Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues Poder normativo na ... · anterior bipolaridade e o momento...

122
Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues Poder normativo na cooperação internacional para o desenvolvimento: a União Europeia e o Brasil Dissertação de Mestrado Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Mestre pelo Programa de Pós- graduação em Relações Internacionais do Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio. Orientadora: Profa. Adriana Erthal Abdenur Rio de Janeiro Março de 2015

Transcript of Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues Poder normativo na ... · anterior bipolaridade e o momento...

Page 1: Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues Poder normativo na ... · anterior bipolaridade e o momento unipolar seguinte passaram a ser gradualmente substituídos por uma crescente multipolaridade.

Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues

Poder normativo na cooperação internacional para o desenvolvimento: a União Europeia e o Brasil

Dissertação de Mestrado

Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Mestre pelo Programa de Pós-graduação em Relações Internacionais do Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio.

Orientadora: Profa. Adriana Erthal Abdenur

Rio de Janeiro Março de 2015

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1313538/CA
Page 2: Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues Poder normativo na ... · anterior bipolaridade e o momento unipolar seguinte passaram a ser gradualmente substituídos por uma crescente multipolaridade.

Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues

Poder normativo na cooperação internacional para o desenvolvimento: a União Europeia e o Brasil

Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Mestre pelo Programa de Pós-graduação em Relações Internacionais do Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio.

Profa. Adriana Erthal Abdenur Orientadora e Presidente

Instituto de Relações Internacionais – PUC-Rio

Profa. Eleni Lazarou Fundação Getúlio Vargas - FGV

Profa. Paula Orrico Sandrin Instituto de Relações Internacionais – PUC-Rio

Profa. Mônica Herz Vice-Decana de Pós-Graduação

do Centro de Ciências Sociais – PUC-Rio

Rio de Janeiro, 26 de março de 2015

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1313538/CA
Page 3: Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues Poder normativo na ... · anterior bipolaridade e o momento unipolar seguinte passaram a ser gradualmente substituídos por uma crescente multipolaridade.

Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução

total ou parcial do trabalho sem a autorização da

universidade, da autora e do orientador.

Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues

Graduou-se em Relações Internacionais na

Universidade Estadual da Paraíba (UEPB) em 2011.

Fez parte da equipe Country Desks no BRICS Policy

Center, do Instituto de Relações Internacionais da

Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro

(PUC-Rio).

Ficha Catalográfica

CDD: 327

Rodrigues, Eth Ludmilla de Gois V N Poder normativo na cooperação internacional para o desenvolvimento: a União Europeia e o Brasil / Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues ; orientador: Adriana Erthal Abdenur. – 2015. 122 f. : il. (color.) ; 30 cm Dissertação (mestrado)–Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Instituto de Relações Internacionais, 2015. Inclui bibliografia 1. Relações internacionais – Teses. 2. Cooperação internacional para desenvolvimento. 3. Potências emergentes. 4. União Europeia. 5. Brasil. 6. Mudanças institucionais e discursivas. 7. Potência normativa. 8. Socialização como processo de via dupla. I. Abdenur, Adriana Erthal. II. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Instituto de Relações Internacionais. III. Título.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1313538/CA
Page 4: Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues Poder normativo na ... · anterior bipolaridade e o momento unipolar seguinte passaram a ser gradualmente substituídos por uma crescente multipolaridade.

Aos meus pais, Telma e Elí,

pelo apoio incondicional

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1313538/CA
Page 5: Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues Poder normativo na ... · anterior bipolaridade e o momento unipolar seguinte passaram a ser gradualmente substituídos por uma crescente multipolaridade.

Agradecimentos

Agradeço, em primeiro lugar, aos meus pais, Elí e Telma, que me forneceram

todo o apoio possível para eu pudesse cursar o mestrado fora da minha cidade

natal. Foram inúmeros os incentivos, as vibrações e os conselhos, além da torcida

e da confiança depositada em mim. Também ao meu irmão, Nícolas, agradeço

imensamente por todo o amor e apoio incondicional.

À João, companheiro há vários anos, na universidade e fora dela, por todo o apoio

na realização desse trabalho, com diversas revisões, críticas e sugestões e, acima

de tudo, por todo o carinho, companheirismo e compreensão.

Às minhas eternas amigas Nathália, Juliana, Talita e Jaqueline, por toda a torcida

e incentivo, pela compreensão com as minhas ausências, e por todo o carinho.

À minha orientadora, Adriana Abdenur, por todas as contribuições, sugestões e

orientações extremamente importantes para a concretização desse trabalho, além

do apoio e dos aconselhamentos para a minha carreira profissional.

Às professoras Elena Lazarou e Paula Sandrin, cujas críticas e sugestões foram

indispensáveis para a finalização dessa dissertação.

À turma do mestrado no IRI, pelas diversas discussões engrandecedoras e pelo

companheirismo durante esses dois anos de jornada.

Aos professores e funcionários do IRI, que tanto contribuíram para a minha

formação.

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES, cujo

suporte foi imprescindível para a realização do mestrado e do presente trabalho.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1313538/CA
Page 6: Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues Poder normativo na ... · anterior bipolaridade e o momento unipolar seguinte passaram a ser gradualmente substituídos por uma crescente multipolaridade.

Resumo

Rodrigues, Eth Ludmilla de Gois V N; Abdenur, Adriana Erthal. Poder

normativo na cooperação internacional para o desenvolvimento: a

União Europeia e o Brasil. Rio de Janeiro, 2015. 122 p. Dissertação de

Mestrado – Instituto de Relações Internacionais, Pontifícia Universidade

Católica do Rio de Janeiro.

Nos últimos anos, o campo da cooperação internacional para o

desenvolvimento (CID) tem passado por mudanças significativas, como a

diversificação de atores e de financiamento, resultantes principalmente da

crescente atuação das potências emergentes. Esse estudo tem como objetivo

identificar e compreender como um ator do Norte, a União Europeia (UE), tem

respondido, de modo discursivo e institucional, às mudanças na área da CID e à

citada progressiva atuação das potências emergentes nela, especialmente o Brasil.

Parte-se de discussões acerca das transformações no campo da CID, dando ênfase

especial à ação das potências emergentes e à Cooperação Sul-Sul como desafios –

entre eles, normativos - à assistência ao desenvolvimento realizada pelos doadores

tradicionais, especialmente a UE. A UE é então discutida sob o prisma do

conceito de potência normativa, ou seja, que atua e tem como objetivo de política

externa perseguir princípios que basearam a sua criação e considerá-los

universais. Assim, o Sul global seria apenas socializado às normas internacionais

existentes, o que se torna inconsistente com a progressiva atuação normativa das

potências emergentes. Esse ideal normativo da UE se faz presente nos seus

marcos legais e na sua política de desenvolvimento, que, entretanto, tem buscado

formas de se adaptar e se relacionar com as potências emergentes. Esse

comportamento é identificado na relação da UE com o Brasil no campo da CID,

que, ao enfrentar diversos desafios, demonstra que, na realidade, potências

tradicionais e emergentes se influenciam mutuamente, ou seja, a socialização deve

ser vista como um processo de via dupla.

Palavras-chave

Cooperação internacional para o desenvolvimento; Potências emergentes;

União Europeia; Brasil; Mudanças institucionais e discursivas; Potência

normativa; Socialização como processo de via dupla.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1313538/CA
Page 7: Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues Poder normativo na ... · anterior bipolaridade e o momento unipolar seguinte passaram a ser gradualmente substituídos por uma crescente multipolaridade.

Abstract

Rodrigues, Eth Ludmilla de Gois V N; Abdenur, Adriana Erthal (Advisor).

Normative power in international development cooperation: the

European Union and Brazil. Rio de Janeiro, 2015. 122 p. MSc.

Dissertation – Instituto de Relações Internacionais, Pontifícia Universidade

Católica do Rio de Janeiro.

In the past few years, the field of international development cooperation

(IDC) has undergone significant transformations, as the diversification of actors

and of financing, mostly as a result of the growing role of emerging powers. This

study aims to identify and understand how a Northern actor, the European Union

(EU) has responded, discursively and institutionally, to changes in the area of IDC

and to the already cited progressive role of emerging powers in it, especially

Brazil. This study starts from discussions regarding the changes in the field of

IDC, giving special emphasis on the action of emerging powers and the South-

South Cooperation as challenges - including normative - to the development

assistance performed by traditional donors, especially the EU. The EU is then

discussed from the perspective of the concept of normative power, which means

that it aims to pursue the principles that based its creation in its foreign policy and

consider them universal. Thus, the global South would only be socialized into

existing international norms, which becomes inconsistent with the progressive

normative role of emerging powers. This normative ideal of the EU is present in

its legal frameworks and its development policy, which, however, has sought

ways to adapt and relate to the emerging powers. This behavior is identified in

EU's relations with Brazil in the field of IDC, that, by facing many challenges, it

shows that, in fact, traditional and emerging powers influence each other, that is to

say, socialization should be seen as a two way process.

Keywords

International Development Cooperation; Emerging powers; European

Union; Brazil; Institutional and discursive changes; Normative power;

Socialization as a two-way process.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1313538/CA
Page 8: Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues Poder normativo na ... · anterior bipolaridade e o momento unipolar seguinte passaram a ser gradualmente substituídos por uma crescente multipolaridade.

Sumário

1. Introdução 13 2. As potências emergentes e as mudanças no campo da cooperação internacional para o desenvolvimento 19 2.1 Mudanças no sistema internacional: o papel das potências emergentes 20 2.1.1 A UE e o seu posicionamento na governança da cooperação para o desenvolvimento 21 2.2 As transformações no campo da Cooperação Internacional para o desenvolvimento (CID) 23 2.3 O paradigma da Eficácia da Ajuda 30 2.4 O Brasil e a agenda da eficácia da ajuda 33 2.5 Conclusões do capítulo 36 3. A UE como potência normativa e os desafios trazidos pelas mudanças no cenário internacional 38 3.1 A União Europeia como potência normativa 39 3.1.1 E: potência normativa no desenvolvimento internacional? 44 3.2 Críticas à concepção da UE como potência normativa 47 3.3 A legitimidade do papel normativo da UE: a percepção do Sul global 51 3.4 Socialization as a two-way process: a influência recíproca entre a UE e as potências emergentes 56 3.5 Conclusões do capítulo 58

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1313538/CA
Page 9: Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues Poder normativo na ... · anterior bipolaridade e o momento unipolar seguinte passaram a ser gradualmente substituídos por uma crescente multipolaridade.

4. Respostas da União Europeia ao mundo em transição 60 4.1 O multilateralismo efetivo e as parcerias estratégicas 61 4.2 A Política de Desenvolvimento da UE: em busca de mais unidade com o European Consensus on Development e o Tratado de Lisboa 65 4.3 A Agenda for Change 70 4.4 Instrumentos de financiamento da ação externa da UE 72 4.5 Conclusões do capítulo 78 5. A UE e o Brasil: da assistência à parceria 80 5.1 As relações entre o Brasil e a UE: um breve histórico 81 5.2 De recipiente a parceiro: a mudança de percepção da UE sobre o Brasil 83 5.3 A parceria estratégica Brasil - UE e os seus resultados na cooperação internacional para o desenvolvimento 88 5.3.1 Resultados na cooperação triangular 93 5.3.2 Resultados na cooperação multilateral 98 5.4 Perspectivas futuras 102 5.5 Conclusões do capítulo 105 6. Considerações finais 107 7. Referências bibliográficas 112

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1313538/CA
Page 10: Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues Poder normativo na ... · anterior bipolaridade e o momento unipolar seguinte passaram a ser gradualmente substituídos por uma crescente multipolaridade.

Lista de Quadros Quadro 1 - Principais instrumentos de financiamento da ação externa da UE (2014 – 2020) 73

Quadro 2 - As Declarações Conjuntas e as iniciativas em matéria de cooperação internacional para o desenvolvimento 90

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1313538/CA
Page 11: Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues Poder normativo na ... · anterior bipolaridade e o momento unipolar seguinte passaram a ser gradualmente substituídos por uma crescente multipolaridade.

Abreviaturas e Siglas

ABC - Agência Brasileira de Cooperação

ACP - África, Caribe e Pacífico

AOD – Assistência Oficial ao Desenvolvimento

BRICS - Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul

CAD-OCDE – Comitê de Ajuda ao Desenvolvimento da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico

CEE – Comunidade Econômica Europeia

CELAC – Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos

CID – Cooperação Internacional para o Desenvolvimento

CRA - Arranjo Contingente de Reservas

CSP - Country Strategy Paper

CTR – Cooperação Trilateral

CSS – Cooperação Sul-Sul

DCI - Development Cooperation Instrument

ECOSOC - Conselho Econômico e Social das Nações Unidas

EDF – European Development Fund

EES – European Security Strategy

ENI - European Neighbourhood Instrument

ENP - European Neighborhood Policy

ESDP – Política de Defesa e Segurança Europeia

FHC - Fernando Henrique Cardoso

FMI – Fundo Monetário Internacional

Mercosul – Mercado Comum do Sul

MRE - Ministério das Relações Exteriores)

NBD - Novo Banco de Desenvolvimento

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1313538/CA
Page 12: Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues Poder normativo na ... · anterior bipolaridade e o momento unipolar seguinte passaram a ser gradualmente substituídos por uma crescente multipolaridade.

NBD – Novo Banco de Desenvolvimento

NCRE – National Centre for Research on Europe

NPE – Normative Power Europe

OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico

ODM – Objetivos de Desenvolvimento do Milênio

OECE – Organização Europeia de Cooperação Econômica

OMC – Organização Mundial do Comércio

ONU – Organização das Nações Unidas

PCSD– Política Comum de Segurança e Defesa

PESC - Política Externa e de Segurança Comum

PGCDE - Parceria Global para a Cooperação para o Desenvolvimento Eficaz

PI – Partnership Instrument

PIB – Produto Interno Bruto

PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

SADC – Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral

SEAE – Serviço Europeu para Ação Externa

TSE - Tribunal Superior Eleitoral

UE – União Europeia

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1313538/CA
Page 13: Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues Poder normativo na ... · anterior bipolaridade e o momento unipolar seguinte passaram a ser gradualmente substituídos por uma crescente multipolaridade.

1. Introdução

O fim da Guerra Fria, no início dos anos 1990, arrematou a bipolaridade

que dividiu o globo durante aproximadamente 45 anos e marcou o início de uma

transição no cenário internacional. Após um momento de unipolaridade norte-

americana, novos Estados despontaram como polos desse cenário e, assim, a

anterior bipolaridade e o momento unipolar seguinte passaram a ser gradualmente

substituídos por uma crescente multipolaridade. Como destaca Renard (2009), o

ressurgimento da Rússia e a emergência da China, da Índia e do Brasil, países que

compõem o BRICS1, contribui para uma possível transição rumo a uma maior

multipolaridade.

O trabalho proposto se insere nesse debate geral acerca do crescente papel

internacional que os chamados países emergentes têm adquirido nos últimos anos,

assim como as transformações que tal fenômeno acarreta na arena internacional

preexistente. Dentre os chamados países emergentes, encontram-se a Arábia

Saudita, a Turquia, a Indonésia e o México. Entretanto, maior destaque tem sido

dado aos países BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), termo

criado em 2003 por Jim O'Neil, economista-chefe do banco de investimento

Goldman Sachs, com o intuito de evidenciar aquelas economias em

desenvolvimento que demonstravam crescimento econômico acelerado2. Assim, o

tema tratado na presente pesquisa se configura como atual, envolvendo mudanças

do cenário internacional e abrangendo discussões sobre o Norte e o Sul Global,

especificamente grandes atores como a União Europeia e o Brasil.

Essa progressiva multipolaridade também ocorre no campo da cooperação

internacional para o desenvolvimento que, até recentemente, encontrava-se

extremamente assimétrico, mas cuja configuração atual se caracteriza por uma

redução de assimetria. Isso porque os atores do Sul contestam a estrutura da

governança global existente e, assim, deixam de ser apenas influenciados pelo

Norte para se tornarem também influenciadores dele. Esse fenômeno, apesar de

provocar entusiasmo no Sul, traz receio ao Norte, a exemplo da União Europeia

(UE).

1 Posteriormente, em 2011, a África do Sul integrou o grupo.

2 Para mais informações, ver: <http://www.goldmansachs.com/our-thinking/archive/archive-

pdfs/build-better-brics.pdf>

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1313538/CA
Page 14: Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues Poder normativo na ... · anterior bipolaridade e o momento unipolar seguinte passaram a ser gradualmente substituídos por uma crescente multipolaridade.

14

Tal receio está vinculado ao fato de que as potências emergentes têm

aumentado a intensidade e o volume da cooperação na área – em que se destaca a

chamada Cooperação Sul-Sul -, promovendo que sua atuação ocorre de forma

diferenciada daquela dos doadores do Norte: enquanto os últimos propagam

princípios voltados para os valores e normas do Estado de direito, da democracia e

dos direitos humanos, por exemplo, os primeiros pronunciam que cooperam com

base na solidariedade, na parceria e na não condicionalidade.

Diante dessa contestação aos padrões normativos do campo da cooperação

internacional para o desenvolvimento, torna-se importante discutir o papel das

normas e do poder normativo. Dessa maneira, por focar no papel das ideias,

normas e entendimentos da vida social, o olhar teórico utilizado na pesquisa

proposta é o do construtivismo. Especificamente, o conceito de Normative Power

Europe – o entendimento da União Europeia como potência normativa -,

elaborado por Ian Manners, em 2002, traz à discussão uma abordagem adotada

pela UE que compreende a si própria como difusora internacional de princípios e

valores universais, baseados naqueles que fundamentam a sua própria formação,

para países em desenvolvimento. Por outro lado, Xiaoyu Pu (2012) discute que,

ao passo que Normative Power Europe tem sido intensamente debatido, poucos

estudos conceituam o poder normativo das potências emergentes, retratando uma

literatura que analisa esses atores como passivos e apenas recipientes dos valores

propagados pelo Norte. A formulação de Pu, elaborada através do conceito da

Socialization as a two-way process, nos permite compreender que essas novas

potências possuem agência e que, além de socializar outros atores dentro do seu

sistema de normas, a UE também é influenciada pela ação dos países emergentes.

Pela sua proeminência e diversificação, a atuação das potências

emergentes através da Cooperação Sul-Sul tem sido alvo de diversas pesquisas.

Entretanto, é identificada por pesquisadores a existência de uma lacuna nesses

estudos no que se refere ao impacto do fenômeno da Cooperação Sul-Sul na

tradicional ajuda oficial ao desenvolvimento do Norte. Poucas pesquisas abordam

a forma como as potências emergentes influenciam a ajuda ao desenvolvimento

do Norte (Quadir, 2013; Mawdsley, 2012) assim como o impacto normativo que

possuem (Pu, 2012) ou como o Norte procura se engajar com atores do Sul diante

das transformações ocorridas do campo do desenvolvimento (Abdenur; Fonseca,

2013). Desse modo, o estudo se propõe a aprofundar a pesquisa nessas questões

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1313538/CA
Page 15: Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues Poder normativo na ... · anterior bipolaridade e o momento unipolar seguinte passaram a ser gradualmente substituídos por uma crescente multipolaridade.

15

identificadas como pouco discutidas e contribuir para o preenchimento da lacuna

existente no conhecimento da área.

Nesse sentido, a presente proposta busca identificar e compreender como o

Norte tem reagido à heterogeneidade e, consequentemente, aos desafios trazidos

pelo Sul global, cuja atuação internacional se encontra cada vez mais

proeminente. Mais especificamente, procura-se entender como um ator do Norte,

no caso, a União Europeia, tem respondido discursivamente e institucionalmente

às mudanças ocorridas no campo da cooperação para o desenvolvimento em

relação a um país do Sul Global, no caso, o Brasil. A escolha dos atores se dá, em

primeiro lugar, pelo fato da União Europeia (no nível comunitário e no dos

estados-membros) se configurar como maior doadora de ajuda ao

desenvolvimento no mundo, representando mais de 50% da Assistência Oficial ao

Desenvolvimento (AOD) global3, além de possuir importância normativa no

campo. Em segundo lugar, o Brasil tem apresentado política externa atuante no

campo da cooperação internacional para o desenvolvimento, além de ser

integrante do grupo dos BRICS e contestar a estrutura da governança global

existente. Ademais, é de interesse acadêmico nacional a produção de bibliografia

sobre o país de origem.

Dessa forma, seguem duas questões de pesquisa norteadoras do trabalho:

1) Como a atuação das potências emergentes tem influenciado as mudanças

institucionais e discursivas da União Europeia no campo do desenvolvimento

internacional? 2) Como a União Europeia enquadra o Brasil dentro das mudanças

institucionais e discursivas identificadas?

Duas hipóteses podem ser levantadas na pesquisa proposta, sendo a

primeira voltada para o reconhecimento da influência mútua entre a União

Europeia e as potências emergentes e, a segunda, vinculada ao caso específico do

Brasil nas estratégias da União Europeia. Como primeira hipótese, supõe-se que a

crescente atuação das potências emergentes tem influenciado a União Europeia,

provocando mudanças institucionais e discursivas na organização. Como segunda

hipótese, presume-se que a União Europeia enquadra o Brasil dentro de

modalidades específicas de cooperação, de forma a assegurar o seu poder

normativo e alcançar o multilateralismo efetivo.

3 Informação obtida através do endereço eletrônico da Comissão Europeia, disponível em:

<http://ec.europa.eu/environment/integration/development_en.htm>

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1313538/CA
Page 16: Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues Poder normativo na ... · anterior bipolaridade e o momento unipolar seguinte passaram a ser gradualmente substituídos por uma crescente multipolaridade.

16

O trabalho se configura como uma pesquisa qualitativa com um estudo de

caso da relação da UE com o Brasil no contexto da cooperação para o

desenvolvimento. A escolha de um estudo de caso se dá pela complexidade e

abrangência do tema a ser debatido, que envolve diversos atores, tanto do Norte

como do Sul. Assim, de forma a ilustrar a abrangente discussão sistêmica, será

analisada a relação entre a União Europeia e o Brasil.

Quanto aos dados utilizados, fez-se uso de documentos oficiais publicados

pela UE, assim como de discursos proferidos por representantes das suas

instituições, e fontes semelhantes também foram utilizadas no caso com o Brasil.

Além disso, foram empregados dados e estatísticas fornecidos pela UE,

organizações internacionais, tal qual a OCDE, e informações de agências de

notícias. Ademais, foram empregados estudos de diversos pesquisadores que

debatem as temáticas discutidas no presente trabalho. Adicionalmente, foram

realizadas entrevistas com representantes da União Europeia - no caso, da

Delegação da União Europeia no Brasil - e do Brasil – no caso, do Ministério das

Relações Exteriores.

Nesse sentido, o método de análise dos dados mencionados foi o da análise

de discurso. Como algumas das fontes de pesquisa utilizadas são documentos e

discursos, além de debater normas e valores, a análise de discurso propiciou a

identificação de interesses, pontos de vista e valores essenciais para a realização

do trabalho proposto. No que se refere ao marco temporal da pesquisa, este será

do ano de 2003 até a atualidade, em razão da primeira referência oficial feita pela

UE à necessidade de cooperar com atores-chave - dentre eles, potências

emergentes como a China e a Índia - para a resolução dos desafios globais. Além

disso, o ano de 2003 também marca o início do governo Lula no Brasil e a

consequente atuação mais dinâmica do país no âmbito internacional, com enfoque

especial na Cooperação Sul-Sul.

O presente trabalho está dividido em quatro capítulos, além da introdução

e a conclusão. No primeiro capítulo, apresenta-se um debate geral sobre as

mudanças ocorridas no cenário internacional nos últimos anos, destacando-se a

emergência de novos polos. O campo da cooperação internacional para o

desenvolvimento espelha essa transformação e o caráter contestador de normas

internacionais que potências emergentes, especialmente integrantes dos BRICS,

têm adquirido. Assim, o capítulo localiza a União Europeia como integrante do

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1313538/CA
Page 17: Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues Poder normativo na ... · anterior bipolaridade e o momento unipolar seguinte passaram a ser gradualmente substituídos por uma crescente multipolaridade.

17

Comitê de Ajuda ao Desenvolvimento da Organização para a Cooperação e o

Desenvolvimento Econômico (CAD-OCDE), cujas regras são contestadas pela

Cooperação Sul-Sul, que é agenciada por potências emergentes, inclusive o

Brasil. Conclui-se que a agenda da eficácia da ajuda, elaborada no âmbito do

CAD-OCDE e que tem procurado a adesão dos países atuantes da Cooperação

Sul-Sul, é vista pelo Brasil como uma agenda em que predominam os interesses

do Norte. Assim, o Brasil tem dado prioridade a fóruns multilaterais alternativos,

a exemplo do BRICS.

O segundo capítulo é dedicado ao aporte teórico da pesquisa, em que se

discute o conceito de Normative Power Europe, sua aplicação empírica na política

de desenvolvimento da UE, e as diversas críticas a essa concepção,

essencialmente vinculadas à inadequação do conceito ao cenário internacional

discutido, em que se faz presente uma crescente atuação das potências

emergentes. Debate-se, assim, a melhor adequação da concepção de socialization

as a two-way process, ou a socialização como um processo bidirecional, que

identifica a crescente influência das potências emergentes na evolução das normas

internacionais, considerando que, ao mesmo tempo em que são socializadas na

ordem existente, também moldam a mudança nas normas internacionais.

É importante ressaltar que a política de desenvolvimento da UE é

formalmente de competência comunitária, mas não exclusiva dela, representando

uma esfera partilhada entre a organização e os seus estados membros, e que estes

últimos exercem sua competência no campo na medida em que a UE não tenha

exercido a sua. Estudar as políticas de desenvolvimento dos 28 estados membros

da UE está além do escopo do presente trabalho, que foca no âmbito coletivo da

política de desenvolvimento, ou seja, na sua esfera comunitária. No entanto, ficam

diversas sugestões para pesquisas futuras na área, a serem apresentadas nas

conclusões do trabalho.

Já o terceiro capítulo é dedicado à identificação e discussão das mudanças

institucionais e discursivas realizadas pela UE a partir do lançamento do

European Security Strategy (ESS), em 2003, que afetaram o plano da cooperação

internacional para o desenvolvimento assim como a relação da UE com as

potências emergentes. Desse modo, são discutidos o multilateralismo efetivo e as

parcerias estratégicas e os documentos do European Consensus on Development,

do Tratado de Lisboa e da Agenda for Change, além dos instrumentos

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1313538/CA
Page 18: Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues Poder normativo na ... · anterior bipolaridade e o momento unipolar seguinte passaram a ser gradualmente substituídos por uma crescente multipolaridade.

18

financiadores da cooperação para o desenvolvimento da UE. Conclui-se que as

mudanças institucionais e discursivas identificadas consideram formas de manter

a atuação normativa da UE e de se relacionar com potências emergentes, trazendo

evidências da socialization as a two-way process.

O quarto e último capítulo busca analisar o caso da relação entre a

União Europeia e o Brasil dentro da discussão feita nos capítulos anteriores,

em que se procura compreender o Brasil no plano das mudanças institucionais

e discursivas ocorridas no âmbito da União Europeia e quais os seus resultados

na esfera da cooperação internacional para o desenvolvimento. Após um breve

histórico da relação entre a UE e o Brasil, utiliza-se documentos como os

Country Strategy Paper – Brazil para os períodos 2001 – 2006 e 2007 – 2013

para identificar a mudança de percepção da UE em relação ao Brasil; e as

declarações conjuntas das cúpulas Brasil–UE ocorridas até então, os Planos de

ação Conjunta 2008 - 2011 e 2012 – 2014 e as entrevistas realizadas com

representantes de ambas as partes para compreender a parceria estratégica

Brasil-UE no âmbito da cooperação para o desenvolvimento.

Conclui-se que, a partir dos resultados discutidos na esfera da

cooperação trilateral e da multilateral, a parceria estratégica com o Brasil não

colabora para o alcance do multilateralismo efetivo perseguido pela UE, o que

enfraquece o conceito de Normative Power Europe e o seu caráter

unidirecional. Assim, essa constatação verifica que, as potências emergentes

não são apenas passivas à socialização, mas também são agentes dela. Por fim,

as conclusões gerais do trabalho recapitulam aquelas dos capítulos discutidos,

enfatizando as perguntas de pesquisa, trazem outras considerações sobre a

temática e abordam perspectivas futuras de pesquisa.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1313538/CA
Page 19: Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues Poder normativo na ... · anterior bipolaridade e o momento unipolar seguinte passaram a ser gradualmente substituídos por uma crescente multipolaridade.

19

2. As potências emergentes e as transformações no campo da cooperação internacional para o desenvolvimento

O campo da cooperação internacional para o desenvolvimento reflete

mudanças ocorridas no sistema internacional nos últimos anos, provocadas por

diversos fatores, mas que têm sido atribuídas, principalmente, à crescente

atividade das potências emergentes. Dentre esses países, encontram-se não apenas

os BRICS, mas também outros países emergentes como a Indonésia, a Turquia, o

Chile, o México, e outros.

O presente capítulo tem como objetivo apresentar um debate geral sobre o

atual campo da cooperação internacional para o desenvolvimento, com maior

enfoque para o posicionamento da União Europeia, os países BRICS e sua

Cooperação Sul-Sul (CSS), e como estes se portam diante da governança do

desenvolvimento internacional estabelecida. Além disso, pretende-se apresentar o

Brasil e a sua relação com a agenda da eficácia da ajuda, levada a cabo pelo CAD-

OCDE.

Com este fim, o capítulo situa o debate dentro das discussões sobre as

transformações gerais ocorridas no sistema internacional, posicionando os BRICS

e a União Europeia dentro dessa temática. Posteriormente, busca-se discutir tais

transformações no campo da cooperação internacional para o desenvolvimento

através da abordagem da atuação da CSS e do CAD-OCDE na área. Em seguida,

trata-se do paradigma da eficácia da ajuda e a sua relação com os provedores da

CSS. Posteriormente, apresenta-se o posicionamento do Brasil em relação à

agenda da eficácia da ajuda. Por fim, conclui-se que a atuação das potências

emergentes, por meio da CSS, tem contestado as normas e práticas tradicionais do

CAD-OCDE. Apesar das tentativas dessa organização de trazer as potências

emergentes para o seu âmbito de regras através do progressivo reconhecimento da

CSS – que culminou com o encontro de Busan sobre a eficácia da ajuda -, os

grandes atores da CSS não têm demonstrado interesse na agenda proposta. O

Brasil, exemplo desse fenômeno, busca novas formas de engajamento no campo

da cooperação para o desenvolvimento, como através dos BRICS.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1313538/CA
Page 20: Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues Poder normativo na ... · anterior bipolaridade e o momento unipolar seguinte passaram a ser gradualmente substituídos por uma crescente multipolaridade.

20

2.1 Mudanças no sistema internacional: o papel das potências emergentes e da UE

A emergência de novos polos traz mais heterogeneidade ao cenário

internacional, já que esses países buscam alcançar seus interesses individuais e

promover suas próprias visões de mundo (Grevi, 2009). Assim, as novas potências

procuram adquirir mais influência nas instituições internacionais e veem sua

participação nelas como forma de obter poder global, porém, apenas se

submeterão às suas regras caso possam se reconhecer nessas organizações

(Renard, 2009).

Nesse sentido, potências emergentes4, principalmente aquelas que

integram o BRICS - cuja ideia se iniciou com a simples criação do acrônimo por

O’Neill, em 2001 e que posteriormente foi posta em prática pelos respectivos

países com a realização da primeira Cúpula, em 2009 - enfatizam a importância da

reforma de instituições financeiras internacionais. De acordo com as declarações

conjuntas elaboradas após as Cúpulas BRICS – ocorridas anualmente desde 2009

-, essas instituições devem refletir as mudanças na economia mundial e, assim,

conceder maior participação aos seus novos participantes. Como sublinhado por

Hurrell (2009, p. 24), “apesar de sua inquestionável função de facilitadoras do

interesse comum e promotoras de valores compartilhados, instituições

internacionais são espaços de poder”. Na sua concepção, mesmo com a expansão

da ideia de igualdade soberana e do número de instituições internacionais, estas

permaneceram funcionando com base na hierarquia e na desigualdade, a exemplo

do Conselho de Segurança da ONU e de estruturas de votação do Fundo

Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial.

Para os BRICS, essa tem sido uma questão de grande importância e que

tem trazido muita insatisfação. Casarini (2012, p. 30), por exemplo, esclarece o

sistema de votação do FMI ao explicar que

[…] European countries today have 8 seats out of 24 on the IMF executive board.

Germany, the United Kingdom and France each have a larger voting share than

4 Como destacado por Weiss e Abdenur (2014, p. 1750-51), o termo “potências emergentes”

possui controvérsias, mas considera-se que são “countries whose policy elites are able to draw on

economic and other sources of power to project influence both within and outside their immediate

neighbourhood and regions, and which play a substantial role in the call for global governance

reform”.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1313538/CA
Page 21: Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues Poder normativo na ... · anterior bipolaridade e o momento unipolar seguinte passaram a ser gradualmente substituídos por uma crescente multipolaridade.

21

China, as do the Netherlands and Belgium combined. With a voting share (or

quota) of 16.75, the U.S. retains veto power over IMF decisions, which require 85

per cent support. Europe, with its 32 per cent combined voting share, is the IMF’s

biggest stakeholder.

Dessa forma, é possível entender como:

Europe is reluctant to give up its voting rights within the IMF. The issue of voting

rights has become a pressing issue among Chinese leaders, who side with other

emerging countries – the BRICS – in demanding a meaningful reform of the

international monetary system that would take into consideration the shift in the

global balance of economic power (Casarini, 2012, p.30).

Para o Brasil, a representação da UE no FMI é desproporcionalmente alta,

pois, o Brasil, apesar de considerado como a 7ª economia mundial5, possui

participação nos votos inferior àquela da Bélgica e dos Países Baixos combinados

(Otero-Iglesias, 2012).

Desse modo, os BRICS “[…] are working together to make global

governance structures more representative and effective through peaceful and

gradual reforms […]” (Niu, 2012, p. 6). Como a atual estrutura de governança

global foi criada e liderada principalmente por potências ocidentais, Niu (2012)

considera que as potências emergentes devem utilizar sua influência coletiva com

o intuito de remodelar o sistema de forma que tenham nele os seus interesses

representados. Assim, novos grupos multilaterais têm surgido e vem demandando

mais influência na governança global, mas o grupo de países que tem

demonstrado o maior impacto no desafio à arquitetura da governança global

existente e criado expectativas para mudanças reais tem sido o BRICS (Armijo;

Roberts, 2014).

2.1.1 A UE e o seu posicionamento na governança da cooperação para o desenvolvimento

Quanto à Europa, Renard (2009) considera que há a redução do seu poder:

por muito tempo o continente tem controlado e determinado o destino do globo e

hoje é possível notar que aquele tem perdido essa posição. Dentro da Europa, a

UE enfrenta questões como a carência de recursos energéticos, sendo dependente

5 Em abril de 2015. Para mais informações, ver:

http://www.valor.com.br/internacional/3532202/estudo-do-banco-mundial-mostra-brasil-como-7/

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1313538/CA
Page 22: Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues Poder normativo na ... · anterior bipolaridade e o momento unipolar seguinte passaram a ser gradualmente substituídos por uma crescente multipolaridade.

22

do petróleo do Oriente Médio e do gás natural da Rússia. No quesito

demográfico, a população Europeia se encontra em redução - e assim, a sua força

de trabalho - enquanto a asiática está em crescimento. A crise econômica ocorrida

em 2008 teve abrangência mundial e ainda hoje suas consequências podem ser

sentidas, inclusive com grandes implicações políticas para a coesão do bloco.

Enquanto a União Europeia via a crise ser agravada no seu âmbito interno, os

países do BRICS observavam, na época, suas performances chegarem ao nível

pré-crise e irem além (Georgiev, 2011).

A UE reconhece as mudanças que ocorrem no cenário internacional, em

especial a atuação crescente das potências emergentes. Em estudo ad hoc

elaborado pela Diretoria Geral da Política Externa da União, do Parlamento

Europeu, afirma-se que "the BRICS phenomenon mirrors a general shift in the

international balance of power, with the centre of gravity moving from the Euro-

Atlantic to the Asia-Pacific area and from the North and West to the South and

East (...)" (Policy Department [...], 2011, p. 7).

