Etnografia Na Sala de Aula de Língua Estrangeira

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CADERNOS DO IL ʘ CADERNOS DO IL ʘ CADERNOS DO IL ʘ CADERNOS DO IL ʘ CADERNOS DO IL ʘ CADERNOS DO IL A INVESTIGAÇÃO ETNOGRÁFICA NA SALA DE AULA DE SEGUNDA LÍNGUA/LÍNGUA ESTRANGEIRA Dilys Karen Rees * Heloísa Augusta Brito de Mello ** RESUMO: Este artigo apresenta um panorama metodológico da pesquisa qualitativa etnográfica para alunos que se iniciam na pesquisa da sala de aula de língua estrangeira. O artigo conceitualiza os termos qualitativo e etnografia para, em seguida, descrever e discutir os procedimentos e instrumentos usados nesse tipo de estudo. O artigo se baseia em pesquisas de autores do campo da etnografia e se distingue desse estudos porque coloca o foco na sala de aula de língua estrangeira. PALAVRAS-CHAVE: pesquisa qualitativa, pesquisa etnográfica, sala de aula de língua estrangeira ABSTRACT: This article seeks to provide a methodological overview of qualitative ethnographic research for the student who is beginning his/her research practice of the foreign language classroom. The terms qualitative and ethnography are first conceptualized, followed by a detailed description and discussion of the procedures and instruments used in this kind of study. Research by authors from the field of ethnography is used as the theoretical basis for this article, which is distinguished by its emphasis on the foreign language classroom as a site of ethnographic research practices. KEYWORDS: qualitative research, ethnographic research, foreign language classroom PRIMEIRAS PALAVRAS Ao dar início a um projeto de pesquisa na graduação e muitas vezes na pós- graduação o(a) aluno(a) ainda não tem clareza sobre o que vem a ser pesquisa qualitativa, naturalística, interpretativista, estudo de caso, etnográfica ou qualquer outra denominação que se insere no paradigma qualitativo. De fato, esses termos podem causar confusão porque alguns deles são usados intercambiavelmente ou sobrepostos e outros dizem respeito às características da abordagem e não ao seu conceito propriamente dito. Por uma questão de espaço, focalizamos neste artigo apenas a pesquisa etnográfica, destacando seu local de inserção, seus princípios, suas características e especificidades, sem nos determos aos outros tipos de pesquisa mencionados. Nossa opção por priorizar a pesquisa etnográfica se dá em razão de que acreditamos ser essa a abordagem ideal para o tratamento de questões que envolvem a sala de aula de segunda língua/língua estrangeira (doravante L2/LE), objeto de interesse da maioria de nossos alunos. * Professora do Departamento de Línguas e Literaturas Estrangeiras da Faculdade de Letras da UFG. Doutora em Linguística Aplicada pela Universidade Federal de Minas Gerais. E-mail: [email protected]. ** Professora do Departamento de Línguas e Literaturas Estrangeiras da Faculdade de Letras da UFG. Doutora em Linguística Aplicada, Área de Ensino-Aprendizagem de Segunda Língua/ Língua Estrangeira pela Universidade Estadual de Campinas. E-mail: [email protected] . Cadernos do IL. Porto Alegre, n.º 42, junho de 2011. p. 30-50. EISSN:2236-6385 http://www.seer.ufrgs.br/cadernosdoil/ 30

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Sobre pesquisa qualitativa etnográfica na sala de aula.

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    A INVESTIGAO ETNOGRFICA NA SALA DE AULA DE SEGUNDA LNGUA/LNGUA ESTRANGEIRA

    Dilys Karen Rees*Helosa Augusta Brito de Mello**

    RESUMO: Este artigo apresenta um panorama metodolgico da pesquisa qualitativa etnogrfica para alunos que se iniciam na pesquisa da sala de aula de lngua estrangeira. O artigo conceitualiza os termos qualitativo e etnografia para, em seguida, descrever e discutir os procedimentos e instrumentos usados nesse tipo de estudo. O artigo se baseia em pesquisas de autores do campo da etnografia e se distingue desse estudos porque coloca o foco na sala de aula de lngua estrangeira.

    PALAVRAS-CHAVE: pesquisa qualitativa, pesquisa etnogrfica, sala de aula de lngua estrangeira

    ABSTRACT: This article seeks to provide a methodological overview of qualitative ethnographic research for the student who is beginning his/her research practice of the foreign language classroom. The terms qualitative and ethnography are first conceptualized, followed by a detailed description and discussion of the procedures and instruments used in this kind of study. Research by authors from the field of ethnography is used as the theoretical basis for this article, which is distinguished by its emphasis on the foreign language classroom as a site of ethnographic research practices.

    KEYWORDS: qualitative research, ethnographic research, foreign language classroom

    PRIMEIRAS PALAVRAS

    Ao dar incio a um projeto de pesquisa na graduao e muitas vezes na ps-graduao o(a) aluno(a) ainda no tem clareza sobre o que vem a ser pesquisa qualitativa, naturalstica, interpretativista, estudo de caso, etnogrfica ou qualquer outra denominao que se insere no paradigma qualitativo. De fato, esses termos podem causar confuso porque alguns deles so usados intercambiavelmente ou sobrepostos e outros dizem respeito s caractersticas da abordagem e no ao seu conceito propriamente dito. Por uma questo de espao, focalizamos neste artigo apenas a pesquisa etnogrfica, destacando seu local de insero, seus princpios, suas caractersticas e especificidades, sem nos determos aos outros tipos de pesquisa mencionados. Nossa opo por priorizar a pesquisa etnogrfica se d em razo de que acreditamos ser essa a abordagem ideal para o tratamento de questes que envolvem a sala de aula de segunda lngua/lngua estrangeira (doravante L2/LE), objeto de interesse da maioria de nossos alunos.

    * Professora do Departamento de Lnguas e Literaturas Estrangeiras da Faculdade de Letras da UFG. Doutora em Lingustica Aplicada pela Universidade Federal de Minas Gerais. E-mail: [email protected].** Professora do Departamento de Lnguas e Literaturas Estrangeiras da Faculdade de Letras da UFG. Doutora em Lingustica Aplicada, rea de Ensino-Aprendizagem de Segunda Lngua/ Lngua Estrangeira pela Universidade Estadual de Campinas. E-mail: [email protected].

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    Uma vez feita a opo pela abordagem de pesquisa, questes de outra ordem a seleo dos critrios, a elaborao do design de pesquisa, a escolha dos instrumentos para o registro dos dados, a socializao no campo de pesquisa (como agir e o que dizer/perguntar/observar), a delimitao do foco, a identificao das categorias e dos critrios para anlise dos dados etc se apresentam para o aluno(a)-pesquisador(a) como peas de um quebra-cabea de difcil resoluo. Foi pensando nessa dificuldade inicial (e natural!) em harmonizar cientificamente tema, aes, percepes e interpretaes em situaes de pesquisa que dirigimos este texto queles(as) alunos(as) que pela primeira vez assumem a tarefa de observar, descrever e interpretar qualitativamente o que se passa na sala de aula de lngua estrangeira tomada como cenrio privilegiado de uma investigao cientfica.

    Assim, com esse objetivo de esclarecer e instrumentalizar nossos alunos-pesquisadores, organizamos este texto em duas sees principais uma que procura explicitar os conceitos e os princpios da pesquisa qualitativa de cunho etnogrfico, e outra que apresenta e discute procedimentos, tcnicas e instrumentos de pesquisa para gerar dados qualitativos.

