Comunicação e etnografia

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Desafios epistêmicos e configurações teórico-metodológicas da etnografia virtual no campo da comunicação Pauli Tomazetti Tainan & Alisson Machado Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) E-mail: [email protected] / [email protected] Resumo O artigo está constituído de maneira a compor uma aproximação aos conheci- mentos que englobam a prática etno- gráfica, principalmente na perspectiva das pesquisas no campo da comunica- ção. Para tanto, discorremos em um pri- meiro momento a respeito de alguns as- pectos teóricos constitutivos do trabalho de campo e da observação participante. Após, traçamos algumas considerações sobre a etnografia virtual no estudo das práticas e interações na internet, demons- trando algumas de suas especificidades. Ao final, nos dedicamos a uma reflexão dos aspectos conjunturais da interface en- tre comunicação e etnografia, na tenta- tiva de realizar um breve diagnóstico das apropriações tanto metodológicas quanto epistêmicas das abordagens etnográficas no campo da comunicação. Na tenta- tiva de colaborar com o avanço das refle- xões sobre as figurações metodológicas dessa natureza, na área, tensionamos al- guns aspectos considerados importantes a respeito de uma prática etnográfica atenta às especificidades dos processos comuni- cacionais, apropriada à reflexão interpre- tativa dos contextos de partilhas e entre- cruzamentos entre comunicação, cultura e tecnologia. Palavras-chave: etnografia, etnografia virtual, trabalho de campo, metodologia de pesquisa, pesquisa em comunicação. Estudos em Comunicação nº 18, 133-158 Maio de 2015

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iiiiiiiiDesaos epistmicos e conguraesterico-metodolgicas da etnograa virtual no campo dacomunicaoPauli Tomazetti Tainan & Alisson MachadoUniversidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)Universidade Federal de Santa Maria (UFSM)E-mail: [email protected] / machado.alim@gmail.comResumoOartigoestconstitudodemaneiraacomporumaaproximaoaosconheci-mentos que englobama prtica etno-grca, principalmente na perspectivadas pesquisas nocampodacomunica-o. Para tanto, discorremos em um pri-meiro momento a respeito de alguns as-pectos tericos constitutivos do trabalhodecampoedaobservaoparticipante.Aps, traamos algumas consideraessobreaetnograavirtualnoestudodasprticas e interaes na internet, demons-trandoalgumasdesuasespecicidades.Ao nal,nos dedicamos a uma reexodos aspectos conjunturais da interface en-trecomunicaoeetnograa, natenta-tiva de realizar um breve diagnstico dasapropriaes tanto metodolgicas quantoepistmicas das abordagens etnogrcasnocampodacomunicao. Natenta-tiva de colaborar com o avano das ree-xessobreasguraesmetodolgicasdessa natureza, na rea, tensionamos al-guns aspectos considerados importantes arespeito de uma prtica etnogrca atentas especicidades dos processos comuni-cacionais, apropriada reexo interpre-tativa dos contextos de partilhas e entre-cruzamentos entre comunicao, culturae tecnologia.Palavras-chave: etnograa, etnograa virtual, trabalho de campo, metodologia depesquisa, pesquisa em comunicao.Estudos em Comunicao n 18, 133-158 Maio de 2015iiiiiiii134 Pauli Tomazetti Tainan & Alisson MachadoAbstractThearticleisconstitutedsoastocom-pose an approach to knowledge that com-prisetheethnographicpractice, especi-ally with the prospect of research in thecommunication eld. Therefore,at rstwediscusaboutsomeconstituenttheo-retical aspectsofeldworkandpartici-pantobservation. After, wedrawsomeconsiderations about virtual ethnographyin the study of practices and interactionson the Internet, showing some of its spe-cicities. Attheend, wearededicatedto a reection of the conjunctural aspectsof the interface between communicationand ethnography,in an attempt to makeabriefdiagnosisofappropriationsbothmethodologicalandepistemicofethno-graphicapproachesintheeldofcom-munication. In order to collaborate withthe advance of reections on the metho-dological gurations of this nature in thearea, we discuss some aspects consideredimportant about an ethnographic practiceattentivetothespecicitiesofcommu-nication processes, appropriate to reec-tionof the interpretative contexts sha-res and intersections between communi-cation, culture and technology.Key-words: ethnography, virtual ethnography, eld work, research methodology,communication research.Introduo: reexes etnogrcas entre campos cient-cosASdiscusses que trazemos neste artigo ocupam-se a uma das questesmais pertinentes no campo interdisciplinar dos estudos em comunica-o na atualidade: as reexes sobre o carter etnogrco de nossas pesqui-sas. Mais especicamente, dedicamo-nos, aqui, a discorrer sobre como aspesquisas de campo digitais, virtuais e tecno-informacionais de modo geral vm sendo metodologicamente discutidas na rea da comunicao a partirdo desenvolvimento de etnograas.Assim, preciso que tracemos, primeiro, breves incurses sobre o terrenocientco que congura a etnograa no campo antropolgico, para posterior-mente,lidarmos com a sistematizao de pesquisas concretas do campo dacomunicao que se estruturam pelo vis metodolgico do fazer etnogrcono universo digital. Assumimos, dessa forma, a retomada de um olhar entreiiiiiiiiDesaos epistmicos e conguraes terico-metodolgicas da etnograa virtual no campoda comunicao 135campos cientcos, de modo a propor alguns questionamentos que, aos nos-sos olhos, fruticam o desenvolvimento reexivo do processo de pesquisa.Cabe-nos comear esta reexo com um amplo questionamento, basilar, po-rm, bastante pertinente: o que vem a ser a etnograa e como ela sustenta aconcretude metodolgica de uma pesquisa no campo da comunicao?Geertz(2012, p.04)nosdissecertavezqueaetnograaumaprticaepistmica que est para alm do desenvolvimento de simples tcnicas me-todolgicas em campo, para ele: praticar etnograa estabelecer relaes,selecionar informantes, transcrever textos, manter um dirio (...) mas no soessas coisas, as tcnicas, e os procedimentos determinados, que denem oempreendimento. Geertz continua sua frase dizendo que o que dene pro-priamente a prtica etnogrca recai no espectro e no esforo intelectual dadescrio densa. Compreendemos, assim, nas denies do autor, que o atoetnogrco a incessante ao de interpretar, desvelar e tambm relatar aquiloque se observa: fazer a etnograa como tentar ler um manuscrito estranho,desbotado, cheio de elipses, incoerncias, emendas, suspeitas e comentriostendenciosos (Geertz, 2012, p.07).No tocante desta conduta hermenutica, o prestgio das reexes constru-das a partir das pesquisas etnogrcas durante todo o sculo XX, at os diasde hoje, contriburam para a elaborao de posicionamentos tericos e para adeagrao de diferentes tendncias cienticas no campo das cincias sociaise humanas (funcionalistas, estruturalistas, culturalistas) que vieram a contri-buir para o tensionamento crtico e interpretativo dos sistemas socioculturaisno contexto cotidiano de sociedades e/ou grupos sociais