Por outro lado, a UE configura-se como importante ator no campo da

ajuda ao desenvolvimento: apesar das restrições de orçamentos derivadas da crise

econômica de 2008, segundo a OCDE, em 2012, a organização manteve a sua

posição como maior doadora mundial de AOD, representando mais de 50% da

AOD global para países em desenvolvimento6. Sua atuação dentro do campo de

desenvolvimento remonta à instituição da Comunidade Econômica Europeia

(CEE), em 1957, com o Tratado de Roma, o estabelecimento de instrumentos

como o European Development Fund (EDF) e posteriores acordos, convenções e

parcerias. Nesse sentido, no contexto internacional de descolonização, a CEE

estabeleceu relações com as antigas colônias de seus estados membros, passando

progressivamente a abarcar diversos países africanos, caribenhos e do pacífico

(países ACP), a Ásia, a América Latina, o Oriente Médio e países do leste

europeu e do Mediterrâneo.

A UE colocou a luta contra a pobreza como centro da sua política de

desenvolvimento, particularmente através da adoção dos Objetivos de

Desenvolvimento do Milênio (ODM), em 2000. Em 2001, a organização

estabeleceu o Escritório de Cooperação Externa - EuropeAid, o qual, dez anos 6 Informações obtidas através da Declaração Presidente da Comissão Europeia João Manoel

Barroso em nome da União Europeia na ocasião da 4º Conferência das Nações Unidas sobre os

Países Menos Desenvolvidos, ocorrida em Istambul, de 9 a 13 de maio de 2011. Disponível em:

<http://www.un.org/en/conf/ldc/pdf/ldc4-eu.pdf>

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1313538/CA
Page 23: Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues Poder normativo na ... · anterior bipolaridade e o momento unipolar seguinte passaram a ser gradualmente substituídos por uma crescente multipolaridade.

23

depois, juntamente com a Diretoria Geral para Desenvolvimento e Relações com

Países ACP, formou o Development and Cooperation - EuropeAid, órgão da

Comissão Europeia responsável pela concepção da política europeia de

desenvolvimento e pela sua implementação em todo o mundo. A UE é signatária

de importantes acordos internacionais na área de cooperação para o

desenvolvimento, como a Declaração de Paris, de 2005, a Agenda de Acra, de

2008, e a Parceria de Busan, de 20117 - que serão discutidos posteriormente no

capítulo.

Ainda, a União Europeia, através da Comissão Europeia, é membro do

CAD-OCDE desde 1961, ou seja, desde a fundação desta organização. É notável

que 19 dos Estados membros da UE fazem parte do organismo internacional e,

junto com a UE, a Europa contabiliza 20 de um total de 29 membros do CAD.

Nele, a UE possui uma delegação permanente, composta por embaixador e

diplomatas, mas possui um papel diferenciado em relação aos Estados membros,

não contribuindo para o orçamento da organização e não tendo poder de voto

quando atos legais estão em votação pelo órgão de tomada de decisões da OCDE,

o Conselho. Apesar disso, o representante da UE pode ser eleito como membro

dos conselhos de órgãos subsidiários, além de poder fazer propostas, sugerir

mudanças e participar integralmente da elaboração de documentos, como os atos

legais. Assim, compreendendo que a UE possui um papel normativo no CAD-

OCDE e, sendo esse o grande fórum internacional para provedores de cooperação

para o desenvolvimento, nota-se que a influência da UE no campo alcança âmbito

mundial8.

2.2 As transformações no campo da Cooperação Internacional para o desenvolvimento (CID)

A discutida tendência à transformação no sistema internacional também é

refletida no campo da cooperação internacional para o desenvolvimento. Como

destacado por Faure et al (2013), a atual ordem global é caracterizada pela

(re)emergência de novas potências econômicas globais, por uma arquitetura

7 Informações obtidas do endereço eletrônico da EuropeAid, disponível em:

<http://ec.europa.eu/europeaid/historical-overview-eu-cooperation-and-aid_en> 8 Informações obtidas no endereço eletrônico da OCDE, disponível em:

<http://www.oecd.org/eu/european-union-and-oecd.htm> e

<http://www.oecd.org/general/conventionontheorganisationforeconomicco-

operationanddevelopment.htm>

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1313538/CA
Page 24: Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues Poder normativo na ... · anterior bipolaridade e o momento unipolar seguinte passaram a ser gradualmente substituídos por uma crescente multipolaridade.

24

multilateral em evolução com a presença de vozes novas e mais fortes dos países

em desenvolvimento e por uma crise na zona do euro. Ao discutir tais mudanças,

Bruno Ayllón Pino (2012, p. 233) afirma que

os impactos desses movimentos tectônicos nas estruturas profundas do sistema

internacional não se limitam ao campo da economia e da política. Sua

repercussão se estende ao âmbito da CID [Cooperação Internacional para o

Desenvolvimento], delineando um desafio para a UE e seus Estados Membros.

Esse desafio desponta do questionamento da ajuda tradicional agenciada

pelos países integrantes do CAD-OCDE - do qual a União Europeia faz parte -,

que é organizada em torno dos valores e normas do Estado de direito, da

democracia e dos direitos humanos, por exemplo, e da ajuda atrelada às reformas

estruturais políticas, de estrutura econômica ou governança.

Criadas com o intuito de prover capital de investimento para a

reconstrução da Europa pós- II Guerra Mundial e de gerenciar o sistema

financeiro global, o Banco Mundial e o FMI, respectivamente, passaram a

funcionar no centro da governança global do desenvolvimento em momento

posterior (Moyo, 2009). Além de profundamente envolvido na criação das

Instituições de Bretton Woods (que incluem o Banco Mundial e o FMI), os EUA

desempenharam um papel ainda mais importante na reconstrução dos países

europeus por meio do programa de ajuda financeira massiva para a Europa, o

bem-sucedido Plano Marshall (Thomas, 2008). Em 1948, a Organização Europeia

de Cooperação Econômica (OECE) – que se tornou Organização para a

Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) em 1961, quando o Canadá

e os EUA se juntaram aos países europeus – foi criada com o intuito de executar o

Plano Marshall (OCDE, 2015). Com o triunfo da ajuda do referido Plano, em um

contexto internacional de descolonização nos anos 1950 e 1960, direcionou-se

ajuda aos países subdesenvolvidos, especialmente os africanos.

Perspectivas sobre o desenvolvimento, e o direcionamento da ajuda, tem

sido modificadas desde o seu início, partindo dos projetos industriais em larga

escala, nos anos 1960; para o redirecionamento para as áreas como agricultura,

educação e saúde, nos anos 1970; seguido pela redução do papel do Estado e

liberalização da economia, nos anos 1980; e pela ideia da boa governança –

caracterizada por instituições fortes, transparência, fim da corrupção, democracia

– nos anos 1990 (Moyo, 2009). Até então, “poverty was a desirable but residual

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1313538/CA
Page 25: Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues Poder normativo na ... · anterior bipolaridade e o momento unipolar seguinte passaram a ser gradualmente substituídos por uma crescente multipolaridade.

25

expected outcome of economic growth and modernization” (Mawdsley, 2012, p.

34), mas, com o fim dos anos 1990, a redução da pobreza foi colocada na agenda,

sendo vinculada à solução de questões de segurança como migrações, terrorismo e

mudanças climáticas, especialmente no cenário pós-11 de Setembro (Mawdsley,

2012).

A ajuda ao desenvolvimento do Norte tem sido condicionada à aceitação

de regras elaboradas pelos doadores, a exemplo dos ajustes estruturais vinculados

à politica do livre mercado nos anos 1980 e 1990. Na atualidade, essas

condicionalidades tendem a aparecer de forma mais sutil, sob o manto de planos

nacionais de redução da pobreza, por exemplo (Mawdsley, 2012). Como

consideram Esteves e Assunção (2014), essas condicionalidades são tidas por

países do Sul como instrumentos coercitivos, interferência em questões

domésticas e como forma de alcançar os interesses dos doadores ao invés de

promover o desenvolvimento aos beneficiários. Ainda, os autores consideram que

as condicionalidades aprofundaram a lacuna entre doadores e beneficiários e

acentuaram as diferenças entre eles. A Cooperação Sul-Sul, por outro lado, é

distinguida pela ausência de condicionalidades, sejam elas sociais, ambientais, de

governança e de direitos humanos, além de ocorrer através da demanda dos países

parceiros (Mello e Souza, 2014).

O questionamento da ajuda do Norte global é aprofundado pelo fato da

credibilidade da forma tradicional da ‘ajuda’ estar desgastada pela persistência da

pobreza mundial, a despeito da grande quantidade de recursos direcionados para

ela, além dos doadores do CAD terem tido os seus compromissos com a ajuda

diminuídos diante dos impactos da crise financeira de 2008 (McEwan; Mawdsley,

2012). No que se refere à persistência da pobreza mundial, em crítica ferrenha à

ajuda ao desenvolvimento em países africanos, Dambisa Moyo (2009) distingue

grandes diferenças entre a ajuda realizada pelo Plano Marshall e aquela

direcionada aos países africanos hoje. Em primeiro lugar, Moyo destaca o fato de

que países europeus não eram totalmente dependentes da ajuda, que nunca

passava de 3% do PIB, ao passo que esse percentual pode, atualmente, alcançar

15% na África. Em segundo lugar, o plano Marshall atuou por tempo limitado,

enquanto a ajuda para a África tem sido contínua por ao menos 50 anos, o que

desestimula planejamentos de longo prazo ou alternativas para o financiamento do

desenvolvimento. Em quarto lugar, o Plano Marshall buscou a “reconstrução” da

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1313538/CA
Page 26: Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues Poder normativo na ... · anterior bipolaridade e o momento unipolar seguinte passaram a ser gradualmente substituídos por uma crescente multipolaridade.

26

Europa, não a sua “construção”. A Europa já possuía uma estrutura política,

econômica e física anterior, enquanto o legado colonial de infraestrutura em

países africanos estava pouco desenvolvido. Em quinto lugar, a ajuda do Plano

Marshall estava voltada, essencialmente, para a reconstrução de estrutura física,

ao passo que a ajuda para a África permeia diversos âmbitos, como a educação,

saúde, instituições políticas, e outras. Assim, Moyo (2009) vê a política de

desenvolvimento do pós-Guerra como um fracasso.

Sob a perspectiva dos parceiros Sul, a crise econômica de 2008 trouxe a

oportunidade de exaltar as diferenças entre a CSS e a tradicional AOD e, assim,

desses atores se reposicionarem no campo da cooperação internacional para o

desenvolvimento (Esteves; Assunção, 2014). De modo semelhante, Thakur (2014,

p. 1800) identificou que “Developing countries have also noted that Europe was

treated much differently during the Eurozone crisis from the harsh medicine

meted out to Asia, Latin America, and Eastern Europe in earlier crises”.

Durante décadas, desde o início dos esforços para a ajuda ao

desenvolvimento, no fim dos anos 1940, todas as questões voltadas para o campo

eram discutidas por um grupo de países integrantes da OCDE e o seu CAD

(Renzio; Seifert, 2014). Nesse quesito, as normas dominantes relacionadas à

definição, ao gerenciamento e ao monitoramento da ajuda eram definidas no

âmbito do CAD-OCDE e dos seus membros, que decidiam quais seriam as

condutas apropriadas (Mawdsley, 2012).

A caracterização do CAD sobre o que é considerado ajuda ao

desenvolvimento está estreitamente vinculada ao conceito de Assistência Oficial

ao Desenvolvimento (AOD), definida como

Fluxos de financiamentos oficiais administrados com o objetivo primordial de

promover desenvolvimento econômico e bem-estar nos países em

desenvolvimento e que possuem caráter de concessionalidade por serem

estendidos com pelo menos 25% de fundo perdido, seja diretamente para países

em desenvolvimento (bilateral), via agências governamentais dos países

doadores, ou via instituições multilaterais, excluindo empréstimos de agências de

créditos de exportação com o único propósito de promoção das exportações

nacionais (OCDE) (IPEA, 2010, p. 17).

Esse conceito, que supostamente objetiva restringir a ajuda à finalidade do

desenvolvimento, não é aprovado pela maior parte dos países emergentes, que,

por sinal, não são membros do CAD (Mello e Souza, 2014). Isso ocorre porque,

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1313538/CA
Page 27: Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues Poder normativo na ... · anterior bipolaridade e o momento unipolar seguinte passaram a ser gradualmente substituídos por uma crescente multipolaridade.

27

dentre outras considerações, ao privilegiar empréstimos concessionais e crédito, a

definição de AOD restringe a cooperação prestada pelos países em

desenvolvimento, “que amiúde ocorre por meio de cooperação técnica, de missões

de manutenção da paz, da acolhida a refugiados, de bolsas de estudo, da

facilitação do comércio e do investimento privado” (Mello e Souza, 2014, p. 21).

Assim, há uma crescente percepção do Sul de que os princípios

estabelecidos pelo CAD perpetuam desigualdades e que o foco na AOD reproduz

assimetrias do sistema internacional (Esteves; Assunção, 2014). Desse modo, a

CSS, promovida pelos países emergentes, desafia a ajuda ao desenvolvimento

realizada pelo Norte ao ser, ao menos discursivamente, fundamentada na

solidariedade, na complementaridade e na parceria (Abdenur; Fonseca, 2013).

Como exemplifica Mello e Souza (2014), países do Sul preferem a

utilização do termo cooperação ao invés de assistência/ajuda, mais utilizado por

países desenvolvidos. Isso ocorre porque a cooperação

implica uma relação de benefícios mútuos, horizontalidade e maior participação e

controle local dos recursos; e serve ao propósito político de distinguir o fenômeno

que ocorre no âmbito Sul-Sul daquele verificado há mais tempo e em extensão

maior no âmbito Norte-Sul. Pela mesma razão, em vez de empregar os conceitos

doador e recipiendário, os países do Sul fazem referência aos países envolvidos

na cooperação para o desenvolvimento como parceiros (Mello e Souza, 2014, p.

12).

A cooperação para o desenvolvimento, além de incluir elementos da ajuda

externa, definida pelo CAD-OCDE, também se refere a uma amplitude de outras

práticas de desenvolvimento, a exemplo do comércio e investimento (McEwan;

Mawdsley, 2012). Ou seja, países do Sul, no contexto da falta de legitimidade da

ajuda do Norte, exaltam os seus próprios modelos de desenvolvimento, que

incluem práticas que vão além daquelas promovidas pelo CAD-OCDE.

Apesar da CSS não ser um elemento novo9, a quantidade – a exemplo dos

volumes de financiamento – e a qualidade – como o foco temático – da CSS

foram aumentados substancialmente na última década (Schlager, 2007, p. 2). De

9 As origens da Cooperação Sul-Sul remontam à Conferência de Bandung, em 1955, realizada com

líderes africanos e asiáticos com o intuito de dar voz ao Sul. A Conferência abriu caminho para o

estabelecimento, em 1964, do Grupo dos 77, como uma organização intergovernamental dentro do

sistema ONU que visa promover os interesses comuns dos países em desenvolvimento na ONU e a

Cooperação Sul-Sul. Para mais informações, ver: KRAGELUND, Peter. The potentioal role of

non-traditional donors’ aid in Africa. International Center for Trade and Sustainable Development,

2010. Disponível em: <http://www.ictsd.org/downloads/2011/03/the-potential-role-of-non-

traditional-donorse28099-aid-in-africa.pdf>

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1313538/CA
Page 28: Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues Poder normativo na ... · anterior bipolaridade e o momento unipolar seguinte passaram a ser gradualmente substituídos por uma crescente multipolaridade.

28

acordo com Renzio e Seifert (2014) após um período de pouca ação multilateral

da CSS nos anos 1980 e 1990 – devido, principalmente, às crises econômicas e

fiscais em países emergentes – o novo milênio apresentou maior atividade na

CSS. Essa mudança começou com o rápido crescimento econômico e político dos

países do BRICS, que iniciaram a expansão dos seus programas de cooperação

para o desenvolvimento como parte das suas estratégias de desenvolvimento.

No entanto, esses atores (re)emergentes no campo do desenvolvimento não

se reduzem aos BRICS, incluindo

growing global giants like China and India; regional powers like Brazil, South

Africa and Saudi Arabia; rapidly industrializing countries like Thailand and

Turkey; and former socialist states, such as Poland, Russia and Vietnam

(McEwan; Mawdsley. 2012. p. 1188).

De modo semelhante, Weiss e Abdenur (2014) ponderam que as potências

emergentes incluem não apenas aquelas integrantes do BRICS, mas também

países como Indonésia, México, Chile, Argentina, Coréia do Sul, Turquia,

Filipinas, Tailândia e Nigéria, além de uma gama de acrônimos como o IBAS

(BRICS menos Rússia e China), BASIC (BRICS menos Rússia), BRIICS (BRICS

mais Indonésia), MIST (México, Indonésia, Coréia do Sul e Turquia), além do G-

2010

. O importante é que todas as potências emergentes no campo da cooperação

internacional para o desenvolvimento possuem atuação relevante, não só como

beneficiários ou provedores de cooperação, mas também como contribuidores em

iniciativas e debates normativos dentro do sistema de desenvolvimento da ONU

(Weiss; Abdenur, 2014).

Sejam eles considerados “doadores não tradicionais”, “doadores

emergentes” ou “provedores do Sul”, por exemplo, esses atores possuem em

comum ao menos uma rejeição parcial dos princípios e práticas vinculados ao

CAD e a promoção da CSS, que afirmam se basear na horizontalidade –

representando oposição à verticalidade da ajuda do CAD –, na solidariedade, na

não-interferência nas questões domésticas e benefícios mútuos (Renzio; Seifert,

2014). Apesar dos países do Sul não atuarem de acordo com os mesmos

programas e políticas, ou seja, a despeito das diferenças de abordagem ao

10

É importante destacar que a lista de novos atores na cooperação internacional para o

desenvolvimento não integra apenas os países emergentes, mas também inclui, como ressaltado

por Mello e Souza (2014), atores não estatais, organizações da sociedade civil global, o terceiro

setor, atores privados, entre outros.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1313538/CA
Page 29: Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues Poder normativo na ... · anterior bipolaridade e o momento unipolar seguinte passaram a ser gradualmente substituídos por uma crescente multipolaridade.

29

desenvolvimento por parte dos países do Sul, o ponto de encontro está na ênfase à

ajuda desvinculada, ao desenvolvimento autônomo, à Cooperação Sul-Sul e ao

desenvolvimento baseado nas prioridades dos países recebedores (Quadir, 2013).

Em geral, os termos, conceitos e visões que permeiam os debates realizados pela

OCDE são vistos por países emergentes como antiquados e, assim, encontram-se

inadequados para analisar a atual cooperação internacional para o

desenvolvimento (Mello e Souza, 2014). Apesar da crescente voz e influência de

parceiros emergentes em fóruns, muitos deles concebem que as normas e as

instituições da governança da ajuda internacional existente são irremediavelmente

de domínio ocidental (McEwan; Mawdsley, 2012).

Porém, apesar de estimativas apontarem que o volume na CSS representa

apenas cerca de 10% do fluxo líquido da ajuda global11

- ou seja, procurarem

demonstrar que a CSS possui uma participação reduzida em comparação à ajuda

internacional -, diante desse panorama de contestação da arquitetura global, o

Norte tem procurado se adaptar ao novo cenário. As porcentagens de voto das

instituições de Bretton Woods, por exemplo, estão sendo ajustadas – mesmo que

moderadamente -, assim como as políticas e as normas globais de cooperação para

o desenvolvimento estão sendo renegociadas em novos fóruns, o que desafia a

anterior dominação do CAD-OCDE (Mawdsley, 2012). Dessa maneira, com

concebem Weiss e Abdenur (2014), ao invés de se subordinarem às normas

determinadas por doadores tradicionais e às organizações por eles dominadas,

potências emergentes buscam participação ativa no processo de elaboração das

normas globais. Para os autores, essa participação pode ocorrer de diversas

formas, indo dos obstáculos às propostas normativas interpretadas como ação dos

países desenvolvidos - a exemplo da resistência dos BRICS à agenda da eficácia

da ajuda da OCDE – à alteração de normas existentes e propostas de outras novas

– como o Novo Banco de Desenvolvimento do BRICS. A próxima seção tratará

da mencionada agenda da eficácia da ajuda, originada a partir da insatisfação com

os resultados negativos da ajuda do Norte.

11

Quadir, Fahimul. Rising Donors and the New Narrative of ‘South–South’Cooperation: what

prospects for changing the landscape of development assistance programmes? Third World

Quarterly, 2013, vol. 34, ed. 2, p.321-338.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1313538/CA
Page 30: Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues Poder normativo na ... · anterior bipolaridade e o momento unipolar seguinte passaram a ser gradualmente substituídos por uma crescente multipolaridade.

30

2.3 O paradigma da Eficácia da Ajuda

Os mais recentes debates sobre a eficácia da ajuda (aid effectiveness)

surgiram a partir da discutida permanência dos altos níveis de pobreza global,

apesar da prolongada ajuda realizada pelo Norte. De acordo com Mello e Souza

(2014, p. 18),

Essa preocupação com a efetividade e eficácia da AOD no início do século XXI

resulta em grande medida de estudos empíricos que demonstraram que tal

assistência não tinha contribuído para taxas mais altas de crescimento econômico

nos países recipiendários, e muitas vezes poderia ser considerada

contraproducente, incitando nos anos 1990 demandas por resultados positivos por

parte dos contribuintes dos países da OCDE que a financiam.

Dessa maneira, em um contexto composto pela estagnação da ajuda

tradicional e ampla frustração com a efetividade dessa ajuda, é esperado que o

crescimento contínuo de recursos advindos das potências emergentes para o

campo do desenvolvimento traga implicações para a arquitetura da ajuda

internacional (Cabral; Russo; Weinstock, 2014).

Assim, a ideia permeada pela agenda da Eficácia da Ajuda é a de unificar e

harmonizar normas e padrões da cooperação internacional para o

desenvolvimento, de modo a estabelecer metas, critérios e indicadores com o

objetivo de promover maior coerência e coordenação entre os países (Mello e

Souza, 2014). Essa é uma agenda que incorpora um “consenso” sobre as boas

práticas para a realização da ajuda ao desenvolvimento, compartilhado

primordialmente entre as fontes tradicionais da ajuda (Cabral; Russo; Weinstock,

2014).

A Eficácia da Ajuda possui dois elementos centrais: a maior

responsabilidade dos países recipientes quanto às suas estratégias de

desenvolvimento e o compromisso global com objetivos de desenvolvimento

tangíveis através dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), tendo

sido formulado por uma série de Fóruns de Alto Nível ocorridos em Roma (2003),

Paris (2005), Accra (2008) e Busan (2011) (Mawdsley, 2012). Nesse sentido, o

primeiro Fórum de Alto Nível sobre a Eficácia da Ajuda, ocorrido na Itália, em

2003, “fue la manifestación de un primer esfuerzo internacional sustancial para

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1313538/CA
Page 31: Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues Poder normativo na ... · anterior bipolaridade e o momento unipolar seguinte passaram a ser gradualmente substituídos por uma crescente multipolaridade.

31

aumentar la eficacia de la asistencia para el desarrollo y contribuir así a alcanzar

los Objetivos de Desarrollo del Milenio (ODM)” (Ayllón Pino, 2013b, p. 128).

A Declaração de Paris - resultante do Fórum de Alto Nível ocorrido em

2005, foi assinada por mais de 90 países e se tornou cerne do discurso e da

metodologia promovida para o melhoramento e monitoramento da qualidade da

ajuda (Ayllón Pino, 2013) ao promover a apropriação, harmonização,

alinhamento, resultados e responsabilidade mútua para o aumento da eficácia da

ajuda (Declaração de Paris [...], 2005). Já a Agenda de Ação de Acra, realizada

em 2008, incentivou maior liderança dos países receptores no seu

desenvolvimento, maior prestação de contas e parcerias mais eficazes e inclusivas

(Agenda de Ação de Acra, 2008). A Agenda descreve que

A cooperação Sul-Sul para o desenvolvimento visa a observar o princípio da não-

interferência nos assuntos internos, igualdade entre os parceiros e respeito pela sua

independência, soberania nacional, diversidade cultural e identidade e conteúdo

local. Isto desempenha um importante papel na cooperação para o desenvolvimento

internacional e é um valioso complemento para a cooperação Norte-Sul (Agenda de

Ação de Acra, 2008, s/n )

Assim, o encontro de Accra representou uma primeira manifestação de

diversificação na agenda da eficácia da ajuda através do reconhecimento da

relevância da Cooperação Sul-Sul (Ayllón Pino, 2013a).

Entretanto, o paradigma do novo milênio foi apresentado como um

consenso entre doadores e entre recipientes. Segundo Mawdsley, Savage e Kim

(2014), três fatores desafiam a agenda proposta: 1) O fato de que, sob o manto

técnico e target-led do desenvolvimento, há uma política de disputas por

interesses, desigualdades de poder e de qual o caminho certo para o

desenvolvimento que não se encontram em discursos oficiais; 2) Os efeitos da

crise financeira global no financiamento do desenvolvimento, que parecem ter

acelerado mudanças na balança de poder global, e; 3) A explosão no número de

atores de desenvolvimento estatais e não estatais, com foco para a notável

presença de países como China, Índia, Brasil, África do Sul, Arábia Saudita,

Tailândia, Turquia e Rússia. Ou seja, além da questão política do

desenvolvimento, encoberta sob o antigo discurso das especificações técnicas, a

agenda proposta enfrentava os desafios das transformações em andamento no

cenário internacional.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1313538/CA
Page 32: Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues Poder normativo na ... · anterior bipolaridade e o momento unipolar seguinte passaram a ser gradualmente substituídos por uma crescente multipolaridade.

32

O Acordo de Parceria de Busan, ocorrido em 2011, progrediu no sentido

de dar maior reconhecimento e apoio à Cooperação Sul-Sul e à triangular, além de

enfatizar a transparência sobre os dados da ajuda, mais atenção aos Estados

frágeis e que passam por conflitos, e outras inovações (Parceria de Busan [...],

2011). O encontro de Busan foi marcado pela atenção especial dada aos “doadores

emergentes” e pelo contexto dos efeitos da crise econômica que levou às tensões

vinculadas à distribuição dos custos e do financiamento do desenvolvimento, que

foi radicalmente diferente do cenário em que ocorreram os encontros anteriores

(Ayllón Pino, 2013). De acordo com o exposto por Renzio e Seifert (2014, p.

1869), “The shift from no mention whatsoever in the Paris Declaration to full

recognition in the Busan Partnership Document is a testimony to the growing

perceived importance and influence of SSC actors and practices”.

Mawdsley, Savage e Kim (2014) consideram que essas concessões feitas

aos atores da CSS podem ser compreendidas como sinal de aflição do Norte, que

procura se engajar com esses atores. Nesse sentido,

The (so-called) ‘traditional’ donors are responding rapidly to new challenges and

opportunities [...] and in the last five years or so the mainstream official

development community — DAC bilaterals and multilaterals — has moved

rapidly from neglecting the non-DAC development partners to a far more serious

recognition of their potential power and influence (McEwan; Mawdsley, 2012, p.

1186).

Com isso, países doadores do CAD, organizações multilaterais e da

sociedade civil passaram a reconhecer as potências emergentes como atores no

campo do desenvolvimento e, assim, a se ajustar à crescente influência delas em

iniciativas da ONU, da UE, do Banco Mundial e do FMI e do CAD, a exemplo da

criação do Development Cooperation Forum (DCF) no Conselho Econômico e

Social das Nações Unidas (ECOSOC), em 2007 (McEwan, Mawdsley, 2012). Por

outro lado, uma das razões alegadas para a mobilização das potências emergentes

em direção aos princípios da eficácia da ajuda do CAD é a falta de efetividade no

que se refere ao monitoramento e avaliação, transparência e responsividade

(accountability) nas suas atividades de cooperação para o desenvolvimento

(Cabral; Russo; Weinstock, 2014).

No entanto, de acordo com Abdenur e Fonseca (2013), o Norte tem se

engajado cada vez mais em novas formas de se inserir na CSS e de influenciá-la,

sendo o apoio multilateral à CSS uma delas. Assim, apesar do crescente

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1313538/CA
Page 33: Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues Poder normativo na ... · anterior bipolaridade e o momento unipolar seguinte passaram a ser gradualmente substituídos por uma crescente multipolaridade.

33

reconhecimento do papel das potências emergentes e da CSS, essa diferenciação

na abordagem aos atores do Sul pode ser considerada uma forma buscar trazê-los

para o sistema de regras predominante nas organizações internacionais

tradicionais.

De fato, diversos países emergentes, incluindo os BRICS, perderam

interesse na agenda após o Fórum de Busan, pois essa passou a ser vista com

desconfiança por ser interpretada como uma estratégia para impor as normas e os

padrões da eficácia da ajuda do CAD-OCDE (Mello e Souza, 2014). Para Mello e

Souza (2014, p. 20), a própria “(...) preocupação com a efetividade da CID

reflete, ela mesma, uma agenda da OCDE que não é inteiramente compartilhada

pelos países emergentes [...]”. A próxima seção abordará o posicionamento

brasileiro nessa questão.

2.4 O Brasil e a agenda da eficácia da ajuda

O Brasil, apesar de enfatizar o seu compromisso com o multilateralismo

internacional, assume uma postura no campo da cooperação para o

desenvolvimento que tem distanciado o país das configurações do CAD e

enfatizado a sua posição como país do Sul, em que uma retórica explícita de

solidariedade e irmandade com outros países em desenvolvimento foi utilizada

por Lula e continuada, de forma similar, pela presidente Dilma Rousseff (Renzio;

Seifert, 2014). O Brasil se localiza, assim, junto a um grupo de países que criticam

a agenda da eficácia da ajuda, pois

Se reclama que se trata de una agenda de los países donantes de la OCDE que

quieren imponer sus visiones, criterios y formas de medición de la eficacia sin

tener en cuenta la existencia de otras perspectivas sobre la cooperación y sobre el

desarrollo, como las existentes en las agencias del sistema de Naciones Unidas,

las organizaciones de la sociedad civil o las propias de los países en desarrollo.

Frente a una agenda creada, impulsada y orientada desde la OCDE, son muchas

las voces que reclaman redirigir los debates sobre la eficacia al ámbito de la

ONU, más concretamente, al Foro de Cooperación para el Desarrollo del

ECOSOC, creado en 2008 (Ayllón Pino, 2013b, p. 138/139)

De forma semelhante à China, o Brasil não havia endossado declarações

do CAD até o reconhecimento da natureza diferenciada da CSS e mostrou

interesse limitado com a formação da Parceria Global para a Cooperação para o

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1313538/CA
Page 34: Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues Poder normativo na ... · anterior bipolaridade e o momento unipolar seguinte passaram a ser gradualmente substituídos por uma crescente multipolaridade.

34

Desenvolvimento Eficaz (PGCDE), ambos ocorridos após o Fórum de Busan, em

2011 (Renzio; Seifert, 2014).

Ao destacar o caso brasileiro, Ayllón Pino (2013b, p. 138) afirmou que

el país firmó la DP [Declaração de Paris] en su condición de receptor de AOD,

pero de ningún modo como oferente de cooperación. Bajo esta perspectiva, la

CSS practicada por Brasil constituiría un acto soberano de solidaridad sin

sometimiento a reglas generadas por los donantes y destinadas sólo a ellos. No

obstante, Brasil estimularía la aplicación de los principios de la DP que constan

com anterioridad en las declaraciones de la ONU, como la apropiación y la mutua

responsabilidad de los países en desarrollo sobre los programas de cooperación

técnica.

Nesse sentido, o próprio governo brasileiro demonstra o seu

desalinhamento com as políticas do CAD-OCDE. Na publicação “Cooperação

Brasileira para o Desenvolvimento (2005 – 2009)”, elaborada pelo Instituto de

Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e pela Agência Brasileira de Cooperação

(ABC), a cooperação internacional é definida como

A totalidade de recursos investidos pelo governo federal brasileiro, totalmente a

fundo perdido, no governo de outros países, em nacionais de outros países em

território brasileiro, ou em organizações internacionais com o propósito de

contribuir para o desenvolvimento internacional, entendido como o

fortalecimento das capacidades de organizações internacionais e de grupos ou

populações de outros países para a melhoria de suas condições socioeconômicas

(IPEA, 2010, p. 17).

A própria publicação destaca que “[...] este conceito não se alinha à

tradicional definição de AOD da OCDE (IPEA, 2010 p. 17). O documento aponta

que a cooperação brasileira e a AOD se assemelham: 1) no fato de que o fluxo de

financiamentos oficiais objetiva promover o desenvolvimento econômico e o

bem-estar nos países em desenvolvimento e 2) no quesito da concessionalidade.

Esta última, no entanto, não está vinculada aos recursos com grau de

concessionalidade igual ou maior que 25%, como ocorre com a AOD, mas sim

àqueles oferecidos totalmente a fundo perdido (IPEA, 2010). Outra diferença

distinguida no documento é o fato de que a cooperação do Brasil inclui os

recursos que o país destina a uma variedade de organizações internacionais do Sul

- aquelas que o Brasil é membro - ao passo que a AOD contabiliza recursos a

organizações internacionais apenas do Norte (IPEA, 2010).

O ponto de vista do governo brasileiro no que tange à adoção de um

padrão comum é o de que a CSS não deve ter a mesma metodologia de

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1313538/CA
Page 35: Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues Poder normativo na ... · anterior bipolaridade e o momento unipolar seguinte passaram a ser gradualmente substituídos por uma crescente multipolaridade.

35

mensuração da AOD praticada por países desenvolvidos, já que o foco brasileiro

na cooperação horizontal não significa doação para terceiros (Cabral; Russo;

Weinstock, 2014). Adicionalmente, como apontado por Mello e Souza (2014),

não faz sentido avaliar a CSS com os critérios e os padrões do CAD, já que

muitos países emergentes entendem que não há compatibilidade entre a AOD e a

história, os princípios e os modelos da CSS.

Além disso, apesar de alguns dos valores e princípios da CSS brasileira

serem compatíveis com aqueles do CAD, a ênfase do Brasil no respeito à

soberania nacional e a sua recusa em infligir condicionalidades políticas na

cooperação cria tensões com a proposta do CAD (Abdenur, 2014). De acordo com

o exposto, a mencionada publicação “Cooperação Brasileira para o

Desenvolvimento (2005 – 2009)” ressalta que

Ao prover cooperação técnica, o Brasil tem particular cuidado em atuar com base

nos princípios do respeito à soberania e da não intervenção em assuntos internos

de outras nações. Sem fins lucrativos e desvinculada de interesses comerciais, a

cooperação técnica horizontal do Brasil pretende compartilhar nossos êxitos e

melhores práticas nas áreas demandadas pelos países parceiros, sem imposições

ou condicionalidades políticas (IPEA, 2010, p. 32).

Assim, apesar do crescente papel na CSS, o Brasil tem agido de modo

relutante no que se refere ao seu engajamento em discussões cujos interesses do

Norte, segundo sua percepção, são predominantes (Abdenur, 2014).

A situação é diferente quando se refere aos países do Sul. Através do

BRICS, por exemplo, o Brasil tem ampliado a sua reinvindicação por reformas

nas instituições voltadas para o desenvolvimento, principalmente com a visão

compartilhada no grupo de que a governança global do desenvolvimento deve ser

mais representativa da atual distribuição de poder (Abdenur, 2014). Na última

Cúpula, ocorrida em julho de 2014, em Fortaleza, os BRICS acordaram a criação

do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), um Banco que visa financiar

investimentos em infraestrutura - inicialmente, intra-BRICS - e que,

posteriormente, deverá abranger outros países em desenvolvimento12

. Há

previsões de que o NDB inicie as suas operações em 2016.

12

Para mais informações acerca do da VI Cúpula BRICS e do Novo Banco de desenvolvimento,

ver o endereço eletrônico do encontró, disponível em: <http://brics6.itamaraty.gov.br/pt_br/>, e

“VI Cúpula BRICS”, disponível em:

<http://bricspolicycenter.org/homolog/uploads/trabalhos/6575/doc/349422524.pdf >

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1313538/CA
Page 36: Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues Poder normativo na ... · anterior bipolaridade e o momento unipolar seguinte passaram a ser gradualmente substituídos por uma crescente multipolaridade.

36

Em discussão sobre o significado da criação do NDB, Schablitzki (2014, p.

