO DELITO DE PORTE
ILEGAL DE ARMA DE FOGO. 2 - ENCONTRANDO-SE A ARMA DE FOGO
NO INTERIOR DA RESIDENCIA A CONDUTA AMOLDA-SE AQUELA
TIPIFICADA NO ARTIGO 12, DO ESTATUTO DO DESARMAMENTO,
POSSE IRREGULAR DE ARMA DE FOGO, QUE, NA DATA DO FATO,
ENCONTRAVA-SE COM SUA EFICACIA SUSPENSA, IMPONDO-SE A
ABSOLVICAO DO APELANTE. APELACAO CONHECIDA E PROVIDA. (1A
CAMARA CRIMINAL. 34875-0/213 - APELACAO CRIMINAL. DES.
HUYGENS BANDEIRA DE MELO.DJ 556 de 13/04/2010).
PARADIGMAS:
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HABEAS CORPUS. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO. ABOLITIO
CRIMINIS. NÃO-OCORRÊNCIA. 1. O prazo de cento e oitenta
dias previsto nos artigos 30 e 32 da Lei n. 10.826/2003 é
para que os possuidores e proprietários armas de fogo as
regularizem ou as entreguem às autoridades. Somente as
condutas típicas 'possuir ou ser proprietário' foram
abolidas temporariamente. 2. Delito de posse de arma de
fogo ocorrido anteriormente à vigência da Lei que
instituiu a abolitio criminis temporária. Não cabimento
da pretensão de retroação de lei benéfica. Precedente.
Ordem denegada.(HC 96168, Relator(a): Min. EROS GRAU,
Segunda Turma, julgado em 09/12/2008, DJe-152 DIVULG 13-
08-2009 PUBLIC 14-08-2009 EMENT VOL-02369-05 PP-00991)
PENAL – PROCESSUAL PENAL – RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS
CORPUS – POSSE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO –
LEI 11.706/08 – POSSIBILIDADE DE ENTREGA VOLUNTÁRIA DE
ARMAS ATÉ 31.12.2008 – ABOLITIO CRIMINIS – CRIME
PRATICADO ANTES DA EDIÇÃO DESSE DIPLOMA LEGAL –
IMPOSSIBILIDADE DE RETROATIVIDADE – PRECEDENTE DO STF –
NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO.
Permanece típica a conduta de possuir arma de fogo, não
obstante a edição da Medida Provisória 417/2008,
posteriormente convertida na Lei 11.706/2008,
possibilitando novamente a devolução voluntária das armas
até 31 de dezembro de 2008, que trata apenas de vacatio
legis indireta.
Inviável a aplicação retroativa de norma de caráter
transitória que possibilita a referida devolução.
Precedente do STF. Negado provimento ao recurso.
(RHC 22.668/RS, Rel. Ministra JANE SILVA (DESEMBARGADORA
CONVOCADA DO TJ/MG), SEXTA TURMA, julgado em 02/09/2008,
DJe 15/09/2008)
No caso recorrido, o magistrado singular
julgou procedente a denúncia e condenou o réu nas sanções do
art. 14 da Lei 10.826/03 (porte ilegal de arma). O réu apelou
e o Tribunal de Justiça Estadual, após desclassificar a
conduta para o artigo 12 (posse), considerando-a,
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incorretamente, dentro do período da vacatio legis indireta
instituída pelos artigos 30 e 32 do Estatuto do Desarmamento,
absolveu o réu:
“(...) tendo em vista que a espingarda se
encontrava no interior da residência do ora
apelante, a conduta praticada amolda-se àquela
prevista no artigo 12 da Lei nº 10.826/03. Todavia,
o fato teria ocorrido em 22 de julho de 2007, data em que
referido delito encontrava-se com sua eficácia suspensa
(abolitio criminis temporalis), ao teor do disposto nos
artigos 30 e 32 do Estatuto do Desarmamento,
modificados pela Leis nº 10.884/2004, nº
11.118/2005, 11.191/2005, nº 11.579/2007 e nº
11.706, o qual passou a ter vigência a partir de 31
de dezembro de 2008.
