Etica Pericoretica: A trindade como caminho ético - Monografia de Mariel M. Marra - Teologia /...

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1 Mariel Márley Marra ÉTICA PERICORÉTICA: A TRINDADE COMO CAMINHO ÉTICO Faculdade Evangélica de Teologia de Belo Horizonte Belo Horizonte 2008

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Esta pesquisa propõe o tema da Ética Pericorética, buscando na Trindade um caminho para a ética cristã. Buscou-se fundamentação bibliográfica em Moltmann e Leonardo Boff dentre outros sobre a pericórese divina a fim de encontrar um caminho possível para estabelecimento de novas relações humanas éticas.

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Mariel Márley Marra

ÉTICA PERICORÉTICA: A TRINDADE COMO CAMINHO ÉTICO

Faculdade Evangélica de Teologia de Belo Horizonte Belo Horizonte

2008

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Mariel Márley Marra

ÉTICA PERICORÉTICA: A TRINDADE COMO CAMINHO ÉTICO

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como exigência parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Teologia na Faculdade Evangélica de Teologia de Belo Horizonte (FATE-BH). Orientadora: Profa. Ms. Susie Helena Ribeiro

Belo Horizonte 2008

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MARRA, Mariel Márley. Ética Pericorética: A Trindade como caminho ético. 2008. 58f. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Teologia). Faculdade Evangélica de Teologia de Belo Horizonte – FATE-BH, Belo Horizonte. Trabalho de Conclusão de Curso para obtenção do grau de Bacharel em Teologia, aprovado com nota máxima pela Faculdade de Teologia de Belo Horizonte em 30 de junho de 2008 em banca examinadora constituída pelos professores:

Profa. Ms. Susie Helena Ribeiro – Orientadora

Prof. Dr. Floriano Santana

Prof. Ms. Geraldo Cruz da Silva

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Dedico este trabalho ao Deus Trino, pois sem ele nada seria possível, e aos meus pais, por todo amor revelado.

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Agradecimento Ao Deus Trino, minha fonte de inspiração e modelo ético. Aos meus pais Elcio Rosa Marra e Maria da Graça Marra por todo amor e apoio revelado. A minha futura esposa por todo carinho e compreensão. Aos amigos por toda palavra de incentivo. Aos professores por toda dedicação. A minha orientadora Ms. Susie Helena Ribeiro por toda atenção, dedicação e longanimidade. A direção da FATE-BH pelo apoio e oportunidade. Aos funcionários e alunos da FATE-BH e Centro Universitário Izabela Hendrix. A todos da Igreja Batista da Lagoinha. Ao meio ambiente como criação de Deus. SOLI DEO GLORIA

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“Quem me dera

Ao menos uma vez Entender como um só Deus

Ao mesmo tempo é três Esse mesmo Deus

Foi morto por vocês É só maldade então

Deixar um Deus tão triste.” Legião Urbana – Índios

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RESUMO Esta pesquisa propõe o tema da Ética Pericorética, ou seja, busca na Trindade um caminho para a ética cristã. Tem como objetivo verificar a possibilidade de relações éticas humanas estruturadas segundo a imagem da Trindade. Para isso, propõe-se verificar os aspectos bíblicos, históricos e teológicos acerca do conceito de ética e da doutrina trinitária, para aplicação em uma perspectiva contemporânea. Este trabalho justifica-se pela observação da crise ética contemporânea e buscou-se fundamentação bibliográfica em Moltmann, e Leonardo Boff dentre outros sobre a pericórese divina, a fim de encontrar um caminho possível para o estabelecimento de novas relações humanas éticas, transformando as relações de domínio e exploração, em relações de apoio, igualdade, inter-retro-dependência, entrega, doação, partilha, inclusão, liberdade e amor recíproco. PALAVRAS-CHAVE Trindade, Ética, Pericórese, Amor

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO.............................................................................................................9

2 ÉTICA, TRINDADE E OS DESAFIOS DA PÓS-MODERNIDADE...................11

2.1 Conceitos filosóficos sobre ética .........................................................................11

2.1.1 O que não é ética................................................................................................12

2.1.2 O que é ética .......................................................................................................14

2.3 Ética cristã: conceitos e história ..........................................................................15

2.4 A Trindade nas Escrituras e na história..............................................................17

2.5 A Doutrina da pericórese ......................................................................................20

2.6 Pós-modernidade e seus desafios paradigmáticos..........................................23

3 ÉTICA PERICORÉTICA: A TRINDADE COMO CAMINHO ÉTICO ................31

3.1 A gênese da ética pericorética.............................................................................31

3.2 Uma comunidade inclusiva: aberta para o outro ..............................................32

3.3 Uma comunidade de indivíduos: aberta para a pluralidade e a diversidade36

3.4 Uma comunidade de iguais: aberta para a mútua submissão........................39

3.5 Uma comunidade de amor: aberta para a entrega, doação e

compartilhamento .........................................................................................................41

3.6 Uma comunidade de liberdade: aberta para ser...............................................44

3.7 Considerações finais .............................................................................................47

4 PERSPECTIVAS E DESAFIOS DA PRÁXIS DE UMA ÉTICA PERICORÉTICA ...........................................................................................................49

4.1 A comunidade de fé estruturada pela imagem pericorética da Trindade .....49

4.2 A comunidade pericorética e sua ação no mundo............................................54

5 CONCLUSÃO ............................................................................................................57

6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................................................................59

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0B1 INTRODUÇÃO

Esta pesquisa propõe o tema da Ética Pericorética, ou seja, busca na

Trindade um caminho para a ética cristã.

Percebeu-se a necessidade de aprofundar reflexão no campo da ética, a fim

de propor um caminho para a superação da crise dos paradigmas que caracteriza a

contemporaneidade. Essa constatação surgiu a partir da observação da crise

ecológica conforme os relatórios do Painel Intergovernamental de Mudança

Climática da ONU (IPCC)F

1F, da disputa de alguns líderes cristãos pelo poderF

2F, e de

como algumas comunidades cristãs se estruturam a partir de hierarquias piramidais

rígidasF

3F. A partir disso, buscou-se fundamentação bibliográfica em obras teológicas

que tratassem desses problemas em perspectiva trinitária, dentre as quais

destacam-se Trindade e Reino de Deus de Jünger Moltmann e A Trindade e a

Sociedade de Leonardo Boff. Daí a expressão não usual, ética pericorética.

Assim, este trabalho tem como objetivo verificar a possibilidade de relações

éticas humanas estruturadas segundo a imagem da Trindade. Para isso, propõe-se

verificar os aspectos bíblicos, históricos e teológicos acerca do conceito de ética e

da doutrina trinitária, para aplicação em uma perspectiva contemporânea.

Não foi objetivo dessa pesquisa, abordar a antropologia teológica, e sua

preocupação com a compreensão antropológica da imagem e semelhança e do

pecado, mas antes adotou-se uma linha de pensamento existencial, protestante e

aberta ao diálogo.

A opção por Moltmann e Boff justifica-se pelo fato de que ambos são

referenciais no que tange à concepção pericorética da Trindade. A diferença entre

eles ocorre quando Moltmann concentra seus esforços nos níveis teóricos e

1 IPCC EXPÕE EVIDÊNCIAS CIENTÍFICAS DA MUDANÇA CLIMÁTICA. G1. Disponível em: < Hhttp://g1.globo.com/Noticias/Tecnologia/0,,MUL214148-6174,00.html H > Acesso em: 12 de dezembro de 2007. 2 CONSELHO DE ÉTICA REABRE PROCESSO CONTRA MÁRIO DE OLIVEIRA. G1. Disponível em: < Hhttp://g1.globo.com/Noticias/Politica/0,,MUL336918-5601,00.htmlH >. Acesso em: 04 de março de 2008. 3 A própria palavra “hierarquia” denota estrutura organizada de forma piramidal, em que o clero (líderes) ocupa a parte superior e os leigos (povo) a inferior. Os primeiros detêm o poder e autoridade sobre os segundos. Pressupõe-se, fundamentando-se em Moltmann, que essa estrutura monoteísta monárquica implica em prática histórica marcada pela desigualdade e opressão.

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epistemológico, postulando mudanças no universo conceitual da teologia e na ação

política. Moltmann, como teólogo europeu, procura instrumentos teóricos que

proporcionem o equilíbrio entre o individual e o social. Boff, por seu turno, como

teólogo latino americano, demonstra interesse prático no mover social,

especificamente em relação às instituições, a respeito da comunhão trinitária e

enfatiza as transformações da sociedade organizada assimetricamenteF

4F.

A pesquisa está organizada em três capítulos. No primeiro capítulo busca-se

uma instrumentalização teórica sobre ética, Trindade e a pós-modernidade com seus

desafios paradigmáticos. O segundo capítulo aborda a Trindade como um caminho

ético e busca articular o pensamento para elaboração dessa possibilidade, que

também pode ser instrumento de crítica e inspiração. Por fim, propõe-se aplicação

eclesiológica e missiológica da ética pericorética, buscando na ação da igreja e do

cristão no mundo a imagem da Trindade.

4 WESTPHAL, 2003, p.11-30

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1B2 ÉTICA, TRINDADE E OS DESAFIOS DA PÓS-MODERNIDADE

Este capítulo oferece alguns conceitos sobre ética e ética cristã a fim de

instrumentalizar a compreensão do tema para a discussão da viabilidade de uma

ética pericorética.

Far-se-á breve abordagem histórica da doutrina trinitária, uma vez que se

indica a Trindade como caminho e condição de possibilidade para uma ética cristã

teológica e pericorética. Também, buscam-se nos conceitos de Jürgen Moltmann e

Leonardo Boff sobre pericórese, as bases para o enfrentamento dos desafios

paradigmáticos da chamada Pós-modernidade.

6B2.1 Conceitos filosóficos sobre ética

A palavra ética é de origem grega ethos, costume, disposição, hábito, e no

latim mós, moris, vontade, costume, uso ou regraF

5F.A ética é a reflexão racional da

conduta ideal. É "saber racional sobre o prático"F

6F, uma conduta moral. Assim, o

saber corresponde ao conhecer e, o racional, à capacidade de argumentar.

Na filosofia grega, Sócrates (470 - 400 a.C) é considerado o pai da ética. Ele

a apresenta dentro do sistema filosófico, fundada na razão. Já, segundo Platão, os

valores éticos estão alicerçados no "outro mundo,", ou seja, os padrões éticos

derivam do mundo das idéias e não mediante as experiências do mundo físico. Na

perspectiva aristotélica, a causa final de todas as coisas era a felicidade, isto é,

eudemonia, o princípio da moderação.

Seguindo a mesma linha de raciocínio aristotélica, Agostinho, pai da igreja

(354-430 d.C), inserido como está no contexto cristão, destaca que a felicidade é

obtida quando a pessoa recebe a salvação, em um exercício de hermenêutica com

base na ética aristotélica.

5 BARSA, 1999, p. 554. 6 ALARCOS, 2006, p.34.

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Saindo da Antigüidade clássica para a ModernidadeF

7F, a discussão a respeito

da ética e suas aplicações, no entanto, não se limitou apenas ao fundamento

religioso e da moral, mas pelas condições da contemporaneidade viu-se confrontada

pela diversidade, a dignidade humana e a necessidade de coerência entre teoria e

práticaF

8F.

Percebe-se, então, que da Antiguidade às culturas modernas, existe a

preocupação com a conduta moral do ser humano. Culturas e povos com

comportamento diferenciados demonstram que existe não uma só ética, mas éticas

que resultam do contexto histórico, religioso, social e cultural de cada povo.

A fim de clarear o cenário em que vai se desenrolar este trabalho, o próximo

tópico, trará à discussão o que a ética não é, ou seja, começará a delinear seu

campo através da negação. Em um segundo momento será tratado o que é a ética,

com elementos que auxiliem na compreensão desse conceito.

7B2.1.1 O que não é ética

SingerF

9F apresenta quatro proposições que podem auxiliar na compreensão do

que não seja ética.

Primeiro, a ética não pode ser definida como uma série de proibições ligadas

ao sexo. As decisões relativas ao sexo suscitam questões como honestidade, a

prudência e a preocupação com os outros, mas não há nisso nada de particular ao

sexo, pois o mesmo poderia ser dito das decisões em relação a outras questões,

como dirigir um carro, constituir família e outrosF

10F.

O segundo item é que a ética não é se relaciona à idéia de um sistema de

grande nobreza na teoria, mas inaproveitável na prática. Um juízo ético que não é

bom na prática deve se ressentir também de um defeito teórico, pois a questão

fundamental dos juízos éticos é orientar a práticaF

11F.

O terceiro item que não diz respeito à ética é a concepção de ética como algo 7 O salto da Antigüidade clássica para a Modernidade neste trabalho não desconsidera a importância e contribuição do período medieval para a ética, mas o recorte justifica-se pela abordagem da presente pesquisa sobre os paradigmas da pós-modernidade, tal como desafio para uma possível ética pericorética. 8 SANCHES, 2004, p. 45-46. 9 SINGER, 1998, p.10. 10 Ibidem, p.11. 11 Ibidem.

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inteligível somente no contexto da religião. Essa perspectiva, tradicionalmente,

possui ligação com a ética por fornecer a religião razão para fazer o que é correto.

Contudo, afirma Singer, o comportamento ético não exige a crença do céu e do

inferno, castigo e recompensaF

12F.

O quarto item que a ética não é refere-se à sua relatividade ou subjetividade.

Em relação à primeira, a idéia de que a ética deva ser relativa à sociedade em que

se vive está bem difundida. Se tomada como totalmente procedente, o indivíduo

teria a sociedade como referencial para a solução de problemas éticos. Isso tornaria

a ética uma tomada de decisão estatística, que se diferenciaria de cultura para

cultura e, como conseqüência, não se teria nenhuma base a partir da qual escolher

entre convicções antagônicas. Assim, uma pesquisa de opinião poderia demonstrar

o erro de um juízo ético como, por exemplo, "a escravidão é errada". Na análise

relativista, o conflito de convicções entre pessoas de sociedades diferentes não

existe, pois ambos os lados podem estar certosF

13F.

No subjetivismo ético, os juízos éticos dependem da aprovação ou

desaprovação da pessoa que está emitindo o juízo e não ao juízo da sociedade na

qual vive essa pessoa. Dessa forma, surge a mesma dificuldade que apareceu no

relativismo: a incapacidade de explicar a divergência ética. Se uma pessoa afirma

que aceitar propinas é condenável e outra afirma que não é condenável, ambas as

afirmações podem ser verdadeiras e, portanto, não há o que discutirF

14F.

Um quinto item pode ser acrescentado aos de Singer. Os chamados códigos

de ética, tanto empresariais como profissionais, não podem ser colocados na esfera

da ética por não serem universalizáveis. Pois não passam de receitas de bom

comportamento no exercício da profissão para compensar o não desenvolvimento da

razão do indivíduo. A crítica que se coloca é que esses documentos não levam à

reflexão. A conduta ética não pode ser imposta ao outro, mas pode ser imposta uma

norma que, se não obedecida, terá como conseqüência uma puniçãoF

15F.

12 SINGER, 1998, p.12. 13 Ibidem, p.12. 14 Ibidem. 15 Ibidem, p.13.

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8B2.1.2 O que é ética

A questão que se coloca é o que significa discutir uma questão ética ou viver

de acordo com padrões éticos. Também se questiona, aplicando a primeira

problematização, por exemplo, o que levaria a pensar o racismo como eticamente

questionável e a alta rotatividade nos empregos urbanos, adequada. Para responder

questões como essas e com o intuito de se construir o conceito de ética, é

necessário discorrer um pouco sobre a natureza da ética.