6) adiciona que

The BRICS can use the NDB to ‘multilaterise’ […] and by that legitimize their

national interests through the strengthening of the South-South ties in trade,

investment and development, avoiding the impression of conducting self-

interested policies. Thus, beyond targeting projects in the five BRICS countries,

the NDB gives the BRICS the chance to present themselves in the Global South

as an alternative source of finance to the existing international development

system with different development paradigms.

Portanto, a despeito do caráter recente do novo banco, este representa uma

iniciativa concreta para desafiar a atual arquitetura do desenvolvimento, lançar

novas discussões sobre a CSS e alcançar um nível de coordenação política que

pode ser transposto para instituições estabelecidas (Abdenur, 2014). Para o Brasil,

a plataforma do BRICS permite seus membros “to collectively influence the field

of development by contesting existing norms and blocking certain initiatives

(Abdenur, 2014, p. 1890).

2.5 Conclusões do capítulo

Os últimos anos têm presenciado uma atuação crescente das chamadas

potências emergentes - especialmente aquelas integrantes do BRICS - no sistema

internacional, em geral, e no campo da cooperação internacional para o

desenvolvimento, em específico, através da Cooperação Sul-Sul. Essa progressiva

atuação das potências emergentes tem sido acompanhada por recorrentes

demandas delas por uma governança global mais inclusiva, de modo que se

encontrem melhor representadas.

Ao mesmo tempo, a União Europeia, integrante do CAD-OCDE e super

representada nele e em outras organizações internacionais, vê o sistema de

governança que ajudou a construir ser contestado. Além disso, ela não tem

ocupado o posto de liderança global que antes possuía por diversos motivos,

dentre eles, questões internas, a multiplicidade de novos polos no sistema

internacional e os efeitos da crise econômica global no orçamento voltado para a

ajuda ao desenvolvimento.

O Paradigma da Eficácia da Ajuda foi elaborado no âmbito do CAD-

OCDE com o intuito de abordar o problema da credibilidade da sua ajuda, vista

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1313538/CA
Page 37: Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues Poder normativo na ... · anterior bipolaridade e o momento unipolar seguinte passaram a ser gradualmente substituídos por uma crescente multipolaridade.

37

com insatisfação com a persistência dos altos níveis de pobreza em países

receptores da ajuda dos países desenvolvidos. No entanto, vista por países do Sul

como uma agenda em que predominam os interesses do Norte, a eficácia da ajuda

não é bem aceita por eles, a despeito do reconhecimento da importância da CSS

com o encontro de Busan.

O Brasil, integrante do clube de países mais críticos às práticas do CAD-

OCDE, é resistente à AOD e, apesar de ter assinado o acordo de Busan, persiste

desinteressado na agenda da eficácia da ajuda após o encontro por considerá-la,

assim como outros países emergentes, dominada pelos interesses dos países

desenvolvidos. Por outro lado, o Brasil tem dado prioridade às alternativas do Sul,

focando no grupo BRICS que, com o recente anúncio de um banco próprio

voltado para o desenvolvimento, pode representar maior desafio e vir a

representar uma alternativa à existente governança internacional do

desenvolvimento.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1313538/CA
Page 38: Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues Poder normativo na ... · anterior bipolaridade e o momento unipolar seguinte passaram a ser gradualmente substituídos por uma crescente multipolaridade.

38

3. A UE como potência normativa e os desafios trazidos pelas mudanças no cenário internacional

[W]hy does Europe do this [development co-operation] at Community level? The

individual 15 member states do their part in development cooperation, so why do we also

do it together? The answer to this is that it is simply a projection of the values on which

European co-operation has been founded. These are the same values we want to project

into the world, and also our own self-perception makes it natural for us to do these things.

There is a strong moral aspect in this, but there is also ideology and some enlightened

self-interest; promoting stability, co-operation and prosperity in the world is definitely

also part of making it a better world for us to live and work in. (Nielson, former EC

Commissioner for Development and Humanitarian Aid, 2001 apud Bonaglia; Goldstein;

Petito, 2006, p. 164)

Tendo em vista o cenário mutante discutido no capítulo anterior e a

posição importante da UE como influenciadora das normas no campo do

desenvolvimento internacional, o presente capítulo tem como objetivo discutir o

conceito de Normative Power Europe diante das transformações debatidas.

Assim, na primeira seção, busca-se compreender o papel das normas nesse

cenário, apresentar o conceito de Normative Power Europe e, em seguida, discutir

a sua aplicação empírica na política de desenvolvimento da União Europeia.

Posteriormente, são apresentadas diversas reações à concepção da UE como

potência normativa, que são primordialmente voltadas para a inadequação do

conceito ao cenário mundial em transformação caracterizado, entre outros fatores,

pela crescente atuação das potências emergentes. Em seguida, discute-se a

Socialization as a Two-way Process, ideia elaborada por Xiaoyu Pu (2012), que

identifica a crescente influência das potências emergentes na evolução das normas

internacionais e que, assim, ao passo que são socializadas na ordem existente,

também moldam a mudança nas normas internacionais. Por fim, conclui-se que,

diante das transformações ocorridas no cenário internacional, o conceito de

Normative Power Europe, associado à socialização como um processo de via

única, não condiz com a atuação global da UE nem comporta as mudanças

ocorridas no cenário internacional.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1313538/CA
Page 39: Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues Poder normativo na ... · anterior bipolaridade e o momento unipolar seguinte passaram a ser gradualmente substituídos por uma crescente multipolaridade.

39

3.1 A União Europeia como potência normativa

A contestação da governança global, e no campo da cooperação

internacional ao desenvolvimento - discutida no capítulo anterior - realizada por

potências emergentes, está estreitamente vinculada às suas críticas aos padrões e

práticas estabelecidas no campo, aos debates normativos de como a cooperação

deve ocorrer. Destaca-se, desse modo, a importância de se discutir o papel das

normas nas relações internacionais, o que leva o presente trabalho a adotar uma

visão construtivista, pois “Constructivists focus on the role of ideas, norms,

knowledge, culture, and argument in politics, stressing in particular the role of

collectively held or ‘intersubjective’ ideas and understandings on social life”

(Finnemore; Sikkink, 2001, p. 392).

Finnemore e Sikkink (1998) assumem uma definição geral de normas

como “a standard of appropriate behavior for actors with a given identity”

(Finnemore; Sikkink, 1998, p. 891). Nesse sentido, é possível relacionar as

normas predominantes em organizações internacionais, a exemplo do CAD-

OCDE, como determinantes de padrões de comportamento apropriados no campo

do desenvolvimento internacional. De forma similar, ao perceber a sua atuação

internacional como uma “force for good” e se assumir como potência normativa,

conceito a ser debatido no presente capítulo, a União Europeia passa a crer na sua

capacidade de definir o que é ‘normal’, agindo com o objetivo do ‘bem comum’.

Como afirmam Finnemore e Sikkink (2001, p. 401),

Organizations are effective agents of social construction in part because the

rational-legal authority they embody is widely viewed as legitimate and good.

Further, the perceptions that these organizations are merely technical (not

political) and that the social models they push are chosen because they are

efficient and effective add to the power of these norms.

Em uma perspectiva construtivista, ideias compartilhadas, expectativas e

crenças sobre qual é o comportamento adequado dá estrutura, ordem e

estabilidade ao sistema internacional (Finnemore; Sikkink, 1998, p. 894). Nesse

sentido, ao estabelecer padrões e monitorar e avaliar a ajuda, por exemplo, o CAD

assume o papel de ‘moral bookkeeper’, incentivando a assistência ao

desenvolvimento como uma prática virtuosa entre os seus membros e auxiliando a

legitimar o papel dominante que membros doadores – entre eles, a UE – tem

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1313538/CA
Page 40: Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues Poder normativo na ... · anterior bipolaridade e o momento unipolar seguinte passaram a ser gradualmente substituídos por uma crescente multipolaridade.

40

assumido no pós II Guerra como eticamente justificados, acima dos imperativos

das forças do mercado e políticas de poder (Hattori, 2003).

Contudo, uma vez que países provedores da CSS não concordam com as normas

defendidas pelo CAD-OCDE, ou com as atuais estruturas de algumas organizações

internacionais, os países do Sul buscam não apenas deixar de seguir as normas como

também criar novas estruturas e procedimentos. Dessa maneira, Abdenur (2014) ressalta

que o recente fenômeno da emergência de diferentes formas de crescimento

econômico tem dado aos provedores da CSS mais influência no que se refere à

formação de normas de desenvolvimento. Adicionalmente, a proliferação de

‘norm-setting arenas’, a exemplo dos BRICS, traz às potencias emergentes uma

nova possibilidade de contestar normas que percebem como de interesse do Norte,

a exemplo da discutida agenda da eficácia da ajuda liderada pela OCDE.

Dada a influência normativa da UE, torna-se importante a discussão do

conceito de ‘Normative Power Europe’ (NPE) – que se refere à UE como

potência normativa – com o intuito de compreender o seu papel na elaboração e

difusão das normas no âmbito internacional. Mais que isso, a questão normativa

da UE remete à discussão sobre que tipo de ator ela é e como age

internacionalmente.

Porém, o argumento do poder normativo foi levantado com o intuito de ir

além das discussões sobre se a UE é um ator na política internacional. Como

ressaltado por Richard Whitman (2013, p. 174),

Normative power theorising is interested in the EU’s aim of setting standards for

others through the means of spreading norms rather than being powerful with

either military or economic means [...]. The concept has been developed as a

response to the absence of normative theorising and with an aim to go beyond

dichotomies of civil versus military power, which was a product of Cold War

politics.

Dessa maneira, o conceito de potência normativa, elaborado por Ian

Manners (2002), dialoga com o conceito de ‘potência civil’ (civilian power)

atrelado à UE por François Duchêne, em 1972, e à crítica a essa definição, voltada

para a necessidade de poder militar, elaborada por Hedley Bull, em 1982

(Manners, 2002). De acordo com Tuomas Forsberg (2011), Manners procurou

superar o debate referente ao papel da UE como potência militar ou civil, visto

como obsoleto em razão do desenvolvimento supranacional da integração

europeia.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1313538/CA
Page 41: Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues Poder normativo na ... · anterior bipolaridade e o momento unipolar seguinte passaram a ser gradualmente substituídos por uma crescente multipolaridade.

41

Por civilian power, Duchêne compreende a então Comunidade Europeia

como um “special international actor whose strength lies in its ability to promote

and encourage stability through economic and political means” (Whitman, 2013,

p.174). Manners considera que civilian power é formada por três principais

dimensões: a cooperação diplomática para a resolução de problemas

internacionais, a centralidade do poder econômico e a existência de instituições

supranacionais com poder jurídico. A crítica de Bull ao referido conceito foi de

que ele era ineficiente e que havia a necessidade de autonomia militar. Assim, a

Comunidade Europeia deveria buscar a autossuficiência em defesa e segurança,

com o objetivo de se tornar uma potência militar (Manners, 2002). O surgimento

da Política de Defesa e Segurança Europeia (ESDP) – ou a Política de Defesa e

Segurança Comum (CFSP) -, criada em 1999, levantou expectativas de inclinação

em direção à ‘UE potência militar’, que não deixou de ser questionada por

fragilizar a identidade civil da UE (Manners, 2002).

Para Manners (2002), os dois conceitos apresentados possuem mais em

comum do que se imagina, compartilhando pressupostos voltados para a natureza

‘fixa’ no Estado-nação, a importância do poder físico (vinculado às capacidades) e

a noção de interesse nacional - pressupostos que foram, para ele, moldados pelo

contexto da Guerra Fria. O autor argumenta que o fim da bipolaridade levou ao

colapso de ideias então consideradas insustentáveis por governos e cidadãos do

leste europeu – uma crise vinculada às normas, não ao poder da força. Assim, na

sua concepção, o papel da UE na política mundial é melhor compreendido através

da reflexão sobre o que essas revoluções demonstram sobre o poder de ideias e

normas, ou seja, através do poder normativo (Manners, 2002).

A UE potência normativa entende a sociedade internacional como

composta por diversos atores – não limitada à relação entre estados -, privilegia o

poder de ideias e normas – ao invés do poder material – e rejeita afiliação com a

prática colonial ou neo-colonial – a mission civilizatrice, associada por Manners

com o conceito de civilian power – em países menos desenvolvidos. Como

destaca Whitman (2013, p. 174), para Manners, “normative power emphasizes de

cosmopolitan nature of the EU’s principles [...] by ‘a commitment to placing

universal norms and principles at the centre of its relations with member states

and the world’”. Por outro lado, Postel-Vinay (2008) resume que, a despeito dos

diferentes posicionamentos dos estudiosos sobre o como e o porquê, há um grande

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1313538/CA
Page 42: Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues Poder normativo na ... · anterior bipolaridade e o momento unipolar seguinte passaram a ser gradualmente substituídos por uma crescente multipolaridade.

42

consenso – que permeia as ideias de Duchêne a Manners - acerca da singularidade

e da novidade da presença europeia.

Manners (2002) destaca o fato da UE ter sido fundada com base na

consolidação da democracia, no Estado de Direito e no respeito aos direitos

humanos e liberdades fundamentais e, assim, persegui-los como objetivos de

política externa e desenvolvimento. Portanto, o poder normativo se distancia da

ideia de interesse nacional dos Estados. Para o autor, o conceito de potência

normativa "is an attempt to suggest that not only is the EU constructed on a

normative basis, but importantly that this predisposes it to act in a normative way

in world politics" (Manners, 2002, p. 252). Ou seja, definir a política externa da

UE em termos normativos significa que o poder da UE não pode ser reduzido aos

meios militares ou puramente econômicos (Whitman, 2013).

Na concepção de Manners, a existência diferenciada da UE - que a

distingue do modelo de Estado Westfaliano - e a base normativa que possui - que

fundamenta a sua ação externa - fazem parte da redefinição do que é ‘normal’ nas

relações internacionais e é essa habilidade que fornece à UE um grande poder.

Adicionalmente, como destacado por Forsberg (2011), Manners argumenta que a

UE promove uma série de princípios normativos que são, em geral, reconhecidos

como aplicáveis globalmente pelas Nações Unidas.

A ideia da UE potência normativa se tornou bastante popular e passou a

ser adotada na diplomacia pública, sendo endossada por representantes da

organização, como o ex-presidente da Comissão Europeia José Manuel Barroso

(Forsberg, 2011). Ademais, o próprio Tratado de Lisboa denota essa percepção ao

afirmar que

A acção da União na cena internacional assenta nos princípios que presidiram à

sua criação, desenvolvimento e alargamento, e que é seu objectivo promover em

todo o mundo: democracia, Estado de Direito, universalidade e indivisibilidade

dos direitos do Homem e das liberdades fundamentais, respeito pela dignidade

humana, princípios da igualdade e solidariedade e respeito pelos princípios da

Carta das Nações Unidas e do direito internacional. [...] A União procura

desenvolver relações e constituir parcerias com os países terceiros e com as

organizações internacionais, regionais ou mundiais que partilhem dos princípios

enunciados no primeiro parágrafo. Promove soluções multilaterais para os

problemas comuns, particularmente no âmbito das Nações Unidas.” (Tratado de

Lisboa, 2007, p. 23)

Ainda, no documento do European Security Strategy, a UE se apresenta,

em conjunto com os EUA, como uma “formidable force for good in the world”

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1313538/CA
Page 43: Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues Poder normativo na ... · anterior bipolaridade e o momento unipolar seguinte passaram a ser gradualmente substituídos por uma crescente multipolaridade.

43

(European Union, 2003, p.13). Nesse sentido, Whitman (2013) sublinha que, para

Thomas Diez, a UE potência normativa é, inerentemente, uma construção

discursiva da UE como um modelo e uma “force for good” para o resto do mundo.

Adicionalmente, Diez “has argued that the political discourse on normative power

is actually an essential dimension of the EU’s strategy to assert its power on the

international scene” (Postel-Vinay, 2008, p. 42).

Segundo Manners (2002), a diferença normativa UE em relação a qualquer

outra potência que promove suas normas está no seu contexto histórico, na sua

política híbrida e na sua constituição político-legal. O autor destaca que a

organização se originou em um contexto histórico pós-guerra marcado pelos

nacionalismos que ocasionaram a guerra e o genocídio. Por esse motivo, a criação

de instituições e de políticas comunitárias ocorreu dentro de uma conjuntura em

que europeus se comprometeram a partilhar recursos no intuito de preservar a paz

e a liberdade. Assim, no período pós-guerra fria, a combinação de "[...] historical

context, hybrid polity and legal constitution has [...] accelerated a commitment to

placing universal norms and principles at the center of its relations with its

member states [...] and the world [...]" (Manners, 2002).

Para Manners, as normas da UE são difundidas de seis formas. A primeira

é o contágio, em que as normas se difundem da UE para outros atores de forma

não intencional, a saber, por meio do seu exemplo, do seu modelo de integração

regional, como parâmetro para o Mercosul (Mercado Comum do Sul). Já a difusão

informacional resulta de comunicações estratégicas, a exemplo de iniciativas da

presidência da UE ou da Comissão. Em terceiro lugar, a difusão processual, que

envolve a institucionalização da relação da UE com a outra parte, como um

acordo de cooperação inter-regional, filiação em uma organização internacional

ou o próprio alargamento da UE. Os exemplos utilizados pelo autor foram o

diálogo inter-regional firmado com a Comunidade para o Desenvolvimento da

África Austral (SADC, em inglês), a filiação da UE à Organização Mundial do

Comércio (OMC) e a adesão de países do Mediterrâneo e do Leste Europeu à UE.

A difusão por transferência ocorre através da troca de bens, do comércio,

da ajuda ou da assistência técnica, que pode acontecer por meios financeiros,

exportando normas e padrões comunitários, a exemplo do fundo de

desenvolvimento para os países de Cotonou. Manners (2002) sublinhou que tanto

a difusão processual como a de transferência tem sido facilitada com as

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1313538/CA
Page 44: Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues Poder normativo na ... · anterior bipolaridade e o momento unipolar seguinte passaram a ser gradualmente substituídos por uma crescente multipolaridade.

44

condicionalidades atreladas aos acordos da Comissão com terceiros países. A

difusão ostensiva acontece através da presença física da UE em outros países e

organizações internacionais, a exemplo das delegações da UE e embaixadas dos

seus Estados membros. Por fim, a difusão por filtro cultural é baseada na ação

recíproca entre a construção do conhecimento e a criação de uma identidade

política e social por aqueles sujeitos à difusão das normas, afetando o impacto das

normas internacionais em terceiros países ou organizações. O filtro cultural leva

ao aprendizado, à adaptação ou rejeição de normas e tem como exemplos a

difusão de normas democráticas na China e dos direitos humanos na Turquia.

3.1.1 UE: potência normativa no desenvolvimento internacional?

Ao buscar compreender se a abordagem da UE para o desenvolvimento

internacional era condizente com a concepção de Manners da UE como potência

normativa, Vicky Birchfield (2007, p. 3) destacou que,

Externally, the EU has projected its norms and values by emphasizing the

humanitarian and civilian nature of its external relations and linking its

development policies to the broader aims of promoting fundamental freedoms,

consolidating democracy and strengthening the respect for human rights and the

rule of law.

Dessa forma, a autora apresenta a ajuda ao desenvolvimento como um

meio para a expansão das normas e dos valores elaborados pela UE. Birchfield

ainda conclui que "The EU’s approach to development may be an important

confirmation of this conceptualization of 'normative power Europe' as well as a

significant pillar of the EU’s external policy" (Birchfield, 2007, p. 8). Uma das

evidências empíricas utilizadas pela autora para chegar nessa conclusão foi o

comprometimento na UE com o alcance dos ODM, destacando o engajamento da

UE com a obtenção da meta de 0,7% do PIB dos países membros voltado para a

AOD até 2015.

De modo similar a Birchfield, Manners (2008) procurou traçar evidências

empíricas da sua concepção da UE como potência normativa no âmbito da ajuda

ao desenvolvimento. Entretanto, o autor sublinhou a dificuldade de avaliar a

política de desenvolvimento da UE, pela sua característica complexa, já que

envolve os Estados membros e a Comissão trabalhando através do CAD-OCDE,

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1313538/CA
Page 45: Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues Poder normativo na ... · anterior bipolaridade e o momento unipolar seguinte passaram a ser gradualmente substituídos por uma crescente multipolaridade.

45

tornando assim difícil de compreender o seu poder normativo em termos de

princípios normativos, ações e impacto.

Porém, ao buscar perspectivas empíricas da sua teoria no campo da ajuda

ao desenvolvimento, Manners (2007) afirma que

Since 1990, the EU’s development policy has increasingly moved in a less

privileging but more holistic direction, placing an emphasis on conditional and

differentiated aid encouraging regionalisation, together with greater overall

funding. This [...] is motivated by the aim of promoting more holistic normative

principles (such as good governance, human rights, democracy and rule of law)

reflecting a greater emphasis on the results-orientated consequentialist ethics

increasingly witnessed in the millennium Development Goals (MDGs) [...].

(Manners, 2008, p. 26).

Por outro lado, o autor ressalta o fato de que pouco se deve aos membros

do CAD-OCDE (inclusive a UE e os seus Estados membros) a melhoria da

qualidade de vida em alguns países nos 30 anos anteriores - que ocorreu mais

devido aos crescentes níveis de desenvolvimento de países como a China e a Índia

- e que diversos países, principalmente africanos, apresentaram redução do

desenvolvimento humano no mesmo período. Manners ainda menciona que a UE

e os seus Estados membros encontram resistência nos países parceiros que se

sentem discriminados e são hostis aos princípios como a boa governança e de

direitos humanos e sociais. Apesar de Manners, assim como Birchfield, também

mencionar o compromisso da UE de direcionar 0,7% do PIB dos Estados

membros para a ajuda ao desenvolvimento até 2015, é importante evidenciar que a

meta não deverá ser alcançada, pois apenas o Reino Unido, a Suécia, a Dinamarca

e Luxemburgo a atingiram até então13

.

Assim, a título de conclusão, para Manners, esse e outros casos empíricos

sugerem que "the EU is a committed yet troubled normative power in the

globalised world" (Manners, 2008, p. 37). Por outro lado, Manners (2008) defende

que, como atestado em diversos documentos de políticas da UE, a exemplo do

European Consensus on Development, a UE parece continuar comprometida em

exercer poder normativo. De modo menos relutante, Birchfield alega que a

política de desenvolvimento da UE representa, teórica e empiricamente, o

conceito de Normative Power Europe. Nesse sentido, Birchfield (2007) afirma

que países europeus têm transferido políticas de desenvolvimento para o nível

13

Para mais informações, ver relatório Aid Watch 2014. Disponível em:

<http://www.concordeurope.org/images/AidWatch_2014.pdf>

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1313538/CA
Page 46: Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues Poder normativo na ... · anterior bipolaridade e o momento unipolar seguinte passaram a ser gradualmente substituídos por uma crescente multipolaridade.

46

supranacional da integração com o intuito de afastá-las das “[...] temptations and

perils of pursuing narrow national interests that may come at the expense of the

broader interest of sustainable development (Birchfield, 2007, p. 20).

A UE atesta que o objetivo primordial da sua política de desenvolvimento,

presente no European Consensus on Development, é a redução da pobreza no

contexto do desenvolvimento sustentável e, nesse sentido, a UE procura alcançar

os ODM. Para ela, o objetivo final da redução da pobreza se encontra

intrinsicamente vinculado aos objetivos complementares “of promotion of good

governance and respect for human rights, these being shared values underpinning

the EU” (European Union, 2006).

Entretanto, o discurso corresponde à realidade? Bonaglia, Goldstein e

Petito (2006) advogam que a retórica e o comportamento das políticas se mostram

diferentes:

Confirming the findings of the existing empirical studies, both the simple

descriptive analysis and the econometric estimation of the determinants of EC

[European Commission] aid showed that aid is not necessarily directed towards

the poorest countries, and that, at least in the case of Africa, commercial interest,

the recipient governance stance (as imperfectly measured by the index of

perceived corruption) and the behaviour of other donors influence the EC’s aid

giving (Bonaglia; Goldstein; Petito, 2006, p. 181).

Em pesquisa, os autores referidos buscaram compreender a distribuição de

ajuda, divididos por grupo de renda, comparando o montante destinado pela

Comissão Europeia, pelos Estados membros da UE e pela soma de todos os países

do CAD nos anos de 1980, 1991 e 2000. Das conclusões do estudo, os autores

identificaram três grandes tendências: 1) o declínio da importância dos países de

baixa renda (em termos absolutos e relativos)14

; 2) a importância crescente dos

países do centro e do leste europeu, assim como dos países que tinham se tornado

independentes, e; 3) o fato dos Estados membros parecerem ter delegado à

Comissão Europeia a tarefa de assistir países do centro e do leste europeu e países

recentemente independentes.

Dessa maneira, diferenças entre o discurso e a prática da política de

desenvolvimento da UE representam um desafio para a caracterização da

organização como potência normativa, já que essa distinção implica dizer que a

14

É importante ressaltar que “Although ODA more than doubled in real terms from 1980 to 2000,

low-income countries received a decreasing share of this larger cake, in favour of middle-income

countries” (Bonaglia; Goldstein; Petito. 2006, p. 176)

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1313538/CA
Page 47: Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues Poder normativo na ... · anterior bipolaridade e o momento unipolar seguinte passaram a ser gradualmente substituídos por uma crescente multipolaridade.

47

UE atua buscando objetivos normativos, caracterizando, assim, a busca pelo

alcance de interesses como exclusiva dos Estados. Outras críticas referentes ao

conceito de Normative Power Europe são discutidas na próxima seção.

3.2 Críticas à concepção da UE como potência normativa

As reações e críticas à ‘UE potência normativa’ foram diversas15

,

mobilizando vários estudiosos em um debate dinâmico desde a elaboração do

conceito por Manners, em 2002. O presente trabalho não objetiva ser exaustivo

diante de tamanho debate, mas busca apresentar as principais críticas feitas ao

conceito levando em conta as mudanças ocorridas no cenário internacional desde

o início do século, especialmente o progressivo desempenho das potências

emergentes nele.

Thomaz Diez, em seu artigo “Normative Power as hegemony” (2013),

analisa o poder normativo através do conceito de hegemonia (até sugerindo a

troca dos termos) - definida em sua concepção Gramsciana e, assim, focando no

poder das ideias e do consenso, ao invés da força -, termo que se aproxima da

definição de Manners de potência normativa como a capacidade de moldar

concepções do que é normal. Essa sugestão teve como objetivo lidar com

problemas encontrados no conceito de UE potência normativa, como o debate

sobre se a política externa da UE é conduzida por normas ou interesses e a

possibilidade do poder normativo não funcionar, ou não funcionar além da esfera

do alargamento da UE.

Quanto à primeira questão, por combinar elementos materiais

(econômicos) e discursivos, o conceito de hegemonia resolveria o problema da

ideia central da definição de potência normativa da busca por normas mesmo

quando elas não são do seu interesse, pois “[...] norms and economic interests

form one whole: norms shape interests; interests shape norms” (Diez, 2013, p.

201). Em referência à possibilidade do poder normativo da UE não ser eficaz - da

UE não ser capaz de moldar concepções do que é normal – Diez (2013) destaca

que testemunhamos a competição e/ou contestação das normas em vários níveis,

15

Para uma revisão de literatura mais aprofundada sobre o extenso debate relacionado à Normative

Power Europe, ver: WHITMAN, Richard. The neo-normative turn in theorising the EU’s

international presence. Cooperation and Conflict. Vol. 48, N. 2, p. 171 – 193, jun/2013.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1313538/CA
Page 48: Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues Poder normativo na ... · anterior bipolaridade e o momento unipolar seguinte passaram a ser gradualmente substituídos por uma crescente multipolaridade.

48

desde o âmbito dos Estados membros ao da relação com terceiros. Como

sublinhado pelo autor

EU norms may also not be competing only with the interests but also with the

norms of other international actors [...], which may all too often see EU norms as

impositions on a ‘mission civilisatrice’ that in their lack of reflexivity undermine

their very aim [...] (Diez, 2013, p. 203).

Desse modo, Diez defende que o poder normativo é melhor explicado

quando visto como uma disputa transversal das normas sociais, em que diferentes

atores interagem em diversos níveis, do que como a imposição incontestável e

unidirecional das normas, que replicariam os velhos problemas de modelos top-

down de europeanização.

Karoline Postel-Vinay (2008, p. 39) inicia a sua crítica ao conceito de UE

potência normativa ao afirmar que "the relation between norms and power, as well

as the constitution of international normative power, are situated in time and

space". Nesse sentido, as normas podem ter significado universal, a exemplo do

desejo de erradicar a violência ou o respeito pelo meio ambiente, mas isso não

significa que elas são formuladas universalmente. A autora destaca que a

humanidade pode ter a mesma ambição por liberdade política, por exemplo, mas a

democracia liberal foi elaborada como norma internacional em um espaço e um

tempo específico, a saber, no mundo Ocidental e na última parte do século vinte.

Postel-Vinay (2008) define a Europa pré-1945, composta por potências

individuais, como uma clara definidora de normas internacionais ao criar as

primeiras organizações internacionais e promover (ou impor) normas através

dessas instituições. Entretanto, a União Europeia - a organização comunitária -

tem tido sua influência geopolítica limitada tanto pela emergência do poder

Americano no período pós-1945 (principalmente através do estabelecimento de

novas organizações internacionais) como, mais recentemente, pelo surgimento de

potências não ocidentais na Ásia e na América do Sul (Postel-Vinay, 2008).

Dessa forma, a autora questiona:

All cultures at any time in history produce norms: how come some become global

and others not? How come most of what we call international norms are in fact

genealogically constituted Western norms, and therefore global normative power

is intrinsically linked to Western power? This problem is absent from EU studies

discussion on normative power for the obvious reason that its starting point is

explicitly located in Europe, either post-Cold War Europe or post-Second World

War Europe (Postel-Vinay, 2008, p.41).

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1313538/CA
Page 49: Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues Poder normativo na ... · anterior bipolaridade e o momento unipolar seguinte passaram a ser gradualmente substituídos por uma crescente multipolaridade.

49

Assim sendo, Daniel Fiott (2011) acrescenta que

NPE [Normative Power Europe] has not been appraised in light of the possible

consequences of multipolarity. If [...] the world is heading towards multipolarity

between states such as the US, China, India and Brazil, and entities such as the

EU, what consequences will this have for NPE theory?

Em resposta a essa pergunta, na concepção de Larsen (2014), a forma

predominante de como a UE exerce a sua influência global hoje não pode ser

considerada a de poder normativo, que se torna secundário em relação à percepção

de poder econômico, por exemplo. Além disso, a compreensão da UE como

potência normativa se encontra mais presente na vizinhança oriental e meridional

da Europa e quase não existente no resto do mundo (Larsen, 2014). Assim, futuros

debates sobre Normative Power Europe devem levar em consideração essa

distinção geográfica. Para o autor, também é importante considerar o fato de que

elites no Brasil, China, em partes da África e em vários outros lugares concebem

que a UE utiliza sua posição econômica com o intuito de proteger interesses

neocoloniais, ao invés de promover ajuda.

Para Miriam Saraiva (2013), a projeção de princípios e valores da UE –

baseados no seu modelo político e social – para além das suas fronteiras, tem sido

uma das ferramentas principais da atuação global da organização. A autora pontua

que, nos anos 1990, essa atividade contribuiu para a inclusão e a defesa dos

princípios da democracia e dos direitos humanos na agenda internacional. Nesse

sentido,

Examined from a constructivist perspective of structuring a new international

order, this European preoccupation with democracy promotion [...] projected in

the construction of this order would contribute to the production of normative

effects (Saraiva, 2013, p. 2)

Entretanto, a década de 2000 apresenta um cenário internacional distinto,

marcado por um momento de crise após os atentados de 11 de setembro e a

posterior invasão dos EUA no Iraque, agravada pela crise financeira em 2008 que

afetou enormemente a Europa. Esse contexto abriu espaço para o surgimento de

novos atores – países emergentes em particular – e, consequentemente, de visões

de mundo alternativas ao liberalismo dos anos 1990. Essa conjuntura abalou a

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1313538/CA
Page 50: Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues Poder normativo na ... · anterior bipolaridade e o momento unipolar seguinte passaram a ser gradualmente substituídos por uma crescente multipolaridade.

50

integração europeia e, assim, a projeção externa do seu modelo, enfraquecendo a

concepção da UE como potência normativa (Saraiva, 2013).

No campo da cooperação para o desenvolvimento, para Ayllón Pino (2012),

os doadores tradicionais - e, de forma especial, os europeus - serão estimulados a

mudar as suas estratégias na área por razões como a intensidade das relações Sul-

Sul e a emergência de espaços independentes para a coordenação política entre os

países em desenvolvimento. Segundo o autor,

o modelo de prosperidade que a UE objetivou difundir através de sua cooperação

tem hoje outras alternativas, pois é evidente a quebra do pensamento único e das

práticas padronizadas, do tipo one size fits all, no debate sobre o desenvolvimento

(Ayllón Pino, 2012, p. 247)

Com a contestação realizada pelos países defensores da Cooperação Sul-

Sul ao modelo padronizado de ajuda ao desenvolvimento promovido pelo Norte,

esse tem procurado manter os primeiros dentro do sistema de regras

predominante. Como afirmam Abdenur e Fonseca (2013, p. 1475-1476),

The OECD’s Development Assistance Committee (DAC), which has worked to

encode a set of norms, values and practices as part of the organisation’s

guidelines, is being increasingly (and openly) contested by South–South

providers who do not always endorse the same principles. Within this context

Northern donors have begun to rethink their role in international cooperation,

trying out new institutional configurations, forging new partnerships and — more

broadly—seeking new points of entry into cooperation dynamics that focus,

geographically and politically, on the global South.

Desse modo, a União Europeia tem procurado se relacionar com as

potências emergentes de forma diferenciada, de forma a mantê-las dentro de um

mesmo sistema de regras. Isso ocorre porque a UE necessita operar em um mundo

regrado e normatizado, pois um mundo governado por jogos de poder instáveis a

tornaria apenas mais um jogador entre vários (Vasconcelos, 2003). Abdenur e

Fonseca (2013) destacam o apoio multilateral à CSS, iniciativas de cooperação

triangular e a produção de conhecimento sobre a CSS como formas do Norte

tentar manter ou ganhar espaço nas áreas em que tem perdido influência, assim

como remodelar normas e práticas da CSS. Nesse contexto, mudanças

institucionais e discursivas realizadas pela UE com o intuito de melhor atuar e de

se posicionar no novo cenário internacional serão discutidas no 3º capítulo.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1313538/CA
Page 51: Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues Poder normativo na ... · anterior bipolaridade e o momento unipolar seguinte passaram a ser gradualmente substituídos por uma crescente multipolaridade.

51

3.3 A legitimidade do papel normativo da UE: a percepção do Sul global

Poucas análises abordam a importância das percepções internacionais para

a discussão da UE como potência normativa (Larsen, 2014). Entretanto,

considerando a apresentada mudança do cenário internacional, e a crescente

significância da atividade global das potências emergentes, torna-se importante a

discussão de como a UE é compreendida por elas. Larsen (2014) concebe que,

empiricamente, definir a UE como potência normativa requer como pré-condição

que outros atribuam a ela esse papel especial, tornando, assim, fundamental para o

conceito discutido procurar compreender como o mundo exterior concebe a UE.

Em crítica similar, Fioramonti e Poletti (2008) argumentam que muitos

estudos têm focado exclusivamente na exploração das políticas internas da UE

como forma de perceber a eficácia do seu papel em questões mundiais.

Compreende-se que, essas análises, ao serem complementadas com estudos sobre

como a UE é percebida por outras sociedades, geram informações importantes

para a avaliação do papel da organização comunitária na política mundial. Os

autores apontam que países do "Sul global" merecem atenção particular, pois

países em desenvolvimento são muito mais afetados quando se considera o fato de

que a UE tem adotado diferentes políticas e abordagens para questões de

desenvolvimento, pobreza, multilateralismo, e outras (Fioramonti; Poletti, 2008).

Assim,

in focusing almost exclusively on either the EU’s self-perception or its different

policies vis-à-vis the USA, political analysts have forgotten to ask the most

crucial informants (i.e. the global South) whether they share the view that the EU

is a qualitatively different global actor” (Fioramonti; Poletti, 2008, p.168).