dos mais diversos.Visando o contato privilegiado entre sujeitos de pesquisa e investigadores, asreexes etnogrcas manifestaram-se da inteno de olhar para o Outro epara suas interaes micro ou macrossociais junto ao entendimento das maisdistintas relaes sociais em seus sistemas de ao, sejam eles, entre outros,ritualsticos, parentais, de socializao, polticos ou simblicos.Provocados, sobretudo, pela problematizao dos aspectos metodolgicosdesenvolvidos na relao entre teoria e prtica etnogrca junto ao campo dacomunicao, buscamos traar uma reexo, ainda que panormica, sobre aprtica etnogrca em ambientes virtuais. Pretendemos, dessa forma, fomen-tar o debate acerca do desenvolvimento de pesquisas de cunho etnogrco nocontexto das mdias digitais e da comunicao por internet.iiiiiiii136 Pauli Tomazetti Tainan & Alisson MachadoCaminhos ao trabalho de campo:olhares sobre a pr-tica etnogrcaConforme pontua Damatta (1987), durante o incio sculo XX, a antropo-logia, ao se distanciar das anlises evolucionistas, passou a eleger o trabalhode campo como modo caracterstico de coleta de dados para suas anlises ereexes, fazendo da prtica de imergir, observar e escrever sobre culturas oexerccio fundante da etnograa. Isso ocorre especialmente a partir das ex-perincias de pesquisa realizadas por Franz Boas e Bronislaw Malinowski1,autores que desempenharam investigaes centradas na coleta de dados emp-ricos de outras culturas, suas interpretaes e categorizaes tericas.Este deslocamento metodolgico ocasionou certa ruptura ou, como des-taca Laplantine (2012), uma revoluo que pe m s hierarquias fundantesda pr-histria da cincia antropolgica, quando o observador, aquele viajantesubalterno, trazia as informaes, e o pesquisador, aquele com o invlucro daerudio, as analisavam, aclaravam e especulavam. Com um novo olhar para aprtica, os antroplogos passam a ser aqueles que saem de seus gabinetes paracompartilhar dos que devem ser considerados no mais como informadoresa serem questionados, e sim como antries que o recebem e mestres que oensinam (Laplantine, 2012, p. 76).Tendo em vista o empoderamento do olhar emprico sobre o desenvolvi-mento do campo da antropologia como o conhecemos hoje, possvel traaruma corrente denio: a etnograa o pilar que sustenta a antropologia, ouseja, a empiria seus fatos, contextos e olhares asseguram ao fazer antro-polgico o papel de produzir interpretaes descritivas com valor cientcosobre realidades observveis.O cerne do trabalho de campo, assim, consiste em um processo nico devivncia propriamente antropolgica (Damatta, 1987), de interao e reci-1. Boas e Malinowski so os pesquisadores mais importantes no que concerne elabora-o da etnograa e da etnologia contempornea. Franz Boas foi um antroplogo americanodeorigemalemquesededicouaestudar, sobretudo, osesquimsdaAmricadoNorte.Paraalm doexerccio demestre daAntropologia Culturale professorde muitosantrop-logos americanos, foi tambm conservador do museu de Nova York. Bronislaw Malinowskifoi um pesquisador da chamada antropologia Social Britnica, dentre suas principais obras esto livro Os argonautas do Pacco Ocidental, sendo um dos primeiros antroplogos a buscara imerso total no ambiente cultural que se pretendia investigar.iiiiiiiiDesaos epistmicos e conguraes terico-metodolgicas da etnograa virtual no campoda comunicao 137procidade entre a reexividade do sujeito cognoscente e a reexividade dossujeitos/objetos de investigao, pretendendo sobrepor os limites reducionis-tas da cultura ou sociedade observada atravs do convvio prolongado. Con-forme Laplantine, a etnograa como conhecemos nos dias de hoje s passa aexistir historicamente a partir do momento no qual se percebe que o pesqui-sador deve ele mesmo efetuar no campo sua prpria pesquisa (Laplantine,2012, p. 75, grifo do autor).Assim, a etnograa enquanto prtica interpretativa dotada de algumastcnicas peculiares ao tratamento emprico dos dados e informaes observ-veis. Etnografar, segundo discorre Oliveira (2006), consiste na soma dos atosde olhar, ouvir e escrever. A compilao destes trs atos cognitivos, comoassim denominados pelo autor, evocam um saber que compreende a prpriaelaborao do conhecimento nas disciplinas sociais e humanas. Olhar, ou-vir e escrever so, assim, etapas de um processo puramente relacional como universo de pesquisa a ser explorado. Resumidamente, o olhar, refere-seao primeiro contato com o campo de pesquisa; aos tramites e negociaesda observao propriamente dita. A partir disso, o ouvir relaciona-se com asegunda etapa em campo, quando a observao evoca a participao com ouniverso a ser pesquisado e a guinada de um dilogo e de uma interlocuoentre pesquisador e campo.No tocante destas primeiras duas etapas, o ato etnogrco est situadono contexto de coleta de dados e informaes pertinentes ao processo inves-tigativo. No entanto, a partir do terceiro ato cognitivo, o escrever, que seassegura a construo de uma etnograa. O ato de escrever , pois, a con-gurao do resultado crtico e reexivo da investigao. Oliveira esclareceque a importncia do ato de escrever tamanha porque ele simultneo aoato de pensar, ou seja, no processo de redao de um texto que nosso pen-samento caminha, encontrando solues que dicilmente aparecero antes datextualizao dos dados provenientes da observao (Oliveira, 2006, p. 32).Experimentar o campo de formas diversas e ajustadas observao par-ticipante, caracterstica peculiar etnograa, incita-nos a perceber que a ex-perincia de ouvir, sentir, e se relacionar com o campo de pesquisa, apesardo rgido esforo cientco, no se dene a partir de desenhos metodolgicosinexveis. Pelo contrrio: as tentativas abordadas, os erros cometidos nocampo, constituem informaes que o pesquisador deve levar em conta, bemcomo o encontro que surge frequentemente com o imprevisto, o evento queiiiiiiii138 Pauli Tomazetti Tainan & Alisson Machadoocorre quando no espervamos. (Laplantine, 2012, p. 151). Para Geertz,o empenho cientco que constitui a etnograa faz-se atravs da perspectivade estar situado em campo. Empreender, assim, uma insero no campo depesquisa no necessariamente compreende a simetria entre pesquisador e in-formante. Nesse sentido, importante reconhecer que este processo de situa-o estar de toda forma a merc das prticas daqueles que o conectam com ocampo, os seus interlocutores ou informantes de pesquisa.Noatodaobservaoparticipante, ocampoetnogrcoassinalacomofatorconstituinteaperspectivadaalteridadeedarelaodiretaentrepes-quisador e sujeito de pesquisa. Tradicionalmente o objetivo da observaoparticipante o de experienciar as situaes efetivamente vividas das socie-dades estudadas a partir de uma tcnica, ou de um contexto comportamental,que assume a presena e a percepo direta do pesquisador como fatores quegarantem a conabilidade dos dados coletados e apreenso dos signicadosque englobam essa prtica.Essas percepes, no entanto, no partem monoliticamente do ponto devista do pesquisador, mas tambm, e talvez mais alm do simples apelo desuas falas e descries, pelo olhar e