Para Singer, em primeiro lugar, a pessoa que desejar pautar sua existência

por padrões éticos deverá ter condições de defender e justificar aquilo que faz, ou

seja, deverá poder enquadrar sua ação numa teoria conhecida ou conhecível. A

tentativa de justificativa, tenha ela êxito ou não, já é suficiente para trazer a conduta

da pessoa para a esfera do ético, em oposição ao não-éticoF

16F.

Assim, as pessoas que não conseguem apresentar justificativa para o que

fazem, suas alegações de estarem vivendo de acordo com padrões éticos, mesmo

se aquilo que fazem estiver de acordo com "códigos de ética" ou princípios morais

convencionais podem ser rejeitadas. Contudo, não pode ser qualquer justificativa.

Por exemplo, uma justificativa com base em interesses econômicos ou pessoais não

pode ser aceita. Conforme Singer:

Para serem eticamente defensáveis, é preciso demonstrar que os atos com base no interesse pessoal são compatíveis com princípios éticos de bases mais amplas, pois a noção de ética traz consigo a idéia de alguma coisa maior que o individual. Se vou defender a minha conduta em bases éticas, não posso mostrar apenas os benefícios que ela me traz. Devo reportar-me a um público maiorF

17F.

Portanto, para que as ações possam ser eticamente legitimadas, a justificativa

ou fundamentação deve ter caráter mais amplo e genérico, para resistir ao

subjetivismo. Isso significa que as preferências e aversões pessoais devem ser

extrapoladas ao se emitir um juízo ético. A ética exige a extrapolação do "eu" e do

16 Como Frankena(1981, p.18) sugere, uma pessoa que age eticamente não significa que ela age correta ou justamente, mas que suas ações opõem-se ao "não-ético", ou seja àquilo que é alheio à ética, e não ao "antiético", isto é opondo-se à ética. 17 SINGER, 1998, p.18.

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"você", para se chegar a uma lei geralF

18F.

Para Vidal, não seria ética aquela que legitimasse discriminações ou

agressões às liberdades mais fundamentais, pois a justiça tem como exigência

universal a qualquer proposta ética, a liberdade e a igualdadeF

19F.

Para que a universabilidade possa ser atingida, seguindo a tradição de Kant,

é fundamental o uso da razão, para que possa ser aceita por todos os seres

racionaisF

20F. Isso significa que não é consultando os sentimentos acerca de uma

questão que melhor pode ser dada uma resposta a ela. Tampouco. justificativas

podem ser aceitas universalmente se baseadas em sentimentos pessoais, pois eles

podem ser confusos, preconceituosos e impedir um raciocínio adequado e justo.

Portanto, a ética é a busca de princípios assentados sobre juízos passíveis de

serem universalmente aceitos por sujeitos racionais. Com efeito, o juízo ético deve

ser aceito como válido por todos os seres afetados pela ação que o princípio quer

prescrever. Uma decisão que esteja na esfera da ética deve ser justificada de modo

a que todos os afetados por ela possam aceitá-la racionalmente. Logo, a vida ética,

definida e pensada filosoficamente, também seria o acordo entre a vontade subjetiva

individual e a vontade objetiva cultural.

9B2.3 Ética cristã: conceitos e história

Para a tradição cristã, a ética está fundamentada na obediência ao Deus

Trino como criador de todas as coisas. Nessa perspectiva, o "agir ético é, portanto,

conseqüência daquilo em que se crê"F

21F.

A ética cristã, para Fletcher, como “a norma predominante da decisão cristã é

o amor: nada mais”. Portanto, contrariando a universalidade da razão segundo Kant,

para Fletcher, o amor é a norma universal, uma vez que esse passa pela razão, mas

a razão não estabelece os seus limitesF

22F. Jesus resumiu a lei mosaica e os profetas

18 "Ao admitir que os juízos éticos devem ser formados a partir de um ponto de vista universal, estou aceitando que os meus próprios interesses, simplesmente por serem meus interesses, não podem contar mais que os interesses de uma outra pessoa" (Singer, 1999, p.20). 19 VIDAL, 1999, p.578. 20 KANT, 1980. p.37. 21 SANCHES, 2004, p. 45. 22 FLETCHER apud GEISLER, 1972, p.55.

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numa só palavra, o amorF

23F.

Para Geisler, o amor substitui a lei, tal como o Espírito substitui a letra. Assim,

a lei é seguida por causa do amor, afinal não se segue o amor por causa da lei, mas

sim a lei por causa do amorF

24F.

Isso significa dizer que o cristão vive eticamente quando, em obediência e

imitação ao Criador, renuncia ao poder de estar “sobre” os outros, para então, estar

“junto com” os outros e “para” os outros, em amor. Em tal perspectiva, a encarnação

do Verbo apresenta-se como modelo para o viver ético do cristão, pois se realiza

quando se faz frágil, tal como a KenoseF

25F, indo ao encontro do outro, “assumindo a

forma de servo” (Cf. Fp 2:7).

De acordo com Smith, na perspectiva bíblica, o termo “ética” não é

encontrado nem no Antigo Testamento nem no Novo Testamento, entretanto,

encontra-se nos textos das escrituras um modelo de conduta ideal, advindo da

revelação, da vontade de Deus Trino e da relação com ele. A conduta ideal que o

Antigo Testamento apresenta como comportamento ético está ligada ao culto e à

adoração a Javé, no contexto histórico da eleição e da aliançaF

26F.

É possível perceber no período do Antigo Testamento o princípio que

governava a relação do ser humano com Javé: o princípio da santidade, tal como

imitação a Deus (cf. Lv 20:26)F

27F. Assim, a fonte normativa para a conduta ética era

alicerçada, conforme resume Miquéias 6:8 “Ele te declarou, ó homem, o que é bom e

que é o que o SENHOR pede de ti: que pratiques a justiça, e ames a misericórdia, e

andes humildemente com o teu Deus.”

Dessa forma, é possível apontar alguns termos que se apresentam no campo

ético do Antigo Testamento, tais como: paz, justiça, verdade, santidade, bondade e

honra. A partir desses termos, podem-se encontrar, tanto no Antigo quanto no Novo

Testamento, as expressões de fé no Deus que ama a justiça e exige a verdade. Mais

especificamente no Novo Testamento, o Deus justo e santo, amoroso e criador é

revelado como aquele que se insere na história humana, se identifica com os

23 FLETCHER apud GEISLER, 1972, p.55. 24 GEISLER, 1972, p. 55. 25 Kenose é o termo tradicionalmente usado para se referir ao esvaziamento de Jesus e a sua encarnação. Um termo que também é empregado quanto à teologia do esvaziamento, e em especial no conceito apresentado na perícope de Fp 2:6-11 (EICHER, 1993, p.56 ). 26 SMITH, 2001, p. 323-355. 27 Levítico 20:26 “E ser-me-eis santos, porque eu, o Senhor, sou santo, e separei-vos dos povos, para serdes meus”.

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oprimidos dessa história, trazendo a eles a esperança, o poder, e os ensinamentos

éticos do Reino de Deus. Segundo Vidal esse é o “Deus que é visto como o

libertador e do Deus dos excluídos”F

28F.

Para a teologia do Novo Testamento, são os feitos de Jesus na história a

marca mais expressiva da ética cristã nos evangelhos (cf. Jo 13:15). No Sermão do

Monte (cf. Mt 5, 6 e 7) está a apresentação mais objetiva da Ética do Reino, baseada

na justiça e no amorF

29F, ou melhor, na justiça do amor.

Nota-se que a compreensão que Deus é justiça e amor e que essas

categorias devem nortear a conduta ética do cristão. Essa perspectiva é muito

relevante para a comunidade joanina, conforme diz Ana Maria Tepedino:

O autor escreve a 1ª João para deixar claro qual o verdadeiro sentido da cristologia do Evangelho: Jesus que se encarna é o Cristo da glória que morre por nós (cf. Jo 1,14-16). A relevância dessa confissão de fé, fruto de uma antropologia fortemente integrada, decorre do fato de que ela tem profundas conseqüências práticas, pois quem crê em Jesus deve demonstrá-lo através da solidariedade com os irmãos, porque Deus ama Jesus, Jesus nos ama, e para demonstrar nosso amor por Ele devemos viver o mandando do amor mútuo (cf. Jo 15,9-12). Esse escrito, portanto, vai demonstrar a força da ética no Evangelho da EspiritualidadeF

30F.

É possível, pois, dizer que a ética cristã é a resposta da comunidade cristã ao

Deus Trino em determinado momento da história. Essa resposta se fundamenta em

uma interpretação da fé. Por isso, a vivência concreta dos valores, tal como o amor

observado na comunidade joanina, assume características próprias em cada época

e em cada cultura e comunidade, já que, cada época, cultura e comunidade têm

seus desafios e sensibilidade própria.

10B2.4 A Trindade nas Escrituras e na história

O desafio dos primeiros cristãos foi o de explicar a sua fé diante do mundo

judaico e grego. Para responder aos questionamentos de seu ambiente não lhes

bastava a fé, mas tiveram que utilizar também a razão para explicar a fé e para

defendê-la de ataques e deturpações. Fé e razão eram caminhos que não se

28 VIDAL, 2003, p. 34-35. 29 TEPEDINO, 2007 p. 140. 30 TEPEDINO, 2007 p. 140.

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chocavam, nos quais a reflexão cristã era sempre pensada, vivida e mantidaF

31F.

Embora a expressão "Trindade" não seja encontrada nas Escrituras, a idéia

por ela transmitida está de acordo com o que o Antigo e o Novo Testamento

ensinam acerca de Deus, ou seja, que Ele é Pai, Filho e Espírito SantoF

32F.

Não é possível demonstrar a doutrina da Trindade apenas por meio de uma

citação bíblica, pois os elementos que a constituem estão presentes em um conjunto

de textos, tanto do Antigo quanto do Novo TestamentoF

33F. Nesses textos,

especificamente aqueles neotestamentários, que narram a vida, a obra, os

ensinamentos, a morte e a ressurreição de Jesus, pode-se perceber Deus enquanto

Pai, Filho e Espírito Santo.

No Antigo Testamento, em Gênesis 1:26, encontra-se relatado que: "Também

disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança".

Segundo Grudem, alguns estudiosos interpretam as palavras "façamos" e "nossa"

como plurais majestáticos ou indicadores da participação de outros (anjos) no

momento da fala de Deus. Para Grudem, o texto de Gênesis já indicaria pluralidade

de pessoas no próprio Deus. Embora não se possam dizer quantas pessoas

exatamente, o texto já demonstra que são mais de uma e o mesmo pode ser dito de

Gn 3:22, 11:7 e Is 6:8F

34F. Outros textos no Antigo Testamento parecem indicar a

existência de Deus em três pessoas como Gn 16:13; Ex 3:2-6; Pv 8:22-31; SI 110:1.

Ainda não se trata de uma revelação em três pessoas, mas são indícios que

apontam para um Deus que se constitui trinitariamenteF

35F.

Será no Novo Testamento que se encontrarão textos mais explícitos sobre a

natureza trinitária de Deus, que dão testemunho de Jesus, que revelou Deus como

Pai e mostrou-se a si mesmo como Filho de Deus. Isso pode ser visto nas palavras,

orações e ações de Jesus como em Mt 11:27; Jo 17:21; 4:34; 6:38-40;10:25F

36F. Jesus

não revela só o Pai, mas também o Espírito. É o Espírito que desce sobre ele em

seu batismo no Jordão (Lc 3:22); o mesmo Espírito o leva ao deserto e o faz retornar

para a Galiléia (Lc 4:1,14); sua própria encarnação é obra do Espírito (Lc 1:35).

Vários textos fazem referência às três pessoas da Trindade. Como Mt 3:16-

31 BINGEMER, 2002, p. 162. 32 GRUDEM, 1999, p.165. 33 HODGE,2001, p.335. 34 GRUDEM, 1999, p. 166. 35 Ibidem, p. 166-168. 36 BOFF, 1999, p.41.

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17: "Batizado Jesus, saiu logo da água, e eis que se lhe abriram os céus, e viu o

Espírito de Deus descendo como pomba, vindo sobre ele. E eis que uma voz dos

céus dizia: Este é o meu Filho amado, em quem me comprazo”. Nessa narrativa

percebe-se o testemunho das três pessoas da Trindade. Deus que fala no céu, o

Espírito Santo que desce em forma de pomba, e Jesus que é o sujeito neste texto.

No mesmo evangelho pode-se ler: "Ide, portanto, fazei discípulos de todas as

nações, batizando-as em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo;" (Mt 28.19).

Em João, encontram-se as seguintes palavras atribuídas a Jesus: "Mas o

consolador, o Espírito Santo, a quem o Pai enviará em meu nome, esse vos

ensinará todas as coisas e vos fará lembrar de tudo o que vos tenho dito" (Jo 14.26).

Mais uma vez, o texto bíblico faz referência ao Pai, Filho e Espírito SantoF

37F. E nas

cartas também se percebem vários textos que mencionam o Pai, o Filho e o Espírito

Santo como em 1Co 12:4-6; 1 Co 13:13; Ef 4:4-6; 1Pe 1:2; Jd 20-21F

38F.

Portanto é possível dizer que no Antigo Testamento já se percebe indícios da

natureza trinitária de Deus, mas é a partir do Novo Testamento que nota-se em e

com Jesus, o Pai e o Espírito Santo, igualmente como Deus.

Porém não existe no Novo Testamento uma doutrina da Trindade

propriamente dita. Contudo, pode-se dizer que é a partir desses textos que a Igreja

formulou a doutrina da Trindade, seja para aprofundar o entendimento da fé

trinitária, respondendo ao seu tempo, ou seja, para defender essa mesma fé das

compreensões equivocadas, as quais ainda devem ser evitadas na

contemporaneidade, tais como o subordinacionismo, o adocianismo, o arianismo, o

modalismo, o monarquismo e outrosF

39F.

Na história da Igreja, a teologia cristã desenvolveu a doutrina da Trindade em

três caminhos de acesso racional ao mistério divino. O primeiro caminho foi

elaborado pelos pais da igreja gregos, tais como Orígenes(254), Atanásio(373),

Basílio(379), Gregório Nazianzeno(390) e Gregório de Nissa(394). Esses, baseados

nas Escrituras Sagradas, entendiam que o Pai era revelado como o primeiro, e

assim ensinavam que Deus mesmo é o PaiF

40F.

O segundo caminho foi elaborado pelos pais latinos e pelos teólogos da Idade

37 GRUDEM, 1999, p. 168. 38 Ibidem, p. 169. 39 BOFF, L. 1998, p. 62-70. 40 FORTE, 1987 p.78.

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Média, Agostinho (430) e Tomás de Aquino (1274). Esses, baseados também nas

Escrituras Sagradas, entendiam que a Trindade revela um só Deus em três sujeitos

distintos. Assim insistiam na unidade de DeusF

41F.

O terceiro caminho está ainda em fase de elaboração. Os teólogos modernos,

dentre os quais podem ser citados Leonardo Boff e Jünger Moltmann, inspiram-se

em Joaquim de Fiore (1135-1202)F

42F. Esses entendem que o discurso teológico deve

ser tratado de tal maneira que possa colaborar com o surgimento de sociedades

mais democráticas e pluralistas, em que as pessoas, e também as culturas, religiões

e igrejas, sejam respeitadas, cada uma em sua diversidade e valor. Tudo em vista

do bem comum. Esses teólogos percebem que cada uma das três pessoas tem um

jeito próprio de ser e agir, e assim compreendem a Trindade a partir da distinção das

três pessoasF

43F.