Larsen (2014) pondera que, apesar de Manners apontar seis mecanismos

de difusão das normas da UE, não há amplas considerações sobre o que leva o

mundo exterior a adotá-las (ou não), apenas o mecanismo de filtro cultural sugere

o porquê disso. Desse modo, o autor declara que

For the EU to have the status of a normative power regionally or globally, the

international actors have to find that the EU plays a special role in defining the

normal or as a beacon for norms. If international actors do not view the EU in this

way, or only to a limited extent, then the EU is not likely to be able to influence

conceptions of the normal in international politics through normative power

(Larsen, 2014, p. 899)

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1313538/CA
Page 52: Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues Poder normativo na ... · anterior bipolaridade e o momento unipolar seguinte passaram a ser gradualmente substituídos por uma crescente multipolaridade.

52

Portanto, há a necessidade de reduzir a lacuna entre a autopercepção da

UE e a do mundo exterior sobre ela. Com esse objetivo em mente, Larsen (2014)

procurou resumir os achados da literatura sobre percepções externas da UE,

baseados em artigos e em três grandes projetos de pesquisa: o do National Centre

for Research on Europe (NCRE), da Universidade de Canterbury; do Framework

of Excellence Garnet, da Universidade de Warwick, e; o projeto realizado por Ole

Elgström, intitulado ‘New roles for the EU in International Politics’. Desse modo,

o autor se utilizou da principal literatura sobre percepções externas para tirar

constatações gerais sobre como a UE é vista pelo seu mundo exterior.

Larsen (2014) destaca as principais observações resultantes dos três

projetos de pesquisa citados. A primeira grande constatação do autor é que a UE é

amplamente vista como um ator internacional em diversas issue areas, mas não

uma potência internacional em todos os campos. A UE é compreendida como uma

grande potência em questões comerciais e ambientais, por exemplo (Larsen,

2014).

Em segundo lugar, observou-se que prevalece a percepção da UE como

uma potência econômica internacional, caracterizada predominantemente como

um gigante do comércio, um grande mercado e fonte de investimento estrangeiro

direto (estudos realizados após a deflagração da crise financeira de 2008 não

constatam mudança de imagem nesse quesito). No entanto, predomina no "Sul"

(África, Pacífico, sudeste asiático, Índia, Brasil e China) uma imagem negativa da

UE como potência econômica, que é entendida como uma contraparte desigual,

que contribui para a continuidade da situação subordinada da África. Essa imagem

desfavorável é composta pela atitude protecionista da UE em relação aos produtos

agrícolas, às condicionalidades atreladas aos acordos de comércio e à barganha

durante negociações comerciais. Nesse sentido, a retórica da UE de "parceria"

com os países ACP (África, Caribe e Pacífico) é vista como falsa.

Adicionalmente, "Terms such as ‘neo-colonialism’ frequently appear in analyses

of the views of the south on the EU as an economic power, and this also affects

readings of NPE [Normative Power Europe]" (Larsen, 2014, p. 902).

A terceira constatação geral traz uma imagem mais positiva do "Sul" em

relação à atuação política global da UE, que é vista como mais progressiva do que

os EUA no que se refere à governança democrática e ao multilateralismo, por

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1313538/CA
Page 53: Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues Poder normativo na ... · anterior bipolaridade e o momento unipolar seguinte passaram a ser gradualmente substituídos por uma crescente multipolaridade.

53

exemplo. A UE não é tida como uma potência no campo militar, mas tem seu

papel reconhecido em relação à mediação e à conciliação pacífica. Por fim, a

imagem da UE como ator no campo do desenvolvimento não é proeminente, mas

é vista como um grande prestador de ajuda pelos países que dela precisam ou

dependem (Larsen, 2014). O autor conclui que a imagem prevalecente da UE nas

pesquisas é a de líder no campo econômico (e comercial, incluindo a assistência

ao desenvolvimento).

Em referência à UE como potência normativa, Larsen (2014) se

fundamentou principalmente em um estudo feito pelo NCRE, baseado em 274

entrevistas semiestruturadas realizadas com elites políticas, de negócios, da

sociedade civil e da mídia em países do sudeste asiático (Filipinas, Malásia,

Cingapura, Tailândia e Vietnã) da África (África do Sul e Quênia) e do Pacífico

(Fiji, Papua Nova Guiné e do amplo Pacífico), que foram questionadas sobre que

tipo de grande potência era a UE. A caracterização da UE como potência

normativa se mostrou ausente nas entrevistas realizadas no Pacífico e pouco

visível na África e no sudeste asiático. No projeto do Garnet, a UE não é vista

como potência normativa no Brasil, na China, Índia, Rússia ou África do Sul. A

despeito da conclusão geral de que a UE não é compreendida como uma potência

normativa, há uma exceção geográfica para essa constatação, a da vizinhança

oriental e meridional da UE, em que países dão à organização um status de grande

potência e reconhecem a atratividade da sua agenda normativa, apesar das áreas

econômica e comercial receberem mais destaque. Outras exceções geográficas

também são encontradas no México, em Cingapura e nas Filipinas. No entanto,

concluiu-se que as percepções da UE como potência normativa são mais

proeminentes em países vizinhos à UE e em alguns outros países individuais.

Em resumo, Larsen (2014) conclui que

The general absence of an image of the EU as a normative power comes in three

forms. The first presents the EU as a partner with no special normative status.

The second sees the EU as a self-declared promoter of legitimate norms, but

views this as an attempt by the EU and its former colonial powers to reintroduce

neo-colonial control. A third sees the EU as a power that attempts to further its

own norms rather than universal norms. In the three readings, the EU does not

have a special status through its norms which might give it influence. To the

extent that there is a component of EU normative power connotations that is

widely accepted, it is the ‘peace’ element (Larsen, 2014, p. 905-906)

De maneira semelhante à Larsen, Postel-Vinay (2008, p. 42) verificou que

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1313538/CA
Page 54: Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues Poder normativo na ... · anterior bipolaridade e o momento unipolar seguinte passaram a ser gradualmente substituídos por uma crescente multipolaridade.

54

Would-be members or would-be partners of the EU, such as Ukraine, Turkey or

North African countries, in fact have a very different understanding of European

normative power than countries such as Brazil or China, whose relations with the

EU are defined by more global parameters. This distinction points not only to an

identity issue but also to questions of international power and influence.

Nesse contexto, o trabalho de Emilian Kavalski (2013) discute que

definições do que é considerado ‘normal’ não são simplesmente empreendidas

pela potência normativa, mas emergem no contexto da sua interação com os

outros. Assim, não basta uma autopercepção de potência normativa para se tornar

uma, é preciso o reconhecimento desse status pelos outros por meio da interação:

“Normative powers need to be perceived as legitimate – in other words, their

agency depends on the validation by target actors […] (Kavalski, 2013, p. 258). O

autor destaca que Bruxelas não parece ser capaz de gerar relações com países para

além do contexto da filiação à UE e a sua consequente parceria privilegiada, que

mantém a influência socializadora do seu poder normativo. Para ele, a

complexidade do contexto global faz a UE enfrentar a realidade de que outros

países não a veem como atrativa. Assim, nos seus assuntos externos, a UE insiste

na internalização das suas normas por vários países no mundo, sem, entretanto,

utilizar o suporte dos instrumentos privilegiados da sua política de alargamento.

Assim, sob quais condições target actors concederiam esse reconhecimento? Para

Kavalski, o incentivo de maior credibilidade para esse reconhecimento seria a

inclusão de interesses ou ideias predominantes em um país nas estratégias daquela

que quer ser vista como potência normativa.

De forma similar, Lorenzo Fioramonti e Arlo Poleti (2008) criticam a

autopercepção da UE como um ator singular, cuja política externa se baseia nos

princípios que inspiraram a sua própria criação. Os autores identificam que o

pressuposto implícito dessa autopercepção é o de que a ação externa da UE

"follows values and approaches that are somehow different from those of nation-

states [...] which are mainly or exclusively concerned with their national interests"

(Fioramonti; Poleti, 2008, p. 167).

Ao analisar as percepções da UE pela opinião pública, elites políticas,

organizações da sociedade civil e a mídia do Brasil, da Índia e da África do Sul,

Fioramonti e Poletti procuram preencher a lacuna sobre as percepções da UE por

parte do ‘Sul global’. Os autores colheram informações da pesquisa ‘The External

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1313538/CA
Page 55: Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues Poder normativo na ... · anterior bipolaridade e o momento unipolar seguinte passaram a ser gradualmente substituídos por uma crescente multipolaridade.

55

Image of the European Union’16

, que se baseou em informações decorrentes de

pesquisas de opinião, comunicados de imprensa, documentos e publicações

divulgadas, entrevistas selecionadas, websites e da mídia. Pelo fato do presente

trabalho focar no Brasil, serão enfatizados os resultados da pesquisa realizada no

país sul-americano17

.

Em relação à opinião pública sobre a UE, verificou-se que poucos

cidadãos do ‘Sul’ tem ideia do que ela é e quais são as suas políticas, motivos e

objetivos. Cidadãos brasileiros se mostraram relativamente familiares com a UE,

em que 43% deles declararam saber o suficiente para ter uma opinião sobre ela e,

no que se refere à relação do Brasil com a organização comunitária, 56 % dos

entrevistados possuíam uma opinião ‘boa’ ou ‘muito boa’. Quanto às elites

políticas brasileiras, a percepção geral é a da UE como provedora de

oportunidades para o alcance dos objetivos de desenvolvimento do país,

particularmente em relação ao tamanho do mercado europeu para exportações

brasileiras e à provisão de investimento direto estrangeiro no país. Por outro lado,

também há uma imagem negativa referente ao mesmo aspecto: a UE é vista como

uma potência econômica com atitude protecionista. Adicionalmente, o modelo de

integração regional da UE é visto como positivo pelas elites políticas brasileiras,

especialmente quando se considera o Mercosul (Fioramonti; Poletti, 2008).

Por fim, análises da imprensa brasileira confirmam as opiniões anteriores,

retratando a UE essencialmente em relação às suas atividades econômicas,

enquanto sua natureza política permaneceu pouco retratada. Fioramonti e Poletti

(2008) inferiram que, em geral, a UE não se caracterizou como um tópico

relevante em debate público no Brasil, na Índia e na África do Sul e, em várias

áreas (como comércio, barreiras não tarifárias e subsídios agrícolas), foi vista,

principalmente na Índia e na África do Sul, como um ator que perpetua a

dominação ocidental. De acordo com os autores,

This reveals a significant ‘gap’ between how the EU perceives itself and how it is

perceived by other countries. It seems that the ‘uniqueness’ of the EU as a global

actor permeated by values such as solidarity, sustainable development, human

rights promotion and the like, which is very common in the EU rhetoric, is belied

by the common perceptions of the leading nations of the global South. [...] If it is

16

Pesquisa realizada pelo Network of Excellence (Garnet), "Global Governance, Regionalisation

and Regulation: the role of the EU", coordenado por Sonia Lucarelli de outubro de 2005 a

dezembro de 2006. 17

Destaca-se que a pesquisa utilizada por Fioramonti e Poletti (2008) foi realizada entre 2005 e

2006.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1313538/CA
Page 56: Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues Poder normativo na ... · anterior bipolaridade e o momento unipolar seguinte passaram a ser gradualmente substituídos por uma crescente multipolaridade.

56

true that the EU is seriously concerned with issues such as social justice and

sustainable development, then it should pay particular attention to the views of

those societies that suffer most from social injustice and underdevelopment

(Fioramonti; Poletti, 2008).

Dessa maneira, torna-se relevante, tanto para a concepção teórica do

Normative Power Europe quanto para a própria UE, que acolheu o conceito, ir

além da sua autopercepção e compreender como o ‘mundo exterior’ a concebe.

3.4 Socialization as a two-way process: a influência recíproca entre a UE e as potências emergentes

Isso posto, Xiaoyu Pu (2012), ao citar o exemplo do conceito de

Normative Power Europe, considera que, nas relações internacionais, a

socialização - ou seja, o processo de obtenção de identidade e aprendizado das

normas, valores e comportamentos adequados à posição social ocupada e, no

âmbito das relações internacionais, aplicado à relação entre estados e a sociedade

internacional - tem sido estudada como um processo de sentido único, em que

potências ocidentais dizem aos países não ocidentais de que forma devem se

comportar. Na sua concepção,

The presumption is that the social norms and political values preferred by the

West are the only possible way to achieve modernity. With the emergence of

non-Western great powers in the 21st century, however, this idea is increasingly

challenged. Emerging powers are sending a strong message to the West, 'Stop

telling us how to behave' (Pu, 2012, p. 341-342)

Assim, o autor aponta que as teorias de política internacional focam em

como as potências emergentes são socializadas dentro das normas internacionais

existentes e como é pouco estudada a forma como essas potências emergentes

resistem às normas ocidentais e de que modo podem participar da elaboração das

normas.

Como ressaltado na sessão anterior, diversos autores apontam para a

lacuna existente entre a autopercepção da UE como uma ‘force for good’ e a

compreensão que o mundo externo tem dela, enfatizando a necessidade de

reconhecimento por parte dos outros para que ela seja vista como uma potência

normativa. De modo semelhante, Pu (2012, p. 351) analisa que “legitimacy is a

social fact that is meaningful only to members of the community who accept it

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1313538/CA
Page 57: Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues Poder normativo na ... · anterior bipolaridade e o momento unipolar seguinte passaram a ser gradualmente substituídos por uma crescente multipolaridade.

57

[…]” e que, sendo a socialização um processo bidirecional, a perspectiva das

potências não ocidentais deve ser vista como parte da ordem normativa legítima.

Desse modo, Pu (2012) afirma que a socialização como um processo de

via única é um conceito mais pertinente ao se considerar o estágio inicial de

desenvolvimento de potências emergentes, que buscam se integrar nas normas

existentes, além de não serem ainda capazes de impor agendas. Com o

crescimento do poder e da influência, potências emergentes passam a não aceitar

passivamente o status quo da ordem normativa existente.

Assim, Pu (2012) conceitua que a socialização deveria ser estudada como

um processo ocorrido em dois sentidos - a two-way process of socialization,

aquela em que ambos os agentes são ativos e, assim, se influenciam. O autor

adiciona que a socialização como um processo em dois sentidos significa

considerar que os "rising powers are socialised into the existing international

order, while reshaping the order when they enter" (Pu, 2012, p. 349). Assim, as

potências emergentes deixam de ser apenas norm takers para agirem também

como norm shapers. A título de exemplificação, o autor explica que

China has been a rule shaper in this issue area of humanitarian intervention, not a

passive student of international norms. China participated fully in the United

Nations debate on development of the concept of 'Responsibility to Protect'

(R2P). Moreover, Brazil proactively promotes the new concept of

'Responsibilities While Protecting' (RWP) as a new norm of international

intervention (Pu, 2012, p. 2).

Pu (2012) defende que as potências emergentes atuam como norm shapers

ao: 1) desafiar a noção de que a cultura e as ideias ocidentais são superiores às do

resto do mundo; 2) enfatizar sua soberania e independência; 3) utilizar fóruns

multilaterais para influenciar a evolução das normas internacionais, a exemplo dos

BRICS, e; 4) desejar ter voz ativa na definição de que tipos de normas deveriam

ser vistas como legítimas na sociedade internacional. No campo do

desenvolvimento internacional, esses aspectos são facilmente identificados, sendo

as negociações em torno do Acordo de Parceria de Busan, de 2011, as atuais

discussões acerca da agenda de desenvolvimento pós-2015 da ONU e, a criação

do NBD dos BRICS, dois grandes exemplos da maior atuação e do desejo de ter

voz ativa na área.

Por fim, a crise financeira global de 2008 trouxe às potências emergentes

maior possibilidade de atuação global, propiciando maior espaço para a mudança

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1313538/CA
Page 58: Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues Poder normativo na ... · anterior bipolaridade e o momento unipolar seguinte passaram a ser gradualmente substituídos por uma crescente multipolaridade.

58

do cenário de influência diplomática e ordem normativa. Assim, “Emerging

powers such as China, India, Russia and Brazil will have seats at the international

high table, and bring to it the new rules of the game” (PU, 2012, p.343), ao

mesmo tempo que a comunidade internacional enfrenta problemas globais, como

as questões vinculadas à mudança climática e a própria crise financeira, que não

podem ser solucionadas apenas pelas potências ocidentais. Essas questões tornam

cada vez mais crucial considerar as ideias e preferências das potências

emergentes.

3.5 Conclusões do capítulo

A concepção da UE como potência normativa defende o compromisso da

organização com a colocação das normas e dos princípios universais – aqueles

que basearam a sua criação, a saber, consolidação da democracia, no Estado de

Direito e no respeito aos direitos humanos e liberdades fundamentais - no centro

das suas relações com o resto do mundo. Assim, o conceito se afasta da ideia de

interesse nacional, associada aos Estados, e se torna símbolo da autopercepção da

UE como uma ‘force for good’, inclusive na sua política de desenvolvimento.

Para Manners (2002), o maior poder da UE é a possibilidade de moldar

concepções do que é ‘normal’ na política internacional.

No entanto, a década de 2000 viu o cenário mundial passar por mudanças

que culminaram com a crise financeira mundial de 2008, abrindo mais espaço

para uma tendência que tomava força desde o início da década: a da maior

influencia das potências emergentes. Esse evento trouxe mais heterogeneidade ao

cenário internacional à medida que esses países traziam as suas próprias

concepções de mundo, nem sempre condizentes com as da ordem predominante.

Eles passaram então a rejeitar algumas normas já existentes e a demandar voz

mais ativa nos fóruns internacionais, mostrando que também desejam ser norm

shapers, sendo o campo do desenvolvimento internacional um exemplo desse

fenômeno.

O conceito de Normative Power Europe, assim como a atuação da UE de

acordo com ele, não comporta as mudanças ocorridas na conjuntura internacional,

por compreender que a UE socializa outros atores na ordem existente – a ordem

em que os princípios e valores da UE predominam -, ou seja, a socialização é tida

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1313538/CA
Page 59: Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues Poder normativo na ... · anterior bipolaridade e o momento unipolar seguinte passaram a ser gradualmente substituídos por uma crescente multipolaridade.

59

como um processo de mão única. Assim, a socialização envolve apenas a

propagação direta de normas para atores passivos, que, dessa forma, não possuem

agência.

No entanto, as ativas potências emergentes, em geral, não percebem a UE

como um ator normativo, contestam algumas das normas existentes e atuam na

elaboração de normas alternativas. Além disso, problemas globais, como as

mudanças climáticas, poluição e pobreza, não podem ser solucionados apenas

pelos países do Norte, e necessitam de soluções também globais. Nesse cenário,

entender a socialização como um processo de duas vias ajuda a compreender

como as potências emergentes podem influenciar a evolução das normas na

política internacional, um entendimento que se torna cada vez mais importante.

Com os dez anos da formulação do NPE, Manners fez uma reavaliação do seu

conceito em 2013, defendendo a sua continuidade. O autor propôs uma nova

agenda para refletir NPE ao repensar o poder e a capacidade de agir da UE.

Assim, estabeleceu três formas de desenvolver o conceito, através de: a) macro-

approach, com um programa de pesquisa holístico na abordagem de potência

normativa e que esclareça a relação entre teoria normativa, abordagem

metodológica e estrutura analítica; b) meso-characterization, com a caracterização

do tipo de ator ou potência e análise comparativa com organizações regionais e

internacionais, atores estatais e não-estatais, e; c) micro-analysis, com análise da

“justificativa normativa” como forma de poder. Pesquisas futuras demonstrarão se

a agenda proposta responderá às críticas feitas ao conceito.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1313538/CA
Page 60: Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues Poder normativo na ... · anterior bipolaridade e o momento unipolar seguinte passaram a ser gradualmente substituídos por uma crescente multipolaridade.

60

4. Respostas da União Europeia ao mundo em transição

Com a publicação do European Security Strategy (ESS), em 2003, a UE

identificou os desafios que ela própria enfrentava, assim como as ameaças

globais, e instituiu a forma pela qual lidaria com ambos. No cenário internacional,

as chamadas potências emergentes cada vez mais conquistavam espaço de ação,

sendo atuantes no âmbito da cooperação para o desenvolvimento. Atrelada às

questões externas, a organização comunitária viu o número de Estados membros

aumentar, saindo de 15 para os atuais 28, além de enfrentar as graves

consequências da crise internacional de 2008, dentre elas, problemas com

consenso interno e a redução dos orçamentos.

Desde o ESS, a UE tem passado por diversas mudanças institucionais e

discursivas, e é o objetivo desse capítulo identificar e discutir aquelas que

afetaram o plano da cooperação internacional para o desenvolvimento e a relação

da UE com as potências emergentes. Para isso, inicialmente, debatem-se as

iniciativas de ação externa que surgiram com o ESS, a saber, a promoção do

multilateralismo efetivo e o estabelecimento de parcerias estratégicas. Em

seguida, analisa-se a política de desenvolvimento da UE e como ela é atrelada à

política externa da organização a partir do European Consensus on Development,

criado em 2005, e das inovações trazidas pelo Tratado de Lisboa, que entrou em

vigor em 2009. Depois, será discutida a Agenda for Change, estabelecida em

2011, que traz novas mudanças à cooperação para o desenvolvimento tendo em

vista os mais recentes acontecimentos internos e externos.

Posteriormente, são identificados os mecanismos financiadores da cooperação

para o desenvolvimento da UE e por quais mudanças eles têm passado. Por fim,

conclui-se que todas as mudanças institucionais ocorreram tendo em vista a

contínua expansão tanto dos interesses quanto dos valores da UE - e, portanto, a

sua atuação normativa – assim como a forma como a UE abordaria as potências

emergentes e lidaria com a crescente atuação das mesmas no cenário internacional

e na esfera da cooperação internacional para o desenvolvimento. Desse modo, a

despeito do anseio da UE em atuar como potência normativa, as mudanças

institucionais identificadas evidenciam a socialização como um processo

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1313538/CA
Page 61: Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues Poder normativo na ... · anterior bipolaridade e o momento unipolar seguinte passaram a ser gradualmente substituídos por uma crescente multipolaridade.

61

bidirecional, ou seja, demonstram que, assim como a UE socializa potências

emergentes, a organização também recebe influência da atuação delas, em uma

relação de influência mútua.

4.1 O multilateralismo efetivo e as parcerias estratégicas

Como mencionado, a União Europeia reconheceu as ameaças à sua

segurança e os desafios enfrentados pelo mundo na publicação do documento

intitulado European Security Strategy, ou ESS. O ESS, adotado pelo Conselho

Europeu em dezembro de 2003, analisou e definiu, pela primeira vez, o cenário de

segurança da UE, assim como identificou os seus principais desafios de segurança

e suas consequentes implicações políticas para a organização. Foi uma estratégia

que surgiu no contexto das divergências entre os Estados membros da UE no que

se refere à invasão dos EUA no Iraque, em 2003, evento que evidenciou a

necessidade de uma visão estratégica comum como forma de reforçar a coesão

interna da organização. Assim, o documento forneceu um quadro conceitual para

a Política Externa e de Segurança Comum (PESC) da UE, incluindo a sua Política

Comum de Segurança e Defesa (PCSD)18

.

Dentre os desafios globais, o documento identificou as guerras, a miséria,

os problemas energéticos e a falta de recursos naturais e, em relação às ameaças, a

UE enumerou o terrorismo, a proliferação de armas de destruição em massa, os

conflitos regionais, a falência de Estados e o crime organizado. Dessa forma, o

ESS distinguiu duas maneiras de lidar com os desafios mencionados: a promoção

do ‘multilateralismo efetivo’ e o estabelecimento de ‘parcerias estratégicas’ com

atores-chave.

No que se refere ao ‘multilateralismo efetivo’, o ESS destaca que seu

objetivo é o bom funcionamento das instituições internacionais e uma ordem

mundial baseada em regras (União Europeia, 2003). Isso ocorre porque, para a

UE, nenhum país consegue lidar sozinho com os problemas existentes hoje. Dessa

maneira, o ‘multilateralismo efetivo’ seria um elemento central da sua política

externa, exaltando a importância de um sistema multilateral centralizado em

regras e valores universais, concentrado na Organização das Nações Unidas

18

Informações obtidas do endereço eletrônico da Ação Externa Europeia, disponível em: < http://www.eeas.europa.eu/csdp/about-csdp/european-security-strategy/>

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1313538/CA
Page 62: Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues Poder normativo na ... · anterior bipolaridade e o momento unipolar seguinte passaram a ser gradualmente substituídos por uma crescente multipolaridade.

62

(ONU), com o intuito de enfrentar as ameaças à comunidade internacional19

. Ao

buscar que todos se mantenham dentro de um mesmo sistema de regras, o

‘multilateralismo efetivo’ representa um modo de procurar conservar todos

atuando dentro do sistema de regras da ONU. Para Renard (2009), essa é também

uma forma de manter a relevância dos países europeus no nível global.

Assim, a UE procura

[...] a truly efficient global multilateral system, and the creation of institutions

able to regulate political and economic interdependence. The aim is to construct a

system, accepted by a majority of states, governed by international norms for

international trade, security, the protection of human rights and the environment

(Vasconcelos, 2003, p.33).

Portanto, apesar da proliferação de novas organizações internacionais e

fóruns, a UE busca a participação dos países em um mesmo sistema de regras. Em

discurso proferido na Cúpula da Comunidade de Estados Latino-americanos e

Caribenhos (CELAC), ocorrido em janeiro de 2015, a Alta Representante para os

Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, Federica Mogherini, reforçou a

forte crença da UE no multilateralismo efetivo20

. Adicionalmente, UE destaca que

deve lidar com os seus desafios tanto por meio da cooperação multilateral em

organizações internacionais – ou seja, através do multilateralismo efetivo – quanto

através de parcerias com atores-chave (União Europeia, 2003), ou seja, os

parceiros estratégicos.

São dez os atuais parceiros estratégicos da UE, a saber, a África do Sul, o

Brasil, o Canadá, a China, a Coréia do Sul, os EUA, a Índia, o Japão, o México e

a Rússia. Destes, seis países emergentes são parceiros estratégicos da UE, e todos

tiveram essa parceria estabelecida entre 2003 e 2007 (Grevi, 2012). Assim, o

estabelecimento de parcerias estratégicas com esses países representa

reconhecimento da importância política e/ou econômica deles, seja no âmbito

regional ou no cenário global (Hess, 2012). Ela estabelece um diálogo de alto

nível entre os parceiros, caracterizados por cúpulas anuais entre os mais altos

representantes de ambas as partes, além de diversos encontros setoriais.

19

Informações obtidas do endereço eletrônico da Ação Externa Europeia, disponível em:

<http://eeas.europa.eu/organisations/un/index_en.htm > 20

Para mais informações, ver discurso proferido por Federica Mogherini, disponível em:

<http://eeas.europa.eu/delegations/barbados/documents/press_corner/news/2015/celac_speech_mo

gherinii_en.pdf>

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1313538/CA
Page 63: Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues Poder normativo na ... · anterior bipolaridade e o momento unipolar seguinte passaram a ser gradualmente substituídos por uma crescente multipolaridade.

63

Como destaca Fejerskov (2013), as parcerias estratégicas com o Brasil, a

África do Sul, a Índia e a China estão ligadas às mudanças na cooperação com

potências emergentes e países emergentes de renda média que se encontram no

cerne dos desafios postos à cooperação para o desenvolvimento da UE. O Tratado

de Lisboa – discutido ainda nesse capítulo – promoveu mudanças na ação externa

da UE, e atrelou a ela a sua política de desenvolvimento. Nesse sentido, Grevi

(2012) atribui grande afinidade da parceria estratégica promovida pela UE às

reformas institucionais realizadas pelo Tratado de Lisboa, pois o último procurou

introduzir mais continuidade, coerência e maior capacidade de definição da

agenda no nível europeu, características necessárias às parcerias estratégicas.

Entretanto, o termo tem sido alvo de debate por questões como a sua falta

de definição, de clareza sobre quem se qualifica como parceiro estratégico da UE,

de que lhes falta conteúdo realmente estratégico ou de que elas não têm

apresentado os resultados esperados (Biscop e Renard, 2010; Renard, 2009, 2012;

Grevi, 2008, 2012; Fejerskov, 2013). Porém, de acordo com Renard (2011, p. 5),

um verdadeiro “parceiro estratégico” é um

[…] key global player which has a pivotal role in solving global challenges – in

the sense that the EU cannot hope to solve these issues without the positive

contribution of that partner – and which is willing to cooperate with the EU to

solve these challenges, preferably in a multilateral framework […]

Assim, apesar do aspecto bilateral da parceria estratégica, ela representa

um meio para se alcançar o multilateralismo efetivo. De modo similar, Grevi

(2012, p. 16) adiciona que

Strategic partnerships are important bilateral means that can be mobilised to

foster international cooperation. The redistribution of power at the international

level enhances the clout of a number of EU partners in formal and informal

multilateral formats. Given the diverse priorities and normative outlooks of its

main stakeholders, a more heterogeneous international system results in a more

contested and consequently weaker multilateral order.

Dessa maneira, para Grevi (2008), as parcerias estratégicas refletem a

transição do sistema internacional, caracterizado pela contestação das normas e

por mudanças na balança de poder, mas cujos desafios são comuns a todos. Para

Lazarou e Edler (2012), a parceria estratégica se torna uma ferramenta discursiva

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1313538/CA
Page 64: Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues Poder normativo na ... · anterior bipolaridade e o momento unipolar seguinte passaram a ser gradualmente substituídos por uma crescente multipolaridade.

64

que reforma o modo tradicional de compreender a relação entre potências

relevantes para uma forma mais coerente com a multipolaridade em crescimento.

Diante dessa discussão, o estabelecimento de parcerias estratégicas como

instrumento para alcançar o multilateralismo efetivo remete ao anseio da UE em

aproximar as potências emergentes dos meios em que as normas e os valores da

UE predominam, ou seja, onde a UE pode exercer melhor o seu poder normativo.

Elevar o nível do relacionamento com potências emergentes representa, assim,

não apenas um reconhecimento da importância delas no cenário internacional,

mas também um meio de trazê-las para o sistema de normas vigente, contestado

por elas. Dessa forma, a constituição de parcerias estratégicas pode ser

considerada uma estratégia para a UE exercer o seu poder normativo.

De modo similar aos autores citados, Fejerskov (2013) conclui que as

parcerias estratégicas são instrumentos de política externa flexíveis e polivalentes

em um cenário internacional que se torna cada vez mais complexo. Porém, o autor

aprofunda a ideia ao afirmar que as parcerias estratégicas podem formar a base de

uma abordagem multissetorial para a cooperação para o desenvolvimento, com o

potencial de se tornar um instrumento para lidar com a exclusão de potências

emergentes e países de renda média das relações tradicionais da ajuda – uma

exclusão resultante da mais recente política de diferenciação das parcerias

realizadas pela UE. As parcerias estratégicas são ideais para aprimorar as relações

com países “situated at the interface between north and South [...]. But they are

also testament to the changing power relations manifesting themselves in

development cooperation […]” (Fejerskov, 2013, p. 42). Essa diferenciação

presente nas mais novas mudanças ocorridas na política de desenvolvimento da

UE será abordada na próxima seção.

Na atualidade, as parcerias estratégicas continuam sendo importantes para

a ação externa da UE. Em palestra ministrada em novembro de 2014, a Alta

Representante da UE, Federica Mogherini, ressaltou a necessidade de desenvolver

um sistema de parcerias globais mais efetivas:

The factual list of our strategic partners...and if you look at them, some of them

are real, some of them might be strategic and not partnerships anymore, some of

them are partnerships, not strategic. Still it’s [sic] all countries with whom we

will need to develop a real working relationship. Because, again, if the European

Union wants to play a political global role we cannot just pretend that we do not

relate to countries that might be difficult to relate to…it might be very

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1313538/CA
Page 65: Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues Poder normativo na ... · anterior bipolaridade e o momento unipolar seguinte passaram a ser gradualmente substituídos por uma crescente multipolaridade.

65

challenging. But that’s our size, that’s our level of ambition, to work together,

being it confrontational or cooperational [sic] with big global players, being it

Russia, being it Brazil, being it South Africa […] (Mogherini, 2014)

Além disso, Mogherini enfatizou a necessidade do multilateralismo efetivo

como melhor forma de promover a convivência global. Assim, o multilateralismo

efetivo integra a finalidade maior da política externa da UE, que é um sistema de

regras comuns para todos no sistema internacional, e as parcerias estratégicas são

instrumentos para abordar atores-chave no intuito de alcançar o multilateralismo

efetivo e, assim, exercer o seu poder normativo. Dessa maneira, a partir do

estabelecido no ESS e das posteriores parcerias estratégicas firmadas, a UE

reconheceu a importância de se relacionar de forma diferenciada com potências

emergentes para alcançar os seus objetivos.

4.2 A Política de Desenvolvimento da UE: em busca de mais unidade com o European Consensus on Development e o Tratado de Lisboa

A cooperação para o desenvolvimento tem estado, junto com a política

comercial, no centro das relações da UE com o mundo exterior desde os anos

1950 – que, na época, era Comunidade Econômica Europeia. O Tratado de

Maastricht, que instituiu a atual União Europeia, tornou a política de

desenvolvimento, formalmente (mas não exclusivamente), de competência

comunitária, sendo partilhada com os seus Estados membros (Furness, 2010).

Dessa maneira, “a União e os Estados-Membros podem legislar e adoptar actos

juridicamente vinculativos nesse domínio. Os Estados-Membros exercem a sua

competência na medida em que a União não tenha exercido a sua” (União

Europeia, 2007, p. 46).

A política de desenvolvimento da UE "[...] is a cornerstone of EU relations

with the outside world – alongside foreign, security and trade policy" (Comissão

Europeia, 2014, s/n) e se baseia 1) no European Consensus on Development,

publicado em 2005 e que une o Conselho, o Parlamento e a Comissão Europeia a

uma visão comum de desenvolvimento, e; 2) no Tratado de Lisboa, que entrou em

vigência em 2009 e, dentre as suas atribuições, determinou a forma como a UE se

posicionaria no âmbito das suas relações externas. Atualmente, a qualidade da

ajuda é monitorada através dos objetivos acordados na Declaração de Paris, em

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1313538/CA
Page 66: Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues Poder normativo na ... · anterior bipolaridade e o momento unipolar seguinte passaram a ser gradualmente substituídos por uma crescente multipolaridade.

66

2005, na Agenda de Acra, em 2008, e revisados no Fórum de Busan, em 2011

(European Union, 2014).

O European Consensus for Development forneceu à UE e aos seus Estados

membros princípios comuns para implementar políticas de desenvolvimento

baseados na complementariedade e na eficiência. O acordo proveu, pela primeira

vez, uma visão comum para guiar a ação da UE e os seus Estados membros na

cooperação para o desenvolvimento (Fejerskov, 2013). Essa visão está atrelada ao

comprometimento com a erradicação da pobreza, a propriedade, a parceria e a

prestação de uma ajuda maior e melhor (European Union, 2006).

Assim, dentre os objetivos comuns acordados estavam a erradicação da

pobreza no contexto do desenvolvimento sustentável, incluindo os ODMs; o

desenvolvimento como um objetivo central e a boa governança, os direitos

humanos e outros aspectos políticos, sociais e ambientais como partes integrantes

do desenvolvimento sustentável; o compromisso com a coerência das políticas

para o desenvolvimento, e; a busca desses objetivos no âmbito da ONU. Dessa

forma, estando a UE comprometida com a agenda da Eficácia da Ajuda, o

Consensus on Development garante a implementação e o monitoramento dessa

agenda nos países em desenvolvimento, focando nos princípios que o formam, a

saber, a propriedade nacional, coordenação e harmonização de doadores,

alinhamento com sistemas do país beneficiário, orientação para os resultados,

dentre outros.

No que se refere aos valores comuns, o documento destaca que

EU partnership and dialogue with third countries will promote common values of:

respect for human rights, fundamental freedoms, peace, democracy, good

governance, gender equality, the rule of law, solidarity and justice. The EU is

strongly committed to effective multilateralism whereby all the world's nations

share responsibility for development (European Union, 2006, p. 3).

Adicionalmente, a UE e seus Estados membros se comprometeram com os

princípios da propriedade e parceria, participação da sociedade civil, igualdade de

gênero, do diálogo político e de abordar a fragilidade do Estado.