    Antes, porm, de iniciarmos nossa discusso propriamente dita abrimos um parntese para ressaltar que no nossa pretenso esgotar o tema proposto. Ao contrrio, pretendemos, de maneira simples, oferecer ao aluno(a) iniciante a oportunidade de compreender como realizar uma pesquisa lanando mo de uma orientao metodolgica do tipo qualitativo-etnogrfico.

    DEFININDO OS TERMOS E OS PRINCPIOS METODOLGICOS

    Iniciamos nossa discusso com a expresso pesquisa qualitativa por entender que ela pode confundir o pesquisador iniciante na medida em que se apresenta como uma expresso guarda-chuva que abriga diversos tipos de abordagens, mtodos e tcnicas de pesquisa de reas distintas do conhecimento tais como a Antropologia, a Sociologia, a Educao, as Cincias Mdicas e a prpria Lingustica Aplicada, cada qual com a sua cultura de pesquisa e linguagem especfica. Apesar das especificidades de cada uma dessas reas, o que caracteriza o paradigma qualitativo em todas elas a forma ontolgica como essas cincias percebem o mundo , a forma epistemolgica como teorizam sobre o mundo social e a forma metodolgica como observam e interpretam a realidade social. Na viso ontolgica (a teoria de mundo), a realidade construda, dinmica e contextualizada; na epistemolgica (a teoria do conhecimento), a teoria do mundo social o relativismo, visto que a realidade construda na dinmica dos fatos scio-histricos; e, por fim, na viso metodolgica, o pesquisador procura entender a realidade do ponto de vista do participante, sendo a observao e a entrevista os mtodos privilegiados para realizao da investigao.

    Assim, o termo qualitativo, em uma relao hierrquica, o mais abrangente de todos, estando, pois, em um primeiro plano, o do paradigma, podendo incluir outras denominaes tipolgicas como a etnografia, o estudo de caso, a hermenutica, as indues analticas, as histrias de vida e at mesmo alguns tipos de abordagens computacionais e estatsticas desenvolvidos para tal fim.

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    No tocante expresso pesquisa naturalstica, com frequncia usada como sinnimo de qualitativa ou etnogrfica, Watson-Gegeo (1988) esclarece que o termo naturalstico qualifica a pesquisa em termos de onde e como a observao conduzida, isto , no contexto real onde os participantes da pesquisa atuam em casa, na escola, no trabalho etc e com o mnimo de interferncia externa, no caso do pesquisador ou de outros tratamentos dados no momento do registro dos dados que possam descaracterizar o contexto ou a situao.

    A etnografia, por sua vez, difere dos outros tipos de pesquisa qualitativa pela forma holstica como trata o fenmeno, ou seja, examina o fenmeno em relao cultura e ao comportamento dos participantes no contexto social como um todo, ao invs de focalizar apenas um dos seus muitos aspectos (ERICKSON, 1984), conforme procuramos mostrar adiante.

    A ETNOGRAFIA E A SALA DE AULA DE L2/LE

    O termo etnografia tem sido usado de maneira holstica para se referir descrio da cultura de uma comunidade ou sociedade, entendendo-se por cultura o que as pessoas precisam saber ou fazer para serem aceitas como membros de uma dada comunidade (MENHAN, 1981). Estendendo esse conceito sala de aula de L2/LE, os pesquisadores da rea de ensino tm investigado o que os professores e, principalmente, os alunos precisam saber para atuarem de maneira competente no contexto da sala de aula e como essa competncia se relaciona aos outros contextos pelos quais eles transitam.

    Originalmente desenvolvida pela antropologia para descrever o comportamento e os padres culturais de um grupo social, a pesquisa etnogrfica caracteriza-se pelo estudo do comportamento das pessoas em um determinado contexto de interao social, com foco na interpretao cultural desse comportamento (WATSON-GEGEO, 1988). Para isso, o etngrafo observa, de maneira sistemtica, intensiva e detalhada, como as pessoas se comportam e como as interaes so socialmente organizadas no contexto quais so as normas sociais, os valores culturais e as expectativas interacionais dos indivduos com os quais o pesquisador desenvolve uma certa relao pessoal.

    Para Spradley (1980, p. 7-8), o etngrafo deve ir alm da observao do comportamento e dos estados emocionais das pessoas, inquirindo sobre o significado daquele comportamento e dos sentimentos de medo, ansiedade, raiva, entre outros, pois acredita que os seres humanos se comportam com relao s coisas com base naquilo que elas significam para elas1. Em outras palavras, o autor procura mostrar que a investigao qualitativa de cunho etnogrfico no se circunscreve apenas viso tica, mas apoia-se, tambm, na mica. O termo mico significa interno (insider) e sugere que a interpretao de um fato ou valor cultural, seja de um indivduo ou de um grupo, tnico ou fenomenolgico, deve levar em conta a verdade como ela entendida pelas pessoas que vivenciam aquela determinada cultura. Essa perspectiva se alia perspectiva tica, externa (outsider) que tende a ser descritiva e que observa as

    1 As citaes escritas originalmente em lngua estrangeira foram traduzidas pelas autoras com o intuito de tornar a leitura mais fluente.

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    estruturas comportamentais do grupo cultural em foco. preciso enfatizar, no entanto, que os termos, tico e mico, servem como metforas para guiar a pesquisa na busca de maior rigor metodolgico, mas no devem ser interpretadas de forma extrema e dicotmica, visto que as identidades pesquisador e/ou participante so cambiantes em decorrncia da insero em redes sociais complexas.

    Nesse sentido, a observao tem um papel fundamental no processo de registro dos dados e, conforme sugere Spradley (1980), pode ser feita por meio de notas de campo condensadas ou expandidas, em forma de dirios ou relatos, que vo fornecer as bases para uma posterior descrio e interpretao do que est acontecendo no contexto. Alm disso, o pesquisador-observador pode utilizar outros instrumentos de pesquisa, por exemplo, entrevistas, questionrios, dirios de participantes, gravaes em vdeo e udio, documentos, relatos dos participantes etc para que possa interpretar o objeto de estudo a partir de ngulos distintos. Dessa maneira, afirmam Cavalcanti & Moita Lopes (1991, p. 139), a assim chamada subjetividade inerente a estes tipos de dados adquire uma natureza intersubjetiva ao se levar em conta vrias subjetividades ou vrias maneiras de olhar para o mesmo objeto de investigao.

    Outra caracterstica da pesquisa etnogrfica a sua natureza exploratria. Diferentemente do paradigma positivista que opera com categorias preestabelecidas para a verificao de hipteses, a pesquisa de base etnogrfica calcada em dados, a partir de um referencial terico que direciona a ateno do pesquisador para certos aspectos das situaes e do contexto que podem servir de evidncias para responder s perguntas de pesquisa levantadas no incio do estudo e desenvolvidas no campo de pesquisa (WATSON-GEGEO, 1988). Todavia, medida que a investigao prossegue, a deciso sobre os aspectos a serem estudados podem ser redefinidos, uma vez que a pesquisa etnogrfica busca, em essncia, examinar a construo da realidade social (CAVALCANTI & MOITA LOPES, 1991, p. 139). Dessa forma, pode-se dizer que a pesquisa etnogrfica pressupe alguns encaminhamentos prvios elaborao de perguntas de pesquisa, levantamento dos potenciais sujeitos, delimitao do espao e do grupo social e seleo dos instrumentos a serem utilizados inicialmente que vo se restringindo a um ponto recorrente em que a pesquisa se concentrar.

