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1 ROBERTA RODRIGUES CAMILO EVOLUÇÃO DAS PENAS E O REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO Mestrado em Direito Processual Penal PUC/SÃO PAULO 2007

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ROBERTA RODRIGUES CAMILO

EVOLUÇÃO DAS PENAS E O REGIME DISCIPLINAR

DIFERENCIADO

Mestrado em Direito Processual Penal

PUC/SÃO PAULO

2007

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ROBERTA RODRIGUES CAMILO

EVOLUÇÃO DAS PENAS E O REGIME DISCIPLINAR

DIFERENCIADO

Dissertação de Mestrado apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para a obtenção do título de Mestre em Direito (Direito Processual Penal), sob a orientação do Professor Doutor Marco Antonio Marques da Silva.

PUC/SÃO PAULO 2007

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Banca Examinadora

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Ao meu pai Ruy, por tudo que significa e por ter me ensinado a jamais desistir de meus sonhos. À minha mãe Maria Teresa, que me levou a gostar da área criminal, com saudades.

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AGRADECIMENTOS Ao Professor Doutor Marco Antonio Marques da Silva, brilhante jurista, pela excelente

orientação e apoio.

Ao Professor Doutor Carlos Fonseca Monnerat pelo incentivo e pela amizade.

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RESUMO

O presente trabalho analisa a sanção penal e a sua evolução diante do direito penal e

processual penal, até a implantação do regime disciplinar diferenciado, instituído pela Lei nº

10.792/2003, que alterou o artigo 52 e seguintes da Lei nº 7.210/84 (Lei de Execução Penal).

Embora seja tema relativamente recente, já é, objeto de críticas e apoios. Ademais, analisamos

as circunstâncias emergenciais que ensejaram a criação desse instituto.

Analisamos, outrossim, o nosso Sistema Prisional, que enfrenta problemas de lotação,

grande obstáculo para a ressocialização do condenado e a má influência de líderes de facções

criminosas, muitos detidos, e, que, constantemente, causam temor à sociedade.

Por fim, estudamos o regime disciplinar diferenciado, propriamente dito, com suas

características, regras, sua aplicação em face da Constituição Federal , com vistas a missão de

um Estado Democrático de Direito.

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ABSTRACT

The current paper analyzes the penal sanction and its evolution within the penal and

procedural penal law up to the implementation of the differential, disciplinary regime, passed

by Law no. 10.792/2003, which altered article no.52 and those that followed Law no.

7.210/84 (Penal, Execution Law). Although, this is a relatively recent theme, it has already

been object of both support and criticism. Moreover, we have analyzed the emergent

circunstances that brought forth the creation of such institution.

Therefore, we have investigated our Penitentiary System, which faces overcrowding

problems - a great obstacle to the ressocialization of the condemned-and the bad influence of

criminal groups′ leaders, many of which though imprisoned, still cause society fear.

Finally, we have studied the differential, disciplinary regime in itself - that is, in its

features, rules and applicability towards the Federal Constitution, for the mission of a

Democratic State of Law.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO..................................................................................... 11

CAPÍTULO I SANÇÃO PENAL........................................................ 12

1 Teorias dos Fins da Pena...................................... ..................... 13

1.1 Teorias Absolutas.................................................................... 13

1.1.1 As Idéias de Cesare Bonesana............................................. 13

1.1.2 As Teorias Retribucionistas de Kant e Hegel....................... 14

1.1.3 O Pensamento de Francesco Carrara.................................... 14

1.1.4 O Pensamento de Karl Binding............................................ 15

1.1.5 Críticas às Teorias Absolutas da Pena.................................. 15

2. Teorias Relativas ou Preventivas ou da Prevenção................... 16

2.1 Prevenção Geral...................................... ............................... 16

2.1.1 Pensamento Moderno........................................................... 17

2.1.1.1 Winfried Hassemer............................................................ 17

2.1.1.2. Claus Roxin...................................... ............................... 17

CAPÍTULO II INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA.......................... 19

CAPÍTULO III FORMAS DA SANÇÃO PENAL NO BRASIL..... 21

1 Pena de Multa............................................................................. 21

1.1 Origem da Pena Pecuniária...................................................... 21

1.2 Tipos de Penas Pecuniárias...................................................... 22

1.3 Pena de Multa propriamente dita.......................................... 22

2 Pena Restritiva de Direitos......................................................... 25

2.1 Antecedentes das Penas Alternativas....................................... 26

2.2 Requisitos ou pressupostos necessários à substituição nas

Penas Restritivas de Direitos..................................................................

28

2.3 Espécies de Penas Restritivas de Direitos.............................. 29

2.3.1 Limitação de Fim de Semana............................................... 29

2.3.2 Prestação de Serviços à Comunidade................................... 30

2.3.3 Interdição Temporária de Direitos........................................ 31

2.3.3.1 Proibição do Exercício de Cargo, Função ou Atividade

Pública, bem como de Mandato Eletivo. ...............................................

32

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2.3.3.2 Proibição do Exercício de Profissão, Atividade ou Ofício

que dependam de Habilitação Especial, Licença ou Autorização do

Poder Público...................................... ..................................................

32

2.3.3.3 Suspensão de Autorização ou de Habilitação para Dirigir

Veículo....................................................................................................

33

3 Penas Privativas de Liberdade.................................................... 33

3.1 Regimes Fechado e Semi-Aberto............................................ 37

3.2 Regime Aberto......................................................................... 39

CAPÍTULO IV A PRISÃO.................................................................. 41

1 Evolução Histórica...................................................................... 41

2 O Sistema Penintenciário Clássico............................................. 49

2.1 O Sistema Progressivo Inglês.................................................. 51

2.2 O Sistema Progressivo Irlandês............................................... 53

2.3 O Sistema de Elmira................................................................ 53

2.4 O Sistema de Montesinos........................................................ 54

2.5 O Sistema Borstal.................................................................... 55

3. Os Modernos Regimes Penitenciários....................................... 56

CAPÍTULO V .DIREITO PENAL DO INIMIGO........................... 63

CAPÍTULO VI REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO........ 67

1. Considerações Gerais................................................................ 67

2 A Implantação do Regime Disciplinar Diferenciado Lei Nº

10.792⁄03................................................................................................

71

3. O Sistema de Judicialização do RDD........................................ 76

4 Hipóteses de Cabimento do RDD............................................... 80

4.1 Prática de fato previsto como crime doloso que ocasione

subversão da ordem ou da disciplina internas.........................................

81

4.2 Presos que apresentem Alto Risco para a Ordem e a

Segurança do Estabelecimento Penal ou da Sociedade..........................

82

4.3 Presos sobre os quais recaiam fundadas suspeitas de

Envolvimento ou participação a qualquer título, em Organizações

Criminosas, Quadrilha ou Bando............................................................

84

5 Regras do RDD........................................................................... 86

6 O RDD sob o enfoque da Doutrina e da Jurisprudência........... 90

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6.1 Isolamento Preventivo e o RDD Preventivo ou

Cautelar.......................................................................................

94

7 O RDD em face da Constituição Federal em Vigor.................. 97

7.1. Regime Disciplinar Diferenciado para Provisórios................ 101

7.2 Princípio da Dignidade Humana.............................................. 101

7.2.1.Considerações Gerais.......................................................... 101

7.2.1.1 Conceito de Dignidade Humana...................................... 104

7.2.2 O Princípio da Dignidade Humana e a Constituição Federal de 1988

107

7.2.3 O Princípio da Dignidade Humana e o Direito Penal e

Processual Penal....................................................................................

109

7.3.Princípio da Presunção de Inocência pelo Sistema Prisional

brasileiro.................................................................................................

112

7.4 Princípio da Presunção de Inocência...................................... 115

7.4.1 Considerações Gerais.......................................................... 115

7.4.2 A Presunção de Inocência em face do Direito Comparado 118

8. Disposições sobre Regime Disciplinar Diferenciado......... 122

9 Últimas Considerações sobre o Regime Disciplinar

Diferenciado.........................................................................................

124

CONCLUSÕES.................................................................................... 125

BIBLIOGRAFIA................................................................................... 129

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INTRODUÇÃO

No Capítulo I abordamos a sanção penal, dando ênfase às teorias dos fins da pena, que

sofreram alterações durante todos os períodos históricos. Além disso, foi necessário fazer a

diferenciação entre os adeptos das teorias absolutas e relativas, mencionando seus principais

representantes e suas visões sobre a pena e sua evolução até os dias atuais.

No Capítulo II foi mencionado o princípio da individualização da pena, assegurado

pela Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso XLVI, princípio este de extrema

importância, compatibilizando-o com o regime disciplinar diferenciado.

Expusemos no Capítulo III as modalidades de sanção penal, suas origens e suas

importâncias e as razões pelos quais são aplicadas, dando ênfase às penas privativas de

liberdade e os seus respectivos regimes de cumprimento de pena.

A prisão e sua evolução histórica foi tratada no Capítulo IV, bem como os Sistemas

Penitenciários Clássicos como os Modernos, com suas vertentes, demonstrando suas

influências nos sistemas prisionais atuais.

O Direito Penal do Inimigo é tratado no Capítulo V, tema atual e relevante para

entender a forma de execução da pena privativa de liberdade.

No Capítulo VI analisamos o regime disciplinar diferenciado, confrontando-o com os

princípios da presunção de inocência e da dignidade humana. Concluímos o presente trabalho,

explicitando como o regime disciplinar diferenciado foi implantado e conseqüentemente

alterou dispositivos da Lei de Execução Penal em vigor, ocasionando reflexos na aplicação do

direito penal e processual penal brasileiro.

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CAPÍTULO I SANÇÃO PENAL

A pena pode ser analisada tanto sob o aspecto formal como pelo substancial.

A sanção penal é descrita formalmente pelo legislador. Ademais, a doutrina apresenta

a sua classificação em duas categorias: as principais, que abrangem a reclusão, detenção,

prisão simples e multa e as substitutivas, que consistem na prestação de serviços à

comunidade, interdição temporária de direitos e limitação de fim de semana, conforme

estabelece o artigo 43 do Código Penal em vigor.

Substancialmente, a pena representa restrição ao exercício de direito do condenado e

excepcionalmente, eliminação do próprio direito, como acontece com a pena de morte que

suprime a vida. 1

As penas, segundo nosso ordenamento jurídico podem ser: privativas de liberdade,

restritivas de direitos ou de multa. Admite-se, excepcionalmente a pena de morte (art. 5,º

XLVII, CF) em caso de guerra declarada contra agressão estrangeira, autorizada pelo

Congresso Nacional ou referendada por ele ( art. 84, XIX, CF).

A Carta Magna vigente prevê ainda que não haverá penas de caráter perpétuo; de

trabalhos forçados; de banimentos; cruéis, em consonância com o artigo 5º, XLVII.

A finalidade da pena consubstancia-se na reprovação e prevenção da atividade

delituosa. Dessa forma, considera a prevenção no sentido de “incutir no condenado a idéia de

não retornar à senda criminosa. A pena aplicada reprova o delinqüente e, na execução será

utilizada para impedir a volta à criminalidade”2

1 CERNICCHIARO, Luiz Vicente e COSTA JUNIOR, Paulo José. Direito Penal na Constituição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 3ª edição, 1995, p. 118. 2 CERNICCHIARO, Luiz Vicente e COSTA JUNIOR, Paulo José. Direito Penal na Constituição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 3ª edição, 1995, p. 126.

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Afirma Luiz Vicente Cernicchiaro que a finalidade da pena é ”retribuir juridicamente

o dano social causado pelo crime”.3

1 Teorias dos Fins da Pena

Somente a partir do finalismo de Hans Welzel a ação humana foi posta como

fundamental ao estudo do Direito Penal e “atribuiu à pena uma relativa função em virtude da

necessidade de manter a integridade da ordem da comunidade.4

A pena não pode ser analisada de forma isolada mas deve ser integrada a todo o

sistema de Direito Penal.

Com o intuito de abordar os fins da pena surgem as teorias absolutas ou da retribuição

e as relativas ou preventivas ou da prevenção.

1.1 Teorias absolutas

Nas teorias absolutas não se atribui à pena qualquer fim mas verifica-se a própria

sanção como castigo, reação ou retribuição, por ser conseqüência da prática de um crime.Tais

teorias foram iniciadas por Hegel e tiveram seu término com Binding.

1.1.1 As idéias de Cesare Bonesana

Cesare Bonesana, Marquês de Beccaria, publicou em 1764 a obra “Dos Delitos e das

Penas”, na qual critica o Direito Penal da época, sugerindo mudanças extremas no sistema.

A origem das penas está no contrato social, segundo Beccaria, mas a “cessão do

direito de punir que cada um atribui ao Estado determina a aplicação das sanções

proporcionalmente aos delitos”. 5

3 Idem, p. 127. 4 CAMARGO, Antonio Luis Chaves. Sistemas de Penas, Dogmática Jurídico-Penal e Política Criminal. São Paulo: Cultural Paulista, 2002, p. 37. 5 Idem, p. 39.

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Não é permitido na aplicação das penas o abuso, sendo necessária previsão legal,

“oriunda de um legislador que representa o pacto social da sociedade, deve estar presente a

utilidade das penas, não se permitindo a imposição de uma pena inútil”. 6

1.1.2 As teorias retribucionistas de Kant e Hegel

Kant afastou o caráter utilitário da pena. Entendia que a pena “ é livre de qualquer fim

em si mesmo.”7

Afirma, ainda, que “a proporcionalidade das teorias absolutas vinculava a pena ao

dano causado pelo crime, como uma forma de aplicar a justiça. É a de retribuição que pune

quem pecou ( punitur quia peccatum est)”.8

De fato, a idéia retribucionista de Kant não atribui qualquer caráter preventivo à pena,

sendo o castigo proporcional ao crime cometido.

Hegel, também adepto à corrente retribucionista

“posiciona-se suas idéias sobre a pena como um processo dialético, sendo a pena a restauração do ordenamento jurídico. O ordenamento jurídico é desejado por todos, pois a pena não é só justa em si, mas um direito do criminoso, uma forma de sua vontade de existir, que está ínsita no seu ato”9

Na verdade, deve-se atentar para o fato de que o criminoso, ao infringir o ordenamento

jurídico, torna-se merecedor da pena que anula os efeitos do crime.

1.1.3 O pensamento de Francesco Carrara

Francesco Carrara, considerado o representante máximo da Escola Clássica, parte do

reconhecimento da existência de um direito natural mas aponta um direito positivo que deve

ser observado.

6 Ibidem, p. 39. 7 Ibidem, p. 39-40. 8 Ibidem, p. 40. 9 Ibidem, p. 41

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O livre arbítrio e a responsabilidade moral são características do retribucionismo .

Há que se observar que Carrara revela-se um defensor dos direitos humanos e da

liberdade.

1.1.4 O pensamento de Karl Binding

Nota-se no posicionamento de Karl Binding uma diferenciação entre a norma e a lei

penal. Enquanto na primeira, estabelece-se o modelo de conduta que pode ser transgredido,

na segunda, há uma parte descritiva, consistindo na conduta a ser praticada pelo agente, e uma

parte que é prescritiva.

Ocorre que aqueles que violarem as normas serão submetidos a uma pena, de acordo

com a lei penal.

Segundo a teoria de Binding não há

“qualquer objetivo preventivo especial da pena, pois sua fixação, de acordo com a gravidade do crime, atingindo o culpado na sua culpabilidade, para infringir um sofrimento pelo desrespeito ao Direito, poderia chegar ao final, sem ter cumprido este objetivo”. 10

1.1.5 Críticas às teorias absolutas da pena

O fato de a pena ser vista como uma retribuição justa, com base no livre-arbítrio e na

culpabilidade, tendo neles o conteúdo do dolo e da culpa, numa relação psicológica, entre a

conduta e seu autor, não apresentava os parâmetros que determinavam sua quantidade. De

fato, a compensação do mal do crime pelo mal da pena, sem outro fim qualquer, era um ato

de fé 11

Os opositores da teoria absoluta afirmavam “ser obscuros os pressupostos da

punibilidade pois se trata de uma profissão de fé irracional”.12

10 Ibidem, p. 44 11 Idem, p. 44 12Ibidem, p. 44

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2. Teorias relativas ou preventivas ou da prevenção

Quando o Estado liberal passa a ser social, surgem as teorias relativas, preocupando-se

em intervir na vida social, deixando de tratar a pena como vingança ou retribuição em si e

passando a adotar medidas preventivas. Há o cuidado em prevenir crimes futuros.

O caráter utilitário da pena está inserido nas teorias relativas.

A partir da obra de Paul Joan Anselm Ritter von Feuerbach a pena deixa de ser

puramente retribucionista para objetivar outros fins, estabelecendo-se a distinção entre

prevenção geral e especial no século XIX.13

No entender de Feuerbach, há a exigência da coação em toda lei penal, que contém a

ameaça, e a operacionalidade desta, que deve ser séria com a aplicação efetiva da pena.14

De fato, a prévia cominação legal pressupõe uma lei penal ( nulla poena sine lege) e sua

cominação , uma ação prevista ( nulla poena sine crimine) havendo um vínculo com a lei que

estabelece a conseqüência jurídica necessária ( nullum crimen sine poena legali).

2.1- Prevenção Geral

A prevenção geral visa influenciar a sociedade, para que seus membros não pratiquem

crimes.

Há uma preocupação não apenas retributiva, mas também preventiva na pena,

atendendo os ditames do Estado de Direito.

As teorias preventivas podem ser divididas em: prevenção geral negativa e prevenção

geral positiva.

Aliás, a prevenção geral possibilita demonstrar que não se admite violar o

ordenamento jurídico.

13 CAMARGO, Antonio Luis Chaves. Sistemas de Penas, Dogmática Jurídico-Penal e Política Criminal. São Paulo: Cultural Paulista, 2002, p. 46 14 Ibidem,p. 46.

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A prevenção geral negativa tem caráter intimidativo, impedindo, através da pena,

eventuais crimes.

Não podemos ignorar ainda o fato de que a prevenção geral negativa“ atribui ao

Estado uma função de intervenção autoritária, de polícia, mas, ao mesmo tempo, estabelece

uma utilidade, que é a tentativa de recuperação social do condenado, através da prevenção

especial.15

Luigi Ferrajoli ao criticar as teorias da prevenção geral negativa afirma ser difícil

assegurar o critério de justiça.

A teoria da prevenção geral positiva almeja garantir as normas e influir em outros

processos de controle social, demonstrando seu caráter fragmentário.De fato, há a pretensão

de convencer as pessoas de que são idôneas para melhorar a convivência.16

Por derradeiro, a prevenção geral positiva pretende oferecer um acesso à legitimidade

da pena, apontando uma função educativa que deverá intervir no foro íntimo do cidadão para

que respeite o ordenamento jurídico.

2.1.1 Pensamento Moderno

2.1.1.1- Winfried Hassemer

A pena para Winfried Hassemer não tem somente umafinalidade intimidatória mas

busca influenciar outros processos de controle social. Na verdade, há uma influência

sociológica nos pensamentos do direito penal.

2.1.1.2- Claus Roxin

Claus Roxin , que formulou a Teoria Dialética Unificadora, defende que a acepção da

pena é utilitarista.17De fato, para ele deve haver “uma preocupação utilitarista, de prevenção

15 Ibidem ,p.50. 16 Ibidem, p. 52 17 FÖPPEL EL HIRECHE, Gamil . A função da Pena na Visão de Claus Roxin. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p.74

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geral, subsidiária e com dupla finalidade: proteção a bens jurídicos e à prestação dos

cidadãos”. 18

Para Claus Roxin a teoria preventiva positiva trata-se de uma teoria unificadora

dialética que tem por objetivo evitar os exageros, dirigindo os fins da pena para caminhos

socialmente construtivos.19

Assinala-se que o limite da pena está na culpabilidade não se permitindo na imposição

da pena gradação superior à da culpabilidade.

Afirma-se que:

a prevenção geral positiva com a característica restritiva da subsidiariedade, oferece condições de evitar o absolutismo da prevenção geral, isto porque, no modo proposto pela teoria unitária dialética, o Estado deve apenas proporcionar o desenvolvimento da personalidade de cada cidadão e a livre convivência.20

Deve-se registrar ainda que segundo Claus Roxin diante da graduação e da aplicação

da pena, verifica-se a prevenção geral, tanto na ótica positiva quanto na negativa, bem como a

de prevenção especial, que tem por escopo intimidar o delinqüente a não reincidir, mantendo

a sociedade segura , pelo menos, enquanto ele estiver cumprindo a pena. 21

Por fim, na execução da pena há tanto a preocupação com a prevenção geral

como com a ressocialização do infrator.22

18 Idem, p.77 19 CAMARGO, Antonio Luis Chaves, op. cit., p. 53. 20 Idem, p. 53. 21 FÖPPEL EL HIRECHE, Gamil, op. cit., 2004, p.81. 22 Idem, p. 82.

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CAPÍTULO II INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA

A Constituição Federal, em seu artigo 5º, XLVI, prevê o princípio da individualização

da pena:

“A lei regulará a individualização da pena e adotará entre outras as seguintes:

a)privação ou restrição de liberdade;

b)perda de bens;

c)multa;

d)prestação social alternativa;

e)suspensão ou interdição de direitos”

Luiz Vicente Cernicchiaro e Paulo José da Costa Júnior salientam que a prestação

social alternativa substancialmente corresponde às penas restritivas de direitos, autônomas e

substitutivas das penas privativas de liberdade, previstas no artigo 44 do Código Penal

brasileiro.23

Haverá a individualização da pena ao a “adaptar a pena ao condenado, consideradas

as características do agente e do delito.”24

Há quem afirme que a individualização da pena é feita em três momentos distintos

mas integrados, que são o da individualização legislativa, da individualização judicial e da

individualização executória.25

Carmen Silvia de Moraes Barros ao discorrer sobre o tema cita Eugenio Cuello

Cálon, que relata que

“ o direito romano, o germânico, e outros posteriores, entre eles nosso antigo direito, praticaram uma certa individualização fundada na estimação de condições privilegiadas ( classe social, religião, etc). que originavam, para aqueles em que concorriam, a imposição de penas mais suaves, carentes de sentido ignominioso; pelo contrário, para os

23 CERNICCHIARO, Luiz Vicente e COSTA JUNIOR, Paulo José da, op. cit.., p.117. 24 Idem, p.118. 25 BARROS, Carmen Silvia de Moraes. op. cit.; p.109.

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desprovidos de semelhantes prerrogativas , eram aplicadas as penas mais duras e infamantes. A pena se individualizava tomando em conta a colocação social do delinqüente, mas em realidade não era esta uma verdadeira individualização, senão apenas a apreciação de circunstâncias pessoais que atenuavam ou agravavam a pena.”26

Há que se observar que “a individualização da pena leva em consideração o fato

global, ou seja, o fato-infração penal com os seus protagonistas ( sujeito ativo e sujeito

passivo) com revisão da vida de ambos e projeção de futura conduta do delinqüente”.27

A pena é resposta jurídica à conduta delituosa,28 seja através da ação ou da omissão.

Luiz Vicente Cernicchiaro ao discorrer sobre a pena afirma que ela é analisada como

castigo, como restrição ao comportamento. Restauração, no sentido de repor a ordem

ofendida. Retribuição, porque castigo e restauração.29

26 Idem, 109 27 CERNICCHIARO, Luiz Vicente e COSTA JUNIOR, Paulo José da., op. cit., p.152. 28 Idem, p. 125. 29 Ibidem p. 125

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CAPÍTULO III FORMAS DA SANÇÃO PENAL NO BRASIL

O legislador, na reforma penal de 1984 classificou as penas em:

a) privativa de liberdade;

b) restritivas de direitos;

c) multa.

Na verdade, com a reforma penal houve abandono da classificação em penas

principais e penas acessórias.

Após tal alteração no Código penal com a adoção do dia-multa e das penas restritivas

de direito houve a inauguração de uma nova sistemática de cominação de penas.

1 Pena de Multa

1.1 Origem da Pena Pecuniária

Na Antigüidade, já havia notícias da pena pecuniária.

Ademais, a Bíblia Sagrada, na Lei de Moisés ( Êxodo, XXI e XXII; e Levítico, XXIV)

aparecem as denominadas “ leis judiciais”, que deixam vislumbrar a pena pecuniária.30

Em Roma, constata-se a espécie de pena em questão tanto no direito público como no

privado, com caráter indenizatório, típico da vingança privada.31

A multa ressurgiu na Alta Idade Média, vindo a ser substituída, de modo gradual pelas

penas corporais e capitais.

No dias de hoje a pena pecuniária é, em sua essência, “um pagamento, em favor do

Estado, de determinada quantia em dinheiro, despida de qualquer idéia de indenização”32

30 BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da Pena de Prisão-Causas e alternativas. São Paulo:Saraiva, 2001, p.270.

31 Idem, p.270.

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1.2 Tipos de Penas Pecuniárias

A doutrina classifica as penas pecuniárias em:

a) confisco;

b) indenização ao ofendido;

c) multa.

O confisco foi inserido nas legislações modernas. De fato, o Código Penal brasileiro

não o previa e a então Constituição Federal o proibia, sendo considerados efeitos da

condenação o confisco dos instrumentos e dos produtos do crime.

A atual Carta Magna permitiu a possibilidade de adoção do confisco como pena,

utilizando-se a expressão “perda de bens”.

Podemos constatar que a multa reparatória ou indenizatória chegou a ser prevista pela

Comissão que elaborou o Anteprojeto da Reforma Penal mas diante de várias críticas a

própria Comissão decidiu extraí-la do texto final. Na verdade, o posicionamento tem

semelhança com as idéias de Garófalo, que propunha, no século XIX, em congressos

penitenciários que se realizaram em Roma, em Bruxelas, em 1889, e na Rússia, em 1890, em

certas hipóteses, a substituição das penas curtas privativas de liberdade por multas

indenizatórias.33

1.3 A Pena de Multa propriamente dita

Com o escopo de atender aos anseios da atual política criminal têm sido aplicadas

medidas alternativas para as penas de prisão de curta duração, e visando ainda revitalizar a

ineficaz pena de multa adotou-se o sistema de dias-multa, que fora abandonado pelo Código

Penal de 1940. 34

32 Ibidem, p.270-271. 33 BITENCOURT, Cezar Roberto. op. cit. p.272. 34 Idem, p.268.

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Não houve originalidade no modelo adotado na reforma penal de 1984, uma vez que

seguiu o modelo germânico, berço do desenvolvimento de todos os institutos do moderno

direito penal.35

Estabelece o artigo 49 “caput” e seus parágrafos do Código Penal em vigor que o valor

mínimo de um dia-multa é de 1/30 do maior salário mínimo vigente à época do crime, e o

valor máximo é de cinco vezes esse salário. Ademais, o limite mínimo de dias-multa será de

10, e o máximo de 360.

É claro que o juiz ao aplicar determinada quantia de multa deve fundamentar a sua

decisão.

No que diz respeito à dosimetria da pena de multa o intérprete deve levar em

consideração dois aspectos previstos no Código Penal vigente: a renda média que o

condenado aufere em um dia, por um lado e a gravidade do delito e a culpabilidade do agente,

por outro.