Nesse sentido, o documento também destaca a insegurança e os conflitos

violentos como um dos grandes obstáculos para o alcance dos ODM, além da

necessidade do desenvolvimento para o combate à migração ilegal. Na realidade,

o Consensus on Development explicitamente vinculou policy areas como o

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1313538/CA
Page 67: Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues Poder normativo na ... · anterior bipolaridade e o momento unipolar seguinte passaram a ser gradualmente substituídos por uma crescente multipolaridade.

67

comércio, direitos humanos, boa governança, educação, migração e segurança

com a agenda dos ODM e a erradicação da pobreza (Furness, 2010). Como

reconhecido pelo ESS e pelo Consensus on Development, “there cannot be

sustainable development without peace and security, and without development

and poverty eradication there will be no sustainable peace” (European Union,

2008, p. 8). Assim, o desenvolvimento, centralizado na erradicação da pobreza no

contexto do desenvolvimento sustentável, é tido como importante no

enfrentamento dos problemas globais (European Union, 2006).

Com o objetivo de fazer a UE se posicionar no âmbito global através de

uma voz única e mais coerente, o Tratado de Lisboa introduziu mecanismos

institucionais voltados para esse objetivo, sendo os mais notáveis o

estabelecimento do cargo do Alto Representante da União Europeia para os

Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança e o Serviço Europeu para Ação

Externa (SEAE). Além de assumir o cargo de Alta Representante da União

Europeia para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, Federica

Mogherini também é vice-presidente da Comissão Europeia. Sua antecessora,

Catherine Ashton, ocupou o cargo desde que o Tratado de Lisboa entrou em

vigor, em 2009. A Alta Representante tem como função primordial coordenar e

executar a Política Externa e de Segurança Comum da UE, sendo assessorada pelo

SEAE e pelas delegações da UE no mundo todo. Dentre as suas atividades, estão a

condução da política externa em nome da UE; coordenar os instrumentos de

política externa comunitários – como a ajuda ao desenvolvimento, comércio,

ajuda humanitária e resposta a crises; a construção de consenso entre os 28

membros da UE e suas prioridades; representação da UE em fóruns

internacionais, entre outras21

.

O SEAE – o órgão mais recente da UE, criado em 2011, e proposto pela

então Alta Representante, Catherine Ashton – é presidido pelo Alto Representante

e reúne serviços de política externa da Comissão e do Conselho da UE, além de

diplomatas dos Estados membros (Furness, 2010). O órgão desempenha um papel

diplomático, gerenciando as relações diplomáticas da UE com o resto do mundo e

dando assistência ao Alto Representante da União em assuntos de política externa,

sendo assim responsável pelas cerca de 140 delegações da UE no mundo. É sua

21

Informações obtidas através do endereço eletrônico do Serviço Europeu para a Ação Externa, da

União Europeia, disponível em: <http://europa.eu/about-eu/institutions-bodies/eeas/index_pt.htm>

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1313538/CA
Page 68: Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues Poder normativo na ... · anterior bipolaridade e o momento unipolar seguinte passaram a ser gradualmente substituídos por uma crescente multipolaridade.

68

missão garantir que todas as atividades realizadas pela UE no exterior sejam

consistentes e efetivas, ou seja, assegurar a coerência e a eficiência da política

externa da UE. Isto é, ele trouxe uma oportunidade de garantir a coerência entre as

políticas de modo que elas evitem impactos negativos em países em

desenvolvimento (Fejerskov, 2013). Além disso, para a União Europeia (2015),

“uma das funções principais do SEAE é apoiar as parcerias estratégicas da UE

com os intervenientes fundamentais na cena internacional e o compromisso

assumido para com os países emergentes”.

Desse modo, enquanto cabe à EuropeAid – a Diretoria Geral da Comissão

Europeia para o Desenvolvimento Internacional e Cooperação – a elaboração e a

implementação da política de desenvolvimento da União Europeia, o SEAE tem

como função se certificar da sua sinergia com as demais áreas de ação externa da

UE, a exemplo dos direitos humanos, da segurança, estabilidade e prevenção de

conflitos (SEAE, 2015). O SEAE também tem voz no estabelecimento de

estratégias para o orçamento da AOD oficial da UE, o que lhe confere mais

influência na política de desenvolvimento comunitária (Furness, 2010).

Como pontuado por Natalie Hess (2012), em 2010, Ashton assinalou três

prioridades para o seu mandato: criar um novo serviço de política externa (o

SEAE), a vizinhança europeia e as relações da UE com os parceiros estratégicos.

Desse modo, nota-se a relevância que os parceiros estratégicos têm tomado no

âmbito da UE e como o Tratado de Lisboa fixou a política de desenvolvimento da

UE à sua ação externa.

O Tratado de Lisboa teve como pretensão combinar as relações externas

da UE e as políticas externa e de desenvolvimento da organização em um quadro

institucional único e simplificado, de forma a aumentar a sua eficiência (Furness,

2010). Sobre a ação externa da UE, o Tratado estabelece que

Nas suas relações com o resto do mundo, a União afirma e promove os seus

valores e interesses e contribui para a protecção dos seus cidadãos. Contribui para

a paz, a segurança, o desenvolvimento sustentável do planeta, a solidariedade e o

respeito mútuo entre os povos, o comércio livre e equitativo, a erradicação da

pobreza e a protecção dos direitos do Homem, em especial os da criança, bem

como para a rigorosa observância e o desenvolvimento do direito internacional,

incluindo o respeito dos princípios da Carta das Nações Unidas (Tratado de

Lisboa, 2007, p. 11).

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1313538/CA
Page 69: Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues Poder normativo na ... · anterior bipolaridade e o momento unipolar seguinte passaram a ser gradualmente substituídos por uma crescente multipolaridade.

69

No que se refere especificamente à cooperação para o desenvolvimento, o

Tratado anuncia que

A política da União em matéria de cooperação para o desenvolvimento é

conduzida de acordo com os princípios e objectivos da acção externa da União. A

política da União em matéria de cooperação para o desenvolvimento e as políticas

dos Estados Membros no mesmo domínio completam-se e reforçam-se

mutuamente. O objectivo principal da política da União neste domínio é a

redução e, a prazo, a erradicação da pobreza. Na execução das políticas

susceptíveis de afectar os países em desenvolvimento, a União tem em conta os

objectivos da cooperação para o desenvolvimento (Tratado de Lisboa, 2007, p.

93).

Nos trechos apresentados, o Tratado de Lisboa deixa clara a ligação da

política de desenvolvimento da UE com os seus objetivos de ação externa,

principalmente o da redução e posterior erradicação da pobreza. Entretanto,

compreende-se que grande parte da AOD da UE não era direcionada aos países

mais pobres, mas sim para países de renda média da sua vizinhança e da América

Latina, por exemplo, onde Estados Membros possuíam fortes interesses

econômicos ou de segurança. Citando caso parecido, a European Neighborhood

Policy (ENP) recebe grande parte da AOD da UE, apesar do seu foco na

estabilidade regional. Outro exemplo é o financiamento da African Peace

Facility22

pelo European Development Fund (EDF), cujo objetivo principal é a

redução e a erradicação da pobreza (Furness, 2010). Assim, critica-se a

‘securitização’ da ajuda da UE, ou seja, a dominação dos interesses de segurança

– voltados para as questões das migrações, terrorismo e estabilidade regional – na

política de desenvolvimento da UE.

Dessa forma, o Tratado de Lisboa reforça a visão comum para o

desenvolvimento estabelecida pelo Consensus on Development, que teve como

foco a busca de uma voz única para a UE e os seus Estados membros nesse

âmbito. O Tratado de Lisboa também fortalece o aspecto comunitário e uno ao

criar uma representação permanente para a UE no âmbito da sua política externa e

estabelecer um serviço diplomático de assistência, além de fixar a política de

desenvolvimento da UE à sua ação externa. Por outro lado, as inovações do

22

A pedido de líderes africanos, o African Peace Facility (APF) foi criado em 2004 como um

instrumento inovador, fonte principal de financiamento em apoio ao African Peace and Security

Architecture. Para mais informações, ver: <https://ec.europa.eu/europeaid/regions/africa/african-

peace-facility_en>

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1313538/CA
Page 70: Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues Poder normativo na ... · anterior bipolaridade e o momento unipolar seguinte passaram a ser gradualmente substituídos por uma crescente multipolaridade.

70

Tratado de Lisboa também trazem mecanismos para lidar com aquelas que Ashton

considerou como uma das prioridades do seu mandato, as parcerias estratégicas da

UE.

4.3 A Agenda for Change

Porém, para cumprir os seus objetivos de desenvolvimento, a Comissão

Europeia (2011) identificou que as políticas da UE deveriam se manter atualizadas

diante de um ambiente global em rápida mudança, em que novos desafios e

oportunidades requerem a adaptação da cooperação para o desenvolvimento da

UE. Como afirma Furness (2010, p. 2)

Global development challenges are becoming increasingly more diverse:

addressing poverty, insecurity and state fragility in sub-Saharan Africa requires

different approaches than addressing the development priorities of 21st Century

China, Brazil or India. The restructuring of EU external policy provides an

opportunity to revisit Europe’s development cooperation strategies in a changing

global context.

Assim, em 2011, a Comissão Europeia estabeleceu uma abordagem mais

estratégica para a redução da pobreza, em que o financiamento para o

desenvolvimento passou a ser mais direcionado e concentrado. Essa nova

abordagem da UE está contida na Agenda for Change, estratégia vista como uma

resposta da UE para os novos desafios, que vão da escassez de recursos naturais

às consequências da crise econômica e o crescimento das economias emergentes

(European Union, 2014).

O documento reforça o descrito no Tratado de Lisboa, afirmando que o

apoio aos esforços dos países em desenvolvimento na erradicação da pobreza é o

objetivo fundamental da política de desenvolvimento da UE, assim como é uma

prioridade para a sua ação externa na busca ao interesse da UE em um mundo

próspero e estável (European Commission, 2011). Além disso, a Agenda for

Change destacou a posição da Comissão não apenas como mais um doador (além

dos seus Estados membros), mas como responsável por cerca de 20% dos esforços

coletivos da UE na ajuda internacional, que ainda atua na formulação e na

coordenação de políticas. Essa característica, segundo o documento, em conjunto

com a capacidade econômica, comercial e de diálogo político da organização,

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1313538/CA
Page 71: Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues Poder normativo na ... · anterior bipolaridade e o momento unipolar seguinte passaram a ser gradualmente substituídos por uma crescente multipolaridade.

71

além das outras políticas, confere a ela grande impacto em países em

desenvolvimento. Dessa forma, tal papel ‘multifacetado’ da UE deve se traduzir

em políticas adaptadas a cada país parceiro. Nesse sentido, o documento sublinha

que

EU development policy must take into account the increased differentiation

between developing countries. Recently, several partner countries have become

donors in their own right, while others are facing increasing fragility. The EU

must now explore new ways of working with them and promote a more inclusive

international development agenda (European Commission, 2011, p. 3).

Diante desse contexto, somado às dificuldades orçamentárias e

econômicas impostas pela mais recente crise econômica global, a nova proposta

defende que “the EU must seek to focus its offer to partner countries where it can

have the greatest impact” (European Commission, 2011, p. 4). Ainda, por um

lado, a UE deve concentrar a cooperação no suporte aos direitos humanos, à

democracia e outros elementos da boa governança e, por outro, no crescimento

sustentável e inclusivo. Essa ação deve ser acompanhada por parcerias de

desenvolvimento diferenciadas, ação coordenada na UE e melhor coerência nas

suas políticas.

As principais propostas feitas para a atualização da política de

desenvolvimento da UE envolvem: 1) a diferenciação dos países que recebem a

ajuda, com prioridades aos países mais necessitados e onde a ajuda tenha maior

impacto; 2) o foco em no máximo 3 setores por país; 3) a melhoria na

coordenação da UE visando mais impacto e resultados; 4) a ênfase nos direitos

humanos, democracia e boa governança; 5) o aumento no suporte ao crescimento

inclusivo e sustentável através do engajamento em setores estratégicos como a

agricultura e energia, e; 6) a maximização da coerência das políticas da UE, de

modo que os objetivos do desenvolvimento sejam levados em consideração em

todas as áreas de ação comunitárias (European Union, 2014).

Em comparação com o European Consensus on Development, Kijzer,

Krätke e van Seters (2013) discutem que a política de desenvolvimento da UE

partiu de um ponto em que se justificava o uso da AOD para grupos específicos

de países, como os países de renda média, como explicitado no trecho abaixo:

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1313538/CA
Page 72: Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues Poder normativo na ... · anterior bipolaridade e o momento unipolar seguinte passaram a ser gradualmente substituídos por uma crescente multipolaridade.

72

Many lower MICs are facing the same kind of difficulties as LICs. A large

number of the world's poor live in these countries and many are confronted with

striking inequalities and weak governance, which threaten the sustainability of

their own development process. The Community therefore continues to provide

development assistance based on countries' poverty reduction or equivalent

strategies. Many MICs have an important role in political, security and trade

issues, producing and protecting global public goods and acting as regional

anchors. But they are also vulnerable to internal and external shocks, or are

recovering, or suffering, from conflicts (European Union, 2006, p. 10).

E, posteriormente, com a Agenda for Change, a política de

desenvolvimento da UE passou a utilizar uma abordagem específica para países,

em que a cooperação para o desenvolvimento comunitária é adaptada às

especificidades de países beneficiários no intuito de maximizar o seu impacto.

Assim, a Agenda for Change, além de reforçar a visão comum estabelecida

no Consensus on Development, representa uma adaptação da política de

desenvolvimento da UE aos novos tempos, caracterizados, por exemplo, pela

restrição orçamentária imposta pela crise, pela proximidade com o fim dos ODM

e pelo crescimento de países emergentes, que passaram a ser doadores. Dessa

forma, a Agenda for Change propôs a política de diferenciação entre os países,

‘graduando’ países emergentes da ajuda da UE – ou seja, que não mais se

qualificariam como receptor da ajuda bilateral da UE - que afetou a elaboração

dos mecanismos de financiamento da ação externa comunitária no período

orçamentário de 2014 a 2020, como será abordado na próxima seção.

4.4. Instrumentos de financiamento da ação externa da UE

Dentre os instrumentos financiadores da cooperação para o

desenvolvimento comunitária, três são os de maior orçamento: 1) o European

Development Fund (EDF), que fornece ajuda para os países das regiões da África,

Caribe e do Pacífico (ACP) e territórios ultramarinos; 2) o Development

Cooperation Instrument (DCI), que cobre a cooperação da UE com a América

Latina, a Ásia, Oriente Médio e o sul da África, e; 3) o European Neighbourhood

Instrument (ENI) (antigo European Neighborhood and Partnership Instrument),

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1313538/CA
Page 73: Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues Poder normativo na ... · anterior bipolaridade e o momento unipolar seguinte passaram a ser gradualmente substituídos por uma crescente multipolaridade.

73

que presta ajuda aos países localizados no entorno da UE23

. Os principais

instrumentos para a ação externa da UE com os seus orçamentos para o período de

2014 a 2020 se encontram quadro 1:

Quadro 1: Principais instrumentos de financiamento da ação externa da UE

(2014 – 2020)

Instrumento Formato Orçamento

European Development Fund

(EDF) Geográfico € 30, 5 bilhões

Development Cooperation

Instrument (DCI) Geográfico € 19, 6 bilhões

European Neighborhood

Instrument (ENI) Geográfico € 15, 4 bilhões

Instrument contributing to

Stability and Peace (IfSP) Temático € 2, 3 bilhões

European Instrument for

Democracy & Human Rights

(EIDHR)

Temático € 1,3 bilhões

Partnership Instrument (PI) Geográfico € 0,9 bilhões

Instrument for Nuclear Safety

Cooperation Temático € 0,2 bilhões

Fonte: Comissão Europeia24

. Elaboração própria.

Desses instrumentos, dois são particularmente relevantes para a

cooperação para o desenvolvimento da UE, devido ao seu tamanho e foco: o EDF e

o DCI. Apesar da maior parte dos recursos do EDF ser gerida pela Comissão

Europeia, seu orçamento não advém do orçamento da UE, pois o fundo é de

natureza intergovernamental, regido pelo Acordo de Cotonou25

. Assim, os países

membros da UE desembolsam parte da sua AOD através do EDF26

. O EDF abrange

grande parte das ex-colônias dos países membros da UE e tem como objetivo

23

Os países abrangidos por esse instrumento são: Argélia, Egito, Israel, Jordânia, Líbano, Líbia,

Marrocos, Palestina, Síria (atualmente suspenso devido à situação política do país), Tunísia,

Armênia, Azerbaijão, Bielorrússia, Geórgia, Moldávia e Ucrânia. 24

Informações obtidas no endereço eletrônico da Comissão Europeia, disponível em:

<http://europa.eu/rapid/press-release_MEMO-13-1134_en.htm> 25

O Acordo de Cotonou gere as relações da União Europeia com países ACP (África, Caribe e

Pacífico) no âmbito do desenvolvimento económico, social e cultural. Seu objetivo é a redução e, a

longo prazo, a erradicação da pobreza, devendo também contribuir para a paz, a segurança e a

estabilidade política dos países beneficiários.O acordo foi assinado em 2000 e possui vigência de

20 anos, expirando em 2020. Para mais informações, ver: < http://europa.eu/legislation_summaries/development/african_caribbean_pacific_states/r12101_pt.h

tm> 26

Informações obtidas através do endereço eletrônico do Parlamento Europeu, disponível em:

<http://www.europarl.europa.eu/EPRS/EPRS-IDA-542140-European-Development-Fund-

FINAL.pdf> e

<http://www.europarl.europa.eu/aboutparliament/en/displayFtu.html?ftuId=FTU_6.3.1.html>

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1313538/CA
Page 74: Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues Poder normativo na ... · anterior bipolaridade e o momento unipolar seguinte passaram a ser gradualmente substituídos por uma crescente multipolaridade.

74

principal alcançar o desenvolvimento econômico, social e humano, além da

cooperação e da integração regional. Todas as despesas desse instrumento devem

estar de acordo com a definição da AOD, elaborada pelo CAD-OCDE.

O DCI, por outro lado, compõe a maior fonte financiadora para o

desenvolvimento no âmbito do orçamento da UE, e tem como objetivo primário a

erradicação da pobreza, além do alcance dos ODM, do desenvolvimento ambiental,

social e econômico sustentável e a consolidação da democracia, do Estado de

direito, dos direitos humanos e do direito internacional27

. Em seu âmbito

geográfico, o DCI dá suporte à cooperação bilateral e regional com países em

desenvolvimento incluídos na lista de países recipientes de AOD elaborada pelo

CAD-OCDE28

. Os programas temáticos são voltados para os bens públicos globais

e desafios e o suporte para organizações da sociedade civil e autoridades locais. Por

fim, o DCI possui o programa Pan-Africano, que dá suporte à implementação da

parceria estratégica UE-África. Todas as despesas realizadas no âmbito dos

programas geográficos devem cumprir critérios do CAD-OCDE para a AOD,

enquanto ao menos 95% nos programas temáticos e 90% do Programa Pan-

Africano deve preenchê-los29

. Para o período 2014 – 2020, a mudança mais notável

realizada no DCI foi a incorporação da ‘diferenciação’, já apontada pela Agenda for

Change, que sugere que a cooperação “should be based on the partner country’s

needs; capacities to generate and access financial resources and absorption

capacities; commitments and performance; and the potential impact of EU

development aid” (European Parliamentary..., 2014). Nesse sentido, países que se

encontram na categoria de “países de rendimento médio superior” (upper-middle

income countries) da lista do CAD-OCDE e com mais de 1% do PIB mundial,

estariam “graduados” do DCI e, assim, não seriam mais elegíveis para recebê-lo no

âmbito bilateral, apenas na esfera regional e nas áreas temáticas.

Esses países passaram a ser abordados através de um novo instrumento, o

Partnership Instrument (PI). Enquanto os programas sob o DCI objetivam a

27

Informações obtidas através do endereço eletrônico do Parlamento Europeu, disponível em:

<http://www.europarl.europa.eu/RegData/bibliotheque/briefing/2014/140725/LDM_BRI(2014)14

0725_REV1_EN.pdf> 28

Lista dos recipientes de OAD do CAD-OCDE, disponível em:

<http://www.oecd.org/dac/stats/documentupload/DAC%20List%20of%20ODA%20Recipients%2

02014%20final.pdf> 29

Informações obtidas através do endereço eletrônico do Parlamento Europeu, disponível em:

<http://www.europarl.europa.eu/RegData/bibliotheque/briefing/2014/140725/LDM_BRI(2014)14

0725_REV1_EN.pdf >

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1313538/CA
Page 75: Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues Poder normativo na ... · anterior bipolaridade e o momento unipolar seguinte passaram a ser gradualmente substituídos por uma crescente multipolaridade.

75

redução e, no longo prazo, a erradicação da pobreza, o PI visa promover e avançar

os interesses da UE ou interesses mútuos com terceiros países. Dessa forma, o PI

não procura abordar desafios globais – como as mudanças climáticas, segurança

energética e proteção do meio ambiente - sob a perspectiva da ajuda ao

desenvolvimento (European Commission, 2014)30

. Nesse sentido, o PI pode incluir

gastos de AOD, mas não é algo obrigatório31

. Apesar do orçamento limitado,

principalmente em relação aos outros instrumentos, espera-se do PI um papel

catalizador, “for example by funding activities that promote policy dialogue and

contribute to developing collective approaches and responses to global challenges

such as energy security [...]” (Keijzer; Krätke; Van Seters, 2013, p. 19). O novo

instrumento possui quatro finalidades principais: 1) oferecer políticas de apoio e de

resposta aos desafios mundiais; 2) projetar a dimensão internacional do ‘Europa

2020’32

; 3) melhorar o acesso a mercados e promover o comércio, investimento e

oportunidades de negócios para as empresas da UE, e; 4) Promover a diplomacia

pública e cooperação acadêmica33

.

De acordo com o First Multi-annual Indicative Programme for the period

2014-2017 do PI, esse instrumento vai dar prioridade aos parceiros estratégicos da

UE e, posteriormente, será aplicado nas regiões da Ásia-Pacífico, as Américas, com

a Rússia, a Ásia Central e os países do Golfo Pérsico. A justificativa é de que

desafios da ação externa da UE são cobertos por outros instrumentos de

financiamento para a cooperação e o desenvolvimento e agora, pela primeira vez, a

organização possui um instrumento que possibilita a promoção dos interesses

estratégicos da UE no mundo. O PI permite, então, a cooperação baseada nos

interesses – da UE ou mútuos – com os principais atores, existentes ou novos, do

sistema internacional, como as economias emergentes, inclusive os BRICS

30

European Commission, Anexo do “Commission Implementing Decision of 3.7.2014 on the

adoption of the first multiannual indicative programme for the period 2014-2017 under the

Partnership Instrument for cooperation with third countries.” 2014. Disponível em:

<http://ec.europa.eu/dgs/fpi/documents/pi_mip_annex_en.pdf> 31

Informação obtida através do endereço eletrônico do European Centre for Development Policy

Management (ECDPM), disponível em: <http://ecdpm.org/talking-points/eu-financial-framework-

2014-2020-development-cooperation/> 32

“A estratégia Europa 2020, lançada em 2010 para os dez anos seguintes, é a estratégia da União

Europeia para o crescimento e o emprego. Esta estratégia visa não só a saída da crise, [...] mas

também abordar as deficiências do modelo de crescimento e criar condições para um crescimento

inteligente, sustentável e inclusivo”. Para mais informações, ver:

<http://ec.europa.eu/europe2020/europe-2020-in-a-nutshell/index_pt.htm> 33

Informação obtida através do endereço eletrônico do Service for Foreign Policy Instruments, da

Comissão Europeia, disponível em: <http://ec.europa.eu/dgs/fpi/what-we-

do/partnership_instrument_en.htm>

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1313538/CA
Page 76: Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues Poder normativo na ... · anterior bipolaridade e o momento unipolar seguinte passaram a ser gradualmente substituídos por uma crescente multipolaridade.

76

(European Commission, 2014). O documento deixa claro, assim, o caráter

estratégico do instrumento, não vinculado à ajuda:

What is key is to be able to define the EU priorities, the EU interests in the

countries of strategic interest to the EU and then identify the concrete

actions/projects that best tackle those priorities. Ensuring that PI programming is

fundamentally guided by the promotion of core EU interests will help to exclude

from its scope actions that should more appropriately be funded through other

external action instruments. Although the non-ODA nature of the PI is one of its

defining characteristics, it is possible that some actions/projects funded under the

PI may be categorized as “DAC-able” ex post. It is however important to recall

that the PI is not an aid instrument” (Comissão Europeia, 2014, p. 11).

Assim, o PI foi criado como um instrumento para a atuação da UE tendo

em vista as mudanças identificadas no cenário internacional,

The EU will remain one of the principal global political and economic players,

but in a so-called "multi-polar" world in which there are more power centres,

including dynamic emerging countries like China, Brazil, India and Mexico. In

view of these realities, the EU will need to think even more than today in terms of

forging bilateral and multilateral partnerships to advance its strategic interests.

The PI has been designed to support the EU's efforts to create and maintain such

partnerships (European Commission, 2014, p. 4).

Ainda de acordo com o documento, o PI traz credibilidade e consistência à

política externa da UE ao vincular a promoção dos seus valores e interesses às

atividades de cooperação específicas, o que ajudaria a UE a apoiar a sua ambição

de se legitimar como um ator-chave no âmbito político e econômico internacional,

tanto bilateralmente como multilateralmente em órgãos como o G-20.

Nesse sentido, o PI é um instrumento flexível e que abre a possibilidade de

novas formas de parceria com terceiros países, como a cooperação triangular com

países industrializados ou emergentes. Aliás, dentre as considerações do PI está a

possibilidade da UE trabalhar formalmente em parceria com economias

emergentes e terceiros países através da cooperação trilateral (CTR) (McEwan;

Mawdsley, 2012). A Cooperação Sul-Sul e Triangular, identificada como um dos

oito ‘building blocks’34

do Quarto Fórum de Alto Nível em Eficácia da Ajuda, em

34

A criação desses ‘building blocks’ permitiu que os parceiros de desenvolvimento e organizações

se unissem no sentido de pressionar por soluções de questões de desenvolvimento e de concentrar

esforços para promover o progresso nessas áreas.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1313538/CA
Page 77: Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues Poder normativo na ... · anterior bipolaridade e o momento unipolar seguinte passaram a ser gradualmente substituídos por uma crescente multipolaridade.

77

Busan, em 201135

, recebeu o apoio da União Europeia, que anunciou o PI no

mesmo ano.

Fejerskov (2013) afirma que iniciativas de cooperação trilateral - que

envolve um doador tradicional do Norte, um doador do Sul e um beneficiário do

Sul - têm ocorrido como forma dos doadores tradicionais se manterem relevantes.

Na sua concepção, esse tipo de cooperação pode ser vista como uma forma

inovadora de lidar com as mudanças geográficas da ajuda e do poder, pois pode

levar à redução da lacuna de legitimidade dos regimes de desenvolvimento do

Norte ao reconhecer as potências emergentes do Sul e, assim, melhorar a eficácia

da ajuda. Por outro lado, o autor aponta que a cooperação trilateral traz desafios à

concepção tradicional de parcerias ao trazer um doador tradicional à cooperação

entre dois parceiros do Sul. Entretanto, iniciativas de cooperação triangular da UE

tem enfrentado alguns desafios: por exemplo, ao procurar lidar com a crescente

atuação chinesa na África, a UE tem levado iniciativas de cooperação trilateral

com as duas partes, mas o insucesso dos projetos está vinculado à baixa adesão de

países africanos (Fejerskov, 2013).

No caso com o Brasil, a UE também tem enfrentado problemas na

operacionalização da cooperação triangular, voltados, dentre outros fatores, para

os mecanismos de financiamento. No capítulo a seguir, serão analisadas as

relações da UE com o Brasil tendo em vista as mudanças institucionais e

discursivas tratadas no presente capítulo.

Dessa maneira, países emergentes foram diretamente abordados na nova

configuração do financiamento da ação externa da UE, presente no orçamento do

período de 2014 a 2020. Os países ‘graduados’ do DCI não mais se qualificaram

para receber a AOD da organização comunitária, sendo encaixados em um novo

instrumento, mais flexível, e focado nos parceiros estratégicos, o Partnership

Instrument.

35

Para mais informações, ver: OCDE -

http://www.oecd.org/dac/effectiveness/fourthhighlevelforumonaideffectivenessbuildingblockspons

ors.htm

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1313538/CA
Page 78: Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues Poder normativo na ... · anterior bipolaridade e o momento unipolar seguinte passaram a ser gradualmente substituídos por uma crescente multipolaridade.

78

4.5 Conclusões do capítulo

Particularmente com a virada do século, a UE tem enfrentado o desafio de

se redefinir como ator no cenário internacional em transformação. Além dos

diversos elementos externos pontuados no European Security Strategy, elementos

internos também foram responsáveis pelos novos desafios, como a adesão de

novos membros e as consequências internas da crise econômica internacional.

As diversas mudanças institucionais e discursivas aqui discutidas - o

discurso do multilateralismo efetivo, a criação de parcerias estratégicas, o

Consensus on Development, o Tratado de Lisboa, a Agenda for Change e os

mecanismos de financiamento da cooperação para o desenvolvimento – possuem,

em maior ou menor grau, dois aspectos em comum: a busca da UE em falar com

uma voz única no âmbito internacional – ou seja, mais consenso interno para mais

representatividade externa - e como a UE pode abordar os países emergentes.

Falar com uma só voz e atuar no âmbito do desenvolvimento tem provado ser uma

tarefa difícil para a UE, principalmente quando se leva em conta que essa é uma

esfera compartilhada com os seus Estados membros.

A relação com países emergentes foi menos abordada no Consensus on

Development e mais relacionada ao PI. Porém, a constituição de parcerias

estratégicas com atores-chave - sendo seis deles países emergentes -, a

responsabilidade do Alto Representante e do SEAE sobre a relação com os

parceiros estratégicos, a criação de uma política diferenciada para países

emergentes na Agenda for Change e o surgimento do PI representam mecanismos

institucionais formulados pela UE para abordar potências emergentes, em especial

aquelas que também são parceiras estratégicas.

O estabelecimento de parcerias estratégicas com potências emergentes

representou, além do desejado reconhecimento dessas potências, uma plataforma

de diálogo para a criação de entendimentos compartilhados e atuação conjunta no

âmbito multilateral. Ademais, as parcerias estratégicas também denotam um

instrumento para a UE exercer o seu poder normativo, de modo a aproximar seus

parceiros estratégicos dos meios onde as normas da organização predominam,

principalmente diante de um cenário em que as potências emergentes estabelecem

fóruns alternativos. O Partnership Instrument veio a complementar as parcerias

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1313538/CA
Page 79: Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues Poder normativo na ... · anterior bipolaridade e o momento unipolar seguinte passaram a ser gradualmente substituídos por uma crescente multipolaridade.

79

estratégicas ao trazer um mecanismo de financiamento desvinculado das regras da

AOD, e assim, do CAD-OCDE.

Por outro lado, ao mesmo tempo em que as parcerias estratégicas ainda

não trouxeram muitos resultados na busca da UE pelo multilateralismo efetivo, ou

seja, ainda não se tornaram efetivamente estratégicas, o orçamento do PI também

é muito baixo em relação aos grandes instrumentos de financiamento da

cooperação para o desenvolvimento, dominados pelas regras do CAD-OCDE. Isso

pode indicar relutância por parte da UE e, mais uma vez, o seu desejo em manter

todos sob um mesmo sistema de regras.

O discurso de potência normativa, da UE como uma ‘force for good’

consta como outro elemento comum às modificações institucionais discutidas no

presente capítulo. Ou seja, as políticas e mecanismos da UE no campo do

desenvolvimento continuam a indicar a expansão dos seus princípios e valores –

que são ‘universais’, como considerados pelo conceito de Normative Power

Europe – para o mundo, assim como o ideal da manutenção de todos sob um

sistema de regras influenciado por eles.

Por outro lado, essas mudanças institucionais e discursivas evidenciam

adaptações da UE às transformações ocorridas no cenário internacional e no

campo do desenvolvimento. O fato de representarem progressivamente novas

formas da UE abordar e se relacionar com potências emergentes confirma a

influência dessas novas potências na UE. Ou seja, há evidências de que a UE não

apenas socializa, mas também é socializada e que, assim, há influência mútua

entre a UE e as potências emergentes.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1313538/CA
Page 80: Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues Poder normativo na ... · anterior bipolaridade e o momento unipolar seguinte passaram a ser gradualmente substituídos por uma crescente multipolaridade.

80

5. A UE e o Brasil: da assistência à parceria

Como abordado nos capítulos anteriores, o cenário da cooperação

internacional para o desenvolvimento tem passado por diversas mudanças,

dentre elas, a crescente atuação das potências emergentes na Cooperação Sul-

Sul, com a contestação das regras da governança global existente. O Brasil é

um importante exemplo desse fenômeno, cujo caso ilustra os paradigmas

apresentados. Por outro lado, a UE – doadora do Norte e integrante do CAD-

OCDE –, com base em seus marcos legais, busca atuar como potência

normativa, em que os princípios e valores que baseiam a sua criação – e que

permeiam organizações internacionais como o CAD-OCDE – são também

objetivos de política externa.

No capítulo anterior, identificou-se as mudanças institucionais e

discursivas ocorridas na UE no âmbito da sua política de desenvolvimento

internacional, também consideradas como resultantes da influência que a ação

das potências emergentes exercem na UE. Essa constatação leva a evidências

do que Pu (2012) conceitua como socialization as a two-way process, a

socialização vista como um processo bidirecional, não unidirecional, como

contido na concepção de Normative Power Europe.

Assim, o presente capítulo tem como objetivo analisar o caso da relação

entre a União Europeia e o Brasil dentro da discussão feita nos capítulos

anteriores. Procura-se compreender como o contexto apresentado e as

mudanças institucionais e discursivas ocorridas no âmbito da União Europeia

se aplicam ao caso brasileiro e quais os seus resultados no âmbito da

cooperação internacional para o desenvolvimento.

Para isso, inicialmente, realiza-se um breve histórico da relação entre as

partes, de modo que se compreenda a abordagem da UE para o Brasil anterior à

proposta da parceria estratégica. Nesse sentido, a posterior análise, na segunda

seção, dos Country Strategy Paper (CSP) ‘2001 – 2006’ e ‘2007 – 2013’

demonstram com mais clareza a mudança de percepção da União Europeia em

relação ao Brasil, culminando com o aprofundamento da cooperação bilateral

através do estabelecimento da parceria estratégica.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1313538/CA
Page 81: Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues Poder normativo na ... · anterior bipolaridade e o momento unipolar seguinte passaram a ser gradualmente substituídos por uma crescente multipolaridade.

81

A terceira seção, dedicada à parceria estratégica, conta com a análise

dos documentos elaborados como resultado da parceria, as Declarações

Conjuntas, publicadas ao fim de cada cúpula anual, e os dois Planos de Ação

Conjunta publicados até então, o 2008 - 2011 e o 2012 - 2014. Pelo motivo do

presente estudo buscar compreender o âmbito da cooperação internacional para

o desenvolvimento, são discutidos os resultados da parceria entre a UE e o

Brasil nos campos da cooperação trilateral e multilateral.

Em sequência, na quarta seção, seguem reflexões acerca das

perspectivas futuras da cooperação, seguidas pelas considerações finais.

Conclui-se que, apesar de haver possibilidade futura de progredir no campo da

cooperação triangular, caso o Partnership Instrument consiga reverter os

problemas operacionais da área, há menor probabilidade de convergência no

âmbito multilateral devido aos diferentes pontos de vista em relação à forma

como a cooperação para o desenvolvimento deve se realizar. Ademais, o Brasil

vem investindo mais na sua relação com fóruns como o BRICS.

5.1 As relações entre o Brasil e a UE: um breve histórico

As relações do Brasil com a antiga CEE remontam ao ano de 1980, quando

foi celebrado o Acordo-Quadro de Cooperação, que entrou em vigor em 1982. O

Regulamento 442/81 do Conselho Europeu, base do Acordo, teve como objetivo a

implementação de mecanismos de ajuda técnica e financeira e ações de

cooperação econômica e industrial destinada à formação de joint ventures com

países em desenvolvimento da América Latina (Medeiros; Leitão, 2009).

