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Pelotas - RS, 06 a 08 de julho de 2016 SBSP - Sociedade Brasileira de Sistemas de Produção EVOLUÇÃO E DIFERENCIAÇÃO DOS SISTEMAS AGRÁRIOS: LITORAL NORTE DO RIO GRANDE DO SUL Anelise Carlos Becker Vieira Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural PGDR Universidade Federal do Rio Grande do Sul [email protected] Daniela Garcez Wives Professora no Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural PGDR Universidade Federal do Rio Grande do Sul [email protected] Grupo de Pesquisa: 1 Fundamentos teórico-metodológicos da abordagem sistêmica aplicada à agricultura Resumo Este artigo é um exercício de reconstituição histórica da agricultura no Litoral Norte do Rio Grande do Sul, a partir da evolução e diferenciação dos sistemas agrários, com o enfoque sistêmico. Desta forma, propõe uma visão multidisciplinar e holística, sendo necessária a

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SBSP - Sociedade Brasileira de Sistemas de Produção

EVOLUÇÃO E DIFERENCIAÇÃO DOS SISTEMAS AGRÁRIOS: LITORAL NORTE

DO RIO GRANDE DO SUL

Anelise Carlos Becker Vieira

Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural – PGDR

Universidade Federal do Rio Grande do Sul

[email protected]

Daniela Garcez Wives

Professora no Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural – PGDR

Universidade Federal do Rio Grande do Sul

[email protected]

Grupo de Pesquisa: 1 Fundamentos teórico-metodológicos da abordagem sistêmica

aplicada à agricultura

Resumo

Este artigo é um exercício de reconstituição histórica da agricultura no Litoral Norte do Rio

Grande do Sul, a partir da evolução e diferenciação dos sistemas agrários, com o enfoque

sistêmico. Desta forma, propõe uma visão multidisciplinar e holística, sendo necessária a

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interação de diversos fatores que ajudam a entender os grandes movimentos que tencionaram a

agricultura. Portanto é fundamental uma compreensão da análise sistêmica e da leitura de

paisagem, uma ferramenta que ajuda a compreender os grandes momentos históricos, pois os

situa no tempo e no espaço. A partir da pesquisa foi possível descrever quatro grandes sistemas

agrários que compõem a região de estudo, sendo o Sistema Agrário Indígena – caçadores e

coletores, Sistema Agrários dos Tropeiros, Sistema Agrário Colonial e por fim o Sistema

Agrário Contemporâneo. Traz as características e principais elementos que configuraram cada

período, bem como as crises que impulsionaram a passagem de um momento a outro.

Palavras-chave: Sistemas Agrários, paisagem, crises, Litoral Norte do Rio Grande do Sul

Abstract

This article is a historical reconstitution exercise of agriculture in the Litoral Norte of Rio

Grande do Sul, from the evolution and differentiation of agricultural systems, with the systemic

approach. Thus, we propose a multidisciplinary and holistic approach, requiring the interaction

of several factors that help to understand the great movements that intended to agriculture.

Therefore it is essential an understanding of systemic analysis and landscape reading, a tool

that helps to understand the great historical moments, it situates in time and space. From the

research it was possible to describe four major farming systems that make up the study area,

and the Agrarian System Indigenous - hunters and gatherers, Agrarian System of Drovers,

Agricultural Colonial System and finally the Agricultural System Contemporary. It brings the

characteristics and key elements that shaped each period and the crisis that drove the passage

from one moment to another.

Key-words: Farming Systems, landscape, crisis, Litoral Norte of Rio Grande do Sul

1. Introdução

O trabalho tem o objetivo de sintetizar a pesquisa e estudo sobre a evolução e

diferenciação dos sistemas agrários no Litoral Norte do Rio Grande do Sul, considerando os

municípios de Torres, Dom Pedro de Alcântara, Três Cachoeiras, Morrinhos do Sul e

Mampituba. A região foi delimitada em virtude do objeto de pesquisa da dissertação de

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mestrado no programa de pós-graduação em Desenvolvimento Rural - PGDR, da Universidade

Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS.

Para um estudo da evolução e diferenciação dos sistemas agrários, primeiramente é

importante compreender a abordagem sistêmica, suas características e objetivos. A ideia de uma

abordagem de “sistemas” ficou mais forte a partir dos nos 1950, com a crise da ciência. Uma

inquietação de cientistas que percebiam cada vez mais a distância entre as diferentes ciências

(PINHEIRO, 2000; PINHEIRO; SCHMIDT, 2001). Propondo assim, uma visão do todo,

compreendendo sua complexidade e a importância de relacionar as diversas áreas. “Através da

proposição da Teoria Geral dos Sistemas, houve uma perspectiva de mudança da visão

cartesiana, disciplinar e reducionista para a holística e multidisciplinar” (PINHEIRO;

SCHMIDT, 2001, p. 3).

