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ESTADO DE GOIÁS MINISTÉRIO PÚBLICO FMC 1 EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR-PRESIDENTE DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE GOIÁS. RAZÕES N. 112/10 RECURSO ESPECIAL NA APELAÇÃO CRIMINAL Nº 34875-0/213 (200804605836) APELANTE : EUDES DE SOUZA APELADO : MINISTÉRIO PÚBLICO RELATOR : DES. HUYGENS BANDEIRA DE MELO CÂMARA : PRIMEIRA CRIMINAL PROCURADOR DE JUSTIÇA: PEDRO TAVARES FILHO OBSERVAÇÃO QUANTO AO PRAZO: A intimação pessoal do Ministério Público deu-se em 13.04.2010, conforme o ciente e a certidão de fls. Assim, o prazo, que se iniciou em 14.04.2010, vencerá em 28.04.2010. O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS, no exercício das atribuições que lhe são conferidas por lei, nos autos da APELAÇÃO CRIMINAL em que é apelante EUDES DE SOUZA, inconformado, data venia , com o V. Acórdão de fls., por entender que contraria os artigos 12, caput, 30 e 32, todos da Lei 10.826/03 e art. 386, inciso III, do Código de Processo Penal, vem, perante Vossa Excelência, com o habitual acatamento, com base no Artigo 105, inciso III, alíneas "a" e “c” da Constituição Federal, na forma dos artigos 26 e seguintes, da Lei 8.038/90, e dos artigos 255 e seguintes do Regimento Interno do Colendo Superior Tribunal de Justiça, interpor o presente RECURSO ESPECIAL, fazendo-o nos termos das razões anexas.

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ESTADO DE GOIÁS

MINISTÉRIO PÚBLICO

FMC

1

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR-PRESIDENTE DO EGRÉGIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE GOIÁS.

RAZÕES N. 112/10

RECURSO ESPECIAL NA APELAÇÃO CRIMINAL Nº 34875-0/213 (200804605836)

APELANTE : EUDES DE SOUZA

APELADO : MINISTÉRIO PÚBLICO

RELATOR : DES. HUYGENS BANDEIRA DE MELO

CÂMARA : PRIMEIRA CRIMINAL

PROCURADOR DE JUSTIÇA: PEDRO TAVARES FILHO

OBSERVAÇÃO QUANTO AO PRAZO: A intimação pessoal do

Ministério Público deu-se em 13.04.2010, conforme o

ciente e a certidão de fls. Assim, o prazo, que se

iniciou em 14.04.2010, vencerá em 28.04.2010.

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS, no

exercício das atribuições que lhe são conferidas por lei, nos

autos da APELAÇÃO CRIMINAL em que é apelante EUDES DE SOUZA,

inconformado, data venia, com o V. Acórdão de fls., por

entender que contraria os artigos 12, caput, 30 e 32, todos da

Lei 10.826/03 e art. 386, inciso III, do Código de Processo

Penal, vem, perante Vossa Excelência, com o habitual

acatamento, com base no Artigo 105, inciso III, alíneas "a" e

“c” da Constituição Federal, na forma dos artigos 26 e

seguintes, da Lei 8.038/90, e dos artigos 255 e seguintes do

Regimento Interno do Colendo Superior Tribunal de Justiça,

interpor o presente RECURSO ESPECIAL, fazendo-o nos termos das

razões anexas.

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Recebido e processado na forma da lei,

requer seja o presente Recurso admitido e encaminhado ao

Colendo Superior Tribunal de Justiça.

Goiânia, 22 de abril de 2010.

PEDRO TAVARES FILHO

Procurador de Justiça

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RECURSO ESPECIAL: Art. 105, III, “a” da CF - Contrariedade aos arts.

12, caput, 30 e 32, todos da Lei 10.826/2003; art.

386, inciso III, do Código de Processo Penal.

RECORRENTE : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS

RECORRIDO : EUDES DE SOUZA

I - DOS FATOS E DO DIREITO

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS

ofereceu denúncia em face de EUDES DE SOUZA pela prática do

delito previsto no artigo 14, caput, da Lei 10.826/03, por

deter, em sua residência, uma espingarda sem registro.

Após regular trâmite, sobreveio sentença

julgando procedente a denúncia para condená-lo na sanção

descrita no tipo penal indicado.

Inconformado com o referido decisum, o réu

interpôs apelação pleiteando sua absolvição sob o argumento de

ter agido em legítima defesa.

Processualizado o apelo, o Tribunal de

Justiça concedeu-lhe provimento para, após desclassificar a

conduta para a prevista no art. 12 da Lei 10.826/03, absolver

o ora recorrido com base nos arts. 30 e 32 do Estatuto do

Desarmamento e 386, inciso III, do CPP, em acórdão assim

ementado:

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APELACAO CRIMINAL. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO.

ABSOLVICAO. LEGITIMA DEFESA. NAO CABIMENTO.

DESCLASSIFICACAO PARA POSSE. ABOLITIO CRIMINIS

TEMPORALIS.