Desta forma, caracterizado o delito de posse
irregular de arma de fogo, uma vez que a espingarda
encontrava-se no interior da residência do apelante
e tendo em vista que na data do fato o referido crime
encontra-se com sua eficácia suspensa, impõe-se a reforma
da sentença a fim de absolver o apelante EUDES DE SOUZA.
Já nos casos paradigmas, os réus foram
condenados por posse de arma de fogo e, inconformados,
manejaram, respectivamente, habeas corpus para o Supremo
Tribunal Federal e Recurso Ordinário para o Superior Tribunal
de Justiça pleiteando por absolvição face a alegada
atipicidade da conduta pela abolitio criminis decorrente da
vacatio legis indireta instituída para regularização dos
registros de armas. Vejam-se os excertos das decisões:
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STF: “A jurisprudência desta Corte está alinhada no
sentido de que “o prazo de cento e oitenta dias
previsto nos artigos 30 e 32 da Lei nº 10.826/2003 é
para que os possuidores e proprietários de armas de
fogo as regularizem ou as entreguem às autoridades.
(...)
Aquele prazo de cento e oitenta dias para a
regularização ou entrega das armas foi prorrogado
por duas vezes, tendo expirado em 23 de outubro de
2005, nos termos do disposto no artigo 1º da Lei n.
11.191/05.
Sobreveio a Medida Provisória n. 417, convertida na
Lei n. 11.706/98, que instituiu novo prazo: de 31 de
janeiro de 2008 a 31 de dezembro de 2008.
O crime de posse de arma de fogo foi praticado, no
caso, em 18 de janeiro de 2006, período não abrangido
pela abolitio criminis temporária.
(...) Denego a ordem.
STJ: Pela leitura dos fatos narrados na inicial,
vê-se que o paciente possuía arma de fogo e munição,
dentro de sua casa.
Dessa forma, constata-se que a conduta do paciente
que foi encontrado, destaque-se, no interior de sua
residência, com arma de fogo e munições de uso
permitido, e ainda, configura, de fato, o tipo penal
descrito no art. 12 da lei n.º 10.826/03.
Pugnou a defesa pela aplicação retroativa da Lei 11.706/08,
tendo em vista seu nítido conteúdo benéfico, porquanto
possibilitou novamente a devolução voluntária das
armas de fogo, descaracterizando, assim, o delito de
sua ilegal posse.
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Referida norma alterou, dentre outros, os artigos
30 e 32 do Estatuto do Desarmamento, possibilitando
novamente a entrega voluntária das armas de fogo até
o dia 31 de dezembro do mesmo ano.
Porém, consoante denúncia trazida às fls. 14/16, as
condutas atribuídas ao ora paciente ocorreram em 03 de
dezembro de 2006, isto é, em época em que não mais havia
qualquer prazo para tal, revitalizado pela Lei em epígrafe.
Portanto, inviável o reconhecimento da pretendida abolitio
criminis, eis que a conduta em comento em momento algum
deixou de ser considerada como criminosa, além de que,
tratando-se de norma com caráter transitório, não possui força
retroativa.
Vejamos, nesse exato sentido, recente precedente do
egrégio Supremo Tribunal Federal:
Habeas Corpus . Posse ilegal de arma de fogo de uso restrito cometida na
vigência da Lei nº 9.437/97. Lei nº 10.826/03 (Estatuto do Desarmamento).
Vacatio legis especial. Atipicidade temporária. Abolitio criminis .
1. A vacatio legis especial prevista nos artigos 30 a 32 da Lei nº 10.826/03,
conquanto tenha tornado atípica a posse ilegal de arma de fogo havida no
curso do prazo assinalado, não subtraiu a ilicitude penal da conduta que já
era prevista no artigo 10, § 2º, da Lei nº 9.437/97 e continuou incriminada,
até com maior rigor, no artigo 16 da Lei nº 10.826/03. Ausente, portanto, o
pressuposto fundamental para que se tenha por caracterizada a abolitio
criminis .
2. Além disso, o prazo estabelecido nos referidos dispositivos expressa, por
si próprio, o caráter transitório da atipicidade por ele criada indiretamente.
Trata-se de norma que, por não ter ânimo definitivo, não tem, igualmente,
força retroativa. Não pode, por isso, configurar abolitio criminis em relação
aos ilícitos cometidos em data anterior. Inteligência do artigo 3º do Código
Penal.