compreenso do Outro, dos sujeitos in-vestigados. Desse modo, preciso evidenciar que a etnograa est localizadaem uma perspectiva segundo a qual a intermediao do conhecimento pro-duzido realizada pelo prprio nativo em relao direta com o investigador(Damatta, 1987, p. 150). Sendo assim, a nfase no olhar dos interlocutorespara a compreenso das relaes do grupo estudado com o universo que ocerca o norte da maioria das pesquisas etnogrcas.Nessa perspectiva, o fazer etnogrco consiste empriorizar a total imersodo pesquisador em campo; este deve despir-se de quaisquer prejulgamentos eformas de interpretao arbitrrias lgica do sensvel aos sentidos e apro-priao de informaes, j orientado por esquemas conceituais que formam omodo de perceber a realidade estudada. Acrescentamos ainda que, em meioa essa percepo, preciso fazer-se e desfazer-se como um membro do emp-rico investigado, sendo necessrio, quando delegvel, conuir s experinciasde aproximao e afastamento com aquilo que se confronta em campo.Segundo Riotis (2010 p.18), uma das maneiras mais ecazes de reetir oestranhamento e detectar os problemas e as especicidades de um trabalho decampo a construo de um dirio campo. Para o autor, ele torna-se a insg-nia do fazer etnogrco, e, por esta razo, deve ser utilizado para um objetivoiiiiiiiiDesaos epistmicos e conguraes terico-metodolgicas da etnograa virtual no campoda comunicao 139muito especco por trs de uma etnograa: a reexo sobre a escrita. A ur-gncia da elaborao e escritura de um dirio de campo possui uma espcie deincumbncia catrtica; funo de anlise e reexo de todas as observaes ecategorizaes que alcanam a nossa mente, junto aplicabilidade de releiturae abstrao interpretativa do que foi observado.O dirio de campo mais do que um conjunto de notas escritascotidianamenteapartirdaobservaodiretaeparticipante. Areal importncia do dirio de campo reside exatamente no vaivmentre notas e campo, a reexo sistemtica entre a experinciaparcial e a busca por recorrncias signicativas (Riotis, 2010, p.21).O relato de campo oriundo da experincia registrada em um dirio marcaa iniciao ao mtier e prova a objetividade da pesquisa (Riotis, 2010, p.19).As anotaes cotidianas do dirio conformam o relato da experincia vividaem e no universo emprico, eles so minuciosos e remetem a reexo sobreas diculdades, s recorrncias e sistematizaes entre o campo e seus dados.Indo mais afundo, pensando em conjunto com as reexes da antropologiainterpretativa, o dirio de campo inscreve-se como o exerccio da alteridadematerializado na experincia primeira de anotar e escrever o campo.A partir dessas reexes, possvel notar que o trabalho de campo umdos alicerces do fazer etnogrco. Estabelecer relaes com o universo em-prico, assim, acentua para a prtica um modus operandi minucioso e proces-sual, e ao mesmo tempo, impulsiona sua inerente exibilidade. As etapas ouprocessos por de trs da realizao de uma etnograa representaram e repre-sentam, no contexto acadmico, um profcuo debate de carter metodolgicoe epistmico em diversas disciplinas sociais. Com adaptaes no campo dasociologia, vide Escola de Chicago, da histria, da comunicao entre diver-sos outros, notvel que a etnograa tambm congurada pela experinciae pela experimentao em outros campos. Nesse sentido, recorre-se nova-mente a Damatta (1987) quando diz que o trabalho de campo, via etnograa,nutre-se e recongura-se a partir de seus prprios paradoxos e, em vista disso,contribui para reexo de grande parte do fazer cientco nas cincias sociaise humanas, como possvel observar atravs do importante debate fruticadoa partir das pesquisas etnogrcas realizadas nos contextos de comunicaopela internet.iiiiiiii140 Pauli Tomazetti Tainan & Alisson MachadoAinternetcomocampo: aetnograavirtualnouni-verso das interaes onlineA internet, desde muito tempo, vem se estruturando como um ambientedeforteinteraoculturaleespaodeconguraodecomunidadessoci-ais, estabelecendo-secomoummeiodecomunicaopluraleexvelquereclama problematizaes a partir de seus usos e lgicas de apropriao emrede. Considerando que foi no campo da comunicao em que surgiram asprimeirasabordagensdepesquisasnosambientesvirtuais, empreendeu-se,em um primeiro momento, a profunda discusso da internet como um meiode comunicao, no mesmo sentido utilizado nos demais estudos sobre mdia televiso, rdio e meios impressos. Isto, conforme discorre Mximo (2010),possibilitou a emergncia de diferentes abordagens metodolgicas e o empre-endimento de estudos etnogrcos congurados a partir de questionamentossobre como ocorriam e o que signicavam as interaes online.De acordo com Fragoso, Recuero e Amaral (2012), tornou-se importantereconhecer o uso exponencial da internet e suas incorporaes no cotidianodos indivduos. Assim, a incurso da etnograa para investigar o universo on-line congurou-se enquanto um olhar que considera a proeminncia do camposociotcnico na constituio de variadas interaes e possibilidades aos pro-cessos socioculturais, processos estes, que requeriam assistncias reexivas,na medida em que reconguravam e traziam tona novos contextos s rela-es sociais.Dos esforos de pesquisas centradas nessas denies, a etnograa pas-sou a ser discutida enquanto mtodo apropriado para os estudos de culturas ecomunidades virtuais em ascendncia nos espaos de interao online. (Fra-goso; Recuero; Amaral, 2012). Comeando a se expandir na metade da d-cada de 1990, estes estudos estavam incialmente centrados na constituio deum campo de pesquisa e na defesa de aspectos metodolgicos, ora centra-dos em abordagens ressignicadas, ora sustentados atravs da etnograa aosmoldes tradicionais. Como consequncia, abriu-se um caminho para empe-nho reexivo da prtica etnogrca em diferentes reas do conhecimento, sobdesenhos metodolgicos variados, em mltiplos campos de pesquisa e abor-dagens de recolhimento e interpretao de dados.iiiiiiiiDesaos epistmicos e conguraes terico-metodolgicas da etnograa virtual no campoda comunicao 141Entre os principais estudos que deniram as abordagens deste campo po-demos destacar as publicaes de Miller e Slater (2000; 2004), Hine (2004) eKozinetz (1998) no mbito internacional. No Brasil, os estudos do Grupoci-ber no campo da antropologia, constitudos a partir dos trabalhos de Riotis(2002); Mximo(2002)eGuimares(2000), enocampodacomunicaoos estudos de S (2001); Rocha e Montardo (2005); Recuero (2009); Braga(2006) e Amaral (2008) so alguns dos trabalhos que evocam a reexo tantometodolgica quando situacional da prtica etnogrca nos espaos virtuais.Como aspecto profcuo para o campo, esses estudos apresentam abordagensdistintas que emergem, geralmente, de aspectos localizados na nfase concei-tual e emprica da prtica etnogrca.Foi a partir das publicaes de Etnograa Virtual de Christine Hine (2000)e Netnography:Doing Ethnography research online de Kozinetz (1998) quese passou a empreender a distino de termos para adjetivao metodolgicanos estudos de interao online. A partir da, as investigaes com aborda-gens etnogrcas na internet passaram a se chamar de