1 - TRATANDO-SE DE CRIME FORMAL, NAO HA QUE SE

FALAR EM LEGITIMA DEFESA NA PRATICA DO DELITO DE

PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO. 2 - ENCONTRANDO-SE A

ARMA DE FOGO NO INTERIOR DA RESIDENCIA A CONDUTA

AMOLDA-SE AQUELA TIPIFICADA NO ARTIGO 12, DO

ESTATUTO DO DESARMAMENTO, POSSE IRREGULAR DE ARMA

DE FOGO, QUE, NA DATA DO FATO, ENCONTRAVA-SE COM

SUA EFICACIA SUSPENSA, IMPONDO-SE A ABSOLVICAO DO

APELANTE. APELACAO CONHECIDA E PROVIDA. (1A CAMARA

CRIMINAL. 34875-0/213 - APELACAO CRIMINAL. DES.

HUYGENS BANDEIRA DE MELO.DJ 556 de 13/04/2010).

II. DO CABIMENTO DO RECURSO

É cabível o presente Recurso com base na

alíneas "a" e “c”, do inciso III, do artigo 105 da

Constituição Federal, senão vejamos:

"Art. 105 - Compete ao Superior Tribunal de Justiça:

III - julgar, em recurso especial, as causas decididas,

em única ou última instância, pelos tribunais Regionais

Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito

Federal e Territórios, quando a decisão recorrida:

a) contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes

vigência;

c) der a lei federal interpretação divergente da que lhe

haja atribuído outro tribunal."

Satisfeitos que se encontram os requisitos

genéricos da tempestividade, legitimidade, interesse e

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adequação, e ainda, os específicos de última instância e do

prequestionamento, resta demonstrar a contrariedade à lei

federal, o que faz na forma seguinte:

III – DA CONTRARIEDADE À LEI FEDERAL

O V. Acórdão nega vigência ao art. 12,

caput, da Lei 10.826/03, ao reconhecer a conduta do recorrido,

mas absolvê-lo, aplicando ao caso, incorretamente, os arts. 30

e 32 da Lei 10.826/03 e o artigo 386, inciso III, do Código de

Processo Penal, os quais também contraria.

Dispõem os artigos indigitados:

Lei 10.826/2003

Art. 12. Possuir ou manter sob sua guarda arma de

fogo, acessório ou munição, de uso permitido, em

desacordo com determinação legal ou regulamentar, no

interior de sua residência ou dependência desta, ou,

ainda no seu local de trabalho, desde que seja o

titular ou o responsável legal do estabelecimento ou

empresa:

Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e

multa.

Art. 30. Os possuidores e proprietários de arma de

fogo de uso permitido ainda não registrada deverão

solicitar seu registro até o dia 31 de dezembro de

2008, mediante apresentação de documento de

identificação pessoal e comprovante de residência

fixa, acompanhados de nota fiscal de compra ou

comprovação da origem lícita da posse, pelos meios

de prova admitidos em direito, ou declaração firmada

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na qual constem as características da arma e a sua

condição de proprietário, ficando este dispensado do

pagamento de taxas e do cumprimento das demais

exigências constantes dos incisos I a III do caput

do art. 4º desta Lei.

Art. 32. Os possuidores e proprietários de arma de

fogo poderão entregá-la, espontaneamente, mediante

recibo, e, presumindo-se de boa-fé, serão

indenizados, na forma do regulamento, ficando

extinta a punibilidade de eventual posse irregular

da referida arma.

Código de Processo Penal

Art. 386. O juiz absolverá o réu, mencionando a

causa na parte dispositiva, desde que reconheça:

III - não constituir o fato infração penal;

Vejam-se os termos do acórdão, na parte em

que a ofensa se verifica:

(...) tendo em vista que a espingarda se encontrava

no interior da residência do ora apelante, a

conduta praticada amolda-se àquela prevista no

artigo 12 da Lei nº 10.826/03. Todavia, o fato

teria ocorrido em 22 de julho de 2007, data em que

referido delito encontrava-se com sua eficácia

suspensa (abolitio criminis temporalis), ao teor do

disposto nos artigos 30 e 32 do Estatuto do

Desarmamento, modificados pela Leis nº 10.884/2004,

nº 11.118/2005, 11.191/2005, nº 11.579/2007 e nº

11.706, o qual passou a ter vigência a partir de 31

de dezembro de 2008.

Desta forma, caracterizado o delito de posse

irregular de arma de fogo, uma vez que a espingarda

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encontrava-se no interior da residência do apelante

e tendo em vista que na data do fato o referido

crime encontra-se com sua eficácia suspensa, impõe-

se a reforma da sentença a fim de absolver o

apelante EUDES DE SOUZA.

Ante o exposto, desacolho o parecer ministerial,

conheço do recurso e dou-lhe provimento para

absolver o apelante Eudes de Souza com fulcro no

disposto no artigo 386, inciso III, do Código de

Processo Penal.

Os artigos 30 e 32 da Lei 10.826/03, em sua

redação original, ao preverem a possibilidade de regularização

das armas de fogo sem registro e em desacordo com as

disposições legais, criou no estatuto do desarmamento uma

espécie de abolitio criminis temporária no período da vacatio

legis indireta por ela instituída, consistente na isenção de

pena aos possuidores dos referidos artefatos que no lapso

temporal designado entregassem suas armas às autoridades ou as

regularizassem.

