éTica cristã norman geisler

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2. Pgina 3 NDICE PREFCIO...............................................................................................................................................7 PRIMEIRA PARTE:ALTERNATIVAS TICAS BSICAS.................................................................................8 INTRODUO: ABORDAGENS E ALTERNATIVAS TICAS BSICAS ..............................................................................8 I. AS ALTERNATIVAS BSICAS NA TICA NORMATIVA .........................................................................8 A. Mentir No Nem Certo Nem Errado: No H Normas1................................................................8 B. Mentir Geralmente Errado: No H Normas Universais2.............................................................9 C. O Mentir s Vezes Certo: H Uma Norma Universal3 ................................................................10 D. Mentir Sempre Errado: H Muitas Normas No-Conflitantes4..................................................10 E. Mentir Nunca Certo: H muitas Normas Conflitantes6 ..............................................................11 F. Mentir s Vezes Certo: H Normas Mais Altas7 .........................................................................12 G. Resumo e Comparao das Alternativas.......................................................................................12 II. AS ABORDAGENS BSICAS: NORMAS TICAS OU FINS TICOS? ....................................................13 A. Regras Versus Resultados..............................................................................................................13 B. Prescritiva Versus Descritiva e Emotiva.........................................................................................14 C. Categrica Versus Hipottica.........................................................................................................15 D. Princpios, Normas e Regras..........................................................................................................15 E. Universal Versus Geral ...................................................................................................................16 III. POR QUE UMA ABORDAGEM NORMATIVA? ................................................................................16 A. As Normas So Inescapveis .........................................................................................................16 B. As Normas So Necessrias...........................................................................................................18 NOTAS DE RODAP ............................................................................................................................19 O ANTINOMISMO: NO H NORMAS.............................................................................................................20 I. O ANTINOMISMO EXPLICADO ........................................................................................................20 A. Kierkegaard: Transcendendo o que tico....................................................................................20 B. Nietzsche: Transvalorizando a tica ..............................................................................................23 C. Sartre: A Rejeio do tico.............................................................................................................25 D. A. J. Ayer: A Eliminao da tica....................................................................................................29 II. A AVALIAO DO ANTINOMISMO .................................................................................................30 A. Alguns Valores na tica Antinomista.............................................................................................30 B. Alguns Problemas Com uma tica Antinomista.............................................................................31 Leituras Sugeridas..............................................................................................................................32 NOTAS DE RODAP ............................................................................................................................32 O GENERALISMO: NO H NORMAS UNIVERSAIS .............................................................................................34 1. O GENERALISMO EXPLICADO.........................................................................................................34 A. Jeremy Bentham: O Utilitarismo Quantitativo ..............................................................................34 B. John Stuart Mill: O Utilitarismo Qualitativo ..................................................................................35 C. G. E. Moore: Regras Gerais e a Obedincia Universal ...................................................................37 D. John Austin: Nenhuma Regra Geral Deve Ser Quebrada...............................................................39 II. O GENERALISMO AVALIADO ..........................................................................................................40 A. Alguns Valores do Generalismo.....................................................................................................40 B. Algumas Insuficincias do Generalismo.........................................................................................42 Leituras Sugeridas..............................................................................................................................43 3. NOTAS DE RODAP ............................................................................................................................43 O SITUACIONISMO: H UMA NORMA UNIVERSAL.............................................................................................44 I. O SITUACIONISMO EXPLICADO .......................................................................................................44 A. Evitando Dois Extremos: o Legalismo e o Antinomismo................................................................44 B. Propondo as Pressuposies..........................................................................................................45 C. Explicando as Proposies .............................................................................................................46 D. Aplicando a Norma do Amor .........................................................................................................50 II O SITUACIONISMO AVALIADO ........................................................................................................52 A. Algumas Vantagens da Posio Situacional..................................................................................52 B. Algumas Insuficincias do Situacionismo de Uma S Norma. .......................................................54 Leituras Sugeridas..............................................................................................................................56 NOTAS DE RODAP ............................................................................................................................57 O ABSOLUTISMO NO-CONFLITANTE: H MUITAS NORMAS UNIVERSAIS NO-CONFLITANTES..................................58 I. O ABSOLUTISMO NO-CONFLITANTE EXPLICADO..........................................................................58 A. Plato: Idias Universais da Moralidade .......................................................................................58 B. Emanuel Kant: O Imperativo Categrico .......................................................................................61 C. Outros Absolutlistas Pluralistas: Algumas Premissas Subentendidas............................................65 II. O ABSOLUTISMO NO-CONFLITANTE AVALIADO ..........................................................................67 A. Alguns Aspectos Positivos do Absolutismo Pluralista....................................................................67 B. Alguns Problemas com o Absolutismo Pluralista...........................................................................68 Leituras Sugeridas..............................................................................................................................70 NOTAS DE RODAP ............................................................................................................................70 ABSOLUTISMO IDEAL: H MUITAS NORMAS UNIVERSAIS CONFLITANTES ...............................................................71 I. O ABSOLUTISMO IDEAL EXPLICADO................................................................................................72 A. Doutrinas Bsicas do Absolutismo Ideal........................................................................................72 B. Algumas Doutrinas Associadas do Absolutismo Ideal ...................................................................73 C. Alguns Exemplos Examinados........................................................................................................78 II. O ABSOLUTISMO IDEAL AVALIADO................................................................................................79 A. Algumas Contribuies Positivas do Absolutismo Ideal.................................................................79 B. Algumas Dificuldades Srias com o Absolutismo Ideal..................................................................81 Leituras Sugeridas..............................................................................................................................83 NOTAS DE RODAP ............................................................................................................................83 O HIERARQUISMO: H NORMAS UNIVERSAIS HIERARQUICAMENTE ORDENADAS ....................................................84 I . O HIERARQUISMO TICO EXPLICADO ............................................................................................84 A. A Tese Bsica do Hierarquismo......................................................................................................84 B. Algumas Ilustraes do Hierarquismo ...........................................................................................89 II. O HIERARQUISMO CRITICADO .......................................................................................................92 A. Qual a Base para Determinar a Hierarquia de Valores?.............................................................92 B. Como uma Norma Pode Ser Transcendida e Ainda Ser Universal? ...............................................96 III. O HIERARQUISMO TICO: UMA SNTESE DAS DEMAIS POSIES ................................................98 A. O Antinomismo: Ressaltando a Responsabilidade Pessoal............................................................98 B. O Situacionismo: Ressaltando o Dever Absoluto do Amor.............................................................99 C. O Generalismo: A Luta por Normas Universais..............................................................................99 D. O