A utilização da abordagem sistêmica ocorreu em diferentes áreas do conhecimento

como na física, psicologia, medicina, informática, e não podia ser diferente na agricultura, pois

há muitos conhecimentos que para serem entendidos e analisados, necessitam de uma visão que

perceba a totalidade a complexidade, e com isso, Pinheiro (2000, p. 28) complementa:

Nesta área, o enfoque sistêmico tem se tornado cada vez mais necessário, devido a

crescente complexidade de sistemas organizados e manejados pelo homem e da

emergência do conceito de sustentabilidade, o qual lançou novos desafios na área

rural, sobretudo em relação à questão socioambiental.

Sustentabilidade no conceito citado acima, e entendido não somente as características

econômicas, ecológicas ou sociológicas, mas sim procurar harmonizar objetivos econômicos,

ambientais e sociais do desenvolvimento (PINHEIRO; SCHMIDT, 2001). Isso porque os

“problemas rurais, em sua maioria, dificilmente serão resolvidos a partir de um ponto de vista

estritamente econômico ou técnico, uma vez que eles surgem como consequência de complexas

interações entre seres humanos e entre estes e o ambiente.” (PINHEIRO; SCHMIDT, 2001, p.

11).

É com esta perspectiva, que se propõe usar uma abordagem sistêmica ao estudar os

grandes momentos da evolução da agricultura no mundo. É necessário compreender o

ambiente, a localização, a paisagem, a história, os grandes momentos que tencionaram a

realidade, alterando assim, a trajetória e caminhos da sociedade, em especial, os modos de fazer

agricultura em cada período histórico. Da mesma forma, Mazoyer (1986, apud MIGUEL, 2009,

p. 23) compreende sistemas agrários, no âmbito das ciências agrárias como “um modo de

exploração do meio historicamente constituído e durável, um conjunto de forças de produção

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adaptado às condições bioclimáticas de um espaço definido e que responde às condições e às

necessidades sociais do momento”.

Através dessa metodologia é possível reconstruir os grandes sistemas agrários em nível

macro, ou seja, do mundo, mas ao mesmo tempo, esta abordagem é possível também

reconstituir sistemas agrários de uma pequena região, por exemplo. Pois “cada sistema agrário

é a expressão teórica de um tipo de agricultura historicamente constituído e geograficamente

localizado.” (MIGUEL, 2009, p. 30).

Desta forma, esta teoria da evolução dos sistemas agrários, possibilita representar as

grandes transformações, bem como traçar as grandes linhas e as características que marcaram

cada sistema agrário. Permite também analisar, compreender e explicar uma realidade

complexa, diversificada, em constante transformação.

Portanto o presente texto será dividido em três partes. Em primeiro momento será feita

uma leitura de paisagem, considerando conceitos e características de clima, relevo, vegetação,

hidrologia, geomorfologia, solo, entre outras características que constituem a paisagem local.

Em um segundo momento será levantado os dados históricos e descrever como os sistemas

agrários foram se constituindo e evoluindo ao longo da história. Para tanto foi utilizado dados

secundários, como por exemplo: atlas, mapas, dados do Censo, imagens e fotos aéreas, como

também foram considerado informações locais, através do dialogo com lideranças e demais

pessoas das comunidades, fontes históricas, bibliografias regionais e locais.

Para fazer a evolução dos sistemas agrários é fundamental perceber que diferenças

ocorreram no espaço e no tempo, considerando variáveis socioeconômicas e produtivas.

Levantando possíveis causas e fatores que desencadearam um declínio de um sistema agrário,

que consequentemente resultou no surgimento de um novo sistema agrário. Para isso também

é necessário identificar e descrever as grandes tendências evolutivas, as tensões, crises, fatos

históricos a nível local, mas também de fatos externos que causaram as crises e rupturas,

gerando mudanças no sistema e que resulta na evolução de um sistema agrário para outro.

E por fim, os aprendizados e desafios encontrados ao desenvolver a pesquisa, bem como

a importância da utilização desta abordagem. É o que veremos no desenvolvimento deste artigo.

2. Leitura de Paisagem

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Entender a paisagem, é compreender o plano de fundo onde a agricultura irá evoluir,

por isso torna se fundamental compreender elementos que interagem nesta paisagem, como

características de solo, vegetação, clima, hidrografia. Pois o homem, como ser que interage com

o meio, não é passivo dele, mas irá desenvolver agricultura conforme a paisagem e o espaço

que ocupa (WIVES, 2013). “Além disso, na leitura de paisagem, é possível definir as formas

resultantes da associação do ser humano com os demais elementos da natureza” (VERDUM;

FONTOURA, 2009, p.10).

Como já mencionado no início deste artigo, o estudo foi realizado em uma parcela da

grande região do Litoral Norte do Rio Grande do Sul. Considerando cinco municípios do

extremo norte, Torres, Três Cachoeiras, Dom Pedro de Alcântara, Morrinhos do Sul e

Mampituba. Assim como representado na Figura 1.

Figura 1 - Área selecionada para a realização do estudo.

Fonte: Figura elaborada por WIVES (2013).

Embora realizando um recorte em apenas cinco municípios, considero importante

apresentar as grandes características da paisagem da região do Litoral Norte como um todo,

pois mesmo delimitando uma dada região, é fundamental conhecer o todo, pois ocorrem

interações, e até mesmo porque a configuração dos elementos observados na paisagem

possibilita diferentes formas de desenvolvimento.