É a partir da compreensão desses teólogos contemporâneos que se sugerem

novas maneiras do ser humano se relacionar consigo mesmo, com Deus, com

outros seres humanos e com meio ambiente a sua volta. Esse é também o viés

teológico adotado por este trabalho, em seu recorte sobre a perspectiva pericorética.

11B2.5 A Doutrina da pericórese

Jürgen Moltmann foi presidente da Sociedade para a Teologia Evangélica.

Atualmente é professor emérito da Faculdade Evangélica da Universidade de

Tübingen e é um dos mais importantes teólogos vivos da atualidade. Influenciou as

emergentes teologias da libertação e foi um dos inspiradores da Teologia Política 41 Ibidem, p.79. 42 Joaquim de Fiore nasceu na Calábria, por volta de 1135, em Celico. Em 1177 foi nomeado abade no monastério cisterciense de Corazzo, que abandonaria para levar uma vida de eremita entregue à meditação, que acabaria lhe proporcionando a iluminação e que seria a chave para o entendimento da história humana. Em 1186 viajou para Verona, onde teria tido uma audiência com o Papa Urbano II. Em função do apoio de três papas, com relação a suas idéias, em 1190 fundou a “Congregação Fiorense” no local que leva, até hoje, o nome de San Giovanni de Fiore, também na Calábria. Joaquim veio a falecer em 1202. Sabe-se que sua conversão para a vida monástica deu-se entre 1158-59, após uma visita a Constantinopla. Para Fiore as pessoas da Trindade são, realidades teológicas e históricas. Teológicas, pela sua própria natureza e históricas por estarem associadas a períodos cronológicos e estruturais da história humana. Joaquim foi fonte de inspiração para muitos movimentos quiliásticos e, talvez, para muitas filosofias desaprovadas pela Igreja, entre as quais se inclui a de Lessing42. Seu pensamento pode ser entendido como “uma filosofia da história baseada num tipo particular de exegese bíblica interpretada à luz da doutrina da Trindade”. Ernst Bloch, outra fonte de inspiração de Moltmann, escreve que “Joaquim foi o primeiro a marcar uma data para o Reino de Deus, para o reino comunista...” (FORTE, 1987, p.97). 43 DOBRORUKA, 2000, p.9-27

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nos anos 1960. Teve a ousadia de confrontar os sistemas teológicos hegemônicos

na Europa e na América do Norte, em nova chave de interpretação das Escrituras e

da história: o binômio promessa-esperançaF

44F.

Sobre a proposta de promessa, Moltmann coloca:

Se a promessa é considerada como promessa de Deus, então não pode ser verificada segundo os critérios humanos. A plenificação da promessa pode conter o novo, mesmo dentro do esperado, e superar na realidade o pensado em categorias humanas [...]. O ainda-não da expectação ultrapassa todo cumprimento já sobrevindo. Por isso, toda realidade de cumprimento, sobrevinda já agora, se transforma na confirmação, interpretação e libertação de uma esperança maior [...]. A razão da constante mais-valia da promessa e de seu permanente superávit acima da história reside no caráter inexaurível do Deus da promessaF

45F.

É importante acentuar a decisiva contribuição de Moltmann para a teologia

trinitária com a categoria da pericórese. Para Moltmann, a chave que deveria

dominar a história da humanidade não é a do poder, mas a do amor; não a da

dominação, mas a da aliança e da cooperação. Nesse sentido, Moltmann critica a

visão da Trindade de Agostino, preferindo a concepção dos pais capadócios e dos

teólogos ortodoxos, que acentuam o intercâmbio das pessoas divinas, a pericóreseF

46F

como comunhão de pessoasF

47F.

O termo perichôrêsis ou circumincessio em relação à Trindade foi elaborado

por João Damasceno (675-749)F

48F com o objetivo de explicar “o curso circular da

eterna vida divina”F

49F. Moltmann explica o significado da pericórese da seguinte

forma:

No Deus uno e trino, verifica-se um eterno processo vital de permuta de energias. O Pai existe no filho, o Filho existe no Pai, e ambos existem no Espírito, da mesma forma como o Espírito existe em ambos. Vivem e habitam tão intimamente um no outro, por força do amor, de tal sorte que são um só. É um processo da mais perfeita e da mais intensiva empatia. Justamente pelas propriedades pessoais, que os distinguem entre si, o Pai, o Filho e o Espírito habitam um no outro e compartilham da vida eterna. Na pericórese, exatamente o que os distingue faz com que os uma

44 SILVA, 2006b, p.8. 45 MOLTMANN, 2003, p.133-136. 46 Ibidem, p.205. 47 MOLTMANN, 2000, p.204. 48 Considerado um dos monges cristãos de Damasco, o qual é responsável pela escrita da Fé Ortodoxa (Cf. CASTRO, 2007, p.15). 49 MOLTMANN, 2000, p.182.

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eternamenteF

50F.

No conceito da pericórese, percebe-se que há circulação total de vida e uma

co-igualdade perfeita entre as pessoas da Trindade, sem qualquer anterioridade, ou

superioridade de uma à outra. A pericórese não permite haver superposição e

subordinação entre as pessoas trinitárias. Entre as três pessoas acontece uma troca

de amor eterno, uma comunhão infinita. Nessa comunhão encontra-se a unidade,

que não é só um estar "com", mas estar "em" outro, em uma comunhão que tem sua

origem na própria TrindadeF

51F.

Nesse sentido, o teólogo católico latino-americano Leonardo Boff se aproxima

do pensamento de Moltmann. Boff entende a pericórese como o “maior programa

social”F

52F e resume assim seu pensamento:

Cada pessoa é para as outras Pessoas, jamais somente para si, é com as outras Pessoas e nas outras Pessoas. O amor eterno que as pervade e constitui, as une numa corrente vital tão infinita e completa que emerge a unidade entre elas. A unidade trinitária [...] é sempre a união das Pessoas. Ela não é posterior a elas, mas simultânea com elas porque elas são sempre umas com as outras e nas outras. As Pessoas não são resultado da relação da natureza consigo mesma, mas são originárias, pois são co-eternas e co-iguais. Não aparecem como concreções do Uno (natureza ou substância ou Espírito ou Sujeito absoluto) mas como três sujeitos em comunhão eterna (e por isso essencial) e sempre unidos e interpenetrados entre siF

53F.

A doutrina da pericórese, no entanto, não consegue esgotar toda realidade

divina. Em certo sentido, a Trindade é um mistério que jamais poderá ser entendido

plenamente. Propõe-se inclusive que se aproxime dela sempre em atitude reverente

e apofática, ou seja, de assombro, de adoração, de silêncioF

54F. Nesse sentido, é

interessante a citação que Boff faz de Agostinho: "A Deus honramos com o silêncio,

não porque não temos nada a falar e a indagar sobre Ele, mas porque tomamos

consciência de que sempre ficamos aquém de sua compreensão adequada"F

55F.

Assumiu-se neste trabalho a concepção pericorética da Trindade. Nesta,

entende-se Deus como três pessoa divinas, originalmente simultâneas, co-eternas,

50 MOLTMANN, 2000, p.182. 51 MOLTMANN, 1993, p36. 52 BOFF, 1986, p.29. 53 BOFF, 1999, p. 175. 54 HODGE, 2001, p. 169; FORTE, 1987, p. 20. 55 BOFF, 1999, p.201.

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que estão em profunda comunhão, em que cada pessoa é para a outra, pela outra,

com a outra e na outraF

56F. Vivem e habitam tão intimamente uma na outra, por força

do amor, de tal sorte que são uma só pessoa eternamente, e se unem exatamente

pelas propriedades pessoais, que as distinguem entre si F

57F.

Sugere-se que a partir desse conceito trinitário seja evitada a concepção

subordinacionista, modalista e monoteísta monárquica de Deus, pois o pensamento

de Moltmann se fundamenta sobre a perspectiva de um monoteísmo cristão, a partir

da compreensão pericoréticaF

58F.

Diante de uma estrutura relacional humana de domínio, subjugação e

exploração, percebe-se a relevância da imagem da Trindade pericorética como

instrumento crítico e caminho para as relações éticas dos seres humanos, uma vez

que nela não existe hierarquia entre as pessoas trinitárias, isto é, não existe

anterioridade ou superioridade entre as pessoas trinitárias, mas sim entrega,

doação, aceitação, abertura, compartilhamento, liberdade e submissão mútua em

amorF

59F

.

12B2.6 Pós-modernidade e seus desafios paradigmáticos

Segundo Daniel Salinas, "houve uma mudança de paradigma de proporções

gigantescas, cujas seqüelas afetaram profundamente as cosmovisões, as crenças, o

mundo acadêmico e todas as outras áreas dos afazeres humanos”F

60F. De acordo com

David Fisher, "tantas e tão maciças são as mudanças, que utiliza-se o termo deriva

paradigmática para descrever esta mudança dos séculos"F

61F.

O paradigma moderno, originado na Renascença dos séculos XIV e XV,

apoiado no poder da razão, frustrou o ser humano, não lhe proporcionando a

liberdade e o progresso almejados. As duas guerras mundiais e a crise ecológica

são exemplos contemporâneos de fatos que levaram ao questionamento da

competência absoluta da razão para o alcance das utopias modernas. "O otimismo

da era moderna, sua confiança em que a ciência, a tecnologia e o progresso, 56 BOFF, 1999, p.161,181. 57 MOLTMANN, 2000, p.182. 58 MOLTMANN, 2000, p.161. 59 MOLTMANN, 1993, p36. 60 SALINAS, 2002, p.14. 61 FISHER, 2001, p. 59.

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impulsionados por um ser humano autônomo, sob o reinado soberano da Razão,

produziriam um mundo edênico, isso decepcionou a todos"F

62F.

A pós-modernidade então surge no vácuo deixado pela modernidade. A idéia

de uma pós-modernidade não está muito bem definida ainda, mas é possível afirmar

que há um conjunto de categorias que buscam radicalizar e criticar os pressupostos

da era moderna. Após o fracasso de um período que se fundamentava em

absolutos, em princípios que infalivelmente conduziriam a humanidade a um mundo

ideal, vê-se questionamentos, rejeições desses absolutos e de toda e qualquer regra

ou norma imposta em nome de Deus ou em nome de quem quer que seja que

controle a sociedadeF

63F.

Abre-se espaço para a relativização dos conceitos e valores éticos, não

existindo mais o “certo” e o “errado”, mas sim "o que eu penso e o que você pensa".

Todos os pontos de vista devem ser aceitos, plantando-se, assim, um “jardim das

pluralidades”F

64F. Para Staniey Grenz, um fato que pode ser considerado um divisor de

águas e que marcou o fim da modernidade e a gênese do período pós-moderno foi a

publicação do livro Assim falou Zaratustra, de Friedrich Nietzsche (1844-1900), em

1883F

65F.

Nietzsche era um filósofo avesso aos ideais iluministas da modernidade. Ele

negou o conceito moderno de verdade, afirmando que esse conceito ia de encontro

à experiência humana da realidade. Para ele, a realidade é fragmentada, o

ajuntamento das miríades de partes distintas umas das outras resulta em um todo

multifacetado. Quando se propõe uma verdade absoluta, universal e abrangente,

nega-se a individualidade e a peculiaridade de cada fragmento da realidade,

violentando-se a multiplicidade e a riqueza da experiência humana. O problema se

torna maior pelo fato de esses fragmentos da realidade não ficarem isolados, mas

serem combinados de modo a formar uma estrutura complexa de pensamento.

Para Nietzsche, tal estrutura é uma ilusão, pois não descreve a realidade

como é, mas força-a a se encaixar em concepções limitadas quanto ao todo.

Paradoxalmente, endossa o pensamento de Immanuel Kant, que efetivamente

critica, de que o conhecimento é construído através da apreensão da realidade pela 62 SALINAS, 2002, p. 23. 63 SALINAS, 2002, p. 26,27. 64 Título da primeira parte do livro Pós-modemidade: novos desafios à fé cristã, escrito por Daniel Salinas e Samuel Escobar. 65 GRENZ, 1997, p.125.

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mente humana, a partir de categorias a priori que selecionam e organizam as

impressões recebidas pelos sentidos, o que se dá em todos os seres humanos e

permite a construção de um conhecimento universal. Se esse é o processo de

conhecimento humano, então a realidade não é apreendida em sua essência, pois

essas categorias a priori condicionam a experiência às estruturas da mente. O que

se considera conhecimento é meramente criação humanaF

66F.

Conforme Grenz, "isto faz de Nietzsche um niilista”F

67F. Ele nega a possibilidade

de qualquer acesso à verdade, afirmando que tudo o que se tem, de fato, são

"verdades" a partir das perspectivas do sujeito, manifestadas através da linguagem.

Portanto, a "verdade" se limita ao campo da linguagem, sendo função dessaF

68F.

Michel Foucault (1926-1984) é chamado de "o mais genuíno sucessor de

Nietzsche no século XX"F

69F. Tal como Nietzsche, Foucault era um severo crítico da

modernidade iluminista. Ele também afirmava que a razão fere a pluralidade da

realidade, pois a obriga a se acomodar em uma estrutura dada pela mente humana

que a uniformiza, de modo que o resultado privilegia o universal em detrimento dos

particulares. É a favor desses particulares que Foucault se levanta. Ele "celebra a

complexidade"F

70F.

Foucault olha para a história enquanto ciência que busca pelo conhecimento

do passado com desconfiança. Ao buscar estabelecer uma relação de fatos em

causa e efeito, o historiador impõe sobre a realidade histórica um modelo analítico

de sua preferência, descartando a descontinuidade e a singularidade dos eventos

únicos. Para ele, a reconstrução ou construção histórica não é neutra, mas atende

aos interesses daqueles que estão e querem se manter no poder. No seu modo de

pensar, a modernidade cometeu três graves erros: crer na existência de um corpo de

conhecimentos que espera para ser descoberto; crer que se pode possuir de fato tal

conhecimento e que ele está isento de juízo de valor; crer que a busca desse

conhecimento beneficia toda a humanidade e não apenas uma só classeF

71F.

Foucault rejeita como mito o ideal positivista e objetivista da modernidade.

Não há conhecedor desinteressado e que não afete o seu objeto. Não há

66 GRENZ. 1997, p.134. 67 Ibidem. 68 Ibidem. 69 WESTPHAl apud GRENZ, 1997, p. 182. 70 FOUCAULT apud GRENZ, 1997, p. 189. 71 WOLIN apud GRENZ, 1997, p. 193.

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neutralidade. Todo conhecedor expressa a "verdade" a partir do seu contexto de

vida, da sua posição na luta pelo poder, que caracteriza o mundo. Desse modo, ele

se aproxima de KarI Marx, que analisava a sociedade como um conflito entre as

classes dos poderosos detentores dos meios de produção, ou seja a burguesia, e a

dos oprimidos trabalhadores, isto é, o proletariado. Para Foucault, cada classe

conceberia a verdade a partir da sua realidade, vigorando, no final, a verdade dos

mais poderosos. O maior interesse não é encontrar a verdade, mas "controlar o

passado a fim de validar as estruturas do presente"F

72F.