Absolutismo Pluralista: Mantendo Normas Absolutas ............................................................100 NOTAS DE RODAP ..........................................................................................................................101 SEGUNDA PARTE: QUESTES TICAS .................................................................................................102 O CRISTO E O AMOR-PRPRIO ..................................................................................................................102 I. O ESPECTRO DE OPINIES SOBRE O AMOR-PRPRIO ..................................................................102 A. Ayn Rand: Amando a Si Mesmo por causa de Si Mesmo.............................................................103 4. B. Erich Fromm: Amando o Ego Como Representante da Humanidade ..........................................105 C. Paul Tillich: Amando a Si Mesmo como Afirmao do Ser...........................................................107 D. Sren Kierkegaard: Amando a Si Mesmo Altruisticamente.........................................................108 E. Um Resumo do Amor-Prprio ......................................................................................................109 II. EXAMINANDO OS DADOS BBLICOS SOBRE O AMOR-PRPRIO...................................................109 A. O Amor-Prprio Conforme Condenado na Escritura.................................................................110 B. O Amor-Prprio Conforme Recomendado na Escritura ............................................................111 III. UMA SNTESE E UMA SOLUO..................................................................................................112 A. A Natureza do Homem No Est Totalmente Corrompida..........................................................113 B. Amando o Bem em Si Mesmo......................................................................................................114 Leituras Sugeridas............................................................................................................................115 NOTAS..............................................................................................................................................116 O CRISTO E A GUERRA..............................................................................................................................117 I. O ATIVISMO: SEMPRE CERTO PARTICIPAR DA GUERRA.............................................................117 A. O Argumento Bblico: "O Governo Ordenado Por Deus." .........................................................117 B. O Argumento Filosfico: O Governo o Guardio do Homem ....................................................118 II. O PACIFISMO: NUNCA CERTO PARTICIPAR DA GUERRA ...........................................................121 A. Os Argumentos Bblicos: A Guerra Sempre Errada ...................................................................121 B. Os Argumentos Sociais: A Guerra Sempre M..........................................................................123 III. O SELETIVISMO: CERTO PARTICIPAR DE ALGUMAS GUERRAS.................................................124 A. Uma Base Bblica para o Seletivismo...........................................................................................125 B. A Base Moral para o Seletivismo .................................................................................................128 C. O Seletivismo e a Guerra Nuclear ................................................................................................130 D. O Seletivismo e o Hierarquismo...................................................................................................130 Leituras Sugeridas............................................................................................................................131 NOTAS..............................................................................................................................................131 O CRISTO E A RESPONSABILIDADE SOCIAL ....................................................................................................131 I. A RESPONSABILIDADE SOCIAL DO CRISTO EM GERAL ................................................................132 A. A Responsabilidade para com Outras Pessoas ............................................................................132 B. A Responsabilidade para com a Pessoa Total..............................................................................132 II. AS RESPONSABILIDADES SOCIAIS ESPECIFICAS DO CRISTO .......................................................133 A. A Responsabilidade Social Pelos Seus..........................................................................................133 B. A Responsabilidade Social para com Todos os Homens ..............................................................135 III. O MOTIVO E O MTODO DA RESPONSABILIDADE SOCIAL DO CRISTO .....................................140 A. Os Motivos para a Prtica do Bem Social....................................................................................140 B. O Mtodo para Fazer o Bem Social..............................................................................................142 C. A Responsabilidade Social e a tica Hierrquica .........................................................................143 Leituras Sugeridas............................................................................................................................144 NOTAS DE RODAP ..........................................................................................................................144 O CRISTO E O SEXO..................................................................................................................................145 I. A BASE BBLICA PARA O SEXO.......................................................................................................145 A. A Natureza do Sexo......................................................................................................................145 B. A Funo do Sexo.........................................................................................................................147 II. A BASE HIERRQUICA PARA UM CONCEITO CRISTO DO SEXO ..................................................151 A. A Poligamia e uma Hierarquia de Dever......................................................................................152 B. O Divrcio e uma Hierarquia do Dever ........................................................................................153 C. A Fornicao e uma Hierarquia do Dever ....................................................................................154 D. Resumo e Concluso....................................................................................................................154 Leituras Sugeridas............................................................................................................................155 NOTAS DE RODAP ..........................................................................................................................155 5. O CRISTO, O CONTROLE DA NATALIDADE E O ABORTO....................................................................................155 I. UMA TICA DE CONTROLE DA NATALIDADE.................................................................................156 A. Os Argumentos Contra o Controle da Natalidade .......................................................................156 B. Respondendo aos Argumentos Contra o Controle da Natalidade ...............................................157 C. Um Conceito Cristo do Controle da Natalidade .........................................................................159 II. UMA TICA DO ABORTO ..............................................................................................................161 A. O Aborto No Necessariamente Assassinato............................................................................161 B. O Aborto Uma Atividade Muito Sria .......................................................................................161 C. Quando o Aborto Justificado.....................................................................................................162 D. Quando o Aborto No Justificvel ............................................................................................164 E. Algumas reas Problemticas .....................................................................................................166 F. O Aborto Pode Ser Justificado Segundo o Princpio da Qualidade da Vida? ................................167 III. O QUE SE DIZ DA INSEMINAO ARTIFICIAL?.............................................................................168 A. Quando a Inseminao Artificial Seria Errada.............................................................................168 B. Quando a Inseminao Artificial Seria Certa ...............................................................................168 NOTAS DE RODAP ..........................................................................................................................169 O CRISTO E A EUTANSIA, O SUICDIO E A PENA CAPITAL ................................................................................170 I. UMA TICA CRISTA DA EUTANSIA ..............................................................................................170 A. Nem Sempre Tirar Uma Vida Assassinato ................................................................................171 B. Morrer Misericordiosamente No o Mesmo que Matar Misericordiosamente........................171 C. A Obrigao Perpetuar Vida que Humana.............................................................................172 D. A Eutansia Justificvel Em Qualquer Caso? ............................................................................173 II. UMA TICA DO SUICDIO .............................................................................................................174 A. O Suicdio para Si Mesmo ............................................................................................................174 B. O Suicdio em Prol dos Outros......................................................................................................176 III. UMA TICA CRIST DA PENA CAPITAL........................................................................................177 A. A Base Bblica para a Pena Capital ..............................................................................................177 B. Algumas Objees Pena de Morte............................................................................................179 C. A Base Lgica para a Pena Capital...............................................................................................181 IV. O HIERARQUISMO E TIRAR OUTRAS VIDAS ................................................................................183 NOTAS DE RODAP ..........................................................................................................................183 