A região do Litoral Norte gaúcho é complexa em sua caracterização de paisagem, pois

está situada em uma zona limítrofe entre o Mar e a Serra Geral, como podemos perceber na

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Figura 2. Tem uma formação histórica muito rica, onde os grupos sociais foram se formando,

aproveitando as vantagens da paisagem para sua reprodução social (WIVES, 2008).

2.1 Unidades de paisagem

Com base no estudo de Wives (2013), podem-se perceber quatro unidades de paisagem,

com base na altimetria:

a) Platô - Campos de Cima da Serra: Formada por derrames vulcânicos de 190 mil

anos. Composta por uma floresta ombrófila mista, com mata de galeria.

Vegetação de campo, com solos rasos e pedregosos. Uma paisagem que propicia

a criação de gado;

b) Alta Encosta – Escarpa: onde a Mata Atlântica ainda é mais preservada,

caracteriza-se pela formação da Serra Geral pelo derrame e escorregamento de

basalto;

c) Média e Baixa Encosta – Depósitos Coluviais: os solos são mais férteis, nos

vales se concentra a produção de banana e nas baixadas à produção é na sua

grande maioria de arroz, fumo, cana-de-açúcar e olerícolas;

d) Planície de Barreiras: formada por sedimentos de origem marinha, formação de

lagunas e lagoas, com vegetação de banhado, restinga e campo, utilizado para a

criação de gado, pesca artesanal e produção de arroz irrigado.

Olhando as delimitações dos municípios escolhidos, podemos observar as três últimas

unidades de paisagem citadas acima. Porém, os jovens pesquisados, desenvolvem atividades

agrícolas apenas na unidade de paisagem considerada “média e baixa encosta”, conforme

Figura 2. Sendo assim, não serão consideradas, para fim de zoneamento as delimitações

municipais, mas sim de paisagem.

Figura 2 - Foto ilustrativa da Unidade de paisagem de Média e Baixa Encosta –

Depósito Coluviais

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Fonte: Imagens capturadas por Marcelo Nunes Vieira

2.2 Vegetação

A unidade de paisagem onde o estudo foi desenvolvido é de baixa e média encosta, ou

também como é conhecido por Encosta da Serra Geral, é reconhecida como Reserva da Biosfera

da Mata Atlântica, mas também da Reserva Biológica Estadual da Serra Geral e da Área de

Preservação Ambiental da Rota do Sol (BRACK, 2006; WIVES, 2008; CASTRO; MELLO,

2013). Contém fortes declividades, e é composta por uma Floresta Ombrófila Densa, podendo

ser subdividida em quatro grupos: Floresta Auto Montana (1000m de altitude) ou Floresta

Ombrófila Mista, Floresta Ombrófila Densa Montana (400 a 1000m), Floresta Ombrófila Densa

Submontana (50 a 400m) e Floresta Ombrófila Densa de Terras Baixas (menos de 50m).

2.3 Geologia

Na Bacia do Paraná, as areias desérticas da formação Botucatu encobriam as paisagens

que se estendiam por quase todo o Rio Grande do Sul (HOLZ, 2003). Mas devido a um intenso

processo de vulcanismo iniciado por volta de 190 milhões de anos atrás, que cobriu com

efusivas basálticas praticamente todo o deserto. Assim, a formação Botucatu ficou submersa

por uma sequência muito espessa de rochas basálticas, transformando o estrato norte do estado

em uma ampla e relativamente plana formação, denominada de Serra Geral.

2.4 Solos

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Os solos encontrados na região do Litoral Norte do Rio Grande do Sul são compostos

pelos derrames basálticos da Bacia do Paraná. Nas encostas são encontrados dois tipos de solos,

os Neossolos Litólico Eutrófico e os Chernossolos. Nas planícies costeiras são os Gleissolos,

que podem interagir com as encostas pela proximidade (CASTRO; MELLO, 2013). Nas

encostas são geralmente encontrados solos argilosos, “provenientes de processos de

intemperismo das rochas basálticas, gerando solos de alta concentração de nutrientes chamados

Chernossolos” (WIVES, 2013, p. 52). Os Neossolos são solos mais recentes, sendo solos rasos

em regiões da Serra Geral mais íngreme (WIVES, 2013).

2.5 Clima e hidrografia

Quanto ao clima, a região sobre influencias da Massa Tropical Atlântica (mTa),

originada na borda anticiclone subtropical localizado no Oceano Atlântico, sendo assim é

quente, úmido e instável. Com ventos de nordeste a leste, chuvas intensas e passageiras. Estas

características ocorrem especialmente entre os meses de setembro a março (CASTRO;

MELLO, 2013).

Outra influencia é a Massa Tropical Continental (mTc) quente e seca, com o

deslocamento do anticiclone subtropical para o norte. No outono e inverno há os ciclones

migratórios polares, gerando instabilidade da frente polar, provocando ventos frequentes dos

quadrantes sul e sudoeste. Após a passagem da frente, a atmosfera se estabiliza, provocando

assim, as quedas de temperatura (CASTRO; MELLO, 2013).