netnograas, etnogra-as virtuais, webnograas, etnograas digitais, e assim por diante (Fragoso;Recuero; Amaral, 2012), sendo as duas primeiras denominaes as mais dis-seminadas nos contornos acadmicos.Decorrente de distintas perspectivas, as designaes terminolgicas con-formamodebatesobreadistinodaexperinciaetnogrcanosespaosvirtuais. Considerando essas distines, importante ressaltar a crtica pers-pectiva metodolgica da netnograa (Kozinets, 1998) por sugerir certa sim-plicao de rumo tcnico em apriorstica denio de carter instrumentalda prtica etnogrca (Mximo, 2012). Para Mximo (2012, p.303), Kozi-netz considera a netnograa como uma adaptao de mtodo antropolgicocom nfase para o trabalho de campo e para observao participante. Nessesentido, o autor revela vantagens da netnograa no que se refere aos da-dos produzidos durante as pesquisas. Desse modo, a abordagem do autorsugere facilidades experincia de observao e coleta de dados em decor-rncia ao uso estratgico da prtica etnogrca enquanto simples ferramentametodolgica.Entendido, ao mesmo tempo, enquanto lugar de prticas culturais e arte-fato cultural, para Hine (2004), um objeto de estudo como a internet desaaa produo de uma teoria reexiva sobre aspectos centrados nos estudos et-nogrcos. Assim, atravs destas duas dimenses, os usos das tecnologiasiiiiiiii142 Pauli Tomazetti Tainan & Alisson Machadovirtuais podem ser pensados contextualmente no entorno dos nexos culturaisde sua apropriao. A interatividade e as mltiplas conexes asseguradas pelapresena de grupos sociais na internet deliberam oportunidade de produzirpesquisas etnogrcas na medida em que nos mostram alto grau de exibili-dade interpretativa (Hine, 2004, p.81).ParaHine, assim, aetnograavirtualacentuaapercepodecomoastecnologiasdacomunicaoreelaboramoureestruturamosmaisdistintoscontextos em que interatuam sujeitos em suas culturas. Nessa perspectiva,a etnograa virtual vislumbra explorar a compreenso das possibilidades dainternet e as implicaes de seus usos (Hine, 2000, p. 17). De acordo comMximo (2012, p.300), a concepo de Hine permite sustentar que a comple-xidade dos fenmenos socioculturais assegurados na internet no devem serreduzidas transposio metodolgica, mas sim, a importncia de se colo-car em foco os pressupostos que esto na base da etnograa juntamente comaspectos relativos s tecnologias que se tornam centrais e constitutivos dessescontextos que estamos estudando.Quando Hine discorre sobre pensar contextualmente as prticas sociaisatravs do status da internet como um lugar de ensejo cultural, a autora abrebrechas ao dilogo sobre a reexo das continuidades, atravessamentos e dis-paridades do online e do ofine nas prticas dos sujeitos. Doravante bastantecriticada, a persistncia na distino entre os domnios on e off nas investi-gaes da internet prescrevem certa recluso das mltiplas possibilidades as-sentidas pela lgica das apropriaes dos espaos comunicacionais em nossassociedades.Miller e Slater (2000; 2004) oferecem caminhos bastante crticos para adesconstruo desta dualidade. Para os autores, uma abordagem etnogrcanainternetdeveriaincluirseguramentepesquisasonlineeofine(Miller;Slater, 2004, p.43). Considerando essa perspectiva, eles observam a internetcomo caracterstica constitutiva das sociedades complexas, e, por assim ser, asoposies entre online e ofine destoam relevncia contextual da etnograa:o problema a falta de ateno s formas em que o objeto e ocontexto precisam ser denidos em relao um ao outro para pro-jetos etnogrcos especcos. s vezes, o uso da Internet parececonstituir virtualidades, s vezes no. Certamente, no entanto, asdiferenas observadas sobre esse assunto iro ou deveriam mudariiiiiiiiDesaos epistmicos e conguraes terico-metodolgicas da etnograa virtual no campoda comunicao 143as formas como um(a) pesquisador(a) reete sobre a complexarelao entre pesquisa on-line e off-line, ao invs de incit-lo(a) acomear de uma posio presumida e dogmtica sobre esse tema(Miller; Slater, 2004, p.47).Mais recentemente Miller (2012) vem a acentuar a esta perspectiva umaimportanteressalva. Segundooautor, nodevemosnosorientarpelaar-mao doutrinria de que uma pesquisa conduzida completamente no espaoonline no possa congurar uma etnograa adequada. Ao contrrio, o fazeretnogrco no pode ser denido por distines, ele deve, no entanto, rela-cionar contextos observveis, e isto no signica a existncia impretervel deatravessamentos e continuidades em todas as expresses relacionveis entre oonline e o ofine.Pensandoessasrelaes, interessantesublinharnovamenteanecessi-dade de uma abordagem contextual, pois a partir dela que as consideraesrelativas ao processo de interao adquirem signicado dialgico em seu pr-prio registro. Parece-nos caro, assim, o que sugerem Leito e Gomes (2011,p.28), de que os limites e as relaes entre o on e o off no podem ser apri-orsticos, mas denidos pelo prprio campo. Dessa maneira, a relevnciada distino, ou no, entre online e ofine e seus possveis atravessamentosdevem ser acionados a partir dos prprios interlocutores da pesquisa, pois:estudar um mundo virtual em seus prprios termos implica reconhecer queas denies e teorias nativas sobre a distino on e off so muito mais rele-vantes do que nossas denies tericas prvias entrada em campo.Cabe-nos ressaltar que os usos e apropriaes da internet, apesar de re-presentaremumcontextoderelaessociaismediadasportecnologia, pormuitas vezes no se esgotam na funo da tecnologia em virtualidade. De-legvel dessa preocupao, tomamos enquanto notvel a problematizao daadjetivao de uma etnograa como virtual pela importncia cada vez maiscrescente da internet como parte indissocivel no contexto contemporneo srelaes sociais.Hine (2008), por exemplo, j declara a relevncia de uma etnograa quebusque revelar interpretaes diversas dos usos das tecnologias pelos cam-pos em que interatuam seus interlocutores. Para autora,pesquisas recentesna internet vm apontando a relevncia de atravessamentos e descontinuida-iiiiiiii144 Pauli Tomazetti Tainan & Alisson Machadodes entre o online e o ofine e julga-se, assim, questionvel at que pontopoderamos ainda demarcar uma etnograa como sendo virtual, ou no.Na mesma perspectiva, Mximo sublinha a relevncia situacional dos con-textos comunicativos nas experincias de pesquisa na internet no delimita-das a um unvoco ou dualista processo informacional, mas como referente atransversalidades ou circularidades especcas pois, conforme a autora, nointerior da experincia etnogrca que se pode alcanar e compreender a es-pecicidade dos campos de pesquisa, sejam eles online, off-line, ou ainda,resultantes dos entrelaamentos entre ambos os domnios. Dessa forma, amultiplicidade de termos criados para se especicar as etnograas realizadasonline perdem sua fora e seu sentido (Mximo, 2010, p.310).No ensejo de percorrer, atravs da etnograa, os ambientes onde acon-tecem as sociabilidades dos interlocutores (Guimares Jr, 2010), preciso,ainda,considerar,conforme Riotis (2010,p.22),os diferentes modelos desocializao de nossos