Desse modo, é possível dizer que as narrativas históricas privilegiam certos

fatos em detrimento de outros. Só é contado aquilo que interessa ao grupo que está

no poder. Exemplos para isso não faltam na história e no dia-a-dia das pessoas. A

verdade é, então, um discurso construído.

Segundo Grenz, "se Foucault é o mais 'genuíno' discípulo de Nietzsche neste

século, Derrida é o responsável pela mais significativa das reinterpretações da obra

nietzschiana”F

73F. Jacques Derrida (1930) é um filósofo que se caracteriza pela crítica

da linguagem como representação fidedigna do mundo à parte da atividade humana.

Para ele, não há ligação direta entre a linguagem e o mundo por ele representado.

Essa relação é intermediada pelo ser humano, sendo por ele determinada. Derrida

"nega que a linguagem tenha um significado fixo relacionado a uma realidade fixa"F

74F.

Afirma que o significante lingüístico recebe o seu significado do contexto histórico no

qual está inserido. Como esse contexto não é fixo, mas varia de época para época e

de lugar para lugar, o significado também não o é.

Derrida também faz diferenciação entre fala e escrita. Para ele, o que é falado

recebe o seu significado do autor da fala no momento imediato da ação. Já o que é

escrito, tendo sido fixado e podendo perdurar no tempo após a ação de escrita do

autor, ou seja, não dependendo mais dele para a sua existência, não receberá como

significado necessariamente o intencionado originalmente, mas o que estiver de

acordo com o contexto histórico do leitor. Portanto, o significado jamais poderá ser

definitivamente estabelecido; ele é fluido. "Tudo o que temos é o próprio texto, e não

72 HAROOTUNIAN apud GRENZ, 1997, p. 196. 73 GRENZ, 1997, p.204. 74 Ibidem, p.206.

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algum tipo de significado externo para o qual o texto aponta"F

75F.

Para Derrida, o conteúdo do texto é a leitura que se faz dele. Não existe um

marco absoluto a partir do qual a interpretação é feita. Derrida critica a noção

moderna de que existe um referencial universal que organiza a realidade e que,

sendo descoberto pela razão, levará ao seu conhecimento e domínio. Não existem

universais, mas apenas particulares.

Isso tudo vai influenciar as relações éticas do ser humano pós-moderno. A

característica da pós-modernidade, para James Sire, é algo muito difícil definir, pois

esse é um fenômeno que ainda não está muito claroF

76F. Em princípio, o melhor

caminho talvez seja apontar aquilo que ela não é, apresentando o que ela nega e

rejeita. O francês Jean-François Lyotard define pós-modernidade como

"incredulidade voltada às metanarrativas"F

77F. A pós-modernidade rejeita as

metanarrativas por elas pretenderem ser universais, absolutas e exclusivistas e por

gerarem ambientes autoritários e opressores, que suprimem as narrativas

particulares de cada contexto.

Criticando essa visão, para Ricardo Gouvêa, a pós-modernidade "eleva a

narrativa localizada e subcultural ao status de local por excelência da verdade”F

78F.

Não há nenhum discurso que possa se apresentar como transcultural. Não existe

uma história; existem várias histórias e todas elas são válidas em seus respectivos

contextos locais.

Da negação das metanarrativas, podem ser inferidas outras características do

paradigma pós-moderno. Uma delas é a relativização dos conceitos. Sik Hong diz

que, "com o fim das metanarrativas já não temos um centro, uma ideologia única.

Aparecem o pluralismo e o relativismo"F

79F. Não há um monopólio da verdade. A

verdade é de todas as culturas e de todos os sujeitos, o que afeta seriamente o

campo da ética.

A ausência de um referencial para se estabelecer o que é verdadeiro ou não,

implica a inexistência de um código de ética. A ética passa a ser privada,

75 DERRIDA apud GRENZ, 1997, p. 214. 76 SIRE, 2001, p. 214. 77 LYOTARD apud SIRE, 2001, p. 214. Metanarrativa é um sistema que busca explicar e estruturar o todo da realidade, sendo um marco-referencial e um norteador para a sua percepção e vivência. Sire dá uma definição mais simples: metanarrativa é uma cosmovisâo77. Exemplos disso são o capitalismo, o marxismo e o cristianismo. 78 GOUVÊA, 1996, p. 67. 79 HONG, 2001, p.8.

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pertencente ao subjetivo do indivíduo. O individualismo é exacerbado. Na era

moderna, a autonomia do sujeito era um forte valor. Através da razão, cada indivíduo

poderia alcançar por si mesmo a verdade absoluta e universal. Entretanto, na pós-

modernidade, com a queda dos referenciais, a liberdade do sujeito é extrapolada,

podendo ele determinar para si o que é certo ou errado a partir de suas preferências.

Os desejos e prazeres do ser humano são os referenciais. Surge, assim, um

ambiente fortemente hedonistaF

80F.

Para Boff, “a ética da sociedade dominante hoje é utilitaristaF

81F e

antropocêntrica”F

82F Entende que o ser humano pode dispor do “conjunto dos seres” ao

seu serviço, utilizando-os para atender a seus desejos e prioridades. O ser humano

se coloca como superior a todas as coisas e seres, o que parece consistir à base da

crise civilizacional. Com o seu desejo de tudo dominar, leva a si mesmo a sofrer os

danos de uma terra afetada e desequilibrada. O sonho de aperfeiçoar a condição

humana chegou a uma péssima qualidade de vidaF

83F.

Se a modernidade é considerada a Idade da Razão e, conseqüentemente, da

religião racional, a pós-modernidade pode ser considerada a era da emoção e de

uma espiritualidade mística. Segundo Hong, "a perda da fé na razão instrumental e

na idéia de progresso foram causas fundamentais do despertar religioso da pós-

modernidade"F

84F.

Colin Campbell percebe na contemporaneidade uma mudança ampla na

cosmovisão ocidental. Sua tese afirma que a visão de mundo ocidental sofre um

processo de orientalização. Ressalta, porém, que não se trata da expansão de

religiões orientais, como o movimento Hare Krishna por exemplo, visto que esse

impacto é bastante reduzido e restrito a minorias. Mas, é no campo dos valores que

a teodicéia oriental se faz percebida. Crenças e idéias mais amplas como holismoF

85F,

unidade corpo e espírito, iluminação, intuição, êxtase, religiosidade espiritual e 80 HONG, 2001, p.8. 81 Utilitarista: “relativo ao ou próprio do utilitarismo”. – Utilitarismo: “1 método, maneira ou comportamento do que é utilitário ou utilitarista 2 teoria desenvolvida na filosofia liberal inglesa, esp. em Bentham (1748-1832) e Stuart Mill (1806-1873), que considera a boa ação ou a boa regra de conduta caracterizáveis pela utilidade e pelo prazer que podem proporcionar a um indivíduo e, em extensão, à coletividade, na suposição de uma complementaridade entre a satisfação pessoal e coletiva” (HOUAISS, 2001). 82 BOFF, 2004, p. 21. 83 Ibidem, p. 23. 84 HONG, 2001,p.9. 85 Boff define “holismo” como totalidade feita de diversidades organicamente interligadas, que de maneira alguma significa totalidade como soma das partes (BOFF, 1995, p.59).

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mística compõem, agora, o universo dos sistemas de crenças no Ocidente. Ou seja,

sem ficar restrita aos grupos isolados, a cosmovisão oriental holística pode ser

percebida em várias instâncias da sociedade ocidentalF

86F.

CapraF

87F, fundador e diretor do Centro para Alfabetização Ecológica em

Berkeley, Califórnia, diz que a concepção de um universo em “blocos básicos de

construção”, isto é a “velha” visão do mundo fragmentada da modernidade, a qual

não é tema inserido nos estudos científicos mais contemporâneos. Uma nova escola

de pensamento procura estudar o universo a partir de sua inter-relação, como afirma

Capra:

Existe, no entanto, uma escola de pensamento radicalmente diferente na física das partículas, cujo ponto de partida é a idéia de que a natureza não pode ser reduzida a entidades fundamentais como, por exemplo, as partículas elementares ou os campos fundamentais. Ela deve, em vez disso, ser inteiramente compreendida através de sua autoconsistência, sendo os seus componentes, por sua vez, consistentes entre si e consigo mesmosF

88F

.

Para Boff, essa mudança de paradigma sobre a vida e o mundo, pode ser

compreendida como a pericórese do universo, ou seja, a “circularidade e inclusão de

todas as relações e de todos os seres relacionados”F

89F. Isso significa dizer que tudo

interage de todos os lados e em todos os momentos de acordo com uma “lógica

pericorética”F

90F.

O que se faz necessário atualmente é mais uma ética do que uma moralF

91F, de

forma a se considerar a esperança de salvar o planeta, seus sistemas e a vida,

principalmente, aquelas que estão mais ameaçadas. Tal ética orientar-se-ia a partir

de dois princípios básicos: “o princípio de responsabilidade e o princípio de

86 CAMPBELL, 1997, p.9. 87 Doutor em Física Teórica pela Universidade de Viena. 88 CAPRA, 1983, p.213. 89 BOFF, 2004, p.44. 90 Ibidem, p.45. 91 Segundo Boff, “A moral configura sempre imperativos que são exigidos por uma certa ordem estabelecida. A moral tem a ver com a obediência e conformação com esta ordem. O que entretanto, devemos questionar não é a sintonia ou não com a ordem estabelecida (moral). Mas a própria ordem e sua natureza. Pode haver um tipo de ordem e com isso de moral profundamente antiecológica. É o caso da moral convencional. Ela é utilitarista e antropocêntrica e faz da terra um mero depósito de recursos para satisfazer os desejos humanos, sem sentido de respeito à alteridade e dos direitos dos demais seres da natureza. “O que se pede hoje não é tanto uma moral, mas uma ética vale dizer, uma atenção às mudanças e a capacidade de adaptar-se àquilo que deve ser em cada momento”. (Ibidem, p. 186-187)

Page 30: Etica Pericoretica: A trindade como caminho ético  - Monografia de Mariel M. Marra - Teologia / 2008

30

compaixão”F

92F.

O filósofo Hans Jonas define o princípio da responsabilidade enfatizando que

as ações das pessoas podem resultar na manutenção da vida presente e das futuras

gerações na Terra. Tais ações são incentivadas nessa proposta ética. E a ética da

compaixão é norteada pelo entendimento de que algo é bom se mantém o equilíbrio

entre os seres e auxilia os fracos e ameaçados; e é mau tudo o que é prejudicial aos

seres ou às condições necessárias para sua reprodução e desenvolvimento. De

acordo com a síntese de Albert Schweitzer: “Ética significa a ilimitada

responsabilidade por tudo o que existe e vive”F

93F.

Nessa perspectiva, é possível dizer que a pericórese do universo e a

emergente “lógica pericorética” oportuniza a atuação da comunidade cristã na

sociedade contemporânea de maneira mais eficaz. A Igreja deve elaborar e propor

uma ética pericorética, na qual a imagem da pericórese divina é apresentada como

possível caminho para superação das frustrações e crise do paradigma civilizacional

da contemporaneidade.

92 BOFF, 2004, p.44. 93 Ibidem, p.188.

Page 31: Etica Pericoretica: A trindade como caminho ético  - Monografia de Mariel M. Marra - Teologia / 2008

31

2B3 ÉTICA PERICORÉTICA: A TRINDADE COMO CAMINHO ÉTICO

A abordagem deste capítulo será feita a partir dos conceitos tratados

anteriormente sobre ética, pericórese e os desafios paradigmáticos da pós-

modernidade. Propõe-se apresentar a inter-relação, interdependência e a ex-

sistentiaF

94F das pessoas divinas como caminho para a construção das relações

humanas e o encontro da própria identidade humana a partir da comunidade, sob o

paradigma da complexidade da vida criada pela Trindade.

13B3.1 A gênese da ética pericorética

A discussão acerca da possibilidade de uma ética pericorética emerge do

diálogo conceitual entre a pericórese e a ética do cuidadoF

95F, e tem como referencial

para as decisões e comportamentos, a revelação cristã das relações em amor e em

complexidade das pessoas divinas, abertas umas para as outras em perfeita

harmonia. A Trindade pericorética apresenta-se como caminho para o

estabelecimento de relações éticas baseadas no amor e na alteridadeF

96F

A teologia das pessoas trinitárias é pensada em termos de individualidade,

comunidade e alteridade. Isso significa dizer que Deus é amor, e quando isto é

compreendido em dimensão trinitária, refere-se ao amor relacional que só existe a

partir da alteridade comunitária, a qual não é vista como objeto para domínio,

subjugação ou exploraçãoF

97F, mas sim como ambiente de comunhão para existência

mútua e harmônica.

O Pai somente encontra a si mesmo, quando está em comunhão com o Filho

e com o Espírito, desta maneira, cada pessoa divina encontra a si mesma como

individualidade, a partir da convivência comunitária em alteridade. Outrossim, cada

94 O termo ex-sistentia é emprestado de Hegel por Moltmann (2000, p.170) e pela sua pertinência em relação à pericórese será adotado aqui. Logo à frente, neste capítulo, será mais detalhado o seu uso. 95 A Ética do cuidado ou ética do amor, assim como a pericórese, se particulariza pela ênfase na alteridade, que pressupõe as pessoas relacionando-se umas com as outras w umas nas outras. Ambas, ética do cuidado e pericórese, são edificadas sobre o princípio do amor e do valor intrínseco dos seres em relação. 96 MOLTMANN, 2000, p.182; BOFF, 1997 p.42. 97 SILVA, 2006, p.39.

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ser humano encontra a si mesmo como indivíduo a partir da convivência comunitária

em alteridade, pluralidade, estando aberta para o Outro e para a submissão mútua,

em entrega total de si mesmo em amor relacional.

Sobre o conceito existencial das relações das pessoas divinas, Moltmann

trata em seu livro Trindade e Reino de Deus, da seguinte maneira:

O ser-pessoa, de acordo com Ricardo de S. Vítor, significa não apenas subsistir, não apenas subsistir-em-relação, mas existir. Como melhoria da definição antiga, ele propôs: “Uma pessoa divina é uma existência inconfundível da natureza divina”. Pelo termo “ex-sistentia” ele entendia: um existir a partir de outro. Certo é que esse outro era para ele antes de tudo a natureza divina. Nesse caso, “existência” denota um aprofundamento do conceito de relação: cada pessoa divina existe pelas outras e nas outras. Em virtude do amor que reina entre elas, elas ex-istem totalmente no outro: o Pai, em virtude de seu amor, ex-siste como tal inteiramente no Filho; o Filho, em virtude da sua entrega ex-siste como tal no Pai etc. Cada pessoa encontra sua existência e sua alegria nas outras pessoas. Cada pessoa recebe das outras a plenitude da vida eternaF

98F.

O conceito de existência (ex-sistentia) a partir da alteridade lança as bases

para a formulação de uma ética inclusiva, aberta à pluralidade, à mútua submissão,

à entrega, à doação, ao compartilhamento e à comunhão, a fim de que os indivíduos

encontrem a si mesmos no Outro, e dediquem-se totalmente ao semelhante e ao

diferente. Pois, conforme HegelF

99F, “somente pela abertura e pelo alheamento de si

em relação ao outro é que a pessoa descobre-se a si mesma”F

100F. Logo, a partir da

compreensão da vida trinitária propõem-se relações harmônicas de humanos em

todas as dimensões, a fim de que, em comunidade, o indivíduo encontre-se a si

mesmo.