Há também a invasão da Massa de Ar Polar Atlântico (mPa), que com grande rapidez

se processa pelo sudoeste do Estado, podendo ocorrer a formação de nevoeiros e geadas

localizadas (CASTRO; MELLO, 2013).

A unidade relativa do Ar é alta sob influência de massas de ar úmidas. Geralmente entre

83%. Com clima subtropical úmido, os verões são quentes, com temperaturas acima de 22ºC, e

invernos rigorosos, com temperatura entre -3ºC a 18ºC. A precipitação anual de chuvas é de

1200 a 1400 mm (CASTRO; MELLO, 2013).

Além disso, a região faz parte das bacias Hidrográficas do Rio Mampituba e também da

Bacia do Rio Tramandaí. Há grande quantidade de rios e lagoas, o que influencia na umidade

do ar, além da proximidade com o mar.

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3. Evolução e diferenciação dos sistemas agrários no Litoral Norte do Rio Grande do

Sul

Após conhecer o espaço onde ocorreu o estudo, será apresentado os sistemas agrários

existentes, bem como o detalhamento dos diversos fatores que caracterizam cada grande

momento, como também as crises que resultaram na emergência de um novo sistema agrário.

Já podemos perceber que a paisagem é um condicionante do desenvolvimento de um tipo de

agricultura, sendo assim, como a região estudada situa-se na unidade de paisagem “Média e

Baixa encosta – Depósitos Coluviais” será apresentado com mais intensidade as dinâmicas

deste local, mas considerando também elementos de outras unidades de paisagem que se

relacionam, pois contribuem também tanto na organização do sistema, bem como no

tencionamento do mesmo.

Foram identificados quatro Sistemas Agrários, sendo eles: Sistema Agrário Indígena –

caçadores e coletores; Sistema Agrário dos Tropeiros; Sistema Agrário Colonial e, Sistema

Agrário Contemporâneo. Para analisar cada sistema, consideramos alguns fatores comuns,

como os seguintes: período; exploração do ecossistema; mão-de-obra; divisão social do

trabalho; organização social; meios de produção e infraestrutura; sistemas de produção;

Artificialização do meio; excedentes agrícolas e, crises e fatores de transição. A seguir será

detalhado cada sistema agrário.

3.1 Sistema Agrário Indígena – caçadores e coletores

Na Região do Litoral Norte do Rio Grande do Sul, assim como também em outras

regiões do Brasil, e inclusive outros países, os primeiros habitantes foram os indígenas. Os

mesmos desenvolviam atividades diferentes em virtude das características locais, como campos

e florestas. Mas as atividades principais eram de caça e coleta. Nas proximidades do litoral e

lagoas, ainda desenvolviam atividades de pesca.

Muitos arqueólogos, historiadores e demais pesquisadores, ao longo de anos

desenvolveram pesquisas relacionadas às populações e grupos indígenas no Rio Grande do Sul.

Há evidências que são 12000 anos de ocupação indígena no estado. Já no Litoral Norte,

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vestígios encontrados, os sambaquis, apontam 3400 anos Antes do Presente – AP (UFRGS,

2013).

Grande parte da literatura aponta a presença de índios Guaranis no Litoral Norte, porém

algumas pesquisas em sítios arqueológicos apontam vestígios de outras tradições indígenas.

Como é o caso da Tradição Humaitá, Tradição Umbú, Tradição de Caçadores-coletores do

sambaqui Raso, Tradição Taquara e por fim a Tradição Tupiguarani. São resquícios de

instrumentos líticos, cerâmicas, restos de conchas, ossos, abrigo sobre rochas, casas

subterrâneas, entre outros (LOUZADA BECKER, 2007). Estes sítios arqueológicos estão

situados desde Torres a Tramandaí pelo Litoral e demais municípios, como por exemplo, Três

Cachoeiras, Três Forquilhas, Santo Antônio da Patrulha, Osório, Caraá.

No Litoral Norte, o grupo é identificado como Arachanes e Carijós, este último tem

como origem Guarani. Ocupavam muito mais a parte litorânea, e nas proximidades das lagoas

(WIVES, 2008). Somente 2000 anos AP é que há indícios de uma agricultura ainda iniciante,

agora não na faixa litorânea, mas aproximando das encostas. Como salienta Wives (2008), estes

grupos iniciaram os cultivos de mandioca, feijões e milho, mas também de fava, algodão, batata

doce, abóbora, amendoim e fumo. A agricultura era baseada no processo de derrubada e

queimada da mata densa para início de pequenas roças.

O padrão de subsistência deste grupo [tradição Tupiguarani] tinha na mandioca o

principal produto da horticultura indígena, plantada no modo costumeiro desde – a

coivara (derrubada e queimada) no interior da floresta subtropical, em pequenos

trechos para o plantio em rodízio. (LOUZADA BECKER, 2007, p. 79)

Em relação à divisão social do trabalho, aos homens cabia a tarefa da caça, coleta,

derrubada e queimada para agricultura. Às mulheres eram as cuidadoras da moradia, crianças,

coleta, fabricação de cerâmicas, ao plantio e colheita. Entre os diferentes grupos, existia relação

de troca, principalmente entre o litoral e encostas pela diferença de alimentos que possuíam.