O CRISTO E A ECOLOGIA ...........................................................................................................................184 I. UMA BASE BBLICA PARA A ECOLOGIA .........................................................................................184 A. O Valor da Criao.......................................................................................................................184 B. O Valor da Encarnao ................................................................................................................185 II. A ECOLOGIA E O VALOR INTRNSECO DAS PESSOAS....................................................................186 A. O Mal Sempre Pessoal ..............................................................................................................186 B. Poluir o Meio-Ambiente Moralmente Errado ...........................................................................187 III. A ECOLOGIA E O DEVER MORAL DE CONTROLAR O AMBIENTE DO HOMEM.............................189 A. Controlando o Ambiente Fsico....................................................................................................190 B. Controlando o Ambiente Humano...............................................................................................190 LEITURA SUGERIDA..........................................................................................................................191 NOTAS DE RODAP ..........................................................................................................................191 6. PREFCIO Numa sociedade pluralista, como a em que ns vivemos, fundamental a existncia de valores ticos definidos que norteiem a conduta dos cristos, de modo que venham a oferecer um modelo de vida alternativo sua sociedade. No meio evange'lico h diferentes propostas ticas, quer conscientemente elaboradas, quer nao: todas querendo a aprovao dos cristos, reivindicando serem bblicas. Entretanto, como a leitura deste livro dever deixar claro, nem todas as alternativas ticas contemporneas so realmente bblicas mesmo as crists. preciso avaliar filosfica e tologicamente as propostas ticas existentes, a fim de no laborarmos em erro. isso que o autor faz na primeira parte do livro. Expe seis diferentes alternativas ticas contemporneas, avaliando-as filosfica e teologicamente; dando ao leitor condies de pesar seus argumentos e decidir-se por uma delas. Na segunda parte, o Dr. Geisler procura demonstrar diferentes aplicaes prticas de sua alternativa bsica a alguns problemas ticos de relevncia atual. Ao invs de ditar regras arbitrrias, ele argumenta caso por caso a partir de seu conceito hierrquico de valores, dando, novamente ao leitor, oportunidade de determinar por si mesmo qual a melhor posio a seguir. O leitor atento ir perceber que alguns problemas ticos importantes em nosso meio no so abordados. P. ex. a questo do novo casamento de um cristo divorciado, ou a questo do envolvimento poltico-partidrio do cristo. Longe de ser uma falha, porm, essa lacunas propiciam ao estudante a oportunidade de pensar por si mesmo, e tentar aplicar os princpios da tica hierrquica a esses problemas. Ao estudante diligente este livro-texto ser uma rica mina de informaes e formao do seu posicionamento tico. Possa Deus us-lo para a edificao de Sua Igreja e a construo de uma nova sociedade em nossa terra. Jlio P. T. Zabatiero Afetuosamente dedicado aos meus filhos RUTH, DAVID, DANIEL, RHODA, PAUL, e RACHEL 7. PRIMEIRA PARTE:ALTERNATIVAS TICAS BSICAS O objetivo desta primeira parte do livro expor e analisar as principais alternativas ticas bsicas contemporneas, e apresentar a posio hierrquica como a alternativa crist por excelncia. A discusso girar em torno da questo da existncia e da validade dos absolutos ticos universais, especialmente no que tange soluo dos conflitos entre valores ticos absolutos. Cada posio discutida receber uma cuidadosa avaliao luz da filosofia e da Palavra de Deus, no intuito de permitir que o leitor, por si mesmo, possa considerar a argumentao do autor e decidir por uma das alternativas apresentadas. Introduo: Abordagens e Alternativas ticas Bsicas correto mentir a fim de salvar uma vida? A pergunta postula um conflito em normas ticas. Contar a verdade mais importante do que salvar vidas? O que voc faria? As vrias respostas a esta pergunta podem ser usadas para ilustrar seis abordagens bsicas tica e para introduzir a primeira seo deste livro. Todos os pontos de vista ticos tm a ver com perguntas ticas fundamentais, viz. existem normas ticas vlidas? Se existem, quantas so? E se existirem muitas normas ticas, o que se faz quando duas delas entram em conflito? A pessoa conta uma mentira para salvar uma vida, ou sacrifica uma vida para salvar a verdade? I. AS ALTERNATIVAS BSICAS NA TICA NORMATIVA As posies bsicas que podem ser adotadas quanto questo das normas ticas podem ser ilustradas por um caso recente que envolveu o Comandante Lloyd Bucher, do navio-espio Pueblo, que, com sua tripulao de 23 homens, foi capturado pelos norte-coreanos. Quando os interrogadores ameaaram matar a tripulao, Bucher assinou confisses, confessando falsamente a culpa de fazer espionagem nas guas territoriais da Coria do Norte. Estas falsas confisses vieram a ser o fundamento para poupar as vidas da tripulao e levar sua libertao. A pergunta, portanto, esta: a mentira de Bucher para salvar estas vidas foi moralmente justificada? Ou, de modo mais geral, mentir para salvar uma vida moralmente certo em qualquer situao? Uma maneira de responder a esta pergunta rejeitar totalmente a noo de moralidade. A. Mentir No Nem Certo Nem Errado: No H Normas1 Uma das alternativas a esta pergunta negar a existncia de quaisquer normas ticas relevantes. Esta posio chamada antinomismo (literalmente, "contra a lei"). Afirma que no h nenhum princpio moral (tal como "no se deve mentir") que possa, validamente, ser aplicado ao caso de Bucher, e mediante o qual se pudesse pronunciar sua ao como certa ou errada. E se no houver padres morais, no pode haver julgamentos morais. Logo, Bucher no estava nem certo nem errado segundo a tica. O 8. que ele fez pode ter sido pessoal, militar ou nacionalmente satisfatrio, mas no pode ser declarado moralmente bom ou mau. H vrias maneiras segundo as quais um ato de mentir pode ser "justificado", mas no h nenhuma maneira pela qual possa ser objetivamente julgado. Isto porque, segundo o ponto de vista antinomista no existe nenhuma norma objetiva mediante a qual o julgamento possa ser feito. A mentira de Bucher, por exemplo, pode ser "justificada" por meio de apelar para seus resultados sobre sua tripulao ou seu pas. Ou pode ser "justificada" subjetivamente como uma deciso autntica que escolheu fazer. Mas em caso algum estas consequncias pragmticas ou escolhas pessoais seriam critrios morais objetivamente vlidos para concluir que sua escolha foi correta. De fato, as consideraes subjetivas que eram "boas" para a tripulao de Bucher e para seu pas, eram, concomitantemente "ms" para o pas inimigo, ou seja medida em que se sabia que a confisso era falsa. Quando no h padres morais objetivos que transcendem a subjetividade de indivduos e naes, ento no h maneira objetiva de declarar um ato moralmente bom ou mau, num sentido objetivo. Noutras palavras, faltando quaisquer normas morais objetivas, as aes de Bucher poderiam ser consideradas boas ou ms, dependendo da perspectiva da pessoa. E de um ponto de vista global, sua mentira no foi nem boa nem m. Realmente no h ponto de vista global ou objetivo. Se existisse semelhante perspectiva global, ento seria possvel fazer um pronunciamento objetivo sobre a ao, quanto a ser ela realmente certa ou errada. Mas visto que no h padres objetivos, no se pode dizer que a mentira de Bucher foi certa ou errada. B. Mentir Geralmente Errado: No H Normas Universais2 A maioria das posies ticas evita a posio antinomista contra todas as normas objetivas. Uma maneira de fazer isto sem condenar a mentira de Bucher sustentar que mentir , geralmente, mas no sempre, errado. Este ponto de vista ser chamado generalismo. Ou seja: mentir errado como regra geral, mas h ocasies em que a regra deve ser quebrada, viz., quando um bem maior realizado, e salvar uma vida certamente um bem maior. Que a pessoa no deve contar uma mentira objetivamente significante mas no universal. Nalgumas circunstncias, a pessoa deve mentir. Logo, este princpio moral (e outros tambm) geralmente, mas no universalmente, vlido. Ou seja: dentro do alcance dos princpios ticos, so objetivamente vlidos. Mas as normas ticas no so universais, h excees. Existem muitas razes possveis para sustentar o generalismo, i.e., que as normas ticas no so universais mas, sim, admitem algumas excees. Uma razo bsica que, havendo duas ou mais normas gerais que entram em conflito (tais como contar a verdade e salvar vidas) as duas no podem aparentemente ser universais. Pareceria que deve haver pelo menos uma exceo a pelo menos uma delas, visto no ser possvel seguir as duas. E se houver excees a todas elas (ou mesmo todas menos uma), ento no h muitas normas universais. Na melhor das hipteses, todas (ou pelo menos uma) as normas ticas objetivas devem ser gerais, mas no podem ser, todas elas, princpios universais. Se falar a verdade for somente uma norma geral, ento quando correto mentir? O generalista pode responder a isto de diferentes maneiras. Uma resposta comum sugerir que correto mentir quando o mentir realizar um bem maior do que no mentir. Esta abordagem utilitria. O mentir utilizado para levar a efeito um maior bem para um nmero maior de pessoas. Outra razo porque algum pode considerar contar a verdade apenas uma normal geral, mas no universal, que h um princpio sobrepujante para se observar, devido ao qual s vezes necessrio contar uma mentira. Se, no entanto, 9. houver pelo menos uma norma universalmente objetiva, ento j no h um generalismo completo. Pelo contrrio, um universalismo de uma s norma, o que nos leva posio seguinte. C. O Mentir s Vezes Certo: H Uma Norma Universal3 O ponto de vista de que h uma s norma universal diante da qual s vezes correto mentir, realmente, um absolutismo, mas por razes circunstanciais ser chamado de situacionismo. chamado de situacionismo no somente para distingui-lo doutras formas de absolutismo (que sustentam que h muitas normas universais, em contraste com somente uma) mas tambm porque os defensores do ponto de vista lhe do esse nome. O nome "situacionismo" algo descritivo. Lembra-nos que, visto que as circunstncias so to radicalmente diferentes, pode haver somente uma norma universal capaz de adaptar-se a todas elas. Argumenta, pois, que s uma coisa pode ser verdadeiramente universal a todas as situaes. Se houvesse mais de uma norma universal, haveria um conflito, e uma exceo teria de ser feita para resolver o conflito. E se uma exceo pode ser feita a todas as normal menos uma, ento somente uma norma pode ser verdadeiramente universal. Quanto mentira de Bucher para salvar vidas, o situacionista afirma que certa, porque o Comandante Bucher estava agindo de acordo