Entretanto, a turbulência causada pela crise financeira, o encolhimento das

importações e a transição para a democracia no Brasil deteve o progresso da

relação entre as duas partes. Com o fim dessa fase brasileira e a assinatura do

Tratado de Maastricht em 1992 - que estabeleceu a União Europeia - estabeleceu-

se um novo Acordo-Quadro de Cooperação com o Brasil. Esse novo acordo

contou com a inclusão de uma cláusula democrática, "a qual condiciona a parceria

institucional ao respeito dos princípios políticos pluralistas e dos direitos humanos

[...]" (Medeiros; Leitão, 2009, p. 19), além de uma cláusula evolutiva, a qual

permitiria a ampliação das áreas regidas pelo acordo.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1313538/CA
Page 82: Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues Poder normativo na ... · anterior bipolaridade e o momento unipolar seguinte passaram a ser gradualmente substituídos por uma crescente multipolaridade.

82

A constituição - em 1991/1992, com o Tratado de Maastricht - de um pilar

voltado para a política externa e de uma PESC revelou o estabelecimento de

relações mais aprofundadas, de parceria com regiões, ao invés de países, o que

contribuiu para que a relação com o Brasil não fosse prioritária. Assim, com a

assinatura, em 1991, do tratado que deu origem ao Mercosul, o Tratado de

Assunção, as relações entre o Brasil e a UE passam a vigorar em um âmbito mais

amplo, o inter-regional, baseado na ambição da UE de promover o seu próprio

modelo bem-sucedido de integração regional (Lazarou, 2011; Medeiros, Leitão,

2009).

Dessa forma, Lazarou (2011) destaca o fato das normas e dos valores da

UE serem promovidos e difundidos através de acordos com terceiros, fazendo

com que a organização europeia fosse relacionada a um conjunto de princípios,

como o Estado de Direito, paz e desenvolvimento, a promoção dos direitos

humanos, e outros. Nesse sentido, Söderbaum, Stalgren e van Langenhove (2005,

p. 371) aprofundam a discussão ao afirmarem que

A crucial ingredient in understanding the EU's role in the promotion of

regionalism is its self-image as the "natural" point of reference for regional

initiatives. The EU tries to promote its own regional experience as the norm for

region-building throughout the globe. The EU is eagerly persuading other

regions, especially in Africa, but also elsewhere, to follow its example, which it

sees as a "model for integration between countries in other regions of the world"

(European Commission, 2004, p. 3). The EU is (consciously or unconsciously)

projecting its particular regional integration model to the rest of the world.

Assim, a integração regional passou a ser vista pela UE como uma forma

de articular objetivos gerais da PESC, a saber, a promoção da cooperação

internacional, do Estado de Direito, o respeito pelos direitos humanos e liberdades

fundamentais, além do desenvolvimento e consolidação da democracia (Lazarou,

2011). Soma-se a isso ao fato de que a política externa brasileira, como aponta

Saraiva (2014), no governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC), era

caracterizada pelo apoio aos regimes e à ordem política liberal internacional,

baseando o comportamento brasileiro em conceitos de soberania e autonomia

voltados para a defesa dos valores internacionais. Entretanto, ao passo que a

diplomacia de FHC poderia propiciar um maior estreitamento das relações com a

UE, a prioridade europeia continuava voltada para o inter-regionalismo, o que

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1313538/CA
Page 83: Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues Poder normativo na ... · anterior bipolaridade e o momento unipolar seguinte passaram a ser gradualmente substituídos por uma crescente multipolaridade.

83

limitou o presidente brasileiro à interação individual com países europeus

(Saraiva, 2014).

Eventos ocorridos com a virada do século fizeram a UE modificar a sua

estratégia global: além de fracassos na coesão dos membros da UE em eventos

como a guerra de Kosovo, em 1999, e no Iraque, em 2003 - e, assim, do ceticismo

quanto à atuação global da organização -, houve o crescimento das economias

emergentes e o consequente questionamento da ordem global existente (Lazarou,

2011). Dantas (2011) adiciona que dificuldades impostas pela adesão de doze

novos países à União Europeia, em políticas de alargamento ocorridas entre 2004

e 2007, assim como a ocorrência da crise Argentina no fim dos anos 1990 e início

dos anos 2000, afetando o Mercosul, dificultaram ainda mais a continuação do

projeto de relação inter-regional. Assim, o Brasil passou a ser visto como ator

central da política regional e elemento chave para o projeto político europeu na

América Latina (Dantas, 2011).

O lançamento da European Security Strategy, em 2003. representou a

primeira menção da UE à importância de estabelecer parcerias com potências

emergentes como a China e a Índia. No entanto, apesar da ênfase na necessidade

de estabelecer parcerias com atores-chave, o Brasil ainda não era considerado um

deles, fato que mudou com a suspensão das negociações inter-regionais (UE -

Mercosul) em 2004 e a política externa proativa de Lula no Brasil (Lazarou,

2011).

5.2 De recipiente a parceiro: a mudança de percepção da UE sobre o Brasil

A Comissão Europeia publica documentos chamados Country Strategy

Paper (CSP), que apontam quais as suas diretrizes e prioridades para uma região

ou país durante um período específico de tempo. Em geral, os Country Strategy

Paper - Brazil analisam aspectos como a situação política, econômica e

comercial, social e ambiental do país e, desse modo, apontam as prioridades da

cooperação da UE em relação ao Brasil, assim como envolvem o âmbito

operacional da estratégia ao definir os orçamentos dos setores apontados como

prioritários. Nesse sentido, é de fundamental importância para a compreensão da

mudança da percepção da UE sobre o Brasil desde 2003 a análise dos documentos

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1313538/CA
Page 84: Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues Poder normativo na ... · anterior bipolaridade e o momento unipolar seguinte passaram a ser gradualmente substituídos por uma crescente multipolaridade.

84

de estratégia existentes: o Country Strategy Paper - Brazil (2001 - 2006),

publicado em junho de 2002, e o Country Strategy Paper - Brazil (2007 - 2013),

publicado em maio de 2007.

O CSP (2001 - 2006) descreve o Brasil como um país em desenvolvimento

de dimensões continentais e com grande biodiversidade - ameaçada pelo

desflorestamento e pela degradação -, atuante nas negociações regionais e

internacionais, que possui certa estabilidade econômica, política e financeira e que

tem grande desigualdade de renda e nível de pobreza. Nesse sentido, o documento

aponta um paradoxo na cooperação com o país, pois

On the one hand co-operation with a middle-income country like Brazil, having a

relatively well-organized government apparatus and level of economic

development, should in principle not be based on the same criteria as

development co-operation with poorer countries. On the other hand, due to wide-

spread social problems, often related to poverty, EC co-operation is unavoidably

drawn towards social needs. This paradox implies that for a country like Brazil

EC co-operation could include both economic reform as well as social

development activities (European Comission, 2002, p. 26-27).

Dessa forma, é apresentado que o objetivo da cooperação da UE com o

Brasil é voltado para a assistência na implantação de reformas econômicas

estruturais, com o intuito de criar mais competitividade e gerar crescimento

econômico sustentável e igualitário, sem, entretanto, negligenciar as suas

necessidades sociais e ambientais. Para tal, a UE definiu três setores prioritários

para a cooperação: 1) reforma econômica, com orçamento de € 30 milhões (47%

da verba total); 2) desenvolvimento social, cujo financiamento foi orçado em € 15

milhões (23% da verba) e; 3) meio-ambiente, orçado em € 6 milhões (9% da

verba total)36

.

Já o CSP (2007 - 2013), publicado em maio de 2007, aponta um Brasil

mais estável politicamente e economicamente, cujos indicadores sociais

melhoraram, mas onde a desigualdade ainda se fazia presente, assim como a

fragilidade do seu rico meio ambiente, apesar de ser uma potência política

emergente tanto em âmbito regional como global. Nesse sentido, o CSP (2007 -

2013) destaca a Comunicação ‘A stronger partnership between the European

Union and Latin America’, adotada em dezembro de 2005, que

36

O orçamento apresentado no Country Strategy Paper 2001 - 2006, cobriu o período do ano 2000

a 2006. Entre 2000 e 2001, €13 milhões (ou 21% do orçamento) foram comprometidos com

projetos na áreas de reforma da administração pública e de desenvolvimento social.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1313538/CA
Page 85: Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues Poder normativo na ... · anterior bipolaridade e o momento unipolar seguinte passaram a ser gradualmente substituídos por uma crescente multipolaridade.

85

highlighted the growing influence of Brazil and stated that 1) Brazil warrants a

special treatment because of its important role in regional affairs and that 2) the

fact that the EU has only the bare bones of bilateral dialogue with Brazil with no

political dimension is no longer appropriate in view of Brazil’s rapid

development as a global economic and political player (European Commission,

2007, p. 7).

Assim, o CSP (2007 - 2013) representa, claramente, uma mudança na

forma como a UE concebe o Brasil, expondo o quanto a estratégia de cooperação

anterior não estava condizente com a nova compreensão do país sul-americano.

Para a União Europeia, essa nova percepção está ligada à existência de

uma política externa brasileira mais assertiva nos anos anteriores, com

comportamento ativo no âmbito multilateral "and positioning itself as a

representative of emerging countries and as a staunch defender of poorer

countries, particularly in Africa" (European Commission, 2007, p. 7). No âmbito

regional, a UE destacou o papel de líder regional do Brasil, além de ator-chave no

Mercosul.

Segundo Saraiva (2014), essa atuação assertiva do Brasil se refere à

alteração realizada pelo presidente Lula no Itamaraty, a partir de 2003, na ocasião

da sua eleição, ao mudar o grupo de maior influência na formulação da política

externa brasileira, dando a vez aos chamados autonomistas. Ao buscarem a

construção da liderança regional e a ascensão do Brasil à posição de potência, os

autonomistas defenderam o revisionismo da ordem internacional e, assim

"mostraram preocupações político-estratégicas no que se refere ao embate

Norte/Sul e sugeriram uma aproximação com países emergentes que teriam

características comuns com o Brasil" (Saraiva, 2014, p. 404)37

.

Curiosamente, pela primeira vez, em comparação com o CSP anterior, o

CSP (2007 - 2013) ressaltou que as visões do Brasil e da UE convergiam em

muitas das grandes questões mundiais, como a crença de que o desenvolvimento

37

Há extenso debate quanto à novidade das mudanças realizadas pelo presidente Lula no âmbito

da política externa brasileira em relação ao governo Fernando Henrique Cardoso e mandatos

anteriores, em que alguns estudiosos enfatizam mais e outros enfatizam menos essa inovação. Para

mais informações sobre a inserção internacional do Brasil, ver:

LIMA, Maria Regina Soares de. “Aspiração Internacional e Política Externa”. Revista Brasileira

de Comércio Exterior, n.82, ano XIX – janeiro/março de 2005.

PINHEIRO, Leticia. "Traídos pelo Desejo: um ensaio sobre a teoria e a prática da política externa

brasileira contemporânea", Contexto Internacional, vol.22, n.2, Julho/Dezembro 2000, pp.305-335

CERVO, Amado Luiz. “Política Exterior e Relações Internacionais do Brasil: enfoque

paradigmático” Revista Brasileira de Política Internacional, v. 46 (2), 2003, pp.5-25.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1313538/CA
Page 86: Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues Poder normativo na ... · anterior bipolaridade e o momento unipolar seguinte passaram a ser gradualmente substituídos por uma crescente multipolaridade.

86

sustentável pode ser melhor alcançado em um mundo multipolar e de que a

integração regional é a melhor forma de alcançar a paz e prosperidade, além de

questões voltadas para a luta contra a pobreza, a paz e a segurança, e mudanças

climáticas. Adicionalmente, também houve referência ao papel do Brasil como

"doador de ajuda ao desenvolvimento" para os países africanos de língua

portuguesa, para o Timor Leste e o Haiti.

Sendo assim, o CSP (2007 - 2013) identificou duas grandes áreas de

cooperação entre a UE e o Brasil: 1) o reforço das relações bilaterais, que

envolveu o desenvolvimento de diálogos setoriais em áreas que contribuíssem

para o alcance da inclusão social e igualdade, o incentivo de intercâmbios

acadêmicos e o estabelecimento do European Studies Institute, com orçamento de

€ 42,7 milhões (70% da verba), e; 2) a promoção da dimensão ambiental do

desenvolvimento sustentável, com apoio a iniciativas para o controle do

desmatamento na região amazônica e em outras, assim como o gerenciamento de

recursos de forma sustentável, com orçamento de € 18,3 milhões (30% da verba).

A UE ainda publicou, em 2010, um relatório acerca do andamento da

cooperação iniciada com o CSP (2007 - 2013), o Mid Term Review. O documento

reforça o contexto brasileiro apresentado no CSP (2007 - 2013) de um país cuja

democracia é estável, e que possui uma política externa assertiva - atuando

ativamente em fóruns multilaterais e se posicionando como representante dos

países emergentes, tanto como defensor dos países mais pobres, quanto como

líder regional. O Mid Term Review ainda destacou o desempenho econômico do

Brasil, que se recuperava rapidamente dos efeitos da crise econômica

internacional, iniciada em 2008, e cujos indicadores sociais assinalavam redução

da pobreza e melhor distribuição de renda.

No que se refere à coordenação entre doadores e à agenda da eficácia da

ajuda, o CSP (2001 - 2006) não mencionou o assunto (a agenda recebeu ímpeto

com a Declaração de Paris, em 2005). O CSP (2007 - 2013) apenas se referiu ao

o fato de que não havia mecanismos formais de coordenação dos doadores (sob a

hipótese de que a AOD possuía baixo impacto no PIB brasileiro) e que,

essencialmente, a Agência Brasileira de Cooperação (ABC) e o Ministério das

Relações Exteriores (MRE) coordenavam a cooperação técnica e os ministérios

das Finanças e de Planejamento, Orçamento e Gestão coordenavam a cooperação

financeira.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1313538/CA
Page 87: Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues Poder normativo na ... · anterior bipolaridade e o momento unipolar seguinte passaram a ser gradualmente substituídos por uma crescente multipolaridade.

87

O Mid Term Review, por outro lado, reservou uma seção para o tópico da

eficácia da ajuda. O documento distingue que a coordenação de doadores não era

uma prioridade do governo brasileiro e aponta que o estabelecimento e

implementação de uma agenda de eficácia da ajuda no Brasil, baseada nos

princípios da Declaração de Paris e da Agenda de Acra, são dificultados por

diversos motivos. O primeiro se baseia no fato do Brasil não ter endossado a

Declaração de Paris,

as the Government considers that it essentially reflects the positions of traditional

donors and does neither incorporate the particularities of South-South cooperation

nor the specific positioning of the new emerging donors. In consequence, Brazil

only endorsed the Accra Agenda for Action after ensuring the inclusion of a

specific point on South-South cooperation (19.a) that merely binds its actors "to

use the Paris Declaration principles as a point of reference in providing

development cooperation’. Besides, the country’s delegation to Accra clearly

stated in its final declaration that ‘the existence of different models of providing

cooperation does not mean that one set of practices is better or superior to the

other one". (European Commission, 2010, p. 10, grifos do autor).

Dessa forma, o documento destacou claramente o posicionamento

negativo do Brasil em relação à Declaração de Paris (adotada pela UE) e a

relutância do país em aderir à Agenda de Acra, ressaltando os diferentes modelos

de cooperação, motivo de grandes divergências entre o Brasil e a UE. Esse ponto

remete à discussão sobre o Brasil e o seu parecer em relação à agenda da eficácia

da ajuda abordado no primeiro capítulo do presente trabalho.

O segundo ponto inibidor da agenda da Eficácia da Ajuda apresentado

consiste na pouca importância da AOD para o Brasil, principalmente em relação

aos requisitos financeiros para os programas nacionais de desenvolvimento. Ou

seja, os recursos oferecidos são insuficientes em relação à dimensão do país. Esse

é um argumento também reiterado pelos entrevistados da Delegação da União

Europeia, como será exposto mais à frente no capítulo. Nesse sentido, os

programas de cooperação tendem a ser baseados em projetos individuais

financiados por um doador. Por último, procedimentos legais e administrativos

brasileiros requerem que os recursos de doadores externos sejam ‘internalizados’

em orçamentos nacionais, o que torna o processo complexo e lento.

Assim, a Comissão conclui que a agenda da eficácia da ajuda com o Brasil

deveria ajustar os princípios e diretrizes da Declaração de Paris e da Agenda de

Acra de acordo com as características específicas do país, e não segui-los de

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1313538/CA
Page 88: Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues Poder normativo na ... · anterior bipolaridade e o momento unipolar seguinte passaram a ser gradualmente substituídos por uma crescente multipolaridade.

88

forma estrita. O relatório, enfim, deduz que a agenda proposta no CSP (2007 -

2013) - referente a intervenções mais "leves", mas que poderiam ter um efeito

multiplicador - estava adequada para o Brasil e não enfrentaria as dificuldades

regulatórias e administrativas enfrentadas pelas iniciativas propostas pelo CSP

(2001 - 2006).

5.3 A parceria estratégica Brasil - UE e os seus resultados na cooperação internacional para o desenvolvimento

Em Comunicação ao Parlamento Europeu e ao Conselho, datada de 30 de

maio de 2007, a Comissão Europeia declarou que a relação entre a UE e o Brasil,

processada no âmbito do diálogo UE-Mercosul, não estava sendo adequadamente

explorada. Assim, a instituição comunicou que havia chegado "o momento de

olhar para o Brasil como um parceiro estratégico, um actor económico de primeiro

plano na América Latina e um líder regional" (Comunicação, 2007, p. 2), estando,

assim, em consonância com a necessidade de tratar o Brasil de forma diferenciada

apresentada pelo CSP (2007 - 2013). Como destacado pela Comunicação, a

parceria estratégica representaria uma transformação nas relações entre o Brasil e

a UE.

Apontando a partilha de valores e interesses, fundamentados no respeito ao

Estado de Direito e aos direitos humanos, além de preocupações voltadas para o

meio ambiente, a Comissão reconheceu o Brasil como líder natural na América do

Sul e ator-chave no Mercosul, sendo decisivo para o sucesso das negociações

entre a União Europeia e a organização sul-americana. A Comissão identificou,

então, dez áreas para uma cooperação mais estreita com o Brasil e, assim, a busca

de uma agenda comum: 1) Reforçar o multilateralismo; 2) Melhorar as normas em

matéria de direitos humanos, democracia e governança; 3) Alcançar os Objetivos

de Desenvolvimento do Milênio e promover o desenvolvimento regional e social;

4) Proteger o ambiente; 5) Reforçar a cooperação em matéria de energia; 6)

Reforçar a estabilidade e a prosperidade da América Latina; 7) Fazer avançar a

agenda do Mercosul; 8) Reforçar as relações comerciais e econômicas; 9) Justiça,

liberdade e segurança, e; 10) Aproximar os povos (Comissão Europeia, 2007).

No âmbito do presente trabalho, que trata da cooperação para o

desenvolvimento, faz-se relevante focar na área referente ao alcance dos ODM e

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1313538/CA
Page 89: Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues Poder normativo na ... · anterior bipolaridade e o momento unipolar seguinte passaram a ser gradualmente substituídos por uma crescente multipolaridade.

89

na promoção do desenvolvimento. Nesse quesito, a Comissão ressalta o papel

cada vez maior do Brasil na Cooperação Sul-Sul, especialmente na sua vizinhança

e na África lusófona. É importante lembrar que, tal qual o apresentado no capítulo

anterior, o European Development Fund – o EDF – é o mais antigo instrumento

da UE de financiamento da ajuda ao desenvolvimento, além de possuir maior

orçamento, sendo direcionado aos países ACP (África, Caribe e Pacífico) - grande

parte deles ex-colônias de países europeus.

O programa de cooperação do Brasil é assinalado pela Comissão como

de longo prazo, voltado para o desenvolvimento sustentável, e ainda é ressaltado

que o Brasil é conhecido pela ação no plano multilateral e pelo desenvolvimento

de modelos inovadores de cooperação, como a ‘Ação contra a Fome e a Pobreza’,

lançada em 2004, na ONU, por iniciativa do presidente Lula em conjunto com o

Chile, a França e a própria ONU. Nesse sentido, a Comissão se declara "pronta

para intensificar a cooperação com o Brasil no âmbito da ajuda ao

desenvolvimento, nomeadamente em relação à cooperação triangular com a

CPLP" (Comissão Europeia, 2007, p. 6).

Adicionalmente, a seção também menciona a importância do Brasil para a

própria região ao sugerir que o mesmo partilhe as suas experiências com outros

países da América Latina no que se refere às políticas de redução das

desigualdades regionais, da pobreza e do desemprego. A Comissão recomenda

que

Com base em diálogos UE-Brasil em questões sociais e de emprego e sobre

política regional, o Brasil poderia partilhar a sua experiência de apresentar

soluções inovadoras para os problemas da pobreza, da desigualdade e da exclusão

social a outros países da América Latina (Comissão Europeia, 2007, p. 7).

Dessa forma, a Comunicação da Comissão indica a participação da UE em

diálogos do Brasil com a sua região, evidenciando o interesse da UE em estreitar

relações com o gigante sul-americano no intuito de também alcançar a América

Latina em geral, e o Mercosul, em particular. O fato fica mais evidente ao se notar

outras duas áreas para cooperação, identificadas pela instituição europeia,

vinculadas à região: a "Reforçar a estabilidade e a prosperidade da América

Latina", em que o documento evidencia o papel essencial do Brasil na cooperação

UE-América Latina-Caribe, e a "Fazer avançar a agenda do Mercosul", em que a

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1313538/CA
Page 90: Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues Poder normativo na ... · anterior bipolaridade e o momento unipolar seguinte passaram a ser gradualmente substituídos por uma crescente multipolaridade.

90

Comissão destaca o grande peso do Brasil no bloco sul-americano e o quanto o

diálogo mais estreito com a UE pode ajudar na conclusão de um Acordo de

Associação UE-Mercosul.

Assim, a Comunicação claramente reconhece a atividade brasileira no

âmbito da Cooperação Sul-Sul, enfatizando o então crescente papel do Brasil na

África (especialmente a lusófona) e na vizinhança sul-americana. Desse modo,

também é notória a intenção da UE em estabelecer parcerias com o Brasil,

notadamente no âmbito da cooperação triangular.

A parceria estratégica foi então estabelecida na ocasião da primeira Cúpula

Brasil-UE, ocorrida em Bruxelas, em 4 de julho de 2007. Desde então, as Cúpulas

tem resultado em Declarações Conjuntas que expressam o acordado entre as

partes no encontro. É comum a todas as Declarações, dentre outros, a exaltação de

que ambas as partes compartilham valores e princípios fundamentais, como a

democracia, o Estado de Direito e a promoção dos direitos humanos. Ambos

concordam que a erradicação da pobreza é um dos maiores desafios do século e

que é importante trabalhar para a promoção e implementação dos ODM. Ainda,

concordam que a melhor forma de lidar com os problemas globais é através do

multilateralismo efetivo, centrado no sistema ONU.

No que se refere ao progresso na agenda da parceria estratégica, o quadro

2 resume as iniciativas do Brasil e da UE no campo da cooperação para o

desenvolvimento contidos nas Declarações Conjuntas das cúpulas já ocorridas:

Quadro 2

As Declarações Conjuntas e as iniciativas em matéria de cooperação internacional

para o desenvolvimento38

Cúpula

Principais iniciativas em cooperação internacional para o desenvolvimento

1ª Cúpula

(4 de julho

de 2007)

- saúdam iniciativas do Brasil e de Estados Membros de implementar fontes

inovadoras de financiamento;

- realçam o interesse em intensificar a cooperação no campo da assistência ao

desenvolvimento;

- exaltam a importância de construir uma parceria global para o desenvolvimento.

2ª Cúpula

(22 de

dezembro de

2008)

- decidem cooperar para levar o desenvolvimento sustentável, em setores como

saúde, energia, agricultura e educação, a países em desenvolvimento.

38

Não houve Reunião de Cúpula no ano de 2012.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1313538/CA
Page 91: Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues Poder normativo na ... · anterior bipolaridade e o momento unipolar seguinte passaram a ser gradualmente substituídos por uma crescente multipolaridade.

91

3ª Cúpula

(06 de

outubro de

2009)

- reiteraram o compromisso com a cooperação triangular com países interessados

nos setores de saúde, energia, agricultura, educação, e outros;

- saudaram progressos na identificação de princípios comuns, incluindo aqueles

da Agenda de Acra;

- salientaram o compromisso de trabalhar juntos no desenvolvimento sustentável

de bioenergia na África (com foco nos biocombustíveis e na bioeletricidade) e a

elaboração de estudos para analisar o potencial de produção de bioenergia, assim

como o seu impacto na redução da pobreza.

4ª Cúpula

(14 de julho

de 2010)

- saudaram a adoção de um Joint Work Programme, que estabeleceu as bases

sobre as quais a UE e o Brasil cooperariam com terceiros;

- saudaram os resultados do Primeiro Encontro Trilateral, ocorrido em fevereiro

de 2010;

- saudaram o anúncio do lançamento da cooperação focada no desenvolvimento

sustentável com países africanos interessados;

- saudaram a Parceria para o Desenvolvimento Sustentável de Bioenergia

acordada com Moçambique.

5ª Cúpula

(4 de

outubro de

2011)

- expressaram intenção de fortalecer a coordenação em cooperação internacional e

na eficácia da ajuda e enfatizaram a importância do Development Cooperation

Fórum (da ECOSOC) e do Fórum de Alto Nível sobre a Eficácia da Ajuda (que

ocorreria em dezembro, em Busan, na Coréia do Sul);

- decidiram procurar possibilidades de cooperação no processo de reconstrução e

estabilização da Líbia;

- expressaram a disposição em fornecer assistência técnica e capacitação a

terceiros no suporte à implementação do mecanismo Universal Periodic Review.

6ª Cúpula

(24 de

janeiro de

2013)

- expressaram intenção de fortalecer a coordenação em cooperação internacional e

a eficácia da ajuda;

- enfatizaram a importância do Development Cooperation Fórum (da ECOSOC) e

do Fórum de Alto Nível sobre a Eficácia da Ajuda ocorrido em Busan, em 2011;

- saudaram a assinatura da Carta de Brasília pelo Tribunal Superior Eleitoral

(TSE) e a Comissão Europeia, que estabeleceu ações futuras de cooperação

trilateral voltadas para o apoio em processos eleitorais nos países PALOP e no

Timor Leste.

7ª Cúpula

(24 de

fevereiro de

2014)

- expressaram a intenção de trabalharem em conjunto para o aumento da eficácia

da cooperação internacional para o desenvolvimento;

- concordam que o quadro pós-2015 deve ter como cerne a erradicação da pobreza

e o desenvolvimento sustentável, assim como deve ser fundamentado em uma

abordagem de direitos humanos;

- expressaram suporte ao modelo de Cooperação Sul-Sul do Brasil;

- reconheceram as realizações das iniciativas de cooperação trilateral entre as

partes.

Fonte: Declarações Conjuntas das Cúpulas Brasil - UE. Elaboração própria.

As Declarações de 2008 e de 2011 foram acompanhadas, respectivamente,

pelo Plano de Ação Conjunta 2009 - 2011 e pelo Plano de Ação Conjunta 2012 -

2014, que contaram com ações concretas a serem realizadas no âmbito da parceria

estratégica. No primeiro, ao enfatizarem a importância do alcance dos ODM na

redução de disparidades sociais e econômicas e na garantia da paz internacional e

do bem-estar econômico, "[..] the EU and Brazil attach high importance to the role

of triangular cooperation that should be one of the major areas for the Strategic

Partnership" (Council of the European Union, 2008, p. 8). Nesse sentido, destaca-

se o desenvolvimento da cooperação triangular como forma de ajudar no alcance

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1313538/CA
Page 92: Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues Poder normativo na ... · anterior bipolaridade e o momento unipolar seguinte passaram a ser gradualmente substituídos por uma crescente multipolaridade.

92

dos ODM. Assim, o documento envolve iniciativas de cooperação triangular com

países emergentes, especialmente os países da CPLP, no setor da agricultura; da

saúde (voltada para a produção de medicamentos genéricos); dos direitos

humanos; da construção da paz e de assistência pós-conflito; da capacitação na

área da prevenção e do controle das drogas ilícitas e do crime à elas relacionado.

Ainda, ambos concordam em intensificar intercâmbios na Cooperação Sul-Sul

baseados no modelo brasileiro de estratégia para saúde, em renovações de favelas

e no acesso a sistemas equitativos de proteção social básica.

O segundo Plano, que cobriu os anos de 2012, 2013 e 2014, além de

reforçar a importância da cooperação triangular como uma das maiores áreas para

a Parceria Estratégica, também salientou iniciativas nas esferas de agricultura,

saúde, direitos humanos e estabilização pós-conflito. Entretanto, o documento

inovou ao incluir campos como processos eleitorais, desenvolvimento sustentável,

educação e bioenergia, além de expressar o intento de fortalecer da coordenação

da cooperação internacional para o desenvolvimento e da eficácia da ajuda,

destacando a importância do Development Cooperation Forum do Conselho

Econômico e Social das Nações Unidas (ECOSOC) e do IV Fórum de Alto Nível

sobre a Eficácia da Ajuda, realizado em Busan, na Coréia do Sul.

Diante do exposto até o momento, a União Europeia tem reconhecido a

importância do Brasil como ator econômico, além do seu papel como líder

regional e de ator importante na Cooperação Sul-Sul, tomando, assim, a iniciativa

de promover uma plataforma política diferenciada para o diálogo com o país, a da

parceria estratégica. Além disso, a UE também demonstrou disposição em

estreitar laços de cooperação com o Brasil, por meio, por exemplo, de iniciativas

de cooperação triangular, como é possível notar nas declarações conjuntas das

cúpulas, no Quadro 2. Essas iniciativas remetem aos interesses do Norte em

encontrar pontos de engajamento com potências emergentes com o intuito de

influenciar a formulação de normas e práticas da CSS e manter ou aumentar a

influência no campo da cooperação para o desenvolvimento. Abdenur e Fonseca

(2013) distinguiram três formas do Norte buscar esse objetivo: o apoio à CSS no

âmbito multilateral, as iniciativas de cooperação triangular e a construção de

conhecimento sobre a CSS. O apoio da UE ao Building Block de Cooperação Sul-

Sul e Triangular no Fórum de Busan é um exemplo disso. Ademais, o

estabelecimento da parceria estratégica com o Brasil e as iniciativas de

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1313538/CA
Page 93: Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues Poder normativo na ... · anterior bipolaridade e o momento unipolar seguinte passaram a ser gradualmente substituídos por uma crescente multipolaridade.

93

cooperação triangular também são indícios da tentativa de influenciar práticas e

normas da CSS.

5.3.1 Resultados na cooperação triangular

Nota-se, entretanto, que, apesar do âmbito prático dos Planos de Ação, é

possível afirmar que as suas iniciativas têm tido poucos efeitos, como mostra o

progresso contido nas Declarações Conjuntas. Em geral, constata-se que as

reuniões de Cúpula têm se convertido em poucos resultados concretos na área de

cooperação para o desenvolvimento. O âmbito da cooperação trilateral, apontado

como uma das áreas mais importantes da parceria estratégica, vinha trazendo

alguns resultados, como a constituição da Parceria para o Desenvolvimento

Sustentável de Bioenergia acordada com Moçambique e a assinatura da Carta de

Brasília pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e a Comissão Europeia. Porém, a

Declaração de Cúpula ocorrida em 2014 demonstra redução drástica dessa agenda,

sem nenhuma nova iniciativa nesse sentido.

Quando questionado sobre o assunto, em entrevista, o representante da

Seção "Política, Economia e Imprensa" da delegação da União Europeia no Brasil

(também referido nesse trabalho como “entrevistado A” da Delegação), afirmou

que

Regarding the triangular cooperation that you mentioned, that indeed has been

really one of these things that we would like to do together. I think, some years

ago, both Brazil and the EU were quite keen on doing something together, either

in one of the PALOP countries, you know, the Portuguese speaking countries in

Africa or, for example, to do something in Haiti, where both have quite a big

presence, of course Brazil has a big peacekeeping mission there and everything

else. So, I think the intention and the will is still there, I think it's, though,

diminishing a bit from the Brazilian side the, kind of, will to do something

together. I don't really understand or have the fully understanding of why that is

the case, and I what I can say is that, from the EU side, I think the political will is

still to do... this is very much there, but the biggest problem from our side is [...]

the how to do it, because we have always very funny and strict rules when it

comes to using our cooperation funds, and that I think, so far, has been the

biggest obstacle for us to actually do it together with Brazil. Because the

problem...let's take an example there: we do something together with Brazil

in Angola, and Brazil doesn't have the funds to actually put in place in

Angola, we would then have to assume Brazil's part of that somehow, and

then that cooperation money would actually have to come from Brazil's,

basically, portfolio, and not Angola's. […] So you know, Brazil has not been

actually... not been very keen on spending the cooperation money we have

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1313538/CA
Page 94: Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues Poder normativo na ... · anterior bipolaridade e o momento unipolar seguinte passaram a ser gradualmente substituídos por uma crescente multipolaridade.

94

available for Brazil in another country doing the triangular cooperation. [...]

That's now been the kind of biggest obstacle, by this hasn't really happened

before because Brazil doesn't have the funds to actually put in place. They

would very much like to use their expertise, for example, on human rights

or, you know, agriculture or something like that, but then, we use experts

from Brazil but then to be paid for by the EU funding, basically (informação

verbal)39

.

Nesse sentido, o entrevistado ressalta a existência de questões tanto

operacionais como políticas. Do ponto de vista operacional, destacam-se a falta de

recursos brasileiros e as regras estritas da UE ligadas ao orçamento, que podem

estar ligadas às limitações dos gastos impostas pelas regras da AOD. Do ponto de

vista político, ressalta-se a redução do interesse na cooperação, principalmente

vinda do Brasil, visto que o país não se encontra disposto a redirecionar os

recursos recebidos da UE para a cooperação triangular. Essa diminuição no

interesse brasileiro pode estar voltada para a falta de entusiasmo do país em

relação à agenda da eficácia da ajuda, vista como dominada pelos interesses do

Norte. O discurso do representante apresenta um tom crítico em relação ao

comportamento brasileiro, responsabilizando mais o Brasil, ao fim do trecho

citado, pela redução da agenda da cooperação trilateral.

Sobre o mesmo assunto, outro representante da Delegação da União

Europeia no Brasil, da Seção de "Desenvolvimento e Cooperação" (também

referido nesse trabalho como “entrevistado B” da Delegação), abordado em

entrevista, apresenta-se mais ponderado. Quando questionado sobre a redução da

agenda da cooperação triangular na Declaração Conjunta da VII Cúpula Brasil-

UE (ocorrida em fevereiro de 2014), o entrevistado afirmou:

A redução, não, não estou bem de acordo, eu acho que ela não conseguiu se

concretizar, acho que tem a intenção política, que daí transparece nas

declarações e a realidade no terreno que, no fundo, não conseguiu passar da

ideia, da intenção, aos atos (informação verbal)40

.

Para ele, para que a cooperação triangular ocorra, é necessária a intenção

política (que o entrevistado afirmou existir); vontade e interesse da parte

beneficiária, ou seja, da terceira parte e, por fim; igualdade de condições entre os

39 Entrevista concedida pelo Entrevistado A. [nov. 2014]. Entrevistador: Eth Ludmilla de Gois

Vieira Nunes Rodrigues. 40

Entrevista concedida pelo Entrevistado B. [nov. 2014]. Entrevistador: Eth Ludmilla de Gois

Vieira Nunes Rodrigues.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1313538/CA
Page 95: Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues Poder normativo na ... · anterior bipolaridade e o momento unipolar seguinte passaram a ser gradualmente substituídos por uma crescente multipolaridade.

95

cooperantes - nesse âmbito, faltam recursos à ABC para isso. Dessa forma, o

entrevistado também destaca o fato do Brasil não direcionar recursos para a

cooperação triangular como um grande empecilho para que ela aconteça. Por

outro lado, o entrevistado B, assim como o entrevistado A, menciona as

dificuldades advindas das regras restritas da União Europeia ao alegar que "eles [a

UE] não têm muito interesse em acolher um esquema que necessariamente vai

requerer mais recursos, mais trabalho, vai dificultar a implementação da

cooperação" (informação verbal)41

.