Mas também entre grupos indígenas Arachanes e Carijós das encostas da Serra com populações

indígenas dos Campos em Cima da Serra (GERHARDT, 2002, apud WIVES, 2008).

Os equipamentos que possuíam eram fabricados pelo grupo a partir da pedra lascada e

madeira, ossos de animais, fibras naturais e cerâmicas. Entre eles, machado, facas, flechas,

raspadores e furadores, lanças, cestas e redes de pesca (WIVES, 2008).

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É importante salientar, que este sistema agrário é o mais longo, e que cada transformação

ocorre em um longo período. Este modo de vida dos indígenas ocupantes do Litoral Norte se

estende até a chegada de colonizadores portugueses, bandeirantes e tropeiros que iniciaram a

tentativa de colonização do sul do país. Da mesma forma, com o início de um novo sistema,

não indica a exclusão do anterior. Mesmo em meados dos anos 1600 e 1700, podemos ver

parcelas de grupos indígenas que ainda resistem e mantêm suas tradições.

3.2 Sistema Agrário dos Tropeiros

Este novo período, nomeado como Sistema Agrário dos Tropeiros, é datado em 1680, o

que não significa que a partir deste momento é feito um corte na história, mas indica

transformações na dinâmica local. A região do Litoral Norte foi por muitos anos Rota entre o

sudeste do Brasil com a Colônia de Sacramento, na Argentina. A passagem destes tropeiros por

esta região, bem como o extermínio e expulsão dos índios pelas expedições portuguesas

realizadas no sul do Brasil, desarticularam o sistema agrário anterior (WIVES, 2008).

A região agora passa ser rota de passagem de tropeiros e também pelas tropas do

exército. São abertas trilhas e “picadas” na mata para facilitar a passagem (SCHAEFFER,

1985). A presença de grandes rios, como o rio Mampituba e rio Tramandaí, também facilitava

a passagem destes. O local também servia para descanso das topas, as chamadas invernadas.

Com o tempo, estas invernadas passaram a ser não somente temporárias, mas permanentes. Os

donos legitimam posse da terra e transferem suas famílias, escravos e tropeiros (WIVES, 2008;

SCHAEFFER, 1985). O que inicia um movimento de criação de um novo povoado.

É importante salientar, que esta dinâmica, do estabelecimento de invernadas, ocorrem

em sua grande maioria na planície costeira, as margens de lagoas. E que o foco principal deste

estudo é as transformações ocorridas nas Encostas da Serra Geral. Embora a constituição de

invernadas ocorra na planície e campos, altera também a dinâmica das encostas. Isso se dá pelo

fato da expulsão dos grupos indígenas que estavam nos campos, às margens de lagoas e do mar,

a ocupar também a porção das encostas, onde já havia outros grupos. Estas mudanças fazem

com que estes precisam se adaptar a uma nova realidade, aprendendo práticas agrícolas, não

mais somente a pesca, caça e coleta.

A primeira relação entre estancieiros e indígenas foi à tentativa de escravidão. O que

não foi fácil, pois o mesmo já estava acostumado a uma vida livre adaptado as características

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da região, conhecendo também esconderijos e locais para fuga. Mas com o tempo, começam a

existir relações de troca entre os distintos grupos. Trocas de utensílios de couro e madeira por

alimentos que os índios produziam (SCHAEFFER, 1985).

A cultivo que mais bem se desenvolveu neste período foi a da cana-de-açúcar, a mesma

era destinada a engenhos, para a fabricação de açúcar, cachaça, melado, entre outras finalidades

(BECKER VIEIRA, 2011).

Ao passar do tempo, com a presença de vários grupos diferentes (índios, escravos negros

e brancos), inicia um processo (talvez não muito pacífico) de mestiçagem. Principalmente entre

negros e índios, os chamados caboclos. Já em outras localidades do litoral norte, ocorreram

outros tipos de ocupações, como por exemplo, por açorianos em meados de 1750 em Osório e

Santo Antônio da Patrulha.

Este modo de organização que ocorria na região será dominante até o início do século

XIX, quando inicia um processo de ação imigratória de alguns países da Europa para o Brasil.

No Rio Grande do Sul, chegarão primeiramente os alemães e posteriormente os italianos. Esta

nova ocupação dos territórios do Litoral Norte do Rio Grande do Sul mudará radicalmente a

região. Transformando a paisagem, relações sociais, econômicas, culturais e produtivas locais.

É o que veremos a seguir.

3.3 Sistema Agrário Colonial

Este terceiro Sistema Agrário, denominado Colonial, caracteriza-se pelo processo de

migração de países da Europa para colonização do Brasil, muitos alemães vieram ao Rio Grande

do Sul, primeiramente em São Leopoldo, e após para o Litoral Norte do Rio Grande do Sul, na

grande região de Torres. Chegaram à região no ano de 1826, e se fixaram em Torres, Dom

Pedro de Alcântara e Três Forquilhas, principalmente nas áreas de encostas, pois os campos já

estavam ocupados por estancieiros.