    Zarharlick e Green (1991, p. 3) observam que

    a etnografia mais do que um conjunto de mtodos, tcnicas de coleta de dados, procedimentos de anlise ou descrio de narrativas. uma abordagem sistemtica, teoricamente orientada para o estudo da vida diria de um grupo social, e que envolve uma fase de planejamento, uma fase de descoberta e uma terceira fase de apresentao dos resultados.

    Na primeira fase, o pesquisador traa as linhas gerais do estudo e formula algumas perguntas antes de sua entrada no campo de pesquisa; em seguida, delimita o escopo da pesquisa, o grupo social e o mtodo de abordagem. Posteriormente, d incio ao processo de registro dos dados a partir da utilizao dos instrumentos selecionados. Mas, antes de iniciar a atividade prtica, as questes preestabelecidas e os mtodos a serem utilizados so discutidos e negociados com os sujeitos envolvidos para que as aes a serem desenvolvidas durante a pesquisa no sejam impostas de fora para dentro (ANDR, 1995).

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    Durante a fase de descoberta, o pesquisador monitora suas decises e faz os ajustes necessrios ao seu planejamento, conciliando seus objetivos com as circunstncias contextuais. Nessa fase, o pesquisador discute questes pertinentes ao estudo, avalia as opinies dos participantes, reestrutura os objetivos da pesquisa, traa novas diretrizes, delimita os aspectos recorrentes e restringe o objeto de estudo. Da a importncia dessa fase porque, alm de permitir uma maior familiarizao com o contexto, proporciona meios para uma reflexo mais aprofundada de questes que podem, primeira vista, passar despercebidas aos olhos do pesquisador. Na ltima fase, o pesquisador apresenta os resultados de sua anlise e, quando possvel, submete-os apreciao dos participantes com o propsito de reavaliar sua interpretao.

    Wolcott (1992), por sua vez, afirma que o mtodo qualitativo pode ser resumido em trs procedimentos bsicos observar, perguntar e examinar. O primeiro enfatiza, sobretudo, as atividades de observar e ouvir o que est ocorrendo no contexto de pesquisa. o momento de o pesquisador anotar e relatar as experincias vividas pelos sujeitos participantes, bem como as suas impresses sobre as aes dos participantes. O segundo procedimento pressupe uma postura mais intrusiva, isto , o pesquisador faz perguntas, levanta questionamentos e discute as aes dos participantes. O terceiro procedimento diz respeito ao exame do material preparado por outros documentos, registros, arquivos, publicaes etc. Esses procedimentos no so excludentes, mas complementares, uma vez que permitem examinar os dados a partir de diferentes ngulos. Em outras palavras, o mtodo qualitativo pressupe uma abordagem multi-instrumental. Para Wolcott, a etnografia inclui, alm desses trs procedimentos, a interpretao e a elucidao dos registros. Em resumo, a etnografia uma forma disciplinada de olhar, perguntar, registrar, refletir, comparar e descrever (HYMES, 1981, p. 57).

    Erickson (1986) usa outra denominao para a pesquisa qualitativa ou de base etnogrfica pesquisa interpretativa , por consider-la mais inclusiva, alm de evitar a conotao no-quantitativa, uma vez que a quantificao tambm pode ser empregada em determinados tipos de pesquisa qualitativa. Ademais, h o fato de que a interpretao um procedimento-chave nesse tipo de pesquisa. Essa perspectiva leva em considerao no apenas a interpretao que o observador d ao que as pessoas observadas fazem, mas tambm os sentidos que elas atribuem s suas aes, isto , como elas vem a si prprios e aos outros, quais os valores que elas atribuem uns aos outros e quais os papis sociais que esto em jogo no momento em que as aes ocorrem. Mason (1997, p. 36), por exemplo, prefere falar de gerar dados2, ao invs de coletar dados, porque a pesquisa qualitativa rejeita a idia de que o pesquisador pode ser um coletor de informaes completamente neutro sobre o mundo social. Ao contrrio, ele visto como algum que constri ativamente o conhecimento sobre o mundo de acordo com certos princpios e mtodos que derivam de sua postura epistemolgica.

    Ou seja, o pesquisador no encontra os dados sua espera para serem coletados, mas trabalha de forma a ger-los a partir das fontes e instrumentos que escolheu. Isso implica reconhecer que o processo de gerao de dados um processo participativo,

    2 Apesar de Mason (1997) usar a expresso gerar dados, Cavalcanti (comunicao pessoal) prefere falar de registros nessa fase, esclarecendo que os registros s passam a ser dados quando analisados.

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    analtico e interpretativo marcado tanto pela perspectiva ontolgica do pesquisador acerca da realidade social quanto pela sua perspectiva epistemolgica de como a realidade pode ser conhecida. Por isso, Spradley (1980) recomenda que ao selecionar uma situao social, o etngrafo deve procurar aquelas que oferecem melhores oportunidades para participao. Ou seja, o etngrafo no faz meras observaes, mas participa diretamente das observaes para sentir como os acontecimentos ocorrem.

    Outra caracterstica do mtodo etnogrfico a observao intensiva e detalhada durante um longo perodo de tempo. Uma pesquisa etnogrfica sobre o ensino-aprendizagem de segunda lngua, por exemplo, requer uma durao de pelo menos um semestre completo para que o pesquisador possa observar aulas, conduzir entrevistas, participar de outros eventos sociais na comunidade e, se possvel, observar os alunos interagindo fora da sala de aula (WATSON-GEGEO, 1988).

    Spindler e Spindler (1992) afirmam que no h uma regra fixa no que diz respeito permanncia do pesquisador no campo de pesquisa trs, quatro, cinco, dez, doze ou mais meses. Algumas pesquisas requerem maior ou menor tempo, mas o importante que a observao no local dure o suficiente para permitir que o etngrafo veja como as coisas acontecem repetidamente e, no, apenas uma vez. Segundo esses autores, a validade da pesquisa etnogrfica depende, em parte, da recorrncia dos acontecimentos e, por isso, um estudo etnogrfico de longa durao , geralmente, considerado mais confivel do que um de curta durao.

    A pesquisa etnogrfica na sala de aula tambm envolve registrar e analisar o discurso no contexto, ao invs de ater-se a frases isoladas (JOHNSON, 1995). Isso implica uma abordagem holstica (ERICKSON, 1984), isto , os aspectos da cultura e do comportamento dos participantes da interao devem ser explicados em relao ao contexto social como um todo e do qual os eventos de fala fazem parte. Por isso, os recortes de fala devem incluir no somente o trecho em destaque, mas tambm o que foi dito antes e depois, pois as palavras adquirem sentido no contexto cultural em que so produzidas.

    Para Watson-Gegeo (1988), essa uma perspectiva de socializao da linguagem ao invs de aquisio da linguagem , porque pressupe que a linguagem aprendida por meio da interao social, ao mesmo tempo em que considera a linguagem como o principal veculo para a socializao. Assim, durante a aprendizagem de uma L2/LE, os aprendizes no aprendem s a estrutura da lngua, mas tambm as normas culturais e sociais de uso da lngua que so compartilhadas pelos membros da comunidade. Essa perspectiva apropriada para a investigao de questes de linguagem, principalmente de aquisio de segunda lngua, porque ela visualiza a aquisio no apenas como um processo mental individual, mas tambm como um processo que est inserido nos contextos socioculturais em que ela ocorre (Davis, 1995).