com a norma mais alta e a nica verdadeiramente universal. Frequentemente se diz, embora no necessariamente, que uma norma absoluta do amor. Segundo esta maneira de declarar a norma, Bucher estava justificado por mentir por amor. Mentir era a coisa amorosa para se fazer a fim de salvar aquelas vidas. Sua mentira julgada certa porque est de acordo com a nica norma tica absoluta que existe, viz. o amor. Uma mentira poderia ser errada se fosse contada sem amor, i.e., egoisticamente (e.g., para encobrir o mal da prpria pessoa). Mas se a mentira for contada com altrusmo, por amor aos outros, ento moralmente correta, conforme a norma do amor. Segundo este ponto de vista, o fim realmente justifica os meios, se os "meios" forem a norma do amor. Na realidade, somente o fim justifica os meios. Nada, pois, seno a norma absoluta do amor torna um ato moralmente correto. E nada seno a falta do amor torna um ato moralmente errado. D. Mentir Sempre Errado: H Muitas Normas No-Conflitantes4 Sustentar uma nica norma universal no a nica posio possvel com respeito a princpios absolutos. Existe o ponto de vista de que h muitas normas universais vlidas que nunca conflitam realmente entre si. Esta posio ser chamada de absolutismo no- conflitante. Pode haver um conflito aparente entre duas normas ticas, mas nunca um conflito entre deveres. H sempre uma terceira alternativa ou um modo de cumprir uma das normas sem desobedecer outra. O domnio de cada norma tica tem sido ideal ou providencialmente alocado a ela de modo que nunca realmente coincida parcialmente com o de outra norma universal. Isto significa, por exemplo, que o mentir e o matar nunca entram realmente em conflito. Sempre se pode contar a verdade sem realmente tirar a vida doutra pessoa inocente. Tanto o mentir quanto o matar sempre so errados. Se for assim, o que o Comandante Bucher deveria ter feito? Se no deveria mentir em circunstncia alguma, ento, qual curso de ao deveria ter seguido.5 H vrias coisas que Bucher poderia ter feito de modo consistente com esta posio, mas em circunstncia alguma deveria ter contado uma mentira para salvar as vidas da sua tripulao. Poderia ter mantido silncio. Ou soja: poderia ter-se recusado a fazer qualquer confisso falsa. Ou, poderia ter falado a verdade (viz., que estava fazendo 10. espionagem) mas no ter falado a mentira de que sua embarcao estava nas guas territoriais coreanas quando no estava realmente ali. Se esta confisso no fosse aceitvel aos interrogadores, ento Bucher e seus homens teriam de sofrer as conseqncias de contar a verdade e rogar misericrdia. Ou, poderia ter orado pedindo a interveno divina para eliminar o dilema. Mas as conseqncias de contar a verdade no so um mal maior, viz. a matana de pessoas inocentes? Uma resposta direta a este dilema, que perfeitamente consistente com esta posio (de que h muitas normas universais no-conflitantes), que matar errado, mas contar a verdade que leva outra pessoa a matar no errado. Quer dizer, Bucher no tinha dilema moral algum. Sua escolha no era: "Contarei uma mentira ou matarei?" Pelo contrrio, sua escolha era: "Contarei uma mentira ou permitirei a possibilidade de que outra pessoa seja morta?" E visto que Bucher no poderia ter certeza absoluta de que os norte-coreanos matariam sua tripulao, e visto que ele pessoalmente no estaria matando, ele seria absolvido da responsabilidade moral. Segundo este ponto de vista, Bucher no poderia ser considerado moralmente culpado pelo mal que outros homens fariam porque ele contara a verdade. Na realidade, os proponentes deste ponto de vista podem apelar a algum tipo de teleologia ou providncia que diz que um mal maior nunca vir (ou pelo menos em ltima anlise, no imediatamente) por causa de guardar uma norma universal. Em termos testas, Deus sempre providenciar um modo de escape de modo que a pessoa ou no ter de mentir ou um mal maior no vir do contar a verdade. E. Mentir Nunca Certo: H muitas Normas Conflitantes6 Outra sada do dilema aparente, de sustentar que h muitas normas universais que s vezes conflitem entre si, declarar que uma violao de qualquer delas errada. Ou seja: sempre errado mentir e tambm sempre errado tirar uma vida inocente (ou at errado no procurar evitar que outra pessoa faa um ou outro destes atos), e se algum for preso num verdadeiro dilema entre os dois, deve praticar o menor dos dois males. O menor dentre dois males pode ser julgado por aquilo que resultaria no nmero menor de conseqncias ms, i.e., de maneira utilitria. Mesmo assim, os dois atos (mentir e matar) so intrinsicamente maus; nenhum dos dois est certo, de acordo com as normas universais. E mesmo se houvesse alguma maneira de julgar qual ato intrinsecamente (e no meramente instrumentalmente) melhor, os dois ainda seriam errados, no obstante. Um deles, no entanto, provavelmente seria um mal menor do que o outro. Segundo este ponto de vista, Bucher teria sido errado no importa qual das duas nicas alternativas possveis adotasse. Apesar disto, ainda que o mal fosse inevitvel para ele, tambm era desculpvel, especialmente porque escolheu dos dois males o menor. O testa cristo talvez diria que para Bucher, o pecado era inevitvel, porm perdovel. Ele devia cometer o pecado menor (seja este julgado intrinsecamente, seja extrinsecamente) e depois colocar-se de joelhos e confess-lo. Idealmente, se ningum quebrasse qualquer das normas universais, no haveria qualquer conflito entre elas. Muitos dilemas morais se estabelecem porque algum est, pecaminosamente, forando outra pessoa para uma posio em que esta outra ter de escolher entre duas normas universais. Visto, porm, que o mundo est cado, e que h um conflito, somente a expiao ou o perdo de Deus pode resolver o problema. difcil dar a este ponto de vista um nome descritivo. Ser chamado o absolutismo ideal, porque acredita em muitos absolutos que idealmente no entram em conflito mas que realmente (por causa dos pecados dos outros ou dos prprios pecados da pessoa envolvida) s vezes entram em conflito. Mas por causa da sua conexo com o pecado e por causa da sua resoluo final no perdo, este ponto de vista tambm poderia ser 11. chamado o absolutismo hamartiolgico (que diz respeito doutrina do pecado) ou o absolutismo soteriolgico (que diz respeito doutrina da salvao). F. Mentir s Vezes Certo: H Normas Mais Altas7 Outro modo de responder a este problema tico escolhido como amostra pode ser chamado o hierarquismo. Pode ser argumentado, e.g., que h muitas normas ticas universais, mas que no so iguais na sua importncia intrnseca, de modo que quando duas entram em conflito, a pessoa obrigada a obedecer o mais alto dos dois mandamentos. Desta maneira, portanto, na escolha entre matar e mentir, sendo que as duas aes so universalmente erradas na ausncia de qualquer conflito entre elas, deve- se escolher poupar a vida, por ser ela um valor intrinsecamente mais alto. Contar a verdade bom, mas no ao custo de sacrificar uma vida. Segundo este ponto de vista, a mentira de Bucher foi certa, embora o mentir em si mesmo seja universalmente errado, porque h uma norma tica mais alta do que falar a verdade, viz. salvar vidas. Bucher seguiu a norma intrinsecamente mais alta quando achou duas normas universais em conflito. A boa ao sempre aquela que intrinsecamente melhor. Este ponto de vista semelhante a vrios outros pontos de vista j mencionados, embora diferente. Primeiramente, difere do ponto de vista imediatamente precedente chamado absolutismo ideal. O absolutismo ideal sustenta que as duas alternativas esto erradas quando entram em conflito, ao passo que o hierarquismo argumenta que uma certa, viz., aquela que intrinsecamente mais alta. Segundo o primeiro ponto de vista, as duas alternativas so erradas, mas o homem deve fazer dos males o menor. Segundo esta ltima posio, pelo menos uma alternativa certa, e o homem deve fazer o mximo bem possvel. Alm disto, o hierarquismo deve ser distinguido do situacionismo, pois aquele sustenta que h muitas normas universais (embora as inferiores s vezes devam ser suspendidas a favor das superiores) e o situacionismo sustenta que h somente uma norma universal. Estas muitas normas, conforme o conceito hierrquico, so universais na sua rea, posto que no entrem em conflito com outra rea. So universais dentro do alcance daquele relacionamento, a no ser que haja um conflito de relacionamentos. O hierarquismo sustenta que mentir, como tal, sempre errado, mas que mentir, transcendido por salvar vidas, no errado. Na realidade, no ltimo caso no se trata, efetivamente de mentir (no senso de ser alguma coisa errada); justificvel falsificar por amor a salvar vidas. Nas circunstncias de Bucher, dar as informaes erradas era a coisa certa a ser feita porque era agir segundo uma norma tica mais alta. Finalmente, o hierarquismo difere do generalismo sendo que aquele argumenta que h muitas (i.e., pelo menos duas) normas ticas universais que no so meramente princpios gerais. H isenes da guarda de normas inferiores (viz., quando entram em conflito com as normas mais altas), mas no h excees s normas inferiores. Tirando emprestada uma ilustrao do mbito natural, no h isenes lei da gravidade para os corpos fsicos, mas um prego pode ficar isento de "obedecer" lei da gravidade mediante sua "obedincia" a fora fsica mais alta de uma im. G. Resumo e Comparao das Alternativas H outro ponto de vista possvel, viz., "Mentir sempre certo", mas no ser considerado com detalhes por duas razes bsicas. Primeiramente, porque no proposto com seriedade por qualquer filsofo tico contemporneo de relevncia, ao que saiba o presente autor. Em segundo lugar, a posio derrota a si mesma. Se, pois, 12. todos mentissem, no existiria verdade acerca da qual se pudesse mentir, e, neste caso, j no seria possvel cumprir a ordem no sentido de mentir. Alm disto, se a pessoa deve sempre mentir, ento presume-se que o autor da declarao est seguindo seu prprio conselho, e, neste caso, devemos entender que o inverso disso seja a verdade na questo. Mas se o inverso for verdadeiro, ento, no se deve sempre mentir. Destarte, voltamos para a questo de quando se deve mentir e quando no se deve, que a questo que os demais pontos de vista esto examinando. Finalmente, se o autor do universal tico "Deve-se mentir sempre" fosse dar a declarao da maneira em que realmente deveria ser dada (i.e., veridicamente), ento no estaria seguindo seu prprio princpio, sendo, portanto, inconsistente. Em qualquer uma das eventualidades, portanto,* se a norma for seguida ou no, derrota-se a si mesma. Estes seis pontos de vista podem ser resumidos pela seguinte comparao. O antinomista expe um ponto de vista para a excluso de todas as normas ticas, sejam elas universais, sejam elas gerais. O generalista diz que h normas objetivas, mas que todas tm excees. O situacionista insiste em uma s norma universal exclusiva, reconhecendo facilmente que todas as demais so, na melhor das hipteses, apenas gerais. Do outro lado, o absolutista no-conflitante argumenta em prol de muitas normas universais que nunca se sobrepem realmente, deixando sempre uma via de escape do suposto dilema moral. Apegando-se a muitas normas