Nesses termos, verifica-se que a Lei

10.826/03 assinalou o prazo de 180 dias, a contar de sua

publicação, para que os possuidores e proprietários de armas

de fogo não registradas entregassem-nas à Polícia Federal,

sendo presumida a boa-fé a isentá-los de penalização:

“Art. 32 - Os possuidores e proprietários de armas

de fogo não registradas poderão, no prazo de 180

(cento e oitenta) dias após a publicação desta Lei,

entregá-las à Polícia Federal, mediante recibo e,

presumindo-se a boa-fé, poderão ser indenizados,

nos termos do regulamento desta Lei.”

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Entretanto, pela Medida Provisória nº

174/2004, convertida na Lei 10.884/2004, determinou-se a

fluência do aludido prazo não mais da publicação da norma em

testilha, mas de seu decreto regulamentador (Decreto nº

5.123/2004), publicado em 02.07.2004. Todavia, como a referida

lei previu um prazo limite para o início de contagem do prazo,

qual seja, 23 de junho de 2004, e o decreto foi publicado

posteriormente, a contagem se deu desta data até 19 de

dezembro de 2004:

Art. 1º. O termo inicial dos prazos previstos nos arts.

29, 30 e 32 da Lei no 10.826, de 22 de

dezembro de 2003, passa a fluir a partir da

publicação do decreto que os regulamentar, não

ultrapassando, para ter efeito, a data limite de 23 de

junho de 2004.

Posteriormente, sobreveio nova alteração

(MPV nº 229 de 18/12/2004, convertida na Lei nº 11.118/2005),

prorrogando o prazo de regularização até 23 de junho de 2005:

Art. 3º Os prazos previstos nos arts. 30 e 32 da

Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003,

com a redação dada pela Lei n

o

10.884, de 17 de junho de

2004, ficam prorrogados, tendo por termo final o dia 23

de junho de 2005.

Novamente, o prazo foi alterado pelo texto

da Medida Provisória nº 253 de 23/06/2005, convertida na Lei

11.191/2005, para 23 de outubro de 2005:

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Art. 1º. O termo final do prazo previsto no art. 32 da

Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003,

fica prorrogado até 23 de outubro de 2005.

Ocorre que, após esse período – de

23.06.2004 a 23.10.2005 – que pode ser considerado contínuo

porquanto houve prorrogações sucessivas dentro dos prazos

assinalados, verificou-se grande lapso temporal sem previsões

dessa natureza, de modo que voltou a ter eficácia a norma

incriminadora, voltando a ser legítima, assim, a

responsabilização daqueles que fossem encontrados na posse de

armas de fogo.

Somente em 2008, por intermédio da Medida

Provisória 417 de 1º de fevereiro, convertida na Lei

11.706/2008, adveio nova redação aos artigos 30 e 32 da Lei

10.826/03 e, com ela, nova possibilidade de regularização da

posse de arma:

“Art. 30. Os possuidores e proprietários de arma de

fogo de uso permitido ainda não registrada deverão

solicitar seu registro até o dia 31 de dezembro de

2008, mediante apresentação de documento de identificação

pessoal e comprovante de residência fixa, acompanhados de

nota fiscal de compra ou comprovação da origem lícita da

posse, pelos meios de prova admitidos em direito, ou

declaração firmada na qual constem as características da

arma e a sua condição de proprietário, ficando este

dispensado do pagamento de taxas e do cumprimento das

demais exigências constantes dos incisos I a III do caput

do art. 4 desta Lei.

(...)

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“Art. 32. Os possuidores e proprietários de arma de

fogo poderão entregá-la, espontaneamente, mediante

recibo, e, presumindo-se de boa-fé, serão indenizados, na

forma do regulamento, ficando extinta a punibilidade de

eventual posse irregular da referida arma.

Nesse contexto, não se instituiu termo

inicial específico para a execução da medida, apenas deixou-se

expressa nova possibilidade de regularização da posse de arma

até a data de 31 de dezembro de 2008, de modo que se considera

a norma eficaz da data de sua publicação.

Assim, pela mencionada norma, compreende-se

como novo termo inicial da vacatio legis, a ser considerada

para o fim da extinção da punibilidade (abolitio criminis) do

crime de posse de arma, a data da publicação da Medida

Provisória que a instituiu (01.02.2008), e como termo final o

expresso na própria norma (31.12.2008).

Após, em 2009, por meio da Lei 11.922/2009,

foi estabelecido novo prazo:

Art. 20. Ficam prorrogados para 31 de dezembro de 2009 os

prazos de que tratam o § 3º do art. 5º e o art.

30, ambos da Lei no 10.826, de 22 de

dezembro de 2003.

Contudo, pela referida lei, não se logrou o

legislador a dar continuidade à suspensão da punibilidade pelo

crime de posse de arma, pois apesar de prever a prorrogação do

prazo, não o fez ainda dentro do período de vigência da lei

anterior (Lei 11.706/2008), fazendo-o somente em abril de

2009, de modo que após 31.12.2008, não havendo ainda nova

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prorrogação, voltou mais uma vez a ter eficácia a norma

incriminadora, até ser suspensa pela aludida lei em 14.04.2009

(data de publicação da Lei de 11.922) até a data de

31.12.2009.