    No contexto da sala de aula de L2/LE, a pesquisa etnogrfica ou interpretativa , portanto, uma alternativa para o estudo do processo de ensino-aprendizagem porque ela permite tratar de questes tericas e prticas sobre o que est acontecendo no momento em que a L2/LE est sendo ensinada e aprendida, alm de poder compreender vrios aspectos do contexto institucional da escola, entre eles as presses sociais que os professores e alunos sofrem, as polticas de ensino e uso da(s) lngua(s), os fatores sociais que afetam o planejamento educacional, os discursos concorrentes. Em outras

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    palavras, a pesquisa etnogrfica chama a ateno para a importncia dos fatores socioculturais no processo de ensino-aprendizagem de L2/LE, alm de proporcionar meios para a integrao da teoria e prtica. Watson-Gegeo (1988, p. 588) sugere, inclusive, que os professores aprendam mtodos de pesquisa etnogrfica para que, formal ou informalmente, possam investigar a prpria prtica em sala de aula e, assim, obter uma nova perspectiva sobre a organizao da sala de aula, as estratgias de ensino e aprendizagem e os padres de interao nas suas prprias salas de aula.

    Contudo, Spradley (1980, p. 61-62) previne: quanto mais voc conhece uma situao na condio de participante comum, mais difcil estud-la como etngrafo [...], quanto menos familiarizado voc est com uma situao social, mais capaz voc ser de perceber as regras culturais tcitas em funcionamento(traduo nossa). De forma semelhante, Erickson (1984, p. 62) adverte que preciso estar consciente da [...] singularidade e [d]a natureza arbitrria do comportamento comum e quotidiano que ns, como membros, aceitamos sem questionamentos. Para que possa perceber essa singularidade do contexto com iseno, o pesquisador deve lanar mo de perguntas crticas como ferramentas para desenterrar o bvio, a exemplo das sugeridas por Erickson (1986, p.121) e transcritas a seguir:

    1. O que especificamente est acontecendo aqui?2. O que essas aes significam para as pessoas envolvidas no momento em

    que elas ocorrem?3. Como os acontecimentos so socialmente organizados e quais so os

    princpios culturais que integram o cotidiano das pessoas?4. De que maneira os acontecimentos que ocorrem no local (por exemplo, a

    sala de aula) esto relacionados com outros acontecimentos que acontecem em outros nveis do contexto (por exemplo, a escola como um todo, a famlia, a comunidade externa etc)?

    5. Como os acontecimentos e as aes que ocorrem no local esto relacionados ou podem ser comparados com outros modos de organizao social em outros contextos?

    A busca de respostas para essas questes direciona a ateno para o objeto de estudo de modo a torn-lo mais claro e evidente. Alm disso, auxilia na verticalizao das perguntas de pesquisa e na reflexo sobre as aes que ocorrem no campo de estudo, sobre os pontos de vista dos participantes para que se possa, dessa forma, construir o mosaico de informaes a serem registrados no estudo.

    Para Hymes (1981), o monitoramento etnogrfico essencial para o sucesso da educao bilngue porque pode revelar aspectos importantes do planejamento dos programas (objetivos, estrutura, justificativa, poltica de lnguas etc); dos sentidos que deles emergem (objetivos pessoais, valores e atitudes e expectativas individuais ou de grupos) e do uso das lnguas (o repertrio verbal das crianas em relao ao repertrio verbal da comunidade as variedades lingusticas, as circunstncias, os objetivos e os sentidos dos usos). Para isso, esse autor sugere que o monitoramento etnogrfico seja feito de forma cooperativa, isto , envolvendo representantes da comunidade no processo de observao, informao, orientao e interpretao dos registros para que se possa ter um grau maior de validade, alm de conferir confiabilidade ao processo. Em resumo, o que Hymes (ibid) parece sugerir que a etnografia deve ser entendida como um processo

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    participativo em que o pesquisador no somente observa, indaga, compara e faz inferncias, mas tambm ouve e reflete sobre o que as pessoas participantes tm para dizer.

    Mehan (1981) tambm considera a abordagem etnogrfica adequada para o estudo do processo educacional nas situaes de bilinguismo, uma vez que ela permite investigar a estrutura dos eventos que ocorrem na sala de aula bilngue e descrever o que os alunos e professores fazem e dizem em cada um desses eventos. Alm disso, proporciona uma melhor compreenso acerca da lngua que usada na comunidade em relao quela que usada como meio de instruo na escola. Isso implica compreender como e quando as lnguas so usadas no apenas na escola, mas tambm em casa, nas ruas, nas lojas e em outras situaes de fala dentro e fora da comunidade em algumas situaes as crianas usam a L1, em outras a L2 e em outras ocasies elas misturam ou alternam as duas lnguas. Tambm implica avaliar o desempenho da criana em termos de aceitabilidade comunicativa, isto , das funes que a lngua usada assume em cada situao e, no, em termos de gramaticalidade quais as lnguas ou variedades de lnguas so aceitas como legtimas pela escola e quais so estigmatizadas.

    Na segunda parte deste artigo, conforme mencionado, apresentamos alguns dos principais instrumentos de pesquisa recorrentes na etnografia e na pesquisa qualitativa de modo geral.

    GERANDO DADOS QUALITATIVOS-ETNOGRFICOS: OS INSTRUMEN-TOS DE PESQUISA

    Nesta segunda parte, exploramos os instrumentos de pesquisa utilizados para gerar dados qualitativos-etnogrficos. No nosso intento oferecer um modelo padro para a pesquisa qualitativa, mas mostrar alguns dos diferentes tipos e formatos de instrumentos de pesquisa que podem ser utilizados durante a fase de registro dos dados, at mesmo porque percebemos o formato da investigao qualitativa como uma atividade que requer reflexo crtica e criativa, ao invs de consider-la como um produto pronto e acabado que pode ser copiado e aplicado em quaisquer contextos. Dito de outra forma, queremos enfatizar a importncia de o pesquisador se engajar reflexivamente no processo de elaborao e formatao do seu prprio design de pesquisa, elaborando questes que atendam aos seus objetivos e natureza do seu contexto, recorrendo a instrumentos que sejam adequados sua pesquisa e refletindo criticamente sobre as respostas que resultam de suas perguntas e de suas estratgias de pesquisa.

    Diante da natureza peculiar da pesquisa qualitativa, concordamos com a postura de Mason (1997) que entende o processo de registro dos dados como um processo participativo no qual o pesquisador no apenas coleta dados, mas gera dados a partir das escolhas e dos caminhos que ele prprio seleciona. Isso significa reconhecer o carter interpretativo e analtico desta abordagem metodolgica, pois o pesquisador no simplesmente um coletor de informaes que assume uma postura neutra, passiva, mas, ao contrrio, ele constri ativamente o conhecimento acerca daquele dado

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    contexto, de acordo com certos princpios e usando certos procedimentos que decorrem de sua postura epistemolgica e de suas prprias escolhas.

    Desta feita, descrevemos nas sees seguintes alguns tipos de instrumentos de pesquisa genericamente usados em pesquisas qualitativas-etnogrficas, na expectativa de, assim, traar orientaes gerais que possam servir de referncia para o pesquisador iniciante quando da elaborao de seu design de pesquisa.