interlocutores, enquanto um conjunto complexo deanidades, interesses, prticas e discursos, processos transmutveis que in-tegram experincias mltiplas em diferentes lugares de interao.Assim, parece-nos interessante a denio de Guimares Jr (2010, p. 50)sobre os ambientes de sociabilidade na internet e a exibilidade dos contextosnos quais eles acontecem. Conforme o autor, quando chamamos de ambi-entes os lugares das prticas socioculturais e comunicativas, ou seja, as tec-nologias utilizadas para sua criao os ambientes de sociabilidade online no apenas nos referimos a contextos sociais, mas sim aos processos que en-gendram a criao e os usos dos prprios contextos. Dessa forma, a relaoentre tecnologia e cultura, torna-se uda e dinmica nas pesquisas da inter-net, onde os usurios utilizam, adaptam, ressignicam e transformam tanto astecnologias, quanto as prticas em que nela realizam.Etnografando no campo da comunicao: tcnica, m-todo ou abordagem epistmica?Desterritorializar o campo da comunicao, atravs de uma abordagemda comunicao desde a cultura, apresenta-se como uma das formas pensadaspor Jess Martin-Barbero (2004) para romper com o pensamento instrumentalque tem dominado a maioria de suas pesquisas. Para o autor, junto heranaiiiiiiiiDesaos epistmicos e conguraes terico-metodolgicas da etnograa virtual no campoda comunicao 145da autolegitimao do otimismo tecnolgico irreetido, associado ao conceitodeinformao, vemosdespontaracomplexidadeelegitimidadeintelectualdesse campo de estudos, na urgncia de pensar a comunicao como um lugarestratgico na interface entre sociedade e cultura.A transdisciplinaridade do campo de estudos da comunicao, para Mar-tn-Barbero, no signicou a dissoluo de seus objetos de estudos no campodas demais disciplinas sociais, mas sim a construo de articulaes que fa-zem a sua especicidade ao analisar os processos comunicacionais como ma-triz de desorganizao, reorganizao e interpretao das experincias sociais.Com o desenvolvimento do campo e a renncia da perspectiva polarizada en-tre emissores e receptores, cada vez mais as pesquisas apontam para objetos eprocessos comunicacionais complexos, descentralizados, hbridos e tempor-rios. Nesse sentido, conforme Travancas (2014), a necessidade de reetirmossobre nossas sociedades complexas e o lugar de destaque dos meios de co-municao possibilitaram aos pesquisadores aproximaes com pesquisas decunhoetnogrcoque, antesrarasnaatualidadedocampo, consolidam-seeaprimoram-seabrindoespaoparadiferentesquestionamentos, reetindotanto as prticas comunicacionais em seus mais variados contextos e suportes,quanto as formas de produo do prprio conhecimento comunicacional deabordagem etnogrca.Tendoemvistaestasconsideraes, nossofocorecaiaquinatentativade problematizar e reetir como a etnograa vem sendo metodologicamentediscutida no contexto brasileiro a partir do desenvolvimento de pesquisas nombito da comunicao pela internet. Nosso olhar sob as conguraes es-paciais e tecnolgicas da comunicao online, se deve principalmente ao fatode que no campo da comunicao h uma expoente reexo no que diz res-peito s interaes mediadas pelos sistemas informacionais, suas formas deexpresso e modalidades sociotcnicas.Isto se torna observvel junto expanso deste campo de estudos j noiniciodosanos2000, quandonoBrasiliniciam-seasprimeiraspesquisas.Hoje, com o avano de Grupos de Trabalho em eventos importantes da reacomo o GT de Comunicao e Cibercultura, da Associao Nacional dos Pro-gramas de Ps-Graduao em Comunicao Comps, e a Diviso Temticade Cibercultura, da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Co-municao Intercom, alm da consolidao da Associao Brasileira de Pes-quisadores em Cibercultura ABCiber. A impulso e visibilidade dos estudosiiiiiiii146 Pauli Tomazetti Tainan & Alisson Machadoem comunicao pela internet vem se fortalecendo e construindo um impor-tante diagnstico sobre as diversas abordagens terico-metodolgicas dianteda interseco entre tecnologia, cultura e sociedade.Com vistas a um olhar ainda panormico, discutimos aqui alguns exem-plos de pesquisas produzidas na primeira dcada dos anos 2000 e que vemservindo de referncia rea para reetir sobre as conguraes metodol-gicas. Dentre os principais pesquisadores podemos citar Simone Pereira deS (2001) que, ao estudar as listas de discusso online a respeito do carnavalcarioca, empenha-se em desvelar a etnograa como mtodo privilegiado paracompreender os usos especcos e concretos da comunicao pela internet. Aautora introduz uma reexo bastante frtil ao campo, ao esmiuar e incorpo-rar o desenvolvimento etnogrco em sua pesquisa. Denominando a prticasob a adjetivao de netnograa, S confere ao processo etnogrco em am-bientes virtuais a necessidade de transposio metodolgica das etnograasclssicas, adaptando-as aos termos de uma pesquisa no ciberespao.Assim como S (2001), Rocha e Montardo (2005), Recuero (2009); Braga(2006), Amaral (2008) e Amaral; Natal e Viana (2008) apresentam a etnogra-a como uma questo de carter metodolgico e aplicvel. Por vezes deno-minada de tcnica, perspectiva ou abordagem, a etnograa nos espaosvirtuais evidenciada enquanto uma ferramenta estratgica de percepo me-todolgica que tende aproporcionar o acesso dos pesquisadores da rea s caracteriza-es especcas da contemporaneidade, sobretudo a virtualidade,a desmaterializao e a digitalizao de contedos, formas, rela-cionamentos, produtos [...] (Rocha; Montardo, 2005, p.04).Nessas pesquisas, as apropriaes das tcnicas etnogrcas como, a ob-servao participante,dirio de campo e entrevistas tornam-se funcionais eadaptveisaoscontextoseobjetividadesdecadarecorte. Istoconjuga, decerta forma, o prprio modo de encarar o conhecimento etnogrco atravsda confuso terminolgica entre, o que etnograa virtual (Hine, 2000), deum lado, e o que netnograa (Kozinets, 1998), de outro, termos que possuemolhares dspares no prprio campo antropolgico e que, portanto, devem serproblematizados em nossas pesquisas.Com esta confuso, o olhar reexivo e dinamizador da etnograa toma orisco de ser deixado de lado, na medida em que se passa a pens-la enquantoiiiiiiiiDesaos epistmicos e conguraes terico-metodolgicas da etnograa virtual no campoda comunicao 147simples tcnica, mtodo ou instrumento de pesquisa, exaurindo suas virtu-des conceituais. A vivncia etnogrca, da mesma forma, ca inerte a serdescaracterizada junto a sua simplicao decorrente de algumas possibilida-des de ao e interao permitidas pelo universo online. Fragoso, Recuero eAmaral (2012) pontuam essa prtica, por exemplo, a partir da conguraode dois cenrios que compreendem a insero dos pesquisadores em campo:lurkers ou insiders, sendo o primeiro deles a alternativa de uma entrada si-lenciosa em campo, sem identicao, e o segundo, ao contrrio, aquele queleva para campo suas prticas e olhares individuais. Quanto a isso, nos cabeuma breve reexo: o que congura a etnograa, seno aquilo que antrop-logos denominam de experincia etnogrca? No tocante dessas alternativas,o fazer etnogrco tende, no mnimo, a ser