É o que também deverá ocorrer com eventual

lei sobre a matéria que seja editada daqui em diante, pois

após o término do prazo previsto na Lei 11.922/2009, não houve

ainda produção legislativa sobre a matéria, voltando a ter

plena eficácia, portanto, a norma que prevê como típica a

conduta de possuir arma de fogo.

Diante do exposto, conclui-se como períodos

de vacatio legis indireta, os seguintes lapsos temporais:

23.06.2004 a 23.10.2005,

01.02.2008 a 31.12.2008 e

14.04.2009 a 31.12.2009.

Nos citados períodos, portanto, ficou

suspensa a norma incriminadora pela previsão da possibilidade

de regularização ou entrega das armas de fogo às autoridades

competentes, extinguindo, assim, a punibilidade dos delitos de

posse de arma.

Assim definido, passemos ao exame do caso

concreto.

Da análise do acórdão impugnado, verifica-

se que o recorrido foi detido por posse ilegal de arma no dia

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22 de julho de 2007, ou seja, em data não compreendida em

nenhum dos períodos da vacatio legis estabelecidos pelo

legislador, o que significa não estar amparado pela abolitio

criminis temporária.

O Tribunal de Justiça, porém, tem

equivocadamente entendido, em algumas situações, que o prazo

de suspensão da eficácia da norma incriminadora seria

contínuo, desde a primeira previsão até a última prorrogação,

ou seja, de 23.06.2004 à 31.12.2009, e, em outras, pela

possibilidade de retroatividade da lei, conquanto mais

benéfica, nos termos dos artigos 5º, inciso XL, da

Constituição Federal e 2º, parágrafo único, do Código Penal.

Contudo, tal extinção de punibilidade

somente se verifica no período instituído em lei, não

abarcando condutas anteriores e nem protraindo-se entre os

períodos previstos entre as legislações pertinentes, como

elucida a própria Corte Superior:

"As condutas previstas nos arts. 12 (posse ilegal de

arma de fogo de uso permitido) e 16 (posse ilegal

de armas de fogo de uso restrito) da Lei

10.826/2003 praticadas dentro do período de

regularização ou entrega da arma de fogo à Polícia

Federal não são dotadas de tipicidade.

Assim sendo, flagrado o paciente dentro do período

chamado de vacatio legis indireta (...), em que

estava suspensa a eficácia do dispositivo legal que

lhe foi imputado, há reconhecer a atipicidade da

conduta e a ausência de justa causa para a ação

penal" (STJ, HC 58703/RJ; Habeas corpus

2006/0098212-0; Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima;

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5ª Turma; julgado em 19/10/2006, publicado no DJ em

06/11/2006, p. 351).

É que, tratando-se de situação transitória,

tais normas caracterizam-se leis de vigência temporária que

somente possuem eficácia no período expressamente previsto e,

como tal, só podem atingir fato praticado durante sua

vigência, conforme art. 3º do Código Penal.

Compreende-se, assim, que todas as

prorrogações do lapso temporal previsto na lei em voga somente

encontram aplicabilidade para o período especificamente

instituído, não abarcando situações outras que não as

ocorridas durante sua vigência.

Este é, inclusive, o entendimento do

Supremo Tribunal Federal, em manifestação específica para o

tema em destaque:

Habeas Corpus. Posse ilegal de arma de fogo de uso

restrito cometida na vigência da Lei nº 9.437/97.

Lei nº 10.826/03 (Estatuto do Desarmamento).

Vacatio legis especial. Atipicidade temporária.

Abolitio criminis.

1. A vacatio legis especial prevista nos artigos 30

a 32 da Lei nº 10.826/03, conquanto tenha tornado

atípica a posse ilegal de arma de fogo havida no

curso do prazo assinalado, não subtraiu a ilicitude

penal da conduta que já era prevista no artigo 10,

§ 2º, da Lei nº 9.437/97 e continuou incriminada,

até com maior rigor, no artigo 16 da Lei nº

10.826/03. Ausente, portanto, o pressuposto

fundamental para que se tenha por caracterizada a

abolitio criminis. 2. Além disso, o prazo

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estabelecido nos referidos dispositivos expressa,

por si próprio, o caráter transitório da

atipicidade por ele criada indiretamente. Trata-se

de norma que, por não ter ânimo definitivo, não

tem, igualmente, força retroativa. Não pode, por

isso, configurar abolitio criminis em relação aos

ilícitos cometidos em data anterior. Inteligência

do artigo 3º do Código Penal. 3. Habeas corpus

denegado.(HC 90995, Relator(a):Min. MENEZES

DIREITO, Primeira Turma, julgado em 12/02/2008,

DJe-041 DIVULG 06-03-2008 PUBLIC 07-03-2008 EMENT

VOL-02310-02 PP-00408)

HABEAS CORPUS. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO.