    A ENTREVISTA

    O ato de fazer perguntas e conseguir respostas algo bem mais difcil do que aparenta ser primeira vista. A palavra carrega em si ambiguidades e envolve questes que dizem respeito tica, auto-imagem do entrevistado, confiana entre as partes e sensibilidade e sensatez da parte do entrevistador. Conforme afirmam Fontana e Frey (2000, p. 663) a entrevista, no vis qualitativo, considerada um texto negociado entre o entrevistado e o entrevistador. Em outras palavras, um espao interacional configurado pelo contexto scio-histrico e pelos participantes. Por essas e outras razes preciso se preparar anteriormente selecionar entre os vrios tipos de entrevistas aquela mais adequada situao e aos objetivos propostos; refletir previamente sobre as possveis perguntas e, se preferir, anot-las para que possam servir de guia durante a conduo da entrevista, porm sem imposio, sempre deixando espao para que o entrevistado sinta-se vontade para discorrer sobre o tema proposto conforme o seu prprio conhecimento. Alm disso, para que as perguntas e respostas possam fluir Marli e Andr (1986) salientam que preciso estabelecer uma atmosfera amistosa e de confiana entre o entrevistador e o entrevistado, minimizando-se as relaes hierrquicas entre as partes e demonstrando respeito pela cultura e pelos valores dos entrevistados.

    Entre os tipos de entrevista mais recorrentes destacamos inicialmente a entrevista etnogrfica, a estruturada, a semiestruturada, a no-estruturada e suas variaes.

    ENTREVISTA ETNOGRFICA

    A entrevista etnogrfica origina-se na Antropologia, mas tem sido usada amplamente em outras reas do conhecimento. Ela um tipo especial de entrevista que emprega questes que visam interpretar os significados culturais que as pessoas vivenciam ao longo de suas vidas. Spradley (1979) destaca trs caractersticas peculiares a esse evento de fala: primeiro, h objetivos explcitos para a entrevista; segundo, o entrevistado deve ser informado sobre a finalidade da pesquisa e sobre as formas de conduo e gravao; terceiro, as perguntas so explicitadas pelo entrevistador quantas vezes for necessrio, assim como o entrevistado pode incluir informaes e opinies pertinentes.

    Sendo assim, esse autor sugere perguntas do tipo descritivas, estruturais e contrastivas. Uma pergunta descritiva aquela que busca uma descrio detalhada sobre

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    algo: Como voc descreveria em detalhes as atividades desenvolvidas pelos alunos durante a sua aula?. J uma pergunta estrutural aquela que busca desvendar alguma questo j observada na situao social, mas que ainda precisa ser explicitada, por exemplo, voc identificou diferentes tipos de correo na ao da professora durante suas aulas, mas precisa certificar-se se h outros tipos ainda no identificados, quais sentidos eles tm e em que situaes ocorrem. Uma possvel pergunta seria: Que tipo de correo voc mais usa durante as atividades orais? ou Alm da correo do tipo x, y ou z, voc faz algum outro tipo de correo?. Por fim, as perguntas contrastivas so aquelas que procuram verificar a existncia de diferenas ou contraexemplos O que h de diferente nessas maneiras de corrigir os alunos?.

    ENTREVISTAS ESTRUTURADAS

    As entrevistas estruturadas tm um carter formal e seguem uma agenda pr-determinada. O entrevistador elabora previamente uma lista de perguntas com uma escolha de respostas relativamente limitada, faz as mesmas perguntas a todos os participantes sempre na mesma sequncia e controlando o tempo para cada pergunta e resposta em cada entrevista. Seu objetivo colher informao para fins de mensurao das respostas. Portanto, nesse tipo de entrevista, o papel do entrevistador o de manter-se o mais neutro possvel, evitando dar opinies sobre as respostas do entrevistado. A atmosfera da interao deve ser de simpatia, mas tambm de objetividade. Exemplos desse tipo de entrevista so aquelas feitas por telefone, ou aleatoriamente em lojas e shoppings, ou ainda as entrevistas associadas a pesquisas demogrficas survey studies.

    ENTREVISTAS SEMI-ESTRUTURADAS

    A entrevista semi-estruturada conduzida de uma forma mais aberta e menos intrusiva, como se fosse uma conversa ou uma troca de informaes. Seu objetivo compreender o mundo do respondente. Por isso, geralmente orientada por tpicos e questes pertinentes pesquisa ao invs de seguir um rol de perguntas pr-determinadas. A esse respeito Nunan (1997) salienta que o entrevistador ao usar esse tipo de entrevista tem uma ideia geral sobre aonde ele quer que a entrevista chegue e que perguntas ele quer compreender, porm no tem o controle total de seu desenrolar. Desta feita, questes mais gerais ou tpicos so inicialmente introduzidos e ao longo da entrevista os pontos relevantes servem de base para questes mais especficas. Seu objetivo obter insights acerca de questes especficas ainda no levantadas. Da no ser necessrio elaborar uma lista de perguntas pr-determinadas.

    ENTREVISTAS NO-ESTRUTURADAS

    A denominao no-estruturada , de certa forma, imprecisa, porque toda entrevista pressupe algum tipo de estrutura ou organizao prvia, isto , algumas

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    aes j foram planejadas anteriormente pelo entrevistador (os objetivos da pesquisa e da entrevista j devem ter sido delimitados, o formato e a forma de registro definidos, e local onde ser realizada etc). Em outras palavras, quando o pesquisador lana mo da entrevista como instrumento de registro dados preciso que ele tenha clareza sobre como os objetivos se relacionam entre si, e em que medida a entrevista contribuir para desvendar novos significados ou suprir lacunas de informao. Nesse sentido, a denominao no-estruturada refere-se ao fato de que o pesquisador exerce pouco ou nenhum controle sobre o desenrolar da entrevista as respostas so guiadas pelo entrevistado e no pela agenda do pesquisador (mesmo que ele tenha um roteiro para sua orientao prpria), resultando quase sempre em um encaminhamento relativamente imprevisvel. So nesses momentos que surgem novas interpretaes ou questionamentos importantes para anlise de dados no planejados ou pensados anteriormente e que podem suscitar outras indagaes. Contudo, Nunan (1997) adverte que o perigo da entrevista no-estruturada est na disperso da pergunta em meio s digresses na fala do entrevistado. Assim, perde-se o foco da entrevista, porm outros focos podem surgir. A entrevista etnogrfica um tipo de entrevista no-estruturada.

    Outros tipos de entrevista no-estruturada aqui abordados so o relato oral e as histrias de vida.

    RELATO ORAL E HISTRIAS DE VIDA

    O relato oral considerado um tipo de entrevista no-estruturada que visa a resgatar as histrias de vida, memrias, explicaes ou mudanas de comportamento das pessoas ao longo de suas vidas. Segundo Queiroz (1988, p. 19) tudo que se narra oralmente histria, seja a histria de algum, seja a histria de um grupo, seja uma histria real ou mtica. Nesse sentido, as histrias de vida so um tipo de relato pessoal em que o narrador tenta reconstituir os acontecimentos que vivenciou e transmitir a experincia que adquiriu. Nas palavras de Poirier, Clapier-Valladon e Raybaut (1999, p.152-153), as histrias de vida so um tipo particular de documento pessoal, que leva em conta o aspecto subjetivo do social e, por isso, so ideais para caracterizar indivduos e comunidades, bem como suas atitudes e expectativas.