universais que na realidade conflitam entre si (embora idealmente no o fariam), o absolutista ideal diz que praticar o mal inevitvel porm desculpvel, especialmente se algum cometer o menor dos males. Finalmente, o hierarquista aceita muitas normas universais conflitantes que so dispostas de acordo com o valor intrnseco e, tendo em vista as mesmas, o homem tem uma iseno de observar a norma inferior em virtude de agir de acordo com a norma superior. Os seis captulos que se seguem sero dedicados a uma discusso mais completa destas alternativas ticas. Todas estas alternativas giram em torno de normas ticas. Na realidade, contudo, h outra abordagem tica que no ressalta normas, mas, sim, fins. II. AS ABORDAGENS BSICAS: NORMAS TICAS OU FINS TICOS? A distino entre estas duas abordagens pode ser expressada pelas palavras teleolgica e deontolgica. A primeira destas ressalta os fins ou resultados ticos das aes; a outra enfatiza normas ticas ou princpios para a ao tica. necessrio compreend-las melhor antes que se possa entender adequadamente a abordagem normativa adotada neste livro. A. Regras Versus Resultados A diferena bsica entre a tica teleolgica e a deontolgica pode ser explicada pelo significado das razes das palavras. A teleologia vem da palavra grega telos, que significa "fim" ou "propsito." A deontologia vem da palavra grega deon, que significa aquilo que devido. Na aplicao tica, portanto, uma abordagem teleolgica aquela que ressalta o fim ou o resultado da ao, e uma abordagem deontolgica depende de regras bsicas mediante as quais se pode determinar o que devido em qualquer caso especfico, independentemente dos resultados. Ou seja, a primeira uma tica pragmtica ou utilitria, que se ocupa com se uma ao funcionar, afinal, para o bem da maioria dos homens. A segunda uma tica de princpios, que se ocupa com o dever da pessoa de fazer aquilo que inerentemente correto parte das consequncias que se possa prever. 13. Noutras palavras, a tica teleolgica ocupa-se com o bem extrnseco dos atos, medida em que produzem o bem ou o mal. A tica deontolgica, do outro lado, procura um bem intrnseco no ato propriamente dito, independentemente do alegado bem ou mal que porventura produza. A primeira ocupa-se com o dever por amor aos bons resultados; a ltima, com o dever por amor ao dever. No se quer dizer, naturalmente, que a tica do dever no se preocupa com os resultados. Realmente, os deontologistas podem acreditar que cumprir o dever pode trazer o maior bem afinal das contas. Esta, no entanto, no a razo para algum cumprir seu dever (i.., porque trar o bem maior); pelo contrrio, cumpre seu dever porque intrinsecamente bom fazer aquilo que a pessoa deve fazer. No segue uma regra primariamente porque trar o bem, mas, sim, porque bom fazer assim. Isto no significa, do outro lado, que a tica utilitria no se ocupa com regras. dizer que h uma diferena radical na teoria, e que a abordagem teleolgica baseia o bem das aes humanas somente na sua utilidade para os homens em geral. A tica deontolgica baseia o bem das aes humanas no valor intrnseco de seguir certas normas ou regras porque estas aes so intrinsecamente certas. De fato, os "utilitrios das regras" sustentam que algumas regras nunca devem ser quebradas, ainda que haja excees individuais legtimas, simplesmente porque observar regras (at mesmo nos casos excepcionais) leva a efeito um bem maior do que a quebra das regras. Mas estas regras que nunca devem ser quebradas no so qualificadas como normas universais segundo nossa discusso, visto que nao so normas do dever que dizem respeito ao valor intrnseco, nem so realmente universais. Sua "universalidade" justificada somente por um apelo aos resultados (i.e., extrinsecamente). Destarte, realmente no so universais. H algumas excees, como no caso de duas regras que entram em conflito. Alm disto, a razo de no quebr-las apenas que de modo geral, quebrar regras mau, embora possa ser justificado num determinado caso. Na discusso que se segue, sero includas as normas intrnseca e utilitria. Mas a pergunta para a qual uma resposta ser procurada aqui a seguinte: H alguma norma deontolgica relevante que universal? Noutras palavras, h preceitos morais que nunca devem ser violados? B. Prescritiva Versus Descritiva e Emotiva Uma tica normativa prescritiva mais do que meramente descritiva. uma tica que ordena certos cursos de ao em oposio a outros. Uma tica normativa no descreve apenas como os homens agem; pelo contrrio, preceitua como devem agir. No uma tica do "",mas, sim, uma tica do "deve ser". Numa abordagem normativa tica, preocupa-se primariamente em descobrir normas relevantes para preceituar aquilo que os homens devem fazer em contraste com as descries meramente cientficas ou estatsticas daquilo que os homens realmente esto fazendo. No somente uma tica normativa prescritiva em contraste com descritiva, como tambm se ope a uma tica puramente emotiva que se centraliza na maneira dos homens se sentirem acerca de certas aes humanas. A abordagem puramente emotiva argumenta que todas as alegadas declaraes ticas (i.e., declaraes que contm smbolos ticos tais como "no deve" e "deveria") no so mais nada do que expresses de como o indivduo sento acerca de certas questes. Ou seja: aquilo que certo varia entre os sentimentos individuais de uma pessoa para outra. Por exemplo, a ordem: "Voc no deve mentir", realmente significa "Eu no gosto de mentir." O emotivista argumenta que as declaraes ticas nem so prescritivas nem descritivas. Ou seja: no so declaraes de "deve" e no so declaraes de "." So meramente declaraes de "sentimentos" individuais. A tica normativa, do outro lado, fica oposta tica emotiva, pois sustenta que haver pelo menos algumas declaraes ticas que no so puramente 14. emotivas e subjetivas e sim, imperativas para todos os homens. A tica normativa argumenta que, alm das asseveraes declarativas (declaraes descritivas, daquilo que "" e as asseveraes exclamativas (declaraes emotivas, do "sentimento"), h declaraes nitidamente ticas (i.e., declaraes prescritivas, daquilo que se "deve"). Sustenta que h certas coisas que os homens devem fazer, independentemente de se algum homem realmente as faz ou de se algum homem sente que deve faz-las. A tica normativa argumenta em prol de normas prescritivas que tm precedncia tanto sobre os sentimentos quanto sobre os fatos. C. Categrica Versus Hipottica Outra maneira de ressaltar o que se quer dizer aqui com tica normativa distingui-la como categrica, em contraste com hipottica. a tica dos mandamentos, no das condies. A tica normativa diz: "Tu fars isto", e no Se fizeres isto, resultar em bem, etc." a tica do modo imperativo e no do modo subjuntivo. Em resumo: fornece-se uma norma que ordena um determinado curso ou modo de agir que intrinsecamente bom, em contraste com um que meramente a condio ou o fundamento para produzir o bem. A diferena pode ser esclarecida por uma ilustrao. A abordagem categrica sustenta que o ato de procurar salvar um homem que est se afogando um ato intrinsecamente bom, quer a tentativa seja bem sucedida, quer no. O ponto de vista hipottico, do outro lado, argumenta que o ato de procurar salv-lo no intrinsecamente bom mas, sim, bom somente se leva a efeito bons resultados, tais como realmente salvar o homem.8 A razo para a diferena que a abordagem categrica edificada sobre um mandamento categrico no sentido de fazer um bem intrnseco, e o ponto de vista hipottico baseado numa condio hipottica que leva a um bem extrnseco. D. Princpios, Normas e Regras H numerosas distines, s vezes sutis, que se fazem entre princpios, normas e regias. Nenhuma delas ser tentada a esta altura. Visando a inclusividade (dentro de um contexto normativo), estes termos, e outros semelhantes a eles (e.g., axiomas, postulados) sero usados como aproximadamente sinnimos. Apesar disto, a fim de no ser to abrangente ao ponto de ser ambguo, uma abordagem normativa pode ser definida como sendo aquela que postula um ou mais preceitos morais que possuem significado pelo menos formal (se no algum significado com contedo) mediante o qual as aes humanas devem ser controladas. No fim, naturalmente, a pessoa deve resolver se quaisquer normas que porventura existam (universais ou no) so suficientemente relevantes para se basear decises ticas sobre elas. Afinal das contas, uma norma puramente formal (sem qualquer contedo experimental real) pode ser pouco melhor do que nenhuma norma. De acordo com o uso comum dos termos "princpios", "norma", e "regra" (que so aproximadamente sinnimos, embora os dois ltimos tenham mais contedo), estamos procurando, em ltima anlise, descobrir se existem "princpios" cheios de contedo, ou quaisquer "regras" universais. Visto, porm, que por enquanto estes termos sero usados como sinnimos, a pergunta simplesmente: Existem normas relevantes que nunca devem ser quebradas? 15. E. Universal Versus Geral Dessa forma, a preocupao aqui no diz respeito somente pergunta: H normas ticas relevantes? A pergunta verdadeira : "H quaisquer normas ticas universais? Se houver, quantas so? Logo, necessrio discutir exatamente o que se quer dizer com a palavra "universal" na sua aplicao s normas ticas. Por norma universal quero dizer uma que se aplica a todos os homens em todos os lugares nas mesmas circunstncias. No h excees inespecificveis ou indefinveis a uma norma universal. Na realidade, visto que uma exceo definvel no realmente exceo alguma, mas, sim, realmente faz parte da definio de que tipo de ato est sendo preceituado, uma norma universal realmente no tem exceo alguma. Por exemplo, se (e este pode ser o caso, ou no) algum prope a norma de que "a mentira nunca deve ser praticada, a no ser num contexto em que no se espera a verdade, " ento esta seria qualificada como sendo uma norma universal.9 Qualificaria como sendo norma universal porque especifica a exceo contextual como parte daquilo que uma mentira quer dizer. A assim chamada "exceo" ou circunstncia na qual o ato pode ser realizado qualifica o ato de modo que no seja realmente uma mentira, mas realmente seja uma forma boa de falsificao. Falsificar para levar um amigo para uma festa- surpresa de aniversrio pode ser dado como uma ilustrao. Visto que os amigos esto apenas "brincando" e visto que este tipo de atividade esperado nestas circunstncias, no se diria que as informaes falsas realmente fossem mentirosas (i.e., moralmente erradas). Festas de surpresa no so um contexto em que se pode esperar a verdade. Fazer espionagem em prol da ptria tambm usado para explicar este mesmo argumento. Mas haver mais sobre isto adiante. Quer se aceite estas ilustraes quer no, ou at mesmo quer haja, quer no, em qualquer tempo, quaisquer assim-chamadas "excees" a intencionalmente dar somente informaes correias; mesmo assim, o argumento bsico o mesmo. Uma norma universal uma que se aplica a todas as criaturas moralmente responsveis em qualquer determinada situao. Isto porque quaisquer "excees" definveis que existem tornaram-se parte da regra geral que ento realmente se aplica a todos os homens naquela circunstncia especfica sem exceo. O problema, naturalmente, se existem normas ticas tais que possam ser definidas de modo relevante ao ponto de no admitir qualquer outra exceo. Ou, o problema achar uma norma que, depois de qualificada por todas as excees, ainda tem um significado. Mas antes da discusso avanar na direo de buscar normas universais, est na hora de dizer uma palavra sobre a razo por que uma abordagem normativa adotada em contraste com uma abordagem no- normativa ou utilitria. III. POR QUE UMA ABORDAGEM NORMATIVA? H vrias razes para estudar a tica do ponto de vista de "normas" ao invs de meramente do ponto de vista de "fins." medida em que a discusso se desdobra, as razes, dadas aqui em forma resumida, devem tornar-se mais evidentes. Duas razes bsicas podem ser declaradas: as normas so inescapveis e so necessrias. A. As Normas So Inescapveis As normas so inescapveis por vrias razes. Este fato se torna bvio quando se v como a tica no-normativa ou utilitria realmente depende das normas, de vrias maneiras relevantes. 