ABOLITIO CRIMINIS. NÃO-OCORRÊNCIA. 1. O prazo de

cento e oitenta dias previsto nos artigos 30 e 32

da Lei n. 10.826/2003 é para que os possuidores e

proprietários armas de fogo as regularizem ou as

entreguem às autoridades. Somente as condutas

típicas 'possuir ou ser proprietário' foram

abolidas temporariamente. 2. Delito de posse de

arma de fogo ocorrido anteriormente à vigência da

Lei que instituiu a abolitio criminis temporária.

Não cabimento da pretensão de retroação de lei

benéfica. Precedente. Ordem denegada.

(HC 96168, Relator(a): Min. EROS GRAU, Segunda

Turma, julgado em 09/12/2008, DJe-152 DIVULG 13-08-

2009 PUBLIC 14-08-2009 EMENT VOL-02369-05 PP-00991)

Assim, como tem entendido o Supremo

Tribunal Federal, o prazo estabelecido nos referidos dispositivos

expressa, por si próprio, o caráter transitório da atipicidade por

ele criada indiretamente. Trata-se de norma que, por não ter ânimo

definitivo, não tem, igualmente, força retroativa. Não pode, por

isso, configurar abolitio criminis em relação aos ilícitos cometidos

em data anterior.

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Nos termos do julgado supra, o Superior

Tribunal de Justiça também já se manifestou:

PENAL – PROCESSUAL PENAL – RECURSO ORDINÁRIO EM

HABEAS CORPUS – POSSE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO

PERMITIDO – LEI 11.706/08 – POSSIBILIDADE DE

ENTREGA VOLUNTÁRIA DE ARMAS ATÉ 31.12.2008 –

ABOLITIO CRIMINIS – CRIME PRATICADO ANTES DA EDIÇÃO

DESSE DIPLOMA LEGAL – IMPOSSIBILIDADE DE

RETROATIVIDADE – PRECEDENTE DO STF – NEGADO

PROVIMENTO AO RECURSO.

Permanece típica a conduta de possuir arma de fogo,

não obstante a edição da Medida Provisória

417/2008, posteriormente convertida na Lei

11.706/2008, possibilitando novamente a devolução

voluntária das armas até 31 de dezembro de 2008,

que trata apenas de vacatio legis indireta.

Inviável a aplicação retroativa de norma de caráter

transitória que possibilita a referida devolução.

Precedente do STF. Negado provimento ao

recurso.(RHC 22.668/RS, Rel. Ministra JANE SILVA

(DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/MG), SEXTA TURMA,

julgado em 02/09/2008, DJe 15/09/2008).

Nesse sentido, não há que se falar em

abolitio criminis temporalis ou novatio legis in mellius no

caso em tela, pois a conduta do recorrido não ocorreu dentro

dos períodos de vacatio legis indireta previstos em lei, e,

como dito, as previsões contidas nas leis posteriores -

11.706/2008 e 11.922/2009 – por se tratarem de normas

transitórias - não podem retroagir para que seja

descriminalizada sua conduta.

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Ante as razões expostas, incabível é a

aplicação, ao presente caso, dos arts. 30 e 32 da Lei

10.826/03, para absolver o réu nos termos do art. 386, inciso

III, do Código Penal, já que a conduta ocorreu quando estava

em plena eficácia a norma incriminadora, qual seja, o artigo

12 do Estatuto do Desarmamento, dispositivo ao qual, assim

decidindo, o Tribunal de Justiça também contraria por negar-

lhe vigência.

III – DA DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL

Como visto, ao decidir pela aplicação dos

artigos 30 e 32 da Lei 10.826/03 ao caso em exame, isto é, à

conduta praticada em 2007, não compreendida no período de

vacatio legis instituído pelo legislador, o Tribunal de

Justiça não somente violou as normas apontadas, como divergiu

do entendimento da Suprema Corte (HC 96168, Relator(a): Min. EROS

GRAU, Segunda Turma, julgado em 09/12/2008, DJe-152 DIVULG 13-08-2009

PUBLIC 14-08-2009 EMENT VOL-02369-05 PP-00991) – inteiro teor anexo, bem

como do Superior Tribunal de Justiça proferido em conformidade

com aquele (RHC 22.668/RS, Rel. Ministra JANE SILVA (DESEMBARGADORA

CONVOCADA DO TJ/MG), SEXTA TURMA, julgado em 02/09/2008, DJe 15/09/2008) –

inteiro teor anexo, merecendo o recurso conhecimento também pela

alínea “c” do permissivo constitucional para sanar a

divergência.

Em observância ao disposto no § 2º do art.

255 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça,

verifica-se dos acórdãos (recorrido e paradigmas) a similitude

entre a matéria neles tratada, vez que neles se discute o

alcance da abolitio criminis temporária para os crimes de

posse ilegal de armas decorrente da vacatio legis instituída

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pelo legislador na Lei do Desarmamento, com a possibilidade ou

não de retroatividade da lei para abarcar condutas praticadas

antes de seu advento, como se infere dos mesmos:

ACÓRDÃO RECORRIDO

“Descreve a denúncia que: na data de 22 de julho de 2007

por volta das 21h30min, na Chácara Bambuzal, nesta

cidade, policiais militares apreenderam em poder do

denunciado uma arma de fogo tipo espingarda, calibre 32,

devidamente municiada e eficiente para produzir

disparos”.