    Em razo de seu carter subjetivo, autores como Poirier, Clapier-Valladon e Raybaut (1999) ressaltam que as pesquisas que recorrem a essa tcnica como metodologia para gerar dados devem lanar mo de outros instrumentos, visto que as histrias de vida mostram apenas um aspecto parcial da realidade. Os autores recomendam ainda que as entrevistas sejam feitas de modo livre, como nos casos das entrevistas semiestruturadas ou no-estruturadas. Para isso, o entrevistador deve se colocar na posio de mediador entre as percepes do entrevistado e as suas prprias. No entanto, quando necessrio, o entrevistador deve intervir para estabelecer uma cronologia dos fatos ou redirecionar o foco.

    ENTREVISTAS EM GRUPO (FOCUS GROUP)

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    A entrevista em grupo, como o nome sugere, uma forma de pesquisa qualitativa realizada com vrias pessoas simultaneamente com o intuito de identificar percepes, crenas, opinies e atitudes em relao a um produto, conceito, servio etc As pesquisas de mercado so exemplos de entrevistas em grupo. As perguntas podem ser feitas de maneira formal/estruturada ou informal/no-estruturada, dependendo do que se est investigando e dos objetivos do estudo. O papel do entrevistador o de conduzir a entrevista e a maneira como isso ocorre tambm depende do objetivo da pesquisa. Por essa razo, as entrevistas em grupo podem ter formatos variados, desde sesses de brainstorming (tempestade de idias) aplicao de entrevistas estruturadas. No primeiro caso, o papel do entrevistador o de condutor informal da entrevista. No segundo, o seu papel de condutor objetivo e impessoal.

    ENTREVISTA-DIRIO (DIARY-INTERVIEW)

    O relato da rotina diria do entrevistado constitui-se em um instrumento bastante recorrente na pesquisa etnogrfica. A idia bsica levar o informante a esquematizar as aes e os acontecimentos que ocorrem no seu cotidiano, incluindo tanto os dias tpicos quanto os especiais. Com base nessas informaes, so feitas perguntas informais com o propsito de enriquecer os relatos ou aprofundar alguma questo de interesse para a interpretao dos dados. Agar (1980) menciona uma verso dessa tcnica denominada entrevista-dirio (diary-interview) em que o pesquisador primeiramente desenvolve, em conjunto com o entrevistado, um roteiro ou formato para a elaborao do dirio, que ser livremente desenvolvido pelo informante durante algum tempo de sua vida cotidiana. Posteriormente, quando o dirio retorna para o pesquisador, entrevistas informais so feitas para explicitar ou expandir tpicos ou questes de interesse da pesquisa que aparecem nos relatos feitos nos dirios.

    REDES SERIADAS (NETWORK SERIALS)

    Outro tipo de entrevista no-estruturada aquela que se baseia em redes sociais de informantes, denominada redes seriadas (network serials). Nesse caso, o interesse do pesquisador obter informaes sobre os laos sociais dos participantes da pesquisa com quais pessoas eles se relacionam, em que locais eles transitam e em que tipos de atividades eles se envolvem durante suas rotinas dirias. A partir desses trs focos, o pesquisador conduz entrevistas informais com os participantes durante algum tempo com o propsito de colher novas informaes acerca do funcionamento das redes sociais em que os participantes se envolvem ou de complementar informaes j registradas.

    ENTREVISTAS COM USO DE VIDEOTEIPE

    O uso de documentao visual por meio de gravaes em vdeo tem se tornado cada vez mais comum na pesquisa etnogrfica. No caso da entrevista, as gravaes so usadas como uma espcie de base ou roteiro para a conduo da entrevista. Os eventos

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    registrados so apresentados aos participantes, isoladamente ou em grupos, e suas interpretaes sobre suas aes ocorridas no momento da gravao so solicitadas. No caso especfico da sala de aula, o uso dessa tcnica, tambm denominada stimulated recall (NUNAN, 1997), tem a vantagem de poder revelar aspectos do processo de ensino e aprendizagem que dificilmente poderiam ser obtidos de outra forma, uma vez que o pesquisador tem a oportunidade de questionar o professor e os alunos sobre suas decises, aes e emoes no momento exato em que os participantes estavam ensinando e aprendendo ou, at mesmo, acerca de outras fases do processo por exemplo, planejamento e follow up das aulas.

    Faz-se necessrio ressaltar que o uso dessa tcnica requer cuidados especiais. Um deles diz respeito forma de gravao. Erickson e Shultz (1998, p. 226) sugerem que as gravaes sejam feitas continuamente, com o menor movimento de cmera possvel, [de preferncia fixa em um ponto estratgico da sala], mantendo todos os participantes da ocasio dentro do campo de viso da cmera. Tambm podem ser utilizadas duas cmeras com focos distintos, um mvel e outro fixo. O primeiro procura focalizar a interao proeminente num dado momento, enquanto o segundo proporciona uma viso mais panormica e abrangente do ambiente como um todo. Nesse caso, o auxlio de um profissional da rea bem-vindo, pois d mais liberdade ao pesquisador para que ele faa sua observao e suas anotaes durante a gravao dos eventos.

    Outro cuidado ao usar essa tcnica de ordem tica. Como os participantes tero, de certa forma, suas identidades reveladas, necessrio obter a autorizao, por escrito, de todos os participantes ou dos responsveis, quando se trata de crianas ou adolescentes. Paiva (2005) faz alguns questionamentos sobre a questo da tica em pesquisa o professor ou a direo da escola tem o direito de autorizar a observao de seus alunos ou a utilizao de seus dados sem que eles ou seus pais tenham consentido? chamando a ateno para questes como privacidade e confidencialidade (proteo aos indivduos ou s pessoas cujos pontos de vista ou vozes possam ser identificados), segurana (consequncias da ao intrusiva do pesquisador), integridade da pesquisa (equidade com todos os interessados a pesquisa deve beneficiar todas as partes envolvidas), entre outras.

    H, certamente, muitos outros tipos de entrevistas informais. Um determinado tpico ou evento pode ser discutido e explorado durante uma entrevista informal e oportuna entre pesquisador e pesquisado, sem que necessariamente se recorra a procedimentos mais sofisticados ou previamente planejados. O bom senso e a sensibilidade do pesquisador podem transformar um simples bate-papo em registros valiosos para futura interpretao. Ou, ainda, com base nas peculiaridades do contexto e dos participantes, o pesquisador pode criar a sua prpria tcnica, combinando aquelas j existentes ou inovando outras.

    ANOTAES DE CAMPO

    O uso de notas de campo uma prtica tradicional nos estudos etnogrficos, visto que a observao o instrumento privilegiado dessa metodologia. As anotaes de campo incluem descries da situao e do ambiente em que ocorre a pesquisa como

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    tambm anotaes do que dito pelos participantes do estudo. Spradley (1980, p. 68) sugere que as anotaes sejam feitas por meio de descries densas. Por exemplo, ao fazer a observao de uma sala de aula, em vez de escrever, H uma grande algazarra na sala agora, escreva, O Aluno A est conversando em voz alta com o Aluno C enquanto os Alunos F e G esto de costas para a sala, olhando pela janela, apontando e rindo e assim por diante. Esse tipo de descrio oferece uma descrio mais prxima do que se passa no ambiente. Por outro lado, o uso de uma descrio geral e no concreta dos atos dos participantes impede uma anlise mais acurada dos mesmos, j que a generalizao uma anlise antecipada. No exemplo acima, ao usar a palavra algazarra o pesquisador j d sua anlise das aes dos alunos e, portanto, ser impedido de levantar os padres culturais que norteiam os atos dos alunos.