1.A Necessidade de Normas para Prever Consequncias Talvez a crtica mais fundamental abordagem tica dos "fins" ou resultados da ao, o 16. fato de que a totalidadade do valor prtico deste sistema depende da capacidade de prever as consequncias de longo alcance das decises. Decerto, o indivduo no pode ver o que acontecer a longo prazo. E no pode aguardar os resultados antes de ter alguma certeza de que sua deciso certa. O futuro pode ser um guia til somente se h alguma maneira de saber agora o que o futuro trar em termos dos resultados bons ou maus das decises da pessoa. Mas visto que o indivduo como tal no tem este tipo de conhecimento prvio, no tem maneira de saber qual modo de ao trar o mximo bem ao maior nmero de homens a longo prazo. Noutras palavras, agir exclusivamente na base de fins utilitrios funcionaria somente para um Deus onisciente. O homem finito simplesmente no pode conhecer de antemo os resultados finais e totais das suas escolhas. Alguns que adotaram uma abordagem utilitria tm sido francos em confessar: "Durante grande parte do tempo estamos fazendo, na melhor das hipteses, 'adivinhaes cultas.' "11 Os utilitrios clssicos no estavam inconscientes deste problema. A resposta deles era mediante um apelo ao "fundo" da experincia humana, como guia para determinar qual modo de ao provavelmente levaria a efeito o melhor bem para o maior nmero de pessoas.12 Ou seja: pode-se tirar das experincias daquilo que a maioria dos homens no passado descobriu que funcionavam para produzir o maior bem. Mas esta concesso ao uso do "fundo" da experincia passada, como guia, envolve normas, de vrias maneiras que sero reveladas nas crticas que se seguem. Na realidade, o prprio "fundo" fica sendo normativo para determinar quais consequncias provavelmente sero as melhores. Mas ainda mais bsico do que isto, o fato de que as normas SO necessrias para estabelecer o "fundo" j de incio. 2.A Necessidade de Normas para Determinar o "Fundo" Um fator que frequentemente olvidado que a prpria origem do "fundo" da experincia pressupe algum tipo do orientao ou norma. Ou seja, as primeiras criaturas morais tinham, sem dvida, algum tipo de diretriz que era anterior ao "fundo" e mediante qual o prprio "fundo" foi estabelecido. As experincias, pois, no podem ser avaliadas como sendo "boas" ou "melhores" e, portanto, no podem se qualificar para fazerem parte do "fundo", para orientao futura, a no ser que algum padro de valores parte das experincias seja aplicado s experincias. Ou a pessoa teria que admitir que as experincias vm com valor intrnseco (que contrrio ao utilitarismo, que diz que somente tm valor extrnseco) ou deve haver algum padro fora da experincia mediante o qual podem ser avaliadas. Seja qual for este padro, obviamente normativo para o "fundo." A pessoa no tem maneira de saber que possui uma "boa" coletnea de diretrizes para determinar os "melhores" resultados, a no ser que tenha algum padro do bem mediante o qual possa julg-la "boa." Este padro, portanto, seria normativo, e seria anterior ao "fundo" que estabelece. 3.A Necessidade de Normas a Fim de Determinar as Consequncias Independentemente de como o "fundo" foi estabelecido em primeiro lugar, bvio que o prprio "fundo" tem uma funo normativa. Serve como diretriz para o utilitrio determinar qual modo de ao provavelmente resultar no maior bem para o nmero mximo de homens. O indivduo sozinho no possui usualmente (talvez nunca) a previso para escolher aquilo que aumentar ao mximo o bem. Deve depender da sabedoria do passado para gui-lo no presente a respeito daquilo que ser melhor no futuro. Esta sabedoria, seja qual tenha sido a sua origem, serve como norma para escolhas ticas. Sem dvida alguma, estas normas do "fundo" da experincia humana no so consideradas realmente universais ou absolutas. No so guias infalveis, mas, sim, so 17. uma parte necessria do procedimento do utilitrio em tomar decises. Mesmo assim, algum tipo de norma necessrio para fazer a tica utilitria funcionar com qualquer grau razovel de probabilidade. Realmente, a necessidade de normas tal, que alguns utilitrios j sugeriram que as normas ou regras nunca devem ser quebradas, no porque realmente so universalmente vlidas, mas, sim, porque quebrar regras traz resultados piores do que guardar regras. Por exemplo, ainda que contar uma mentira talvez traga um bem maior num caso especial, mesmo assim, um bem maior resultaria de guardar a regra de contar a verdade em todos os casos, simplesmente porque quebrar a regra em qualquer caso tende a subvert-la em todos os casos . Guardar as regras em todos os casos resulta num bem maior (at mesmo com as ms consequncias nalguns poucos casos) do que a quebra das regras. Sem pronunciar julgamento sobre o certo ou o errado da posio utilitria das regras, basta concluir aqui que os dois tipos de utilitarismo ilustram a necessidade de regras ou normas, havendo ou no quaisquer ocasies em que se deva quebr-las. 4.A Necessidade de Normas para Avaliar as Consequncias Alm da necessidade de normas para ajudarem a determinar qual resultado ser melhor para o maior nmero de pessoas, h, tambm, a necessidade de uma avaliao normativa de que o resultado tenha sido melhor para a maioria, uma vez ocorrido. No h maneira de saber se o resultado realmente "melhor" a no ser que haja um padro de "melhor" mediante o qual possa ser julgado. Noutras palavras, deve haver alguma norma mediante a qual se possa avaliar as consequncias uma vez ocorridas ( parte da questo da necessidades de normas para guiar a pessoa em fazer ocorrer os melhores resultados). Destarte, o utilitrio precisa de normas para determinar se aquelas consequncias so realmente melhores e no meramente diferentes, se e quando realmente ocorrerem. Em resumo, as normas so inescapveis, at mesmo para o utilitarista cuja posio est supostamente centralizada em fins ou resultados. At mesmo a abordagem alegadamente no normativa exige normas para faz-la funcionar apropriadamente. As normas so inescapveis, quer sejam desejveis, quer no. Destarte, a pergunta na tica no se h normas, mas, sim, quais as normas que sero usadas. B. As Normas So Necessrias As normas no somente so inescapveis, como tambm so necessrias. Elas so necessrias, se que a pessoa quer ter orientao relevante para as decises da vida. Sem algum tipo de diretriz que possa ser pensada e declarada, pois, no h maneira de algum fazer decises razoveis ou significantes acerca de alterar modos de ao. Para a tica ser relevante, portanto, deve ser normativa. Que as declaraes ticas normativas so relevantes subentende vrias coisas. Primeiramente, as declaraes normativas so racionais. Ou seja, so declaraes sujeitas lei da no-contradio. Isto significa que o oposto daquilo certo, errado. Se n pessoa sempre deve ser amorosa, segue-se que errado ser desamoroso. Se modos opostos de ao no so opostos entre si como sendo certos e errados, ento impossvel que algum Ina uma deciso tica relevante entre eles. Em segundo lugar, declaraes normativas podem ser mais do que formalmente racionais; podem ser plenas de contedo.13 No somente podem ser faladas, como tambm podem ser experimentadas. H uma base na experincia humana para seu significado. Pode-se no apenas conceitualiz-las como tambm dar exemplos concretos. Se uma norma no pode ter mais do que uma forma em que se pode pensar, no pode ter qualquer contedo experimental relevante para o indivduo que deseja entend-la em termos de sua prpria experincia. 18. Alm disto, uma norma pode ser prtica. No somente as normas podem ser apreendidas pela mente de modos relevantes, como tambm podem ser aplicadas de modo prtico vida da pessoa. Seu significado no somente deve ser baseado na experincia como tambm deve ser aplicvel experincia. Isto nos leva a outra caracterstica das normas que as torna indispensveis para uma tica relevante. Finalmente, as normas so objetivas. Constituem-se num padro, fora da experincia subjetiva do indivduo, mediante o qual pode determinar se suas experincias ticas so boas ou ms. Se as normas fossem puramente subjetivas, realmente no seriam normas de modo algum. Se alguma coisa h de julgar uma experincia, no pode ser, ao mesmo tempo, uma parte intrnseca daquela experincia. Deve haver padres ou normas fora da experincia individual, subjetiva, a fim de medi- la como boa ou m. Resumindo: as normas so tanto inescapveis quanto essenciais para uma tica relevante. So inescapveis porque so necessrias para estabelecer e avaliar o que se quer dizer com "bom" ou "melhor." So essenciais porque no h maneira relevante de fazer decises ticas (ou at mesmo falar frases ticas) sem algum modo no contraditrio e/ou cheio de contedo de compreenso ou expresso. O "bom" pode ser captado sem o uso de normas, mas no pode ser ensinado ou at mesmo pensado sem algum tipo de declaraes ticas cognitivamente relevantes. E alm disso, o "bom" no pode ser praticado sem alguma norma tica relevante para determinar qual a coisa "boa" para se fazer. NOTAS DE RODAP 1. O antinomismo no ser usado aqui no sentido rigorso de contra a lei, mas, sim, no sentido frouxo de sem lei. O captulo dois dedicado a uma discusso da posio antinomista. 2.Este ponto de vista discutido no captulo trs. 3.Veja o captulo quatro que faz uma exposio mais plena deste ponto de vista. 4.Veja uma discusso mais completa deste ponto de vista no captulo cinco. 5. possvel, conforme um absolutismo no-conflitante, argumentar que a falsificao de Bucher no era uma mentira (i.e., no era moralmente errada), pelo motivo de que naquele contexto no era uma mentira. Noutras palavras, por uma extenso do significado da verdade para incluir situaes como a de Bucher, ainda se poderia sustentar que "mentir sempre errado" e, mesmo assim, que a confisso falsa de Bucher era moralmente certa. O captulo cinco diz mais sobre esta alternativa. 6.Esta posio o assunto do captulo seis. 7.Uma discusso mais completa desta posio acha-se no captulo sete. 8.Naturalmente, uma abordagem hipottica poderia chamar uma tentativa mal-sucedida de salvar um homem que se afogava de boa, pelo motivo de que o ato realmente levou a efeito outros bons resultados, tais como: inspirar coragem nos demais, desenvolver carter naquele que tentou o salvamento, ou ocasionar apreciao nos amigos do homem afogado. Mas mesmo neste sentido, o ato mal-sucedido no considerado bom em si mesmo, mas somente por causa dos bons resultados que traz, por intangveis que sejam. 