O legislador atribuiu uma dimensão mais abrangente à pena de multa, não sendo esta

vista apenas como pena comum, mas também como condição de pena substitutiva ou multa

substitutiva.36 Aliás, na Alemanha, França e Itália, entre outros países, a pena de multa após

algumas reformas em suas codificações, foi consagrada como substitutiva da pena privativa

de liberdade. 37

No Código Penal vigente a previsão de duas hipóteses em que se permite a

substituição da pena privativa de liberdade em pena de multa. São elas:

1ª) quando as penas privativas de liberdade não forem superiores a seis meses,

independentemente de tratar-se de crime culposo ou doloso ( artigo 60 , § 2º, do CP);

35 Ibidem, p.268. 36 BITENCOURT, Cezar Roberto. op.cit.,p.281. 37 Idem, p. 281.

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2ª) nos crimes culposos cuja pena seja igual ou superior a um ano de detenção, podendo ser

substituída por multa e uma pena restritiva de direito (artigo 44, parágrafo único, CP).

Há três modalidades de pagamento da pena pecuniária, que são:

a) pagamento integral;

b) pagamento parcelado;

c) desconto em folha

Normalmente a pena de multa é cumprida através do pagamento integral, mediante

recolhimento ao Fundo Penitenciário. Ocorre que o legislador cogitou a hipótese de o

condenado não ter condições financeiras de cumprir tal pena sem que haja o parcelamento da

mesma, por isso há na legislação previsão nesse sentido.

De fato, para que o magistrado verifique a situação econômica do réu e constate a

necessidade do parcelamento da pena de multa poderão ser realizadas diligências e após

audiência do representante do Ministério Público serão fixadas as prestações.

É claro que no caso de atraso no pagamento ou se houver melhora na situação

econômica do condenado será revogado o parcelamento.

A última modalidade de pagamento é o desconto no vencimento ou no salário do

condenado. Assim, tratando-se de réu solto, tal desconto pode ocorrer quando a pena

pecuniária for:

“a) aplicada isoladamente, em caso de contravenções penais ou de multa substitutiva;

b) aplicada cumulativamente com pena restritiva de direitos;

c) em caso de sursis, como também de livramento condicional, quando esta ainda não

tiver sido cumprida.

O fato de o condenado não pagar a pena de multa não acarreta a conversão em pena

privativa de liberdade mas tão-somente a cobrança judicial.

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Cezar Roberto Bitencourt elogia o sistema dia-multa, por entender que é a forma mais

adequada aos objetivos da pena, além de responder aos postulados de política criminal. 38

2. Penas Restritivas de Direitos

Há quem entenda que, em nosso ordenamento jurídico, não se pode restringir a sanção

penal à pena pecuniária e à pena privativa de liberdade, devendo-se permitir outras penas

alternativas, ditas restritivas de direitos.39

Luiz Vicente Cernicchiaro esclarece que as penas restritivas de direitos “molestam o

exercício do direito, de liberdade sem, no entanto, retirar o homem do convívio social.”40

Nos dias atuais é comum notarmos as críticas às penas privativas de liberdade,

havendo uma busca por novas penas, que evitem o encarceramento, admitindo apenas em

situações excepcionais.

Diante da crise no sistema carcerário tem havido uma valorização, não apenas no

Brasil mas também em outros países ,da aplicação de penas restritivas de direitos, porque elas

humanizam o direito penal.

Cezar Roberto Bitencourt critica a denominação de penas “restritivas de direitos” ao

relatar que:

“... das três modalidades de sanções sob a referida rubrica somente uma se refere especificamente à restrição de direitos. As outras duas- prestação de serviços à comunidade e limitação de fim de semana- referem-se mais especificamente à restrição da liberdade do apenado”.41

Para o doutrinador supracitado seria mais apropriado utilizar a classificação de penas

em penas privativas de liberdade ( reclusão e detenção, restritivas de liberdade (limitação de

38 BITENCOURT, Cezar Roberto. op.cit., p. 292. 39 Idem, p. 269. 40 CERNICCHIARO, Luiz Vicente e COSTA JUNIOR, Paulo José da. op.cit., p. 120. 41 BITENCOURT, Cezar Roberto. op. cit., p. 294.

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fim de semana e prestação de serviços à comunidade), restritivas de direitos ( compreendendo

somente as efetivas interdições ou proibições) e multa.42

2.1 Antecedentes das Penas Alternativas

Pode-se afirmar que as penas alternativas são consideradas como sanções modernas.

Na Rússia, em 1926 surgiu uma das penas alternativas, consistindo na “prestação de

serviços à comunidade”, prevista nos artigos 20 e 30 do Código Penal soviético.

Ademais, o diploma penal russo, em 1960, criou a pena de trabalhos correcionais, não

havendo privação de liberdade, a serem cumpridos no distrito do domicílio do condenado e

sob a vigilância do órgão encarregado da execução da pena.43

Na Inglaterra com seu Community Service Order( trabalho comunitário), que vigora

desde o Criminal Justice Act de 1972, tendo sofrido reforma em 1982, permite que os jovens

com 16 anos possam ser submetidos a tal sanção penal.44

Na Alemanha, por sua vez como o advento do Projeto Alternativo de 1966, não foi

ousado nas medidas alternativas, que estabelecem na suspensão condicional da pena,

admoestação com reserva de pena, dispensa de pena e declaração de impunidade e livramento

condicional, além da multa45.

Na Itália, há uma certa cautela na utilização das medidas alternativas à prisão. Em sua

legislação contemporânea há a previsão de medidas alternativas à pena não inseridas no

Código Penal, que são: prestação de um serviço social, regime de prova, regime de

semiliberdade e liberação antecipada.46

42 Idem, p. 294. 43 Ibidem, p. 296. 44 Ibidem, p. 297. 45 Ibidem., p. 297. 46 Idem, p. 298.

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O sistema penal sueco, no entanto, visa evitar sanções privativas de liberdade, por

entenderem que as penas privativas de liberdade não contribuem com a adaptação do

indivíduo a uma futura vida em liberdade.

Na Espanha, o Projeto de Código Penal de 1980 adota o arresto de fim de semana na

dupla função de pena autônoma ( inferior a 6 meses) e substitutiva da pena de prisão de até

um ano mas a Proposta de Anteprojeto de 1983 introduz três importantes modificações ao

suprimir a prescrição obrigatória de regime de isolamento celular, ao eliminar a possibilidade

de sua conversão em simples prisão domiciliar e impedir a substituição por pena de multa.

Cezar Roberto Bitencourt traz à colação os ensinamentos de Francesco Carrara que

afirma que “ se chama pena pecuniária a diminuição de nossas riquezas, aplicada por lei

como castigo de um delito”.47

Em nosso país, a multa tornou-se, em muitos casos, absolutamente ineficaz, ainda que

aplicada no máximo ou até mesmo quando elevada ao triplo.

Damásio E. de Jesus classifica os critérios utilizados quanto à cominação da pena em:

“...a)parte-alíquota do patrimônio do agente: leva em conta o patrimônio do réu- estabelece uma percentagem sobre os bens do condenado; b) renda: a ,multa deve ser proporcional à renda do condenado; c) dias-multa: leva em conta o rendimento que o condenado aufere durante um mês ou um ano, dividindo-se o montante por 30 ou por 365 dias: o resultado equivale ao dia-multa; d) cominação abstrata da multa: deixa ao legislador a fixação do mínimo e do máximo da pena pecuniária.” 48

Há que se observar que o Código Penal de 1940 adotou o quarto dos critérios

supracitados, que é o da comissão abstrata da multa, estabelecendo um limite mínimo e um

máximo para ela. O magistrado deverá, antes de fixar a pena de multa, levar em consideração

à situação econômica do réu.

Com a reforma penal, no entanto, restabeleceu o sistema dias-multa.

47 Ibidem, p. 273. 48 JESUS, Damásio E. de . Direito Penal . 12 ed. São Paulo: Saraiva, 1988. v.1, p. 467.

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2.2 Requisitos ou Pressupostos Necessários à Substituição nas Penas Restritivas de

Direitos.

Para que seja aplicada a pena restritiva de direito ao invés da pena privativa de

liberdade exige-se o cumprimento de três pressupostos- um objetivo e dois subjetivos, que

devem estar presentes simultaneamente. São eles:

a) Quantidade de pena aplicada ou natureza do crime cometido:

Serão admitidas as penas restritivas de direitos quando se referirem aos delitos dolosos

que receberem “in concreto” pena privativa de liberdade inferior a um ano ou aos delitos

culposos. Além disso, para penas concretizadas na sentença inferiores a um ano não se faz

distinção entre crime doloso e crime culposo: qualquer dos dois poderá ser objeto de

substituição.

No tocante aos crimes culposos é permitida a substituição da pena independentemente

do quantum da pena. Aliás, se a pena for igual ou superior a um ano de detenção, a

substituição será por uma pena restritiva de direitos, desde que elas possam ser executadas de

modo simultâneo.

Não podemos deixar de mencionar o fato da possibilidade da aplicação cumulativa de

pena restritiva de direitos e multa em crimes dolosos ou mesmo culposos, com penas

inferiores a um ano.

Na hipótese de penas iguais ou superiores a um ano, o julgador tem um elenco variado

de sanções a serem aplicadas, devendo analisar o caso em concreto. Dessa forma, pode optar

entre uma restritiva de direitos e multa, duas restritivas de direitos, suspensão condicional da

pena especial (sem regime de prova), suspensão condicional simples (com regime de prova),

sem a necessidade de utilizar pena privativa de liberdade, todavia, se necessário, a execução

será no regime aberto. 49

49 BITENCOURT, Cezar Roberto. op. cit., p. 306.

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b) Réu não reincidente:

Diversamente do Código Penal espanhol de 1980 o nosso ordenamento jurídico não

admite a aplicação das penas restritivas de direitos em casos de reincidência, nos termos do

artigo 44, II, do estatuto penal vigente.

c) Prognose de suficiência da substituição

Nesse caso, há uma preocupação com a suficiência da substituição prevista em nosso

Código Penal com o intuito de atingir diretamente a finalidade preventiva especial.50

2.3 Espécies de Penas Restritivas de Direitos

2.3. 1 Limitação de Fim de Semana

A limitação de fim de semana, que é a prisão por vias livres em Portugal , prisão por

tempo livre na Alemanha ou arresto de fim de semana na Bélgica e na Espanha visa impedir o

afastamento do apenado de sua tarefa diária, do convívio familiar.51

Busca-se nesta espécie de pena restritivas de direitos “ impedir que os efeitos diretos e

indiretos recaiam sobre a família do condenado, atendendo, dessa forma, o princípio da

personalidade da pena.

De fato, consiste a limitação de fim de semana na obrigação de o condenado

permanecer aos sábados e domingos, por cinco horas diárias, em casa de albergado ou em

estabelecimento adequado, permitindo que a sanção penal seja cumprida em dias destinados

ao descanso, não prejudicando as atividades laborais do condenado e nem seu convívio com

sua família.

50 Idem, p. 306. 51 Ibidem, p. 309.

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Nada impede, no entanto, que a pena seja cumprida em horários diversos, de acordo

com as disponibilidades do estabelecimento, desde que não prejudique as atividades

profissionais do albergado.

Será aplicada pelo juiz do processo de conhecimento a limitação de fim de semana se

ela se mostrar necessária e suficiente.

2.3.2 Prestação de Serviços à Comunidade

Inicialmente, há que se ponderar que as atividades atribuídas ao sentenciado devem

guardar estreita correspondência com as aptidões pessoais de cada um e não coincidir com a

jornada normal de trabalho, evitando que altere o mínimo possível a rotina diária.

Trata-se a prestação de serviços à comunidade o dever de prestar determinada

quantidade de horas de trabalho não remunerado e útil para a comunidade durante o tempo

livre, em benefício de pessoas necessitadas ou para fins comunitários.52

Houve a preocupação em definir quais seriam as entidades, que poderiam participar da

prestação gratuita de serviços comunitários, proibindo entidades privadas que visam o lucro e

que se beneficiariam da exploração de mão-de-obra gratuita.

O legislador preocupou-se ainda com a disponibilidade do condenado, não podendo a

pena prejudicar suas atividades cotidianas. Ademais, o trabalho comunitário deve ser sempre

executado em oito horas semanais.

É louvável que tal espécie de pena restritivas de direitos possibilite que o condenado

contribua com a sociedade e se sinta útil.

Por fim, a prestação de serviços à comunidade deve ser aplicada pelo juiz que julgar o

sentenciado. Todavia, caberá ao juiz da execução determinar a designação da entidade ou

52 BITENCOURT, Cezar Roberto. op. cit., p. 306.

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programa comunitário onde deverá ser cumprida, por ser conhecedor das entidades inscritas e

fiscalizará a execução da pena.

2.3.3 Interdição Temporária de Direitos.

A terceira e última espécie de pena restritiva de direitos é a interdição temporária de

direitos. Essa pena, ao contrário da limitação de fim de semana e da prestação de serviços à

comunidade é específica e aplica-se a determinados crimes.

Na verdade, tal pena preocupa-se com a prevenção especial, uma vez que pretende

afastar do tráfego motoristas negligentes ou impedir que o sentenciado continue a praticar

uma determinada atividade que se mostrou irresponsável ou perigosa.

É claro que as duas primeiras modalidades de interdição temporária de direitos,

previstas no artigo 47, I e II, ambos do Código Penal em vigor tem grande reflexo econômico,

uma vez que proíbem o sentenciado de exercer sua atividade laboral.

Aplicam-se as interdições temporárias somente nas hipóteses de crimes praticados

com abuso ou violação dos deveres inerentes ao cargo, função, profissão, atividade ou ofício.

Aliás, é necessário verificar se o delito cometido relaciona-se com o mau uso de um direito. 53

Não se confundem as interdições temporárias com os efeitos da condenação, que não

são sanções penais, mas reflexos de sentença condenatória.

A interdição de direitos é uma sanção penal, que independe de sanções de caráter

administrativo, como, por exemplo, as sanções impostas por Conselhos Regionais de Classes.

São espécies de interdições temporárias de direitos: a) a proibição do exercício de

cargo, função ou atividade pública, bem como de mandato eletivo, b) a proibição do exercício

de profissão, atividade ou ofício que dependam de habilitação especial, de licença ou

53 BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da Pena de Prisão- Causas e alternativas. São Paulo:Saraiva, p. 306.

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autorização do Poder Público e c) a suspensão de autorização ou de habilitação para dirigir

veículo.

2.3.3.1 Proibição do Exercício de Cargo, Função ou Atividade Pública, bem como de

Mandato Eletivo.

Pretendeu o legislador abranger toda e qualquer atividade desenvolvida por aquele

definido por lei como funcionário público, com fulcro no artigo 327 do Código Penal. Trata-

se, de fato, de uma suspensão temporária, que durará o período estabelecido na pena de prisão

substituída.

Exige-se que o funcionário condenado esteja no exercício efetivo do cargo. Além

disso, deverá a autoridade superior, no prazo de 24 horas após ter sido cientificada, baixar ato

administrativo a partir do qual começa a execução da pena( artigo 154, § 1º, da LEP).

Após o cumprimento da pena, o condenado poderá voltar a exercer suas funções

normais, desde que não haja nenhum impedimento de ordem administrativa.

2.3.3.2 Proibição do Exercício de Profissão, Atividade ou Ofício que Dependam de

Habilitação Especial, ou Autorização do Poder Público.

Há profissões, atividades ou ofícios que exigem habilitação especial ou autorização do

Poder Público para serem exercidas, tais como cursos superiores, profissionalizantes, registros

especiais

Essa proibição poderá ser aplicada a qualquer profissional que for condenado por

crime praticado no exercício de suas atividades profissionais, tendo infringindo os deveres

que lhe são inerentes.

Cumpre ressaltar que a interdição não pode abranger todas as profissões ou atividades

que o condenado eventualmente possa exercer.

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2.3.3.3 Suspensão de Autorização ou de Habilitação para Dirigir Veículo.

A terceira modalidade de interdição temporária de direitos consiste na “suspensão de

autorização ou de habilitação para dirigir veículo”, aplicável exclusivamente aos crimes

culposos de trânsito ( artigo 57 do CP).´

Há que se fazer a ponderação no sentido de que a “autorização” destina-se aos

condutores de veículos de propulsão humana ou de tração animal ( até hoje não implementada

no Brasil) e aos condutores estrangeiros de veículos automotores devidamente habilitados em

seus paises de origem, ao passo que a “ habilitação” é a licença concedida para conduzir

veículo automotor ao indivíduo aprovado nos exames em que se concede a Carteira Nacional

de Habilitação. 54

No sistema legal alemão, a título de curiosidade, há a distinção entre “proibição de

conduzir” - pena acessória e a privação da permissão de conduzir, que é medida de segurança,

enquanto no Brasil, após a reforma penal de 1984 não mais existe a pena acessória. Dessa

forma, enquanto a privação da permissão diz respeito à capacidade deficiente do réu para

dirigir veículo automotor a proibição para conduzir consiste numa advertência, de natureza

preventiva, impossibilitando motoristas, que embora aptos a dirigir, cometeram infrações de

natureza grave no trânsito. 55

3. Penas Privativas de Liberdade

É comum a doutrina dar descrédito na esperança depositada pela sociedade na pena

privativa de liberdade.56

A reclusão implica na privação de liberdade mas não se admite que ao executar a pena

haja desrespeito à dignidade humana.

54 BITENCOURT, Cezar Roberto. op. cit., p. 322 55 BITENCOURT, Cezar Roberto. op. cit., p. 323 56 Idem, p.268.

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As penas privativas de liberdade que o Código Penal prevê são a de reclusão e a de

detenção.

Segundo Heleno Cláudio Fragoso “a tendência da legislação atual é no sentido da

redução das distintas penas de prisão a uma única espécie.”57

Cezar Roberto Bitencourt ao discorrer sobre a pena privativa de liberdade relata:

“... Todas as reformas de nossos dias deixam patente o descrédito na grande esperança depositada na pena privativa de liberdade, como forma exclusiva de controle social. Bastaram dois séculos para se constatar sua mais absoluta falência em termos de medidas preventivas e retributivas. O centro de gravidade das reformas coloca-se nas sanções, na reação penal. Luta-se contra as penas de curta duração.”58

Acrescenta ainda que “sabe-se hoje que a prisão reforça os valores negativos do

condenado”. 59Em razão de tal afirmação parcela da doutrina defende o posicionamento de

que as penas privativas de liberdade devem restringir às penas de longa duração ou aos presos

considerados perigosos e de difícil recuperação.60

O Código Penal de 1940, prevendo as penas de reclusão e detenção, fixava um regime

diferente para a primeira, que deveria ter por início um isolamento facultativo, não superior a

três meses, que era uma reminiscência do solitary system. Havia a previsão, outrossim, na

redação original que os reclusos deveriam cumprir pena separados dos detentos, embora

nenhuma disposição tenha sido cumprida.61

Outro fator diferenciador entre a reclusão e a detenção consistia no fato de que o

condenado à pena de reclusão, em regra, não podia ser beneficiado com a suspensão

condicional da pena ( sursis), diversamente do condenado à pena de detenção. Além disso, o

57 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal – Parte Geral. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p.363 58BITENCOURT, Cezar Roberto. op. cit., p.268. 59 Idem, p.268. 60 Ibidem,, p.268. 61 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Op. cit., p.363.

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condenado à pena de detenção podia escolher o trabalho obrigatório, o que não era possível se

se tratasse de condenado à pena de reclusão. 62

Ocorre que as diferenças supracitadas não se perpetuaram, restando apenas uma

diferença de natureza processual:

“a) os crimes punidos com reclusão, em regra, não admitem fiança, diversamente do que

ocorre com os crimes punidos com detenção ( artigo 323, I e V, CPP);

b) o rito do processo penal pode diferir de acordo com a circunstância de ser o crime apenado

com detenção ou reclusão; e

c) interceptações telefônicas só podem ser autorizadas pelo Juiz para a investigação de crime

punido com reclusão , conforme art. 2ª, III, Lei 9.296, de 1996.”63 É mister observar que a

pena de reclusão deve ser cumprida em regime fechado, semi-aberto ou aberto, enquanto a

pena de detenção será apenas em regime semi-aberto ou aberto, salvo necessidade de

regressão a regime fechado, nos termos do artigo 33 do Código Penal brasileiro.

Na verdade, não há diferença na execução das penas privativas de liberdade se o crime

for apenado com reclusão ou com detenção.

O nosso Código Penal adotou um sistema progressivo, que se destina a estimular o

bom comportamento do preso, visando a disciplina e a ordem nas prisões.

A lei prevê três regimes: o fechado, o semi-aberto e o aberto.

A pena privativa de liberdade é executada de forma progressiva, com a transferência

para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido , pelo

menos, um sexto da pena no regime anterior e seu mérito indicar a progressão.

Dispõe o artigo 33, § 2º, do Código Penal vigente:

62 FRAGOSO, Heleno Cláudio. op. cit., p. 364. 63 Idem, p. 364.

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“ §2º As penas privativas de liberdade deverão ser executadas em forma progressiva,

segundo o mérito do condenado, observados os seguintes critérios e ressalvadas as hipóteses

de transferência a regime mais rigoroso:

(a) o condenado a pena superior a oito anos deverá começar a cumpri-la em regime

fechado;

(b) o condenado não reincidente, cuja pena seja superior a quatro anos e não exceda a

oito, poderá desde o princípio, cumpri-la em regime semi-aberto.

(c) o condenado não reincidente, cuja pena seja igual ou inferior a quatro anos,

poderá, desde o início, cumpri-la em regime aberto.”

Dependerá de decisão judicial o regime em que a pena será cumprida. De fato,

compete ao juiz estabelecer o regime inicial de cumprimento da pena privativa da liberdade,

nos termos do artigo 59, III, do Código Penal.

A Carta Magna em vigor estabelece em seu artigo 5º, XLVIII, que “ a pena será

cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo

do apenado.

Assim, as mulheres cumprirão pena em estabelecimento próprio, observados os

deveres e direitos inerentes à sua condição pessoal. Além disso, a Constituição Federal, em

seu artigo 5º, L, assegura à presidiária condições de permanecer com seu filho durante a

amamentação.

A nossa legislação também determina que o preso mantenha todos os direitos não

atingidos pela liberdade, impondo às autoridades o respeito à integridade física e moral com

fulcro nos artigos 5º, XLIX, da Constituição Federal e artigo 3º da Lei de Execução Penal.

Os direitos do preso estão especificados no artigo 40 da Lei de Execução Penal e

compreendem uma alimentação suficiente e vestuário; atribuição de trabalho e sua

remuneração; previdência social; constituição de pecúlio; proporcionalidade na distribuição

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do tempo para o trabalho, o descanso e a recreação; exercício das atividades profissionais,

intelectuais, artísticas e desportivas anteriores, desde que compatíveis com a execução da

pena; assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa; proteção contra

qualquer forma de sensacionalismo; entrevista pessoal e reservada com o advogado; visita do

cônjuge, da companheira, de parentes e amigos, em dias determinados; chamamento nominal;

igualdade de tratamento, salvo quanto às exigências da individualização da pena; audiência

especial com o diretor do estabelecimento; representação e petição a qualquer autoridade em

defesa de direito; contato com o mundo exterior por meio de correspondência escrita, da

leitura e de outros meios de informação que não comprometam a moral e os bons costumes.64

3.1 Regimes fechado e semi-aberto

O regime fechado se executa em penitenciária, em estabelecimento de segurança

máxima ou média, em consonância com o artigo 86 da Lei de Execução Penal.

Os estabelecimentos de segurança máxima caracterizam-se por possuírem muralhas

elevadas, grades , etc, Devem os presos ficarem recolhidos à noite, teóricamente, em celas

individuais, trancadas e encerradas em galerias fechadas.

Se houver atenuação nos artifícios que impedem a fuga do preso fala-se em segurança

média.

No regime semi-aberto a execução da pena ocorre em colônia agrícola, industrial ou

estabelecimento similar, em estabelecimentos de segurança média. Segundo o artigo 91 da Lei

de Execução Penal os presos podem ser colocados em alojamentos coletivos.

64 FRAGOSO, Heleno Cláudio. op. cit., p. 375.

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O condenado em regime fechado ou semi-aberto fica sujeito ao trabalho no período

diurno. Todavia, o preso não fica submetido ao regime da Consolidação das Leis do Trabalho

e tem de ser remunerado com quantia não inferior a três quartos do salário mínimo.

O produto da remuneração tem por finalidade indenizar os danos causados pelo crime,

se judicialmente determinados, bem como dar assistência à família e, ainda, ressarcir o Estado

das despesas gastas com a manutenção do condenado, com base no artigo 28 da Lei de

Execução Penal. Na verdade, é difícil imaginar se tal importância pecuniária conseguirá

cumprir as metas estabelecidas em lei.

O trabalho no regime fechado será no interior do estabelecimento, enquanto no regime

semi-aberto será em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar.

Não podemos deixar de mencionar que o trabalho externo do preso é admissível em

qualquer regime.

No regime fechado, o condenado poderá trabalhar em obras públicas, desde que

tomadas as cautelas contra fuga e em favor da disciplina.

No regime semi-aberto o trabalho externo realiza-se com uma fiscalização e precaução

menos rigorosas.

Em qualquer das duas situações o trabalho deve ser realizado de acordo com as

aptidões ou ocupações anteriores do condenado, desde que compatíveis com os objetivos da

pena, que são a correção do condenado e sua reinserção ao convívio social.

No regime semi-aberto o condenado pode freqüentar cursos supletivos

profissionalizantes, de instrução de segundo grau ou superior.

É claro que o condenado que cumpre pena em regime fechado ou semi-aberto poderá

remir, pelo trabalho, parte do tempo de execução da pena na proporção de três dias de

trabalho valerão um dia de pena.

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Heleno Cláudio Fragoso faz críticas ao fato de que o trabalho, apesar de fazer parte do

“tratamento” ou dos programas de reabilitação, acaba recebendo uma remuneração ínfima,

passando, assim, a ser um castigo, o que viola as regras mínimas da O.N.U que determina

que a remuneração do preso seja “eqüitativa”.65

Quanto ao isolamento noturno previsto para o regime fechado não verificamos seu

cumprimento nas prisões de nosso país, a não ser quando os presos estão submetidos ao

regime disciplinar diferenciado, que abordaremos posteriormente.

3.2 Regime aberto

No regime aberto, a execução da pena dá-se em casa de albergado ou outro

estabelecimento de segurança mínima, em que não existam obstáculos para a fuga, mantendo-

se a disciplina.66

Baseia-se o regime aberto na autodisciplina e no senso de responsabilidade do

condenado, conforme estabelece o artigo 36 do Código Penal vigente.

Nessa espécie de regime busca-se diminuir a vigilância e a fiscalização com o intuito

de proporcionar ao preso uma convivência mais direta com o mundo exterior, para que ele se

adapte mais rapidamente a essa situação ao ser libertado.

Para que o condenado ingresse no regime aberto é necessária a aceitação dos termos

estabelecidos pelo magistrado. Exige-se ainda que o condenado esteja trabalhando ou que

comprove a possibilidade de fazê-lo imediatamente, apresentando condições para se ajustar ao

novo regime, conforme dispõe os artigos 112 e 113 da Lei de Execução Penal.

Na verdade, o condenado deverá, fora do estabelecimento e sem vigilância trabalhar,

freqüentar cursos ou exercer outra atividade autorizada pelo juiz, permanecendo recolhido

65 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal – Parte Geral. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p.369-370. 66 FRAGOSO, Heleno Cláudio. op. cit., p.363.

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durante o período noturno e nos dias de folga, em consonância com o artigo 36, §1º, do

Código Penal em vigor.