reduzido na dimenso da experi-ncia, algo que lhe prprio e congurador. Para Mximo, esta designaobifurcada tende aremeter a uma espcie de objetivao da experincia etnogr-ca, transformando em ferramentas de pesquisa aquilo que prprio da vivncia de cada pesquisador. Tomando por base osentendimentos cannicos acerca da representao etnogrca, di-ramos que realizar uma observao mais silenciosa ou mais par-ticipante no implica em escolhas que o pesquisador deve fazer apriori, mas depende das relaes e das negociaes estabelecidasem campo e, portanto, so processos construdos no mbito decada experincia de pesquisa particular (Mximo, 2012, 306).Entende-se, no entanto, a necessidade da incorporao de uma perspectivamultimetodolgica em pesquisas de campo com especicidades comunicaci-onais. ComoapontaAmaral(2010, p.129): acombinaomultimtodosrefora e desvela o carter epistmico da etnograa e est presente em estu-dos que priorizam objetos distintos da cibercultura. Contudo, necessitamosnocampodacomunicao, deolharesvigilantessobreasprticasterico-epistemolgicas de outras disciplinas sociais, que j possuem maior domnioe maturidade terico-etnogrca, de modo a encontrar nitidez metodolgica,fomentadora da crtica conceitual de nossas prprias abordagens.O empenho etnogrco, que no campo da antropologia culminou na suaconstante autoreexividade aponta, para alm dos processos de investigao,seu prprio devir. Conforme Mariza Peirano (2014), no campo da teoria an-iiiiiiii148 Pauli Tomazetti Tainan & Alisson Machadotropolgica, renunciada a oposio entre teoria e empiria, as monograas le-gadas pela histria da antropologia possibilitaram a reexo de suas prpriasheranas e fontes tericas, recongurando, sempre no presente histrico dadisciplina, indagaes originais e outras novas a serem considerados. A etno-graa, para a autora, representa a novidade do conhecimento etnogrco namedida em queaprendemos, daquele momento em diante, que o mtodo etno-grco implica a recusa a uma orientao denida previamente.O renamento da disciplina, ento, no acontece em um espaovirtual, abstrato e fechado. Ao contrrio, a prpria teoria se apri-mora pelo constante confronto com dados novos, com as novasexperincias de campo, resultando em uma invarivel bricolagemintelectual (Peirano, 2014, p. 381).As pesquisas e monograas etnogrcas no so resultados da aplicaode simples mtodos etnogrcos, mas sim, formulaes terico-etnogr-cas que atravessam todo o processo de pesquisa. Conforme Peirano (2014),todo o antroplogo reinventa constantemente a antropologia. Cada pesquisa-dor contribui para repensar a disciplina, porque a necessidade de olhar paratrs e conceber novas formas de pesquisa acaba por fomentar a reexo de seuprprio devir. No campo de estudos da comunicao, essa vivacidade da abor-dagem epistmica da etnograa tambm pode ser encarada como possuidorada mesma fora motriz, tanto no tangente ao percurso j realizado, quantoem relao aos novos objetos de pesquisa que instauram-se principalmente nainterface entre indivduo, cultura e tecnologia.Esta congurao norteadora da prtica etnogrca s tende a fruticar areexo, tanto das tendncias de pesquisa qualitativa quanto das abordagensepistmicas, no campo da comunicao. Nesse sentido, para alm do olharproblematizador para a congurao da etnograa enquanto simples mtodo, preciso que voltemos s bases de sua prtica: etnografar escrever, e escre-ver sobre cultura. Dessa forma, como aponta Geertz (2012), a etnograa nose completa no trabalho de campo (observao participante, dirio de campo eentrevistas), todo o processo de empenho etnogrco deve culminar na descri-o densa e interpretativa, ou seja, no ato da escrita. Assim, preciso tambmlevar em considerao que a relevncia sistmica e reexiva do trabalho deiiiiiiiiDesaos epistmicos e conguraes terico-metodolgicas da etnograa virtual no campoda comunicao 149campo poro integrante, mas no conguradora da prtica etnogrca apartir do entendimento de que o texto o lugar de excelncia da pesquisa.Geertz (2012), que contribui satisfatoriamente na constituio deste pen-samento, nos diz que o etngrafo inscreve-se no discurso social e, assim, oanota, transformando um acontecimento existente em seu tempo em um re-lato transponvel h outros tempos. Para ele, o etngrafo aquele que escreve.Avaliando as anlises clssicas, Geertz converte a interpretao antropolgicasob uma perspectiva cultural particular, ou como ele mesmo denomina mi-croscpica, sobre a gide do nativo.O autor, assim, recai explicitamente notexto etnogrco apresentando seus limites e particularidades.Considerando que a eccia do texto etnogrco tem relao com a com-patibilizao entre campo e escrita, entre oestarl e oestaraqui, Geertz(2002) avalia que:a capacidade dos antroplogos de nos fazer levar a srio o quedizem tem menos a ver com a aparncia factual, ou com um arde elegncia conceitual, do que com sua capacidade de nos con-vencerdequeoqueelesdizemresultadehaveremrealmentepenetrado numa outra forma de vida, de realmente haverem deuma forma ou de outra estado l. E a, ao nos convencer de queesse milagre dos bastidores ocorreu que entra a escrita (p. 15).A escrita congura-se enquanto um lugar de importncia etnogrca namedida em que entrar notexto seja to complexo quanto entrar na culturaestudada (Geertz, 2002). A noo da autoria textual desmisticada com aargumentao de que a divulgao dos textos saturados e a dos textos esva-ziados de autor (Geertz, 2002, p.21), so o exemplo do confronto da ambi-guidade metodolgica na descrio etnogrca entre ver as coisas como sedeseja que elas sejam e v-las como elas realmente so.A diculdade deste exerccio est congurada em um contexto de vera-cidade cientca atravessada por dispendiosa experincia pessoal e subjetivaamplamente emprica. Assim, a literatura etnogrca esteve sempre amparadapelo convencimento de que no apenas os etngrafos estiveram l (no campo)mas ainda de que se houvssemos estado l, teramos visto o que viram, sen-tido o que sentiram e concludo o que concluram (Geertz, 2002, p.29). Oestar presente no texto, nesse sentido, inerente prtica da observao.iiiiiiii150 Pauli Tomazetti Tainan & Alisson MachadoComo Geertz, outros autores vieram a discutir sobre o processo que con-gura a escrita etnogrca.Os chamados antroplogos ps-modernos, assimo zeram exaustivamente diante da compreenso de que o texto vem a de-nir as bases epistmicas da etnograa. Produzida principalmente nos EstadosUnidos, a crtica ps-moderna da antropologia tem relao principal com oquestionamentodotextoetnogrcoclssico, considerandoopapeldeau-toria discursiva e textual da escrita, e desvelando uma perspectiva crtica darelaoentreomododeinterlocuoculturalassentadopelasmonograasetnogrcas, tanto clssicas quanto contemporneas.Com inuncia da antropologia interpretativa, autores como James Clif-ford, George Marcus e Paul Rabinow se inscrevem no hall de antroplogosque tomam enquanto objeto de reexo a interpretao do texto. A colet-nea de artigos Written Culture (1986), organizada por Clifford e Marcus ummarco das preocupaes advindas dos