Esta primeira distribuição dos colonizadores foi pela religião, dividindo-os entre

católicos em Dom Pedro de Alcântara e protestantes em Três Forquilhas. Para cada família

eram lhes dado um pedaço de terra, em torno de setenta hectares, animais, ferramentas, panelas

e uma quantia de 160 mil réis por mês. Estes colonos tinham o compromisso de ocupar este

terreno por no mínimo dez anos (SILVA, 1985 apud WIVES, 2008). Sobre este aspecto,

Schaeffer também acrescenta:

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Os católicos ficaram estabelecidos na colônia de São Pedro, ocupando os terrenos

entre a Lagoa do Morro do Forno e a Lagoa do Jacaré. O local escolhido, inicialmente

foi junto ao Rio Mampituba, porém, devido a uma grande inundação, a Colônia foi

transferida para locais mais elevados. [...] Os protestantes foram para Três Forquilhas,

distante de Torres, mais ou menos oito léguas. Entretanto, ambos os grupos

enfrentaram grandes dificuldades pois, a ajuda que recebiam do Governo era pequena

e sofriam privações de toda a espécie. Faltava até comida, uma vez que, teriam que

esperar quase um ano para a próxima colheita. Faltavam recursos médicos. As

crianças e adultos adoeciam e, se os chás não fizessem efeito, a morte era certa porque

não havia hospital, nem médico. (SCHAEFFER, 1985: p. 79-80)

Com o tempo, estes colonos foram ocupando outros locais, formando pequenas

comunidades, e até mesmo impulsionaram o surgimento de povoados urbanos. Chegaram à

região, no final do século XIX, imigrantes italianos. Estes já estavam em Caxias do Sul, e

chegaram ao Litoral pela Trilha dos Tropeiros, nas Encostas da Serra Geral e fixaram colônia

onde hoje é a comunidade de Morro Azul, em Três Cachoeiras (BECKER VIEIRA, 2011).

Tanto para construção de novas moradias, como para o desenvolvimento da agricultura,

houve um aceleramento do processo de desmatamento da Mata Atlântica. Seus meios de

produção eram basicamente tração animal leve (arados), ferramentas de ferro e cabos de

madeira (enxada, pá, machado, foice, etc.), para o transporte, utilizavam carroças, carros de boi,

barcas de madeira para o transporte lacustre, mas principalmente utilizavam mulas.

A mão de obra é familiar, incluindo o trabalho de mulheres e crianças nas lavouras. Os

cuidados com a casa e criação dos filhos eram de responsabilidade da mulher. Os mutirões eram

muito comuns, principalmente no período de colheita, onde as famílias das comunidades se

reuniam, contribuíam durante o dia nos trabalhos da roça e no fim do dia era realizada uma

confraternização.

A produção de alimentos basicamente para subsistência, composta por mandioca, feijão,

milho, batata, arroz, café, hortaliças, banana e a cana-de-açúcar. Esta última como detalhamos

no sistema agrário anterior (Tropeiros), já era processada em pequenos engenhos da região,

para produção da cachaça, melado, rapadura e açúcar. Além do consumo familiar, a cana é um

importante produto que garantia a segurança econômica das famílias, juntamente com a

produção do fumo eram os dois principais produtos para comercialização.

Com o tempo a produção agrícola cresceu muito, gerando uma grande produção de

excedentes, gerando assim uma riqueza regional (WIVES, 2008). Da mesma forma, foi

fundamental a criação de outros setores, não somente ligados a agricultura. Foi assim, que se

estabeleceram na região ferreiros, madeireiras, olarias, moinhos, alfaiatarias, comerciantes,

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entre outros. Na faixa litorânea, se desenvolveu a atividade da pesca, tanto em água doce, como

em água salgada.

Ao passo que a região foi se desenvolvendo, crescendo a produção agrícola e também

as atividades industriais, também encontravam limitantes. Um dos maiores limites do período

eram os pontos de acesso e escoamento desta produção. Pois o comércio era basicamente

interno entre a própria região. O que facilitou e reduziu o isolamento da região foi a instalação

de um porto, em 1926, ligando Torres e Osório. Para que os produtos chegassem a Porto Alegre,

a capital gaúcha, deveriam ir de Torres a Osório via transporte lacustre, após até Palmares do

Sul via estrada férrea e de lá a Porto Alegre via Lagoa dos Patos (SCHAEFFER, 1985; WIVES,

2008).

Outro ponto de escoação da produção agrícola era São Francisco de Paula, município

localizado nos Campos de Cima da Serra, onde eram transportados por mulas na Rota dos

Tropeiros. O que veio a facilitar foi a construção de uma estrada em 1911, ligando o litoral e a

serra (SCHAEFFER, 1985; WIVES 2008; BECKER VIEIRA, 2011). Estes dois meios,

transporte lacustre e rodoviário foi o que durante anos possibilitou não somente o escoamento

da produção, mas também para a circulação de pessoas.

Com o aumento populacional, foi necessário as novas famílias ocuparem novos espaços.

O que não era fácil, pois a região já estava povoada nos campos, áreas litorâneas e também nas

encostas da Serra Geral. Esse fator causou inúmeros problemas, mas são dois os principais.