Do lado brasileiro, o entrevistado do Ministério das Relações Exteriores

responsabilizou essencialmente a falta de recursos e de mecanismos operacionais

da UE para a concretização da cooperação trilateral:

No momento, com a União Europeia mesmo, com o organismo União Europeia, a

gente tem dificuldades...os europeus têm dificuldades do ponto de vista

organizacional para desenvolver essa parceria, essa cooperação trilateral.

Eles não têm mecanismos para fazer isso, mas o Brasil faz sim com países

membros da União Europeia, faz muita cooperação trilateral com os países

membros da União Europeia. [...] faltam os elementos do lado europeu, o lado

brasileiro dispõe dos elementos, sabe fazer cooperação trilateral, mas o lado

europeu tem limitações contábeis para fazer essa cooperação. Nós estamos

insistindo com o lado europeu, nós, o governo brasileiro, para que a gente possa

superar as dificuldades e possa estabelecer projetos trilaterais. Nós temos com

países específicos da União Europeia...temos projetos trilaterais com a França,

com a Alemanha, com a Itália... e gostaríamos de ter com a União Europeia como

um todo, e eles também gostariam de ter, a questão é conseguir superar essas

dificuldades de organização, essas dificuldades contábeis, que, na verdade, para

te explicar muito rapidamente o que acontece, de acordo com as regras vigentes

para a cooperação europeia nesse momento, qualquer dinheiro que eles

destinassem para o pagamento de cooperação com o Brasil e um terceiro

país seria considerado um dinheiro enviado para a cooperação com o Brasil,

e isso não é o caso. A gente não compreende que seja cooperação com o

Brasil, na verdade estamos cooperando com um terceiro país, o Brasil com o

expertise e, no caso, se fosse a União Europeia, com os recursos, mas a gente

ainda não conseguiu superar essa dificuldade (informação verbal)42

.

Às limitações à evolução da cooperação trilateral mencionadas nas

entrevistas, adicionam-se aquelas apontadas por Cabral (2014), que discute a falta

de progresso na agenda da cooperação trilateral como resultado de

41 Entrevista concedida pelo Entrevistado B. [nov. 2014]. Entrevistador: Eth Ludmilla de Gois

Vieira Nunes Rodrigues. 42 Entrevista concedida pelo Entrevistado do MRE. [nov. 2014]. Entrevistador: Eth Ludmilla de

Gois Vieira Nunes Rodrigues.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1313538/CA
Page 96: Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues Poder normativo na ... · anterior bipolaridade e o momento unipolar seguinte passaram a ser gradualmente substituídos por uma crescente multipolaridade.

96

"constrangimentos operacionais", no nível prático, e de um "compromisso

ambíguo", no nível diplomático.

Em referência ao nível operacional da cooperação, Cabral (2014) distingue

a capacidade operacional limitada da ABC, particularmente por não possuir

representação fora do país. No lado da UE, a autora assinala que as Delegações

(em Brasília ou em terceiros países) não receberam orientação concreta de como

interagir com o Brasil em relação à cooperação trilateral. Ainda, a autora cita a

rigidez do sistema da UE, que torna difícil conciliar com a política brasileira de

cooperação guiada por demandas e a não interferência. De acordo com o exemplo

apresentado, quando do início da discussão sobre as áreas para a cooperação,

representantes brasileiros reportaram a necessidade delas corresponderem àquelas

estabelecidas no Country Strategy Paper elaborado pela Comissão Europeia, além

do terceiro país ter envolvimento limitado.

Quanto ao nível diplomático, Cabral (2014) aponta que, por parte da UE,

há ceticismo em relação ao Brasil como ator no desenvolvimento internacional,

assim como se o seu modelo de cooperação - a alternativa do Sul - realmente

oferece uma opção às práticas de cooperação tradicionais. Esse argumento

contrasta diretamente com aquele contido nas Declarações de Cúpula

apresentadas, em que ambos expressam apoio ao modelo de Cooperação Sul-Sul

do Brasil. No lado brasileiro, a autora aponta o ceticismo do Brasil em relação ao

interesse da UE com a cooperação trilateral, além de que "this modality does not

easily fit with the importance of bilateral cooperation as an instrument of Brazil’s

foreign policy or its emphasis on South-South discourse and affinities" (Cabral,

2014, p. 6). Adicionalmente, em relação a esse tipo de cooperação, o governo

Dilma tem dado primazia àquela realizada em conjunto com os parceiros BRICS,

cuja cúpula ocorrida em 2013 enfatizou o desenvolvimento de cooperação e de

infraestrutura na África (Saraiva, 2014).

Dessa forma, a coordenação entre o Brasil e a UE enfrenta o desafio de

articular as distintas abordagens para a cooperação para o desenvolvimento,

sintetizadas com clareza por Saraiva (2014, p. 416) ao afirmar que

[...] a cooperação triangular é uma área aonde existe convergência de princípios e

diferenças nas estratégias. A cooperação ao desenvolvimento implementada pela

UE e seus países membros inscreve-se nos marcos da Organização de

Cooperação e Desenvolvimento Econômico, enquanto a política brasileira de

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1313538/CA
Page 97: Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues Poder normativo na ... · anterior bipolaridade e o momento unipolar seguinte passaram a ser gradualmente substituídos por uma crescente multipolaridade.

97

cooperação apresenta-se como alternativa, e atendendo ao que a diplomacia

brasileira denomina de cooperação sul-sul, isenta formalmente de

condicionalidades. O governo brasileiro vem mantendo distância do modelo de

cooperação norte-sul, e parte dos formuladores de política externa suspeita da

eficácia deste tipo de iniciativa triangular. Como agravante, a crise europeia vem

limitando a disponibilidade de recursos para esta área.

Assim, como esclarecido por Ayllón Pino (2013a), a maior parte dos

países latino-americanos vê a cooperação triangular como instrumento de apoio à

CSS, sendo a CTR originada a partir da interação entre países em

desenvolvimento à qual o terceiro elemento - país doador ou organização

internacional - se junta em momento posterior. Assim, predomina na CTR a lógica

horizontal, de respeito à soberania, de não condicionalidade, enfim, das

características vinculadas à CSS. Para países emergentes, a CTR se torna um

instrumento para multiplicar a CSS, mas com o apoio financeiro e técnico de

países doadores e organizações internacionais.

Nesse sentido, o Brasil, apesar de aberto para o estabelecimento de

cooperação trilateral, o faz de forma cautelosa, de modo a não se situar (nem

situar países ‘receptores’) como subordinado ao "doador tradicional" e, assim,

restabelecer relações hierárquicas (McEwan; Mawdsley, 2012). Desse modo,

líderes brasileiros possuem uma abordagem seletiva para a CTR, tendo cuidado

para que ela não modifique as prioridades do governo brasileiro e, assim, replique

a tradicional relação Norte-Sul (ibidem).

De fato, segundo a ABC (2014), a CTR deve se alinhar aos princípios da

CSS, o que significa: a) a ausência de condicionalidades; b) a atuação a partir de

demandas; c) ter como finalidade o fortalecimento das capacidades institucionais

e humanas dos países parceiros; d) a promoção da participação efetiva dos países

parceiros em todo o ciclo de vida dos programas e dos projetos; e, e) a

implementação técnica que parte do envolvimento das instituições e de

especialistas brasileiros em todas as fases dos programas ou projetos, sendo a

contratação de consultores locais ou internacionais complementar e feita de

acordo com a necessidade. Fortalece-se assim o argumento de que a cooperação

trilateral, do ponto de vista do governo brasileiro, não é tida como uma variação

da modalidade Norte-Sul. Pelo contrário, a CTR é tida como um instrumento da

cooperação horizontal, em que "a contribuição da agência bilateral de cooperação

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1313538/CA
Page 98: Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues Poder normativo na ... · anterior bipolaridade e o momento unipolar seguinte passaram a ser gradualmente substituídos por uma crescente multipolaridade.

98

e/ou do organismo internacional envolvido em uma ação trilateral dá-se por meio

de recursos técnicos, físicos ou financeiros" (ABC, 2014, p. 17).

5.3.2 Resultados na cooperação multilateral

No plano multilateral das relações entre o Brasil e a UE em cooperação

para o desenvolvimento, a situação é semelhante àquela do âmbito trilateral. O

Plano de Ação Conjunta 2012 - 2014, como já mencionado, indicou diversas áreas

de convergência entre o Brasil e UE, dentre eles, o compromisso mútuo de

reforma do sistema multilateral, o fortalecimento da cooperação voltada para a

sustentabilidade ambiental e às mudanças climáticas e a coordenação da parceria

para a eficácia da ajuda pós-Busan. Entretanto, apesar da consonância, mais uma

vez, a coordenação enfrentou problemas: em relação à cooperação voltada para a

parceria global para a eficácia da ajuda, Cabral (2014) enfatiza o fato do Brasil se

manter um membro relutante do clube pós-Busan, além de exaltar a distinção, e

não a convergência, da relação Sul-Sul em consideração à Norte-Sul.

Ou seja, na realidade, essa convergência destacada no Plano de Ação

Conjunta (2012 - 2014), assim como a implementação da cooperação, passa pelos

empecilhos colocados pelas diferentes abordagens de cooperação. Por outro lado,

a parceria estratégica trouxe a oportunidade do Brasil e da União Europeia se

engajarem em âmbito internacional, como destacado por Cabral (2014, p. 1),

The new framing has expanded relations beyond the bilateral dimension of the

European Commission's Country Strategy Papers, highlighting the potential for

collaboration in multilateral and global fora. It opened the door for jointly

addressing international development issues, such as global poverty, social

inclusion and development cooperation. [...] multilaterally the scope for

engagement is limited given that much of the debate is infused by a discourse

that, by juxtaposing ‘North’ versus ‘South’ and ‘traditional’ versus ‘emerging’

players, places Brazil and the EU on opposing sides (Cabral, 2014, p. 1).

Assim, em referência aos objetivos da cooperação, o Brasil e a UE

convergem, já que ambos defendem valores vinculados à democracia, aos direitos

humanos e à promoção dos ODM. No entanto, em relação aos princípios, ambos

diferem, pois por defender a não interferência, o Brasil exalta a não

condicionalidade. Segundo Sarah-Lea de Sousa (2010, p. 2), "This position is also

reflected in its criticism of the Paris Declaration and the Accra Agenda. Brazil has

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1313538/CA
Page 99: Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues Poder normativo na ... · anterior bipolaridade e o momento unipolar seguinte passaram a ser gradualmente substituídos por uma crescente multipolaridade.

99

signed the Paris Declaration – but claims to have signed as a recipient country

only". Em relação à Accra, o Brasil foi relutante, pois considerou a agenda voltada

para os doadores do ‘Norte’, que, ao final, incluiu parágrafos relativos à

cooperação Sul-Sul (Sousa, 2010). Já a delegação brasileira em Busan foi mais

receptiva em relação aos esforços conciliatórios dos países tradicionais (Cabral;

Russo; Weinstock, 2014).

Em referência a essa dificuldade do Brasil e da UE de entrarem em acordo

no plano multilateral, o entrevistado do MRE (da Divisão da Europa) alegou que

no plano multilateral, nas discussões multilaterais sobre a cooperação para o

desenvolvimento, sim, nós temos pontos de vista diferentes e nós temos que ir

aproximando ao longo do tempo, particularmente eu acho que, pouco a pouco, a

tendência é que os países desenvolvidos se aproximem da nossa percepção de

cooperação e acho que a cooperação, no futuro, será mais parecida com a

Cooperação Sul-Sul do que com a cooperação prestada pelos países

desenvolvidos hoje em dia, mas isso é uma opinião (informação verbal)43

.

Desse modo, ele demonstra a firmeza do posicionamento brasileiro e,

apesar das discordâncias, o seu argumento reflete que os países do Norte cederão

cada vez mais à forma de cooperação para o desenvolvimento desempenhada por

países emergentes.

No que tange à Agenda Pós-2015, que visa substituir os Objetivos de

Desenvolvimento do Milênio, vigentes até 2015, o Brasil se encontra no centro de

uma polêmica que coloca boa parte dos países em desenvolvimento de um lado e

da Europa Ocidental, Estados Unidos, Japão e Austrália de outro: o 16º objetivo

do desenvolvimento sustentável, proposto pelo grupo de trabalho que havia sido

estabelecido na Conferência Rio +20, é referente à governança, justiça e paz. Tal

objetivo, o de "Promote peaceful and inclusive societies for sustainable

development, provide access to justice for all and build effective, accountable and

inclusive institutions at all levels" (Open Working Group..., p. 5, 2014) possui

metas como a redução da violência, da corrupção, o desenvolvimento de

instituições responsivas e transparentes, o fortalecimento da participação dos

países em desenvolvimento em estruturas de governança globais, a proteção das

liberdades fundamentais e acesso público à informação, elaboração de leis e

43 Entrevista concedida pelo Entrevistado do MRE. [nov. 2014]. Entrevistador: Eth Ludmilla de

Gois Vieira Nunes Rodrigues.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1313538/CA
Page 100: Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues Poder normativo na ... · anterior bipolaridade e o momento unipolar seguinte passaram a ser gradualmente substituídos por uma crescente multipolaridade.

100

políticas voltadas para o desenvolvimento sustentável, entre outras (Schreiber,

2014).

Em nota à BBC Brasil sobre a questão, o Itamaraty afirmou que "objetivos

independentes sobre governança poderiam tirar o foco dos esforços centrais que

os ODS devem promover - em particular, a erradicação da pobreza" (Schreiber,

2014). Outro argumento utilizado é o de que o acordo feito considerava que a base

para os objetivos do desenvolvimento sustentável seria o documento final da

Rio+20, cujo aspecto de governança não é previsto como um objetivo. Em

concordância com o exposto, em publicação intitulada ‘Negociações da Agenda

de Desenvolvimento Pós-2015: Elementos Orientadores da Posição Brasileira’, o

governo brasileiro afirma que

O Brasil considera que os temas contemplados nos ODS e na Agenda Pós-2015

devem estar alinhados às prioridades identificadas no documento final da Rio+20,

com vistas à erradicação da pobreza e à promoção da abordagem equilibrada e

integrada entre as dimensões econômica, social e ambiental do desenvolvimento

sustentável. Em termos práticos, o Brasil não considera apropriada a inclusão, no

contexto dos ODS, de temas que não tenham sido objeto de devida discussão e

consenso na Rio+20, que representa o mais recente acordo político de alto nível

sobre desenvolvimento sustentável. A inclusão de temas alheios ao arcabouço da

Rio+20, como questões relativas à segurança doméstica e internacional,

implicaria a diluição dos esforços internacionais e do mandato efetivamente

acordado para os ODS e a Agenda Pós-2015, no sentido de erradicar a pobreza e

promover o desenvolvimento sustentável (Brasil, 2014, p. 7)

Sobre essa questão, Eduarda Hamann, do Instituto Igarapé, analisa que o

Brasil procura: a) fortalecer o documento da Rio+20, um "filho" do Brasil; b)

edificar os temas em que tem maior probabilidade de poder de influência, e, na

segurança, o Brasil não é referência; c) evitar que o objetivo máximo de redução

da pobreza se condicione a questões de segurança, e; d) impossibilitar que

questões delicadas do âmbito interno, como os índices altos de violência do

Brasil, sejam alvo de intervenções externas (Schreiber, 2014).

Mais um tópico de divergência entre o Brasil e a União Europeia é o

relacionado à mudança climática e ao suporte e à crença do Brasil de que "o

Princípio 7 da Declaração do Rio (1992), relativo às 'responsabilidades comuns,

mas diferenciadas', situa-se na base do acordo para elaborar ODS de natureza

universal" (Brasil, 2014, p. 8). Entretanto, Cabral (2014), destacou que um

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1313538/CA
Page 101: Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues Poder normativo na ... · anterior bipolaridade e o momento unipolar seguinte passaram a ser gradualmente substituídos por uma crescente multipolaridade.

101

representante da UE, em discurso no encontro do Open Working Group on

Sustainable Development Goals, afirmou que:

‘[t]he EU recognises the principle of common but differentiated responsibilities

and respective capabilities. However, it stresses that responsibilities and

capabilities are differentiated but evolve over time and that the agreement should

reflect those evolving realities by including a spectrum of commitments in a

dynamic way’.

Dessa forma, o representante da UE expressou que o organismo não apoia

o proposto pelo Brasil. O resultado apresentado no âmbito da parceria estratégica

do Brasil com a UE parece não se restringir apenas ao campo da cooperação

internacional para o desenvolvimento, mas se expande à parceria estratégica como

um todo. Em entrevista, o entrevistado A da Delegação da UE no Brasil

proclamou que

[..] specially with the last 4 years, when it comes to Brazil and the EU

relationship, I think, formally, there's not really any problems, I would say, but

also if you look at concretely what has happened the last 4 years in

particular, there has also not been any real movement forward, it's kind of

been stagnating, or even going backwards to a certain extent. I think we have

still maintained the annual summits, and the presidents have always been meeting

regularly every year, and the kind of dialogues are working as they should, but if

you look at the bigger picture, really, you know, have we been moving forward,

really, to work as partners, I think, we have not (informação verbal)44

.

Sobre os motivos para a estagnação da parceria estratégica, o entrevistado

A respondeu:

I think there are many reasons for that. [...] from the EU side we have been

mostly focused now, and concerned with, internal [...] in the EU in the last

five-six years because of the economic financial crisis, that, of course has

taken a bit of the attention away from also the foreign policy issues, clearly. And also now, in the last three-four years, we have also been quite preoccupied in

the foreign policy side with neighbors [ ], basically Middle East, Northern

Africa, the Arab spring developments, and of course now recently with the

Russia-Ukraine, clearly our main focus is on it as well, and also it will be in the

years to come. Of course on the Brazilian side it's a bit different, because, ok, you

also have the global situation affecting your economy, but here I think that

Dilma's focus in particular be much on working with BRICS and having the

South-South Cooperation and particularly also focusing in the South

American region as a whole, that being her, or her advisors', main foreign

44 Entrevista concedida pelo Entrevistado A. [nov. 2014]. Entrevistador: Eth Ludmilla de Gois

Vieira Nunes Rodrigues.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1313538/CA
Page 102: Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues Poder normativo na ... · anterior bipolaridade e o momento unipolar seguinte passaram a ser gradualmente substituídos por uma crescente multipolaridade.

102

policy goal to really consolidate the Brazilian position in the region. So, you

know, I think those are all the issues that has been affecting the overall

relationship and why they have not really been able to move forward with

concrete issues (informação verbal)45

.

Nota-se que o entrevistado se referiu, especificamente, ao arrefecimento

das relações Brasil-UE desde o governo Dilma Rousseff, que tem sido criticado

pela retração da política externa brasileira nos quesitos da reforma do Conselho de

Segurança da ONU e do FMI e até no âmbito do IBAS e do BRICS (Edler;

Lazarou, 2014). De acordo com Saraiva (2014), o governo Dilma promoveu uma

política externa menos assertiva, mas manteve as estratégias de Lula de

revisionismo em relação às instituições internacionais, de liderança regional e de

atuação como representante dos países do Sul Global. Apesar das críticas, a

cooperação no âmbito do BRICS tomou um crescente impulso na ocasião da VI

Cúpula BRICS, ocorrida no Brasil, em junho de 2014, que resultou na criação do

Novo Banco de Desenvolvimento (NBD) e do Arranjo Contingente de Reservas

(CRA), que pode trazer impactos significativos no desenvolvimento internacional,

principalmente quando se leva em consideração a redução dos recursos europeus

resultante da crise financeira.

5.4 Perspectivas futuras

A cooperação triangular, apesar de ter alcançado poucos resultados até o

momento e a despeito das dificuldades na sua realizaçãoapresentadas pelos

entrevistados, deve continuar na agenda da cooperação Brasil-UE. Como afirmado

pelo entrevistado do MRE,

[...] continua a ser uma prioridade, no novo Plano de Ação Conjunta vai

estar lá de novo, a cooperação trilateral, o Plano de Ação Conjunta que vai ser

lançado na próxima Cúpula, mas estamos aqui, quebrando a cabeça, brasileiros e

europeus, para encontrar a forma de operacionalizar melhor a cooperação. [...] A

gente tem muito o que construir no campo da cooperação trilateral, temos áreas

de atuação comuns [...] (informação verbal)46

.

45

Entrevista concedida pelo Entrevistado A. [nov. 2014]. Entrevistador: Eth Ludmilla de Gois

Vieira Nunes Rodrigues. 46 Entrevista concedida pelo Entrevistado do MRE. [nov. 2014]. Entrevistador: Eth Ludmilla de

Gois Vieira Nunes Rodrigues.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1313538/CA
Page 103: Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues Poder normativo na ... · anterior bipolaridade e o momento unipolar seguinte passaram a ser gradualmente substituídos por uma crescente multipolaridade.

103

Do lado europeu, o entrevistado B da Delegação também destaca a

continuação das discussões com o Brasil acerca da cooperação triangular. Para

ele, sobre esse aspecto,

não é porque não temos conseguido, até agora, numa escala importante, que

devemos renunciar. Eu acho que os nossos chefes políticos continuam com essa

ideia bastante forte...é a nossa obrigação, e temos um mandato de conseguir

superar esses obstáculos que mencionei para realmente chegar a algo concreto

(informação verbal)47

.

Nesse sentido, talvez o novo instrumento de financiamento da UE, o já

discutido Partnership Instrument (PI), represente uma solução para o problema,

pois

The EU's interaction with many countries around the world focuses on

development cooperation. The PI will offer a different approach to established

models of development cooperation by promoting policy cooperation with

countries of strategic interest to the EU. In particular, it will allow the EU to

establish a wider political dialogue with emerging partners. It will also support

the EU's relations with countries that are no longer eligible for bilateral

development aid (European Commission, 2015, s/n).

Nesse sentido, o Brasil, que foi recipiente do DCI tanto no âmbito regional

como bilateral, agora está desqualificado como receptor bilateral desse mesmo

instrumento. De 2014 a 2017, a cooperação com o Brasil será feita a partir do

Partnership Instrument, do DCI (apenas no âmbito regional) e de programas

temáticos48

. Como resultado do seu desempenho econômico, o Brasil passou a ser

considerado um país graduado e não se encontra mais elegível para a cooperação

bilateral, deixando de ser alvo bilateral direto da cooperação para o

desenvolvimento financiada pela União Europeia.

Sobre esse assunto, o entrevistado B justifica que

o Brasil é um país de renda média alta, o Brasil é um parceiro estratégico na

União Europeia, então, do ponto de vista político, não faz muito sentido uma

cooperação bilateral, no sentido da cooperação para o desenvolvimento. E um

aspecto mais operacional... se o objetivo da cooperação para o desenvolvimento é

a redução da pobreza, das desigualdades nos próprios beneficiários, então com

mais de 200 milhões de habitantes, imaginar que chegar com alguns milhões por

47

Entrevista concedida pelo Entrevistado B. [nov. 2014]. Entrevistador: Eth Ludmilla de Gois

Vieira Nunes Rodrigues. 48

Informações obtidas na página do SEAE sobre as relações da UE com o Brasil. Disponível em:

< http://www.eeas.europa.eu/brazil/index_en.htm >

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1313538/CA
Page 104: Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues Poder normativo na ... · anterior bipolaridade e o momento unipolar seguinte passaram a ser gradualmente substituídos por uma crescente multipolaridade.

104

ano, mesmo dezenas de milhões por ano, possa ter um impacto nesse objetivo, eu

acho que é um pouco ilusório. Eu acho que pela escala do país, pelo tamanho e

pelos montantes limitados da cooperação que tínhamos, é um pouco ilusório

(informação verbal)49

.

O entrevistado também pondera o caráter da parceria com o Brasil, já que

o estabelecimento da parceria estratégica implica considerar que as duas partes se

encontram no mesmo patamar e dialogam de igual para igual, o que não justifica

manter uma relação nos modos da cooperação para o desenvolvimento. Assim, o

advento do PI possibilitará operacionalizar a parceria com o Brasil de forma

diferenciada. O entrevistado A adiciona que o PI "is basically money used for the

EU working together with the whole world [...] but the focus is now, in the first

place, on the strategic partners. Of course Brazil is one of those" (informação

verbal)50

.

De forma similar e positiva, o entrevistado do MRE pondera que

em termos de cooperação para o desenvolvimento da União Europeia com o

Brasil, agora o Brasil está mudando, está se graduando, mudando de fase, o que é

muito natural e muito justo. [...] nós estamos deixando de ser receptores de ajuda

europeia para o desenvolvimento e estamos ingressando em uma nova fase da

nossa parceria nessa área que supõe a cooperação por projetos... é uma mudança

importante que está acontecendo exatamente agora. Nós deixamos de receber

ajuda da União Europeia para o desenvolvimento (informação verbal)51

.

O PI, como já discutido, é um novo instrumento, e as suas diretrizes

voltadas para o Brasil ainda não se encontram disponíveis. Oficialmente, os

resultados dessa mudança, assim como o progresso da parceria estratégica Brasil-

União Europeia só serão conhecidos na ocasião do lançamento do Plano de Ação

Conjunta (2014 - 2017) e da Declaração Conjunta da VIII Cúpula, que será

realizada no ano em vigor, além do diálogo entre as duas partes sobre as questões

multilaterais previamente discutidas.

Assim, dentro da cooperação internacional para o desenvolvimento, a

partir das entrevistas, a relação do Brasil com a UE precisa passar por muito

diálogo para progredir. O entrevistado do MRE acredita que

49 Entrevista concedida pelo Entrevistado B. [nov. 2014]. Entrevistador: Eth Ludmilla de Gois

Vieira Nunes Rodrigues. 50

Entrevista concedida pelo Entrevistado A. [nov. 2014]. Entrevistador: Eth Ludmilla de Gois

Vieira Nunes Rodrigues. 51

Entrevista concedida pelo Entrevistado do MRE. [nov. 2014]. Entrevistador: Eth Ludmilla de

Gois Vieira Nunes Rodrigues.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1313538/CA
Page 105: Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues Poder normativo na ... · anterior bipolaridade e o momento unipolar seguinte passaram a ser gradualmente substituídos por uma crescente multipolaridade.

105

dentro da cooperação para o desenvolvimento de uma forma mais ampla, a

gente parte de uma base muito sólida que é essa identidade de valores, essa

identidade histórico-cultural que o Brasil e os países da Europa, e a União

Europeia, compartilham. Eu acho que, saindo de uma base comum tão

importante, é mais fácil nós, pouco a pouco, construirmos uma visão também

comum, compartilhada, da cooperação para o desenvolvimento. Eu acho que o

futuro é promissor, e esse entendimento no nível mais abstrato vai redundar

também em um bom entendimento, em um entendimento cada vez melhor,

no nível da atuação em terceiros países. Acho que sim, que esse é o... são as

perspectivas do futuro, e um futuro não muito distante (informação verbal)52

.

De forma genérica, esse é o argumento que vem sendo utilizado há sete

anos, desde a criação da parceria estratégica. Entretanto, essa identidade histórico-

cultural e de valores não têm se transformado em convergência entre as partes no

âmbito multilateral.

5.5 Conclusões do capítulo

A relação entre o Brasil e a UE partiu, na última década, do inter-

regionalismo para a parceria estratégica a partir da constatação da União Europeia

- com o ESS - de que precisava fazer parcerias com potências emergentes, em

geral, e, em particular, da falência das negociações no âmbito do Mercosul e do

reconhecimento do Brasil como líder regional. Assim, o Brasil foi o 6º país

abordado pela UE com o objetivo de firmar uma parceria estratégica.

Apesar de uma importante mudança institucional da UE, a parceria

estratégica com o Brasil, de modo geral e no campo da cooperação internacional

para o desenvolvimento, têm trazido resultados inferiores aos esperados,

exemplificando a discussão realizada no capítulo anterior. Duas dimensões foram

ressaltadas como resultados da parceria estratégica entre a UE e o Brasil no campo

cooperação internacional para o desenvolvimento: a cooperação triangular e a

multilateral.

Enquanto as primeiras Declarações Conjuntas das Cúpulas Brasil-UE

afirmam a importância de iniciativas de cooperação triangular entre as partes, no

plano prático, estas iniciativas não lograram êxito, de acordo com os

entrevistados. Do ponto de vista da UE, há limites contábeis e legais para a

52

Entrevista concedida pelo Entrevistado do MRE. [nov. 2014]. Entrevistador: Eth Ludmilla de

Gois Vieira Nunes Rodrigues.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1313538/CA
Page 106: Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues Poder normativo na ... · anterior bipolaridade e o momento unipolar seguinte passaram a ser gradualmente substituídos por uma crescente multipolaridade.

106

operacionalização da CTR nos moldes do Brasil. Além disso, a UE busca maior

divisão dos custos da cooperação, inclusive orçamentários. Do lado brasileiro,

também se enfatizam os limites orçamentários da UE, além do fato de que o papel

do Brasil na CTR seria o de fornecer o conhecimento técnico, e não arcar com

custos orçamentários.

Como resultado do seu desempenho econômico, o Brasil passou a ser

considerado um país graduado da ajuda bilateral da UE e está atualmente

enquadrado no novo mecanismo de financiamento da UE, o Partnership

Instrument. Esse instrumento, voltado para os países emergentes ‘de interesse

estratégico’, e desvinculado das regras da AOD, traz a possibilidade de solucionar

os problemas descritos na cooperação triangular. Como revelado em entrevista

com o representante do MRE, essa modalidade de cooperação estará presente no

próximo Plano de Ação Conjunta, então há a possibilidade de progresso nessa

área.

Quanto à cooperação no âmbito multilateral, há dúvidas quanto à

possibilidade de convergência, que se encontra emperrada pelas diferenças no

discurso Norte/Sul. As abordagens do Brasil e da União Europeia diferem e o fato

do Brasil estar investindo mais no BRICS - que seguem progredindo na criação do

Novo Banco de Desenvolvimento - não traz perspectivas de mudança nessa

esfera. Ao afirmar que, futuramente, a cooperação "será mais parecida com a

Cooperação Sul-Sul do que com a cooperação prestada pelos países desenvolvidos

hoje em dia" e, assim, fortalecer o ponto de vista brasileiro, o representante do

MRE confirma essa constatação.

Como demonstrado no debate, as parcerias estratégicas, inclusive aquela

com o Brasil, não alcançaram os resultados esperados. Por conseguinte, estas não

colaboraram para a consecução do multilateralismo efetivo, o que enfraquece o

conceito de Normative Power Europe e o seu caráter unidirecional. Essa

constatação enaltece, assim, o fato de que, ao mesmo tempo em que são

socializadas, as potências emergentes também promovem a socialização, ou seja,

também possuem agência, não são apenas passivas à socialização.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1313538/CA
Page 107: Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues Poder normativo na ... · anterior bipolaridade e o momento unipolar seguinte passaram a ser gradualmente substituídos por uma crescente multipolaridade.

107

6. Considerações finais

O presente trabalho buscou compreender como a União Europeia tem

respondido discursivamente e institucionalmente à crescente atuação das

potências emergentes no campo da cooperação internacional para o

desenvolvimento, especialmente o Brasil. Assim, duas questões guiaram a

pesquisa, a saber, 1) Como a atuação das potências emergentes tem influenciado

as mudanças institucionais e discursivas da União Europeia no campo do

desenvolvimento internacional? e, 2) Como a União Europeia enquadra o Brasil

dentro das mudanças institucionais e discursivas?

A ajuda ao desenvolvimento do Norte, assim como seus procedimentos e

normas, tem sido questionada pelas potências emergentes e, assim, a União

Europeia vê o sistema de governança que ajudou a construir ser contestado.

Mesmo com o recente reconhecimento da CSS no fórum de Busan sobre a

eficácia da ajuda – do CAD-OCDE -, potências emergentes, dentre elas o Brasil,

continuam a ver a predominância dos interesses do Norte nela e, assim, não se

mostram interessadas da agenda proposta. Na realidade, o Brasil tem dado

preferência aos fóruns do Sul, como o BRICS. Diante do cenário global em

transformação, a UE tem enfrentado o desafio de se reposicionar como ator

internacional e, ao identificar que as ameaças enfrentadas pela UE e pelo mundo

necessitavam de soluções globais, manifestou a necessidade de cooperar com

potências emergentes no ESS, em 2003. Desde então, a UE tem realizado

diversas mudanças institucionais e discursivas, a saber, o discurso do

multilateralismo efetivo, a criação de parcerias estratégicas, o Consensus on

Development, o Tratado de Lisboa, a Agenda for Change e os discutidos

mecanismos de financiamento da cooperação para o desenvolvimento. Com a

pesquisa, constatou-se dois aspectos comuns a todas, em maior ou menor grau: a

busca da UE por mais consenso interno para melhor representatividade externa e a

procura por formas de abordar os países emergentes.

O estabelecimento de parcerias estratégicas com atores-chave, a

responsabilidade do Alto Representante e do SEAE sobre a relação com os

parceiros estratégicos, a constituição de uma política específica para países

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1313538/CA
Page 108: Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues Poder normativo na ... · anterior bipolaridade e o momento unipolar seguinte passaram a ser gradualmente substituídos por uma crescente multipolaridade.

108

emergentes com a Agenda for Change e o estabelecimento do Partnership

Instrument denotam políticas e mecanismos institucionais da UE que abordam

potências emergentes. Esses mecanismos podem ser compreendidos como

instrumentos do poder normativo da UE. As parcerias estratégicas, por exemplo,

demonstram, além do reconhecimento da UE da relevância desses países, uma

plataforma de diálogo para a criação de entendimentos compartilhados e atuação

conjunta no âmbito multilateral. Mais que isso, sendo as parcerias estratégicas um

meio para alcançar o multilateralismo efetivo, elas representam um modo da UE

aproximar seus parceiros estratégicos dos círculos onde as normas da organização

predominam, exercendo, assim, o seu poder normativo.

O Brasil foi o 6º país com o qual a UE se aproximou no intuito de firmar

uma parceria estratégica. No entanto, em geral e no campo do desenvolvimento, a

parceria estratégica não tem alcançado o objetivo do multilateralismo efetivo,

tendo a cooperação enfrentado problemas tanto no âmbito trilateral quanto

multilateral. A despeito da importância política dada à cooperação triangular, no

plano prático, do ponto de vista da UE, ela enfrenta limites orçamentários e de

restrições legais para que ocorra e, nesse sentido, a organização espera

comprometimento orçamentário também do Brasil, compartilhando os custos da

cooperação. Do lado do Brasil, também se destacam as restrições orçamentárias

da UE, mas ressalta-se que a contribuição brasileira ocorre através do

fornecimento do seu conhecimento técnico, não o financeiro.

Como consta na Agenda for Change, vários países ‘graduaram’ da ajuda

da UE, não podendo mais ser receptor da AOD bilateral da UE a partir de 2014,

uma lista que teve como referência aquela disponibilizada pelo CAD-OCDE com

a classificação dos países beneficiários por renda. O Brasil, país graduado, deixou

de receber AOD através do Development Cooperation Instrument da UE, um

movimento que pode ser entendido como forma de redução de custos,

compartilhamento de responsabilidades e, ao ver o país como ‘doador’ e não mais

‘beneficiário’, de impulsionar a adoção das práticas empregadas pelo Norte. O

Brasil passou então a ser enquadrado no novo mecanismo de financiamento, o

Partnership Instrument, que é, desvinculado das regras da AOD e, assim, possui

uma flexibilidade que pode solucionar os problemas encontrados na cooperação

triangular. As diretrizes da UE para a utilização desse instrumento com o Brasil

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1313538/CA
Page 109: Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues Poder normativo na ... · anterior bipolaridade e o momento unipolar seguinte passaram a ser gradualmente substituídos por uma crescente multipolaridade.

109

ainda não se encontram disponíveis, mas, de acordo com as entrevistas realizadas,

há interesse de ambas as partes em progredir com a cooperação triangular.