processos textuais para a antropologiacontempornea. A escrita, assim, toma lugar de conhecimento.Para James Clifford (2008,p.21),a etnograa est do comeo ao m,imersa na escrita. Esta escrita inclui, no mnimo, uma traduo da experinciapara a forma textual. Ao indagar a autoria do campo sobre a composio dodiscurso etnogrco, Clifford faz a ressalva de que a escrita etnogrca deveprocurar meios de imprimir adequadamente a autoridade do informante dianteda complexa relao como etngrafo. Priorizar o dialogismo no signica so-mente dispor o dilogo no texto, sustenta o autor. Assim, trazer a interpretaodescritiva do terreno da experincia de observao para a escrita encena o res-gate e a inscrio da relao estabelecida no processo investigativo:O que se v num relato etnogrco coerente, a construo gu-rada do outro, est conectado em uma dupla estrutura continua,com a qual se entende. [...] A narrativa etnogrca de diferenasespecicas pressupe e sempre se refere a um plano abstrato desimilaridade (Clifford, 2008, p.67-68).De acordo com Teresa Caldeira (1988), a crtica ps-moderna, ao questi-onar a autoridade dos textos etnogrcos pretende realizar o parecer sobre apresena ambgua do autor nos textos, na medida em que ele precisa mostrar-se para garantir a vivncia do campo e esconder-se para assegurar a objetivi-dade cientca da investigao. Assim, no juzo de ambas, presena assdua einsucincia de presena, os ps-modernos iro acentuar que o deslocamentoiiiiiiiiDesaos epistmicos e conguraes terico-metodolgicas da etnograa virtual no campoda comunicao 151do texto diz respeito ao prprio conhecimento antropolgico, no qual se pro-duz de um lado, em um processo de comunicao, marcado por relaes dedesigualdade e poder, e, de outro, em relao a um campo de foras que deneos tipos de enunciados que podem ser aceitos como verdadeiros (Caldeira,1988, p.135).As ideias dessas reexes referem-se ao texto etnogrco como tributrioda representao de muitas vozes em negociaes dialgicas. Assim, o quedefendem antroplogos como, Clifford, por exemplo, a reexo do modusoperandi da escrita sobre culturas, a m de que se incorpore o pensamento ea conscincia sobre seus procedimentos. Conforme escreve Teresa Caldeira(1988, p.141), a etnograa partir dessa constatao crtica no deve ser umainterpretao sobre, mas uma negociao com um dilogo, a expresso dastrocas entre uma multiplicidade de vozes (...). A proposta , ento, escreveretnograas tendo como modelo o dilogo ou, melhor ainda, a polifonia. Istono signica, no entanto, apenas a transcrio plena de dilogos do campo,mas uma gurao textual que, mais do transcrever falas, d voz e paridadeautoral entre pesquisador e campo (Clifford, 2008).Talvez uma das realidades de pesquisa mais polmicas e menos discutidasquando se produzem etnograas online, ou no, em outros campos que no oda antropologia, seja a dimenso da presena do autor na descrio e interpre-tao da realidade observada. perceptvel, junto s pesquisas citadas, quea denio da reexividade dos textos seja encarada enquanto perifrica narea da comunicao, em detrimento do vigor emprico e dos procedimentosdo trabalho de campo. Pouco se expressa a respeito do carter dialgico eat mesmo polifnico das interrelaes estabelecidas entre o campo e o pes-quisador. Na maioria das vezes, as reexes se dissolvem pela tica de umadescrio impassvel e de um afastamento neutralizador e neutralizante dasprticas, interaes e daquilo que vivido (e sentido) no campo, na tentativade endossar a objetividade do discurso cientco.Empreendendo uma til relao a respeito da escrita etnogrca relacio-nada aos atos cognitivos inscritos na prtica do olhar, do ouvir e do escrever(Oliveira, 2006), pode-se armar que eles esto interligados ao que reete Ge-ertz sobre a dialgica entre o estar l (olhar e ouvir) e estar aqui (escrever).Nesse sentido, escrever torna-se o ato de textualizao do processo recorrenteao estar, ver e ouvir no campo para o plano discursivo. Retornando a Oliveira,omomentodaescritatorna-seamaneiradereuniraexcelnciadaprticaiiiiiiii152 Pauli Tomazetti Tainan & Alisson Machadoinvestigativa e permitir, ao mesmo tempo, a comunicao cientca entre pa-res acadmicos e comunidade interessada, marcado pela interpretao do e notexto etnogrco.Assim, nos parece caro armar que, tambm nas pesquisas em comunica-o, textualizar as prticas socioculturais segue sendo um tarefa complexa namedida em deva corresponder a uma inscrio no contorno tico, constituinteda relao com o campo, e disciplinar, funo acadmica do empreendimentocientco. Torna-se claro que reetir o processo da escrita faz com que os sen-tidos referidos interpretao e descrio do campo, daquilo que pretende-seconhecer e investigar, sejam eminentemente constitudos por reexividades,tanto tericas, quanto empricas atravs das especicidades e orientaes epis-tmicas do campo.A discusso sobre a presena ou a falta de presena do autor no texto,dessa forma, deve ser incorporada como exerccio constitutivo da experinciaetnogrca em quaisquer disciplinas sociais. Parafraseando Oliveira (2006), necessrio que haja o reconhecimento da pluralidade de vozes que compem asituao etnogrca, vozes estas, que no devem ser caladas pelas impessoali-dades ou intimidades exageradas, que devem, no entanto, serem distinguidas,ouvidas e interpretadas no texto.Assimsendo, tilquefaamosnossasprpriasindagaesdiantedecomplexidadesterico-metodolgicascomoestas: aescritadenossostex-tos, enquanto pesquisas na rea da comunicao envolvem um exerccio com-plexo de reexo autoral? Quem o ns que escreve o texto? E o queele diz sobre relao entre campos disciplinares comunicao, antropolo-gia, sociologia, histria, etc.? Essas reexes tomam propores dobradas, namedida em que torna-se frutfero incorporar o encontro etnogrco na prticatextual de nossas investigaes mas, tambm, algo que nos parece bastantepertinente, torna-se labirntico realizar o deslocamento categrico do campono qual nos situamos, disciplina social intersubjetiva assentada no caminho decertas objetividades cientcas. O que pretendemos dizer que algo relevantes disciplinas sociais e humanas, como a discusso sobre a escrita cientca,j presente h tempos em reexes sobre a construo do saber antropol-gico, segue ainda deveras escasso, para no dizer inexistente, no campo dacomunicao.Assim, o estilo do texto produzido em nossas investigaes vem ao encon-tro da prtica interdisciplinar que realizamos, buscando um modus operandiiiiiiiiiDesaos epistmicos e conguraes terico-metodolgicas da etnograa virtual no campoda comunicao 153que, exvel, dene-se a partir dos objetivos de cada pesquisa e do campo apartir do qual comunicamos, o que no nos impede, obviamente, de incorpo-rarmos essas questes, basilares para a prtica da pesquisa etnogrca.Dessa forma, um olhar especializado para o universo dos processos comu-nicativos, o que, segundo Frana (2001, p. 15), caracteriza as pesquisas nocampo da comunicao. Para a autora, essa mirada particular que dene oprocesso de reexo das prticas comunicacionais e que permite aos estudi-osos