14B3.2 Uma comunidade inclusiva: aberta para o outro

A Trindade entendida a partir da pericórese possibilita a compreensão de

Deus como ser profundamente relacional em sua existência, aberto em amor para o

outro em relações mútuas e recíprocas.

98 MOLTMANN, ANO, p.181. 99 HEGEL apud MOLTMANN, 2000, p.181. 100 Este conceito foi assumido por Hegel e por ele aprofundado. A ex-sistentia “constitui a essência da pessoa ao se dedicar totalmente a um semelhante e encontrar-se no outro. Somente pela abertura e pelo alheamento de si em relação ao outro é que a pessoa descobre-se a si mesma” (Ibidem).

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Para Moltmann (2000, p.183), a unidade de Deus “não se fundamenta na

soberania divina única, mas sim na união de sua tri-unidade”. Nesse contexto, a

relação de Deus com sua criação deve ser vista como uma relação pericorética F

101F.

Isso significa dizer em termos práticos, que a comunidade inclusiva percebe o outro

como seu igual em valor, criados pelo Deus trino, habitando todos a mesma casa

(OikósF

102F), e assim as relações éticas entre estes seres vivos e não-vivos devem ser

baseadas em amor recíproco.

A pericórese divina como relação de comunhão recíproca e de

interpenetração, apresenta-se como caminho para a comunhão humana, a qual é

determinada para ser a imagem da TrindadeF

103F.

No Novo Testamento, as comunidades expandiram-se entre os povos e as

nações como comunidades constituídas no espírito de voluntariado. A primeira forma

histórica do Cristianismo foi a comunidade judeu-cristã oriunda dos “doze apóstolos”.

Essa se compreendia, inicialmente, como movimento messiânico de renovação no

interior das doze tribos de Israel. Posteriormente, com a decisão histórica de realizar

missão entre gentios, passou a se compreender como comunidade mista de judeus

e gentios. Essa compreensão é revelada tanto na ação de Estevão e dos sete

“diáconos”, em Jerusalém, como na fundação da igreja de Antioquia, em que pela

primeira vez a comunidade recebeu o título de ekklesiaF

104F.

A comunidade, naquele contexto de alteridade, era formada por judeus que

não chegaram a se tornar gentios e gentios que não se tornaram judeus ao aderir à

fé cristã. O Cristianismo, portanto, não era uma seita judaica nem comunidade

cúltica helenista, mas ekklesia, a qual se organizava em comunidade por livre

adesão de seus participantes sem qualquer divisão social tradicional de religião,

raça, classe, nações ou sexoF

105F. E, conforme Moltmann afirma, “foi certamente por

isso que a cristandade se expandiu tão rapidamenteF

106F”.

É possível observar que a comunidade inicial, não se estruturava

hierarquicamente, ou na base da organização pastoral. Moltmann afirma que “Deus

101 MOLTMANN, 1993, p.368. 102 Para Pelizzoli (1999, p.92), por trás do conceito de ecologia, está sempre o possível resgate de uma harmonia entre as pessoas com sua casa comum (eco (oikos)=casa; logia (logos)= racionalidade, assim como economia = leis e gerenciamento da casa). 103 MOLTMANN, 1993, p.368. 104 MOLTMANN, 1978, p.97. 105 Ibidem, p.98. 106 Ibidem.

Page 34: Etica Pericoretica: A trindade como caminho ético  - Monografia de Mariel M. Marra - Teologia / 2008

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como amor só pode ser experimentado e testemunhado em comunidades menores

nas quais, cada um conhece e aceita o outro como quem é conhecido e aceito pelo

Cristo”F

107F.

O evangelho do Cristo Crucificado liquidava com a religião baseada no poder,

tornando possível a transformação do experimentar humano de Deus a partir do

amor traduzido em comunidade de pequenos cristos, que agem e amam como o

cabeça, Jesus Cristo. A fé que justificou e abriu acesso do indivíduo à participação

comunitária, rejeitou a dependência religiosa e criou a liberdade na própria

comunidadeF

108F.

Nessa perspectiva, pode-se dizer que a comunidade pericorética é formada

por livre adesão, aberta para a alteridade em amor, sem qualquer divisão entre os

indivíduos participantes. Esses vivem em comunhão harmônica, a fim de ser a

imagem da Trindade, em resposta ao Deus Trino relacional, o qual também busca

estabelecer suas relações de forma aberta para a alteridade em amor, a fim de que

possa estabelecer, criar e sustentar a própria existência individual e comunitária.

O princípio que norteia a abertura da comunidade para a inclusão do outro é o

princípio da compenetração recíprocaF

109F, tal como afirma o Jesus joanino em Jo

14:11 “Eu estou no Pai e o Pai está em mim”. Segundo Moltmann:

Em Deus, não existe unilateralmente sobreposição e subordinação, ordem e obediência, senhor e escravo, como Karl Barth o expressou na sua doutrina teológica da soberania de Deus e tomou isso como ponto de partida para a apresentação de todas as relações análogas na contraposição entre Deus e mundo, entre céu e terra, entre alma e corpo e, não por último, entre homem e mulher. No Deus trino existe o mutualismo e a reciprocidade do amorF

110F.

Percebe-se que o pensamento de Moltmann questiona muitos conceitos

tradicionais do pensamento cristão ocidental, como soberania, e a própria visão

monoteísta estrita, ou seja, o monoteísmo monárquico, pois o pensamento de

Moltmann se fundamenta sobre a perspectiva de um monoteísmo cristão a partir da

compreensão pericoréticaF

111F.

A reconciliação realizada por Deus traz reflexos para a convivência humana,

107 MOLTMANN, 1978, p.98 108 Ibidem, p.99. 109 Ibidem, 1993, p.36. 110 Ibidem. 111 Ibidem, 2000, p.161.

Page 35: Etica Pericoretica: A trindade como caminho ético  - Monografia de Mariel M. Marra - Teologia / 2008

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pois ao destruir a alienação do pecado e irmanar os seres humanos em todas as

dimensões, grupos estranhos e afastados passam a fazer parte de uma só famíliaF

112F.

Conforme Jungues “a reconciliação trazida por Cristo introduz uma dinâmica de

inclusão que não discrimina e marginaliza a ninguém, incluindo a todos, como filhos

do mesmo Pai”F

113F.

Entretanto olhando para a realidade atual, o que se percebe é a dinâmica de

exclusãoF

114F. O ser humano contemporâneo sofre o impacto amargo do fracassado

“mito do progresso eterno” da modernidade, o qual plasmou o ideal humano

multissecular de domínio e controle de todos os problemas e desafios à existência

humanaF

115F.

Torres QueirugaF

116F acredita que a crise que originou a modernidade consistiu

“em pôr em questão, desde seus mais profundos alicerces, todo o marco em que a

experiência cristã tinha sido modelada e configurada”F

117F. Todo um mundo cultural

veio abaixo e há a necessidade de reconstruí-lo a partir de novas coordenadas.

Queiruga diz que a teologia necessita levar muito a sério esse fato, afinal o

Cristianismo entrou em crise no mundo moderno “precisamente por não se ter

adequado a forma da fé à nova situação”F

118F.

O princípio da compenetração recíproca é pertinente para a comunidade da

pós-modernidade que necessita de outro caminho possível para a existência

humana, para responder inclusivamente ao clamor dos empobrecidosF

119F, aos novos

paradigmas da orientação sexualF

120F, da crise ecológicaF

121F, do ecumenismo e do

diálogo inter-religiosoF

122F, dentre outros desafios contemporâneos.

A comunidade de indivíduos pós-modernos, vivendo em comunhão, a fim de

ser o reflexo da imagem da Trindade, ao se abrir para a alteridade, mediante o

princípio da compenetração recíproca, abre-se também para a pluralidade e a 112 JUNGES, 1999, p.80 113 Ibidem. 114 Ibidem 115 CAVACA, 2006, p. 42. 116 Doutor em Filosofia e Teologia, atualmente ensina Filosofia da Religião na Universidade de Santiago de Compostela (Espanha) (Cf. SILVA, 2006 c, p.43). 117 QUEIRUGA, 2003, p.18. 118 Torres Queiruga toma de empréstimo uma afirmação do Concílio Vaticano II, na Gaudium et Spes, nº 19, que reconhecia uma “parte não pequena” de culpa dos cristãos no nascimento do ateísmo (Cf. SILVA, 2006 c, p.57) 119 RUBIO, 2001, p.71 120 Ibidem p. 483. 121 Ibidem p. 545. 122 CAVACA, 2006, p. 42.

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diversidade contemporânea, acolhendo-a, mas também criticando-as, organizando-

as e vivificando-as num processo dinâmico.

15B3.3 Uma comunidade de indivíduos: aberta para a pluralidade e a diversidade

O ser humano é por natureza relacional, ou seja, comunitário e voltado para o

outro. Foi criado à imagem da Trindade, logo não pode existir senão de forma

“pericoretizada”F

123F no Deus TrinoF

124F.

No relacionamento entre os seres humanos, mulheres e homens, faz-se

necessário construir a confiança mútua e o respeito pelo diferente. Para Moltmann, a

confiança é a arte de conviver não apenas com o que se tem em comum, mas

também com as diversidadesF

125F. Logo, a comunhão surge quando seres distintos

possuem algo em comum e quando coisas comuns são compartilhadas por seres

distintosF

126F.

Segundo o relato de Gênesis, o ser humano, mulher e homem, é criado como

unidade e pluralidade, pois “a imagem de Deus o criou, homem e mulher os criou”

(Gn 1:27). Cada sujeito dessa narrativa de Gênesis é criado como ser individual e

também aberto para o outro, “[...] far-lhe-ei uma auxiliadora que lhe seja idônea [...] E

disse o homem: Esta, afinal, é osso dos meus ossos e carne da minha carne [...]

deixará o homem pai e mãe e se une à sua mulher, tornando-se os dois uma só

carne. (Gn 2:18-24). Na relação entre unidade e diversidade revela-se plenamente a

natureza humana, na qual cada um existe como indivíduo autônomo, ou seja,

unidade, e também como indivíduo interdependente aberto para o outro, isto é,

pluralidade. Reflete-se, assim, a própria natureza da imagem de DeusF

127F.

Isso significa dizer que a imagem divina (Imago Dei) está presente em cada

indivíduo, a qual é revelada na comunhão aberta para a alteridade em amor, de

modo semelhante à relação das pessoas divinas entre si mesmas e com a criação.

Na Teologia Reformada, a imagem de Deus (Imago Dei) fica evidente pela

beleza da criação humana. Calvino percebe o ser humano como a coroa de toda a 123 Neologismo adotado para expressar a Trindade econômica, a partir da compreensão de uma relação inter-retro-penetração-dependente de Deus com o ser humano. 124 DA SILVA, 2006, p. 47. 125 MOLTMANN, 1991 p. 207. 126 Ibidem 127 DA SILVA, 2006, p. 48.

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criação, ao afirmar que:

Por conseguinte, com esta expressão (imagem de Deus) indica-se a integridade de que Adão foi dotado quando o seu intelecto era límpido, as suas emoções estavam subordinadas à razão, todos os seus sentidos eram regulados devidamente e quando ele verdadeiramente atribuía toda a sua excelência aos admiráveis dons do seu Criador. E conquanto a sede primária da imagem divina estivesse na mente e no coração, ou na alma e em suas faculdades, não havia parte nenhuma, mesmo no corpo, em que não fulgissem alguns raios de glóriaF

128F.

Para CampbellF

129F, “o conceito ‘imago Dei’ não só reforça o sentido de

comunidade e igualdade, mas também respalda a importância que se atribui ao

respeito pela autonomia individual”F

130F. E isso também denota que os indivíduos são

algo mais do que sua própria vontade, pois “são seres dotados de um corpo, e seu

corpo físico e temporal é igualmente digno de respeito moral” F

131F.

Para Moltmann, a dignidade humana é a raiz de todos os direitos, e a

dignidade prende-se ao destino do ser humano enquanto imagem de Deus na terra.

A dignidade humana é una e individual, e os direitos humanos são plurais mas

formam uma unidade. Uns dependem dos outros, não podendo um ser mais

valorizado nem abandonado em favor dos outros. Moltmann afirma que somente no

equilíbrio de todos os direitos pode-se respeitar a dignidade do ser humanoF

132F.

No Novo Testamento, o postulado referente ao conceito da imago Dei surge

acompanhado da perspectiva de igualdade. Em razão da “imagem e semelhança”,

todos os seres humanos devem ser tratados igualmente como filhos de Deus, pois

“não há judeu, nem grego, nem escravo nem livre, não há homem nem mulher, pois

todos são um só em Jesus Cristo” (Gl 3:28). O mesmo pensamento paulino é

percebido em Cl 3:11, Rm 10:12 e 1Co 12:13, conforme se vê a seguirF

133F:

128 CALVINO, 1991, p.257. 129 Courtney S. Campbell, filósofo norte-americano do século XX escritor de livros e artigos sobre bioética. Ele recebeu seu Ph.D. e Mestrado em Estudos Religiosos pela Universidade da Virgínia e seu Bacharelado pela Universidade de Yale. Atualmente é professor no departamento de filosofia da Universidade do estado de Oregon, EUA. 130 CAMPBELL, 1990, p.34. 131 Ibidem. 132 MOLTMANN, 1978, p.86. 133 FERREIRA, 2002. p.93.

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Gl 3:26-28 1Co 12:13 Rm 10:12 Cl 3:11

Vós todos sois filhos de Deus pela fé em

Cristo Jesus

De sorte que não há distinção

Pois todos vós fosses batizados em Cristo

Pois fomos todos batizados num só

Espírito para ser um só corpo

Vos vestistes de Cristo

Não há judeu nem grego judeus e gregos Entre judeu e grego

Aí não há mais grego e judeu circunciso e incircunciso bárbaro,

cita, Não há escravo nem livre, não há homem

e mulher escravos e livres escravo, livre

Pois todos vós sois um só em Cristo

Jesus.

e todos bebemos de um só espírito

Pois ele é o Senhor de todos...

Mas Cristo é tudo em todos.

Isso significa que, na teologia paulina, a dignidade humana está ligada não só

a criação mas também à redenção operada na cruz, a qual faz com que todos, isto

é, a diversidade, sejam um, a unidade, em Jesus Cristo, e dignos de respeito em sua

individualidade.

Para Moltmann, a cruz é definitivamente o lugar de encontro com o Deus tri-

unoF

134F. Partindo desse lugar de comunhão universal, a comunidade composta por

indivíduos autônomos e complexos, deve-se abrir para a pluralidade e a diversidade,

a fim de manifestar a imagem de Deus em potência em cada um, estabelecendo

relações de amor, confiança mútua e respeito pelo diferente.

O mundo na visão do teólogo ecumênico suíço Hans KüngF

135F, não necessita

de uma religião unitária, nem de uma ideologia única, mas sim de uma “ética básica

para toda a humanidade”F

136F. Afinal, pergunta Küng, “a questão das religiões não foi

sempre a de motivar pessoas em todo o globo para normas, valores, ideais e

objetivos?F

137F”. Logo a credibilidade futura de “todas as religiões”, grandes e

134 SILVA, 2006 b, p.146. 135 Teólogo ecumênico suíço. Nasceu em 19 de março de 1928, em Surcee nas proximidades de Lucerna. Küng perdeu a licença para ensinar como teólogo católico, em dezembro de 1979, o que o impediu de lecionar em faculdades católicas. Com isso, ele foi obrigado a retirar-se do ensino na faculdade teológica católica de Tubingen em 1980. (SILVA, 2006, p.43.) 136 KÜNG, 2001, p. 8. 137 Ibidem, p.9.