Diante diante da narrativa, o apelante foi denunciado

como incurso nas sanções do artigo 14, caput, da Lei nº

10.826/03.

(...) Todavia, há que se observar que o apelante tinha

arma de fogo no interior de sua residencia, o que

configura o delito previsto no artigo 12 da Lei nº

10.826/03, ou seja, posse irregular de arma de fogo.

(...) o fato teria ocorrido em 22 de julho de 2007, data

em que referido delito encontrava-se com sua eficácia

suspensa (abolitio criminis temporalis) (...).

ACÓRDÃOS PARADIGMAS

STF: “Trata-se de habeas corpus, com pedido de liminar,

impetrado contra decisão monocrática proferida pela

Ministra Jane Silva (...)

O paciente foi condenado a 7 (sete) anos, 6 (seis) meses

e 15 (quinze) dias de reclusão, em regime inicial

fechado, pela prática dos delitos previstos no artigo 333

do Código Penal (corrupção ativa) e 16, parágrafo único,

inciso IV, da Lei nº 10.826/03 (posse de arma de fogo).

A defesa alega que “ocorreu a figura da abolitio criminis

temporária, até o prazo final estipulado pela Medida

Provisória nº 417/08, ou seja, dia 31 de dezembro de

2008.

Requer a concessão de medida liminar a fim de que seja

relaxada a prisão do paciente. No mérito, a extinção da

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punibilidade, com fundamento nos artigos 5º, XL, da CB/88

e 107, III, do CP.”

STJ: Trata-se de Recurso Ordinário interposto em face de

decisão denegatória de habeas corpus, interposto em favor

de Roberto Britto da Fonseca, denunciado pela prática do

crime do artigo 12, da Lei 10.826/03. É alegado

constrangimento ilegal, exercido pelo Tribunal de Justiça

do Rio Grande do Sul, que denegou o writ anteriormente

impetrado, sob o fundamento de que não é cabível, ao

caso, o trancamento da ação penal, posto que se

vislumbra, na denúncia, a prática de crime em tese.

É sustentado que “a denúncia é clara ao atribuir ao

recorrente o delito de 'posse ou manutenção sob sua

guarda arma de fogo, em desacordo com determinação legal

ou regulamentar', sendo tal conduta atípica enquanto não

espirar o prazo de regularização”.

Eis as respectivas ementas:

RECORRIDO:

APELACAO CRIMINAL. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO.

ABSOLVICAO. LEGITIMA DEFESA. NAO CABIMENTO.

DESCLASSIFICACAO PARA POSSE. ABOLITIO CRIMINIS

TEMPORALIS. 1 - TRATANDO-SE DE CRIME FORMAL, NAO HA QUE

SE FALAR EM LEGITIMA DEFESA NA PRATICA DO DELITO DE PORTE

ILEGAL DE ARMA DE FOGO. 2 - ENCONTRANDO-SE A ARMA DE FOGO

NO INTERIOR DA RESIDENCIA A CONDUTA AMOLDA-SE AQUELA

TIPIFICADA NO ARTIGO 12, DO ESTATUTO DO DESARMAMENTO,

POSSE IRREGULAR DE ARMA DE FOGO, QUE, NA DATA DO FATO,

ENCONTRAVA-SE COM SUA EFICACIA SUSPENSA, IMPONDO-SE A

ABSOLVICAO DO APELANTE. APELACAO CONHECIDA E PROVIDA. (1A

CAMARA CRIMINAL. 34875-0/213 - APELACAO CRIMINAL. DES.

HUYGENS BANDEIRA DE MELO.DJ 556 de 13/04/2010).

PARADIGMAS:

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HABEAS CORPUS. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO. ABOLITIO

CRIMINIS. NÃO-OCORRÊNCIA. 1. O prazo de cento e oitenta

dias previsto nos artigos 30 e 32 da Lei n. 10.826/2003 é

para que os possuidores e proprietários armas de fogo as

regularizem ou as entreguem às autoridades. Somente as

condutas típicas 'possuir ou ser proprietário' foram

abolidas temporariamente. 2. Delito de posse de arma de

fogo ocorrido anteriormente à vigência da Lei que

instituiu a abolitio criminis temporária. Não cabimento

da pretensão de retroação de lei benéfica. Precedente.

Ordem denegada.(HC 96168, Relator(a): Min. EROS GRAU,

Segunda Turma, julgado em 09/12/2008, DJe-152 DIVULG 13-

08-2009 PUBLIC 14-08-2009 EMENT VOL-02369-05 PP-00991)

PENAL – PROCESSUAL PENAL – RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS

CORPUS – POSSE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO –

LEI 11.706/08 – POSSIBILIDADE DE ENTREGA VOLUNTÁRIA DE

ARMAS ATÉ 31.12.2008 – ABOLITIO CRIMINIS – CRIME

PRATICADO ANTES DA EDIÇÃO DESSE DIPLOMA LEGAL –

IMPOSSIBILIDADE DE RETROATIVIDADE – PRECEDENTE DO STF –

NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO.