Excepcionalmente, será permitido o recolhimento do beneficiário de regime aberto em

residência particular, se o condenado for maior de 70 anos ou acometido de doença grave, ou

se tiver filho menor ou deficiente físico ou mental, ou se for mulher gestante.

Poderá haver a regressão de regime com a transferência para qualquer dos regimes

mais rigorosos, se o condenado praticar crime doloso ou falta grave, ou se ele sofrer

condenação por crime anterior, cuja pena, somada ao restante da pena em execução torna

incabível o regime.

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CAPÍTULO IV A PRISÃO

1. Evolução Histórica

A prisão, segundo Edmundo Oliveira, “é velha como a memória do homem e, mesmo

com o seu caráter aflitivo, continua a ser a panacéia penal a que se recorre em todo o

mundo”. 67

Constata-se que nos primórdios da humanidade as pessoas eram presas pelos pés,

mãos, etc.

Na Grécia e em Roma era muito usual o acorrentamento e a segregação em

estabelecimentos especialmente destinados para prender os infratores.

A palavra “cárcere”, do latim carcer, designava , na Idade Antiga, um local do circo

em que os cavalos aguardavam o sinal para a partida nas corridas. Posteriormente, passou a

designar a prisão, onde se colocavam tanto os escravos como os delinqüentes e os vencidos na

guerra. Em Roma, por sua vez, tornou-se famoso o “Cárcere Mamertino”, onde esteve

aprisionado São Pedro.68

Na Idade Média a prisão passa a ser vista com a característica de pena. Assim, o

direito canônico impunha a reclusão para os clérigos que incorressem em infrações

eclesiásticas, além dos hereges e delinqüentes julgados pela jurisdição da igreja.

Há que se observar que ,durante a Idade Média os castelos, fortalezas e conventos

eram utilizados como prisão. Aliás, o termo “penitenciária” tem sua origem no fato de a Igreja

admitir a pena privativa de liberdade. Assim, o criminoso ( pecador) aceitava e às vezes

suplicava, como graça a penitência e a “reabilitação” decorria da adesão íntima ao sofrimento

purificador.

67 OLIVEIRA, Edmundo. O Futuro Alternativo das Prisões, Editora Forense, 2002, p.5 68 Idem, p.5

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No século XVI surgem as galés ou galeras, que eram navios que serviam de prisão,

local este onde os presos cumpriam a pena de remar, com dura jornada de trabalho forçado.

A doutrina menciona o fato de que alguns governos europeus, dentre eles, a Áustria

que vendiam delinqüentes condenados a outros países para o trabalho nas galés, porque eles

representavam considerável valor econômico. Todavia, as galés desapareceram com o

desenvolvimento da navegação.

Posteriormente, surgiram os presídios militares em decorrência da necessidade de

mão-de-obra para os serviços de fortificações. Num momento subseqüente, foram criados os

presídios de obras públicas destinados aos réus condenados ao trabalho forçado em canais e

prédios públicos, que eram presos por correntes sendo vigiados por pessoal armado e

permanecendo à noite barracas ao ar livre. Esse sistema não prosperou devido à concorrência

e à disputa com a produção do trabalhador livre.

Segundo Heleno Cláudio Fragoso surge, na Inglaterra, em 1552, num Castelo

Abandonado em Bridewell, por iniciativa dos protestantes, um local para alojamentos, que

desde 1575 passou a ser denominado “House of Correction”69Tal local tinha como objetivo a

reeducação do detido.

Afirma a doutrina que no século XVIII surge o Hospício de São Miguel, construído

pelo Papa Clemente, em Roma, em 1703 e a Casa de Correção de Gand, na Bélgica em 1775

com o intuito de reeducar jovens, além de servir de asilo para velhos, separando

homens,mulheres e culpados de infrações mais graves.

Com o advento da Revolução Francesa e diante dos movimentos da reforma do regime

carcerário a população de Paris mostrava-se contra a Bastilha, que era vista como símbolo da

opressão.

69 FRAGOSO, Heleno Cláudio. op. cit., p.354.

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A Bastilha era uma antiga fortaleza construída em 1370, em Paris , pelo Rei Charles

V. Mas, no século XVII no governo de Armand Jean du Plessis conhecido como Cardeal de

Richelieu essa fortaleza transformou-se em prisão para encarcerar inclusive os que

desagradavam ao Rei ou à sua Corte.

No dia 14 de julho de 1789 devido à Revolução Francesa o povo atacou e destruiu a

Bastilha, que era símbolo do despotismo na França.

No século XVIII duas obras destacaram-se no estudo do direito penal: “Dei Delitti e

Delle Pene” ( Dos Delitos e das Penas) do italiano Cesare Beccaria, publicada em 1764, e a

obra “ The State of Prisons in England and Walles” ( O Estado das Prisões na Inglaterra e no

País de Gales) do inglês John Howard, lançado em 1776.

Há que se esclarecer que as duas obras supracitadas repercutiram consideravelmente

pois propuseram combater os abusos e torturas que se cometiam na época nas prisões. John

Howard e Cesare Beccaria tinham por escopo definir a pena como utilidade e defendiam o

posicionamento de que só se justificaria o encarceramento se produzisse algum benefício ao

delinqüente, não se admitindo produzir um mal em retribuição a outro mal.

No século XVIII, por influência de John Howard e Cesare Beccaria iniciou-se o

Período Humanitário das prisões, uma vez que a sociedade passou a ter ciência dos abusos,

atrocidades cometidas no aprisionamento. Diante de tais circunstâncias, passaram a acontecer

na Europa os movimentos de reforma que pretendiam combater a dureza dos cárceres. 70

No ano de 1819, na França, o Rei Luiz XVIII criou o denominado Conseil Supérieur

des Prisons ( Conselho Superior das Prisões) sendo um ato pioneiro como movimento de

política criminal e penitenciária pois o Conselho pretendia sanar os problemas apresentados

70OLIVEIRA, Edmundo. op.cit., p.6

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nos estabelecimentos franceses destinados a receber presos e infratores submetidos à medida

de segurança por enfermidade mental.71

Cumpre assinalar, ainda, a publicação em 1819 da obra Theory of Penaltys and

Recompenses ( Teoria das Penas e das Recompensas) do inglês Jeremias Bentham, que

apresentou uma nova concepção de penitenciária , oferecendo um modelo arquitetônico

inovador denominado panóptico, em que onde as celas eram distribuídas em forma de raios.

Além disso, Bentham preocupou-se em separar os presos por sexo, além de defender a

importância de lhes dar alimentação apropriada a eles , além de peças de vestuário, limpeza

no recinto, a concessão de trabalho aos detentos e , por fim, assistência à saúde, educação e

ajuda aos liberados.

Constata-se que no século XX ocorre o Período Científico da Prisão , caracterizado

por uma desmoralização da prisão em razão dos campos de concentração projetados na

Europa pelo plano Nazista do Terceiro Reich, liderado por Adolf Hitler, em nome da

lamentável política anti-semita, sendo Auschwitz, na Polônia, o mais famoso deles funcionou

de 1940 a 1945, período em que aproximadamente 470.000 ( quatrocentos e setenta mil)

judeus foram encarcerados e exterminados em câmaras de gás e seus corpos cremados.

Na verdade, as prisões contemporâneas surgem após as antigas redes de segurança

que, proporcionaram ,de certa forma, sensações de segurança e de instabilidade à sociedade72

A partir da década de 90 houve um “endurecimento” na legislação punitiva, o que

acarretou um elevado número de prisões, levando-se em conta a maior severidade das formas

de execução da pena 73.

Menciona Christiane Russomano Freire:

71 Idem, p.7 72 FREIRE, Christiane Russomano. A violência do Sistema Penitenciário Brasileiro Contemporâneo- O caso RDD – Regime Disciplinar Diferenciado, p. 14 IBCCrim, São Paulo, 2005. 73 Idem, p. 14.

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“ o grande triunfo das técnicas disciplinares reside exatamente no fato de que ao possibilitarem a disseminação , a dissipação e a fragmentação do poder, instituído de forma permanente, capilarizada e subterrânea, antes de reduzir seus efeitos sobre os comportamentos humanos, potencializaram sua capacidade de vigilância, docilização e padronização.74

Com o escopo de implementar um projeto panóptico de controle social as prisões

modernas passaram a instituir o modelo de espaços artificiais de construção 75.

Nos Estados Unidos, na década de 90 constatou-se processo semelhante ao da década

de 60, ocasião em que se adotou a política de “tolerância zero” adotado, por exemplo, na

cidade de New York.

No ano de 1984 com o advento da Lei de Execução Penal houve considerável

transformação no sistema prisional brasileiro.

Contudo, na década de 90 nota-se um maior rigor na execução penal.

Christiane Russomano Freire ao discorrer sobre o assunto estabelece que:

“O Brasil, a partir da década de 90, vive um processo de adesão ao modelo punitivo que instrumentaliza-se por meio de medidas que aumentam o nível das penas, recrudescem o controle e a disciplina no interior da execução penal agregam restrições ao livramento condicional à progressão de regime ao indulto e à comutação- as novas formas de contenção e eliminação dos setores mais vulneráveis da sociedade” 76 .

A autora ainda acrescenta que:

“Nesse momento, o sistema penal brasileiro torna patente sua perversidade ao lançar mão de um discurso ressocializador ultrapassado e falacioso, para, na contramão, implementar políticas criminais que atendem aos anseios criminalizadores e punitivos. A expressão mais acabada deste fenômeno são as altas taxas de encarceramento produzidas no país nas últimas décadas, que aparecem como passaporte para o ingresso no movimento mundial de revitalização da função das instituições prisionais.”

Coincidente ao processo de democratização da sociedade, em razão do fim da ditadura

militar em 1984, ocorre paralelamente o movimento de democratização das instituições,

adotando-se um modelo condizente com a era moderna.

74 Ibidem, p. 27 75 Idem, p. 53. 76 Ibidem, p. 76.

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Não podemos ignorar o fato de que a Lei de Execução Penal ter como objetivo superar

a noção de autonomia do direito penitenciário pátrio, até então visto como um ramo autônomo

dissociado do direito penal e do direito processual penal.

Há uma preocupação do Estado em exercer uma vigilância efetiva e permanente, não

admitindo sequer espaço privado, em razão da ameaça constante.

Em seus aspectos originários o sistema prisional tinha como pressuposto tanto punir os

sujeitos que violassem as normas impostas pela sociedade como corrigir, disciplinar e

reabilitar o delinqüente para que possa reintegrar-se ao meio social.

Michel Foucault manifesta um posicionamento contrário à idéia de haver um caráter

pedagógico na pena carcerária. De fato, ele entende que a prisão mostra-se eficaz quando

possibilita a capacidade de se fabricar a delinqüência77

Christiane Russomano Freire observa que ao “eleger a prisão como medida crucial na

luta pela segurança dos cidadãos atualiza hoje a necessidade não mais de disciplinar ou

normatizar condutas , mas de eliminar e excluir”.78

Neste novo milênio é cediço que apesar dos avanços técnicos, o sistema prisional

permanece como um espetáculo deprimente, que reflete em toda a sociedade e é uma

permanente preocupação do Estado, tendo em vista a ocorrência de constantes rebeliões.

Menciona a doutrina diversas rebeliões que ocorreram no Mundo e que tiveram

repercussão tendo em vista a morte de vários detentos, citando a morte de 43( quarenta e três)

presos por policiais na Penitenciária de Attica, em New York, em dezembro de 1971; o

motim, em fevereiro de 1995, na Penitenciária Central de Argel, que culminou com a morte

por policiais de 96 ( noventa e seis) presos liderados por ativistas pertencentes ao grupo

Armado Islâmico, que lutava contra o governo da Argélia; o massacre da Prisão do Carandiru,

em 2 de outubro de 1992, resultando na morte de 111 ( cento e onze) presos por integrantes da

77 Foucault, Michel. Vigiar e Punir. 32ª ed. Petrópolis:Vozes p. 222 78 FREIRE, Christiane Russomano. op. cit. p. 56

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Polícia Militar de São Paulo; a matança, por policiais, de 290 ( duzentos e noventa) presos

ligados ao Movimento Sendero Luminoso, em abril de 1986, no Peru, nas Prisões de Santa

Bárbara, San Pedro e El Frontón; a morte de 450 ( quatrocentos) prisioneiros árabes,

tchetchenos e paquistaneses, todos seguidores do Fundamentalismo Islâmico da etnia do

Taleban em novembro de 2001, na Penitenciária de Mazar; dentre outras inúmeras rebeliões

sangrentas, que ficaram inscritas na história do direito penitenciário mundial.79

No Brasil, a sociedade constata a proliferação de facções criminosas, destacando-se o

denominado Comando Vermelho com base no Complexo Penitenciário de Bangu, na cidade

do Rio de Janeiro, e o Primeiro Comando da Capital- PCC, que era centrado no extinto

Complexo Penitenciário do Carandiru, estando seus integrantes dispersos em todo o sistema

penitenciário do Estado de São Paulo.

Edmundo de Oliveira afirma que os maiores problemas do Sistema Penitenciário

Brasileiro são: o crime organizado, a corrupção, a superlotação, a ociosidade e a baixa

inteligência na administração dos estabelecimentos prisionais. Acrescenta, ainda:

“ Eis a razão pela qual se diz, a todo instante, que a prisão: a) não serve para o que diz servir; b)neutraliza a formação e o progresso de bons valores; c)estigmatiza o ser humano; d)funciona como máquina de reprodução da carreira no crime; e)introduz na personalidade a prisionalização da nefasta cultura carcerária; f)estimula o processo de despersonalização; g)legitima o desrespeito aos direitos humanos. Ao contrário, para realizar plenamente os seus fins, a pena de prisão deve ser: a) proporcional à gravidade do crime e à culpabilidade do agente; b)impulsora do senso de responsabilidade; c)eficaz na defesa da sociedade; d)reparadora do dano causado; e)exemplar para todos; f)tranqüilizadora dos homens de bem; g)medicinal para o próprio delinqüente; h)alicerce para o exercício da cidadania; i)caminho para a retomada dos sonhos na vida familiar e comunitária.”80

79 OLIVEIRA, Edmundo. op. cit., p. 8/9 80 OLIVEIRA, Edmundo. op. cit., p.11

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Para que haja uma política penitenciária justa e eficiente exige-se que a prisão tenha

uma natureza que vá muito além do caráter aflitivo e se preocupe com a restauração pessoal,

para que no futuro consiga o egresso a reinserção social e , conseqüentemente, não retorne à

prática de conduta delituosa. Dessa forma, é mister haver uma preocupação com os servidores

penitenciários, para que sejam treinados adequadamente com o intuito de participar do

processo de ressocialização do preso.

Sustenta ainda Edmundo de Oliveira que:

“a solução para os problemas que afetam o sistema penitenciário , em todos os continentes, só será obtida se baseada na convicção de que esta não é uma questão isolada, estanque. Ao contrário, necessita ser entendida como um verdadeiro sistema de vasos comunicantes, fundamentada em quatro pontos: a justiça social; o sistema policial; o sistema judiciário e o sistema penitenciário. Além disso, exige uma ampla discussão a envolver todos os segmentos sociais, cujos componentes não devem continuar contaminados e imobilizados pelo preconceito e pela indiferença”.

Afirma Plínio de Oliveira Corrêa que :

“o reconhecimento prévio do estado de inocência do cidadão brasileiro ( ainda que esteja sendo processado formalmente) é preservado juridicamente não só pelo conjunto de normas consignadas na nossa Constituição Federal, mas também como postulado fundamental do sistema acusatório e , ainda, por ser garantia proclamada universalmente em defesa da liberdade individual” 81.

O autor acrescenta que:

“se a efetivação da prisão de alguém deve pressupor a sua culpabilidade reconhecida por sentença transitada em julgado, ou, pelo menos, pela comprovação da existência de uma hipótese delitiva e indícios veementes de sua autoria, conforme artigos 302, III e IV; 312; 408 e § 1º do Código de Processo Penal), quando não houver sentença condenatória passada em julgado, nem prova de crime algum e, muito menos, indícios idôneos de autoria, de qualquer fato delituoso para justificar o decreto da prisão provisória, o cerceamento da liberdade física não poderá jamais ocorrer

81 CORRÊA, Plínio de Oliveira. Legitimidade da Prisão no Direito Brasileiro 2ª edição. Porto Alegre: Sagra, 1991, p.48.

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com fundamento no conhecido princípio da presunção de inocência, que todo o Estado de Direito deve consagrar em seu ordenamento jurídico.”82

2. Os Sistemas Penitenciários Clássicos

As teorias de execução das penas, defendidas por Cesare Beccaria, John Howard e

Jeremias Bentham permitiram que no século XVIII nos Estados Unidos surgisse o movimento

de criação de sistemas penitenciários padronizados sendo os mais famosos experimentados

em colônias prisionais sob o influxo do notável político.

Os Sistemas Penitenciários Clássicos, que prosperam na Europa e nos Estados Unidos

no século XIX foram também incitados por organizações de sociedades comunitárias, que

tinham como objetivo suavizar a vida dos condenados nas prisões. De fato, a “ Philadelphia

Society of Alleviating The Miseries of Public Prison” ( Sociedade de Philadelphia para

Aliviar a Miséria das Prisões Públicas), foi a mais famosa daquelas organizações, tendo sido

criada no ano de 1787 e obteve êxito em sua finalidade ao introduzir modificações nas leis

penais, dentre as quais a abolição dos trabalhos forçados , dos açoites e das mutilações, além

das restrições ao emprego da pena de morte que passou em 1794 a ser aplicada na

Philadelphia, apenas aos homicídios dolosos83

Denominam-se como Sistemas Penitenciários Clássicos:

1. Sistema Pensilvânico;

2. Sistema Auburniano;

3. Sistema Progressivo Inglês;

4. Sistema Progressivo Irlandês;

5. Sistema de Elmira;

6. Sistema de Montesinos;

82 CORRÊA, Plínio de Oliveira. Legitimidade da Prisão no Direito Brasileiro 2ª edição. Porto Alegre: Sagra, 1991, p.48. 83 OLIVEIRA, Edmundo. op. cit., p.51.

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7. Sistema Borstal.

O Sistema Pensilvânico também denominado de Sistema de Philadelphia foi

implantado na “Eastern Penitentiary”, na “Philadelphia”, em 1829, tendo a construção sido

inspirada na Penitenciária Panopticon idealizada por Jeremias Bentham, na Inglaterra,

Alemanha e Bélgica.

Caracteriza-se esse sistema pelo isolamento celular; com trabalho no próprio interior

da cela, separando-se os presos com o intuito de evitar promiscuidade, além de permitir que

todos meditassem sobre os crimes com o intuito de melhora pessoal. Na verdade, a solidão foi

tão cruel que muito dos enclausurados ficaram acometidos de loucura.

Ademais, as únicas visitas permitidas aos presos eram a do diretor do estabelecimento,

dos guardas, do capitão e dos membros da Sociedade da Philadelphia para Aliviar a Miséria

das Prisões Públicas 84. Só se permitia a leitura da Bíblia e havia completo isolamento do

mundo exterior, não se admitindo nem mesmo o recebimento e o envio de cartas.

Afirma a doutrina que o Sistema Pensilvânico foi o mais adotado na Europa 85..

Em 1818, ele foi implementado em Nova York na Penitenciária de Auburn, tendo sido

construído pelos próprios presos. Era composto de 108 ( cento e oito) celas destinadas ao

silêncio e isolamento. Nesse sistema, impunha-se o trabalho em comum durante o dia, sob

absoluto silêncio, o denominado silent system 86, cuja desobediência acarretaria a punição do

preso. Durante o período noturno, o isolamento celular também era absoluto para que

descansassem , além de evitar a corrupção dos condenados.

Diante das circunstâncias supracitadas o sistema ora em estudo ficou conhecido nos

Estados Unidos como “silent system”, uma vez que os presos não podiam receber visitas nem

mesmo de familiares e também eram proibidos de praticar exercícios de qualquer natureza, só

sendo assegurada

84 Idem, p.51. 85 Ibidem, p.52. 86 FRAGOSO, Heleno Cláudio. op. cit., p. 355.

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a eles uma instrução rudimentar proporcionados pelos próprios funcionários da prisão.

Deve-se observar, no entanto, que as regras de silêncio possibilitaram o aparecimento

da linguagem indireta, através de gestos, leitura dos dedos ou dos lábios e pancadas na parede.

No Estado de Nova York uma lei do ano de 1821 estabeleceu uma divisão dos presos

de Auburn em três classes:

a) delinqüentes mais velhos e mais perigosos, que deveriam permanecer em isolamento

celular completo;

b) delinqüentes que deveriam ficar trancados, em suas celas três dias por semana;

c) delinqüentes que deveriam ficar trancados apenas um dia por semana. Além disso, os

delinqüentes da segunda e da terceira classes deveriam trabalhar em silêncio absoluto.

Com a ocorrência de vários casos de morte, em razão de tuberculose e loucura,

começaram a surgir as críticas ao sistema, que era de preferência norte-americana.

2.1 O Sistema Progressivo Inglês

O Sistema Progressivo Inglês surgiu na Inglaterra em 1840, em razão das deficiências

correcionais e reformadoras do Modelo Pensilvânico e do Modelo Auburniano. Na verdade, a

sua origem é atribuída ao Capitão da Marinha Real Inglesa Alexander Maconochie que,

sensibilizado com as péssimas condições das prisões, especialmente, em relação aos presos

que foram deportados nos “enfers flottants” para a Austrália idealizou um sistema

diferenciado que possibilitasse a substituição dos anteriores sistemas de repressão 87.

O novo sistema foi denominado pelo capitão Alexandre Maconochie de Mark System

e foi introduzido na Prisão da Ilha de Norfolk, , em 1840. Esse sistema estabelecia uma forma

de indeterminação da pena, que era medida em razão do trabalho, da boa conduta do

condenado e da gravidade do delito cometido.

87OLIVEIRA, Edmundo. op. cit., p 52-53.

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Sir Walter Crofton, nomeado em 1854 diretor das prisões na Irlanda, ficou incumbido

de pôr em prática o sistema sugerido por Maconochie, sendo denominado de sistema

irlandês.88

Diante dos três fatores supracitados eram atribuídas marcas ou vales diariamente que

também podiam ser substituídas em razão de faltas praticadas por eles . Assim, quando o

condenado obtinha um determinado número de marcas ou vales era posto em liberdade.

Observa a doutrina que o Mark System teve grande êxito e passou a ser aplicado em

toda a Inglaterra, com a adoção de três períodos progressivos, justificando a denominação de

Modelo Progressivo.89 .

Assim, o primeiro período era chamado de período de prova e tinha como

característica isolamento celular completo diurno e noturno com trabalho isolado e obrigatório

durante o dia num estágio de 9 ( nove) meses.

Após alcançar quatro marcas ou vales o apenado passava para o segundo período ,

ocasião em que era imposto o isolamento noturno mas no período diurno ele era submetido ao

trabalho, tendo que respeitar a regra do silêncio nas “ Public Work-Houses” ( Casas de

Trabalho Público).Nesse estágio de obras públicas, era aplicado um critério de marcas ou de

pontos, pelo qual o condenado progredia através de cinco classes, podendo acelerar a

passagem de uma a outra pelo bom comportamento e pela dedicação ao trabalho.

Finalmente, caso o condenado fosse beneficiado com quatro marcas ou vales, chegava

ao terceiro período, que era uma espécie de teste para a liberação, no qual, após certo tempo

e se alcançasse com bom comportamento mais quatro marcas e vales obteria o ticket of leave,

cuja natureza assemelhava-se ao livramento condicional.

88 FRAGOSO, Heleno Cláudio. op. cit., p. 360. 89OLIVEIRA, Edmundo. op. cit., p.53.

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2.2 O Sistema Progressivo Irlandês

O Sistema Progressivo Irlandês foi criado por Walter Crofton, que era diretor das

prisões na Irlanda, no ano de 1854. Um fator diferenciador entre este sistema e o Sistema

Progressivo da Inglaterra é que nele há um quarto período de execução da pena, que é o

intermediário entre a prisão em comum e o livramento condicional.

Ademais, outro aspecto que distingue os dois sistemas consiste no fato de que no

sistema irlandês os detidos não são obrigados a guardar silêncio durante o trabalho em

comum.

Pode-se afirmar que “O Sistema Progressivo Irlandês, pelas benéficas modificações

experimentadas, no sentido de oferecer ao condenado vantagens por etapas, passou a influir,

positivamente, nos aprimoramentos dos regimes da Europa e dos Estados Unidos,

espraiando-se, posteriormente, por todos os Continentes”. 90

2.3 O Sistema de Elmira

Com fulcro no Sistema Progressivo Irlandês surgiram nos Estados Unidos os Regimes

de Reformatórios, destacando-se o Sistema do Reformatório de Elmira, no Estado de New

York, em 1869.

Nesse sistema há uma certa preocupação em curar o condenado neste sistema. Aliás, o

sistema unitário de pena e medida de segurança foi criado mediante o critério de avaliação do

condenado, admitindo apenas jovens delinqüentes entre 16 e 30 anos de idade, sujeitos a uma

pena relativamente indeterminada com a fixação de um mínimo e de um máximo.

90 OLIVEIRA, Edmundo. op. cit., p.53.

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Depois de o condenado passar por uma classificação inicial, ele era submetido a um

sistema de marcas ou vales, obtidas em decorrência do trabalho, boa conduta, instrução moral

e religiosa. Na verdade, havia obrigatoriedade no aprendizado de ofício e o regime era do tipo

militar.

Numa terceira fase, o apenado tinha direito ao livramento condicional e recebia um

pecúlio destinado aos seus primeiros gastos.

No ano de 1915 começa o declínio não só de Elmira como de todos os regimes de

Reformatórios. Isso porque foram feitas críticas no sentido de que o jovens ficavam

deprimidos com a rigorosa disciplina militar, com os castigos pesados e por conviver num

ambiente de segurança máxima não condizente com a finalidade de se obter uma

reformulação moral para a regeneração do condenado.

2.4 O Sistema de Montesinos

O Coronel Manuel Montesinos e Molina foi no ano de 1835 nomeado Governador do

Presídio de Valência na Espanha, ocasião em que implantou um regime prisional cujo lema

era: “os maus tratos irritam mais do que corrigem e afogam os últimos alentos da

moralização.”

Edmundo Oliveira, ao discorrer sobre o sistema em questão, aponta as suas

características :

“a) Não admitiu o regime celular, porque além de gerar a “mortificação do apenado” não permitia a socialização em absoluto isolamento. b) Influiu eficazmente no espírito dos reclusos com menos castigo e mais autoridade moral. c) Procurou o equilíbrio entre o exercício da autoridade e a missão pedagógica, com vistas à correção do recluso. d) Nenhuma sanção disciplinar deveria ter caráter infamante. e) O poder de disciplina estava em conformidade com o princípio da legalidade , por isso instituiu um Código Interno com regulamento para os presos. f) Ocupava o preso com o trabalho por ser o melhor instrumento para se conseguir o propósito reabilitador da pena.