    Spradley (1980, p. 67) tambm recomenda que se anotem as palavras exatas dos participantes, isto , na forma verbatim ao invs de fazer parfrases. Por exemplo, em vez de escrever, Aluno B disse que estava cansado, escreva Aluno B: Gente, tou morta. No tou aguentando. preciso lembrar que as anlises e categorias de um estudo etnogrfico so construdas a partir das palavras dos participantes. Sem as palavras exatas dos participantes, no se pode construir uma interpretao vlida, pois tudo fica no mbito das impresses do pesquisador sobre o que dito pelo participante. Dessa forma, o que se ter uma anlise das impresses do pesquisador e no uma anlise dos significados culturais dos participantes.

    Spradley (1980, p. 69) sugere quatro tipos de anotaes de campo: (i) verso condensada (condensed account) ou telegrfica, feita durante a observao no campo de pesquisa, geralmente contendo oraes incompletas, palavras soltas e frases desconexas devido necessidade de anotarem-se rapidamente as informaes sobre as cenas em curso; (ii) verso expandida (the expanded account), feita posteriormente primeira, fora do campo de pesquisa e de preferncia no mesmo dia, com o objetivo de expandir as anotaes da verso condensada, de forma mais complexa e detalhada; (iii) dirio (fieldwork journal), de natureza introspectiva em que se anotam os medos, reaes e sentimentos em relao ao trabalho de pesquisa; o dirio deve ser datado claramente, para que, ao ser lido no futuro, seja possvel vincul-lo s anotaes resultantes da observao; (iv) jornal terico (analysis and interpretation notes) em que se anotam interpretaes, anlises de significados culturais e possveis generalizaes. O jornal o elo entre as anotaes resultantes da observao e o relato final, em que os resultados so apresentados. O objetivo desse jornal terico acompanhar o ritmo do trabalho medida que o pesquisador levanta questes e busca respostas para as aes e fatos que acontecem durante as observaes e entrevistas (ibid, p. 69-72).

    Conforme j se afirmou, as anotaes de campo so tradicionalmente o instrumento bsico de uma pesquisa etnogrfica, que se associam a outros instrumentos como as observaes e as entrevistas para dar maior confiabilidade e segurana s interpretaes e anlises do pesquisador. Em sntese, constituem-se em anotaes feitas pelo etngrafo acerca das observaes de campo, das conversaes, interpretaes e sugestes que ocorrem no campo de pesquisa e que podero ser usadas no futuro para complementar informaes oriundas de outras fontes.

    Agar (1980) adverte que, apesar de as anotaes de campo ser uma tcnica muito usada nos estudos de base antropolgica, preciso ter conscincia de que ela

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    tambm apresenta alguns pontos vulnerveis. Por exemplo, considerando-se que no momento do registro das notas o pesquisador ainda no sabe o que significante nas aes que ele est observando, pode ser que ele no saiba exatamente o que registrar e, na nsia de registrar tudo exaustivamente, pode perder acontecimentos mais importantes para o foco da pesquisa. Alm disso, pode ser que em alguns momentos no seja vivel tomar notas ao mesmo tempo em que as aes esto acontecendo, seja porque a situao no permite, seja porque o pesquisador corre o risco de perder o desenrolar das aes ou o foco de um determinado tpico. Nesse caso, pode-se fazer o registro posteriormente, de preferncia, ao final da observao, mas, ainda assim, corre-se o risco de a memria de longa durao falhar e produzir resultados distorcidos ou estereotipados.

    Dessa forma, primeira vista, as anotaes de campo podem parecer mais um problema do que um recurso. Contudo, ao apontar tais problemas, Agar (1980) intenciona ressaltar a impossibilidade de se capturar e registrar tudo o que ocorre no campo de pesquisa. Por isso, sugere que se estabeleam focos especficos de observao, geralmente centrados em tpicos de interesse, para que possam ser ampliados, revisitados e reavaliados em momentos posteriores entrevistas, perguntas informais, observaes posteriores, questionamentos sobre pontos que necessitam ser esclarecidos etc. Por exemplo, em uma pesquisa de sala de aula de lngua estrangeira pode-se direcionar o foco para a maneira como a L1 e a LE so usadas pela professora e pelos alunos. A partir desse foco, outros subfocos vo se estabelecendo no decorrer das observaes/entrevistas, e assim as anotaes so refinadas. Desta forma, tem-se a oportunidade de ir, pouco a pouco, verticalizando tpicos recorrentes e restringindo cada vez mais o foco da pesquisa.

    DIRIO PESSOAL

    O dirio pessoal outro instrumento usado pelo etngrafo no campo de pesquisa para registrar suas reaes acerca do contexto de pesquisa, dos participantes e suas aes e dos fatos e acontecimentos. Em geral, so registradas as impresses do pesquisador de como a pesquisa est se desenvolvendo, seus sentimentos em relao ao seu envolvimento (ou no-envolvimento) nas aes que ocorrem no campo de pesquisa. Como coloca Spradley (1980), o dirio (fieldwork journal) de natureza introspectiva e tem o propsito de registrar os medos, os sentimentos, as reaes e interpretaes do pesquisador em relao ao prprio trabalho.

    Os dirios ou registros de experincias (logs e journals) so usados com frequncia como instrumentos introspectivos para o registro de dados nas pesquisas sobre aquisio de segunda lngua, interao professor-aluno, ensino reflexivo, entre outras pesquisas educacionais. Eles podem ser elaborados tanto pelos professores quanto pelos alunos ou outros integrantes do processo ensino-aprendizagem e assumem, geralmente, o formato de relato de experincias vividas dentro ou fora da escola e que guardam alguma relao com o processo de ensino e aprendizagem. Os dirios proporcionam aos alunos a oportunidade de refletir sobre o prprio processo de aprendizagem suas dificuldades, ansiedades, objetivos e metas a serem alcanadas etc. enquanto que aos professores d a oportunidade de refletir sobre suas prticas

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    pedaggicas, sobre o progresso e as dificuldades de seus alunos e, sobretudo, sobre o que fazer para implementar sua prtica e otimizar a aprendizagem de seus alunos.

    Quando os dirios so usados como uma forma de estabelecer um dilogo entre o professor e o aluno (por meio de comentrios e perguntas), eles so denominados dirios dialogados (dialogue journals) (RICHARDS, PLATT E PLATT, 1997). Recentemente, nas pesquisas sobre aquisio de segunda lngua, em especial aquisio de lngua escrita, tem sido usada uma variao do dirio dialogado, que o dirio online, elaborado a partir dos diversos meios interacionais disponveis na web e-mail (correio eletrnico), chat (bate-papo), Facebook, Orkut, Twitter etc. Nessa modalidade de dirios, os alunos enviam aos professores mensagens eletrnicas, semanalmente, relatando o que fizeram durante a semana, expondo suas dificuldades, avaliando seu progresso e apontando pontos positivos e negativos do curso e da metodologia. Os dirios parecem motivar os alunos a interagir mais com o professor. Eles introduzem tpicos e falam no s sobre sua experincia na disciplina, mas tambm trocam idias, fazem crticas e do sugestes ao programa; falam de sua vida pessoal, de seus sentimentos e usam o computador para manter uma relao mais pessoal com o professor (PAIVA, 2004).