Permanece típica a conduta de possuir arma de fogo, não

obstante a edição da Medida Provisória 417/2008,

posteriormente convertida na Lei 11.706/2008,

possibilitando novamente a devolução voluntária das armas

até 31 de dezembro de 2008, que trata apenas de vacatio

legis indireta.

Inviável a aplicação retroativa de norma de caráter

transitória que possibilita a referida devolução.

Precedente do STF. Negado provimento ao recurso.

(RHC 22.668/RS, Rel. Ministra JANE SILVA (DESEMBARGADORA

CONVOCADA DO TJ/MG), SEXTA TURMA, julgado em 02/09/2008,

DJe 15/09/2008)

No caso recorrido, o magistrado singular

julgou procedente a denúncia e condenou o réu nas sanções do

art. 14 da Lei 10.826/03 (porte ilegal de arma). O réu apelou

e o Tribunal de Justiça Estadual, após desclassificar a

conduta para o artigo 12 (posse), considerando-a,

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incorretamente, dentro do período da vacatio legis indireta

instituída pelos artigos 30 e 32 do Estatuto do Desarmamento,

absolveu o réu:

“(...) tendo em vista que a espingarda se

encontrava no interior da residência do ora

apelante, a conduta praticada amolda-se àquela

prevista no artigo 12 da Lei nº 10.826/03. Todavia,

o fato teria ocorrido em 22 de julho de 2007, data em que

referido delito encontrava-se com sua eficácia suspensa

(abolitio criminis temporalis), ao teor do disposto nos

artigos 30 e 32 do Estatuto do Desarmamento,

modificados pela Leis nº 10.884/2004, nº

11.118/2005, 11.191/2005, nº 11.579/2007 e nº

11.706, o qual passou a ter vigência a partir de 31

de dezembro de 2008.

Desta forma, caracterizado o delito de posse

irregular de arma de fogo, uma vez que a espingarda

encontrava-se no interior da residência do apelante

e tendo em vista que na data do fato o referido crime

encontra-se com sua eficácia suspensa, impõe-se a reforma

da sentença a fim de absolver o apelante EUDES DE SOUZA.

Já nos casos paradigmas, os réus foram

condenados por posse de arma de fogo e, inconformados,

manejaram, respectivamente, habeas corpus para o Supremo

Tribunal Federal e Recurso Ordinário para o Superior Tribunal

de Justiça pleiteando por absolvição face a alegada

atipicidade da conduta pela abolitio criminis decorrente da

vacatio legis indireta instituída para regularização dos

registros de armas. Vejam-se os excertos das decisões:

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STF: “A jurisprudência desta Corte está alinhada no

sentido de que “o prazo de cento e oitenta dias

previsto nos artigos 30 e 32 da Lei nº 10.826/2003 é

para que os possuidores e proprietários de armas de

fogo as regularizem ou as entreguem às autoridades.

(...)

Aquele prazo de cento e oitenta dias para a

regularização ou entrega das armas foi prorrogado

por duas vezes, tendo expirado em 23 de outubro de

2005, nos termos do disposto no artigo 1º da Lei n.

11.191/05.

Sobreveio a Medida Provisória n. 417, convertida na

Lei n. 11.706/98, que instituiu novo prazo: de 31 de

janeiro de 2008 a 31 de dezembro de 2008.

O crime de posse de arma de fogo foi praticado, no

caso, em 18 de janeiro de 2006, período não abrangido

pela abolitio criminis temporária.

(...) Denego a ordem.

STJ: Pela leitura dos fatos narrados na inicial,

vê-se que o paciente possuía arma de fogo e munição,

dentro de sua casa.

Dessa forma, constata-se que a conduta do paciente

que foi encontrado, destaque-se, no interior de sua

residência, com arma de fogo e munições de uso

permitido, e ainda, configura, de fato, o tipo penal

descrito no art. 12 da lei n.º 10.826/03.

Pugnou a defesa pela aplicação retroativa da Lei 11.706/08,

tendo em vista seu nítido conteúdo benéfico, porquanto

possibilitou novamente a devolução voluntária das

armas de fogo, descaracterizando, assim, o delito de

sua ilegal posse.

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Referida norma alterou, dentre outros, os artigos

30 e 32 do Estatuto do Desarmamento, possibilitando

novamente a entrega voluntária das armas de fogo até

o dia 31 de dezembro do mesmo ano.

Porém, consoante denúncia trazida às fls. 14/16, as

condutas atribuídas ao ora paciente ocorreram em 03 de

dezembro de 2006, isto é, em época em que não mais havia

qualquer prazo para tal, revitalizado pela Lei em epígrafe.

Portanto, inviável o reconhecimento da pretendida abolitio

criminis, eis que a conduta em comento em momento algum

deixou de ser considerada como criminosa, além de que,

tratando-se de norma com caráter transitório, não possui força

retroativa.

Vejamos, nesse exato sentido, recente precedente do

egrégio Supremo Tribunal Federal:

Habeas Corpus . Posse ilegal de arma de fogo de uso restrito cometida na

vigência da Lei nº 9.437/97. Lei nº 10.826/03 (Estatuto do Desarmamento).