9.Este ponto ser discutido mais plenamente no captulo cinco. 10.A questo de se as normas dos utilitrios das regras realmente so universais ou apenas gerais, ou de se uma norma pode ser realmente universal, se for baseada em valores utilitrios mais do que intrnsecos, ser reservada para o fim do captulo trs. 11.Fletcher, Situation Ethics: The New Morality, Westminster Press, 1966, pg. 154, cf. pg. 136. 12.O ponto de vista utilitarista ser discutido no captulo trs, sob o ttulo "generalismo." 13.Exatamente como normas cheias de contedo devem ser relevantes e como obtm seu contedo, uma questo a ser resolvida mais tarde (ver a crtica no fim do captulo quatro). Tudo quanto est sendo argumentado aqui que uma norma deve ser pelo menos capaz de ter relevncia experimental e de contedo. Se, pois, as normas no pudessem ser enchidas de contedo experimental, no seriam utilizveis como normas; seriam inteis. O Antinomismo: No H Normas A primeira alternativa no que diz respeito s normas ticas que no existe norma alguma, ou pelo menos nenhuma norma objetiva. Ou seja: estamos literalmente sem lei 19. (anti-nomos) para guiar aes ticas relevantes. As alegadas normas ticas que os homens usam, ou so destitudas de valor objetivo ou destitudas de relevncia emprica. So, ou puramente subjetivas, ou completamente emotivas. Duas posies que tm pontos de vista, antinomistas so o existencialismo e o emotivismo. I. O ANTINOMISMO EXPLICADO Os trs primeiros representantes da tica existencial que sero usados aqui so Sren Kierkegaard, Friedrich Nietzsche e Jean Paul Sartre. Nem todos estes so tecnicamente antinomistas mas manifestam uma tendncia ascendente naquela direo, culminando em Sartre. O quarto representante, A. J. Ayer, da escola do positivismo lgico cuja tica conhecida como emotivismo. A. Kierkegaard: Transcendendo o que tico Falando a rigor, Kierkegaard no era um antinomista. Acreditava sinceramente na lei moral, e at mesmo sustentava que universalmente obrigatria num sentido tico. Mesmo assim, para Kierkegaard, quando h conflito entre o tico e o religioso, o tico deve ser suspendido diante do dever religioso do homem no sentido de obedecer diretamente a Deus. Neste sentido, portanto, Kierkegaard um precursor de urn tipo de transcendncia antinomista daquilo que tico. 1. O tico como Universal Kierkegaard acreditava que "o tico como tal o universal, e como o universal, aplica-se a todas as pessoas, o que pode ser expressado doutro ponto de vista, dizendo que aplicvel a cada instante."1 Ou, "o tico como tal o universal, e tambm, como o universal, o manifesto, o revelado."2 Diz, de fato: "O tico o universal, e, como tal, tambm o divino." E, tendo em vista este fato, "tem- se, portanto, um direito de dizer que, fundamentalmente, todo dever um dever diante de Deus."3 Isto no deve deixar dvida alguma de que Kierkegaard acreditava sinceramente nas obrigaes morais universais, at o ponto de chamar o dever moral de obrigao divina. Esta, no entanto, apenas uma parte do quadro. Kierkegaard escreve: "Mas se no se pode dizer mais, ento afirma-se ao mesmo tempo que, propriamente dito, no tenho o dever diante de Deus." Ou seja: "o dever fica sendo o dever por ter referncia a Deus, mas no prprio dever no entro em relacionamento com Deus." Por exemplo: " um dever amar ao prximo, mas ao cumprir este dever, no entro em relacionamento com Deus mas, sim, com o prximo a quem amo."4 Na realidade, o paradoxo da f este, que o Individual mais alto do que o universal ... O paradoxo tambm pode ser expresso ao dizer que h um dever absoluto diante de Deus, porque neste relacionamento do dever o indivduo como indivduo tem um relacionamento absoluto com o absoluto."5 Noutras palavras, ainda que o tico como tal seja universal, nem sempre obrigatrio. O individual, no dever absoluto diante de Deus pode e deve transcender o tico. 2.O Individual Religioso Sobre o Universal tico H ocasies em que o dever direto do indivduo diante de Deus entra em conflito com seu dever universal diante doutros homens. Em tais ocasies a tica bem como o universal devem ser transcendidos polo individual religioso. "A f exatamente este paradoxo, que o individual como o particular mais alto que o universal, justificado diante dele, no subordinado, mas, sim, superior. , e permanece sendo para toda a eternidade, um paradoxo, inacessvel ao pensamento."6 Este paradoxo da responsabilidade religiosa do indivduo sobre seu dever tico focalizado no relato de Abrao e Isaque. Quando Deus mandou a Abrao que matasse seu filho a quem amava de todo o corao e em quem 20. colocava suas esperanas para a bno futura, Abrao tinha de suspender sua responsabilidade tica a fim de expressar seu dever a Deus. "Na vida de Abrao no h expresso mais alta da tica do que esta, que o pai ame seu filho. .. Por que, ento, Abrao fez isto? Por amor a Deus e (em completa identidade com isto) por amor a ele mesmo."7 Destarte, a despeito do imperativo moral universal acerca do matar, e por causa da sua f em Deus, Abrao foi alm da tica de modo total. Demonstrou que o individual religioso est mais alto do que o universal tico. 3. A Suspenso Teleolgica do tico Quando o tico transcendido por aquilo que religioso, o universal pelo individual, no suspendido em virtude de uma norma superior tica. No h nenhum telos ou propsito tico superior que justifica o ato religioso. Conforme a maneira de Kiekegaard express-lo, o cavalheiro da f no um heri trgico. O heri trgico assegura-se de que h um dever tico superior, que cumpre ao quebrar um inferior, assim como quando Jeft sacrificou sua filha em prol da nao inteira.8 No caso de Abrao no h semelhante base lgica superior da tica. "Ele age em virtude do absurdo, porque precisamente absurdo que ele, como o particular, seja mais alto do que o universal. .. Abrao, portanto, no foi em momento algum um heri trgico, mas, sim, algo bem diferente, ou um assassino, ou um crente."9 A diferena entre o heri trgico e Abrao fica clara. O heri trgico "deixa uma expresso da tica achar seu telos numa expresso mais alta da tica" mas "com Abrao a situao era diferente. Por seu ato ultrapassou totalmente a tica e possuiu um telos superior fora dela, e com relao a este telos suspendeu a tica."10 A tica suspensa em prol daquilo que religioso, mas no h nenhum propsito ou princpio tico superior que justificaria esta suspenso. Alis, a maneira conforme a qual o religioso transcende a tica pode importar numa "inverso" da tica. 4. A "Inverso" Religiosa das Normas ticas Quando um homem como Abrao age pela f em virtude do seu dever absoluto a Deus, "a tica reduzida a uma posio de relatividade." Por exemplo, "o amor a Deus pode levar o cavalheiro da f a dar ao seu amor ao prximo a expresso oposta quela que, segundo a tica , exigida pelo dever."11 Isto bem bvio no caso de Abrao. De fato, Kierkegaard admite que no que diz respeito lei moral Abrao era um assassino, no um crente. A f, porm, " capaz de transformar um assassinato em ato santo, do beneplcito de Deus.. ."12 At mesmo os amigos e entes queridos mais achegados foram incapazes de justificar o ato de Abrao em qualquer sentido tico.13 Alm disto, segue-se da que, se Abrao fosse processado diante de um tribunal por assassinato, seus prprios entes queridos teriam de confessar a culpa dele diante da lei moral! Realmente, nem sequer Abrao podia justificar seu prprio ato moralmente. "Acreditava em virtude do absurdo; no podia, pois, haver questo do clculo humano, e era realmente absurdo que Deus, que fez a exigncia da parte dele, fosse cancel-la no instante seguinte." De fato, "a aflio e o temor neste paradoxo que, humanamente, ele inteiramente incapaz de se tornar inteligvel."14 A tica relevante e racional, porque pode ser colocada numa declarao proposicional universal e inteligvel. No assim com aquilo que religioso, que apaixonado, subjetivo, e radicalmente individual.15 Em resumo, no h declaraes ticas universais que no devam ser "invertidas" pela experincia religiosa individual do dever absoluto diante de Deus, tal como Abrao enfrentou. 5.O tico Desentronizado Mas No Destrudo A fim de que Kierkegaard no seja deturpado, porm, deve ser notado que de modo algum a tica descartada simplesmente porque s vezes despojada dos seus privilgios 21. por aquilo que religioso. A tica como tal permanece universalmente obrigatria. Somente porque a tica considerada relativa em relao quilo que religioso, no significa que no permanece absoluta em si mesma. A tica pode ser suspensa, mas no pode ser descartada.16 "No se segue disto, no entanto, que a tica deve ser abolida, mas sim, adquire uma expresso inteiramente diferente, a expresso paradoxal.. ,"17 Na realidade, a tica um ingrediente essencial em estabelecer a tenso dialtica que d ocasio ao paradoxo. Sem ter grande respeito pela lei moral, o homem religioso no teria "temor e tremor" algum ao transcend-la. parte a crena no racional, no haveria mrito no ato "irracional" da f, e assim por diante. Repetindo: ningum pode ser religioso sem primeiramente acreditar profundamente na tica. Aquilo que religioso desentroniza a tica, mas nunca a destri. por esta razo que Kierkegaard no teme qualquer abuso da tica pelo homem religioso. "Aquele que aprendeu que existir como indivduo a coisa mais terrvel de todas... dificilmente ser uma armadilha para o homem desnorteado, pelo contrrio, ajud-lo- a entrar no universal..." Porque "o homem que vive sob sua prpria superviso, sozinho no mundo inteiro, vive de modo mais rigoroso e mais recluso do que uma donzela no seu quarto privado." Que h alguns que, sem compulso, tomaro liberdades e sero egostas, Kierkegaard no duvida, "mas o homem deve comprovar exatamente que no deste nmero pelo fato de que sabe falar com temor e tremor."18 Em resumo: o tico uma exigncia prvia para aquilo que religioso, e o tico permanece intacto, mesmo quando transcendido pelo religioso. 6. O Solo para o Antinomismo Incipiente Ainda que o tico no seja destrudo enquanto suspenso por aquilo que religioso, h pelo menos duas maneiras segundo as quais o ensino de Kierkegaard o solo para o antinomismo incipiente. Primeiramente, Kierkegaard postula como superior o dever de quebrar normas ticas universais sem ter uma razo superior tica ou racional para assim fazer. Noutras palavras, nenhuma norma tica realmente universal; pode e deve ser quebrada por razes no-ticas (ou no-razes). Destarte, Kierkegaard tomou posio contra quaisquer normas ticas inquebrantveis sempre existe o dever religioso no sentido de desobedecer s normas ticas "universais" assim chamadas quando o homem convocado para assim fazer, mediante uma considerao religiosa. Em segundo lugar, o mbito do dever ulterior do homem descrito por Kierkegaard como sendo "absurdo," "paradoxal," e alm de toda a "compreenso" racional. No h maneira de declarar o dever religioso numa proposio universal. No conhecido proposicionalmente nem racionalmente; conhecido apenas passionalmente mediante um ato (ou "pulo") da f. E este ato "irracional" da f pode at mesmo "inverter" o princpio tico. Kierkegaard, naturalmente, no identificou este mbito do "irracional" ou "paradoxal" como sendo tico. Disse, no entanto, que era o mbito do dever ulterior do homem, ainda que chamasse este dever de religioso ao invs de tico. No difcil compreender como outra pessoa poderia tirar a concluso de que a prpria tica deva ser colocada neste mbito alm das categorias do bem e do mal. Semelhante abordagem subentendida nas obras de Friedrich Nietzsche.19 B. Nietzsche: Transvalorizando a tica Kierkegaard acreditava que o tico deve ser transcendido pelo religioso; Nietzsche acreditava que o religioso e o tico devem ser transvalorizados. Conforme indica o ttulo de um dos seus livros o homem moderno deve ir "alm do Bem e do Mal."20 Deus 22. morreu, e todos os valores testas morreram com Ele. O homem moderno deve achar novos valores parte destes valores tradicionais defuntos. 