Primeiro o desgaste da terra pelo uso intensivo na agricultura e, segundo a falta de terra para os

muitos filhos que as famílias possuíam. Estes fatores contribuíram, para que na década de 50,

muitos jovens, e até mesmo família migrassem para outras regiões, em especial a região

metropolitana de Porto Alegre, Caxias do Sul, e também outros estados. Sobre o fator da

degradação da terra, a Revolução Verde, que tratarei a seguir será mais um fator de

tencionamento que mudará a dinâmica produtiva local.

Outro elemento que teve grande influência, no final deste terceiro sistema agrário, foi a

construção da BR 101, uma rodovia asfaltada, ligando Porto Alegre a São Paulo, via Litoral

Norte. Extinguindo assim o transporte lacustre e possibilitando maior escoamento da produção

agrícola. Estes elementos contribuíram para mais uma alteração na dinâmica local, passando de

um sistema agrário colonial para o quarto e último sistema, o contemporâneo. No qual ainda

nos situamos.

3.4 Sistema Agrário Contemporâneo

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Após quase 4000 anos de retrospectiva na história local, abordando elementos que

ajudam na identificação dos grandes momentos, caracterizando as trajetórias da agricultura ao

longo dos anos no Litoral Norte do Rio Grande do Sul, mais especificamente na microrregião

de Torres, chegamos mais perto dos dias atuais. Este quarto e último sistema tem início na

metade do século XX, em torno dos anos 1950.

Como mencionado anteriormente, neste período ocorreram muitas mudanças, entre elas

na estrutura de transportes, da produção, mas também na dinâmica social desta região. A

construção da BR 101 não somente tirou a região do isolamento, facilitando o transporte de

produtos e a movimentação de pessoas, mas também fez com que muitos trabalhadores rurais,

que construíram a estrada, saíssem de suas propriedades a fixarem moradia às margens da

rodovia, criando assim vários povoados urbanos em toda sua faixa. Da mesma forma, aumentou

significativamente o número de caminhoneiros, fazendo com que Três Cachoeiras fosse

conhecida como a Capital dos Caminhoneiros (BECKER VIEIRA, 2011).

Contudo, outra influência da BR 101 foi a facilidade ao acesso à faixa litorânea,

ocorrendo assim especulação imobiliária, criando balneários para turismo no verão (WIVES,

2008). Muitos agricultores deixam suas propriedades no verão para trabalhar nas praias, como

garçons, camareiras, vendedores, entre outros. A chegada da energia elétrica nos anos 60 teve

grande influência, principalmente nas atividades agrícolas e na rotina das famílias.

No que diz respeito ao modo de produção, já mencionei anteriormente que os solos

estavam degradados pelo excessivo uso, bem como grande parte de floresta nativa (Mata

Atlântica) estava sendo fortemente ameaçada pelo desmatamento para transformação da área

em unidades produtivas, mas também para comércio da madeira. É neste período que surge a

Revolução Verde, como afirma Mazoyer (2010), um pacote tecnológico, iniciado nos anos

1960, que propunha mecanização, produtos químicos, adubação, seleção e melhoramento de

sementes e irrigação. O mesmo autor ainda acrescenta:

Os poderes públicos favoreceram intensamente a difusão dessa revolução

comandando políticas públicas de incentivo aos preços agrícolas, de subvenções aos

insumos, de bonificação dos juros de empréstimo e de investimentos em infraestrutura

de irrigação, drenagem e transporte. (MAZOYER, 2010, p. 28-29)

Na região do Litoral Norte, segundo Wives (2008) a revolução verde teve mais força

inicialmente, no que tange a adubação e utilização de agrotóxicos nos cultivos de banana, fumo

e olericultura. A irrigação ocorreu no cultivo de arroz, nas várzeas e terrenos planos. Como os

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terrenos dobrados, nas encostas da Serra Geral, há dificuldades de utilização de equipamentos

motomecanizados, geralmente são as tobatas (micro tratores) os mais utilizados pelos

agricultores.

Conforme Wives (2008), a banana se adaptou muito bem às características locais, aos

terrenos acidentados das encostas da Serra Geral, e nas várzeas o arroz irrigado, bem como as

olerícolas. É importante ressaltar, a mudança na dinâmica produtiva, onde os principais cultivos

no sistema agrário anterior eram a cana-de-açúcar, fumo e mandioca. Destacando ainda a

produção para a subsistência, sendo diversa e vista como fundamental para quase todos os

agricultores. Neste novo sistema Contemporâneo, a banana passa a ser central, ao lado do

cultivo do arroz irrigado. E a tecnificação passa ser cada vez mais importante.

Em grande parte das propriedades, a mão-de-obra é fundamentalmente familiar, mas

começam a surgir diaristas para o trabalho na roça, e até mesmo trabalho assalariado. Às

famílias começam a contar com rendas não agrícolas, o que contribui no investimento e

melhoria de condições da propriedade, moradia e qualidade de vida. Estas rendas não agrícolas

são oriundas primeiramente da aposentadoria rural, mas também de atividades extras no verão,

do turismo rural, das vendas de artesanato, entre outros.