Em referência à cooperação multilateral, há dúvidas quanto à possibilidade

de concordância entre a UE e o Brasil no campo da cooperação para o

desenvolvimento. Enquanto a UE integra a esfera das normas do CAD-OCDE

nessa área, o Brasil procura se afastar dela, identificando-se com o Sul global e

buscando cooperação com outros atores do Sul, especialmente o BRICS. Nesse

sentido, o banco dos BRICS, programado para entrar em funcionamento em 2016,

poderá representar uma inovação e uma alternativa na esfera da cooperação para o

desenvolvimento. Enquanto a política de desenvolvimento da UE foca na

erradicação da pobreza no contexto do desenvolvimento sustentável, na boa

governança, nos direitos humanos, políticos, sociais e ambientais, o Banco do

BRICS se prepara para financiar, primordialmente, investimentos em

infraestrutura, trazendo competitividade ao campo e mais receio do Norte53

.

A governança internacional da ajuda tem sua credibilidade afetada pela

persistência da pobreza mundial, mesmo após várias décadas de recursos voltados

para o desenvolvimento. Assim, para a área da cooperação internacional para o

desenvolvimento, os resultados da presente pesquisa indicam que, apesar das

estatísticas evidenciarem que a CSS representa uma parcela pequena da AOD

global, o Norte se preocupa com a sua expansão e com a possibilidade de que se

torne uma alternativa. Desse modo, criam-se mecanismos institucionais de

inserção na CSS, seja por meio do reconhecimento multilateral da sua importância

ou do estabelecimento de relações especiais com seus atores. Países emergentes,

por outro lado, veem algumas dessas iniciativas com desconfiança e preferem dar

prioridade aos seus empreendimentos próprios.

Em resposta às questões norteadoras do presente trabalho, os resultados da

pesquisa mostram que, a despeito da autopercepção da UE como potência

normativa, essa não é uma percepção compartilhada pelas potências emergentes.

Ainda, as diversas mudanças institucionais e discursivas identificadas evidenciam

o impacto da atuação das potências emergentes na UE. Isso demonstra que esses

atores não são passivos à absorção de valores e projetos da UE, mas que possuem

agência e que procuram trazer à mesa os seus próprios princípios e práticas.

53

Para mais informações, ver endereço eletrônico da VI Cúpula BRICS, disponível em:

<http://brics6.itamaraty.gov.br/pt_br/>

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1313538/CA
Page 110: Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues Poder normativo na ... · anterior bipolaridade e o momento unipolar seguinte passaram a ser gradualmente substituídos por uma crescente multipolaridade.

110

Assim, há um contexto de socialization as a two-way process, em que, além de

influenciar, a UE também sofre influência da agência das potências emergentes.

Desse modo, confirma-se a primeira hipótese levantada, a de que “supõe-se que a

crescente atuação das potências emergentes tem influenciado a União Europeia, o

que provocou mudanças institucionais e discursivas na organização”.

No contexto de mudanças institucionais e discursivas da UE, o Brasil

passa a ser enquadrado como um parceiro estratégico e, posteriormente, deixa de

ser beneficiário da sua AOD bilateral para ser abordado através do Partnership

Instrument. Esses mecanismos são tidos como instrumentos para a

operacionalização do Normative Power Europe, que objetiva alcançar o

multilateralismo efetivo. Dessa forma, demonstra-se a segunda hipótese levantada

para o presente trabalho, em que “presume-se que, a União Europeia enquadra o

Brasil dentro de modalidades específicas de cooperação, no quadro das mudanças

institucionais e discursivas realizadas, de forma a assegurar o seu poder normativo

e alcançar multilateralismo efetivo.

O ano de 2015 vai trazer respostas fundamentais para o campo da

cooperação internacional para o desenvolvimento. Nesse ano, prevê-se a

divulgação dos valores, normas e procedimentos que permearão o funcionamento

do citado Banco dos BRICS, o que permitirá uma melhor compreensão da futura

atuação do grupo. Além disso, chegará ao fim a agenda dos Objetivos de

Desenvolvimento do Milênio, e o quadro que os substituirá, o da agenda pós-

2015, encontra-se em processo de negociação, em que nela se fazem presentes as

divergências Norte/Sul da área. Por outro lado, a União Europeia declarou o ano

de 2015 como o Ano Europeu do Desenvolvimento, demonstrando, assim, a

importância do desenvolvimento internacional na sua atuação externa, e o seu

interesse em alcançar apoio interno, da opinião pública, para a sua ajuda ao

desenvolvimento54

. No que se refere à relação Brasil – UE, o último Country

Strategy Paper – Brazil disponível é o do período 2007 – 2013, então ainda não se

conhecem as prioridades da UE no Brasil para o período financeiro de 2014 –

2020. Além disso, novas propostas e perspectivas para a cooperação entre o Brasil

e a União Europeia poderão ser esperadas na ocasião da próxima Cúpula anual.

54

Para mais informações, ver o endereço eletrônico do Ano Europeu do Desenvolvimento,

disponível em: <https://europa.eu/eyd2015/pt-pt/content/eu-development-aid>

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1313538/CA
Page 111: Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues Poder normativo na ... · anterior bipolaridade e o momento unipolar seguinte passaram a ser gradualmente substituídos por uma crescente multipolaridade.

111

O presente trabalho representou um esforço no sentido de preencher

lacunas em relação ao impacto da atuação das potências emergentes na esfera do

desenvolvimento internacional – ou da Cooperação Sul-Sul - na tradicional ajuda

oficial ao desenvolvimento do Norte, especificamente da União Europeia. A

pesquisa resultante dele evidenciou que o desempenho dessas potências

emergentes influencia políticas da ajuda ao desenvolvimento da União Europeia.

Assim, como se comparam as estratégias de cooperação para o

desenvolvimento dos principais Estados-membros da UE com aquelas da

organização comunitária? Quais estratégias os principais Estados-membros da UE

utilizam para abordar a Cooperação Sul-Sul? Como o Brasil se relaciona com os

principais Estados-membros da UE na cooperação internacional para o

desenvolvimento? Como a UE aborda os demais membros do BRICS na esfera da

cooperação internacional para o desenvolvimento? Em decorrência das reflexões

levantadas nesse estudo, essas são algumas questões que podem ser abordadas

para uma futura agenda de pesquisa sobre a relação dos países emergentes na

agenda da União Europeia.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1313538/CA
Page 112: Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues Poder normativo na ... · anterior bipolaridade e o momento unipolar seguinte passaram a ser gradualmente substituídos por uma crescente multipolaridade.

112

7. Referências bibliográficas

ABDENUR, Adriana Erthal; FONSECA, João Moura. The North’s Growing

Role in South–South Cooperation: keeping the foothold. Third World

Quarterly, vol. 34, n. 8, 1475-149, 2013. Disponível em: <

http://dx.doi.org/10.1080/01436597.2013.831579>. Acesso em: Abril 2014.

ABDENUR, Adriana. Emerging powers as normative agents: Brazil and

China within the UN development system. Third World Quarterly, v. 35, n.

10, p. 1876-1893, 2014. Disponível em: <

http://dx.doi.org/10.1080/01436597.2014.971605> Acesso em: Jan 2015.

AGÊNCIA BRASILEIRA DE COOPERAÇÃO (ABC). Diretrizes para o

Desenvolvimento da Cooperação Técnica Internacional Multilateral e

Bilateral. Brasília, ABC, 2014, 4ª ed. Disponível em: <

http://www.abc.gov.br/Content/ABC/docs/ManualDiretrizesCooperacaoReceb

ida-4%20Ed_Diagramada_2014.pdf> Acesso em: Dez 2014.

ARMIJO, Leslie Elliott; ROBERTS, Cynthia. The Emerging powers and

global governance: Why the BRICS matter. Handbook of Emerging

Economies. New York: Routledge, 2014. Disponível em:

<http://www.leslieelliottarmijo.org/wp-content/uploads/2011/02/ArmRobts-

13-July-20-BRICS.pdf> Acesso em: Dez 2014.

AYLLÓN PINO, Bruno. A Cooperação triangular e as transformações da

Cooperação Internacional para o Desenvolvimento. Brasília: Instituto de

Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), 2013a.

__________. El debate sobre la eficacia de la ayuda: reflexiones sobre su

aplicación a la cooperación Sur–Sur en el caso latinoamericano. El debate

sobre la eficacia de la ayuda: reflexiones sobre su aplicación a la cooperación

Sur–Sur en el caso latinoamericano. Revista Perspectivas do

Desenvolvimento, v. 1, n. 1, 2013b. Disponível em: <

http://periodicos.unb.br/index.php/perspectivasdodesenvolvimento/article/vie

w/9838> Acesso em: Jan 2015.

__________. Transformações globais, potências emergentes e cooperação

sul–sul: desafios para a cooperação europeia. CADERNO CRH: Salvador, v.

25, n. 65, p. 233-249, Maio/Ago. 2012.

BIRCHFIELD, Vicky. The EU's Development Policy: Empirical Evidence

of “Normative Power Europe”?. Paper apresentado no Tenth Biennial

International Conference of the European Union Studies Association.

Montreal, 2007, Mai 17 - 19. Disponível em <

http://aei.pitt.edu/7701/1/birchfield-v-09i.pdf. Acesso em: Mai, 2014.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1313538/CA
Page 113: Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues Poder normativo na ... · anterior bipolaridade e o momento unipolar seguinte passaram a ser gradualmente substituídos por uma crescente multipolaridade.

113

BONAGLIA, Federico; GOLDSTEIN, Andrea; PETITO, Fabio. 10 Values in

European Union development cooperation policy. In: LUCARELLI, Sonia;

MANNERS, Ian (Org). Values and Principles in European Union Foreign

Policy, 2006. New York: Routledge, 2006, p. 164 – 184.

BISCOP, Sven; RENARD, Thomas. A need for strategy in a multipolar

world: recommendations to the EU after Lisbon. Security Policy Brief nº 5,

Jan. 2010. Disponível em: <http://www.egmontinstitute.be/papers/10/sec-

gov/SPB-5_EU-Strategy-for-a-Multipolar-World.pdf> Acesso em: Set 2014.

BRASIL. Negociações da Agenda de Desenvolvimento Pós-2015:

Elementos Orientadores da Posição Brasileira. MRE: 2014. Disponível em:

< http://www.itamaraty.gov.br/images/ed_desenvsust/ODS-pos-bras.pdf>

Acesso em: Out 2014.

CABRAL, Lidia. The EU-Brazil partnership on development: a lukewarm

affair. European Strategic Partnerships Observatory (ESPO). Policy Brief,

v. 10, 2014. Disponível em:

<http://fride.org/download/PB10_The_EU_Brazil_partnership_on_developme

nt.pdf> Acesso em: Nov 2014.

CABRAL, Lídia; RUSSO, Giuliano; WEINSTOCK, Julia. Brazil and the

Shifting Consensus on Development Co‐operation: Salutary Diversions from

the ‘Aid‐effectiveness’ Trail? Development Policy Review, v. 32, n. 2, p.

179-202, 2014.

CASARINI, Nicola. The EU and China: Investing in a troubled partnership.

In: GREVI, Giovanni; RENARD, Thomas (Org.). Partners in crisis: EU

Strategic Partnerships and the Global Economic Downturn. European

Strategic Partnerships Observatory. Report 1, nov. 2012. Disponível em:

<http://www.fride.org/download/RP1_Partners_in_crisis.pdf> Acesso em:

Mai 2014

COMISSÃO EUROPEIA. Comunicação da Comissão ao Parlamento

Europeu e ao Conselho para uma Parceria Estratégica UE-Brasil.

Bruxelas: 2007. Disponível em: <http://eur-lex.europa.eu/legal-

content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:52007DC0281&from=PT> Acesso em:

Nov 2014.

CONSELHO DA UNIÃO EUROPEIA. Joint Statement – I Brazil -

European Union Summit. Bruxelas, 2007. Disponível em: <

http://www.consilium.europa.eu/uedocs/cms_data/docs/pressdata/en/er/95167.

pdf> Acesso em: Ago 2014.

__________. Joint Statement - II Brazil - European Union Summit. Rio de

Janeiro, 2008. Disponível em: <

http://eeas.europa.eu/brazil/docs/2008_ii_summit_joint_statement_en.pdf>.

Acesso em: Ago 2014.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1313538/CA
Page 114: Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues Poder normativo na ... · anterior bipolaridade e o momento unipolar seguinte passaram a ser gradualmente substituídos por uma crescente multipolaridade.

114

__________. Joint Statement - III Brazil - European Union Summit.

Bruxelas, 2009. Disponível em:

<http://www.consilium.europa.eu/uedocs/cms_data/docs/pressdata/en/er/1104

40.pdf > Acesso em: Ago 2014.

__________. Joint Statement - IV Brazil - European Union Summit.

Brasília, 2010. Disponível em: <

http://www.consilium.europa.eu/uedocs/cms_data/docs/pressdata/en/er/11581

2.pdf > Acesso em: Ago 2014.

__________. Joint Statement - V Brazil - European Union Summit.

Bruxelas, 2011. Disponível em: < http://eeas.europa.eu/brazil/docs/2011_eu-

brazil_summit_joint_statement_en.pdf>. Acesso em: Ago 2014.

__________. Joint Statement - VI Brazil - European Union Summit.

Brasília, 2013. Disponível em: <

http://www.europarl.europa.eu/intcoop/eurolat/key_documents/brazil/vi_eu_b

razil_summit_2013_en.pdf > Acesso em: Ago 2014.

__________. Joint Statement - VII Brazil - European Union Summit.

Bruxelas, 2014. Disponível em: <

http://www.consilium.europa.eu/uedocs/cms_data/docs/pressdata/en/ec/14114

5.pdf > Acesso em: Ago 2014.

COUNCIL OF THE EUROPEAN UNION. 2nd Brazil - European Union

Summit - Joint Statement. 2008. Disponível em:

<http://eeas.europa.eu/brazil/docs/2008_ii_summit_joint_statement_en.pdf>

Acesso em: Nov 2014.

DANTAS, Daniel F. S. Mangabeira. A singularização das relações Brasil -

União Européia (1930-2010). 113 f., Dissertação (mestrado em Relações

Internacionais) - Universidade de Brasília, Brasília, 2011. Disponível em:

<http://hdl.handle.net/10482/10150> Acesso em: Jan 2015.

DE RENZIO, Paolo; SEIFERT, Jurek. South–South cooperation and the

future of development assistance: mapping actors and options. Third World

Quarterly, v. 35, n. 10, p. 1860-1875, 2014. Disponível em: <

http://dx.doi.org/10.1080/01436597.2014.971603> Acesso em: Jan 2015.

DIEZ, Thomas. Normative power as hegemony. Cooperation and Conflict,

v. 48, n. 2, p. 194-210, 2013. Disponível em: <

http://dx.doi.org/10.1177/0010836713485387> Acesso em: Nov 2014.

EDLER, Daniel; LAZAROU, Elena. The EU and Brazil: a natural

partnership? European Union Institute for Security Studies. Issue Alert, n.

15, 28 fev 2014. Disponível em:

<http://www.iss.europa.eu/uploads/media/Alert_15_EU-Brazil.pdf> Acesso

em: Set 2014.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1313538/CA
Page 115: Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues Poder normativo na ... · anterior bipolaridade e o momento unipolar seguinte passaram a ser gradualmente substituídos por uma crescente multipolaridade.

115

ENTREVISTADO “A” (Delegação da União Europeia no Brasil – seção

Política, Economia e Imprensa). Entrevistador: Eth Ludmilla de Gois Vieira

Nunes Rodrigues. Entrevista online: Nov 2014. 1 arquivo .mp3 (23 min).

ENTREVISTADO “B” (Delegação da União Europeia no Brasil – seção

Desenvolvimento e Cooperação). Entrevistador: Eth Ludmilla de Gois Vieira

Nunes Rodrigues. Entrevista online: Nov 2014. 3 arquivos .m4a (38 min).

ENTREVISTADO DO MRE (Divisão da Europa). Entrevistador: Eth

Ludmilla de Gois Vieira Nunes Rodrigues. Entrevista online: Nov 2014. 1

arquivo .m4a (19 min).

ESTEVES, Paulo; ASSUNÇÃO, Manaíra. South–South cooperation and the

international development battlefield: between the oecd and the UN. Third

World Quarterly, v. 35, n. 10, p. 1775-1790, 2014. Disponível em:

<http://dx.doi.org/10.1080/01436597.2014.971591> Acesso em: Jan 2015.

EUROPEAN COMMISSION. Brazil: Country Strategy Paper 2007 – 2013.

2007. Disponível em: < http://eeas.europa.eu/brazil/csp/07_13_en.pdf>

Acesso em: Out 2014.

__________. Brazil: Country Strategy Paper/National Indicative

Programme 2007–2013 Mid Term Review and National Indicative

Programme 2011–2013. 2010. Disponível em:

<http://eeas.europa.eu/brazil/docs/brazil_csp_mid-term_review_en.pdf>

Acesso em: Out 2014.

__________. Development and Cooperation - EuropeAid - Brazil. 2014.

Disponível em: <https://ec.europa.eu/europeaid/countries/brazil_en>. Acesso

em: Ago 2014.

__________. Federative Republic of Brazil – European Community:

Country Strategy Paper 2001 – 2006 and National Indicative Program

2002 – 2006. 2002. Disponível em:

<http://eeas.europa.eu/brazil/csp/02_06_en.pdf> Acesso em: Out 2014.

__________. Increasing the impact of EU Development Policy: an Agenda

for Change. Comissão Europeia: Bruxelas, 2011. Disponível em: < http://eur-

lex.europa.eu/legal-

content/EN/TXT/PDF/?uri=CELEX%3A52011DC0637&qid=1412922281378

&from=EM> Acesso em: Out 2014.

__________. The Partnership Instrument, advancing the EU’s core

interests. 2015. Disponível em: <http://ec.europa.eu/dgs/fpi/what-we-

do/partnership_instrument_en.htm > Acesso em: Jan 2015.

EUROPEAN PARLIAMENTARY RESEARCH SERVICE. Development

Cooperation Instrument. 2014. Disponível em: <

http://epthinktank.eu/2014/02/13/the-development-cooperation-instrument/ >

Acesso em: Jan 2015.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1313538/CA
Page 116: Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues Poder normativo na ... · anterior bipolaridade e o momento unipolar seguinte passaram a ser gradualmente substituídos por uma crescente multipolaridade.

116

EUROPEAN UNION. The EEAS and EuropeAid. 2015. Disponível em:

<http://eeas.europa.eu/development-cooperation/index_en.htm> Acesso em:

Jan 2015.

__________. Report on the Implementation of the European Security

Strategy: Providing Security in a Changing World. 2008. Disponível em:

<http://www.consilium.europa.eu/uedocs/cms_data/docs/pressdata/en/reports/

104630.pdf> Acesso em: Nov 2014.

__________. The European Consensus on Development. Jornal Oficial da

União Europeia, 2006. Disponível em: <

http://ec.europa.eu/development/body/development_policy_statement/docs/ed

p_statement_oj_24_02_2006_en.pdf> Acesso em: Set 2014.

__________. The European Union explained: International cooperation

and development. Luxemburgo: Publications Office of the European Union,

2014. Disponível em: <

http://europa.eu/pol/pdf/flipbook/en/development_cooperation_en.pdf>

Acesso em: Dez 2014.

FAURE, Raphaëlle et al. EU development cooperation. Where have we got

to? What’s next? Report on a conference for EU Change-makers held at

ODI, London, on 24 & 25 June 2013. Londres: Overseas Development

Institute (ODI), 2013. Disponível em:

<http://www.odi.org/sites/odi.org.uk/files/odi-assets/publications-opinion-

files/8498.pdf> Acesso em: Nov 2014.

FEJERSKOV, Adam Moe. European Union Development cooperation in a

changing global context. DIIS Reports, Danish Institute for International

Studies (DIIS), 2013. Disponível em:

<https://www.econstor.eu/dspace/bitstream/10419/97063/1/774511311.pdf>

Acesso em: Set 2014.

FINNEMORE, Martha; SIKKINK, Kathryn. International norm dynamics and

political change. International organization, v. 52, n. 04, p. 887-917, 1998.

Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1162/002081898550789> Acesso em:

Jan 2015.

__________. Taking stock: the constructivist research program in

international relations and comparative politics. Annual review of political

science, v. 4, n. 1, p. 391-416, 2001. Disponível em:

<http://dx.doi.org/10.1146/annurev.polisci.4.1.391> Acesso em: Jan 2015.

FIORAMONTI, Lorenzo; POLETTI, Arlo. Facing the giant: Southern

perspectives on the European Union. Third World Quarterly, v. 29, n. 1, p.

167-180, 2008. Disponível em:

<http://dx.doi.org/10.1080/01436590701762900> Acesso em: Nov 2014.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1313538/CA
Page 117: Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues Poder normativo na ... · anterior bipolaridade e o momento unipolar seguinte passaram a ser gradualmente substituídos por uma crescente multipolaridade.

117

FIOTT, Daniel. The European Union’s Normative Power in a Multipolar

World. EUSA Biennial Conference. Boston: 2011. Disponível em: <

http://www.euce.org/eusa/2011/papers/9i_fiott.pdf> Acesso em: Out 2014.

FORSBERG, Tuomas. Normative Power Europe, Once Again: A Conceptual

Analysis of an Ideal Type. JCMS: Journal of Common Market Studies, v.

49, n. 6, p. 1183-1204, 2011. Disponível em:

<http://dx.doi.org/10.1111/j.1468-5965.2011.02194.x> Acesso em: Out 2014.

FURNESS, Mark. The European External Action Service: a new institutional

framework for EU development cooperation. German Development Institute

(DIE), Dicussion Paper, n. 15, 2010. Disponível em: <http://www.die-

gdi.de/uploads/media/DP_15.2010.pdf> Acesso em: Set 2014.

GEORGIEV, Lubomir. Journal Diplomacy. V. 6, jan/jun 2011. P. 204 – 215.

Disponível em: < http://bdi.mfa.government.bg/bg/Broj_06.pdf#page=205>

Acesso em: Jun 2014.

GREVI, Giovanni. The Interpolar World: A New Scenario. Occasional

Paper 79, Paris: EUISS, 2009. Disponível em : <

http://ftp.infoeuropa.eurocid.pt/database/000042001-

000043000/000042445.pdf>. Acesso em: Mai 2014.

__________. The rise of strategic partnerships: between interdependence and

power politics. In: GREVI, Giovanni; DE VASCONCELOS,

Alvaro. Partnerships for effective multilateralism: EU relations with Brazil,

China, India and Russia. Chaillot Paper, Institute for Security Studies (ISS),

v. 109, 2008, p. 145 – 172. Disponível em: <

http://www.iss.europa.eu/uploads/media/cp109_01.pdf> Acesso em: Set 2014.

__________. Why EU strategic partnerships matter. European Strategic

Partnerships Observatory (ESPO), Working Paper, v. 1, 2012. Disponível

em: <http://www.egmontinstitute.be/wp-content/uploads/2014/01/ESPO-

Grevi1-JUNE.pdf> Acesso em: Ago 2014.

HATTORI, Tomohisa. The moral politics of foreign aid. Review of

International Studies, v. 29, n. 02, p. 229-247, 2003. Disponível em: <

http://dx.doi.org/10.1017/S0260210503002298> Acesso em: Fev 2015.

HESS, Natalie. EU Relations with "Emerging" Strategic Partners: Brazil,

India and South Africa. GIGA Focus International Edition, 2012, n. 4.

Disponível em: <http://www.giga-

hamburg.de/de/system/files/publications/gf_international_1204.pdf>. Acesso

em: Fev. 2014.

HURRELL, Andrew. Hegemonia, liberalismo e ordem global: qual é o espaço

para potências emergentes? In: HURRELL, Andrew. (Org) Os BRICS e a

Ordem Global. Rio de Janeiro: FGV, 2009.

KAVALSKI, Emilian. The struggle for recognition of normative powers:

Normative power Europe and normative power China in

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1313538/CA
Page 118: Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues Poder normativo na ... · anterior bipolaridade e o momento unipolar seguinte passaram a ser gradualmente substituídos por uma crescente multipolaridade.

118

context. Cooperation and Conflict, v. 48, n. 2, p. 247-267, 2013. Disponível

em: < http://dx.doi.org/10.1177/0010836713485386> Acesso em: Nov 2014.

KEIJZER, Niels; KRÄTKE, Florian; VAN SETERS, Jeske. Meeting in the

Middle? Challenges and opportunities for EU cooperation with Middle-

Income Countries. European Centre for Development Policy Management

(ECDPM) Discussion Paper, n. 140, fev 2013. Disponível em:

<http://ecdpm.org/wp-content/uploads/2013/10/DP-140-Challenges-

Opportunities-EU-Cooperation-Middle-Income-Countries-2013.pdf> Acesso

em: Set 2014.

LARSEN, Henrik. The EU as a Normative Power and the Research on

External Perceptions: The Missing Link. JCMS: Journal of Common

Market Studies, v. 52, n. 4, p. 896-910, 2014. Disponível em:

<http://dx.doi.org/10.1111/jcms.12109> Acesso em: Nov 2014.

LAZAROU, Elena. Brazil and the European Union: Strategic Partners in a

Changing World? Hellenic Foundation For European And Foreign Policy

(ELIAMEP), 2011, working paper n. 24.

MANNERS, Ian. Normative Power Europe: A Contradiction in Terms?.

JCMS: Journal of Common Market Studies, 2002, vol. 40, p. 235–258.

Disponível em: <http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/1468-

5965.00353/pdf>. Acesso em: Ago. 2014.

__________. Assessing the decennial, reassessing the global: understanding

the European Union normative power in global politics. Cooperation and

conflict, v. 48, n. 2, p. 304-329, 2013. Disponível em: <

http://dx.doi.org/10.1177/0010836713485389> Acesso em: Nov 2014.

__________. The normative power of the European Union in a globalised

world. In: LAÏDI, Zaki (Org). EU Foreign Policy in a Globalized World:

Normative Power and Social Preferences. New York: Routledge, 2008, p.

23 – 37.

MAWDSLEY, E., SAVAGE, L. and KIM, S.-M. A ‘post-aid world'?

Paradigm shift in foreign aid and development cooperation at the 2011 Busan

High Level Forum. The Geographical Journal, 2014, vol. 180, p. 27–38.

MAWDSLEY, Emma. From recipients to donors: Emerging powers and

the changing development landscape. London: Zed Books, 2012.

McEWAN, C.; MAWDSLEY, E. Trilateral Development Cooperation: Power

and Politics in Emerging Aid Relationships. Development and Change,

2012, vol. 43, n. 6, p. 1185–1209.

MEDEIROS, Marcelo; LEITÃO, Natália. Bridge over trouble Waters: Brasil,

Mercosul, União Europeia (1980 – 2008). In: MARTINS, Estevão;

SARAIVA; Miriam. Brasil, União Europeia, América do Sul: anos 2010 –

2020. Rio de Janeiro: Fundação Konrad Adenauer, 2009.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1313538/CA
Page 119: Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues Poder normativo na ... · anterior bipolaridade e o momento unipolar seguinte passaram a ser gradualmente substituídos por uma crescente multipolaridade.

119

MOGHERINI, Federica. Palestra ministrada na ocasião do 4th Berlin

Policy Forum of the Körber Stiftung. Berlim:11 de nov 2014. Disponível

em:

<http://eeas.europa.eu/top_stories/2014/141114_mogherini_visit_berlin_riga_

en.htm> Acesso em: Jan 2015.

MOYO, Dambisa. Dead aid: why aid is not working and how there is

another way for Africa. Londres: Penguin Books, 2009.

NIU, Haibin. BRICS in Global Governance. Nova York: Friederich Ebert

Stiftung, 2012.

OPEN WORKING GROUP FOR SUSTAINABLE DEVELOPMENT

GOALS. Introduction to the Proposal of the Open Working Group for

Sustainable Development Goals. Organização das Nações Unidas, 2014.

Disponível em: <

http://sustainabledevelopment.un.org/content/documents/4518SDGs_FINAL_

Proposal%20of%20OWG_19%20July%20at%201320hrsver3.pdf>. Acesso

em: Ago 2014.

ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO

ECONÔMICO (OCDE). Declaração de Paris sobre a Eficácia da Ajuda ao

Desenvolvimento. ODCE: Paris, 2005. Disponível em: <

http://www.oecd.org/dac/effectiveness/38604403.pdf>. Acesso em: Set 2014.

_________. Agenda para Acção de Acra. OCDE: Acra, 2008. Disponível

em: < http://www.oecd.org/dac/effectiveness/41202060.pdf>. Acesso em: Set

2014.

_________. Parceria de Busan para uma Cooperação Eficaz para o

Desenvolvimento. OCDE: Busan, 2011. Disponível em: <

http://www.effectivecooperation.org/files/outcome_document_-

_final_por.pdf>. Acesso em: Set 2014.

_________. História da OCDE. 2015. Disponível em: <

http://www.oecd.org/about/history/> Acesso em: Fev 2015.

OTERO-IGLESIAS, Miguel. The EU and Brazil: What crisis? What

partner?What strategy? In: GREVI, Giovanni; RENARD, Thomas (Org.).

Partners in crisis: EU Strategic Partnerships and the Global Economic

Downturn. European Strategic Partnerships Observatory. Report 1, nov.

2012. Disponível em:

<http://www.fride.org/download/RP1_Partners_in_crisis.pdf> Acesso em:

Jan 2014

POLICY DEPARTMENT, DIRECTORATE-GENERAL FOR EXTERNAL

POLICIES. The EU foreign policy towards the BRICS and other emerging

powers: objectives and strategies. European Parliament, Out. 2011.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1313538/CA
Page 120: Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues Poder normativo na ... · anterior bipolaridade e o momento unipolar seguinte passaram a ser gradualmente substituídos por uma crescente multipolaridade.

120

POSTEL-VINAY, Karoline. The historicity of European normative power. In:

LAÏDI, Zaki (Org). EU foreign policy in a globalized world, Normative:

Power and Social Preferences. New York: Routledge, 2008, p. 38-48.

PU, Xiaoyu. Socialisation as a Two Way Process: Emerging Powers and the

Diffusion of International Norms. The Chinese Journal of International

Politics, 2012, vol. 5, p. 341 - 367. Disponível em:

<http://cjip.oxfordjournals.org/content/5/4/341.full.pdf+html>. Acesso em:

Jun 2014.

QUADIR, Fahimul. Rising Donors and the New Narrative of ‘South–

South’Cooperation: what prospects for changing the landscape of

development assistance programmes? Third World Quarterly, 2013, vol. 34,

ed. 2, p.321-338.

RENARD, Thomas. A BRIC in the World: Emerging Powers, Europe, and the

Coming Order. Egmont Royal Institute for International Relations.

Academia Press, 2009. Disponível em:

<http://www.egmontinstitute.be/paperegm/ep31.pdf> Acesso em: Jun 2014.

__________. The EU Strategic Partnerships Review: Ten Guiding

Principles. European Strategic Partnerships Observatory, 2012.

Disponível em: <

http://fride.org/download/PB2_EU_Strategic_Partnerships_Review.pdf>

Acesso em: Ago 2014.

__________. The treachery of strategies: a call for true EU strategic

partnerships. Egmont Paper, v. 45, 2011. Disponível em: <

http://www.egmontinstitute.be/wp-content/uploads/2013/09/ep45.pdf> Acesso

em: Out 2014.

RENARD, Thomas; BISCOP, Sven. A Need for Strategy in a Multipolar

World: Recommendations to the EU after Lisbon. Security Policy Brief,

Egmont Royal Institute for International Relations, v. 5, 2010. Disponível

em: < http://aei.pitt.edu/14426/1/SPB-5_EU-Strategy-for-a-Multipolar-

World.pdf> Acesso em: Set 2014.

SARAIVA, Miriam. Os limites da parceria estratégica Brasil-União Europeia

nos planos inter-regional e multilateral. In: SERBIN, Andrés; MARTÍNEZ;

Laneydi; RAMANZINI JÚNIOR, Haroldo. ¿Atlántico vs. Pacífico? América

Latina y el Caribe, los cambios regionales y los desafíos globales. Anuario

de la Integración Regional de América Latina y el Caribe, N. 10, 2014.

Disponível em: <http://www.cries.org/wp-content/uploads/2014/11/Anuario-

2014-1.pdf> Acesso em: Jan 2015.

__________. The European Union as a Global Actor in Times of Crisis:

Views from Outside. Konrad Adenauer Stiftung: Set 2013, publicação

eletrônica. Disponível em: <http://www.kas.de/wf/doc/kas_35326-1522-2-

30.pdf?130927164155> Acesso em: Nov 2014.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1313538/CA
Page 121: Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues Poder normativo na ... · anterior bipolaridade e o momento unipolar seguinte passaram a ser gradualmente substituídos por uma crescente multipolaridade.

121

SCHABLITZKI, Jan. The BRICS Development Bank: A New Tool for South-

South Cooperation? BPC Policy Brief, v. 5, n. 1. Rio de Janeiro: BRICS

Policy Center, 2014.

SCHLÄGER, Catrina. New Powers for Global Change?Challenges for

International Development Cooperation: The Case of Brasil. Friedrich Ebert

Stiftung, Briefing Paper 3, March 2007.

SCHREIBER, Mariana. Brasil lidera racha polêmico sobre novos objetivos do

milênio da ONU. BBC Brasil, 27 jun. 2014. Disponível em: <

http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/06/140627_objetivos_onu_ms

.shtml>. Acesso em: ago. 2014.

SÖDERBAUM, Fredrik; STÅLGREN, Patrik; VAN LANGENHOVE, Luk.

The EU as a global actor and the dynamics of interregionalism: a comparative

analysis. European Integration, v. 27, n. 3, p. 365-380, 2005. Disponível em:

<http://dx.doi.org/10.1080/07036330500190297> Acesso em: Dez 2014.

SOUSA, Sarah-Lea de. Brazil as an Emerging Actor in International

Development Cooperation: A Good Partner for European Donors? German

Development Institute. Briefing Paper n. 5. 2010. Disponível em:

<http://www.die-gdi.de/uploads/media/BP_5.2010.pdf > Acesso em: Dez

2014.

THAKUR, Ramesh. How representative are brics?. Third World Quarterly,

v. 35, n. 10, p. 1791-1808, 2014. Disponível em: <

http://dx.doi.org/10.1080/01436597.2014.971594> Acesso em: Jan 2015.

THOMAS, Caroline. Poverty, Development, and hunger. In: BAYLIS, John;

SMITH, Steve; OWENS, Patricia. The globalization of world politics: an

introduction to international relations. New York: Oxford University Press,

2008.

UNIÃO EUROPEIA. A secure Europe in a better world – European

Security Strategy. Bruxelas, 2003. Disponível em:

<http://www.consilium.europa.eu/uedocs/cmsUpload/78367.pdf> Acesso em:

Jul 2014.

__________.Serviço Europeu para a Ação Externa. 2015. Disponível em:

<http://europa.eu/about-eu/institutions-bodies/eeas/index_pt.htm> Acesso em:

jan 2015.

__________. Tratado de Lisboa, que altera o Tratado da União Europeia

e o Tratado que institui a Comunidade Europeia. Jornal Oficial da União

Europeia, 2007. Disponível em:

<https://www.ecb.europa.eu/ecb/legal/pdf/pt_lisbon_treaty.pdf> Acesso em:

Dez 2014.

VASCONCELOS, Álvaro de.The European Union and the New

Multilateralism. In: Vasconcelos, Álvaro de; JAGUARIBE, Helio. (Org.) The

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1313538/CA
Page 122: Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues Poder normativo na ... · anterior bipolaridade e o momento unipolar seguinte passaram a ser gradualmente substituídos por uma crescente multipolaridade.

122

European Union, Mercosul and the New World Order. Londres: Frank

Cass, 2003. P. 26 – 40.

VI CÚPULA BRASIL-UNIÃO EUROPEIA. Declaração Conjunta. Brasília,

2013. Disponível em:

<http://www.eeas.europa.eu/delegations/brazil/documents/eu_brazil/declaraca

o_conjunta_cimeira2013_pt.pdf>

WEISS, Thomas; ABDENUR, Adriana Introduction: emerging powers and

the UN – what kind of development partnership? Third World Quarterly,

vol. 35, n. 10, p. 1749-1758, 2014. Disponível em: <

http://dx.doi.org/10.1080/01436597.2014.971583>. Acesso em: Jan 2015.

WHITMAN, Richard G. The neo-normative turn in theorising the EU’s

international presence. Cooperation and conflict, v. 48, n. 2, p. 171-193,

2013. Disponível em: < http://dx.doi.org/10.1177/0010836713485538>

Acesso em: Nov 2014.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1313538/CA