Vacatio legis especial. Atipicidade temporária. Abolitio criminis .

1. A vacatio legis especial prevista nos artigos 30 a 32 da Lei nº 10.826/03,

conquanto tenha tornado atípica a posse ilegal de arma de fogo havida no

curso do prazo assinalado, não subtraiu a ilicitude penal da conduta que já

era prevista no artigo 10, § 2º, da Lei nº 9.437/97 e continuou incriminada,

até com maior rigor, no artigo 16 da Lei nº 10.826/03. Ausente, portanto, o

pressuposto fundamental para que se tenha por caracterizada a abolitio

criminis .

2. Além disso, o prazo estabelecido nos referidos dispositivos expressa, por

si próprio, o caráter transitório da atipicidade por ele criada indiretamente.

Trata-se de norma que, por não ter ânimo definitivo, não tem, igualmente,

força retroativa. Não pode, por isso, configurar abolitio criminis em relação

aos ilícitos cometidos em data anterior. Inteligência do artigo 3º do Código

Penal.

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3. Habeas corpus denegado. (STF – HC 90.995/SP – Relator: Ministro

Menezes Direito – Primeira Turma – DJe nº 41, divulg. Em 06.03.2008).

Logo, de rigor a impossibilidade de trancamento da

ação penal a que responde o paciente, pelo delito em

epígrafe.

Diante disto, tratando-se de hipótese de posse

irregular de arma de fogo de uso permitido, e diante

da ausência da alegada abolitio criminis, não há como acolher

as pretensões defensivas.

Assim, enquanto as Cortes Superiores

reconhecem que a abolitio criminis somente se dá dentro dos

períodos da vacatio legis expressamente previstos em lei, ou

seja, não estando nela enquadradas as condutas praticadas após

23.10.2005 e anteriores à 31.01.2008: “Aquele prazo de cento e

oitenta dias para a regularização ou entrega das armas foi prorrogado por

duas vezes, tendo expirado em 23 de outubro de 2005, nos termos do disposto

no artigo 1º da Lei n. 11.191/05. Sobreveio a Medida Provisória n. 417,

convertida na Lei n. 11.706/98, que instituiu novo prazo: de 31 de janeiro

de 2008 a 31 de dezembro de 2008”, pelo que não reconheceu, assim, a

abolitio em relação a condutas praticadas em 2006:

STF: “O crime de posse de arma de fogo foi

praticado, no caso, em 18 de janeiro de 2006,

período não abrangido pela abolitio criminis

temporária”

STJ: “(...) as condutas atribuídas ao ora paciente

ocorreram em 03 de dezembro de 2006, isto é, em

época em que não mais havia qualquer prazo para

tal, revitalizado pela Lei em epígrafe. Portanto,

inviável o reconhecimento da pretendida abolitio

criminis, eis que a conduta em comento em momento

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algum deixou de ser considerada como criminosa,

além de que, tratando-se de norma com caráter

transitório, não possui força retroativa.“

O Tribunal de Justiça do Estado de Goiás

afirma que o fato ocorreu em 2007, mas em oposição, declara a

abolitio criminis em relação à conduta, absolvendo o réu: “ (...)

tendo em vista que a espingarda se encontrava no interior da residência do

ora apelante, a conduta praticada amolda-se àquela prevista no artigo 12 da

Lei nº 10.826/03. Todavia, o fato teria ocorrido em 22 de julho de 2007, data em que

referido delito encontrava-se com sua eficácia suspensa (abolitio criminis temporalis), ao

teor do disposto nos artigos 30 e 32 do Estatuto do Desarmamento, modificados pela Leis

nº 10.884/2004, nº 11.118/2005, 11.191/2005, nº 11.579/2007 e nº 11.706, o qual passou a ter

vigência a partir de 31 de dezembro de 2008. Desta forma, caracterizado o delito de

posse irregular de arma de fogo, uma vez que a espingarda encontrava-se no

interior da residência do apelante e tendo em vista que na data do fato o referido

crime encontra-se com sua eficácia suspensa, impõe-se a reforma da sentença a fim de

absolver o apelante EUDES DE SOUZA.”.

Por conseguinte, configurado está o

dissídio jurisprudencial, devendo prevalecer a decisão adotada

pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de

Justiça por afigurar-se compatível com a lei e os princípios

gerais do direito.

IV - DAS RAZÕES DO PEDIDO DE REFORMA

As disposições legais restaram contrariadas

conforme efetivamente demonstrado, o que, por si só, viabiliza

o apelo pelo permissivo constitucional invocado, havendo,

ainda, dissídio jurisprudencial a ser apreciado.

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V - DO PEDIDO

Pelo exposto, requer o Ministério Público

do Estado de Goiás ao Eminente Ministro e à Colenda Turma a

que couber o recebimento e o conhecimento do presente Recurso,

que o admita, dele conheça e lhe dê provimento para reformar o

V. Acórdão recorrido e impor ao réu as sanções do art. 12,

caput, da Lei 10.826/2003.

Goiânia, 22 de abril de 2010.

PEDRO TAVARES FILHO

Procurador de Justiça