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g) O trabalho do preso era remunerado para despertar o seu interesse por alguma atividade produtiva. h) Editou uma prática penitenciária que se constituiu em importante antecedente da prisão aberta, visto que o Presídio de Valência “ não possuía um só ferrolho que pudesse resistir ao arrombamento de qualquer apenado”, os guardas eram , na maioria, pessoa idosas, pois o mais importante era criar no preso a idéia de que ele deveria ser co-responsável pela segurança do estabelecimento, em respeito aos seus hábitos de subordinação e moralidade. i) Introduziu no sistema uma espécie de liberdade condicional, reduzindo um terço da condenação como recompensa à boa conduta do preso, apoiado numa interpretação do artigo 303 da Ordenação Geral dos Presídios do Reino, de 1834, que lhe serviu de fundamento jurídico. Freqüentemente, se atribui a Manuel Montesinos e Molina o pioneirismo pela criação do instituto da liberdade condicional. j) Estabeleceu a prática da concessão de licenças de saída temporária dos presos. Não se conhecia antes essa iniciativa em nenhum outro sistema. l) Considerar benéfica a integração de grupos de presos mais ou menos homogêneos, quer dizer, sem uma rígida separação entre perigosos e não perigosos, não encontrando nenhum inconveniente nessa mesclagem pois entendia que os “bons” poderiam auxiliar os “mais” no estímulo à modificação do interior humano” 91.

De fato, a eficiência do regime laboral do Sistema de Montesinos fez com que artesãos

e fabricantes reclamassem contra a concorrência, porque esse regime não estava sujeito aos

impostos. Infelizmente, o governo atendeu os apelos dos empresários e com isso a produção

na prisão foi diminuindo e perdendo a qualidade com dificuldades, inclusive, de se obter a

matéria-prima, o que acarretou uma forte campanha publicitária contra o trabalho na prisão.

2.5 O Sistema Borstal

O Sistema em epígrafe foi implantado para jovens delinqüentes de 16 a 21 anos, na

Inglaterra em 1902. Na verdade, a prisão era bem adaptada para oferecer instrução moral e

profissional aos presos.

A prisão Borstal ficava no Condado de Kent e foi pioneira no modelo de regime

penitenciário aberto na Inglaterra. Em 1930 um grupo de jovens presos deslocou-se para um

91OLIVEIRA, Edmundo. op. cit., p. 54-55

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acampamento na cidade de Nottinghamshire e lá construiu uma moradia para eles e para

quem viessem em momentos posteriores.

Como os próprios presos concebiam a moradia como prisão, surgiu a primeira casa

penal aberta.

3. Os Modernos Regimes Penitenciários.

As arquiteturas prisionais presentes nos Sistemas Penitenciários Clássicos

influenciaram o formato das penitenciárias que foram construídas ou reformadas durante o

século XX, dentre os quais:

a) Michigan State Prison ( Prisão do Estado de Michigan), localizada na Cidade de Jackson

com capacidade para 5735 presos.

b) Centre Pénitentiaire de Fresnes ( Centro Penitenciário de Fresnes) situada na cidade de

Fresnes, na França, estabelecimento este que visa conciliar a segurança máxima com a linha

pedagógica, preocupando-se com a realização de triagem, classificação e orientação dos

condenados 92

No ano de 1955 em Genebra, Suíça houve I Congresso das Nações Unidas sobre a

Prevenção do Crime e Tratamento do Delinqüente, ocasião em que foram aprovadas as

Regras Mínimas para o Tratamento dos Presos, com o intuito de resguardar salubridade

ambiental e as contigências pessoais do preso.

A determinação resultante do IV Congresso das Nações Unidas sobre a Prevenção do

Crime e Tratamento do Delinqüente, ocorrido em Kioto, Japão no ano de 1970 e da

Assembléia Geral da ONU com a Resolução nº 2.858, de 1971, reiterada pela Resolução nº

3.218, de 1974, que aconselhou os Estados membros a aplicar a administração das

92 Idem, p 67.

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instituições penais e de correção um sistema favorável de execução penal, evitando o

incentivo à reincidência ao crime do indivíduo.

Edmundo Oliveira ao discorrer sobre a relação entre a prisão e os direitos humanos

anota que:

“na evolução histórica da civilização humana, a violação dos direitos humanos sempre expôs a referência marcante de três pólos conexos de atribuições: a) os efeitos discriminatórios e estigmatizantes de uma sentença criminal; b) a insubordinação dos condenados contra as caóticas condições das prisões; c) a rejeição da sociedade ao preso, ante a decepção com o uso da pena privativa de liberdade”. 93

Durante a aprovação da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH),

proclamada pelas Nações Unidas em 1948 debateu-se a respeito de as prisões se

caracterizarem por punições excessivas, apresentando vários casos de corrupção,

enfraquecendo o Estado, que não consegue recuperar o condenado. Assim, com o intuito de

alterar a complicada situação do sistema carcerário mundial, adveio o disposto no artigo 5º da

Declaração Universal dos Direitos Humanos que estabelece que: “ninguém será submetido à

tortura, nem a tratamento ou punições cruéis, desumanas ou degradantes.”

De fato, a Organização das Nações Unidas desde 1948 manifesta-se em sentido

contrário ao baixo padrão dos sistemas penitenciários contemporâneos, visando que haja o

cumprimento das regras mínimas de direitos humanos e de democracia.

A criação da Comissão Penitenciária Internacional, que veio a se transformar na

Comissão Internacional Penal e Penitenciária ( 1929), que deu origem à elaboração das

Regras Mínimas da ONU: Código Penitenciário Internacional-tipo.

Com efeito, após a Segunda Guerra Mundial, surgem em vários países as Leis de

Execução Penal, dentre eles, Polônia; Argentina, Venezuela, México, França, Itália, Suécia,

Espanha, Alemanha, Portugal, etc.

93OLIVEIRA, Edmundo. op. cit., p 103.

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Informa a doutrina que em 1930 houve no Brasil a primeira iniciativa para o

ordenamento da Execução Penal, com a formação de comissão integrada pelos professores

Cândido Mendes, Lemos Brito e Heitor Carrilho, tendo apresentado ao Governo o projeto de

Código Penitenciário em 1933, que foi encaminhado à Câmara dos Deputados em 1935 mas

que não discutido em razão do advento do Estado Novo em 1937.

No ano de 1956 designou-se nova comissão com o intuito de elaborar o Anteprojeto

do Código Penitenciário, encerrado pelo professor Oscar Stevenson em 1957. Finalmente, em

1963 o professor Roberto Lyra concluiu o Anteprojeto do Código de Execuçôes Penais.

O Deputado Carvalho Neto, no entanto, levou ao Legislativo o Projeto nº 636-a, vindo

a resultar na Lei nº 3.274, de 2 de outubro de 1957, sobre as normas gerais do regime

penitenciário .

No dia 17 de outubro de 1970, a Comissão formada pelos professores renomados José

Carlos Moreira Alves, Benjamin Morais e José Frederico Marques apresentou o Anteprojeto

do Código de Execuções Penais.

Em 24 de fevereiro de 1977 o Ministro da Justiça Armando Falcão apresentou o

Anteprojeto da Lei nº 6.416, de 24 de maio de 1977. Na Exposição de Motivos constata-se a

intenção de valorizar o magistrado, além de ampliar as garantias para o bom andamento do

processo, bem como das aplicações das penas, em consonância como os princípios da política

penal e penitenciária universalmente aceita, considerando o acusado e o condenado pessoas

titulares de direitos e deveres , objetivando a sua permanência ou sua reintegração no convívio

social.

Vigora em nosso país a Lei nº 7.210, de 11 de setembro de 1984. Na Exposição de

Motivos expõe o Ministro Ibrahim Abi-Ackel a preocupação com o tratamento reeducativo (

os tipos de assistência), a organização penitenciária, a execução das sanções penais em

espécie , os incidentes de execução e o processo judicial.

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No Brasil consagrou-se a autonomia legislativa com a Lei nº 7.210, de 11 de julho de

1984 e com a Constituição Federal promulgada em 1988, em seu artigo 24, inciso I.

Dispõe o nº 78 das Regras Mínimas sobre as atividades recreativas e culturais na

prisão: “Para o bem-estar físico e mental dos internos, atividades recreativas e culturais

devem ser organizadas em todos os estabelecimentos.

Os artigos 82 a 86 da Lei de Execução Penal versam sobre disposições gerais sobre o

estabelecimento penitenciário. Assim, determina o artigo 82 da LEP os diferentes tipos de

estabelecimento penal, que são: os que se destinam à execução da pena privativa de liberdade,

à execução da medida de segurança, à custódia do preso provisório e aos cuidados do egresso.

Prevê o artigo 83 da LEP, para o estabelecimento penitenciário , dependências com

áreas e serviços para as atividades do tratamento reeducativo referentes ao artigo 11 da LEP.

O complexo penitenciário, por sua vez, poderá compreender pavilhões já previstos

tanto nas Recomendações Básicas para uma Programação Penitenciária ( nº 17 e 18) e

Orientações para Elaboração de Projetos. Aliás, esses dois documentos já observavam a

necessidade de moderna arquitetura penitenciária cumprindo, deste modo, as exigências do

tratamento reeducativo.94 Sanford Bates estabeleceu uma nova concepção para a construção

da prisão moderna vinculando à recuperação do delinqüente , apontando como necessário a

existência no local de escola, biblioteca, clínica psiquiátrica, gabinete de observação

psicológica, laboratórios industriais e a granja.

Determina o artigo 84 a separação do preso provisório , que será enviado à cadeia

pública, local este que poderá ter salas destinadas ao trabalhador social, ao psicólogo , ao

psiquiatra e até mesmo para os advogados.

Deverá, ainda, haver a preocupação em criar mais unidades independentes para a

mulher.

94 Idem, p.101.

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Dispõe o artigo 85 da Lei de Execução Penal sobre a lotação do estabelecimento

penal. De fato, o nº 63.3 das Regras Mínimas da ONU fixa em 500 presos o máximo do

efetivo da população prisional no regime fechado 95.

Destina-se a penitenciária ao cumprimento do regime fechado (artigo 87 da LEP).

Houve, de fato, por parte do legislador a adoção do critério do tratamento reeducativo.

Há que se acentuar que o próprio regime fechado dá especial atenção à segurança.

O nº 6.1 das Regras Básicas de uma Programação Penitenciária faz um paralelo entre a

segurança e a arquitetura e com as precauções físicas contra fuga, em favor da ordem interna e

da disciplina.

A penitenciária tida como estabelecimento de segurança máxima e adota política de

prevenção contra a fuga e caracteriza-se edifícios pela sólida construção, sendo esta rodeada

de muro alto, intransponível e dotados de torre, com guardas armados96

As Orientações do Ministério da Justiça de 1988 estabelecem que todo projeto para

estabelecimento penal deverá prever locais para:

a) instalações de administração, com salas para o serviço jurídico e assistência judiciária e

para o serviço social;

b) assistência religiosa e culto ( capela ecumênica e auditório);

c) escola e biblioteca;

d) prática de esporte e lazer;

e) oficinas de trabalho;

f) refeitório;

g) cozinha;

h) lavanderia;

i) enfermaria;

95Idem, p.102. 96 Ibidem, p.104.

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j) parlatório;

k) visitas reservadas aos familiares.

O artigo 88 da LEP dispõe sobre a cela individual e os seus requisitos

básicos. Ademais, o parágrafo único do artigo supracitado atende ao que prescrevem os nº s 9

e 14 das Regras Mínimas.

Observa Jason Albergaria que:

“A Administração penitenciária poderá construir pavilhão especial na penitenciária para o condenado mais perigoso, inadaptado ao regime fechado, ou o acusado que participar de motins e perturbação da ordem na instituição. Essa modalidade excepcional de regime fechado dependerá do estudo da personalidade do recluso e parecer da Comissão Técnica de Classificação”.97

No direito comparado há a previsão em seção especial no estabelecimento penal :

artigo 159.2 da Lei portuguesa; artigo 10.1 da Lei espanhola; artigo 701 do CPP francês;

artigo 32 do Decreto italiano de 22 de junho de 1976.

O regime fechado caracteriza-se pela vida dos três grupos de condenados

(dificilmente recuperáveis, duvidosos e facilmente recuperáveis) que, na instituição,

submetem-se às diferentes fases do processo de ressocialização: trabalho, instrução,

religião, recreação e esporte98 .

Ana Messuti afirma que a pena é um exemplo de má consciência99 . Isso porque

entende que a pena corresponde a um sentimento de culpa.

Ademais, esclarece a origem da palavra pena que em grego era poine e significava

vingança, ódio. De fato, tratava-se de retribuição com o intuito de compensar o delito

cometido. 100.

97 ALBERGARIA, Jason. op. cit., p.104. 98 Idem, p.105. 99 MESSUTI, Ana. O Tempo como Pena, trad. Tadeu Antonio Dix Silva e Maria Clara Veronesi de Toledo, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p.19. 100 Idem, p..20-21.

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Por fim, observa que:

“o delito não só constitui uma lesão a um dos membros da comunidade de pessoas, mas à lei dessa comunidade de pessoas. Altera o equilíbrio em dois planos: o individual e o social. A reparação pertencente ao primeiro e a retribuição ao segundo”.101

O autor do delito ao ser submetido a uma pena significa que há retribuição da

comunidade de pessoas que se viu ameaçada por certo ato 102.

Contudo, esclarece, ainda, a nobre jurista que o delinqüente, como pessoa, também

merece o respeito da comunidade de pessoas.

Dessa forma, diante da aparente contradição há que não considerar a pena como

violação da dignidade humana do delinqüente mas pelo contrárrio devem ser observadas as

garantias constitucionais, previstas no artigo 5º da Carta Magna.

Os muros que rodeiam a prisão tem por escopo impedir, qualquer comunicação com o

mundo social externo.

101Idem, p.21. 102 Ibidem, p.22.

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CAPÍTULO V DIREITO PENAL DO INIMIGO

Güther Jakobs preocupa-se com o direito penal do inimigo.

Considera-se inimigo, por sua vez, aquele que “afronta a estrutura do Estado,

pretendendo desestabilizar a ordem nele reinante, ou, quiçá, destruí-lo. É a pessoa que revela

um modo de vida contrário as normas jurídicas”103.

O Direito Penal do Inimigo tem sido debatido tanto através dos meios de comunicação

como pela sociedade.104

Indaga-se se a adoção do tratamento de alguns criminosos como inimigos resultarão

numa solução na crise entrentada por todos os países.

Por ser o inimigo visto como uma ameaça à ordem pública não goza de garantias e

direitos, tais como, a ampla defesa, admitindo, inclusive, sua incomunicabilidade se

demonstrada a necessidade de tal medida.

Em contraposição ao Direito Penal do Inimigo há o Direito Penal do Cidadão.

Enquanto no Direito Penal do Inimigo o indivíduo “é visto pelo Estado como um

perigo ao próprio Estado, no Direito Penal do Cidadão o delinqüente é visto pelo Estado

como pessoa e deve ser respeitado e contar com todas as garantias penais e processuais .105”

Preocupa-se no Direito Penal do Inimigo que a coação seja efetiva pois “ela não é

dirigida ao cidadão, à pessoa de direitos, mas ao sujeito perigoso.106”

Há quem defenda que:

103 SILVA, Marco Antonio Marques da ( coord.). Processo Penal e Garantias Constitucionais. São Paulo:Quartier Latin,p.143 104 GRECO, Alessandra Orcesi Pedro. Direito Penal do Inimigo e Criminalidade Econômica in Direito Penal Especial, Processo Penal e Direitos Fundamentais- Visão Luso-Brasileira. São Paulo: Quartier Latin, 2006, p.715. 105 Idem, p.716. 106 Ibidem, p.716.

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“um ordenamento jurídico deve manter também dentro do Direito o criminoso, para que este possa restabelecer-se como pessoa, como cidadão, enfim recuperar sua situação dentro do Direito, seus deveres e obrigações, já que não pode arbitrariamente desvincular-se da sociedade definitivamente através do seu ato.107”

Hobbes ao discorrer sobre o contrato de submissão por meio da violência posiciona o

delinqüente em sua função de cidadão. Dessa forma, somente numa rebelião os definidos

como traidores do Estado serão tidos como inimigos.

Segundo a doutrina podem ser considerados inimigos aqueles que cometem crimes

econômicos, narcotráfico e outras formas de criminalidade organizada; os terroristas,

principalmente após o dia 11 de setembro de 2001; delinqüentes organizados; autores de

delitos sexuais e aqueles que cometem outras infrações penais perigosas.108

Podemos constatar, diariamente, o avanço da criminalidade no âmbito mundial, assim,

deve-se haver uma ação para que sejam interceptados os atos preparatórios do inimigo,

agindo, dessa forma, preventivamente.

É mister observar que prepondera no direito penal do inimigo o interesse público,

privando o acusado de seus direitos.

Com o intuito de elaborar um plano de qual seria melhor maneira de tratar os inimigos

a doutrina sugere a adoção de certas medidas:

“-Não participa de conceito de cidadão (pessoa) aquele que não admite ingressar no estado de cidadania. -O inimigo não é um sujeito processual (não se comunica com o seu advogado constituído). -Cabe ao Estado não reconhecer seus direitos ainda que juridicamente ordenado. -Não justifica um procedimento penal legal mas de guerra. -Quem não oferecer segurança cognitiva suficiente ( procedimento pessoal) será tratado como inimigo pelo Estado ( do contrário vulnerária o direito de segurança dos considerados cidadãos).” 109

107 GRECO, Alessandra Orcesi Pedro. op. cit. p.718. 108 Idem, p.720. 109 Idem, p.721.

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No Direito Penal do Inimigo “os inimigos são excluídos de seu direito: o Estado os

elimina de modo juridicamente ordenado.110”

Consubstancia-se o Processo Penal do Inimigo na eliminação de riscos terroristas,

dentre as quais a eliminação da possibilidade de um preso entrar em contato com seu

defensor, prevenindo a ocorrência de qualquer ação que acarrete riscos à vida, liberdade ou

integridade física de outrem.

Há dois modos do Estado analisar os delinqüentes pode vê-los como

“pessoas que delinqüem, pessoas que tenham cometido um erro, ou indivíduos que devem ser impedidos de destruir o ordenamento jurídico, mediante coação. Ambas as perspectivas têm, em determinados âmbitos, seu lugar legítimo, o que significa, ao mesmo tempo, que também possam ser usadas em lugar equivocado”.111

Pode-se afirmar que o Direito Penal do Inimigo caracteriza-se pela imposição da pena

de prisão sem as garantias penais e processuais.112

Não repele o Direito Penal do Inimigo a idéia de que as penas sejam desproporcionais.

Na verdade, no Direito Penal do Inimigo há a imposição da pena de prisão sem as

garantias penais e processuais.113

No Direito Penal do Inimigo é “claramente inconstitucional, visto que só se pode

conceber medidas excepcionais em tempos anormais(Estado de Defesa e de Sítio).”114

É certo que o Direito Penal do Inimigo caracteriza-se por três elementos:

“a) Adiantamento da punibilidade, ou seja, a perspectiva do ordenamento jurídico é

prospectiva ao invés de, como é habitual, ser retrospectiva.

b) As penas previstas são desproporcionalmente altas.

c) Garantias processuais são relativizadas ou suprimidas”.115

110 Ibidem, p.721. 111 GRECO, Alessandra Orcesi Pedro. op. cit., p.722. 112 Idem, p.726. 113 Ibidem, p.726. 114 Ibidem, p.727.

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Há uma relação entre o regime disciplinar diferenciado e o direito penal do inimigo.

No que diz respeito à matéria esclarece a doutrina

“ a imposição de uma fórmula de execução da pena diferenciada segundo características do autor relacionadas com “suspeitas” de sua participação na criminalidade de massas não é mais do que um “ Direito penal de inimigo”, quer dizer, trata-se da desconsideração de determinada classe de cidadãos como portadores de direitos iguais aos demais a partir de uma classificação que se impõe desde as instâncias de controle. A adoção do Regime Disciplinar Diferenciado representa o tratamento desumano de determinado tipo de autor de delito distinguindo evidentemente entre cidadãos e “inimigos”. 116

115 GRECO, Alessandra Orcesi Pedro. op. cit., p.727. 116 BUSATO, Paulo César. Regime Disciplinar Diferenciado como Produto de um Direito Penal de Inimigo in Revista de Estudos Criminais nº 12 da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, p.140.

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CAPÍTULO VI O REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO (RDD)

1.Considerações gerais

A Lei nº 7.210, de 1984 dispõe sobre regras a serem adotadas no período de execução

da pena. René Ariel Dotti entende que a referida legislação foi um marco divisório entre a

marginalização absoluta do condenado e a oportunidade para que ele exerça os seus direitos,

ao passo que há quem critique a mencionada Lei por entender ter sido elaborada por

sonhadores e idealistas , distantes da realidade carcerária.117

Estabelece o artigo 1º da Lei de Execução Penal:” A Execução Penal tem por objetivo

efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a

harmônica integração social do condenado e do internado.”

O sistema prisional brasileiro sofre severas críticas da sociedade, que entende que o

condenado não se corrige mas sim especializa-se ainda mais na criminalidade. Assim, a

finalidade da pena, que é a ressocialização fica, em muitos casos, prejudicada.

A Lei nº 10.792, de 1º de dezembro de 2003, que altera a Lei nº 7.210, de 11 de junho

de 1984 surgiu em razão de um estado de medo permanente na sociedade brasileira. Assim:

“...as origens desta lei podem ser perfeitamente detectadas. Há um estado de medo permanente na sociedade brasileira, provocado pela existência de alarmantes índices de criminalidade que, além do mais, tem invadido as cadeias e subvertido o próprio sistema de execuções penais, convertendo os próprios estabelecimentos prisionais em pontos de referência das organizações criminosos, de onde partem ordens e diretrizes para a realização de certas ações delitivas. Isto, associado à crescente influência dos bandos criminosos, principalmente em locais onde se acumulam milhares de pessoas em condições de vida desumanas, tem feito com que as instâncias estatais de controle social reajam de modo já conhecido: a edição reiterada de mais legislação penal, progressivamente restritiva e ofensiva para as garantias fundamentais.”118

117MOURA, Maria Thereza Rocha de Assis. Notas sobre a inconstitucionalidade da Lei nº 10.792⁄2003, que criou o Regime Disciplinar Diferenciado na execução penal in Revista do Advogado nº 78- setembro de 2004, p.61. 118 BUSATO, Paulo César. op.cit.., p.140.

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Não ignoramos o fato de que a violência nos grandes centros urbanos de nosso país é

resultado de uma desigualdade social. Dessa forma, muitos criticam a aplicação de qualquer

medida mais severa para combater a criminalidade sem se atentar a tais problemas sociais.

Nesse sentido Aline Seabra Toschi comenta que: “o legislador quer controlar o problema da

criminalidade, esquecendo-se que a mesma está diretamente ligada à desorganização social,

ou seja, às grandes diferenças sociais, econômicas, culturais e que foram acentuadas nesta

era de globalização.”119

De fato, é inegável a influência da sociedade na elaboração de legislação referentes

aos direitos penal e processual penal. Assim, Carlos Roberto Isa afirma que “estudiosos da

ciência penal, no entanto, advertem que a “pressão popular” pode trazer ao Estado de Direito

sérios prejuízos e irromper supressão ou mitigação das garantias constitucionais. 120

As idéias iluministas dos séculos XVII e XVIII foram inseridas nas Constituições

Americana e a Francesa através de normas garantistas de liberdades e prerrogativas

individuais. No Brasil tais garantias e prerrogativas sempre estiveram, também, presentes no

direito constitucional pátrio mas na Constituição Federal vigente houve maior ênfase neste

sentido.

A Constitucional Federal brasileira, em seu artigo 1º, III adotou como fundamento do

Estado Democrático de Direito, entre outros, a dignidade da pessoa humana.

O artigo 5º da Carta Magna vigente, por sua vez, assegura como direitos e garantias

fundamentais, entre outras:

(...)III- ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante;

(...)-XLVII- não haverá penas:

e) cruéis;

119 TOSCHI, Aline Seabra. op. cit., 120 ISA, Carlos Roberto. Regime Disciplinar Diferenciado: O Custo Ultrapassa o Benefício in Boletim IBCCrim- ano 12-nº 141- agosto 2004

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(...) XLIX- é assegurando aos presos o respeito à integridade física e moral.

Os direitos e garantias fundamentais previstos na norma constitucional supracitada

limitam tanto o jus persequendi como o jus puniendi, uma vez que disciplinam as ações das

instituições do sistema penal, impedindo a intervenção penal desproporcional e

desnecessária.121

O advento do Regime Disciplinar Diferenciado teve por escopo a adoção de um

sistema de “cárcere duro” no País a ser aplicado aos condenados por delitos ligados ao crime

organizado122.

É claro que o jus executionis estatal não é absoluto, ilimitado, uma vez que a própria

sentença condenatória traça limites e a Lei de Execução Penal e a Constituição Federal

vigente asseguram direitos não atingidos pelo internamento prisional.123

Há no Brasil uma falta de estabelecimentos prisionais para o número elevado de

acusados e condenados. Rômulo de Andrade Moreira ao discorrer sobre o tema anota:

“... a nossa realidade carcerária é preocupante; os nossos presídios e as nossas penitenciárias, abarrotados, recebem a cada dia um sem número de indiciados, processados ou condenados, sem que se tenha a mínima estrutura para recebê-los; há, ainda, milhares de mandados de prisão a serem cumpridos; ao invés de lugares de ressocialização do homem, tornam-se, ao contrário, fábricas de criminosos, de revoltados, de desiludidos, de desesperados; por outro lado, a volta para a sociedade ( por meio da liberdade), em vez de solução, muitas vezes, torna-se mais uma via crucis, pois são homens fisicamente libertos, porém de uma tal forma estigmatizados que se tornam reféns do seu próprio passado.”

O surgimento de inúmeras facções criminosas, que ainda que detidos conseguem

cometer, reiteradamente , delitos, utilizando, por exemplo, o manuseio de celulares pelos

prédios, facilitando o seu contato com o mundo exterior.

121 FERREIRA, Fábio Félix e RAYA, Salvador Cutiño. Da inconstitucionalidade do isolamento em cela e do regime disciplinar diferenciado in Revista Brasileira de Ciências Criminais. Vol. 49, jul-agosto 2004, p.254 122 SANCHES, Rogério e CERQUEIRA, Thales Tácito Pontes Luz de Pádua. Regime Disciplinar Diferenciado (RDD)-Breves Comentários in Reforma Criminal. São Paulo:Revista dos Tribunais, 2004, p.313. 123 Idem, p. 313.

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Diante do elevado índice de criminalidade nos grandes centros urbanos brasileiros

houve alteração na Lei nº 7.210⁄ 84 ( Lei de Execução Penal) com o advento da Lei nº

10.792⁄03, determinou modificações na disciplina do interrogatório e estabeleceu o regime

disciplinar diferenciado( RDD) , tema este que merece um atenção especial à luz da

Constituição Federal em vigor.

É de bom alvitre frisar que a Lei n. 10.792/03 surgiu num contexto de emergência,

destinada a, em tese, recuperar ou revitalizar a disciplina na instituição carcerária ou

prisional.124

Além disso, diante do aumento de violências nos grandes centros urbanos do país

decidiu-se adotar um modelo panoptista consistente na vigilância contínua e individual , que

pode acarretar punições ou recompensas.125

A doutrina de um modo geral tem criticado o Regime Disciplinar Diferenciado, por

entender ser mecanismo absolutamente ineficaz para combater a criminalidade, uma vez que o

grande problema nacional é a desigualdade social.126

Paulo César Busato ao comentar a finalidade da alteração da Lei de Execuções Penais

pela Lei n. 10.792/03 afirma que:

“o fato de que apareça da Lei de Execuções Penais com características pouco garantistas tem raízes que vão muito além da intenção de controlar a disciplina dentro do cárcere e representam, isto sim, a obediência a um modelo político-criminal violador não só dos direitos fundamentais do homem ( em especial do homem que cumpre pena), mas também capaz de prescindir da própria consideração do criminoso como ser humano e inclusive capaz de substituir um modelo de Direito penal de fato por um modelo de Direito penal de autor.”