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pequenas, acredita o autor, “vai depender em que medida acentuam mais aquilo que

as une e menos aquilo que as divide”F

138F.

16B3.4 Uma comunidade de iguais: aberta para a mútua submissão

Do postulado paulino de que “não há judeu, nem grego, nem escravo nem

livre, não há homem nem mulher, pois todos são um só em Jesus Cristo” (Gl 3:28),

entende-se que, a partir da cruz, a comunidade pluralizada pelas diferenças

individuais é comunidade de iguais, que para sua própria subsistência e realização

de sua vocação necessita se abrir para a mútua submissão.

Na perspectiva de Gl 3:28, o que possui, sejam bens, sejam escravos, deve

abandonar o poder de domínio e subjugação sobre outros; o marido deve abandonar

o poder sobre a esposa e os filhos; o judeu, ao se converter, deve abandonar a idéia

de que somente os judeus são o povo preferido de Deus. Enfim, todos os privilégios

sócio-religiosos, bem como os político-econômicos, são dissolvidos nessa

comunidade idealF

139F.

Para o profeta Isaías, o reino messiânico representa a pacificação e a não-

dominação quando diz que “o lobo habitará com o cordeiro, e o leopardo se deitará

junto ao cabrito; o bezerro, o leão novo e o animal cevado andarão juntos, e um

pequenino os guiará”(Is 11:6). Assim como o profeta Zacarias também escreve que

haverá um tempo em que os velhos poderão ficar nas praças e as crianças

brincarão, isto é, um tempo em que não haverá hierarquia, dominação, competição,

guerra, deslealdade (Zc 8:4-5). Uma das características mais marcantes da relação trinitária pericoretizada é

que nela não existe sobreposição e subordinação, ordem e obediência, senhor e

escravoF

140F. Há, sim, a convivência e a habitação tão intimamente ligada de uns com

os outros pela força do amor, como na Trindade, e os diferentes se tornam unidade

justamente naquilo pelo que se distinguem. Assim como as pessoas divinas é o

amor e a diferença que permite que se unam eternamente de forma inter-retro-

138 KÜNG, 2001, p. 9. 139 FERREIRA, 2002, p.101 140 MOLTMANN 2000, p.36.

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relacionados-penetrados-dependentes F

141F.

O amor relacional presente na pericórese não admite que o outro seja visto

como objeto de domínio, de subjugação ou de exploraçãoF

142F, mas, sim, como

companheiro, parceiro, sujeito autônomo e digno para a convivência comunitária, a

fim de que haja existência mútua e harmônica entre e para todos. Na perspectiva de

igualdade e da mútua submissão, revelam-se as condições sine qua non para a ex-

sistentia, pois conforme Hegel, “somente pela abertura e pelo alheamento de si em

relação ao outro é que a pessoa descobre-se a si mesma”F

143F.

Entretanto, o despertar da consciência humana para a possibilidade da ética

pericorética baseada no amor, na abertura para a alteridade, e para a mútua

submissão, passa antes pela mudança na concepção humana acerca de Deus. Isto

é o que afirma RuetherF

144F:

[...] devemos transformar as relações de domínio e exploração em relações de apoio recíproco. Essa transformação não se dará sem uma correspondente mudança de nossa imagem de Deus, de nossa imagem das relações entre Deus e a criação em todas as dimensõesF

145F

.

Nessa mesma linha de pensamento, a teóloga norte-americana Sally

McFague propõe a redefinição da percepção de quem é Deus e das suas relações

com o mundo, à luz da nova percepção de mundo oferecida pela ciência na

contemporaneidadeF

146F. Também Castro (2007, p. 12), fundamentada em Boff e

Moltmann, diz que o pensar teológico carece questionar suas elaborações

tradicionais e necessita olhar para o passado e analisar as conseqüências da

concepção tradicional do monoteísmoF

147F nas relações sociais e ambientais para que

o presente possa estabelecer o futuro.

De certa forma, reduzir a comunidade cristã a uma forma religiosa é

141 Ibidem, p. 182. 142 SILVA, 2006, p.39. 143 HEGEL apud MOLTMANN, 2000 p. 181. 144 Segundo GIBELLINI, 1995, p.159, R. Radford Ruether é pesquisadora na área do ecofeminismo. 145 RUETHER apud GIBELLINI, 1995, p.159. 146 McFAGUE apud GIBELLINI, 1995, p.159. 147 Porque o monoteísmo - a crítica moltmanniana. Moltmann, na obra Trindade e Reino de Deus, situa as pessoas trinitárias na economia da salvação e analisa o Mistério da Trindade. Ele o faz a partir da crítica do que denomina monoteísmo monárquico e conclui que as tradições trinitárias não esclarecem devidamente a relação da pluralidade na unidade divina. (MOLTMANN, 2000, p.66)

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movimento que passa pela perspectiva monoteísta de DeusF

148F. Para Moltmann, a

concepção monoteísta monárquica acarretou a concepção de o ser humano superior

à criação, vez que advoga a visão hierárquica da vida. Nessa perspectiva, o ser

humano é visto como semelhante a Deus e deixa de fazer parte da criação, assume

a posição de dono e possuidor da terra e de tudo que nela há, em uma perspectiva

absolutista e monárquicaF

149F.

Como se viu no capítulo dois, a visão histórico-trinitária de Joaquim de Fiore

torna-se a chave hermenêutica pela qual Moltmann localiza historicamente a ação

libertadora da TrindadeF

150F. Moltmann argumenta que:

A configuração de uma concepção trinitária do conceito de Deus só poderá superar realmente aquela transposição do monoteísmo religioso para um monoteísmo político e a transposição do monoteísmo político para um absolutismo, a partir do momento em que superar o conceito de uma monarquia mundial do Deus ÚnicoF

151F.

De modo mais pragmático, para que a comunidade perceba-se como

comunidade de iguais, se estruture pela imagem da Trindade, se abra à mútua

submissão e haja no mundo trinitariamente, é necessário que ela passe da

perspectiva monoteísta monárquica para a concepção pericorética da Trindade, a

qual é baseada no amor, no princípio de compenetração recíproca, no conceito de

Imago Dei, no postulado de igualdade de todos em Cristo e no princípio de

responsabilidade de Hans Jonas o qual definiu esse princípio enfatizando que as

ações das pessoas podem resultar na manutenção da vida presente e das futuras

gerações na Terra. Esse conjunto de paradigmas oportuniza a consciência de inter-

relacionalidade de tudo que existe e, por conseguinte, leva as pessoas à entrega de

si mesmas ao outro, a fim de que descubram a si mesmas.

17B3.5 Uma comunidade de amor: aberta para a entrega, doação e compartilhamento

Queiruga, ao tratar da crise contemporânea da civilização, afirma que “já 148 CASTRO, 2007, p.13. 149 MOLTMANN, 1985, p. 54,55. 150 SILVA, 2006, p.6. 151 MOLTMANN, 2000, p.202.

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passou o tempo da acomodação ou do simples ajuste”F

152F, ou seja, remendo de “pano

novo sobre o pano velho”, pois a contemporaneidade evidencia a necessidade da

mudança, uma resposta de conjunto, “odres novos” para o vinho de um tempo novo,

enfim, numa terminologia mais atual, para Queiruga “se impõe uma mudança de

paradigma”. E o autor expressa como hipótese para a mudança de paradigma, a

concepção do Deus que cria por amorF

153F.

Segundo Silva, fundamentado por Moltmann “Deus é amor, e porque é amor,

ele não é um Deus apático. Ele acomoda-se e adapta-se à sua criação, sofre com e

por ela. E porque é Deus entrega-se totalmente”F

154F. Ainda, para Moltmann:

O Todo-Poderoso é trinitário, e como tal não é o arquétipo para os poderosos deste mundo, mas sim o Pai de Cristo que por nós foi crucificado e ressuscitado. Como Pai de Jesus Cristo, ele é todo-poderoso porque se expõe à experiência do sofrimento, da dor, da impotência e da morte. Mas ele não é o poder total. Ele é amor. No seu amor passível e apaixonado é que reside a sua onipotência, não em outra coisaF

155F.

Isso significa que a comunidade da imagem trinitária deve revelar o “amor

padecente, revelado radicalmente na Cruz de Cristo”F

156F. Aceitar a soberania do Deus

de Jesus é aceitar a soberania do amor gratuito e promover a vida. A grande

exigência ética-moral do ser humano é converter-se em canal transparente e eficaz

para que o amor gratuito e gerador de vida se transmita e cresça na história

humanaF

157F.

Agir com amor e misericórdia com o outro, para Marciano Vidal, propriamente

não se trata tanto de responder a Deus e sim de corresponder ao que ele é e fazF

158F,

conforme: “Sede misericordiosos como o Pai é misericordioso” (Lc 6:36). E,

Moltmann, citando C. E. Rolt, conclui que o conceito de onipotência divina deve ser

derivado da cruz de Cristo, isto é, no amor consumado pelo sofrimento voluntário de

auto-entrega e doação que reside a essência eterna de DeusF

159F. Desse modo “o

auto-sacrifício é a essência divina. Deus é Deus porque eternamente entrega-se

152 QUEIRUGA, 2003, p.121. 153 QUEIRUGA, 2003, p.122 154 MOLTMANN apud SILVA, 2006b, p.73. 155 MOLTMANN, 2000, p.203. 156 SILVA, 2006 b, p.73. grifos do autor. 157 VIDAL, 1999, p. 73. 158 Ibidem 159 MOLTMANN, 2000, p.45.

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completamente e sofre com aquilo que contraria a sua natureza: o mal, a força bruta

que o amor padecente redime em força de vida”F

160F.

Storr ensinava que “Deus não descansa em um céu olímpico, mas

pessoalmente sofre quando Jesus sofre na terra”F

161F. Jesus sofre a cada momento,

espaço e evento em que um ser humano ou qualquer outro elemento de sua criação

sofre ou perde a dignidade.

O evangelista percebe que Jesus vincula o amor a Deus e o amor ao próximo

e nisso fundamenta sua concepção de reino de Deus, ou seja, da própria

manifestação do Pai: “[...] Amarás, pois, o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração,

de toda a tua alma, de todo o teu entendimento e de toda a tua força. [...] Amarás o

teu próximo como a ti mesmo [...]” (Mc 12:28-31)F

162F.

É possível dizer que o reconhecimento do outro como irmão é a afirmação

histórica da soberania suprema da Trindade em sua entrega total de si mesma por

amor consumada pelo sofrimento voluntário de Cristo na cruz. Essa entrega

oportuniza a abertura da comunidade para revelar seu amor padecente, entregando-

se a si mesma como doação ao mundo contemporâneo, compartilhando com esse a

liberdade da vida em Cristo.

Para Emmanuel LévinasF

163F, o Outro é o começo do filosofar, o fundamento da

razão, e mais, o sentido do humano e a possibilidade de realização da justiça e da

paz. Sua questão é uma possibilidade ética, portanto uma comunidade de amor não

é ingênua, mas é voluntária; Não é romântica, mas ativa e atuante. Reconhecer o

Outro como irmão e se doar voluntariamente é o princípio da responsabilidade, e da

poimênica segundo ClinebellF

164F, e abre-se para a realização da justiça e da paz.

160 SILVA, 2006 b, p.74. 161 STORR apud MOLTMANN, 2000, p.45 162 VIDAL, 1999, p. 74. 163 Filósofo francês nascido numa família judaica na Lituânia em Kaunas 1906, morreu em Paris em 1995. Bastante influenciado pela fenomenologia de Edmund Husserl, de quem foi tradutor, assim como pelas obras de Martin Heidegger e Fraz Rosenzweig, o pensamento de Lévinas parte da idéia de que a Ética, e não a Ontologia, é a Filosofia primeira. É no face-a-face humano que se irrompe todo sentido. Diante do rosto do Outro, o sujeito se descobre responsável e lhe vem a idéia do infinito e de Deus. (OLIVEIRA, 2007, p.32). 164 Para Howard J. Clinebell (1987, p. 27), “a poimênica é a uma resposta à necessidade que cada pessoa tem de calor, sustento, apoio e cuidado”. “Segundo a compreensão neotestamentária, a poimênica é a tarefa da congregação inteira, que funciona como uma comunidade que presta assistência, promove cura, e possibilita crescimento”. “Poimênica é o ministério amplo e incluso de cura e crescimento mútuo dentro e fora de uma congregação e de sua comunidade, durante todo o ciclo da vida”.

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18B3.6 Uma comunidade de liberdade: aberta para ser

Moltmann compreende que o conceito de liberdade que corresponde à

liberdade divina é a revelação do Deus uno e trino como amor na comunidade do

Pai, do Filho e do Espírito Santo. Sua liberdade reside na amizade que ele oferece

aos seres humanos, e por meio da qual faz deles seus amigosF

165F.

Para Moltmann, a liberdade divina é o seu maravilhoso amor, sua abertura, o

seu vir-ao-encontro, por meio dos quais ele sofre com os seus seres humanos

amados, intervém em favor deles, abrindo-lhes, assim, o seu futuro; E por causa de

seu sofrimento, sacrifício, entrega, e longanimidade, Deus comprova a sua eterna

liberdadeF

166F.

Segundo Moltmann, é por meio do amor sacrificial que se “cultiva a liberdade”

do ser humano, sua imagem e semelhança, e do seu mundo, a criação. Isso significa

que Deus espera pelo amor do ser humano, por sua compaixão, e por sua libertação

para a sua glória mediante o próprio ser humano. Por meio da imagem e

semelhança, ele não apenas fala ao ser humano, como Senhor, mas também

escuta-o, como PaiF

167F. Logo, a essência da liberdade para Moltmann não é de forma

alguma o poder e o domínio sobre a propriedadeF

168F.

Contudo para Karl Barth, Deus “bastar-se-ia na sua imperturbável glória e

felicidade, mas escolheu o ser humano como seu companheiro de aliança”. A

teologia barthiana afirma que Deus não tem necessidadeF

169F do ser humano, que se

basta a si mesmo, mas decidiu coexistir com uma realidade distinta de si, ou seja,

com o mundo criado, e assim determinando para a criação uma coexistência

consigo. E ainda que “Deus impõe-se a determinação de não bastar-se a si mesmo,

embora pudesse a si mesmo bastar-se” F

170F.

Entretanto, Moltmann questiona incisivamente esses pressupostos de Barth e

165 MOLTMANN, 2000, p.70. 166 MOLTMANN, 2000, p.70. 167 Ibidem 168 Ibidem, p. 69. 169 A necessidade divina é compreendia por Moltmann (2000, p.70-71) em termos de uma superabundância do amor como autocomunicação do bem de sua natureza, o qual segundo Moltmann não pode realizar-se na esfera de um sujeito isolado, pois um indivíduo isolado, como tal, não pode comunicar-se: individuum est ineffabile. 170 BARTH apud MOLTMANN, 2000, p.66.

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direciona sua crítica à doutrina nominalista da potentia absolutaF

171F, também presente

na doutrina da decisão originária de Deus feita por Barth, questionando sua

veracidade com o conceito de verdade e bondade em DeusF

172F.

Para Moltmann, Deus não pode revelar-se diferentemente daquilo que

constitui sua real natureza. O que ele revelou de si mesmo não atesta que ele

“bastar-se-ia na sua imperturbável glória”. Logo, afirmar que Deus decide não

bastar-se a si mesmo, embora pudesse permanecer auto-suficiente, para Moltmann

revela contradição entre sua essência e sua manifestaçãoF

173F.