do campo encontrar um denominador comum em todas essas situaes que caracterizam o nosso saber e fazem do vis da comunicao um lugarde conhecimento. Abordagens etnogrcas orientadas por esse olhar exigemdos pesquisadores da comunicao ateno aos seus objetos de estudo, bemcomo aos usos e apropriaes das tecnologias de comunicao, nas agnciasdos agentes da pesquisa.Nessesentido, aideiadetraduo, dematrizinterpretativageertziana,pode colaborar na elaborao de uma abordagem epistmica da etnograa nocampo da comunicao. De acordo com Geertz (2013), embora muitas coisaspossam ser perdidas, mas tambm muitas outras possam ser encontradas, atraduo o processo atravs do qual um signicado transferido, ou no, deuma linguagem para outra. Da base emprica s formulaes tericas, a tra-duo das prticas e interaes sociais, inclusive no meio virtual, em termosmetodolgicos, implica na formulao do suporte terico e no uso de tcni-cas de pesquisa e coleta de dados que estabeleam as asseres reexivas,traduzveis e interpretativas, pelas quais, tais aes podem ser explicadas.Conforme Geertz, fortemente marcada pela intersubjetividade, no apenasdo pesquisador, mas tambm dos sujeitos observados, a traduo das prticassociais implica, ao observar determinados atos, em compreender como se efe-tivametransformamasestruturasdepensamentoquedenemosprpriosatos. Nessa dinmica, ela atenta denio dos campos especcos, que fun-cionam com regras prprias e em modelos adquiridos e compartilhados.Enquanto matriz epistmica da etnograa,traduzimos,em um primeironvel,a herana terica da disciplina e as descobertas de campo j realiza-das, em reexes tericas que iluminam o presente (do olhar) da investigao.Traduzimostambm, emumsegundonvel, asprticassociais, materialesimbolicamente expressas nos mais diferentes cdigos, sinais e smbolos, dis-postos nos mais variveis uxos, em uma linguagem comum e, geralmente,redigida o texto etnogrco.iiiiiiii154 Pauli Tomazetti Tainan & Alisson MachadoMas,para alm disso,o que gostaramos de salientar atentando s pes-quisas do campo da comunicao sua especialidade, epistemologicamenteorientada, em traduzir as prticas comunicacionais. Isso implica, nos ambien-tes de interao online, em observar suas diferentes materialidades, ou seja, aestrutura materialmente virtual e variada que compem as interfaces das inte-raes dos sites, blogs, redes sociais, entre outros, bem como a estrutura con-vergente em diferentes plataformas, ambincias e dispositivos. A traduo dasprticas comunicacionais deve atentar, ainda, variedade dos elementos queconstituem essas materialidades: textos, fotograas, vdeos, imagens, musi-calidades, sonoridades, movimentos, rotas e possveis uxos, experienciaesnarrativas, falas, dilogos, debates, opinies, entre outros, no separados denossasintencionalidades, interessesecontradies. Soessasmaterialida-des, enquanto indcios das prticas socioculturais, que apontam aos usos e sapropriaes das tecnologias comunicacionais, atravs das quais realizamosnossas trocas e interaes, realizando tambm, de certo modo, a ns mesmos.Consideraes naisA complexidade e a densidade das prticas comunicacionais,na atuali-dade da pesquisa em comunicao no Brasil tem despertado, em seus pesqui-sadores, a necessidade de abordagens terico-metodolgicas que possibilitemlanar bases para uma reexo orientada pela contextualidade e singularidade,mobilizadas por seus diferentes objetos de estudo. A este cenrio, soma-seos usos, apropriaes e intencionalidades da internet, como uma importanteesfera onde se efetivam muitas de nossas interaes, constituintes de nossasrelaes sociais e posies de sujeitos.Na interface entre comunicao, cultura e tecnologia, despontam proble-mticas de pesquisa que apontam, cada vez mais, para a necessidade de pos-turas crticas multimetodolgicas, capazes de diagnosticar e interpretar expe-rincias comunicacionais diversas, atravessadas por ambincias convergentes,pelas quais, os sujeitos sociais, realizam suas aes. Atentando a essa atmos-fera, as aproximaes com o campo da antropologia, em especial da etnogra-a, tem se revelado promissoras por possibilitarem, atravs de perspectivassempre singulares e contextuais, formas de compreenso de tais fenmenos.iiiiiiiiDesaos epistmicos e conguraes terico-metodolgicas da etnograa virtual no campoda comunicao 155A etnograa, no campo da comunicao, vem sendo vivida e experienci-ada em uma grande variedade de temticas, instigando a seus pesquisadoresuma srie de posicionamentos e questionamentos que tem tornado frutferastais incurses, principalmente nos estudos ligados internet. Muitas perguntaspertinentes vem sendo realizadas:O fazer etnogrco em ambientes virtuaisrequer as mesmas prticas de campo das etnograas convencionais?Quandoestudamos os atravessamentos e as prticas entre on e off, por onde comeara observar?Onde est e comea o campo de pesquisa?Que tipo de imersorealizamos? Como se efetiva a observao participante em grupos debate efruns de discusses? Anonimato ou dar as caras? Para muitas dessas inda-gaes no temos respostas, tampouco acreditamos que possam ser esgotadas.Na realidade, residemnessas formulaes e reformulaes, os fundamentos denossa prtica cientca e o devir de nossa cincia.Asespecicidadessituadasnessesquestionamentosnosoportunizamoavanar de reexes sobre as guraes metodolgicas do fazer etnogrcoproblematizando os prprios fundamentos de nossas sentenas interpretativas.Namedidaemqueosestudosnocampodacomunicaojnoesto, htempos, orientados pela linearidade entre emissor e receptor, , no mnimo,intrnseco ao desenvolvimento de nossas pesquisas, considerar a circularidadedos processos comunicacionais em nossos objetos de investigao.Entender a etnograa no como um mtodo, mas como formulaes te-rico-etnogrcas (Peirano, 2014) garante, para alm das asseres interpre-tativas que realizamos de nossos universos empricos, a constante motivaodas conjunturas reexivas que orientam as descobertas e conexes do trabalhode campo e da escrita etnogrca. Alm disso, necessrio garantirmos umaconstante crtica e vigilncia epistemolgica em relao ao uso instrumentalda etnograa apenas como mtodo de obteno e coleta de dados emprico.Essa postura tende a apagar as contradies, tonalidades e especicida-des que constituem a prpria natureza (e a virtude) da prtica etnogrca. Oapagamento da dimenso autoral (e das trocas subjetivas) tende a obscurecertambm as prprias prticas que intentamos investigar. preciso assumir aetnograa. Assumir ofazer etnogrco nocampo da comunicao, vendoo saber acumulado pelas tradies antropolgicas j consolidadas, no comoamarraras, mascomoconjunturaspossveis, aomesmotempoemquede-vemos atentar s especicidades comunicacionais que nos interessam e nosorientam a trilhar nossos prprios caminhos.iiiiiiii156 Pauli Tomazetti Tainan & Alisson MachadoRefernciasAmaral, A. (2008). Autonetnograa e insero online. O papel do pesquisa-dor-insider nas subculturas da web.In Anais do GT Comunicao e So-ciabilidade do XVII Encontro Anual da Comps. 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