Evolução da Ética

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    HISTRIA E CULTURA

    DIRIGIR ABRIL - JUNHO 2007

    AEVOLUODO CONCEITO DE TICApor: CARLOS BARBOSA DE OLIVEIRA Jornalista

    A tica tem servido, ao longo dos tempos, como uma espcie de semforo que regula o

    desenvolvimento histrico e cultural da Humanidade, num cruzamento onde desembocam aMoral, a Filosofia, a Religio e a Sociedade

    Mas, afnal, o que a tica?

    Como deveremos interpretar algum quando afirmahoje as pessoas j no tm tica? Estar a referir-se auma mudana de valores, que j no respeitam os da suapoca, ou a ser mais assertivo e a proclamar a inexistnciade tica? Existe ainda uma terceira hiptese: o conceitode tica de quem proferiu a frase ser diferente daquele

    que a sociedade reconhece como padro.A questo que se coloca no meramente acadmica

    e penso ser fundamental para que percebamos o que atica e como evoluiu ao longo dos tempos. Etimologicamente, a tica radica na palavra gregaethos, que significa costume. Mas os costumes so de-terminados por valores morais e pelas leis vigentes, asquais condicionam a conduta humana numa determi-nada poca. Assim se explica, por exemplo, que hoje emdia repudiemos a escravatura mas que sejamos capazes deperceber que luz da poca era uma prtica consideradanormal por estar dentro dos parmetros consensuais vi-

    gentes.Do mesmo modo, o divrcio, o aborto ou a eutan-

    sia so aceites com normalidade em algumas sociedadescontemporneas, enquanto outras rejeitam a sua prtica.Mas poderemos, neste caso, falar de tica? Vejamos o seguinte exemplo: numa sociedade ondea prtica do aborto seja permitida por lei haver semprecidads que se recusaro a pratic-lo por questes do foropessoal. Ou seja, a legalidade de uma prtica no condi-ciona o cidado, individualmente, a aceit-la. Existe umespao de liberdade individual que permite a cada um

    agir de acordo com a sua conscincia, sem que por issoinfrinja qualquer cdigo de tica ou qualquer lei. No en-tanto, lcito que um mdico se recuse a fazer um abortoinvocando razes de tica, uma vez que de acordo coma sua conscincia ao faz-lo estar a praticar um acto queviola os seus princpios morais ou religiosos. Facilmen-

    te se percebe, ento, que nestes casos a tica no umconceito universal, dependendo antes da conscincia in-dividual. Mas, como adiante veremos, nem sempre foiassim.

    A evoluo do conceito de tica tem sido determina-da pela mudana de hbitos, costumes sociais e padresmorais que determinam a conduta dos indivduos pe-rante a sociedade onde se inserem, ao longo das vriaspocas histricas, mas tambm da moral e das leis vigen-tes. nesta perspectiva que surge a tica. Importa entosaber quais os critrios que determinaram, ao longo daHistria, o padro de conduta que as sociedades foram

    adoptando para definir o comportamento tico.

    Os costumes e a Moral

    Se aceitarmos como boa a hiptese de que os costumese a moral subjacentes tica so impostos por uma civi-lizao dominante, seremos levados a concluir que hou-ve uma noo de tica na civilizao grega, que evoluiupara uma forma diferente na civilizao romana, na Ida-de Mdia e assim sucessivamente at aos nossos dias.

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    H, ainda, uma enorme diversidade de critrios e decondicionantes sociais que podem determinar as regrasde conduta do indivduo em diversas pocas ou numamesma poca. Demos um exemplo: neste dealbar do s-

    culo , em determinadas tribos da Papusia, por exem-plo, encarado normal o facto de uma pessoa se pas-sear nua nas ruas de uma cidade. Mas ser normal queum cidado ocidental se passeie nessas condies numacidade europeia? Certamente que no ser mesmoconsiderado um atentado ao pudor , no obstante aprtica do nudismo ser aceite em determinados locais ecircunstncias. Somos assim chegados a um dos critriosfundamentais que determinam as regras de conduta doindivduo: a presso e o contexto social. Atravs deste cri-trio, a sociedade pressiona o indivduo a adoptar deter-minados comportamentos que, no sendo respeitados,