GustafsonF

174F critica Moltmann, pois a idéia de Deus que precisa do ser

humano ou que está a serviço do ser humano, é negar o Deus Trino. Ao contrário,

Gustafson propõe uma construção teológica a partir da percepção das

circunstâncias centradas em Deus, muito embora reconheça que as influências

provindas da esfera cultural e da própria cosmovisão do teólogo sejam realidades

que precisam ser consideradas. A construção ético-teológica de Gustafson é

caracterizada por um grande esforço por relacionar tudo com um poder último,

DeusF

175F.

Entretanto, Moltmann conclui seu raciocínio dizendo que as expressões “Deus

poderia” e “Deus teria” são confusos e que não ajudam a compreender a liberdade

divina, uma vez que Deus não pode contradizer a verdade que revela acerca de si

mesmo. Assim, a liberdade de Deus não pode contradizer o supremo bem que

constitui a sua própria essência. Retoricamente Moltmann pergunta:

Então, se Deus é amor, e se manifesta essa qualidade na entrega do seu Filho, poderia ele ser imaginado de alguma forma como o não-amor? Poderia Deus satisfazer-se realmente, comprazendo-se consigo mesmo, se é amor? Como poderia Deus, no seu apaixonado amor, ser o equivalente a um Deus que vida na sua imperturbável? Como pode um Deus que se gloria

171 Para Moltmann (2000, p.66), os nominalistas afirmam que Deus é livre por potentia absoluta, isto é, por fazer e deixar de fazer o que lhe aprouver e a nada se obriga. Barth, tentando superar esta doutrina, expõe a sua doutrina da decisão originária de Deus, mas que também evidencia traços do nominalismo. 172 MOLTMANN, 2000, p.67 173 MOLTMANN, 2000, p.67. 174 James M. Gustafson é professor de ciências humanas na Emory University. Suas publicações são principalmente voltadas para a área de ética. Uma referência últil e mais detalhada para pesquisa das obras de Gustafson pode ser encontrada em “Focus on the Ethics of James M. Gustafson”, Journal of Religious Ethics (1985). 175 MATTOS, 1998, p.2.

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na cruz do filho possuir uma tal “glória imperturbável”?F

176

É possível dizer que Moltmann não concebe que o Deus amor possa

satisfazer-se consigo mesmo e permanecer em sua glória imperturbável, pois tal

seria uma violência contra a sua essência e manifestação: o amor.

Buscando um conceito que possa refletir a natureza da liberdade em Deus,

Moltmann propõe que o sentido teológico de liberdade divina não consiste na

potentia absoluta de escolha entre o bem e o mal, pois “quem é verdadeiramente

livre não precisa mais escolher”F

177F, e “aquele que deve escolher está constantemente

ameaçado pelo mal, isto é, pelo inimigo, pela injustiça, pois essa é uma possibilidade

sempre presente”F

178F. Entretanto, a “verdadeira liberdade não é o tormento da dúvida

e da ameaça, mas tão somente a alegria pura do bem”F

179F. Não há nada mais

exigente que o amor, e ao mesmo tempo nada mais eficaz e libertador que o amor

que dá a vidaF

180F.

Os dois grandes valores que a ética cristã pericorética defende são a

liberdade e a igualdade, ou seja, o reconhecimento da dignidade humana passa pelo

reconhecimento que não existem seres humanos de categorias diferentes, conforme

à teologia paulina que diz “não há judeu, nem grego, nem escravo nem livre, não há

homem nem mulher, pois todos são um só em Jesus Cristo” (Gl 3:28). É também o

reconhecimento de que cada pessoa é livre para fazer de sua vida, o que bem lhe

aprouver, desde que não seja à custa da vida ou da liberdade dos outrosF

181F.

Para Vidal, não seria ética aquela que legitimasse discriminações ou

agressões às liberdades mais fundamentais, pois a justiça tem como exigência

universal de qualquer proposta ética, a liberdade e a igualdadeF

182F. Isso significa dizer

que a comunidade de liberdade apresenta relações éticas fundamentadas na

liberdade divina que consiste “na participação mútua na vida e na comunhão, sem

suserania e sem vasslagem, isto é, com liberdade e igualdade entre todos”F

183F.

Segundo Moltmann por meio do amor que é a revelação do Deus uno e trino,

176 MOLTMANN, 2000, p.67. 177 Ibidem, p.69. 178 MOLTMANN, 2000, p.67. 179 Ibidem 180 VIDAL, 1999, p. 233. 181 Ibidem, p.577. 182 Ibidem, p.578. 183 MOLTMANN, 2000, p.70.

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o qual se oferece como amigo do ser humano e se abre ao encontro dele, em prol

do qual sofre e oferece a si mesmo em auto-sacrifício, como expressão de seu amor

e entrega, por meio dele as pessoas libertam-se para além dos limites da sua

individualidade na participação interativa da vida e na comunhão para e com

todosF

184F.

19B3.7 Considerações finais

A possibilidade de uma ética pericorética tem sua gênese no diálogo

conceitual entre a pericórese segundo Moltmann e a ética do cuidado, em que a

Trindade pericorética apresenta-se como caminho para o estabelecimento de

relações éticas baseadas no amor e na alteridade.

A partir do conceito de Imago Dei, em que o ser humano é percebido como

“imagem e semelhança de Deus”, postula-se que a dignidade humana prende-se ao

destino do ser humano enquanto imagem de Deus na Terra. Essa imagem é

revelada por meio das decisões individuais e coletivas baseadas no amor relacional,

que só existe a partir da consciência e prática da alteridade comunitária. O outro e a

comunidade não são vistos como objeto para domínio, subjugação ou exploração,

mas sim como ambiente de comunhão para ex-sistentia mútua e harmônica.

É possível dizer que para a comunidade de fé cristã alcançar essa

consciência ética e manifestá-la em prática pericorética é necessário romper com

algumas elaborações teológicas tradicionais, como a concepção tradicional do

monoteísmo monárquico. É preciso avaliar o impacto de tais paradigmas nas

relações sociais e ambientais para que o presente possa estabelecer o futuro, e

transformar as imagens não-pericoréticas que a comunidade tem sobre o Deus

Trino. Essa mudança levará à subversão inevitável das relações de domínio e

exploração, em relações de apoio, igualdade, inter-retro-dependência, entrega,

doação, partilha, inclusão, liberdade e amor recíproco.

Na prática, essa alteração de perspectiva e de paradigmas transforma as

instituições religiosas estruturadas hierarquicamente em comunidades menores, na

qual passam a experimentar o Deus Trino que é amor, em que cada um conhece e

184 Ibidem.

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aceita o outro, tal como quem é conhecido e aceito por CristoF

185F.

Moltmann sugere que no lugar de leigos pertencentes a determinada igreja,

por decisão que lhes fogem às mãos, colocados sob a inquestionável competência

de pastores e padres, seriam promovidas decisões livres em favor da vida

comunitária. Transferir-se-ia o poder de decisão das lideranças para a comunidade

em movimento e direção colegial fraterna e coletiva no Espírito. Alcançar-se-ia

participação e desenvolver-se-iam interesses recíprocos, não só durante o culto,

mas também na vida diáriaF

186F.

Para Moltmann, o religioso é antes de tudo, um membro da comunidade.

Portanto, sugere a integração completa de teólogos, pastores ou padres na

comunidade. Todos e todas devem se tornar sujeitos de suas próprias histórias com

o Deus Trino, no Espírito Santo, a fim de alcançarem o amadurecimento e ganharem

liberdade, deixando de serem apenas como comunidade mais um “subdistrito” da

igreja regional, ou a simples paróquia/denominação de um pastor. A comunidade

tornar-se-ia consciente da própria memória e da própria esperançaF

187F.

185 MOLTMANN, 1978, p.99. 186 MOLTMANN, 1978, p.99 187 Ibidem, p.100.

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3B4 PERSPECTIVAS E DESAFIOS DA PRÁXIS DE UMA ÉTICA PERICORÉTICA

A partir da abordagem da pericórese como possível caminho das relações

éticas, o presente capítulo ocupa-se em apresentar o envolvimento humano no

processo de aplicabilidade dos princípios que constituem a ética pericorética na

estruturação da comunidade de fé e sua ação no mundo.

20B4.1 A comunidade de fé estruturada pela imagem pericorética da Trindade

Fundamentando-se em Moltmann, parte-se do pressuposto de que a unidade

do Deus uno e trino não consiste somente na sua subjetividade e na soberania do

seu domínio, conforme Karl Barth, mas na comunhão pericorética, única e perfeita

do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Segue-se a teologia joanina e aceita-se a

pericórese recíproca do Pai e do Filho e do Espírito como imagem original de todas

as relações na criação e na salvação que correspondam à relação divina conforme

João 17:21 “a fim de que todos sejam um; e como és tu, ó Pai, em mim e eu em ti,

também sejam eles em nós; para que o mundo creia que tu me enviaste”F

188F.

Não é percebido que “no próprio Deus exista um em cima e um embaixo, um

primeiro e um posterior, uma pré-ordem e uma pós ordem”, pois a Unidade divina

não é entendida como Deus em si mesmo mandando e obedecendo. Parte-se da

perspectiva da unidade intratrinitária do amor divino, na qual a estrutura de poder, o

mandar e o obedecer, é uma possibilidade, mas não o elemento determinanteF

189F.

Desse modo, a relação do Deus Uno e Trino para com a criação do seu amor

não é entendida como uma relação unilateral de domínio, mas, com vistas à riqueza

desse amor eterno, como uma relação de comunhão ampla e inclusiva e, assim,

recíproca. A compreensão da “criação no Espírito de Deus” não coloca a criação

somente perante Deus, mas simultaneamente também a coloca dentro de Deus,

sem, contudo, divinizá-la. Deus perpassa sua criação com as forças criadoras e

vivificadoras do Espírito e, em seu descanso sabático, deixa suas criaturas terem

influência sobre ele. Sob o ponto de vista do Espírito na criação, também a relação 188 MOLTMANN, 1993, p.367. 189 Ibidem, p.368.

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de Deus e mundo deve ser vista como relação pericoréticaF

190F.

Compreende-se a imagem e semelhança de Deus nos seres humanos, no

contexto da pericórese divina, tal como uma relação comunitária de necessidade

recíproca e de interpenetração, sendo a comunhão humana determinada para ser a

imagem da comunhão da TrindadeF

191F.

Retoma-se aqui o amor, pois sem ele a unidade não seria possível, quer seja

unidade da comunidade divina, quer seja unidade em comunidades humanas.

Sugere-se que o amor seja o instrumento que impulsione o ser humano no processo

de aplicabilidade dos princípios que constituem a ética pericorética, pois assim como

acontece no relacionamento trinitário, o amor demanda um alheamento de si

mesmoF

192F e a autodoação em benefício do outro, em mútua submissão.

Na unidade da comunidade estruturada a partir da imagem da Trindade, todos

são iguais em direitos e deveres, e não pode haver discriminação de sexo, raça, cor

ou credo, pois o amor que rege as relações humanas é incondicional. Nesse sentido,

percebe-se que a comunidade pericorética é lugar de um só povo, que caminha

sobre uma estrutura funcional de mútua submissão, expressão da comunhão e do

amor trinitário.

Para Boff, uma comunidade de fé inspirada na comunhão trinitária se constitui

pela divisão mais eqüitativa do poder, pelo diálogo, pela abertura à manifestação

dos dons, pela busca do consenso mediante a participação de todosF

193F.

De acordo com Snyder, uma comunidade que essencialmente se estabelece

em comunhão, torna-se tal como um eco da Trindade. Sobre essa comunidade ele

pontua que:

Sua vocação é ser um eco temporal da comunidade eterna, que é Deus; a natureza da igreja deve ecoar a dinâmica das relações entre as três pessoas que, juntas, constituem a deidade. Nessa eclesiologia, as idéias e estruturas hierárquicas são substituídas por um padrão que reflete melhor as relações pessoais livres que constituem a deidade. Isso significa uma eclesiologia de perichoresis, em que não há estrutura permanente de subordinação, mas padrões sobrepostos de relacionamentos, de modo que a mesma pessoa às vezes será subordinada e às vezes supervisora, de

190 MOLTMANN, 1993, p.368. 191 Ibidem. 192 Conceito hegeliano, apresentado no capítulo anterior no tópico 3.1 193 BOFF, 1999, p. 37.

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acordo com os dons e graças que estão em exercícioF

194F.

Desse modo, é possível dizer que aqueles que formam a comunidade

pericorética devem entender que pertencem uns aos outros, ministram uns aos

outros, precisam uns dos outros e, por isso, submetem-se uns aos outros. Para Boff,

"na medida em que a comunidade realiza esta interpenetração, ela efetivamente se

torna uma figura e analogia da Trindade"F

195F.

Contudo, questiona-se o processo de transformação de uma comunidade de

fé não-pericorética, isto é, uma comunidade estruturada por outros entendimentos de

Deus, tal como o monoteísmo monárquico discutido no capítulo anterior, e

considerado inadequado por MoltmannF

196F.

Oscar Cullmann argumenta que Jesus, ao confrontar o sistema religioso de

sua época, “purifica o culto do templo, sem procurar acabar com ele”. No

pensamento de Cullmann, a palavra de Mt 23:23 denota aceitação do quadro da

tradição religiosa existente: “Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas, porque dais o

dízimo da hortelã, do endro e do cominho e tendes negligenciado os preceitos mais

importantes da Lei: a justiça, a misericórdia e a fé; devíeis, porém, fazer estas

coisas, sem omitir aquelas!”. Ou seja, Cullmann defende que para Jesus deve-se

fazer o que é importante na lei (justiça, misericórdia, fidelidade), mas sem

negligenciar as outras coisas (dízimo da hortelã, do endro e do cominho)F

197F.

Jesus distancia-se da proposta revolucionária dos zelotas, pois quando

proclama a vontade de Deus não está apregoando uma ética de transformação do

mundo, mas uma ética que responsabiliza cada um diretamente perante DeusF

198F.

Para Cullmann, em breve Deus julgará as instituições injustas, portanto é o

ser humano mesmo, enquanto indivíduo, que deverá ser transformado radicalmente

pela lei do amor. Jesus se preocupa em denunciar e eliminar, no indivíduo, o

egoísmo, o ódio, a mentira e a injustiça. Ele quer transformar o relacionamento do

ser humano para com Deus, e depois, do indivíduo para com seu próximoF

199F.

Isso significa dizer que o processo de transformação da comunidade acontece

194 GUNTON, apud SNYDER, 2004, p. 33 195 BOFF, 1999, p. 137. 196 MOLTMANN, 2000, p.202. 197 CULLMANN, 1972, p.25. 198 Ibidem, p.29. 199 Ibidem

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primeiramente no nível individual mediante a lei do amor, da mudança conceitual da

imagem de Deus, e da imagem das relações entre Deus e a criação em todas as

dimensões. A questão é como organizar a mudança individual no complexo do

social.

Cabe, então, utilizar o conceito de massas e minorias de Juan Luís

SegundoF

200F como instrumental teórico para oportunizar o entendimento sobre a

dinâmica do processo de transformação ideológico da comunidade cristã. Para J. L.