    Como se pode ver, a criatividade no tem limites e ao pesquisador resguardado o direito de utilizar, adaptar ou criar instrumentos de pesquisa que sejam no s adequados, mas tambm viveis para utilizao no contexto de pesquisa. Gerar dados qualitativos requer o uso adequado de instrumentos que iro proporcionar o material necessrio para uma boa anlise, por exemplo, da estrutura social local, da viso de mundo dos participantes, dos valores e tabus presentes na comunidade investigada e muitos outros tpicos que precisam ser compreendidos pelo pesquisador. Da a importncia de se desenvolver um formato ou design de pesquisa condizente com as particularidades da investigao.

    OS QUESTIONRIOS

    O questionrio , talvez, o instrumento mais usado para levantar dados sobre o perfil dos participantes idade, sexo, profisso, escolaridade etc como tambm para investigar o conhecimento, os hbitos, os interesses, as opinies, as experincias de vida, entre outras particularidades dos participantes da pesquisa. De modo geral, as perguntas podem ser de dois tipos: abertas ou fechadas.

    Em uma pergunta aberta, o pesquisador deixa a resposta a critrio do participante; cabe a ele decidir o que e como responder. Nessa modalidade de perguntas, pode haver diferentes graus de abertura em termos do contedo da resposta. Por exemplo, uma pergunta aberta pode perguntar:

    1) Qual sua idade? __________

    As respostas podero ser variadas, mas todas se referiro ao fator idade. Nesse caso a pergunta aberta, porm dentro de um grupo restrito de opes. H, tambm, perguntas abertas em que as respostas no so necessariamente parte de um grupo

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    restrito de opes como, por exemplo, perguntas que pedem opinies ou relatos de experincias:

    2) Por que voc decidiu fazer o curso de Letras?

    Embora se possa ter uma recorrncia nas razes apontadas, as respostas sero variadas na medida em que dizem respeito subjetividade dos participantes.

    As perguntas fechadas, por sua vez, restringem as opes de respostas, visto que so oferecidas no prprio questionrio. Por exemplo:

    3) H quantos anos voc estuda ingls?a. 0 a 3 anosb. 4 a 6 anosc. 7 a 10 anosd. Mais do que 10 anos

    Outra opo combinar as duas modalidades em uma s pergunta ou questionrio. Pode-se, assim, ter um questionrio que apresenta uma pergunta fechada com abertura para uma resposta justificada:

    4) Por quantas horas semanais voc estuda ingls?a. 0-1 horab. 2-3 horasc. 4-5 horasd. mais que 5 horasExplique sua resposta: ______________________________

    Ou ainda um questionrio que apresenta uma parte com perguntas fechadas e outra com perguntas abertas, conforme se pode ver a seguir:

    Quadro 1 Modelo de questionrio

    Date: Age: Place of birth: Nationality/ies: Mothers nationality: Fathers nationality:

    Dear respondent: This is a research on linguistic aspects of bilingualism. I would very much appreciate your cooperation. Please answer the questions below. You do not need to sign your name. Thanks a lot!

    I. LANGUAGE CHOICE1. When you talk to your mother, father, sister/brother, friends, teachers, principal what language do you use?

    Evaluation1. only English Mother2. almost all English Father3. mostly English Sister/brother4. both equally (English and Portuguese) Friends5. mostly Portuguese Teachers6. almost all Portuguese Principal7. only Portuguese

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    II. LANGUAGE ATTITUDES2. How important is it for you to be able to speak English/Portuguese well?

    Evaluation English Portuguese1. not important2. of little importance3. somewhat important4. important5. very important

    3. Which language do you like to use more? English? Or Portuguese? ______________________________________________________________________________4. Do you think one language is more important than the other? If so, which one? English? Or Portuguese? Why?_______________________________________________________________________________5. Do you mix English and Portuguese? When? Why? Do you think mixing English and Portuguese is a good or bad thing? Why?________________________________________________________________________________

    []

    Fonte: MELLO (2002, p. 317, Adaptado)

    Os questionrios tambm podem ser usados conjuntamente com outros instrumentos de pesquisa, tais como as anotaes de campo, as gravaes, as entrevistas, a anlise documental, entre outros. A vantagem do questionrio a possibilidade de coletar informaes diversas em um nico momento da pesquisa. Quando respondidos anonimamente, h tambm a vantagem de dar aos informantes maior confiana para se expressarem livremente e sem constrangimentos. Por outro lado, a desvantagem do questionrio reside na dificuldade de elaborarem-se questes claras, fceis de responder e sem induo das respostas. Por essa razo, o questionrio deve ser cuidadosamente preparado e pilotado antes de ser aplicado. Assim, h a possibilidade de sanar as dificuldades antes de ser aplicado aos participantes da pesquisa.

    Vale ressaltar, ainda, que a elaborao das perguntas do questionrio requer ateno especial para que estas no incluam quaisquer pistas que possam levar o respondente a uma determinada resposta, em alguns casos, quela esperada pelo pesquisador. Por isso, importante que o pesquisador no revele ou deixe transparecer suas atitudes valores, preconceitos, preferncias etc em relao ao tema ou questo abordada para no afetar as respostas dadas. Outra preocupao deve ser com a objetividade, validade e clareza na elaborao das perguntas para no confundir o respondente ou induzir respostas ambguas.

    Uma vez elaborado, pilotado e aplicado o questionrio, o pesquisador depara-se com a questo da interpretao dos dados. Como agrupar e tabular as informaes obtidas? As respostas resultantes das perguntas fechadas so mais facilmente agrupadas ou quantificadas, enquanto as respostas provenientes de perguntas abertas podem requerer um agrupamento por temas ou categorias recorrentes. Apesar de mais difceis de serem quantificadas e interpretadas, respostas dessa natureza podem relevar insights elucidativos.

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    PALAVRAS FINAIS

    Por uma questo de espao, encerramos aqui nossa discusso sobre os instrumentos de pesquisa utilizados com maior frequncia no registro de dados qualitativos. certo que no cobrimos todas as possveis variaes que esses instrumentos abarcam como tambm no esgotamos as discusses acerca de cada um deles. Ao contrrio, abordamos apenas algumas questes e procedimentos-chave necessrios para instrumentalizar o pesquisador iniciante quando de sua entrada no campo de pesquisa. Ao apresentarmos tais instrumentos, tivemos a inteno de oferecer aos alunos-pesquisadores orientaes preliminares para a entrada no campo de pesquisa. Contudo, esperamos que os passos iniciais aqui delineados indiquem um caminho seguro entre os vrios que se apresentam ao/ nosso/a aluno/a ao longo de sua caminhada acadmica.

    REFERNCIAS

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    PRIMEIRAS PALAVRASGERANDO DADOS QUALITATIVOS-ETNOGRFICOS: OS INSTRUMEN-TOS DE PESQUISAA ENTREVISTA

    ENTREVISTAS ESTRUTURADASENTREVISTAS NO-ESTRUTURADASRELATO ORAL E HISTRIAS DE VIDA

    ENTREVISTAS EM GRUPO (FOCUS GROUP)ANOTAES DE CAMPOOS QUESTIONRIOS