    podero ser impostos atravs de normas civis (as leis). sabido, no entanto, que as normas civis apenas existempara punir certos comportamentos desviantes, j queas sociedades inculcam no indivduo, a partir da infn-cia, determinados valores e padres de conduta que soassimilados atravs da educao. Poderamos aqui abor-dar outros critrios que determinam a conduta tica doscidados (o prazer, o instinto, os valores...). Este intri-to, no entanto, apenas pretendeu esclarecer os leitoresacerca de algumas condicionantes que vo determinara evoluo do conceito de tica ao longo da Histria,nunca perdendo de vista a ideia de que sempre foram os

    homens, dentro de contextos culturais especficos, a de-termin-lo. O que significa que a evoluo do conceitoresulta de condies civilizacionais e de contemporanei-dade que foram mudando ao longo do tempo. Por outraspalavras, a sociedade que determina, in limine, as regrasda tica (seja atravs das leis, dos costumes, da Moral, decdigos de conduta ou da deontologia) mas existe sem-pre um espao de conscincia individual que permite acada cidado estabelecer as suas fronteiras desde que noinfrinja princpios determinados por regras de condutasociais.

    Recuemos ento no tempo e comecemos por analisar

    o conceito de tica na civilizao grega.

    A tica na civilizao grega

    A tica tinha, entre os Gregos, uma relao muito estrei-ta com a Poltica, tendo como base a cidadania e a formade organizao social. Compreende-se porqu. Atenasera o ponto de encontro da cultura grega onde nasceuuma democracia com assembleias populares e tribunaise as teorias ticas incidiam sobre a relao entre o cida-

    do e a polis (a sociedade organizada em cidades-Esta-dos), em que a conduta do indivduo era determinante

    para se alcanar o bem-estar colectivo. Apesar das dife-renas conceptuais das vrias correntes filosficas (pode--se falar de uma tica aristotlica, de uma tica socrticaou de uma tica platnica), pode dizer-se que todas tmum denominador comum: o homem dever pr os seusconhecimentos ao servio da sociedade, de modo a quecada um dos seus membros possa ser feliz.

    A tica na civilizao grega era apenas normativa, li-mitando-se a classificar os actos do homem como correc-tos ou incorrectos e adequados ou inadequados a umadeterminada situao.

    As conquistas de Alexandre Magno marcam o incio

    de uma nova etapa na histria da Humanidade. Atenasperde a hegemonia poltica, a polis d lugar a um vas-to imprio constitudo por uma diversidade de povos,lnguas e culturas, que se misturam e fundem numa pa-nplia multifacetada, onde as questes polticas perdemproeminncia porque os indivduos deixam de estar um-bilicalmente ligados cidade-Estado.

    No mundo helenstico e romano, a tica passa a sus-tentar-se em teorias mais individualistas que analisam dediversas formas o modo mais agradvel de viver a vida.

    J no se trata de procurar, atravs da tica, conciliar ohomem com a cidade, mas sim com o Cosmos. Em to-

    das estava subjacente a procura da felicidade como o bemsupremo a atingir, embora cada um dos seus seguidoresoptasse por vias diferentes para l chegar.

    A tica na Idade Mdia

    Na Idade Mdia o conceito de tica altera-se radical-mente. Desliga-se da natureza para se unir (e no rarasvezes confundir...) com a moral crist. Entre os sculos e , a influncia da Igreja impede que nas socieda-