1. A Morte de Deus e do Bem Numa passagem famosa em Sabedoria Alegre, Nietzsche escreve acerca do homem moderno: " 'Para onde foi Deus? exclamou. Pretendo contar-lhe! Ns o matamos, voc e eu! Ns todos somos seus assassinos!... No ouvimos o som dos coveiros que esto enterrando a Deus? No cheiramos a putrefao divina? porque at os Deuses apodrecem! Deus est morto! Deus permanece morto! E ns O matamos!"21 No seu bem-conhecido livro: Assim Falou Zaratustra, Nietzsche exortou: "Rogo-vos, meus irmos, permanecei fiis terra, e no acrediteis naqueles que vos falam de esperanas noutros mundos!. .. Anteriormente, o pecado contra Deus era o maior pecado; mas Deus morreu, e estes pecadores morreram com Ele. Pecar contra a terra agora a coisa mais horrorosa.. ,22 Se Nietzsche queria dizer que um Deus que certa vez realmente vivia agora realmente morrera (conforme acredita Thomas Altizer),23 ou se queria dizer que Deus morrera culturalmente sendo que o homem moderno j no cr nEle24 , ou seja o que for; o resultado tico final o mesmo: viz., Deus e todos os valores tradicionais caram. Nietzsche denominava a si mesmo de "o primeiro imoralista" que desejava passar alm de toda a moralidade tradicional assim como a qumica passou alm da alquimia, e a astronomia alm da astrologia.25 At mesmo princpios ticos muito gerais, tais como: "No fira homem algum, pelo contrrio, ajude a todos os homens na medida da sua capacidade," so questionados por Nietzsche. "Em resumo: os deveres morais tambm so apenas uma linguagem simblica das paixes... "26 A moralidade crist do amor altrusta selecionada para um ataque especial por Nietzsche. "O que? Alega-se que um ato de amor 'no-egosta'? Ora, seus idiotas... 'O que se diz de louvar aquele que sacrifica a si mesmo?" Porque "cada moralidade altrusta que se toma por absoluta e procura aplicar-se a todos, peca no somente contra o bom gosto, mas faz algo pior: um incentivo aos pecados da omisso."27 Realmente, Nietzsche reserva suas palavras mais amargas para a tica crist. Em Ecce Homo escreveu: "A moralidade crist a forma mais maligna de toda a falsidade.. . realmente venenosa, decadente, debilitante. Produz simplrios, e no homens." Acrescenta noutro trecho: "Condeno o cristianismo e o confronto com a mais terrvel acusao que um acusador j teve na sua boca. Na minha opinio a maior corrupo da qual se pode conceber. .. Chamo-o de a nica mancha imortal da raa humana."28 2. Reavaliando o Bem e o Mal A acusao principal de Nietzsche contra a tica crist que uma moralidade de fraqueza. "Desde o prprio incio, a f crist um sacrifcio: o sacrifcio de toda a liberdade, de todo orgulho, de toda a auto-confiana da mente; ao mesmo tempo, servido, zombaria de si mesmo e auto-mutilao." Segundo Nietzsche: " Torne-se medocre!' agora a nica moralidade que faz sentido, que acha ouvidos para ouvir."29 E no centro desta moralidade da mediocridade h o conceito cristo do amor. " 'A compaixo para todos' importaria em rigor e tirania para voc, meu caro vizinho!" exclama ele. Alm disto, diz: "amar a humanidade por amor a Deus tem sido, at agora, o sentimento mais distinto e forado que a humanidade tem galgado." Esta tica do amor, conforme personificada na vida de Cristo, "um dos exemplos mais dolorosos do martrio que advm de conhecer acerca do amor." o fim trgico de uma tica da fraqueza inspirada pelo amor, que tem urgente necessidade de transvalorizao. "Jesus disse para seus judeus," escreveu Nietzsche, "Amem a Deus, conforme eu o amo, amem-no como um filho ama. O que que ns, os filhos de Deus, nos importamos com a moralidade?" Deus est morto, Jesus est morto, e a moralidade crist est morta. "Talvez um dia os conceitos morais acerca dos quais mais lutvamos e 23. soframos, os conceitos de 'Deus' e do 'pecado' no nos parecero mais importantes do que o brinquedo da criana ou a tristeza da criana parece a um velho."30 O que necessrio hoje, diz Nietzsche, uma nova moralidade, no dos fracos, mas dos fortes. A velha moralidade morreu; uma nova moralidade deve ser elaborada. A moralidade tradicional edificada sobre a obedincia dos muitos aos poucos, e produziu virtudes "moles." uma moralidade do rebanho. O que necessrio hoje uma moralidade do indivduo e das virtudes "duras", tais como as qualidades prprias do guerreiro: a perseverana, a aspereza, e a suspeita. Esta moralidade do "super-homem" tambm incluir a inteligncia, a honestidade, e a generosidade que d, no por compaixo, mas, sim, de uma super-abundncia de poder.31 Mas seu alvo no a uniformidade da moralidade para todos os homens, mas, sim, uma variedade de moralidades. Porque "a exigncia de uma s moralidade para todos importa numa invaso do tipo superior de homem." H uma ordem de categoria entre os homens, e deve hav-la tambm entre as moralidades.32 De onde vem esta nova moralidade? De gnios criadores, pois "os verdadeiros filsofos so mandantes e legisladores. Dizem: 'Ser assim!' Determinam o 'para onde' e o 'com que fim' da humanidade... O 'saber' deles criador." Talvez seja necessrio que o filsofo genuno tenha sido um crtico, um dogmtico, um ctico, e um historiador. "Todas estas, porm, so apenas condies prvias para sua tarefa. A tareia propriamente dita outra coisa: exige que ele crie valores. " Nietzsche no est interessado na descoberta do valor mas, sim, na sua criao, c os super-homens so os criadores. A "vontade de poder" do supei-indivduo substitui a vontade do santo de ser sobrepujado pelos outros. Todos os valores do grupo so transformados em valores individuais, todos os absolutos em relativos, toda a moralidade em extra-moralidade. Qualquer coisa que aumenta a vontade de poder valiosa. O bem moral achado na afirmao da vontade, e fortalecido pelo ideal dos super-homens33 De que maneira se deve abordar a tica, portanto, se todo o valor relativo vontade individual ao poder? A resposta , numa s palavra: a experimentao. Mas este estudo de sentimentos de valores e diferenas de valores mediante a experimentao no deve ser dirigido para estabelecer uma cincia da moralidade mas, sim, apenas para preparar uma tipologia. "Pelo nome com que me aventurei a batiz-las, expressamente enfatizei sua experimentao e seu deleite na experimentao," escreveu Nietzsche. E "na sua paixo por novo entendimento, no devemos ir mais longe em experincias ousadas e dolorosas do que o gosto emasculado e mrbido de um sculo democrtico possa aprovar?34 Mas o que frear esta tica individualista ao poder da anarquia e do caos? A resposta de Nietzsche : a eterna reocorrncia voluntria. O super-homem aceita o fato final de uma volta perptua ao mesmo estado de coisas. Os ciclos eternos afugentaro a insinceridade daqueles que aceitarem esta nova moralidade. 3. A Rejeio de Todo o Valor Absoluto No somente Nietzsche procurava rejeitar todo o valor tradicional e desejava reavali-lo mediante a recriao dos valores radicais do individualista robusto, como tambm rejeitava enfaticamente todos os valores absolutos de modo total. "Repetirei uma centena de vezes," escreveu ele, "que a 'certeza imediata' bem como o 'conhecimento absoluto' e a 'coisa em si mesma' so todas contradies em termos." Tanto a verdade como o valor esto numa escala deslizante sem qualquer padro absoluto. "O que nos fora." Nietzsche pergunta, "a pressupor dalgum modo que haja uma diferena essencial entre 'verdadeiro' e 'falso'? No suficiente supor nveis de semelhana, sombras e tons mais claros e escuros de semelhana, por assim dizer, "valores' diferentes, do modo que o pintor usa o termo?" O filsofo da verdade absoluta est predisposto pela pressuposio de que existam opostos 24. tais como verdadeiro e falso, bom e mau. "A f bsica de todos os metafsicos a f na natureza antittica dos valores. " "Nunca lhes ocorre duvidar desta pressuposio," diz Nietzsche. "Mas realmente podemos duvidar: primeiramente, se as antteses realmente existem, e, em segundo lugar, se aquelas avaliaes populares e antitticas de valores s quais os metafsicos deram seu carimbo de aprovao no so, talvez, avaliaes meramente superficiais. . "35 E a crena metafsica bsica de que Deus a verdade, de que a verdade divina, decerto deve ser questionada. "Mas o que se diz se isto em si mesmo torna-se menos fidedigno," pergunta Nietzsche, "o que se diz se mais nada se comprova divino, a no ser que seja o erro, a cegueira e a falsidade; o que se diz se o prprio Deus revelado como sendo nossa mentira mais persistente?"36 De fato, a totalidade do livro de Nietzsche, Anti-Christ dedicado destruio da verdade absoluta. Era apenas a primeira parte de uma magnum opus projetada (nunca completada) que ele chamou de A Revaluation of All Values. Resumindo: Nietzsche procura ir alm do bem e do mal por meio de transvalorizar a prpria natureza do bem e do mal. Nas suas prprias palavras, f-lo "numa reavaliao de todos os valores, numa libertao de todos os valores morais, ao falar Sim a tudo quanto at ento tem sido proibido, desprezado, condenado; e ter confiana nele.. . A moralidade no atacada, meramente j no faz parte do quadro."37 Em resumo: Nietzsche est sem normas ticas relevantes de vrias maneiras: Primeiramente, est sem quaisquer normas absolutas. Deus est morto e todos os valores absolutos morreram com Ele. Em segundo lugar, Nietzsche est sem normas objetivas. Cada indivduo cria sua prpria variedade de valores. Em terceiro lugar, est sem normas crists. Nietzsche profunda e irrevogavelmente anti-cristo. O prprio Nietzsche, temendo que algum um dia o canonizaria (conforme fez Altizer), 38 escreveu: "Tenho um medo tremendo de que, um dia, algum me pronunciar santo. "39 Dificilmente era santo no sentido cristo, certamente no no seu conceito de Deus e dos valores morais edificados em Deus. Encarava "Deus como a declarao de guerra contra a vida, contra a natureza, contra a vontade de viver! Deus a frmula para toda calnia contra 'este mundo' para toda mentira acerca do 'alm'! Deus a deificao do nada, a vontade de nada pronunciada santa!"40 C. Sartre: A Rejeio do tico Kierkegaard comeou o avano existencial moderno em direo ao antinomismo, Nietzsche o continuou, e ele culminou em Sartre. Kierkegaard disse que as normas ticas universais podiam ser transcendidas pelo individual religioso, N