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3. Habeas corpus denegado. (STF – HC 90.995/SP – Relator: Ministro
Menezes Direito – Primeira Turma – DJe nº 41, divulg. Em 06.03.2008).
Logo, de rigor a impossibilidade de trancamento da
ação penal a que responde o paciente, pelo delito em
epígrafe.
Diante disto, tratando-se de hipótese de posse
irregular de arma de fogo de uso permitido, e diante
da ausência da alegada abolitio criminis, não há como acolher
as pretensões defensivas.
Assim, enquanto as Cortes Superiores
reconhecem que a abolitio criminis somente se dá dentro dos
períodos da vacatio legis expressamente previstos em lei, ou
seja, não estando nela enquadradas as condutas praticadas após
23.10.2005 e anteriores à 31.01.2008: “Aquele prazo de cento e
oitenta dias para a regularização ou entrega das armas foi prorrogado por
duas vezes, tendo expirado em 23 de outubro de 2005, nos termos do disposto
no artigo 1º da Lei n. 11.191/05. Sobreveio a Medida Provisória n. 417,
convertida na Lei n. 11.706/98, que instituiu novo prazo: de 31 de janeiro
de 2008 a 31 de dezembro de 2008”, pelo que não reconheceu, assim, a
abolitio em relação a condutas praticadas em 2006:
STF: “O crime de posse de arma de fogo foi
praticado, no caso, em 18 de janeiro de 2006,
período não abrangido pela abolitio criminis
temporária”
STJ: “(...) as condutas atribuídas ao ora paciente
ocorreram em 03 de dezembro de 2006, isto é, em
época em que não mais havia qualquer prazo para
tal, revitalizado pela Lei em epígrafe. Portanto,
inviável o reconhecimento da pretendida abolitio
criminis, eis que a conduta em comento em momento
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algum deixou de ser considerada como criminosa,
além de que, tratando-se de norma com caráter
transitório, não possui força retroativa.“
O Tribunal de Justiça do Estado de Goiás
afirma que o fato ocorreu em 2007, mas em oposição, declara a
abolitio criminis em relação à conduta, absolvendo o réu: “ (...)
tendo em vista que a espingarda se encontrava no interior da residência do
ora apelante, a conduta praticada amolda-se àquela prevista no artigo 12 da
Lei nº 10.826/03. Todavia, o fato teria ocorrido em 22 de julho de 2007, data em que
referido delito encontrava-se com sua eficácia suspensa (abolitio criminis temporalis), ao
teor do disposto nos artigos 30 e 32 do Estatuto do Desarmamento, modificados pela Leis
nº 10.884/2004, nº 11.118/2005, 11.191/2005, nº 11.579/2007 e nº 11.706, o qual passou a ter
vigência a partir de 31 de dezembro de 2008. Desta forma, caracterizado o delito de
posse irregular de arma de fogo, uma vez que a espingarda encontrava-se no
interior da residência do apelante e tendo em vista que na data do fato o referido
crime encontra-se com sua eficácia suspensa, impõe-se a reforma da sentença a fim de
absolver o apelante EUDES DE SOUZA.”.
Por conseguinte, configurado está o
dissídio jurisprudencial, devendo prevalecer a decisão adotada
pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de
Justiça por afigurar-se compatível com a lei e os princípios
gerais do direito.
IV - DAS RAZÕES DO PEDIDO DE REFORMA
As disposições legais restaram contrariadas
conforme efetivamente demonstrado, o que, por si só, viabiliza
o apelo pelo permissivo constitucional invocado, havendo,
ainda, dissídio jurisprudencial a ser apreciado.
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V - DO PEDIDO
Pelo exposto, requer o Ministério Público
do Estado de Goiás ao Eminente Ministro e à Colenda Turma a
que couber o recebimento e o conhecimento do presente Recurso,
que o admita, dele conheça e lhe dê provimento para reformar o
V. Acórdão recorrido e impor ao réu as sanções do art. 12,
caput, da Lei 10.826/2003.
Goiânia, 22 de abril de 2010.
PEDRO TAVARES FILHO
Procurador de Justiça