124 GLOECKNER, Ricardo Jacobsen. O Técnico na Execução Penal e o Regime Disciplinar Diferenciado ( Lei 10.792/03): Um Enfoque Interdisciplinar in Congresso Epistemologia- Direito, Processo e Execução Penal. Porto Alegre :Revista de Estudos Criminais- Edição Oficial PUCRS, p 220. 125 Idem, p. 220. 126 MOREIRA, Rômulo de Andrade. Este Monstro Chamado RDD in Revista Síntese de Direito Penal e Processual Penal nº 28, out-nov 2004, p.37

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2.A Implantação do Regime Disciplinar Diferenciado - Lei nº 10.792/03.

Com o crescimento desenfreado das facções criminosas nos presídios do Estado de

São Paulo o então Secretário de Administração Penitenciária, em maio de 2001, através da

Resolução n. 26, criou naquele Estado o denominado Regime Disciplinar Diferenciado.

Na verdade, tal medida foi resposta a uma megarrebelião ocorrida no Estado de São

Paulo, no início de 2001 e que envolveu 25 ( vinte e cinco) unidades prisionais da Secretaria

da Administração Penitenciária e 04( quatro) cadeias sob a responsabilidade da Secretaria de

Segurança Pública do Estado.127Apurou-se que as principais reivindicações das facções

criminosas, na ocasião, era que seus líderes retornassem para a Casa de Detenção de São

Paulo ( Complexo do Carandiru), uma vez que estavam no Anexo da Casa de Custódia de

Taubaté, onde as regras disciplinares eram consideradas extremamente severas, por limitar em

uma hora o banho de sol por dia.128

Restringia, inicialmente, a Resolução nº 26 a cinco unidades prisionais: Casa de

Custódia de Taubaté, Penitenciárias I e II de Presidente Venceslau, Penitenciária de Iaras e

Penitenciária I de Avaré. Ocorre, que durante o ano de 2001 as Penitenciárias I e II de

Presidente Venceslau e a Penitenciária de Iaras deixaram de aplicar o Regime Disciplinar

Diferenciado, uma vez que no dia 2 de abril de 2002 foi inaugurado o Centro de Readaptação

Penitenciária de Presidente Bernardes, para esse fim. 129

Segundo a Resolução nº26 do Estado de São Paulo o tempo máximo de permanência

no Regime Disciplinar Diferenciado era de 180 ( cento e oitenta) dias, podendo ser ampliado

para 360 ( trezentos e sessenta) dias ( artigo 4º).130Além disso, cabia ao Diretor Técnico das

127 CARVALHO. Salo de. Crítica à Execução Penal. 2ª ed. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, p. 272. 128 Idem, p. 273. 129 Ibidem, p. 273. 130 CARVALHO. Salo de. op. cit. p. 273.

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Unidades, através de petição fundamentada direcionada ao Coordenador Regional das

Unidades Prisionais solicitar a remoção do preso ao Regime Disciplinar Diferenciado.131

Posteriormente, foi argüida a inconstitucionalidade da Resolução n. 26 pois segundo

alguns juristas “ a Resolução violaria a Constituição porque tratando-se de falta grave a

matéria está afeta, exclusivamente, à lei ordinária”.132Todavia, o Tribunal de Justiça de São

Paulo optou por sua constitucionalidade, ao argumento de que os Estados-membros têm

autorização constitucional para legislarem sobre Direito Penitenciário com fulcro no artigo

24, I, Carta Magna.

Em julho de 2002 foi editada no Estado de São Paulo a Resolução da Secretaria de

Administração Penitenciária nº 49 que tinha por escopo restringir dos presos submetidos ao

Regime Disciplinar Diferenciado o direito de visita e as entrevistas com seus advogados.133

Ademais, adveio , em agosto de 2002, a Resolução da Secretaria de Administração

Penitenciária n. 59, que instituiu o Regime Disciplinar Diferenciado no Complexo

Penitenciário de Campinas (Hortolândia). Assim, o regime diferenciado seria aplicado tanto

aos condenados como aos presos provisórios, acusados de prática de crime doloso ou que

pudessem significar alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento penal. 134

Na Resolução nº 59, supracitada, foram elencados um rol de condutas que implicariam

na submissão do regime, que são:

“(a) incitamento ou participação em movimento para subverter a ordem ou disciplina;

(b) tentativa de fuga;

(c) participação em facções criminosas;

(d) posse de instrumento capaz de ofender a integridade física de outrem ou de estabelecer

comunicação proibida com organização criminosa; e

131 Idem, p. 274. 132 MARCÃO, Renato. Curso de Execução Penal. São Paulo:Saraiva, 2ª edição, 2005, p. 36 133 CARVALHO. Salo de. op. cit., p. 274. 134Idem,, p. 274.

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(e) prática de fato previsto como crime doloso que pertube a ordem do estabelecimento ( art.

2º)”. 135

O Governo Federal tentou através da Medida Provisória nº 28, de 4 de fevereiro de

2002 “ legalizar” o regime disciplinar diferenciado.136

No mês de março de 2003 houve a morte de dois juízes que atuavam em Varas de

Execução Penal, em São Paulo(em 14 de março de 2003) e no Espírito Santo( em 24 de março

de 2003) por facções criminosas, o que fez ressurgir no âmbito do Congresso Nacional, o

Projeto de Lei n. 7.053, enviado em 2001 pela Presidência da República. Assim, 26 de março

de 2003 o projeto de lei em questão foi aprovado nas duas Casas do Congresso, modificando

vários dispositivos da Lei de Execução Penal, criando, o Regime Disciplinar Diferenciado.

Há que se observar que dentre os elaboradores da lei 10.792 estava o Prof. Sérgio

Marcos de Moraes Pitombo, que veio a presidir grupo de trabalho na Secretaria de Estado da

Administração Penitenciária de São Paulo e no ano de 1997 elaborou o Anteprojeto de Lei

que dispôs a respeito da disciplina na execucação das penas privativas de liberdade e

restritivas de direitos.

Em 2000 formou-se uma Comissão Especial, designada pelo então Ministro de Justiça

para propor Anteprojeto de Lei modificativo da Lei de Execução Penal, visando refletir a

realidade do sistema prisional atual. Assim, houve a alteração no artigo 52 da Lei de

Execução Penal, criando o denominado Regime Disciplinar Diferenciado- o RDD, que já

existia , de fato , no Estado de São Paulo, por força de Resolução baixada pela Secretaria da

Administração Penitenciária em meados de 2001 e , posteriormente, no Rio de Janeiro, com a

135 Ibidem, p. 274. 136 MOREIRA, Rômulo de Andrade. op. cit., p. 84-85.

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Resolução nº 008 de 7 de março de 2003 137 e que se transformou em realidade, com a

promulgação da Lei nº 10.792, de 1º de dezembro de 2003.

Aliás, durante o Governo Fernando Henrique Cardoso foi instituído o Regime

Disciplinar Diferenciado , no plano federal, através da Medida Provisória n. 28 de 4 de

fevereiro de 2002, que veio a vigorar por escasso período e não foi convertida em lei pelo

Congresso Nacional.

Na verdade, a Lei n. 10.792, de 1º de dezembro de 2003 alterou a Lei n. 7.210, de 11

de junho de 1984-Lei de Execução Penal e o Decreto-Lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941-

Código de Processo Penal-, além de estabelecer outras providências.

Pode-se afirmar que, no Estado do Rio de Janeiro, o apogeu na crise do sistema

penitenciário ocorreu, em dezembro de 2002, no Presídio de Segurança Máxima Bangu I, em

razão de um detento de alcunha “ Fernandinho Beira-Mar”, conhecido internacionalmente,

liderou os membros da facção criminosa denominada “Comando Vermelho” , rendendo

agentes penitenciários e aproveitando-se para determinar a morte de outros líderes de facções

criminosas. Surgiu, então, a necessidade de transferência imediata do famoso preso,

considerado de alta periculosidade, tendo ficado retido, por certo tempo, no Centro de

Readaptação Penitenciária de Presidente Bernardes. De fato, todos os líderes das facções

criminosas foram isolados e colocados no denominado Regime Disciplinar Especial de

Segurança (RDES), que veio a ser reeditado em julho de 2003.138.

Há, ainda, outras críticas referentes à Lei n. 10.792/03 no sentido de que “um meio

absolutamente ineficaz para combater a criminalidade, cujas raízes, sabemos todos, está na

desigualdade social que ainda reina no Brasil139”.

137 BARBOZA, Leandro de Oliveira. Da Inconstitucionalidade do regime disciplinar diferenciado por ofensa aos direitos fundamentais: breve histórico legislativo. Disponível na internet: www.ibccrim.org.br, 25.11.2004. 138 CARVALHO. Salo de. op. cit. p. 274. 139 MOREIRA,, Rômulo de Andrade. op. cit., p.75

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Não se confunde o Regime Disciplinar Diferenciado com o Regime Disciplinar

Especial, uma vez que este último embora também utilizado em Complexos Penitenciários,

dentre os quais, o Complexo Penitenciário de Campinas no Estado de São Paulo e no Estado

do Rio de Janeiro, adota procedimento semelhante mas menos rigoroso que o primeiro.

Assim, enquanto no Regime Disciplinar Diferenciado o preso fica em cela individual,

no Regime Especial, por exemplo, adotado pelo Complexo Penitenciário de Campinas-

Hortolândia pela Resolução SAP 59, de 19 de agosto de 2002, em seu artigo 6°, II previa cela

coletiva de 8 ( oito) pessoas.

Todavia, não podemos deixar de mencionar um aspecto mais gravoso no Regime

Disciplinar Especial nos termos da resolução referida acima que, em seu artigo 6°, III,

permitia a saída da cela para banho diário de 1( uma) hora de sol, enquanto no Regime

Disciplinar Diferenciado são duas horas fora da cela, diariamente.

No tocante à Lei 10.792/03 sua aplicação pode implicar, por um lado, numa Política

Criminal expansionista e , por outro lado, há pouca preocupação em preservar direitos e

garantias fundamentais do homem.140

De fato, podemos constatar, que a finalidade da implantação do Regime Disciplinar

Diferenciado tinha e tem por escopo separar presos com maior periculosidade dos demais nos

sistemas prisionais e evitar atentados de facções criminosas, conforme dispõe a doutrina:

“...se o objetivo pretendido é o de separar das condições carcerárias ordinárias presos de maior periculosidade, capazes de comandar ações criminosas de dentro das penitenciárias e de ameaçar outros detentos, para tanto já detém a Administração o poder/dever de separar presos , conforme a sua periculosidade , decorre da própria Lei de Execução Penal ( artigos 5º e 6º) , que estabelece o “programa individualizador da pena privativa de liberdade”.141

140 Idem, p.76. 141 Ibidem, p. 116.

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Dessa forma, o Regime Disciplinar Diferenciado tem, ao menos, dificultado a

comunicação dos líderes de facções criminosas com os seus seguidores, atrapalhando o risco

iminente que a sociedade possa sofrer. Não podemos, por sua vez, ser ingênuos e acreditar

que as operações criminosas nos grandes centros urbanos vão cessar como um passe de

mágica mas , pelo menos, é uma tentativa do Estado de tentar controlar e diminuir os delitos

cometidos nas cidades brasileiras.

3. O Sistema de Judicialização no Regime Disciplinar Diferenciado

O Regime Disciplinar Diferenciado não se trata de uma sanção disciplinar mas de uma

forma diferenciada de cumprimento de pena. Assim, é imprescindível a participação do juiz

na inclusão do preso, provisório ou definitivo no regime disciplinar diferenciado.

Todavia, antes de abordar a judicialização, adotada no regime diferenciado é mister

mencionar que a Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 estabelece, em seu Capítulo IV os

deveres, os direitos e a disciplina do condenado. Assim, o artigo 39 da mesma Lei, estipula os

deveres do condenado, que são:

I- comportamento disciplinado e cumprimento fiel da sentença;

II- obediência ao servidor e respeito a qualquer pessoa com quem deva relacionar-se;

III- urbanidade e respeito no trato com os demais condenados;

IV- conduta oposta aos movimentos individuais ou coletivos de fuga ou de subversão à ordem

ou à disciplina;

V- execução do trabalho, das tarefas e das ordens recebidas;

VI- submissão à sanção disciplinar imposta;

VII- indenização à vítima ou aos seus sucessores;

VIII- indenização ao Estado quando possível, das despesas realizadas com a sua manutenção,

mediante desconto proporcional da remuneração do trabalho;

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IX- higiene pessoal e asseio de cela ou alojamento;

X- conservação dos objetos de uso pessoal.

No que diz respeito à exigência de comportamento disciplinado por parte do

condenado e cumprimento fiel da sentença somente poderá falar em “indisciplina carcerária

nos casos em que o preso insurja-se contra decisões e comandos que, além de emitidos pela

autoridade competente, estejam adequados às garantias fundamentais da Constituição

Federal de 1988”.142

Aliás, na Lei de Execução da Pena Privativa de Liberdade argentina( Ley de Ejecución

de la Pena Privativa de la Libertad, ley nº 24.660), em seu Capítulo III, ao tratar da disciplina

dos presos no cárcere estabelece que só haverá restrições aos direitos dos encarcerados

quando necessário para a correta organização da vida dos presos.143

Entende Rejane Alves de Arruda que “a reforma pontual realizada pela Lei nº

10.792/03 acabou por ensejar um desajuste no sistema de aplicação de sanções disciplinares

da LEP, comprometendo a certeza e a exatidão que devem permear a imposição de quaisquer

medidas que restrinjam direitos fundamentais.”144

O artigo 53 da Lei de Execução Penal, por sua vez, constituem sanções disciplinares:

I- advertência verbal;

II- repreensão;

III- suspensão ou restrição de direitos ( artigo 41, parágrafo único);

IV- isolamento na própria cela, ou em local adequado, nos estabelecimentos, que possuam

alojamento coletivo, observado o disposto no artigo 88 desta Lei.

V- inclusão no regime disciplinar diferenciado ( grifos nossos).

142 CARVALHO, Salo de( Coord). op. cit., p. 239. 143 “Art. 59- El ordem, la disciplina y lãs pautas de convivência se mantendrán con decisión y firmeza. La disciplina no importará más restricciones que las que requieran la seguridad y la correcta organización de la vida de los alojados” in KENT, Jorge. Derecho de La Ejecución Penal. Buenos Aires: Ad-hoc, 1996, p. 424. 144 ARRUDA, Rejane Alves da. Regime Disciplinar Diferenciado: Três Hipóteses e Uma Sanção in Revista Síntese de Direito Penal e Processual Penal Ano VI nº 33 ago-set 2005, p.35.

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O rol de sanções é taxativo, não admitindo ampliação em face dos princípios da

reserva legal e da anterioridade da lei.

Na verdade, competirá ao diretor do estabelecimento prisional a aplicação das sanções

previstas nos incisos I a IV, por ato motivado, ao passo que o inciso V só poderá ser aplicada,

por prévio e fundamentado despacho do juiz competente, observado o procedimento legal.

Dessa forma, nos termos da Lei n. 10.792, de 2003 o regime disciplinar diferenciado está

submetido ao sistema de judicialização, ou seja, compete ao juiz sua aplicação.

Coube, ainda, a Lei n. 10.792, de 1º de dezembro de 2003 dar nova redação ao artigo

57 da Lei de Execução Penal, esclarecendo que “na aplicação das sanções disciplinares, levar-

se-ão em conta a natureza, os motivos, as circunstâncias e as conseqüências do fato, bem

como a pessoa do faltoso e seu tempo de prisão.”

Enquanto as faltas leves ou médias serão punidas com advertência verbal ou

repreensão as graves serão punidas com a suspensão ou restrição de direitos ( artigo 41,

parágrafo único, da Lei de Execução Penal), isolamento na própria cela, ou em local

adequado, nos estabelecimentos que possuam alojamento coletivo, ( artigo 88 da Lei de

Execução Penal) ou inclusão no regime disciplinar diferenciado.

Afirma a doutrina quanto à natureza jurídica do Regime Disciplinar Diferenciado que

não se trata:

“...de sanções disciplinares, de caráter pontual e limitado a uma conduta específica. Revela-se uma tentativa de criar um regime de cumprimento de pena mais severo que o permitido pela legislação de caráter, cruel e desumano, violador da Constituição Federal e do Sistema Internacional de Direitos Humanos”. 145

Observa Maria Thereza Rocha de Assis Moura ao discorrer a respeito dos direitos

fundamentais e deveres do condenado que qualquer limitação deve estar em consonância com

145 MOREIRA, Rômulo de Andrade. Estudos de Direito Processual Penal- Temas Atuais. São Paulo: BH Editora e Distribuidora de Livros, 2006, p. 115-116.

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a Constituição Federal e terá que ser fundamentada como todas as decisões em sede de

execução penal. Assim, a execução penal só pode, ser juriscicionalizada. 146

Surge a questão se o Ministério Público, não mencionado no artigo 54 da Lei de

Execução Penal, por ser órgão da execução penal poderá demandar a aplicação do regime

diferenciado. De fato, o artigo 68, II, alínea “a” da Lei de Execução Penal estabelece que uma

da atribuições do parquet é adotar as medidas necessárias no processo executivo.

É claro que a decisão judicial sobre a inclusão do preso em regime disciplinar será

precedida do devido processo legal, ocasião em que é assegurada a manifestação do

representante do Ministério Público e da Defesa, atendendo as garantias asseguradas na

Constituição Federal em vigor.

No Estado de São Paulo, antes do advento da Lei nº 10.792/2003, cabia à autoridade

administrativa a decisão final a respeito da inclusão do Regime Disciplinar Diferenciado,

sendo comunicado, posteriormente o juiz da Execução Penal, no prazo de 48 horas, o que não

respeitaria as regras da jurisdicionalização da pena.147

Guilherme de Souza Nucci afirma que uma das funções do juiz, na execução penal, é

de decretar a inclusão do preso no regime disciplinar diferenciado esclarece que há a

necessidade de prévio “requerimento pormenorizado, pelo diretor do estabelecimento penal

ou por outra autoridade administrativa , ouvido previamente o Ministério Público e a

defesa.” 148

Caberá ao juiz no prazo de quinze dias decidir sobre a inclusão ou não do preso ao

regime disciplinar diferenciado. Além disso, a autoridade administrativa, em caso de urgência,

pode isolar o preso preventivamente, por até dez dias, aguardando a decisão judicial.

Enquanto há defensores da importância adoção do regime disciplinar diferenciado há,

em contrapartida aqueles contrários ao uso de tal mecanismo, por entenderem que “ o fato de

146 MOURA, Maria Thereza Rocha de Assis. op. cit., p.65 147 Idem, p.65. 148 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo e Execução Penal. São Paulo:Revista dos Tribunais. 2005.

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que apareça uma alteração da Lei de Execuções Penais com características pouco garantistas

tem raízes que vão muito além da intenção de controlar a disciplina dentro do cárcere e

representam, isto sim, a obediência a um modelo político-criminal violador não só dos

direitos fundamentais do homem ( em especial do homem que cumpre pena), mas também

capaz de prescindir da própria consideração do criminoso como ser humano e inclusive capaz

de substituir um modelo de Direito penal de fato por um modelo de Direito penal de autor.”

149

Na doutrina encontramos críticas ao regime:

“ o RDD com fins retributivo e inocuizador, é o retrato da própria confusão e decadência do sistema prisional. Apenas tais fins podem pretender que a manutenção de um indivíduo por 360 ou 720 dias, ou até 1/6 da pena ( e há penas bastante altas) em condições de um isolamento similar aos das primeiras penitenciárias ( sistema filadélfico) possa trazer algum benefício, tanto ao preso e à sociedade, na medida em que, em algum dia, este preso retornará ao convívio social.” 150

4. Hipóteses de Cabimento do Regime Disciplinar Diferenciado

São três as hipóteses de aplicação do regime disciplinar diferenciado:

1) prática de fato previsto como crime doloso que ocasione subversão da ordem ou da

disciplina internas;

2) presos que apresentem alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento penal ou

da sociedade;

3) presos sobre os quais recaiam fundadas suspeitas de envolvimento ou participação a

qualquer título, em organizações criminosas , quadrilha ou bando.

149 BUSATO, Paulo César. Regime Disciplinar Diferenciado como Produto de um Direito Penal de Inimigo in

Revista de Estudos Criminais nº 12 da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, p.138. 150 REGHELIN, Elisangela Melo. Regime Disciplinar Diferenciado: Do Canto da Sereia ao Pesadelo. Boletim do IBCCrim- Ano 14 nº 168- Novembro 2006.

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4.1 Prática de fato previsto como crime doloso que ocasione subversão da ordem ou da

disciplina internas.

Das três hipóteses de aplicação do RDD somente a primeira, que trata da prática de

fato previsto como crime doloso que ocasione subversão da ordem ou disciplina internas é

mais fácil de vislumbrar uma ação, enquanto os demais casos são de total de imprecisão.151

É importante ressaltar que ainda que o crime doloso, causador de desordem carcerária,

fique no campo da tentativa será punido com a sanção que corresponde à falta consumada, em

consonância com o artigo 49, parágrafo único, da Lei de Execução Penal.152 É claro que na

sanção disciplinar , nesse caso, será atenuada.

O presente inciso só se aplica ao preso enclausurado, por se referir o dispositivo em

“subversão da ordem ou disciplina internas”, assim, não se admite aos que estão cumprindo

pena em liberdade, no caso de penas restritivas de direitos, saída temporária, livramento

condicional, etc.

Ademais, o preso faltoso além de sofrer a sanção administrativa responderá

penalmente pelo crime doloso praticado.

Guilherme de Souza Nucci alerta que na hipótese fala-se em fato previsto como crime

e não crime.153 Assim, para o doutrinador há uma distinção entre as duas situações pois se

fosse crime “ a previsão dever-se-ia aguardar o julgamento definitivo do Poder Judiciário,

em razão da presunção de inocência, o que inviabilizaria a rapidez e a segurança que o

regime exige, considerado falta grave, desde que ocasione a subversão da ordem ou

disciplina internas, sem prejuízo da sanção penal cabível”.

Há na doutrina quem entenda que as expressões subverter a ordem, subverter a

disciplina são expressões vagas, imprecisas e passíveis de múltiplas interpretações. Na

verdade, caberá ao juiz, no caso em tela, decidir se os fatos narrados correspondem às

151 MOREIRA,, Rômulo de Andrade. op. cit., p.108. 152 CUNHA, Rogério Sanches. Leituras Complementares de Execução Penal. Salvador: Podivm, 2006, p. 107. 153 NUCCI, Guilherme de Souza. op. cit., p.930.

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hipóteses de inclusão do regime disciplinar diferenciado e fundamentar a sua decisão, em

consonância com o artigo 93, IX, da Constituição Federal em vigor.

4.2 Presos que apresentem alto risco para a ordem e a segurança do Estabelecimento

Penal ou da Sociedade.

Estabelece o artigo 52 §1º da Lei 10.792 que o regime disciplinar diferenciado poderá

abrigar presos provisórios ou condenados, nacionais ou estrangeiros, que apresentem alto

risco para a ordem e a segurança do estabelecimento penal ou da sociedade.

Exige-se a prática de fato previsto como crime doloso mas somente aqueles que

causam tumulto carcerário154.

A hipótese em questão determina a aplicação do regime disciplinar diferenciado aos

presos provisórios ou condenados, nacionais ou estrangeiros que apresentem alto risco para a

ordem e a segurança do estabelecimento penal ou da sociedade. Ocorre no caso do interno

que, mesmo no interior do estabelecimento prisional comanda crimes do lado de fora ( extra

muro), colocando em risco a sociedade e a própria milícia.155

Um fator diferenciador entre o caput do artigo 52 e seu § 1º, ambos da Lei n. 10.792 é

que neste último não há a exigência de que o preso tenha praticado crime doloso durante o

período de permanência no estabelecimento prisional mas que apresente alto risco para a

ordem e a segurança do estabelecimento penal ou da sociedade.

Observa a doutrina que haverá certa dificuldade em definir na aplicação da lei ,ora em

estudo, qual será o critério para considerar uma situação específica como sendo de “alto risco

para a ordem e a segurança do estabelecimento penal ou da sociedade”, por serem expressões

bem vagas e abertas, sendo difícil mensurar como tais expressões possam ser interpretadas.156

154 CUNHA , Rogério Sanches(org.). op. cit., p.106. 155 Idem, p.107. 156 MOURA, Maria Thereza Rocha de Assis. op. cit., p.65.

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Outro aspecto levantado pela corrente opositora ao regime disciplinar diferenciado

indaga como a mera suspeita de “alto grau de risco para a ordem e segurança do

estabelecimento penal ou da sociedade” possa possibilitar a imposição de uma pena

diferenciada, se há apenas um juízo de suspeita.157

Há quem afirme que a mera desconfiança na atitude do preso de estar integrado a

organizações criminosas ou quadrilhas ou bandos e as restrições no cumprimento da pena visa

dificultar a vida dos condenados no interior dos estabelecimentos prisionais nos seguintes

termos :

“...todas estas restrições não estão dirigidas a fatos e sim a determinada classe de autores. Busca-se claramente dificultar a vida destes condenados no interior do cárcere, mas não porque cometerem um delito, e sim porque, segundo o julgamento dos responsáveis pelas instâncias de controle penitenciário, representam um risco social e/ou administrativo ou são “suspeitas” de participação em bandos ou organizações criminosas. Esta iniciativa conduz, portanto, a um perigoso Direito penal de autor, onde “ não importa o que se faz ou omite ( o fato) e sim quem- personalidade, registros e características do autor- faz ou omite ( a pessoa do autor)”.158

Há uma parcela da doutrina que defende no caso do Regime Disciplinar Diferenciado

o retorno ao Direito Penal de Autor ( ou de Periculosidade), o que seria inadmissível pois a

aplicação da pena seria decorrente de uma presumível ameaça e não de uma conduta típica e

antijurídica.159

Surge na doutrina um questionamento sobre o modo pelo qual deva ser interpretada a

expressão “alto grau de risco para a ordem e segurança do estabelecimento penal ou da

sociedade”. De fato, indaga-se se não seria a realização de um delito ou falta grave, que já

estariam mencionados no dispositivo com sua redação original, não justificando a alteração

legislativa. 160

157 BUSATO, Paulo César. op. cit., p.139. 158 Idem, p.139. 159 MOREIRA,, Rômulo de Andrade. op. cit., p. 109 160 BUSATO, Paulo César. op cit., p.139

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Além disso, deve-se atentar ao fato de que o inciso, ora abordado, é ambíguo e pode

ensejar arbitrariedade.161

Entendemos que para que a situação enquadre na hipótese em questão e justifique o

ingresso no regime diferenciado, deverá haver provas de tais circunstâncias, tendo a polícia

como aliada contra a criminalidade a tecnologia, obtendo, por exemplos, informações através

de interceptação telefônica, autorizada judicialmente.

4.3 Presos sobre os quais recaiam fundadas suspeitas de envolvimento ou participação a

qualquer título, em organizações criminosas, quadrilha ou bando.