Todas estas mudanças que ocorreram na região contribuíram para o desenvolvimento e

avanço na produção agrícola. Porém, este crescimento e capitalização por parte dos agricultores

não ocorreu de maneira homogênea. Alguns agricultores tiveram maior acesso aos meios de

produção, terra, acesso ao mercado. Desta forma isso não ocorreu para todos, gerando assim, o

empobrecimento de muitas famílias, que foram obrigadas a vender suas terras, ou até mesmo

trabalhar de diaristas (WIVES, 2008).

As leis de preservação ambiental, das últimas décadas contribuíram no controle da

degradação ambiental e do desmatamento da mata para abertura de novas unidades de produção

agrícola. Porém impossibilitou a muitos agricultores o trabalho, pois as propriedades são

pequenas e muitas delas localizadas em áreas de preservação ambiental, em morros de elevadas

declividades. Sendo assim, a banana, como é considerada uma espécie de cultivo permanente,

tornou-se uma alternativa para muitos agricultores (WIVES, 2008).

Para Wives (2008), outro fator que contribuiu para que a cana-de-açúcar deixasse de ser

um dos principais cultivos na região, foi o fechamento da AGASA – Açúcar Gaúcho SA, pela

crise do petróleo no fim dos anos 70, e a elevação dos custos de transportes. O fechamento desta

indústria deixou muitos agricultores endividados e provocando a eliminação da cana-de-açúcar

entre os produtos mais cultivados no Litoral Norte. Alguns agricultores preservam esta cultura,

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e mantem engenhos artesanais, mas na sua maioria apenas de cachaça. O açúcar mascavo,

melado e rapaduras são apenas para autoconsumo.

Sobre a organização social, neste período surgem cooperativas e associações de

agricultores. Na década de 80, é forte a influência dos movimentos sociais que surgem através

da organização dos mais empobrecidos e excluídos pelo arranjo da sociedade. Na Região de

Torres a Igreja Católica impulsionou a mobilização social, incentivando a participação em

movimentos sociais e a criação de associações de agricultores, mas principalmente,

contribuindo na criação de grupos de agricultores ecologistas. Como por exemplo, a ACERT –

Associação dos Colonos Ecologistas da Região de Torres, criada em 1991, para produzir e

comercializar alimentos agroecológicos, com a preocupação da saúde dos agricultores,

consumidores e do planeta (BECKER VIEIRA, 2011).

Além disso, a ACERT também surge como uma alternativa de continuidade e

permanência dos jovens no meio rural, pois atravessaram por um período de descapitalização

dos agricultores, da falta de terra, e pelos baixos preços que os produtos agrícolas enfrentavam.

Criar uma associação facilitou o acesso à comercialização, criando pontos de venda direta aos

consumidores (feiras ecológicas), e também participando de cursos de formação para

aperfeiçoamento das práticas agrícolas, em especial a agroecologia.

Igualmente, a agroecologia também é considerada mais uma opção em relação as leis

ambientais, pois grande parte dos bananais agroecológicos são realizados a partir da técnica dos

Sistemas Agroflorestais – SAFs. Baseado no consórcio das bananeiras com plantas frutíferas e

nativas, como é o caso do louro, ipê, canela e da Palmeira Juçara (Euterpe edulis). (WIVES,

2008)

4. Conclusões

A região de Torres, parte norte do Litoral Norte do Rio Grande do Sul, por ser limítrofe

entre mar e serra geral é rica em suas características, tanto de forma de paisagem, mas também

por sua história e relação que ao longo do tempo estabeleceu entre seus povoadores e com outras

regiões. Foi possível perceber, que mesmo muito próxima a planície costeira, teve uma

dinâmica própria nas áreas de encostas, e que esta paisagem e estrutura foi fundamental na

configuração de colonização da mesma.

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Os quatro grandes sistemas agrários se configuram como um grande cenário, com as

principais características, eventos e tensões que constituíram, ao longo do tempo, a história da

agricultura nesta região. Este exercício contribui também para através da história, compreender

questões atuais. E assim, ajudar na resolução destes problemas, como o êxodo da juventude, as

crises socioambientais, a pobreza rural, e assim por diante. O método do estudo da evolução da

agricultura através de sistemas agrários implica necessariamente em uma visão multidisciplinar,

contribuindo para que possamos tratar de questões complexas, bem como visualizar o todo e

voltar a uma realidade particular, pois não ocorrem de maneira isolada, mas se relacionam com

o meio externo.

Chegando aos dias atuais, há alguns elementos que tencionam e provocam crises, como

por exemplo, o grande êxodo rural principalmente de jovens, a aproximação cada vez maior

dos centros urbanos, ou seja, a urbanização dos pequenos municípios rurais e por fim a

capitalização heterogênea dos agricultores. Não acredita-se que estas questões influenciarão na

constituição de um novo sistema agrário, mas merecem atenção e estudo, para que as

comunidades possam se desenvolver de forma sustentável e que as famílias de agricultores

possam ter qualidade de vida e acesso à melhores condições que são seus direitos.

5. Referências

BECKER VIEIRA, A. C. Contribuição da ACERT - Associação dos Colonos Ecologistas

da Região de Torres - no processo de Formação da consciência agroecológica da juventude

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