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    os cientficos e tecnolgicos permitiam avanar para amanipulao gentica, a clonagem, a inseminao artifi-cial ou a produo de organismos geneticamente modi-ficados, derrubando valores adquiridos durante sculos,

    as desigualdades a nvel mundial aumentaram. A Eco-nomia apresenta um modelo que serve de guia para odesenvolvimento e seguido risca, como se de uma B-blia se tratasse, podendo afirmar-se que durante dcadastem prevalncia sobre a tica porque modos de produ-o, dinheiro, mercado, lucro ou comrcio (temas caros Economia) no conjugam com os valores da tica. AEconomia o centro de todas as decises, mas tambm aresponsvel pelo cavar do fosso entre pobres e ricos. En-quanto uns vivem na opulncia do esbanjamento, outroslutam pelos desperdcios.

    tica, Consumo e Sustentabilidade

    A sociedade de consumo tornara o ser humano depen-dente do mercado e, acima de tudo, um sujeito passivo.Nascia o cidado consumidor, o cidado objecto, recep-tivo s ofertas do mercado mas sem capacidade de inter-vir nas suas regras. Apegado aos bens materiais, seden-to da novidade, projectando-se no meio social no pelassuas qualidades de ser humano mas pela aparncia e pelostatus, o cidado-consumidor vive numa sociedade queassenta no primado da fruio, do individualismo e do

    desperdcio, que acentua as desigualdades sociais atravsdos padres de consumo e deixa pouco espao para aspreocupaes com a cidadania. Diz-me o que conso-mes, dir-te-ei quem s, uma expresso que retrata fiel-mente os anos duros da sociedade de consumo, vividosentre as dcadas de 50 e 80 do sculo passado. O avivardessas desigualdades fez emergir, no final do sculo pas-sado, uma conscincia cvica que clama maior transpa-rncia no mercado. Os problemas gerados pela indstriaalimentar, a doena das vacas loucas e os desastres eco-lgicos despertam o cidado consumidor que comea aexigir que a produo aprenda dominar a Natureza sem

    a ameaar de morte. O consumidor-objecto d lugar aoconsumidor-sujeito, mais afectivo e mais preocupadocom o significado e as consequncias dos seus padresde consumo.

    Cada ramo do saber ou actividade profissional sente--se obrigado a definir as matrizes que enquadrem a ticado seu campo de actividade. Multiplicam-se os cdigosde tica ou de conduta e os cdigos deontolgicos.Surgiram ainda novas frmulas como a auto-regulao,criando normativos especficos para determinados secto-

    res de actividade (de que a publicidade ou a comunica-o social so bons exemplos).

    Regra geral, estes cdigos esforam-se por expressaros princpios ticos em normas e princpios universais,adaptando-os s particularidades de cada pas e de cadagrupo profissional e propondo sanes para os infracto-res. uma tica normativa que no mantm relaescom a Moral, a no ser na sua raiz. um conjunto de re-gras que emana voluntariamente de um grupo ou classee no imposto pela sociedade.

    A empresa assume tambm a sua quota-parte de res-ponsabilidade na construo do futuro. Nasce a empre-sa cidad, preocupada em transmitir sociedade as suaspreocupaes com a sustentabilidade atravs de uma

    postura tica empresarial denominada ResponsabilidadeSocial. Os valores desta tica pautam-se pela recusa emrecorrer ao trabalho infantil e ao trabalho escravo, poruma nova forma de gesto dos recursos humanos e umaespecial ateno higiene e segurana dos locais de tra-balho, por um dilogo com a comunidade onde se inse-re, pela recusa em recorrer ao sacrifcio de animais paraa produo de cosmticos ou utilizao das suas pelespara o vesturio. Comea a falar-se da necessidade de umrtulo tico que garanta que as empresas no recorrema estas prticas e, acima de tudo, manifestem nas suasprticas e mtodos de produo que se comprometem a

    respeitar o ambiente e a no delapidar os recursos natu-rais.

    No limiar do sculo podemos j falar de umatica Sustentvel cuja matriz se caracteriza pelo respei-to pela Natureza, a que subjaz uma preocupao com adegradao ambiental que dever ser resolvida de formacolectiva para bem da sociedade. Quase se poderia falarde um regresso da tica ao seu conceito original, no sedesse o caso de a Economia ter assumido o lugar da po-lis...