No caso de suspeitas de participação em organização criminosa, quadrilha ou bando há

quem alegue que haveria violação ao princípio do non bis in idem pois tal conduta já seria,

por si só crime, então ao invés de aplicar sanção disciplinar deveria noticiá-la à autoridade

policial. 162

Há na doutrina críticas quanto a “mera suspeita“ de participação em bandos e

organizações criminosas, uma vez que se trata de juízo de suspeita, não havendo certeza a

respeito de tal participação e ,mesmo assim, a pena diferenciada é imposta.163/164

Relata Paulo César Busato que “a imposição de uma fórmula de execução da pena

diferenciada segundo características do autor relacionadas com “suspeitas” de sua

participação na criminalidade de massas não é mais do que um “ Direito penal de inimigo”,

quer dizer, trata-se da desconsideração de determinada classe de cidadãos como portadores de

direitos iguais aos demais a partir de uma classificação que se impõe desde as instâncias de

controle. A adoção do Regime Disciplinar Diferenciado representa o tratamento desumano de

161 CUNHA , Rogério Sanches(org.). op. cit.,107. 162 MOREIRA,, Rômulo de Andrade. op. cit., p. 110. 163 BUSATO, Paulo César. op. cit., p.139.

164 CUNHA , Rogério Sanches(org.). op. cit., p.107.

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determinado tipo de autor de delito, distinguindo evidentemente entre cidadãos e

“inimigos”.165

Não podemos deixar de mencionar o artigo 27 das Regras Mínimas da ONU que

prevê:

“Artigo 27. A disciplina e a ordem serão mantidas com firmeza, mas sem impor mais

restrições do que as necessárias para a manutenção da segurança e da boa organização da

vida comunitária”.

Se houver desproporção entre a aplicação do Regime Disciplinar Diferenciado e o

desvio de finalidade do isolamento celular a punição passa a ser um comportamento irregular.

Entende Rômulo de Andrade Moreira que há, no caso em tela, desrespeito ao princípio

da legalidade estrita e da tipicidade em matéria penal ao permitir a aplicação de punição sem

que exista uma conduta perfeitamente delineada.166Ademais, entende o mesmo doutrinador

que viola o direito à individualização da pena, previsto no artigo 5º XLVI da Constituição

Federal, uma vez que a “mesma pseudo-punição é aplicada a pessoas distintas e para fatos

diferentes, embora, neste caso, reste a hipótese de o juiz, casuisticamente temperar a duração

do castigo”.167

Estará sujeito ao regime disciplinar diferenciado o preso provisório ou o condenado

sob o qual recaiam fundadas suspeitas de envolvimento ou participação, a qualquer título, em

organizações criminosas, quadrilha ou bando.

No caso em tela, prestigia a segurança pública em face de um direito individual, razão

pelo qual só poderá ser aplicada tal medida, excepcionalmente.

Na situação específica não basta que haja a prática de falta grave consistente em fato

previsto como crime doloso, uma vez que se exige que o modo de agir ocasione subversão da

ordem ou disciplina internas. 165 BUSATO, Paulo César. op. cit., p.140. 166 MOREIRA,, Rômulo de Andrade. op. cit., p. 113-114. 167 Idem, p. 114.

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Pode-se afirmar que subversão é mesmo que tumulto, ao passo que ordem relaciona-se

com organização.

Disciplina, por sua vez. Significa obediência a determinadas regras.

Assim, se o crime doloso praticado pelo preso provisório ou definitivo tumultuar a

organização, a normalidade do estabelecimento prisional, ou demonstrar descaso,

desobediência aos superiores, abre-se a primeira hipótese para sua inclusão no regime

disciplinar diferenciado.168

Há, no caso em tela, preocupação com a figura do “inimigo”, assim, as hipóteses

mencionadas anteriormente são destinadas não aos fatos mas a uma categoria de indivíduos,

ainda que suspeitos de participação na criminalidade. Fala-se em “profunda dicotomia entre

os presos portadores de direitos e os inimigos.” 169

Na hipótese específica caberá ao magistrado com o devido bom senso analisar o caso e

de maneira fundamentada incluir ou não o preso no regime disciplinar diferenciado.

Ademais, a polícia, na ocasião que desvenda os delitos de modo geral,tem conseguido

delinear os integrantes das principais facções criminosas.

5. Regras do RDD

O regime disciplinar diferenciado possui as seguintes características:

1ª) duração máxima de 360 (trezentos e sessenta) dias, sem prejuízo de repetição da sanção

por nova falta grave de mesma espécie, até o limite de um sexto da pena aplicada;

O Regime Disciplinar Diferenciado tem, na primeira ocorrência, a duração de um ano.

Mas, no caso de reincidência limita-se a sanção diferenciada em 1/6 (um sexto) da pena

efetivamente aplicada e não a cumprida.

168 MARCÃO, Renato. op. cit., p. 39. 169 CARVALHO, Salo de. op. cit., p. 279.

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Entendem Rogério Sanches e Thales Tácito Pontes Luz de Pádua Cerqueira que pela

leitura do inciso I do artigo 52 da Lei de Execução Penal pode-se afirmar que “a sanção

poderá se dar tantas vezes quantas forem as faltas graves repetidamente praticadas, sem

limites.”170

Há na doutrina quem entenda que o isolamento celular de até 360 ( trezentos e

sessenta ) dias “ inaugura uma nova modalidade de cumprimento de pena- com ênfase na

inabilitação e na exclusão-que não apenas redefine o significado do controle disciplinar no

interior da execução penal, mas rompe a lógica do sistema progressivo e, sobretudo, viola o

núcleo duro da Constituição que são os direitos e garantias individuais.”171

Criticamos, de fato, haver um limite no prazo do cumprimento do regime disciplinar

diferenciado sem haver qualquer demonstração da razão da determinação de tal período,

afinal de contas a periculosidade não se extingue num passe de mágica. Ademais, deve-se o

aplicador da lei atender aos ditames o princípio da individualização da pena.

Defendemos, assim, o posicionamento de que não haja limite temporal para o preso

venha a ser submetido ao Regime Disciplinar Diferenciado, devendo o magistrado analisar

caso a caso, periódicamente, com o auxílio do diretor do estabelecimento prisional,

cumprindo, o disposto no princípio da individualização da pena.

Limitar o cumprimento de um regime diferenciado ao preso não significa que cessará

com a prática de falta grave e nem que vai diminuir seu grau de periculosidade.

Não podemos ignorar o fato de que o Regime Disciplinar Diferenciado visa resguardar

a sociedade de atos gravíssimos cometidos por delinqüentes, tais como atentados nos grandes

centros urbanos, assim, justifica-se, de certa forma, cercear , por certo período , o preso até

que retome ao processo de ressocialização dentro do sistema prisional em prol de um

interesse social.

170 GOMES, Luiz Flávio e VANZOLINI, Maria Patrícia( coord.). Reforma Criminal.São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p.315. 171 CARVALHO, Salo de ( Coord.). op. cit., p.277

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2ª) recolhimento em cela individual;

Será cumprido o regime disciplinar diferenciado numa cela individual conhecida como

“solitária”, com acompanhamento psicológico.172

Encontramos na doutrina o posicionamento de que o isolamento celular prolongado

previsto no Regime Disciplinar Diferenciado possa acarretar “ efeitos destrutivos para a saúde

física e mental dos condenados, assume feição de pena cruel, reeditando a velha noção de

pena como puro e simples exercício de vingança social.” 173

Aliás, tal isolamento deve respeitar o disposto no artigo 45, §1º da Lei de Execução

Penal, que veda o emprego de cela escura, acrescentando a doutrina, ainda, os alojamentos

inabitáveis ou insalubres.174

É claro que tal isolamento não é a medida mais apropriada mas justifica-se em

situações emergenciais onde o Estado perde o controle dos sistemas prisionais. Compete aos

entes políticos elaborarem, observadas suas competências, construir estabelecimentos

prisionais, que tenham celas individuais adequadas para o cumprimento da pena, estando

proibido o uso de celas escuras.

3ª) visitas semanais de duas pessoas, sem contar as crianças, com duração de duas horas;

Podemos afirmar que tal proibição parecia não ensejar complicações mas a sua má

redação acarretou em dúplice interpretação do preceito na doutrina.

Assim, quando há a ressalva “sem contar as crianças” surgiu a dúvida se elas estariam

excluídas da visita ou se elas não seriam computadas no número de visitas ao preso no regime

diferenciado.

De fato, tal conflito é aparente, uma vez que a resposta a indagação está no próprio

ordenamento jurídico.

172 GOMES, Luiz Flávio e VANZOLINI, Maria Patrícia ( Coord.). op. cit., p.315. 173 CARVALHO, Salo de. op. cit., p. 277. 174GOMES, Luiz Flávio e VANZOLINI, Maria Patrícia ( Coord.). op. cit.,p.315

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Há no regime penitenciário uma preocupação em que o preso não rompa seus contatos

com o mundo exterior.

Segundo Paulo César Busato a restrição quanto à possibilidade de receber visitas

consiste em “evidente retorno ao sistema auburniano”.175

Entendemos, que as crianças não são computadas no número de visitas. Todavia,

questiona-se, na doutrina, se a criança ou adolescente devam ir a um estabelecimento de

segurança máxima.

Parece-nos, no entanto, que a prioridade , na execução penal, é ressocializar o preso,

logo, se garantida a segurança delas não haverá problemas. Aliás, no regime disciplinar

diferenciado não se admite contato físico entre os presos e as suas visitas.

A 68ª Assembléia Geral da ONU propôs a abolição do isolamento celular: “ devem

empreender-se esforços tendente à abolição ou restrição do regime de isolamento, como

medida disciplinar ou de castigo”.176

Dispõe os §§1º e 2º do artigo 45 da Lei de Execução Penal que as sanções

disciplinares devem respeitar a integridade física e moral do preso, sendo vedado, o emprego

de cela escura. Todavia, Andrei Zenkner Schmidt relata que “ nas execuções penais do Rio

Grande do Sul, contudo, é freqüente a aplicação do “ isolamento sem sol”, ou seja, uma

restrição da liberdade que, sem caracterizar propriamente uma “solitária”, impede o preso

de gozar o “banho de sol” nos horários determinados pela direção do estabelecimento”177.

Segundo aquele mesmo doutrinador tal medida é arbitrária e “ merece ser banida de nosso

sistema penal, não só em razão de conseqüente ofensa à integridade física e moral do preso

como, além disso, em virtude da proibição constitucional das penas cruéis ( artigo 5º, inc.

XLVII) e da garantia da integridade física e moral do preso( artigo 5º, inc, XLIX)”. 178

175 BUSATO, Paulo César. op. cit., p.138. 176 CARVALHO, Salo de.( Coord). op. cit., p. 280 177 CARVALHO, Salo de.( Coord). op. cit., p. 261. 178 Idem,, p. 261.

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Podemos constatar no Brasil o denominado Movimento Antiterror, na sua Carta de

Princípios estabelece que “o isolamento celular de longa duração caracteriza-se como um dos

instrumentos que tortura do corpo e da alma do condenado e manifestamente antagônico ao

princípio constitucional da dignidade humana”179

4ª) o preso terá direito à saída da cela por duas horas diárias para banho de sol.

No que diz respeito ao isolamento celular há quem defenda que há no Regime

Disciplinar Diferenciado violação aos preceitos constitucionais de tutela dos direitos

individuais que veda aplicação de penas cruéis( artigo 5º, XLVII, alínea “e”, Constituição

Federal). Além disso, haveria para parte da doutrina ofensa aos princípios básicos previstos

nas Regras Mínimas para Tratamento dos Reclusos , ao dispor que : “ serão absolutamente

proibidos como punições por faltas disciplinares os castigos corporais, a detenção em cela

escura, e todas as penas cruéis, desumanas ou degradantes” ( art. 31)180

6. O RDD Sob o Enfoque da Doutrina e da Jurisprudência.

A doutrina, de modo geral, busca analisar a razão que justifique a publicação da Lei n.

10.792/03, merecendo destaque a alegação de que houve tentativa legislativa de recuperar a

geopolítica disciplinar nas instituições carcerárias. Essa tentativa baseia-se na redistribuição

de poderes dentro da instituição, a fim de maximizar a eficácia do regime meritocrático,

concedendo ao administrador uma espécie de monopólio do poder-punir. No segundo

momento, pretende se demonstrar a ineficácia da organização piramidal frente a uma

sociedade complexa. 181

179 Ibidem, p. 280 180 CARVALHO, Salo de.( Coord.). op. cit., p. 280. 181 GLOECKNER, Ricardo Jacobsen. op. cit., p. 219

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Entende-se que o isolamento celular como forma de castigo é medida absolutamente

excepcional e deverá haver um acompanhamento médico.182

Pelas Regras Mínimas da ONU há uma restrição à adoção do Regime Disciplinar

Diferenciado quanto ao emprego do isolamento como forma de castigo. Além disso, veda-se a

aplicação de castigo cruel, desumano e degradante.183

Segundo Márcio Sérgio Christino, o chamado RDD “nada mais é que a retomada

pelo Estado do controle dentro do Sistema Penitenciário, estritamente falando exige

condições plenas de salubridade, espaço e manutenção as quais, em tese, são até mais

favoráveis que as impostas ao preso comum.”184 Acrescenta, ainda, que “ o Regime

Disciplinar Diferenciado é um instrumento de gestão do sistema Prisional , e também reflete

diretamente na repressão às atividades criminosas que se realizam a partir do sistema mas

atingem a sociedade como um todo, sozinho porém não produzirá resultados, deve ser

acompanhado de medidas capazes de possibilitar o aperfeiçoamento dos sistema e o controle

de seus reflexos.185

Rômulo de Andrade Moreira, pelo contrário, faz críticas à Lei 10.792/03, por não

prever amparo médico no regime disciplinar diferenciado. Para ele “ausente o

acompanhamento médico, restaram violadas as Regras Mínimas e presume-se que a aplicação

da segregação individual resulta em crueldade, desumanidade e/ou degradação da pessoa

encarcerada”.186

Cita, ainda, o caso Kröcher und Möller v. Switzerland, ocasião em que é apresentado a

posição da Comissão Européia de Direitos Humanos no sentido de que o “ total isolamento

182 MOREIRA, Rômulo de Andrade. op. cit., p. 100. 183 Idem, p. 100. 184 CHRISTINO, Marcio Sérgio. Sistema Penitenciário e o RDD in Congresso Nacional de Execução Penal. Rio de Janeiro: Cejur , 2003, p. 161. 185 Idem, p. 161. 186 Ibidem, p. 100.

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sensorial somado a total isolamento social pode destruir a personalidade e constitui uma

forma de tratamento que não pode ser justificada por necessidades de segurança ou qualquer

outra razão”.187

Assim, a ausência de previsão legal que garanta o preso em regime disciplinar

diferenciado constante amparo médico configura “grave incongruência com as prescrições do

Direito Internacional dos Direitos Humanos e, portanto, com a própria vedação constitucional

ao emprego de tratamento desumano ou degradante.”188 Todavia, entendemos que em

qualquer sistema prisional, principalmente, um dotado de sistema de extrema segurança ,

sempre haverá uma equipe médica , preocupando-se com todos os presos, inclusive, aqueles

submetidos ao regime disciplinar diferenciado, competindo, ao juiz de execução penal

fiscalizar se tem havido tal acompanhamento médico e, se possível, também psicológico,

embora temos ciência da carência de recursos materiais pelo Estado para estas circunstâncias.

Rogério Lauria Tucci discorda da implantação do regime disciplinar diferenciado ao

afirmar que :

“mais do que um retrocesso, apresenta-se como autêntica negação dos fins objetivados na execução penal, constituindo um autêntico bis in idem, uma vez tida a imposição da pena como ajustada à ntureza do crime praticado- considerados todos os seus elementos constitutivos e os respectivos motivos, circunstâncias e conseqüências, e à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social e à personalidade do agente”189.

Observa, outrossim, Rômulo de Andrade Moreira, a dificuldade do Estado de evitar

comunicação do detido com o exterior para programar atividades criminosas, senão vejamos :

“o “modus operandi” de tais grupos se funda na facilidade de comunicação com o mundo

exterior, seja para comandar operações criminosas de dentro do presídio, seja para criar uma

187 Idem, p. 101. 188MOREIRA, Rômulo de Andrade. Estudos de Direito Processual Penal- Temas Atuais. São Paulo: BH Editora e Distribuidora de Livros, 2006, p. 104. 189 TUCCI, Rogério Lauria. Vinte Anos de vã esperança in Boletim do IBCCrim, nº 140, julho/2004, p.4

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rede de poder paralela dentro do próprio sistema carcerário. A isso, se soma a disseminação

das organizações entre a população carcerária, seja pela coação e extorsão, seja pela sensação

de pertencimento e proteção que o preso passa a vivenciar, fator relevante no ambiente

penitenciário hostil, em que muitas vezes, o Estado se mostra incapaz de proteger a vida do

encarcerado”.190

Compartilhamos do entendimento de que deva haver a separação de líderes de facções

criminosas se tal medida impedir atentados como presenciamos nos grandes centros urbanos,

além de ser uma opção viável em nosso país, desde que haja um auxílio mútuo entre os entes

políticos, preocupados com a segurança pública.

Na doutrina encontramos, ainda, opiniões que defendem as inconstitucionalidades do

Regime Disciplinar Diferenciado em vários aspectos, dentre eles, violação à dignidade

humana e proibição de submissão do preso a tratamento cruéis, desumanos ou degradantes:

“o castigo físico imposto ao condenado submetido ao Regime Disciplinar Diferenciado viola a dignidade da pessoa humana, que é um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, inscrito no artigo 1º, inciso III, da vigente Constituição da República. Mas não pára aí a inconstitucionalidade . A Lei Maior assegura, como um dos princípios de suas relações internacionais, a prevalência dos direitos humanos ( art. 4º), estando disposto no artigo 5.2 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em vigor no Brasil, que “ ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis, desumanos ou degradantes. Toda pessoa privada da liberdade deve ser tratada com o respeito devido à dignidade inerente ao ser humano. O mesmo direito está assegurado no artigo 5º, III, da Constituição da República, que também garante, dentre o rol dos direitos e garantias fundamentais, o respeito à integridade física e moral dos presos ( art. 5º, XLIX)”191

Ocorre que embora sejamos defensores da preservação das garantias individuais

asseguradas pela atual Carta Magna defendemos o posicionamento de que, em situações

especiais, o direito individual não poderá prevalecer diante de um interesse social, que, no

caso em tela, é a segurança pública. Aliás, não podemos ignorar os últimos atentados de

190 MOREIRA, Rômulo de Andrade. op. cit., p. 105 191 MOURA, Maria Thereza Rocha de Assis. op. cit., p. 64.

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criminosos nos grandes centros urbanos em que vítimas civis foram executadas

sumariamente, mortas ou por arma de fogo ou até mesmo queimadas, ao incendiarem veículos

coletivos e impedindo que estas pessoas saíssem do interior dos veículos.

6.1 Isolamento Preventivo e o Regime Disciplinar Diferenciado Preventivo ou Cautelar.

Prevê o artigo 60 “caput” da Lei de Execução Penal, com a redação dada pela Lei n.

10.792/03:

“ a autoridade administrativa poderá decretar o isolamento preventivo do faltoso pelo prazo de

10 dias. A inclusão do preso no regime disciplinar diferenciado, no interesse da disciplina e da

averiguação do fato, dependerá do despacho do juiz competente.

Dessa forma, tratou a Lei de definir duas hipóteses de medidas extremas, que são:

I-decretação de isolamento preventivo, a cargo da autoridade administrativa ( diretor do

estabelecimento prisional); e

II- inclusão preventiva do preso no regime disciplinar diferenciado ,no interesse da disciplina

e da averiguação do fato; sendo que tal inclusão dependerá de despacho do juiz competente.

Visa a inclusão preventiva do preso ao Regime Disciplinar Diferenciado adotar uma

medida emergencial em resposta ao descontrole no sistema prisional, evitando gerar qualquer

espécie de risco à sociedade.

O assunto em questão já foi julgado pelo Superior Tribunal de Justiça, cujo aresto

consta que “o isolamento preventivo do artigo 60 da Lei de Execução Penal, aplicado ,

administrativamente, deve ser reservado para aquelas infrações cometidas no interior do

presídio e não para os casos de evasão.”192

192 STJ, REsp 61.570-4 RJ, 6ª T, rel. Ministro Anselmo Santiago, v. u, j. em 7.4.98, DJU 18-5-1998, p. 154.

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Ademais, a decisão que determina a inclusão cautelar, em Regime Disciplinar

Diferenciado pressupõe a manifestação das partes, quer do Ministério Público, quer da

Defesa.

O preso pode ser tanto provisório como definitivo e nacional ou estrangeiro.

Cessado o prazo supracitado ou será determinada a inclusão no regime disciplinar

diferenciado, em consonância com o artigo 52 ou se restitui ao preso sua condição normal de

encarcerado.

A inclusão preventiva do Regime Disciplinar Diferenciado como medida cautelar

decretada pelo juiz da execução, no interesse da disciplina e da averiguação do fato, não

podendo ser considerada uma quarta hipótese de inclusão193

É claro que para que haja tal inclusão preventiva no regime em questão pressupõe um

despacho judicial fundamentado, com dois requisitos básicos: fumus boni juris e periculum in

mora.

Haverá inclusão preventiva no Regime Disciplinar Diferenciado em qualquer das

hipóteses previstas na lei, nos termos do artigo 52 “ caput”, §§ 1º e 2º , Lei 7.210/84 .194

Ademais, o tempo de isolamento preventivo no regime ora em estudo será computado

no período de cumprimento da sanção disciplinar. 195

Devido a urgência da medida, a inclusão preventiva pode ser decretada pelo juiz, sem

a prévia oitiva do Ministério Público e da Defesa, não violando, dessa forma, as garantias

constitucionais do contraditório, ampla defesa, devido processo legal, etc.196

Na verdade, a Secretaria da Administração Penitenciária de São Paulo , ao disciplinar,

no âmbito estadual, o Regime Disciplinar Diferenciado já previu a figura de inclusão de

193 MARCÃO, Renato. op. cit.,p. 41. 194 Idem,, p. 41. 195 MARCÃO, Renato. op. cit., p. 41. 196 Idem, p. 42.

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caráter preventivo do preso em tal regime pelo prazo de trinta dias. De fato, cabia à autoridade

administrativa oficiar o juízo competente vindo as partes a serem ouvidas, posteriormente.

Cabe ressaltar que não se admite, no entanto, sob pena de nulidade absoluta, a decisão

definitiva de inclusão no regime disciplinar diferenciado ( RDD) sem a prévia manifestação

do “parquet” e do representante da defesa 197

De fato, compete ao juiz da execução penal decidir sobre a inclusão no regime

disciplinar diferenciado.

Não pode o magistrado decretar a inclusão no regime em questão e nem o

representante do Ministério Público tem legitimidade para postular tal inclusão. De fato,

caberá ao diretor do estabelecimento penal em que se encontre o preso provisório ou

condenado alvo, ou de outra autoridade administrativa, inclusive, Secretária da Segurança

Pública e o Secretário da Administração Penitenciária postular a inclusão do regime

disciplinar diferenciado sempre fundamentando o pleito.198

Após a apresentação do pedido de inclusão deverão, manifestar-se o Ministério

Público e a Defesa e, finalmente, o juiz da execução irá prolatar a decisão no prazo de quinze

dias, nos termos do artigo 54, §2º, da Lei da Execução Penal.

Renato Marcão ao mencionar o posicionamento de Maurício Kuehne quanto às

modificações decorrentes da Lei n. 10.792, de 1º de dezembro de 2003 afirma que:

“...as modificações foram efetivadas, visando a garantia da jurisdicionalização, vale dizer, a inclusão de condenado ou preso provisório no regime criado depende de requerimento circunstanciado elaborado pelo diretor do estabelecimento, o qual deverá motivar o pleito e após, decisão judicial precedida das manifestações do Ministério Público e da Defesa. Assim, não basta o entendimento de que o preso necessita ser implantado no Regime Disciplinar Diferenciado. A pretensão deverá ser convenientemente deduzida, formando-se processo judicial ( incidente à execução). Evita-se , pois, que a autoridade administrativa decida a respeito de tão grave situação”.

197 Ibidem, p. 42. 198 MARCÃO, Renato. op. cit., p. 42.

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A 68ª Assembléia Geral da ONU propôs a abolição do isolamento celular: “ devem

empreender-se esforços tendente à abolição ou restrição do regime de isolamento, como

medida disciplinar ou de castigo”.199

Dispõe os §§1º e 2º do artigo 45 da Lei de Execução Penal que as sanções

disciplinares devem respeitar a integridade física e moral do preso, sendo vedado, o emprego

de cela escura. Todavia, o advogado gaúcho Andrei Zenkner Schmidt relata que “ nas

execuções penais do Rio Grande do Sul, contudo, é freqüente a aplicação do “ isolamento

sem sol”, ou seja, uma restrição da liberdade que, sem caracterizar propriamente uma

“solitária”, impede o preso de gozar o “banho de sol” nos horários determinados pela

direção do estabelecimento.” 200Segundo aquele mesmo doutrinador tal medida é arbitrária e “

merece ser banida de nosso sistema penal, não só em razão de conseqüente ofensa à

integridade física e moral do preso como, além disso, em virtude da proibição constitucional

das penas cruéis ( artigo 5º, inc. XLVII) e da garantia da integridade física e moral do preso(

artigo 5º, inc, XLIX)”. 201

7. O Regime Disciplinar Diferenciado em face da Constituição Federal em vigor.

É inegável a vinculação do direito processual penal ao direito constitucional,

principalmente quando a Carta Magna em vigor preocupa-se com direitos e garantias

constitucionais de todos, inclusive, dos presos, provisórios ou definitivos.

José Frederico Marques ao discorrer sobre o Processo Penal menciona G. BETTIOL,

que afirma “ il diritto processuale penale si sublima nel diritto constituzionale” e acrescenta,

199 CARVALHO, Salo de.( Coord). op. cit., p. 280 200 CARVALHO, Salo de.( Coord). op. cit.., p. 261. 201 Idem, p. 261.

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ainda, o saudoso mestre “ Não há matéria ou setor jurídico que esteja tão intimamente ligado

às supremas exigências constitucionais”.202

Embora o regime disciplinar diferenciado seja um tema relativamente novo em nosso

ordenamento jurídico podemos notar defensores e contrários a sua aplicação em razão da

Constituição Federal vigente.

Os opositores à adoção do regime disciplinar diferenciado argumentam, dentre outros

aspectos, que a individualização da pena não deve ser observada apenas na aplicação da pena

mas também em sua posterior execução.203

Além de alegarem incompatibilidade do regime ora em estudo e a Carta Magna em

vigor o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária em seu relatório menciona

que:

“... as eventuais incompatibilidades do RDD com a Constituição Federal também devem ser analisadas à luz do que dizem os tratados internacionais de direitos humanos, notadamente a Declaração Universal dos Direitos Humanos , o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e a Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanas ou Degradantes, no âmbito das Nações Unidas, assim como a Convenção Americana de Direitos Humanos e a Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura, no da Organização dos Estados Americanos.”204

A Constituição Federal, promulgada em 5 de outubro de 1988 dispóe em seu artigo 5º,

inciso III: “ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante.