Segundo toda a existência humana é necessariamente social. Por isso, a estrutura

de valores que cada indivíduo se coloca deve encontrar certa confirmação de suas

reais possibilidades, o que a leva a crer em testemunhas que já realizaram

determinadas experiências, e já percorreram por caminhos conhecidos. Essas

testemunhas são as testemunhas referenciais e a confiança nelas é definida por

Segundo como um ato de fé individualF

201F.

Fundamentado em Lênin e outros pensadores, Segundo conceitua as

“massas” a partir da individualidade com o “homem-massa”, denotando aquele que

se guia pela lei do menor esforço e que tende às soluções mais rápidasF

202F. Ele utiliza

o conceito presente no princípio da entropia utilizado na física, na química e na

biologia para explicar os movimentos de massaF

203F. E, em razão dessa economia de

energia das massas, as possibilidades de progresso de toda minoria estão ligadas a

um aumento do nível do elemento massificante. Assim, a minoria não pode progredir

por si só, mas somente elevando os comportamentos das massas, de modo a

proporcionar a base generalizada de energia para que a minoria possa realizar

sínteses mais ricas e eficazesF

204F.

Conforme J. L Segundo, as mudanças são oriundas das minorias, mas

nenhuma minoria pode desenvolver-se de maneira isolada, mas somente em íntima

relação com a massa, reconhecendo a necessidade dos mecanismos massificantes

e as possibilidades de melhorias de tais mecanismos. Essa relação não pode

consistir unicamente em chamar os elementos possivelmente minoritários que

200 O pensamento de J. L. Segundo é de difícil classificação, e não há um rótulo no qual ele possa ser encaixado. Ele possui uma posição crítica e seus escritos são tratados críticos em relação à religiosidade, ao cristianismo, ao catolicismo e à teologia da libertação. Imprime um estilo não utilitarista e sua a crítica representa sua contribuição à Teologia Latino Americana. 201 SEGUNDO, 1985, p. 9. 202 Ibidem, 1975, p.20. 203 Ibidem, p.21. 204 Ibidem, p.24.

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“dormem” na massa, mas deve consistir numa elevação, numa automatização de

novas coisas e melhores em nível de massa. Em outras palavras, Segundo diz que

“todo progresso (minoritário) exige uma revolução geral, e toda revolução geral exige

novas leis, isto é, automatizar novas condutas. Essa é a grande lei histórica – e se

quiser, ontológica – de toda evolução” F

205F.

Pode-se dizer que as tradições massificam as comunidades mediante a lei do

menor esforço, a qual leva o “homem-massa” a crer e confiar em testemunhas que já

realizaram determinadas experiências e já percorreram caminhos conhecidos.

Entretanto, cabe às minorias críticas a função de subverter as relações de domínio e

exploração, em relações humanas novas de apoio, igualdade, inter-retro-

dependência, entrega, doação, partilha, inclusão, liberdade e amor recíproco, re-

automatizando e inserindo novas condutas éticas pericoretizadas. Logo essa relação

dialética de massas e minorias, de massas e anti-massas, confere movimento

contínuo, complexo e transformador tal como a pericórese divina está também em

contínuo movimento de inter-penetração.

De acordo com Rúbio, "é na relação que o ser humano descobre e aprofunda

a própria identidade"F

206F. E segundo Howard Clinebell, o amor de Deus torna-se uma

realidade quando experimentada em relacionamentos na comunidadeF

207F. Nesse

sentido, o comunitário é fator constitutivo da pessoa indo ao encontro a todo tipo de

afirmação ou comportamento individual. Portanto, ser comunidade trinitária significa

integrar e derramar vida uns nos outros sem se fundir aos outros. Significa ser

comunitário e pessoal, massa e minoria, massa e anti-massa ao mesmo tempo.

Assim, sugere-se a constituição da comunidade pericorética como comunidade de

distintos, unida em torno do Pai, Filho e Espírito Santo em contínuo movimento.

Segundo Mulholland, no Reino de Deus todos e todas devem se considerar

servos, tanto os líderes quanto os lideradosF

208F. E Leonardo Boff assinala que, "da

visão trinitária, emerge um modelo de Igreja mais comunhão que hierarquia, mais

serviço do que poder, mais circular que piramidal, mais do gesto do abraço do que

da inclinação reverente frente à autoridade"F

209F.

Deve-se ressaltar que não se propõe aqui um modelo de comunidade 205 SEGUNDO, 1975, p.24. 206 RUBIO, 2001, p.316. 207 CLINEBELL, 1987, p.14. 208 MULHOLLAND, 2004, p. 138-139. 209 BOFF apud MULHOLLAND, 2004, p. 192.

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perfeita, haja vista o estado de alienação e corrupção dos valores humanos, os

quais o impede de ser, em sentido pleno, a imagem da Trindade. Contudo, a

situação de corrupção não pode servir como pretexto para não se caminhar rumo ao

que Boff chama de "utopia da igualdade”F

210F, isto é, a busca de ser uma comunidade

mais justa, no qual possa existir comunhão plena, igualdade respeito, valorização

das diferenças, inclusão, entrega, doação, liberdade, partilha, submissão mútua e

amor recíproco.

21B4.2 A comunidade pericorética e sua ação no mundo

A comunidade pericorética apresentada anteriormente, também resgata o

conceito de solidariedade como modus vivendi e modus operandi do ser humano no

mundo. A solidariedade pode ser compreendida nas palavras de Boeira:

A solidariedade é um caminho para a amizade (amor ético), a mais bela forma de relação social, a que mais gera valores e amplia a liberdade humana. Na solidariedade, redescobrimos o sentido original da palavra respeito, que nada tem a ver com temor e obediência, mas sim com atenção integral a alguém. Na solidariedade, percebemos a beleza da partilha, da ação em conjunto. E a percepção desta beleza, em si, suscita valores essenciais, como o amor, a paz, a liberdade, a meditação, a evolução e a harmoniaF

211F.

Isso significa dizer que a ação da comunidade pericorética no mundo é

solidária e por meio dessa solidariedade se torna inclusiva, isto é, aberta para

dentro, mas também ekklesiaF

212F, ou seja, aberta para fora. À medida que essa forma

de convivência cristã se torna real, não cabe mais a vivência da fé de forma

exclusivista, isto é, fechada em torno de si mesma.

A segunda possibilidade de aplicação da ética pericorética seria a

“dialogicidade e tolerância”F

213F

. Para Junges, a dialogicidade é o fundamento da

210 BOFF, 1999, p. 122. 211 BOEIRA, 2008. 212 A palavra Ekklesia significa literalmente “chamados para fora”. Ekklesia deriva de ek (fora de) e kaleo (chamar). A Septuaginta – versão grega do Antigo Testamento hebraico, e que era muito popular nos dias de Jesus, utilizou o termo ekklesia para traduzir do hebraico qahal, que significava “reunião”, “assembléia” ou “congregação” ( Cf. Dt. 9:10; 18:16; I Sm. 17:47; I Rs 8:14; I Cr. 13:2) (EICHER, 1993, p.37). 213 JUNGES, 1999, p. 83.

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convivência, e “significa considerar todo ser humano como sujeito de diálogo”F

214F

, isto

é, estar aberto para a palavra e a idéia do outro. A tolerância é percebida como a

“capacidade de conviver com os demais respeitando suas diferenças”F

215F, contudo

não é uma atitude passiva frente aos conflitos, mas sim uma busca constante por um

ponto de contato comum entre todos. Sobre isso afirma Junges:

O princípio da dialogicidade exige superar o dogmatismo, admitindo que o outro também tem a sua dose de verdade e estando disposto a acolher a palavra do outro. Só dialoga quem compreende que não é dono da verdade e espera aprender algo daquele com quem entre em diálogo. A dialogicidade universal requer para efetivar-se, a tolerância para o diferente particular. O estar disposto a dialogar com todos exige tolerar e aceitar aquele que é diverso.F

216

A comunidade, estruturada e transformada pela imagem da Trindade

solidária, abre-se para cuidar do mundo estabelecendo relações de diálogo e

tolerância com o Outro. Sobre o processo do cuidar Junges explica:

O processo do cuidar é fundamentalmente um diálogo, não de idéias, mas de vidas, onde a paixão e não tanto a razão é o elemento central. Trata-se dum diálogo vital que deve enriquecer ambos interlocutores. No processo de cuidar seres vulneráveis, o diálogo é essencial porque é o lugar em que se concretiza a interação pessoal, em que o encontro adquire um rosto concreto. Nesse diálogo, a capacidade argumentadora lógica é secundária, os elementos não verbais, os gestos têm um importância transcendental. Assim o processo do cuidar é um diálogo de presenças, o encontro de dois seres que se dispõem a falar, a olhar-se, a aceitar-se e enriquecer-se mutuamente. O cuidar integra a constelação de elementos em que a palavra tem seu lugar específico, mas não um peso determinante como o gestoF

217F.

É possível dizer que a ação de cuidado da comunidade pericorética é uma

ação de amor, solidariedade, diálogo e tolerância, e desse modo também cumpre o

mandato cultural de Gênesis 2:15 “Tomou, pois, o SENHOR Deus ao homem e o

colocou no jardim do Éden para o cultivar e o guardar”.

Hugo AssmannF

218F, na perspectiva exegética do método histórico-crítico, diz

que o relato mais recente da tradição sacerdotal de Gn 1:1-2,4 deve ser interpretado

214 JUNGES, 1999, p. 83. 215 Ibidem, p. 84. 216 Ibidem, grifo nosso. 217 JUNGES, [s.n.t] 218 Teólogo e sociólogo, professor de pós graduação na área de Ciências Humanas e Sociais na Universidade Metodista de Piracicaba-SP.

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e até criticado à luz do relato mais antigo da tradição javista de Gn 2:4b-25, em que

não se fala em “dominar a terra”, mas em “cuidar dela e cultiva-la” (Gn 2:15)F

219F.

Aplicando tal perspectiva à Igreja, a missão da comunidade pericorética no

mundo é uma missão ecológica. Essa missão deve ser entendida como rede de

conexões recíprocas na qual nenhum ser é superior ou inferior ao outro, em que

existe inter-relação com tudo e com todos, ou seja, “a ecologia sai do nicho

ambientalista e torna-se assunto e tarefa de todos”F

220F.

A comunidade estruturada e transformada pela imagem da Trindade abre-se

para a diversidade e para o diálogo, sempre a partir de sua base, que é a concepção

pericorética da Trindade, na qual Pai, Filho e Espírito Santo, em suas relações

recíprocas, acolhem não apenas os seres humanos, mas também o universo em si.

O desafio para o futuro está descrito na carta da TerraF

221F:

A escolha é nossa: formar uma aliança global para cuidar da Terra e uns dos outros, ou arriscar a nossa destruição e a da diversidade da vida. São necessárias mudanças fundamentais dos nossos valores, instituições e modos de vida. Devemos entender que quando as necessidades básicas forem atingidas, o desenvolvimento humano é primariamente ser mais, não, ter mais. Temos o conhecimento e a tecnologia necessários para abastecer a todos e reduzir nossos impactos ao meio ambiente. O surgimento de uma sociedade civil global está criando novas oportunidades para construir um mundo democrático e humano. Nossos desafios ambientais, econômicos, políticos, sociais e espirituais estão interligados e juntos podemos forjar soluções includentesF

222F.

Portanto, a comunidade alcançada pela pericórese é por ela transformada

pericoreticamente por meio dos próprios seres humanos. Esses homens e mulheres

de fé, movidos pelo Espírito da Trindade, buscam se inter-relacionar também com o

mundo, para nele agir de maneira transformadora e se manifestarem agentes

transformados e transformadores, que participam e convidam a participar, da

comunidade de amor recíproco, igualdade, inclusão, liberdade, solidariedade,

entrega, doação, apoio, partilha, inter-retro-dependência, cuidado, diálogo e

tolerância.

219 ASSMANN, 1997, p.193. 220 BAPTISTA, 2001, p. 505. 221 Aprovada pelas Nações Unidas em 2002, a Carta da Terra é considerada um código ético planetário, que concede sustentabilidade e justiça. 222 UNESCO, 2002, p.127.

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4B5 CONCLUSÃO

Num primeiro momento, procurou-se uma instrumentalização teórica sobre

ética, a doutrina da Trindade e a pós-modernidade e seus desafios paradigmáticos.

Notou-se que a possibilidade de uma ética pericorética tem sua gênese no diálogo

conceitual entre a ética do cuidado e a pericórese segundo Moltmann e Boff. Sendo

que a Trindade pericorética apresenta-se como caminho para o estabelecimento de

relações éticas baseadas no amor e na alteridade.

A partir do conceito de Imago Dei, o qual percebe o ser humano como

“imagem e semelhança de Deus”, postula-se que a dignidade humana deriva da

relação e responsabilização implicadas pela presença do próprio Deus. A Imago Dei

é revelada por meio tanto das decisões individuais quanto coletivas baseadas no

amor relacional, que só existe a partir da consciência e prática da alteridade

comunitária. Nessa perspectiva, o outro e a comunidade não são vistos como objeto

para domínio, subjugação ou exploração, mas sim como condição de possibilidade e

ambiente de comunhão para ex-sistentia mútua e harmônica.

Sentiu-se a necessidade de questionar elaborações teológicas tradicionais, tal

como a concepção do monoteísmo monárquico e suas relações sociais e

ambientais, para oportunizar a transformação das imagens não-pericoréticas do

Deus Trino. Entendeu-se que tal mudança conceitual levará a subversão inevitável

das relações de domínio e exploração, em relações de apoio, igualdade, inter-retro-

dependência, entrega, doação, partilha, inclusão, liberdade e amor recíproco.

Por fim, propôs-se o processo de aplicação e transformação eclesiológica e

missiológica estruturada pela imagem da Trindade, na qual não existem superiores

nem inferiores. Uma vez que nela prevalece o princípio da comunhão recíproca e da

igualdade, sendo ela também dinâmica, complexa e viva.

Levou-se em consideração as limitações humanas, e não foi proposto um

modelo de comunidade perfeita, haja vista o estado de alienação e corrupção dos

valores humanos, os quais o impede de ser, em sentido pleno, a imagem da

Trindade. Contudo, a situação de corrupção também não serve como pretexto para

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não se caminhar rumo ao que Boff chama de "utopia da igualdade”F

223F, isto é, a busca

de ser uma comunidade mais justa, no qual possa existir comunhão plena, igualdade

respeito, valorização das diferenças, inclusão, entrega, doação, liberdade, partilha,

submissão mútua e amor recíproco.

Afinal para Emmanuel Lévinas, o Outro é o começo do filosofar, o fundamento

da razão, e mais, o sentido do humano e a possibilidade de realização da justiça e

da paz. Sua questão é uma possibilidade ética, portanto uma comunidade de amor

não é ingênua, mas é voluntária; Não é romântica, mas ativa e atuante. Reconhecer

o Outro como irmão e se doar voluntariamente é o princípio da responsabilidade, e

da poimênica segundo ClinebellF

224F, e abre-se para a realização da justiça e da paz.

223 BOFF, 1999, p. 122. 224 Para Howard J. Clinebell (1987, p. 27), “a poimênica é a uma resposta à necessidade que cada pessoa tem de calor, sustento, apoio e cuidado”. “Segundo a compreensão neotestamentária, a poimênica é a tarefa da congregação inteira, que funciona como uma comunidade que presta assistência, promove cura, e possibilita crescimento”. “Poimênica é o ministério amplo e incluso de cura e crescimento mútuo dentro e fora de uma congregação e de sua comunidade, durante todo o ciclo da vida”.

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