Dessa forma, no caso do Regime Disciplinar Diferenciado, por ser uma sanção, ou

seja, um castigo por violar a disciplina penitenciária, ainda assim, terá que atender às normas

constitucionais e legais.205

202 PORTO, Hermínio Alberto Marques e SILVA, Marco Antonio Marques da( Orgs). Processo Penal e Constituição Federal. São Paulo: Acadêmica, 1993, p. 14. 203 MOREIRA, Rômulo de Andrade. op. cit., p.80. 204 MOREIRA, Rômulo de Andrade. op. cit., p.90. 205 Idem, p. 99.

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É importante salientar que na 68º Assembléia Geral da ONU foram enunciados os

princípios que sustentam as Regras Mínimas para o Tratamento dos Reclusos, adotadas pela

ONU, aceitas pelo Brasil e expressamente adotadas pela Lei nº 7.210/84.206

As Regras Mínimas para o Tratamento de Prisioneiros da Organização das Nações

Unidas (ONU), embora não sejam consideradas como tratado internacional são utilizadas

como meio de interpretação, especialmente no que diz respeito aos tratamentos ou penas

cruéis, desumanos ou degradantes. Assim, a título exemplificativo, podermos citar algumas

dessas regras, que são:

“31. Serão absolutamente proibidos como punições por faltas disciplinares os castigos

corporais, a detenção em cela escura, e todas as penas cruéis, desumanas ou degradantes.

32. 1) As penas de isolamento e de redução de alimentação não deverão nunca ser aplicadas, a

menos que o médico tenha examinado o preso e certificado por escrito, que ele está apto para

as suportar.

2) O mesmo se aplicará a outra qualquer punição que possa ser prejudicial à saúde física ou

mental de um preso. Em nenhum caso deverá tal punição contrariar ou devergir do princípio

estabelecido na regra 31

3) O médico visitará diariamente presos sujeitos a tais punições e aconselhará o diretor, se

considerar necessário terminar ou alterar a punição por razões de saúde física ou mental.”207

Há sempre uma preocupação em compatibilizar o regime disciplinar diferenciado e a

Constituição Federal. Assim, no sistema carcerário deve-se preocupar com a saúde física ou

mental do preso.

Aliás, há parcela da doutrina que entende que o regime diferenciado pode causar

destruição emocional, física e psicológica, podendo causar psicoses, claustrofobia,etc.208

206 MOURA, Maria Thereza Rocha de Assis. op. cit., p. 64. 207 MOREIRA, Rômulo de Andrade. op. cit., p 99.-100.

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O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos assegura em seu artigo 10, incisos

1 e 3 :

“Artigo 10. 1. Toda pessoa privada de sua liberdade deverá ser tratada como humanidade e

respeito à dignidade inerente à pessoa humana.

3. O regime penitenciário consistirá em um tratamento cujo objetivo principal seja a reforma e

reabilitação moral dos prisioneiros.”

Encontramos preceito semelhante no artigo 5º, 1 e 6, da Convenção Americana de

Direitos Humanos, que dispõe:

“Artigo 5º. Direito à integridade pessoal

1. Toda pessoa tem direito a que se respeite sua integridade física, psíquica e moral(...).

6. As penas privativas de liberdade devem ter por finalidade essencial a reforma e a

readaptação social dos condenados.”

Além disso, estabelece a Declaração Universal dos Direitos Humanos, em seu artigo

V que “ ninguém será submetido a tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou

degradante.”

O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos que, em seu artigo 7º prevê que:

“ninguém poderá ser submetido a tortura, nem as penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou

degradantes”. Ademais, em seu artigo 10 determina que :“ o regime penitenciário consistirá

em um tratamento cujo objetivo principal seja a reforma e reabilitação moral dos

prisioneiros”.

208 MOURA, Maria Thereza Rocha de Assis. op. cit., p 64.

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7.1 A Inclusão Do Preso Provisório no RDD em face da Constituição Federal.

Há um reiterado questionamento se o isolamento celular por quase todo dia,

característica do Regime Disciplinar Diferenciado, não violaria o Princípio da Dignidade

Humana, que deve ser respeitado, indistintamente, por todos, inclusive, os presos.

Para analisar a questão entendemos ser apropriado fazer uma breve análise do

princípio da dignidade humana;

7.2 Principio da Dignidade Humana

7.2.1.Considerações Gerais

Em certos períodos históricos, como no caso da Idade Média o acusado sofria

torturas, sem garantia de qualquer defesa, tendo como exemplo amarrar ao corpo do indivíduo

certo peso e jogá-lo num rio e se sobrevivesse , o que era impossível , seria tido como

inocente. Aliás, nos dias atuais os instrumentos de tortura podem ser vistos em certos museus

do Mundo e ainda chocam as pessoas.

Todavia, não podemos deixar de mencionar, ainda, o lamentável ocorrido na II

Guerra Mundial, onde milhares de judeus foram dizimados através de Câmara de Gás,

esquecendo-se os nazistas da sua condição de ser humano.

É claro que o desrespeito ao princípio da dignidade humana não se restringiu a

aqueles dois períodos históricos, assim, na própria Idade Antiga qualquer povo que perdia

determinada batalha passava a ser escravizado pelo grupo vencedor.

Edilson Pereira Nobre Júnior ao discorrer sobre a evolução pela qual passou a

humanidade, quando na Grécia e Roma constatava-se a escravidão, privando o indivíduo do

estado de liberdade. Todavia, somente com o pensamento cristão, houve uma mudança na

mentalidade em direção à igualdade dos seres humanos e acrescenta que

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“... a luta, que teve seu lugar ainda no final do Império Romano, com a proibição de crueldades aos escravos, imposta pelo Imperador Constantino, continuara com o ressurgimento da escravidão, provocado pelas navegações, de modo a merecer censura do Papa Paulo III, através da bula Sublimis Deus, de 1537, somente cessando com o triunfar dos movimentos abolicionistas do século XIX e do alvorecer da centúria que acaba de findar-se.”209

No que diz respeito à Roma, especialmente a partir das formulações de Cícero,

em razão da desvinculação da dignidade com o cargo ou posição social permite-se

reconhecer a coexistência de um sentido moral e sociopolítico de dignidade.

No período medieval São Tomás de Aquino fez referência expressa ao termo

“dignitas humana” e afirmava que se baseia no fato de que o ser humano foi feito à imagem e

semelhança de Deus e a sua existência justificava-se por sua própria vontade.

Ademais, no contexto antropocêntrico renascentista a respeito da dignidade

humana, sem ignorar as influências advindas da Igreja Católica pode-se constatar a idéia da

grandeza e superioridade do homem em relação aos demais seres por isso foi lhe outorgada

uma natureza indefinida para que fosse seu próprio árbitro e poderia obter o que realmente

desejasse.

Ingo Wolfgang Sarlet, afirma que a idéia de dignidade humana foi

desenvolvida pelo espanhol Francisco de Vitória no século XVI, no início da expansão

colonial espanhola, ocasião em que sustentou diante da aniquilação, exploração e

escravização dos habitantes dos índios que estes, em razão do direito natural e de sua natureza

humana, eram livres e iguais, tendo que ser respeitados como sujeitos de direitos,

proprietários e na condição de signatários dos contratos firmados com a coroa espanhola.

Nos séculos XVII e XVIII, diante do pensamento jusnaturalista, tanto a

concepção da dignidade da pessoa humana como a idéia do direito natural em si, passou por

209 Nesse sentido: NOBRE JÚNIOR, Edílson Pereira. O Direito Brasileiro e o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Revista dos Tribunais vol. 777 ano 89 julho de 2000, p. 473.

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um processo de racionalização e laicização, mantendo-se, todavia, a noção fundamental da

igualdade de todos os homens em dignidade e liberdade.210

Além disso, Kant parte do pressuposto que a autonomia da vontade é atributo

apenas encontrado nos seres racionais, constituindo-se no fundamento da dignidade da

natureza humana. Aliás, menciona, ainda, a qualidade peculiar e insubstituível da pessoa

humana que “no reino dos fins tudo tem ou um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa

tem um preço, pode pôr-se em vez dla qualquer outra como equivalente; mas, quando uma

coisa está acima de todo o preço, e portanto não permite equivalente, então tem ela

dignidade...”

Hegel distancia-se de Kant , por não basear a sua concepção de pessoa e

dignidade em qualidades inerentes a todos os seres humanos , além de não condicionar a

condição de pessoa à racionalidade.

Nos dias atuais como resultado deste retrocesso histórico há uma considerável

preocupação em assegurar o respeito ao princípio da dignidade humana.

Salienta Rizatto Nunes que “a partir da segunda metade do século XX, a razão

jurídica é uma razão ética, fundada na garantia da intangibilidade da dignidade da pessoa

humana, na aquisição da igualdade entre as pessoas, na busca da efetiva liberdade, na

realização da justiça e na construção de uma consciência que preserve integralmente esses

princípios. Aliás, a própria tomada de consciência desses princípios é por si só, também, um

princípio.”

No direito constitucional contemporâneo há uma íntima vinculação entre a

dignidade humana e os direitos humanos 211

Na Declaração Universal dos Direitos do Homem, em seu preâmbulo

estabelece:

210 Nesse sentido: SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2004, p. 32. 211 Idem, p. 26.

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“... Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os

membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da

liberdade, da justiça e da paz no mundo...”(grifos nossos).

Prevê a mesma Declaração, em seu artigo I:

“Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados

de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade.”

(grifos nossos).

Não podemos ignorar o fato de que a dignidade humana caracteriza-se por sua

irrenunciabilidade, ou seja, não se admite que a vontade do titular possa legitimar o

desrespeito à condição humana do indivíduo.

Por fim, Edílson Pereira Nobre Júnior menciona Joaquín Arce y Flórez-Valdés

que afirma que o respeito à dignidade da pessoa humana acarreta quatro importantes

conseqüências:

“a) igualdade de direitos entre todos os homens, uma vez integrarem a sociedade como pessoas e não como cidadãos; b) garantia da independência e autonomia do ser humano, de forma a obstar toda coação externa ao desenvolvimento de sua personalidade, bem como toda atuação que implique na sua degradação; c) observância e proteção dos direitos inalienáveis do homem; d) não admissibilidade da negativa dos meios fundamentais para o desenvolvimento de alguém como pessoa ou a imposição de condições subumanas de vida.”212

7.2.1.1 Conceito de Dignidade Humana

A Constituição Federal promulgada em 5 de outubro de 1988 elenca como

fundamentos do Estado brasileiro a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, a

crença nos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político.

Antonio Junqueira de Azevedo ao tratar da dignidade humana cita a Declaração

Dignitatis Humanae Sobre a Liberdade Religiosa, de Paulo VI e do Concílio Vaticano II, em 7

212 NOBRE JÚNIOR, Edson Pereira. O Direito brasileiro e o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana in Revista Jurídica Trimestral in Âmbito Jurídico mar⁄2001 (Internet acesso maio/2005).

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de dezembro de 1965, que estabelece que “ da dignidade humana tornam-se os homens de

nosso tempo sempre mais cônscios”. Assim, para aquele nobre doutrinador a expressão

dignidade humana é um conceito jurídico indeterminado, utilizada em norma, especialmente

constitucional.

Ademais, afirma que não há acordo na doutrina quanto ao significado das

palavras “dignidade da pessoa humana”. Então, esclarece que hoje há duas diversas

concepções da pessoa humana, que visam dar suporte à idéia de sua dignidade, assim, há ,de

um lado,

“a concepção insular, ainda dominante, fundada no homem como razão e vontade, segundo outros, como autoconsciência, segundo outros- é a concepção para cujo fim queremos colaborar porque se tornou insuficiente- e, de outro, a concepção própria de uma nova ética, fundada no homem como ser integrado à natureza, participante especial do fluxo vital que a perpassa há bilhões de anos, e cuja nota específica não está na razão e na vontade, que também os animais superiores possuem, ou na autoconsciência, que pelo menos os chimpanzés também têm, e sim, em rumo inverso, na capacidade do homem de sair de si, reconhecer no outro um igual, usar a linguagem, dialogar e, ainda, principalmente, na sua vocação para o amor, como entrega espiritual a outrem.”213

Menciona, ainda, que numa primeira concepção conclui-se pelo entendimento

da dignidade humana como autonomia individual, ou autodeterminação; a segunda, como

qualidade do ser vivo, capaz de dialogar e chamado à transcendência. Também observa, com

muita propriedade, o fato das concepções, que em certo momento podem ser idênticas e em

outro aspecto serem radicalmente divergentes, uma vez que a Lei Maior permite tanto a

permissão da introdução quanto a proibição da introdução, da eutanásia, do abortamento, da

pena de morte, da manipulação de embriões, do exame obrigatório de DNA, etc.

Em suma, Antonio Junqueira de Azevedo afirma que:

“ a pessoa humana , na verdade, se caracteriza por participar do magnífico fluxo vital da natureza ( é seu gênero mais amplo), distinguindo-se de todos os demais seres vivos pela sua capacidade de reconhecimento do próximo, de dialogar, e, principalmente, pela sua capacidade de amar e sua abertura

213 AZEVEDO. Antonio Junqueira de. Caracterização jurídica da dignidade da pessoa humana in Revista Trimestral de Direito Civil ano 2 vol. 9 jan/mar. Rio de Janeiro: Padma, 2002, p. 4-5.

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potencial para o absoluto (é sua diferença específica) ( concepção da pessoa humana fundada na vida e no amor); com o fundamento antropológico, a dignidade da pessoa humana como princípio jurídico pressupõe o imperativo categórico da intangibilidade da vida humana e dá origem , em seqüência hierárquica, aos seguintes preceitos: 1-respeito à integridade física e psíquica das pessoas; 2- consideração pelos pressupostos materiais mínimos para o exercício da vida; e 3- respeito às condições mínimas de liberdade e convivência social igualitária.”

Luiz Alberto David Araújo relata que o legislador utilizou a expressão ‘

dignidade da pessoa humana’ , buscando enfatizar “ o fato de o Estado ter como um de seus

objetivos proporcionar todos os meios para que as pessoas possam ser dignas”214

Assinala Tailson Pires Costa que a dignidade humana “está agregada ao ser

humano em forma de fatores como a liberdade, o trabalho, a família, a cultura, enfim as

raízes que identificam aquela pessoa, conforme interpreta o professor Thomas Fleiner.”215

Além disso,ao conceituar a dignidade afirma que “é um conceito que se opõe a todo tipo de

violação ao direito do ser humano.”

Acrescenta aquele nobre doutrinador que no tocante à liberdade Thomas

Fleiner afirma que:

“...Quando o homem não pode mais dispor de seu corpo, quando ele é humilhado de maneira desumana e reduzido física e mentalmente, a sua dignidade é atingida de maneira irreparável. A integridade corporal é o último reduto em que um homem pode ser ele mesmo. Quando este espaço de identidade é destruído, não resta mais nada da qualidade do ser humano.”

Pedro J. Montano define dignidade como sendo 216“é a bondade por si mesma, utilidade, bondade para outra coisa. É a superioridade ou elevação na bondade, e, a sua vez, a interioridade ou profundidade de

214 ARAÚJO, Luiz Alberto David. e NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. 8ª edição. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 102. 215 COSTA, Tailson Pires. A Dignidade da Pessoa Humana Diante da Sanção Penal. São Paulo: Fiúza Editores, 2004, p. 13. 216 “es bondad por si misma, utilidad, bondad para outra cosa. Es la superioridad o elevación en la bondad y, a su vez, la interioridad o profundidad de semejante realeza. Es la suprema valia interior del sujeito que la ostenta. Es una independência interior.”

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semelhante realeza. É a suprema valia interior do sujeito que a ostenta. É uma independência interior.” 217(tradução livre da autora)

Quanto à dignidade humana relata “a dignidade da pessoa humana se

manifesta na capacidade de captar a verdade em quanto tal, de aprender e querer o em si e de

apreciar e construir o belo. ”218/219( tradução livre da autora).

7.2.2 O Princípio da Dignidade Humana e a Constituição Federal de 1988

Edilson Pereira Nobre Júnior refere-se a Paulo Bonavides, que ao expor sobre

as três fases de nosso constitucionalismo esclarece que :

“ a primeira, influenciada nos modelos francês e inglês do século XIX, teve sua realização com a Constituição de 1824; a segunda, inaugurada pela Constituição de 1891, representa uma aproximação com o exemplo norte-americano; a terceira, ainda em curso, baseia-se na presença dos traços inerentes ao perfil alemão do século XX, cujo início fora marcado pela Constituição de 1934.”220

No artigo 1º, III, da Constituição Federal, promulgada em 5 de outubro de

2005, a dignidade da pessoa humana surge como fundamento da República Federativa do

Brasil.

Acentua Carine Delgado Caúla Reis que “toda a concepção de direitos

fundamentais , individuais, sociais ou coletivos passa por uma origem comum: a dignidade.

Este ponto intangível é a mola mestra de todo o ordenamento”.221

Há que se observar que o princípio jurídico da dignidade como fundamento da

República exige como pressuposto a intangibilidade da vida humana. Sem vida, não há

pessoa, e sem pessoa, não há dignidade222.

217 MONTANO, Pedro J. La Dignidad Humana como Bien Jurídico Tutelado por El Derecho Penal in Revista Semanal Técnico-Jurídica de Derecho Penal. Madri: Lãs Rozas; p.1 218 Idem,. p. 1 219 “ la dignidad de la persona humana se manifesta em la capacidad de captar la verdad em cuanto tal, de rehender y querer lo Bueno en si y de apreciar y construir lo bello.’ 220 NOBRE JÚNIOR, Edílson Pereira. O Direito Brasileiro e o Princípio da Dignidade... p. 474. 221 REIS, Carine Delgado Caúla. A Dignidade da Pessoa Humana como Limite ao Exercício da Liberdade de Expressão in Direito Civil Constitucional. Caderno 3. São Paulo: Malheiros.

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Embora na doutrina haja interpretações diversas quanto ao alcance do princípio

ora em estudo há segundo Luís Roberto Barroso consenso “ de que ele inclui pelo menos os

direito à renda mínima, saúde básica, educação fundamental e acesso à justiça.”223

É cediço que a Constituição Federal de 1988 é o marco jurídico da transição

democrática e da institucionalização dos direitos e garantias fundamentais.

Assim, salienta Flávia Piovesan que aquela Carta Magna

“ demarca a ruptura com o regime autoritário militar instalado em 1964, refletindo o consenso democrático “pós-Ditadura”. Acrescenta, ainda, que “ introduz o Texto Constitucional avanço extraordinário na consolidação das garantias e direitos fundamentais, situando-se como o documento mais abrangente e pormenorizado sobre os direitos humanos jamais adotado no Brasil. A Carta de 1988 destaca-se como uma das Constituições mais avançadas do mundo no que diz respeito à matéria. Ressalte-se, ainda, a influência no Constitucionalismo Brasileiro das Constituições Alemã ( Lei Fundamental-Grundgesetz, 23.5.1949), Portuguesa (2.4.1976) e Espanhola (29.12.1978), na qualidade de Constituições que primam pela linguagem dos direitos humanos e da proteção à dignidade humana.”224 (grifos nossos)

Outro preceito constitucional relacionado à dignidade humana, que é o previsto

no artigo 5º, III, da Constituição Federal, que estabelece que “ninguém será submetido a

tortura nem a tratamento desumano ou degradante”. Tal norma constitucional não constava

expressamente no rol de direitos fundamentais da Constituição anterior mas segundo a

doutrina teria sido inserida na Carta Magna em vigor para exorcizar os espectros que

violentaram a dignidade e a integridade física de tantos brasileiros durante o período da

ditadura militar.225

222 AZEVEDO. Antonio Junqueira de. op. cit., p. 14. 223 BARROSO, Luís Roberto. op. cit., p. 381. 224 PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Princípio da Dignidade Humana in Dos Princípios Constitucionais- Considerações em Torno das Normas Principiológicas da Constituição. São Paulo:Malheiros. 225 ALVES, Cleber Francisco. O Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana... p. 140.

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Luiz Alberto David Araújo 226menciona a crítica feita por Luís Roberto

Barroso referente a inserção do princípio da dignidade humana no corpo da Constituição, que

relata :

“Dignidade da pessoa humana é uma locução tão vaga, tão metafísica, que embora carregue em si forte carga espiritual , não tem qualquer valia jurídica. Passar fome, dormir ao relento, não conseguir emprego são, por certo, situações ofensivas à dignidade humana. O princípio, no entanto, não se presta à tutela de nenhuma dessas situações. Por ter significativo valor ético, mas não se prestar à apreensão jurídica, a dignidade da pessoa humana merece referência no preâmbulo, não no corpo da Constituição, onde desempenha papel decorativo, quando não mistificador.”

7.2.3 O Princípio da Dignidade Humana e o Direito Penal e Processual Penal

Menciona Tailson Pires Costa que na história do direito penal subdivide-se em

dois períodos: o primeiro, período que antecede a obra “Dos Delitos e Das Penas” e o

segundo, a partir dos princípios de direito penal criados e defendidos por Marquês de

Beccaria, em 1764.

Há que se observar, ainda, que Beccaria foi discípulo de Jean Jacques Rousseau

e de Montesquieu e defendia a extinção completa da pena de morte. Ademais, posicionava-se

a respeito do princípio utilitarista na aplicação da sanção penal consistente em fazer a

administração da justiça criminal causar o maior bem possível ao maior número possível de

pessoas.

Na verdade, Cesare de Bonesana ( Marquês de Beccaria) destacou-se por sua

simplicidade , “simbolizando o respeito ao ser humano na distribuição da justiça

criminal.”227

Ademais, ao justificar a existência das leis e a aplicação da sanção penal relata

que:

226 ARAUJO, Luiz Alberto David. A Proteção Constitucional do Transexual. São Paulo: Saraiva, 2000, p.103-104. 227 COSTA, Tailson Pires. op. cit., p. 33.

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“As leis são condições sob as quais homens independentes e isolados se uniram em sociedade, cansados de viver em contínuo estado de guerra e de gozar de uma liberdade inútil pela incerteza de sua conservação. Parte dessa liberdade foi por eles sacrificada para poderem gozar o restante com segurança e tranqüilidade. A soma dessas porções de liberdade sacrificada ao bem comum forma a soberania de uma nação e o soberano é o seu legítimo depositário e administrador. Mas não bastava constituir esse depósito, havia que defendê-los das usurpações privadas de cada homem em particular, o qual sempre tenta não apenas retirar do depósito a porção que lhe cabe, mas também apoderar-se daquela dos outros. Faziam-se necessários motivos sensíveis suficientes para dissuadir o espírito despótico de cada homem de novamente mergulhar as leis da sociedade no antigo caos. Esses motivos sensíveis são as penas estabelecidas contra os infratores das leis”.228

Dessa forma, surge o direito de punir , limitado pelo princípio da legalidade

:nullum crimen , nulla poena sine lege . Assim, somente as leis podem decretar as penas para

os delitos , leis estas feitas pelo legislador com o respaldo da sociedade.

Tailson Pires Costa ao analisar a obra de Beccaria salienta que:

“...Com o surgimento do princípio da legalidade, foram coibidos os abusos na aplicação da sanção penal por parte dos magistrados que a partir do Iluminismo, no século XVIII, ficaram limitados às penas previstas em leis, situação que não era encontrada até a Idade Média e quando o poder soberano utilizava-se largamente de penas corporais como o açoite, a mutilação e até mesmo a pena capital, com a simples e única finalidade de proporcionar o castigo”.

Naquela época havia, também, mais um elemento que dificultava a aplicação

da sanção penal, que era a obscuridade da lei penal. Em razão disso, Beccaria observou em

sua obra “Dos Delitos e Das Penas”:

“...Se uma pena igual é destinada a dois delitos que ofendem desigualmente a

sociedade, os homens não encontrarão um obstáculo forte o suficiente para não cometer um

delito maior, se dele resultar uma vantagem maior.”

228 BECCARIA, Marchesi di. Dos Delitos e das Penas, Trad. Lúcia Guidicini. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 41.

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No período que antecedeu o pensamento de Beccaria a prisão tinha a finalidade

de tão-somente manter o infrator sob a custódia do poder soberano, enquanto aguardava a sua

execução. Todavia, Marquês de Beccaria posicionou-se de modo diverso, defendendo a idéia

de que subtrair as penas aplicadas ao corpo do infrator como forma de vingança, devendo-se

preocupar em recuperar tal infrator, para que retorne ao convívio social, prevalecendo a

justiça ao invés do emprego da força.

Assim, com a aplicação da pena privativa de liberdade, suprimindo a pena

capital as prisões deixaram de ser vistas como local do pavor , devido a tortura psicológica e

passaram a ser instituições.

Michel Foucault entende que : “A prisão, peça essencial no conjunto das

punições, marca certamente um momento importante na história da Justiça penal: seu acesso

à humanidade”.229

Na verdade, o Estado através do jus puniendi visando a restauração da paz

social não pode se distanciar das balizas impostas pela condição humana do acusado da

prática de crime.

Assim, por mais repugnante que tenha sido a ação delituosa não há como

justificar que o seu autor seja privado de tratamento digno.

Alexandre de Moraes relata que:

“ o princípio fundamental consagrado pela Constituição Federal da dignidade humana apresenta-se em sua dupla concepção. Primeiramente, prevê um direito individual protetivo, seja em relação ao próprio Estado, seja em relação aos demais indivíduos. Em segundo lugar, estabelece verdadeiro dever fundamental de tratamento igualitário dos próprios semelhantes. Esse dever configura-se pela exigência de o indivíduo respeitar a dignidade de seu semelhante tal qual a Constituição Federal exige que lhe respeitem a própria. A concepção dessa noção de dever fundamental resume-se a três princípios do direito romano: honestere

229 COSTA, Tailson Pires. op. cit., p. 47.

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vivere( viver honestamente), alterum non laedere ( não prejudique ninguém) e suum cuique tribuere ( dê a cada um o que lhe é devido)”230

Uma outra vertente do princípio da dignidade humana consiste, no âmbito

penal, de permitir que o acusado defenda-se mediante ativa participação no processo, como

também assegure que não seja forçado a falar contra a sua vontade, excluindo-se a utilização

de meios psicológicos ou técnicos, com o intuito de averiguar a veracidade das declarações

daquele.

Marco Antonio Marques da Silva ao mencionar sobre o acesso à justiça penal

brasileira aponta que há uma tendência a ação enérgica do Estado diante das ameaças contra

bens jurídicos coletivos. Dessa forma, salienta que “ estabelecer dois planos de atuação do

Estado, nos âmbitos penal e processual penal. Um deles se caracteriza pela realização do

direito material, quando se tratar de vítimas individualizadas, como nos crimes comuns. Um

outro, se refere à criminalidade que não tem uma vítima, como nos casos dos bens

difusos.”231

7.3 O Princípio da Dignidade Humana e o Sistema Prisional Brasileiro.

A Constituição Federal de 1988 , deve ser elogiada, especialmente em seu

artigo 5º, que dispõe sobre os direitos individuais e assegura ao acusado inúmeras garantias ,

tais como: a) vedação em submeter qualquer pessoa a tratamento desumano ou degradante (

inciso III), assegurando-se ao preso o respeito à integridade física e moral ( inc. XLIX); b)

observância do devido processo legal ( inc. LIV) com todos os seus consectários, entre os

quais o contraditório e a ampla defesa ( inc. LV), o julgamento por autoridade competente (

inc, LIII), a não admissibilidade de provas obtidas por meio ilícito ( inc, LVI), a proscrição de

230 MORAES, Alexandre de. Direito ao Silêncio e Comissões Parlamentares de Inquérito in RT 822- abril de 2004, p. 499. 231 SILVA, Marco Antonio Marques da. Acesso à Justiça Penal e Estado Democrático de Direito. São Paulo:Juarez de Oliveira, 2001, p. 146.

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juízos ou tribunais de exceção ( inc.XXXVII) e a consideração de que ninguém será reputado

culpado senão antes do trânsito em julgado de sentença condenatória ( inc. LVII), importando

esta última em pressupor que a segregação do acusado, antes da sentença irrecorrível, somente

se legitima em situações proporcionais previstas em lei; c) legitimidade material do direito de

punir, tais como a reserva legal da definição de crimes e cominação de penas ( inc, XXXIX),

a individualização destas na medida da culpabilidade do infrator ( incisos XLV e XLVI), a

interdição de determinadas sanções, tais como a pena capital, a prisão perpétua, os trabalhos

forçados, o banimento e as penas cruéis ( inc, XLVII); d) movimentação da competência

prisional ( incisos LXI a LXVI e LXVIII); e ) execução da pena ( incisos XLVIII e L).

Nos âmbitos penal e processual penal há na Lei Maior ao lado do princípio do

devido processo legal, o princípio da dignidade humana. Assim, há a garantia constitucional

do acusado ter o direito a ser julgado de forma legal e justa, um direito a provar, apresentar

contraprova, alegar e defender-se de forma ampla.

Além da previsão constitucional do inciso III do artigo 5º que determina que

“ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante”, no inciso

XLIX daquele mesmo preceito dispõe que “é assegurado aos presos o respeito à integridade

física e moral”. Logo, tais normas constitucionais estatuem a inviolabilidade da integridade

física e moral do ser humano, membro da comunidade sendo que no segundo caso a

determinação é dirigida ,especificamente, ao preso, submetido à execução penal.

Rogério Lauria Tucci cita ensinamentos de Railda Saraiva a respeito da

preocupação com o status dignitatis do indivíduo envolvido numa persecutio criminis, que

afirma:

“a gravidade do crime em investigação ou em julgamento não pode autorizar a adoção de meios repressivos que repugnam a consciência de país democrático, violando a dignidade da pessoa humana, reduzindo o

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valor da liberdade e da igualdade, e levando o Estado à imoral competição com os criminosos na prática da violência, em atos de desumanidade”.232

Bem é de se ver que tanto o Código Penal, em seu artigo 38 como a Lei de

Execução Penal, no artigo 40 repetem a concessão do preso tanto na condição de condenado

como de provisório de ter preservada a sua integridade física e moral.

Aliás, ao preso não se limita assegurar apenas tal integridade mas também

outros direitos fundamentais, tais como o direito à vida, os concernentes à saúde, à higiene, à

alimentação sadia e suficiente, ao trabalho, à livre convicção religiosa, à comunicação com o

mundo exterior, à informação em geral, e outros , correlatos.

Questiona-se na própria sociedade o problema da superpopulação carcerária,

presentes inúmeras rebeliões, falta de ensino de trabalho. Ocorre que já podemos encontrar

em determinadas penitenciárias projetos em que os presos trabalham ,como ocorre na

Penitenciária II de São Vicente. Assim, compete aos magistrados, promotores de justiça

fazerem uma fiscalização nos locais, assegurando o respeito ao princípio da dignidade

humana, não admitindo, em nenhuma hipótese, violência física ou moral ao preso,

independentemente do crime por mais violento que seja.

Por derradeiro, Bismael B. Moraes ao se referir ao sistema prisional brasileiro

como falido e que venha a ferir a dignidade humana , afirma que “ a omissão do Estado, na

prevenção social e na prevenção policial, leva à repressão e à sobrecarga dos órgãos de

apuração dos crimes e da realização da justiça, numa verdadeira bola de neve da violência e

do medo, com reflexos dantescos e permanentes sobre o sistema prisional.”233

Apesar de sermos favoráveis à utilização do regime disciplinar diferenciado,

em certos casos, defendemos a idéia de que sejam revistas determinadas regras de tal regime

232 TUCCI, Rogério Lauria. Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 327-328. 233 MORAES, Bismael B. Prevenção Criminal ou Conivência com o Crime. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 88.

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que conflitam com as garantias do preso, dentre elas, o banho de sol somente por duas horas

por dia.

Na situação em que nosso país se encontra em que a polícia apesar de seus

esforços não tem conseguido evitar atentados proporcionados pelas grandes facções

criminosas, vitimando inúmeras pessoas deve-se defender um maior isolamento desses

delinqüentes , enquanto são aprimorados os sistemas de segurança do país. Aliás, deve-se

restringir o direito de poucos em prol de uma sociedade, que cada vez mais fica “isolada” em

sua residência, com o medo de estar, por exemplo, num ônibus que vai ser incendiado ou

levar um tiro à queima –roupa sem qualquer motivo, só pelo prazer do delinqüente em matar

alguém inocente, como presenciamos a morte de um bombeiro em 2006, além de outras

pessoas e cumprir o comando dado por líderes de tais facções criminosas.

7.4 Princípio da Presunção de Inocência

Um dos aspectos mais questionados desde a instituição do Regime Disciplinar

Diferenciado pela doutrina tem sido a possibilidade do preso provisório ser submetido a tal

regime, vigorando em nosso ordenamento jurídico o Princípio da Presunção de Inocência,

previsto na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º. Por tais razões, é mister fazer

ponderações sobre o princípio da presunção de inocência.

7.4.1 Considerações Gerais

A Constituição Federal em vigor, adotou o modelo italiano, e em seu artigo 5º, inciso

LVII consagra o princípio da presunção de inocência ao dispor que “ninguém será

considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. De fato, há

que se observar que pela primeira vez em nossa história, a presunção de inocência passa a ter

“status constitucional”.

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Há que se observar que mesmo antes da promulgação da Carta Magna vigente parte da

jurisprudência já reconhecia o princípio da presunção de inocência como princípio informador

do ordenamento pátrio. 234

Ademais, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos prevê em seu artigo 14,

item 2 “Toda pessoa acusada de um delito terá direito a que se presuma sua inocência

enquanto não for legalmente comprovada sua culpa”. Tal redação repete-se na Convenção

Americana de Direitos Humanos ( Pacto de San José da Costa Rica) em seu artigo 8º, item 2.

É mister observar que o Brasil através do Decreto Legislativo 27, de 26 de maio de

1992 aprovou o texto da Convenção supracitada tendo o governo brasileiro depositado a carta

de adesão, determinando seu integral cumprimento através do Decreto 678, de 6 de

novembro de 1992, publicado no Diário Oficial de 9 de novembro de 1992.235

Além disso, a Declaração Universal de Direitos Humanos, aprovada pela Assembléia

da Organização das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948, em seu artigo 11.1 dispõe,

em redação semelhante: “toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua

inocência, enquanto não se prove sua culpabilidade”.

Pode-se afirmar que o princípio da presunção de inocência pode ser entendido sob dois

aspectos, o formal e o substancial.

O aspecto formal relaciona-se à sua qualidade de direito constitucional fundamental,

assegurado como cláusula pétrea pelo constituinte.236 Por outro lado, no aspecto substancial a

presunção de inocência é definida como um direito de caráter processual, que repercute no

campo probatório e no tratamento prestado ao acusado. 237

234 HC 45.232-GB, julg. 21.02.68, Rel. Min. Themístocles Cavalcanti /Recurso Extraordinário Eleitoral 86.297-SP, julg.17.11.1976, Rel.Min. Thompson Flores. 235 GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Presunção de Inocência: Princípio e Garantias in Escritos em Homenagem a Alberto Silva Franco. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p.126. 236 SOUZA NETTO, José Laurindo. Processo Penal- Sistemas e Princípios. Curitiba:Juruá, 2006, p.157. 237 Idem, p.157.

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O Princípio da Presunção de Inocência ou Princípio do Estado de Inocência surge

desde a Roma Antiga com a expressão innocens praesumitur cujus nocentia non probatur,

que aparece em momento posterior com princípio in dúbio pro reo e do favor rei. 238

Foi amparado o princípio em questão pelo Act of Habeas Corpus, de 1679, e em 1681,

no Bill of Rights.

Na revolução liberal do século XVIII constata-se a presunção de inocência.

Na verdade, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789 consagrou,

textualmente, o postulado fundamental da presunção de inocência, em seu artigo 9º, que

dispõe:

“Todo homem sendo julgado inocente até quando for declarado culpado, se é julgado indispensável detê-lo, qualquer rigor que não seja necessário para assegurar-se da sua pessoa deve ser severamente proibido por lei”239 Podemos constatar que na assertiva “tout homme étant presume innocent” o termo “presumido” deve ser interpretado como uma atitude emocional de repúdio ao sistema processual penal até então vigente, no qual o acusado devia comprovar a improcedência da acusação , sob pena de suportar as conseqüências do non liquet. 240.

Diante do disposto no artigo 9º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão

pode-se extrair um duplo significado. Num primeiro momento, verifica-se tratar-se de direito

natural, inalienável e sagrado do homem. Mas, há, ainda, a regra processual, que determina

que o acusado não está obrigado a fornecer provas de sua inocência, uma vez que esta é

presumida, por outro lado, deve assegurar que não se adote medidas restritivas da liberdade

pessoal em período que antecede o reconhecimento da culpabilidade.241 Ademais, constata-

se, por um lado que o acusado não está obrigado a fornecer prova de sua inocência , em

razão da presunção; num outro prisma, o princípio impede que medidas restritivas da

238 Ibidem, p.154. 239 “Tout homme étant presume innocent, s'il est jugé indispensable de l'arreter, toute rigueur quin e serait pas nécessaire pour s'assurer de as personne doit être sévérement reprimée par la loi.” 240 GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Presunção de Inocência: Princípio e Garantias in Escritos em Homenagem a Alberto Silva Franco. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p.127. 241 GOMES FILHO, Antonio Magalhães. op. cit., p.314.

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liberdade pessoal sejam adotadas antes do reconhecimento da culpabilidade, exceto em casos

de absoluta necessidade.242

A temática referente à presunção de inocência durante todo o século XIX e na primeira

metade do século XX foi objeto de estudo pelas denominadas Escolas Penais. Todavia, para

os clássicos a inocência do acusado é tida como pressuposto da ciência penal e a ela são

referidas todas as garantias do denonimado “justo processo”, enquanto para os seguidores do

positivismo criminológico há a preocupação com a defesa da sociedade contra o crime.243

Há que se observar, ainda, os adeptos da Escola Técnico-Jurídica, que são contrários a

presunção de inocência, uma vez que Manzini, representante desta corrente doutrinária

defende o posicionamento de que o processo penal tem por finalidade a verificação do

fundamento da pretensão punitiva do Estado, no caso concreto e é presumível a procedência

da acusação e não o contrário. 244

7.4.2 A Presunção de Inocência em face do Direito Comparado

A Constituição de Portugal prevê , expressamente, o princípio da presunção da

inocência, em seu artigo 32, II, com a reforma de 1982 que determina: “ Todo o argüido se

presume inocente até o trânsito em julgado da sentença de condenação, devendo ser julgado

no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa”.

Consiste o princípio ora em estudo na premissa de que “até o trânsito em julgado da

sentença condenatória, o réu tem o direito público subjetivo de não ser submetido ao estado

de condenado” 245

242 BONATO, Gilson. op. cit.,,p.122. 243 GOMES FILHO, Antonio Magalhães. op. cit., p.314. 244 Idem,p.315 245 CERNICCHIARO, Luiz Vicente e COSTA JUNIOR, Paulo José. Direito Penal na Constituição. São Paulo: Revista do Tribunais, 1995, p. 105.

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Há quem entenda que “ a situação de condenado ter o termo “a quo” após o trânsito

em julgado da sentença final condenatória é conseqüência lógica dos princípios que, com

vigorosa cautela, resguardam o réu durante a apuração do fato-infração penal” 246

Na Itália , prevê a sua Constituição, em seu artigo 27.2 que o imputado não é

considerado culpado até a condenação definitiva. Aliás, a Constituição italiana de 1948

adotou uma expressão “l´imputato non è considerato colpevole sino alla condanna

definitiva”.

Na França, o preâmbulo da Constituição de 1946 reafirmou os direitos do homem

proclamados pela Declaração de 1789 e reintroduziu no ordenamento a presunção de

inocência como princípio geral. Somente com a promulgação da Constituição de 1958 tais

disposições adquiriram status de texto constitucional positivo.247

A Constituição espanhola de 1978 prevê, expressamente, entre as garantias mínimas

do processo penal: “ todos tienem derecho al juez ordinário predeterminado por la ley, a la

defensa y a la assistencia de letrado, a ser informado de la acusación formulada contra ellos , a

um proceso público sin dilaciones indebidas y com todas las garantias, a utilizar los médios de

prueba pertinentes para su defensa, a no declarar contra si mismos, a no confesarse culpables

y a la presunción de inocência.” 248,

A presunção de inocência deve ser vista como princípio-garantia, uma vez que visa

tornar seguros os direitos do cidadão diante do poder punitivo estatal e também diante dos

outros cidadãos.249

Não podemos ignorar, por sua vez, que o princípio em questão acarreta limites à

atuação estatal , senão vejamos:

246 Idem, p. 110-111. 247 COSTA, José de Faria ; SILVA, Marco Antonio Marques da (coords).Direito Penal Especial, Processo Penal e Direitos Fundamentais- Visão Luso-Brasileira. São Paulo: Quartier Latin, 2006 p.315 248 Idem, p.315-316. 249 Ibidem, p.321.

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“Assim, um primeiro limite-que será depois analisado-confunde-se com a garantia de reserva de jurisdição em matéria penal ( nulla poena sine iudicio): se “ ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença condenatória” ( artigo 5º, LVII, CF), somente depois de um julgamento proferido por órgão judiciário regularmente instituído-e realizado com observância das regras do devido processo-será admissível a imposição de qualquer sanção punitiva. O segundo limite, que guarda íntima conexão com a expressão literal do princípio- presunção- é a exigência de que nenhuma condenação será proferida sem prova da culpabilidade. Disso decorre não só que cabe à acusação demonstrar os fatos alegados contra o réu, mas também que tal prova precisa ser segura e induvidosa...”.250

A jurisdicionalidade, na verdade, é a garantia que decorre do reconhecimento da

presunção de inocência. Isso porque ninguém poderá ser considerado culpado nem sujeito à

pena antes de um julgamento regular,logo, a jurisdição é a atividade essencial para que se

obtenha a prova da culpabilidade.251

Além disso, há que mencionar que:

“a própria existência da imputação caracteriza, por si só, uma condição de desvantagem do cidadão em face do poder punitivo estatal, a afirmação constitucional dos princípios da presunção de inocência e do devido processo legal destina-se a temperar essa carga negativa, indicando o juiz não apenas uma atitude em face do acusado, ou a regra de julgamento na hipótese de dúvida sobre os fatos, mas o próprio modo pelo qual deve realizar-se a atividade processual, mediante a integração do direito ao processo com os direitos no processo”.252

Na dúvida quanto à existência de qualquer fato deve sempre favorecer o réu.

A expressão “presunção de inocência” como valor ideológico e não técnico, uma vez

que exprime um orientação prestada pelo legislador no sentido de garantir a liberdade do

acusado em face do interesse coletivo à repressão penal.

Considera-se como princípio a presunção de inocência por possuir conteúdo

prescritivo e ser uma norma dotada de alto grau de generalidade, além de ser uma norma

dirigida aos órgãos que aplicam o direito e ser uma máxima da ciência jurídica.253

250 Idem, p.322. 251 Ibidem, p.322-323. 252 Ibidem, p.324 253 Idem, p.129.

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O fato da presunção de inocência ser princípio jurídico não deixa de ser uma garantia,

uma vez que é um mecanismo de proteção do indivíduo na sociedade política.

De fato, como verdadeiro princípio-garantia a presunção de inocência implica a

predisposição de certos mecanismos pelo ordenamento jurídico, cujo objetivo é tornar

seguros os direitos do cidadão diante do poder punitivo estatal e também diante dos outros

cidadãos.254.

Nos parágrafos 1º e 2º do artigo 52 da Lei de Execuções Penais estabelecem

literalmente:

“§1º. O regime disciplinar diferenciado também poderá abrigar os presos provisórios ou

condenados, nacionais ou estrangeiros, que apresentem altos riscos para a ordem e a

segurança do estabelecimento penal ou da sociedade.

§2º. Estará igualmente sujeito ao regime disciplinar diferenciado o preso provisório ou

condenado sob o qual recaiam fundadas suspeitas de envolvimento ou participação, a

qualquer título, em organizações criminosas, quadrilhas ou bandos.”

Diante do disposto acima, surgem dúvidas quanto à constitucionalidade do preceito em

questão. Num primeiro momento, afirma-se que o preso, tanto provisório como definitivo

poderá ficar submetido ao regime diferenciado em questão num isolamento completo, em cela

individual pelas razões objeto de juízo de valor, que para alguns foge às esferas do Direito

Penal do fato e muito mais com um Direito penal do autor.255

Guilherme de Souza Nucci observa que na aplicação do regime disciplinar

diferenciado, instituto utilizado para combater o crime organizado e os líderes de facções

criminosas, “é preciso que o magistrado encarregado da execução penal tenha a

sensibilidade que o cargo lhe exige para avaliar a real e efetiva necessidade de inclusão do

254 Ibidem, p.130. 255 BUSATO, Paulo César. op. cit., p.139

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preso, especialmente provisório, cuja inocência pode ser constatada posteriormente, no

RDD”256

Assim, ainda na hipótese que o preso seja provisório, o juiz , ao analisar o caso em

tela, e demonstradas provas que confirmem estar incurso nas hipóteses legais de inclusão do

regime disciplinar diferenciado decretará a sua sujeição a tal regime. Ocorrerá, então, que a

aplicação do princípio da presunção de inocência estará sendo atenuada, prevalecendo o

interesse social sobre o direito individual, embora ambos estejam assegurados na Constituição

Federal em vigor..

8. Disposições Gerais sobre o Regime Disciplinar Diferenciado.

Foi acrescentado parágrafo único ao artigo 87 da Lei de Execução Penal autorizando a

construção de penitenciárias pela União Federal, Estados, Distrito Federal e Territórios,

destinados, exclusivamente, aos presos provisórios e condenados que estejam em regime

fechado, sujeitos ao regime disciplinar diferenciado, nos termos do artigo 52 daquele mesmo

estatuto.

No Paraná, foi inaugurada em 23 de junho de 2006, a Penitenciária Federal de

Catanduvas, a primeira no país, e localizada naquele Estado.

Em reportagem jornalística observam que a unidade terá capacidade para duzentos

detentos num modelo que lembra o panóptico, mencionado na obra “Vigiar e Punir” de

Michel Foucault.257

A Penitenciária Federal é semelhante à Penitenciária Estadual de Presidente Bernardes

e é tida como réplica das unidades norte-americanas de segurança máxima conhecidas como

Supermax. 258

256 NUCCI, Guilherme de Souza. op. cit., p.931 257 Jornal Gazeta do Povo – Paraná -reportagem do dia 28 de maio de 2006

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Posteriormente, haverão mais quatro unidades prisionais de segurança máxima que o

governo federal construirá para receber presos de alta periculosidade.

Além disso, prevê o artigo 4º da Lei n. 10.792/03 que:

“os estabelecimentos penitenciários, especialmente os destinados ao regime disciplinar diferenciado, disporão, dentre outros equipamentos de segurança, de bloqueadores de telecomunicação para telefones celulares, rádio-transmissores e outros meios definidos no artigo 60 § 1º da Lei n. 9.472, de 16 de julho de 1997.”

Deve-se haver, de fato, reforço na segurança dos estabelecimentos penais, devendo,

todos , estarem sujeitos às suas normas, inclusive advogados, representantes do Ministério

Público, magistrados, delegados, etc. 259

Os Estados e o Distrito Federal, por sua vez, poderão, observados os artigos 44 a 60 da

Lei de Execução Penal e nos termos do inciso I do artigo 24 da Constituição Federal

regulamentar o regime disciplinar diferenciado em especial para:

“I- estabelecer o sistema de rodízio entre os agentes penitenciários que entrem em contato

direto com os presos provisórios e condenados;

II- assegurar o sigilo sobre a identidade e demais dados pessoais dos agentes penitenciários

lotados nos estabelecimentos penais de segurança máxima;

III- restringir o acesso dos presos provisórios e condenados aos meios de comunicação de

informação;

IV- disciplinar o cadastramento e agendamento prévio das entrevistas dos presos provisórios

ou condenados com seus advogados, regularmente constituídos nos autos da ação penal ou

processo de execução criminal, conforme o caso;

258 Sistema prisional caracterizado por celas individuais, monitoradas 24 horas por dia, ao preso é concedido pouco tempo permitido no banho de sol e ao circular nas dependências do estabelecimento deverá permanecer algemado o tempo todo. 259 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo e Execução Penal. São Paulo:Revista dos Tribunais, 2005, p.931.

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V-elaborar programa de atendimento diferenciado aos presos provisórios e condenados,

visando a sua reintegração ao regime comum e recompensando-lhes o bom comportamento

durante o período de sanção disciplinar”.

9. Últimas Considerações sobre o Regime Disciplinar Diferenciado

O regime disciplinar diferenciado é um tema polêmico, que não pode ser apenas

criticado. É claro que se não estivesse a criminalidade avançando não só em nosso país mas

em todo o mundo tal regime deveria ser esquecido.

Todavia, a realidade brasileira e mundial exige medidas eficientes a fim de controlar a

situação.

Deve-se haver uma reformulação de nossas prisões,evitando contato corpo a corpo

entre os presos e seus familiares, o que já não mais ocorre nos mais recentes estabelecimentos

prisionais do país.

Caberá ao Estado impedir a comunicação entre os presos pertencentes ou não a

facções criminosas com o mundo exterior, bloqueando os sinais de telefonia celular, sem

prejudicar os moradores da região, onde se encontra a unidade prisional.

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CONCLUSÕES

1. A sanção penal deve ser adequada ao período histórico em que será aplicada, levando-se

em conta o interesse da sociedade.

2. Não foi perpetuada a idéia de que a única finalidade da pena era castigar o indivíduo,

conforme estabeleciam as teorias absolutas, vindo a adotar medidas preventivas através das

teorias relativas, permitindo um avanço no direito penal.

3. Permanece o caráter utilitário da pena, preocupando-se com a figura do acusado até os dias

atuais.

4. Em nosso país, a Constituição Federal em vigor assegurou direitos e garantias individuais,

dentre eles, o respeito ao princípio da individualização da pena. Assim, não se admite o

emprego de penas que violem o princípio da dignidade humana.

5. Com a reforma penal de 1984( Lei n. 7.209, de 11 de julho de 1984) houve um

aprimoramento na análise da pena , uma vez que a tendência no século XX era prestigiar a

aplicação da pena privativa de liberdade, o que possibilitou um problema mundial: lotações

das unidades prisionais, sem fazer qualquer distinção no grau de periculosidade do acusado ou

condenado.

6. Buscou-se no Direito Penal moderno incentivar nas legislações penais a aplicação cada vez

maior de penas restritivas de direitos ou penas de multa, restando à pena privativa de

liberdade somente os crimes de maior gravidade.

7. O aumento na aplicação das penas restritivas de direitos tem sido benéfica a toda sociedade

pois tem por escopo facilitar a ressocialização do indivíduo.

8. Com os índices de criminalidade elevados, em todo o mundo, o condenado com alto grau

de periculosidade deve permanecer encarcerado até que se recupere e retorne ao convívio

social, visando não praticar mais delitos.

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9. Para compreender a crise no sistema prisional há que se fazer um retrospecto da origem das

prisões, que num certo momento preocupava-se em isolar o indivíduo com o intuito de que se

recuperasse com a permanência em silêncio absoluto, vindo posteriormente, a serem

aplicadas penas degradantes, cruéis, etc.

10. O mark system teve um papel importante na evolução dos direitos penal e processual

penal ao permitir que em razão do trabalho, boa conduta do condenado o condenado fosse

posto em liberdade, facilitando, dessa forma, a reinserção do delinqüente ao meio social.

11. Durante o século XX constatamos a construção de enormes estabelecimentos penais,

inclusive no Brasil, em razão do excessivo número de presos , vindo, conseqüentemente, a

elevar a necessidade dos ordenamentos jurídicos respeitarem regras de direitos humanos aos

presos.

12. A criminalidade em nosso país tem aumentado de modo acelerado, o que justificou o

advento da Lei nº 10.792, 1° de dezembro de 2003, que instituiu o Regime Disciplinar

Diferenciado, após vários incidentes, que demonstraram a perda do controle pelo Estado da

segurança pública, principalmente com o crescimento das facções criminosas e o estado de

medo permanente na sociedade brasileira. De fato, adotou o modelo do “cárcere duro” , nos

moldes do panoptismo.

13. Após violentos ataques terroristas, especialmente o ocorrido em 11 de setembro de 2001 a

doutrina se voltou para a concepção do Direito Penal do Inimigo, consistente na adoção de

medidas restritivas de garantias e direitos pelos criminosos.

14. Tanto as hipóteses legais de cabimento do regime disciplinar diferenciado como suas

regras justificam-se pela gravidade da conduta do preso, limitando-se ,ainda, mais o direito

individual em prol de um interesse social.

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15. O isolamento celular em que é submetido o preso sob regime disciplinar diferenciado é

permitido ,apesar da posição contrária da ONU, desde que não se trate de cela escura e seja

garantida higiene no local, assistência médica e visitas, nos termos previstos em lei.

16. A lei permite a inclusão do preso em regime disciplinar diferenciado, ainda que em caráter

cautelar, respeitado o devido processo legal e a manifestação do representante do Ministério

Público e da defesa em momento posterior. Aliás, é necessário o prévio requerimento do

diretor do estabelecimento penal ou por outra autoridade administrativa para que o juiz

decrete ou não a inclusão do preso ao regime disciplinar diferenciado, no prazo de quinze

dias.

17. É viável a utilização do regime disciplinar diferenciado para que haja a separação dos

líderes das grandes facções criminosas, uma vez que, em situações especiais o direito

individual não poderá prevalecer diante de um interesse social, que é a segurança pública.

18. Admite-se que o preso provisório seja submetido ao regime disciplinar diferenciado,

sendo atenuado o princípio da presunção da inocência para que prevaleça o direito social, uma

vez que ambos estão assegurados na Constituição Federal.

19. Em consonância com o parágrafo único do artigo 87 da Lei de Execução Penal foi

construída a Penitenciária Federal de Catanduvas, primeira no Brasil, em 23 de junho de

2006, que segue os padrões das prisões norte-americanas denominadas Supermax , adotada de

critérios de extrema segurança sendo o local destinado aos presos de alta periculosidade,

inclusive, líderes de facções criminosas de grandes centros urbanos.

20. A adoção do Regime Disciplinar Diferenciado em nosso país justifica-se pelo situação

emergencial de falta de segurança pública em que a sociedade brasileira sofre, todavia, não

basta por si só. Há que se fazer uma reformulação na Lei de Execução Penal, buscando,

conciliar, tanto mecanismos para a ressocialização do preso como medidas que restringem a

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ação criminosa dentro dos estabelecimentos prisionais, em conformidade com os princípios

do Estado Democrático de Direito

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